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Sábado, 22 de Novembro de 1997 I Série - Número 17

DIÁRIO
Da Assembleia da República

VII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1997-1998)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 21 DE NOVEMBRO DE 1997

Presidente: Ex.mo Sr. João António Gonçalves do Amaral

Secretários: Ex.mos Srs.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 40 minutos.
A proposta de lei n.º 150/VII - Processo extraordinário de actualização das inscrições no recenseamento eleitoral através da criação de um ficheiro central informatizado foi discutida na generalidade. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Ministro da Administração Interna (Alberto Costa), os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), Ferreiro Ramos (CDS-PP), Luís Sá (PCP), Carlos Encarnação (PSD), José Magalhães (PS) e Isabel Castro (Os Verdes).
Foi apreciada a petição n.º 52/VII (1.º) - Apresentada por Arnaldo José Cardoso Fernandes e outros solicitando à Assembleia da República a discussão e a tomada de medidas concretas para ajudar o concelho de Alcochete a enfrentar as transformações em curso mormente as que decorrem da construção da nova ponte sobre o rio Tejo -, sobre a qual intervieram os Srs. Deputados Joaquim Matias (PCP), Armelim Amaral (CDS-PP), Lucília Ferra (PSD), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Maria Amélia Antunes (PS).
Foi também apreciada a petição n.º 6/VII(2.ª), apresentada pela Associação Académica de Coimbra, sobre a situação actual do futebol português e as medidas necessárias à sua moralização caso N'Ninga, tendo feito intervenções os Srs. Deputados Carlos Castanheira (PS), José Calçada (PCP), Armelim Amaral (CDS-PP) e, Paulo Pereira Coelho (PSD).
Sobre a petição n.º 4/VII 1.ª), apresentada pela Associação SOS Racismo e Associação Portuguesa dos Direitos dos Cidadãos, solicitando que a Assembleia da República adopte uma lei contra a discriminação racial, intervieram os Srs. Deputados António Filipe (PCP), Maria Celeste Correia (PS), Armelim Amaral (CDS-PP), Miguel Macedo (PSD) e Isabel Castro (Os Verdes).

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 13 horas.

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O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 40 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Marfim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.

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Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado
Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Jorge Manuel Lopes Moreira da Silva.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, não há expediente, pelo que vamos começar o debate da proposta de lei n.º 150/VII - Processo extraordinário de actualização das inscrições no recenseamento eleitoral através da criação de um ficheiro central informatizado.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna (Alberto Costa): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se me permitirem, gostaria de aproveitar para fazer previamente, durante curtos, curtíssimos, minutos, sob a forma de interpelação, uma pequena declaração.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estivemos aqui, ontem, nesta Câmara, com o Sr. Ministro António Vitorino. Tratei ontem, com ele, no edifício desta Assembleia, de melindrosos e importantes assuntos de Estado, tendo ele agido e decidido com o profissionalismo e com a inteligência que lhe são habituais. Conheço, privo e sou amigo do Dr. António Vitorino há vinte anos, altura em que ele foi não meu aluno mas meu monitor na Faculdade de Direito de Lisboa, na disciplina de Direito Económico. Trabalhei anos com ele, primeiramente na Faculdade de Direito de Lisboa, e estou com ele há muitos anos na vida pública e política.
António Vitorino é um homem superior mas é também um homem recto e leal; é uma figura que não só está acima da média como é uma figura excepcional da República portuguesa. Quero aqui expressar-lhe solidariedade e grande admiração neste momento. Quero manifestar-lhe uma homenagem muito profunda por este seu gesto, que o enobrece e nos enobrece a todos, que enobrece esta Casa, onde ele tantas vezes e tão inteligentemente soube defender os seus eleitores. Ele mostrou a sua diferença, ele mostrou a diferença entre os homens para quem a ética da República é uma referência de vida e tantos outros para quem ela é um incómodo ou uma referência a contornar.
A democracia constrói-se não apenas de palavras mas de exemplos. António Vitorino deu o exemplo e o seu exemplo ajuda a construir uma República mais exigente.
Peço, não apenas ao grupo parlamentar do PS mas a todos os Deputados, não em declaração de voto piedosa que ele rejeitaria, a salva de palmas que ele merece.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Ministro, tem a palavra agora para a intervenção sobre a proposta de lei.

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O Sr. Ministro da Administração Interna: Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, sabem todos que lidamos há vários anos com um fenómeno que é a discrepância entre os universos demográfico e eleitoral, discrepância crescente nos últimos 16 anos, pois uma diferença numérica que era de cerca de 300 000, no início da década de 80, situar-se-á hoje na ordem de um milhão. A diferença andava na ordem dos 4,2% em 1981; em 1989, subia para 6,5% e, em 199 1, atingia 11,5%, percentagem de desfasamento que ainda hoje se conserva. De 1991 para 1996, o fenómeno manteve-se, portanto, na mesma ordem de grandeza percentual.
Factores de distorção são de todos conhecidos e começam pelo recenseamento geral da população. Os próprios responsáveis estimam um erro de recenseamento na ordem de 1 %, cerca de 100 000 pessoas, e dizem que ele não permite agarrar o fenómeno migratório, subavaliando a população residente. Assim, antes da realização do último recenseamento, as expectativas iam no sentido de que a população residente se aproximasse dos 10,3 milhões de habitantes; conhecidos ainda em 1991 os resultados preliminares, os demógrafos foram em busca de meio milhão de desaparecidos! O INE justificou essa diferença em 1991 pela utilização de estimativas ao longo da década de 1980, que pressupunham saltos migratórios positivos, na expectativa de um retorno de emigrantes que não teria acontecido.
António Barreto glosou esta situação no final de 1991, escrevendo que um dos jogos de sociedade que fazia furor consistia em perguntar à sua volta, aos amigos e familiares, se tinham preenchido os questionários; se sim, se alguém os tinha vindo buscar; se não, se os tinham levado a algum sítio. É um divertimento e um jogo de sociedade que proponho também aos Srs. Deputados.
A divergência dos recenseamentos entre 1981 e 1986 permitia ver que o recenseamento da população variava de 14% e o recenseamento eleitoral variava de 24%. Está a ver-se a margem do desfasamento. Este é um dos pólos da comparação, sendo o outro pólo da comparação o universo eleitoral.
Quais são os factores de distorção do recenseamento eleitoral? São óbitos não eliminados, são inscrições múltiplas, são inscrições indevidas, é a morosidade de procedimentos oficiosos de eliminação e comunicação de alterações, de onde resulta uma sobre-avaliação da população com capacidade eleitoral. Isto é, temos dois vícios simétricos: de um lado, subavalia-se porque se começa sempre a contar do zero no censo geral da população e, no censo seguinte, se alguém que foi contado no anterior não voltar a ser contado, o censo dá sempre menos do que deveria dar. Por outro lado, dada a lógica de actualização do recenseamento, é mais provável o acrescentamento do que a diminuição e, não havendo as diminuições devidas, a lógica é sempre o acrescentamento. Daí esta trajectória sobre a qual todos falam e muito poucos sabem o suficiente.
Resulta daqui o fenómeno chamado abstenção técnica, de que todos os Srs. Deputados começaram a ouvir falar há anos atrás a comentadores televisivos.
O fenómeno da abstenção técnica é universal, decorre de erros processuais inevitáveis embora susceptíveis de correcção. A informatização é hoje um instrumento fundamental e acessível para desagravar as margens de erro e permitir a actualização célere de informação. Por exemplo, em França, estima-se em 7% a abstenção técnica e nos Estados Unidos da América estima-se em 11 %.
Isto tudo para dizer que nós, com um processo ambicioso como aquele que aqui trazemos, não vamos reduzir a zero a abstenção técnica, pois nenhum sistema pode fazê-lo, e desenganem-se todos aqueles que, de maneia ligeira e irresponsável, disseram que íamos «catar» um milhão de eleitores fantasmas. Creio ter deixado todos os argumentos para que VV. Ex.as fiquem completamente esclarecidos sobre a ilusão que está por trás dessa afirmação leviana.
Devo dizer que, não obstante o reconhecimento desta divergência entre recenseamento eleitoral e recenseamento populacional, é de louvar o trabalho que, ao longo de duas décadas, os cidadãos que integram os milhares de comissões recenseadoras vêm fazendo, tornando possível o acto cívico de cada um de nós e tornando possível um alto grau de fé pública no recenseamento que temos. O resultado de qualquer acto eleitoral nunca foi posto em causa ou foi afectado de suspeição por razões ligadas ao universo do recenseamento.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Este problema [em história governativa. Tem! O Sr. Deputado Carlos Encarnação, em 26 de Fevereiro de 1982, isto é, mais de 15 anos antes de deixar as suas funções de Secretário de Estado, já dizia aqui, na Assembleia da República, que só através de registos informáticos é que estes problemas poderiam melhorar. Em 1982, Srs. Deputados!
A sensibilidade técnica e a capacidade de diagnóstico do STAPE afirm4ram-se a partir de 1985, ano em que o Prof. Cavaco Silva ganhou as eleições; o primeiro estudo comparativo entre o universo populacional e o universo eleitoral data de 1985 e foi efectuado pelo STAPE.
O Ministro da Administração Interna, Silveira Godinho, do governo do Prof. Cavaco Silva, na primeira maioria absoluta, em Maio de 1988, já dizia que «existem fortes indícios de que o número total de cidadãos inscritos nos cadernos eleitorais não corresponde exactamente ao universo dos cidadãos». Isto em Maio de 1998 e não cito mais, mas se o debate o exigir contarei tudo o que o Ministro Silveira Godinho aqui disse, nesta Casa, em 1988.
O Sr. Deputado Carlos Encarnação, também em 1988, dizia que a democracia só se constrói descarregando dos cadernos do recenseamento os nomes que deles não devem constar. Belíssima observação, feita em Maio de 1988!
Durante a legislatura passada, de 1987 a 1991, o STAPE produziu diversos relatórios técnicos, com uma só resposta, que os Srs. Deputados conhecem: a Lei n.º 81/88. Resultados modestos!
Em 1991, o STAPE apresentou uma nova proposta de redacção do capítulo relativo ao recenseamento, do Código Eleitoral de 1987, com os objectivos de criação de um sistema centralizado, informatizado, gerido pelo STAPE, e registo em suporte informático dos dados dos verbetes. Belíssima. ideia, em 1991! Esta proposta, apesar de presente ao Conselho de Ministros, nunca chegou a ser aprovada, como os Srs. Deputados sabem. Isto foi em 1991!
Durante a legislatura de 1991 a 1995, por solicitação do Sr. Ministro Dias Loureiro, o STAPE remeteu, em Novembro de 1991, um memorando sobre esta problemática contemplando diversas soluções, com as quais os Srs. Deputados já estão familiarizados porque já conversámos muito sobre elas aqui, na Assembleia, não tendo os resultados sido consubstanciados em qualquer proposta legis-

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lativa. Estávamos em 5 de Novembro de 1991, o estudo era excelente, as ideias magníficas, mas os resultados foram zero! Isto em Novembro de 1991!
Em Fevereiro de 1995, o Sr. Deputado José Puig (creio que já não anima o nosso convívio no Parlamento, mas não estou certo) dizia: «encontra-se em curso a implementação do recenseamento informático». Isto em Fevereiro de 1995! Belíssima declaração, era de fazer fé nela! Mas só em Julho de 1995, com eleições em Setembro (Julho de 1995, Srs. Deputados, não se esqueçam do «filme» todo que aqui contei!), é que o STAPE efectuou uns contactos informais com três entidades, e não vou designar nomes, tendo em vista a futura realização de um concurso para a realização de um estudo sobre a informatização do recenseamento eleitoral. Belíssima ideia! Resultados: zero! Zero!
Consultei os programas de governo anteriores e que diziam eles acerca da modernização e da informatização do recenseamento? Zero! Foram todos lidos e zero! Os governos anteriores, face aos problemas diagnosticados, propuseram nada! Belas declarações, actos nenhuns!
Este Governo propôs-se à reforma e modernização do recenseamento eleitoral, nomeadamente através da generalizada utilização de meios informáticos com vista à simplificação, etc. etc., à obtenção de maior fidedignidade e correspondência com o universo eleitoral real. Foi nisso que trabalhámos, com actos que depois explicarei, desde Maio de 1996 ao Verão de 1997, por forma que explicarei, envolvendo um trabalho sério que, pela primeira vez, foi remetido à Assembleia da República. Aliás, tendo eu sido Deputado na última legislatura e parte da penúltima e os Srs. Deputados em muitas legislaturas, ninguém recebeu qualquer papel do Ministro da Administração Interna anterior; ninguém recebeu nenhum papel sobre estes contactos que foram feitos e os resultados que tiveram foram nenhuns.
Do estudo que fizemos e que apresentámos à Assembleia da República resultou que os objectivos da proposta que aqui apresentámos são: gestão e controlo centralizado da base de dados do recenseamento eleitoral pelo STAPE; interconexão com a base de dados de identificação civil para depuração; recenseamento contínuo e participação dos eleitores em todas as situações que careçam de correcção. Esta proposta de lei viabiliza a construção de um novo edifício do recenseamento eleitoral a consagrar em diploma futuro. Esta é a transição entre o recenseamento velho, que existiu, e o recenseamento novo, que vai existir e vigorar antes do fim da legislatura.
Assim, o que propomos é criar e carregar um ficheiro central, depurar óbitos, inscrições múltiplas e indevidas, produzir e expor subsequentemente ao público os novos cadernos eleitorais com possibilidade de correcção das alterações efectuadas. Propomos um amplo controlo técnico, jurídico e político-constitucional entre STAPE, Direcção-Geral dos Serviços de Informática do Ministério de Justiça, Comissão Nacional de Protecção dos Dados, Informatizados e Assembleia da República.
Fui um parlamentar e quero a máxima fiscalização pela Assembleia da República. Se me propuserem mais e melhores formas de fiscalização, aceitarei todas e aqueles que me conhecem sabem que é sempre assim.

Aplausos do PS.

Srs. Deputados, esta operação envolve trabalhar com 4241 comissões recenseadoras, 84% das quais não têm informatização, com 305 municípios, 18 governadores civis e duas regiões autónomas e um âmbito de 8 926 000 inscritos mais 188 000 inscritos no estrangeiro e em Macau, 6 000 000 de carregamentos, dos quais 4,9 milhões de verbetes não informatizados, mais 1,1 milhões de verbetes informatizados, num total de 3,7 milhões que se estima necessitem de novo carregamento em virtude do estado em que se encontram.
É uma operação que postula unicidade e critérios de isenção e segurança e favorece os mecanismos de fiscalização e de controlo da qualidade. As técnicas basear-se-ão numa recolha descentralizada dos verbetes e cadernos eleitorais com envolvimento de municípios, governos civis e ministros da República e reenvio dos verbetes às comissões recenseadoras à medida que for sendo efectuado o respectivo carregamento.

