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Quinta-feira, 5 de Fevereiro de 1998 I Série - Número 36

VII LEGISLATURA

3.A SESSÃO LEGISLATIVA (1997-1998) REUNIÃO PLENÁRIA DE 4 DE FEVEREIRO DE 1998

Presidente: Exmo. Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Exmos. Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

A Câmara procedeu à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.ºs 451/VII - Sobre exclusão de ilicitude de casos de interrupção voluntária de gravidez (PS), 417/VII - Interrupção voluntária da gravidez (PCP), 448/VII - Altera o Decreto-Lei n.º 47 344/66, de 25 de Novembro, que aprova o «Código Civil» (CDS-PP) e 453/VII - Interrupção voluntária da gravidez (Deputados do PS, António Braga e Eurico Figueiredo) e do projecto de resolução n.º 381/VII - Proposta de referendo sobre a alteração da lei do aborto (PSD). Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Sérgio Sousa Pinto (PS), Bernardino Soares (PCP), Nuno Correia da Silva e Maria José Nogueira Pinto(CDS-PP), Odete Santos (PCP), Nuno Abecasis e Jorge Ferreira (CDS-PP), Luísa Mesquita (PCP), António Braga e Eurico Figueiredo(PS),Manuela Ferreira leite (PSD), João Amaral(PCP), Isabel Castro (Os Verdes), Francisco de Assis (PS), Octávio Teixeira (PCP), Barbosa de Melo (PSD), Manuel Alegre (PS), Pedra Roseta (PSD), Maria do Rosário Carneiro e Sónia Fertuzinhos (PS), Luís Marques Mendes (PSD) e Alberto Martins (PS).

Após a Mesa ter dado conhecimento da retirada do projecto de resolução do PSD, procedeu-se, a requerimento deste partido e do CDS-PP, à votação nominal, na generalidade dos projectos de lei n.- 417 e 448/VII, que foram rejeitados, e 451/VII, que foi aprovado.

Foi ainda rejeitado o projecto de lei n.º 453/VII.

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas e 05 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Augusto Carlos dos Santos Leite.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Pedro da Silva Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida..
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
José Tomás Vasques.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Metias.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Cendal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo dá Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Américo de Sequeira.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.

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António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silvia.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Caros Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves..
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando José de Moura e Silva.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Francisco Amadeu Peixoto.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Manuel Lopes Moreira da Silva.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário dá Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 451/VII - Sobre exclusão de ilicitude de casos de interrupção voluntária de gravidez (PS), 417/VII - Interrupção voluntária da gravidez (PCP), 448/VII - Altera o Decreto-Lei n.º 47 344/66, de 25 de Novembro, que aprova o .Código Civil (CDS-PP), 453/VII - Interrupção voluntária da gravidez (Deputados do PS, António Braga e Eurico Figueiredo) e do projecto .de resolução n.º 38/VII- Proposta de referendo sobre á alteração da lei do aborto (PSD).
Lembro que os respectivos partidos terão 10 minutos para procederem à apresentação dos projectos de lei de que são subscritores, tal como foi decidido na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, tempo este que não se descontará no do respectivo grupo parlamentar.

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Mas, se forem além dos 10 minutos, o excesso será descontado no tempo global.
Os Srs. Deputados Eurico Figueiredo e António Braga propuseram dividir entre os dois os 10 minutos de que dispõem, tendo obtido assentimento de todos os grupos parlamentares nesse sentido.
Como se trata de um agendamento potestativo do Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra, para apresentar o respectivo projecto de lei, de que é um dos autores, o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Ao renovar, nesta Câmara, a apresentação do projecto de lei, originário da Juventude Socialista, de alteração da legislação reguladora da interrupção voluntária da gravidez, a bancada parlamentar do Partido
Socialista, fazendo uso dos poderes que a Constituição lhe concede, legitimada pelo mandato democrático dos seus Deputados, não foge a assumir perante o País as suas responsabilidades.
Ao fim de 14 anos de vigência da actual legislação, não nos furtamos à avaliação das suas consequências humanas e sociais no confronto com a realidade.
E por muito incómoda que seja a brutalidade dos factos, a ninguém, e muito menos ao legislador, é consentido virar as costas à realidade.
E esta realidade de que falamos é uma realidade silenciosa: é a realidade do aborto clandestino, vivido no risco, na humilhação, na solidão e no silêncio.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O nosso propósito, neste debate, é claro e frontal: queremos alterar a lei em vigor, vencendo a hipocrisia que a sustenta.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Somos contra a hipocrisia, porque não viramos a cara às 11 000 mulheres que, todos os anos, dão entrada nas urgências dos hospitais públicos com complicações decorrentes do aborto clandestino.
Somos contra a hipocrisia, porque não viramos a cara às centenas de milhar de abortos ilegais realizados, desde 1984, em vãos de escada, enquanto, nos hospitais, nem 100 interrupções por ano se chegam a realizar, nos termos da lei.
Somos contra a hipocrisia, porque a esses milhares de abortos correspondem, em média, seis condenações por ano nos tribunais desde 1985.
É preciso dizê-lo, com clareza, tantas vezes quantas forem precisas: a lei em vigor apazigua as consciências, numa sociedade em que olhamos para baixo para não assistir, ao drama do vizinho, mas pela vida, pelo direito à vida, esta lei não fez nada em 14 anos de vigência.
Quando verdadeiros ditadores das consciências, donos da verdade e da moral, presuntivos guardiões da vida, se agarram à legislação em vigor contra qualquer alteração, invocando demagogicamente o direito à vida, não estão só a defender uma mão cheia de nada, estão também, de forma gratuita, a perpetuar culposamente a tragédia humana do aborto clandestino.
Trata-se, afinal, de guardiões não da vida mas da hipocrisia. Defendem a actual lei com o mesmo sectarismo com que a atacaram em 1984 e recusam a evidência de que a incriminação total da interrupção da gravidez, se não serviu minimamente para dissuadir a prática do aborto, já tem servido para provocar a morte ou, em qualquer caso, um penoso e gratuito sacrifício físico, psíquico e humano a milhares de mulheres portuguesas, vítimas da sordidez do aborto clandestino.
Em tantos anos de aborto na clandestinidade e de sofrimento humano evitável, nunca se fizeram ouvir quaisquer movimentos «Juntos pelo Planeamento Familiar», ou «Juntos pela Educação Sexual».

Aplausos do PS.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - É mentira!

O Orador: - Ninguém, nesta Assembleia, defende a prática do aborto, como alguns querem fazer crer. O aborto é um drama humano e social, do qual todos somos adversários. Mas combatê-lo com a lei penal é um exercício inútil e um erro que pagamos caro na proliferação do aborto clandestino.
Percebêmo-lo, como antes de nós o perceberam sociedades que partilham connosco a mesma matriz civilizacional e a quem não podemos ter a pretensão de dar lições de direitos humanos. Retiro-me, nomeadamente, à França, ao Reino Unido, à Alemanha, à Bélgica, à Dinamarca, à Holanda, à Itália ou aos Estados Unidos, que não têm, com certeza, menor apreço pelo direito à vida que nós, portugueses.
As mulheres que viveram a tragédia do aborto não são homicidas, quer para o Direito, quer para a nossa consciência social.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Merecem a compreensão, o respeito e a tolerância de uma sociedade livre, em que não é legítimo a uns, maioritários ou minoritários, servirem-se da lei para imporem aos outros as suas concepções morais, perseguindo, criminalizando e empurrando para a marginalidade quem pensa de modo diverso.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Pensa de modo diverso quem confia na mulher e na sua consciência; quem rejeita a inquisição das escolhas difíceis de homens e mulheres, inseridos na realidade concreta das suas vidas; quem reconheça nas outras sociedades evoluídas, da Europa e do mundo, as soluções conformes ao legado humanista que nos é comum.
Todos estamos cientes de que o aborto é um acto desesperado, uma violência que a mulher comete sobre si própria e de que é a principal vítima. Não nos compete a nós julgá-la e à sua consciência. S6 a ela compete a decisão - sempre dramática -, que, em qualquer caso, não deixará de tomar, pesadas as suas convicções éticas, filosóficas e religiosas e inserida nas circunstâncias particulares da sua vida.
Dentro de limites legais impostos em nome de um justo equilíbrio com a protecção da vida intra-uterina, importa devolver à mulher a decisão que, no nosso país, a lei penal lhe confiscou.
Façamo-lo em nome do seu direito à saúde, à integridade moral, à dignidade social e a uma maternidade consciente e responsável.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Só assim combateremos eficazmente o flagelo dg aborto clandestino e contribuiremos para a resolução de um grave problema de saúde pública e segunda causa de morte materna. em Portugal.
Só assim poderemos controlar a selva desregulada, e, hoje, em Portugal, lamentavelmente liberalizada, do aborto clandestino, sem regras, sem prazos, sem garantias médico-sanitárias, num comércio ofensivo Ida dignidade humana.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Só admitindo a interrupção voluntária da gravidez num prazo mínimo de 10 semanas, a pedido da mulheril e com adequado acompanhamento médico, poderemos evitar as mortes inúteis, as frequentes sequelas físicas, a impossibilidade de voltar a ter filhos e os atentados à saúde psíquica da mulher.
Uma interrupção da gravidez, feita com segurança num estabelecimento hospitalar autorizado, acompanhada por uma consulta de planeamento familiar, como prevê o nosso projecto de lei, faz - mais pela vida - do que a actual incriminação, retórica e ostensivamente rejeitada pela sociedade, que só tem servido para alimentar ou o aborto turístico em Londres e Espanha, para quem o possa pagar, ou o recurso desesperado. à abortadeira de vão de escada, para uma, maioria sem meios suficientes para se defender da hipocrisia em vigor.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Num Estado laico, os bens, os valores e os interesses mais caros, à sociedade são defendidos pela Constituição e pela, lei.
Queremos alterar a lei em vigor, usando da mesma legitimidade que, em 1984, foi suficiente para a, sua aprovação.
E, assistimos ao renascer do velho discurso contra a legitimidade representativa, em favor de uma instrumental legitimidade referendária. Instrumental legitimidade referendaria, porque. os mais vibrantes defensores. do referendo são, nesta Câmara àqueles que vêem, nele uma arma contra a legitimidade democrática da Assembleia da república,...

Aplausos do PS:,

... como forma de diminuírem politicamente o resultado deste debate, no qual fugiram, mais uma vez, a tomar posição, exibindo o já ,habitual défice de convicções.
Se o projecto de lei do PS for derrotado, nunca os escrupulosos defensores dá vontade popular directamente expressa se lembrarão de exigir a convocação de rim referendo nacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É preciso dizer, com clareza, ao País que, nesta Sala, por trás da exigência do referendo, escondesse uma única, preocupação verdadeira: empatar, empatar, empatar, na esperança de ainda poder inviabilizar qualquer evolução da lei, qualquer esforço sério de adequação sua à realidade.

Aplausos do PS.

Se as nossas. propostas recolherem hoje apoio maioritário, o referendo, antes rejeitado por alguns, em nome de valores absolutos, tornar-se-á o instrumento permanente do desrespeito e do desafio a uma lei democrática, em nome de uma ordem de valores estranha à Constituição da República e aos princípios basilares do Estado laico.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Estamos colocados numa encruzilhada em que há apenas que optar por um de três caminhos.
O caminho da defesa hipócrita da lei em vigor, sem termos a mínima intenção de a aplicar - e às respectivas penas legais -, aceitando como única e real sanção a condenação medieval das mulheres, sobretudo das mais desprotegidas, à humilhação e ao risco do aborto clandestino, equivale a deixar tudo como está.
O caminho da defesa coerente da lei em vigor, adaptando o sistema repressivo - policial, judicial e prisional - à necessidade de prender, julgar e punir as 18 000 ou 20 000 criminosas que anualmente violam a lei, acrescidas de médicos, parteiras, namorados, maridos, mães e outros eventuais cúmplices no silêncio. É a posição que os campeões do direito à vida na sociedade portuguesa não tiveram, nem têm, coragem de assumir.

Aplausos do PS.

O caminho da despenalização limitada da interrupção da gravidez, em condições de segurança adequadas à dignidade humana e dependente de prévia consulta de planeamento familiar, à semelhança do que vem acontecendo no resto da Europa. É este o nosso caminho.
Termino como há um ano: quem votar contra este projecto de lei, em nome da lei actual e da situação por ela criada, não salvará uma vida, não evitará um aborto, porque a defesa da actual lei não serve a vida, serve apenas a hipocrisia.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, começo este pedido, de esclarecimento dizendo que o que esperamos do debate, que hoje aqui se reinicia sobre, a interrupção voluntária da gravidez é que saia uma alteração da lei que permita combater, realmente o aborto clandestino e não uma alteração que o seja apenas no papel.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E, partindo deste princípio, importa colocar-lhe algumas questões sobre o projecto de lei que acabou de apresentar.
Em primeiro lugar, refiro a questão dos Centros de Aconselhamento Familiar (CAF). Já não falo só da quesé4o de princípio que é, ao introduzir uma consulta obrigatória no processo de acesso da mulher à interrupção voluntária dá gravidez, esta imposição ser uma intromissão real no direito de decisão íntima da mulher e uma violação da sua liberdade de optar, que se quer estabelecer neste primeiro período da gravidez, falo também da questão prática, por isso gostava de saber se o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto não está consciente de que esta consulta obrigatória pode criar obstáculos numa situação em que as mulheres já estão constrangidas e pressionadas e vir,

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por este meio, a empurrá-las novamente e ainda para o aborto clandestino.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Será, que o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto não reconhece que a cobertura geográfica que os senhores prevêem no vosso projecto de lei para estes centros ou que, eventualmente, venha a existir pode ser um claro entrave ao acesso das mulheres à interrupção voluntária da, gravidez a seu pedido? Será que podemos fazer tábua rasa da experiência das comissões de ética hospitalares e dos efeitos que a sua acção teve na aplicação, mesmo da lei anterior?

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, há ainda uma outra questão importante no vosso projecto de lei que importa aqui ser esclarecida, que é a questão das 10 semanas, da redução da vossa proposta das 12 para as 10 semanas no que diz respeito à interrupção voluntária da gravidez a pedido da mulher.
Sabendo que a descoberta da gravidez e a tomada de uma decisão é muitas vezes tardia, especialmente nos casos das jovens mulheres, nos casos das mulheres. com menos recursos económicos, afinal; nos casos daquelas que são mais penalizadas 'pela legislação existente, será ou não verdade que a ,redução deste prazo implicará para estas decisões algo tardias uma efectiva negação do seu direito de acesso à interrupção voluntária da gravidez? E como se justifica esta redução, Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, sabendo que até às 12 semanas, e não às 10, os riscos para á saúde da mulher são diminutos e até menores do que os do próprio parto? Como se justifica, Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, a redução e o recuo nesta matéria, quando há um consenso alargado em torno do prazo das 12 semanas, consenso esse em que os Srs. Deputados já estiveram e que agora deixam de lado para apresentar um prazo diferente?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, o que importa aqui não é gerar consensos à volta de uma qualquer solução mas, sim, à volta da solução justa, que é a solução das 12 semanas.
Portanto, ò Sr. Deputado deve explicar a esta Câmara se não considera que a conjugação da redução do prazo para as 10 semanas com a imposição da consulta prévia no Centro de Atendimento pode continuar a empurrar as mulheres pára o aborto clandestino e se não será esta uma forma, como outras, de contornar a real resolução do problema.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orado: - Termino, Sr. Presidente, dizendo que esta questão para nós não admite qualquer negócio. A nossa preocupação neste debate é a de garantir os direitos das mulheres e salvaguardar a sua saúde, e estes direitos não são negociáveis nem podem ser limitados.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tendo sido informado de que o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto responderá conjuntamente aos vários pedidos de esclarecimento, leni a palavra, também para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, a sua intervenção foi um acto de rendição, foi um acto de resignação.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Os senhores não conseguem. combater as causas e, por isso, aquilo que propõem é camuflar as consequências.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, a defesa da vida humana não é uma imposição de convicções, é um dever que, enquanto político, entendo que devo, e tenho obrigação de assumir, e ou assumimo-la ou não.

Aplausos do CDS-PP.

Sr. Deputado, trata-se de uma questão de Estado; trata-se de uma obrigação, social que temos ou não temos; trata-se de proteger quem precisa de ser protegido; trata-se de defender quem não se pode defender sozinho.
Os senhores perderam mais uma oportunidade, porque podiam vir aqui falar do drama que leva as mulheres a abortar, podiam apresentar propostas para combater as necessidades económicas, as suas razões sociais. Mas não! Os senhores preferem dar-lhes apenas e só uma licença para abortar!
Os senhores, hoje aqui, estão a demitir-se de uma responsabilidade. Se não são capazes de combater as razões sociais, demitam-se do Governo, não se demitam das vossas responsabilidades, porque, seguramente, nós não nos vamos demitir das nossas.
Porque, Sr. Deputado, as situações de excepção, essas já estão consagradas na lei, como em caso de violação, de perigo da vida da mãe e de deficiências profundas dó feto.
Eu não quero, Sr. Deputado, eu não posso nem aceito pertencer a uma geração egoísta, a ureia geração que, em nome do seu bem-estar, sacrifica vidas humanas. Eu não percebo que civilização é esta! Não percebo que grau de civilização o Sr. Deputado defende que não protege o primeiro de todos, os direitos - o direito à vida!

Vozes do CDS-PP.: - Muito bem!

O Orador: - E, depois, Sr. Deputado, a confusão que vai no vosso espírito espelha-se e reflecte-se nas contradições e na hipocrisia do vosso projecto de lei. Se não, vejamos: os senhores entendem que o aborto é uma questão de consciência, mas são os senhores que ditam o prazo de validade dessa mesma consciência, porque, depois das 10 semanas, já não há direito à consciência.
Mas mais, Sr. Deputado: os senhores afirmam não querer mandar para a cadeia as mulheres que praticam o aborto, mas não é para a cadeia que vão as mulheres que praticarem o aborto depois das 10 semanas?! Os, senhores dizem que a mulher tem direito a dispor do seu próprio corpo, mas, mais uma vez, a mulher tem esse direito durante o' período imposto por inspiração de Sérgio Sousa

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Pinto, porque, depois das 10 semanas, já não tem direito a dispor do seu próprio corpo.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

Protestos do PS.

Mas, mais, Sr. Deputado, os senhores fazem do aborto uma prioridade política, mas não tiveram a ousadia de colocá-lo no programa eleitoral que vos deu os votos, os lugares onde estão, e, por isso, é muito duvidosa a legitimidade desta Câmara para defender esta questão.
E, mais ainda, Sr. Deputado, o senhor, no Congresso em que foi eleito secretário-geral da Juventude Socialista, votou contra uma moção apresentada que propunha a liberalização do aborto. Por isso, não é uma questão de convicção, mas de oportunidade política.

Aplausos do CDS-PP.

E porquê 10 semanas, Sr. Deputado? Porquê, se às 10 semanas o coração já bate, já sente e já se ouve de igual forma que à 12.º?

O Sr. Presidente: - Faça o favor de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - São estas contradições, estes «golpes/cambalhota», que vos fazem temer o referendo, porque sabem que perdem, porque têm consciência das vossas incertezas, das vossas inseguranças e das vossas contradições.
Como alguém disse um dia - e, com isto, termino, Sr. Presidente -, «as mulheres que não querem os seus filhos podem dá-los a quem os deseja». Mas os senhores preferem a solução mais fácil, abortar, porque «quando os olhos não vêem, o coração não dói».

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, a palavra que mais usou no seu discurso e que mais se tem ouvido nos últimos tempos, a propósito deste debate, é «hipocrisia». Sem qualquer hipocrisia, e pedindo-lhe que também sem qualquer hipocrisia me responda, gostaria de colocar-lhe algumas questões, porque penso que quem apresenta uma iniciativa legislativa; sobretudo com os fundamentos que V. Ex.ª evocou, tem com certeza a intenção de ver essa lei efectivada e dever que ela traz resultados práticos para os problemas que colocou.
O Sr. Deputado referiu que apenas 100 interrupções voluntárias da gravidez se realizaram, ao abrigo da legislação em vigor. São manifestamente poucas. Porquê? O Sr. Deputado já se interrogou por que razão nos hospitais portugueses, ao abrigo da legislação. em vigor, apenas ocorreram 100 interrupções voluntárias da gravidez?
Em segundo lugar, o Sr. Deputado já tentou perceber como é que funcionámos hospitais portugueses, neste momento, e qual é a capacidade efectiva que têm para receber estas novas situações? É que, parece-me, eles não têm tido sequer capacidade para receber as anteriores. Como sabe, neste momento, o Serviço Nacional de Saúde está sob a tutela de um Governo socialista e, portanto, aí, V. Ex ª, como Deputado proponente, assume uma responsabilidade superior a qualquer outro Deputado de outra bancada.
Depois, também gostaria de perguntar-lhe, sem qualquer hipocrisia, se está consciente do que se passa a nível de planeamento familiar. É que o Sr. Deputado falou disso. como se fosse uma novidade, mas nós temos uma lei, que, por acaso, até nem está mal feita e está regulamentada, sobre o planeamento familiar. Ora, é suposto que o Serviço Nacional de Saúde ofereça às mulheres uma consulta de planeamento familiar. E, mais, era suposto que oferecesse, sobretudo àquelas que têm poucos meios mas, sendo o nosso Serviço Nacional de Saúde universal, geral e gratuito, deveria oferecê-los a todas -, os métodos anticonceptivos. Porém, como sabe - e penso que o sabe, sem hipocrisia -,isso não acontece. De facto, não só não existem consultas de planeamento familiar na maioria dos centros como, quando existem, não dispõem de métodos anticonceptivos gratuitos para fornecer às mulheres.
Por isso, gostava de saber como é que, em sua opinião - e para que a sua iniciativa, caso seja aprovada, se torne eficaz e responda às necessidades que o Sr. Deputado tanto priorizou -, o Serviço Nacional de Saúde vai receber estes casos, se nem os outros consegue atender.
Sr. Deputado, quero ainda abordar uma outra questão, que julgo ser importante. No fundo, as suas razões são, sobretudo, sociais, mas, neste momento, o Sr. Deputado vem dizer a esta Câmara e ao País que existe uma área, chamada Ministério do Trabalho e da Solidariedade, para responder a estas questões, mas, como não é capaz de fazê-lo, que se vão transferir para a área do Serviço Nacional de Saúde. Isto significa que, sem qualquer indicação terapêutica, os hospitais vão ser obrigados a aceitar, apenas por motivos sociais, estas situações de interrupção voluntária da gravidez. Gostaria de saber se o Sr. Deputado considera que esta transferência para um outro ministério de um problema que é, como bem disse, eminentemente social é, em si mesma, uma resposta suficiente. Sem qualquer hipocrisia, mas com muita curiosidade, fico à espera da sua resposta.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder conjuntamente aos três pedidos de esclarecimento, tem a palavra, por 5 minutos, o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, as forças sociais e os partidos solidários com as posições que a Sr.ª Deputada defende nesta Câmara, falam, lá fora, na «matança dos inocentes», no direito à vida, em homicídio. Este é o registo das forças sociais que contestam as propostas que eu e a minha bancada representamos e pelas quais a Juventude Socialista «dá a cara» desde há um ano. E, pelo segundo ano consecutivo, a Sr.ª Deputada guarda na gaveta o direito à vida e vem para os debates parlamentares falar no número de camas, no planeamento familiar e na viabilidade prática das nossas propostas.

Vozes dó PS: - Muito bem!

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - E isso não é importante?!

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O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Isso é que é mais difícil!

O Orador: - Registo essa nuance fundamental.
A Sr.ª Deputada fala, com razão, no planeamento familiar. Todos nós temos consciência da importância decisiva do planeamento familiar. A Sr.ª Deputada é uma mulher absolutamente séria, inteligente e conhecedora destes dossiers e tem uma experiência curricular que fala por si, pelo que sabe, tal como eu, que é uma hipocrisia pensar que a lei dissuade alguém de abortar. A lei criminal, incriminadora, penal, ofende a dignidade da mulher, gerando o fenómeno do aborto clandestino, inutilmente, porque não dissuade ninguém e é inútil para proteger a vida.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A Sr.ª Deputada tem presente, porque é uma pessoa. séria, como todos nesta Sala, que há 20 000 mulheres portuguesas que não são criminosas nem homicidas, ...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... são pessoas, como nós, que são vítimas do aborto clandestino, com ou sem esta lei.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Não é disso que estou a falar!

O Orador: - Hoje, vão ao vão de escada, amanhã, talvez possam ir a um hospital público.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): Poderão? .

O Orador: - A diferença é esta, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Deputada preocupa-se, tal como nós, com o planeamento familiar, mas não pode pôr em causa - aliás, o PCP tem posições sobre esta matéria, com nuances que nos diferenciam, relativamente aos Centros de Aconselhamento Familiar e à obrigatoriedade de uma consulta de planeamento familiar - o esforço da nossa bancada, inserto no nosso diploma, para tornar obrigatória, uma consulta de planeamento familiar, sem a qual, aliás, a nossa lei é inoperacional. Ora, como nós queremos a lei operacional, damos uma garantia sólida de que haverá planeamento familiar neste país...

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - E o seu Governo garante? Mas por que é que, não há?!.

O Orador: - E sabe, Sr.ª Deputada, por que é que as forças sociais, que percebem que a única forma de evitar o aborto é o planeamento familiar e que hoje se batem pela vida contra o aborto, nunca fizeram, até hoje, qualquer movimento «Juntos pelo Planeamento Familiar»? Vou explicar-lhe: porque muitos dos movimentos sociais que integram essas forças tiveram, até hoje, e alimentaram na sociedade posições equívocas sobre o planeamento familiar e o uso de contraceptivos.

Aplausos do PS:

Sr. Deputado Bernardino Soares, agradeço-lhe a questão que me colocou e, a esse respeito, quero dizer-lhe o seguinte: a Juventude Socialista podia, de facto, ter insistido nas 12 semanas; eu próprio tornei pública a minha posição pessoal, considerando esse prazo mais adequado. No entanto, as organizações que lidam nó terreno com a realidade do aborto clandestino e os especialistas foram todos coincidentes na sua avaliação do nosso diploma, considerando, tal como nós, que o essencial não é tanto o prazo de 10 para 12 - aliás, a mudança, como reconhecerá, não é significativa - ruas, sim, confiar a decisão à mulher num prazo razoável. Isto ficou salvaguardado no nosso diploma. Portanto, nós, Juventude Socialista, podíamos ter insistido teimosamente nas 12 semanas-,- só que esta lei não é o resultado de uma teimosia autista da JS. Nós tivemos a humildade democrática para evoluir em nome de uma lei que reúna consenso suficiente para ser uma lei da Assembleia da República e não apenas um projecto de lei da JS votado ao fracasso.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CI)S-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada, mas que seja uma verdadeira interpelação.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - É uma verdadeira interpelação, Sr. Presidente..
Sr. Presidente, gostaria de registar que o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto não respondeu, em primeiro lugar, ao Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, em segundo lugar, a mim, e àqueles que, lá fora, legitimamente protestam. Portanto, não respondeu nem a mim nem ao outro Deputado da minha bancada que o interpelou. Vamos presumir que não o fez, porque não é capaz.

Vozes do CDS-PP: - Não sabe!

O Sr. Presidente: - A interpelação não foi tão verdadeira assim, Sr.ª Deputada.
Para apresentar o projecto de lei n.º 417/VII, subscrito pelo PCP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Passado um ano sobre o debate da interrupção voluntária da gravidez, introduzido mais uma vez pelo PCP, pioneiro no tratamento dos graves problemas com que se defrontam as mulheres portuguesas, importa situar algumas questões que, colocando-se a toda a Assembleia, devem, no entanto, ser endereçadas, com especial premência, às Sr.ªs Deputadas e aos Srs. Deputados que contribuíram para a rejeição do diploma do Partido Comunista Português. Aliás, por uma diferença tão pequena de votos que bastaria ter sensibilizado nove das pessoas que votaram contra para se ter conseguido a aprovação do projecto.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - E essas questões são as seguintes: os graves problemas sociais das mulheres que as empurram para o aborto, clandestino, continuam ou não a existir?

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..Continuamos ou não a ter um grave problema de saúde pública decorrente do aborto clandestino?
Sr.ªs Deputadas e Srs. Deputados: A lei que quiseram, manter impediu o recurso à interrupção voluntária da gravidez em condições degradantes e desumanas? E não foi o aborto clandestino, durante o último ano; causa de graves traumatismos físicos e psíquicos e até de morte de mulheres?
Esta lei conduziu. efectivamente à cadeia as mulheres que abortam?
E há aqui uma, pergunta fundamental: querem, ainda hoje, metê-las na cadeia?

Aplausos do PCP.

Adivinho a vossa resposta: hão!
Então, não reconhecem, agora, ter o saber antecipado de que nas vossas mãos está o fim do calvário do aborto clandestino? De que de vós depende ó fim da humilhação das mulheres portuguesas, nomeadamente das que são menos favorecidas economicamente?
A um ano de distância, as palmas que se esboçaram com a rejeição das alterações à lei soam como um estranho requiém sobre as cidadãs deste país, culpabilizadas por todos os que negam às mulheres o exercício pleno de elementares direitos: o direito a uma maternidade consciente; o direito à vida e à liberdade; o direito à saúde; à sexualidade e à intimidade da vida privada, o direito à dignidade!

Aplausos do PCP, do PS e de Os Verdes.

E se a restrição de direitos fundamentais é uma inqualificável forma de violência, que diremos das penas bárbaras, cruéis é degradantes, das penas perpétuas, resultantes da clandestinidade do aborto, com que se punem ás, mulheres?
É ou não uma violência impor a todas as mulheres as convicções pessoais de alguns?
É ou não o Estado que cria um dos mais graves problemas de saúde pública, com a violência que exerce sobre as mulheres?
E é fundamentalmente disto que se trata neste debate: de pôr fim à violência.

Aplausos do PCP, do PS e de Os Verdes.

É que nós não impamos a ninguém as, nossas convicções.
A lei que despenalize o aborto não obriga ninguém a recorrer à interrupção voluntária da gravidez. Mas aqueles que se opõem à despenalização, esses querem impor a toda a sociedade as suas convicções. pessoais, esses querem obrigar as mulheres aos riscos do aborto inseguro!
Por isso, este combate é um confronto entre a tolerância e a intolerância, ...

Aplausos do PCP, do PS e de Os Verdes .

...um confronto entre os que defendem o pluralismo da sociedade e os que aceitam como único modelo aquele que lhes ensinaram e que transforma em crime e pecado toda a conduta que viole as únicas regras de convivência em sociedade, que admitem.
Este é um confronto entre o humanismo e a violência.
Visando resolver os graves problemas de saúde pública criados pela lei penal, o PCP apresentou o seu projecto, ao qual veio associar-se o Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
O PCP considera desajustada - e queremos dizê-lo a pressa que marca este processo legislativo, sem que seja garantido um período razoável de debate público do mesmo, a qual teria, permitido acentuar a justiça dos que se batem contra a intolerância por uma sociedade pluralista, de convivência de todas as. convicções, sem constrangimentos.
O PCP está, no entanto, preparado para o debate.
Depois das audições a que procedeu a Assembleia da República, no ano passado, radicámos algumas convicções, constatando que os princípios que devem presidir à despenalização do aborto se encontravam plasmados no nosso projecto de lei, que, por isso, não alterámos.
Recorde-se, sumariamente, que o PCP propõe á despenalização da interrupção voluntária da gravidez, num quadro legal, quando realizada nos serviços hospitalares ou estabelecimentos de saúde para tanto credenciados, nos seguintes prazos e condições: nas primeiras 12 semanas, a pedido da mulher; até às l6 semanas, nos casos de mãe toxicodependente e para evitar perigo de morte ou grave lesão para o corpo ou saúde física e psíquica da mulher; até às 24 semanas, quando exista o risco de o nascituro vir a sofrer, de uma forma incurável, de HIV e no caso de vítimas de crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, quando forem menores de 16 anos ou incapazes por anomalia psíquica.
Em nossa opinião, são estas as soluções que melhor respondem aos problemas que urge resolver.

Aplausos do PCP e., de Os Verdes.

Com efeito, do que se conhece da doutrina e jurisprudência estrangeiras, da experiência estrangeira da aplicação das leis, concluímos que uma lei de despenalização da interrupção voluntária da gravidez, adequada à realidade portuguesa, deveria obedecer a alguns princípios e recusar outras soluções, tais como: a interrupção voluntária da gravidez deve ser despenalizada nas primeiras 12 semanas, sendo injustificável que se retroceda relativamente ao prazo.
Na realidade, é um facto médico assente que é até às 12 semanas de gravidez que o aborto comporta menos riscos para a mulher, sendo os riscos neste período menores do que aqueles que se correm no parto. Assim, o prazo, de 12 semanas assenta na constatação de que, nesse período, não deve o Estado intervir numa decisão que pertence ao foro íntimo da mulher porque não existem praticamente riscos para a sua saúde.
Sendo assim, não se encontram motivos para um prazo inferior, já que não está em causa a buscado início da pessoa humana, cujo estatuto só se adquire com o nascimento.
E se conjugarmos um prazo inferior a 10 semanas com a passagem obrigatória por centros de atendimento, não poderá acontecer que fique inviabilizado, em certos casos, o recurso à IVG?
Segundo; a decisão compete única e exclusivamente à mulher, pelo que se considera inadequado regredir no que se encontra já hoje legislado, admitindo a possibilidade de vir a ser ouvido, quanto à decisão, o outro progenitor.
Esta admissão representaria um constrangimento insuportável em muitos casos e uma inadmissível pressão sobre a mulher que não sofre de qualquer capitis deminutio.

