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Quinta-feira, 21 de Maio de 1998 2411

I Série - Número 71

DIÁRIO
Da Assembleia da República

VII LEGISLATURA

3.A SESSÃO LEGISLATIVA (1997-1998)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 20 DE MAIO DE 1998

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação dos projectos de lei n. os 522 e 523/VII e da apreciação parlamentar n.º 51/VII, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira (PCP), em interpelação à Mesa, solicitou ao Sr. Presidente que sensibilize a Administração da Expo 98 no sentido de que os visitantes possam entrar no recinto da exposição com sondes e águas.
Em declaração política, o Sr. Deputado Pedro da. Vinha Costa (PSD), a propósito da inauguração da Expo 98, teceu criticas acerca de carências existentes em algumas =ovas do pais, nomeadamente no Porto, resultantes de diferenças de investimento. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Saraiva (PS), João Amaral (PCP) e Sílvio Rui Cervan (CDS-PP).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Octávio Teixeira (PCP) condenou o Governo pela sua política económica e labora!. com vista à convergência real da economia, tendo, - depois, respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Manuel dos Santos (PS) - que exerceu também o direito regimental de defesa da honra - e Carlos Encarnação (PSD).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Luís Queiró (CDS-PP) criticou afirmações de membros do Governo, que considerou como desconsiderações à Assembleia, nomeações de ex-membros do Executivo para a administração de empresas e a não criação de condições de funcionamento da Comissão do Euro, que levaram à de missão do seu presidente. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Acácio Barreiros (PS) e Carlos Encarnação (PS) - que deu depois explicações a um protesto do orador anterior.
Após leitura, foi discutido e rejeitado o voto n.º 116/VII(PSD) - De protesto pela não valorização, no quadro da Expo 98, da comemoração dos 500 anos da descoberta do caminho marítimo para a índia por Vasco da Gama -, tendo sobre ele usado da palavra os Srs. Deputados José Calçada (PCP), António Reis (PS), Carlos Encarnação e Ferreira Ramos (CDS-PP).

Ordem do dia. - Foram aprovados os n.os 55 a 59 do Diário.
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.os 113/VII - Estatuto do Ministério Público e 157/VII - Altera o Código de Processo Penal. Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim), os Srs. Deputados Odete Santos (PCP), Francisco Peixoto (CDS-PP), José Magalhães (PS), Guilherme Silva (PSD), Jorge Lacão e Alberto Martins (PS), Calvão da Silva (PSD), Nuno Baltazar Mendes (PS) e Antonino Antunes (PSD).
Entretanto, a propósito de unia afirmação feira pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação (PSD) de que tinha entregue um requerimento ao Governo no sentida de saber se tinha ou não havido crime de evasão fiscal na compra de aviões da TAP e que este ainda não tinha dado resposta, sob a forma de interpelação à Mesa, usaram da palavra, além do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa), os Srs. Deputados Carlos Encarnação e Luís Marques Mendes (PSD) e João Amaral (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 50 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Pedro da Silva Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Rodrigues Costa de Brito.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria de Lurdes Ferreira da Silva Farinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Paulo Jorge Lúcio Arsênio.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Teresa Maria Gonçalves Gil Oliveira Pereira Narciso.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.

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António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luis Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno José Vaz.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Almeida Figueiredo Barbosa Pombeiro.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Pedro José Del Negro Feist.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luisa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Carmen Isabel Amador Francisco.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputado independente: José Mário de Lemos Damião.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa e foram admitidos, os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 522/VII - Combate à desertificação e recuperação do desenvolvimento nas áreas do interior (PSD), que baixou às 8.º e 5.ª Comissões; projec-

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to de lei n.º 523/VII -- Estabelece as bases das organizações interprofissionais do sector florestal (PSD), que baixou às 1.ª e 10.ª Comissões; apreciação parlamentar n.º 51/VII Do Decreto-Lei n.º 97/98, de 18 de Abril, que estabelece o regime de celebração das convenções a que se refere a Base 41 da Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto (Lei de. Bases da Saúde) (CDS-PP).
Foram apresentados na Mesa os requerimentos seguintes: na reunião plenária de 7 de Maio, ao Ministério da Educação, formulados pelo Sr. Deputado Carlos Coelho; ao Ministério do Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Santos Pereira; aos Ministérios do Ambiente e da Saúde e à Câmara Municipal de Abrantes, formulados pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
No dia 12 de Maio 1998: ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado José Junqueiro; ao Sr. Primeiro-Ministro, formulado pelo Sr. Deputado Mendes Bota.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: no dia 8 de Maio, Jorge Roque Cunha e José Barradas, no dia 27 de Janeiro e na sessão de 5 de Março; Luís Filipe Madeira e Victor Moura, na sessão de 4 de Março; Francisco Valente e António Filipe, na sessão de 26 de Março; Bernardino Soares, na sessão de 1 de Abril.
No dia 12 de Maio: Maria Amélia Antunes, na sessão de 13 de Novembro; Manuela Aguiar, no dia 3 de Fevereiro; Heloísa Apolónia, no dia 3 de Março; José Reis, Ricardo Castanheira e Luisa Mesquita, nas sessões de 4 e 13 de Março e no dia 21 de Abril; Rodeia Machado, na sessão de 5 de Março.
No dia 13 de Maio: Arnaldo Homem Rebelo, na sessão de 4 de Fevereiro; Isabel Castro, no dia 3 de Março; Roleira Marinho, na sessão de 11 de Março; João Amaral, na sessão de 3 de Abril.
No dia 15 de Maio: Isabel Castro, na sessão de 20 de Fevereiro; Lírio de Carvalho, na sessão de 4 de Março; Luísa Mesquita, na sessão de 13 de Março; Barbosa de Oliveira e Bernardino Soares, na sessão de 26 de Março; Mota Amaral, na sessão de 3 de Abril.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, em termos de expediente é tudo.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, amanhã será formal e oficialmente inaugurada a Expo 98. É sabido que a realização da Expo 98 gerou em todos os portugueses uma enorme expectativa e um legítimo direito de a visitarem. A Expo é uma exposição mundial mas é também uma exposição dos portugueses e para os portugueses e todos nós sabemos que, perante o. desejo de os portugueses a visitarem, muitos deles têm de fazer algum sacrifício económico.
É nesse sentido que colocaria a questão, não em termos de base legal ou outra, pois não é nada disso que está em causa; o que está em causa - e é esse o sentido da interpelação - é procurar sensibilizar, e para isso peço o apoio do Sr. Presidente da Assembleia da República e dos restantes grupos parlamentares, o Conselho de Administração da Expo 98 e o Governo para que não seja verdade aquilo que foi anunciado, ou seja, a proibição de qualquer visitante da Expo levar uma garrafa de água ou uma sandes no bolso.
Não estamos a pensar em farnéis nem em piqueniques; agora, é natural que uma família com três ou; quatro filhos tenha dificuldade em suportar os custos da alimentação e das bebidas nesse dia na Expo, depois de ter suportado os custos da entrada.
É nesta perspectiva, de sensibilização dos responsáveis da Expo e do Governo, para que não seja levada à letra a afirmação de que não será permitida a entrada do que quer que seja para alimentação ou bebida, que eu solicito ao Sr. Presidente a sua colaboração e os seus bons ofícios, bem como os dos restantes grupos parlamentares.

Aplausos do PCP e de alguns Deputados do PSD e do CDS-PP

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, levarei a sua preocupação ao conhecimento do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, com uma palavra de empenhamento da minha parte.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, subo, hoje, a esta Tribuna dividido entre dois sentimentos: de muita alegria e grande satisfação, por um lado, e de tremenda tristeza e enorme indignação, por outro.
Na verdade, Sr. Presidente, Sr.- e Srs. Deputados, a inauguração da Expo 98, em Lisboa, capital de Portugal, é para mim, como português, como seguramente o é para todos os meus concidadãos, motivo para grandes alegrias.
Com efeito, o facto de se realizar em Portugal a última grande exposição mundial deste século, ponto de encontro de múltiplas e variadas culturas, possibilitando aos portugueses o conhecimento, a informação sobre as diversas formas de ver o passado, de viver o presente e de perspectivar o futuro, por si só, seria já motivo de regozijo. Mas a isto acresce ainda que a Expo 98 catapultou Portugal e Lisboa para o centro das atenções do mundo, com significativas vantagens económicas imediatas, mas, principalmente, geradoras de enormes frutos no futuro.
E se considerarmos que a Expo 98 obrigou à construção de um sem número de infra-estruturas que revolucionaram, melhorando muito, a cidade de Lisboa, então, enquanto portugueses, temos motivos de sobra para expressarmos uma enorme alegria.
Diz-se que Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. Assim foi no caso da Expo 98. Mas. Sr. Presidente, Sr.- e Srs. Deputados, como católico que sou, acredito que Deus quer para todos e não só para alguns. Sei que todos os homens sonham com melhores condições de vida, sejam eles de que zona do País forem. Indigna-me constatar, revolta-me saber, que, querendo Deus, sonhando o homem, a obra só nasça para alguns.
Na verdade, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, sendo eu Deputado eleito pelo círculo eleitoral do Porto, sendo residente no Porto, tendo escolhido o Porto para viver, para

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educar os meus filhos, não consigo calar a revolta perante a tremenda injustiça que se abate sobre todos os portugueses que não têm o privilégio de residir em Lisboa, e muito particularmente sobre os do Porto.
Não sou um regionalista. Não pauto os meus comportamentos por sentimentos de menor apreço por quaisquer outros cidadãos, muito menos por razões de origem geográfica. Mas, sabendo-se que Portugal é um País onde não abundam os recursos, com enormes assimetrias regionais, o que se esperaria é que os escassos recursos de que o Pais dispõe fossem distribuídos por todo o território nacional, por todos os portugueses, de acordo com critérios de equidade e de justiça, começando, evidentemente, pela satisfação de carências onde ela efectivamente é sentida.
Deveria ser assim, más não é, por isso, Portugal não é hoje, como não foi no passado, um país onde exista uma verdadeira e efectiva igualdade. de oportunidades.
Na verdade, sabemos, todos nós, que há portugueses que vivem em condições de vida infra-humanas e que esses portugueses estão espalhados por todo o País, de norte a sul, do interior ao litoral. E, nestas circunstâncias, será sempre demagógico pensar-se em verdadeira igualdade de oportunidades.
Mas quem pode entender que a violação deste nobre e, para muitos, utópico objectivo da igualdade de oportunidades exista mesmo quando pensamos em pessoas com rendimentos exactamente iguais?
Permitam-me, Sr. Presidente, Sr.ªs, e Srs. Deputados, que compartilhe convosco um drama que, sendo pessoal, é também igual ao dos meus vizinhos, que habitam no meu prédio, na minha rua, na minha cidade, no meu distrito, na mesma zona do País. É o drama de explicar aos meus filhos por que é que não têm as mesmas oportunidades que têm as crianças que, por exemplo, são filhos de qualquer um de vós, Srs. Deputados de Lisboa, que, em regime de exclusividade, têm um rendimento mensal exactamente igual ao meu.
Aos meus filhos, porque lhes quero falar sempre verdade, terei de lhes dizer que a vida cultural deste País está concentrada na cidade de Lisboa, e que aí, e quase só aí, acontecem os grandes eventos culturais, as grandes exposições, os grandes concertos, as grandes performances, a que eles apenas terão acesso via televisão ou, usufruindo da melhoria das vias de comunicação, percorrendo os 300 Km que os separam do centro de toda a actividade cultural.
Aos meus filhos, porque lhes quero falar sempre verdade, terei de lhes dizer que vivem num distrito onde a taxa de desemprego é o dobro da taxa de desemprego nacional e que ninguém parece preocupar-se com este facto, tão mais absurdo quanto acontece na região que é sempre referida como sendo a' capital do trabalho.
Aos meus filhos, porque lhes quero falar sempre verdade, terei de lhes dizer que quando, no passado, se verificaram situações de taxas de desemprego muito elevadas em zonas localizadas, como, por exemplo, em Setúbal, logo foram criados programas específicos para acudir a essas populações, enquanto hoje, quando é o distrito do Porto que sofre com o flagelo do desemprego, não só não podemos contar com programas especiais como o Governo lança um Plano Nacional de Emprego em doze regiões-piloto sem que nenhuma delas seja a zona mais afectada pelo flagelo do desemprego.
Até se vai mais longe e, no distrito do Porto, selecciona-se a parte do distrito - pequenina já se vê - que apresenta valores menos significativos em matéria de desemprego, talvez porque, como explicou o Sr. Ministro Ferro Rodrigues, "não nos podíamos arriscar a começar com um falhanço", parecendo com isso querer afirmar que a situação no Porto está condenada ao fracasso.
Aos meus filhos, porque lhes quero falar sempre verdade, terei de lhes dizer que, sendo certo que é sempre mau ficar doente, no Porto é bastante pior do que em Lisboa, já que, enquanto no chamado grande Porto, temos, por cada 1000 habitantes, 3,2 médicos e 5,9 camas hospitalares, na grande Lisboa há, para igual número de habitantes, 6 médicos e 7,3 camas hospitalares.
Aos meus filhos, porque lhes quero falar sempre verdade, terei de lhes dizer que se vive melhor em Lisboa do que no Porto. É o que dizem indicadores muito simples, mas significativos, como é, por exemplo, o caso do número de telefones instalados, pois os 12% dos portugueses que habitam no grande Porto têm 13,1 % do total de telefones instalados no Pais, enquanto os 18,5% de portugueses que habitam na grande Lisboa têm 25,5% do total dos telefones instalados em Portugal.
Aos meus filhos, porque lhes quero falar sempre verdade, terei de lhes dizer que, enquanto o índice de poder de compra no norte está 17% abaixo da média nacional, em Lisboa e Vale do Tejo está 43% acima daquela média e que o rendimento disponível no norte é de 31,4% enquanto em Lisboa e Vale do Tejo é de 39,7%.
Aos meus filhos, porque lhes quero falar sempre verdade, terei de lhes dizer que, sendo escassos os recursos de que o País dispõe, eles parecem ser menos escassos em Lisboa do que no restante Portugal.
Aos meus filhos, porque lhes quero falar sempre verdade, terei de lhes dizer que o último grande investimento deste século, em Portugal, foi a Expo 98 em Lisboa e que o primeiro grande investimento do século que está a chegar será o novo aeroporto de Lisboa.
Aos meus filhos, porque lhes quero falar sempre verdade, terei de lhes dizer que, enquanto em Lisboa já começam a faltar vogais para designar as vias circulares à cidade que, com menos ou mais atrasos se vão construindo, no Porto, essas vogais continuam a sobrar para as vias estruturantes que se desenham nos papéis.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Deixe lá os miúdos em paz!...

