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Sexta-feira, 2 de Maio de 1997 2323 I Série - Número 67

DIÁRIO Da Assembleia da República

VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 30 DE ABRIL DE 1997

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Rosa Maria. da Silva Bastos da Horta Albernaz

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação das propostas de lei n.os 88 e 89/VII, dos projectos de lei n.os 323 a 327/VII e 329/VII, da ratificação n.º 30/VII e da interpelação n.º 8/VII, bem como de requerimentos e da resposta a alguns outros.
A Câmara aprovou um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à retoma de mandato de um Deputado do PSD.
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 83.º do Regimento, o Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia (Mariano Gago) deu conta à Assembleia da apresentação do Livro Verde para a Sociedade da Informação em Portugal e respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Carlos Zorrinho (PS), Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP), Carlos Coelho (PSD), Lino de Carvalho (PCP) e José Magalhães (PS).
O Sr. Deputado Gavino Paixão (PS) referiu-se ao Baixo Alentejo e elogiou a política seguida pelo Governo.
O Sr. Deputado Luís Marques Guedes (PSD) fez o anúncio da apresentação do projecto de lei do .seu partido sobre finanças locais, tendo respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Junqueiro (PS) e Luís Sá (PCP).
O Sr. Deputado Antonino Antunes (PSD) trouxe à colação algumas das principais carências do distrito de Viana do Castelo.
O Sr. Deputado Bernardino Soares (PCP) falou sobre problemas que afectam as populações do distrito da Guarda.
Após discussão, foi aprovado o voto n.º 69/VII (PCP) - De solidariedade para com. os trabalhadores rurais sem terra do Brasil, saudando a marcha que teve lugar em Brasília. Intervieram no debate os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), Carlos Luís (PS). Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP) e Azevedo Soares (PSD).

Ordem do dia. - Procedeu-se à apreciação conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os l27/VII - Lei-quadro das empresas públicas municipais, intermunicipais e regionais (PCP) - e 320/VII - Lei-quadro das empresas municipais e intermunicipais (CDS-PP) -, bem como da proposta de lei n.º 86/VII - Cria empresas públicas municipais e intermunicipais -, tendo intervindo, a diverso título, além do Sr. Secretario de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território (José Augusto de Carvalho), os Srs. Deputados Luís Sá (PCP), Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP), Manuel Jorge Goes (PS). Falcão e Cunha e Fernando Pedro Moutinho (PSD) e Nuno Abecasis (CDS-PP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Moreira Raposo.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.

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Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas, os requerimentos e as respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: propostas de lei n.ºs 88/VII Limita o acesso da iniciativa económica privada a determinadas actividades económicas, que baixou às l.ª e 5.ª Comissões, e 89/VII - Define as bases gerais a que obedece o estabelecimento, gestão e exploração de redes de telecomunicações e a prestação de serviços de telecomunicações, que baixou à 4.º Comissão; projectos de lei n.º 323/VII - Elevação da povoação de Massamá, no concelho de Sintra, à categoria de vila (Deputado do PSD António Rodrigues), que baixou à 4.º Comissão, 324/VII - Criação da freguesia das Mercês, no concelho de Sintra (Deputado do PSD António Rodrigues); que baixou, igualmente, à 4.ª Comissão, 325/VII - Alteração ao Decreto-Lei n.º 166/94, de 9 de Junho (Altera o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, o regime do IVA nas transacções intracomunitárias e legislação diversa) (CDS-PP), que baixou à 5.ª Comissão, 326/VII - Garante iguais condições de acesso ao trabalho de estrangeiros em território nacional (Revoga o Decreto-Lei n.º 97/77, de 17 de Março) (Os Verdes), que baixou às 1.º e 8.º Comissões, 327/VII - Alteração da Lei de Bases do Sistema Educativo (Os Verdes), que baixou à 6.ª Comissão, e 329/VII - Altera a Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo) (PCP), que baixou também à 6.ª Comissão; ratificação n.º 30/VII - Decreto-Lei n.º 67/ 97, de 3 de Abril, que estabelece o regime jurídico das sociedades desportivas (PCP); interpelação n.º 8/VII Sobre política geral, centrada nas questões da regionalização (CDS-PP).
Foram apresentados à Mesa vários requerimentos. Na reunião plenária de 17 de Abril de 1997: à Comissão Nacional de Eleições e a diversos Ministérios, formulados pela Sr.ª Deputada Filomena Bordalo; ao Ministério da Saúde, formulado, pela Sr.ª Deputada Lucília Ferra; aos Ministérios da Administração Interna e da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Roleira Marinho; ao Ministro-Adjunto, formulado pelo Sr. Deputado Costa Pereira; à Secretaria de Estado da Habitação, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho; ao Governo, formulado pela Sr.ª Deputada Isabel Castro.
No dia 22 de Abril de 1997: ao Sr. Primeiro-Ministro, formulado pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira; ao Ministério da Saúde, formulado pela Sr' Deputada Luísa Mesquita.
Na reunião plenária de 23 de Abril de 1997: ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Alegre; ao Ministério para a Qualifica-

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ção e o Emprego, formulado pelo Sr. Deputado Costa Pereira; à Secretaria de Estado da Comunicação Social, formulado pela Sr.ª Deputada Manuela Aguiar; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado António Gaivão Lucas; ao Governo e a diversos Ministérios, formulado pelo Sr. Deputado Bernardino Soares; à Câmara Municipal de Caminha, formulado pelo Sr. Deputado Roleira Marinho.
Na reunião plenária de 24 de Abril de 1997: ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pela Sr.ª Deputada Elisa Damião; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Bernardino Soares; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Mota Amaral; aos Ministérios para a Qualificação e o Emprego e da Solidariedade e Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado Costa Pereira; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Adriano Azevedo; aos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Saúde, formulados pelo Sr. Deputado Jorge Roque Cunha; ao Ministro da Presidência e à Junta Metropolitana de Lisboa, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho; ao Tribunal de Contas, formulado pelo Sr. Deputado Roleira Marinho.
Entretanto, nos dias 21, 22 e 24 de Abril de 1997, o Governo respondeu aos requerimentos formulados pelos Srs. Deputados Sílvio Rui Cervan, na sessão de 5 de Fevereiro, António Rodrigues, na sessão de 28 de Fevereiro, e Filomena Bordalo, na sessão de 17 de Abril.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai ainda dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a retoma de um Deputado.
Tem a palavra, Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer é do seguinte teor:

1 - Em reunião da Comissão. de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, realizada no dia 30 de Abril de 1997, pelas 10 horas, foi observada a seguinte retoma de mandato de Deputado:
Retoma de mandato, nos termos do artigo 6.º, n.ºs 1 e 2, do Estatuto dos Deputados (Lei n.º 7/93, de 1 de Março)
Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata (PSD):
António Manuel Taveira da Silva (Círculo Eleitoral do Porto), em 29 de Abril corrente, inclusive, cessando João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
2 - Analisados os documentos de que a Comissão dispunha, verificou-se que a retoma de mandato indicada obedece aos preceitos regimentais e legais aplicáveis.
3 - Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
A retoma de mandato em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está, em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação; foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos, então,...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas gostaria de interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, o Grupo Parlamentar do PCP acabou de entregar na Mesa um voto de protesto contra as decisões ontem tomadas pelo Conselho Europeu de Assuntos Gerais, visando uma nova liberalização da importação de produtos têxteis provenientes de países terceiros, em violação, inclusivamente, do período de transição negociado no quadro dos Acordos do GATT.
Sabemos que este voto de protesto, pelo facto de ter entrado neste momento, só pode ser votado hoje se houver consenso para esse efeito.
Tendo em conta o manifesto interesse nacional desta questão, a sua manifesta actualidade e também os termos em que o voto está redigido, solicito à Mesa e ao Sr. Presidente que efectuem as diligências necessárias, junto das várias bancadas, no sentido de se saber se há consenso para que este voto, repito, de manifesto interesse nacional, possa ser votado ainda hoje.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, suponho que as direcções das várias bancadas ouviram o apelo do Sr. Deputado Lino de Carvalho, pelo que pergunto se há consenso para se poder discutir e votar ainda hoje o voto de protesto.

Pausa.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, o meu grupo parlamentar não concorda com a discussão do voto na sessão de hoje.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, e porque basta que uma bancada não concorde, a discussão e votação do voto far-se-ão na próxima sessão plenária.
Srs. Deputados, neste período de antes da ordem do dia não haverá lugar a declarações políticas, pelo que . vamos prosseguir com uma intervenção do Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia, ao abrigo do n.º 2 do artigo 83.º do Regimento da Assembleia da República.
A grelha de tempos para esta figura regimental já se encontra visível no painel de tempos. O Sr. Ministro dispõe, inicialmente, de 10 minutos para fazer a sua intervenção e, no final, poderá usar 5 minutos para responder às questões que lhe forem colocadas.
Tem a palavra, Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia.

O Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia (Mariano Gago): - Ex.mo Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: É com muita honra que me dirijo a vós, na apresentação do Livro Verde para a Sociedade da Informação em Portugal, que já tive ocasião de distribuir e espero que tenha chegado a todos os Srs. Deputados.
Este é, provavelmente, o primeiro texto político em Portugal cuja construção pôde ser permanentemente seguida, vigiada e comentada na Internes e em múltiplas reuniões abertas especializadas.
Ao longo de um ano, foram muitos os que, em vários sectores da sociedade portuguesa, contribuíram activa e abertamente para a preparação deste texto. A sua própria génese e formação foi, assim, um exercício inovador de democracia participada, num contexto de decisão clara e de orientações responsáveis.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

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O Orador: - Seria uma ilusão confundir o Livro Verde com uma meta atingida. Ele é, antes, o rasto momentâneo e simbólico de um movimento da sociedade que temos o privilégio histórico de poder catalisar e fomentar -, movimento cada vez mais participado e exigente, cuja força vital se confunde com a própria vitalidade do País em busca de futuro.
As sociedades não perdem nunca o seu lastro histórico; o desejo da sociedade da informação e do conhecimento não faz uma sociedade nova, é a renovação de um ideal antigo, a proclamação de uma liberdade desejada, a fome de modernidade e de justiça, como se, de repente, as possibilidades técnicas tornassem insuportáveis os entraves burocráticos, a sufocação autoritária, a privação de informação e de saber.
À cabeça deste Livro Verde colocámos, como não podia deixar de ser, a questão decisiva da democraticidade e o combate à exclusão.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - A técnica não escolhe por nós nem os valores nem as acções. A nossa responsabilidade fica inteira a cada mutação tecnológica. As tecnologias de informação podem servir para libertar formas de cidadania e fazer desabrochar solidariedades, mas também podem usar-se para controlar e fichar mais comodamente os cidadãos, para punir e vigiar o pensamento livre, para, sabiamente, perseguir e, cientificamente, torturar.
Não somos tecnicistas! Ao tomarmos como nosso este lema geral, sedutor e, aparentemente, neutro da sociedade de informação, retirámos-lhe a falsa neutralidade e tomámos, antes de mais, partido: pela cidadania, contra a exclusão; pelo conhecimento, contra a manipulação do espírito; pela liberdade, contra a opressão, especialmente contra a opressão confortada tecnicamente; pela inovação, contra os monopólios.

Aplausos do PS.

Começamos agora o trabalho de traduzir este Livro Verde - ele mesmo já concreto e desdobrado em medidas - em acções e programas de acção. Este trabalho só vale se for participado, exigente e orientado. Não será ao Estado que pode caber a maior parte da tarefa, mas certamente lhe caberá grande parte das responsabilidades, porque a concretizarão das acções apontadas exigirão, de caminho, a progressiva reforma da Administração, a diversificação de formas de gestão autónoma das coisas públicas, a exigência de avaliação e de qualidade.
A ciência, recentemente, soube mostrar à sociedade portuguesa a aplicação concreta de uma cultura de avaliação independente e- aberta, exigente e conclusiva. Tenhamos a coragem de aplicar este princípio generalizadamente.
Há um ano atrás, lançávamos o Programa Internet nas escolas, como eixo visível e prioritário da iniciativa nacional para a sociedade da informação, e definíamos o Estado aberto, a escola informada, a empresa flexível e o saber disponível como grandes vectores desta iniciativa. Em todas essas direcções, foram dados já passos decisivos, porque houve vontade e porque ela foi partilhada. Urge agora concretizar mais: acelerar a educação para a sociedade da informação e a disponibilização de meios de base e de recursos às escolas, às associações, às bibliotecas; promover, com urgência, a aplicação de novas tecnologias de informação à saúde e, muito especialmente, à vida das pessoas com deficiências; criar centros de tele-trabalho e reforçar, assim, neste terreno dinâmico, social e regionalmente útil, o combate pelo emprego; desenvolver formas de apoio à modernização empresarial, baseadas no uso de tecnologias e sistemas de informação e de telecomunicação; avaliar as práticas da Administração Pública que ainda hoje, reduzem a nossa cidadania e nos afastam do Estado aberto às pessoas, liberto de entraves burocráticos nocivos.
Sr; Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Ao dirigir-me ao Parlamento, não quero deixar de afirmar a consciência da imensa tarefa que hoje se nos coloca - mais do que nunca e, possivelmente, pela primeira vez na nossa História, de modo decisivo -, o desafio do conhecimento e da informação.
O ideal de uma sociedade de conhecimento e de informação afirma-se concretamente nas escolhas que decidirmos ter a coragem de assumir, como colectivo humano.
Não é fácil uma sociedade antiga e dual, de pouca instrução e muita retórica oca, mas discriminante, pouco dada à verdade da crítica, avessa à humildade de aprender com os outros, ou seja, porque somos poucos, com os estrangeiros necessariamente também, não é fácil querermos colectivamente, persistentemente, friamente, construir as nossas prioridades de futuro sobre o saber e o saber fazer, sobre a informação e o conhecimento partilhados, partilhados como vectores de progresso e valores de identidade social.
O Livro Verde quer-se contributo catalisador de acções futuras, fermento mobilizador e referência de trabalho.
O Parlamento pode ter, estou certo de que terá, nesta batalha difícil um papel decisivo. Não corporiza ele, de forma implícita, o retrato do País enquanto liberdade que se discute, se interroga, se conquista e se afirma em cada episódio ou percalço? Nas suas inquietações e conflito de incertezas não se espelha afinal a vontade de futuro e a dúvida da nação portuguesa?

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Por que não haveria de construir-se aqui, neste fim de século, o ideal de uma odisseia do conhecimento, de uma nova odisseia, grande desafio à medida da História que teimamos em lembrar e querer merecer?
Não são a história e a língua de um povo aberto ao mundo as substâncias primeiras da sua identidade tornada informação e conhecimento vivos, actualizados constantemente na renovação dos suportes técnicos, dos modos de difusão, das formas de ver?
A própria memória histórica das instituições, e do Parlamento, em primeiro lugar, não vive fora do modo de desenvolvimento social do conhecimento e da informação; ao escrever-se em suporte novo e diverso, ao transcrever-se em forma digital, ao repensar-se em hipertexto, aprofunda-se e renova-se, ganha outro sentido e conquista, nas sociedades modernas, uma escuta mais ampla e actual.
O pensamento não só se recria como também nos fabrica a nós próprios. Apostados numa sociedade da informação e do conhecimento, tornamo-nos melhores do que nós mesmos, mais cultos e mais informados, mais libertos do que interiormente nos prende e nos limita.
Esta liberdade e esta ambição querem-se colectiva e generosamente ou não vale a pena! Somos demasiadamente poucos, confrangedoramente ignorantes e segmentados e tradicionalmente pouco unidos neste canto de mundo, mas somos capazes de enfrentar desafios.

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Creio, sinceramente, ser este o único desafio colectivo que hoje vale a pena.
Tudo o que colectivamente nos irmana e nos ajuda a enfrentar a incerteza e a difícil renovação no ciclo fatal da vida; a língua, a história, o modo amável de nos reconhecermos nesta terra ou em qualquer outra parte do mundo, a identidade única de, constantemente, nos indignarmos connosco, com o País, sempre em devir, com o destino, sempre adiado, tudo o que faz de nós o que colectivamente somos, mesmo que não o queiramos,, tudo isso só sobreviverá se a civilização moderna do conhecimento exigente e exposto e da informação global brotar também de nós. Se ficarmos a vê-la passar, melancolicamente, como os navios da lenda, nem o miradouro que julgávamos nosso nos ficará, nem o olhar, nem a voz, e, por fim, nem a memória de um povo.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - O que hoje se acelerou no mundo foi a própria exigência de conhecimento e de informação, única forma de cristalização criativa e viva das sociedades abertas, muito mais rápida e ainda mais exigente nos pequenos países, como Portugal, cujo destino e memória hoje se joga apenas na sua força de civilização actualizada e produtiva.
Não se trata de um desafio técnico, mas eminentemente político. Não se trata de utensílios, mas de valores.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - O futuro está na ponta desta acção, que não pode, não deve falhar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Zorrinho.

O Sr. Carlos Zorrinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia, em nome da bancada do PS, saúdo V. Ex.ª pela iniciativa, politicamente muito relevante, que este Livro Verde dá corpo.
Esta iniciativa, pela sua oportunidade, pela qualidade do documento que foi produzido, pelo método participativo utilizado na sua elaboração - e V. Ex.ª muito bem o salientou - e ainda pela recusa extremamente importante do mito de que a sociedade da informação é democrática por natureza, traduz uma nova forma de exercício democrático. E essa nova forma de exercício democrático deve honrar o Governo de que V. Ex.ª faz parte e honra muito o Partido Socialista. Além disso, demonstra ainda que este Governo compreendeu plenamente os novos desafios que se colocam às sociedades, nomeadamente à sociedade portuguesa, nesta viragem de século. E é importante que o Governo o tenha compreendido, porque a ideia que esta Câmara dá é a de que ainda terá de compreendê-lo face à atenção que esta discussão está a despertar.
Dir-lhe-ia, Sr. Ministro, que a concretização das 72 medidas do Livro Verde constituirá a mais importante das reformas estruturais - hoje, que tanto se fala de reformas estruturais - que este Governo se propõe realizar. Diria mesmo que constituirá a reforma das reformas e será a principal infra-estrutura de modernização do País, no mundo global em que vivemos. É lamentável que alguns que, nesta Câmara e no País, vão dizendo e proclamando que o Governo não governa não se apercebam, pelo contrário, que o Governo governa, governa mais e governa melhor!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: -- Governa, Sr. Ministro e Srs. Deputados, com o novo sentido de modernidade, não se substituindo aos actores sociais, mas, antes, facilitando e abrindo os caminhos de mudança e desenvolvimento sustentado.
Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia, ao felicitá-lo por esta iniciativa, gostaria de felicitar também a equipa de missão que consigo trabalhou e todos os que, unidos pelo exercício de direito de cidadania, são igualmente responsáveis pela elaboração deste Livro Verde. E verdadeiramente um livro da sociedade portuguesa, um livro patrocinado pelo Governo. Aliás, esta metodologia dá a ideia de uma nova forma de modernidade no exercício da governação.
Manifesto ainda, Sr. Ministro, a total disponibilidade e empenho da bancada do meu partido para concretizar o plano de acção que, em concreto, permitirá viabilizar as medidas do Livro Verde.
Gostaria de focar a minha atenção exactamente no plano de acção, pela importância que terá, e pedir-lhe, Sr. Ministro, que, dentro do tempo disponível que tem, faça um detalhe sobre as linhas-mestras que irão presidir à elaboração desse plano de acção, consciente de que será, tal como o documento, um plano de acção da sociedade e não uma proposta feita e entregue como uma chave na mão à sociedade pelo Governo. .
Sr. Ministro, ao anunciar aqui essas linhas-mestras de orientação, penso que estará a dar mais um contributo de motivação e de mobilização dos actores sociais para que Portugal possa, neste dealbar do milénio, continuar a orgulhar-se por ser uma nação que é capaz de, em cada momento, dar novos mundos ao mundo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, não tive oportunidade de ler com a atenção que decerto mereceria este Livro Verde para a Sociedade da Informação, mas, aproveitando a presença do Sr. Ministro neste Plenário, gostaria de fazer-lhe uma pergunta, ainda que com a consciência de ser uma pessoa pouco informada nesta matéria, mas talvez por isso a minha pergunta possa ter algum interesse.
Não tenho qualquer espécie de dúvida dos potenciais enormes que a sociedade da informação tem e, sobretudo, não tenho qualquer espécie de dúvida de que esse é um desafio que tem de ser enfrentado e ganho. O que lhe pergunto é se esse desafio não é mais complicado e, decerto, não terá mais riscos, quando é feito a partir de uma sociedade em que ela própria ainda não atingiu o desenvolvimento desejado, em termos relativos e comparativos. Como é que se preparam as pessoas para uma sociedade da informação?
Concretamente, como é que previne estes dois riscos, que me parecem importantes: o da info-exclusão e o da info-alfabetização? Sobretudo, o segundo, pois, como sabe, não tem nem um ano e meio o estudo sobre a iliteracia. Pergunto se isto não pode, a dada altura, assentando ain-

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da numa base de pouca evolução e consubstanciação, acabar por trocar aquilo que devia na mesma existir, independentemente da sociedade da informação, por qualquer coisa de mais mecânico ou de mais sinalagmático.
Concretamente, em relação à escola, em que é que esta medida fundamental de aprender na sociedade da informação se deveria reflectir, por exemplo, na própria Lei de Bases do Ensino Educativo?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia, seja bem-vindo à Assembleia da República, seja bem-vindo nesta sua aparição pública! Como sabe, o seu desaparecimento era comentado por diversos sectores da sociedade portuguesa e até havia quem, em tom mais ou menos jocoso, o designasse por "Ministro da Ficção Científica" e não por Ministro da Ciência e Tecnologia.
V. Ex.ª aparece-nos hoje, aqui, com o Livro Verde para a Sociedade da Informação, que foi um estudo participado, um documento com ambições. O PSD não vai fazer dois discursos extremos: nem vai fazer um discurso laudatório, como fez o Sr. Deputado Carlos Zorrinho, em nome da bancada do PS, de que tudo está bem (dava a ideia de que já estávamos no próximo século!),...