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Tenham confiança nas mulheres.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

Terceiro, competindo a decisão única e exclusivamente às mulheres, a passagem prévia por qualquer centro de aconselhamento, sujeitá-las-ia a uma insuportável devassa da sua privacidade. Para além do que; sendo tais centros inacessíveis às mulheres de zonas periféricas, elas continuariam a fazer «desmanchos» nas piores condições. Seriam ainda as mulheres menos favorecidas economicamente a ser penalizadas.
Algumas experiências que se conhecem destes centros de atendimento, nomeadamente na Alemanha e nalguns estados dos Estados Unidos da América, colocam justas interrogações. Não poderão servir estes centros para limitar e impedir a liberdade de opção das mulheres? Não poderão contribuir para que a IVG se venha a realizar clandestinamente e já no segundo trimestre, quando começa a correr mais riscos a saúde da mulher? Estes centros - representam ainda, - de qualquer forma, uma grave intromissão do Estado nos direitos humanos das mulheres, quando a ÍVG não apresenta especiais riscos para a sua saúde.
Mantivemos, assim, o nosso projecto de lei porque confiamos nas mulheres portuguesas.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

E apelamos aos Srs. Deputados do PS para que ponderem, com abertura de espírito e sem descabidas reservas político-partidárias, as razões que apresentamos.
Que, fique também claro, mais uma vez: a verdadeira clivagem nesta matéria não é ser a favor, ou contra o aborto. A verdadeira clivagem situa-se entre os que continuam dispostos a conviver tranquilamente com a dolorosa realidade social do aborto clandestino e os que, corajosamente, querem assegurar o indiscutível avanço resultante da progressiva passagem do aborto da esfera da clandestinidade para a esfera da legalidade, da assistência. e da segurança médicas.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

Na defesa da saúde e da dignidade da mulher, continuamos convictos de que as soluções propostas no projecto de lei do PCP são as mais adequadas, além do mais porque são as mais consensuais na doutrina e na legislação comparada.
Que as mulheres portuguesas não sejam penalizadas por arranjos intrapartidários que, nesta matéria, não têm razão de ser.
Fazemos este apelo porque sabemos que são os graves problemas sociais que conduzem as mulheres a uma decisão que as angustia e traumatiza. Porque sabemos, como elas, que uma gravidez indesejada comporta sérios riscos para a saúde física e psíquica de filhos não planeados: Porque sabemos que as mulheres portuguesas recorrem ao aborto como último recurso, na insuficiência ou falência do planeamento familiar.
Enquanto o Estado se arrogar o poder de violentar as mulheres, de tornar a sua fecundidade uma coisa pública, como podem ser erradicados todos os factores de violência sobre as mulheres?

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: O PSD não pode fugir ao debate, invocando uma proposta de referendo que, apresentou há um ano, apenas para obstaculizar a discussão dás propostas então apresentadas.

A Sr.ª Rosa Albernaz (PS): - Tal e qual!

A Oradora: - Rejeitados os projectos de lei, o PSD desinteressou-se do referendo, prova de que o usa, não como uma forma de consulta popular mas apenas como um meio de impedir que a Assembleia legisle com plena legitimidade. Como um meio de adiar a resolução de um grave problema de saúde pública das mulheres.
O PSD sabe que há aqui uma maioria que considera que este grave problema de saúde pública deve ser resolvido sem mais, adiamentos; então, deixe o PSD de «fazer números» para a galeria e assuma esta discussão por inteiro no seu conteúdo, porque é a dignidade, a saúde e a liberdade das mulheres que estão em jogo.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

E são estas questões que dois dos projectos de lei em debate visam resolver.
Assim não acontece, porém, com o projecto de lei subscrito por dois Deputados do Partido Socialista.
A comissão prevista nesse projecto não tem nada a ver com centros de aconselhamento. É uma comissão criada para decidir pela mulher,. para indeferir os pedidos de IVG, uma comissão em que sé inicia um processo administrativo (imagine-se!) que terminará rio Supremo Tribunal Administrativo, com uma passagem pelo Sr. Ministro da Justiça, nomeado «curador do ventre» de todas as mulheres portuguesas!

Aplausos do PCP, de Os Verdes e dos Deputados do PS, Manuel Alegre e António Reis.

Em posição também extrema surge o projecto de lei da Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, servindo uma estratégia individual de afirmação relativamente ao CDS-PP.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Protestos do CDS-PP.

A Oradora: - Foi relativamente fácil a elaboração do projecto de lei. Serviu-lhe claramente de modelo um outro apresentado já em 1995, na Itália, pelo movimento «Juntos pela Vida». Que estranho...!

Risos do PCP e do PS.

A verdade é que, tal como aquele, o projecto de lei não tem qualquer sustentação científica e filosófica consensual e já aqui concitou, como na Itália, protestos e condenações. Da parte de cientistas e juristas. Da parte das mulheres.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

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O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Só contradições!

A Oradora: - Pelas dificuldades insuperáveis que colocaria à procriação medicamente assistida, à investigação científica. Porque se pretende com o mesmo ilegalizar toda e qualquer interrupção voluntária da gravidez,...

O Sr: Nuno Correia da .Silva (CDS-PP): - Mentira!

A Oradora: - ... o projecto segue na linha das tradições que alguns sectores pretendem impor a toda a sociedade.
Mas a tradição, já não é o que era. Porque a ciência avança.

Aplausos do PCP, de Os !Verdes e de alguns Deputados do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A lei não se ocupa da moral privada nem, da imposição da moral. Alguns desejariam que a mesma reflectisse na íntegra os, seus próprios códigos morais. Estes não ouvem as mulheres. Aquelas que foram remetidas a silêncios e palavras sussurradas por campanhas marcadas pelo autoritarismo da moral única e pela intolerância São mulheres humilhadas, marcadas pela angústia e sofrimentos clandestinos; São mulheres vítimas da violência do Estado.
Aqui, não somos mais do que a sua. voz: Aqui, lutamos pela dignidade.

Aplausos do PCP e de Os Verdes, de pé, e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis, para um pedido de esclarecimentos.

O Sr. Nuno., Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, ao contrário de V. Ex.ª, não presumo más intenções da sua- parte.

Vozes do CDS-PP: -.Muito: bem!

O Orador: - Conheço a Sr.ª Deputada, sei a, sinceridade com que se bate por aquilo em que acredita e espero que perceba que há outros pontos de vista e outras sinceridades para além dos seus próprios e, outras pessoas que também sabem bater-se por aquilo em que acreditam.

Vozes do CDS-PP: -- Muito bem!

O Oradora: - No ano passado, depois do debate, lembro-me perfeitamente que, no corredor; disse à Sr.ª Deputada que o importante era que a justiça: social em Portugal tivesse ganho, alguma coisa. Disse-lhe ainda que iria empenhar-me, em que dão se iniciasse um ano perdido. Fiz o que me foi possível, junto de todas as instituições, para alterar uma situação intolerável que continua a existir no nosso país.
Sei Sr.ª Deputada que ao contrário do que Quis fazer acreditar na sua, intervenção, este drama ,não se limita ao aborto clandestino. Este, passa por outras situações.
Passa pela situação económico-social de grande parte do nosso povo; de muitas mulheres que não têm sequer tempo disponível para irem às, consultas de planeamento familiar, isto, admitindo que estas funcionavam, admitindo que, para lá de intenções, existiam também equipamentos, pílulas, dispositivos intra-uterinos, aconselhamento eficaz para o planeamento familiar.
A Sr.ª Deputada sabe tão bem quanto eu próprio que o Estado não investiu um tostão nisso. A Sr.ª Deputada sabe tão bem quanto eu próprio que este é um Estado imoral, que quer resolver este problema da maneira mais fácil, isto é, calando a vida daqueles que ainda não têm voz.
Sr.ª Deputada, espero que acredite que a minha sinceridade em querer acabar com o sofrimento de tantas mulheres injustamente tratadas neste País não é inferior à sua. Toda a minha vida o demonstra, não só as minhas palavras de hoje.
Mas o que não posso aceitar de maneira nenhuma é ouvir, como hoje ouvi, no Fórum dá TSF, o Director dos Serviços de Obstetrícia do Hospital de Santa Maria descrever o que seria a hecatombe que cairia sobre os hospitais se este projecto de lei fosse aprovado, hospitais onde não há meios onde, já hoje, para consultas de oftalmologia e dentárias, há esperas intermináveis de doentes.
Assim, pergunto-lhe que sentido tem estarmos aqui a falar em 10 ou 12 semanas quando sabemos que as esperas irão levar a situações dê aborto, mesmo voluntárias, mesmo autorizadas, mesmo legais, efectuados não às 12 mas talvez às 36 semanas ou mais. Nesse caso, será ainda legítimo? Não estaremos todos a enganar-nos uns aos outros? Não estaremos todos a desculpar um Estado que tem culpas e deve assumi-las? Não estaremos a querer resolver um problema, enveredando por um caminho em que ele não tem solução?
Sr.ª Deputada, esta é a preocupação que aqui deixo e que cresceu em mim quando ouvi a sua intervenção.
Não duvido da sua sinceridade, Sr.ª Deputada. O tempo dirá se esta solução conduz a alguma coisa ou se não vai agravar muito mais a situação e, desculpabilizar aqueles que deveriam sentir-se responsáveis.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto para um pedido de esclarecimentos.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (ÇDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, neste debate, em que mais ninguém lhe faz perguntas senão o Partido Popular, começo por pedir-lhe que tenha alguma paciência.

O. Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Só vocês é que precisam de ser esclarecidos!

A Oradora: - Não- sei se já estão todos esclarecidos ou se ninguém quer esclarecer-se!
Mas nós queremos esclarecer-nos!
E, primeiro, arrumo já a questão pessoal que a Sr.ª Deputada me «atirou» da tribuna para podermos passar a coisas mais importantes.
Quero dizer à Sr.ª Deputada que, nestas matérias, não tenho estratégias pessoais. Tenho convicções e tenho dúvidas. E tenho, há muito, tempo, a capacidade de estar sozinha, sozinha naquilo em que acredito!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Se eu acreditasse noutra coisa, estaria sozinha nesta bancada, acreditando nessa outra coisa. Penso

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que o que aqui trouxe, fi-lo acompanhada .peia minha bancada. Não tenho estratégias pessoais. Sou uma pessoa que sempre se bateu por aquilo em que acredita, que sempre assumiu o ónus e o risco disso mesmo, que sempre teve muitas convicções, mas que sempre teve muitas dúvidas - felizmente! É na base das dúvidas que queria dizer-lhe algumas coisas.
Há. alguns paradoxos neste debate que é importante esclarecer. É que não faz mal nenhum termos posições diferentes, é até razoável e normal.
Não entendo se a Sr.ª Deputada valoriza ou não a vida humana intra-uterina. Está no direito de não a valorizar, ou pode valorizá-la; pode valorizá-la só a partir de um certo número de semanas de gravidez ou, nunca a valorizar. Nessa circunstância, o prazo de 12 semanas de gravidez significa o limite a partir do qual há um risco grande para a saúde da mãe no acto abortivo.
Esta é, pois, a primeira questão que queria colocar-lhe, porque julgo que é importante «separar estas águas» a Sr.ª Deputada diz que não há vida humana intra-uterina, há uma vida qualquer, e eu digo-lhe que não é assim que penso. E também devo dizer-lhe que não penso assim por acaso. Penso assim sustentada por muita gente, sobretudo, por aqueles que mais podem talar nesta matéria, que são os que estão na área da ciência.
Em segundo lugar, no caso de a Sr.ª Deputada valorizar a vida intra-uterina, gostaria que me explicasse perante que deve ceder. Já temos uma legislação aprovada, que consagra um conjunto de casos em que, claramente, se faz uma ponderação entre interesses, ou direitos, conflituantes, e, agora, pergunto-lhe se entende que deve ceder-se perante o fenómeno do aborto clandestino. Deve ceder-se perante a saúde pública ou perante a liberdade que a mulher pode ter de dispor do seu corpo?
Estes são dois pontos que me parecem muito importantes, nomeadamente porque, se se ceder em nome da saúde pública, então, supondo que, um dia, conseguiríamos não ter aborto clandestino, esta lei não faria falta. Por outro lado, se a cedência for feita perante a liberdade da mulher de dispor do seu próprio corpo, então, esta lei manter-se-ia permanentemente necessária.
Gostaria de saber se a Sr.ª Deputada tem alguns dados quanto à avaliação que foi feita nos países onde se consagrou a liberalização do aborto, como, por exemplo, a de alguns relatórios da Organização Mundial de Saúde. Faço-lhe esta pergunta, não no sentido de contraditar as suas posições mas apenas no de se reflectir um pouco sobre se a liberalização é a única resposta ao aborto clandestino ou se, pelo contrário, este é um fenómeno social que, pela Sr. Deputado! sua natureza, conduz sempre a alguma ocultação.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Finalmente, pergunto-lhe se a Sr.ª Deputada afasta completamente qualquer mobilidade de mortalidade do aborto, mesmo medicalizado, isto é, se não estaremos a dar a ideia, para o exterior e para as pessoas menos informadas, de que o acto abortivo, feito num hospital, é um acto sem quaisquer consequências, quer psíquicas quer físicas, para a mulher.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. João Amaral (PCP): - Ó Sr.ª Deputada, falta-lhe o Sr. Deputado Morgado! Com ele cá é que isto tinha graça!

Risos do PCP e do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, penso que os juízos de intenções que fez quanto aos que são contra o projecto de lei do Partido Comunista não são correctos nem justos.
Sr.ª Deputada, não sei se a tradição já não é o que era, mas uma coisa quero dizer-lhe: eu não «vou em modas»! Não é por uma questão de moda que abdico das minhas convicções e a Sr.ª Deputada deve respeitá-las como eu próprio respeito as suas.
Em abono da verdade, diga-se que a posição do Partido Comunista Português é a mais coerente com a ideologia que perfilha e com aquilo que sempre disse. O Partido Comunista entende que ò Homem deve estar ao serviço da sociedade e, portanto, a sua utilidade é relativa, nós entendemos que a sociedade deve estar ao serviço do Homem e, portanto; nunca podemos questionar a sua utilidade. É uma questão de ideologia, é uma questão de posição! Nós temos a nossa, a Sr.ª Deputada Odete Santos tem a sua!
Mas, Sr.ª Deputada, aquilo que me leva a pedir-lhe esclarecimentos é o que disse, há pouco, naquela tribuna e que me incomodou. A Sr.ª Deputada disse que o seu projecto, o projecto que permite o aborto livre, surge em nome da dignidade da mulher. Porquê, Sr.ª Deputada? É menos digna aquela mulher que não pode ter o filho mas que o tem, apesar das condições económicas, apesar das dificuldades; do que aquela que aborta? De que dignidade estamos a falar, Sr.ª Deputada? É menos digna a mulher que tem o filho e que não lhe pode dar aquilo que alguns entendem que é o nível de bem-estar, aquilo que alguns já qualificam de «qualidade de vida»'? Sim, porque já ouvi alguns dizerem que a vida em si não tem valor absoluto, o que interessa é a qualidade de vida. Em que sociedade estamos?!... Onde vamos parar?!...
Onde começa e onde acaba a qualidade de vida, Sr.ª Deputada? De que dignidade está a senhora falar? Não têm dignidade aquelas mães que tiveram 7, 8, 9 ou 10 filhos, com dificuldades, mas que os criaram? Se não têm dignidade social, não sei de que dignidade está a falar, Sr.ª Deputada!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ninguém disse que não,

O Sr. Presidente: -- Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, o Partido Comunista apresenta hoje aqui um projecto de lei idêntico ao que apresentou no ano passado e já no ano passado ele me suscitou uma reflexão que penso que convém apresentar, para a total, correcta e clara delimitação deste debate.
Na verdade, o projecto de lei do Partido Comunista Português, além de declarar não punível a interrupção da gravidez nas primeiras 12 semanas, acaba por declarar não punível, por parte da mulher, a interrupção da gravidez a qualquer tempo. É que, para além do artigo 142.º do Código Penal, que, normalmente, é alterado por quem defende o alargamento dos casos em que a interrupção da gravi-

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dez, não deve ser, punida - e VV. Ex.as também o alteram -, o Partido Comunista não se fica por aí e elimina o n.º 3 do artigo 140.º do Código Penal, que é a norma que mantém a punibilidade do aborto para além dos casos em que o próprio Código estabelece que não é punível. Ao eliminar esta disposição, o Partido Comunista retira do Código Penal a possibilidade prática de incriminar uma mulher que interrompa a gravidez para além dos limites que VV. Ex.as definem na vossa proposta para o artigo 142.º do Código Penal. Ora, como, do mesmo passo, os senhores mantêm os n.os 1 e 2 desse artigo, que dizem respeito à incriminação do médico que pratique a interrupção voluntária para- além dos limites em que o Código prevê que não é punível, isto significa que, para além dos limites que VV. Ex.as defendem - eu não os defendo, pelo que votarei contra -, o vosso projecto de lei acaba, exactamente, nem mais, nem menos, por fomentar o aborto clandestino.
Convém, que fique claro que, a partir do momento em que, além de mexerem no artigo 142.º, VV. Ex.as mexem no artigo 140.º, eliminam qualquer incriminação para uma interrupção de gravidez a qualquer tempo.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não sabe ler o Código!

O Orador: - Isto tem de ser dito e tem de ficar claro! E, ao mesmo tempo que eliminam essa incriminação a qualquer tempo durante a gravidez, mantêm a incriminação para os médicos.
Sr.ª Deputada, ao contrário do que VV. Ex.ª dizem, o vosso projecto permite, para vos citar, na vossa proposta de artigo 142 º, a intensificação do aborto clandestino a partir dás 12 semanas de gravidez. Portanto, ou isto está mal feito ou VV. Ex.as querem uma coisa diferente daquilo que dizem!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ou V. Ex.ª não sabe ler o Código!

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram dirigidos, dispondo de 5 minutos para a o efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, as primeiras questões que me foram colocadas vieram da parte do Sr. Deputado Nuno Abecasis, que, esta manhã, já tive ocasião de ouvir chamar «cínicos» aos Deputados do Partido Comunista Português.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Não, não! Ouviu mal!

A Oradora: - Até agora recuou na sua posição!

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Não, não!

A Oradora: - É verdade! Disse que actuávamos com cinismo.
Sr. Deputado Nuno, Abecasis, quando ouço falar na questão do, planeamento, familiar por parte da sua bancada, sabe do que me lembro? Calcula, não ,é verdade?! E calcula porque na sua bancada que se encontram aqueles que mais estiveram contra o planeamento familiar, como disse o Dr. Albino Aroso, no ano passado, num jornal. Os senhores só ficam aflitos e trazem o planeamento familiar à colação, quando se discute a interrupção voluntária da gravidez. E mais nada, Sr. Deputado Nuno Abecasis!

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

Protestos do CDS-PP.

Sr. Deputado, no ano passado, também ouvi dizer, muitas vezes, que se iam resolver os problemas sociais das mulheres portuguesas. De repente, houve um grande empenhamento, mas, afinal, o que é que fizeram? O que é que conseguiram? Nada! E o problema continuou! Mas os problemas sociais das mulheres também não se resolvem de um momento para o outro, muito menos quando é o Estado que dá o mau exemplo de exercer violência em relação às mulheres.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

Protestos do CDS-PP.

Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, V. Ex.ª percebeu mal a questão da dignidade. É que a dignidade reside na liberdade de opção, Sr. Deputado!

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do CDS-PP: - Tal qual! Por opção!

A Oradora: - Portanto, tão digna é a mulher. que resolve ter 10, 12 ou 15 filhos como a que exerce a liberdade de opção de abortar, porque entende que não tem condições para ter aquele filho. E, se não tem as condições, não é por culpa sua, é por culpa do Estado!

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

Protestos do CDS-PP.

Depois, Srs. Deputados, e creio que esta questão foi colocada pelos três; é evidente que todas as pessoas têm direito a ter as suas convicções. É óbvio que sim! Mas há uma diferença bastante grande entre os senhores e a nossa bancada: nós não impomos a ninguém as nossas convicções! E é preciso que se repita que uma lei que despenalize a IVG não obriga ninguém a abortar mas o que os senhores querem é obrigar as mulheres ao aborto clandestino.

Aplausos do PS, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

Esta é a grande e mural diferença entre nós, entre os que defendem a tolerância, contra os que defendem a intolerância!
Antes de responder ao Sr. Deputado Jorge Ferreira e à Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, sempre lhes quero perguntar, já que estão tanto, tanto a favor do progresso, como dizem, pois dizem que não são. tradicionalistas, por que não entram no combate a favor da pílula RU486, que combate o cancro da mama e cuja investiga-

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ção pode ser desenvolvida para a cura de toxicodependentes da morfina? Sabe por que é não desenvolvem esse combate? Porque essa pílula pode libertar as mulheres dos dramas do aborto cirúrgico e porque os senhores, ao fim e ao cabo, estão na posição da Frente de Le Pen, que, nos seus concelhos, proibiu a comercialização dessa pílula.

Protestos do CDS-PP, batendo com as mãos nas bancadas.

É verdade, Srs. Deputados! Estão a assumir a mesma posição!

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Por quê baixar o nível do debate?! Não vale a pena insultarmo-nos uns aos outros!

A Oradora: - Passemos adiante...
O Sr. Deputado Jorge Ferreira colocou uma questão jurídica e, na altura, em aparte, disse-lhe que isso resultava de uma leitura incompleta do Código Penal.
Mas o Sr. Deputado sabe, com certeza, pois sei que conhece estas coisas, que, efectivamente, nos crimes sem vítima estabelece-se uma cumplicidade entre a vítima e o agente do crime. Ora, como este «crime» é um crime sem vítima, cortada essa cumplicidade, despenalizando a mulher, há, de facto, possibilidade de se debelar o aborto clandestino.
Por outro lado, Sr. Deputado, conjugue o artigo relativo ao crime de abono com o artigo relativo ao infanticídio e verá que sempre que a morte ocorra no processo de nascimento deixamos de estar perante um crime de aborto e passamos a estar perante um crime de infanticídio.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Não foi disso que falei!

A Oradora: - Por essa via, concluirá que o nosso projecto de lei não pretende nada daquilo que o senhor referiu.
Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, concordo com o facto de podermos ter convicções diferentes, só que a Sr.ª Deputada quer impor as suas convicções à sociedade e nós não queremos.

Vozes do CDS-PP: - Porque não vos deixaram!

A Oradora: - A respeito do seu projecto de lei, cientificamente, não tem apoio senão naqueles que, por motivos filosóficos, e que respeito, seguem a sua posição. Mas sabe que uma comissão existente na Inglaterra, a Comissão Warnock, debruçou-se sobre o assunto, em 1984. e a solução dessa Comissão foi totalmente oposta àquela que a Sr.ª Deputada encontra no seu projecto!?

Aplausos do PCP, de Os Verdes e da Deputada do PS Rosa Albernaz.

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental de defesa da honra da sua bancada, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, muito rapidamente, quero apenas dizer que considero lamentável que não seja possível manter um debate destes no nível que esta Assembleia e o estatuto de todos nós merecem.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Quero dizer à Sr.ª Deputada Odete Santos o seguinte: se eu pensasse que a Sr.ª Deputada tinha o exclusivo fosse do que tosse - o exclusivo, da pena, o exclusivo da humanidade, o exclusivo do direito penal, o exclusivo da ciência - nem aqui estava. Mas a Sr.ª Deputada não o tem e eu também não o tenho! Agora, sabe o que é que diminui, em muito, este debate? É que a senhora fala de coisas que, eventualmente, não sabe ou de. que deseja falar desse modo, embora sabendo o resto, e eu, por acaso, não faço isso.

Vozes do PS: - Por acaso!...

A Oradora: - O que falta aqui é, de tacto, um respaldo para os assuntos que são técnicos, para os assuntos que são científicos, para os assuntos que são jurídicos. O que sucede aqui, e que está errado; é que os Deputados fazem de tudo! O debate, aqui, deveria ser político e quem aqui viesse deveria trazê-lo sustentado. Pela minha parte, Sr.ª Deputada Odete Santos, tenho-o todo sustentado, porque o meu projecto não é um projecto com o qual concordem os meus amigos - tire daí o sentido -, o meu projecto é um projecto com o qual concordam pessoas com grandes responsabilidades na sociedade portuguesa, repartidas por vários sectores importante, desde o jurídico ao científico, e é um projecto que tem precedentes noutros ordenamentos jurídicos. Aliás, a defesa do estatuto jurídico do embrião é um assunto de inquestionável importância.
É fácil fazer um debate destes! A Sr.ª Deputada pode continuar a insultar, pode invocar o Le Pen, pode fazer, o que quiser. Uma coisa fica certa e perfeitamente clara para todos os que nos estão a ouvir: a senhora nada mais tem a dizer sobre o assunto!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): -.Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, estou de acordo consigo na parte em que diz que os Deputados devem ter apoios nesta Assembleia para discutirem ás coisas, mas também, enfim, tenha a humildade de pensar que não é só aí que se recolhem os documentos.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Nem aí!

A Oradora: - Devo dizer-lhe que tenho um dossier sobre os debates que tiveram lugar na Itália, a este respeito, desde 1995 até hoje, os quais até deram origem à elaboração de um manifesto, chamado o Manifesto da Bioética Laica, assinado por um professor de Filosofia, assinado por um jornalista, assinado por um cientista e mais não sei quem, e também tenho aqui as intervenções do movimento «Juntos pela Vida» de Itália; bem como as' dos que estavam conta isso.
Portanto, Sr.ª Deputada, fará ó favor de reconhecer caramba! - que hão é só para aí que vai a busca da verdade.

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Risos do PCP e do PS.

Nós também, gostamos de procurar e de nos informar! De maneira, que, Sr.ª Deputada, de facto, tem razão quando diz que não temos o exclusivo, porque efectivamente não o queremos ter. E porque não queremos ter o exclusivo, não queremos obrigar ninguém a abortar. Mas os senhores querem Ter o exclusivo da verdade e da moral e querem obrigar as mulheres a ir para o aborto clandestino.

Afinal, quem tem o exclusivo?

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mário José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente Srs. Deputados antes de iniciar a minha intervenção, aproveito para lembrar aqui que, sendo nós uma bancada minoritária, contudo, tivemos a preocupação de fazer um debate de urgência sobre o planeamento familiar, rio qual não deixámos quê as coisas se perdessem no vago, apresentámos problemas concretos e soluções simples dentro do quadro legal existente, também apresentámos uma lei de bases da família que se prende em muito com as condições que á família devia ter em Portugal e não tem e apresentámos, ainda e com mais êxito, felizmente!, medidas concretas sobre a paternidade e a maternidade de crianças deficientes. Para um partido que é minoritário, não acho mal, Sr.ª Deputada Odete Santos! Isto significa que não falámos nestas questões apenas e só quando há um debate sobre o aborto, mas que as temos presente, quer no nosso trabalho parlamentar, quer naquele que partidariamente fazemos junto das pessoas.
É por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que é com muita, inquietação que, um ano depois, subo a esta tribuna para reafirmar a minha esperança na natureza humana. Inquietação que não radica nessa esperança; muito pelo contrário, radica, sim, nos sinais de uma capitulação que este novo debate confirma e acentua. Capitulação na defesa do valor essencial da vida, capitulação na luta contra as desigualdades evidentes na oportunidade de, uma maternidade, consciente e feliz; capitulação, no entendimento exigente e responsável da liberdade, capitulação nos desafios que horizontes impensados abertos pela ciência e as novas tecnologias colocaram ao homem, a cada homem, e a todas as comunidades civilizadas neste final de século e que se traduzem na capacidade de tudo pôr ao serviço do valor maior. Da dignidade humana.
Acresce ainda o sentimento da ilegitimidade deste debate, debate que dois partidos políticos relançam ao abrigo de meras disposições regimentais, sobre uma sociedade cujas verdadeiras preocupações não se auscultam, cujos verdadeiros problemas não se resolvem.
Quem, em defesa do prestígio desta Assembleia, órgão de soberania que todos, de pleno direito, integramos, esclarecerá os portugueses sobre esta dúvida pertinente: o que é que, de realmente importante e novo, os fez mudar de opinião? Fazer tábua rasa, de uma manifestação de vontade clara sobre uma matéria essencial, aqui democraticamente tomada, em 20 de Fevereiro de 1997? O que é que, entretanto, realmente aconteceu?
Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: Nada!

Neste momento, regista-se burburinho na Sala.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, dê-me: licença que a interrompa porque há muito ruído na Sala, algum feito pelos Srs. Deputados, mas outro por quem está nas galerias.
Peço a todos o favor de ouvirem em silêncio quem está no uso da palavra.