O Orador: - Aos meus filhos, porque lhes quero falar sempre verdade, terei de lhes dizer que, enquanto em Lisboa o Governo se preocupa, e muito, com o que fazer com os edifícios da Expo quando esta acabar - e por isso, antes mesmo de esta ter início, já o Governo aprovou mais investimentos de muitos milhões de contos para adaptação desses edifícios -, no Porto não há dinheiro para edifícios que, embora muito necessários, ainda nem começaram a ser construídos quanto mais a serem adaptados ou recuperados.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Aos meus filhos, porque lhes quero falar sempre verdade, terei de lhes dizer que enquanto em Lisboa

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há muitos milhares de jovens que sofrem com o flagelo da droga mas ouve-se falar de programas de reabilitação do Casal Ventoso, no Porto, há igualmente milhares de jovens que padecem com o mesmo flagelo sem que se apresentem quaisquer programas de reabilitação de qualquer um dos muitos supermercados de droga que enchem a cidade, parecendo que a droga em Lisboa é um problema nacional enquanto no Porto é uma característica das suas gentes.
Em suma, Sr. Presidente, Sr.- e Srs. Deputados, aos meus filhos, porque lhes quero falar sempre verdade, terei de lhes dizer que lhes peço desculpa por os obrigar a viver numa zona do País onde tudo é mais difícil do que em Lisboa.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Coitados dos miúdos!

O Orador: - Só não o faço, porque quero educar os meus filhos ensinando-lhes alguns valores, um dos quais é o da obrigação que todos temos de combateras injustiças sem fugir dos problemas. E o combate às injustiças começa, justamente pela sua denúncia.
Aliás, não é só aos meus filhos que quero falar verdade. É minha obrigação, enquanto Deputado à Assembleia da República, dar voz aos que me elegeram, amplificando as suas reivindicações, mas também, e sempre, falar verdade, denunciando as múltiplas injustiças de que uma parte muito significativa do País é vítima.
Estão passados quase 25 anos sobre o 25 de Abril, quase 25 anos de esperanças sempre adiadas, quase 25 anos de promessas e de ilusões. Não podem esses-25 anos de luta contra as desigualdades, portanto, no combate às injustiças e às assimetrias, levar-nos a cair em "cantos de sereias" que se apresentam encantadoras mas mais não são do que uma forma de satisfação de vaidades e ambições pessoais, quantas vezes usurpando e destruindo justas reivindicações.
Mas, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, os meus filhos são ainda pequenos. Talvez seja possível, denunciando estas visões centralistas, manifestando ajusta revolta daqueles que são tão portugueses como quaisquer outros, dando mais poderes aos que estão mais perto dos cidadãos, isto é, aumentando os meios das autarquias locais, mas principalmente alterando as mentalidades, talvez seja possível, dizia eu, alterar significativamente as coisas, de forma a que os meus filhos, que aqui utilizei para personificar toda e qualquer criança deste nosso Portugal, não cheguem a sofrer a angústia do porquê de tamanha injustiça, logo, a revolta de tão estúpida desigualdade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Saraiva.

O Sr. José Saraiva (PSD): -.Sr. Deputado Pedro Vinha da Costa, comemora-se por esta data a chegada do Gama a Calecut. Tenho a certeza de que V. Ex.ª leu Os Lusíadas e lá também havia "velhos do Restelo"...
O discurso do Sr. Deputado, traduzindo, de certo modo, alguns indicadores, que são verdadeiros e nos quais pessoalmente me revejo, não deixa de trazer a esta Casa, num dia e num momento destes, uma insuportável demagogia, um miserabilismo que me faz interrogar.
Apesar de eu ter nascido e vivido no Porto, penso que todos nesta Câmara seremos do Porto quando revemos os números, mas todos somos de Lisboa, todos somos da Expo, que, aliás, é um projecto sonhado por gente com responsabilidades no discurso ideológico do seu partido e promovido quando o seu partido estava no Governo. Por isso, a sua intervenção apanhou-nos de surpresa e penso que a reacção da sua própria bancada é disso exemplo.
Assim, pergunto-lhe se o seu discurso traduzirá, ele próprio, a forma como a nova direcção do seu partido, a que V. Ex.ª pertence, vê os problemas do País e da exposição universal. Traz V. Ex.ª aqui, ao Parlamento, a posição que a direcção do seu partido - agora, cada vez mais, cavalgando para a direita - tem, uma visão passadista das realidades nacionais e das promoções que fazem o nosso País ser, hoje, olhado com respeito e, de certo modo, até invejado, por uma realização que amanhã todos teremos a honra de testemunhar?
Sinceramente, tendo o Sr. Deputado invocado tanto os seus filhos, espero que eles, daqui a uns anos, não se orgulhem do discurso que V. Ex.ª fez aqui hoje, porque ele traduz uma memória de um Portugal coitadinho, de um Portugal pequenino, que pensa pequeno e vê pequeno,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... de um Portugal, que, no fundo, é redutor da sua própria imagem e grandeza.
Portugal não é isso! Portugal tem, na sua história, momentos de grandeza e o momento que estamos agora a viver em Portugal - todos nós, de um partido ou de outro, independentemente das opiniões que tivermos sobre este ou aquele pormenor - é um momento de que nos orgulhamos, que nos faz reflectir e ter orgulho em sermos portugueses.
Pelo contrário, ouvindo o seu discurso parece que este Portugal é, como dizia Alexandre O'Neil, o seu próprio remorso.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Saraiva, muito obrigado por me ter colocado a questão e, principalmente, por ter concordado comigo. Outra hipótese também não tinha, porque os números que apresentei são exactos, não são números que dependam da perspectiva em que cada um de nós olhe para eles. São a realidade!
Por outro lado, muito obrigado também por meter dado a hipótese de esclarecer o que é que eu pretendi fazer com a intervenção que proferi. Na verdade, o que pretendi foi,

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exactamente, levantar a minha voz contra aqueles que, olhando para a realidade, acham que é melhor escondê-la e tapá-la, fingir que ela não é essa. E V. Ex.ª, não de uma forma sincera mas, porventura, para dar mais ânimo a este debate,
personificou-os.
Isso faz-me lembrar um pouco, Sr. Deputado, aquele cidadão que, sendo anão, pretende disputar, num jogo de basquetebol, as bolas altas com os gigantes da modalidade. É isso que V. Ex.ª está a dizer-nos quando refere que os números são exactos mas é demagogia falar neles, que os números são exactos mas é miserabilismo falar neles.
Sr. Deputado, estou tão feliz pela inauguração da Expo 98 como qualquer um dos senhores...

O Sr. José Saraiva (PS): - Não parece!

O Orador: - ...e concordo inteiramente consigo quando diz que Portugal teve ao longo da sua história muitos momentos de grande glória. Aliás, espero que, no futuro, continue a tê-los, ao longo da história que há-de ainda ser vivida. Portanto, nisso, estou inteiramente de acordo consigo!
Agora, é exactamente nos momentos de grande glória, nos momentos em que temos razões para nos congratularmos por determinadas vitórias que o País alcança que temos de pensar nas situações que têm de ser resolvidas. Não podemos deitar-nos ao sol, e o seu discurso pareceu-me significar que o seu partido quer deitar-se ao sol. E, aí, felicito-o pela coerência, porque, de facto, o seu discurso passou a encaixar, na perfeição, a prática do seu partido no Governo. Isto é, se corre bem unia coisa, por exemplo, a Expo 98, então não vamos falar mais das misérias, das assimetrias, das desigualdades ou das injustiças, mesmo que tenhamos ganho as eleições a prometer ao "Zé Pagode" que íamos, justamente, acabar com essas assimetrias, com essas injustiças, com essas desigualdades.
É isso que os senhores estão a demonstrar, tanto na prática como no discurso e, portanto, Sr. Deputado, felicito-o pela sua coerência.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa, a questão que trouxe aqui é muito relevante, porque todas as zonas do País têm muitas carências, mas a realidade é que as carências da área central do País, da Zona da Grande Lisboa, têm sido atendidas a uma velocidade maior do que as carências de outras zonas. E o que, se passa com o Grande Porto passa-se também com outras regiões, ou seja, com o Alentejo, com Trás-os-Montes, com a Beira Interior ou com o Algarve.
Em todas estas regiões, há motivos para dizer que a política devia de ser mudada, que devia haver um maior equilíbrio no investimento público, por forma a promover uma maior harmonia no desenvolvimento, porque o desenvolvimento deve ser, antes de tudo, harmonioso e isso não tem sido feita. Ora, essa é uma questão que deve ser colocada.
Agora, vamos ter de saber - e os filhos do Sr. Deputado também - ...

Risos do CDS-PP.

...quem são os responsáveis, porque é importante que eles não se esqueçam disso.
Relativamente aos investimentos feitos em Lisboa, o Sr. Deputado não ignora que muitos daqueles que referiu também foram decididos pelo seu governo. São investimentos, não tenho dúvida!... A construção da nova ponte sobre o Tejo e do Centro Cultural de Belém - que era muito necessário -,foram decididos pelo governo do PSD.
Mas não é nada disso o que me leva a intervir. O que me leva a fazê-lo são duas questões muito directas: a Expo 98 e o norte.
Há muita gente, no norte, que entende que o País ganharia se fosse chamada a atenção do mundo para a importância daquela região, com uma grande realização centrada no Porto mas envolvendo outras áreas do norte. Há muita gente que o entende e o desafio que está feito ao Governo é o de ser capaz, em conjunto com as autarquias, com a respectiva Área Metropolitana, encontrar uma solução para que isso se concretize.
A segunda questão que me leva a intervir é por eu achar, Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa, que a sua intervenção deve ser publicada em toda a parte, para vermos como o País é coeso. Ela foi a demonstração da. coesão que os senhores tanto dizem que o País tem e que pode ser atingida através da regionalização.
O Sr. Deputado fez aqui uma intervenção acusatória, mostrando e exemplificando aquilo que dizemos, ou seja, que o País não é coeso a esse nível porque tem profundas assimetrias e porque as profundas assimetrias levam a discursos como aquele que o Sr. Deputado fez.
E quando se trata de resolver esse problema, quando se trata de caminhar no sentido da sua resolução, por exemplo, criando as regiões, aí o Sr. Deputado e o seu partido, em vez de se colocarem francamente ao lado desse processo, procuram contrariá-lo por todas as formas.
Essa foi uma contradição sem saída que o Sr. Deputado teve no seu discurso.

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, concordo consigo quando diz que estas assimetrias não existem só no que diz respeito à comparação entre Lisboa e Porto. Falei do Porto porque fui eleito por lá, aliás, como V. Ex.ª e, portanto, se amanhã o Sr. Deputado falasse sobre a questão do desemprego em Portugal, eu perceberia que se centrasse mais no Porto do que em qualquer outra região, até porque aí, como sabe, o desemprego é substancialmente mais elevado do que em qualquer outra zona do País.
Portanto, Sr. Deputado, concordando consigo no que diz respeito às assimetrias regionais que existem entre a capital e o resto do País e concordando até com os termos, que eu classificaria de elegantes, com que se referiu à questão da resolução mais rápida dos problemas em Lisboa do que no resto do País, quero também dizer-lhe que acho que V. Ex.ª tem razão quando diz que importa saber quem são os respon-

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sáveis. E os responsáveis são todos aqueles que, ao longo destes quase 25 anos, não foram capazes, não quiseram, não puderam - mas aqueles que não puderam terão aí, eventualmente, menos responsabilidades - ou não souberam reduzir
e acabar com essas assimetrias.
E nisto também envolvo os senhores, pois também os senhores foram governo, também os senhores impediram o desenvolvimento deste país, criando, no PREC, os problemas que. se conhecem, também os senhores, ao longo destes quase 25 anos, tiveram atitudes que condicionaram a acção governativa daqueles que, porventura de boa fé e com sinceridade, pretendiam, de facto, combater essas assimetrias.
Agora, Sr. Deputado, há uma coisa que tem de ser dita: o diagnóstico, pelos vistos, é idêntico, o senhor concorda com o grito de revolta que ali quis levar. Porém, o Sr. Deputado diz que isso se resolve com a regionalização e eu digo-lhe
que a regionalização não vai resolver nada.
Quer ver um exemplo em como a regionalização não vai resolver nada? Ouvimos há pouco um Sr. Deputado, da bancada do Governo, regionalista, dizer que este discurso - que é verdadeiro - é miserabilista e demagógico. Portanto, a
regionalização não vai resolver coisa nenhuma, apenas irá, mais uma vez, tentar tapar a verdadeira questão.
Sr. Deputado, o que é necessário é dar mais meios, mais poderes, às autarquias locais, é necessário dotar as autarquias locais dos meios necessários não só para terem força e peso junto da Administração Central, mas também para que, elas próprias, possam resolver um determinado número de questões.
Finalmente, Sr. Deputado, quero dizer-lhe que, evidentemente, não só como cidadão do Porto mas também enquanto Deputado eleito pelo Porto, estou inteiramente à disposição do Sr. Deputado ou de qualquer outro Deputado que queira fazer um esforço imaginativo na busca de uma qualquer gran
de iniciativa que possa projectar a importância do norte do País perante o mundo.
Mas, Sr. Deputado, não nos iludamos, porque isso não vai resolver a questão.

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Tem havido uma falta vontade política para resolver os problemas, uma falta de vontade política tão grande que vai até ao ponto de dizer que mais vale não se falar dos números porque isso é demagogia, apesar deles serem
verdadeiros.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa: V. Ex.ª veio aqui dizer que estava satisfeito com a inauguração e com a realização da Expo 98. Pois se V. Ex.ª está satisfeito, também a bancada do PP e todos os seus Deputados estão satisfeitos com a realização de uma exposição que mobiliza o País e que deve ser o orgulho de todos os portugueses. Mas falou V. Ex.ª, nesta Câmara, de um problema muito
o importante. É que, para a realização da Expo 98 - e lembro ao Sr. Deputado que essa realização foi lançada pelo governo apoiado pelo partido de V. Ex.ª =,lançou então o governo um conjunto de obras públicas de desenvolvimento desta região e de suporte da Expo 98, tais como a CRIL, a CREL, a nova ponte sobre o Tejo, o tabuleiro do combóio na ponte antiga sobre o Tejo, ...

O Sr. Acácio Barreiros (PS): É a ponte25 de Abril.

Vozes do CDS-PP: - Isso é só de há alguns anos a esta parte!