Vozes do PS: - Muito bem

O Orador: - Faremos esta operação mobilizando os recursos disponíveis do mercado e da administração pública. Não temos preconceitos de nenhuma espécie e Estado e mercado vão colaborar na realização em tempo útil desta operação. O custo estimado anda na ordem dos 600/700 000 contos e inclui a aquisição de equipamento, custo de carregamento, despesas de autarquias e comissões recenseadoras e custos de logística operação.
Queremos realizar esta operação com o máximo de consenso político, dissemo-lo sempre - foi isso que fui dizer à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias -, pois entendemos que com a democracia não se brinca, com o Estado de direito democrático não se brinca. Nós só mexeremos no recenseamento com um vasto consenso político. Se o não quiserem, não se fará e quem o não quiser arca com a responsabilidade inerente.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Que os Srs. Deputados se não refugiem diante da discussão jurídica de saber se é dois terços ou maioria absoluta! Isso não importa nada, importa o máximo consenso político. Esclareci na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, onde não estava o Sr. Deputado Carlos Encarnação, que esta operação só avançaria com o máximo de consenso político e, naturalmente, para nós, o máximo consenso político alcança necessariamente o maior partido da oposição, que deve ser o mais responsável. Se o maior partido da oposição vier com conversas complicativas para não fazer, denunciaremos perante o País os que não querem.

Aplausos do PS.

E diremos mais: se em 10 ou 12 anos não o quiseram e se agora obstaculizarem a que se faça é porque não querem fazê-lo e, assim, a vossa vontade real ficará completamente clara.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Ministro, peço que não entre em diálogo e conclua a intervenção.

O Orador: - Obrigado, Sr. Presidente, seguirei o seu conselho e vou terminar dentro de poucos segundos.

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Falamos de máximo consenso político, falam-nos de prazos, de mais Assembleia da República e em que há aspectos a melhorar. Nós vamos melhorar tudo o que seja preciso, estamos disponíveis para mexer em todas as disposições se os Srs. Deputados apresentarem melhor, apresentarem justificado. Se tiverem boas ideias - até agora não as encontrei -, todas as disposições estão abertas a aperfeiçoamento, pois devemos avançar com o máximo consenso político. E àqueles que, simulando uma ansiedade imensa - não sei se para se fazer depressa se para se fazer mais longamente, com franqueza não sei - querem saber quanto tempo demora, se vai permitir um referendo, etc., direi que essas ansiedades podem terminar todas porque o Governo garante a esta Assembleia da República que, seis meses depois da promulgação deste diploma pelo Sr. Presidente da República, a operação está consumada.
Assim, a angústia pode terminar. pois o Governo responde que seis meses depois da promulgação pelo Sr. Presidente da República, que já me disse que faria uma promulgação fulminante, a operação está feita. Acabem, portanto, com as vossas angústias.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Esta é uma grande reforma do Estado democrático, uma reforma que não foi feita em 12 nem em 15 anos, apesar de pressentida, apesar de falada, apesar de prometida por tantos nomes, alguns dos quais ainda aqui se encontram. Nós queremos fazê-la com todos os parceiros políticos, a democracia constrói-se com todos e o meu desafio é que todos contribuam, que ninguém venha aqui criar problemas só para atrasar, que todos contribuam. Estão todos convocados e que fique claro, no fim da discussão de hoje, quem está aqui para contribuir para o aperfeiçoamento do Estado democrático e quem está aqui para empatar. Queremos melhorar o Estado democrático e estamos aqui a provar que o estamos a fazer.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados. o Sr. Ministro utilizou tempo cedido pelo Partido Socialista para poder terminar a sua intervenção.
Estão inscritos dois oradores para formularem pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro, sendo o primeiro o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a quem concedo a palavra.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, compreendo e não quero fazer disso um caso - que hoje seja um dia complicado e que haja alguma perturbação, mas penso que não vale a pena. nem faz qualquer sentido, o Sr. Ministro «atirar-se» ao Partido Social Democrata relativamente a este diploma, como se o Partido Social Democrata tivesse questionado de uma forma técnica a formulação que aqui é apresentada pelo Governo.
O Sr. Ministro teve uma reunião connosco, na Comissão, e sabe bem a posição que o Partido Social Democrata desde o início tomou sobre esta matéria.
Aliás, Sr. Ministro, o que está aqui verdadeiramente em causa é apenas o facto de o Partido Social Democrata, independentemente da necessidade de tecnicamente resolver, e bem, esta matéria - e sobre isso o meu colega Carlos Encarnação irá fazer uma intervenção -, numa tentativa de clareza política, questionar o Governo sobre duas questões concretas. A uma delas o Sr. Ministro já deu uma resposta, clara também, e quero congratular-me com ela, pois já se comprometeu politicamente de uma forma inequívoca com o que o Partido Social Democrata pediu, dado que referiu seis meses como prazo impreterível com o qual o Governo se compromete.
Mas, Sr. Ministro, há outra questão sobre a qual V. Ex.ª não disse nada e sobre a qual o interpelo. Refiro-me à proposta do PSD para que. atendendo à delicadeza e à relevância estruturante para o nosso Estado de direito que esta matéria assume, se crie uma comissão de acompanhamento por parte da Assembleia da República. no sentido de todo o processo ser acompanhado pelos partidos representados nesta Câmara. E, já agora, gostaria também de ouvir o Sr. Ministro sobre o entendimento que tem acerca do modelo que esta comissão possa revestir.
Do nosso ponto de vista, devo desde já clarificar que o PSD está totalmente aberto a qualquer solução, inclusive uma solução de uma comissão de tipo paritário em que estejam representadas, de uma forma perfeitamente igual, todas as bancadas desta Câmara, por forma até a garantir uma maior agilidade ao funcionamento dessa comissão e a permitir um relacionamento mais facilitado com os serviços do seu ministério na realização desta tarefa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Ministro da Administração Interna, como não dispõe de tempo, vou sugerir que responda em simultâneo, no tempo que lhe concederei, aos dois pedidos de esclarecimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna. desejava saber se a garantia que o processo de recenseamento estará terminado em seis meses é também a garantia que o referendo acerca da regionalização será feito, de certeza absoluta, no 1.º semestre do próximo ano. E isto para lhe dizer que, acreditando em toda a boa fé dos intervenientes, não deixa de ser estranho que passados alguns meses depois da celebração do acordo da revisão constitucional entre os dois partidos que hoje aqui se digladiam desta forma, não tenham, nesse acordo, previsto estas situações, que são questões importantes, determinantes, mas meramente instrumentais. Certamente que aquilo a que estamos aqui a assistir hoje iremos vê-lo repelido quando tivermos de discutir situações com outra substância e com outro conteúdo.
Por parte do Partido Popular, como também já lhe foi transmitido, temos consciência da dimensão desta situação, que consideramos negativa para a democracia. Aliás, apresentámos, no início de Outubro, um projecto de resolução que com esta proposta de lei perde conteúdo e transmitimos também publicamente a posição do PP no sentido de que, perante as quatro vias de processo extraordinário de actualização de inscrições que foram apresentadas,...

O Sr. Ministro da Administração Interna: Sr. Deputado, desculpe. não percebi.

O Orador: - Sr. Ministro, estava a dizer que o Partido Popular comunicou publicamente a sua posição no sentido de considerar que, das quatro possibilidades de processo extraordinário de actualização, em nossa opinião, a que serviria melhor os interesses de todo o país e dos

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portugueses, no sentido de lhes possibilitar, na verdade, que já no primeiro semestre fosse possível fazer um referendo acerca da regionalização, seria a Segunda, ou seja, um processo extraordinário de actualização de inscrições logo a partir do próximo acto eleitoral autárquico.
Não é essa a solução para que se encaminha o Governo e embora encaremos com satisfação este compromisso dos seis meses, gostaria também de ouvir da sua parte a razão dessa opção, isto é, a opção de avançar de imediato para a constituição de um ficheiro central informatizado, não aproveitando o próximo acto eleitoral para fazer um primeiro avanço nessa actualização, não obstante, como também afirmávamos, se avançar ao mesmo tempo com o início dessa criação de ficheiro central informatizado.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, se assim o desejar. tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna. Dispõe, para o efeito, de três minutos, que a Mesa lhe concede.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, serei o mais breve possível.
Antes de mais, agradeço as intervenções dos Srs. Deputados Luís Marques Guedes e Ferreira Ramos.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, imaginava que tinha sido bem claro quando, da tribuna, disse que estaríamos abertos a toda a fiscalização parlamentar, a toda a espécie de solução no sentido de uma comissão para fazer essa fiscalização. Afinal, fi-lo tão enfaticamente que não se produziu clareza no espírito de V. Ex.ª, mas é isto que se passa.
Em todo o caso, gostaria de lhe dizer que não há aqui perturbação. Há, simultaneamente, pesar, pela perda de um homem do Governo que é um homem recto e é uma figura da nossa democracia, e satisfação, por ele ter sabido fazer o que muitos não souberam fazer no passado nem, porventura, no presente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, Sr. Deputado. estamos abertos a toda a Fiscalização na modalidade que V. Ex.ª, os Srs. Deputados e a Assembleia da República preferirem, a mais ampla. a mais consensual, porque a estratégia do Governo - e isso ficou bem claro na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos. Liberdades e Garantias - foi a de tentar obter todo o consenso.
Aceitamos que haja problemas para resolver pelo método de Westminster, o de maioria/minoria, e problemas para resolver pelo método consociativo. E aqui queremos usar o método consociativo. Fomos completamente claros. Por isso, Sr. Deputado Ferreira Ramos, escolhemos, das soluções que aqui apresentámos, a que tinha o apoio de todos os partidos do arco parlamentar. Todos! E pusemos de lado a que apenas tinha o apoio de alguns dos partidos do arco parlamentar. Foi essa a nossa opção, dentro da estratégia consociativa e não de Westminster.
Finalmente, quanto ao referendo sobre a regionalização, procurámos trabalhar depressa e bem, sabendo que são questões independentes, mas quanto mais depressa estiver terminado este trabalho que nos tínhamos proposto fazer, e bem feito, melhor, porque mais depressa podem funcionar, em condições aperfeiçoadas, os referendos que estão em perspectiva. Foi nesse sentido que nos apressámos, até um pouco mais do que normalmente aconteceria, mas tudo isto é consistente com o estudo de fundo que tinha sido feito e estava, felizmente, pronto quando VV. Ex.as também acordaram para o assunto.
Quero agradecer a todos os partidos políticos, ao Partido Popular, ao Partido Social Democrata, ao Partido Comunista Português, ao Partido Socialista e ao Partido Ecologista Os Verdes, a colaboração que prestaram a este processo e a maneira como se integraram na estratégia de consenso defendida pelo Governo. E através desse consenso que a democracia ficará melhor e nós queremos fazer melhor a democracia em Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O recenseamento eleitoral há muito carece de ser actualizado, rectificado e tornado fiável. O problema já deveria ter sido encarado e resolvido e é lamentável que não o tenha sido há muito.
Entretanto, não aceitamos a ideia segundo a qual é a questão dos referendos previstos para 1998 que justifica a necessidade desta actualização.
Tal ideia assenta na afirmação de que o referendo sobre a regionalização só valeria com a participação de 50% dos eleitores. Esta é uma ideia que aparece a reboque do PSD e dos inimigos da regionalização e que já ontem, como noutras ocasiões, tivemos oportunidade de rebater.
Um recenseamento eleitoral fiável é uma necessidade democrática por outras razões, tantas vezes esquecidas: em primeiro lugar, para diminuir a possibilidade de fraudes e irregularidades eleitorais, em segundo, para definir correctamente o número de Deputados a eleger em cada circulo eleitoral; em terceiro, para estabelecer de forma adequada o número de eleitos de cada câmara e assembleia municipal e de cada assembleia e junta de freguesia; em quarto, para definir o número de membros que podem exercer funções a tempo inteiro em cada câmara e nas juntas de freguesias em que há tal possibilidade legal, por último, para calcular parte importante das verbas a transferir do Orçamento do Estado para cada município e freguesia.
Quando o recenseamento eleitoral não está actualizado e não é fiável, é tudo isto que é prejudicado. A verdade é que nós sabíamos, e há muito tempo, que muitas terras, em Portugal, têm mais eleitores do que habitantes, sabíamos que é mais fácil a fraude eleitoral e sabíamos que a resolução de todas as outras questões pode ser afectada por injustiças e faltas de rigor. para já não aludir à possibilidade de grosseiras deturpações.
Por isso mesmo, afirmamos que esta questão há muito deveria ter silo tratada e resolvida e o facto de haver eleições neste ou naquele ano não o deveria ter impedido.
Na verdade, a abstenção técnica é um fenómeno conhecido e é objecto de estudos em diferentes países, com destaque para os Estados Unidos e para a França. Na verdade, não é só em Portugal que são dados como eleitores pessoas que já morreram, que estão duplamente inscritas no recenseamento ou que, em geral, não deveriam estar inscritas nos cadernos eleitorais.
Já agora, Sr. Ministro da Administração Interna, os Deputados ouvem falar da abstenção técnica há muito tempo, estudam o fenómeno a partir dos estudos oficiais que existem em Portugal e noutros países do mundo, eles pró-

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prios, por vezes, fazem estudos sobre esta matéria, e não têm de ouvir falar da abstenção técnica aos comentadores televisivos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas, como é sabido, no caso específico português, existem, há muito tempo, estudos que apontam para o carácter particularmente importante e amplo deste fenómeno no nosso país.
Agora. embora de forma tardia, foi finalmente sujeita uma proposta de lei à Assembleia da República. Dar-lhe-emos a nossa aprovação na generalidade, embora entendendo que há várias questões que gostaríamos de ver melhor ponderadas e resolvidas na especialidade. Entretanto, a solução adoptada corresponde, de entre as várias que foram estudadas, à que, em termos gerais, nos parece mais adequada.
De entre as questões que gostaríamos de ver melhor examinadas na especialidade quero destacar a necessidade e a vantagem de clarificar o papel das comissões de recenseamento no processo de constituição do ficheiro central informatizado e no processo ulterior.
Por outro lado, as questões dos prazos e do tempo de constituição do ficheiro têm também importância, sem prejuízo, sublinho, de não ser uma questão que ligamos ao problema dos referendos. Há que procurar fazer tudo para encurtar ao máximo os prazos e para definir prazos nas situações em que, actualmente, eles não estão definidos.
Por último, importa sublinhar que esta actualização do recenseamento eleitoral não pode deixar de implicar um apelo à participação de todos os eleitores, de todos os cidadãos, e ao seu espírito de civismo. Não ignoramos que as vicissitudes da vida política, no nosso país e fora dele, geram com frequência desencantos e alheamentos que gostaríamos que fossem temporários. Temos de fazer tudo para os transformar em espírito de responsabilidade, em vontade de participação e de intervenção cívica, porque não há uma das soluções previstas que não implique o mínimo de intervenção por parte dos cidadãos e dos eleitores. Ora, esta participação e intervenção só pode ser conseguida através de um grande esforço de mobilização por parte de toda a Administração Pública, dos partidos políticos e dos agentes políticos em geral.
O Partido Comunista Português empenhar-se-á no sentido de dar uma contribuição para que esta grande tarefa democrática de obter um recenseamento genuíno e fiável tenha lugar com êxito e entendemos que esta questão assume um lugar fundamental no calendário político de 1998.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o Ministro da Administração Interna neste momento não está presente!...