A Oradora: - Sr: Presidente, é sempre mais difícil ouvir um discurso discordante. Deve ser por isso.
O que discutimos hoje é o valor da vida humana: Ao contrário do que alguns pretendem, não discutimos a pobreza, não discutimos a desigualdade, não discutimos a liberdade, não discutimos a relação da mulher com o seu corpo, ou as cifras negras do aborto clandestino ou sequer a saúde pública. Discutimos, sim, repito, o valor da vida humana. O que, convenhamos, torna este momento extraordinário e insólito, podendo ocorrer hoje aqui a mais infundada e obscurantista decisão que este Parlamento jamais tomou.
É neste quadro e em contracorrente, certamente e infelizmente em contracorrente, que o CDS-Partido Popular apresenta o projecto de lei n.º 448/VII, que tem como objectivo fundamental a criação de um estatuto jurídico do embrião como primeiro estádio da vida pré-natal. Com efeito, a vida humana começa no momento da concepção e desenvolve-se, sem saltos de qualidade, numa continuidade permanente até à morte. E um facto cientificamente demonstrado e consequentemente aceite. Não vale a pena negá-lo.
Questão diferente, muito diferente, é a saber o que se faz com este facto e como as sociedades, o poder político e a ordenamento jurídico vão gerir este novo dado essencial do conhecimento, a saber, que a vida humana intra-uterina é, afinal, uma fase da vida humana, prévia ao nascimento. Aqui, e naturalmente, muitas são as perplexidades que assaltam .os mais responsáveis nos processos de decisão.
Por um lado, a comunidade médica avança - e bem - pelos caminhos da fecundação in vitro, da medicina fetal, da medicina preditiva, da terapia genética. Por outro, a comunidade científica como um todo, alerta para a
ambivalência - de revolução e drama - do conhecimento integral do genoma humano com todo o cortejo de consequências já previsíveis e algumas - ainda inimagináveis. A criança que cresce na cavidade uterina - feto,- que do latim significa, como se sabe, criança pequena - é hoje uma realidade visível e vista, observável e observada, tratável e tratada, com identidade própria. Não é uma abstracção, é uma realidade. Já não é oculta, mas sociabilizada.
Neste sentido vai o disposto na Recomendação n.º 1046, da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, de 24 de Setembro de 1986, afirmando que a vida humana se desenvolve de forma contínua, desde a fecundação do óvulo e que não é possível estabelecer distinções durante as primeiras fases (embrionárias) desse desenvolvimento e, consciente de que o progresso tecnológico fragilizou a condição jurídica do embrião e do feto, uma vez que ò seu estatuto jurídico não está protegido por lei, considerou que tanto o embrião como o feto devem beneficiar, em todas as circunstâncias, do respeito devido à dignidade humana.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

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A Oradora: - Com base nos mesmos fundamentos, refiro os acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional italiano em 1975, pelo Tribunal Constitucional alemão em 1975 e 1993, pelo Tribunal Constitucional espanhol em 1985 e a Resolução do Parlamento Europeu em 1989.
Enquanto, por todo o mundo, se discute a melhor forma de proteger social e juridicamente esta criança pequena, hoje, aqui, neste Parlamento, a ordem do dia impõe a discussão de saber se vamos legalizar a interrupção brutal e fatal do seu desenvolvimento e crescimento. Parece-nos a nós tão irónico e aberrante como subscrever a decisão do Supremo Tribunal de Justiça americano que, em 1857 decidia «um negro é vida, mas não é pessoa».
Quisemos por isso estar presentes com uma iniciativa legislativa que abra as portas de um debate sério sobre uma matéria da maior actualidade e oportunidade e não, como alguns insistem em fazer crer, com o objectivo de inviabilizar os casos de IVG já previstos no artigo 142.º do Código Penal. A proposta de reconhecimento da personalidade jurídica do ser humano desde a concepção não tem relação alguma directa ou necessária com as questões da licitude penal da interrupção da gravidez.
A questão da interrupção da gravidez é uma questão de direito penal e consiste em saber quando é e quando não é punível o aborto voluntário. A questão do reconhecimento da personalidade jurídica do nascituro é basicamente de direito civil e consiste em. saber como organizar a regulamentação das normas de protecção jurídica. do nascituro, que toda a gente reconhece que são hoje necessárias em domínios cada vez mais amplos.
A questão civil só agora as põe, por causa da extraordinária, revolução científica e tecnológica em curso - da manipulação genética à clonagem, das - terapêuticas intra-uterinas à cirurgia fetal. A questão penal da interrupção da gravidez, essa, pôs-se sempre, sem que o nascituro tivesse personalidade jurídica civil, e sempre se porá, quer o nascituro tenha personalidade jurídica civil, quer não a tenha. Basta dizer que, no passado, as leis penais puniam o aborto em casos que legislações contemporâneas de certos países despenalizam e, todavia, nunca para isso tiveram de declarar a personalidade jurídica do nascituro.
Por outro lado, a inversa também se dá. É que o reconhecimento da personalidade jurídica do nascituro não determina as soluções da questão penal do aborto, nem impede, que o legislador penal declare que a interrupção voluntária da gravidez não é punível, com maior ou menor amplitude. No limite, assim como no passado as leis penais proibiam a interrupção voluntária da gravidez, sem que a lei civil reconhecesse a personalidade jurídica do nascituro, também agora a lei penal, se for caso disso, poderá permiti-la mais ou menos amplamente, sem prejuízo de a lei civil reconhecer a personalidade jurídica.
E esta posição é sustentada por penalistas e civilistas de reconhecido mérito, considerando nós inaceitável e abusivo atribuir ao nosso projecto intenções, para mais sub-reptícias, que não presidiram nem ao espírito da sua elaboração, nem do seu agendamento. Sabemos que para muitos é ainda cedo. Temos consciência de que, hoje, aqui se misturam questões, umas que chegam depois do tempo, outras quiçá antes de tempo. A história julgará a oportunidade de umas e de outras.
Poderiam os proponentes dos projectos pró-abortistas evocar razões que, embora não modificando a essência da questão - a vida humana ou é ou não é, ou se valoriza ou se desvaloriza -,justificassem, contudo, preocupações que, assentes em valores, interesses ou direitos conflituantes, pudessem ser trazidas à discussão parlamentar, porque traduzindo uma consciência social fundamentada e interiorizada desse conflito. Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é de facto assim. Estes projectos consagram um poder absoluto e discricionário da vontade de um sobre a vida do outro.
Na impossibilidade de, passados que são 30 anos sobre a década de 60, reafirmar aqui o absurdo do valor de uma liberdade absoluta da mulher sobre o seu corpo, os proponentes acabam por se refugiar atrás do conceito vago, de falta de condições sócio-económicas, motivos, psicológicos, o todo assente em argumentos como o flagelo do aborto clandestino e os riscos para a saúde pública a que uma sociedade solidária não pode deixar de ser sensível.
E este é outro ponto extraordinário que convém referir. A esta sociedade, manipulada na sua boa fé, os Deputados proponentes, responsáveis, também eles pela ausência de medidas que combatam efectivamente as desigualdades sócio-económicas, que colmatem a falta de formação e informação das mulheres e das famílias, que criem condições mínimas para uma vida digna, esses Deputados trazem hoje uma proposta surpreendente: a da liberalização do aborto como resposta social...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É importante que, se diga hoje e aqui o que significará, numa sociedade desenvolvida que, não recusa antes quer reforçar a sua matriz civilizacional, a aprovação destes projectos. Significa inequivocamente instituir como regra o desvalor absoluto da vida humana pré-natal. Um precedente gravíssimo considerando as vicissitudes do percurso de um ser humano até à velhice e morte, abrindo a porta a graduações de vida humana, mais ou menos importante, mais ou menos útil, mais ou menos sustentável. Até nos perdermos todos, sem norte nem referências, apagando o longo percurso de civilização que nos deu a certeza, o entendimento e a prática da igualdade de valor e dignidade de toda a vida humana. Como virá, então, a discutir-se aqui um dia a eutanásia de pessoas inutilizadas a cargo de famílias sem recursos e condições? E quanto tardará essa discussão?
Mas a liberalização do aborto é uma falsa solução que desrespeita a mãe e o filho. A mãe, porque o aborto, mesmo, medicalizado, constitui de facto uma violência física e moral a que as mulheres têm o direito de ser poupadas; o filho, porque ninguém lhe pode tirar o direito a nascer e crescer em nome de problemas conjunturais, cuja solução está manifestamente noutras sedes. Empurra as mulheres para soluções dramáticas, explorando uma situação de fragilidade num contexto de poucas respostas sociais. Transforma os hospitais em centros de atendimento social, através de IVG's sem qualquer indicação terapêutica, desvirtuando a função dos profissionais de saúde.
Os projectos n.os 417 e 451/VII não estabelecem' um novo direito oferecido à mulher portuguesa. Estabelecem, sim, um conjunto de princípios, sem nenhuma eficácia quanto aos objectivos propostos, mas de teor altamente destrutivo e desmoralizante: o princípio do desprezo como regra - pelo valor essencial da vida; o princípio da desistência da dignidade humana; o princípio da negação de factos científicos irrefutáveis; o princípio da consagração da irresponsabilidade de cada um na orientação da sua vida - da irresponsabilidade da comunidade nacional no dever de solidariamente dar respostas aos problemas dos mais fracos e pobres.
O nosso projecto de lei, pelo contrário, alerta para as grandes questões que o futuro nos colocará e procura empreender o caminho da necessária clarificação do es-

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tatuto jurídico do ser humano ainda não nascido. No modo, aliás, como o nosso Direito moderno tem consagrado os valores da vida e da pessoa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estou aqui como cidadã de uma sociedade justa. Portugal é uma sociedade justa, não obstante carências e desequilíbrios vários que a consciência colectivas não desistiu ainda de combater. Uma sociedade justa não aprova leis injustas.
É em nome dessa, sociedade a que pertencemos e que também representamos que, a minha bancada e eu própria dizemos hoje aqui «não»

Aplausos do CDS-PP

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (P CP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, afirma a Sr.ª Deputada que o projecto de lei que subscreve é inovador e deixará estupefactos os seus netos e bisnetos.
Quanto ao, estupefacto terá á Sr.ª Deputada toda a razão. Ainda hoje, netos e bisnetos de Galileu assim continuam estupefactos, perante á hipocrisia e a humilhação que convicções morais de alguns impuseram à realidade do mundo.

Vozes do PCP: - Muito- bem!

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - É preciso Ter descaramento!

A Oradora: - Quanto ao carácter inovador, a Sr.ª Deputada, sabe que é falso. Mas também aqui há que distinguir entre quem sabe á verdade e a quer escondida e quem, involuntariamente, percorre os caminhos da ignorância. Como a Sr.ª Deputada não pode ter subscrito ó seu projecto, nem ter vindo para este debate de olhos fechados e ouvidos moucos, só pode integrar o primeiro pelotão.
A Sr.ª Deputada sabe que a Assembleia da República está a debater a despenalização do abordo num conjunto limitado de situações, no entanto, anuncia que se discute a liberalização do aborto e combata-o com a pena de morte.
A Sr.ª Deputada sabe que aprovados os projectos de lei do Partido Comunista Português e, da Juventude Socialista nenhuma mulher é obrigada a abortar pondo em causa convicções de qualquer índole...

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: ...no entanto, a Sr.ª Deputada faz questão de afirmar leis, e de querer que as suas convicções se transformem em lei do Estado e com elas obrigar todas as mulheres a pensar pela sua cabeça.
A Sr.ª Deputada sabe que à Assembleia da República está a realizar um debate sério sobre um problema gravíssimo de saúde pública que atinge milhares de mulheres - o aborto clandestino - e que, cumulativamente, se têm vindo a aprovar medidas para combater as causas; no entanto a Sr.ª Deputada quer silenciar as consequências; como,. se não houvesse mulheres mortas, amputadas, condenadas física e psicologicamente. Foi assim que reagiu a sociedade medieval à peste negra.
A Sr.ª Deputada sabe que só o direito a uma maternidade consciente e feliz é capaz de defender e proteger o embrião, o feto e naturalmente a criança; no entanto, a Sr.ª Deputada propõe exactamente o contrário às - Mulheres portuguesas - uma maternidade obrigada e penalizada, sabendo que está a condenar o embrião, o feto è, naturalmente, a criança.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - A Sr.ª Deputada sabe que o projecto do PP tem um único objectivo - a penalização das mulheres em toda e qualquer circunstância. Às que optarem pela interrupção voluntária da gravidez a Sr.ª Deputada acusa-as de utilizarem uma «licença para matar», às que optarem pelo aborto clandestino de duas, uma: ou fecha os olhos, ou coloca-as na prisão; às que optarem pela continuidade da gravidez, o PP oferece-se para votar, como já o fez aqui, contra as iniciativas legislativas que discriminam positivamente as mulheres na área laboral ou aquelas outras que protegem a maternidade e defendem o planeamento familiar.

Vozes do PCP: -.Muito bem!

A Oradora: - Sr.ª Deputada, ter um filho é exclusivamente para o PP e para a Sr.ª Deputada um dever? E o direito, a liberdade de escolha da mulher não lhe merece respeito? Considera-se a Sr.ª Deputada legitimada para perseguir e dar ordem de prisão a todas as mulheres portuguesas que não perfilhem as suas convicções?

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, eu não ouvi tudo o que a senhora leu, mas parece-me que fixei o essencial. E o essencial é sempre o mesmo, desde o princípio deste debate, que não é importante. Aliás, é um debate triste, como se pode constatar se, olharmos para a quantidade de gente desinteressada que se encontra nesta Câmara, debate esse que já tem um fim marcado. Contudo, orgulho-me de estar a presidir a uma bancada que não deixou ainda que o debate morresse!
Mas, Sr.ª Deputada, penso ter retirado o essencial do seu pedido de esclarecimento é isso é o que está á balançar entre as nossas duas bancadas. É que a questão é só uma e é a seguinte, não vale a pena iludir-nos: se a senhora é á sua bancada não valorizam a vida humana intra-uterina, estão no seu direito, mas a senhora não pode é dizer que a valorização da vida humana intra-uterina é uma fantasia minha, porque eu não - sou assim tão importante, Sr.ª Deputada! Não é uma fantasia minha e a senhora sabe isso perfeitamente! Hoje, ávida humana intra-uterina tem um enfoque completamente- diferente exactamente devido ao progresso científico e tecnológico, que veio levantar muitas questões que terão, certamente, repercussão política, no bom sentido da palavra, isto é, nó sentido da polis, bem como no do ordenamento jurídico. No entanto; - contra essa evidência, é-lhe legítimo dizer «Não. Eu não valorizo a vida humana intra-uterina».
Hoje, ouvi o Dr. Álvaro Cunhal dizer que é tudo igual como há 50 anos atrás.

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Vozes do PCP: - Não é verdade! Isso não é verdade!

A Oradora: - Quer dizer, o Dr. Álvaro Cunhal não percebeu que nestes 50.anos muita coisa mudou e essas coisas não se prendem...

Protestos do PCP.

Calma! Calma aí!

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Não gostam de ouvir, não é verdade?!

A Oradora: - Mas há uma coisa que é muito importante deixar claro: aquilo que se modificou...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - A senhora diz o que quer!

A Oradora: - a Sr.ª Deputada Odete Santos, assim não posso talar.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Estão agora criadas as condições para continuar no uso da palavra. Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Sr. Presidente, vai ter de me dar mais tempo para eu poder responder à Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, aquilo que mudou não se prende com convicções, prende-se com outro tipo de coisas. Se a senhora me disser assim «nós não valorizamos a vida humana infra-uterina», então, eu passo a perceber a lógica da vossa argumentação e, mais, passo a perceber a substância dos vossos objectivos. E tudo bem! Estamos numa sociedade livre!
Porque repare: a senhora fala em maternidade responsável e na liberdade de escolha. Ora, nós sabemos que isso não é possível, mas seria desejável que pudesse sê-lo ao nível do planeamento familiar. A senhora diz que isso não é possível e eu própria sei que não é possível. Então, aprovamos as 12 semanas; ou, provavelmente, não as 12 mas as 10 e a Sr.ª Deputada vai ver que não vai ser possível resolver qualquer situação nas 10 semanas.
Porém, se a Sr.ª Deputada me disser já que não .valoriza a vida humana infra-uterina, então, eu, com toda a paciência, a ouvirei para a próxima sessão legislativa propor uma medida que alargue ó prazo das 12 para as 16 e das 16 para as 24 semanas, porque o problema é sempre o mesmo. Ou seja, nós não temos capacidade com os recursos disponíveis, nomeadamente com aquilo que são os métodos anticonceptivos - que a senhora sabe que foram uma conquista importantíssima dos últimos tempos de dar ordenamento a este caótico mundo feminino.
A senhora acredita que é com as 12 semanas. Eu sei que não! Das 12 passar-se-á para as 20 e das 20 para as 20 e tal, porque o problema não é esse.
Mas, repito, se a senhora não valorizar a vida humana infra-uterina, pode dizer-me que resolve assim a questão e eu respeito a sua opinião, mas tem de me dizer isso, pois se quer, ao mesmo tempo, valorizar a, vida humana infra-uterina e dar com ela resposta a problemas, que são problemas sociais, essa contradição é totalmente insuperável.
De facto, esta é uma questão que não se prende com a direita, com, a esquerda, com, obscurantismos, com consciências, com nada! É uma coisa muito concreta! A senhora preza ou não preza a vida humana infra-uterina? Se não preza, não tem importância nenhuma e então o aborto, do meu ponto de vista, enquanto, não perturbe a vida da mulher - e era isso que deviam propor, coerentemente - deveria ser permitido até ao fim, porque sabemos que a resposta não está nas 10 semanas nem, nas 12.

Vozes do CDS-PP: - Exactamente!

O Orador: - Para quem, como nós, preza a vida humana infra-uterina, a nossa preocupação é a de, perante uma situação que merece toda a consideração e respeito, arranjar soluções e respostas que não destruam outro valor que para nós também é muito essencial. Este é o fundo da questão e não há mais nada. Não, há Galileu, nem há mais coisa nenhuma! Desculpe, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, mas é mesmo assim!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Quer dizer, o Galileu também não sabia nada!?

O Sr. Presidente: - O projecto de lei n.º 453/VII, subscrito pelos Srs. Deputados do PS António Braga e Eurico Figueiredo, vai ser apresentado ex aequo por estes dois Srs. Deputados, não ao mesmo tempo, necessariamente, mas dispondo cada um de 5 minutos. Todo o tempo que gastarem a mais será descontado no tempo do Grupo Parlamentar do PS.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente, por me dar a palavra e, também pela classificação ex aequo, porque, de facto, não há uma hierarquia mas, sim, uma proposta que trazemos a Plenário e que tem a ver com o reagendamento da liberalização do aborto, pois foi isso que suscitou a apresentação deste projecto de lei, cuja oportunidade se alicerça na. ideia de revigoramento da actual lei, salvaguardando os princípios éticos em que esta se sustenta.
O facto de trazermos esta iniciativa ao Plenário da Assembleia da República é, ainda, explicado pela posição assumida aquando da rejeição dos projectos de lei de liberalização do aborto, que mantemos, e constitui-se especialmente como uma proposta de responsabilização política e social perante as eventuais razões sociais e económicas que possam estar na base dá opção pelo aborto.
Não permitirei que este tema possa ser encarado como fundamentando uma clivagem ou uma querela entre esquerda e direita. Terão razão em considerar de direita ou de esquerda aqueles que possam sentir o seu problema de consciência resolvido pelo simples recurso à despenalização que quer dizer liberalização, sem curar de resolver a montante os problemas sociais e económicos que possam estar na base de tal opção? Lavam daí as mãos? Pode continuar tudo como dantes? A pobreza, as carências de habitação, etc.? A resposta não está aí!

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Com todo o respeito, compete-nos dar essa resposta no domínio: da concretização de propostas que erradiquem as causas sociais e económicas. É discurso comum, aliás, a ideia da prioridade à educação: A educação supõe a vida. Esta implica-se mais na íntima relação do homem consigo mesmo e com o mundo social que criou e com a harmonia da natureza humana. A vocação do homem, por isso, é antes de mais nada a própria vida.
Por isso, é possível revigorar a actual legislação, por forma a colocar aí as respostas eficazes aos tormentosos problemas que possam levar à opção pelo aborto.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: A Constituição da República estabelece no n.º 1 do seu artigo 24.º que «a vida humana é inviolável».
O direito à vida é, pois, o primeiro dos direitos fundamentais constitucionalmente, anunciados. Seguindo Gomes Canotilho e Vital Moreira, este direito é prioritário dado que está na base de todos os direitos dos cidadãos que decorrem da consagração deste: «Ao conferir-lhe uma protecção absoluta, não admitindo qualquer excepção, a Constituição erigiu o direito à vida em direito fundamental, qualificado. O valor do direito à vida e a natureza absoluta da protecção constitucional traduz-se no próprio facto de se impor mesmo perante a suspensão constitucional dos direitos fundamentais (...)».
Em 1990, na cidade de Tbilisi, sob o patrocínio da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para as Actividades de População, teve lugar uma conferência subordinada ao tema «Do aborto à contracepção». Das conclusões, permito-me salientar, e cito, que «as taxas de aborto podem ser substancialmente reduzidas através de programas de planeamento familiar universalmente acessíveis».
Reafirmar a necessidade imperiosa de direccionar todos os esforços na prevenção e planeamento familiar, recomendando-se o reforço da informação sobre a legislação da interrupção voluntária da gravidez (IVG), integrada nos programas de educação, informação de saúde materna e da educação para a saúde em geral, de tanto se reclamar parece já valer de pouco. Contudo, não é demais exigi-lo!
Todavia, sem pôr em causa o princípio fundamental do direito à vida, é possível encontrar formas de conciliação entre os valores a salvaguardar.
Enquanto for possível invocar razões sociais e económicas para a prática do aborto, cada um de nós só pode sentir-se envergonhado.
Uma sociedade justa, pela qual pugnamos, tem obrigação de produzir respostas eficazes para a eliminação dessas causas. Aos responsáveis políticos não é permitido desesperar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O princípio ético de fazer o melhor em cada caso confronta-se, é certo, com interferências diversas decorrentes da complexidade como são hoje conceptualizados, organizados, financiados e prestados os cuidados de saúde nas sociedades modernas, ao que acresce o conjunto de implicações morais mais ou menos subtis a ter em conta nas diversas interacções e decisões que se estabelecem com a grávida.
Apoiar na identificação desses problemas e partilhar as atitudes e formas de actuação mais adequadas para cada caso em concreto, caminhando-se sempre ao encontro de condições para a prossecução da gravidez, é um desafio a que a sociedade não pode deixar de corresponder.
Por isso, propõe-se a criação da comissão de apoio à maternidade. Entre outras atribuições, competirá à comissão: tomar medidas de apoio social e económico apropriadas à prossecução da gravidez, em conjugação com os serviços de apoio social e outros serviços públicos e privados adequados; esclarecer a requerente quanto ao significado e riscos da IGV; e garantir o apoio e acompanhamento à grávida no caso da interrupção da gravidez.
A consagração da IVG sem qualquer invocação de motivos parece-nos inconstitucional, sendo que tal norma não parece respeitar o tal mínimo ético que deve existir no âmbito penal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O quadro legal vigente é consubstanciado por princípios éticos nos quais nos revemos e não se esgotou, bem pelo contrário.
Nos diversos países da Europa, a tendência vincula a despenalização regulada e essas medidas apontam para uma clara redução do número abortos. Em todos os modelos, há um agente/entidade que faz a mediação, tal como também propomos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este é um projecto de lei que se dirige aos mais carecidos da sociedade portuguesa. Por nós, não lavamos as mãos quanto às situações sociais e económicas que possam estar por detrás de decisões drásticas e dramáticas de tantas mulheres.

O Sr. Presidente: - Para complementar a apresentação do projecto de lei n.º 453/VII, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Figueiredo.

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos de confessar que a lei de 1984 falhou. A lei de 1984 descredibilizou a classe política. Nós, Deputados, não tivemos a persistência e a tenacidade para obrigar que ela fosse exequível. .
Os Governos do PS e do PSD não a tornaram exequível ao nível dos hospitais e dos serviços de saúde. Os movimentos cívicos não impuseram que ela fosse praticada.
De facto, estamos perante um falhanço da classe política, dos movimentos cívicos e do próprio Governo. É evidente que quando uma lei falha, quando uma lei não é validada pela maneira como ela foi executada, abrem-se as portas da irresponsabilidade. E é na irresponsabilidade que nós estamos! Irresponsabilidade apresentando projectos sem nenhuma legitimidade democrática, que não foi sufragada em nenhuma eleição; irresponsabilidade pela sua oportunidade quando António Guterres nos prometeu: «ganhem as eleições nas câmaras que nós traremos a paz e a tranquilidade ao País». Mas nós trouxemos a «guerra» ao País, trouxemos a divisão do País perante um problema de grande impulsividade...

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - ... trazemos, no nosso entender, a própria inconstitucionalidade.
Temos dificuldades em admitir que o direito à vida seja compatível com o projecto liberalizante. Mas, de facto, Srs. Deputados, há hipocrisia nisto tudo! Pessoalmente, também tenho de fazer mea culpa, pois fui porta-voz do PS durante três anos e não tive a tenacidade necessária para

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fazer um combate nesta área. Mea culpa! Também assumo esta minha culpa! E assumo que há hipocrisia, mas a maior hipocrisia de todas é julgar que hoje, aprovando uma lei liberalizante, amanhã, os problemas estão resolvidos.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Essa é que é a grande hipocrisia! E esta hipocrisia .é muito maior para as chamadas classes desfavorecidas, que vão passar do aborto clandestino e do pesadelo do aborto clandestino para o pesadelo do aborto livre até à 12.ª semana e clandestino depois.
É, de tacto, não ter a menor ideia de como funcionarei os serviços de saúde em Portugal pensar que a varinha mágica da liberalização vai resolver este problema, por que não vai. E nós, abdicando da pressão que temos, aliás, legítima, de, como Deputados, exigir que este Governo cumpra as suas promessas - e a promessa do Governo era a de tornar exequível a lei que existia -, é óbvio que estamos de mão beijada a atirar para a opacidade toda a problemática dramática, em que vão ser, sobretudo, as classes desfavorecidas que vão pagar, porque as classes médias e médias altas vão com pudor a Espanha, onde a lei é exactamente igual à portuguesa, resolver os seus problemas. É uma questão de pudor. Onde é que os nossos trabalhadores vão encontrar os 100, 150 ou 200 contos para irem para as clínicas privadas?

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Que são dos espanhóis!

O Orador: - Srs. Deputados, com isso nós iremos apenas facilitar que, amanhã, as clínicas clandestinas se transformem em clínicas perfeitamente abertas e que as classes desfavorecidas continuem a fazer as suas interrupções de gravidez em más condições sanitárias. Ora, é para tentar evitar esta situação, é para tentar comprometer-nos numa posição tenazmente reformista, que apresentamos o nosso projecto, virado fundamentalmente para o diálogo com quem pede a interrupção, procurando, na alternativa, dar às classes desfavorecidas o direito ao aborto e o direito à maternidade, porque, de facto, há muitos milhares de mulheres das classes trabalhadoras que querem ter filhos e não podem tê-los. Portanto, será uma grande hipocrisia dar às mulheres o direito ao aborto e não lhes dar o direito à maternidade. Ora, o que pretendemos com o nosso projecto é dar às mulheres o direito à maternidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os problemas são difíceis e complexos. Eu trabalho nessa área. e conheço perfeitamente a complexidade do problema e, por isso; não procurem na minha voz qualquer apontamento no sentido da manutenção da hipocrisia. Os problemas são difíceis, há implicações éticas, há implicações morais, há implicações culturais e não podemos, de facto, «enterrar a cabeça na areia».
Mas, Srs. Deputados, também é ridículo procurar fundamentar-se a opção de dar direitos ao embrião, desde a concepção, em termos puramente científicos: O que é científico é o ovo ter, indubitavelmente, toda a informação biológica necessária 'para dar origem a um nascituro. O bebé proveta disso é a prova. De facto, seria uma anedótica fantasia dar direitos a um bebé proveta e, não os dar a um feto infra-uterino.
Dar direitos à vida embrionária é uma decisão de civilização, de cultura, é uma opção da espécie humana da mesma natureza que a proibição do incesto, a abolição da pena de morte ou a outorga de direitos humanos. Ou se concede este gesto civilizacional ou não se concede.
O direito internacional dá direitos, neste momento, às gerações futuras - e as gerações futuras são meramente virtuais -, o que só dignifica a humanidade. Dá-os pela Declaração de Estocolmo de 1972 e Assembleia Geral da ONU de 1987. Estranho seria dar direitos ao que é virtual e retirá-los ao que é mais do que uma geração potencial, pois é já um projecto de geração futura existente: o feto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, o Decreto-Lei n.º 136/

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, só para que se oriente, informo-o que dispõe apenas de 1 minuto.

O Orador: - Vou já acabar, Sr. Presidente.

Como eu estava a dizer, o Decreto-Lei n.º 136/96, que estabelece o Regime Jurídico de Fomento, Exploração e Conservação dos Recursos Cinegéticos, no seu artigo 22 º, proíbe «capturar ou destruir ninhos, covas, luras, ovos e crias cinegéticas». Pela nossa lei, é, crime destruir ovos de perdiz, de pomba, de rola...
A Directiva do Conselho das Comunidades Europeias, de 2 de Abril de 1979, relativa à Conservação das Aves Selvagens, recomenda aos Estados-membros, no seu artigo 5.º, que nomeadamente, seja proibido «destruir ou danificar intencionalmente os seus ovos» e propõe uma lista de cerca de 150 aves, especificando, em diferentes anexos, desde o milhano ao peto preto, à frisada, à piadeira... Certamente que não vou ler o nome de todas elas.
Os ovos destas aves estão protegidos por lei e ainda bem. A nossa espécie só se dignifica com atitudes de protecção à natureza. Estranho seria que também não se defendesse ela própria e não protegesse os seus próprios fetos! Estranho seria que, a partir de hoje, o feto humano valesse menos do que um mero ovo de perdiz.
Na nossa opinião, o nosso projecto é, eticamente; o mais defensável,...

O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - ... pragmaticamente o mais bem fundamentado e, a acreditar nas sondagens, o mais ajustado aos valores consensuais da maioria dos portugueses:

Aplausos dó PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para apresentar o projecto de resolução n.º 38/VII, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há menos de um ano esta Assembleia discutiu e votou projectos de lei relativos à interrupção voluntária da gravidez. Será bom recordar que daí resultou a reprovação da despenalização do aborto e que a actual legislação que o despenaliza em determinadas circunstâncias foi alterada.

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Desde então, o que se passou na sociedade portuguesa? Absolutamente nada!
A lei então aprovada ainda nem sequer foi regulamentada ou testada, para daí se retirarem quaisquer conclusões; a opinião pública sobre esta matéria, se evoluiu foi no sentido de maioritariamente pretender ser ouvida; não houve qualquer debate na sociedade portuguesa para esclarecimento dos cidadãos. No entanto, o Partido Socialista, subitamente, vem insistir no seu projecto, inaugurando, assim, uma nova fase da vida parlamentar:
Se uma iniciativa dó Partido Socialista não é aceite pela maioria dós Deputados, tantas vezes irá á votação que um dia lhe sairá o resultado que pretende.

Aplausos do PSD.

Estranha forma de democracia!
Triste contribuição para a dignificação do papel dos Deputados!
Mas, Srs. Deputados do Partido Socialista, não se cansem com explicações sobre os motivos desta vossa iniciativa, porque, por mais que as dêem, não conseguirão encobrir á verdadeira razão do debate de hoje.
O vosso grupo parlamentar está dividido é não conseguiu ainda sarar ase feridas resultantes das lutas internas que trava, que se tornaram visíveis, há um ano, a propósito. deste debate,...

Vozes do PSD - Muito bem!

Protestos do PS.

A Oradora: - ... mas que têm origens bem mais longínquas e profundas.
O debate de hoje é apenas uma face dessas lutas. E este é talvez um dos aspectos mais chocantes deste debate. Na verdade, este tema, que devia ser objecto de uma discussão serena em torno do princípio fundamental que está em causa, que é o do direito à vida, é apenas utilizado como instrumento para um ajuste de contas.

Aplausos do PSD.

Como é possível que, perante um tema tão sensível e íntimo que, para além de ser um problema de consciência, é um problema cultural e, como tal, divide a sociedade ,portuguesa, o Partido Socialista, sem respeito por opiniões e sensibilidades diversas, entenda que é este o melhor tema para esgrimir nas suas lutas internas?

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Mas o desejo de vingança é tão forte que não lhes permite ver o desprestígio em que eles próprios, estão a cair.
Com efeito, não lhes basta que, os portugueses se questionem sobre a confiança que merecem uns políticos que lhes asseguraram, durante a campanha eleitoral, que esta lei não, seria mexida. E que já vão na segunda tentativa de o fazer. Para além disto, não se importam ainda de dar a entender que o Partido Socialista constrói o resultado das votações mexendo, a seu bel-prazer, na composição da sua bancada, tirando e pondo Deputados até que o número de votos seja o que alguns pretendem.

Aplausos do PSD.

São ainda indiferentes à perplexidade que causa nos portugueses ver o mesmo Deputado, votar hoje de forma diferente da que votou há um ano, como se pudesse ter mudado de opinião em tão curto lapso de tempo.

Vozes do PSD: - Muito bem

A Oradora: - E, como se tudo isto não chegasse, pretendem oferecer aos portugueses uma lei enganosa. Enganosa, porque não é a penalização ou a despenalização do aborto que resolve o enorme drama que uma decisão destas envolve; enganosa, porque ninguém vê onde está a melhoria dos serviços públicos de saúde que permita, atempadamente, resolver, na prática, o que está na lei.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O meu partido entende que esta é uma matéria relativamente à qual não deverá ser imposta a disciplina de voto. Por isso, o meu voto traduzirá apenas a minha - posição e só a minha. Este é um momento em que, como Deputada, apenas represento a mim própria. É uma votação pela qual não posso nem devo ser julgada porque, claramente, não estou mandatada para tal pelos eleitores.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Pará que eu vote em seu nome, cada um terá de dizer o que pretende sobre esta matéria e por isso, para que o meu voto seja legítimo, reclamo que todos sejam ouvidos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Hoje, a minha votação é solitária. Mas, hoje, há uma garantia que eu dou aos eleitores: não mudei de opinião, porque voto por convicção e não por oportunismo político..

Aplausos do PSD.

E ainda dou outra garantia aos meus eleitores: nunca admitiria ter de abandonar o meu grupo parlamentar para que, hoje, o meu voto não fosse expresso com inteira liberdade.

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela, Ferreira Leite, creio que a sua intervenção revelou que entre a direcção da bancada do PSD e o debate que está aqui a ocorrer há um grave problema de comunicação: é que V. Ex.ª e o debate de hoje não se entendem!
Claro que não estendo esta acusação a toda a bancada do PSD, claro que não digo que toda á sua bancada não entende qual é o. problema social, humano e até filosófico que está subjacente a toda esta discussão. Tenho a certeza - aliás, V. Ex.ª sabe isso muito bem - que, na sua bancada, há quem conheça qual é o problema, mas V. Ex.ª não o assume.

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Assim, o PSD entra neste debate sem responder às questões fundamentais e eu gostava que me dissesse qual é a posição do PSD perante o drama do aborto clandestino,...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... qual é a posição que o PSD assume perante os riscos que uma mulher que tem de recorrer ao aborto clandestino corre para a sua vida, para a sua saúde, para a sua dignidade.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas, além disso, o PSD também não respondeu a esta questão fundamental: querem, mantendo a lei actualmente em vigor, que as mulheres vão para a cadeia? A resposta a esta questão não pode ter subterfúgios, Sr.ª Deputada!

O Sr. José Magalhães (PS): - Eis a, questão!

O Orador: - A questão de consciência que a Sr.ª Deputada levantou é uma questão real, mas a consciência é a de cada ser humano, a consciência é a de cada mulher que decide, em liberdade, aquilo que quer fazer. Não é um problema da lei, pois esta tem é de resolver um problema de saúde pública, tem de ver, como função criminal que tem, sendo uma lei ineficaz, não estará ela própria a contribuir para agravar o problema que hoje existe.
Para além disso, o PSD também não respondeu qual é, afinal, a concepção que tem da mulher e dos seus direitos, qual é a concepção que tem sobre o direito a uma sexualidade assumida, própria, sobre o direito a uma maternidade consciente. Ou será que andam ainda por aí uns resquícios da pecadora Eva, da mulher fonte de pecado? Sr.ª Deputada, temos de esclarecer qual é o vosso conceito.
Mas a Sr.ª Deputada e o PSD encontram uma solução simples: vão para o referendo, o referendo é o recurso.
Como é claro, fica aqui uma questão: se houvesse um referendo e os eleitores dissessem «sim», então o PSD já votava a lei? Então, o problema de consciência que o PSD tem hoje desaparecia?
Srs. Deputados do PSD, quando invocam a falta de legitimidade da Assembleia - e não têm qualquer razão constitucional ou política para fazê-lo - o que querem é fugir às responsabilidades que os eleitores vos incumbiram.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

Mas é uma fuga de corta duração, porque os Srs. Deputados vão ter de votar é sabem que o vosso projecto de referendo vai ser chumbado. Os Srs. Deputados dizem que têm um remake. Houve até um jornalista que lhe chamou, e bem, as «primárias». Com o vosso remake, vai haver umas «secundárias». Mas o problema vai ser decidido agora. Hoje, a Assembleia vai clarificar o que pensa acerca do referendo. Se VV. Ex.as querem prolongar a agonia da pergunta, prolonguem, mas a resposta vai ser dada hoje.
Aliás, há um problema sobre o referendo que já foi tocado em algumas intervenções.
Admitamos que as duas propostas de referendo são rejeitadas e que, em votação final, também não é aprovada a lei. O que faria o PSD? Apresentaria uma terceira proposta de referendo, para devolver ao povo português a decisão final? Assumiria essa iniciativa e essa responsabilidade? Não, Srs. Deputados! Sabem perfeitamente que não, porque o PSD não quer, neste campo, assumir qualquer- responsabilidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sabem o que isto me lembra? Olhando para a quantidade de referendos que o PSD apresenta a propósito de tudo e de nada - o PSD , se tem um problema, apresenta um referendo -, com um pouco de humor (a Sr.ª Deputada não vai crispar-se por isso) e com o devido respeito, como diz o Sr. Deputado Manuel Monteiro, que não está presente,...

