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3372 I SÉRIE - NUMERO 94

direitos dos povos em geral. O texto actual, Sr. Presidente e Srs. Deputados, parece-nos redutor e pode dar a entender que os direitos dos povos seriam só os direitos expressamente consagrados hoje no artigo em apreciação: o direito à autodeterminação e à independência, o direito à insurreição contra a opressão. Eu não digo, obviamente, que estes direitos não sejam importantes, mas a nova formulação que hoje propomos, é mais alargada, é mais completa: reconhece-se que os povos têm outros direitos para além daqueles três.
Passo ao segundo ponto que queria referir: para além desta nova formulação mais completa e mais alargada dos direitos dos povos, queremos acrescentar já o reconhecimento de mais um, o reconhecimento expresso, no n.º 3, do direito dos povos ao desenvolvimento. Este ponto merece-me algumas considerações: talvez alguns se lembrem que, já noutras revisões constitucionais, eu próprio e o PSD defendemos a consagração do direito ao desenvolvimento dos povos e da pessoa (voltarei, adiante, ao aspecto do direito ao desenvolvimento como direito da pessoa humana quando tratarmos do artigo 26.º). Portanto, não estarão surpreendidos por retomarmos hoje estas propostas.
Quando é que nasceu esta concepção do desenvolvimento como direito quer dos povos quer da pessoa humana? Há mais de 30 anos, na primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento, realizada em 1964, uma personalidade muito conhecida, hoje ainda lembrada, o Padre Lebret, referiu-se pela primeira vez à necessidade da consagração nas relações internacionais do direito de todos os povos ao desenvolvimento. Esta sugestão foi desenvolvida posteriormente por várias instituições e organizações internacionais, desde a Igreja Católica, através do seu magistério, ao Conselho da Europa, à Organização das Nações Unidas, a organizações ligadas à ONU, citaria a UNESCO, o PNUD, entre outras. O então Presidente do Instituto Internacional dos Direitos do Homem, em Estrasburgo, em 1972, Sr. Keba M'Baye, contribuiu também para a definição deste direito.
Gostaria de citar um texto seu, que me parece excelente: depois de ter sublinhado que o desenvolvimento interessa «a todos os homens, a qualquer homem e ao homem todo», o Presidente M'Baye afirmava que «é, por isso, indiferente multiplicar elucubrações para precisar se o direito ao desenvolvimento é um direito colectivo ou individual». Ele queria afirmar que se trata de um direito
englobante (aliás, poderíamos ver que o é noutra perspectiva: como um direito/dever e não apenas um direito de que todos gozam - todos os povos e todas as pessoas têm o dever de contribuir para o desenvolvimento), que não é possível fazer a cisão, separar, neste caso, o direito dos povos do direito da pessoa.
Finalmente, ocorreu a consagração mundial: esta deu-se em 1986, quando, em 4 de Dezembro, a Assembleia Geral da ONU adoptou a sua resolução n.º 41/128, que incluía uma Declaração sobre o direito ao desenvolvimento. Logo no artigo 1.º dessa Declaração, este era definido como um direito do Homem, inalienável, que reconhece que cada pessoa humana e todos os povos «são titulares do direito a participar, contribuir para e gozar o desenvolvimento económico, social, cultural e político, através do qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais podem ser completamente realizados».
Sr. Presidente, Srs. Deputados, estando já consagrado em vários documentos internacionais e até universais, como a referida Declaração; em Convenções do Conselho da Europa, entre outros documentos; estando já acolhido no direito português, tendo sido reconhecido e alargado em outras conferências internacionais, nomeadamente, na Conferência do Rio de Janeiro sobre Desenvolvimento e Ambiente; tendo dado origem à noção de desenvolvimento sustentável, que considera que o desenvolvimento tem que ser visto não apenas na perspectiva dos homens e dos povos que existem hoje mas também na perspectiva das gerações e dos povos que hão-de vir depois; depois de tudo isto, julgo que é tempo de acolhermos expressamente na Constituição da República Portuguesa o direito ao desenvolvimento, reconhecendo que é um direito de todos os povos que não pode ser esquecido nas relações internacionais. Na verdade, trata-se de um direito colectivo que se refere a interesses vitais comuns sentidos no âmbito de uma comunidade de grupos humanos e, mais amplamente, por toda a humanidade, sendo claro que, em muitos aspectos, só o seu exercício conjunto permite uma melhor ou mais eficiente realização dos referidos interesses.
Neste sentido, haverá que falar de um direito ao desenvolvimento integral não só de cada homem mas também de um grupo de homens e da humanidade inteira. Na verdade, não é possível reconhecer a uma pessoa isolada o direito ao desenvolvimento integral, porque se não houver o reconhecimento do direito ao desenvolvimento dos outros, colectivo, o desenvolvimento integral, enquanto direito da pessoa, é impossível e irrealizável.
Ao reconhecer este direito a todos os povos, fazemos a consagração de um direito novo, sem dúvida, mas que, apesar de tudo, já tem alguns anos. Já foi, aliás, consagrado (nem sequer seremos pioneiros) em textos de direito internacional e nas Constituições de alguns países.
Vamos mais uma vez, sendo consequentes connosco próprios, voltar a reafirmar a nossa abertura ao universalismo, ao humanismo, que são valores e características do povo português.
Se a Constituição é um texto que contém valores, bem como grandes orientações políticas, como disse e muito bem o Sr. Deputado Medeiros Ferreira, e não é apenas um texto jurídico regulamentador, congratulamo-nos que seja possível dar este passo importante e muito significativo.

(O Orador reviu.)

Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos em sede do artigo 7.º - Relações internacionais -, portanto de algum modo desenvolvendo aquilo que Portugal, na esfera internacional, deve ter como princípios que devem pautar a sua orientação. Dizia há pouco o Sr. Deputado Medeiros Ferreira que sobre este artigo não se densificou particularmente. É também esse o nosso entendimento porque nos parece que se há um conjunto de propósitos que devem orientar a política do Estado português que, talvez por sensatez, não devem ser modificados globalmente, o entendimento que temos de um processo de revisão constitucional é o de que o texto constitucional não pode ser um texto fechado, cristalizado e deve ajustar-se àquilo que são os diferentes desafios que em cada momento histórico cada Estado tem que enfrentar.
Assim, julgo que será consensual, se bem que não tenha sido consensual em termos da discussão e muito

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