O Orador: - ...ª gare do Oriente, a extensão da rede do Metro, o que significa que houve uma aposta política de investimento público na Área de Lisboa e Vale do Tejo.
E o Porto? O Porto foi, ao mesmo tempo, brindado com o Museu da Fotografia, onde podemos ver bonitas fotografias de toda esta obra pública.
E qual foi o primeiro grande investimento de que se falou no período pós-Expo 98? Foi do lançamento, pelo Governo do Partido Socialista, de um novo aeroporto para Lisboa e é bom lembrar aqui que o Partido Socialista sempre criticou a macrocefalia e o investimento público desmedido em Lisboa, como é bom lembrar nomeadamente ao Sr. Deputado José Saraiva, que escreveu tanto e tão bem sobre este tema, que V Ex.ª, das duas uma, ou devia dar-nos razão ou não devia dizer o que disse aqui hoje. V. Ex.ª concorda connosco, sente o mesmo que nós sentimos e, portanto, não percebemos, obviamente, aquilo que hoje V. Ex.ª aqui veio dizer.
Mas, Srs. Deputados, nada disto seria grave se o único grande investimento que está, neste momento, a ser feito na região do Porto não estivesse em causa. Refiro-me ao metro do Porto.
Notícias vindas a lume dizem-nos que ele custa mais 22 milhões de contos, verba que ninguém quer pagar e, por isso, as obras estão paradas. Sr. Deputados, não há vontade política, não há capacidade política, e o que nós sabemos, pelo que tem vindo a lume através dos jornais, é que o metro do Porto está parado.
Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa, faço-lhe um convite: que no próximo Orçamento do Estado, através da introdução das necessárias correcções, possa, connosco, melhorar esta circunstância, com muitos pequenos e médios investimentos que são necessários não só na região do Porto mas também na região norte, porque não estamos aqui apenas a falar na região do Grande Porto.
Porém, quero deixar um aviso à bancada do Partido Socialista e ao Governo:...

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputa-

O Orador: - ...º metro estava prometido e o Porto não tem nem metro, nem decímetro, nem centímetro, continuamos a ver a obra estruturante do norte do País e da região do Grande Porto adiada todos os dias.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa.

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O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, quero também agradecer-lhe e dizer, muito rapidamente, a título de comentário às suas palavras, que, como é evidente, V. Ex.ª tem razão quando refere uma série de investimentos feitos à volta e por causa da Expo 98 e é evidente que isso torna ainda mais chocante o facto de em algumas zonas do País, nomeadamente no distrito do Porto, haver a falta de idênticos investimento.
V. Ex.ª, como autarca de Vila Nova de Gaia, sabe muito bem qual é, por exemplo, neste momento, o problema dessa cidade no que diz respeito às acessibilidades. Isso preocupa-me, mas preocupa-me muito mais que, sendo essa a realidade, se tente escondê-la, escamoteá-la, inclusive, pintá-la como sendo de outra cor.
Sabemos que, em vésperas das últimas eleições legislativas, os rostos do norte do Partido Socialista, nomeadamente uma senhora que hoje é ministra deste Governo, juntamente com o Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto, prometiam, em conferência de imprensa, a poucos dias das eleições, que, com o Partido Socialista, tudo iria ser diferente, que os investimentos iriam ser canalizados para o norte, prometendo mesmo uma revisão do plano de investimentos que estava traçado.
Porém, volvido todo este tempo, nada foi feito e não só não houve investimentos no norte do País, como, mais grave do que isso. essas pessoas remeteram-se a um silêncio, que é quase preocupante, porque, eventualmente, pode vir, no futuro, a envergonhar aqueles que acreditaram nesse discurso. Isso preocupa-me muitíssimo mais, justamente porque diminui os níveis de esperança e eu gostava que os níveis de esperança da minha terra, do meu País, no seu todo, fossem mantidos muito altos.
No entanto, com práticas e discursos como aqueles que o Governo nos tem brindado, é evidente que isso é muito difícil.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontra-se connosco, a assistir à sessão, um grupo de 40 alunos da Escola Secundária Manuel Cargaleiro, de Lisboa, para quem peço a vossa habitual saudação.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No passado domingo, o Sr. Primeiro-Ministro reuniu-se, no emblemático cenário do Estoril, num almoço com a "nata" do grande capital nacional, dos representantes dos maiores grupos económicos portugueses, repasto promovido pelo seu Ministro predilecto, o "cardeal", agora na pasta da economia, que não se cansa de repetir, entrevista após entrevista, que a sua prioridade (e a do Governo) é reforçar e apoiar, de todas as formas, esses mesmos grupos económicos.
Para um Governo que se reclama de socialista, é politicamente significativo que, ao mesmo tempo que no Conselho Económico e Social apresenta vários projectos de propostas de lei visando reduzir, ainda mais, os direitos dos trabalhadores, o seu Primeiro-Ministro se reuna com os grupos económicos - e à porta fechada, para que publicamente não se saiba o que lá se passou.
Terá o Governo prometido aos grupos económicos mais dinheiros para a "internacionalização", mais propostas de lei contra o mundo laboral ou a intensificação de joint-ventures de empresas de capitais públicos com os grandes grupos económicos? Quiçá...
O que esse almoço não serviu - disso estamos certos! - foi para o Governo instar os patrões dos grupos económicos a conterem o crescimento acelerado dos lucros e a distribuírem de forma mais justa e equitativa o produto da riqueza criada pelos trabalhadores portugueses.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Isso é que era bom!...

O Orador: - Pois se o Governo, no âmbito das suas competências, nada faz nesse sentido, certamente não iria pedir aos "grandes patrões" que o fizessem por iniciativa e condescendência própria.
À saída do almoço, o Sr. Primeiro-Ministro falou e disse: "garantido o euro, temos agora que criar as condições para que a nossa sociedade (...) seja mais produtiva, tenha mais justiça e mais equidade", afirmação que reveste, igualmente, significado político relevante.
Com aquela declaração, o Primeiro-Ministro veio confirmar que o seu Governo, durante estes dois anos e meio, apenas se preocupou com o euro, com os critérios nominais da união monetária.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Só agora, passado mais de metade do mandato do seu Governo, é que o Primeiro-Ministro promete vir a preocupar-se com a "criação de condições" para que a economia portuguesa produza mais, para que haja mais equidade na distribuição do rendimento nacional.
Isto é, só agora o Governo, pela voz do seu principal responsável, promete vir a preocupar-se com a convergência real, desmentindo, categoricamente. o que até há pouco apregoava: que a convergência nominal estava a ser acompanhada da convergência real.
Poderão alguns Srs. Deputados do PS, mais socialistas do que neo-liberais, dizer, ou pensar, que "mais vale tarde que nunca". Mas a verdade, Srs. Deputados, como diz o nosso povo, é que "de promessas está o Inferno cheio", acrescendo que poderá começar a ser demasiado tarde.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Quanto a promessas, e olvidando por agora as múltiplas promessas eleitorais não cumpridas, aí temos. por exemplo, a Comissão Europeia a dizer que o plano nacional de emprego apresentado pelo Governo português é fundamentalmente retórico, pois não integra as medidas que deveriam permitir atingir as metas definidas em termos de reinserção dos desempregados jovens e de longa duração no mercado de trabalho.
Quanto ao tardio, aí temos a Comissão Europeia a exigir ao Governo, já no Orçamento do Estado para 1999, maior compressão nas despesas orçamentais e mais drástica redu-

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ção, ou mesmo eliminação, do défice orçamental. E aí temos, ainda, a Comissão Europeia a querer impor; agora sem subterfúgios, que a política salarial portuguesa seja comandada pelo Banco Central Europeu e não pelo Governo português.
Quanto a isto, que é o concreto, que é o essencial, o Governo assobia para o ar.
O Primeiro-Ministro, atarefado com os almoços empresariais, com as inaugurações de auto-estradas e outras e com o bem-estar material dos ex-membros do seu Governo, finge desconhecer o que se está a passar.
O Ministro da Economia apenas vê, ouve e preocupa-se com os grupos económicos, não lhe restando sequer tempo para cumprir as promessas feitas aos trabalhadores da SODIA ameaçados com um despedimento colectivo.
O Ministro dos Negócios Estrangeiros está excessivamente ocupado em impedir que se saiba, cá dentro, que; lá fora, não se opõe à participação da Indonésia nas reuniões da OCDE.
O Ministro das Finanças, bom, o Ministro das Finanças não se sabe por onde anda nem o que faz. Só aparece quando há privatizações. Mas sabe-se o que não faz. Não faz publicar a legislação prometida para que o Tribunal de Contas possa cumprir eficazmente e em tempo útil os seus deveres de fiscalização da gestão dos dinheiros públicos. Ficará, de certo, na história do Governo do PS o facto insólito de o Tribunal de Contas se ver obrigado a fazer "um apelo público" para pressionar o Governo a conceder-lhe os meios necessários ao exercício cabal das suas funções.
À margem do disposto na lei, o Ministro das Finanças não faz nem manda fazer concurso público para a adjudicação de uma campanha de propaganda politiqueira sobre o euro. Não faz esclarecimento público sobre o euro porque, na sua opinião, isso compete à "sociedade' civil". Por ele, o Governo apenas está obrigado à propaganda e a manter uma comissão do euro de 70 pessoas que, nas palavras do ex-coordenador, "é uma espécie de depósito de adidos, que gastou, em sete meses, muito dinheiro a mobilar-se e a publicar um boletim propagandístico e pouco informativo". Nem tem o bom senso, o Ministro, de ordenar a suspensão dessa campanha de propaganda que, de tão mau gosto e isenta de qualquer qualidade, certamente envergonhará os próprios defensores do euro,...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... nem faz qualquer reforma do sistema fiscal porque isso é, para ele, questão menor, sem qualquer interesse para os portugueses.
Além do mais, se alguma alteração houver que fazer, certamente a Comissão Europeia ou o Banco Central Europeu dirão o quê, o como e o quando. Basta-lhe cumprir o que o ECOFIN determinar, a mais não se sente obrigado.
Srs. Deputados, este é um retrato actual da governação de um governo que se diz socialista. Nas palavras de um cronista de um semanário do passado sábado, é a governação do "sorriso e da passividade", a pensar já, e só, nas próximas eleições legislativas. Ou melhor - e parafraseando. o mesmo
:autor -, é um Governo que, dizendo-se socialista, "realiza uma política que não é socialista", "que é a política dos outros, preparada pelos outros e condicionada pelos outros".
Isso parece verdade, mas é inequivocamente certo que o Governo não é obrigado a isso. A questão, o grande problema, é que ele, o Governo, diferencia-se insuficientemente e confunde-se excessivamente, por vontade própria, com os "outros",... os neo-liberais, os livre-cambistas, os monetaristas, quer os domésticos quer os da União Europeia.
Este é o busílis da questão!

Aplausos do PCP

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Manuel dos Santos e Carlos Encarnação.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, confesso que já tenho alguma dificuldade em falar com V. Ex.ª porque, sistematicamente, tenho de repetir, uma vez que o Sr. Deputado faz sempre os mesmos discursos, o mesmo tipo de argumentos que tenho esgrimido noutras oportunidades.
V. Ex.ª apresenta sempre uma aparente certeza científica, um conjunto de previsões e de profecias que os tempos vêm a desmentir. V. Ex.ª considera sempre que Portugal está atado, está condicionado, nas suas políticas, sobretudo nas de integração e de intervenção social, pela sua presença activa e na primeira linha da construção europeia,. mas, realmente os factos desmentem, sistematicamente, as suas previsões.
Compreendo que, de quando em quando, tenha de fazer esse tipo de discurso, porque, infelizmente, o seu partido - e, naturalmente, V. Ex.ª, como dirigente qualificado desse partido, tem de ter exactamente o mesmo ónus - não consegue acompanhar a evolução necessária que os tempos e as mudanças justificariam.
De facto, o senhor não traz, no discurso que aqui proferiu, nada de significativamente novo relativamente a outras arengas que aqui fez, às vezes até não direccionadas para este Governo mas para o governo anterior, uma vez que o discurso era sistematicamente o mesmo - e repare que não estou a utilizar aquela expressão tradicional e consabida que fez história na nossa história política. O único elemento que V. Ex.ª aqui trouxe de novo, embora de uma maneira envergonhada, o que não deixa de ter algum significado, foi uma referência vaga à relação entre o actual Governo e o .poder empresarial, nomeadamente as empresas.
Talvez V Ex.ª não tenha estado atento, mas as coisas evoluíram. Ter, hoje, uma posição de esquerda não é, naturalmente, ignorar o mundo empresarial, é exactamente intervir no mundo empresarial e ter, em relação a este, um enquadramento adequado, para que o mercado possa funcionar de uma maneira socialmente eficiente, para que a concorrência e á competitividade possam ser asseguradas. Essa é que é hoje a postura de esquerda.
Ser de esquerda não é, hoje, nacionalizar; não é aumentar, significativamente e sem medidas, o sector empresarial do Estado; ser esquerda é exactamente intervir na regulação do mercado. Mas VV. Ex.as não são capazes de perceber esta mensagem, não evoluem e, por isso, vão "perdendo os comboios" e, em paralelo com os comboios que vão perdendo, também vão perdendo Deputados, à medida que as sucessivas eleições se vão verificando.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, o senhor é um homem inteligente, é um excelente parlamentar, é um. homem de carácter, portanto, peço-lhe que, intelectualmente, evolua um bocadinho, sobretudo quando tiver de fazer referências, faça-as de uma maneira mais explícita e não tão implícita.
Também não posso deixar sem reparo a referência que fez às eventuais vantagens de natureza material que teriam alguns elementos que participaram nos governos anteriores. Não percebemos bem o que é que o senhor queria dizer. Será que o senhor, agora, é o porta-voz de uma folha informativa que circula por aí, que já, aliás, ofendeu várias pessoas desta Casa, com sucessivos processos transitados em julgado e com condenações adequadas?... Se V. Ex.ª não foi apenas o porta-voz disso ou se tem qualquer informação mais precisa, mais consistente, que nos pudesse transmitir, nesse caso, talvez fosse bom que a colocasse.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Basicamente, o que quero dizer-lhe, Sr. Deputado, é que esse tipo de discurso está ultrapassado. V. Ex.ª deve fazer um esforço, a bem da esquerda, que o senhor também quer representar, para que o seu discurso possa evoluir.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr: Presidente, Sr. Deputado Manuel dos Santos, se tem dificuldade em conversar comigo, o problema é seu, há-de compreender que não vou preocupar-me com uma coisa dessas. Mas julgo que se tratou mais de uma questão de retórica do que de outra coisa, pelo que vamos às questões de fundo.
V. Ex ' acabou por dizer, na sua intervenção, que se eu também quiser fazer alguma coisa pela esquerda... Sr. Deputado, está completamente deslocado, o problema é saber se VV. Ex.ª querem fazer alguma coisa pela esquerda, porque quanto a nós não há qualquer dúvida.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Há, há!

O Orador:'- Principalmente, quando V. Ex.ª vem dizer que ser de esquerda, hoje - aliás, há três anos, o actual Primeiro-Ministro veio dizer que o paradigma da nova esquerda era o Sr. Clinton e V. Ex.ª, agora, sem referir o Clinton, vem dizer a mesma coisa -, é intervir no mundo empresarial.
O problema é que os senhores não estão a intervir apenas no mundo empresarial, os senhores estão a intervir com o mundo empresarial, estão colados ao mundo empresarial, apoiados nele, admitindo e permitindo que o mundo empresarial se apoie em VV. Ex.as. Certamente, esse não pode ser o caminho da esquerda! Esse será outro caminho mas não é o da esquerda, é um caminho completamente diferente e inverso.
O Sr. Deputado disse que eu fiz algumas referências im. políticas. Quais? Eu disse claramente que ao Sr. Primeiro-Ministro lhe faltava tempo para as questões essenciais, porque entre as inaugurações, etc., andava preocupado com o bem-estar material dos ex-membros do Governo...