O Sr. Presidente: - Terminou o tempo de que dispõe, Sr. Deputado. Faça, favor de concluir.

O Orador: - ... ,acho que o PSD usa o referendo como certos cavalheiros usam o preservativo sempre na carteira, pronto para qualquer eventualidade, para, fugir à responsabilidade e a quaisquer consequências.

Risos do PCP, do PS, do CDS-PP e de Os Verdes.

Sr.ª Deputada, há-de chegar a altura de assumirem as vossas responsabilidades.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar; tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, julgo que vamos ter de diferenciar as duas questões que levantou.
Em primeiro lugar, põe-se o problema da votação por consciência. A esse respeito, gostaria de não considerar que tenho má consciência e o senhor boa consciência. Cada um tem a sua consciência e esse é um ponto que não gostaria de debater aqui, porque entendo que os meus problemas de consciência não devem ser discutidos publicamente através da televisão. Gostaria de não discutir o motivo pelo qual voto «assim» ou «assado», porque entendo ser um problema de natureza pessoal, que todos temos o direito de defender.
Passemos à questão da legitimidade e do que quer o PSD. Como é evidente, Sr. Deputado, existe legitimidade formal. Não está em causa a existência de legitimidade formal na votação desta Assembleia sobre todo e qualquer diploma legislativo que aqui entre. Nós estamos a falar; isso sim, de legitimidade moral e política. Em termos de legitimidade política, o senhor conhece tão bem quanto eu as declarações feitas e escritas de que o PS, durante á presente legislatura, não mexeria nesta lei.

Protestos do PS.

Logo, o PS não tem legitimidade. política para apresentar este projecto de lei.

Aplausos do PSD.

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Em minha ,opinião, Sr. Deputado, também não tem legitimidade moral, porque, quando o Sr. Deputado diz que o PSD, a propósito de tudo e de nada, invoca o referendo, sabe tão bem como eu que o, referendo sobre o aborto é dos livros, o único exemplo que se dá de referendo é exactamente sobre ó aborto. É clássico! Portanto, não é uma invenção do PSD.
Depois, o Sr. Deputado pergunta qual é a posição do PSD. E eu pergunto-lhe: Sr. Deputado, qual é a posição do PS? Sabe-a? Eu direi que não sabe, e penso que aqui ninguém sabe, já que, se dermos a voz ao Secretário-Geral, não será, de certeza absoluta, a mesma que está agora na bancada.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito, bem!

A Oradora: - Eu também não sei, mas não me interessa, Sr. Deputado.
Não creio que o PSD tenha tido mais de 80% dos votos nas eleições legislativas, logo, os que neste momento defendem o referendo não são só do PSD.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Por isso, a parte da população que neste momento está a pedir o referendo não é só do PSD. O PSD iniciou este combate e, pelos vistos, teve eco na sociedade portuguesa.
É sobre estes pontos, Sr. Deputado, que gostaria que todos: ponderássemos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminada a apresentação dos projectos de diploma, vamos entrar no debate, propriamente dito.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: «O aborto é uma violência, uma violência profunda e desesperada infligida por uma mulher, primeiro ,que tu do,. sobre si própria».
Assim nos lembra, com amargura, a poetisa Adrienne Richt.
O aborto não é uma decisão que as mulheres tomem por gosto. Não é uma decisão que tornem por prazer mas um direito que a cada mulher assiste e uma liberdade de opção, quase sempre tomada, precisamente, por falta dela!
Á pergunta que, inevitavelmente, se coloca é esta: por que teimam alguns, para que serve tornar mais violento o que, por natureza, violento já é?
Pára que serve, porque teimam alguns, fazer da Mulher que recorre ao aborto. uma criminosa, quando mais não é do que a vítima? Acaso. a penalização do aborto provou defender a vida? Acaso a penalização do aborto conduziu à redução da sua clandestinidade?
Se a resposta a estas questões é, negativa, por que, se manteve, então, tal lei em, vigor? Com que legitimidade? Em nome de quê? Que, culpas se, pretende expiar?
Sr.ªs e Srs. Deputados, hoje, como ontem, é forçoso interrogármo-nos com que direito podem alguns falar de opção a mulheres, quase meninas, muitas, a quem a escola encheu a cabeça de inúteis fórmulas químicas, mas não ensinou a lidar com ó seu próprio corpo?
Com que direito podem alguns falar de opção a, mulheres a quem interditos culturais e reiligiosos_negam a sua sexualidade?
Com que direito podem alguns falar de opção a, mulheres, quando o planeamento familiar falhou ou nunca chegou ao seu bairro ou à sua terra, e não sabem o que isso é; porque ninguém cuidou de lhes explicar?
Com que direito podem alguns falar de opção a mulheres, quando a estreiteza dos prazos hoje previstos na lei não permite a certeza de um diagnóstico e o temor as leva a interromper a gravidez, por precaução?
Com que direito podem alguns falar de opção a mulheres cuja casa já não chega para os nascidos, muito menos para mais um?
Com que direito podem alguns falar de opção a mulheres cuja família foi atingida pelo desemprego e senão podem permitir já o luxo de outra criança?
Com que direito podem alguns falar de opção. a mulheres a quem o - patrão ameaça com despedimento, se porventura engravidarem?
Até quando, neste Estado laico, irá triunfar o reino da hipocrisia?
Mais, Srs. Deputados: com que legitimidade, em nome de quê, para expiar que culpas, toda esta violência se quer abater sobre as mulheres?
Com que direito, questiono uma vez mais, pode um Estado; uma sociedade, que não assegura o seu papel social, arrogar-se o direito de penalizar mulheres como se isso resolvesse fosse o que fosse?
Com que direito persiste um Estado nos seus processos de estigmatização, tornando ainda mais difícil o que difícil já é? -
Com que direito pode um Estado abandonar mulheres, jovens, muitas - delas, e lança-las nas margens da clandestinidade, entregues à sua solidão, ao seu terror, aos seus medos é à ilegalidade de uma interrupção de gravidez que as exclui e coloca totalmente fora da lei e fora de quaisquer cuidados de saúde?
Coloca-as fora da lei, correndo inúteis riscos de, mutilações e traumas, que irreversivelmente as poderão impossibilitar de uma futura maternidade feliz.
A grande maioria destas mulheres recorre a lugares sem condições de higiene, desumanos e sórdidos, tão sórdidos quanto o rentável negócio que em seu torno se movimenta.
Outras, menos desafortunadas, buscam noutras paragens a segurança que o seu próprio país lhes negou, numa situação de desigualdade, ela própria. insustentável numa democracia.
Ora, estes são, Sr.ªs e Srs. Deputados, os problemas reais de um país real, que não qualquer outro mas, sim, aquele de que estamos, á falar: aquele em que o aborto clandestino ainda constitui um gravíssimo problema de saúde pública, sem paralelo na Europa, e a segunda causa de morte materna.
Trata-se, pois, e é essa a nossa responsabilidade, a que ninguém tem o direito de fugir, enquanto Deputados, de centrar o debate nos exactos termos em que ele se coloca: assumindo com frontalidade que a actual lei, profundamente penalizadora e, em termos comparativos, das mais restritivas da, Europa, se provou inadequada, perversa e inútil.
Não se trata de fazer juízos de valor, porque esses não nos cabem, nem considerações morais, porque não é esse o nosso papel.

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Do que se trata, e o que importa, é de aprovar, sem falsos tabus; sem hipocrisias, sem fingir não ver o que a realidade mostra, uma nova lei, que, caminhando diferentemente pela despenalização e alargamento dos prazos, atinja os objectivos que outros, por essa via, optaram conseguir: a protecção da vida, o fim da ilegalidade do aborto, a sua redução progressiva.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Trata-se de alterações a uma lei que tenham em conta a maioria das situações na base das quais o aborto ilegal e inseguro se pratica no nosso país: a ausência de informação; as falhas nos métodos contraceptivos; a instabilidade na vida da mulher; a pobreza e a exclusão social.
São alterações que vêm colocará interrupção da gravidez, no entendimento do Partido Ecologista Os Verdes, como um direito, uma liberdade de opção que à mulher. A seu pedido e só, lhe assiste, no quadro da prestação de, cuidados de saúde.
Trata-se de um direito que não desresponsabiliza, em todo o caso e de modo algum, o Estado de cumprir as funções de que tanto tem andado arredado, ou seja, as de prevenir, informar e apoiar a família; as de implementar a educação sexual; as de apoiar, divulgar e promover o planeamento familiar, universal e gratuito, com programas dirigidos, a grupos específicos, como os jovens ou as comunidades africanas; as de valorizar a função social da maternidade e criar efectivos mecanismos de apoio às famílias.
Quer consagrar-se um direito de despenalização que garante a liberdade, permite a escolha e não violenta quem quer que, seja, numa perspectiva de tolerância totalmente diversa e oposta da dos que hoje teimam em o negar, dos, que não respeitam o outro, dos que autoritariamente lhe impõem a sua vontade e, desse modo, empurram, de forma desumana, mulheres para a clandestinidade, a exploração e o risco.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O direito à vida e o direito a viver a vida é, para Os Verdes, um direito inalienável,...

Vozes de Os Verdes: - Muito bem!

A Oradora: - ... que se não concebe, aliás, sem ser numa perspectiva mais ampla: a mesma que nos faz condenar, a guerra e a indústria de morte que a alimenta; a mesma que nos faz repudiar a pena de morte e os que, falando da vida, dela são partidários; a que nos faz rejeitar os que falam dos idosos como se dê um estorvo se tratasse; a que nos faz denunciar a hipocrisia de quem silencia a marginalização de crianças e só levanta a sua voz quando em marginais transformadas; a que nos leva a condenar aqueles a quem não repugna fazer do corpo da mulher território de passagem para filhos de «doação».
Trata-se de um direito à vida, para nós, só entendível desde que respeite a liberdade sexual de cada mulher e faça do nascimento não o fruto de um mero acto biológico, automático e ocasional mas lhe dê a dimensão humana diferenciadora.
Trata-se de um direito à vida que se transcende, quanto a nós, no próprio direito ao amor.
Aplausos de Os Verdes, do PCP e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República é uma vez mais chamada a acolher e promover o debate sobre o tema da despenalização, em certas condições e com determinados prazos, da interrupção voluntária da gravidez.
Um tal debate, atenta a especial complexidade política, jurídica e filosófica do assunto, deve, na nossa perspectiva, decorrer sob a égide da tolerância e da abertura mental para a compreensão das motivações subjacentes às diversas orientações preconizadas, excisando assim a discussão de radicalismos dogmáticos e reducionismos simplistas, lesivos da dignidade que deve caracterizar uma confrontação plural, livre e democrática.
Comecemos, aliás, por afirmar sem hesitações a imaculada legitimidade constitucional que este Parlamento detém para abordar e deliberar sobre tão ponderosa questão.

Aplausos do PS.

Não se conhecendo e não existindo outra fonte de legitimação válida que não seja a Constituição da República e estando, a essa luz, absolutamente acautelada a competência da Assembleia no que concerne a este assunto, afigura-se-nos inaceitável que, por razões que se adivinham meramente oportunísticas e instrumentais, se pretenda amputar a extensão das responsabilidades cometidas à sede da representação nacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - No contexto do nosso quadro constitucional, é lícito pugnar, no tratamento legislativo de uma questão desta natureza, pelo recurso a uma consulta referendária, mas já não é admissível que tal reivindicação se pretenda alicerçar na desconsideração dos mecanismos puramente parlamentares.
Quem assim procede está, pela sua ligeireza e irresponsabilidade, a concorrer para a descredibilização da própria essência da função parlamentar, atentando contra o prestígio que deve rodear a sede de representação democrática da Nação.

Aplausos do PS.

Não pactuaremos sequer corri á cumplicidade do nosso silêncio com tão funesta atitude.
Temos, em relação a esta questão, uma posição clara: consideramos que o tema da despenalização em certas, condições da interrupção voluntária da gravidez tanto pode ser tratado com recurso a um referendo como através dos mecanismos parlamentares, devendo a opção recair sobre o processo que, em cada ocasião histórica precisa, se revela mais aconselhável.
Foi isso mesmo que fizemos face a esta discussão concreta e, se concluímos pelas vantagens do processo que adoptamos, foi por termos percebido as dificuldades insuperáveis que se deparavam à realização de um referendo num horizonte temporal considerado útil e ainda por termos verificado que em torno de tal solução se não desenhava um tão amplo consenso quanto o que existe em relação à sua utilização no tratamento de outras matérias.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Essa é boa!

O Orador: - Esclarecida a questão da legitimidade, que nunca. nos suscitou qualquer dúvida, compete-nos contrariar uma outra contestação que nos tem sido movida, esta por razões de oportunidade, como se tais razões se pudessem sequer invocar diante da constatação diária do aviltamento, da dor e do sofrimento que afectam tragicamente tantas e tantas mulheres condenadas aos tormentos morais, psíquicos e físicos provocados pelo aborto clandestino e como se a História não estivesse repleta de gestos, actos e atitudes considerados profundamente inoportunos pelas ortodoxias resignadas; que a posteridade veio a consagrar como momentos luminosos e determinantes para a abertura de novos horizontes civilizacionais à Humanidade.
Para nós, que nos movemos por convicções firmes, a oportunidade, em temas como este, não pode ser critério, fundamento e, muito menos, constrangimento.
É este, como já o era o ano passado, o tempo certo para enfrentar o tenebroso problema do aborto clandestino. Fazêmo-lo com determinação mas igualmente com sentido de tolerância. Estamos num domínio complexo, não imune a dúvidas e incertezas, que pela sua própria natureza deve desincentivar opções fundadas num dogmatismo inibidor da procura das soluções mais adequadas, sob a inspiração de princípios humanistas.
Queremos salientar que respeitamos aqueles que, por motivos religiosos ou filosóficos que às suas consciências se revelam incontornáveis, estabelecem uma insuperável incompatibilidade entre a consagração da exclusão condicionada da ilicitude da interrupção voluntária da gravidez e as suas próprias convicções sobre o carácter inviolável da, vida humana. E a prova mais irrefutável deste respeito consiste no facto de não termos estabelecido a disciplina de voto no interior do nosso grupo parlamentar.
Mas se respeitamos os dogmas individuais, não acedemos a que eles se transformem em imposições acolhidas e consagradas no ordenamento jurídico positivo. E é justamente por isso que o nosso grupo parlamentar patrocina a iniciativa originariamente promovida pela JS.
Infelizmente, apesar dos significativos progressos registados nos últimos 12 anos, o aborto clandestino continua a praticar-se com uma amplitude e uma tal dose de tormentos que interpelam a nossa consciência nos planos ético, social, político e jurídico. Temos, ao nível penal, uma legislação repressiva que a prática revela desprovida de coactividade. Ninguém ou quase ninguém é sancionado judicialmente, sendo que a única sanção é a que consiste na clandestinização do acto abortivo. Só que esta é a mais primitiva, a mais iníqua e a mais perversa das sanções, desde logo por ser extrajudicial e até mesmo extraestatal.
O território da clandestinidade atira-nos para aquilo que Hobbes considerava o estado da natureza e coloca-nos numa situação que o grande John Locke consideraria anterior ao contrato que dá origem a uma sociedade civil civilizada. E é precisamente tão degradante situação que, agora, aqui, queremos ultrapassar.
A proposta que defendemos situa-se no plano da política penal e é nesse domínio que ela deve ser abordada e discutida. Contrariamente ao que propagandeiam os seguidores de urna espécie de nova ideologia ética, potencialmente dissolvente das categorias políticas e jurídicas, este assunto não releva de um plano pura ou até predominantemente ético. Ele coloca-se claramente no domínio político, com tangível e evidente repercussão no direito positivo que nos rege.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O que se trata é de saber se se deve manter uma legislação repressiva, sem capacidade coactiva, mas geradora de clandestinidade ou se, pelo contrário, se deve diminuir, à luz de critérios moralmente sustentáveis, essa componente repressiva, apostando mais no apoio a uma maternidade responsável e verdadeiramente digna. Nós não estamos a escolher entre realizar mais ou menos abortos mas entre morrerem mais ou menos mulheres.

Aplausos do PS e do PCP.

Nós não opomos dogmas a dogmas, nem confrontamos absolutismos ético-morais, antes afirmamos uma opção político-jurídica alicerçada numa ética humanista aplicada, visando a resolução de um problema social pungente.
Sr.ªs e Srs. Deputados: É em nome da vida e da dignidade humana, por razões de civilização e de cultura, que nos batemos pela introdução das modificações propostas. É em nome de uma ética que se recusa a permanecer num limbo metafísico, mas visa antes iluminar decisões políticas e instrumentos jurídicos, que aqui estamos. É em nome da tolerância que recusamos uma antagonização irreconciliável entre os proclamados apólogos da vida e os supostos cultores da morte. Alicerçamos, aliás, esta tolerância no orgulho de uma filiação política e ideológica que nos coloca do lado dos que, nos sortilégios e adversidades da história, lutaram sempre pela vida humana e sobretudo pela dignidade dessa mesma vida humana.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Assis, lógica e naturalmente, não seria necessário dizer-lhe que estamos de acordo com a opção político jurídica do Grupo Parlamentar do Partido Socialista sobre a questão que estamos a debater.
Gostaria de, nesta oportunidade, reafirmar o total empenhamento do PCP para que, no processo deste debate, a Assembleia da República possa, finalmente, vir a aprovar uma lei que combata o aborto clandestino e que afaste definitivamente a penalização e a criminalização que impendem sobre a mulher em Portugal.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Com este empenho e com a defesa do nosso projecto de lei, assumimos, mais uma vez, não só a responsabilidade do PCP em relação a esta matéria mas também a responsabilidade individual de cada um dos Deputados do Partido Comunista Português.
Aproveito para dizer, desde já e publicamente, que, apesar de todas as reservas que nos continua a merecer algumas das soluções propostas no projecto de lei do Partido Socialista, porque estamos convencidos de que, de facto, subjectivamente, os Deputados e o Grupo Parlamentar do PS que subscreveram esse projecto querem acabar com a penalização da mulher, o PCP e os seus Deputados

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vão votar favoravelmente o projecto de lei apresentado na generalidade.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas queremos ser claros: continuaremos, até ao fim do processo, qualquer que seja o momento do fim desse processo, a pugnar pelas soluções que apresentamos, apenas pela convicção que continuamos a ter de que são as soluções mais adequadas, até porque são aquelas, consensualmente, mais aceites em termos internacionais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador:- - Gostaria de dizer-lhe que não quero acreditar que possa haver Deputados - e digo-o muito frontalmente! - que, em termos da generalidade, sendo favoráveis à questão de fundo, que é comum aos dois projectos de lei, possam vir a ter dois votos diferenciados, motivados não pela questão de fundo, porque, em termos de generalidade, essa é comum, mas por razões político-partidárias.
Pela nossa parte, já afirmei qual vai ser o nosso sentido de voto e as razões porque o fazemos, mas, clara e frontalmente, vamos continuar a batermo-nos por algumas das soluções que temos, porque as consideramos melhores. Espero, com toda a sinceridade, que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista e os Deputados do PS sejam capazes de nos acompanhar neste processo com o mesmo empenhamento e a mesma seriedade com que nós o fazemos.
Sr. Deputado Francisco Assis, uma vez que utilizei o tempo de um pedido de esclarecimento, se assim o entender, para efeitos de resposta, considere esta última questão como uma pergunta.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Assis.

O Sr. Francisco Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, quero, em primeiro lugar, congratular-me com o teor da decisão que V. Ex.ª acabou de comunicar à Câmara, no que concerne à vossa orientação de voto no que diz respeito ao projecto de lei apresentado pela Juventude Socialista e patrocinado. pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Mas como V. Ex.ª não ignora - de resto, tive oportunidade de o realçar ainda há pouco, na intervenção que acabei de fazer -, o Grupo Parlamentar do PS não estabeleceu o princípio do respeito pela disciplina de voto na apreciação dos projectos que estão hoje em. discussão. Nesse sentido, não estou, obviamente, em condições de anunciar, publicamente, uma posição que há-de resultar da associação das consciências individuais de cada um dos Deputados que integram a bancada do PS. O que estou em condições de afirmar e divulgar publicamente é a minha própria orientação de voto em relação ao projecto apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP, pois, à semelhança do que me aconteceu há um ano, vou votá-lo favoravelmente.

Aplausos do PS e de alguns Deputados do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em fins de Fevereiro do ano passado, a Assembleia da República debateu várias iniciativas legislativas sobre o aborto e a interrupção voluntária da gravidez não punível. Após minucioso exame dessas iniciativas nas comissões parlamentares especializadas, após múltiplas audições de especialistas e de representantes de organizações da sociedade civil ao longo de meses, após colóquios promovidos pela Assembleia, da República ou por grupos parlamentares, o Plenário, no fim de amplo debate, rejeitou as iniciativas legislativas então apresentadas. Exceptuou a do Deputado Strecht Monteiro, que alargava o prazo legalmente admitido para a interrupção voluntária da, gravidez não punível de, 16 para 24 semanas, no caso de doença grave ou malformação do nascituro, e, de 12 para 16 semanas, no caso de a gravidez resultar de crime contra a liberdade ou a autodeterminação sexual. Em tudo o mais, manteve intocado o Código Penal vigente.
Ainda não decorreu um ano sobre esse acontecimento parlamentar e já estamos de novo confrontados com a mesmíssima questão de política legislativa. O que é, que, entretanto, mudou para que se explique a pressa que esta maioria de hoje teve em retomar o tema?
As comissões especializadas aprofundaram o estudo dos problemas éticos, jurídicos e sociais, suscitados pelo aborto ou pela interrupção voluntária da gravidez não punível? Seguramente, não, nem houve audições, nem se elaboraram relatórios e estudos com mais e melhor informação sobre o assunto! Muitos Deputados nem sequer puderam colher a tempo deste debate a documentação parlamentar pertinente: o projecto de lei, adoptado pelo Partido Socialista, por exemplo, foi anunciado na sessão plenária de há oito dias e só chegou ao conhecimento dos Deputados através da comunicação social do fim-de-semana.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Lamentável!

O Orador: - Além disso, nada sabemos, hoje, acerca das consequências práticas das alterações ao artigo 142.º do Código Penal, aprovadas na última sessão legislativa. Nem a Assembleia, nem o Governo, nem os partidos, na exposição de motivos das suas iniciativas, nos oferecem quaisquer informações a respeito. Terá, ao menos - pergunta-se -, o Governo adoptado as providências. organizativas e- regulamentares necessárias à boa execução da legislação atinente à interrupção voluntária da gravidez, como expressamente lho impõe o artigo 2.º da Lei n.º 90/97? Também sobre isto nada sabe hoje esta Câmara!
Se os conhecimentos do Parlamento sobre os problemas reais, gerados na nossa sociedade pelo aborto e pela interrupção voluntária da gravidez não punível, não aumentaram, desde Fevereiro passado, esperar-se-ia, ao menos, que a «criatividade» e a «inventiva» dos Deputados e partidos tivessem inspirado propostas legislativas novas e marcadamente diferentes das de então. Mas nem isso. O que está aí é apenas uma «nova métrica do desrespeito» pela vida intra-uterina do ser humano: o projecto socialista, há um ano, propunha a inteira disponibilidade, por parte da mãe, da vida do feto durante as primeiras 12 semanas da gravidez; agora reduz este período para 10 semanas. A pedido da mulher e após uma consulta a um centro especializado a interrupção da gravidez não é punível se ser-

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vir para a preservação da integridade moral e da dignidade social da mulher e para uma maternidade consciente.
Ao fim e ao cabo, para o PS, nas primeiras 10 semanas de gravidez, o aborto passa a ser praticamente livre, podendo ser usado como legítimo processo de controlo da natalidade.
Se tudo o que é importante está como estava há um ano atrás, é natural que eu, ao usar hoje da palavra, reafirme o que disse então. A ordem jurídica do Estado de direito democrático e da «sociedade aberta» não pode ser confessional nem pode ser pensada como se fosse dedutível de qualquer decálogo, código ou cartilha moral. Pelo contrário, assenta no princípio da separação, por um lado, entre a política e o direito, e, por outro, entre ambos e quaisquer religiões ou sistemas éticos. É esta uma condição de liberdade e um pressuposto da salvaguarda da «eminente dignidade» dos membros da comunidade política.
O pluralismo político, o pluralismo ético, o respeito pela diversidade de culturas e de valores, a tolerância, constituem, de facto, o caldo de cultura próprio da democracia política e social.

Aplausos do PSD.

A ordem jurídica portuguesa assenta nestas ideias-força, particularmente no que concerne ao tratamento dos graves problemas humanos e sociais gerados pelo aborto e pela interrupção voluntária da gravidez não punível.
Neste domínio, o primeiro princípio da nossa cultura jurídica é o da inviolabilidade da vida humana desde a concepção, isto é, desde o momento da formação da identidade genética do ser humano até à sua morte. A partir daquele initium. cada ser humano é sagrado para os outros, seja para a mãe, o pai e a família, seja para a sociedade, seja para o Estado.
Na vida intra-uterina, na infância e adolescência, na juventude e maturidade, na velhice e decrepitude, a vida humana individual nunca pode ser considerada como meio ou instrumento de quem quer que seja. é sempre um fim em si mesmo - para usar a linguagem kantiana.
O princípio da inviolabilidade da vida humana liga-se intrinsecamente ao princípio segundo o qual a mulher grávida tem o dever de levar a termo a gravidez, e. ao mesmo tempo, o direito ao amparo, à protecção e ao apoio do pai, da família, da sociedade e do Estado, apoios esses que sejam necessários, nas circunstâncias concretas da sua vida, ao cumprimento daquele dever.
No enlace destes princípios basilares assentam as exigências dirigidas ao Estado e às instituições da sociedade civil, no sentido de promoverem e divulgarem informações seguras sobre a sexualidade humana, com vista a um planeamento familiar consciente e responsável: ao combate às práticas atentatórias da liberdade e da autodeterminação sexual; à protecção efectiva da maternidade e da natalidade: à garantia dos direitos da criança: à desburocratização da adopção; etc. E todos. aqui. temos consciência dos atrasos que nestes domínios urge vencer em Portugal!
Qualquer dos projectos de lei concernentes ao aborto e à interrupção voluntária da gravidez não punível, hoje em debate, a ser aprovado, alteraria, directa e radicalmente, essa estrutura normativa fundamental da ordem jurídica portuguesa. Para que os representantes políticos do povo português pudessem levá-lo a efeito, com lealdade e honradez democrática, seria preciso que, no mínimo, tivessem revelado aos seus eleitores, no período anterior à eleição, a sua intenção de modificarem assim a legislação sobre o aborto e a interrupção voluntária da gravidez, o que, se calhar, os partidos proponentes ou. melhor, nem todos os partidos proponentes ousaram fazer.
Se na Assembleia da República tudo parou, no que toca à pesquisa sobre a protecção jurídica concretamente devida à vida humana intra-uterina - e este é o ponto fulcral do nosso debate de hoje -, lá fora, pelos largos espaços da Europa e do Mundo, nada parou. O ano de 1997 conta com duas conquistas notáveis: a Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina, elaborada no âmbito do Conselho da Europa e assinada por Portugal em Oviedo, em 4 de Abril de 1997, e a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos do Homem, elaborada pela UNESCO e aprovada por unanimidade e aclamação pela Conferência Geral, em 11 de Novembro de 1997.
Os dois instrumentos jurídicos internacionais apontam' em sentido oposto aos que hoje. como há um ano, ouço nesta Câmara, a propósito da protecção jurídica do embrião ou feto humano. O futuro mostrará mais depressa, se calhar, do que todos julgamos, quem tem a melhor razão neste debate.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, termino como há um ano. Se uma alteração da ordem jurídica, como a que pretendem o PS e o PCP, vier a ter êxito a nível parlamentar, nenhum Deputado ou grupo parlamentar poderá, de consciência tranquila, negar às portuguesas e aos portugueses o direito de se pronunciarem democraticamente em referendo nacional sobre o que pensam a respeito daquilo que a maioria parlamentar de hoje aqui deliberar. É o mínimo que a honestidade política de nós exigirá.

Aplausos do PSD, de pé

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente. Sr. Deputado Barbosa de Melo, já no ano passado tive ocasião de ouvir, aliás, com muito interesse, embora eu discorde dela. uma intervenção sobre esta questão onde V. Ex.ª tocou as questões do direito natural.
Em primeiro lugar, devo dizer-lhe que. de facto, tive alguma desilusão quanto ao relatório apresentado por V. Ex.ª, e que foi derrotado, sobre o projecto de lei do PP e que se deveu tão-só a isto: V. Ex.ª partiu da citação de Ronald Dworkin e de teses por ele defendidas, enquadrando-as num contexto completamente oposto, pois ele defende o contrário daquilo que o Sr. Professor Barbosa de Melo defende. É completamente ao contrário! Inclusivamente, a certa altura, ele. que é uma grande pessoa da filosofia, assim reconhecida, analisa até a própria evolução do embrião e do feto para dizer que, efectivamente, é a partir das 24 semanas. Mas, no que diz respeito à concepção, não encontra nada no Professor Ronald Dworkin a dizer que há vida humana.
Sr. Deputado Barbosa de Melo, essa questão da vida humana é muito interessante, mas V Ex.ª não a encontra em nenhum documento internacional, nem nesses que citou. De facto, os documentos que citou não equiparam a vida do pré-embrião e do embrião - e já explico por que é que falo em pré-embrião - e do teto à vida de uma pessoa. Então, isso quererá dizer que internacionalmente estão muito distraídos, por ainda nada terem posto nos textos internacionais da Declaração dos Direitos do Homem?! O Sr. Deputado Barbosa de Melo, não puseram

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nada, porque, de facto, há uma contenda filosófica, uma contenda científica, acerca desta questão!
Sr. Deputado, sendo o processo biológico um processo com continuidade, explique-me lá então por que é que o espermatozóide não é vida humana?

Vozes do PCP e do Deputado do PS Joel Hasse Ferreira: - Muito bem!

A Oradora: -,Porque é que é só a partir da concepção? O processo biológico é contínuo, Sr. Deputado!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - E se o Sr. Deputado Barbosa de Melo diz que existe vida humana depois da concepção, sabendo-se, como se sabe, que se perde uma grande quantidade de embriões, de 60% a 85%, mais de metade dos casos e estou a citar-lhe dados dos italianos, que discutiram isto com profundidade -, então, temos de fazer alguma coisa, porque isto é vida humana. Qual é a sua receita, Sr. Deputado?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar; tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, agradeço-lhe a sua pergunta e começo por confessar-lhe que tenho sempre um grande gosto em ouvi-la e merecer a sua atenção.
V. Ex.ª, nesta matéria, há um ano como hoje, tem partido sempre da óptica que a mulher romana ou, melhor, os juristas romanos tinham sobre a questão que hoje nós ocupa. Papiniano dizia que, antes de nascer, não pode dizer-se, com correcção, que o feto é um homem, e Ulpiano dizia - e isto casa bem com as suas intervenções - que, antes de nascer, o feto era rima porção ou víscera da mulher.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Nunca afirmei isso!

O Orador: - Não tenho esta óptica. Tenho uma óptica diferente. Também não reivindico - Deus me livre! - para a sociedade de hoje o poder que tinha o pater famílias depois do nascimento. Antes, tratava-se de' uma porção ou víscera da mulher; depois, o pai escolhia quem tinha direito a viver ou era lançado pela rocha tarpeia. Estamos longe de Roma, estamos neste século...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Infelizmente, também estamos longe de Aristóteles!

O Orador: -- ... e vamos tratar as coisas nesta óptica!
Ao ouvi-la, ouço um eco desse fundo histórico que me arrepia, mas gosto de ouvir esse eco. Agora, que V. Ex.ª venha a Plenário evocar um relatório que, aliás, nem foi aprovado, com muita honra para mim, na Comissão, quando não esteve lá para o discutir comigo, fico surpreendido! Mas compreendo.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Fui lá lê-lo e votei-o!