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, do meu lugar, não consigo ver quais os membros do Governo presentes.
Verifico que o Sr. Ministro da Administração Interna acaba de entrar na Sala.

Sr. Deputado Carlos Encarnação, já tem condições para iniciar a sua intervenção?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, Srs. Deputados: Não queria ser indelicado para com o Sr. Ministro da Administração Interna, por isso pedimos este compasso de espera.

O Sr. José Magalhães (PS): - E, bem!

O Orador: - A coisa de que eu menos gostaria na minha vida seria causar problemas ao Sr. Ministro e, muito menos, fazer com que se exalte. Gosto que o Sr. Ministro se entusiasme e gosto quando avisa que vai tomar decisões fulgurantes, mas não gosto quando se exalta, porque, aí, perde o sentido do tempo e até o sentido do conteúdo de algumas afirmações que faz.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - V. Ex.ª perdeu 15 anos, desde a primeira vez que falou sobre este assunto!

O Orador: - Aproveitando ainda o seu entusiasmo discursivo, gostaria de, desde já, deixar claras duas coisas. Em primeiro lugar,...

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Faça a sua intervenção sobre a matéria!

O Orador: - O Sr. Ministro está agitado, mas já tratamos disso.
Em primeiro lugar, o Sr. Ministro comunicou hoje à Assembleia duas decisões importantes, que vão no sentido das nossas exigências. As nossas exigências não tinham qualquer dramatismo, porque eram exigências no bom sentido, no sentido da perfeição democrática e não no de perturbar ou disturbar o que quer que seja. E o Sr. Ministro, claro como água, chegou aqui e disse: quanto à comissão parlamentar, sim, senhor - é pena não constar já da proposta que enviou à Assembleia, mas certamente foi por esquecimento, não podia ter sido outra coisa - e quanto aos seis meses. com certeza, ou seja, que vão, de facto, acabar os cadernos eleitorais em seis meses, exigência essa que também fazíamos. porque era de liminar justiça fazê-la.
Portanto, o Sr. Ministro respondeu. e bem, à duas únicas questões e exigências, no sentido democrático, que colocámos.
Vamos agora fazer uma pequena excursão por aquilo que o Sr. Ministro afirmou em relação ao que se passou e à questão essencial que aqui nos traz.
Quanto à primeira grande questão, Sr. Ministro, aproveitarei para o citar naquilo que disse ontem na Assembleia, porque foi importante. O Sr. Ministro disse três coisas muito importantes, tendo repetido algumas hoje, ou, pelo menos, uma delas. Disse isto: «O recenseamento nunca foi uma base de suspeição em eleição alguma neste país». Depois disse outra coisa: «É uma fraude transmitir-se a ideia de que existe um milhão de eleitores a mais». Depois disse uma terceira coisa: «Qualquer regionalista não pode temer o referendo com estes cadernos».
Portanto, o dramatismo emprestado pelo Governo em relação a esta matéria, o dramatismo exibido pelo Governo na pressa em responder ao Sr. Presidente da República quando ele colocou a questão fundamental de saber se era

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bom ou mau fazermos o referendo da regionalização com estes cadernos por causa do efeito vinculativo, foi pelo próprio Ministro aqui apagado.
Não quero crer que as acusações subliminares que o Sr. Ministro aqui fez se devessem ter dirigido à pressa ou à precipitação do Sr. Presidente da República. Não é verdade que isto tenha acontecido! Não pode ser verdade que isto tenha acontecido! O Sr. Ministro, certamente, ficou preocupado. mas não a ponto de encarar isto com grande dramatismo nem de com isto querer levantar qualquer suspeição em relação à atitude do Sr. Presidente da República.
A segunda grande questão, Sr. Ministro, é a seguinte: por que razão isto não foi feito? Já expliquei a todos aqui, na Assembleia - na altura, o Sr. Ministro não estava aqui - por que não foi feito e por que deveria ter sido feito noutra altura, do meu ponto de vista.
Admito que todas as pessoas tenham os seus pontos de vista e que eles sejam divergentes em relação a esta matéria, admito também que haja pessoas mais exigentes e outras menos exigentes em relação a determinados procedimentos. mas tenho para mim que a questão do recenseamento é fundadora da participação democrática...

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Nota-se!

O Orador: - ... e dos instrumentos eleitorais.
Portanto, todas as questões que anunciámos como importantes para alterar este estado de coisas deveriam ser debatidas com grande consenso, com grande diálogo, como o Sr. Primeiro-Ministro diz e VV. Ex.as várias vezes repetem, com grande aproximação de posições entre os vários partidos políticos, com uma construção que terminasse no momento final por um consenso de todos em relação ao momento da alteração dos cadernos.
Entendo ser de todo em todo inadequado que a alteração dos cadernos eleitorais se faça durante períodos eleitorais. Sempre disse isto e sempre o mantive. E o primeiro estudo que. com alguma profundidade, resulta numa afirmação essencial de discordância em relação ao recenseamento geral da população e ao recenseamento eleitoral foi o de 1991. Lembro-lhe, Sr. Ministro, que iniciámos justamente o último governo em 1991, altura em que fui Secretário de Estado da Administração Interna. É certo, Sr. Ministro, que já tinha sido Secretário de Estado da Administração Interna em 1981 e 1982 e é certo também - e V. Ex.ª citou bem - que já nessa altura me preocupava com isto. Enderecei à Assembleia da República uma proposta de lei sobre o recenseamento, ....

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Zero!

O Orador: - ... que foi aprovada, que garantia os primeiros passos para a informatização do recenseamento, só que teve um pequeno problema: foi declarada inconstitucional. Logo não avançou.

O Sr. José Magalhães (PS): - E porquê?!

O Orador: - Por uma razão de somenos importância, do meu ponto de vista.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Aprenda a respeitar os tribunais!

O Orador: - Portanto, era melhor o efeito de ter sido aprovada e não ter sido declarada inconstitucional, logo ter entrado em vigor, do que o facto de não ter entrado em vigor.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Vocês nunca fizeram nada e agora vêm com estas coisas!

O Orador: - Mas, admitindo que isso tivesse sido feito assim. o facto é que o Sr. Ministro omitiu duas outras questões que valeria a pena, já agora, trazer à colação. Foram todos os trabalhos, e foram muitos, feitos no STAPE, no sentido de uniformizar os procedimentos em relação ao recenseamento dos cadernos eleitorais pelas comissões recenseadoras junto das juntas de freguesia. É um trabalho de base, que, porventura, o Sr. Ministro não teria a paciência de fazer, mas que nós tivemos.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Facto bastante modesto!

O Orador: - A segunda questão é que este célebre estudo que o Sr. Ministro agora encomendou e que, por fim, vem apresentar à Assembleia também tinha sido decidido em 1994195, e só não foi avante pela simples razão de que entendemos que deveria ser feito como agora, por duas entidades: uma entidade de natureza universitária e uma empresa informática que se ocupasse desta matéria. É evidente que o Sr. Ministro poderia ter antecipado a discussão desta matéria para 1996, mas não antecipou e só agora aparece com este estudo, o que é bom. de qualquer das maneiras, porque aparece um estudo. E a questão principal que advém deste estudo é esta: o Sr. Ministro tem, perante este estudo, uma bancada do PS muito nervosa.
Quando fiz um modestíssimo relatório sobre esta questão,...

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Diz bem! Muito modesto, mesmo!

O Orador: - ... tentei levantar, nesse modestíssimo relatório, três questões que, a meu ver, eram importantes Uma dessas questões importantes era saber o prazo. Ora, lendo o estudo que o STAPE, as empresas e a entidade universitária apresentou em relação a esta matéria, conclui que um prazo de sete a oito meses significaria que a perfeição dos cadernos eleitorais só estaria acabada em Agosto de 1998. Limitei-me a dizer isto. Admito que a bancada do PS não tenha gostado disto, mas. na verdade, eu tinha de dizê-lo porque resultava do estudo apresentado pelo Governo.
Por outro lado. era evidente que a pressa. em relação a este problema, advinha da questão dos referendos. Eu disse-o aqui e limitei-me a citar o artigo 115.º, n.º 11, da Constituição e a sua influência em relação ao referendo.
Depois eu disse também uma outra coisa, que também foi uma citação da proposta de lei, designadamente da sua «Nota justificativa»,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Que está muito bem feita!

O Orador: - ... aliás, está muitíssimo bem feita, que, além de citar Vital Moreira e Gomes Canotilho, diz, francamente, que esta é uma lei orgânica e, além de sê-lo. é uma lei que exige dois terços para a sua aprovação.

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Foi destas três coisas que a sua bancada, Sr. Ministro, não gostou no meu relatório.

O Sr. José Magalhães (PS): - Ainda existem outras!

O Orador: - Não tenho qualquer culpa, no que toca a esta matéria.
Mas a verdadeira questão que aqui nos traz, e que é a fundamental, é esta: o Sr. Ministro, perante esta matéria, pode vir de encontro às nossas sugestões é um acto nobre da sua parte e é ao mesmo tempo um acto de vinculação às obrigações constitucionais. De maneira que, Sr. Ministro, se para terminar saúdo a sua disponibilidade, saúde também a conformidade que V. Ex.ª quer ter, enquanto Ministro, às exigências em nome da dignidade do processo de correcção do recenseamento eleitoral que colocámos.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Mas como é que o PSD vota a proposta de lei?! A favor?...

O Orador: - Foi neste nome e não noutro! Foi nesta base de exigência e não em qualquer outra!
Portanto, como pode ver, Sr. Ministro, a nossa atitude foi muito séria, muito firme e muito exigente, mas não foi uma atitude destinada a fazer qualquer empecilho extraordinário a este processo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: Sr. Presidente, peço à Mesa da Assembleia que pergunte ao Grupo Parlamentar do PSD se o que acabamos de ouvir é a sua intervenção de fundo e o seu pensamento substantivo sobre a matéria que aqui nos ocupa.

Vozes do PS: - São umas ideias vagas!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Ministro da Administração Interna, a interpelação não foi à Mesa. Se na sequência das intervenções...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Faça favor.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, V. Ex.ª quer fazer-nos a pergunta que o Sr. Ministro dirigiu ou dispensa-a?

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Carlos Encarnação, não tenho qualquer opção sobre esta matéria...

O Orador: - Não tem qualquer opção sobre esta matéria! Concluo, portanto, que a pergunta é irrelevante e que V. Ex.ª também entendeu que não valia a pena estar a fazê-la.

Risos do PSD.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Já agora diga como é que vota!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Não! V. Ex.ª não entendeu nada.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Este debate está a permitir, creio eu, clarificar o que nos divide realmente e o que não nos divide, e eu creio que seria muito mau, em termos democráticos, que considerássemos como questões que nos dividem aquelas que são de facto consensuais. E um péssimo estilo de fazer política. E de facto, quanto aos factos, não estamos divididos. Não estamos divididos!
É um facto inarredável que o PSD, durante o seu longo período de governação. por vezes falou, na maior parte do tempo nem sequer programou e, do ponto de vista da acção, atrasou, e atrasou historicamente, muito alguma coisa que Portugal já deveria ter nesta hora. E este debate é, neste sentido, penoso e anacrónico, porque, se tivesse sido feito em devido tempo - o que tudo aconselhava tecnologicamente -, Portugal não teria ainda verbetes escritos à mão, em certos casos garatujados, ininteligíveis e, sobretudo, insusceptíveis de controlo central, através de métodos que hoje são o «bê-á-bá» da tecnologia informática. Infelizmente, o Governo pretérito era, diria eu, particularmente inepto nesta matéria e insensível às questões tecnológicas. Muitas horas passei a procurar convencer o então Ministro Dias Loureiro de que era importante tratar das questões tecnológicas e sobretudo das tecnologias de informação e comunicação naquele Ministério, sem o mínimo êxito, talvez porque ele fosse uma criatura no papel, como todos nós, de resto, mas que não quis, nesta matéria, fazer um esforço de actualização. Pagamos o preço disso, mas não nos dividamos.
Suponho que o Sr. Deputado Carlos Encarnação aceita humildemente que não fez o que não fez.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Ah! Com certeza!

O Orador: - E é indiscutível! Mas não fez bem em não ter feito.
Em segundo lugar, estamos de acordo quanto ao grande problema. O grande problema é que tecnologicamente temos de ter - e esta é uma questão estrutural - um ficheiro central, susceptível de cruzamentos e de controlos que evite o sistema actual. Não nos dividamos, portanto, quanto a isto. Há consenso. Não tenhamos vergonha, Sr. Deputado Carlos Encarnação, só porque V. Ex.ª precisa de erguer a voz e dizer que tem uma divergência...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Aí não há!

O Orador: - Não inventemos a divergência, onde ela não existe.
E também estamos de acordo quanto à maior parte das opções. Seguramente, não nos divide a questão do controlo parlamentar, primeiro porque a proposta de lei tem uma norma sobre o controlo parlamentar que, de resto, copia, suponho que premeditadamente, aquela que consta da Lei do Sistema de Informações da República e que diz que a Assembleia exerce o seu controlo parlamentar. E esta

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lei, não se esqueça, foi objecto de consenso entre o PS e o PSD, in illo tempore, através dos meios, das fórmulas, constitucionais.
Os Srs. Deputados do PSD agora querem uma outra fórmula?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Perfeito. Vamos discutir a fórmula, sendo certo que a única coisa que não vamos fazer é pôr-vos no Governo ao lado do Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não quero!