Risos.

Isso é público, é conhecido! Não sei qual é a folha a que se referiu, vi isto em vários jornais, com a listagem completa e, até hoje, nunca foi desmentido, nem pelo Governo nem por nenhum dos beneficiados com essas sinecuras. Essa é a questão e não é profecia nem nada que se pareça! Não é uma referência implícita, é uma verdade que se verifica.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Manuel dos Santos falou nisso porque é uma excepção!

O Orador: - O que acabei de ouvir, leva-me a dizer que talvez tenha razão a sua referência a esta problemática: é que V. Ex.ª - e aqui penitencio-me, com toda a sinceridade - será, possivelmente, a única excepção desta preocupação do Sr. Primeiro-Ministro em relação aos seus ex-governantes. Com toda a sinceridade, não me tinha lembrado que V. Ex.ª fazia parte desse lote dos ex-governantes e não daqueles em relação aos quais o Sr. PrimeiroMinistro está preocupado com o bem-estar material.

Risos do PCP.

Quanto à questão das profecias, Sr. Deputado, aquilo que aqui referi sobre a Comissão Europeia não são profecias. Referi aquilo que a Comissão Europeia se prepara para exigir, aliás, já declarou que o vai exigir. Não estou a fazer profecias, o que lhe digo, e o que disse aos Srs. Deputados do Partido Socialista, é que talvez comece a ser tarde para um discurso que, além de ser meramente de promessa, é retórico, mesmo que eventualmente tivesse algum fundo de verdade em termos de vontade política. De facto, começa já a ser demasiado tarde e esta é que é a questão!
A questão, Sr. Deputado Manuel dos Santos, é a que lhe referi inicialmente: um governo que se diz de esquerda tem de sê-lo! Um governo não é de esquerda só pelo facto de dizer que é de esquerda, só o é se fizer política de esquerda, se for orientado pela esquerda para, fundamentalmente, beneficio de todos os trabalhadores, da população, com justiça e solidariedade, coisa que o Governo do PS não tem feito.

Aplausos do PCP

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma defesa da honra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, dar-lhe-ei a palavra no fim da última resposta aos pedidos de esclarecimentos do Sr. Deputado Octávio Teixeira, visto a defesa da honra não ser da bancada.
Assim, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

Aparte inaudível do Deputado do PS António Reis.

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O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado António Reis está a ouvir melhor do que nunca! Consegue ouvir mesmo ainda antes de eu falar! Cumprimento-o, por isso, Sr. Deputado.
Sr. Deputado Octávio Teixeira, gostava de colocar-lhe três pequenas questões, que advêm de um facto simples: V. Ex.ª mostrou aqui a dificuldade em entender algumas coisas, em compreender algumas coisas que o PS, hoje no Governo, faz. Reconheço b esforço muito grande que V. Ex.ª e todos os portugueses têm de fazer para compreender...

O Sr. Rui Namorado (PS): - Mas eles disseram-lhe isso?!

O Orador: - ... até coisas tão simples, como os exemplos que vou dar. E veio-me este à cabeça, porque ainda há pouco tive oportunidade de ler isto num jornal: antes, o PS dizia que a "política do betão" era um gasto supérfluo;...

Vozes do PS: - Outra vez!?

O Orador: - ... hoje diz que é uma necessidade. O Primeiro-Ministro dizia, há relativamente pouco tempo, que a Gare do Oriente era um excesso; hoje vem dizer que a Gare do Oriente é uma catedral do progresso.

Risos do PSD.

Antes, o Sr. Primeiro-Ministro tinha, em relação a Bruxelas e à Comissão, uma atitude muito mais curiosa, conseguindo até, por vezes, ser altamente exigente;...

O Sr. Rui Namorado (PS): - É verdade!

O Orador: - ... hoje, quando vemos que as recomendações da Comissão caem sobre a política portuguesa e que o Primeiro-Ministro tem muita dificuldade em dizer alguma coisa sobre elas - aliás, o Primeiro-Ministro não aparece a falar sobre o assunto, manda alguém -, diz, muito portuguesmente, que a Comissão manda o que manda, mas não manda em Portugal. V. Ex.ª acha isto bem?! Acha isto natural?!

O Sr. Rui Namorado (PS): - Acha mal!

O Orador: - Acha que isto é mesmo assim? Acha que o Primeiro-Ministro tem possibilidade de dizer isto, desta maneira? Não acha que isto é um autêntico excesso que o Primeiro-Ministro manda dizer a um secretário de Estado só para ser uma declaração popularucha? V. Ex.ª acha que esta afirmação do Secretário de Estado tem conteúdo político?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Essa intervenção é que não tem conteúdo!

O Orador: - Segunda questão, V. Ex.ª deve ter, por várias vezes, participado em debates sobre as finanças locais e deve ter ouvido várias vezes o Governo dizer, anteriormente, quando o PS era oposição, que iria duplicar as verbas para as câmaras municipais. E agora veja lá, Sr. Deputado e gostaria de obter um comentário seu sobre isto -, o que está a acontecer nesta altura: primeiro, o Governo disse que ia apresentar uma proposta; segundo, o Governo disse que ia aumentar as verbas; terceiro, o Governo disse que toda a gente estava satisfeita com aquilo que ia prometer, e, ontem - surpresa das surpresas -, o Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Que é socialista!

O Orador: - ... que, por acaso, é socialista, vem dizer que o Governo não só não cumpre -o que prometeu como ainda tira dinheiro às autarquias locais.
Isto é, o Governo, quando era oposição, dizia - e manteve depois o discurso neste sentido - que ia fazer com que os cofres das autarquias locais se enchessem; agora, na véspera de realizar o próximo Orçamento do Estado, vem dizer às autarquias tão simplesmente para, afinal, não terem em conta aquilo que dizia, porque não era verdade,...

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Era um lapso!

O Orador: - ... pois vai tirar-lhes dinheiro. O que é que o Sr. Deputado Octávio Teixeira pensa acerca do comportamento de um governo e de um Primeiro-Ministro que faz isto?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faça favor de terminar, pois já ultrapassou o tempo regimental.

O Orador: - Permita-me, Sr. Presidente, que termine com uma pergunta, que também tem a ver com esta Assembleia e com o exercício dos nossos poderes de fiscalização.
Num outro momento, o Sr. Deputado não comentou, mas entendo ser importante uma palavra sua sobre isto e, assim, pergunto: o que é que V. Ex.ª acha de um ministro que usa a intimidação a uma Deputada como manobra de pressão política, como uma tentativa de fazer calar os representantes do povo, de impedir que a fiscalização democrática da Assembleia seja exercida em plenitude? Diga-me o que pensa, Sr. Deputado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, quanto á dificuldade em compreender algumas posições deste Governo, V. Ex.ª conhece a resposta, porque já o dissemos aqui várias vezes.
Mas o Sr. Deputado deu um exemplo interessante, o do betão, dizendo que, anteriormente, o PS combatia a "política do betão" e que, agora, que está no Governo, segue a "política do betão".

Vozes do PS: - Era um betão mal feito!

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O Orador: - Penso que V. Ex.ª ainda não se apercebeu bem de que não há aqui uma verdadeira continuidade, porque, segundo o que um Sr. Ministro responsável terá dito muito recentemente, há uma diferença enorme: é que agora o betão é com qualidade,...

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - ... coisa que não era nos vossos governos.

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - E esta diferença pode ser substancial. Não prometo e não garanto que o seja, mas, para o Ministro, o betão, agora, é com qualidade.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É pré-esforçado!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Agora é que percebi tudo!

O Orador: - Mas, na prática e ao fim e ao cabo, Sr. Deputado Carlos Encarnação, também aqui, na questão do betão, como em tudo o resto, trata-se daquilo que escrevia Joaquim de Aguiar no sábado passado, ou seja, o Governo está a cumprir a política dos outros, de acordo com os outros, condicionado pelos outros, e é evidente que VV. Ex.as estão á frente dos "outros", a nível interno. Por conseguinte, eles vão fazendo e acompanhando, a par e passo, aquilo que vocês iniciaram, que deixaram escrito que deveria ser feito nos anos seguintes e na forma como VV. Ex.as o pretenderiam fazer.

Vozes dó PCP: - Muito bem!

O Orador: - A Comissão não manda em Portugal. Sr. Deputado Carlos Encarnação, há quantos anos ouço eu isto? Já o Professor Cavaco Silva o dizia; já o anterior Ministro dos Negócios Estrangeiros o dizia; o Engenheiro António Guterres e o actual Ministro dos Negócios Estrangeiros também dizem o mesmo. Mas, depois, quando chegam ás conclusões, quando se chega aos "finalmente", á assinatura dos textos finais, o que vemos é que, afinal, a Comissão manda! Manda porque os Governos aceitam que ela mande.
Aliás, lógica e naturalmente, se o Primeiro-Ministro ou um qualquer governo quiser dar um murro na mesa, como diz, e já o disse o actual Ministro dos Negócios Estrangeiros, não vai utilizar esta forma política de dizer " A Comissão não manda". Chega lá e dá os murros na mesa, para que eles sejam ouvidos não só lá fora mas também cá dentro. Só assim é que se verifica se a Comissão manda ou não.
Sobre a questão das finanças locais, Sr. Deputado Carlos Encarnação, só posso ter uma explicação para aquilo que também ontem ouvi por parte do Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, ou seja, que a segunda versão que lhes foi apresentada, depois das críticas que fizeram à primeira, é pior e reduz o actual nível de financiamento das autarquias: é que há neste Governo, para além de outras coisas, algum "submarino" infiltrado que fez a segunda versão sem conhecimento do Ministro da tutela e do Sr. Primeiro-Ministro. Não vejo outra explicação possível para que na segunda versão, depois das críticas feitas á primeira, ainda proponham menos para as autarquias locais do que propuseram inicialmente. Como não quero crer, não posso acreditar, que isto seja verdade, só é possível haver um "infiltrado"!

Aplausos do PCP

O Sr. Presidente: - Este é o momento para dar a palavra ao Sr. Deputado Manuel dos Santos, para exercer o direito regimental da defesa da honra pessoal.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, começo por pedir desculpa a V. Ex.ª por não dominar, apesar dos 14 anos como parlamentar, os mecanismos regimentais, mas é realmente um defeito genético meu. No entanto, como só evoco as figuras regimentais quando é absolutamente necessário, penso que posso permitir-me a, de vez em quando, não ser completamente regimental.
Começo por dar o seguinte esclarecimento ao Sr. Deputado Octávio Teixeira: não quis, de maneira alguma, dizer que tinha dificuldade em falar com V. Ex.ª. Portanto, achei 'perfeitamente deselegante a consideração que fez. Sou seu amigo há muitos anos e quero continuar a ser. O que eu disse foi que tinha dificuldade política em responder ás suas intervenções; agora, no plano pessoal, não tenho qualquer dificuldade em falar consigo. Assim, se algum dia o senhor tiver dificuldade em falar comigo, ao contrário do que aqui disse, ficarei pesaroso e penalizado por isso.
Em segundo lugar, apreciei muito este diálogo apaixonado entre o PSD e o PCP, o que talvez queira significar que, na sua óptica, na sua interpretação, o PSD aderiu à esquerda. O senhor só fala apaixonadamente com pessoas de esquerda, e como falou de maneira tão cordata com o PSD e trocaram tantas mensagens subliminares, penso que o senhor conclui que o PSD aderiu á esquerda. Muito bem, isso fica consigo.
O Sr. Deputado também não percebeu uma outra coisa que eu disse. O senhor referiu "quem julga quem é de esquerda". Bem, quem julga quem é de esquerda é o eleitorado e eu disse, e reafirmo, que em cada eleição os senhores minguam. Se, em cada eleição, os senhores minguam, há-de ser por alguma coisa, Sr. Deputado Octávio Teixeira. Nunca pensou nisso?! Porque é que em cada eleição os senhores diminuem sistematicamente a vossa representação parlamentar? É por serem de esquerda?! Então, o povo português não é de esquerda teríamos de concluir. Isto é um facto incontroverso.
Finalmente, peço-lhe, invocando não só a solidariedade política mas sobretudo uma amizade de longos anos, que nunca fizesse referências a qualquer situação minha de carácter pessoal. Sou exactamente o que quero ser. Fui eleito Deputado e quero cumprir o mandato de Deputado até ao fim. Foi isto que desejei ser, foi isto que escolhi ser e é isto que serei, pelo que não é elegante que V. Ex.ª use isto como qualquer arma de arremesso contra outras situações em que há opções diferentes ou contra a minha própria situação.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