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Lá entraremos, queiram VV. Ex.as ou não!

O Orador: - ... nem vai fazer o discurso de quem tudo critica pelo sabor de criticar, até porque concordamos com o Sr. Ministro e com o Livro Verde na ideia de que há aqui um papel estratégico essencial. As novas tecnologias de informação são fundamentais para o País e para o seu futuro, já ultrapassaram os limites da informação, têm hoje a ver com a economia, com o sistema produtivo, com a criação de novos consumos, com a educação, com o acesso ao saber, com o lazer e até com a nossa vida democrática.

Entretanto, regista-se burburinho na Sala.

OS r. Presidente: - Sr. Deputado, permita-me que o interrompa, porque o Governo está a protestar, e com razão, pelo ruído. Há muitas conversas, dois a dois, na Sala que não são legítimas, nomeadamente no momento em que um Deputado está a usar da palavra. E o Governo tem o direito de ouvir os Srs. Deputados. Peço-vos, pois, que se faça o máximo silêncio.
Pode continuar, Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Estava eu a dizer que o Livro Verde faz referência à questão da vida democrática e da formação cívica, fazendo também uma referência importante ao combate às desigualdades, ou seja, à utilização das novas tecnologias de informação não só no combate às desigualdades clássicas mas também à prevenção das novas desigualdades que essas tecnologias podem criar. Sob esse ponto de vista, concordamos com o papel nuclear da escola nesse esforço que vem referido, e bem, a nosso ver, no Livro Verde.
Sr. Ministro, o problema agora é "dar o salto". Deixe-me dar só dois exemplos, que têm a ver exactamente com a escola. O Livro Verde fala na alteração de programas e de um grande esforço de colocação de hardware nas escolas. Todavia, Sr. Ministro, numa parte desse documento, prevê-se que o hardware seja só para os 2.º e 3.º ciclos do ensino secundário e noutra parte fala-se apenas nas escolas primárias e secundárias. Penso que é um problema ligeiro de incoerência interna no próprio documento, que admito que tenha a' ver com o facto de ter havido mais do que uma mão a escrever e que, depois, na compatibilização, as coisas não terão corrido totalmente bem. Porém, percebe-se qual o interesse do Governo, isto é, generalizar esse meio a todas as escolas deste país até ao ano 2000.
Mas, Sr. Ministro, como sabe, colocar nas escolas o "caixote" do hardware é o mais fácil. O problema é integrar, depois, isso na comunidade escolar, é garantir que esse equipamento vai ser relevante para a vida pedagógica, para o processo educativo, para o acesso às novas tecnologias, para a relação que se estabelece entre professores e alunos. Ou seja, não basta apenas o esforço do Ministério da Ciência e Tecnologia, é importante que haja uma interacção com o Ministério da Educação, é necessário que a escola participe desse processo e não seja apenas depositária do material que é colocado no meio da escola.
Tal como a Administração Pública. Muitas das questões referidas no Livro Verde são muito importantes, algumas delas até vemos com muito prazer porque constavam do próprio programa eleitoral do PSD. Por exemplo, a questão do guichet único, a da Internes, a da luta contra aquelas habilidadezinhas, garantindo o princípio do first in, first out. São tudo ideias que constam do Livro Verde e que merecem não só a nossa compreensão como até o nosso aplauso, uma vez que nós próprios as prometíamos no nosso programa eleitoral. Mas, Sr. Ministro, é o próprio Livro Verde que o senhor apresenta que reconhece que < Infelizmente, a Administração Pública ainda é um factor de inércia que resiste à inovação".
Portanto, Sr. Ministro, quer na questão da escola, quer na da Administração Pública, mas também podemos falar da vida económica e do sector produtivo ou, mesmo, da circulação de informação, o problema é de eficácia. Como passar do Livro Verde para a sociedade da informação? Como garantir que isto não fica só no papel? Como garantir que isto vai ter concretização? Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia, como garantir a força política, sua e do seu Ministério, para uma coordenação horizontal, que é essencial? Não basta a boa vontade transposta pelo Livro Verde, é necessário que ela tenha tradução concreta.
Sob esse ponto de vista, diríamos que não concordamos de todo com aquilo que o Sr. Ministro disse aquando do lançamento do Livro Verde, isto é, de que ele era importante pela energia e pela quantidade do movimento que transporta. Estamos, sim, de acordo com um outro diagnóstico que o Sr. Ministro fez na mesma ocasião, quando julgo que, no fundo, apreciava um pouco a actividade do Governo que o integra, qual seja o de que o que era mesmo urgente era concretizar mais. Com isso, concordamos, seguramente!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao orador seguinte, quero anunciar que temos connosco, a assistir à sessão, como é já hábito e bem agradável, um grupo de 55 alunos da Escola Preparatória de Canelas, um gru-

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po de 50 alunos da Escola Secundária de Ponte de Sor, um grupo de 150 alunos da Escola dos 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico do Viso - Viseu, um grupo de 16 alunos da Escola Profissional Agrícola de Torres Vedras e um grupo de 49 alunos da Escola Secundária de Valongo, para os quais peço o carinho habitual.

Aplausos gerais, de pé.

Para pedir esclarecimentos, tema palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, é inegável a importância das questões que decidiu trazer a debate público e a esta Assembleia, através da sua intervenção. Porém, reconhecerá o Sr. Ministro que o Livro Verde, que só recentemente nos foi distribuído, exige obviamente uma reflexão, para nos podermos pronunciar, com conhecimento de causa, em relação às questões que estão subjacentes à intervenção e às orientações do seu Ministério.

Entretanto, regista-se, de novo, burburinho na Sala.

Há, no entanto, duas ou três questões que, desde já... Se a Câmara deixar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem toda a razão, Sr. Deputado. Peço, mais uma vez, que se faça silêncio na Câmara para podermos escutar, em condições, o orador.

O Orador: - Como eu estava a dizer, há, no entanto, duas ou três questões que, desde já, gostaríamos de colocar.
Uma delas tem a ver com a articulação entre os vários departamentos da Administração Pública, quanto à generalização, ao nível dos serviços públicos, da informação ao cidadão na área da educação, que já foi referida, mas também na área da saúde, por exemplo, das novas tecnologias que a sociedade da informação pode permitir no sentido de facilitar a informação ao cidadão e desburocratizar até a própria Administração Pública.
Uma outra questão tem a ver, Sr. Ministro, com as novas tecnologias na área da informação e a forma como estão assegurados os direitos, as liberdades e as garantias individuais dos cidadãos e, em particular, o direito à privacidade. É uma questão que hoje está no centro dos debates e é óbvio que sobre ela há que ter os meios e os instrumentos que , permitam que a sociedade da informação e a generalização desta questão seja compatível com os direitos, as liberdades e as garantias dos cidadãos e, em particular, o direito à privacidade.
A terceira questão que nos preocupa, Sr. Ministro, tem a ver com aquilo a que eu poderia chamar o "domínio planetário> desta sociedade da informação. Como sabemos, hoje em dia, a generalização das tecnologias da informação, a questão do multimédia, está a fazer com que, ao nível do planeta, um conjunto de um pequeno número de grandes sociedades multinacionais domine as redes dos circuitos de informação e algumas se preparem para dominar todo o processo que possa levar até ao controle da própria Internet. É uma questão que está em cima da mesa, é uma questão real, é uma questão de particular sensibilidade e de particular preocupação. Não podemos criar e generalizar aquilo que é chamado a sociedade da informação, por forma a que seja uma sociedade dominada por um conjunto de grandes interesses económicos planetários, que acabam por nos criar uma nova sociedade orwelliana de dependência de interesses que, no plano económico, acabam por dominar este processo. Pergunto, pois, que medidas, que meios, que reflexão é que esta questão merece ao Sr. Ministro.
Para terminar, uma outra questão que não podemos deixar de ter presente neste debate. Estamos numa sociedade concreta, que é a portuguesa, e eu pergunto até que ponto é que esta realidade, que eu diria, nalguns casos, virtual, não se afasta dos problemas concretos sociais, quotidianos dos cidadãos, que estão longe de estar resolvidos. Naturalmente que este pode ser um contributo mínimo para isso, mas a sociedade da informação não pode esquecer, Sr. Ministro, .que os cidadãos, tendo presente a realidade social do seu quotidiano, estão ainda muito longe desta questão. Os cidadãos estão mais perto da resolução dos seus problemas materiais, das disparidades sociais crescentes, do desemprego,, da exclusão. Esta questão não pode passar-nos ao lado, quando discutimos uma realidade tão nova num país com estes problemas sociais concretos tão pesados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, creio que V. Ex.ª teve o mérito de ter posto o dedo na ferida. O Livro Verde para a Sociedade da Informação é um documento de reflexão estratégica sobre questões vitais. Do que se trata é de saber se estes jovens, que aqui estão, vão ser ciberletrados e ter condições para disputar o emprego na sociedade dó futuro, no final do século - que é já agora - ou se sairão da escola sem a formação adequada e se os professores, que os ensinam, saberão estar à altura das tarefas ou se enfrentarão com medo e, portanto, mal as necessidades novas. O Livro Verde fornece um contributo interessante, mas não facilita nem dá por feito o trabalho que nos cabe a todos.
Tenho duas perguntas e uma proposta metodológica para lhe fazer.
Por um lado, felicito-o também eu, pelo trabalho cuidadoso que conduziu a este Livro Verde, mas nós não sabemos ainda o que fazer com este livro! Nunca a Assembleia da República apreciou um Livro Verde e só isso é enunciar um atraso! Outros países já têm, há anos, documentos de reflexão estratégica como este, mas foi necessário V. Ex.ª e este Governo para chegarmos hoje, em 1997, aqui, com um Livro Verde.
Mas que fazer com esta reflexão estratégica? Por um lado, a Assembleia da República não esperou para avançar, ela própria, no caminho do digital: temos um arquivo, um bom arquivo, um arquivo de que temos razões para ter orgulho, com o Diário da Assembleia da República electrónico; aprovámos há dias a criação de um sistema de informação para a transparência dos actos administrativos, do qual esperamos um contributo excelente para o aumento da transparência; a Constituição vai ser revista alterando o artigo 35.º, precisamente para o pôr de acordo com necessidades de comunicação de informação sem ferir, nunca, a privacidade dos cidadãos: A Assembleia está a trabalhar!
Mas a proposta que trago, Sr. Ministro, Sr. Presidente da Assembleia da República e Srs. Deputados, é a de que esta questão seja transmitida a um elevado número de comissões.

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Queremos - e proponho isto em nome do meu grupo parlamentar - que comissões como a l.º Comissão, que terá de tratar de questões como o direito de autor, protecção da privacidade, combate à pornografia e outras, intervenha e elabore um adequado relatório; que a Comissão de Economia, que deve discutir questões como o dinheiro electrónico, as consequências fiscais, que são significativas, da desmaterialização, intervenha e faça e um bom trabalho; que a Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social discuta as questões do tele-trabalho e de ameaça ao emprego que possam resultar desta matéria; que a Comissão de Assuntos Europeus discuta o que é que pode fazer a telemática para uma comunicação mais rápida e a democracia europeia, uma vez que a distância, em relação aos centros de Bruxelas, é manifesta e não se vence segundo os métodos tradicionais, pelo que exige medidas novas.
Por outro lado, a Subcomissão Permanente de Ciência e Tecnologia tem de ter um papel especial nesta matéria e a Comissão de Educação tem, seguramente, um papel crucial porque a educação é, também nisto, uma questão central.
Proponho, pois, Sr. Presidente - é V. Ex.ª a entidade competente para despachar nessa matéria e confiamos completamente no seu critério -, que se faça uma baixa alargada para que todos tratemos desta questão, que é de todos os Deputados. A nossa bancada está inteiramente ao dispor para isso.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - As perguntas que trago, Sr. Ministro, são simples: como garantir conteúdos portugueses nas redes mundiais, na Internet e noutras? É a questão decisiva. Nós, Parlamento, estamos a colocar alguns conteúdos, mas precisamos de mais e de um esforço organizado. Que contribuições é que o Governo nos traz nessa matéria?
Em segundo lugar, o futuro da rede de ciência, tecnologia e sociedade, que é a espinha dorsal da transformação das escolas, exige investimentos públicos de muitos milhões de contos e exige estratégia clara e largo consenso. Apelamos, na Câmara, a esse largo consenso, mas esse consenso tem de fundar-se em informação e nós confiamos em que nos dará essa informação. Repito: estamos inteiramente ao dispor para trabalhar, e muito, pela sociedade da informação em Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, registei a sua sugestão. Vou enviar o Livro Verde às comissões que indicou, embora, naturalmente, não possa vinculá-las a estudá-lo e a discuti-lo. Contudo, é claro que vou recebê-lo.
Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia, que, para além dos 5 minutos de que dispõe, vai ter mais 2 minutos concedidos pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP.

O Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, começo por agradecer não só a concessão de tempo mas também a atenção que dedicaram à minha intervenção e a que anunciaram que iriam dedicar ao próprio Livro Verde. Tenho consciência de que o que se passa hoje é uma mera apresentação e que é impossível fazer um debate aprofundado nesta Câmara, hoje, sobre esta matéria. Estou, evidentemente, à vossa disposição nas comissões ou onde entenderem, em qualquer organização junto da sociedade civil que a Assembleia queira promover, para esclarecer qualquer questão que queiram levantar sobre esta matéria. No tempo de que disponho, terei de ser um pouco telegráfico.
A questão fundamental que foi colocada é no sentido de saber como passar a um plano de acção. A passagem a um plano de acção é como este Livro Verde foi feito: pelo debate, pelo aprofundamento e pela contratualização. Uma grande parte depende, obviamente, da acção do próprio Governo, é a contratualização com actores sociais, desde as empresas até aos criadores culturais, às escolas, aos professores, etc.; uma outra parte não depende exclusiva nem principalmente do próprio Governo. O que acontece é que o movimento pela sociedade da informação e do conhecimento em Portugal é um movimento que existe, não é qualquer coisa que se esteja a inventar ex nihil. Esse movimento existe, tem actores que o suportam em diferentes sectores da sociedade portuguesa; simplesmente, o seu desenvolvimento, sem orientação política, conduz, necessariamente, a uma segmentação mais forte na sociedade portuguesa. Este é o principal problema político que temos pela frente. Não foi preciso esperar que houvesse um Livro Verde para a Sociedade da Informação para que houvesse crianças a preparar trabalhos escolares em casa usando a Internet. É, com certeza, preciso uma política em matéria de sociedade da informação para que essas facilidades sejam estendidas à generalidade das crianças portuguesas, para que a escola as utilize.
As linhas-mestras que seguiremos em matéria de acção são aquelas que constam do Livro Verde. Dizem respeito ao Estado e a perspectiva é aquela que aqui indicámos desde a primeira hora, ou seja, a do Estado aberto, a contribuição da sociedade da informação e do conhecimento para o Estado aberto, a empresa. Aliás, as empresas também não esperaram por isto para o fazer, mas há enormes desigualdades nas empresas portuguesas. Hoje em dia, grande parte do calçado que se fabrica em Portugal é desenhado on line em Cad Cam com clientes e designers de outros países; a indústria de moldes usa, constantemente (infelizmente com uma banda ainda estreita), essa relação com os clientes e fornecedores dos outros países. Esse movimento existe na indústria portuguesa, existe nas empresas. Quando algum Sr.ª ou Sr. Deputado paga qualquer conta na caixa do supermercado, está a utilizar um complexo sistema de comércio electrónico, que não sonha mas que existe e está no quotidiano dos cidadãos - já está no quotidiano dos cidadãos! Já está no quotidiano dos cidadãos o uso de uma inovação tecnológica extremamente importante, como seja a Via Verde, por exemplo, que supõe uma tecnologia muito importante, supõe uma enorme organização de trabalho por trás dela. Portanto, não há oposição entre a realidade quotidiana do cidadão e a sua melhoria das condições de vida e de conforto e a existência de outros factores de atraso na sociedade. A sociedade não se desenvolve, não vence os atrasos todos por igual.
Gostaria de referir, ainda, que a questão que o Sr. Deputado José Magalhães colocou de como garantir conteúdos portugueses na rede é, pura e simplesmente, trabalhando para isso, porque hoje existem conteúdos portugueses que não estão na rede. Procurei, na minha intervenção, chamar a atenção - porque me pareceu que era mais importante para os Srs. Deputados - para o seguinte: a história portuguesa, a identidade portuguesa, a língua portuguesa, neste momento, estão em confronto com um novo

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suporte técnico à escala mundial. O facto de, hoje em dia, haver livros e enciclopédias que têm a referência a Portugal não significa que isto esteja ganho. As novas enciclopédias digitais que estão a ser produzidas e que, dentro de 10 anos, serão ás únicas a existir e a ser utilizadas em todas as escolas da maior parte do planeta têm de reactualizar essa informação. E essa reactualização não é uma simples cópia, é informação nova, é um combate novo pela memória histórica, pelo progresso, pela existência e identidade do País. Não chega dizermos que estamos com a sociedade da informação, interessa trabalhar dentro da sociedade da informação.
A rede de ciência, tecnologia e sociedade é uma exigência e uma determinação da qual o Sr. Deputado sabe perfeitamente que o Governo não abdicará nunca, quaisquer que sejam os ataques que sofra nesta matéria. É uma decisão que está tomada, que está no terreno e que está neste momento quase completamente concretizada.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Carlos Coelho deu-me o prazer de ensaiar um género que acho, com toda a simpatia que me merece, um pouco indigno de si. É o género chocarreiro e fácil a que, nesta Câmara, no século XIX, se chamava o das metáforas literárias: quando há ideais, chama-se-lhes poesia; quando há análise, chama-se-lhes romance; quando há ambição, chama-se-lhes ficção.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Lamento muito ter de lhe dizer que a política científica é uma política de verdade e não se coaduna com piruetas. O Sr. Deputado entendeu que o facto. de eu ter dito que o livro tinha energia e quantidade de movimento era um pouco excessivo. Já que me permite uma alusão à física, além da energia e da quantidade de movimento, também há um momento angular, que é o andar à roda, próprio das piruetas. Espero que não tenha momento angular!

Risos do Deputado do PS José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Esta exige que se entre no domínio da física!

O Orador: - De facto, esta exige que se entre na sociedade da informação e do conhecimento!
Mas, pondo de lado este aparte jocoso, gostaria de lhe dizer o seguinte: há um problema concreto que colocou, que é o de como a sociedade portuguesa pode acelerar este movimento e partilhá-lo mais. Julgo que a prova está feita e de que é possível exercer e executar uma forma de política participada, participada em muitos sectores da sociedade, que não esqueça vários, os mais novos e os mais velhos, que não esqueça as empresas, que não esqueça os criadores culturais. Julgo que isso é possível. Foi essa a construção feita com o Livro Verde e muita da contratualização que é suposta existir para o plano de acção já está implícita neste Livro Verde. Uma parte é da responsabilidade exclusiva do Governo, nomeadamente aquela que a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto referiu no que diz respeito à escola.
Quanto à questão da info-exclusão e da info-alfabetização - e com isto termino porque o tempo é curto e não quero abusar da sua oferta de tempo -, devo dizer que os computadores não se opõem nem ao livro, nem à escrita e é absolutamente indispensável começar por algum lado. Todos nós todos sabemos que a infra-estrutura não chega, mas, lamento muito, não se pode promover á leitura sem livros, não se pode promover a comunicação entre as pessoas, numa época em que há telefone, se não houver o telefone. Claro que o telefone não chega, claro que o livro não chega, mas este argumento de que, quando se faz alguma coisa, ela não chega é um dos argumentos mais destrutivos e menos produtivos que urge extirpar da sociedade portuguesa.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - É um argumento que não chega!