O Orador: - O que digo de Ronald Dworkìn é muito diferente daquilo que a Sr.ª Deputada me imputa. Ainda bem que lá está escrito. No entanto, só lhe peço, que volte a lê-lo, porque dele apenas usei as duas formas de protecção jurídica que concebe, para o embrião humano, não disse qual era a opinião dele, nem sequer, me referi à posição que ele pessoalmente adopta sobre o fundo das coisas.
Não tenho autores benditos ou malditos, ouço tudo e tiro de cada qual aquilo que ele me diz e me ensina...

Aplausos do PSD e de alguns Deputados do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP):- - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Um ano decorrido sobre o debate que nesta Assembleia da República travámos acerca dos, projectos de lei apresentados, pelos diferentes partidos políticos e pelos Deputados, de novo aqui nos encontramos para debater novas iniciativas legislativas referentes ao mesmo problema. É este, aliás, mais, um dos inúmeros, debates sobre as matérias que se travaram na Assembleia da República no pós-revolução. Tenho a honra de ter participado em todos eles. Estive sempre presente nos momentos em que era preciso testemunhar, nesta tribuna, sem tibiezas e com frontalidade, a minha crença inabalável no valor da vida humana e a minha total oposição à liberalização do aborto.
A luta que travei então e que hoje aqui renovo, não teve, nem tem, inimigos. Não duvido das intenções de nenhum dos meus colegas Deputados nesta Assembleia, creio mesmo que, quando em campos opostos, lutamos. por aquilo que acreditamos ser o bem comum.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, sendo este um debate, que ciclicamente volta a Plenário, é inevitável que repitamos as mesmas afirmações e apresentemos os mesmos argumentos. Nem é mau que assim seja, para que os nossos eleitores também possam por aí aferir a fidelidade de cada um de nós ao conjunto dos valores com que se apresentou ao eleitorado e pelo qual se, comprometeu a bater-se.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Por mim mais uma vez, venho afirmar, que, sendo sensível ao sofrimento humano e à injustiça, social a que tantos estão sujeitos, não posso confundir estas, realidades com a inevitável alegria que está sempre ligada à gestação e ao nascimento de uma criança.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Num mundo ordenado e justo, todos, partilharíamos desta alegria e veríamos em cada nascimento um sinal de esperança e uma promessa de futuro. Se o ordenamento social do nosso mundo e o egoísmo dos homens - e ambos são da nossa responsabilidade - tal não permitem, não caiamos na tentação de liquidar. a esperança e a alegria,, porque, então, só nos sobrará a injustiça e o mal, e tudo continuará na mesma.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, não venho hoje dizer-vos nada de diferente daquilo que sempre, vos disse. Sinto-me feliz e justificado, porque ao longo de todos estes anos estive sempre do lado da, cultura da vida e opus-me firmemente a que os meus concidadãos se sentissem atraídos pela cultura da morte, que destrói a consciência na-_

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cional e mata a esperança. dos que sofrem e mais precisam.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sinto-me feliz e justificado porque sempre lutei pela vida dos meus concidadãos, como luto. pela vida dos meus próprios filhos. Também aqui, e tenho a alegria de o dizer, lutei pela vida dos vossos filhos e dos vossos netos Srs. Deputados,...

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - ... para que à sociedade se organizasse no bem e na justiça, para que nenhum de nós ficasse prívàd6 dessa alegria imensa de contribuir para, o enriquecimento da humanidade.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, são nos presentes três projectos de lei sobre a interrupção voluntária da gravidez, um do PCP e dois do PS, uru projecto de lei do CDS-PP, que visa alterar o artigo 66.º do Código Civil, consagrando a, personalidade jurídica do feto humano desde o momento da concepção, e um projecto de resolução, propondo á realização de um refecendo sobre a alteração da Lei do Aborto; apresentado pelo PSD.
A simples proliferação de iniciativas legislativas e a sistemática frequência com que esta Assembleia da República é chamada a apreciar propostas desta natureza seriam já suficientes para ter a certeza de que este é um problema da maior gravidade, capaz de provocar fracturas da maior importância na sociedade portuguesa. Não é, pois, assunto que se possa abordar com superficialidade e, muito menos, senti se estar animado de um profundo respeito pelas questões em presença. Eu não o farei! -
A primeira, constatação que faço é que, é comum a todos os projectos presentes a debate a denúncia da situação de injustiça, da má organização social, da desigual distribuição de recursos, da escassez de estruturas de saúde e de acolhimento, que provocam imerecidas Situações de, angústia em muitas mulheres 'face ao anúncio da, sua futura maternidade. Note-se que ninguém discute a alegria que deve estar associada à maternidade. Bem pelo contrário, há quem diga, apesar da evidente contradição, que se pretende legalizar a. interrupção voluntária da gravidez o aborto; ainda que, sem indicação médica, para que se abra a todas as mulheres a alegria da maternidade desejada.
Refiro a contradição porque estou certo de que a aprovação de tais leis iria, como afirma, com conhecimento de causa, Simone Weil, modificar todo modelo do comportamento humano no que respeita à maternidade. O próprio Luther King, no ardor da sua luta pelos direitos das minorias, afirmava, reconhecendo o valor da lei sobre os costumes, «A lei não, pode obrigar, um branco a amar-me, mas pode evitar que ele me linche».

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputados, se somos unânimes a reconhecer os defeitos da nossa organização social é institucional e os. efeitos aterradores que ela comporta para a propagação da vida humana, porque, não havemos de começar, exactamente por aí? A verdade é que, em Fevereiro de 1997, mais uma vez, abordámos aqui, num longo debate, todos estes problemas e, um ano volvido, é lícito que nos interroguemos sobre o que é que se modificou, o que é que foi aperfeiçoado, como é que se aumentou a cobertura do planeamento familiar, a educação sexual nas escolas, o atendimento familiar, as consultas de fertilidade, o instituto da, adopção, as casas de acolhimento e encaminhamento de mulheres, e toda a panóplia de apoio a situações de injustiça que uma sociedade preocupada, realmente preocupada, com tais problemas deve possuir e, entre nós, não possui?
Durante este, ano visitei, acompanhado por outros Deputados do meu grupo parlamentar, instalações de saúde e instalações sociais em vários pontos do País, com particular atenção a todas as estruturas dedicadas à maternidade e ao planeamento familiar. A verdade é, que não verifiquei melhoras, significativas: a mesma insuficiência de cobertura, a mesma falta de instrumentos e de dispositivos, a mesma ausência de apoio familiar onde ele é manifestamente necessário.
Mais: se, pela primeira vez, se fez em Portugal rim inquérito, com bases científicas sólidas, a um problema desta gravidade, foi a Universidade Católica, e não o Estado, quem o levou a palco. Há dias, os jornais revelaram, pela primeira vez, em Portugal (pasme-se, Srs. Deputados, pela primeira vez em Portugal!), números e indicações sérias que podem orientar uma política neste sector.
Muito se tem dito, muitos números têm sido lançados para à discussão. A verdade, porém, é que ninguém é capaz de os comprovar. Resta a tragédia, essa, sim, bem visível, mas a tragédia dos que sofrem da injustiça da distribuição dos bens deste mundo e não menos dos que sofrem, eles também; dá injustiça de os impedirem de nascer.
Quem quererá, Srs. Deputados, ser responsável pôr este genocídio maciço dos nossos concidadãos, sem sequer ter tentado encontrar a solução onde ela está, isto é; no estabelecimento de uma sociedade justa e atenta aos mais desfavorecidos?
Sr. Presidente e Srs. Deputados, penso que esta Assembleia deveria tomar sobre si a responsabilidade da verdadeira solução deste problema. Penso que se justifica que, ano após ano, aqui tragamos este problema, não já para espreitar a oportunidade de dar lugar à morte mas, sim, para vigiarmos - como nos compete - como progrediu, de ano para ano, a implementação das verdadeiras condições que protegem a vida e garantem a justiça e a felicidade de todos os portugueses.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Faço votos, Sr. Presidente, para que esta Assembleia se constitua em observatório nacional em favor da vida, e que crie, nela própria, os instrumentos para garantir esta condição fundamental da democracia que é o respeito e. a protecção da vida humana - ela, e só ela, portadora da eminente dignidade que nos foi, concedida.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma última palavra acerca da posição dó meu grupo parlamentar relativamente ao projecto de resolução n.º 38/VII, relativo à realização de um referendo sobre a alteração da lei do aborto: por causa do respeito que nos merece a lei vigente, e, na actual ausência. dá aprovação de qualquer iniciativa legislativa neste momento, não podemos dar-lhe o nosso voto positivo. Que fique, porém, claro - como, clara foi toda a nossa posição ao longo deste debate -

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que, em face da aprovação de qualquer lei sobre esta matéria que contrarie os valores pelos quais nos batemos, apoiaremos sem hesitação a proposta que vise a realização de um referendo nacional prévio à votação final global de tal legislação.

Aplausos CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados; começo por dizer que tenho muito orgulho em pertencer a um partido em, que, em matérias desta natureza, é possível o seu grupo parlamentar apresentar como seu um projecto relativamente ao qual António Guterres, como cidadão, tem uma opinião diferente. Isto só demonstra a firmeza de convicções de António Guterres e o respeito do PS pela liberdade de consciência de cada um.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A António Guterres, nosso camarada, nosso amigo e nosso irmão, quero reafirmar a nossa confiança, a nossa amizade e a nossa fraterna solidariedade.

Aplausos do PS.

Gostaria de reavivar certas memórias. Em 1975, fui eu quem pediu aos militantes socialistas, que se encontravam em frente das instalações do jornal República, para acorrerem em defesa do Patriarcado de Lisboa. E foram militantes socialistas que, praticamente sozinhos, o fizeram.

Protestos do CDS-PP.

Vozes do PS: - É verdade!

O Orador: - É verdade, é! Infelizmente, é verdade! Não se ouviram, então, alguns daqueles que, dizendo-se defensores do direito à vida, chegam agora á fazer ameaças de morte ao meu camarada Sérgio Sousa Pinto.

Vozes do PS: - É verdade!

O Orador: - Também não se. ouviram, noutras circunstâncias, outros condenar os crimes do salazarismo, nem sequer quando o Bispo do Porto foi obrigado a exilar-se!

Aplausos do PS.

Não venham, pois, dar-nos lições de direitos humanos. Não têm autoridade moral para o fazer os que sempre se calaram quando os direitos humanos eram realmente violados em Portugal?

Aplausos do PS.

A Constituição da República Portuguesa consagra a separação da Igreja e do Estado. Portugal é um Estado laico, onde ninguém tem o direito de impor aos outros as suas íntimas convicções de consciência 'ou de religião: Trata-se de um princípio fundamental, garante dá liberdade política e da própria liberdade religiosa. Não estamos no domínio da verdade revelada é não responderei a uma intolerância contra intolerância.
Estamos perante um problema que a todos nós suscita interrogações, preocupações, dúvidas. Ninguém aqui defende o aborto. Todos, independentemente das suas inspirações culturais ou religiosas, consideram que o aborto é um mal e um flagelo social. Estou consciente de que, nesta matéria, não há certezas absolutas. Mas estou consciente, também, de que, perante a desordem e a anarquia reinantes, o Estado não pode demitir-se das suas responsabilidades.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A Assembleia da República tem toda a legitimidade para o fazer, porque é á sede da representação nacional. Pôr isso em causa, é pôr em causa o próprio princípio da representação.

Aplausos do PS.

Penso, aliás, que os principais defensores e advogados do referendo depressa se esqueceriam dele se, porventura, os projectos hoje em discussão aqui tossem derrotados.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sem dúvida!

O Orador: - O aborto, em Portugal, está liberalizado da pior forma possível: pelo laxismo, pela mentira, pela hipocrisia, pelo não cumprimento da lei. O dilema que se nos coloca é o de saber se vamos Continuar a fingir ou se, pelo contrário, vamos acabar com a hipocrisia e repor a verdade na lei.
A demissão do Estado e o laxismo, longe de impedirem o aborto, não logram senão encorajá-lo. Toda a gente sabe que a lei não é cumprida, o aborto continua a ser praticado com uma total impunidade; ou, peio menos, com a cumplicidade de quem fecha os olhos para não ver. Toda a gente sabe que se recorre ao aborto segundo a condição económica ou social - infelizmente, também é uma questão de classe: quem tem dinheiro, vai lá fora ou fá-lo em clínicas de luxo; quem o não tem, sujeita-se à rede clandestina, ao vão de escada, à humilhação, à doença, à mutilação ou mesmo à morte e, talvez ao que seja pior ainda, à degradação da sua humanidade no que ela tem de mais íntimo e mais sagrado.
Já aqui o disse e repito: o respeito pelo direito à vida começa pelo respeito pela liberdade e dignidade da mulher. Não é admissível que a mulher seja vista como uma espécie de incubadora ou como um simples objecto de reprodução. O respeito pela vida humana não pode ser encarado numa perspectiva unilateral, consagrando-se em termos absolutos os direitos de uma parte, que é um devir, contra qualquer hipótese de decisão de um ser humano que já o é em toda a sua plenitude.
Respeitando, nesta matéria tão controversa, as convicções religiosas, direi, parafraseando alguém, que se trata, também, de «uma questão cultural, no que a cultura tem de mais profundo e objectivo: o respeito pela vida humana». Não há respeito pela vida humana se o direito excluir, em termos absolutos, o respeito pela decisão da mulher. A exclusão absoluta deste princípio essencial da dignidade da mulher como pessoa humana significaria, no limiar do século XXI, uma regressão do direito e um retrocesso civilizacional.

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É, de facto, uma questão cultural; mas é, também e sobretudo, uma questão política. Não é tolerável que a mulher seja reduzida a uma situação de sub-humanidade, em nome da qual e contra a qual todos decidem, privando-a da sua própria liberdade de consciência e de escolha. Isso também é pôr em causa o direito à vida. Isso também é um atentado aos direitos humanos. Ser mãe não é só um acto físico e passivo; é, também e, sobretudo, um acto de vontade e de consciência, um acto de amor, um acto espiritual. É isso que distingue a vida humana das outras formas de vida.
O projecto que a JS teve a coragem de reapresentar, e foi adoptado pelo grupo parlamentar do PS, não é um projecto radical, como pretende fazer crer algum integrismo e um certo espírito de cruzada: é um projecto de despenalização da interrupção voluntária da gravidez nos prazos nele definidos; consagra a protecção jurídica do primado da decisão da mulher, baseado em valores de dignidade moral e social, assim como na exigência ética de uma maternidade e paternidade conscientes.
A lei actual estipula uma imposição autoritária de valores; este projecto estabelece um equilíbrio mais razoável entre os bens jurídicos que é necessário proteger, a dignidade da mulher e a gestação intra-uterina do processo de formação da pessoa humana, e faz recuar a criminalização pára limites compatíveis com uma sociedade baseada na tolerância.
Aliás, o que hoje vigora não é a lei, é o seu incumprimento. Estamos no reino da clandestinidade, que é uma espécie de liberalização do avesso e uma outra forma de atentado à dignidade humana e ao direito à vida. Estamos no reino da desordem, da injustiça, da hipocrisia e da impunidade. Há um total desfasamento entre a lei e a realidade, o que, como disse Simone Weil, «põe em causa o respeito dos cidadãos por si mesmos, o respeito pela autoridade democrática do Estado» e, acrescento eu, o respeito pelo próprio Estado de direito.

O Sr. José Magalhães (PS): Muito bem!

O Orador: - isso que se pretende? Manter a mentira e fomentar a clandestinidade?
O projecto da JS, agora do PS, propõe a adequação da lei à realidade. É uma solução moderada, uma solução de compatibilização de valores, uma solução de verdade. Não se impõe nada a ninguém: consagra-se, nos termos e prazos propostos, uma opção. Cada um é livre de decidir de acordo com as suas convicções e a sua consciência. Nada mais perigoso do que pretender transferir uma moral, que é do foro íntimo de cada um, para a esfera do Estado é sempre por a( que começa qualquer forma de autoritarismo e de fundamentalismo.

Aplausos do PS.

Ao estipular a liberdade de decisão da mulher, nos termos e prazos legalmente definidos, o Estado admite uma opção mas não impõe uma opinião. Negar essa possibilidade seria transformar a opinião contrária em doutrina e imposição do Estado. Isso, sim, é dogmatismo! Isso, sim, é intolerância! Uma sociedade moderna é incompatível com maniqueísmos foram eles que levaram a humanidade às suas piores catástrofes.
Por isso eu digo: o mais radical de todos os direitos humanos é o direito de pensar de maneira diferente. A tolerância é a grande vitória do espírito sobre a irracionalidade e o instinto, e o pior de todos os exílios, como Holderlin tão bem compreendeu, é o exílio da casa do ser. É o que acontece sempre que se pretende transpor para o Estado, como obrigação e verdade absoluta, o que pertence à consciência e ao foro íntimo de cada um.
Ninguém é dono de ninguém. Ninguém - nenhum Estado, nenhuma religião, nenhum sistema - é dono da íntima liberdade da mulher. E foi talvez por isso que um poeta disse: «A mulher é o futuro do homem».

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Nuno Abecasis pediu a palavra para pedir esclarecimentos, mas não tem tempo para isso. Contudo, considerando que se trata de uma exigência da alma, a Mesa concede-lhe dois minutos para formular o seu pedido de esclarecimento.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, muito obrigado pela sua generosidade proverbial.
Sr. Deputado Manuel Alegre, basta-me conhecê-lo e saber que o senhor é um poeta para saber da sinceridade com que descreveu o trágico quadro, que partilho em apreciação consigo e que me preocupa tanto como a si. E é por isso, Sr. Deputado Manuel Alegre, por não querer que estes problemas sejam iludidos, que lhe coloco apenas duas questões, sendo a primeira no sentido de saber se o Sr. Deputado Manuel Alegre sabe que o Estado português não subsidia a colocação de dispositivos infra-uterinos, mesmo considerados, como estão, como um meio de grande eficácia no controle da natalidade. O Estado português, com as leis que há, aqui votadas desde 1985, não subsidia isto!
A segunda questão é no sentido de saber se o Sr. Deputado Manuel Alegre, em consequência, já protestou com os sucessivos Ministérios da Saúde que não têm isto em conta.
Sr. Deputado Manuel Alegre, a dignidade da mulher não é sequer passível de discussão e, assim, pergunto-lhe porque é que ela termina às doze semanas? Porquê? Será que depois das doze semanas já não há mais dignidade para a mulher ou o que é que vai acontecer?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

Entretanto, assumiu a Presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, é verdade que o Estado não subsidia mas também ninguém vai preso por usar esse dispositivo.

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - Quanto à segunda matéria, é outra discussão, na qual estou disposto a participar quando for esse o debate. Porém, o que hoje estamos aqui a decidir é se se consagra, em termos absolutos, o direito de um bem e se exclui, em termos absolutos, o direito e a liberdade de outro.

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Vozes do CDS-PP: - Direito, a prazo! A prazo! A dignidade da mulher não pode ter prazo! Sr. Deputado, não respondeu. Já é a segunda vez que não respondem!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: À medida que o tempo passa, torna-se mais evidente o carácter antiquado, mesmo arcaico, dos sucessivos projectos de liberalização do aborto. Este facto não me surpreende, uma vez que se fundamentam em conhecimentos científicos ultrapassados e em contextos sociais e culturais de há vinte ou mais anos, quando não em meras ideologias crepusculares. Penso que a pressa dos proponentes do projecto de lei n.º 451/VII é, assim, a fuga para diante de quem sente que a evolução dos conhecimentos e das mentalidades vai no sentido oposto ao das suas propostas.
Em primeiro lugar, alarga-se a maioria dos portugueses que rejeitam tais projectos, como mostram repetidas sondagens que vêm sendo divulgadas há poucas semanas e mesmo há poucos dias. Deve ser sublinhado que as mulheres se afirmam muito mais contrárias que os homens, o que deveria fazer reflectir os que pretendem falarem seu nome, para não cair nos resquícios de um estranho e caduco vanguardismo.
Em segundo lugar, verifica-se uma maior clarificação sobre o conjunto de direitos indiscutíveis, internacionalmente consagrados, os direitos reprodutivos da mulher e do homem. Afirma-se, é certo, o direito de cada um decidir livremente se e quando quer conceber um novo ser humano, bem como a liberdade de dispor do seu corpo; mas também se afirma que, no seu exercício, os referidos direitos terão de ter em conta os direitos dos outros. Por consequência, o direito a conceber exerce-se legitimamente antes da geração livre de um novo ser e não depois.
A amálgama de situações totalmente diferentes, que se querem tornar análogas com vista a justificar um objectivo pré-determinado a alcançar a qualquer preço, não pode ser feita. Trata-se de uma técnica não verdadeira, de tal modo utilizada por sucessivos regimes totalitários que todos dela nos deveríamos afastar.
Também têm aumentado as provas que mostram que o aborto clandestino não desaparece com a legalização, nem os riscos clínicos são inexistentes no aborto legalizado.
Já sabemos que é defeito crónico dos positivistas o auto-convencimento de que uma simples lei pode modificar totalmente os comportamentos sociais. Não é verdade! A experiência de vários países, entre outros a Itália, mostra que motivações sociais, morais e culturais levam à persistência do aborto clandestino. Este facto põe em causa o objectivo central dos projectos em apreciação e retira-lhes validade.
Por outro lado, verifica-se que, quando se consagra na lei a infracção, o resultado é a multiplicação dela = o exemplo britânico aí está para nos recordar este facto.
Abrem-se, assim, as portas a outras motivações para abortar, entre outras, pura conveniência económica, uso como meio anticoncepcional, para escolha do sexo, etc. É assustadora a evolução que se está a dar nos grandes países da Ásia, nos quais se verifica já um défice de muitas dezenas de milhões de crianças do sexo feminino. A nível mundial, o aborto livre começou, pois, a reduzir fortemente o número e a proporção de mulheres, com consequências, a prazo, absolutamente imprevisíveis.,
Refira-se, ainda, que a proposta legalização dá uma indicação contrária ao estímulo da natalidade; particularmente grave em países em que já há anos não asseguram a substituição de gerações, como é o nosso.
Mais uma vez se comprova que a ética da convicção, à qual só interessa a bondade das intenções e a concretização de convicções, tem de ser completada por uma ética de responsabilidade, que exige se tenha em consideração os resultados das acções empreendidas. Sustenta-se na ética dos nossos dias a necessidade de uma síntese, voltando a ser valorizada a prudência, virtude da atenção ao concreto e às consequências, efectivas dos actos praticados.
Quero, no entanto, sublinhar que, mesmo que algum problema pudesse ser resolvido pela via proposta, o que não é o caso, os fins nunca poderiam justificar os meios. Este princípio fundamental da ética obriga a que, sendo 0 aborto um meio intrinsecamente mau, como todos reconhecem, não possa ser utilizado.
A crescente consciência do carácter único e insubstituível do genoma humano, criado na concepção dó novo ser, momento em que começa a sua individualização, mudou muito o panorama desta questão. Nela se fundamentou a UNESCO ao aprovar recentemente a Declaração sobre o Genoma Humano, Já aqui referida, na qual este é considerado «património comum da Humanidade».
Por seu lado, o Conselho da Europa abriu à assinatura uma Convenção Europeia sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina, que garante a protecção da dignidade e identidade de todos os seres humanos e protege o genoma humano, preconizando-se que qualquer intervenção que tenha por objecto a sua modificação só pode ser empreendida por razões de diagnóstico ou terapêuticas e se o seu objecto não for a introdução de modificações no genoma da descendência. Mais adiante dispõe-se que, quando a investigação em embriões in vitro, for admitida pela lei, deverá assegurar uma protecção adequada ao embrião, proibindo a criação de embriões humanos para fins de, investigação. Assim se explica que, entre os protocolos que estão em preparação para dar sequência e desenvolvimento a esta Convenção, se conte um relativo à protecção do embrião.
Como sabem, foi entretanto aberto à assinatura o protocolo que visa impedir a criação de seres humanos geneticamente idênticos a outros já existentes ou falecidos.
Portanto, aquilo a que uma perspectiva renovada e actual nos deveria conduzir, aquilo que a modernidade e o futuro nos exigem é a elaboração de um estatuto do embrião. Nele deveriam ser reconhecidos os direitos fundamentais e constitucionais a que o embrião tem direito por força da sua pertença à espécie humana, que ninguém nega. São aqueles que interessam à sua sobrevivência e desenvolvimento: o direito à vida, o direito a nascer, o direito aos tratamentos médicos adequados e à protecção do seu património genético.
Proporia acrescentar desde já o seguinte: há algum tempo vem sendo rejeitada a dita liberalização com base num argumento novo, fundado na potencialidade do ser. A vida já vivida por um ser humano não lhe pode ser tirada, o que lhe pode ser tirada, é a perspectiva de uma vida humana no, futuro. Ora esta perspectiva é essencialmente idêntica no embrião, no feto, na criança, no jovem e não há nenhuma razão que possa justificar e autorizar

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que se frustrem voluntariamente as possibilidades de vida e desenvolvimento de um ser humano num determinado momento da sua existência e dão noutros.
Em Setembro passado, teve lugar outro facto de particular relevo: a consagração ria Constituição, no elenco quer dos direitos dos povos, quer dos direitos do Homem; do direito ao desenvolvimento. De novo, os portugueses foram pioneiros, consagrando este direito fundamental de todo o ser humano, a possibilidade de acesso de cada um ao conjunto das aquisições da Humanidade.
É certo que, já em 1986, a Assembleia Geral da ONU o tinha proclamado na sua Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento como direito inalienável do homem é dos povos para participar, contribuir para e gozar o desenvolvimento. económico, social, cultural e, político, através do qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais podem ser completamente, realizados.
É evidente que os ditos projectos põem em causa este direito natural de todo o, ser humano, que resulta da sua própria essência, de realizaras suas potencialidades. Mas há, mais, uma vez que se trata de um direito englobante, um direito/dever, que inclui a responsabilidade de cada um contribuir, a seu modo e de acordo com as suas capacidades, para o desenvolvimento de todos, tal liberalização põe em causa-a própria Humanidade.
Não estou sequer a pensar nos educadores, cientistas, artistas, operários, agricultores, economistas, empresários, políticos ou desportistas mais ou menos fulgurantes, mas, sim, em todos aqueles que, por formas menos conhecidas, pela profissão, mas, sobretudo, pelo afecto e pela generosidade, podem dar contributos muito importantes para a humanidade, salvando muitas, outras vidas.
Talvez por isso - e não pode deixar de me comover tal coincidência já antiquíssimas tradições, como a judaica, tinham subjacente a esta ideia, tão actual no nosso século: «Quem salva uma vida, salva a Humanidade». Logo, quem destrói uma vida, destrói a, Humanidade. Como o destruidor dela faz parte, ainda que o não saiba, está, de algum modo, a suicidar-se.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Se proponho o reconhecimento do direito ao desenvolvimento do ser gerado, não esqueço que ele é indissociável dos direitos: da mãe. Esta tem o direito inalienável à efectivação do seu próprio direito ao desenvolvimento, dos seus direitos à maternidade, ao planeamento familiar, à formação e à informação e a toda a ajuda necessária para educação dos filhos, devendo: ser severamente punidos todos os abusos que a possam prejudicar.
Todo o apoio tem também de ser concedido às instituições que eduquem os que não têm família: Como afirmou aqui, há um ano, em notável intervenção, o meu companheiro de bancada o Deputado Paulo Mendo: «A sociedade portuguesa tem todos os meios necessários é suficientes para garantir a todos os bebés que nasçam na nossa comunidade boas condições de desenvolvimento físico e psíquico, que lhes proporcionem uma vida saudável e normal, mesmo que a mãe não se sinta capaz de ser ela a arcar com essa responsabilidade.
A garantia de acesso a estas condições, a facilitação da adopção, a protecção financeira e social da grávida e da jovem mãe são os caminhos à seguir politicamente para estimular a maternidade e lutar contra o aborto por razões sociais».
Está acção tem de ter prioridade absoluta entre todas as tarefas do Governo e ser levada a cabo custe o que custar. Espero que transmitam, apesar das discordâncias, esta mensagem ao Vosso Governo.
As questões económicas, sociais e culturais resolvem-se com medidas económicas, sociais e educativas. Não se podem resolver sacrificando valores superiores, o que poria em causa ó próprio sentido da vida em comunidade.
Por consequência, deve ser promovida a vida ao longo de todo o percurso terreno, proscrevendo a guerra, a eutanásia, a violência, á pena de morte; protestando contra os que, como hoje mesmo vimos com indignação e revolta, não querem ver que a vida é um valor superior à justiça e confundem civilização com proezas tecnológicas e económicas; prevenindo outras situações potencialmente perigosas para a vida, indo ao ponto de, inspirando-nos no direito francês, que - concedo - também tem as suas
coisas boas quando se afasta, do jacobinismo de que alguns dos Srs. Deputados tanto gostam, adoptar á obrigação de cada um se responsabilizar pela vida dos outros em situações de risco; desde que sem risco grave para o próprio, sancionando o delito de não assistência consciente.
Mas não é justo, não é possível, excluir o ser humano não nascido, o mais vulnerável, o mais indefeso, da qualidade de sujeito a que in deve ser dada a mesma assistência que é atribuída à todos os outros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Parece-me sei esta, em conclusão, a melhor perspectiva de futuro para quem queira construir a modernidade.
É-nos possível delinear, tal como se propõe fazer o Conselho da Europa, um estatuto consensual do embrião. Tem de se rejeitar inequivocamente todo o acto que provoque a ruptura violenta de uma, vida de um ser com a comunidade humana à qual pertence, a quem alguém já chamou um acto absurdo por excelência.
Todos os seres Humanos têm a, mesma dignidade e merecem respeito e protecção, como recordou o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, no seu parecer, acrescentando: «À luz dos princípios éticos, a vida pré-natal merece ainda maior protecção por ser mais frágil e incipiente».

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Este caminho construtivo, rejeitando os projectos negativos, é o que melhor respeita o sentir e as tradições pioneiras do povo português. Ele soube antecipar-se, com a sua capacidade de acolhimento, no caminho de um novo humanismo, que temos obrigação de continuar. e até mesmo de admirar.

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma. intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Porque, não votar já, sem debate? Tudo parece resumir-se a um mero cálculo aritmético. As ideias, os princípios, cedem perante uma lógica febril de contabilidade de votos ou de adaptação, táctica dós prazos. Prazos que nada têm a ver com a substância das questões.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - É a proclamação do total relativismo. A verdade é destituída de sentido, porque tudo ou quase tudo pode ser defendido. Uma democracia assim construída está doente, reduzida a números.
Bem pelo contrário, existem valores inquestionavelmente estruturantes de uma sociedade humana desenvolvida. Sem relativismos. 0 primeiro é, sem dúvida, o da defesa da vida.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, a legitimação da interrupção voluntária da gravidez é a resposta grosseira que uma sociedade confusa encontra para legitimar a sua incapacidade para ajudar os mais fracos: as mulheres em situação de desestruturação psíquica, social ou económica, as adolescentes fragilizadas no seu desenvolvimento ou os bebés inviabilizados no seu nascimento.
A legitimação da interrupção voluntária dá gravidez é a evidência de uma sociedade impotente, incompetente e desorganizada, que transforma o problema na sua solução, subverte hierarquias, pretende liberdades que, não existem, silencia princípios. Ignora a existência de um, bem jurídico prévio a proteger, que é o da vida humana.
A legitimação da interrupção voluntária da gravidez é ainda a evidência de uma sociedade que, de forma obscura, persiste na ignorância de verdades, comprovadas cientificamente em cada óvulo fecundado existe um código genético completado, único e irrepetível.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: --Sr: Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Na clara evidência de incapacidade ética e política na resolução dos problemas dos mais desamparados; ao definir como solução a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, reduz-se o valor absoluto da vida, outorgando-se aos reais fortes o poder discricionário de dispor dos mais fracos.
A dignidade é a assumpção das nossas liberdades e dos nossos deveres. Não há liberdade sem respeito pelo outro. Não há dignidade sem a responsabilidade social no exercício da liberdade individual. Não há justiça quando a liberdade de um se sobrepõe ao simples direito de existir do mais débil.
Todos os totalitarismos se justificaram em nome do livre arbítrio do mais forte. Todos os grandes crimes da humanidade nasceram de uma ideia perversa: a pretensa amoralidade da liberdade individual.
Os projectos de lei que hoje aqui se apreciam; relativos à despenalização da interrupção voluntária da gravidez, representam meras variantes na legitimação dá mesma. São todos eles fórmulas inadequadas de resposta às circunstâncias injustas em que se encontram as mulheres.
Votarei, por isso, contra qualquer um destes projectos.
Não se pode resolver uma injustiça cometendo outra maior.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Almeida Santos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O aborto clandestino é a segunda causa, de morte materna em Portugal.
Independentemente do que a nossa sociedade faz e pensa, independentemente do que cada Deputado à Assembleia da República faz e pensa,, as mulheres portuguesas, confrontadas com a necessidade de tomar essa decisão, abortam fora da lei.
A maioria dos abortos que se praticam em Portugal são abortos clandestinos. Porque clandestinos, são feitos às «escondidas», sem condições de higiene e de segurança para a, saúde da mulher.
Apesar de a actual lei proibir o aborto e de condenar as mulheres que não cumprem com uruá pena de prisão, a verdade simples é que esta lei está em vigor desde 1984 é, até hoje, o número de condenações pelo crime de aborto é insignificante.
A sociedade sabe, mas consente. E por isso, é cúmplice.
Para o Partido Socialista o que está em causa neste debate são dois aspectos fundamentais: a realidade do aborto clandestino, por um lado; e a ficção de uma lei que não se cumpre, por outro.
O relatório de Setembro de 1997 sobre o estado de saúde das mulheres na Comunidade Europeia refere que, em Portugal, para cada 1000 nados vivos houve 200 abortos clandestinos.
Portugal é o país da Europa que apresenta a mais elevada taxa de gravidez na adolescência e o aborto é actualmente a primeira causa de morte materna neste grupo etário.
Á mortalidade de grávidas pôr complicações de aborto
foi responsável, em 1995, por três em cada nove mortes
maternas.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Estas mortes são intoleráveis, porque podiam ter sido evitadas!