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O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, vou dar explicações ao Sr. Deputado Manuel dos Santos, e precisamente por isso não vou referir-me a boa parte desta sua intervenção por nada ter a ver com a defesa da honra. Não quero misturar as coisas, quero ser muito claro e directo.
Sr. Deputado Manuel dos Santos, quando fiz a referência que fiz ao facto de ter dito que teria cada vez mais dificuldade em conversar comigo, estava a raciocinarem termos políticos. Portanto, não houve qualquer problema de deselegância ou qualquer intenção, mínima, neste aspecto. Sejamos muito claros sobre o que eu disse, porque, se houvesse uma intenção, dir-lhe-ia clara e francamente. Mas não houve.
Quando fiz a referência que fiz, em termos de ter dificuldade em falar comigo, também eu tinha percebido que V. Ex.ª se estava a referir em termos políticos, e por isso estava a responder-lhe nos mesmos termos.
Agora, no que toca à questão de referência a situações pessoais, Sr. Deputado Manuel dos Santos, mais uma vez a situação é absolutamente idêntica e eu tive a oportunidade de referir na altura, por uma, duas ou três vezes, que, de facto, quando fiz a minha intervenção, não me tinha apercebido, não tinha pensado que V. Ex.ª também é um ex-membro do Governo. Por conseguinte, disse com toda a clareza e sinceridade que não estava a incluir V. Ex.ª naquele grupo, porque, tanto quanto se saiba ou pelo menos daquilo que veio a conhecimento público, V. Ex.ª não está incluído nesse grupo, ao qual o Governo está de .facto a conceder benesses, em termos materiais. Não vou aqui referir nomes mas é publicamente conhecido que todos os ex-membros ou quase todos os ex-membros do Governo foram colocados em determinadas situações, em determinadas empresas, a exercer determinadas funções que, em muitos casos, é uma acumulação absolutamente inadmissível e inaceitável.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E a referência que fiz foi, pura e simplesmente, porque pretendia excluir V Ex.ª deste grupo, porque, tanto quanto sei, não está incluído nele. É só isto, Sr. Deputado Manuel dos Santos, não há aqui problemas pessoais. Nunca houve!
Ao fim de 30 anos, certamente não' seria por causa de uma coisa destas que iríamos estragar as nossas relações pessoais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o PS venceu as eleições de 1995 com base numa promessa de diálogo, numa garantia de transparência e, em geral, numa intenção de regeneração democrática. Se hoje venho a esta Tribuna, é porque entendemos que, num curto espaço de tempo, o PS deu sinais evidentes de recuar na promessa, quebrar a garantia e revelar um estado de espírito que convoca bem mais a imagem da arrogância do que o culto da tolerância.
Um conjunto de factos, aparentemente sem ligação entre si mas dotados de uma lógica política indesmentível, prova que o PS se cansou, depressa, do espírito com que venceu e, atormentado com a possibilidade de perder, começou a tratar o poder como privilégio e não como serviço, e a encarar o adversário como inimigo e não como inevitável oposição. Esses factos não podem passar sem reparo.
Nesta Casa, hoje e sempre, está a sede da democracia. É aqui que a derrapagem para a tentação do Estado-partido, quando existe, deve ser denunciada, porque é dessa derrapagem que o PS vem dando provas eloquentes, ao arrepio da sua melhor tradição política.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O primeiro facto que pretendo assinalar, até hoje sem qualquer desmentido, é uma desconsideração feita à Assembleia da República pelo membro do Governo que mais obrigação tinha de a respeitar, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
Todos ouvimos o que ouvimos mas, curiosamente, só alguns de nós sentimos a necessidade de vir aqui criticar a gravidade do que foi dito. Fundamentando o pedido de inquérito à Procuradoria-Geral da República a propósito das suspeitas sobre o alegado favorecimento do Governo a alguns grupos económicos, afirmou o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, perante o silêncio dos Deputados do PS que assistiam às suas Jornadas Parlamentares: "A única instituição isenta e imparcial, em democracia, para julgar a legalidade dos actos do Governo é a Procuradoria Geral da República".
Em vão, esperámos que o Sr. Ministro rectificasse; debalde, aguardámos uma explicação a esta Câmara. O que diz o Sr. Ministro é de uma gravidade invulgar: menospreza a representação nacional, desdenha o trabalho do escrutínio parlamentar, desqualifica todos os inquéritos e audições feitos nesta Casa. Na versão do Governo, o Parlamento não é capaz de isenção nem de imparcialidade na apreciação de factos e casos objectivos. Não satisfeito, o Sr. Ministro começa a percorrer o perigoso caminho da judicialização da política, deslocando a sede do debate para o poder judicial.
Dir-se-á que é uma opção. Respondemos que não a partilhamos. Mas não é da liberdade de optar que estou aqui a falar, é da inexorável consequência que há-de ter o facto de um Ministro dos Assuntos Parlamentares faltar.com o respeito devido à sede institucional da democracia.
Elementar seria que o Sr. Ministro viesse aqui rectificar, ou retirar o que disse, porque, se não, teremos de considerar que o labor oposicionista do PS foi, nesta Assembleia, um trabalho desenvolvido ao sabor da circunstância, e, sobretudo, passaremos a achar que o dever de colaboração do Governo com o Parlamento será, a partir daqui, afectado por uma incontornável desconfiança. É, aliás, nosso dever perguntar: como poderão os portugueses ter respeito pelo Parlamento quando o Ministro que lida com o Parlamento não 0 considera isento nem imparcial? E podemos acrescentar: julgará o Governo que a isenção e imparcialidade do Parlamento são proporcionais à existência de urna maioria absoluta? Parece ser essa a verdadeira preocupação do PS: desconsiderar a Assembleia da República apenas e só porque, por vontade dos portugueses. dispõe apenas de uma maioria relativa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Podia dar-se o caso de se tratar de urna declaração. isolada, avulsa ou apenas infeliz. Mas a verdade é que outro facto veio adensar a sua gravidade, provando que há, neste Governo, urna linha política que

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pretende eximir-se à responsabilidade parlamentar. Refiro-me, evidentemente, à ameaça do processo judicial proferida pelo Sr. Ministro da Economia, dirigindo-se à Presidente da Comissão Parlamentar que, directamente, o fiscaliza. ,
Bem sabemos que o Ministro da Economia só recentemente descobriu as virtudes de Montesquieu e da separação dos poderes. Bem sabemos que o Ministro da Economia, já defendeu, noutro tempo, um modelo judicial em que o partido ordenava, o juiz obedecia e a sentença confirmava. Mas nem essa inadaptação às difíceis e, por isso mesmo, perenes qualidades de democracia podem explicar tamanha saída em falso.
Na forma e no fundo, o Sr. Ministro, como agora se diz, "passou-se"! Na forma, porque ameaçou um representante da Nação, sem saber como proceder; e anda agora, no fundo, em estado de dúvida metódica, sobre se o processo há-de seguir ou se a ameaça há-de cair. Tão reveladora é a intenção como a demora em proceder. Tudo indica que o Ministro da Economia julgou que estava perante uma subordinada; tarde se apercebeu que, no costume democrático, não há processos judiciais: há debates políticos e há controvérsia entre poder e oposição - e, felizmente, há Deputados na sua bancada que sabem reconhecê-lo.
Elementar seria que o Sr. Primeiro-Ministro, ou alguém por ele, explicasse ao País esta súbita conversão do PS à "República dos Juízes". Enquanto não o faz, nós sentimos o dever de dizer ao Governo que é melhor travar a tempo, porque não é com processos que se dilucidam questões políticas nem se promove o esclarecimento, nem é, certamente, a voz da ameaça que fará calar a consciência de cada um de nós.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Andou, durante anos, o PS a condenar, com razão, as nomeações de índole partidária para cargos de gestão nas empresas públicas ou participadas. Todos estamos recordados da convicção com que se opunham a esse recrutamento de base partidária, e, por isso, todos nos surpreendemos com o facto de o PS estar a repetir, empresa a empresa, posto a posto, tudo aquilo que criticou.
Podíamos citar, exaustivamente, a lista de membros do Governo que, perdida a confiança política. ganharam, em contrapartida, uma sólida recompensa de gestor, mas vou limitar-me a três dessas nomeações. Pode o Governo explicar-nos se o Dr. António Vitorino conserva a vaga no Conselho de Ministros, depois de ser nomeado administrador da Portugal Telecom Internacional? Pode o Governo explicar-nos porque é que o Dr. José Lamego deixou de servir para o exercício de funções da Secretaria de Estado mas já se adapta perfeitamente à sua nova qualidade de administrador, também da Portugal Telecom? Pode, finalmente, o Governo explicar a nomeação do Dr. Alberto Costa para a Administração da Petrogal? Sem quebra da consideração que lhe é devida, como é evidente, ocorre perguntar: será por ter sido um Ministro da Administração Interna algo incendiário que foi convidado agora, a co-pilotar os destinos dos Petróleos de Portugal?
Dirão que nada têm de explicar. Vão por mau caminho: o País começa a perceber que o PS, em vez de iniciar reformas, ultima nomeações. Os portugueses começam a constatar que o PS não está a governar, está a colocar-se. A explicação para esta nova profissão de ex-Ministro ou ex-Secretário de Estado, promovido a pró-gestor ou pró-administrador é, em qualquer das hipóteses, preocupante. Ou VV. Ex.as entendem que o poder vos permite tudo ou VV Ex.as receiam perder o poder e começam a encontrar posições de recuo. Seja como for, recomenda-se moderação e contenção.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O quarto e último facto que pretendo, hoje, aqui, assinalar, é o reprovável comportamento do Governo com a Comissão do Euro em Portugal. Para quem tanto apregoava o diálogo, aí temos a prova de que, no Governo, há quem o confunda com monólogo.
Convidou o Governo uma personalidade de prestígio indiscutível para uma missão extremamente importante. Pediram ao Dr. Leonardo Ferraz de Carvalho, economista entre os mais solicitados, independente entre os mais ouvidos, líder de opinião entre os mais avisados, para se ocupar da divulgação da moeda única junto de um país com evidente défice de informação na matéria, necessitado de saber mais sobre o euro, interessado em perceber melhor o euro. Pois bem, o Dr. Ferraz de Carvalho acaba de se demitir, não por discordar, não por contrariar, mas porque, simplesmente, não tinha condições mínimas para trabalhar.
É assim que as coisas funcionam, ou melhor, não funcionam, no Governo: incomoda-se quem tem prestígio para dar e, depois, não se lhe dão condições para trabalhar; solicita-se que alguém coordene vários departamentos numa missão de Estado e, depois, ninguém se deixa coordenar. Numa palavra: usam-se as pessoas, negam-se as funções! É, aliás, insólita a resposta do Ministro das Finanças, pretendendo atribuir ao pensamento europeu do demissionário a causa da sua demissão.
A verdade é que o Governo e o Ministro das Finanças conheciam esse pensamento quando fizeram o convite e, nessa altura, acharam-no bom, conveniente e recomendável. Pior do que falhar é ser incapaz de reconhecer a falha; mal nos fica atribuir culpas a quem apenas pretendeu desempenhar o cargo para que foi convidado!
Voltemos ao bom senso. Faço ao Governo a seguinte pergunta: é em nome do diálogo que a Comissão do Euro, nomeada pelo Ministro das finanças, não dialoga com a Comissão do Euro, nomeada pelo Ministro da Economia e nega informações à Comissão do Euro que havia de coordenar as outras duas? A complicação orgânica é vossa! A disfunção de trabalho é vossa! Nossa é a tristeza por ver que numa missão tão importante como a explicação da moeda única aos portugueses é tratada com tamanha burocracia e tão pouca responsabilidade!

Aplausos do CDS-PP

O Sr. Presidente: - Para formularem pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Acácio Barreiros e Carlos Encarnação. Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - O PSD não tem mais ninguém para falar?!

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Deputados Luís Queiró, hoje, que tivemos o

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prazer de ter três intervenções políticas dos três partidos da oposição; hoje, dia 20 de Abril,...

Vozes do PSD: - Abril?! Estamos em Maio! Está atrasado! Ainda não percebeu...

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - E o PSD demorou 10 anos a perceber que houve mudança!

O Orador: - ... o mais que se pode dizer é que o País não se revê nestes discursos. Hoje que, em vésperas da inauguração da Expo 98, quando o País sente, justamente, um grande orgulho por esta realização, que é verdadeiramente uma realização nacional, uma prova da capacidade de realização nacional dos empresários, dos nossos arquitectos, dos trabalhadores, da inteligência portuguesa,...

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Dos empresários?!

O Orador: - ... a oposição veio aqui falar de assuntos que, verdadeiramente, demonstram a sua incapacidade de reconhecer os méritos a quem os tem, não só de se juntar, como é legítimo e justificado que o faça, ao orgulho nacional
da véspera da data em que estamos e dá grande realização que vamos inaugurar, vindo levantar um conjunto de peque nas críticas, de intriga! E aí, Sr. Deputado Luís Queiró, particularmente na sua intervenção, digo-lhe sinceramente que me
chocou

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Chocou?

O Orador: - Chocou, exactamente!, que o Sr. Deputado se apresente aqui como um membro residual da bancada do PSD ou como um advogado da bancada do PSD. O Sr.
Deputado sabe que o Governo desafiou o PSD, não pelas críticas políticas, não pelas dúvidas políticas que o PSD, legitimamente, como qualquer partido da oposição, possa ter, mas pelos ataques absolutamente inconcebíveis à honra e à
dignidade de pessoas que têm no foro criminal o seu lugar. E desafiou o PSD a usar os meios a que podem recorrer, nomeadamente através da Procuradoria-Geral da República. E, como não o fez, o Governo recorreu a isso, mas não para
diminuir a capacidade de inquérito, Sr. Deputado. Aliás, nós, ao contrário do PSD - e o Sr. Deputado sabe isso -, votámos a favor de todas as comissões de inquérito que aqui foram aprovadas porque são comissões de inquérito políticas.
Mas quando se passa para o ataque pessoal, para a insinuação mais baixa, pára actos de cobardia política que chegam ao ponto de fazer insinuações não identificadas mas a que todos se referiam, insinuações em relação a situações
concretas, a um cidadão português, à espera que apareça de pois um jornalista para dizer um nome e depois virem aqui armar-se em virgens ofendidas e dizerem: "não fui eu que disse, foi o jornalista!"

O Sr. Silvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Deputado, até o senhor é capaz de melhor!

O Orador: - Quando se leva a política a este ponto do insulto pessoal - Sr. Deputado, sei que é sensível a isto -, estamos a caminhar para o foro criminal e é a Procuradoria-Geral da República o caminho indicado, que devia ter sido tomado por quem o fez. Não venham cá agora confundir uma coisa com a outra! O Sr. Deputado sabe que nós nunca nos opusemos, ao contrário do PSD, quando tinha aqui uma maioria, à realização de inquéritos políticos. Nunca nos opusemos em relação a isso!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço que termine.

O Orador: - Aquilo a que nos opomos é a que se façam inquéritos políticos para tentar encobrir ataques pessoais inqualificáveis, que não têm vindo da sua bancada, diga-se de passagem. Mas não se ponha em advogado de outras bancadas que fizeram esses ataques, absolutamente inqualificáveis!
Deixe-me dizer-lhe uma outra coisa, Sr. Deputado: também não lhe fica bem essa referência dispersa em relação a antigos membros do Governo. Acho que ter sido membro do Governo em Portugal é uma prova de qualidade - permita-me que lhe diga!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Já no tempo do Salazar era assim!

O Orador: - E isso não pode ser limitador de as pessoas serem convidadas para lugares de responsabilidade.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar.

O Orador: - Sr. Deputado, aquilo que deve dizer é se acha que essas pessoas não têm qualificação, não têm qualidade para exercer esses lugares. Não limite as possibilidades profissionais de qualquer cidadão pelo facto de ser membro do Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. João Amaral (PCP): - E não ser membro do Governo é falta de qualidade?

O Orador: - Não, também não é.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Acácio Barreiros, este pequeno aparte do Sr. Deputado João Amaral quase disse tudo!...
Mas eu queria dizer o seguinte: V. Ex.ª fez aqui um enquadramento político um pouco bizarro da questão: então, eu vim aqui falar do que falei porque amanhã se inaugura a Expo?! Se calhar, no Domingo, não posso falar porque há a final da Taça de Portugal, de futebol! Na próxima semana, não posso falar porque se inaugura a Feira Popular ou sei lá o quê!...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É isso o que eles querem!

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O Orador: - Sr. Deputado, não! Eu venho aqui, no cumprimento de um dever, dando expressão às minhas convicções e ao mandato parlamentar que me foi conferido e, se V. Ex.ª não entende isso, também não entende nada!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Ora aí está!

O Orador: - No entanto, Sr. Deputado, podia até ter vingado aqui a tese, levando ao limite as suas palavras, de fechar a Assembleia da República enquanto a Expo decorre - não era mau, era talvez um bom princípio! Podíamos, então, dedicar-nos ao festejo da Expo e, durante estes três meses, iríamos celebrar o grande feito do seu Governo que, aliás, como sabe, ainda por cima, é apenas a continuação do feito de outro governo!
De qualquer forma, Sr. Deputado, queria dizer, muito rapidamente, o seguinte: na sua intervenção, V. Ex.ª não conseguiu responder àquilo que eu afirmei; e o que eu disse (aliás, já tive oportunidade de o dizer em público), quando o Sr. Ministro António Costa anunciou que ia recorrer à Procuradoria-Geral da República, foi que ele estava no seu direito, se achava que havia factos ou delitos de natureza criminal, de recorrer à Procuradoria-Geral da República não só podia como devia fazê-lo. Simplesmente, Sr. Deputado, o argumento que ele utilizou, não foi esse: nas suas barbas, nas barbas do seu grupo parlamentar, o que o Sr. Ministro António Costa disse foi que "a única instituição na democracia que é isenta e imparcial para apreciar a legalidade dos actos do Governo é a Procuradoria-Geral da República".