O Orador: - Pois é! Nem o argumento chega, nem nada do que está dentro do argumento chega!
Aliás, a questão que levantou parece-me crucial. O ensino tem de ser mais experimental, não tem de ser mais virtual, tem de ser mais técnico. Os computadores não se opõem a isso, contribuem para aumentar o acesso à informação. Por isso é que a decisão que tomámos da introdução de computadores em rede multimédia nas escolas começou pela biblioteca escolar, para deixar claro que a intenção é abrir uma nova janela na biblioteca, que, além de ter livros, tem revistas, tem cd-roms e tem, além disso,. algumas janelas de informação que só existem noutros países e noutros sítios. Por que não?! Não é nada de especial, é uma extensão normal e é um direito de cidadania que os nossos estudantes têm de ter, pois não podem tê-lo s6 aqueles, raros, que em casa têm essa possibilidade.
Claro que isto não chega, claro que é preciso formação, mas, em matéria de formação burocrática, julgo que estamos conversados porque as novas tecnologias de informação mostraram que a capacidade da juventude em se autoformar e em formar os mais velhos, nomeadamente em casa, nas famílias, era enorme. Não tenhamos, portanto, muito receio do poder que a juventude tem de se apropriar de novas tecnologias, de novos meios convenientemente orientados e de isso acabar de ser integrado no espaço. escolar. Saibamos é ir para a frente e resolver os problemas à medida que eles apareçam.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao tratamento de assuntos de interesse político relevante.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gavino Paixão.

O Sr. Gavino Paixão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sou originário e fui eleito por uma região do interior - a do Baixo Alentejo. Desde há vários anos, as suas gentes habituaram-se à rudeza do clima, à luta agreste do dia a dia e ao esquecimento do poder central. Permitam-me recordar que era na minha região, no "Alentejo profundo", que o Professor se isolava do frenesim criado pelo famoso tabu. O isolamento resultava em pleno! Encontrava-se numa das regiões mais pobres da Europa. As grandes vias de comunicação eram apenas miragens presenciadas nas televisões das aldeias desérticas. Imaginem, nem os telemóveis funcionavam! Enfim, um paraíso isolacionista para o Professor tabu. Felizmente, o povo do Baixo Alentejo ajudou Portugal: pela primeira vez, o PS ganhou, no distrito de Beja, a encaminhar-se por um caminho diferente.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como Deputado, sempre tentei conhecer os problemas e encontrar as soluções para um desenvolvimento mais sustentável da minha região. Tive ocasião de verificar, quer nas visitas que efectuei, quer nas reuniões com agricultores e com associações de agricultores, alguma preocupação quanto aos resultados provocados pela ausência total de chuvas, nos meses de Fevereiro e Março, particularmente para as produções cerealíferas. Apesar das fortes precipitações dos meses anteriores, o tempo seco verificado posteriormente afectou algumas zonas da minha região.
A margem esquerda do Guadiana e alguns concelhos da área do Campo Branco estão entre os mais afectados. Algumas searas estão completamente secas e as pastagens viram o seu crescimento impedido. As preocupações daqueles que trabalham efectivamente na lavoura não se encaminham para o discurso algo caricato: "Queremos mais subsídios", "Venham ajudas indiscriminadas", " etc., etc.". É necessário ter a coragem de afirmar, hoje, aqui, que nem todas as searas estão perdidas, nem todas as zonas foram irremediavelmente atingidas pela seca. Para tal pensamos que é necessário e urgente realizar no Baixo Alentejo um levantamento rigoroso das zonas efectivamente atingidas. Só depois será justo e correcto aplicar algumas medidas: autorizar a fenagem e permitir o pastoreio nas searas e nas áreas afectas. ao set aside podem minorar os efeitos negativos da seca. Decretar a calamidade pública pode ser também uma solução importante. Mas tais medidas não poderão ser permitidas indiscriminadamente, sem quaisquer critérios de razoabilidade e de justiça. É necessário apoiar quem realmente precisa. A generalidade apenas poderá criar injustiças.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao contrário de outros tempos, é justo realçar hoje a atenção dispensada e o interesse demonstrado pelo responsável da agricultura.
Vejamos: em reunião de Ministros da Agricultura da União Europeia, o Ministro da Agricultura de Portugal explanou a situação que se vive na minha região; no Conselho de Agricultura, a mesma problemática será analisada por todos os parceiros que integram esse importante órgão. Em boa hora, podemos congratular-nos com esta mudança de atitudes por parte do Governo da nova maioria. Este Governo também já teve a coragem de reconhecer que a reforma da PAC, negociada e aprovada pelo PSD, não serve a agricultura, particularmente a do Baixo Alentejo. A agricultura portuguesa é a menos apoiada, Portugal é um contribuinte líquido agrícola; Portugal é o único dos países da coesão que é perdedor agrícola. Que bela e frutífera herança legada pelo desempenho do Governo PSD na presidência portuguesa da União.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É necessário repensarmos que tipo de agricultura queremos para o Baixo Alentejo. Temos de encarar como incentivo o arranque inequívoco da barragem de Alqueva.
Permitam-me que deixe aqui um claro desafio, extensivo àqueles que, tendo-nos abandonado na última década, poderão agora fazer acto de contrição: emendar a mão, juntar-se a nós para uma reflexão profunda e séria. Dar o seu contributo para o reforço da esperança.

Aplausos do PS.

Com o Governo da nova maioria, temos a certeza de que o Baixo Alentejo há-de ser, num horizonte próximo, uma região onde a recuperação económica, a inversão da desertificação progressiva e a confiança no futuro serão realidades.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, á palavra ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD apresentou ontem o seu projecto de lei sobre as finanças locais. As duas primeiras reacções a esta iniciativa são sintomáticas - o PS tentou desvalorizar a ideia, ao mesmo tempo que o Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, também ele socialista, considerou o projecto de lei do PSD um bom passo e uma iniciativa positiva. Este é, de facto, o quadro político simples, mas lapidar, que envolve esta matéria.
Mas vamos às causas. O Partido Socialista e o seu Primeiro-Ministro prometeram duplicar em quatro anos, até ao fim da actual legislatura, os recursos financeiros das autarquias locais. Foi no tempo em que tudo eram facilidades e em que todos os temas eram bons para criar expectativas positivas e firmar promessas ousadas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Agora, há um ano e meio no poder, o Governo e o Primeiro-Ministro já nem querem ouvir falar no assunto e os factos desmentem a boa fé de quem tanto prometeu e duramente denunciam a completa falta de vontade para cumprir o prometido.

Aplausos do PSD.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - É um provocador!

O Orador: - De facto, ao fim de dois Orçamentos do Estado aprovados, os aumentos das autarquias cifraram-se em pouco mais de 7%o por ano, em média. Ao ritmo que leva esta carruagem, seriam precisos não quatro mas, sim, 13 anos para cumprir a promessa que o PrimeiroMinistro tão pomposamente anunciou ao País.
Mas mais: há três semanas, o Ministro da Presidência esteve aqui, nesta Assembleia, a enunciar as 32 medidas legislativas prioritárias para o Governo nesta sessão legislativa e sobre finanças locais nem uma palavra, nem sequer uma intenção a prazo. Se alguém tinha dúvidas de que também esta promessa socialista não era para levar a sério, não foi preciso muita arte ou engenho por parte da oposição - o Ministro da Presidência encarregou-se ele próprio, com a autoridade institucional que lhe advém de ser Ministro e número dois do Governo, de provar que também este compromisso político não era bem aquilo que poderia ter parecido ser.
Não pode aqui haver duas interpretações, porque o discurso governativo estava bem alicerçado por partes, das quais nenhuma, mas nenhuma mesmo, das 32 propostas de lei anunciadas se referia, directa ou indirectamente, às finanças locais e muito menos ao solene compromisso de promover, em quatro anos, a duplicação dos recursos financeiros das autarquias locais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A bancada socialista, essa, fiel às preocupações de autonomia que a caracteriza, uma vez mais, apoiou com espontaneidade, aplaudiu com entusiasmo e convergiu com convicção com o Governo. Numa palavra, espontânea, entusiástica e convictamente convergiu com o Governo em não cumprir, em não fazer, em defraudar, mais uma vez, a expectativa criada ao País e alimentada perante os autarcas portugueses.

Aplausos do PSD.

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Ou seja, também a promessa do Governo de uma nova lei de finanças locais, tal como a tradição, já não é o que era e não se recomenda. Discursos muitos, intenções mais ainda, estudos com certeza, mas compromissos concretos e iniciativas em concreto nem pensar. É esta a forma de actuar do actual poder socialista: governar alto lá, para não dividir, dialogar o mais possível, para tentar entreter e engavetar o que se prometeu, reformar seja o que for nunca, porque levanta demasiados problemas. A palavra de ordem aqui, como no resto, é simples e bem perceptível: adiar, adiar, adiar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É adiar, até degradar por completo a autoridade do Estado, que, de asneira em asneira, vai de mal a pior e cada vez é mais atirada às ruas da amargura. É adiar, até nunca chegar às reformas de fundo que se prometeram e se impõem, porque a alma socialista não tem queda para o reformismo nem vontade de decidir seja o que for. É adiar a resolução do impasse que grassa há tempo demais em vários corpos do Estado, porque já antes, mas, sobretudo, .depois da revisão constitucional, o Partido Socialista foge de negociações e acordos de regime como o diabo da cruz.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É adiar a governação, ontem, hoje e cada vez mais no futuro, porque para o Partido Socialista, na feliz dicotomia do último discurso presidencial, pode haver diálogo e promessas de consenso, mas nunca há, nem existirá, capacidade de governar, de mandar e de decidir. 
Adiar - e até comprometer - a defesa dos interesses de Portugal na União Europeia, como ainda ontem sucedeu em dois infelizes momentos: quando, leviana e irresponsavelmente, um membro do Governo surgiu a admitir que Portugal pudesse aceitar perder no futuro o seu Comissário Europeu, assim fragilizando, seja para 1997, seja para 2001, 2004 ou 2007, a capacidade decisória de Portugal em matérias absolutamente vitais para o nosso futuro colectivo ou quando, também ontem, o Governo português saiu derrotado na questão dos têxteis, num lamentável resultado prático, infelizmente para todos nós, do que significa a diplomacia caos berros", tão do agrado do Ministro Jaime Gama, valha a verdade que neste pormenor secundado pelas posições do Primeiro-Ministro, que tanto gosta de apregoar as, segundo ele, vantagens de termos deixado de ser os bons alunos da Europa.
Os factos são o que são e os resultados estão à vista: a diplomacia "aos berros" do Governo português, afinal, redunda em entradas de leão e saídas de sendeiro. Deixámos de ser bons alunos da Europa e as notas aí estão nas pautas para nossa desilusão: derrotas dos interesses de Portugal e prejuízos graves para as empresas portuguesas.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não nos espanta nem surpreende a posição diferente assumida, já ontem, em relação ao projecto de lei do PSD sobre finanças locais, pelo Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses. Enquanto o Partido Socialista o considerava um bluff; sem sequer o conhecer, o Engenheiro Mário de Almeida qualificava-o como um passo positivo e um avanço importante. É a diferença que vai entre quem, no PS, já se conformou e subscreveu a intenção governativa de nada fazer de concreto também neste domínio e entre quem, no poder local e à frente da representação de todos os municípios, ainda acredita que o prometido é devido e, sobretudo, sabe - justiça lhe seja feita - que, face à inacção deste Governo, mais importante se torna valorizar, aprofundar e fortalecer o poder local.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se o Ministro António Vitorino provou que o Governo nenhum projecto tem nesta matéria, assim desmentido o discurso oficialista da sua bancada, o Engenheiro Mário de Almeida desmentiu, num ápice, a falta de senso, de lucidez e de verdade das críticas atabalhoadamente feitas pelos socialistas ao nosso projecto de finanças locais. Assim tem sido a acção dos socialistas no poder: ou são desmentidos por si próprios ou são desmentidos pelos factos.
Não admira, por isso, que a seguir se queixem das asneiras que fazem e dos disparates que vão cometendo. É o que normalmente sucede quando os equívocos se transformam em conduta de acção, quando das promessas se faz tábua rasa e engodo para os incautos, quando se opta por, simplesmente, ocupar o poder mas não o exercer em favor da resolução dos problemas do País e no cumprimento do mandato recebido do eleitorado.
Também aqui, nesta matéria das finanças locais, é nosso dever confrontar o Partido Socialista com as suas responsabilidades.
Por isso, antes de concluir, formulo aqui um convite e um desafio ao Partido Socialista: se quer encarar este tema de boa fé, se realmente quer cumprir o que prometeu, se verdadeiramente quer honrar à palavra dada aos autarcas e ao País, então avancem e apresentem também o vosso próprio projecto de lei sobre finanças locais. Quem tanto invoca as promessas, quem tanto apregoa a autonomia em relação do Governo, quem, quando estava na oposição, até tinha um projecto de lei sobre a matéria, por certo não terá dificuldade e, antes, assumirá, com brio, a defesa de causas com esta relevância para o País e que constituíram propostas incontornáveis em tempos políticos recentes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O facto de ter sido o PSD a tomar a iniciativa e a dianteira não deve ser para os socialistas fonte de complexos. Já foi assim com as leis sobre financiamento dos partidos e será, seguramente, assim em algumas outras questões de fundo. É nosso dever contribuir para que o Governo governe e o Partido Socialista decida. É, sobretudo, nosso dever contribuir para que seja honrada, neste caso, a palavra dada. Se não vai por acção, que o seja por reacção. O que interessa é que Portugal e os portugueses possam ver o País a andar para a frente e os seus problemas a serem resolvidos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, o PSD anunciou ontem, e reafirmou hoje, que apresentou um projecto de lei versando a matéria relacio-

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nada com as finanças locais. Gostaria de saber se deu entrada na Mesa algum projecto de lei sobre esta matéria, nomeadamente aquele que foi anunciado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se a memória não me falha, o projecto de lei já deu entrada, foi admitido e será anunciado na próxima sessão.

Risos do PSD.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro, que vai dispor de 2 minutos concedidos pelo Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, começo por agradecer o tempo concedido e que me permite fazer um conjunto de considerações sobre esta matéria.
Diria, em primeiro lugar, que o modo como apresentaram esta matéria revela uma enorme falta de sentido de Estado por parte de quem constitui a direcção da bancada do PSD e que há pouco mais de um ano constituía a equipa governamental do PSD. Por isso sabem aquilo que não fizeram e sabem muito bem aquilo que, em matéria de poder local, demonstrou e correspondeu a um ataque inequívoco a esse mesmo poder.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quem não cumpriu a Lei das Finanças Locais quando estava em jogo a transferência de 200 milhões de contos para as autarquias locais, quem não cumpriu e quem manteve em 1992, 1993 e 1994 e prejudicou em mais de 8 milhões de contos em 1995...

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Foi o PSD!

O Orador: - ... não tem legitimidade para vir aqui dizer, num ápice e num papel A4, que agora aumenta essa verba de 260 milhões para cerca de 500 milhões de contos num curto espaço de dois ou três anos.

Aplausos do PS.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - É preciso descaramento! É preciso descaramento!

O Orador: - Este projecto de lei é um simulacro e no artigo 32.º deste diploma onde se fala de atribuições e competência nem sequer lhe é dada dignidade, na medida em que estas são consideradas normas transitórias, o que significa que não as pensaram, que ainda não estão aprovadas e, assim sendo, já querem mudá-las e consideram-nas transitórias.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Esta é uma insensatez idêntica àquela da atribuição das competências dos transportes escolares para as autarquias locais não as fazendo acompanhar por dinheiro e tendo sido o Governo do PS quem decidiu e orçamentou o pagamento desses transportes escolares.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Aquilo que os senhores não fizeram em matéria de reforço de verbas, nós, no curto espaço de ano e meio, fizemos com que as verbas atribuídas aos municípios fossem reforçadas em 20% e as das freguesias cm 51,5%.
Gostaria, ainda, de dizer-lhe outra coisa: é que é tão insensato - e isso ainda hoje foi debatido em Conselho de Ministros -, e tendo o Ministro Vitorino trazido aqui ao Parlamento uma lei-quadro sobre a transferência de atribuições e competências para as autarquias locais, que os senhores não tivessem feito este exercício de reflexão, porque é a partir dele que se pode. construir uma verdadeira lei de finanças locais.
Mas isso os senhores não fizeram e ignoraram outra legislação, pois ignoraram que está em debate e para ser aprovada por esta Assembleia a lei para as atribuições e competências de freguesia.
Para terminar, direi ao PSD, de forma breve, o seguinte: o PS assumiu um compromisso para quatro anos. Poderia o PSD acusar o Governo do PS se, em quatro anos, não fizesse aquilo que deveria ter feito, mas num ano e quatro meses o PSD nem ninguém pode acusar o PS ou quer que o PS cumpra aquilo que é um compromisso eleitoral para quatro anos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado José Junqueiro, a verdade é que o Sr. Ministro António Vitorino quando veio a esta Assembleia desmentiu aquele que vem sendo o discurso oficial dos senhores e também a vossa posição quanto ao nosso projecto de lei que, aliás, acabou de ser desmentida pelas afirmações do Engenheiro Mário de Almeida sobre a validade do mesmo.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Não é verdade!

O Orador: - Portanto, devo dizer-lhe o seguinte: o senhor falou em legitimidade e falta de seriedade, acusando o PSD de não ter a sua posição suficientemente escurada. Quanto à legitimidade não é o senhor nem os senhores da sua bancada que no-la dão; quem nos deu essa legitimidade foi o povo português!

Aplausos do PSD.

Quanto à falta de seriedade ela também não é do PSD mas, sim, dos senhores, que prometeram em campanha eleitoral e já depois de serem Governo, duplicar em quatros anos os recursos financeiros para os municípios e até agora apresentaram rigorosamente nada!...

Vozes do PS: - Lá chegaremos!

O Orador: - E, como nada anunciaram até ao final desta sessão legislativa, preparam-se também para no Orçamento do Estado para 1998 não vir a cumprir nenhuma das medidas, relegando assim para o último orçamento, eventualmente, da Legislatura aquilo que seria uma tarefa completamente impossível.
Ora, do meu ponto de vista, Sr. Deputado, isto é até mais do que falta de seriedade: é um escândalo e uma vergonha para quem tanto prometeu!

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Por último, o senhor nada disse quanto ao convite que fiz daquela Tribuna, relembrando que o PS quando estava na oposição tinha projectos e iniciativas sobre essa matéria e tinha os estudos todos feitos - aliás, os Estados Gerais abalançaram-se a trabalhar sobre esta matéria, por isso os senhores, com certeza, não terão qualquer dificuldade em formular a vossa proposta sobre esta matéria...!
O Sr. Deputado José Junqueiro tem a perfeita noção de que se esta Assembleia não debater e nada aprovar até ao final desta sessão legislativa o Orçamento do Estado para 1998 não poderá incorporar nenhuma das medidas estruturantes sobre esta matéria e, portanto, .os senhores têm de responder.
O PSD pela sua parte já assumiu as suas responsabilidades: tomou a iniciativa. Os senhores, sem complexos, assumam a vossa responsabilidade e vamos discutir em conjunto e, então, vai ver-se quem, de facto, pretende ou deixa de pretender fortalecer o poder local e encontrar meios para que o poder local possa satisfazer, cada vez melhor e com qualidade, as populações que serve. É este o desafio e sobre isto o Sr. Deputado nada disse!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, creio que uma iniciativa que se propõe fortalecer as verbas atribuídas às autarquias locais é, sem dúvida alguma, uma iniciativa positiva, embora tenha de referir que o problema fundamental que se colocou com a Lei n.º 1/87, que foi aprovada por unanimidade e elaborada em estreita colaboração com as autarquias locais num momento em que a Comissão competente era presidida por um Deputado comunista, como é sabido, não foi propriamente o do conteúdo da lei mas, sim, de durante 11 anos, também durante o actual Governo, não ter sido aprovada.
E aqui levanta-se imediatamente uma questão que é a seguinte: a Lei das Finanças Locais não tem - e mal, segundo a minha opinião, mas trata-se de um acórdão do Tribunal Constitucional -, de acordo com a jurisprudência, o estatuto de lei de valor reforçado.
Neste âmbito, coloco ao Sr. Deputado a questão de saber qual a posição que tem a respeito de garantir, no âmbito da revisão constitucional, este estatuto de lei de valor reforçado.
Quanto ao resto, naturalmente, prefiro julgar que o PSD se arrependeu do seu passado e que agora se converteu ao municipalismo. No entanto, tenho de colocar uma questão: não é esta conversão ao municipalismo um acto de oportunismo político, porque estamos em ano de eleições autárquicas?
O artigo 257.º da Constituição estabelece que não pode haver qualquer transferência de atribuições e competências dos municípios para as regiões administrativas, isto é, não há qualquer conflito possível entre instituir as regiões administrativas e fortalecer os municípios ou as freguesias.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É tudo objecto do mesmo projecto normativo descentralizador, todo ele tem de ser cumprido e a respeito disto, Sr. Deputado, nós não gostaríamos de ouvir que esta proposta representa, no fim de contas, a criação de um facto político para tentar iludir as propostas e posições do PSD ou a falta da sua clareza acerca do problema da regionalização administrativa. São conhecidas as trapalhadas em que o PS se meteu nesta matéria...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: para fazer aquilo que a direita pretendia e inviabilizar a criação das regiões administrativas.
Entretanto, os factos continuam em cima da Mesa e o PSD tem de falar claro nesta matéria, de uma vez por todas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado Luís Sá, quanto à primeira questão de carácter mais técnico sobre o valor reforçado da Lei das Finanças Locais, como bem sabe só temos uma de duas hipóteses: ou na revisão da Constituição é alterada a disposição sobre esta' matéria e a Lei das Finanças Locais passará, pôr ventura, a assumir o estatuto de lei de valor reforçado ou, então, nada poderemos fazer.
Portanto, como está a decorrer o processo de revisão constitucional e o senhor é um dos ilustres Deputados que participa activamente nesse processo, o senhor terá, com certeza, oportunidade de fazer a sua proposta, de fundamentá-la e lá a discutiremos.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Já a fiz!