O Orador: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, tem de ganhar as eleições para isso, porque não podemos fazer isso. Não podemos metê-lo, no Gabinete do Ministro; não podemos pô-lo ao lado do Ministro. Por mais que quisesse, não pode, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Também não quero!

O Orador: - Agora, vamos encontrar um sistema e ninguém mais do que nós está interessado nisso.
O que vamos fazer então? Creio que há duas opções diante de nós, e o PSD ainda não se definiu...

Vozes do PS: - É o costume!

O Orador: - Todo este barulho não nos dá a resposta do PSD.
O PSD quer a «via verde» para esta lei ou quer um caminho cheio de atalhos, de labirintos, de zonas de fosso profundo e de delongas?!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Queremos o adiamento!

O Orador: - Porque, desde logo, em condições óptimas, teríamos tido, na Comissão, um consenso por um texto alternativo, e o que hoje estaríamos a trazer aqui seria a proposta do Governo aparelhada das sugestões da 1.ª Comissão, como teríamos desejado, como tive ocasião de propor em nome da bancada do PS, proposta que infelizmente se frustou. O Sr. Deputado Carlos Encarnação, ao invés, fez um relatório que primava pela falta de! rigor, de objectividade e que era, tudo indica - como posso pensar eu outra coisa! -, feito numa óptica de fazer vingar um ponto de vista não apenas polémico mas ultra-sectário, que nem no interior do seu partido o Sr. Deputado Carlos Encarnação conseguiu fazer vingar. Queria fazê-lo vingar num relatório oficial da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Sr. Deputado Carlos Encarnação, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Isto não é realista, e, portanto, o projecto de relatório, que, de resto, quebrava com uma ética de funcionamento da Comissão, foi rejeitado com os votos contra do PS, do PCP, a abstenção do PP e os votos a favor dos Deputados do PSD que por lá estavam, porque o Sr. Deputado nem lá estava, o que foi, de resto, muitíssima pena, já que gostaria de ter-lhe dito isto na cara, mas foi dito na cara do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, o que vem dar ao mesmo.
Portanto, temos uma opção a tomar nesta matéria: ou «via verde» ou caminho de buracos. A nossa resposta, Sr. Deputado Carlos Encarnação, é: se assumirem a responsabilidade histórica de empurrarem este processo para um atalho ou um beco sem saída, devem, de cara destapada, assumir esta responsabilidade. Tomámos nota do compromisso aqui reassumido, porque, de resto, tinha sido transmitido na Comissão pelo Governo de que, findo o período de seis meses após a promulgação desta lei, da sua entrada em vigor, está em condições de «levar a carta a Garcia» e executar esta operação.
Bem percebemos que cada dia que esta Câmara se atrase na elaboração desta lei é um dia mais sobre o prazo de seis meses; cada dia que o PSD bloquear esta lei, é mais um dia de atraso na implementação deste sistema.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E, Sr. Deputado Carlos Encarnação, não há habilidade que oculte isto. Há uma ampulheta, que tem areia que se esgota, e a areia tem uma cor laranja. Se o Sr. Deputado atrasar um, dois, três dias ter-nos-á de dedo esticado a apontar que a delonga é imputável a si, só a si, e à sua bancada, não a nós, não ao Governo. Isto é inarredável, não tiramos daqui o pé!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A outra coisa que sai clara deste debate, e que, de resto, já tinha saído muito clara do debate de ontem, é que se alguém do PSD sonhou tomar o PS refém da ideia segundo a qual o recenseamento era condição sine qua non para fazer o quer que seja em matéria de regionalização está enganado! E uma ilusão! Conceber o recenseamento como uma pedra para atar com um atilho ao referendo regional e lançar os dois pela borda fora num processo de delongas é uma ideia gira: é uma ideia de estratega de café, mas é uma ideia que exigiria que o PS estivesse num torpor, numa sonolência e num estado de falta de lucidez,...

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Não é preciso!

O Orador: -...que, creio, seria injusto imputar ao PS.
Não caímos nessa, Sr. Deputado Carlos Encarnação! Desenganem-se! Vamos trabalhar, vamos trabalhar activamente para resolver cada problema, cada dificuldade, passo a passo, de forma segura, atando ponto, não dando ponto sem nó e ultrapassando as dificuldades, e auguro algumas para esse processo. Mas não nos fazem desistir.
Por último, Sr. Presidente, exprimo, mais uma vez, a nossa disponibilidade para trabalhar. Também temos propostas. E preciso incluir nesta proposta um conjunto de salvaguardas, dar cumprimento às propostas da CNPDPI, que emitiu um parecer que me parece muito bem elaborado. A proposta tem de prever todas as situações, porque não podemos deixar ao legislador, governo, tarefas que só ao Parlamento cabe executar, pois ficaríamos em condições de não poder cumprir a lei se isso acontecesse. Portanto, temos muito trabalho pela frente.
Pela nossa parte, compromisso absoluto de prioridade máxima a esta proposta na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

Aplausos do PS.

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O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, tive obrigações para com a Universidade de Coimbra que ontem tive de executar, por isso mesmo não pude estar - e avisei que não podia estar - na reunião onde foi discutido o meu relatório e solicitei até que a sua discussão, como, aliás, normalmente se poderia fazer, fosse adiada para que eu pudesse estar presente e defendê-lo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso não foi dito à Comissão!

O Orador: - A discussão do relatório não foi adiada, portanto, não podia estar presente para contrariar aquilo que o Sr. Deputado José Magalhães, com grande perfusão de argumentos, agora aqui citou.
Mas quero, pelo menos, fazer uma precisão, que é esta: não quero nem posso estar calado quando me acusam de querer boicotar o que quer que seja com qualquer estratégia de qualquer café internético do Sr. Deputado José Magalhães e a prova é tão evidente que, no meu relatório, em determinado passo, depois de contar os prazos, digo que «( ... ) mesmo que a proposta de lei fosse aprovada no dia 21 de Novembro ( ... )». Ou seja, eu, no relatório que fiz, previa ainda a possibilidade de esta proposta ser aprovada em votação final global hoje, desde que as nossas condições e as nossas alterações fossem aceites e pudesse ser pedida a votação da proposta de lei.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para defesa da consideração da bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, começaria por dizer, com toda a franqueza, que, quanto à questão do torpor e estado de sonolência do seu partido relativamente à regionalização, não precisamos de demonstrar algo que é um facto público e notório relativo a altas esferas do seu partido. Portanto, o PSD não precisa de demonstrar rigorosamente nada sobre essa matéria.
Agora, o Sr. Deputado fez algumas declarações que, com franqueza, só podem ser interpretadas por mim como uma tentativa de deturpar aquilo que foi e que tem sido a posição do PSD ao longo do debate, quer numa reunião prévia que o Sr. Ministro, em boa hora, decidiu ter na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre esta iniciativa quer, depois, ainda ontem, na reunião que mantivemos sobre o relatório da proposta de lei que aqui estamos a discutir. Não vale a pena o Sr. Deputado tentar deturpar as coisas.
Reconheço-lhe essa qualidade, porque o Sr. Deputado é como que uma espécie de cruzado do ciberespaço e, portanto, também nesta matéria de informatização tão necessária do recenseamento eleitoral percebo que o Sr. Deputado tenha um entusiasmo muito próprio e muito sentido. Reconheço isso sem qualquer dificuldade e até lho elogio, o que acho exagerado é que o Sr. Deputado vislumbre nessa sua cruzada quaisquer infiéis e que esses infiéis sejam o PSD neste caso, porque não é verdade e o Sr. Deputado sabe-o.
Desde o início que o PSD se tem colocado na disponibilidade de, construtivamente, colaborar numa solução que passe pela informatização séria e ponderada, que dê lugar a uma actualização, a uma modernização, do recenseamento eleitoral em Portugal. O único problema que nos dividiu neste último momento foi uma questão política claramente enunciada pelo PSD e já hoje aqui o Sr. Ministro deu cabalmente resposta às duas perguntas que o PSD tinha formulado.
A sua bancada e o Sr. Deputado não precisam de se sentir incomodados por o Governo, à míngua de resposta directa por parte da bancada, nos ter dado essa resposta, porque também era do Governo que a queríamos, pois trata-se de uma proposta de lei e de matéria cuja responsabilidade, obviamente, envolve o Governo.
Agora, o que o Sr. Deputado fará o favor de não fazer, porque me parece claramente injusto e o Sr. Deputado sabe que o é, é tentar imputar ao PSD uma qualquer tentativa de estar contra o processo de informatização e de actualização dos ficheiros do recenseamento eleitoral, porque. desde o princípio, nos disponibilizámos a olhar, de uma forma construtiva, de uma forma célere, para essa questão e para a qual continuamos seriamente apostados, ainda por cima agora com as garantias que nos foram prestadas pelo Governo de levar a bom porto de uma forma ponderada e não fazer disso um campo de luta política.
Não vale a pena, Sr. Deputado! Nós não somos, nesta matéria, infiéis! Leve a sua cruzada para outro lado, porque bateu na porta errada!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, as explicações são devidas, mas não, seguramente. a título de defesa da honra, porque este prolongamento de diálogo a que assistimos agora, e que espero seja bom augúrio, não reflecte qualquer honra ferida, porque não houve, desde logo, ferimento; houve a colocação em termos frontais de uma questão política, que é, de resto, o tema do nosso debate de hoje. Não poderíamos fazê-lo de outra forma.
Primeiro, não há aqui qualquer cruzada, há aqui um consenso nacional em torno de um estado de desactualização. Felizmente chegámos, no Ano da Graça de 1997, a esse consenso tecnológico que, no passado, não existiu ou era visto em termos abstractos. A questão era encarada como uma questão um pouco esquisóide e estranha de umas mentes um bocado adiantadas mentais e, portanto, nesse sentido incompreensíveis, etc., etc.
Isso hoje está alterado e o mais comezinho interlocutor informado sobre estas matérias não quer resolver o recenseamento do século XXI com as ferramentas do século XIX. É uma banalidade?! Felizmente é uma banalidade. Ninguém é infiel apenas há talvez algumas minorias infoexcluídas e um pouco abstrusas que ainda não perceberam isto. Não é o caso do Sr. Deputado, e ainda bem!
Agradeço-lhe, de qualquer das maneiras, o elogio, mas peço que não o utilize num sentido diferenciador ou também de exclusão ou de desvalorização de um fenómeno que, hoje em dia, é tomado a sério na maior parte das democracias, e isso as distingue, aliás, entre avançadas e atrasadas e condenadas à situação mais retrógrada.

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Quanto à questão do que nos divide, fico com uma grande expectativa e tomo as palavras do Sr. Deputado, como, aliás, as palavras do Sr. Deputado Carlos Encarnação, como o enunciado de um compromisso para uma «via verde» na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Ou seja: o trabalho preparatório deve desenrolar-se no mais curto prazo possível, desejavelmente a tempo de votarmos esta lei antes do encerramento dos trabalhos parlamentares. Pela nossa parte estamos disponíveis para tudo o que for necessário nesse sentido.
Tenho as propostas que, na sequência do parecer da CNPDPI, se tornou necessário pensar elaborar. Estamos abertos a outras, designadamente, como referi, a relativa ao controlo parlamentar dentro dos termos constitucionais. Se quiser reunir esta tarde, estamos disponíveis para o fazer; na segunda-feira estamos disponíveis para o fazer; na terça-feira, de manhã, à tarde e há noite uma equipa do Partido Socialista estará presente na sala da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Irei pedir ao Sr. Presidente da Comissão, por oficio, para convocar uma reunião extraordinária para segunda ou terça-feira, consoante agora os nossos grupos parlamentares se entendam para a realização desta reunião.
E se assim for, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, a reunião desta manhã terá sido proveitosa. Os olhos dos que acompanharam este debate continuarão, seguramente, a acompanhar-nos e o que pedem é muito simples: uma lei, um ficheiro central, que seja constitucional, operativo, eficaz, digno de uma democracia do nosso tempo. Acho que vamos ser capazes de o fazer!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Penso que nesta fase do debate as posições estão claras. O Partido Socialista, aliás, manifestou agora a sua disponibilidade para ter um «piquete de serviço» a qualquer hora para resolver rapidamente esta questão.
Julgo que se deve resolver rapidamente aquilo que é um problema velho de anos, aquilo que é indiscutivelmente um dado adquirido, um problema que durante muitos anos não foi resolvido e que carece de solução, que é o problema dos dados do nosso recenseamento, que tem reflexos, obviamente, a dois níveis: por um lado, tem reflexos do ponto de vista do rigor dos dados eleitorais, do rigor da expressão do voto, já que há duplas inscrições, há mortes, há emigração e, portanto, há uma desactualização que carece de ser resolvida; e, por outro lado, essa actualização de dados do recenseamento terá também importância no plano científico para o conhecimento, designadamente na investigação na área dos estudos sociais e do conhecimento exacto daquilo que somos.
Por isso a questão que se coloca no plano político em relação à concretização desta lei, em relação à qual julgo que em termos genéricos todos os grupos parlamentares estão de acordo, é saber como pô-la rapidamente em marcha, com envolvimento manifestado de todos os grupos parlamentares, para que ela não sirva de alibi para que não se façam todas as consultas que importam fazer. Independentemente daquele que for o andamento desses trabalhos, todos os referendos e todas as consultas devem ter lugar, porque, como bem foi dito, nenhum acto eleitoral foi posto em causa nem o será seguramente pelos trabalhos ou não desta Comissão.
Portanto, julgo que a lei será aprovada genericamente. Julgo que o trabalho e o envolvimento de todos os grupos parlamentares ficou manifestado. Os Verdes não vão ter um «piquete de serviço», de manhã, à tarde e à noite, mas estarão, seguramente, disponíveis para participar nos trabalhos desta Comissão. E isso que hoje e aqui queremos manifestar.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, está encerrado o debate da proposta de lei n.º 150/VII, cuja votação será feita na próximo dia de votações, que, suponho, é quinta-feira.
Houve uma sugestão de convocação da 1.ª Comissão, mas esse problema terá de ser resolvido com o Sr. Presidente da Assembleia, porque trata-se de dias de contacto com os eleitores e, portanto, terá de ser acertado.
Srs. Deputados, esta grelha G foi uma grelha com um G de gigante, creio eu, mas agora passaremos a um cumprimento mais escrupuloso do que foi até agora dos tempos distribuídos.
Vamos agora apreciar a petição n.º 52/VII (1.ª).
Apresentada por Arnaldo José Cardoso Fernandes e outros solicitando à Assembleia da República a discussão e a tomada de medidas concretas para ajudar o concelho de Alcochete a enfrentar as transformações em curso, mormente as que decorrem da construção da nova ponte sobre o rio Tejo.
O tempo disponível para grupo parlamentar é de cinco minutos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição n.º 52/VII (1.ª) subscrita por 6876 cidadãos e encabeçada por um morador de Alcochete, denota, antes de mais, a par da elevada consciência cívica dos seus subscritores, uma legítima preocupação face à construção de uma infra-estrutura estruturante, como é o caso da ponte Vasco da Gama, cujo impacto afecta necessariamente o território do seu concelho e as populações residentes, sem verem em contrapartida tomadas as medidas mínimas necessárias para atenuar os eventuais efeitos negativos desse impacto e a promoção de um desenvolvimento sustentado desta sub-região.
Ao invés, assiste-se à manutenção absurda e incompreensível do Decreto n.º 9/93, que, a pretexto de salvaguardar o incremento das pressões urbanísticas e proteger o adequado desenvolvimento do sistema urbano, mais não faz do que uma ingerência abusiva nas competências que a lei confere às autarquias locais.
A protecção do adequado desenvolvimento sustentado do sistema urbano faz-se com a elaboração, discussão pública e aprovação de planos directores municipais e isso foi o que fizeram justamente as Câmaras Municipais de Alcochete, do Montijo e de Palmela.
Com a Ponte Vasco da Gama e os seus acessos em construção, com a rede viária principal definida, com as zonas de protecção a estas infra-estruturas delimitadas, com PDM's aprovados e ratificados pelo poder central, como é sabido, não se justificam tais medidas centralizadoras e