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Exactamente! Foi exactamente isso! E é muito grave!

O Orador: - Sr. Deputado, o senhor disse, e bem, que eu sou advogado - tanto sou que tive o cuidado de pedir a gravação daquilo que foi dito, e tenho muito gosto em lha fornecer. Aliás, fui vê-la outra vez, para não ter quaisquer dúvidas, antes de iniciar esta sessão parlamentar e sobre as palavras textuais que o Sr. Ministro António Costa proferiu e não devia ter proferido, as quais devia ter vindo aqui explicar e reconhecer que pão devia ter dito; que se enganou, que se tratou de um lapso. Ele disse, a contrario sensu, acerca dos inquéritos parlamentares que, como sabe, se destinam, nos termos do Regimento, a apreciar a legalidade e a constitucionalidade dos actos do Governo, que esta sede - o Parlamento - não é isenta para fazê-los - portanto, pôs em causa o mecanismo dos inquéritos parlamentares.
Sr. Deputado para terminar, antes que o Sr. Presidente da Assembleia da República me mande calar, deixe-me dizer-lhe que V. Ex.ª referiu, com razão, que o debate sobre a questão dos alegados favorecimentos do Governo a certos grupos económicos foi um debate violento - foi, com certeza. Não tenho dúvida alguma. Eu até disse aqui o seguinte: deve haver responsabilidade de quem denuncia, porque deve ter indícios para fazê-lo, mas há também outra coisa, Sr. Deputado, que é a responsabilidade pelo esclarecimento imediato das dúvidas que foram suscitadas.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Mas ainda tem dúvi-

O Orador: - Sr. Deputado, aproveito para lhe lembrar aqui que requeri, formalmente, na sessão plenária do dia 30 de Abril, ao Sr. Presidente da Assembleia da República, que solicitasse, junto do Governo, que nos trouxesse aqui um relatório circunstanciado de todos os factos, de todas as decisões que os apoiaram, de todos os pareceres, de todos os estudos, de todas as deliberações, de todas as decisões do Conselho de Ministros, que nos ajudassem a explicar as coincidências e as suspeitas que foram levantadas. E mais: o Sr, Ministro que estava aqui a representar o Governo, o Sr. Ministro Jaime Gama, passando por Portugal naquele dia, teve oportunidade de dizer que iria fazê-lo e que iria enviar-nos a documentação, e até hoje, aos costumes, o Governo, nesta matéria, disse nada! No que respeita à responsabilidade do esclarecimento, continuamos à espera desse relatório circunstanciado, que devia ter sido a primeira iniciativa do Governo face às acusações e que, se calhar, evitava muita da discussão que aqui se fez e os termos em que ela foi feita, que não são também propriamente do meu agrado.

(O Orador reviu.)

Aplausos do CDS-PP

O Sr. Presidente: - Para um novo pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Queiró, V. Ex.ª colocou aqui uma série de questões que são muito complicadas - eu compreendo para o PS responder! São questões muito complicadas e muito duras porque V. Ex.ª disse, na sua intervenção inicial e sublinhou agora que lhe parecia que a ideia do PS era fundamentalmente esta: durante a Expo devia fechar o Parlamento e, eventualmente, os Deputados que fizessem perguntas, caso as perguntas fossem incómodas para o Governo, deviam ser mandados para a prisão - esta era a grande ideia do PS. À cautela, para que as coisas se não complicassem! Mas é evidente que o Sr. Deputado Luís Queiró também colocou dúvidas em relação àquilo que o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares afirmou e para o que eu só encontro uma explicação, querendo eu ser bom para ele: é que esta preocupação toda com a Expo, com a conclusão da Expo, com a inauguração da Expo, com a festa da Expo, faz o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares perder o norte e até confundir-se nas palavras que diz. Eu não acredito que um Ministro dos Assuntos Parlamentares, num estado normal, dissesse aquilo que ele acabou de dizer! V. Ex.ª coloca uma questão que é absolutamente irrespondível por parte do PS: dizer que aquela instituição é a única que é verdadeiramente isenta dentro da democracia portuguesa, é uma enormidade tão grande que não valerá a pena continuarmos por este caminho.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - De facto, foi demais!

O Orador: - Gostava de lhe colocar duas outras questões, muito rapidamente, Sr. Deputado. Em primeiro lugar, talvez fosse conveniente explicar àqueles senhores que, quando nós falamos de reformas, falamos de reformas no sentido, substancial não falamos de reformas dos políticos, daque-

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les que sabem do Governo para as empresas de nomeação pública! Senão; as pessoas são capazes de entender a nossa
,expressão reformas como reformar os políticos: aqueles que foram maus ministros, devem ser bons administradores. E não vale a pena fazer, sequer. esta experiência, porque até pode ser nociva e resultar em prejuízo de nós todos.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Bom esclarecimento!

O Orador: - A terceira e última questão é muito importante, Sr. Deputado Luís Queiró. Tendo em conta a sua particular sensibilidade em relação a esta matéria, gostaria de lhe perguntar o seguinte: V. Ex.ª sabe, com toda a certeza, que a Sociedade Parque Expo é uma sociedade de capitais unicamente públicos; sendo assim como é que V. Ex.ª interpreta esta anunciada aquisição pelo Governo, por 17 milhões de contos, de alguns edifícios da Parque Expo? Será o Estado 'a comprar ao Estado? Será o Estado a tapar "buracos" da sociedade? Será um qualquer buraco orçamental que nós não compreendemos, que nós não ouvimos? Será uma habilidade para tapar qualquer deficiência que, entretanto, se produziu nas contas da Parque Expo?
V. Ex.ª tem uma especial responsabilidade nesta matéria em relação a posições anteriores, perante a questão da Parque Expo e, portanto, é a si que faço esta pergunta. E gostava de saber, Sr. Deputado, se acha ou não que isto é, como penso que é, uma enormidade, no fundo, se concorda comigo.
Sr. Deputado, para concluir, devo dizer-lhe que não é V. Ex.ª o único que se queixa da falta de esclarecimento de algumas questões colocadas, como deviam ser, perante o Parlamento, com toda a lisura, com toda a abertura e com toda a honestidade, pelo comportamento do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares. Eu também, há algum tempo atrás, fiz uma pergunta concreta.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que termine, porque já ultrapassou o seu tempo.

O Orador: - Terminarei imediatamente, Sr. Presidente.
Eu também, há algum tempo atrás, fiz uma pergunta concreta, ou seja, perguntei se havia ou não evasão fiscal no caso da compra dos aviões da TAP. O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares brandiu aquilo que pensei ser um relatório e disse-me que mo iria enviar. Pedi directamente ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares esse relatório e ele disse-me que eu tinha de pedi-lo ao Sr. Presidente da Assembleia da República. Solicitei ao Sr. Presidente da Assembleia da República para pedir ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares esse relatório e, até hoje, já lá vão duas semanas, ainda não me chegou nada.
Veja bem, Sr. Deputado, como é que as questões, que ainda há pouco o Sr. Deputado do PS, na defesa da honra, disse que eram respondidas rapidamente, não o são, de facto!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, garanto-lhe que o requerimento não parou na Mesa!

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra da minha bancada.

O Sr. Presidente: --Tem a palavra. Sr. Deputado.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, deixo, evidentemente. ao Sr. Deputado Luís Queiró a resposta à única pergunta que foi feita sobre a Expo, que, obviamente, foi um pouco confusa, mas, com certeza, o Sr. Deputado saberá que o Sr. Ministro esteve hoje na Comissão respectiva a dar explicações. com o acordo total da parte dos Srs. Deputados do PSD que lá estavam, sobre o que é que significa a operação do Governo de aquisição de edifícios, sobretudo no que se refere à preocupação de ser garantida a vida do espaço da Expo depois de terminada a exposição. De facto, trata-se de uma medida absolutamente correcta transferir serviços de Ministérios para edifícios da Expo, permitindo, assim, manter com vida esse espaço.
Mas, enfim, Sr. Deputado Luís Queiró, a pergunta foi-lhe dirigida a si e é de fácil resposta. Pelos vistos, o PSD, em matéria de Expo, só pensou na festa, não pensou na valorização da cidade, e como é que, depois de terminar a Expo, se manteriam a animação e a valorização daquela zona.
Mas o que me leva a pedir a palavra para um protesto é que o Sr. Deputado Carlos Encarnação, ao fazer uma pergunta, dirigiu algumas acusações, que, de facto, não aceitamos.
Já agora, gostava de dizer-lhe, com toda a clareza, que, se ouvir no conjunto ou se tiver toda gravação da entrevista do Sr. Ministro,...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Olhe que tenho!

O Orador: - ... o que o ele disse nessas jornadas foi que, dado o tipo das acusações, o local ideal para serem debatidas era através de uma iniciativa da Procuradoria-Geral da República,...

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - O único! O único!

O Orador: - ... porque não se trata de crítica política, que é perfeitamente legítima e que o Sr. Deputado, aliás, repetiu aí já várias vezes, sem que, da nossa parte, houvesse qualquer protesto em relação à legitimidade que o PP, o PCP ou qualquer outro partido ou mesmo o PSD têm de fazer críticas. Agora falar, como o PSD fez, de favorecimento ilegítimo dos grupos económicos, isso é uma acusação do foro criminal e não uma acusação política.
Se há acusação de favorecimento ilegítimo, pois actuem pelos métodos que existem na democracia, nomeadamente através da Procuradoria-Geral da República. Foi esse o desafio que foi feito ao PSD, que não teve coragem de levar até às últimas consequências as acusações que fez e veio depois com o inquérito.
O que faz o PSD, um partido que, depois de Tavira, já é o partido da infâmia e da calúnia, é agora também o partido da hipocrisia, porque vem agora pedir os inquéritos em situações que recusou na passado, quando tinha a maioria... Mas nós estaremos presentes nesses inquéritos e esperamos que neles se faça a avaliação serena e séria das situações e sobre-

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tudo não nos deixaremos arrastar para jogadas que ponham em causa a honra e a dignidade de pessoas, de governantes de Portugal, de empresários, de pessoas que às vezes, como há pouco disse, nem a coragem têm de citar directamente o
seu nome, num gesto de cobardia política, à espera que algum jornal acabe por revelar aquilo que pretendiam dizer.

O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Que trapalhada!

O Orador: - Não é trapalhada nenhuma! O Sr. Deputado sabe do que é que a gente está a falar!
A cobardia política, Sr. Deputado, é fazer insinuações sem dizer nomes e, depois, esperar que o nome apareça, porque é óbvio, e vir dizer: "não fui eu que disse".

O Sr. Azevedo Soares (PSD): - É uma técnica do Sr. Deputado!

O Orador: - Não! É uma técnica que conheço e apreciei recentemente, e que diz tudo, Sr. Deputado, da dignidade de quem fez essas acusações!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o
entender, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Acácio Barreiros, apreciei muito principalmente o ar muito ofendido que V. Ex.ª colocou na sua intervenção.
E vamos ter tempo para, com mais calma, verificar se V. Ex.ª tem ou não razão para estar assim espantado e ofendido. ignorância!
Vamos ter muito tempo para, na Comissão de Inquérito, analisar todas as questões que colocámos e, eventualmente, mais algumas que, entretanto, possam surgir.
Tanto quanto sei, ainda não é, nem será nos tempos mais próximos, proibido criticar, duvidar é perguntar!

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - E insultar também não?!

O Orador: - Foi exactamente isso que. fizemos. Ainda, há pouco, lhe dei um exemplo de uma pergunta que fiz, uma pergunta simplicíssima: " há ou não evasão fiscal na compra dos aviões da TAP?" E, até agora, estou à espera da resposta.
Dir-me-á V. Ex.ª: "Ah, mas essa resposta vai ser dada no inquérito". Essa e outras, porque são muitas outras!

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Não estamos a falar nisso!

O Orador: - Há até muitas perguntas a fazer e a esclarecer!
Mas V. Ex.ª vai estar, com toda a certeza, atento à Comissão de Inquérito! Até, se calhar, vai participar nela, o que achava bem!
E devo dizer-lhe o seguinte, para V. Ex.ª ficar completamente descansado: não recuamos absolutamente em nada daquilo que afirmámos! Não recuamos em nada!

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Veremos!

O Orador: - Não há intimidação que nos faça recuar, não há processo que nos faça recuar, não há ameaça que nos faça recuar! V. Ex.ª vai ter uma Comissão de Inquérito, várias ou as que quiser para discutir isso lá.
V. Ex.ª não compreendeu ainda que há questões políticas, há questões de conformidade jurídico-legal e há questões de conformidade jurídico-penal. E são estes três caminhos que vamos seguir, coro toda a certeza. Esteja V. Ex.ª calmo, seguro, confiante e atento que, a seu tempo, tudo se verá!
Por outro lado, quero repetir-lhe, com muita clareza, porque tenho a impressão de que V Ex.ª fez aí uma interpretação um pouco dúbia sobre as minhas palavras, aquilo que eu disse em relação à Parque Expo. E vou colocar-lhe a coisa com tanta simplicidade quanto isto, até para os seus colegas ouvirem bem: a Parque Expo é uma sociedade de capitais exclusivamente públicos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Anónima!

O Orador: - Se o Governo vai comprar à Parque Expo é o Estado que está a comprar ao Estado!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Mas que ignorante!

O Orador: - E a perplexidade que tive em relação à actuação do Governo é porque o Governo vai comprar, por 17 milhões de contos, à Parque Expo aquilo que já lhe pode pertencer.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Qual é o valor?! Que ignorância!

O Orador: - É tão simples quanto isto!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Carlos Encarnação, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, tenho de registar que este Regimento permite estas coisas curiosas: o Sr. Deputado Carlos Encarnação fez-me uma pergunta, o Sr. Deputado Acácio Barreiros, utilizando outra figura regimental, contra-interpelou o Sr. Deputado Carlos Encarnação, este teve oportunidade de lhe responder e, aliás, até responder, em certo sentido, às perguntas que me fez - e agora sou eu próprio obrigado a falar e a responder.

Risos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, dê-me licença! Descontarei no seu tempo este breve esclarecimento.

O Orador: - Isto é um bocado como aquela coisa...

O Sr. Presidente: - Parece um bocado "kafkiano", mas não é, pela razão simples de que quem pretensamente ofendeu o Sr. Deputado Acácio Barreiros não foi V. Ex.a, foi o Sr. Deputado Carlos Encarnação!