O Orador: - Quanto à questão do eventual eleitoralismo ou desta súbita "conversão", nas suas palavras, ao municipalismo, devo dizer o seguinte: eleitoralismo com certeza que não haverá nesta matéria, porque o senhor reconhecerá que a maior parte dos autarcas deste País não são do PSD. Portanto, é evidente que se fosse essa a intenção do PSD, de ajudar os autarcas do PSD, estaria sobremaneira a ajudar os autarcas dos outros partidos...

Vozes do PS: - Eh!...

O Orador: - ... e essa é que é a nossa intenção: ajudar os autarcas!
Em qualquer circunstância, devo dizer o seguinte: o municipalismo sempre foi, no Programa do PSD, um valor fundamental. Portugal tem oito séculos de experiência e tradição histórica na área do municipalismo e o municipalismo em Portugal não é feito contra nada nem contra ninguém! Misturar a questão da regionalização, como tem sido feito muitas vezes por alguns Deputados, comentadores políticos e pessoas com responsabilidades, é o maior dos artifícios e é atirar areia para a cara das pessoas.
A prova disso é que, como o senhor sabe, os principais regionalistas deste País são autarcas, são presidentes de câmara, são presidentes de municípios o que prova à saciedade que municipalismo e regionalização são duas coisas distintas que podem e devem ser, complementares e que não têm contradição entre elas.
Em qualquer circunstância, o municipalismo no nosso País é uma realidade com oito século e a regionalização é uma hipótese que, graças a todo o trabalho político que o PSD fez, será o povo português a decidir, oportunamente e em referendo, se irá ou não para a frente.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, o momento é de olhar para as realidades, de trabalhar para que as realidades cada vez sejam mais conseguidas junto dos portugueses e junto das populações que servem e a seu tempo trataremos também de outras questões, das hipóteses que vamos devolver ao povo português para a decisão soberana e se o povo português entender trilhar esse caminho cá estaremos e esperamos que o Sr. Deputado também cá esteja para dar o seu contributo para encontrarmos as melhores soluções.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Maria do Carmo Sequeira não tem tempo, pelo que dou a palavra ao Sr. Deputado Antonino Antunes.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: O Alto Minho continua a exibir um espectro preocupante de atraso no seu desenvolvimento económico e social.
O distrito de Viana do Castelo continua a ser, no confronto das assimetrias do País, o mais pobre do litoral português.
Quando se procuram as causas, surgem sempre à cabeça as duas realidades mais faladas e também as mais esquecidas: o défice de acessibilidades (rodoviárias, ferroviárias e marítimas) e a falta de investimentos públicos e privados.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Paira a sensação generalizada de abandono periférico e de falta de uma política de desenvolvimento coerente, sustentado e de rumo definido para a região.
Nesse contexto, nasceram e proliferam movimentos da sociedade civil, cada vez mais atentos às realidades locais, progressivamente críticos em relação aos poderes constituídos, com crescente poder de afirmação social e de intervenção política.
As preocupações de todos eles têm um denominador comum: o isolamento do Alto Minho, o seu desprezo por parte do Poder Central e a constatação de que ali tudo se adia e o desenvolvimento passa ao lado.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Associações empresariais, profissionais e de ambiente fervilham também entre debates, audiências e comunicados, mal contendo a insatisfação dos seus filiados.
A Associação de Municípios do Vale do Lima (que integra os Municípios de Arcos de Valdevez, Ponte da Barca, Ponte de Lima e Viana do Castelo) realizou há semanas o "I Congresso do Vale do Lima", sob aquele mesmo pano de fundo e com a finalidade de procurar definir estratégias comuns de desenvolvimento integrado.
O primeiro e o mais vincado painel desse Congresso desenvolveu-se sob o tema "Potencialidades e Estrangulamentos de Desenvolvimento do Vale do Lima" e terminou com um repto lançado às boas intenções da Administração Central.
Nesse mesmo fim-de-semana, aconteceram na cidade mais dois congressos e todos eles foram solenemente encerrados pelo Sr. Presidente da República.
As atenções da comunicação social e do País estiveram então voltadas para Viana do Castelo e o gráfico das atenções do Governo acusou um "pico" em alta, para, logo no dia seguinte, voltar à "normalidade" que se situa claramente abaixo da média nacional.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: O que queremos, antes de mais, aqui salientar é que se assiste hoje no Alto Minho a uma vaga de, fundo gerada pelo descontentamento que se agiganta e que não nos pode deixar indiferentes.
Mal tomou posse, o Governo suspendeu o Plano Rodoviário Nacional. Reformulou-o depois, com cortes que penalizam muito particularmente Viana do Castelo e o seu distrito. Vejamos: Eliminou o IP9 .
Continuou a chamar IC28 ao primeiro lanço do corredor do Vale do Lima pela margem direita, mas ao segundo lanço passou a ,chamar IP9. E assim, propondo-se construir só o IC28 na sua versão original, finge que vai construir não só o IC28 mas também o IP9 que abandonou.
Em princípios de 1996, anunciou o adiamento da construção do troço do IC1 entre o rio Neiva e a Apúlia "lá para o ano de 2004".
As reacções foram de tal modo violentas que logo recuou, para tomar o compromisso de concluir esse troço (e, com ele, o traçado do IC1 entre o Porto e Viana) até Junho de 1998 - de modo a tê-lo todo aberto ao trânsito em simultâneo com a auto-estrada Braga-Valença.
Em Março último, o Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas já passou a prever a abertura desse lanço para Dezembro de 1998.
Também aqui nos quedamos entre a expectativa de que a ligação Porto-Viana pelo IC1 esteja concluída em simultâneo com a auto-estrada Braga-Valença e a descrença quanto à vontade do Executivo para cumprir essa promessa e assim sobrepor a outros menores o superior interesse do distrito.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Entretanto, o Governo não diz quando parte para a construção do IC1 entre Viana e Vila Praia de Âncora. E já nem quer ouvir falar na sua continuação até Valença!
O actual Governo já se demitiu de concretizar o IC 1 a norte de Viana do Castelo!
E, à medida que novos troços do IC1 vão sendo abertos a sul de Viana, a cidade fica sempre mais congestionada com o trânsito que a atravessa pelo centro.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sempre pior!

O Orador: - Tem faltado também ao Executivo a percepção dos benefícios que o caminho-de-ferro deve conferir à região.
As preocupações quanto à linha do Minho ficam-se pela intervenção até ao ponto em que ela deriva para Braga.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Esquecimento permanente!

O Orador: - Enquanto se anuncia a redução do tempo de percurso entre Campanhã e Braga para 36 minutos no "intercidades", a parte restante da Linha do Minho até Valença continua obsoleta e o "intercidades" deixou de ali circular. .
É imperioso iniciar a fase de beneficiação e electrificação da linha férrea até Valença, modernizá-la e rentabi-

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lizá-la, tendo também em vista o incremento das relações comerciais entre o norte de Espanha e o norte de Portugal.
É imperioso e urgente reequacionar o projecto de ligação circular Corunha-Valença-Porto-Lisboa-Sevilha-Madrid-Corunha.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O estado em que se encontra a velha ponte ferroviária de Valença-Tui e a percepção da velocidade de caracol com que as composições a transpõem dão bem a ideia da marcha do desenvolvimento regional e da dinâmica que ali se imprime às relações transfronteiriças.

O Sr. Presidente: - Terminou o tempo de que dispõe, Sr. Deputado.

O Orador: - No que respeita a acessibilidades marítimas, não é possível mais esconder que o porto comercial de Viana do Castelo, executada que foi a primeira fase, iniciou um ciclo de luta pela sua sobrevivência e afirmação, no contexto da política marítimo-portuária nacional e europeia.
Para sobreviver, aceita sucata e ferro-velho, alcatrão, nafta, ou cimento a granel; arrenda barato espaços para armazenagem; serve de depósito e de cemitério a produtos vários; promove a extracção de areias que jazem em altos montes, oferecendo um espectáculo degradado e degradante; depende da extracção de areias para funcionar e da venda de inertes para equilíbrio do seu orçamento de miséria.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço que condense a sua intervenção.

O Orador: - Por outro lado, os guindastes pecam pelas limitações que os caracterizam e enferrujam pelo uso que não têm.
Se um navio atraca em Viana, isso é notícia que sai nos jornais, é falada nas. rádios e dá lugar a conferências de imprensa. Mas se o movimento de navios a entrar aumentasse, logo faltaria capacidade de resposta do cais acostável, e sabe-se que os interesses dos armadores não se compadecem com esperas no alto mar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Entretanto, de um e de outro lado da foz do Lima, entre o centro histórico e o Cabedelo, vêem-se duas margens descaracterizadas.
A cidade, de ambos os lados do rio, sofre todas as desvantagens ambientais resultantes da situação descrita, sem que dela retire proveito válido.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar.

O Orador: - Em Março deste ano, o Governo publicou o Livro Branco sobre os portos e relativamente ao de Viana de Castelo reconheceu que "ele não dispõe de acessos terrestres directos, indispensáveis ao seu funcionamento normal e à sua adequada rentabilidade".
Nesse sentido - disse ainda o Governo - "afigura-se de maior relevância a execução, a curto prazo, dos investimentos em infra-estruturas viárias, designadamente os seguintes: conclusão do IC1, (...) garantindo-se assim um eixo norte/sul desafogado, sem necessidade de utilização da ENl3, uma das vias mais congestionadas do País; conclusão do IP9, que ligará Viana do Castelo a Vila Real, com passagem por Braga, Guimarães e Amarante, que permitirá uma fácil ligação do Porto a grandes centros de tráfego; construção do IC28 (...), ligando Viana do Castelo à Galiza, o que facilitará o acesso aos polígonos industriais da província espanhola de Orense, os quais constituem potenciais centros geradores de tráfego".

Vozes do PSD: - Disse o Governo, mas nada faz!

O Orador: - E atentem agora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, na ironia que constitui s6 o facto de, ainda no mês passado, se afigurar ao Governo ser da maior relevância a execução a curto prazo do IP9, que entrementes já tinha abandonado!

O Sr. Presidente: - Julguei que já era o remate, mas ainda vai na ironia, Sr. Deputado!

O Orador: - Num momento histórico e político em que as questões de impacte ambiental cada vez mais condicionam os parâmetros das realizações materiais e em que acontecimentos como o do recente bloqueio dos camionistas espanhóis põem a descoberto a vulnerabilidade da nossa economia de peninsularidade, é nossa convicção que chegou o momento de fazer uma pausa para repensar, em verdadeiro diálogo, o futuro de Viana e da sua relação com o mar, no contexto da política que define o sistema portuário europeu e o seu cenário nacional. Sem que " diálogo" signifique impasse, sem que "pausa" queira dizer paragem e sem que as condicionantes ambientais sirvam mais de pretexto para outros adiamentos, e suspensões.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: O atraso de que enferma o distrito de Viana do Castelo está de facto associado à carência de infra-estruturas que não atrai o investimento privado, nem sequer o dos residentes locais, cujas poupanças se acumulam nas agências bancárias do distrito, rondando os 4 milhões de contos só em depósitos a prazo.
O PIDDAC para o distrito desceu de 11,3 milhões de contos, em 1995, para cerca de metade, em 1997. Isso quer dizer que a Administração Central se propõe lá investir, em valores reais, menos de metade do que investiu em 1995 e muito menos do que aquilo que no Alto Minho arrecada só com o imposto recebido por conta dos juros daqueles depósitos á prazo!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem mesmo de terminar, pois já ultrapassou todos os limites.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente. Usarei apenas mais dois minutos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já usou de quatro minutos para além do tempo de que dispunha. Não posso fazer discriminações.

O Orador: - Enquanto o Governo assim proceder, tudo vai piorar.
E o distrito há-de continuar a despovoar-se e a envelhecer, os jovens não conseguirão fixar-se por falta de oportunidades de emprego e hão-de continuar a convergir para os grandes centros ou a passar as fronteiras, como está a acontecer, em novo e vergonhoso surto migratório.

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Quando a auto-estrada Braga-Valença estiver aberta, sem que esteja também (como seguramente não vai estar!) o IC 1 de Viana a Valença, cada dia que passar será de maior sangria para os concelhos de Viana do Castelo, de Caminha e de Vila Nova de Cerveira.
É também na área desses três concelhos que mais se faz sentir a falta de uma definição estável do futuro traçado do ICI que determine com precisão os limites da rodovia e das servidões non aedificandi e que acabe com os entraves ao licenciamento de obras particulares, motivados pelas incertezas ainda reinantes.
O distrito de Viana do Castelo apresenta, aliás, uma extensa mancha, coincidente com a área territorial desses três concelhos, caracterizada por gestões municipais que se não têm relevado suficientemente fortes nem combativas quanto baste para se afirmarem junto do Governo.
Mas daí só deriva a necessidade de uma redobrada atenção por parte do poder central e a oportunidade de um aviso solene de que não deve voltar a cometer-se o erro de prejudicar o Alto Minho, como ainda agora outra vez aconteceu, quando começou por ser excluído da relação de localizações prioritárias para efeitos de aplicação do regime de incentivos às micro-empresas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem mesmo de terminar.

O Orador: - É altura também de corrigir a trajectória e de fazer as devidas compensações na hora de preparação do Orçamento para 1998.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpe, mas não pode continuar, como se eu não estivesse, há cinco minutos, a adverti-lo.
Faça o favor de concluir.

Risos do PS e do PCP

O Orador: - É nosso dever moral e político denunciar esta situação crítica em que está mergulhado o distrito de Viana do Castelo e sugerir, como sugerimos, a criação urgente de uma comissão de trabalho especializada que prepare adequadas soluções, formas de execução e modalidades de financiamento, para salvá-lo.
Mais vale criar hoje um grupo de trabalho do que amanhã um gabinete de crise.

Aplausos do PSD e do Deputado do CDS-PP Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Presidente: - Ao abrigo do artigo 81.º, n.º 2, do Regimento, vai usar da palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP)-. - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O distrito da Guarda tem sofrido fortemente ao longo dos tempos os custos da interioridade. Uma cada vez maior desertificação, causada pela constante saída ¢e habitantes em 'busca de melhores condições de vida, é o espectro que paira sobre aquele distrito, especialmente nas suas zonas mais recônditas.
São muitos milhares os beirões, e tantos os do distrito da Guarda, que demandaram o País e o Mundo em busca daquilo que não encontravam na sua terra: trabalho e condições de vida dignas.
Muitas das situações difíceis e dramáticas que se vivem no distrito da Guarda estão ligadas à crise do sector têxtil. A prossecução de uma política que deixou desprotegida esta indústria, seguindo as orientações impostas pela União Europeia, põe hoje em risco milhares de postos de trabalho, com as consequências sociais que o seu desaparecimento acarretará.
Tal como o PSD, também o PS fez da moeda única a sua prioridade incontornável e simultaneamente abandonou os trabalhadores e as empresas do sector têxtil à sua sorte e ao seu futuro incerto.
Ainda recentemente, nos últimos dias, vimos mais um episódio do ataque e do comprometer do futuro dos têxteis, com o beneplácito do Governo do PS.
Mas não era isto que esperavam do Partido Socialista os muitos milhares que nele votaram e acreditaram no que lhes era prometido. A prosápia eleitoralista da nova maioria criou esperanças que rapidamente se desvaneceram.
Hoje o que encontramos são situações como a da Vodratex, com 517 trabalhadores, salários em atraso, trabalho suspenso para muitos, redução das remunerações ao salário mínimo e futuro incerto; a da Estevão Ubach, actualmente com 120 trabalhadores depois de muitas rescisões, dos quais apenas 60 no activo, 100 000 contos de dívida e a esperança numa reviravolta que tarda; a da Têxtil Lopes da Costa, com 340 trabalhadores, 8 subsídios mais 4 meses de salários em atraso, 115 trabalhadores em auto-suspensão e o futuro também incerto; ou a da FISEL, com 350 trabalhadores, tendo já sido 1200, salários em atraso há 10 anos e a beneficiar de um balão de oxigénio até ao fim do ano sem saber o que acontecerá depois; ou tantas outras como a Textilana, a Gartextil, em que o diagnóstico é quase sempre o mesmo - salários em atraso, diminuição dos postos de trabalho, dívidas, trabalhadores em suspensão e perspectivas cada vez mais sombrias.
Face a esta situação social explosiva e a necessitar de intervenção urgente, eis que surgiu no horizonte um instrumento importante de intervenção que podia ajudar à resolução de muitos problemas: uma operação integrada de desenvolvimento. De facto, a situação não se compadece com meras intervenções pontuais, importantes sem dúvida, exigindo antes uma visão estrutural de toda a região.
A operação integrada de desenvolvimento foi amplamente prometida pelo Governo e pelo Partido Socialista antes e depois das eleições, tendo sido garantido directamente aos trabalhadores de algumas empresas em dificuldades o seu arranque em Janeiro deste ano.
'Vários membros do Governo passearam pelo distrito, prometendo aos trabalhadores e aos seus representantes medidas rápidas e eficazes. Garantiram mesmo que em Janeiro surgiriam as primeiras acções. Já vêm tarde, terão dito os trabalhadores. Mas, ainda assim, mais vale tarde do que nunca, terão pensado.
O pior, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que passou Janeiro, passou Fevereiro, passou Março, Abril já lá vai e, afinal de contas, medidas, nem vê-las. Provavelmente, o Governo está à espera de tempos eleitoralmente 'mais oportunos para lançar algumas intervenções de fachada.
De facto, não nos surpreenderia que lá mais para o fim do ano, "subitamente", o Governo se lembrasse de lançar alguma operação mediática e demagógica, com objectivos bem diversos das necessidades da região...
É que não interessam intervenções em que não se ataquem os problemas de fundo e se atirem apenas engodos com vista à pescaria eleitoral. E nem interessam intervenções em que não se garanta que os apoios e, investimen-

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tos servem rigorosamente para resolver os problemas dos trabalhadores dos têxteis e não para encher bolsas bem menos necessitadas.
O PCP afirma, tanto aqui, na Assembleia da República,- como localmente, que o distrito da Guarda necessita de uma verdadeira política de desenvolvimento social e de criação de emprego. Necessita de resposta rápida e eficaz, que assegure a manutenção dos postos de trabalho ainda existentes e a criação de outros. Necessita da protecção do sector têxtil, vital para a economia local e para a subsistência de milhares de famílias. Necessita, portanto, de medidas conjunturais, numa operação integrada de desenvolvimento há muito prometida e nunca concretizada.
O povo da Guarda exige que sejam cumpridas as promessas e que avance a operação integrada de desenvolvimento. Cumpram-se as promessas!

Aplausos do PCP.