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restritivas do poder local e nesse sentido o nosso grupo parlamentar entregou hoje mesmo na Mesa da Assembleia um projecto de lei que, a ser aprovado, revoga, pura e simplesmente, o Decreto n.º 9/93,...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... como é pretensão dos subscritores desta petição, coincidente, aliás, com as moções aprovadas pelas Assembleias e Câmaras Municipais de Alcochete, Montijo e Palmela, cujo conteúdo os respectivos órgãos fizeram chegar ao nosso conhecimento.
Todavia, as medidas para atenuar o impacte ambiental de uma infra-estrutura como a Ponte Vasco da Gama em cidades como Alcochete, Montijo e Palmela, que definem a Sueste o limite urbano da Área Metropolitana de Lisboa e se localizam numa zona extremamente sensível do Estuário do Tejo, incluem necessariamente investimentos em infra-estruturas que, pela sua natureza e origem, ultrapassam as capacidades financeiras dos municípios.
O PIDDAC para 1998, discutido nesta Assembleia e aprovado faz hoje uma semana. não teve em conta esta realidade, como já havia acontecido com o PIDDAC de anos anteriores.
O nosso grupo parlamentar, consciente dos problemas que se colocam a estas populações, fez um conjunto de propostas de alteração ao PIDDAC, desde logo, propondo a criação de um pólo de desenvolvimento estratégico de Alcochete e Montijo. No campo das acessibilidades, tendo em conta restabelecer o equilíbrio necessário e melhorar a articulação com outros pólos de desenvolvimento da Península de Setúbal, região em que se insere, prevê-se uma situação particularmente grave com a abertura da Ponte sem os acessos concluídos, ainda por cima em período de grande aumento de tráfego devido à Expo 98.
Por isso propusemos a inclusão em PIDDAC da circular regional interna da Península de Setúbal (CRIPS), das vias variantes de Alcochete e do Samouco e da variante à Estrada Nacional n.º 252, entre Pinhal Novo e Palmela.
Propusemos, no domínio do ambiente, a inclusão das ETAR de Alcochete e Montijo integradas no sistema regional da Península de Setúbal e ainda do projecto de abastecimento de água à Península de Setúbal e do Centro de Educação Ambiental das Salinas do Samouco: no domínio da assistência social, a inclusão do Lar Barão de Samora Correia, da Santa Casa da Misericórdia de Canha e da Associação de Socorros Mútuos; no domínio da saúde, a inclusão do Hospital Montijo-Alcochete e a Extensão do Apeadeiro.
Infelizmente todas estas propostas foram derrotadas na votação da Comissão de Economia, Finanças e Plano, que contou com a insensibilidade do Partido Socialista para os problemas levantados, tendo votado contra a totalidade das propostas, mesmo da única que a votação dos restantes partidos fez aprovar, que foi a construção e aquisição de equipamentos para a CERCI do Montijo e Alcochete.
Perdeu-se, assim, com a votação do PIDDAC para 1998, mais uma possibilidade de corresponder aos anseios legítimos daquelas populações.
A petição, de acordo com a proposta da Comissão, será enviada para o Governo. Pela nossa parte não abandonaremos a questão e continuaremos a pugnar pela realização prioritária das acções que temos vindo a propor.

Aplausos do PCP.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Ele até pensa que Alcochete é uma cidade!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Armelim Amaral.

O Sr. Armelim Amaral (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A presente petição vem, através do pleno direito dos seus assinantes, solicitar à Assembleia da República medidas legislativas que entendem imprescindíveis para salvaguardar os legítimos direitos e interesses das populações de Alcochete e do Montijo.
Como é do conhecimento geral, a construção da nova travessia do Tejo, a ponte Vasco da Gama, irá, num futuro próximo, alterar e transformar o tranquilo dia-a-dia de alguns aglomerados urbanos sitos na margem sul.
Estas alterações sentir-se-ão, fundamentalmente, ao nível do planeamento e ordenamento do território e ao nível dos impactes sócio-económicos provocados pelo «incomensurável» movimento rodoviário, que se desenvolverá no futuro, não só na nova ponte mas também nas infra-estruturas viárias que aí irão desaguar.
Assim, a petição que aqui hoje discutimos tem todo o sentido, se nos recordarmos das desastrosas consequências que decorreram da abertura da ponte 25 de Abril, ao nível do ordenamento do território. É fácil, pois, antever o que não se pretende que volte a acontecer.
Neste cenário, o Partido Popular entende que o Governo deve auxiliar todos os municípios da margem sul que venham a ser afectados pela abertura da nova ponte, através de linhas de apoio, com vista ao correcto ordenamento e desenvolvimento dos seus territórios, introduzindo, ao nível local, as compensações necessárias que diminuam os desequilíbrios que decorrem da implantação de um projecto de interesse nacional.
Ainda ao nível do planeamento do território, entende o Partido Popular que deveria ser efectuado um esforço, por parte da Secretaria de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, de modo a que se torne claro e quantificável todo o potencial urbanístico dos municípios em questão, através dos instrumentos de planeamento em vigor, evitando deste modo, eventuais situações de especulação imobiliária, num futuro mais ou menos próximo.
Só desta forma, os municípios de Alcochete e do Montijo manterão a sua identidade sócio-cultural, ao mesmo tempo que caminham para o seu desenvolvimento económico.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lucília Ferra.

A Sr.ª Lucília Ferra (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a petição n.º 52/VII, pretendem os peticionantes que a Assembleia da República discuta e adopte medidas legislativas susceptíveis de garantirem a salvaguarda dos legítimos interesses das populações de Alcochete e Montijo, face aos impactes decorrentes da nova travessia sobre o Tejo - ponte Vasco da Gama.
Entendem os subscritores que a construção desta infra-estrutura necessita de ser enquadrada por medidas de planeamento e ordenamento do território, de estímulo ao desenvolvimento sustentável, de investimento público em equipamentos e infra-estruturas e de incentivos ao investimento empresarial e à criação de postos de trabalho.

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Assim, solicitam a adopção de medidas legislativas, que possibilitem, nomeadamente: a criação de incentivos ao investimento; a criação de um programa especial de investimentos para os concelhos envolvidos; um aumento das verbas atribuídas aos municípios, no âmbito da Lei das Finanças Locais; a inclusão, no PIDDAC, no Quadro Comunitário de Apoio e noutros programas específicos, de dotações financeiras próprias, assim como a alteração dos Decretos-Lei n.os 9/93, de 18 de Março, e 280/94, de 5 de Novembro.
Enquanto Deputada Relatora, entendi propor, estando em causa medidas legislativas da competência tanto da Assembleia da República como do Executivo, que, a par da discussão da petição em Plenário, fosse a mesma remetida aos diferentes grupos parlamentares e ao Governo, destacando a especial vocação do Executivo para legislar nas matérias em apreço.
Entende o PSD que a ponte Vasco da Gama comporta, como é habitual neste tipo de empreendimentos, ousados mas seguramente indispensáveis ao desenvolvimento, impactes ambientais, económicos e sociais não negligenciáveis para as populações abrangidas.
As populações dos concelhos de Alcochete e Montijo tornar-se-ão beneficiárias das vantagens desta infra-estrutura, mas simultaneamente principais destinatárias de alguns dos seus efeitos potencialmente negativos, decorrentes da realização da obra.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Caso não venham a ser adoptadas atempadamente medidas eficazes, poderão vir a estar em causa situações de investimento produtivo, de criação e desaparecimento de emprego, de ordenamento do território, de segurança e de saúde pública, tudo com significativos efeitos ao nível da qualidade de vida das populações.
Reputamos de fundamental que os concelhos abrangidos não se tomem meras periferias de cariz suburbano, pelo que se torna essencial fomentar políticas de fixação das populações, promovendo-se o seu bem-estar individual e colectivo, garantindo-se na sub-região a existência de incentivos ao emprego, de infra-estruturas básicas e de estruturas sociais susceptíveis de enquadrar um desenvolvimento sustentado.
Assim, afigura-se-nos premente a sensibilização do Governo para o empreendimento de semelhantes tarefas antecipativas, uma vez que as mesmas não podem ser, realisticamente, levadas a bom termo através unicamente da iniciativa das autarquias locais.
Neste contexto, o Grupo Parlamentar do PSD, consciente da delicadeza da situação e com ela preocupado, apresentou um projecto de resolução, pronunciando-se pela necessidade da adopção urgente, relativamente aos concelhos de Alcochete e Montijo, de medidas tendentes à criação de um programa especial de desenvolvimento para os concelhos mencionados, no qual se incluam instrumentos visando especificamente a criação de emprego, e à atribuição de dotações financeiras específicas para as autarquias envolvidas, com vista a habilitá-las a uma maior e melhor capacidade de absorção dos impactes causados pela consecução da obra.
É imperioso que o Governo, no âmbito das suas atribuições, competências e especial vocação para as matérias envolvidas, assuma uma atitude antecipativa de apoio activo e empenhado a esta sub-região, potenciando um futuro de qualidade para os concelhos envolvidos, evitando vir, apenas e tão-só, a desenvolver mecanismos de reacção perante um desenvolvimento comprometido e um crescimento desordenado e sem qualidade.
O Grupo Parlamentar do PSD pediu ao Sr. Presidente da Assembleia da República que agendasse, em conjunto com esta petição, a proposta de resolução que vamos apresentar nesta Câmara. Infelizmente, tivemos conhecimento de que não houve consenso dos grupos parlamentares para que esse projecto de resolução pudesse ser hoje aqui discutido em conjunto.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - É lamentável!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É uma vergonha!

A Oradora: - Estamos certos de que essa discussão em conjunto poderia ser mais abrangente e mais enriquecedora para a questão que hoje aqui nos preocupa. A inexistência de consenso deveu-se à circunstância de provavelmente isso deixar claro aqui nesta Câmara que alguns partidos não estão preocupados com a situação e eventualmente não tiveram qualquer iniciativa legislativa sobre o assunto.
Também nós. em termos de PIDDAC e das possibilidades que nos eram dadas, tentámos, de alguma forma, ter um olhar atento sobre aquela sub-região. Tal como disse o Sr. Deputado do PCP, foi aprovada uma proposta para a construção de uma nova escola e equipamentos para a CERCIMA - Crianças Deficientes, proposta essa feita pelo PSD.
Vamos continuar a lutar por esta situação, não vamos deixar que aquela sub-região seja esquecida pelos poderes centrais e esperamos, em breve, poder vir aqui discutir mais medidas legislativas, que, de alguma forma, salvaguardem os interesses dessa sub-região.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Analisamos, hoje, uma petição entregue na Assembleia da República, em Agosto de 1996, com cerca de 7000 assinaturas. Uma petição que tem por objectivo exigir um conjunto de medidas concretas para ajudar o concelho de Alcochete a enfrentar, com sucesso, as transformações em curso, principalmente as que decorrem da construção da nova travessia do Tejo, a ponte Vasco da Gama.
Considera o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes que as pretensões destes cidadãos são perfeitamente legítimas e as suas preocupações grandemente justificáveis. É que é preciso conhecer o concelho de Alcochete para perceber o receio da perda das suas características magnificas e únicas em toda a região, nomeadamente em termos de planeamento e ordenamento do território.
Ora, com a construção da nova travessia do Tejo, as consequências que recaem sobre o concelho de Alcochete são, já hoje, evidentes e visíveis: estradas e caminhos danificados pela passagem contínua de camiões, devido à construção da ponte, ruídos mais intensos, dragagens irregulares, etc.
É preciso, então, intervir no sentido de garantir que as populações não vão ver diminuída a sua qualidade de vida

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e que não estagnará o desenvolvimento da região, o qual não se pode medir apenas pelas acessibilidades mas também pelas actividades desenvolvidas na região, pela capacidade de criação de emprego, pela melhoria das condições de vida das populações, pela garantia da minimização de todos os impactes ambientais negativos gerados por uma obra com aquelas dimensões. Essa intervenção é urgente. Se a isso se chamam contrapartidas, medidas compensatórias ou outra coisa qualquer é um pouco indiferente.
Na perspectiva de Os Verdes, trata-se mais de garantir os direitos das populações, no que respeita à sua qualidade de vida.
Mas então o que tem acontecido na prática? Como contrapartida, nomeadamente de ordem ambiental, no sentido de preservara biodiversidade e o habitat característicos da região, criou-se a Zona de Protecção Especial (ZPE),
aspecto, à partida, positivo. O problema é que a ZPE foi delimitada em gabinetes, sem a colaboração directa das populações e, nomeadamente, dos órgãos autárquicos que as representam de modo mais próximo. Significa isto que veio interferir com o desenvolvimento já previsto para a região sem que alternativas fossem encontradas. Aliás, este é um problema já característico em Portugal, com a criação de áreas e de zonas protegidas: delimita-se sem olhar a todas as características do local e deixa-se de fora a participação das populações, evitando-a. Recordemos o Tejo Internacional, a Área Protegida do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, os grandes problemas com a Rede Natura 2000, etc.
Relativamente à Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo, basta também atender ao facto de que já foi alterada pelo Governo, sem pévia consulta às autarquias locais, que foram, a bem dizer, apanhadas de surpresa.
Que fique o Governo com a consciência de que os direitos das populações não se garantem, única e exclusivamente, pelas medidas e área da ZPE mas, sim, por aquilo que ela significará de facto, por aquilo que ela preservará de facto, sem que, para isso, ela possa contribuir para estagnar o desenvolvimento; muito pelo contrário, devendo a ZPE, em grande medida, contribuir para esse desenvolvimento.
Ocorre que, face a tudo isto, a opção do Governo tem sido a de contribuir para o estrangulamento ao investimento na zona afectada pela construção da nova travessia do Tejo, o que é, de todo, incompreensível.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Que coisa absurda!