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O Orador: - Mas, depois, poderemos fazer um novo inquérito parlamentar!

Risos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Eu sei!

Quem pretensamente ofendeu foi o Sr. Deputado Carlos Encarnação. Há o princípio da imediação da defesa da honra, é uma pressa, é uma urgência, que não é o caso de um pedido de esclarecimento! É a prática! É capaz de estar certo!
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - O Sr. Presidente, tome isto apenas à conta de um desabafo e mais nada...!
Respondendo ou fazendo, agora, um comentário breve ao Sr. Deputado Carlos Encarnação, quero dizer o seguinte: em primeiro lugar, o nosso partido - e isto também é para si, Sr. Deputado Acácio Barreiros, para que não fique também excessivamente preocupado nem nervoso -, responsavelmente, não vai com qualquer espécie de iniciativa política, seja ela qual for, diminuir o brilho da inauguração de uma exposição, que é de interesse nacional, que é uma prova da iniciativa e da capacidade dos portugueses, se calhar mais do que dos governos,...

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - ... e que é uma mostra de Portugal no Mundo, da nossa preocupação com os oceanos e de tanta História de Portugal de que nos orgulhamos, alguns mais do que outros, como às vezes verificamos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Portanto. Sr. Deputado, não o faremos. Faremos na altura própria outra coisa. Ai, em relação a isso, não tenha qualquer dúvida! Há-de haver um pós-Expo! Há-de haver um momento em que vamos aqui perguntar, porque é que o Sr. ex-Comissário Cardoso e Cunha nos prometeu a todos que a Expo 98 não custaria um tostão aos contribuintes e o actual Comissário, com aquele ar - como é que lhe hei-de explicar - tranquilo, benevolente, simpático, cheio de bonomia, que tem, nos vem dizer: «Não! Esta irrelevância de 75 milhões de contos, aliás, a pagar em vários anos, não tem qualquer importância!». Bom, há-de haver um momento, em que, através da Comissão Especializada de Acompanhamento, neste Parlamento, em todos os fora, vamos - claro! - fazer as contas, depois de «arrumar a casa», depois de acabar a festa! Ai disso não tenha dúvida!
Assim como vamos perguntar, Sr. Deputado - e podia ter sido o PCP a fazê-lo: quantos trabalhadores clandestinos estiveram a trabalhar na Expo estes meses todos, nesta febre para acabar tudo!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Quantos é que pagaram para a segurança social, quantos é que não pagaram? Quantos é que contribuíram para a sustentabilidade do sistema e quantos é que não contribuíram?
Ninguém tem o monopólio, como o V. Ex.ª sabe, da solidariedade... Alguns têm o monopólio marxista! Essa, a gente até nem se importa nada! Mas nós temos também a preocupação fundamental da solidariedade e da importância que damos a essas questões!
E, Sr. Deputado, relativamente à questão de saber se falávamos de reformas estruturais ou se falávamos de outro tipo de reformas, quero dizer-lhe que não falava nem de umas nem de outras.
Agora, o que tenho de dizer aqui é o seguinte: não fui eu que, em 1995, falando em inglês, disse uma frase que acorrentou o Governo a uma prática política que não está a acontecer! Não fui eu, Sr. Deputado! Não fui eu que disse, read my lips: «no more jobs for the boys». Não fui eu, Sr. Deputado, foram o Primeiro-Ministro e o PS! Portanto, os senhores, quando a prática se afasta daquilo que foi a vossa promessa de conduta política, têm de, politicamente, ouvir as críticas que inevitavelmente têm de acontecer.

Vozes do CDS-PP: - Exactamente!

O Orador: - E, quanto ao resto, cá estaremos todos no inquérito, para ver o que é que vai acontecer...

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Está a fazer uma grande confusão!

O Orador: - Inquérito, aliás, a que V. Ex.ª e o seu partido não deixarão de estar presentes.
E, olhe, já me vou bastando com esse desmentido às palavras do Sr. Ministro António Costa!

(O Orador reviu.)

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à discussão e votação do voto n.º 116/VII - De protesto contra o facto de não se ter valorizado, no quadro da Expo 98, a efeméride dos SOO anos da descoberta do caminho para a índia, que foi apresentado por Deputados do PSD e que foi adiado para hoje.
O Sr. Secretário vai passar à sua leitura.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto de protesto é do seguinte teor:
Considerando a importância histórica universal do descobrimento do caminho marítimo para a índia feito por Vasco de Gama há 500 anos;
Considerando que a figura de Vasco da Gama merece por parte dos portugueses o respeito que é devido àqueles que pelos seus feitos ajudaram a criar a nossa própria identidade;
A Assembleia da República, protesta contra o facto de não se ter valorizado, no quadro da Expo 98, a efeméride dos 500 anos da descoberta do caminho para a índia e espera que o Governo possa ainda tomar as medidas urgentes que se revelem necessárias para que: as comemorações dos 500 anos do descobrimento do Caminho Marítimo para a índia se façam de forma digna; as comemorações e os actos a elas associados traduzam o orgulho legítimo dos portugueses e con-

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tribuam para um reforço da nossa própria identidade; e a Expo 98 constitua também um veículo de projecção nacional e internacional da figura de Vasco da Gama e do feito a que está associado.

O Sr. Presidente; - Tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Sr.- e Srs. Deputados: Há momentos assim na nossa vida individual e colectiva. Momentos mágicos, momentos que gostaríamos de poder guardar em nós para toda a vida e que, com legítimo orgulho, transmitiremos aos nossos netos. Dir-lhes-emos "Eu estava lá!..." e, os olhos turvados pelas lágrimas, não nos daremos sequer ao trabalho de encontrar outras palavras.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Este é um desses momentos, e foi o Grupo Parlamentar do PSD que o tornou possível. Sob a forma singelamente regimental de um voto de protesto, materializado em sintéticas 19 linhas de texto vazadas numa humilde folha de papel reciclado - o que o PSD acabou de criar, e generosamente colocou à nossa disposição, foi uma autêntica máquina-do-tempo. E uma máquina-do-tempo simples, eficaz e barata. O que para milhares e milhares de investigadores e cientistas permanece teimosamente no domínio da utopia, o que o Massachussets Institui of Technology ou o Centre Européen de Recherches Nucléaires perseguem num jogo quase infernal com as partículas conseguiu-o, hoje e aqui, o PSD. Permitam-me que solicite ao Sr. Presidente e às Sr.ªs e aos Srs. Deputados um pequeno exercício: leiam e interiorizem o texto do (assim chamado) "voto de protesto" posto hoje à consideração. Façam-no e sentir-se-ão magicamente transportados do Portugal de Abril, e, circunstancialmente, da Expo 98, para o Portugal de Salazar, e da Exposição do Mundo Português de 1940. Mas se o exercício que vos acabo de propor é tecnologicamente espantoso, ele é igualmente demonstrativo de como nem sempre as melhores tecnologias se encontram ao serviço das melhores causas. Na verdade, o PSD, no que a "heróis" diz respeito, parece nada ter percebido de História. Pior ainda: assume hoje um posicionamento que Ferrão Lopes olharia com sérias reservas, e que conduziria o cronista á lembrar que os grandes heróis da Revolução de 1383/85 são indubitavelmente o povo de Lisboa, a "arraia miúda", os mesteirais, e os camponeses alentejanos, e que só neste quadro os heróis nominais nos surgem e ganham vida. O próprio' Luís Vaz de Camões iria ter problemas com o PSD por causa do título do seu, e nosso, famoso poema épico. "O quê?! = 'dir-lhe-iam -"Os Lusíadas"?..." Não achas isto muito "colectivo>>, muito "popular", ó Luís?... Vê lá se desenrascas o nome de alguém importante para pores na capa"... E lá se ia embora o nosso amado Luís Vaz, pensando na sua que, nisto de inquisições, há sempre mais do que as que podemos imaginar!
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Provavelmente, não em todos os casos, mas em muitos, os heróis do PSD e os nossos são os mesmos. Só que não damos à palavra ou ao conceito o mesmo significado nem o mesmo enquadramento. No seu voto de protesto, diz o PSD logo nas duas primeiras linhas que o "descobrimento do caminho marítimo para a índia foi feito por Vasco da Gama há quinhentos anos". Esta afirmação é objectivamente errada e expressa claramente uma visão alienante da História. O caminho marítimo para a índia foi sendo construído desde muito antes, é, como toda a História, uma construção, e quando Vasco da Gama parte para a índia era já claro que o caminho existia. Afonso de Paiva e Pero da Covilhã, por um lado, e Bartolomeu Dias, por outro - deixaram materialmente a Vasco da Gama pouco mais do que o Canal de Moçambique. Estamos a subestimar o Gama? De modo nenhum. Estamos apenas a apontaras coordenadas históricas em que ele se situa sob pena de, como faz o PSD, o colocarmos num Olimpo onde nada tem a ver comos homens e com a História que os homens constróem. Queremos o Gama homem, porque só assim o sentiremos profundamente nosso! Neste domínio, para o bem e para o mal, porque todas as heranças se devem assumir por inteiro, o PSD não tem sequer razões para se sentir preocupado: uma sondagem publicada hoje por um jornal diário revela que 94,3% dos portugueses sabem quem foi Vasco da Gama, e é o grupo etário dos mais jovens que em média mais sabe.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Há uns versos de um poema de Bertolt Brecht que me parece importante lembrar nesta ocasião: "Alexandre conquistou a Pérsia. Nem levava um cozinheiro com ele?..." .
E uma nota final, quase pessoal: tenho um grande orgulho por como português e como comunista- falar precisamente hoje nesta Casa, 500 anos depois da chegada de Vasco da Gama à índia. É preciso que isto fique claro.

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr.Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há muito tempo que um voto de protesto não errava tão clamorosamente o alvo como, hoje.
Com efeito, o PSD acaba de demonstrar uma deliberada ignorância do que está a ser feito pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses e no âmbito da Expo 98, ignorância esta envolvida num indisfarçável parti-pris ideológico contra a perspectiva da história subjacente às comemorações em curso.

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem dito!

O Orador: - O PSD parece ignorar que a Expo 98 é ela própria a mais digna e os 500 anos do descobrimento do caminho ,marítimo para a índia, possibilitando que os principais órgãos de imprensa mundiais abordem desenvolvidamente o feito dos portugueses
O Pavilhão de Portugal, já considerado pela imprensa estrangeira como o melhor pavilhão da Expo, concebeu uma exposição-espectáculo denominada "A Viagem" que desperta um confessado sentimento de saudável orgulho nos muitos milhares de portugueses que já tiveram a oportunidade de o visitar, incluindo os ex-Ministros do PSD Fernando Nogueira e Couto dos Santos e o deputado Mota Amaral, para manifesto isolamento do deputado Ferreira do Amaral.
Pela originalidade das soluções multimedia encontradas para contar a nossa gesta marítima, pela forma feliz como

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enquadra a viagem do Gama em tudo o que a precedeu e em tudo a que ela conduziu, pela mensagem universalista e ecuménica transmitida, pela capacidade de criar um clima de festa e emoção através do cruzamento dos olhares de civilizações diferentes, ela merece a nossa admiração e o nosso aplauso.
Mas o PSD parece também ignorar que a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos, em muitos casos em colaboração com o Pavilhão de Portugal, lançou e está a executar um amplo plano de iniciativas que. envolve designadamente: 8 exposições em diferentes cidades do país e em Paris sobre os descobrimentos e o contexto civilizacional em que decorreram; 2 grandes congressos internacionais sobre Vasco da Gama e a sua época, em Lisboa
em Novembro deste ano e nos Açores em Abril de 99; a realização de 1 CDRom com documentos e imagens sobre a viagem de Vasco da Gama a ser lançado nos primeiros dias da Expo 98.
A coprodução de duas séries de documentários sobre o descobrimento do caminho marítimo para a índia e o contexto cultural do Índico, a primeira das quais já com data de início de emissão marcada para 11 de Julho próximo e comprada por várias televisões estrrangeiras; 1 espectáculo de teatro intitulado "A Grande Viagem" já com 200 representações em outras tantas escolas do país desde Setembro passado; inúmeras publicações para todo o género de públicos ,
desde a colecção "Na crista da Onda" para o público juvenil até dezenas de livros e o número da revista Oceanos consagrado a Vasco da Gama.
Tamanha ignorância da parte do PSD dá para desconfiar e suscita inevitavelmente a interrogação sobre os verdadeiros motivos do protesto e das acusações nele contidas. E esses só podem ter a ver, com a oposição ideológica do deputa
do Ferreira do Amaral - e que me custa a aceitar que seja partilhada por todo o PSD - à perspectiva histórica que subjaz às comemorações em curso: Uma perspectiva aberta e generosamente ecuménica e não tacanha e arrogantemente
nacionalista; uma perspectiva atenta à complexidade e rigor da história e avessa ao simplismo das e fabulações míticas; uma perspectiva que faz do passado uma alavanca para a construção do futuro e não um espelho para exercícios de
fixação narcísica e saudosista.
Com efeito, não nos podem acusar de ignorarmos nem o Gama, nem a viagem para a índia, nem muito menos toda a nossa gesta marítima com o seu contributo ímpar. para a história do mundo e o diálogo das civilizações. Apenas nos podem acusar de não o fazermos à maneira da Exposição do Mundo Português de 1940. Mas uma tal acusação será sempre tida por nós como um elogio!
Seja como for, uma coisa é certa: o Governo PS está a fazer muitíssimo mais para comemorar o V Centenário do Descobrimento do Caminho Marítimo para a índia que o
Governo da AD em 1980 para comemorar o V centenário da morte de Camões e que foi praticamente zero. Lembro que há 18 anos o Governo da AD, no seu afã de deitar para o lixo tudo o que o Governo Pintassilgo fizera, prescindiu da comissão criada para preparar essas comemorações e do programa por ela elaborado. Surdo ao nosso protesto neste Plenário, o Governo AD, pura e simplesmente, ignorou o poeta de Os Lusíadas!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este voto de protesto do PSD é um voto de protesto que, a nosso ver, se justifica. E justifica-se pelo seguinte: as comemorações de há 100 anos sobre a chegada de Vasco da Gama à índia foram comemorações de enormíssima dignidade, feitas num ambiente de grande exaltação patriótica, e, nessa altura, nem havia Salazar...

O Sr. Rui Namorado (PS): - Mas conservadores havia!