O Sr. Carlos Luís (PS): - Serão cumpridas durante a Legislatura!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, há dias, o voto n.º 69/VII - De solidariedade para com os trabalhadores rurais sem terra do Brasil, saudando a marcha que teve lugar em Brasília, apresentado pelo PCP. É este o momento de discuti-lo e votá-lo. Para a sua leitura, tem a palavra o Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:
Faz um ano, em 17 de Abril de 1996, que o mundo foi confrontado com o massacre, no Estado do Pará-Brasil, de 19 trabalhadores rurais sem terra em Eldorado do Carajãs.
Este massacre juntou-se a outros anteriormente registados, como o de Corumbiara, onde foram assassinados nove trabalhadores rurais.
Entretanto só nos primeiros 45,dias deste ano mais de 50 camponeses foram vítimas de violência na luta pela terra num país onde existem 4,5 milhões de famílias de trabalhadores rurais sem terra e cerca de 100 milhões de hectares de terras incultas e localizadas em muito grandes propriedades.
A acção dos trabalhadores rurais sem terra no Brasil, envolvendo milhões de famílias, contra a concentração injusta de terras e pela resolução do problema agrário, está a despertar a atenção e a solidariedade internacional.
A Assembleia da República de Portugal, neste quadro:
- Exprime a sua solidariedade com os trabalhadores rurais sem terra do Brasil e saúda a marcha dos sem terra brasileiros que hoje termina em Brasília;
- Manifesta-se contra a violência exercida sobre os sem terra brasileiros e solicita às autoridades brasileiras as medidas adequadas à punição dos verdadeiros responsáveis por esses actos de violência;
- Encarrega o seu Presidente de transmitir este voto às autoridades brasileiras e ao movimento dos sem terra no Brasil.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho. Dispõe de três minutos.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este voto, como acabou de ser referido pela Mesa, foi apresentado no dia 17 de Abril. Sublinho esta data, porque 17 de Abril foi o dia em que fez um ano que o mundo foi confrontado com o massacre de 19 trabalhadores sem terra no Estado do Pará, massacre que não foi o primeiro nem, infelizmente, o último. Já depois disso, a comunicação social deu notícia do assassinato a sangue-frio de um líder da comunidade índia em plena cidade de Brasília.
É uma violência brutal - penso que a expressão é adequada a esta situação concreta - que se enquadra também no que é a brutalidade das disparidades sociais no Brasil e a brutalidade (permita-me o emprego desta expressão, Sr. Presidente) no que se refere à violência que resulta de uma profunda injustiça na distribuição da terra.
Há 4,5 milhões de famílias de trabalhadores que não têm terra, enquanto existem 100 milhões de hectares de terras incultas ou subaproveitadas e localizadas em grandes propriedades, algumas das quais têm, só por si, 10, 15, 20 milhões de hectares.
A dimensão do problema é de tal modo que tem envolvido toda a sociedade brasileira. Eu próprio, quando estive na Conferência do Rio e numa conferência paralela a esta que se realizou na mesma altura, tive oportunidade de ver como esta questão não mobiliza ou não diz respeito só aos que directamente se confrontam com este problema e com a sua violência diária mas, sim, a toda a sociedade brasileira.
Este processo acabou por se traduzir, há poucos dias, numa iniciativa de grande amplitude nacional e com eco internacional: a marcha dos trabalhadores ao longo do Brasil, tendo este movimento sido recebido pelo Sr. Presidente da República Federativa do Brasil, que, de certo modo, se solidarizou com os objectivos e as preocupações do movimento dos trabalhadores sem terra.
Portugal está a ser palco de um conjunto de iniciativas de solidariedade, no quadro da apresentação de um livro desse grande fotógrafo que é Sebastião Salgado, em torno dos problemas dos sem terra.
Nos parlamentos de vários países da Europa e no próprio Parlamento Europeu foram aprovados votos que, no essencial, coincidem com o que estamos hoje a apreciar.
Por isso, o apelo e a proposta que trazemos à Câmara são os de também a Assembleia da República portuguesa não passar ao lado desta questão e, com o seu voto solidário, expressar não só a solidariedade com este movimento de justiça social, porque no fundo é isso que está em causa no Brasil, mas também o seu voto de solicitação e de esperança que as autoridades brasileiras procurem resolver o problema e dar seguimento à necessidade de punir esta brutal violência que atravessa a sociedade brasileira, não a prestigiando, seguramente.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Luís.

O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também a bancada do PS comunga das preocupações já manifestadas pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho sobre estes trabalhadores, os chamados sem terra. Para além disso, entendemos que também estão em causa Direitos do Homem.
Assim sendo, a nossa solidariedade manifesta-se consubstanciando aquilo que o Sr. Deputado Lino de Carvalho acabou de dizer, sem que seja feita a leitura de uma eventual intromissão nos assuntos internos de um Estado

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de Direito mas, sim, apenas a afirmação da solidariedade da bancada do PS com estes trabalhadores, este movimento dos sem terra.
Também nós temos acompanhado muito de perto a violação dos Direitos do Homem nesta matéria, as mortes que aconteceram e que lamentamos, esperando uma justiça mais solidária, mais fraterna e mais justa.
O PS votará favoravelmente o voto apresentado pelo PCP, desde que o parágrafo onde se lê "Manifesta-se contra a violência exercida sobre os sem terra brasileiros (...)" passe a ter a seguinte redacção: "Espera que as autoridades brasileiras adoptem as medidas adequadas à punição dos verdadeiros responsáveis por esses actos de violência". Se o PCP aceitar esta ligeira alteração, a bancada do PS votará a favor deste voto de solidariedade com os sem terra brasileiros.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, podemos resolver já esse problema.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, o seu partido concorda com a alteração proposta?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sim, Sr. Presidente. A nossa bancada concorda com as alterações propostas pelo PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Luís, agradeço-lhe que faça chegar à Mesa uma breve proposta de alteração escrita para sé introduzir no texto.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto -(CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a minha bancada vai associar-se a este voto e gostaria de explicar as razões por que o vamos fazer.
Em primeiro lugar, porque este movimento e esta causa, como eu própria pude testemunhar pessoalmente, têm sido acompanhados por muitas forças vivas da sociedade brasileira, nomeadamente pela Igreja Católica, através dos seus bispos.
O Brasil é um país possivelmente com um grande futuro, mas que, neste momento, sofre de uma crise de crescimento, com grandes diferenças sociais e, fatalmente e ainda, com grandes injustiças, que todos esperamos, particularmente por o Brasil ser um país irmão, possam vir a ser superadas e ajustadas.
Gostaríamos também de referir que de modo algum confundimos esta situação com aquilo que se passou em Portugal em 1974, 1975 e 1976, e que se chamou reforma agrária. Este movimento assenta no direito legítimo ao trabalho e no direito legítimo à terra, que está abandonada. Aquilo que se passou aqui foi a substituição violenta de uma estrutura fundiária por uma alternativa que não tinha futuro, sacrificou muita coisa e criou muitas ilusões, que, depois, matou.

Vozes do PCP: - Não apoiado!

A Oradora: - Portanto, neste enquadramento preciso, de que se trata de uma realidade diferente e de que estão aqui em causa valores essenciais, a cuja defesa teremos necessariamente, por um imperativo ético, de nos

associar, e por considerarmos que este é um movimento, ao diabo! enquadrado e acompanhado pelas forças vivas brasileiras, não poderíamos ficar fora deste voto, apenas porque ele foi proposto pelo PCP. Pelo contrário, o facto de ter sido proposto pelo PCP em nada nos inibe, reconhecendo que há aqui um valor a defender - e um valor importante de nos juntarmos a ele, aliás, com a emenda proposta pela bancada do Partido Socialista.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, apesar desta tentativa da Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto para fazer aqui umas distinções, onde não as descortino,...

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Tem de estar mais

atento!

O Orador: - ... entendo que este voto, disfarçado sob a capa da solidariedade, mais não é do que uma tentativa do Partido Comunista de trazer aqui um tema que lhe é muito caro - a reforma agrária - e que tão graves prejuízos causou ao País quando ele a protagonizou em tempos idos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PCP.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A palavra solidariedade une-nos a todos, evidentemente, por vezes com entendimentos diferentes. E é óbvio que é impossível escapar à solidariedade com todos os homens e mulheres do Brasil, de Portugal, de todos os países do mundo, que sofrem porque não têm terra para plantar ou um posto de trabalho onde possam exercer a sua actividade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O, Orador: - Somos solidários, em termos gerais, com os mais excluídos da sociedade e, seguramente, os camponeses do Brasil estão entre esses.
Agora, este voto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nasce não na altura em que morreram alguns destes homens e destas mulheres, mas quando foi feita uma marcha de carácter político e social, num país democrático, que autorizou a marcha, num país onde as forças sociais e políticas se podem exprimir livremente.
Há uma questão no Brasil, é certo; temo-la presente, mas é uma questão do foro íntimo do Brasil, que acompanhamos com um interesse especial, considerando os laços muito especiais de amizade que temos com este país.

Trata-se, por isso, de uma marcha política aquela a que aqui, embora em termos suaves, o Partido Comunista quer associar-se. Pergunto, não tanto aos Deputados do PCP mas aos de outras bancadas, ò que seria se fossemos inundados por todos os parlamentos democráticos deste mundo, sempre que em Portugal há manifestações, por exemplo, sobre as 40 horas, que também é uma luta de trabalhadores...

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Essa não lembra

Protestos do PCP.

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O Orador: - Sr. Deputado, isentei os Deputados do Partido Comunista desta matéria, mas é evidente que não nos parece razoável que o Parlamento do Brasil ou os de outros países se dêem ao trabalho de estar a fazer votos a propósito, por exemplo, das marchas legítimas e democráticas dos trabalhadores portugueses e das suas manifestações por uma luta que considero legítima.
É neste sentido que gostaria de situar, por parte da minha bancada, a nossa perspectiva sobre este voto. Estamos, com certeza, solidários com todos os homens e todas as mulheres que sofrem neste mundo, mas já não estamos solidários com a operação política do Partido Comunista quando apresentou este .voto ao Parlamento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Tanta justificação para votar contra é má consciência!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai ler o parágrafo do voto que foi objecto da alteração proposta pelo PS.

O Sr. Secretário (José Reis): - Srs. Deputados, é do seguinte teor: "Manifesta-se contra a violência exercida sobre os sem terra brasileiros e espera que as autoridades brasileiras adoptem as medidas adequadas à punição dos verdadeiros responsáveis por esses actos de violência".

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos então proceder à votação do voto n.º 69/VII - De solidariedade para com os trabalhadores rurais sem terra do Brasil, saudando a marcha que teve lugar em Brasília, apresentado pelo PCP.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do CDS-PP e do PCP e a abstenção do PSD.

Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 15 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão conjunta dos projectos de lei n:- 127 /VII - Lei-Quadro das Empresas Públicas Municipais, Intermunicipais e Regionais (PCP) e 320 /VII - Lei-Quadro das Empresas Municipais e Intermunicipais (CDS-PP) e da proposta de lei n.º 86/VII - Cria empresas públicas municipais e intermunicipais.
Para introduzir o debate, tem a palavra, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, Srs. Deputados: Como, é sabido, este é um tema recorrente na Assembleia da República, da mesma forma que é um tema recorrente no País.
Desde a primeira lei da autarquias locais, a Lei n.º 79/77, está prevista a possibilidade de criação de empresas públicas municipais, intermunicipais e regionais.
Alguns anos depois, a revisão da Lei da Autarquias Locais, através do Decreto-Lei n.º 100/84, voltou a permitir e a reiterar a possibilidade de criar empresas públicas municipais, intermunicipais e regionais.
Este Plenário já debateu, por mais de um vez, projectos de lei do PCP sobre esta matéria, aos quais se juntaram projectos de outros partidos. Não poderíamos, por isso, deixar de nos congratular com o facto de, tendo nós apresentado um projecto que, desde então, tem estado aqui presente em todas as legislaturas, o Governo ter apresentado uma proposta de lei sobre essa questão, à qual se juntou um projecto de lei do CDS-PP. Lamentamos, naturalmente, que idêntico procedimento não tenha sido adoptado pelo PSD.
Ao longo do tempo, a Assembleia da República debateu esta questão em estreita ligação com os municípios. Sabemos, designadamente, que a Associação Nacional dos Municípios Portugueses suscitou reiteradamente este problema. Diferentes entidades e municípios colocaram esta questão e apontaram carências da actual legislação. Por outro lado, tiveram lugar várias iniciativas para debater especificamente esta matéria. Quero aqui lembrar, designadamente, um seminário sobre associações de municípios, realizado em 1991, em Ponta Delgada, e que apontou a vantagem de desenvolver o associativismo sob forma empresarial. Quero referir igualmente o facto de, em 1992, a mesma Associação Nacional dos Municípios Portugueses ter promovido um encontro sobre o debate da gestão de serviços municipalizados, empresas municipais e mistas, em que voltou a apontar carências legislativas nesta matéria,
Mas o que julgo, de algum modo, mais significativo é que, ao contrário do, aliás, afirmado na proposta de lei aqui apresentada pelo Governo, apesar das carências legislativas, esta matéria não ficou letra morta. Recorrendo a um esforço muito grade de interpretação jurídica criativa e, inclusive, à contribuição de qualificadíssimos administrativistas e civilistas, a verdade é que vários municípios, em particular da Área Metropolitana de Lisboa, multiplicaram a criação de empresas públicas municipais, que estão a funcionar, apesar de todas as carências legislativas.
Daqui decorre claramente que está acima de qualquer necessidade de demonstração demorada a vantagem em permitir criar' empresas públicas municipais para gerir determinadas áreas e o desempenho de determinadas atribuições, em que actualmente só através de serviços públicos municipais ou de serviços públicos municipalizados tal é possível.
Pela nossa parte, manteremos o esforço e a luta, que não é de hoje, no sentido de criar esta possibilidade.
Neste plano, gostaria de lembrar, a propósito, por exemplo, do projecto de lei n.º 319/VII, que o respectivo relatório, elaborado na época do governo minoritário do PSD, foi aprovado por todos os partidos políticos e nele se reconheceu expressamente a necessidade e a vantagem de permitir a criação das empresas públicas municipais.
E aqueles que falam tanto da necessidade de formas modernas, leves e flexíveis de gestão têm aqui uma boa oportunidade de demonstrar que há alguma coerência entre aquilo que afirmam, entre as necessidades que apontam, e os factos.
Entretanto, a verdade é que existem múltiplas situações, sublinho-o, em que os próprios municípios criaram empresas públicas municipais, que estão a funcionar plenamente, aliás recorrendo, por vezes, como referi, a pareceres jurídicos de mestres de Direito e de outros qualificados juristas.
Julgo que, havendo como há, na sequência dos projectos de lei apresentados pelo PCP, nesta e noutras legisla-

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turas, uma coincidência importante de objectivos, está aberto o caminho para, desta vez, poder haver a aprovação de uma lei da Assembleia da República neste domínio.
Desejamos que, de uma vez por todas, estejam superados episódios, como aquele verificado em tempos, concretamente em 1990, quando foi aqui discutida uma lei que teve de baixar à comissão por 60 dias e que, nas legislaturas seguintes, voltou a ser discutida sem resultados igualmente produtivos.
Entretanto, na proposta de lei e nas posições do Governo, existem algumas matérias que gostaríamos de clarificar, com a convicção de que o trabalho na especialidade permitirá certamente chegar a perspectivas comuns.
Em primeiro lugar, porquê limitar a possibilidade de criar empresas estritamente aos municípios? A tradição que existe nesta matéria é a de tratar conjuntamente as empresas municipais, as empresas intermunicipais e as empresas regionais. Porquê alterar esta posição?
Não compreendemos igualmente que exista um mandato de três anos e não, por exemplo, a coincidência com o próprio mandato das autarquias locais.
Julgamos, por outro lado, que há que ter extremo cuidado no sentido de acautelar plenamente os direitos dos trabalhadores dos municípios e dos serviços municipalizados, que, aliás, aproveito para saudar efusivamente pelo papel importante que têm ao nível do poder local e na resolução dos problemas das populações.
Por que razão, independentemente da contribuição de um revisor oficial de contas, se dispõe o princípio do fiscal único, sem qualquer margem de escolha nesta matéria, designadamente substituindo o conselho fiscal pela obrigação de haver como fiscal apenas um revisor oficial de contas ou uma sociedade de revisores de contas? Creio que o problema da revisão das contas não é meramente técnico, há outras componentes, e que, sem prejuízo da exigência de qualificação técnica, há igualmente algo que deveria ser reconsiderado nesta matéria.
Tendo referido igualmente que, ao contrário do que afirma o Governo na "Nota justificativa", as empresas municipais não são letra morta, porque há um número significativo de empresas municipais já criadas, resta, naturalmente, a pergunta: não há normas transitórias desta matéria, atendendo às soluções que, entretanto, foram criadas para os administradores, para os trabalhadores e para estas empresas que tiveram de ser criadas e de existir sem as regras actualmente estabelecidas? Naturalmente que é outro ponto que importa ter em conta. ,
Creio também que o elenco das atribuições, no campo das quais é permitido criar empresas municipais, é limitado. Pergunto, por exemplo, se a Empresa Pública de Urbanização de Lisboa caberia nos conceitos que constam do elenco de atribuições que vêm na proposta de lei.
Estas, como disse entretanto, são algumas questões de especialidade. Creio, porém, que mais importante do que a especialidade é, na nossa perspectiva, dar hoje um sinal muito claro de aprovação de uma base para trabalho nesta Assembleia em torno das empresas municipais e intermunicipais, para, a partir da criação desta base, podermos resolver, a contento de todos, os problemas de especialidade que vierem a ser colocados. 
Pela nossa parte, temos toda a disponibilidade para encarar este debate com o espírito tão construtivo quanto possível, como sempre tivemos nesta matéria, e fazemos o apelo para que todas as bancadas encarem esta questão com igual espírito construtivo e com o mesmo propósito de contribuir para o desenvolvimento do poder local, para os interesses das populações e para um poder local mais forte e mais democrático, que contribua para a democracia representativa e participativa e para o progresso e o desenvolvimento, como pretendemos.

Aplausos do PCP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, quero saudar o Partido Comunista pela coerência que vem traduzida neste projecto de lei que acabou de apresentar. A bem dizer, não sei se a coerência é total, mas, pelo menos, alguma existe, e a que existe é uma coerência com o Regime Jurídico das Empresas Públicas, nomeadamente o que está estatuído no Decreto-Lei n.º 260/76, aonde, de facto, o Partido Comunista foi beber praticamente toda a disciplina que, depois, veio colocar no seu projecto de lei. Porventura, esqueceu-se ou não teve a coragem suficiente para dizer que o País caminha rumo ao socialismo! Essa é a única falha de coerência que aponto ao Partido Comunista.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Já lá está!

O Orador: - De facto, Sr. Deputado Luís Sá, aquilo que o Partido Comunista hoje aqui nos vem apresentar é, quase sem tirar nem pôr, um regime de um sistema que já não funciona, que já se provou que não funciona, que já caiu em desuso, que está em extinção. É uma solução fora de tempo, que já provou não funcionar, mas que o Partido Comunista, agora, quer reeditar sob a forma de "sector público local".
Gostaria, inclusive, que me explicasse como é possível, face a uma suposta pretensão de agilizar os procedimentos e todo o processo decisório necessário à gestão autárquica, nomeadamente através deste tipo de empresas, tanta burocracia, e dou-lhe apenas um caso: os planos de actividade ou os relatórios e contas destas empresas têm de ser aprovados, sucessivamente, pelo conselho de administração da empresa, pelo conselho geral, pela câmara municipal e, no caso das contas, pelo conselho fiscal - e, obviamente, ainda pode ir, inclusive, à assembleia municipal.
Este tipo de documentos tem uma sucessão de processos decisórios que, de facto, não é compatível com aquilo que os autarcas querem, com aquilo que as populações precisam e com aquilo que a gestão moderna da autarquia local e das empresas que lhe estão associadas exige.
Mas também o próprio conteúdo do artigo que regulamenta a tutela sobre estas empresas, que vai ao ponto de submeter à câmara municipal as remunerações do pessoal que lhe está afecto ou que pertence ao quadro destas empresas, não faz sentido!
Com este projecto de lei, o que os senhores pretendem é criar mais umas repartições ou mais uns departamentos das câmaras municipais. Isto não é, em rigor ou em abono da verdade, uma empresa com autonomia, que se reconheça pela sua agilidade, que seja autónoma e que, portanto, saiba desempenhar, com toda a liberdade, as suas funções.
Por outro lado também, em matéria de empréstimos contraídos por estas empresas, aquilo que o Partido Co-

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munista hoje aqui nos traz deixa-nos sérias dúvidas sobre os limites de endividamento. De facto, está aberta uma porta para algumas autarquias ou alguns autarcas menos escrupulosos poderem tornear a lei em matéria de contracção de empréstimos e de limites de endividamento das suas autarquias.
Julgo, por isso, Sr. Deputado, que seria bom...

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado peço-lhe que termine.

O Orador: - Termino Já, Sr. Presidente.
Estava eu a dizer que seria bom que o projecto de lei do Partido Comunista trouxesse à Assembleia qualquer coisa de novo, qualquer coisa que inovasse, e desse às autarquias o instrumento de gestão que elas precisam e que os eleitores exigem.

O Sr. Presidente (João Amaral):- Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, obrigado pela questão que me colocou.
Quero dizer-lhe o seguinte: a coerência do PCP não é total do ponto de vista de ter apresentado, ao longo do tempo, exactamente o mesmo projecto de lei, é total no aspecto de ter beneficiado no seu projecto da contribuição de trabalhadores das autarquias e, sobretudo, de eleitos autárquicos.
Sr. Deputado, estive em Ponta Delgada, como convidado, e em Santarém, e ouvi, portanto, aquilo que foi dito, tal como outros Deputados desta bancada, e, por isso, tivemos em conta as posições dos próprios eleitos autárquicos. Ora, isto significa que este projecto de lei não é exclusivamente baseado no Regime Geral das Empresas Públicas; tem também em conta as posições e a vontade dos eleitos autárquicos e dos trabalhadores das autarquias.
Agora, quando o Sr. Deputado diz que é por um projecto de empresas municipais que o País pode caminhar para o socialismo, s6 posso dizer, Sr. Deputado, que o facto de o PP apresentar um projecto de lei sobre esta matéria significa que regressou à Assembleia Constituinte e que é adepto da sociedade sem classes que aqui votou... É porque a coerência é exactamente a mesma...!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Não leu o nosso projecto de lei!

O Orador: - Sossego o Sr. Deputado, porque, efectivamente, a ideia de socialismo que tenho não é a possibilidade apenas de os municípios criarem livremente empresas municipais em determinados termos.
De resto, o Sr. Deputado Nuno Abecasis, que foi Presidente da Câmara de Lisboa, sabe bem que a possibilidade de criar empresas públicas,...

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Nessa altura não me deixaram!