Aplausos do PS.

Estas mortes são intoleráveis, porque podem ser evitadas!
Enquanto responsáveis políticos; não podemos ignorar estes factos. Sobretudo, não podemos ignorar as graves consequências que têm-na vida de muitas mulheres portuguesas.
Fazendo, uma comparação de âmbito europeu, é possível concluir de forma clara o seguinte: a despenalização do aborto na, Europa não teve como consequência um aumento dos abortos, bem pelo contrário, em particular nos países em que essa despenalização foi acompanhada com
o reforço das políticas de planeamento familiar os países que têm leis mais restritivas, como é o caso de Portugal, não apresentam um menor número de abortos, quando, comparados com países com leis mais abertas, com é, por exemplo, o caso da, Holanda a legislação repressiva não
impede o ,aborto e, resulta, na maioria dos casos, no aborto turístico para quem pode pagar e , no aborto, ilegal e inseguro para quem não pode.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A necessidade, de corrigir. esta lei é evidente. Mas é também urgente o reforço e á reorganização do sistema e planeamento familiar e a educação sexual nas escolas, para. a efectiva redução do número de abortos em Portugal.
Os Centros de Aconselhamento Familiar, previstos no projecto de lei do Partido Socialista; destinam-se a apoiar e a aconselhar a mulher grávida á tentar superar todos os

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problemas relacionados com uma gravidez indesejada, contribuindo, assim, para uma decisão responsável e consciente.
No entanto. Srs. Deputados, convém que tenhamos consciência de que. mesmo com um serviço de planeamento familiar que abranja toda a população em idade fértil, será sempre impossível ultrapassar as falhas inerentes a cada método de contracepção. Que resposta para a falha de um dispositivo intra-uterino ou para uma laqueação tubária mal feitas. No entanto, são métodos cuja eficácia não depende da mulher.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, a realidade é esta: a lei que criminaliza a interrupção voluntária da gravidez não é aplicada.
O aborto ilegal é um problema de saúde pública.
O que está em causa é a nossa atitude perante este problema. Ignorar o problema não é. pois, uma solução, é apenas a atitude mais cómoda, mais fácil, mas também a mais cruel.
Se para alguns é suficiente uma lei que reprime e condena o aborto, mas que não tem a coragem para condenar as mulheres que a ele recorrem, deixando-as sozinhas numa decisão que põe em risco as suas vidas e saúde, é hora de dizer basta!
Se, para os mesmos, tapar muito bem os olhos é o suficiente para dormirem tranquilos, é hora de dizer basta!

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Pela maternidade e paternidade conscientes, pela saúde e vida das mulheres portuguesas, não podemos consentir numa penalizarão que não penaliza, numa «solução» que não resolve. E hora de dizer basta!

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - É hora de dizer basta a este «faz de conta». É hora de dizer: «o Rei vai nu».

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - A única forma de as mulheres portuguesas poderem decidir sem precipitações ou medo é descriminalizando a interrupção voluntária da gravidez, num prazo legalmente definido.
Ignorar a realidade e consentir o aborto clandestino é votar ao perigo de vida. ao sofrimento e à solidão todas as mulheres que um dia já se viram, e se vêem hoje, perante o dilema e a necessidade de tomar uma decisão que e sempre tão dramática e tão dolorosa.
Já aqui foram referidas, mas importa sublinhar, as palavras de Adrienne Richt, poetisa americana: «o aborto é uma violência - uma violência profunda e desesperada infligida por uma mulher, primeiro que tudo. sobre si própria».

Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente. Sr.ªs e Srs Deputados: Daqui a instantes a Assembleia da República vai votar os projectos de lei em discussão. Tal como há um ano. os Deputados do Grupo Parlamentar do PSD vão votar em função da sua consciência, em total liberdade de consciência, sem qualquer disciplina de voto. E vão fazê-lo sem qualquer tipo de pressão, sem qualquer tipo de coacção e sem a vergonha de terem de ser substituídos em cima da hora. porque nós praticamos a liberdade de consciência em todos os momentos.

Aplausos do PSD.

É uma questão de coerência: se esta é uma questão da consciência de cada um, nenhum partido tem o direito de disciplinar - e muito menos de sanear - as consciências daqueles que representam o povo português nesta Assembleia.

Aplausos do PSD

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há um ano, realizou-se aqui um debate sobre o mesmo assunto. Para a história do debate de há um ano, fica, para além da discussão acesa e da votação disputada, um compromisso público importante: o compromisso assumido pelo Partido Socialista, dentro desta Assembleia e fora dela, de que se algum projecto sobre o aborto fosse aprovado na generalidade se comprometeria, imediatamente a seguir, a consultar os portugueses e a fazer um referendo popular. A História não pode apagar este compromisso, que, ontem, foi feito perante os portugueses, e do qual agora, o mesmo pretende fazer tábua rasa.

Aplausos do PSD.

De há um ano para cá, o que aconteceu de relevante na sociedade portuguesa? Nenhum debate sobre a matéria foi realizado, nenhum estudo novo foi produzido. As únicas coisas que aconteceram de novo na sociedade portuguesa sobre esta matéria foram simplesmente estas: se há um ano muitos portugueses queriam ser chamados a pronunciar-se e a decidir sobre esta matéria, na sequência do compromisso assumido pelo PS. essa maioria é, hoje, esmagadora. São mais de 80% dos portugueses - mais ainda, das mulheres portuguesas - que dizem publicamente, de uma forma clara e aberta, que não delegaram o direito de decidir em nenhum dos Srs. Deputados, que esta é uma questão da consciência e do foro íntimo de cada um e que, por isso. têm o direito, e sobretudo o dever, de serem eles. as mulheres e os homens de Portugal, a decidir num referendo e numa consulta popular.

Aplausos do PSD.

É, ao contrário do que aqui foi referido pelo líder parlamentar do PS, o referendo mais desejado pelos portugueses, mais desejado do que qualquer um dos outros que foram falados e prometidos ao povo português. E é compreensível que assim seja. Na questão do aborto estão em causa princípios e convicções, nas outras matérias, a serem sujeitas a referendo, estão sobretudo em causa questões de direito e de política.
Aqui, temos de dizer o seguinte: os portugueses desejam este referendo, porque as questões de princípios, de convicções e do foro íntimo de cada um estão para além do direito e da política e, mais do que isso, estão longe, muito longe, de se esgotarem no direito e na política. Só não percebe isto o PS, que, por uma questão de oportunismo, de táctica política e de conveniência, quer hoje

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negar o compromisso que assumiu, há um ano atrás, nesta Casa.

Aplausos do PSD

O segundo dado relevante que sucedeu tem a ver com as figuras do Estado. De há um ano para cá, o Sr. Presidente dá República, que, até aí, não tinha emitido opinião sobre o assunto, pronunciou-se publicamente a favor do referendo sobre o aborto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Presidente da Assembleia da República, segunda figura do Estado, pronunciou-se, já depois disso, pública e expressamente, a favor de uma consulta popular e de um referendo para decidir à questão do aborto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro, ontem mesmo, apesar das circunstâncias de todos conhecidas, não quis deixar, perante a delicadeza da matéria, de transmitir, uma vez mais; publicamente; que mantinha a opinião e o compromisso, assumidos há um ano atrás,...

Vozes do PS: - É mentira!

O Orador: - ... ou seja, a opinião, de que esta era uma questão de consciência e o compromisso do referendo popular.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS, batendo com as mãos nas bancadas.

Ao mais alto nível do Estado, as suas três principais figuras entendem, independentemente das suas convicções sobre a questão de fundo, em sintonia com os portugueses e em coerência com o facto de esta ser uma questão. do foro íntimo de cada um, que não há o direito de retirar ao povo português aquilo que ele muito deseja: pronunciar-se sobre esta matéria.
E, mais, é importante e justificado que o tenham feito, porque esta questão, ao contrário do. que aqui alguns disseram, não é uma questão religiosa, de divisão entre católicos, de um lado, e não católicos, do outro;...

O Sr. Manuel Alegre (PS): - O senhor é que está a dizê-lo!

O Orador: - .. não é uma questão de cultura política, em que, de um lado, está a esquerda e, do outro, a direita;...

Protestos do PS.

... não é uma questão de maniqueísmo, em que, de um lado, supostamente, estão os bons e, do outro, os maus. É uma questão do fora íntimo de cada um,...

O Sr. António Reis (PS): = Não é verdade! É uma questão política!

O Orador: - ... é uma questão de consciência e, mais do que isso, é uma questão cultural; porque tem a ver com o mais importante fundamento da moral e do direito, que é o direito à vida, a preservação e o reforço da dignidade da pessoa humana. E por isso que o povo português quer decidir.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante este quadro, em que os, portugueses sentem que 230 Deputados, mesmo votando em consciência, não têm o direito de se substituírem à consciência de 10 milhões de portugueses, é que se coloca a nossa questão do referendo.

Protestos do PS.

E a primeira coisa que importa ter em atenção é esta: gostem ou não, esta questão do referendo já. deixou, há muito, de ser uma bandeira do PSD para passar a ser uma causa da esmagadora maioria dos portugueses. Disso é que ninguém tem dúvidas.

Aplausos do PSD.

Perante este quadro, porventura este debate, ao contrário do de há um ano atrás, não se esgotará no dia de hoje; continuará nos próximos dias, dentro e fora desta Assembleia, e terá um momento particularmente importante, daqui a 15 dias, no dia 19 de Fevereiro.
Em função disto, quero aqui interpelar directamente o Partido Socialista e, de uma forma muito especial, o seu líder parlamentar. É uma pergunta simples, que se impõe e para a qual se reclama uma resposta igualmente clara. Pergunto se há alguma questão de princípio - sublinho, de princípio - que faça ,com que, o PS não cumpra o compromisso público, assumido há um ano, de realizar este referendo sobre o aborto.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Já foi respondido!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Leia a intervenção!

O Orador: - Pergunto ao Sr. Deputado Francisco de Assis se há alguma questão de princípio - repito, de, princípio - que impossibilite que este referendo seja realizado. Esta pergunta é importante e a resposta ainda mais, em particular por esta razão: o tema é demasiado sério, a questão demasiado importante e a vontade dos portugueses tão nítida e tão clara que não pode haver razões processuais, de prazos ou de calendários, que possam sacrificar uma questão de princípio essencial como é o referendo sobre uma matéria que diz respeito à consciência e ao foro íntimo de cada um.

Aplausos do PSD.

Termino, Sr. Presidente e Srs. Deputados, dizendo 0 seguinte: este processo, infelizmente para todos, começou mal, mas é importante que se faça um estorço para que não termine mal. Começou mal, porque, há um ano, e novamente, agora, o PS, dizendo o contrário do que disse na última campanha eleitoral de 1995, propôs-se alterar a legislação sobre o aborto. A prova está aqui, na, Revista da Ordem dos Médicos, num depoimento oficial e formal dó Partido Socialista, em Agosto de 1995, em que se diz expressamente que a, actual lei do aborto é suficiente e que

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não se propõe fazer nenhuma alteração. Por isso, negou o compromisso.

Aplausos do PSD.

Se o processo começou mal, continuou mal porque, há um ano, no debate aqui realizado, o Partido Socialista prometeu expressamente realizar a consulta popular em caso de aprovação na generalidade de algum projecto de lei sobre esta, matéria.
Ora, o Partido Socialista é o mesmo; a questão é a mesma; o grupo parlamentar socialista, apesar de algumas apressadas substituições, é o mesmo. Impõe-se, por isso mesmo, que, com clareza, responda à questão que aqui coloquei. A única forma de poder ser corrigido o que começou mal e continuou mal é emendando-se o erro. É uma questão de respeito pela palavra dada.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Está cada vez mais na mesma!

O Orador: - É uma questão de respeito pelos eleitores portugueses. É uma questão de respeito pela consciência de cada cidadão. É uma questão de honestidade política.
Esperamos a resposta.

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Para defesa da honra da bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, é com grande pesar que, uma vez mais, verificamos que, sobre a questão substancial que está hoje a ser discutida nesta Câmara; o líder parlamentar do maior partido da oposição não disse rigorosamente nada!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Sobre o tema candente e politicamente relevante que, hoje, está a ser discutido, o PSD não assume, através do seu líder parlamentar, qualquer tipo de posição.
Já outros falaram e tiveram oportunidade de exprimir as suas posições. Confrontaram-se aqui orientações diversas; mas todos quiseram dar o testemunho da sua contribuição substancial para um debate que é político porque estamos a falar de uma questão de política penal. Este é um debate que, naturalmente, não é alheio a uma informação de natureza ética e moral, mas, no essencial, é um debate político, tal como tive oportunidade de salientar há pouco na minha intervenção.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Não caiamos na tentação ingénua e inaceitável de confundir os planos e de remeter para uma ordem de uma ética, que alguns gostariam que fosse etérea e puramente metafísica, aquilo que é da ordem da política e da ordem do Direito, no plano mais tangível em que este se manifesta.

Aplausos do PS.

Sobre a questão essencial, o, Sr. Deputado nada disse.
E não deixa de ser curioso constatar que o líder parlamentar do PSD já só consegue suscitar o entusiasmo da sua bancada quando faz referência a questões processuais, metodológicas e puramente tácticas. E a demonstração do grau zero e do vazio do pensamento político que, infelizmente, afecta hoje um partido sem convicções e sem orientações como é o PSD.

Aplausos do PS.

É por isso que os senhores propõem o referendo por tudo e por nada. Porque, para o PSD, o referendo é um instrumento para se eximir a tomar posições claras em relação aos mais diversos assuntos que, actualmente, se colocam em discussão na vida política portuguesa.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado Luís Marques Mendes, se quer provar aqui, hoje, a boa fé, a bondade da sua adesão ao referendo em relação a esta matéria, tem uma maneira simples de fazê-lo. Comprometa-se perante esta Câmara a que o PSD, caso estes projectos de lei sejam rejeitados, apresente uma proposta para a realização de um referendo sobre esta matéria.

Aplausos do PS.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não o fez no ano passado!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes para dar explicações, querendo.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco de Assis, sobre a questão de fundo, eu próprio, há um ano, emiti a minha opinião.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PS: - Zero!

O Orador: - A minha opinião é, hoje, rigorosamente a mesma. Não sei se nesta Câmara, designadamente na sua bancada, todos podem dizer exactamente o mesmo que eu.

Aplausos do PSD.

Sobre a opinião de vários outros colegas; então e agora, foram feitas aqui intervenções de muita convicção e de muita qualidade.
Mas, Sr. Deputado, mais importante do que a minha opinião, do que a sua opinião sobre esta matéria era ouvir a opinião da generalidade dos portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - É que, verdadeiramente, Sr: Deputado, eu próprio e o senhor fomos eleitos Deputados à Assembleia da República, o que significa representar os eleitores, os portugueses. Mas o senhor, tal como eu, não recebeu, nas últimas eleições, nenhum mandato para alterar a legislação sobre o aborto - bem pelo contrário! O senhor está a fazer o contrário do que foi prometido aos portugueses!

Aplausos do PSD.

Seria bom que o senhor tivesse a coragem de desmentir aqui as afirmações públicas que estão feitas. Não as inventei.
O que há de maior desrespeito na vida pública, o que
é mais desprestigiante para a democracia é quando um dirigente político não honra os seus compromissos, não se curva perante a sua palavra, dá o dito por não dito perante o eleitorado.

Protestos do PS.

Isto é que é grave e irresponsável!

Aplausos do PSD.

Mais grave - e o senhor não o disse - é saber por que é que, há um ano, assumiu um compromisso. Que eu saiba, o senhor também era Deputado há um ano atrás, que eu saiba, o senhor também assumiu esse compromisso. De há um ano a esta parte, aumentou o número de portugueses que querem pronunciar-se. O Sr. Primeiro Ministro, ontem mesmo, fez saber que mantém a sua opinião sobre esta matéria. E os senhores o que fazem? Fazem tábua rasa de tudo isto! Porque os senhores sacrificam a pureza dos princípios, a verdade democrática, aos princípios da táctica, da conveniência e do oportunismo político. Esta é que é a realidade!

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado, não se trata de uma questão de «propormos referendos por tudo e por nada», até porque, em todas estas matérias relativas a referendos, aos três que foram prometidos aos portugueses, que eu saiba, o senhor, tal como eu próprio, comprometeu-se com todos eles.
Quanto a um deles é que está a mudar de opinião!
Aliás, vamos ver «o andar da carruagem» para verse o senhor e a sua bancada também não mudarão de opinião relativamente a outros compromissos desses.

Aplausos do PSD.

Já não chega o Governo que V. Ex.ª apoia fazer coisas virtuais, agora também andam a prometer aos portugueses «referendos virtuais»: todos previstos na Constituição mas nenhum para realizar!
Os portugueses já estão fartos de ouvir falar em referendos. O que querem é que os seus representantes façam, de facto, o que prometem.
Assim, digo-lhe, a concluir: das suas palavras, interpreto que, afinal, não tem uma objecção de princípio à questão do referendo sobre esta matéria. Por isso mesmo, aqui lhe digo que, na altura própria, no tempo subsequente à votação de hoje, será confrontado com uma proposta clara e nítida sobre a questão de fundo e a questão de princípio, ultrapassando dificuldades processuais e outras. E quero ver se, nessa altura, vai existir coerência e honestidade política para votar favoravelmente a nossa proposta relativa ao referendo sobre o aborto.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Deixemos a discussão virtual dos referendos e regressemos às questões de fundo.

Aplausos do PS.

A repressão penal do aborto não corresponde às aspirações humanistas e liberais da sociedade democrática portuguesa.
O facto de se negar à mulher o direito de escolher livremente ter ou não ter filhos, esse, sim, é uma vergonha e implica uma forma particular de discriminação, a qual põe em causa não só a sua dignidade como o seu direito à vida privada e à liberdade individual.
Assim, o desafio que hoje se coloca ao Estado não é o de saber se o aborto deve ser feito ou não, se é um acto pecaminoso ou se colide com opções transcendentais ou pessoais do cidadão. O que se coloca ao Estado é saber se quer penalizar, punir e prender uma mulher que aborta, e em nome de quê.

Vozes de alguns Deputados do PS: - Muito bem!

O Orador: - O que se coloca ao Estado é ainda, e desde logo, o porquê de não ter regulamentado a lei vigente, criando condições para a sua aplicação.
De acordo com dados disponíveis, só 17 hospitais praticam em Portugal interrupção voluntária da gravidez, invocando os restantes falta de meios e recursos, quando não «objecção genérica de consciência».
O que se vai colocar ao Estado, a partir de agora, é a criação de condições e serviços para acolher a opção da licitude do aborto, na livre e responsável vontade da mulher, decorrido um prazo dentro do primeiro trimestre da gravidez.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: «O poder punitivo do Estado exerce-se primariamente no sentido do controlo do crime; ou vistas as coisas de outro lado, no sentido da protecção das condições essenciais da vida do homem na comunidade, e assim, da livre realização e desenvolvimento da personalidade de cada um».
Em referência ao aborto, perguntar-se-á, por isso, com ironia dramática, se este afirmado controlo do crime tem sido alcançado? Ou não estaremos todos seguros da ínfima participação e acção criminal, comparada com os números estimados de abortos clandestinos anuais?
E por que é que falha, então, tão rotundamente a acção penal?
Por que é que o Estado punitivo é, neste caso, no geral, incapaz, inócuo, quase inexistente?
A resposta deve procurar-se, sobretudo, no facto de a lei vigente da criminalização do aborto ser uma lei divorciada da vida, contra a mulher, ferindo as aspirações liberais e humanistas dominantes na sociedade democrática portuguesa.

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Esta é, uma lei penal que não atribui nem respeita o direito de opção da mulher, o direito a uma opção grave, e nunca banal, de fazer o aborto. É, por isso, uma lei iníqua socialmente injusta, promotora do aborto clandestino degradante.

A Sr.ª Maria Celeste. Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - A experiência mostra-nos a desproporção perturbadora entre a estridência de algumas indignações pela proposta de alteração de uma lei formal de criminalização e o relativo silêncio perante a realidade que subjaz a essa lei e que a nega.

Vozes de alguns Deputados do PS: - Muito bem!

O Orador: - E essa realidade assenta num número estimado de vários milhares de mulheres que abortam clandestinamente em Portugal, com raras situações de morte mas inúmeras situações de infertilidade irreversível e graves perturbações de saúde.
Ora, a estridência da indignação deveria voltar-se a favor da dignidade da pessoa humana,...

O Sr. Medeiros Ferreira, (PS): - Muito bem!

O Orador: essencialmente das mulheres concretas, promovendo a alteração da absurda lei de criminalização do aborto e das condições de funcionamento é apoio dos serviços dê saúde à mulher grávida.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Nesse sentido, devem ser empreendidas políticas sociais, de saúde e de educação, nos domínios da educação sexual, planeamento familiar e contracepção.
Há, sobretudo, muito a fazer em favor das jovens e das populações mais desfavorecidas, tendo presente que muitos dos maiores adversários do aborto foram os que duraste mais tempo se opuseram aos métodos contraceptivos modernos e que ainda hoje, sobre o assunto, freiam o acesso à informação e os condenam.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É verdade!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: É em nome do princípio da separação da Igreja e do Estado que o Parlamento e os Governos têm, voluntariamente recusado qualquer debate teológico, e assim terá de continuar a ser, em nome da ideia da„tolerância.
Tem-se falado aqui muito em tolerância mas .é .preciso ter presente que a exigência da tolerância nasce no, momento em que se toma consciência da irredutibilidade das opções e da necessidade de encontrar um modus vivendi que permita que todos se exprimam.

O Sr. Manuel Alegre: (PS): - Muito bem!

O Orador: - A alternativa negadora da tolerância foi, na História, a perseguição repressiva e totalitária. Mas onde a História dos últimos séculos é clara no dizer de Norberto Bobbio, é quando nós mostra a interdependência entre a prática da tolerância, por um lado; e o espírito laico, por outro, entendido, este como a mentalidade que confia a sorte do reino dos homens mais às razões que une todos os homens e mulheres do que aos impulsos da fé..

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Esse, espírito deu origem aos Estados laicos e «à sociedade aberta, na qual a superação dos contrastes da fé, de crenças, de doutrinas, de opiniões, ficou a dever-se à regra de ouro segundo a qual a minha liberdade, se estende, até ao ponto em que não invada a liberdade dos outros».

Vozes de alguns Deputados do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: No ordenamento criminal, ao despenalizar-se o aborto, ao admitir-se dentro de certos prazos a interrupção voluntária da gravidez não se procura cont7ituar com as convicções religiosas ou morais de quem quer que seja.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faça favor, de terminar.

O Orador: - Não se faz a apologia do aborto, não se recomenda, não se favorece ou incita a sua prática, antes se renuncia à punição, por razões ponderosas e em nome de valores superiores da liberdade individual e da vida privada.
É bom olharmos à nossa volta e reflectirmos sobre o caminho percorrido entre nós, com a consagração da licitude do aborto terapêutico, eugénico e criminológico, publicamente chamado de interrupção voluntária da gravidez, a partir de 1984. O regresso ao proibicionismo, anterior a essa data, já se perdeu na História e apenas mora, hoje, no saudosismo serôdio das ligas de salvação.
Hoje, a protecção da vida intra-uterina é, em diversos países, fixada em momentos diferentes, a partir da fecundação, a partir dá formação das sinopses nervosas, a partir do início da função cerebral, a partir da viabilidade do feto ou do nascimento. Em opções limites, na União Europeia, a Irlanda fixou o direito à vida a partir da fecundação, enquanto que o Tribunal Constitucional austríaco considerou, de modo diametralmente oposto, que o direito à vida não produz efeitos senão a partir do nascimento.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Existe, segundo a melhor doutrina, uma «indissociável relação entre a ilicitude material - baseada na ordem legal dos bens jurídicos - e a nossa ordem axiológica constitucional».
Em matéria de definição dos crimes e penas podemos, por isso, abonar-nos na ideia de que «não há imperativos constitucionais, absolutos de criminalização,...

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.
Já beneficiou de 1.9 minutos, que lhe foi concedido pelo. Grupo Parlamentar do PCP, e já tem um défice de 2.6 minutos, pelo que agradeço que termine a sua intervenção o mais rápido possível.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Se na tradição jurídica nacional alguma valoração há que estabelecer no conflito entre o direito da vida intra-uterina do nascituro e a vida da mie é o da prevalência deste último. Entre nós, nunca o aborto foi comparado ao

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homicídio. O Tribunal Constitucional, por sua vez, já em 1984 e em 1985, fez uma leitura lapidar; a qual sé abre ao encontro de deliberações de outros tribunais superiores de outros Estados e também na lógica do entendimento da Comissão Europeia dos Direitos do Homem. Ora, aí refere-se que a vida infra-uterina é «um bem constitucionalmente protegido» mas ião pode gozar de protecção constitucional do direito à vida propriamente dito, que cabe só às pessoas.

O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - A vida humana inviolável definida no texto constitucional é, assim, a vida da pessoa humana. A pessoa que vai nascer não é autónoma da progenitora, do seu corpo; da sua sensibilidade, da sua consciência, da sua liberdade vital e intelectual.
A descriminalização do aborto é, por isso, um apelo à vida e contra a vergonha. A descriminalização do aborto é, por isso, e dentro de certos prazos - temos de ter isso presente -, nuclearmente, a afirmação do respeito pela autonomia ética da mulher e do seu direito à liberdade.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputadas, é chegado o momento de procedermos à votação dos projectos de lei hoje em discussão, mas, antes disso, importa dar alguns esclarecimentos.
Em primeiro lugar, cumpre-me informar que o Grupo Parlamentar do PS exerceu o direito a requerer a votação na generalidade no próprio dia do debate. Trata-se de um direito potestativo e, como tal, não temos de votar o requerimento.
Entretanto, um grupo de mais de 10% dos Srs. Deputados requereu a votação nominal de três dos quatro projectos de lei apresentados.
Por outro lado, o PSD retirou o, projecto de resolução n.º 38NII, pelo que não procederemos à sua votação.

Risos do PS.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, permite-me uma interpelação à Mesa?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, tendo em conta a informação que acaba de nos dar, quero interpelar a Mesa, pelo seguinte: tendo sido feitas algumas considerações acerca da forma como este debate decorreu, quero perguntar à Mesa se entende que esta é que é a seriedade com que o PSD encarou este debate e esta questão.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, como sabe, uma vez que é Vice-Presidente da Mesa, a Mesa tem alguns poderes mas não tem o de ajuizar sobre a seriedade dos grupos parlamentares.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado
Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, uma vez que não fosso interpelar directamente nenhum dos Srs. Deputados do Grupo Parlamentar do PSD e entendo que esta é uma questão regimental que se tornou subitamente actual, gostaria de saber, através da Mesa, se, porventura, o Grupo Parlamentar do PSD adiantou alguma justificação para a retirada do seu projecto de resolução,...

Protestos PSD.

uma vez que, para o Grupo Parlamentar do Partido Popular, é importante conhecer essa eventual justificação. Por essa razão, faço esta interpelação à Mesa propriamente dita no sentido de nos ajudar, talvez perguntando ao Grupo Parlamentar do PSD, quais as razões que estiveram na origem dessa decisão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é mais fácil do que isso.
Peço ao Sr. Secretário que proceda à leitura do requerimento apresentado pelo PSD.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Já foi distribuído e está na sua bancada, Sr. Deputado Jorge Ferreira!

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o requerimento é do seguinte teor:
Tendo em atenção o debate agendado para o dia 19 de Fevereiro e as afirmações acabadas de produzir pelo líder parlamentar do PS sobre a questão do referendo, o PSD retira o seu projecto de resolução n.º 38/VII, uma vez que apresentará depois das votações de hoje uma proposta concreta de data e calendário para a realização do referendo em caso de eventual aprovação de algum dos projectos de lei hoje discutidos.

Vozes do PS: - Ah!

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Se todos forem «chumbados», não interessa a opinião do povo!

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, e espero que seja mesmo uma interpelação, porque esta última, excepcionalmente, foi. uma verdadeira interpelação, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, a minha interpelação tem a ver com o seguinte: trata-se exactamente de uma questão de seriedade.
Os Srs. Deputados do PS manifestaram uma total indisponibilidade pára que se fizesse um referendo antes desta votação,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... impuseram esta votação, pelo que o Partido Social Democrata, que mantém o seu empenho no referendo e que se mantém fiel a esta palavra e ao eco da sociedade portuguesa em querer pronunciar-se sobre este tema, apresentará um projecto de resolução, com data concreta, que permita a consulta do povo português relativamente ao projecto ou projectos que, eventualmente, hoje forem aprovados na generalidade. Querem mais seriedade do que esta? Querem mais coerência do que esta?

Página 1207

5 DE FEVÉREIRU DE 1998

Querem mais fidelidade aos, princípios e ao eco do povo português? Não há em nenhuma outra bancada mais seriedade e mais coerência do que esta!

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O SP: Presidente: - Sr. Deputado; quando está em causa. o exercício de direitos, não se colocam problemas de seriedade.
Srs. Deputados, vamos votar um requerimento, subscrito pelo PSD e CDS-PP, que passo a ler «Os Deputados abaixo assinados vêm requerer, ao abrigo do disposto no artigo 106.º, n.º 2 do Regimento da Assembleia da República, a votação nominal dos projectos de lei n.os 451, 417 e 448/VII».

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, seguindo a ordem do guião que foi distribuído, vamos proceder à votação nominal, na generalidade, do projecto n.º 417/VII - Interrupção voluntária da gravidez (PCP).