A Oradora: - O Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes tem sucessivamente apresentado, em sede de Orçamento do Estado, uma proposta de criação de um programa especial de investimento para os municípios cujo território tenha sido abrangido pela classificação da ZPE, classificação essa que Os Verdes consideram fundamental e que deve ser enquadrada no desenvolvimento sustentável da região e não servir como constrangimento para esse desenvolvimento sustentável.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Essa conclusão é que é insustentável!

A Oradora: - Significa isto que a ZPE tem de ser envolvida pelos ecossistemas a preservar, tem de envolver a população no sentido da sua participação e das autarquias, que, de modo muito próximo, representam essas populações.
Infelizmente, esta proposta tem sido sistematicamente rejeitada, designadamente, este ano, e para não variar, pelo PS, pelo PSD e pelo CDS-PP.
Em suma, a criação da ZPE era fundamental, mas também era fundamental que fosse feita com a participação das populações.
Porém, a criação da ZPE não chega para garantir o sustentável da região afectada pela construção da nova travessia do Tejo; é preciso não restringir os poderes da autarquia, no desenvolvimento sustentável
da região.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - É preciso é mudar a autarquia!

A Oradora: - Por isso,...

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr.ª Deputada, faça o favor de terminar.

A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
Concluo dizendo que, por isso, apoiamos a iniciativa hoje aqui apresentada pelo Grupo Parlamentar do PCP.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - A última inscrição para usar da palavra sobre esta petição é da Sr.ª Deputada Maria Amélia Antunes.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria Amélia Antunes (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A construção da ponte Vasco da Gama, ligando os concelhos do Montijo e Alcochete directamente a Lisboa, tem impactes de natureza vária, como tem sido amplamente debatido.
A preocupação maior dos autarcas e das populações daquela região é, ousamos afirmá-lo, manter a identidade sócio-cultural dos seus concelhos, afastando, assim, o perigo de se transformarem em novos dormitórios de Lisboa.
Um grupo de cidadãos de Alcochete, usando o direito de petição consagrado na Constituição da República, vem solicitar que esta Assembleia adopte medidas legislativas susceptíveis de garantirem a salvaguarda dos legítimos interesses e a qualidade de vida das populações.
Este pedido vem centrar também a questão da natureza política da gestão autárquica naqueles concelhos. O exercício da democracia não se esgota no acto eleitoral. Há um universo de microcosmos, que, animando e agitando a vida democrática, tem de ser levado em conta, isto é, o exercício do poder político não pode ignorar as chamadas forças vivas nem evitar a sua participação na gestão das coisas públicas.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Ora, o problema fundamental que releva, quando se torna necessário criar medidas para fazer face aos eventuais impactes na construção da ponte Vasco da Gama, reside na existência de executivos municipais monolíticos, encerrados num casulo ideológico...

Risos do PCP.

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.. e incapazes de congregar os esforços da comunidade...

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Bem lembrado!

A Oradora: - ... e apelar à cooperação de todas as forças políticas, económicas e sociais.

Aplausos do PS.

As previsões feitas sobre os impactes da construção da nova ponte indicam que as localidades poderão vir a crescer, embora não se espere uma nova explosão demográfica nos concelhos atingidos. É, assim, possível pensar num plano de investimentos que conduza toda a região para um desenvolvimento sustentado e que seja da co-responsabilidade do Governo e das autarquias.
Pela inércia e incapacidade de alguns executivos municipais. muito ainda há a fazer pela dignificação do poder local e o bem-estar das populações em alguns dos concelhos abrangidos.
A concretização de um plano de investimentos, baseado em estudos sólidos, sustentados pela auscultação das populações, será. estamos certos, se houver empenhamento político e a participação de todos os agentes concelhios, um contributo sólido para, por um lado, preencher as lacunas nunca resolvidas pelo poder local e, por outro, lançar toda a região no caminho do desenvolvimento e da modernidade.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Essa intervenção é uma vergonha!

A Oradora: - A hora de desafio exige lucidez. empenhamento político e uma vontade soberana de querer agarrar o futuro, com a firme convicção de que as respostas para os problemas que possam advir da construção da nova ponte só serão encontradas no seio de uma comunidade participativa, onde o poder político seja o primeiro e cuja vontade traduza o sentir das populações.

Aplausos do PS.

Protestos de Os Verdes.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, terminámos o debate sobre a petição n.º 52/VII (1.ª).
Vamos agora passar à apreciação da petição n.º 61/VII (2.ª), apresentada pela Associação Académica de Coimbra, sobre a situação actual do futebol português e as medidas necessárias à sua moralização - caso N'Dinga.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Castanheira.

O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A 28 de Novembro de 1996. há praticamente um ano, deu entrada na Assembleia da República uma petição apresentada pela Associação Académica de Coimbra/OAF, subscrita por 4900 cidadãos, requerendo uma reflexão parlamentar sobre a situação do futebol português e a determinação de medidas necessárias à sua moralização.
O exercício deste direito por um número tão significativo de cidadãos foi, à época, despoletado pelo clima gravoso de suspeição que prejudicava inevitavelmente o universo do futebol português e a sua característica função social, de que o «caso N'Dinga» é um bom exemplo, tendo manifestamente lesado a imagem e os interesses da instituição conimbricense.
Passado um ano, esta Câmara debate, Finalmente, um assunto de tal importância, mas, acima de tudo, o que importa relevar é que, infelizmente, o tempo mudou, avançou, mas as vontades permanecem imutáveis. O clima de suspeição, da altura, mantém-se hoje.
O desencanto e o consequente afastamento dos portugueses dos estádios crescem dia após dia. Bastar ouvir e ver os múltiplos programas radiofónicos e televisivos, que florescem num campo rico em polémicas, para atestar que o «25 de Abril no futebol», tão propalado por uns, ainda se não alcançou efectivamente.
O futebol tem, claramente, uma componente artística - as suas cores. os seus espaços, os seus actores em campo -. mas não devemos esquecer, em nome da sobrevivência deste fenómeno, o pensamento de Ortega y Gasset, quando referiu que «o prazer estético deve ser um prazer inteligente».
Numa sociedade moderna e democraticamente assente em instituições, com base no princípio fundamental da separação de poderes, não faria sentido a pretensão de retirar. em absoluto, às entidades organizadoras e regulamentadoras do futebol português a capacidade de ordenar o seu próprio domínio de intervenção e actuação social.
Mas, atenção, muita atenção, quando actos e condutas praticados reiteradamente colocam em causa não apenas a idoneidade das estruturas próprias do futebol português irias também a própria ordem pública e a segurança dos cidadãos, torna-se evidente a premência de uma intervenção dos órgãos que consubstanciam um verdadeiro Estado de direito.
É verdade que o futebol atrai multidões, entretém milhares de adeptos. dá projecção pública e serve de trampolim político a alguns, irias tal não pode justificar, de forma alguma. quaisquer receios por parte dos partidos políticos em intervir.
O futebol é um verdadeiro Estado dentro do nosso Estado, com regras, privilégios e protagonistas muito próprios. Não obstante, se for incapaz, como se tem verificado. de se auto-regular, não se podem excluir as hipóteses de repensar o estatuto de utilidade pública dos clubes e da própria Federação Portuguesa de Futebol e de exigir uma intervenção mais intensa do Ministério Público e da Polícia Judiciária.
Este Governo tem dado alguns passos, ao contrário do atavismo demonstrado pelo Executivo anterior, no sentido da exigível moralização deste fenómeno desportivo.
Os complexos normativos servem para moldar a realidade, daí que um lato pacote legislativo tenha vindo a ser entregue. pelo Governo, na Assembleia da República.
Devem destacar-se pela sua importância: a Lei das Sociedades Anónimas Desportivas, que cria um novo figurino jurídico, visando uma gestão mais rigorosa e transparente; a Lei da Ética e da Transparência, que, contendo um quadro sancionatório pesado, pretende impor um combate legal à corrupção, através da fixação do registo de interesses de árbitros e dirigentes da arbitragem, da condenação do acto de aceitação de presentes, vantagens, empréstimos e da censura de declarações que atentem contra a ética desportiva; a lei sobre a violência no desporto, que tem como objectivos a punição do incitamento à ocorrência de manifestações de violência e a melhoria da qualidade das instalações desportivas, procedendo, também, a

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uma clarificação dos procedimentos preventivos e repressivos.
Desenganem-se aqueles que só vêem no luso-futebol uma autêntica «galinha dos ovos de ouro», porquanto a qualidade do espectáculo desportivo e a quantidade de adeptos que mobiliza são condição essencial para a realização do lucro.
A dimensão ética, o exemplo comportamental, a pedagogia social que devem estar associadas ao desporto-rei, o que nem sempre tem acontecido, bem como a qualquer outra modalidade desportiva, são, mais do que outros valores contabilísticos ou financeiros, os principais dividendos que uma qualquer sociedade justa e solidária deverá retirar da actividade desportiva nacional.
Que diferença, Srs. Deputados! Que encanto olhar para um passado glorioso e ver, ainda hoje, o Eusébio como verdadeiro embaixador das cores nacionais, apreender a emoção vivida pelos cidadãos dos países de língua oficial portuguesa sempre que há um derby televisivo entre as principais equipas portuguesas, recordar as grandes enchentes dos estádios portugueses!...
E hoje? Hoje, o que temos? Temos uma selecção nacional singular, do ponto de vista individual, mas que não é imune à virose que abala o nosso cantinho futebolístico. Temos mortes e sangue nos estádios, fruto de uma violência descontrolada. Temos acusações constantes entre a classe dirigente.
No próximo domingo, o filme repete-se, os mesmos protagonistas e as mesmas cartadas. Vejamos se, após este pontapé de saída, e decorridos que serão 25 minutos, no final do debate, os restantes 65 minutos do tempo regulamentar servem para o mundo do futebol português demonstrar à nossa sociedade que é capaz, sozinho e sem intervenção externa, de superar o grau zero de credibilidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Sr." e Srs. Deputados: A Associação Académica de Coimbra alinhou com os seguintes jogadores: Viegas, na baliza; na defesa, Gervásio - o capitão -, Vieira Nunes, Belo e Marques; Rui Rodrigues, Nené e Vítor Campos no meio-campo; no ataque, Mário Campos, Manuel António e Peres. Jogaram ainda Serafim e Rocha, substituindo, respectivamente, Peres e Vítor Campos.

Vozes do PS: - Golo!...

O Orador: - A Académica chegou a estar a ganhar o jogo por 1-0, com um golo de Manuel António, mas acabou por perdê-lo por 2-1, para o Benfica, que assim ganhou a «final» da Taça de Portugal realizada no Estádio do Jamor, no dia 22 de Junho de 1969.
Todos estes factos e ainda muitos outros, mais técnicos ou mais pitorescos, podem ser retirados das crónicas que os jornais nos davam do jogo no dia seguinte, crónicas de tal modo minuciosas que, ao lê-las, quase nos sentimos dentro do estádio. Esta ilusão era particularmente eficaz para aqueles que lá não se tivessem deslocado, já que, pelo contrário, foi impossível a muitos dos mais de 50 000 espectadores encontrarem nas crónicas quaisquer relatos, mesmo subentendidos, ou quaisquer reflexos, mesmo pálidos, de algumas circunstâncias que rodearam o jogo.
Na verdade, a Comissão de Exame Prévio encarregou-se diligentemente de eliminar quaisquer referências a manifestações de estudantes da Academia de Coimbra, então mergulhados numa longa greve antifascista e pela democratização da Universidade, e que haviam utilizado o futebol para fazer ouvir a sua voz e as suas aspirações.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Hábil utilização, essa, tanto mais inesperada e inteligente quanto exercida no próprio coração de um acontecimento desportivo que o regime fascista sempre pretendeu alienante e alienador.
E é precisamente aqui que, tanto então como hoje, em circunstâncias históricas, embora, felizmente, bem diversas, vamos encontrar as raízes que nos podem ajudar a compreender, em todo o seu alcance, o alerta sincero e corajoso lançado nesta petição pela Associação Académica de Coimbra sobre, e cito, «a situação actual do futebol português e as medidas necessárias à sua moralização».
Atrevo-me a dizer, sem menosprezo pelos demais, que, dada a sua história e os seus muito específicos condicionalismos, provavelmente nenhum outro clube português de futebol estaria em condições de nos lançar este alerta como o fez a Associação Académica de Coimbra.
«Le sport c'est la guerre!», titulava há algum tempo atrás o «Le Monde Diplomatique». Bem o sabemos e os exemplos abundam! E, num tempo em que os sacrossantos valores do mercado invadem progressivamente todos os sectores de actividade, o desporto. nomeadamente o futebol, tem sido um campo fértil para todos os abusos. Ainda bem recentemente, quando, nesta Assembleia, se discutiu uma proposta de lei do Governo para a revisão da Lei de Bases do Sistema Desporto, o meu grupo parlamentar teve ocasião de denunciar o modo ligeiro e perverso como o Governo encara estas situações. confundindo «desporto» com «futebol» e «futebol» com «futebol profissional», alienando a «generalização da actividade desportiva como factor cultural indispensável na formação plena da pessoa humana e no desenvolvimento da sociedade», como o impõe a própria lei de bases, e configurando uma absurda e abusiva ingerência no movimento associativo português.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: De há longos anos a esta parte, a Associação Académica de Coimbra/Organização Autónoma para o Futebol tem desenvolvido uma acção inigualável no campo da formação integral dos homens e dos atletas. Independentemente de outras nossas opções clubísticas, todos nos comovemos com as vit6rias da Académica ou com as suas derrotas.
Não sei, francamente não sei, científica e friamente, dizer-vos o que é a Académica, mas sei dizer-vos que, de tão grande, não lhe resta senão sair dela mesma e instalar-se, naturalmente, no coração de todos nós, sem qualquer clima de suspeição.