O Orador: - ... que ele teve enquanto geriu a Câmara, não o converteu propriamente ao socialismo.
Portanto, esteja tranquilo, Sr. Deputado. Aliás, convém, nesta matéria, ter o sentido das proporções e, sobretudo, não roçar o ridículo.
Agora, quando o Sr. Deputado levanta a questão, por exemplo, de ser um acto burocrático submeter o plano de actividades da empresa a órgãos municipais, eu digo-lhe o seguinte: é que a grande objecção que foi colocada nesta matéria por alguns, incluindo a sua bancada, ao longo dos anos, foi a de que a empresa pública municipal poderia retirar poderes aos órgãos eleitos a favor de órgãos burocráticos. E o problema que se coloca é este: .é que os órgãos eleitos, que têm uma legitimidade política representativa, devem poder aprovar os documentos estratégicos nesta matéria, designadamente o plano de actividades. É um elementar princípio democrático, que nada tem a ver com burocracia. Pelo contrário, burocracia é afastar aqueles que são eleitos a favor daqueles que têm, eventualmente, qualidades técnicas, mas não têm legitimidade política para escolher. Este é um ponto que é fundamental e elementar.
E a mesma coisa, Sr. Deputado, é verdadeira a propósito de algumas medidas de tutela, como aquelas que referiu. Trata-se, no fim de contas, de o município não perder o controlo de aspectos fundamentais da administração autárquica.
Agora, a proposta de lei tem muito mais do que isto, Sr. Deputado! Tem regras gerais concretas em matéria de remunerações do conselho de administração, por exemplo, e estas regras até, se calhar, são infinitamente mais limitativas. Se o PP, como parece. prefere estas regras, gostaremos de observar na altura própria, quando discutirmos em sede de especialidade e vai ver que, certamente, são muito mais limitativas. Mas é um ponto que teremos oportunidade de analisar.
Sr. Deputado, convém, nesta questão, discutir com seriedade, tendo em conta as realidades do poder local, as posições do poder local e dos trabalhadores autárquicos, as posições, no fim de contas, de quem se pronunciou sobre a matéria ao longo dos anos e não se refugiar em fantasmas, em preconceitos que cheiram a mofo,...

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Cheiram, cheiram!...

O Orador: se me permite que lhe diga, Sr. Deputado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para apresentar a proposta de lei tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território (José Augusto Carvalho): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos plena consciência de que as autarquias estão a lutar por ultrapassar a fase de resolução de carências em equipamentos e infra-estruturas básicas e num processo de viragem para a prestação de serviços à comunidade, num quadro de crescente diversidade, complexidade e exigência.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Particularmente os municípios, cada vez mais, se posicionam como parceiros indispensáveis da administração central e das futuras regiões administrativas - no continente, entenda-se - na causa, comum e nacional, do desenvolvimento, num modelo de Administração

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descentralizada, envolvendo freguesias, municípios e regiões administrativas, em que haja espaço e condições à afirmação da capacidade dos portugueses na resolução dos problemas que nos afectam e na satisfação das ambições que justificadamente nos devem mobilizar.
Enquanto comunidade, estamos perante crescentes desafios e maiores exigências. Importa, assim, que haja um quadro institucional adequado e, sobretudo, instrumentos eficazes ao serviço da Administração Pública, uma Administração cada vez mais como estrutura de serviço e não tanto como estrutura de poder.
E, aqui e agora, importa reafirmar que ninguém melhor que os autarcas saberá comunicar, dialogar, motivar e trabalhar em equipa, devido à maior sensibilidade e conhecimento que estes têm dos problemas e necessidades locais e regionais,...

O Sr. José Junqueiro (PS): -.Muito bem!

O Orador: - ... num quadro, repito, de Administração descentralizada, ao nível da freguesia, do município e da região administrativa, uma Administração descentralizada e aberta que estimule a participação dos cidadãos, que, assim, assumem maior consciência dos problemas, das dificuldades e dos meios de os resolver e melhor controlam sabendo quem é quem e a quem compete o quê.
E, por ser do interesse nacional, o Governo, tal qual VV. Ex.ªs, aposta na criação das regiões administrativas, no reforço do papel dos municípios e na dignificação das freguesias. E a prová-lo está, designadamente: o cumprimento, que estamos a assumir, da Lei das Finanças Locais; a proposta que conduziu à aprovação, por esta Câmara, de uma nova lei da tutela administrativa, afastando uma lei afrontosa para pessoas de bem; a próxima proposta de lei de bases do ordenamento do território, essencial ao desenvolvimento sustentável, numa concepção descentralizada; a nossa proposta de lei relativa ao associativismo intermunicipal, que VV. Ex.ªs se dignaram acolher na generalidade; como ainda a presente proposta de lei de empresas municipais, intermunicipais e regionais, na consideração de que as autarquias carecem de adequados instrumentos para o desempenho das suas atribuições e competências.
Por falar em atribuições e competências, permitam-me que recorde que o Governo está prestes a apresentar uma proposta de lei-quadro de transferências, acautelando, obviamente, o respectivo financiamento, pela qual VV. Ex.as e o País poderão aferir dos nossos propósitos de descentralização. Serão transferências de atribuições e competências, sem aumento da despesa pública, num contexto de rigor, eficiência e eficácia, o mesmo é dizer, no pressuposto de que as autarquias fazem mais e melhor com os mesmos recursos.
Por outras palavras, haverá descentralização sem que isso signifique agravamento do défice das contas públicas nem invasão do bolso dos contribuintes,...

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... com o sentido de responsabilidade que os portugueses nos exigem e sem prejuízo de nova lei das finanças locais, aliás, na sequência dos trabalhos aprofundados e complexos que uma comissão, cuja composição é pública, está a ultimar. Nessa comissão, quero referi-lo, tem participação activa da Associação Nacional de Municípios Portugueses.
Reconduzindo-me à proposta que agora é submetida à apreciação de VV. Ex.as, importa recordar que foi há 13 anos que os municípios, na consolidação dos princípios constitucionais sobre a autonomia autárquica, conquistaram um novo modelo de organização dos seus serviços. É de data mais remota um outro instrumento de gestão - os serviços municipalizados -,com autonomia administrativa e financeira relativas, mas sem personalidade jurídica.
Os instrumentos de âmbito municipal e regional de que agora estamos a tratar, que prossigam fins de interesse público local e que se contenham nas atribuições legalmente definidas, como já foi aludido, são uma realidade prevista desde há 20 anos, mas nunca regulamentada. Trata-se de uma lacuna da lei que agora propomos seja resolvida com a definição da respectiva moldura legal, pois continua a ser uma forma de gestão pública, não através de serviços municipais ou municipalizados mas através de estrutura especializada, com a necessária e suficiente flexibilidade para atingir os seus objectivos, num quadro de eficiência, eficácia e crescente qualidade.
Em relação às sociedades de economia mista municipal não se pretende excluir liminarmente essa forma de gestão, que, aliás, consideramos reger-se pelo Código das Sociedades Comerciais. E a propósito: quantos exemplos não há de estruturas empresariais de âmbito local que obedecem a esse figurino? Trata-se, tão-só, de chamar a atenção para a forma de escolha e de coexistência de parceiros privados em empresas, para a prestação de serviços públicos, associada ao exercício de poderes de autoridade ou que envolva a fixação de preços políticos.
Poderão afigurar-se muito atraentes rupturas com o passado, porém considerámos dever ser seguido um caminho de prudência, atendendo ao serviço público, que é razão e fim da actividade das autarquias.
Não obstante o leque de opções nos modelos de gestão, que agora se propõe alargar - e a propósito refiro que esta proposta de lei é, com as devidas adaptações, aplicável a figurinos intermunicipais, de coexistência de capitais municipais com capitais do Estado e outros entes públicos, e a figurinos de empresas regionais -, demonstradamente a cultura empresarial apela a níveis de eficiência e eficácia crescentes. A capacidade de gestão dos serviços e actividades municipais e regionais fica assim reforçada.
O pessoal destas empresas - outro aspecto referido - vê reconhecidos direitos adquiridos, particularmente do pessoal deslocado das autarquias.
No que respeita ao controlo financeiro do Tribunal de Contas, não têm estas autarquias que ficar sujeitas ao controlo a priori. .
Sr. Presidente e. Srs. Deputados, o propósito descentralizador que nos norteia sai reforçado ao conferir-se a possibilidade de gestão empresarial de determinadas actividades de âmbito local e regional. Este propósito sai reforçado pela consagração de novas formas de organização que potenciem novas respostas, que permitam assumir novos desafios, tais como o desafio permanente de "melhor corresponder às aspirações das populações", o desafio de doptar os municípios, e futuramente as regiões administrativas, de mais um instrumento no quadro do desenvolvimento que os portugueses ambicionam e merecem, ficando claro que esta é uma das várias soluções possíveis na gestão de serviços e actividades que, num quadro de livre opção, deverá ser adoptada, se e só corresponder ao interesse público e ao serviço e aspirações da comunidade local e regional específica.

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Saliente-se ainda que não se pretende impedir o desenvolvimento da iniciativa privada, nem afastar a figura da concessão de serviço público.
Especificamente no que respeita à proposta de lei ora presente, permito-me assinalar algumas soluções de incidência financeira: a criação de empresas depende de estudo de viabilidade; estabelecem-se limites ao endividamento; estabelecem-se limites à remuneração dos gestores; proíbe-se a contracção pelas empresas de empréstimos a favor dos municípios; proíbe-se a atribuição de subsídios dos municípios às empresas, salvo como contrapartidas de especiais encargos impostos por estes; estabelecem-se mecanismos apertados de controlo financeiro. Enfim, viabiliza-se a flexibilização da gestão municipal e também, futuramente, da regional, mas, em simultâneo, salvaguarda-se o interesse público pela melhoria dos serviços às comunidades locais e regionais, na defesa do equilíbrio financeiro dos municípios.
Uma nota final: que ninguém se iluda, estas medidas vêm no reforço do municipalismo, mas não nos afastam do objectivo nacional da regionalização.

Aplausos do PS.

Municípios e, regiões não são entes contraditórias mas, sim, entes que se completam. Do que, na essência, se trata é da profunda reforma do Estado, da profunda reforma da Administração. É isso que, na essência, nos determina.
Sr. Presidente e Srs. Deputados - e com isto termino -, obstáculos ao desenvolvimento, como, por exemplo, a litoralização e a desertificação do interior, fazem apelo à criação de regiões administrativas. A desumanização das grandes cidades e a disparidade de rendimentos entre as regiões também apelam de forma irrecusável à regionalização. Regionalização para o desenvolvimento, para a justiça e para a coesão. Regionalização, porque no âmbito e complexidade de muitos problemas estes não se resolvem com um Estado central, que não é omnipresente e muito menos omnipotente, como também não se resolvem tão só com os municípios.
É tudo isto, não obstante o reforço da capacidade de intervenção municipal, em que, espero, todos apostamos, como se pretende com a presente iniciativa legislativa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Informo a Câmara de que se encontram inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Gonçalo Ribeiro da Costa, Luís Marques Guedes e Luís Sá.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, da leitura da proposta de lei retirei uma certa confusão entre alguns aspectos que nela são regulamentados, nomeadamente do regime jurídico a que estarão submetidas estas empresas municipais e intermunicipais, por um lado, com participação exclusiva de vários municípios e, por outro, com participação de vários municípios em associação com o Estado. Há aqui uma grande confusão de regimes e a sua intervenção aumentou ainda mais as nossas dúvidas sobre o que, de facto, se pretende para os diversos figurinos de empresas, sendo certo que o que me parece - pareceu-me logo de início, e o Sr. Secretário de Estado veio confirmá-lo - é que não quer aqui provocar uma ruptura com o passado.
Ora, é exactamente nisto que o Governo anda mal. É que há muita gente que estava convencida de que o PS e o Governo do PS queriam criar rupturas com os vários passados, e quer parecer-me que não foram capazes de romper com os vários maus aspectos dos vários passados, e um deles é exactamente este. De facto, o Governo, que está empenhado em extinguir o sector público estatal, vem aqui criar um sector público local. Não abre estas empresas ao capital privado, pelo menos essa possibilidade não é clara no texto da proposta de lei, nem ficou clara na sua intervenção.
Por outro lado, esta proposta de lei representa um atentado à autonomia do poder local porque limita o objecto destas empresas. Não faz sentido, de forma alguma, que as câmaras municipais e as associações de municípios não possam criar empresas que tenham como objecto qualquer das atribuições ou competências que lhes estão cometidas, e neste diploma o Governo limita algumas delas, o que não faz sentido pois contradiz as promessas de descentralização e de autonomia do poder local.
Há, no entanto, outros aspectos que não fazem sentido e que gostaríamos de ver esclarecidos pelo Sr. Secretário de Estado, nomeadamente o da duração do mandato dos órgãos. Não faz sentido que sendo uma empresa destas um instrumento de uma câmara municipal, de uma determinada gestão de uma câmara municipal, o mandato dos órgãos da empresa não coincida com o mandato dos eleitos locais, dos autarcas. Só havendo consonância dos prazos é, que poderá haver consonância nos objectivos. ,
Por outro lado, mantêm-se algumas das peias burocráticas de que sempre enfermaram as empresas públicas, nomeadamente no seu funcionamento. Há pouco dei um exemplo do que era um funcionamento interno burocrático, embora, depois, pincelado por outros princípios que vêm expressos no projecto de lei apresentado pelo PCP. Mas na proposta de lei há também um outro exemplo, que não posso deixar de citar, que é o caso do aumento de capital de uma destas empresas. O aumento de capital tem de ser aprovado sucessivamente em conselho de administração, pela assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal, e sujeito, obviamente, a parecer do fiscal único. São quatro actos para um simples acto de gestão, como é o de aumento de capital.
Portanto, seria bom que o Governo tivesse cuidado mais do aligeirar da estrutura do funcionamento destas empresas, em abono dos princípios que diz defender.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, deseja responder já ou no fim?

O Sr. Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território veio aqui - e ocupou com isso grande parte da sua intervenção - falar de um assunto que nada tem a ver com o tema que hoje está em debate: falou muito e vastamente sobre a regionalização. Posso até compreender o problema que o Sr. Secretário de Estado aqui trouxe. Ou seja, constatou que a proposta de lei não aborda, de facto, o problema das empresas intermunicipais

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ou regionais, e, daí, como num acto de contrição, enxameou a sua intervenção inicial com uma série de referências à regionalização. Mas não era propriamente sobre isto que eu queria interpelar o Sr. Secretário de Estado.
O Partido Social Democrata não tem, nem nunca teve, obviamente, nada contra, embora possamos ter algumas questões a colocar na especialidade relativamente ao processo de constituição de empresas municipais, que na proposta de lei não se designam por empresas públicas, apesar de toda a natureza jurídica, nomeadamente o facto singelo de nem sequer terem capital social mas capital estatutário, demonstrar claramente que estamos em presença de um modelo idêntico ao das empresas públicas... Em qualquer circunstância, como eu dizia, na especialidade, o PSD não tem nada de fundamental contra a regulamentação do processo de constituição de empresas no plano municipal, a não ser uma questão política, que é prévia e para nós fundamental, sobre a qual eu gostaria de ouvir o Sr. Secretário de Estado.
Para nós, PSD, a constituição de empresas públicas no âmbito municipal só pode ser politicamente aceitável quando estiverem esgotados todos os mecanismos de entrega à actividade privada, nomeadamente através de concursos, da
concessão dos serviços municipais que estejam em causa e se eventualmente esses concursos ficarem desertos. Esta é uma questão fundamental e que decorre de uma outra muito simples: o Governo, o Estado, não pode estar, por um lado, lançado num processo de privatização, de redução do peso do Estado na economia, nomeadamente no plano da administração central, e, por outro, estar a criar mecanismos incentivadores do aumento do peso do sector público
na área económica, ainda que seja na área municipal.
Gostaria, pois, de saber, Sr. Secretário de Estado, se de facto o Governo entende que a nível da administração central a política é " menos Estado, melhor Estado", reduzindo o peso do Estado na actividade económica, lançando um programa de privatizações bastante ousado até, enquanto, a contrario, no plano municipal se vão criando os instrumentos e os mecanismos, sem as garantias suficientes para não asfixiar a iniciativa privada, para assegurar que a gestão privada, que é sempre e comprovadamente melhor que a gestão pública, é assegurada em primeira instância, para o Estado alargar a sua intervenção na área económica, fazendo "engordar", crescer, o sector público da economia, pelo menos neste plano.
É que há aqui uma questão fundamental, Sr. Secretário de Estado: ou os serviços que estão a ser prestados pelas câmaras municipais o podem ser administrativamente ou o podem ser através dos esquemas tradicionais de intervenção das câmaras municipais na actividade económica, nomeadamente os serviços municipalizados, ou, então, por razões de operacionalidade e de agilidade, é necessária a via. empresarial. Se é necessária a via empresarial, Sr. Secretário de Estado, a primeira opção deve ser a via privada, deve e tem de ser o concurso, nem que seja da concessão da gestão ou da exploração desse serviço público, e só se ele ficar deserto, e na medida em que o fique e continue a ser necessário defender os interesses das populações nesses domínios, é que deveria haver lugar à criação de empresas municipais com este figurino ou com qualquer dos figurinos dos diplomas aqui em presença.
Esta é uma questão política prévia, é uma questão política nuclear, sobre a qual gostaria de ouvir a opinião do Sr. Secretário de Estado, logo do Governo.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, não vou fazer qualquer pergunta sobre o sector público e o sector privado porque parto do princípio de que esta questão é completamente alheia ao problema da esfera pública, da esfera privada e do seu tamanho. Isto é, não é pelo facto de o serviço municipalizado adquirir personalidade jurídica e de ser empresa pública que há o perigo do socialismo, do regresso de não sei o quê,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Para nós há!

O Orador: - ... que os Srs. Deputados parece temerem muito. Não é pelo facto de a Câmara Municipal de, Loures, por exemplo, ter criado uma empresa para gerir os equipamentos no concelho - criou e está a funcionar bem - que existe propriamente o tipo de grandes fantasmas, esta aversão ao sector público,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é essa a nossa via!

O Orador: - ... que provou muitas vezes ser bem melhor que o sector privado, que aqui é referido.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Está enganado! A História desmentiu isso!

O Orador: - É um elemento de gestão, e que deu efectivamente provas importantes. Porém, o que nos preocupa acima de tudo é um outro tipo de questões.

Quando estava na oposição, o PS apresentou os projectos de lei n.os 478/V e 70/VI, que previam a possibilidade de criar empresas públicas municipais, intermunicipais e regionais. Agora, independentemente de a intervenção do Sr. Secretário de Estado referir esta triologia, a verdade é que o texto da lei refere a criação de empresas municipais. Gostaria de saber qual é, definitivamente, a posição do Governo em relação ao que deve ser o âmbito desta lei.
Um segundo aspecto, que tem o valor que tem mas não é fundamental, que abordarei de passagem e que não referi na minha intervenção, mas talvez o Sr. Secretário de Estado tenha tomado notas das questões que na altura suscitei, tem a ver com o problema cios limites de endividamento. A empresa tem uma natureza própria e tem personalidade jurídica, tem um capital próprio, tem um património próprio. Porquê, então, contribuir para os limites de endividamento do município? É uma regra até mais de carácter técnico do que outro qualquer mas valeria a pena dar-nos um esclarecimento sobre isto.
Há ainda uma outra questão. Gostei de ouvir o Sr. Secretário de Estado referir a salvaguarda dos direitos adquiridos dos trabalhadores de município. É claro que quando se diz "município" entendo que também se quer dizer "serviços municipalizados" pois, como é sabido, os serviços municipalizados têm estrutura empresarial, têm autonomia administrativa e financeira mas não têm personalidade jurídica. No entanto, como há inquietações, designadamente por parte dos trabalhadores das autarquias, os quais muito estimamos, gostaria que houvesse uma clarificação definitiva quanto à posição do Governo em relação a esta matéria.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, tentarei responder a todas as questões que foram colocadas.
Primeiro, quanto ao âmbito, e independentemente ,de concordarem ou não com a formulação constante do artigo 44.º, não há dúvida que pretendemos que este instrumento de gestão seja igualmente aplicável em cenários de intermunicipalidade e de regiões administrativas. Portanto, não temos qualquer parti pris, não estabelecemos qualquer diferenciação ou discriminação quanto a quaisquer dos cenários apontados.
Relativamente aos direitos dos trabalhadores, respondo que, obviamente, quando falo nos do município estou igualmente a referir os da câmara municipal, os dos serviços municipalizados e quaisquer outros da administração municipal. Portanto, esta é uma questão que pretendemos que seja completamente esclarecida, liminarmente resolvida.
Falou-se também do fiscal único. Devo dizer que se trata de uma figura extraída do Código das Sociedades Comerciais, com tudo o que isso envolve, e que se nos afigura de manifestas virtualidades.
Quanto à questão das normas transitórias, não vejo qualquer inconveniente, muito pelo contrário, em que haja uma menção expressa a normas transitórias. O mesmo não direi quanto aos limites de endividamento pois entendo que o legislador deve acautelar princípios de equilíbrio financeiro dos municípios.
O Sr. Deputado Luís Marques Guedes colocou como questão política prévia saber se não entendemos que só após estar esgotada a possibilidade de entrega à iniciativa privada é que tais serviços deverão ser geridos no contexto público. Sr. Deputado, não retire aos eleitos o direito de optarem entre um leque tão alargado quanto possível, no quadro da autonomia do poder local e das especificidades de cada autarquia, de cada município, de cada região administrativa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Eu não retiro! Quero é saber qual é a opção do Governo!