O Sr. Secretário Artur Penedos procedeu, à chamada, tendo-se registado a seguinte votação:

Acácio Manuel de Frias Barreiros (PS) - A favor
Adalberto Paulo da Fonseca Mendo (PSD) - Contra
Adriano de Lima Gouveia Azevedo (PSD) - Contra
Aires Manuel Jacinto de Carvalho (PS) - A favor
Alberto Bernardes Costa (PS)- A favor
Alberto de Sousa Martins (PS)- A favor
Albino Gonçalves da Costa (PS) - A favor
Álvaro dos Santos Amaro. (PSD) - Contra
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira (PSD) - Contra
Américo de Sequeira (PSD) - Contra
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes (PS) - A favor
António Alves Marques Júnior (PS) - A favor
António Alves Martinho (PS) - Abstenção
António Sento da Silva Galamba: (PS) - A favor
António Costa Rodrigues (PSD) - Contra
António de Almeida Santos (PS) - A favor
António de Carvalho Martins (PSD) - Contra
António dos Santos Gouveia (PSD) - Contra
António Fernandes da Silva Braga (PS) - Contra
António Fernando da Cruz Oliveira (PSD) - Contra
António Fernando Marques Ribeiro Reis. (PS) - A favor
António Filipe Gaião Rodrigues (PCP) - A favor
António Germano Fernandes de Sá e Abreu (PSD) - Contra
António João Rodeia Machado (PCP) - A favor
António Joaquim Correia Vairinhos (PSD) - Contra
António José Barradas Leitão (PSD) - Contra
António José Gavino Paixão (PS) - A favor
António José Guimarães Fernandes Dias (PS) - A favor
António Manuel Carmo Saleiro (PS) - Abstenção
António Manuel Taveira da Silva (PSD) - Contra.
António Moreira Barbosa, de Melo (PSD) - Contra
António Paulo Martins Pereira Coelho (PSD) - Contra
António Roleira. Marinho (PSD) - Contra
Arlindo Cipriano Oliveira (PS) - A favor
Armelim Santos Amaral (CDS-PP) - Contra
Arménio dos Santos(PSD)- Contra
Arnaldo Augusto Homem Rebelo (PS) - A favor
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes (PS) - Contra
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho (PS) - A favor
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos (PS) - A favor
Artur Ryder Torres Pereira (PSD) - Contra
Augusto Carlos dos Santos Leite (PS) - A favor
Augusto Torres Boucinha (CDS-PP) - Contra
Bernardino José Torrão Soares (PCP) - A Favor
Bernardino Manuel de Vasconcelos (PSD) - Contra
Calos Alberto Cardoso Rodrigues Beja (PS) - A favor
Carlos Alberto Dias dos Santos (PS) - Abstenção
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas (PCP) - A favor
Carlos Eugénio Pereira Brito (PSD) - Contra
Carlos Justino Luís Cordeiro (PS) - A favor
Carlos Manuel Amândio (PS) - A favor
Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD) - Contra
Carlos Manuel Duarte de Oliveira (PSD) - Contra
Carlos Manuel Luís (PS) - A favor
Carlos Manuel Marta Gonçalves (PSD) - Contra
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho (PSD) - Contra
Cláudio Ramos Monteiro (PS) - Contra
Domingos Dias Gomes (PSD) - Contra
Domingos Fernandes Cordeiro (PS) - A favor
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco (PSD) - Contra
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares (PSD) - Contra
Eduardo Ribeiro Pereira (PS) - A favor
Elisa Maria Ramos Damião (PS) - A favor
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo (PS) - Contra
Fernando Alberto Pereira de Sousa (PS) - A favor
Fernando Alberto Pereira Marques (PS) - A favor
Fernando Antão de Oliveira Ramos (PS) - A favor
Fernando Garcia dos Santos (PS) - A favor
Fernando José Antunes Gomes Pereira (PSD) - Contra
Fernando José de Moura e Silva (CDS-PP) - Contra
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira (PSD) - Contra
Fernando Manuel de Jesus (PS) - A favor
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho (PSD) - Contra
Fernando Pereira Serrasqueiro (PS) - A favor
Fernando Santos Pereira (PSD) - Contra
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo (PSD) - Contra
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto(PSD) - Contra
Francisco Antunes da Silva (PSD) - Contra
Francisco Fernando Osório Gomes (PS) - A favor
Francisco José Fernandes Martins (PSD) - Contra
Francisco José Pereira de Assis Miranda (PS) - A favor
Francisco José Pinto Camilo (PS) - A favor
Francisco Manuel Pepino Fonenga(PS) - A favor
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres (PSD) - Contra
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa (CDS-PP) - Contra
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho (PS) - A favor

Página 1208

1208 I SÉRIE - NÚMERO 36

Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva (PSD) - Contra
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia(Os Verdes) A favor
Henrique José de Sousa Neto (PS) - A favor
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves (PSD) Contra
Hugo José Teixeira Velosa (PSD) - Contra
Isabel Maria de Almeida, e Castro (Os Verdes) - A favor
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel (CDS-PP) Contra
João Álvaro Poças Santos (PSD) - Contra
João António Gonçalves do Amaral (PC P) - A favor
João Bosco Soares Mota Amaral (PSD) - Contra
João Calvão da Silva (PSD) - Contra
João Carlos Barreiras Duarte (PSD) - Contra
João Carlos da Costa Ferreira da Silva (PS) - A favor João Cerveira Corregedor da Fonseca (PCP) - A favor
João do Lago de Vasconcelos Mota (PSD) - Contra
João Eduardo Guimarães Moura de Sá (PSD) - Contra
João Pedro da Silva Correia (PS) - Abstenção
João Rui Gaspar de Almeida (PS) - Abstenção
Joaquim Manuel Cabrita Neto (PSD) - Contra
Joaquim Manuel da Fonseca Matias (PCP) - A favor
Joaquim Martins Ferreira do Amaral (PSD) - Contra
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida (PS) - Contra
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira (PS) - A favor
Jorge Alexandre Silva Ferreira (CDS-PP) - Contra
Jorge Lacão Costa (PS) - A favor
Jorge Manuel Damas Martins Rato (PS) - A favor
Jorge Manuel Fernandes Valente (PS) - A favor
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro (PS) - A favor
Jorge Manuel Lopes Moreira da Silva (PSD) - Contra
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha (PSD) - Contra
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão (PS) - A favor
José Alberto Cardoso Marques.(PS) - Abstenção
José Álvaro Machado Pacheco Pereira (PSD) - A favor
José António Ribeiro Mendes (PS) - A favor
José Augusto Gama (PSD) - Contra
José Augusto Santos da Silva Marques (PSD) - A favor.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha (PSD) - Contra
José Carlos Correia Mota de Andrade (PS) - A favor
José Carlos da Cruz Lavrador (PS) - A favor
José Cario s Lourenço Tavares Pereira (PS) - A favor
José da Conceição Saraiva (PS) - Contra
José de Almeida Cenário (PSD) - Contra
José de Matos Leitão (PS) - Contra
José Ernesto Figueira dos Reis (PS) - A favor
José Fernando Araújo Calçada (PCP) - A favor
José Fernando Rabaça Barradas e Silva (PS) - A favor
José Guilherme Reis Leite (PSD) - Contra
José Júlio Carvalho Ribeiro (PSD) - Contra
José Luís Campos Vieira de Castro (PSD) - Contra
José Luís de Rezende Moreira da Silva (PSD) - Contra
José Manuel Costa Pereira (PSD) - Contra
José Manuel Medeiros Ferreira (PS) - A favor
José Manuel Niza Antunes Mendes (PS) - A favor
José Manuel Rosado Egipto (PS) - A favor
José Manuel Santos de Magalhães (PS) - A favor
José Maria Teixeira Dias (PS) - A favor
José Mendes Bota (PSD) - Contra
José Pinto Simões (PS) - A favor
José Tomás Vasques (PS) - A favor
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias (PS) - A favor
Júlio Meirinhos Santanas (PS) - A favor
Laurentino José Monteiro Castro .Dias (PS) - A favor
Lino António Marques de Carvalho (PCP) - A favor
Lucília Maria Samoreno Ferra (PSD) - Contra
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal (PS)- A favor
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró (CDS-PP) - Contra
Luís Carlos David Nobre (PSD) - Contra
Luís Filipe Nascimento Madeira (PS) - Abstenção
Luís Manuel da Silva Viana de Sá (PCP) - A favor
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes (PSD) - Contra
Luís Maria, de Barros Serra Marques Guedes (PSD) Contra
Luís Pedro de Carvalho Martins (PS) - A favor
Manuel Acácio Martins Roque (PSD) - Contra
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira (PS) - A favor
Manuel Alegre de Melo Duarte (PS) - A favor
Manuel Alves de Oliveira (PSD) - Contra
Manuel António dos Santos (PS) - A favor
Manuel Castro de Almeida (PSD) - Contra
Manuel Fernando da Silva Monteiro (CDS-PP) - Contra
Manuel Filipe Correia de Jesus (PSD) - Contra
Manuel Francisco dos Santos Valente (PS) - A favor
Manuel Joaquim Barata Frexes (PSO) - Contra
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes (PS) - Contra
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos (CDS-PP) Contra
Manuel Maria Moreira (PSD) - Contra
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves (PS) Contra
Manuel Porfírio Varges (PS) - Abstenção
Maria Celeste Lopes da Silva Correia (PS) - A favor
Maria de Lourdes Lara Teixeira (PSD) - Contra
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira (PS) - Abstenção
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro (PS) - Contra
Maria Eduarda de Almeida Azevedo (PSD) - Contra
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto (PSD) - Contra
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa (PS) - A favor
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta (PS) A favor
Maria Helena Pereira Nogueira Santo (CDS-PP) - Contra
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino (PS) - A favor
Maria Jesuína Carrilho Bernardo (PS) - A favor
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto (CDS-PP) - Contra
Maria Luísa Lourenço Ferreira (PSD) - Contra
Maria Luísa Raimundo Mesquita (PCP) - A favor
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira (PSD) - Contra
Maria Manuela Dias Ferreira Leite (PSD) - Contra

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5 DE FEVEREIRO DE 1998 1209

Maria Odete dos Santos (PCP) - A favor

Maria Teresa Pinto Basto Gouveia (PSD) - Contra

Mário da Silva Coutinho Albuquerque (PSD) - Contra

Mário Manuel Videira Lopes (PS) - A favor

Martim Afonso Pacheco Gracias (PS) - A favor

Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva (PSD) - Contra

Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas (PSD) - Contra

Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura (PS) - A favor

Nelson Madeira Baltazar (PS) - A favor

Nuno Jorge Lopes Correia da Silva (CDS-PP) - Contra

Nuno Kruz Abecasis (CDS-PP) - Contra

Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes (PS) - A favor

Octávio Augusto Teixeira (PCP) - A favor

Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte (PS) - A favor

Paulo Jorge dos Santos Neves (PS) - A favor

Pedro Augusto Cunha Pinto (PSD) - Contra

Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho (PSD) - Contra

Pedro José da Vinha Rodrigues Costa (PSD) - Contra

Pedro Luís da Rocha Baptista (PS) - A favor

Pedro Manuel Cruz Roseta (PSD) - Contra

Pedro Manuel Mamede Passos Coelho (PSD) - Contra

Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge (PS) - A favor

Raimundo Pedro Narciso (PS) - A favor

Raul d'Assunção Pimenta Rego (PS) - A favor

Rolando Lima Lalanda Gonçalves (PSD) - Contra

Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz (PS) - A favor

Rui do Nascimento Rabaça Vieira (PS) - A favor

Rui Fernando da Silva Rio (PSD) - A favor

Rui Manuel dos Santos Namorado (PS) - A favor

Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD) - Contra

Rui Manuel Palácio Carreteiro (PS) - A favor

Sérgio André da Costa Vieira (PSD) - Contra

Sérgio Carlos Branco Barros e Silva (PS) - A favor

Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto (PS) - A favor

Silvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan (CDS-PP) - Contra

Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos (PS) - A favor

Victor Brito de Moura (PS) - A favor

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o projecto de lei n.º 417/VII foi rejeitado, tendo obtido a seguinte votação: 110 votos contra, 107 votos a favor e 9 abstenções.
Srs. Deputados, vamos passar à votação nominal, na generalidade, do projecto de lei n.º 448/VII - Altera o Decreto-Lei n.º 47 344/66, de 25 de Novembro, que aprova o Código Civil (CDS-PP).
O Sr. Secretário Artur Penedos procedeu à chamada, tendo-se registado a seguinte votação:

Acácio Manuel de Frias Barreiros (PS) - Contra

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo (PSD) - Contra

Adriano de Lima Gouveia Azevedo (PSD) - Abstenção

Aires Manuel Jacinto de Carvalho (PS) - Contra

Alberto Bernardes Costa (PS) - Contra

Alberto de Sousa Martins (PS) - Contra

Albino Gonçalves da Costa (PS) - Contra

Álvaro dos Santos Amaro (PSD) - Abstenção

Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira (PSD) - Contra

Américo de Sequeira (PSD) - Contra

Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes (PS) - Contra

António Alves Marques Júnior (PS) - Contra

António Alves Martinho (PS) - Contra

António Bento da Silva Galamba (PS) - Contra

António Costa Rodrigues (PSD) - Contra

António de Almeida Santos (PS) - Contra

António de Carvalho Martins (PSD) - Contra

António dos Santos Gouveia (PSD) - Contra

António Fernandes da Silva Braga (PS) - Contra

António Fernando da Cruz Oliveira (PSD) - Contra

António Fernando Marques Ribeiro Reis (PS) - Contra

António Filipe Gaião Rodrigues (PCP) - Contra

António Germano Fernandes de Sá e Abreu (PSD) - Contra

António João Rodeia Machado (PCP) - Contra

António Joaquim Correia Vairinhos (PSD) - Contra

António José Barradas Leitão (PSD) - Contra

António José Gavino Paixão (PS) - Contra

António José Guimarães Fernandes Dias (PS) - Contra

António Manuel Carmo Saleiro (PS) - Contra

António Manuel Taveira da Silva (PSD) - Contra

António Moreira Barbosa de Melo (PSD) - Contra

António Paulo Martins Pereira Coelho (PSD) - Contra

António Roleira Marinho (PSD) - Abstenção

Arlindo Cipriano Oliveira (PS) - Contra

Armelim Santos Amaral (CDS-PP) - A favor

Arménio dos Santos (PSD) - Contra

Arnaldo Augusto Homem Rebelo (PS) - Contra

Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes (PS) - Contra

Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho (PS) - Contra

Artur Rodrigues Pereira dos Penedos (PS) - Contra

Artur Ryder Torres Pereira (PSD) - Contra

Augusto Carlos dos Santos Leite (PS) - Contra

Augusto Torres Boucinha (CDS-PP) - A favor

Bernardino José Torrão Soares (PCP) - Contra

Bernardino Manuel de Vasconcelos (PSD) - Contra

Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja (PS) - Contra

Carlos Alberto Dias dos Santos (PS) - Contra

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas (PCP) - Contra

Carlos Eugênio Pereira Brito (PSD) - Contra

Carlos Justino Luís Cordeiro (PS) - Contra

Carlos Manuel Amândio (PS) - Contra

Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD) - Contra

Carlos Manuel Duarte de Oliveira (PSD) - Contra

Carlos Manuel Luís (PS) - Contra

Carlos Manuel Marta Gonçalves (PSD) - Contra

Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho (PSD) - Abstenção

Cláudio Ramos Monteiro (PS) - Contra

Domingos Dias Gomes (PSD) - Abstenção

Domingos Fernandes Cordeiro (PS) - Contra

Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco (PSD) - Abstenção

Eduardo Eugênio Castro de Azevedo Soares (PSD) - Contra

Eduardo Ribeiro Pereira (PS) - Contra

Elisa Maria Ramos Damião (PS) - Contra

Página 1210

I SÉRIE-NÚMERO 36

Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo (PS) Abstenção
Fernando Alberto Pereira de Sousa (PS) - Contra
Fernando Alberto Pereira Marques (PS) - Contra
Fernando Antão de Oliveira Ramos (PS) - Contra
Fernando Garcia dos Santos (PS) - Contra
Fernando José Antunes Gomes Pereira (PSD) - Abstenção
Fernando José de Moura e Silva (CDS-PP) - A favor
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira (PSD) Contra
Fernando Manuel de Jesus (PS) - Contra
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho (PSD) Contra
Fernando Pereira Serrasqueiro (PS) - Contra
Fernando Santos Pereira (PSD) - Contra
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo (PSD) - Abstenção
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto (PSD)- A favor
Francisco Antunes da Silva (PSD) - Contra
Francisco Fernando Osório Gomes (PS) - Contra
Francisco José Fernandes Martins (PSD) Abstenção
Francisco José Pereira de Assis Miranda (PS) - Contra
Francisco José Pinto Camilo (PS) - Contra
Francisco Manuel Pepino Fonenga (PS) - Contra
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres (PSD) - Contra
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa (CDS-PP) - A favor
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho (PS) - Contra
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva (PSD) - Contra
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia (Os Verdes) Contra
Henrique José de Sousa Neto (PS) - Contra
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves (PSD) - Contra
Hugo José Teixeira Velosa (PSD) - Contra
Isabel Maria de Almeida e Castro (Os Verdes) - Contra
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel (CDS-PP) A favor
João Álvaro Poças Santos (PSD) - Abstenção
João António Gonçalves do Amaral (PCP) - Contra
João Bosco Soares Mota Amaral (PSD) - Abstenção
João Calvão da Silva (PSD) - Contra
João Carlos Barreiras Duarte (PSD) - Abstenção
João Carlos da Costa Ferreira da Silva (PS) Contra
João Cerveira Corregedor da Fonseca (PCP) - Contra
João do Lago de Vasconcelos Mota (PSD) - Contra
Soão Eduardo Guimarães Moura de Sá (PSD) - Contra
João Pedro da Silva Correia (PS) - Contra
João Rui Gaspar de Almeida (PS) - Contra
Joaquim Manuel Cabrita Neto (PSD) - Contra
Joaquim Manuel da Fonseca Matias (PCP) - Contra
Joaquim Martins Ferreira do Amaral (PSD) - Contra
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida (PS) - Contra
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira (PS) - Contra
Jorge Alexandre Silva Ferreira. (CDS-PP) - A favor
Jorge Lacão Costa (PS) - Contra
Jorge Manuel Damas Martins Rato (PS) - Contra
Jorge Manuel Fernandes Valente, (PS) - Contra
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro (PS) - Contra
Jorge Manuel Lopes Moreira da Silva (PSD) - Contra
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha (PSD) - Contra
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão (PS) - Contra
José Alberto Cardoso Marques (PS) - Contra
José Álvaro Machado Pacheco Pereira (PSD) - Contra
José António Ribeiro Mendes (PS) - Contra
José Augusto Gama (PSD) - Abstenção
José Augusto Santos da Silva Marques (PSD) - Contra
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha (PSD) - Abstenção
José Carlos Correia Mota de Andrade (PS) - Contra
José Carlos da Cruz Lavrador (PS) - Contra
José Carlos Lourenço Tavares Pereira (PS) -
Contra José da Conceição Saraiva (PS) - Contra
José de Almeida Cesário (PSD) - Abstenção
José de Matos Leitão (PS) - Contra
José Ernesto Figueira dos Reis (PS) - Contra
José Fernando Araújo Calçada (PCP) - Contra
José Fernando Rabaça Barradas e Silva (PS) - Contra
José Guilherme Reis Leite (PSD) - Contra
José Júlio Carvalho Ribeiro (PSD) - Contra
José Luís Campos Vieira de Castro (PSD) - Contra
José Luís de Rezende Moreira da Silva (PSD) - Contra
José Manuel Costa Pereira (PSD) - Contra
José Manuel Medeiros Ferreira (PS) - Contra
José Manuel Niza Antunes Mendes (PS) - Contra
José Manuel Rosa do Egipto (PS) - Contra
José Manuel Santos de Magalhães (PS) - Contra
José Maria Teixeira, Dias (PS) - Contra
José Mendes Bota (PSD) - Contra
José Pinto Simões (PS) - Contra
José Tomás Vasques (PS) - Contra
Jovita de Fátima Romano Ladeira 1VIatias (PS) - Contra
Júlio Meirinhos Santanas (PS) - Contra
Laurentino José Monteiro Castro Dias (PS) - Contra
Lino António Marques de Carvalho (PCP) - Contra
Lucília Maria Samoreno Ferra (PSD) - Contra
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal (PS) - Contra
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró(CDS-PP) - A favor
Luís Carlos David Nobre (PSD) - Contra
Luís Filipe Nascimento Madeira (PS) - Contra
Luís Manuel da Silva Viana de Sá (PCP) - Contra
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes (PSD) - Contra
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes (PSD) Contra
Luís Pedro de Carvalho Martins (PS) - Contra
Manuel Acácio Martins Roque (PSD) - Contra
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira (PS) - Contra
Manuel Alegre de Melo Duarte (PS) - Contra
Manuel Alves de Oliveira (PSD) - Contra
Manuel António dos Santos (PS) - Contra
Manuel Castro de Almeida (PSD) - Contra
Manuel Fernando da Silva Monteiro(CDS-PP) - A favor
Manuel Filipe Correia de Jesus (PSD) - Abstenção
Manuel Francisco dos Santos Valente (PS) - Contra
Manuel Joaquim Barata Frexes (PSD) - Contra
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes (PS) - Contra

Página 1211

5 DE FEVEREIRO DE 1998 1211

Manuel José Flores Ferreira dos Ramos (CDS-PP) - A favor
Manuel Maria Moreira (PSD) - Contra
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves (PS) - Contra
Manuel Porfírio Varges (PS) - Contra
Maria Celeste Lopes da Silva Correia (PS) - Contra
Maria de Lourdes Lara Teixeira (PSD) - Abstenção
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira (PS) - Contra
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro (PS) - Contra
Maria Eduarda de Almeida Azevedo (PSD) - Contra
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto (PSD) - Contra
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa (PS) - Contra
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta (PS) - Contra
Maria Helena Pereira Nogueira Santo (CDS-PP) - Abstenção
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino (PS) - Contra
Maria Jesuína Carrilho Bernardo (PS) - Contra
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto (CDS-PP) - A favor
Maria Luísa Lourenço Ferreira (PSD) - Contra
Maria Luísa Raimundo Mesquita (PCP) - Contra
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira (PSD) - Contra
Maria Manuela Dias Ferreira Leite (PSD) - Contra
Maria Odete dos Santos (PCP) - Contra
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia (PSD) - Abstenção
Mário da Silva Coutinho Albuquerque (PSD) - Abstenção
Mário Manuel Videira Lopes (PS) - Contra
Martim Afonso Pacheco Gracias (PS) - Contra
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva (PSD) - Contra
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas (PSD) - Contra
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura (PS) - Contra
Nelson Madeira Baltazar (PS) - Contra
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva (CDS-PP) - A favor
Nuno Kruz Abecasis (CDS-PP) - A favor
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes (PS) - Contra
Octávio Augusto Teixeira (PCP) - Contra
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte (PS) - Contra
Paulo Jorge dos Santos Neves (PS) - Contra
Pedro Augusto Cunha Pinto (PSD) - Contra
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho (PSD) - Abstenção
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa (PSD) - Contra
Pedro Luís da Rocha Baptista (PS) - Contra
Pedro Manuel Cruz Roseta (PSD) - Abstenção
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho (PSD) - Contra
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge (PS) - Contra
Raimundo Pedro Narciso (PS) - Contra
Raul d'Assunção Pimenta Rego (PS) - Contra
Rolando Lima Lalanda Gonçalves (PSD) - Abstenção
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz (PS) - Contra
Rui do Nascimento Rabaça Vieira (PS) - Contra
Rui Fernando da Silva Rio (PSD) - Contra
Rui Manuel dos Santos Namorado (PS) - Contra
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD) - Contra
Rui Manuel Palácio Carreteiro (PS) - Contra
Sérgio André da Costa Vieira (PSD) - Contra
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva (PS) - Contra
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto (PS) - Contra
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan (CDS-PP) - A favor
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos (PS) - Contra
Victor Brito de Moura (PS) - Contra.


O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o projecto de lei n.º 448/VII foi rejeitado, tendo obtido a seguinte votação: 188 votos contra, 14 votos a favor e 24 abstenções.

Srs. Deputados, vamos passar à votação nominal, na generalidade, do projecto de lei n.º 451/VII - Sobre exclusão de ilicitude de casos de interrupção voluntária da gravidez (PS).

O Sr. Secretário Artur Penedos procedeu à chamada, tendo-se registado a seguinte votação:

Acácio Manuel de Frias Barreiros (PS) - A favor
Adalberto Paulo da Fonseca Mendo (PSD) - Contra
Adriano de Lima Gouveia Azevedo (PSD) - Contra
Aires Manuel Jacinto de Carvalho (PS) - A favor
Alberto Bernardes Costa (PS) - A favor
Alberto de Sousa Martins (PS) - A favor
Albino Gonçalves da Costa (PS) - A favor
Álvaro dos Santos Amaro (PSD) - Contra
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira (PSD) - Contra
Américo de Sequeira (PSD) - Contra
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes (PS) - A favor
António Alves Marques Júnior (PS) - A favor
António Alves Martinho (PS) - A favor
António Bento da Silva Galamba (PS) - A favor
António Costa Rodrigues (PSD) - Contra
António de Almeida Santos (PS) - A favor
António de Carvalho Martins (PSD) - Contra
António dos Santos Gouveia (PSD) - Contra
António Fernandes da Silva Braga (PS) - Contra
António Fernando da Cruz Oliveira (PSD) - Contra
António Fernando Marques Ribeiro Reis (PS) - A favor
António Filipe Gaião Rodrigues (PCP) - A favor
António Germano Fernandes de Sá e Abreu (PSD) - Contra
António João Rodeia Machado (PCP) - A favor
António Joaquim Correia Vairinhos (PSD) - Contra
António José Barradas Leitão (PSD) - Contra
António José Gavino Paixão (PS) - A favor
António José Guimarães Fernandes Dias (PS) - A favor
António Manuel Carmo Saleiro (PS) - A favor
António Manuel Taveira da Silva (PSD) - Contra
António Moreira Barbosa de Melo (PSD) - Contra
António Paulo Martins Pereira Coelho (PSD) - Contra
António Roleira Marinho (PSD) - Contra
Arlindo Cipriano Oliveira (PS) - A favor
Armelim Santos Amaral (CDS-PP) - Contra
Arménio dos Santos (PSD) - Abstenção

Página 1212

1212 I SÉRIE - NÚMERO 36

Arnaldo Augusto Homem Rebelo (PS) - A favor
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes (PS) - Abstenção
Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho (PS) - A favor
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos (PS) - A favor
Artur Ryder Torres Pereira (PSD) - Contra
Augusto Carlos dos Santos Leite (PS) - A favor
Augusto Torres Boucinha (CDS-PP) - Contra
Bernardino José Torrão Soares (PCP) - A favor
Bernardino Manuel de Vasconcelos (PSD) - Contra
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja (PS) - A favor
Carlos Alberto Dias dos Santos (PS) - A favor
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas (PCP) - A favor
Carlos Eugénio Pereira Brito (PSD) - Contra
Carlos Justino Luís Cordeiro (PS) - A favor
Carlos Manuel Amândio (PS) - A favor
Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD) - Contra
Carlos Manuel Duarte de Oliveira (PSD) - Contra
Carlos Manuel Luís (PS) - A favor
Carlos Manuel Marta Gonçalves (PSD) - Contra
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho (PSD) Contra
Cláudio Ramos Monteiro (PS) - Contra
Domingos Dias Gomes (PSD) - Contra
Domingos Fernandes Cordeiro (PS) - A favor
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco (PSD) - Contra
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares (PSD) Contra
Eduardo Ribeiro Pereira (PS) - A favor
Elisa Maria Ramos Damião (PS) - A favor
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo (PS) Contra
Fernando Alberto Pereira de Sousa (PS) - A favor
Fernando Alberto Pereira Marques (PS) - A favor
Fernando Antão de Oliveira Ramos (PS) - A favor
Fernando Garcia dos Santos (PS) - A favor
Fernando José Antunes Gomes Pereira (PSD) - Contra
Fernando José de Moura e Silva (CDS-PP) - Contra
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira (PSD) - Contra
Fernando' Manuel de Jesus (PS) - A favor
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho (PSD) Contra
Fernando Pereira Serrasqueiro (PS) - A favor
Fernando Santos Pereira (PSD) - Contra
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo (PSD) - Contra
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto (PSD) - Contra
Francisco Antunes da Silva (PSD) - Contra
Francisco Fernando Osório Gomes (PS) - A favor
Francisco José Fernandes Martins (PSD) - Contra
Francisco José Pereira de Assis Miranda (PS) - A favor
Francisco José Pinto Camilo (PS) - A favo
Francisco Manuel Pepino Fonenga (PS) - A favor
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres (PSD) - Contra
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa (CDS-PP) Contra
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho (PS) - A favor
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva (PSD) - Contra
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia (Os Verdes) A favor
Henrique José de Sousa Neto (PS) - A favor
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves (PSD) - Contra
Hugo José Teixeira Velosa (PSD) - Contra
Isabel Maria de Almeida e Castro (Os Verdes) - A favor
Ismael' António dos Santos Gomes Pimentel (CDS-PP) Contra
João Álvaro Poças Santos (PSD) - Contra
João António Gonçalves do Amaral (PCP) - A favor
João Bosco Soares Mota Amaral (PSD) - Contra
João Calvão da Silva (PSD) - Contra
João Carlos Barreiras Duarte (PSD) - Contra
João Carlos da Costa Ferreira da Silva (PS) - A favor
João Cerveira Corregedor da Fonseca (PCP) - A favor
João do Lago de Vasconcelos Mota (PSD) - Contra
João Eduardo Guimarães Moura de Sá (PSD) - Contra
João Pedro da Silva Correia (PS)- A favor
João Rui Gaspar de Almeida (PS) - A favor
Joaquim Manuel Cabrita Neto (PSD) - Contra
Joaquim Manuel da Fonseca Matias (PCP) - A favor
Joaquim Martins Ferreira do Amaral (PSD) - Contra
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida (PS) - Contra
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira (PS) - A favor
Jorge Alexandre Silva Ferreira (CDS-PP) - Contra
Jorge Lacão Costa (PS) - A favor
Jorge Manuel Damas Martins Rato (PS) - A favor
Jorge Manuel Fernandes Valente (PS) - A favor
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro (PS) - A favor
Jorge Manuel Lopes Moreira da Silva (PSD) - Contra
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha (PSD) - Contra
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão (PS) - A favor
José Alberto Cardoso Marques (PS) - A favor
José Álvaro Machado Pacheco Pereira (PSD) - A favor
José António Ribeiro Mendes (PS) - A favor
José Augusto Gama (PSD) - Contra
José Augusto Santos da Silva Marques (PSD) - A favor
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha (PSD) - Contra
José Carlos Correia Mota de Andrade (PS) - A favor
José Carlos da Cruz Lavrador (PS) - A favor
José Carlos Lourenço Tavares Pereira (PS) - A favor
José da Conceição Saraiva (PS) - Contra
José de Almeida Cesário (PSD) - Contra
José de Matos Leitão (PS) - Abstenção
José Ernesto Figueira dos Reis (PS) - A favor
José Fernando Araújo Calçada (PCP) - A favor
José Fernando Rabaça Barradas e Silva (PS) - A favor
José Guilherme Reis Leite (PSD) - Contra
José Júlio Carvalho Ribeiro (PSD) - Contra
José Luís Campos Vieira de Castro (PSD) - Contra
José Luís de Rezende Moreira da Silva (PSD) - Contra
José Manuel Costa Pereira (PSD) - Contra
José Manuel Medeiros Ferreira (PS) - A favor
José Manuel Niza Antunes Mendes (PS) - A favor
José Manuel Rosa do Egipto (PS) - A favor
José Manuel Santos de Magalhães (PS) - A favor
José Maria Teixeira Dias (PS) - A favor
José Mendes Bota (PSD) - Contra
José Pinto Simões (PS) - A favor

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5 DE FEVEREIRO DE 1998 1213

José Tomás Vasques (PS) - A favor
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias (PS) - A favor
Júlio Meirinhos Santanas (PS) - A favor
Laurentino José Monteiro Castro Dias (PS) - A favor
Lino António Marques de Carvalho (PCP): - A favor
Lucília Maria Samoreno Ferra (PSD) - Contra
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal (PS) - A favor
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró (CDS-PP) - Contra
Luís Carlos David Nobre (PSD) - Contra
Luís Filipe Nascimento Madeira (PS) - A favor
Luís Manuel da Silva Viana de Sá(PÇP) - A favor
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes (PSD) - Contra
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes (PSD) Contra
Luís Pedro de Carvalho Martins (PS) - A favor
Manuel Acácio Martins Roque (PSD) - Contra
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira (PS) - A favor
Manuel Alegre de Melo Duarte (PS) - A favor.
Manuel Alves de Oliveira (PSD) - Contra
Manuel António dos Santos (PS)- A favor
Manuel Castro de Almeida (PSD) - Contra
Manuel Fernando da Silva Monteiro (CDS-PP) - Contra
Manuel Filipe Correia de Jesus (PSD) - Contra
Manuel Francisco dos Santos Valente (PS) - A favor
Manuel Joaquim Barata Frexes (PSD) - Contra
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Góes (PS) - Contra
Manuel José Flores Ferreira dós Ramos (CDS-PP) - Contra
Manuel Maria Moreira (PSD) - Contra
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves (PS) - Contra
Manuel Porfírio Varges (PS) - A favor
Maria Celeste Lopes da Silva Correia (PS) - A favor
Maria de Lourdes Lara Teixeira (PSD) - Contra
Maria, do Carmo de Jesus Amaro Sequeira (PS) - A favor
Maria do Rosário Lopes Amaro dá Costa da Luz Carneiro (PS) - Contra
Maria Eduarda de Almeida Azevedo (PSD) - Contra
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto (PSD) - Contra
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa (PS) - A favor
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta (PS) - A favor
Maria Helena Pereira Nogueira Santo (CDS-PP) - Contra
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino (PS) - A favor
Maria Jesuína Carrilho Bernardo (PS) - A favor
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto (CDS-PP) - Contra
Maria Luísa Lourenço Ferreira (PSD) - Contra
Maria Luísa Raimundo Mesquita (PCP) - favor
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira! (PSD) - Contra
Maria Manuela Dias Ferreira Leite (PSD) - Contra
Maria Odété dos Santos (PCP) - A favor
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia (PSD) - Contra
Mário da Silva Coutinho Albuquerque(PSD) - Contra
Mário Manuel Videira Lopes (PS) - A favor
Martim Afonso Pacheco Gracias (PS) - A favor
Miguel Bento Martins dá Costa de Macedo e Silva (PSD) - Contra
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas (PSD) . Contra
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura (PS) - A favor
Nelson Madeira Baltazar (PS) - A favor
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva (CDS-PP) - Contra
Nuno Kruz Abecasis (CDS-PP) - Contra
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes (PS) - A favor
Octávio Augusto Teixeira (PCP) - A favor
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte (ES) - A favor
Paulo Jorge dos Santos Neves (PS) - A favor
Pedro Augusto Cunha Pinto (PSD) - Contra
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho (PSD) - Contra
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa (PSD) - Contra
Pedro Luís da Rocha Baptista (PS) - A favor
Pedro Manuel Cruz Roseta (PSD) - Contra
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho (PSD) - Contra
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge (PS) - A favor
Raimundo Pedro Narciso (PS) - A favor
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo (PS) - A favor
Rolando Lima Lalanda Gonçalves (PSD) - Contra
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz (PS) - A favor
Rui do Nascimento Rabaça Vieira (PS) - A favor
Rui Fernando da Silva Rio (PSD) - A favor
Rui Manuel dos Santos Namorado (PS) - A favor
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD) - Contra
Rui Manuel Palácio Carreteiro (PS) - A favor
Sérgio André da Costa Viera,(PSD) - Contra
Sérgio Carlos Branco Barros é Silva (PS) - A favor
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto (PS) - A favor
Silvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan (CDS-PP) - Contra
Sónia Ermelinda Maios da Silva Fertuzinhos (PS) - A favor
Victor Brito de Moura (PS) - A favor

Aplausos de Deputados do PS e de público presente nas galerias.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não ponham o carro adiante dos bois»! Os cidadãos que estão nas galerias não se podem manifestar.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Dois pesos e duas medidas! Desta vez, a Mesa não mandou a polícia tirar as pessoas!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado não havia nada a fazer. O que é Que quer que eu lhe faça?
Os cidadãos que estão ias galerias não se podem manifestar e, Srs. Deputados, peço desculpa de dizê-lo mas os senhores devem ovacionar no fim de anunciado o resultado da votação e não antes. Essa é uma maneira de, no fundo, defraudar as praxes desta Assembleia!
Srs. Deputados; o projecto de lei n.º 451/VII foi aprovado, tendo obtido a seguinte votação: 116 votos a favor, 107 votos contra e 3 abstenções.