Aplausos do PCP. do PS, do PSD e de Os Verdes.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Armelim Amaral.

O Sr. Armelim Amaral (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PP acolhe esta petição com empenho, tanto mais que irregularidades as há também nas modalidades amadoras.

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O «caso N'Dinga» é paradigmático da falta de credibilidade do futebol português, face aos diversos agentes envolvidos.
Mas, se é usual que a suspeição recaia, na grande maioria das vezes, na imparcialidade das arbitragens, o que é grave é que há razões bastantes para que a suspeição se alargue ao nível dos aparelhos dirigentes, tal é a aplicação das leis.
Impunidade gritante é a que se assiste mesmo quando são denunciados casos concretos de irregularidades e nada acontece.
Lobbies, grupos de interesses e eventuais compadrios políticos são ou têm sido mais importantes do que os organismos oficiais responsáveis pelo bom funcionamento do desporto, do seu espectáculo e da sua função social. Com a passividade com que temos vindo a assistir a tudo isto, não é só o futebol que é prejudicado, é o desporto em geral. E até a credibilidade do País não se prestigia com tais atitudes. Mas o que se passa com os contratos dos jogadores e dos técnicos, as somas declaradas, os impostos a cobrar, os prémios complementares, tudo terá de ter uma legislação transparente e aplicável. Há absoluta necessidade de alterar a legislação e de criar mecanismos de responsabilização de todos os agentes desportivos envolvidos.
O PP estará disponível para integrar um grupo de trabalho onde toda esta problemática possa vir a ser devidamente tratada.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, quero saudar vivamente a intervenção do Sr. Deputado José Calçada, que, de facto, nos tocou profundamente e por isso o cumprimento.

O Sr. José Calçada (PCP): - Muito obrigado!

O Orador: - A petição em apreço, apresentada pela Académica de Coimbra, visa uma problemática importantíssima para o futuro do futebol nacional, enquanto modalidade com a credibilidade e verdade indispensáveis.
Assim. é nosso entendimento que esta petição tem, desde logo, a virtude de colocar algumas interrogações e de motivar a nossa reflexão sobre o enquadramento legal que vigora em Portugal no que concerne ao futebol profissional.
É nossa convicção que, em princípio, o Estado não deve intervir directamente na vida associativa, pois deverão ser as associações e federações a escolher os caminhos que melhor se adeqúem à progressão e difusão das respectivas modalidades desportivas.
Ao Estado competirá estabelecer as grandes linhas de enquadramento legal, de molde a assegurar que o desporto seja uma realidade para todos mas que, ao mesmo tempo, seja assegurado o espaço de liberdade para afirmação da sociedade civil.
Acreditamos que compete ao citado Estado um papel importante no apoio directo à prática desportiva, nomeadamente nas escolas, mas também um apoio significativo ao desporto federado, sabendo nós que é nos clubes, nomeadamente nos mais humildes, onde encontramos os contributos decisivos para a referida prática desportiva.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No entanto, não podemos ignorar que o futebol profissional é a modalidade mais marcante no contexto nacional. Esta constatação não oferece dúvidas a ninguém, pelo que, como realidade social que é, deve merecer a nossa atenção tanto mais quantos os sinais de efectiva descredibilização que se vêm acumulando. Prova disso são os constantes ecos noticiosos sobre factos que contribuem para tomar o ambiente que rodeia o futebol bastante «pesado», indiciando que algo vai mal e que dificilmente se regenerará por si próprio.
Reafirmamos a nossa convicção de que devem ser os agentes desportivos, jogadores, árbitros, jornalistas e dirigentes, especialmente estes últimos, que devem urgentemente encontrar as soluções adequadas para fazer com que o já chamado «clima de suspeição» dê lugar a um verdadeiro «clima» desportivo em que todos acreditem. É urgente fazer com que o cidadão português, que tanto ama o futebol, volte a acreditar na sua modalidade desportiva favorita.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta iniciativa da Académica ilustra bem aquilo que a «briosa» representa em Portugal. A grande preocupação não é a de recolher para si qualquer benefício, mas a de tentar sensibilizar todos para uma problemática que urge modificar. A Académica sempre lutou com as armas que estão ao seu alcance, pugnando pela verdade desportiva, encontrando-se tantas vezes sozinha num combate desigual.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É neste contexto que aproveito para citar o nosso colega Deputado e candidato à Câmara Municipal de Coimbra, Dr. José Gama: «A dimensão da Académica já ultrapassou as fronteiras da academia e da cidade para se converter numa referência nacional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Risos do PCP.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Isso é um pouco ridículo!

O Orador: - A mística que a envolve distingue-a sempre de qualquer outro clube. Esta mística vai beber a sua identidade à história e vigor de uma academia que não tem paralelo no País ( ... ).
( ... ) É inaceitável o tratamento diferenciado que caracteriza o apoio das câmaras ao desporto. Se todas fazem a apologia das virtudes da prática desportiva, não se compreende o tratamento diferenciado que se vê por todo o lado ( ... ). Como é que a Académica pode competir com um Marítimo, com um Governo regional de mãos largas, ou com um Braga ou um Chaves a quem as câmaras abrem os cordões à bolsa? Se no domínio das palavras, o desporto tem a mesma importância para todas elas, no domínio dos factos - que devem traduzir as palavras o que se passa é, em muitos casos, um escândalo ( ...
( ... ) A Académica tem sido, ao longo dos tempos, uma bandeira prestigiada da divulgação e promoção de Coimbra ( ... ). O carácter da cidade de Coimbra passa também pela postura e alegria da briosa que deixa nos campos, por onde passa, uma nota de inconformismo, irreverência, imaginação e uma defesa intransigente da moralização desportiva».

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Palavras sábias, cujo enquadramento nos propósitos da petição em apreço têm ampla justificação.
Não vamos elencar aqui os tristes acontecimentos que protagonizaram aquele que é comummente referenciado como o maior escândalo da história recente do futebol português. Refiro-me, obviamente, ao chamado «caso N'Dinga». No entanto, ainda hoje a justiça está por se fazer, embora seja assumida a razão que assiste à Académica. Esta situação é tanto mais preocupante quanto nem o poder judicial conseguiu ainda fazer justiça.
Mas a Académica quer mais: quer que a verdade seja uma realidade no futebol português. É nestas atitudes que encontramos o significado da Académica. Como dizia o poeta: «A Académica não é um clube é uma causa».

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Lamentamos que o movimento associativo que gere o futebol não tenha sido capaz de credibilizar a modalidade junto dos portugueses, dando, assim, razão àqueles que clamam pela intervenção do Estado.
Neste contexto, afirmamos a nossa disponibilidade para estudar e colaborar com as iniciativas que o Governo entenda vir a tomar para conseguir atingir os objectivos desta petição. Entendemos que é a posição construtiva que se impõe, perante a gravidade da situação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, o debate desta petição está concluído. Nos termos da lei, será, depois, remetida cópia do Diário onde ficará registada a transcrição deste debate aos peticionários.
Passamos agora ao debate sobre a petição n.º 40/VII (1.ª), apresentada pela Associação SOS Racismo e Associação Portuguesa dos Direitos dos Cidadãos. solicitando que a Assembleia da República adopte uma lei contra a discriminação racial.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição n.º 40/VII (1.ª) que temos hoje para apreciação tem como fundamento a preocupação manifestada pelos seus subscritores relativamente ao ressurgimento, um pouco por toda a Europa, do problema do racismo e da xenofobia por um conjunto de diversos factores em que se inclui o agravamento das condições económicas e sociais.
Consideram, ainda, os cidadãos subscritores desta petição que Portugal tem acompanhado esta tendência, agravada ainda pela inexistência de uma política de integração social das minorias étnicas e da não promoção da interculturalidade que facilite o convívio entre todos os cidadãos.
Com base nestas preocupações, consta desta petição um conjunto de propostas legislativas que, em termos gerais, vão no sentido da proibição de diversas formas de discriminação racial.
Entendemos que as preocupações em que assenta esta petição são inteiramente pertinentes e que as propostas apresentadas devem merecer desta Assembleia a melhor ponderação, particularmente neste momento, em que se encontra agendada para breve a discussão de iniciativas legislativas que incidem sobre matérias que constituem parte do objecto da presente petição. Refiro-me, concretamente, ao diploma sobre o trabalho de cidadãos estrangeiros em Portugal e ao diploma que regula a entrada, saída, permanência e expulsão de estrangeiros do território nacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP tem posições muito claras quanto a estas questões. Sem pretender antecipar o debate que aqui terá lugar na próxima semana, importa salientar, desde já, do nosso ponto de vista, que o Decreto-Lei n.º 97/77, de 17 de Março, que ainda hoje regula o trabalho de estrangeiros em território nacional, limitando a 10% o número de cidadãos não nacionais que uma empresa pode contratar, viola, de forma flagrante, o artigo 15.º da Constituição e como tal deve ser revogado.
Entendemos também, ao contrário do Governo, que, revogada esta limitação, não faz qualquer sentido manter, em sede de legislação laboral, disposições de carácter policial inteiramente deslocadas e manifestamente discriminatórias.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem

O Orador: - Também no que se refere à proposta de supressão do «boletim de alojamento», actualmente previsto na legislação sobre entrada e permanência de estrangeiros no nosso país, como mecanismo atentatório de direitos fundamentais desses cidadãos, quero manifestar não apenas a nossa compreensão em relação a esta proposta, como também a nossa preocupação quanto às intenções do actual Governo nesta matéria.
É que, tanto quanto se conhece do anteprojecto governamental sobre entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros, o Governo pretende manter nesta legislação a imposição de práticas dilatórias aos cidadãos que alberguem não nacionais. Digo «tanto quanto se conhece», dado que o Governo, ao contrário do que lhe compete regimentalmente, não enviou a esta Assembleia o anteprojecto que pretende aprovar ao abrigo da autorização legislativa que solicita.
Ainda quanto a outras questões constantes da petição e cuja discussão não se prevê para tão breve, naturalmente que não deixaremos de ponderar a sua pertinência e de estudar a viabilidade da sua inclusão nos diplomas legais adequados.
A finalizar, e porque o facto de 1997 ter sido declarado o Ano Europeu Contra o Racismo e a Xenofobia é expressamente afirmado no relatório que instruiu o agendamento desta petição para Plenário, não podemos deixar de afirmar aqui duas coisas a esse respeito.
Primeira, queremos lamentar o fraquíssimo incentivo que o Governo português deu a que o Ano Europeu Contra o Racismo e a Xenofobia fosse condignamente assinalado em Portugal. Na verdade, o primeiro acontecimento alusivo a este ano europeu deu-se em Fevereiro, nesta Assembleia, e chegamos ao final de Novembro numa situação em que, provavelmente, a maioria dos portugueses nem sequer se apercebeu de que este ano é, ou, quase podemos dizer, era, o ano europeu contra o racismo.
Segunda, deploramos vivamente que o Governo português, alinhando pelo diapasão da União Europeia e do chamado «espaço Schengen», ao mesmo tempo que faz profissões de fé anti-racistas e xenófobas, não hesite em apresentar iniciativas legislativas que contrariem na prática tais convicções e que se traduzem em mais discrimina-

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ções e maior desrespeito pelos direitos fundamentais de cidadãos que cometeram o «pecado» de não terem nascido europeus.
Seguramente que a consagração de algumas das medidas constantes desta petição viria contrariar saudavelmente esta evolução negativa que o PSD iniciou e que o PS lamentavelmente prossegue.

Aplausos do PCP.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Isso é completamente falso!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos presente para apreciação uma petição apresentada em Julho de 1996 por iniciativa do SOS Racismo e da Associação Portuguesa dos Direitos dos Cidadãos.
Os peticionantes consideram de extrema necessidade a adopção de um quadro legal próprio sobre discriminação racial, porquanto têm-se constatado uma tendência generalizada, em toda a Europa, de ressurgimento do problema do racismo e da xenofobia.
Entendem que o acervo legislativo português é insuficiente e ineficaz, pelo que apresentam uma proposta legislativa visando colmatar essa alegada lacuna.
Assim, apresentam uma iniciativa em que se estabelecem punições para comportamentos discriminatórios em áreas em que esses comportamentos são mais sensíveis e usuais: no emprego, na prestação de bens e serviços, no acesso à habitação, entre outras.
Preconizam, igualmente, uma alteração da redacção dos artigos 239.º (Genocídio) e 240.º (Discriminação racial) do Código Penal, clarificando a sua redacção e punindo certas condutas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O ordenamento jurídico português revela em inúmeros diplomas, inclusive, no texto constitucional, uma manifesta preocupação e defesa dos princípios da igualdade, da não discriminação e do combate ao racismo.
No IV processo de revisão constitucional operaram-se ainda alterações ao artigo 26.º, que passou a integrar o direito à protecção legal contra todas as formas de discriminação, e ao artigo 46.º, onde se incorporou um segmento que proíbe expressamente a constituição de organizações racistas.
No Código Penal, os artigos 239.º (Genocídio) e 240.º (Discriminação racial), revistos por efeito do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, incorporam as alterações reputadas necessárias devido à ratificação de tratados e convenções a que Portugal aderiu, com destaque para a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, aprovada pela Lei n.º 7/82, de 29 de Abril.
Foram, ainda, aprovadas no decurso da VII Legislatura um conjunto significativo de diplomas que, de forma directa ou indirecta, incidem sobre a temática em causa, outras estão agendadas para muito breve e, nessa altura, apresentaremos as nossas posições - aliás, já conhecidas.
Sublinhe-se, ainda, a importância que reveste a inclusão de uma nova norma geral antodiscriminação no projecto de Tratado de Amsterdão.
A proposta apresentada pelas associações supra-referidas é composta por vários artigos ao longo dos quais se traça um quadro legislativo global contra a discriminação racial: propõe-se punições para comportamentos discriminatórios em vários domínios e, ainda, a criação de uma comissão contra a discriminação racial, que funcionaria junto do Sr. Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas e que produziria uma reflexão e apresentaria propostas no sentido de combater a discriminação racial e facilitar a inserção social das minorias étnicas em Portugal.
Por fim, considera-se necessário alterar a redacção dos artigos 239.º e 240.º do Código Penal, passando a ser punidas condutas que até aqui o não eram, como, por exemplo, o incitamento à discriminação racial de forma não organizada, o branqueamento de regimes ou instituições que tenham praticado crimes de genocídio, entre outros aspectos.
Sr. Presidente. Srs. Deputados: Ao adoptar 1997 como Ano Europeu Contra o Racismo e o Xenofobia, o Conselho e os representantes dos Governos dos Estados-membros da União Europeia sublinharam a ameaça que o racismo, a xenofobia e o anti-semitismo constituem para o respeito dos direitos fundamentais e para a coesão económica e social da União Europeia, bem como a importância da divulgação das boas práticas e benefícios das políticas de integração desenvolvidas a nível dos diferentes Estados, em especial nos domínios do emprego, da educação, da formação e da habitação.
A matéria em causa tem grande importância social, por isso a petição do SOS Racismo e da Associação Portuguesa dos Direitos dos Cidadãos tem a virtude e o mérito de proporcionar um tempo de reflexão e debate sobre uma problemática que urge, cada vez mais. encarar com frontalidade. Traz-nos alertas e propostas que não podemos deixar de considerar.
A atitude positiva e activa que o PS tem vindo a ter nesta área é convergente com o sentido mais essencial desta petição, que é a do combate ao racismo e à xenofobia. Isto é uma garantia de que os contributos desta petição não podem ser letra-morta e não podem deixar de ser ponderados.
Os cidadãos não podem sentir que o seu contributo é um esforço vão e que as petições morrem aqui depois de alguns minutos de discussão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O SOS Racismo e a Associação Portuguesa dos Direitos dos Cidadãos trouxeram aqui um contributo muito sério. O PS saúda-os por isso e garante-lhes que vai continuar, com serenidade mas com determinação, os passos já iniciados neste domínio.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Armelim Amaral.