O Orador: - É a de conferir às autarquias a possibilidade de optarem num leque tão alargado quanto possível.
Entenda-se, Sr. Deputado, que esta proposta de lei não é um decalque da lei das empresas públicas. Faça a justiça de confirmar que houve não só uma evolução como uma apropriação positiva de normas relevantes que hoje constam do Código das Sociedades Comerciais.
Quanto ao Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, respondo-lhe que é óbvio que não se pretende deixar de recuperar o sector público estatal. Não é isso que está em causa e o Sr. Deputado está a tentar deslocar o problema para outro campo.
Quanto à abertura ao capital privado, isto é, as sociedades de economia mista, não há qualquer objecção e a omissão no articulado releva tão-só do nosso entendimento de que as sociedades de economia mista municipais devem constituir-se na base do Código das Sociedades Comerciais, embora haja da nossa parte alguma preocupação, quando, como dizemos na exposição de motivos, estejam em causa poderes de autoridade ou outras situações tais como "preços políticos"...

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Secretário de Estado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Não é isso que resulta do texto da proposta de lei.
É que quando o Sr. Secretário de Estado fala das sociedades que estão submetidas ao regime do Código das Sociedades Comerciais está também a falar de sociedades exclusivamente públicas, com a diferença de que são públicas entre vários municípios...

O Orador: - Mas, Sr. Deputado...

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Portanto, o Sr. Secretário de Estado submete empresas públicas a um regime privado.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, por favor deixe o Sr. Secretário de Estado prosseguir a sua intervenção.
Faça favor de continuar, Sr. Secretário de Estado.

O Orador: - Parto do pressuposto, que o Sr. Deputado tem todo o direito de não subscrever, de que não é essencial consagrar aquilo que é óbvio. Ora, para nós, é óbvio que as sociedades de economia mista de âmbito municipal podem ser constituídas e regidas na base do Código das Sociedades Comerciais. Se, nesta sede, VV. Ex.ªs entenderem suprir aquilo que, eventualmente, possam considerar como uma lacuna, nada temos a opor.
Relativamente ao objecto, matéria que também focou, quero ainda referir que supúnhamos que, com a expressão "desenvolvimento económico e social", a qual consideramos suficientemente abrangente, consagraríamos um objecto suficientemente amplo. No entanto, não consideramos que esta seja uma questão tabu. Entendemos que não deve haver limitações de tal modo gravosas que comprometam o essencial. Ora, o essencial é dotar os municípios e as regiões de um novo instrumento de gestão, previsto mas não regulamentado, que sirva num quadro crescente de participação das autarquias no processo de desenvolvimento e decrescente quanto a exigências, complexidades e diversidades na prestação de serviços à comunidade.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa para proceder à apresentação do projecto de lei n.º 320/VII, do CDS-PP.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Popular apresenta à discussão um projecto de lei-quadro das empresas municipais e intermunicipais.
Aos municípios, após 20 anos de desenvolvimento das suas atribuições e competências, de enriquecimento da sua experiência e de consolidação do seu sucesso, colocam-se hoje novos desafios que decorrem das profundas inovações em todos os domínios, da crescente e natural exigência dos seus eleitores e, sobretudo, do aparente consenso para que lhes sejam cometidas novas atribuições e mais competências. Para responder a esses desafios urge dotar os municípios de mais meios e melhores instrumentos.
Por norma, confundem-se meios com meios financeiros quando, afinal, aquilo que os autarcas reclamam é, também, que lhes seja permitido associar interesses, angariar disponibilidades e agilizar procedimentos.

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Por outro lado, assistimos hoje a um generalizado consenso de descentralização política e administrativa com vista a obter a tão reclamada aproximação dos eleitos aos eleitores.
Já noutras oportunidades tivemos o ensejo de demonstrar que esta vontade e este desejo foram por alguns recentemente descobertos, em clara contradição com a sua prática também recente. E mesmo as últimas manifestações desta vontade ficam muito aquém daquele objectivo. Só para exemplificar, a penúltima dessas manifestações teve lugar aquando da discussão sobre o regime jurídico dos referendos locais em que, para além do Partido Popular, mais ninguém ousou abrir a porta à iniciativa directa dos cidadãos.
Outros optam por colocar mais patamares no processo decisório quando o que os portugueses reclamam é que se suprimam os patamares, sejam eles eleitos ou nomeados, mas sempre, sempre geradores de burocracia, despesa e clientelismo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei que o Partido Popular aqui apresenta hoje é assumidamente ideologizado. Com ele marcamos as diferenças que nos separam da esquerda socialista e da esquerda comunista.
O nosso projecto começa por assumir o benefício resultante da associação entre interesse público e privado, deixando aos gestores daquele o juízo sobre a oportunidade de semelhante associação. A isto chama-se autonomia do poder local.
Em segundo lugar, nada nos diz que o interesse público coincida com a divisão administrativa do País e daí concedermos ou, melhor dizendo, reconhecermos a liberdade de vários municípios se associarem para criar uma empresa conjunta. A isto chama-se autonomia do poder local.
Em terceiro lugar, uma clara opção por um regime jurídico pré-existente e de eficácia já comprovada, subsumindo as regras de funcionamento destas empresas ao regime do Código das Sociedades Comerciais em que estão sobejamente consignados mecanismos ágeis de salvaguarda dos interesses dos sócios ou accionistas, que assim exercerão a sua tutela em representação do interesse público que prosseguem e que devem acautelar. A isto chama-se autonomia do poder local.
Em quarto lugar, o projecto de lei do Partido Popular prevê a existência de um conselho geral nos casos em que as empresas explorem serviços públicos e no qual terão assento representantes dos utentes e de entidades ligadas à actividade da empresa.
Pretende-se, com esta previsão, dar protecção aos direitos dos consumidores e, por exemplo, dar voz às preocupações dos ambientalistas. A isto chama-se aproximar os eleitos dos eleitores.
Por último, o Partido Popular não descura as regras de transparência e de rigor na gestão dos fundos e do interesse público, submetendo estas empresas ao julgamento do Tribunal de Contas e ao regime de empreitadas das obras públicas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Falámos, no início, do colocado! discurso descentralizador que, nos últimos tempos, invadiu a boca de muitos políticos.
Para ser real, essa vontade tem de encontrar correspondência nos actos, nomeadamente nos actos legislativos. Ora, a conformidade dos actos com as declarações de intenção há-de ser medida pelo grau de autonomia, de liberdade e de credibilidade que se reconheçam aos destinatários da descentralização, no caso os autarcas.
O simples confronto dos três projectos de diploma é elucidativo sobre o empenho de cada proponente na descentralização.

O do PP é total.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedirem esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Manuel Jorge Goes, Luís Sá e Falcão e Cunha.

Entretanto, o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa dispõe de 6 minutos para responder.

Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Jorge Goes.

O Sr. Manuel Jorge Goes ( PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, muito rapidamente, até porque vou ter oportunidade de tomar posição quanto à matéria em discussão numa intervenção que farei, não quero deixar de relevar especialmente uma expressão que utilizou na sua intervenção.

Refiro-me à expressão "suprimir patamares". Ora, creio que, nesta discussão, há um patamar que tem de ser ultrapassado, a bem da serenidade e da seriedade intelectual do debate. Isto é, não deveremos pretender abordar a temática das empresas municipais, sejam públicas ou não - o presente debate permitirá que aprofundemos este último aspecto -,sob uma pretensa querela ideológica acerca desta matéria que penso não ter qualquer cabimento no momento actual. Na verdade, estar aqui a utilizar o argumento da existência ou não de empresas públicas como constituindo um factor de divisão e de fronteira entre a direita e a esquerda é algo que penso não corresponder à seriedade intelectual que a importância da matéria merece.
Nesta perspectiva, a pergunta, embora um pouco académica, que coloco ao Sr. Deputado é a de saber se não é uma tradição do Direito Administrativo português que haja actividades públicas desenvolvidas sob forma empresarial. Pergunto-lhe ainda se é ou não verdade que, desde há décadas e sem qualquer carga ideológica, o fenómeno das empresas públicas é uma solução administrativa, possível e utilizada.
Aliás, já aqui foi referido o caso da EPUL, em Lisboa, empresa criada, salvo erro, na década de 70. Eis, pois, uma empresa pública, curiosamente de carácter municipal, se bem que, neste caso, se trate de um outro fenómeno, na medida em que corresponde a uma empresa pública criada por acto legislativo.
Era apenas esta a questão que queria colocar-lhe, porque, de facto, penso que a matéria que estamos hoje a apreciar exige reflexão profunda, exige a colaboração de todos, mas exige também serenidade e que não pretendamos, de uma forma artificial, introduzir aqui querelas ideológicas, que, nos dias de hoje, não me parece terem qualquer sentido.

(O Orador reviu.)

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem! Bem

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, tenho muito gosto em retribuir-lhe a pergunta, não sem uma observação: julgo que quando o Sr. Deputado intervém deve fazer um esforço por ser

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preciso. É que o Sr. Deputado refere, por exemplo, a propósito dos referendos locais que ninguém decidiu abrir a porta à iniciativa popular. Ó Sr. Deputado, convém que peça aos seus serviços de apoio a lista dos partidos que apresentaram propostas a este respeito, no âmbito da revisão constitucional, fora da revisão constitucional, bem como aquilo que defenderam, porque, com certeza, verá que, felizmente, não é como diz. O Sr. Deputado, eventualmente, gostaria de representar o partido único neste plano, mas não representa e convém que se informe previamente.
Quanto à questão de suprimir patamares, Sr. Deputado, há um ponto que gostaria de sublinhar novamente: há um patamar que não deve ser suprimido, nas questões básicas, nas questões estratégicas, que é o patamar daqueles que mereceram a confiança do voto popular em eleições competitivas. Naturalmente, em relação a este, não podemos estar de acordo em que seja suprimido.
De qualquer forma, creio que a grande divergência que existe entre o projecto apresentado pelo PP e os restantes diplomas que estão em discussão - a proposta do Governo e o projecto do PCP - é a de nós adiantarmos a proposta de regulamentar a criação de empresas públicas municipais e intermunicipais - regionais, no futuro - e o PP prever estritamente a possibilidade de empresas municipais e intermunicipais privadas. Esta é a grande divergência!
O Sr. Deputado está a abanar com a cabeça em sentido negativo e, por isso, creio que não leu o projecto do seu próprio partido, uma vez que é ele que estabelece que as empresas devem assumir a forma de sociedade anónima ou por quotas. E, enfim, não conheço sociedades anónimas ou por quotas que tenham a natureza de empresas públicas, mas talvez o Sr. Deputado ofereça a toda a Câmara a criatividade jurídica que permita resolver a grande dúvida que todos os juristas do País teriam a respeito do seu abanar de cabeça.
Portanto, o que está em cima da Mesa, como questão relevante, é que, neste momento, foi referida a EPUL e existem já mais de uma dezena de outras empresas públicas municipais da Câmara Municipal de Lisboa - e referi, há pouco, a Câmara Municipal de Loures -, que estão a funcionar como empresas públicas, com bons resultados do ponto de vista da gestão e para os trabalhadores.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - E de redução do desemprego político!

O Orador: - E, no fundamental, não é, naturalmente, com o tipo de malabarismos que é adiantado que se resolve esta questão.
O que é que o Sr. Deputado pretenderia fazer, designadamente no plano do respeito pela autonomia municipal, relativamente a toda esta matéria? É que os municípios resolveram, autonomamente, criar este tipo de instrumentos de gestão, com a natureza de empresas públicas! Como é que o Sr. Deputado, que até diz ser adepto da descentralização, respeita a autonomia municipal e a descentralização que se traduzem na opção dos municípios por esta forma jurídica e não pela forma jurídica de sociedade anónima ou por quotas, que é adiantada no projecto do PP?

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Luís Sá, informo-o de que esgotou o seu tempo. .
Tem a palavra o Sr. Deputado Falcão e Cunha.

O Sr. Falcão e Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, temos hoje em cima da mesa três formas diferentes de resolver ou de encaminhar actividades de índole municipal que têm carácter empresarial.
O Partido Comunista apresenta-nos uma proposta de empresas públicas municipais, o Governo apresenta-nos uma proposta que, aparentemente, é muito semelhante à do Partido Comunista e, naturalmente, esperávamos que o seu partido nos apresentasse uma proposta inovadora, porque se trata, objectivamente, de actividades que são, hoje, claramente - na minha opinião, na opinião da minha bancada e creio que na opinião da sua -, mais correctamente desempenhadas pela actividade privada.
Ora, o senhor não coloca no seu projecto a expressão "empresas públicas", usa apenas "empresas municipais e intermunicipais", mas, no n.º 1 do artigo 1.º, estabelece que "São empresas municipais ou intermunicipais as empresas criadas por um ou mais Municípios e pelas Associações de Municípios, com capitais próprios ou a elas afectados por outras entidades públicas" e, no n.º 2, refere que "São ainda empresas municipais ou intermunicipais aquelas empresas onde os Municípios e as Associações de Municípios detenham a maioria dos votos em Assembleia Geral" - e a maioria dos votos, na economia em que vivemos, significa a maioria do capital. Portanto, Sr. Deputado, também aqui caímos numa forma de empresa pública.
Assim, o que lhe quero perguntar, no fundo, é o seguinte: tratando-se de actividades que são de carácter empresarial, tratando-se de actividades que, claramente, a iniciativa privada desempenha com mais eficácia do que a iniciativa pública, por que é que o seu partido não considera - e o Sr. Secretário de Estado deu uma aberturazinha no seu discurso de apresentação - a pura e simples execução dessas actividades por empresas privadas, nomeadamente em regime de concessões, que é o que eu preferiria?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Pelo menos como condição prévia!

O Orador: - Esta é a pergunta que lhe faço e era aquilo que esperava que aparecesse no projecto do CDS-PP, quando anunciou que também iria apresentar propostas sobre esta matéria.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Jorge Goes, ao contrário do que muitos querem fazer crer e ao contrário daquilo que o Sr. Deputado aqui defendeu, continua a existir uma clara fronteira entre esquerda e direita. Mas, já que foi buscar esse aspecto académico, e embora não tenha tempo, obviamente, para dissertar longamente sobre o assunto, digo-lhe que há uma fronteira e que essa fronteira, neste caso concreto, pode ser representada, por exemplo, pelo facto de se limitar a actividade das empresas municipais, bem como a utilização e a criação deste tipo de instrumentos, e pelo facto de se dar abertura aos municípios para, da forma como entenderem, de acordo com aquilo

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que melhor julgarem para a defesa dos interesses que lhes estão cometidos, encontrarem os melhores instrumentos. Esta é a grande divisão! É a divisão entre desconfiar dos autarcas ou confiar neles, é a divisão entre limitar-lhes a liberdade ou aumentar-lhes a liberdade! Esta é a grande divisão que existe, neste caso concreto, entre esquerda e direita!
Sr. Deputado Luís Sá, em matéria de partido único, de facto, o Partido Comunista é que tem tradições. Portanto, não vamos entrar por aí porque trata-se de um terreno perigoso para o Partido Comunista.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Ai é?!

O Orador: - No entanto, como resolveu utilizai' esse exemplo para abordar a questão dos referendos locais, quero lembrar-lhe, para que fique escrito ou reescrito, uma vez que já houve aqui um debate suficientemente longo sobre essa matéria - e, se calhar, não foi suficientemente longo, porque o Sr. Deputado não se apercebeu das diferenças que, na altura, foram apresentadas -, que o Partido Popular, quando apresentou o seu projecto de lei de alteração ao regime jurídico dos referendos locais, foi o único que permitiu que um, conjunto de cidadãos eleitores, por si próprios e sem se submeterem à vontade das assembleias municipais ou da assembleia de freguesia, requeressem ao Tribunal Constitucional a convocação de um referendo local. Foi essa a diferença abismal entre o nosso projecto de lei e os outros dois ou três que estiveram aqui em confronto!
Por outro lado, o Sr. Deputado confunde e, permita-me que lhe diga, julgo que intencionalmente - a titularidade do capital e o regime jurídico a que pode estar submetida uma empresa. Aquilo que aqui defendemos - e com isto respondo também ao Sr. Deputado Falcão e Cunha é que este tipo de empresas deve estar sujeito ao controlo das entidades públicas a que deram origem. Mas esse controlo não necessita de uma maioria do capital, porque submetemos os votos da assembleia geral ao Código das Sociedades Comerciais e segundo este Código não é preciso ter uma maioria do capital social para ter a maioria dos votos. Não pode haver participações qualificadas e, portanto, os privados podem ter a maioria do capital...

O Sr. Falcão e Cunha (PSD): - São certas!

O Orador: - Não, não, porque com a maioria do capital de certeza que retiram da empresa aquilo que os levou a ir para lá, que são os lucros. E a repartição dos lucros é feita em função capital e não em função dos votos na assembleia geral. E esta a diferença.
Quanto ao regime das concessões, Sr. Deputado Falcão e Cunha, não é essa a matéria que está agendada para o debate de hoje...

O Sr. Falcão e Cunha (PSD): - Mas devia estar!

O Orador: - ...mas, sim, a da criação de empresas que conjuguem o capital e o interesse público como capital e o interesse privado, porventura com a participação majoritária do interesse privado.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Jorge Goes.

O Sr. Manuel Jorge Goes ( PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados, o presente debate tem por objecto três iniciativas legislativas distintas: a proposta de lei n.º 86/VII e os projectos de lei n.os 127 e 320/VII, respectivamente do PCP e do Partido Popular, debruçando-se todas elas sobre o estatuto jurídico das empresas municipais. O que está em causa, no fundo, é a preocupação em estabelecer o regime jurídico de empresas municipais e intermunicipais, conceito que está hoje previsto no artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, na sequência do que já antes se dispunha na Lei n.º 79/77, de 25 de Outubro.
Estas normas, em matéria de lei das autarquias locais e em termos de norma de competência da assembleia municipal, sempre previram a figura das empresas públicas municipais e intermunicipais e nunca até hoje este regime jurídico foi estabelecido, o que permite tirar a conclusão de que não podem restar quaisquer dúvidas quanto à oportunidade, mais do que isso quanto à necessidade política de dotar o ordenamento jurídico-administrativo português com esse regime jurídico.
É verdade - e isso já foi aqui salientado; designadamente pelo Sr. Deputado Luís Sá - que não obstante este vazio jurídico-legal, vários municípios lograram constituir empresas públicas municipais. E o caso manifesto do município de Lisboa, com a EMEL, com a AMBELIS; é o caso do município de Loures; é o caso do município de Braga. Isto é, pode constatar-se que, não obstante não existir um regime jurídico-quadro, foi possível, casuisticamente, a vários municípios criarem empresas. Parece, todavia, óbvio, por razões de segurança jurídica e de uniformidade dos próprios regimes, que tudo aconselha a que se estabeleça um travejamento jurídico geral e de que possam beneficiar a generalidade dos municípios portugueses, preenchendo assim um vazio que vem desde 1977.
Estão em causa empresas cujo capital pertence em exclusivo a um município ou a vários municípios, com o fim de explorar serviços públicos de um ou vários municípios. O que está em causa, portanto, é o estorço de consolidação de um importante instrumento para a realização de actividades várias de investimento e de gestão no âmbito das atribuições dos municípios, admitindo-se, obviamente, a existência e a consagração, neste regime jurídico, de um importante instrumento de gestão e de investimento das futuras regiões administrativas, admitindo-se portanto a existência de empresas regionais - e digo isto para tranquilizar o Sr. Deputado Luís Sá, que fez esta referência expressa.
De realçar que as empresas públicas municipais parecem surgir como o expediente jurídico mais adequado para prosseguir tarefas prestativas, que ainda hoje são prosseguidas pelos municípios, na base de um regime jurídico perfeitamente desactualizado, que é o regime jurídico dos serviços municipalizados. Os serviços municipalizados, do ponto de vista jurídico, são verdadeiras empresas públicas sem personalidade jurídica, não dispondo da necessária e adequada autonomia de gestão face aos órgãos do município. E, nem que seja nesse estreito segmento, haverá toda a vantagem em estabelecer o regime jurídico que permita modernizar a gestão dos serviços municipalizados.
Uma nota de curiosidade. Depois de ter andado a fazer pesquisas e várias leituras sobre esta matéria, é que esta opinião é comungada por muito boa gente. Fui, por exemplo, encontrá-la num livro do hoje Deputado Castro Almeida, que, em 1985, defendia exactamente a necessidade de um regime jurídico de empresas públicas para