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Aplausos de Deputados do PS e de público presente nas galerias.

O Sr. Presidente: - Os cidadãos, que estão nas galerias não se podem manifestar. Peço desculpa, mas é a regra da Casa.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, gostaria de informar que, juntamente com os Deputados Alberto Martins, Medeiros Ferreira, Eduardo Pereira, Elisa Damião, Marques Júnior, Teixeira Dias e Fernando Pereira Marques, apresentarei na Mesa uma declaração de voto escrita.

O Sr. - Presidente: - Fica registado, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Torres (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de anunciar que entregarei na Mesa uma declaração de voto escrita.

O Sr. Presidente:- Com 1 certeza, Sr. Deputado.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, gostaria também de anunciar que entregarei na Mesa uma declaração de voto escrita.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. É um direito. Não precisam de anunciar, bastam entrega-las na Mesa.
Srs. Deputados, vamos, ainda, proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 453/VII - Interrupção voluntária da gravidez (Deputados do PS António Braga e Eurico Figueiredo) ...

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes, votos a favor dos Deputados do, PS António Braga e Eurico Figueiredo e abstenções de Deputados do PS e do, PSD.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, gostaria de anunciar que apresentarei na Mesa uma declaração de voto escrita.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr.ª Deputada.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra apenas para declarar que os mesmos Deputados que há pouco referi apresentarão na Mesa uma declaração de voto escrita.

O Sr: Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, a próxima reunião realiza-se amanhã, a partir das 15 horas, com um período de antes da ordem do dia e com um período da ordem do dia onde constará a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.os 381/VII (PSD) e a discussão, também na generalidade, do projecto de lei n.º 269/VII (PCP). Proceder-se-á, ainda, à eleição de um membro para o Conselho Superior da Defesa Nacional.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 21 horas e 05 minutos.

Declarações de voto enviadas à Mesa, para publicação, relativas à votação, na generalidade, dós projectos de lei n.os 417 (PCP), 448/VII (CDS-PP),451/VII (PS) e 453/VII(Deputados do PS António Braga e Eurico
Figueiredo) e à votação final global do texto final, - apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre a proposta de lei n.º 97/VII - Estabelece um novo regime jurídico-legal em matéria de asilo e de refugiados, e aos projectos de
lei n.os 164/VII - Altera a Lei n.º 70/93 - de 29 de Setembro, sobre o direito de asilo,(PCP) e 418/VII - Direito de asilo (PSD).

Declaração de voto relativa à votação na generalidade, dos projectos de lei n.os 417 (PCP), 45l/VII (PS) e 453/VII (Deputados do PS António Braga e Eurico Figueiredo).

Defendo, pessoalmente, a realização de um refecendo nacional sobre a interrupção voluntária da gravidez que permita aos cidadãos o exercício do direito, que têm, de afirmar livre e claramente a sua vontade.
Entendo não ter mandato dos cidadãos do meu círculo eleitoral - perante quem respondo - para, neste momento, tomar decisões de, opção ou rejeição de qualquer dos projectos de lei em apreciação: Na campanha eleitoral, nos compromissos eleitorais, no programa de candidatura, no diálogo ou reuniões é debates públicos prévios às eleições de 1995, nunca esta matéria foi abordada, logo, enquanto legislador, não me encontro em condições de interpretar o sentido de- voto daqueles que represento.
Enquanto cidadão, e como juízo pessoal sobre a questão social e política da interrupção voluntária da gravidez, defendo a solução prevista no projecto de lei n.º 451/VII.
Hoje, votei favoravelmente os projectos de lei n.os 451 e 417/VII e abstive-me no projecto de lei n.º 453/VII. Fi-lo, porque entendo que só com esta votação a Assembleia da República mantém em aberto o quadro, legal de soluções e respeita o direito dos cidadãos a apreciar, discutir e decidir - livre de condicionamentos ou restrições, - a solução legal a adoptar.
Na sequência de um referendo nacional e num quadro aberto de soluções, saberei interpretar, como legislador, a vontade dos cidadãos que, enquanto Deputado nesta Câmara, represento.

O Deputado do PS, Laurentino Dias.

Declarações de voto relativas à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 448/VII (CDS-PP).
Votei contra o projecto de lei n.º 448/VII (CDS-PP), que altera o Decreto-Lei n.º 47,344/66, de 25 de Novembro, por, razões atinentes à atribuição de, personalidade jurídica ao nascituro, considerando, no entanto, urgente por questões éticas e jurídicas da engenharia genética e da reprodução artificial humana a definição de um Estatuto Legal do Embrião.

A Deputada do PSD, Maria Eduarda Azevedo.

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Sou, e sempre fui, um defensor do direito à vida, da dignidade da pessoa humana e do direito à integridade física.
Nesse sentido, considero que a vida deve ser protegida desde a concepção pois é esse o momento em que a mesma aparece. A falta desse reconhecimento é, no meu ponto de vista, de uma enorme gravidade.
Não posso, no entanto, deixar de referir que tenho as maiores dúvidas sob o plano jurídico que a alteração ao artigo 66.º do Código Civil seja, quando feito desta forma, o modo mais idóneo de o alcançar.
Votei favoravelmente o projecto apresentado pelo CDS-PP, porque a dignidade dos objectivos que visa atingir são bem mais importantes do que qualquer dúvida de natureza jurídico-formal.
Não podia, contudo, por respeito à verdade e ao rigor que se me pede enquanto elemento de uma câmara legislativa, de, com esta declaração de voto, deixar de salvaguardar a consciência que me foi ensinada nos bancos da Universidade de respeito pelo rigor técnico das leis.

O Deputado do CDS-PP, Sílvio Rui Cervan.

O sentido do meu voto favorável ao projecto de lei n.º 448/VII, do CDS-PP, bem como, aliás, a subscrição que dele fiz, tem sobretudo a ver com a irrecusável expressão dos valores que convictamente perfilho.
Acredito, e sempre acreditei, no direito à vida, pelo que entendo ser meu dever promover, sem discriminações, a permanente consagração do mais importante dos direitos humanos.
Neste sentido, do mesmo modo que votei negativamente as alterações propostas pelos Grupos Parlamentares do PS e do PCP à actual lei que regula as condições da interrupção voluntária da gravidez, impôs-se-me o imperativo de consciência de acompanhar o projecto de lei do meu partido.
Na medida em que se tratou de um voto de consciência, pode colocar-se a questão, face ao mandato de que estou investido, da legitimidade de um voto assente em valores e princípios que cada um tem o direito de perfilhar, ou não, segundo as suas próprias convicções.
A esta questão respondo com outra pergunta: seria porventura mais lícito pedir a alguém que votasse contra, ou pelo menos ignorasse, os valores éticos e morais que lhe são próprios, reduzindo o combate pela vida, incluindo a vida pré-natal, a um problema social e de saúde pública, que existe, mas que merece melhor resposta por outras vias? Creio que não!
Tal não significa, contudo, que acompanhe sem mais a solução jurídica proposta pelo meu partido e que se centra na alteração do artigo 66.º do Código Civil.
Quer se adopte a solução vigente, que determina o momento de aquisição da personalidade jurídica no nascimento completo e com vida, quer se reconheça essa personalidade jurídica aos nascituros independentemente do seu nascimento, são inúmeras as interrogações, perplexidades e paradoxos que continuam a absorver a doutrina e a encontrar eco nos regimes legais dos diversos países.
Com o meu voto, portanto, não quis (nem podia) resolver uma complexa questão técnico-jurídica, antes participar positivamente, em conjunto com os meus colegas, em mais um acto de defesa e promoção do primeiro dos direitos - o direito à vida.

O Deputado do CDS-PP, Luís Queiró.

Declarações de voto relativas à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 451/VII (PS).

A minha abstenção na votação do projecto de lei n.º 451/VII (PS), sobre exclusão da ilicitude de casos de interrupção voluntária da gravidez, é um voto consciente, depois de uma longa reflexão sobre a atitude política a tomar neste momento.
Sou contra o aborto, na sua generalidade.
Entendo, contudo, que a Lei n.º 6/84 de 11 de Maio, já veio legalizar situações da interrupção voluntária da gravidez em determinadas situações. Nela não tive qualquer intervenção. Mas existe.
Embora esta lei preveja punições para os casos de se abortar fora dos parâmetros nela previstos, quantos casos são julgados? Quantas pessoas estão na cadeia? Praticamente zero!
Quantos abortos se fazem anualmente em Portugal, na clandestinidade, na pior das condições, com riscos para a vida da mulher? E se votasse contra o projecto de lei n.º 451/VII, iria resolver o problema da clandestinidade abortiva, em que são afectadas milhares de mulheres? O problema do aborto estaria resolvido? Claro que não! A lei, pelo facto de ser lei, não resolve o problema do aborto.
Também um facto importante é o projecto de lei agora em causa diminuir a punição da interrupção da gravidez para 10 semanas, em vez das 12 semanas do projecto de lei n.º 236/VII, diminuição de período que eu considero fundamental pelo não desenvolvimento de actividade cerebral do feto.
Sendo contra o aborto, não consigo pelo voto evitar que ele exista, quer seja legal, quer seja clandestino. Prefiro o legal.
Por isso, me abstenho.

O Deputado do PS, Artur Sousa Lopes.

O nosso voto favorável corresponde à plena identificação com o objectivo essencial do projecto de descriminalização da interrupção voluntária da gravidez se efectuada livremente, a pedido da mulher, dentro de um determinado prazo legal.
Consideramos, no entanto, dever ser melhorada na especialidade a amplitude do prazo. Deve ser concedida à mulher após o prazo de 10 semanas um período de consulta e reflexão, de forma a garantir a «margem de segurança» de uma decisão informada e consciente.
Por outro lado, devem ser salvaguardadas as condições institucionais efectivas ao funcionamento, no mais curto prazo, de centros de aconselhamento familiar públicos e privados e o direito à informação da mulher grávida.

Os Deputados do PS, Strecht Ribeiro - Alberto Martins - Medeiros Ferreira - Eduardo Pereira - Marques Júnior - Videira Lopes - Elisa Damião - Fernando Pereira Marques - Teixeira Dias - Manuel Alegre.

Independentemente de avaliações de carácter ético-moral que possam ser feitas, faz sentido afirmar que nenhuma mulher faz um aborto com gosto e de ânimo leve. É uma experiência extraordinariamente dolorosa que deixa marcas para sempre. A complexidade deste tema obri-

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ga a uma abordagem séria e global. O aborto é apenas a fachada de uma imensa realidade social. Escondem-se atrás dessa fachada dramas humanos difíceis de encarar: vidas sem sentido, falta gritante de condições de vida, mães e filhos abandonados e violentados, preconceitos sociais, solidão extrema, mulheres violadas, adolescentes grávidas.
Lamentavelmente, o aborto tem sido discutido por parte do PS, durante os últimos meses, de forma ligeira e simplista.
Por um lado, porque, sendo uma matéria de conflitualidade de direitos (o direito à vida versus o direito à qualidade de vida), que divide profundamente a sociedade portuguesa (em função das convicções íntimas de carácter religioso, cultural, moral e ético de cada um), não
se entende por que razão esta tem sido impedida de dar a sua opinião. -
Por outro, porque a questão do aborto tem sido discutida confio um mero instrumento de controlo e planeamento da natalidade, sem ter em conta as questões sócio-económicas, éticas é culturais que lhe são inerentes e a necessidade de corrigir as causas que estão na origem da, sempre difícil, decisão de interromper a gravidez.
Isto é, o Governo e o PS utilizaram o aborto como uma simples manobra de diversão, exigindo a sua liberalização mas abdicando de apresentar soluções (ao nível do planeamento familiar, da educação sexual e da promoção de políticas pró-natalidade) que permitisse que de futuro aquele fosse cada vez menos uma realidade (tal como acontece na generalidade dos países desenvolvidos).
Perante esta dupla circunstância - a de ser a liberalização do aborto uma matéria de conflitualidade de direitos e a de merecer uma abordagem mais ampla que permita encontrar alternativas -, e tendo em atenção que aquilo pelo qual muitos lutaram nó interior da JSD, no início da década de 80, já está hoje previsto na lei, e que a possibilidade de interromper a gravidez por razões médicas da mãe (até às 16 semanas), por malformação do feto (até às 24 semanas), por inviabilidade do feto (a todo o tempo) e nos casos de violação (até às 16 semanas), o que está agora de novo, em discussão, por iniciativa do PS, é do PCP- é uma proposta bem distinta -. a da liberalização do aborto (interrupção livre da gravidez até, às 10 ou 12 semanas).
Esta proposta, que divide transversalmente, todos os
partidos, traduz uma fortíssima conflitualidade, de direitos,
sendo que opção final se inscreve muito mais na consciência de cada um do que nas doutrinas político-ideológicas e partidárias.
Esta matéria, não estando inscrita na doutrina ideológica de qualquer partido político, também não foi alvo de qualquer promessa ou discussão por altura da: campanha eleitoral para as legislativas de 95 (que elegeram estes Deputados).
Nenhum Deputado conhece a opinião dos eleitores que o elegeram e nenhum eleitor conhecia a opinião dos Deputados que elegeu.
Os Deputados da JSD entendem que 230 Deputados não podem decidir por 10 000 000 portugueses. A democracia representativa, e os seus instrumentos, não oferecem as melhores garantias.
Os Deputados à Assembleia da República não têm legitimidade para decidirem, em representação dos cidadãos, sobre uma matéria de uma enorme complexidade e subjectividade sobre a qual se representam apenas a si
próprios.
Lutaremos, pois, para que, na sequência do debate hoje ocorrido na Assembleia da República, a decisão final seja confiada a todos os Portugueses em referendo a realizar no mais breve período de tempo.
Independentemente da posição individual de cada um de nós, estamos e estaremos (na Assembleia da República) contra qualquer alteração à lei do aborto no sentido de o liberalizar, enquanto essas alterações forem operadas na Assembleia da República (sem a legítima procuração dos que nos elegeram) e não em referendo popular.
Mas não ficaremos a marcar passo, como outros, na discussão da liberalização do aborto. Queremos atacar as razões que estão na sua origem.
Assim, apresentaremos de imediato um «pacote» de iniciativas legislativas (neste momento em fase de redacção final) que visem a instituição de uma política; inovadora, de educação sexual e planeamento familiar, assim como de políticas de apoio, às novas famílias.
Os Deputados da JSD, Jorge Moreira da Silva Sérgio Vieira - Hermínio Loureiro - João Carlos Duarte - João Moura de Sá.
Relativamente ao projecto de lei n.º 451/VII, visando a «exclusão de ilicitude de casos de interrupção da gravidez», apresentado pelo PS, tenho a dizer o seguinte:
Votei desfavoravelmente este projecto de lei por razões
de «coerência» partidária, mantendo o sentido de voto de há um ano. Não me foi imposta nenhuma espécie de disciplina partidária, mas fui sensível aos argumentos do Presidente do meu Partido e do Presidente do meu Grupo Parlamentar relativamente à interpretação política de uma mudança de voto em menos de um ano. Sabendo que o projecto de lei seria aprovado com toda a probabilidade, aceitei as condicionantes de ordem político-partidária. Há um ano tinha votado contra. O projecto evoluiu e, embora eu mantenha dúvidas quanto à melhor solução política para evitar ou reduzir os dramas, pessoais que hoje, têm lugar, optei pela manutenção do sentido de voto. Julgo, sobretudo, necessário progredir na regulamentação da Lei em vigor. Mantenho-me, no entanto, empenhado, enquanto Deputado, e de acordo com a minha consciência, na procura de uma solução política equilibrada, tão consensual quanto possível para a sociedade portuguesa, para a regulamentação da interrupção voluntária da gravidez.

O Deputado do PSD, Francisco Torres.

Declarações de voto relativas à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 453/VII (Deputados do PS António Braga e Eurico Figueiredo).

A oportunidade do regresso da problemática do aborto ao Parlamento é discutível, mas não deixa de revelar a incapacidade da chamada classe política em fazer cumprir as leis que votou.
A lei de interrupção voluntária da gravidez, votada em 1984, nunca teve condições para ser seriamente aplicada, sendo ainda amplamente desconhecida. O que desacredita o Parlamento que a votou, os Governos do PSD e socialistas, que até agora não criaram condições para que a sua aplicação seja viabilizada nos serviços públicos, e nova-

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mente o Parlamento que durante todos estes anos não exerceu as suas funções de fiscalização com suficiente determinação para o exigir.
Mas põe também em causa as organizações cívicas nacionais incapazes de manterem uma pressão permanente com vista a viabilizar a legislação vigente, só se comprometendo de tempos a tempos no viva da polémica e assumindo, de molde enfadonhamente repetitivo, os mesmos pontos de vista radicais.
Não podendo eu próprio recusar também um «mea culpa»: como porta-voz do PS para a saúde de 1992 a 1995 e como Deputado, não dei a esta problemática a importância que ela merecia.
Quando legislação cuidada não é aplicada, nem avaliada após aplicação, abrem-se as portas à cultura da facilidade.
Sendo, todavia, certo que a problemática em questão é tão complexa que não é por acaso que é tão maltratada ê desleixada. Propicia surtos de debate apaixonado. Mas em que a desinformação ainda existente e a capacidade dos fundamentalismos clericais e feministas em monopolizarem-na a nível da opinião pública obrigam o debate a regressar quase sempre ao ponto de partida.
Quando as sondagens ultimamente reveladas nos reconfortam, mostrando que a grande maioria dos portugueses recusa os fundamentalismos que têm ocupado o espaço da quase totalidade do debate. E têm opiniões muito diferenciadas sobre esta questão muito para lá do simplista ser a favor ou contra o aborto. Sendo já cansativo ter que intervir em requentados, num debate que parece não sair do mesmo sítio desde 1984. quando pela primeira vez nele intervim, neste Parlamento, a pedido do Grupo Parlamentar do PS.
Não se descortina, é certo, qualquer acréscimo de legitimidade, no já fragilizado de legitimidade debate de 1997, como a que poderia ter resultado de eleições legislativas sufragando claramente a opção liberalizante! Não se descortina inteligência política, ao serviço do País, no agendamento de um assunto que divide profundamente os portugueses e mesmo o eleitorado socialista, quando o Primeiro-Ministro nos tinha prometido estabilidade após as eleições autárquicas. Apenas se descredibiliza o PS, o grupo parlamentar e o próprio Primeiro-Ministro.
Quando parecia mais oportuno que se manifestasse a função fiscalizadora do Parlamento exigindo do Governo o prometido: tornar exequível a legislação vigente.
Mas, graças à decisão da Comissão Política do PS de desvincular os Deputados de qualquer orientação partidária, surgem hoje dois projectos de legislação subscritos por Deputados socialistas, o que dificulta a lógica do afunilamento a que conduziria a omissão da sensibilidade que se exprime no projecto que subscrevo. Sensibilidade que. de outro modo, deixaria de se sentir representada no grupo parlamentar a que pertenço e que, a acreditar nas sondagens conhecidas, é mesmo maioritária a nível do eleitorado.
De uma coisa tenho a certeza enquanto for Deputado socialista e cidadão deste país: não professando nenhuma religião, procurarei evitar que este debate se polarize entre católicos abortófilos e não católicos abortófilos. Sendo de esquerda, procurarei impedir que esta questão se crispe num conflito entre a esquerda e a direita. Sendo homem de partido, e defendendo o referendo se passar uma lei liberalizante. acaso esta resista ao Tribunal Constitucional, privilegiarei a iniciativa popular à iniciativa dos partidos para procurar despartidarizar esta temática.
Sei que assim estou a fazer um bom serviço a um país extremamente tolerante quanto aos valores. Onde a esquerda dos amigos de Alex e dos seus discípulos ainda não compreendeu que o nosso Alex é Presidente da República. E a direita fundamentai-la não tirou a devida lição do que significou a vitória de Sá Carneiro na liderança da AD. Os portugueses, de direita ou esquerda, na sua maioria, são tolerantes quanto aos costumes. Pelo que nos diz respeito, procuraremos impedir a bipolarização do País atrás de fundamentalismos feministas (direito de a mulher dispor do seu corpo) ou clericais (recusa de qualquer tipo de interrupção voluntária da gravidez).
Em 1984, nesta Assembleia, foi dei rolado o segundo, o fundamentalismo clerical No ano passado, também aqui. foi derrotado o primeiro, o fundamentalismo feminista.
Entre estes fundamentalismos há um larguíssimo espectro permitindo melhorar a legislação vigente. E nesse campo e nessa atitude que nos colocamos e onde, segundo as sondagens, se encontram a maioria dos portugueses. Nele se reconhecem direitos à mulher e ao casal e direitos a vida intra-uterina. Admite-se o aborto, em condições e situações específicas, como resultado de um conflito de direitos. Essas situações e condições deverão ser especificadas por lei no seguimento do enquadramento legal vigente.
Surpreendente me parece também saber que os principais protagonistas da postura liberalizante prevejam que o Tribunal Constitucional, se solicitado, não deixará passar um diploma desse teor. Parece satisfazerem-se apenas com circo. Também acreditamos que dificilmente a actual Constituição seja compatível com uma proposta liberalizante.
Com esta iniciativa legislativa, não pretendemos dar circo ao povo, até porque, se tivéssemos que optar entre pão ou circo, optaríamos sempre pelo pão.
Foi nesse sentido que procurámos melhorar a legislação em vigor, respeitando as bases éticas que fundamentam a nossa Constituição e com a qual estamos de acordo, onde, presumimos, que o direito a vida dá ao embrião direitos desde a concepção, mas, sobretudo, estamos preocupados com os interesses das camadas mais desfavorecidas da população no direito à maternidade pelos mais humildes, que correm o risco de ser cada vez menos representadas por Deputados que só conseguem traduzir os valores das classes médias a que geralmente pertencem e as facilidades institucionais a que têm acesso. Sem compreenderem que também têm de ser garantidas às camadas mais desfavorecidas da população o direito à maternidade. Triste sina a das mães das camadas sociais mais desprotegidas, se a esquerda só lhes reserva o direito ao aborto livre!
Passamos a esclarecer certos aspectos do projecto que António Braga e eu próprio, sem proselitismo, vos propomos.
A civilização que a União Europeia penosamente procura construir, baseada no Estado de direito, respeitando as liberdades democráticas, defendendo políticas sociais extensivas à universalidade dos cidadãos, e o respeito pelo ambiente, tem, contudo, pés de barro.
Para que esta civilização sobreviva é necessário que a demografia garanta a transmissão de valores a nível familiar, protegendo-se, a União Europeia, do recurso à emigração de populações avessas aos nossos valores. Tem também que possibilitar que as gerações mais novas forneçam aos idosos cuidados sociais dignos e que o meio ambiente, extremamente humanizado no nosso continente.

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não caminhe para a desertificação, sobretudo no sul da Europa.
Para que a população se renove, cada mulher deve procriar 2,1 crianças. Acontece que, segundo os dados da Eurostat de 1997, em 1995 todos os países da União Europeia apresentam valores abaixo deste limiar, comum valor ligeiramente superiora 1.4, que era o do nosso país.
Dados de investigação pessoal mostram que o desejo de não ter filhos aumentou, nos estudantes universitários, de 1 % na geração de 60, para 3,7% na de 80 e 10,9% na de 90. O desejo de ter 4 filhos, ou mais, decresceu de 30,2% na geração de 60, para 10.4% na geração de 80 e 9,1% na geração de 90.
Estes dados, e outros que possuímos, vão no sentido de ser previsível uma ainda maior queda da natalidade na década 2000!
São conhecidos os principais factores que provocam a queda da fecundidade: planeamento familiar, aborto e trabalho feminino fora do quadro familiar.
São valores consensuais da nossa cultura a valorização do planeamento familiar, a igualdade de direitos entre os sexos e á legitimidade da interrupção, da gravidez pelo menos em certas condições e períodos de desenvolvimento embrionário (salvo na Irlanda).
As políticas natalistas de dificílimo sucesso implicam uma grande determinação, na compatibilização na mulher do direito ao trabalho e à maternidade. Não será por acaso que os trabalhos na área da saúde mental apontam á jovem adulta até aos 35 anos como o grupo etário de maior, risco para a mulher se deprimir, quando as responsabilidades da maternidade e de carreira profissional mais se potencializam.
Daí que o nosso projecto entre o direito à interrupção da gravidez e o direito à maternidade, não só por razões éticas mas também pragmáticas, favoreça inequivocamente o direito à maternidade, o direito à mulher ter os filhos que deseja, o que procuramos viabilizar através de uma comissão que assuma claramente essa competência, sobretudo quando o desejo de interrupção decorre de razões sócio-económicas. Liberalizara interrupção da gravidez nos primeiros meses de desenvolvimento fetal atira para a total opacidade todas estas situações impedindo uma política activa de defesa da maternidade.
A comissão de apoio à maternidade, que propomos polivalente, com competências jurídicas e médico psicossociais, é o contrário de uma comissão burocratizada: sê-lo-ia mais se integrada num serviço público com regras hierárquicas a cumprir e polivalente nos objectivos, como se prevê noutros projectos.
É uma comissão criada para funcionar segundo um modelo de serviço de urgência e com capacidade de apoiar a mulher antes, durante e depois da interrupção, como é recomendado pelos trabalhos de índole científica na área.
É uma comissão disponível para ajudar as requerentes de interrupção, sobretudo, das camadas sociais mais desprotegidas, a orientarem-se na selva dos nossos serviços públicos para poderem fundamentar as suas opções e a ajudá-las a optar, assumindo ò odioso da decisão, o que protege a grávida em relação à sua própria culpabilidade em caso de interrupção.
Não compreender estes objectivos é deixar as grávidas ao abandono, livres para interromperem mesmo não o desejando, incapazes de vencerem as dificuldades para fundamentarem as opções que justifiquem as interrupções legais, tantas vezes sós numa decisão difícil que as coloca em face da sua culpabilidade. Será, de facto, deixá-las de novo entregues ao drama do aborto feito nas mesmas condições que agora, mas legal antes das 10 ou 12 semanas, e ao aborto clandestino ou outras situações previstas por lei, livres para terem que pagar o preço solicitado pelas clínicas privadas que, antes clandestinas, precisarão, agora, se essa eventualidade suceder, de pôr placa à porta. Bom negócio. Não duvido! Não tenhamos dúvidas: a liberalizarão vai diminuir a pressão, para que; as interrupções se efectuem em serviços públicos e dar uma excelente oportunidade ao privado. Triste sina a das grávidas das camadas sociais mais desfavorecidas, se a prenda que a esquerda lhes promete não for o direito à maternidade mas o direito a abortarem até aos 10 ou 12 meses a preços para elas incomportáveis.
E ridículo procurar-se fundamentar a opção de dar direitos ao embrião, desde a concepção, em termos exclusivamente científicos.
O que é científico é o ovo ter, indubitavelmente>aoda a informação biológica necessária para vir a dar origem a um nascituro. O bebé proveta é disso a prova. Seria, de facto, uma anedótica fantasia dar direitos a um bebé proveta, e não os dar a um feto intra-uterino.
Dar direitos à vida humana embrionária é uma decisão de civilização, de cultura. É uma opção da espécie humana da mesma natureza que a proibição do incesto, a abolição da pena de morte, a outorga de direitos humanos. Ou se concede este gesto civilizacional, ou. não, se concede. O direito internacional já dá direitos às gerações futuras, o que só dignifica a humanidade. As gerações futuras são meramente virtuais, mas já têm direitos. Foram-lhes dados pela Declaração de Estocolmo de 1972 e Assembleia Geral da ONU de 1987. Estranho seria dar direitos ao que é virtual e retirá-los ao que é mais do que geração futura potencial, pois é já projecto de geração futura existente: o feto.
O Decreto-Lei n.º 136/96, que estabelece o regime jurídico do fomento, exploração e conservação dos recursos cinegéticos, no seu artigo 22 º, proíbe ò «capturar ou destruir ninhos, covas, luras, ovos e crias cinegéticas». Pela nossa lei, é crime destruir ovos de perdiz, pomba, rola. A Directiva do Conselho das Comunidades Europeias de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens, recomenda aos Estados-membros; no seu artigo 5.º, nomeadamente, que seja proibido «destruir ou danificar intencionalmente os seus ovos». Propõe-nos uma lista de cerca de 150 aves, especificadas em :diferentes anexos, desde o milhano, ao peto preto, à frisada, à piadeira... Certamente que não as vou ler todas.
Os ovos destas aves estão protegidos por lei. Ainda bem! A nossa espécie só se dignifica com atitudes de protecção da natureza. Estranho seria que também não se defendesse a ela própria e não protegesse os seus próprios fetos! Estranho seria que um feto humano valesse menos que, sem desprimor, um ovo de perdiz.

O Deputado do PS, Eurico Figueiredo.

Votámos contra o projecto de lei n.º 453/VII, porque ele não respeita o princípio da liberdade individual da mulher e da sua livre decisão de prolongar ou interromper a gravidez. No entanto, assinalamos como positivo ò facto de, no prazo de 12-.semanas após a fecundação, se admitir a despenalização do aborto. O princípio da não críminalização do aborto é relevante, tal como as obrigações que o projecto atribui ao Estado da criação de insti-

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5 DE FEVEREIRO DE 1998

tuições de apoio à maternidade, salvo no que respeita ao carácter vinculativo da decisão das consultas de apoio à maternidade.

Os Deputados do PS, Strecht Ribeiro - Alberto Martins - Medeiros Ferreira - Eduardo Pereira - Marques Júnior - Videira Lopes - Elisa Damião - Fernando Pereira Marques - Teixeira Dias.

Votámos contra o projecto de lei n.º 453/VII, subscrito pelos Deputados Eurico Figueiredo e António Braga, porque pretende substituir o direito à decisão pessoal, responsável e consciente da mulher por um processo técnico-administrativo, reduzindo a mulher a mero objecto da decisão alheia.

Os Deputados do PS, Helena Roseta - Ricardo Castanheira.

Declaração de voto relativa à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre a proposta de lei n.º 97/VII - Estabelece um novo regime jurídico-legal em matéria de asilo e de refugiados e aos projectos de lei n.os 164/VII - Altera a Lei n.º 70/93, de 29 de Setembro, sobre o direito de asilo
(PCP) e 418/VII - Direito de asilo (PSD).

O direito de asilo e protecção de pessoas refugiadas e apátridas corresponde a um património de valores fundamentais para a Humanidade, que devem pautar a nossa vida colectiva: valores humanistas, de liberdade e de solidariedade.
Valores estes assim, não passíveis de troca, nem de submeter-se a políticas conjunturais. Tão pouco, valores cuja interpretação possa ficar à mercê do acaso e de visões policiais, antes implicam a responsabilidade dos governos não só em proclamá-los, mas, sobretudo, garantir todas as condições do seu exercício pleno, pelos que dele careçam.
Tem, contudo, o regime jurídico legal que regula a matéria de asilo sido caracterizado nos últimos anos por profundos retrocessos em Portugal e nos demais países Europeus, dos quais resulta na prática a restrição drástica das possibilidades de acesso ao Estatuto de Refugiado em países da União Europeia, sobretudo a partir da entrada em vigor da Convenção de Aplicação dos Acordos de Schengen.
A proposta de lei n.º 97/VII, que estabelece um novo regime jurídico legal em matéria de asilo e refugiados, tem no seu enquadramento a marca nítida deste retrocesso.
Assim, e pese embora o diploma tenha acolhido pontualmente outras propostas, incorporado sugestões, reflectido algumas das críticas (por exemplo apoio ao requerente, reagrupamento familiar), acaba por manter o seu traço dominante e de todo inaceitável: a omnipresença e o poder discricionário de um Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ao longo de todo o processo, o que de imediato permite compreender o pouco significado de alcance e dimensão das melhorias, entretanto, introduzidas.
Um órgão de polícia que liminarmente pode decidir da admissibilidade ou não de um pedido de asilo de um cidadão, e sobre ele e o seu destino, vai projectar todo o seu poder absurdo: na instrução, na apreciação e na decisão do processo.
Assim, face à ausência de inserção e garantias processuais em matérias que envolvem direitos, liberdades e garantias no regime de concessão de asilo e à filosofia que lhe está implícita, o Grupo Parlamentar Os Verdes votou contra a proposta de lei n.º 97/VII.

A Deputada do Partido Ecologista Os Verdes, Isabel Castro

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PSD):

António Paulo Martins Pereira Coelho.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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Depósito legal n.º 8818/85

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