O Sr. Armelim Amaral (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PP associa-se aos peticionantes que consideram fundamental a adopção de um quadro legal próprio sobre a discriminação racial, já que tem vindo a constatar-se uma tendência generalizada em toda a Europa do ressurgimento de problemas de racismo e de xenofobia, como aqui hoje já foi dito.
Os peticionantes propõem um conjunto de iniciativas com as quais estamos genericamente de acordo, mas, se tivermos em conta a permissividade com que tem sido

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possível entrar em Portugal - sem grande controlo -, condicionou-se, naturalmente, que os recém-chegados não tenham condições mínimas para uma sobrevivência com o mínimo de decência.
Cremos que em Portugal não haverá sinais de manifesto racismo ou xenofobia, o que há são problemas sociais quando indivíduos de etnias diferentes colidem, sobretudo, nos seus estratos sociais mais baixos relativamente aos mesmos empregos, aos mesmo locais de habitação ou às mesmas escolas.
É a luta contra esta miséria e contra esta dificuldade de acesso à saúde, contra esta prostituição, contra esta difusão da droga que todos deveremos e teremos de nos empenhar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A lei por si só não conseguirá pôr termo ao racismo ou até não será o melhor meio para combatê-lo; no entanto, consideramos que é muito importante preencher uma lacuna existente no acervo legislativo nacional, actuando no plano repressivo sobre certas condutas inaceitáveis nos planos ético e moral.
Julgamos que deve privilegiar-se o plano preventivo, apostando na educação, facultando mais e melhor informação e estimulando o convívio entre todos os cidadãos.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguei Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do PSD, quero dizer duas breves palavras sobre esta petição que foi endereçada à Assembleia da República por um conjunto de entidades, designadamente o SOS Racismo, e que o Grupo Parlamentar do PSD apreciou de forma ponderada e cuidada, tanto mais que o ano 1997, por decisão das instâncias comunitárias, foi erigido como o Ano Europeu Contra o Racismo e a Xenofobia.
Temos, por isso, este ano, aproveitando este simbolismo do Ano Europeu Contra o Racismo e a Xenofobia, a oportunidade de reflectir e discutir nas instâncias políticas - porventura, com mais assiduidade do que aquilo que é costume - um conjunto de matérias que hoje não só preocupam a sociedade portuguesa mas que são objecto de discussão e de debate, muitas vezes acalorado e polémico, em muitos países europeus.
Conexas com estas matérias estão outras questões, algumas das quais vão estar em debate nesta Assembleia da República na próxima quarta-feira, aquando da discussão de uma proposta de lei sobre este assunto.
Sabemos também, pela comunicação social, que esta matéria tem empenhado os Parlamentos de vários países europeus, designadamente da Itália e da Holanda, que vão adoptar no domínio da entrada, legalização e permanência de cidadãos estrangeiros um conjunto de medidas, que ainda não temos em rigor o seu recorte mas que dão bem conta do âmbito europeu e internacional deste tipo de questões.
E digo isto porquê? Porque, no início desta minha intervenção, não quero deixar de recordar aqui aquilo que foi sempre um vector fundamental da política do PSD quanto a esta matéria.
Não me custa reconhecer que Portugal, porventura, se dê mal neste facto de discutir uma política de imigração, porque durante muitas décadas fomos um país de emigração, sendo portanto um problema relativamente novo para nós, com consequências relativamente novas para nós e sobre as quais, porventura, não haverá ainda todos os estudos sociais, nomeadamente os de levantamento dos problemas que, eventualmente. já devesse haver, mas o que é verdade é que, em relação a esta matéria, o Partido Social Democrata sempre teve como vector fundamental da sua política o seguinte: a política de imigração tem de estar devidamente articulada com a política de inserção social. Isto é fundamental!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Queiram os senhores, designadamente os socialistas, que hoje têm responsabilidades nesta matéria, ou não, a verdade é que não articular estas duas políticas é estar a permitir...

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS). - E o que foi que fizeram na passada legislatura?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - O senhor só tem olhos para o passado!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Estou a olhar para si; não sei se já é passado...

O Orador: - ... o acréscimo de problemas, que não podemos desmentir que existem e que merecem uma reflexão profunda e medidas concretas do poder político.
A iniciativa do SOS Racismo tem uma virtude: a de ter apresentado à Assembleia da República um articulado. Aliás, se esta petição tivesse sido apresentada depois da recente revisão constitucional tinha até a vantagem de ser uma proposta legislativa de iniciativa popular e aí estava, certamente, pela primeira vez, a Assembleia da República confrontada com uma das vantagens desta revisão constitucional, ou seja, a de grupos de cidadãos suscitarem, através de iniciativas legislativas, na Assembleia da República, a concreta discussão de soluções para este ou outro tipo de problemas.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem

O Orador: - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Neste quadro, em que a discussão sobre esta matéria deve ser feita, o PSD tem a dizer o seguinte: algumas das propostas que são apresentadas, julgo, têm merecimento e apontam num caminho certo, merecendo algumas delas ponderação mais cuidada, atendendo até a um dos argumentos invocados pelos próprios peticionários.
Por outro lado, há algumas dessas propostas em relação às quais o PSD não está inteiramente convencido sobre se os efeitos perversos que, porventura, elas possam criar não sejam de dano superior em relação ao que se pretende atingir.
Daí que olhemos para o conjunto das propostas corri particular atenção e não faz mal algum separar aquilo que são as propostas concretas do SOS Racismo aqui apresentadas e em relação a cada uma delas o PSD terá uma posição que. a seu tempo, transmitirá.
Em todo o caso, não quero deixar de referir, como nota final, o seguinte: neste esforço, que deve ser de toda a sociedade, temos de aproveitar todos os momentos, mesmo os que têm uma carga simbólica - sobretudo esses -, para fazer uma pedagogia na sociedade através de várias instâncias.

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Por isso, lamento, como já foi referido neste Plenário, que no Ano Europeu Contra o Racismo e a Xenofobia tenha havido um quase deserto de iniciativas, designadamente da esfera governamental e de outras entidades públicas, no sentido da sensibilização e da pedagogia sobre estas matérias.
É verdade que este Ano Europeu Contra o Racismo e a Xenofobia foi praticamente um ano em branco em Portugal e julgo que contra este amorfismo temos a responsabilidade de fazer, em termos concretos, alguma coisa e temos algumas boas propostas nesta petição para inverter esta situação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que a petição que estamos hoje a discutir, num Plenário quase vazio, é de extrema importância e retoma um problema muito sério que Os Verdes, repetidamente ao longo dos anos, têm trazido à Assembleia da República contra aqueles nossos colegas que, com excessiva bondade, entendem que o problema do racismo e da intolerância não é, entre nós, um fenómeno preocupante.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

A Oradora: - O problema do racismo e da xenofobia é, entre nós, um problema preocupante e ao longo tanto da actual como da anterior legislatura foram muitos os exemplos que demos de que essa grave «doença» está instalada entre nós e de que não somos imunes a ela. Se dúvidas houvesse, o exemplo deste ano foi fértil de que há problemas graves de intolerância na nossa sociedade.
Se, lamentavelmente, muitos dos nossos alertas, estando nós perante um fenómeno que, sobretudo, importa prevenir, não foram devidamente levados em conta, a questão coloca-se perante aquilo que hoje está em discussão, ou seja, vamos encerrar um ano dito «de luta contra o racismo» e aquilo que verificamos é que se tratou de um ano esvaziado de conteúdo e cuja pobreza é manifesta.
Independentemente de ter havido, ao longo do tempo, no plano jurídico, saltos e contributos importantes no sentido de responder às questões do racismo e da xenofobia - e nós, Os Verdes, demos contributos vários, tais como iniciámos, com a apresentação do nosso projecto, a discussão em torno de uma coisa que nos parecia importante, que era a abertura de um novo processo de regularização de imigrantes, que ocorreu, não nos termos em que achávamos que devia ter ocorrido, mas ocorreu, ou, como outros partidos o deram, em termos do texto da revisão constitucional -, o que é certo é que só se previne este fenómeno, só se age, ou seja, o anti-racismo só tem alguma expressão se nós, mais do que de boas intenções, passarmos aos actos.
Ora, a questão que se coloca é que Portugal não tem uma política de imigração, enquanto sinónimo de uma política integrada nos planos do ensino, da habitação, da cooperação, da própria valorização das comunidades de imigrantes, no fundo, toda uma pedagogia para integrar e aceitar a diferença. Essa política integrada não existe. Aliás, quando se esperava que o Governo do Partido Socialista criasse, por exemplo, uma secretaria de Estado da Imigração, limitou-se à criação de um Alto Comissário, que, manifestamente, se tem revelado muito pouco capaz de, só por si, ter meios para responder àquilo que é uma questão que está colocada na sociedade portuguesa, questão essa cujos exemplos vários o PSD, exemplarmente, deu fruto do entendimento que linha sobre os imigrantes e que, julgo, independentemente de algumas pinceladas avulsas, o PS tem-se mostrado um bom continuador.
Aliás, se dúvidas há, poder-se-á ler o preâmbulo da proposta de lei n.º 132/VII, que vai ser discutida, nesta Assembleia, na próxima semana, no mesmo dia em que estará em discussão o projecto de lei de Os Verdes no sentido de garantir iguais condições de acesso ao trabalho aos imigrantes. É que a política de imigração combate-se com uma efectiva política, por exemplo. no plano do ensino, de integração das crianças da segunda geração, o que significa ter a escola preparada para receber essas crianças, ter os professores em condições para lhes poder dar atenção, valorizar a sua cultura e integrá-las de forma harmoniosa, não é assimilá-las ao sistema, mas integrá-las de forma harmoniosa. Ora, isto significa o eliminar das barreiras no acesso à habitação - é uma questão que está para além do PER -, isto é sinónimo do eliminar de barreiras em termos de acesso ao mercado de trabalho.
A proposta de lei do Governo começa por manifestar boas intenções, mas o conteúdo perverte completamente o espírito dessas boas intenções. Aliás, a proposta de lei sobre o novo regime de entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros do território nacional enferma de um grave vício, isto é, associa sempre os imigrantes às questões de segurança: «O imigrante, o estrangeiro é um perigo». E quando um governo tem esta visão dos imigrantes, seguramente, não está a fazer pedagogia, não está a favorecer um outro comportamento em relação àqueles que, com respeito, têm de ser integrados na nossa sociedade. Isso explicará a lentidão com que o problema de Oleiros foi, pelo Governo, devidamente tratado.
Portanto, a grande virtude desta petição é a de retomar algo que não pode ficar ao nível das vagas declarações de intenção, não pode ficar ao nível daquilo que, com maior ou menor empenho, gostaríamos que fosse modificado. Mais do que o alívio de consciências, mais do que o ocasional manifesto de boas vontades, aquilo que os imigrantes precisam e que uma política anti-racista precisa é de factos, é de dados. Factos e dados de que os imigrantes carecem e que esta petição tem a grande vantagem de voltar a colocar como responsabilidade de todos nós.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, não havendo mais pedidos de palavra, dou por terminada a apreciação desta petição, que foi debatida nos termos da Lei de Petição. O que se fará de seguida, para dar cumprimento ao disposto no n.º 4 do artigo 20.º da referida lei, será o envio, ao primeiro signatário da petição, de um exemplar do número do Diário da Assembleia da República em que se mostre reproduzido o debate. Quanto às iniciativas, tal como sucedeu em relação a outras petições, seguem os trâmites regimentais, autónomos, próprios da iniciativa legislativa.
Resta-me informar que a próxima reunião plenária se realiza dia 26 de Novembro. quarta-feira, com início às 15 horas. Da ordem de trabalhos constará um período de antes da ordem do dia e no período da ordem do dia proceder-se-á à discussão, na generalidade, do projecto de lei

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662 I SÉRIE - NÚMERO 17

n.º 423/VII - Sobre a emissão de certificados por estabelecimentos públicos de ensino superior são conjunta, também na generalidade, da n.º 78/VII - Estabelece a regulamentação estrangeiros em território português, do 311/VII - Garante aos cidadãos estrangeiros em Portugal o acesso ao emprego em condições de igualdade (PCP) e do projecto de lei n.º 326/VII - Garante iguais condições de acesso ao trabalho de estrangeiros em território nacional (revoga o Decreto-lei n.º 97/77, de 17 de Março) (Os verdes), e por fim à discussão, na generalidade da proposta de lei n.º132/VII - Concede ao Governo autorização para alterar o regime legal de entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros do território nacional.
Sr. Deputados, nada mais havendo a tratar, dou por encerrados os trabalhos.

Eram 13 horas.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Bento da Silva Galamba.
Artur Clemente Gomes de Sonsa Lopes.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Soam Pinto.

Partido Social Democrata (PSD):

António Manuel Taveira da Silva.
António Roleira Marinho.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Domingos Dias Gomes.
Fernando Santos Pereira.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Augusto Gama.
José Mendes Bota.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Fernando José de Moura e Silva.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António João Rodeia Machado.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

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