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modernizar o estatuto jurídico dos serviços municipalizados - e volto a frisar -, doutrinariamente, estes são empresas públicas sem personalidade jurídica. Portanto, não se trata aqui de nada de novo.
Uma nota importante a este propósito tem a ver com o facto de que, se estamos a reconhecer a utilidade de empresas públicas municipais, isso não significa, não pode significar - e gostava que esse aspecto ficasse claro que os municípios que pretendam desenvolver parte das suas atribuições sobre modelos de carácter empresarial estejam, necessária e legalmente, vinculados a esta opção pelas empresas públicas municipais.
Em nossa opinião, em nome do Grupo Parlamentar do PS, e de acordo com o entendimento claramente expresso noutras iniciativas legislativas, apresentadas em anteriores legislaturas - e permito-me salientar, por exemplo, o projecto de lei n.º 70/VI, que teve como primeiro subscritor o Deputado Jorge Lacão -, a opção por respondera necessidades colectivas a nível local, sob o modelo empresarial, pressupõe uma escolha entre três modelos possíveis. Escolha que, necessariamente - e essa é a nossa posição -, deve ser feita a nível local, pelo eleitos que, por essa via, prestarão contas à população que os elegeu. Que vias são essas? São três vias distintas: a via das empresas públicas municipais, a via de sociedades municipais de capitais públicos e a via de sociedades maioritariamente públicas.
É verdade que a proposta do Governo, não excluindo as restantes, trata apenas de empresas públicas municipais. Em nossa opinião, nada obsta a que, em sede de especialidade, se alargue o âmbito do diploma, de forma a regular, em moldes globais, integrados e coerentes, os diferentes modelos de que os municípios poderão dispor para, se assim o entenderem, desenvolverem em novos moldes algumas das suas atribuições. O que está em causa é a possibilidade de os municípios optarem por desenvolver, sob modelos de natureza empresarial, algumas das tarefas, designadamente as múltiplas novas e complexas tarefas prestativas, a que hoje os municípios têm de responder.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Uma última nota, um pouco em aparte, a alguns comentários que vieram da bancada do PSD.
Srs. Deputados, o que estamos a discutir não exclui o modelo da concessão, o que estamos a discutir, é algo diferente. Embora havendo estas três vias de natureza empresarial que referi, obviamente que acresce, e acresce hoje na ordem jurídica portuguesa, a possibilidade de os municípios recorrerem ao regime da concessão, que tem consagração legal, pressupõe a existência de um concurso público, pressupõe uma escolha por parte dos eleitos. A nossa posição também a este propósito é a de que é um outro caminho possível, é uma outra faculdade, cuja opção deverá ser tomada pelos autarcas. Não poderemos responder - e isso é politicamente incorrecto e não merece a nossa aceitação - ao fundamentalismo da empresa pública municipal, necessariamente, com o fundamentalismo da concessão como primeira ou única opção. Um modelo e uma concepção descentralizada nesta matéria faz com que se deva propugnar, a nível de regime jurídico, que a lei consagre caminhos vários e que a opção, em concreto, deva ser tomada atendendo aos circunstancionalismos locais por aqueles que foram eleitos. Nada disto exclui a concessão, a concessão será uma hipótese possível por parte dos autarcas.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados, algumas questões, que talvez tenham mais cabimento em sede de especialidade, merecem um comentário rápido. Em primeiro lugar, a ideia de que o regime jurídico que estamos aqui a começar a traçar deve compatibilizar, de uma forma equilibrada, de uma forma justa, de uma forma eficaz, necessidades de rigor e de transparência, designadamente na aplicação de dinheiros públicos, com a necessária flexibilidade de gestão que está associada ao carácter empresarial de que se quer dotar a actividade a prosseguir, de uma forma indirecta, pelos municípios. Isto implica que haja, em sede de especialidade, preocupação em relação a aspectos como o da definição clara dos poderes que os órgãos do município vão ter sobre as empresas - que não são poderes de tutela, são poderes de superintendência -, que haja aqui a necessidade de regular controlos, designadamente o do Tribunal de Contas, em coerência com outros diplomas já aprovados por este Plenário, e pressupõe uma reflexão serena e profunda sobre problemas que são complicados, designadamente o problema do financiamento e dos limites à capacidade de endividamento. .
Segundo comentário: a necessidade de acautelar eficazmente os direitos dos funcionários e agentes dos serviços municipais que venham a ser transformados em empresas - é o caso dos serviços municipalizados -, de acordo com um princípio, que é um princípio básico do Estado de Direito e a que damos a maior atenção, que é o princípio da tutela da confiança. Trata-se, aliás, de preocupação que o Governo bem evidenciou com a norma que integrou na sua proposta de lei.
Como terceira reflexão, com mais cabimento em carácter de especialidade, coloca-se o problema de saber se vale a pena ou não proceder a uma enumeração taxativa das funções municipais que poderão vir a ser desenvolvidas sob' forma e sob modelo empresarial, matéria que já foi aqui indicada por vários Deputados, nomeadamente pelo Sr. Deputado Luís Sá. O problema das listagens exemplificativas é o de que, por mais imaginação que tenhamos, há sempre o risco de deixar alguma função relevante de fora, caso típico, por exemplo, de matéria do parqueamento e estacionamento, caso típico da matéria relativa à habitação social. Será matéria que teremos oportunidade de cuidar devida e ponderadamente em sede de especialidade porque a opção é entre uma lista ou, pura e simplesmente, entre permitir que toda e qualquer atribuição municipal possa ser desenvolvida sob forma empresarial.
Quarto comentário: a conveniência em estabelecer um regime transitório que permita a adaptação a este novo figurino das muitas empresas públicas municipais pré-existentes. A preocupação aqui é a de traçar um quadro jurídico para o futuro mas, obviamente, não faz sentido que esse quadro jurídico venha a constituir um obstáculo a todas as realidades empresariais pré-existentes.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados, muito rapidamente, duas notas finais. Em primeiro lugar, para referir que, mais uma vez, e quando tratamos de uma matéria importante e estruturante para o poder local, não deixa de ser curioso verificar que, também nesta matéria, o PSD não tenha qualquer iniciativa legislativa. É curioso, é politicamente sintomático que assim seja. Não vou aqui referir-me às muitas iniciativas legislativas do PSD a propósito da criação de freguesias ou da elevação de vilas a cidade. De um ponto de vista mais subs-

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tantivo, o PSD, até hoje, brindou-nos com duas propostas: um projecto censurável, como o desenvolver do processo legislativo demonstrou, em matéria de tutela administrativa, como foi logo demonstrado em sede de discussão na generalidade; e mais tarde, recentemente, um projecto a ressuscitar, em novos moldes, a antiga figura do chefe de secretaria municipal. É verdade que temos agora a grande iniciativa, em matéria de finanças locais, mas não queremos aqui reeditar, em sede de período da ordem do dia, uma primeira discussão política que já teve lugar no período de antes da ordem do dia.
Que fique claro - porque isto é que é matéria de facto e com um inegável significado político - que, nesta legislatura, este Plenário se tem debruçado, várias vezes, sobre iniciativas políticas relevantes em matéria de poder local e, nesta decisão, como em muitas outras, o PSD nada diz, o PSD não apresenta propostas!
Uma nota final, Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados, para dizer, em nome do Grupo Parlamentar do PS, que, de tudo isto, resulta que entendemos que estão criadas as condições políticas para, na generalidade, viabilizar as três iniciativas legislativas, de forma a ser possível, em sede de especialidade e com a colaboração de todos, conseguir estabelecer um regime jurídico consentâneo com as expectativas e com as necessidades dos municípios nesta matéria importante para o poder local.

(O Orador reviu.)

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, vamos hoje proceder ao debate do projecto de lei n.º l27/VII, do PCP - Lei-Quadro das Empresas Públicas Municipais, Intermunicipais
e Regionais, da proposta de lei n.º 86 /VII - Cria empresas públicas municipais e intermunicipais e do projecto de lei n.º 320/VII, do CDS/PP - Lei-Quadro das Empresas Municipais e Intermunicipais. Esta é, seguramente, uma área da intervenção das autarquias locais que urge debater, porque é necessário consolidar e concertar modelos e soluções que, devidamente enquadradas juridicamente, permitam uma maior agilidade de gestão autárquica mas
que, em nenhuma circunstância, constituam empecilhos ou obstáculos ao normal desenvolvimento da iniciativa privada em sectores que actualmente não estão explorados e a que as autarquias locais, com dificuldades, conseguem dar res
posta.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, recordemos, para situar a discussão, os antecedentes desta matéria. A Lei n.º 79/77, de 25 de Outubro, quando foi criada, definindo as atribuições das autarquias e competências dos respectivos órgãos, previa, na alínea o) do artigo 48.º - Competências da Assembleia Municipal -, a capacidade de o município formar empresas municipais, bem como, na sua alínea n), autorizava a Câmara Municipal a outorgar exclusivos e a exploração de obras e serviços em regime de concessão. Com a aprovação do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, esta matéria ganha um novo alcance com a abertura da possibilidade, para além de criação de empresas públicas municipais, da criação e participação em empresas públicas intermunicipais, mantendo a capacidade de as câmaras municipais recorrerem a regras de concessão, até ao prazo máximo de 20 anos, para outorgar exclusivos e a exploração de obras e serviços.
Em 1991, o Governo, ao promover a alteração do regime de atribuições das autarquias locais e de competências dos respectivos órgãos, manteve estas competências no âmbito da assembleia municipal com o alcance e enquadramento da Lei n.º 100/84.
Apesar de, nestes 20 anos de poder local democrático, os municípios terem recorrido e recorrerem inúmeras vezes ao regime de concessão, é notório que ainda não foram exploradas na plenitude as potencialidades existentes a este nível para um melhor desempenho da actividade autárquica. Igualmente, alguns municípios avançaram com a criação de empresas municipais, o que tem deparado com inúmeras dificuldades pela ausência de uma regulamentação clara. Curiosamente, o projecto do PCP, para responder a esta preocupação, assume que as empresas em causa serão empresas públicas e o projecto do CDS/PP evita a classificação de públicas, permitindo a criação de empresas mistas.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o PSD deseja firmemente criar condições para que as autarquias locais possam desempenhar com maior eficácia as suas atribuições e competências. Mas os projectos de lei apresentados e sobretudo a proposta de lei do Governo podem originar inúmeros equívocos e perversidades no funcionamento e intervenção da administração local autárquica. A proposta de lei do Governo reconhece, inclusive, que a solução avançada potencia a ocorrência de alguns riscos, sobretudo no plano financeiro. Igualmente a proposta de lei do Governo é pouco explícita ao deixar de fora as empresas intermunicipais, embora admitindo a sua aplicabilidade com as necessárias adaptações àquelas.
Ficam por esclarecer inúmeras situações: a articulação entre a opção pela constituição de empresas municipais e a opção pela figura de concessão de serviços dotados de autonomia de gestão (SMAS); ao nível do quadro de pessoal, nomeadamente o regime de trabalho aplicado, carreiras, e lugares de origem; quem, ou que órgão ou instituição, é que assegura e confirma o grau de rigor e de exigência dos estudos económico-financeiros que permitam avaliar a viabilidade de constituição destas empresas. Qual o grau de exigência ou de equilíbrio que justifique a adopção de preços políticos pelas empresas municipais com a celebração de contratos programa entre o município e as empresas municipais, permitindo o subsídio e as indemnizações compensatórias? Quem decide e aprova estes contratos: a câmara municipal, a assembleia municipal ou ambas?
Mas a questão de fundo que pode e deve ser discutida prende-se com a opção deste Governo de privilegiar com esta proposta de lei a criação de empresas municipais em detrimento da criação de condições e regras mais claras para o alargamento da utilização pelas autarquias locais do regime de concessão. Não está previsto nesta proposta de lei nenhum mecanismo que favoreça, numa primeira oportunidade, a realização de concursos para a concessão e, caso estes ficassem desertos, então sim, em certas condições a definir, nomeadamente quando exista a necessidade de aplicação de fundos estruturais, nessas circunstâncias evoluir-se-ia para a constituição de empresas municipais ou intermunicipais.
Para nós esta é uma matéria que nos separa profundamente da proposta de lei do Governo. Consideramos que é necessário, como base política de debate, reconhecer que

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o sector privado gere melhor que o sector público. A criação de empresas públicas municipais não pode por isso constituir um entrave ou obstáculo ao aparecimento de alternativas do sector privado, capazes de responderem positivamente com capacidade empresarial de gestão nas áreas do desenvolvimento económico e social, ao nível de abastecimento público, salubridade pública, saneamento básico, cultura, tempos livres e desporto.
Uma última nota relativamente ao diploma do Governo para referir que, ao permitir o aparecimento de empresas públicas municipais no âmbito de abastecimento público, salubridade e saneamento, está a criar um quadro jurídico diferente do actualmente em vigor para o tratamento de resíduos sólidos, águas e saneamento, onde vigora a filosofia da concessão a empresas públicas ou de capitais mistos, ou seja, envolvendo e reconhecendo à iniciativa privada um papel importante na sua gestão. Curioso é o facto de a proposta de lei e o projecto de lei do PCP não preverem a possibilidade de participação de capitais privados nas empresas a criar, o que torna evidente a perversidade de opção apontada porque se trata, ao nível local, desta vez, de criar situações de discriminação a favor das empresas a criar, prejudicando e vedando na prática o aparecimento ou dinamização de empresas privadas em alguns sectores, dependentes hoje em dia das autarquias locais.
Esperemos que o PS esteja atento a este debate, que se disponibilize para evitar e corrigir este erro do Governo e não se sinta tentado a aproveitar esta oportunidade para criar mais jobs for the boys.

Aplausos do Deputado do PSD Álvaro Amaro.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Que vergonha! Nem a Sr." Deputada Manuela Ferreira Leite se deu ao trabalho de aplaudir! ,

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Jorge Goes.

O Sr. Manuel Jorge Goes ( PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho, uma pergunta muito rápida para tentar precisar e clarificar a minha interpretação da sua intervenção.
Não faz qualquer sentido falar aqui em erro do Governo porque o que está em causa é uma posição de princípio que o Sr. Deputado defendeu da tribuna. Se entendi bem, o Sr. Deputado defendeu que só seria admissível a constituição de uma empresa pública se na sequência de um concurso público, para efeitos de concessão, esse concurso ficasse deserto.
Nesta ordem de ideias, e não querendo aqui entrar em considerações de ordem política mais geral e, designadamente, de ordem ideológica, que não têm muito cabimento nesta discussão, vou fazer-lhe uma pergunta muito concreta à luz de um princípio que deve ser básico e subjacente a, toda esta discussão: o Sr. Deputado entende - deixo de fora todos os outros argumentos - que um modelo rígido desse tipo é o que mais se adequa ao princípio da descentralização constitucionalmente consagrado? Não será muito mais consentâneo com o princípio da descentralização que fique à livre opção dos órgãos eleitos de um município a possibilidade de se optar entre uma empresa pública municipal e a concessão de um determinado serviço ou qualquer opção intermédia? Pensa, independentemente de outras razões, que a solução mais descentralizadora é a de o legislador, a nível da Assembleia da República, impor um figurino que necessariamente, na sua lógica, terá de ser aplicado de Mogadouro a Vila Real de Santo António, ou considera que se adequa mais ao princípio da descentralização administrativa que a lei se limite a contemplar um catálogo que possa ser integrado casuisticamente por quem tem legitimidade democrática para o efeito e por quem tem a noção clara e próxima dos cidadãos, do circunstancialismo e da solução que melhor se adequa a cada comunidade local?
É esta questão muito concreta que lhe coloco porque não podemos responder a um fundamentalismo com outro, nem podemos esgrimir com mais e menos Estado porque o que está aqui em causa é desenvolver em novos moldes, em moldes de natureza empresarial, funções que hoje são asseguradas por forma directa pela administração municipal. Portanto, o que está aqui em causa é apenas gerir de outra forma. No rigor dos princípios não é o mesmo Estado, é a mesma administração municipal, não é mais nem menos, é gerir a mesma realidade administrativa de salvaguarda e de resposta às necessidades da população e responder a isso de uma outra maneira.
Deixando de fora as questões ideológicas, e à luz da descentralização, que é um princípio que muito prezamos e que tem a muito a ver com tudo isto, coloco-lhe esta pergunta.

(O Orador reviu.)

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Jorge Goes, tentei perceber a sua pergunta, que qualificou de muito directa e muita, clara, mas quero confessar que com o decorrer da sua intervenção fiquei mais baralhado.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - A sua intervenção é que foi baralhada!

O Orador: - Sinceramente, penso que o Sr. Deputado, depois de ter ouvido a minha intervenção, deveria ter percebido algo que é perfeitamente claro. 
De facto, há algo que nos separa claramente em relação a esta proposta de lei: nós entendemos que, em primeiro lugar, antes de se pensar em criar empresas públicas municipais, deve ser assegurada a criação de condições pois pensamos que a iniciativa privada pode gerir melhor do que a actividade pública algumas áreas de atribuições das autarquias locais e nesse aspecto consideramos que seja explorado até à exaustão o modelo das concessões. Todavia, quando não seja possível fazer funcionar as concessões, poderemos avançar com empresas públicas municipais.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Isso é inconcebível!

O Orador: - E só nessas circunstâncias porque, isso sim, é que corresponderia a algo de importante na nossa discussão e poderia corresponder a um avanço significativo em relação ao poder local democrático.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Isso não faz sentido!

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O Sr. Presidente (João Amaral) : - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não tencionava fazer qualquer intervenção neste debate mas o Sr. Deputado Luís Sá lançou-me um desafio e não me sinto capaz de recusar à Assembleia da República alguma experiência que tenho nesta matéria.
Sr. Deputado Manuel Jorge Goes, de facto este problema transcende em muito os aspectos ideológicos e convém que nos entendamos sobre isto. A necessidade da gestão empresarial resulta da complexidade tecnológica que assumiram alguns problemas da gestão municipal, da própria complexidade da vida municipal e também da dimensão urbana que os problemas atingiram. Sendo assim, quero dizer claramente pensar que a melhor forma de administrar pequenos municípios continua a ser a administração autárquica directa sem qualquer intervenção empresarial. E qualquer lei que aqui venha abrir a porta à generalização de empresas municipais é uma lei assassina que vai destruir o poder local na sua essência.
Mas isto não tem nada a ver com o outro problema que referiu ao princípio. É o caso, que se coloca em muitos sítios, do tratamento dos resíduos líquidos, do tratamento dos esgotos, que têm composições poluentes altamente c rapidamente mutáveis e que fazem requerimento a tecnologias bioquímicas de alta especialidade existentes em muito poucos indivíduos na nossa sociedade e mesmo a nível da Europa.
É evidente que qualquer câmara não pode dar-se ao luxo de possuir técnicos desta dimensão e desta especialização e, por isso, penso que além de pensarmos em empresas municipais deveríamos pensar em empresas intermunicipais. Por exemplo, no que diz respeito ao sistema de esgotos do Vale do Ave, não vejo nenhuma maneira de poder ser gerido a não ser por uma empresa multimunicipal. Não sei se a lei está a cobrir ou não essa possibilidade mas penso que deveremos, a partir das leis que nos são presentes, encontrar a verdadeira resposta para os problemas que hoje se colocam na sociedade c que passam por aí.
No entanto, quero prevenir esta Assembleia da República para um outro risco real que se está a passar e que não podemos ignorar. É que não se trata, ao contrário do que disse o Sr. Deputado Manuel Jorge Goes, de gerir de outra maneira a mesma coisa. O pior é que em muitos casos em Portugal se estão a criar empresas municipais e a não suprimir serviços municipais coexistindo em largo número de municípios serviços e empresas o que tem de ser condenado, não pode ser admitido, porque é um esbanjar de recursos públicos.
Diria, por fim, que nenhum dos projectos de diploma que aqui foram presentes encara a totalidade dos problemas a que temos de responder e, por isso, na minha opinião, esta Assembleia da República deveria fazê-los baixar todos à comissão respectiva e, num acto de humildade, ver quais são os problemas reais a que temos de responder e encontrar a lei adequada para dar resposta a esses problemas.
' Várias vezes, ultimamente, têm-se colocado aqui situações semelhantes. Nenhum de nós pode ter a pretensão de ter o dom da sabedoria para todos os problemas, mas todos juntos, e cada um, temos obrigação de dar o nosso contributo para encontrar a verdadeira resposta a uma necessidade que hoje se coloca nas sociedades modernas. Não se trata de saber se a empresa é municipal ou não, a empresa tem de ter parceiros tecnológicos que só é possível encontrar na iniciativa privada e se for uma empresa exclusivamente municipal não teremos respondido a problemas nenhuns e teremos multiplicado os empregos para mal da gestão pública.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, dado não haver mais inscrições, está encerrado o debate conjunto, na generalidade, dos projectos de lei n.º' 127 e 320/VII e da proposta de lei n.º 86/VII, que serão votados na próxima reunião em que haja lugar a votações.
Como o ponto seguinte da ordem de trabalhos foi retirado da agenda, damos assim por terminados os nossos trabalhos.
Voltaremos a reunir no próximo dia 7 de Maio, às 15 horas, para, depois de um período de antes da ordem do dia, apreciarmos os projectos de lei n.ºs 196/VII, 257/VII e 298/VII e ainda o 1.º Orçamento Suplementar da Assembleia da República.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.

Partido Social Democrata (PSD):

João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rui Fernando da Silva Rio.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Fernando José de Moura e Silva.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
António Bento da Silva Galamba.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
José Maria Teixeira Dias.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.

Partido Social Democrata (PSD):

António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Manuel Taveira da Silva.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Domingos Dias Gomes.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.

Página 2356

2356 I SÉRIE - NÚMERO 67

Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Luís Carlos David Nobre.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

DIÁRIO da Assembleia da República

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