O Orador: - ... nem nada disso que, por exemplo, os Srs. Deputados do PCP, há pouco, notaram. Havia, sim, um grande sentimento nacional da importância deste feito histórico - e era tão-só isto que era, no caso, de realçar.

enho a impressão de que, nestes 100 anos, a situação se inverteu e há como que uma excessiva modéstia na comemoração da descoberta do caminho marítimo para a índia.
Bem sei, Sr. Deputado António Reis, que houve várias iniciativas culturais a propósito da celebração dos 500 anos da descoberta do caminho marítimo para a índia.
Bem sei até que muitas dessas celebrações culturais foram altamente questionáveis, quer a perspectiva, por exemplo, da Comissão quer a perspectiva de alguns dos historiadores que participaram em actuações da Comissão, quer concretamente um, que traçou um cenário negro sobre aquilo que era a personalidade de Vasco da Gama, sem a necessária coexistência temporal da figura, sem respeito pela própria figura, com o respeito único pela sua própria opinião, a desse historiador indiano, que, aliás, é contraditada por variadíssimos outros historiadores, que, sobre esta matéria, têm tido obras extraordinárias - e lembro uma delas, feita por uma historiadora francesa, que fez uma excelente biografia, e talvez seja essa uma das melhores comemorações do V Centenário da Descoberta do Caminho Marítimo para a índia.
De resto, Srs. Deputados, não há propriamente um crime em tentarmos fazer com que o V Centenário da Descoberta do Caminho Marítimo para a índia seja um facto que deve ser salientado...

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Com um voto de protesto?!

O Orador: - ... e deve ser salientado num determinado contexto e deve ser salientado e aprovado.

Protestos do PS.

E deve ser salientado e comemorado dentro daquilo que é uma grande exposição universal como esta.

Uma das coisas que se diz no nosso voto é de liminar clareza: visitando o pavilhão português da Expo, não se descortina uma alusão concreta à descoberta do caminho marítimo para a índia.

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Vozes do PS: - Não?!

O Orador: - E essa é uma das alíneas do nosso voto. E é por demais importante que isto acabe por salientar do próprio percurso da Exposição. A Exposição é sobre os oceanos, ela é acedida, em determinada altura, por uma ponte chamada Vasco da Gama, mas isto não basta.
Tenho a impressão de que era importante e é nisso que a nossa perspectiva é diferente da vossa - que, na própria Expo 98, fosse consagrada uma parte substancial e essencial a esta descoberta do caminho marítimo para a índia. No fundo, ela poderia e deveria ser um dos leitmotivs mais importantes do pavilhão português.
É uma discordância do ponto de vista da celebração cultural. Não é mais do que isso.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto á este voto de protesto, mais do que protestar, manifestamos aqui tristeza, pena, por termos sempre esta postura de orgulho calculista sobre factos da nossa História.
Na verdade, hoje, estamos a assistir a comemorações envergonhadas e modestas, discretas e minimalistas.
É contra isto que o CDS-PP quer manifestar a sua posição, dizendo que, da nossa parte, como certamente da parte da maioria do povo português, nos orgulhamos de todo o nosso passado e não vemos factos que eventualmente possam parecer criticáveis à luz dos nossos dias, não vemos esses factos com óculos de uma determinada esquerda, que quer hoje fazer a História com toda a vivência que existe hoje.
Aquilo que queremos saber, aquilo que queremos dizer, aquilo de que queremos que todo o nosso país e os nossos concidadãos se orgulhem é de todo o nosso passado, de toda a nossa gesta.
E queremos também aqui, Sr. Presidente, congratular-nos com o facto de V. Ex.ª ter reparado a tempo nestas comemorações minimalistas e agradecer-lhe profundamente o seu empenhamento no reparar deste facto.

Vozes do CDS -PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o voto n.º 11 6/VII - De protesto pela não valorização, no quadro da Expo 98, da comemoração dos 500 anos da descoberta do caminho marítimo para a índia por Vasco da Gama (PSD).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e do PCP e votos a favor do PSD e do CDS-PP

Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 40 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.º5 55 a 59 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 1, 2, 3, 15 e 16 de Abril.
Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, vamos dar início à discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.os 113/VII - Estatuto do Ministério Público - e 157/VII - Altera o Código de Processo Penal.
O Governo já está presente na sala. Sejam bem-vindos, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado.
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim): - Sr. Presidente, os meus cumprimentos a V. Ex.ª e agradecimentos pelos votos de boas-vindas, que, como sabe, correspondem inteiramente à verdade, visto que eu, sempre que aqui venho, gosto de ser bem-vindo e gosto de cá vir.
Sr. Presidente, Sr.- e Srs. Deputados: O Código de Processo Penal, que completou 10 anos de vigência no passado mês de Janeiro, sendo um dos Códigos mais jovens da Europa, é reconhecido internacionalmente, pelas vozes mais autorizadas, de forma unânime, como um dos modelos mais avançados e equilibrados, justamente situado na vanguarda do movimento de reforma do processo penal democrático europeu.
Temos, pois, razões para nos congratularmos com este facto e para, serena e objectivamente, diagnosticarmos as dificuldades do seu funcionamento e introduzirmos as correcções e melhoramentos que a experiência revelou necessários e inadiáveis, para prestígio da justiça e do Estado de direito em que vivemos.
Como é sabido, a reforma do Processo Penal assentou num conjunto de vectores que visavam prosseguir eficazmente as grandes finalidades do processo, ou seja, o combate ao crime; a defesa da sociedade, das pessoas e bens; a liberdade e a segurança, com respeito intransigente por princípios e por direitos fundamentais consagrados na Constituição e pelas Convenções Internacionais de defesa dos Direitos do Homem, a que Portugal está vinculado, como sejam a Convenção Europeia dos Direitos do Homem do Conselho da Europa e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos da ONU.
Dando expressão a esta matriz e acolhendo as recomendações internacionais, a experiência nacional e internacional e os ensinamentos da nossa praxis processual e do Direito Comparado, o nosso Código optou pela construção de um sistema com base num grande eixo de distinção entre pequena e média criminalidade, por um lado, e criminalidade grave e organizada, por outro, com diferenças de tratamento processual.
Porém, apesar das excelentes intenções da reforma, a justiça penal continuou a ser lenta e, em muitos casos, ineficaz.
São bem conhecidas as dificuldades mais evidentes. Em primeira linha, as dificuldades em realizar o julgamento devido a sucessivas faltas do arguido, com os consequentes adiamentos sucessivos da audiência e com grave desprestígio para a justiça; as dificuldades em fazer comparecer o arguido

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na audiência de julgamento e a tendência, em compensação, para o recurso excessivo à prisão preventiva, com vista a garantir a presença; a reduzida ou praticamente nula eficácia do regime da contumácia relativamente a arguidos não notificados da data de julgamento.
Depois, outros factores menos perceptíveis para os destinatários da justiça, mas também eles de grande impacto. Saliento, designadamente, o carácter restritivo dos mecanismos processuais de tratamento da pequena criminalidade que, na prática, tem sido tratada do mesmo modo que a criminalidade grave, apesar das intenções do Código; a inevitável e consequente burocratização do processo, com excesso de formalidades para tratamento de meras bagatelas penais de grande peso nas polícias e nos serviços de apoio do Ministério Público e dos tribunais e evidentes prejuízos na mobilização destes para efectivo combate à criminalidade grave e organizada.
Sr. Presidente, Sr.- e Srs. Deputados: Embora desde há muito reclamada, a revisão do Código, com a profundidade exigida, nunca foi feita, tendo-se limitado, na intervenção mais profunda, à adaptação ao Código Penal revisto em 1995.
O objectivo central da proposta de lei de revisão do Código de Processo Penal traduz-se numa ideia síntese: restituir a confiança no sistema de justiça penal, com respeito integral pela Constituição e, assim, reforçar a tutela da liberdade e da segurança dos cidadãos, aumentar a celeridade da justiça, combater a criminalidade com eficácia, proteger os direitos das pessoas e a sociedade contra o crime. Para isso, há que ultrapassar as dificuldades, nitidamente identificadas, aperfeiçoando o modelo de processo vigente aperfeiçoando e não substituindo ou alterando um texto normativo fundamental do nosso sistema jurídico, como se salienta na proposta de lei.
O Código de Processo Penal é uma das traves mestras da vida constitucional num Estado de Direito. Campo de afirmação e de prova, por excelência, dos direitos, liberdades e garantias, bem poderíamos dizer que se trata de lei que consigo transporta e dá vida à cidadania.
Não admira, pois, que o Governo tenha colocado nesta reforma o seu profundo empenhamento em sobre ela fazer uma área de discussão alargada que durou cerca de um ano e que hoje aqui tem o seu lugar mais alto. É que dessa discussão e envolvimento só pode resultar mais participação e nela, também, mais cidadania.
O Código de Processo Penal é também uma peça essencial da política criminal. Uma política criminal como a pretendemos, e que resulta, aliás, da Constituição, assenta no respeito da dignidade do homem, procurando encontrar o exacto e justo equilíbrio entre as necessidades da eficiência social em favor da paz, por um lado, e da justiça concreta, por outro, naquilo que ela tem de mais difícil e por isso de mais nobre: o confronto permanente com a liberdade.
Um Código de Processo Penal e a sua revisão não pode, pois, como também o não pode a política criminal ao serviço da qual se encontra, basear-se noutros valores e noutros princípios que não sejam os valores constitucionais da liberdade e da segurança.
Posta ao serviço da sociedade democrática, a política criminal não pode resultar nunca e a título algum da distribuição de poderes, que não sejam os que servem aquela finalidade e os seus justos e necessários equilíbrios. Por esses critérios e por esses valores nos guiámos, e não por outros.
As alterações propostas abrangem cerca de um terço das disposições do Código, com aspectos de extensão e profundidade diversa, que procuram esgotar os pontos em que se revela necessidade de intervenção.
Seleccionaria, porém, os aspectos estruturais de maior importância. Em primeiro lugar, as alterações em matéria de julgamento na ausência do arguido e regime de contumácia.
Opta-se, neste domínio, pelo alargamento dos casos em que é possível a audiência na ausência do arguido, opção que a Constituição revista recentemente acolhe agora expressamente.
Assim, admite-se que a audiência de julgamento ocorra na ausência do arguido, sempre que este tenha prestado termo de identidade e residência no processo e ainda que tenha justificado falta anterior à audiência, com as necessárias garantias de defesa.
No que se refere à contumácia propõe-se uma alteração fundamental. Actualmente a declaração de contumácia tem lugar sempre que o arguido não for notificado da data de julgamento, mesmo que já tenha sido ouvido no processo. A partir de agora, a declaração de contumácia passará a ter carácter residual, abrangendo apenas os arguidos que nunca foram encontrados nem ouvidos no processo, não foi possível notificar do despacho que designa dia para a audiência ou deter preventivamente para assegurar o comparecimento em audiência.
Para uma maior eficácia consagram-se soluções com ganhos manifestos de celeridade e economia e um regime mais exigente quanto à justificação da falta, que hoje constitui um considerável factor de entorpecimento da justiça penal.
Em segundo lugar, as alterações que reforçam o tratamento processual célere e simplificado da pequena criminalidade. Aprofunda-se substancialmente esta dimensão do sistema, sem pôr em causa o princípio de legalidade, que molda o processo, o direito de defesa e as garantias do processo equitativo, reforçando mecanismos de simplificação, aceleração e consenso relativamente à pequena e média criminalidade, no sentido das recomendações da ONU e do Conselho da Europa, e levando em conta experiências próximas de Direito Comparado, com resultados confirmados em países como a Alemanha, Itália, França ou Espanha.
São, por conseguinte, significativas as alterações propostas neste domínio: cria-se uma nova forma de processo-o processo abreviado - e alteram-se o processo sumário e o, processo sumaríssimo.
O processo abreviado, que se limita aos casos de crime punível com pena de prisão não superior a cinco ou de crime punível com pena de multa, visa um objectivo da rápida submissão do caso a julgamento. O procedimento caracteriza-se por uma substancial aceleração nas fases preliminares, mas garante-se todo o formalismo normal do julgamento em processo comum.
Estabelecem-se particulares exigências ao nível dos pressupostos, que, na essência, já estão presentes no actual processo sumário: a evidência e clareza das provas do crime, cuja recolha constitui objecto do inquérito - como sucede nos casos de flagrante delito, que não podem ser julgados em processo sumário, por não ter havido detenção por urna enti-

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dade policial ou por lhe corresponder pena superior a três anos, ou nos casos de prova documental (como sucede no crime de emissão de cheque sem provisão) ou de outro tipo, que permitam formular um juízo inequívoco sobre os indícios do crime e sobre quem foi o seu agente - e a frescura da prova, isto é, exige-se que o crime não tenha sido cometido há mais de 60 dias.
Trata-se de situações em que o caso pode ser imediatamente apresentado ao juiz, sem restrição dos direitos de defesa e do princípio da igualdade de armas, concentrando-se o processo na sua fase crucial, que é o julgamento. Para possibilitar o exercício do contraditório nas fases preliminares do processo prevê-se a existência de um debate instrutório, a requerimento do arguido, a concluir-se no prazo máximo de 30 dias.
Julga-se que, por esta via, se possibilitará uma considerável aceleração do processamento da criminalidade menos grave, a qual representa actualmente cerca de 85% dos crimes submetidos a julgamento, com resultados que se esperam de grande reforço na credibilidade do sistema de justiça.
Ao nível do processo sumaríssimo introduzem-se alterações de vulto, que criam condições para dar expressão a uma forma de processo que praticamente não tem tido aplicação e que poderá desempenhar um papel importantíssimo no controlo das bagatelas penais.
No processo sumário, destaca-se a eliminação do requisito da idade mínima de 18 anos do arguido, a possibilidade de aplicação do processo sumário em casos de concurso de infracções individualmente puníveis com pena não superior a três anos, se não dever ser aplicada pena concreta superior a este limite, a possibilidade de adiamento da audiência até ao trigésimo dia posterior à detenção e a possibilidade de libertação do detido, no caso de não poder ser logo julgado e sua notificação para comparecer no primeiro dia útil seguinte.
A indemnização das vítimas de crime é objecto de proposta de profunda alteração. Passará a permitir-se a intervenção directa do lesado, sem advogado, como no processo civil quando se trate de pedidos de indemnização de baixo valor, o que permitirá que este possa obter a indemnização através de um procedimento informal baseado numa simples declaração no próprio processo, com indicação dos prejuízos sofridos e das provas, e permita-se a reparação oficiosa pelos prejuízos sofridos quando o imponham particulares exigências de protecção das vítimas carenciadas.
Crê-se que, por esta forma, se obterá uma mais eficaz protecção dos interesses patrimoniais da vítima, superando-se as dificuldades actualmente reconhecidas neste domínio.
Em matéria de segredo de justiça, agora com consagração constitucional, introduzem-se alterações que flexibilizam o actual regime, conciliando o interesse da investigação e o da presunção de inocência do arguido.
Mantém-se o regime de segredo vigente na fase de inquérito, mas confere-se publicidade à instrução quando e a partir do momento em que esta for requerida pelo arguido, salvo se este, no requerimento de abertura de instrução, declarar que se opõe a tal publicidade.
Por outro lado, estando o processo em segredo de justiça - e sem que o segredo seja levantado ou restringido -, possibilita-se a prestação de esclarecimentos públicos, a pedido de pessoas postas em causa relativamente a processos pendentes, quando necessários ao restabelecimento da verdade ou, oficiosamente, em ternos excepcionais, quando e na medida do estritamente necessário para a reposição da verdade sobre factos publicamente divulgados, para garantir a segurança de pessoas e bens e para evitar a perturbação da tranquilidade pública, nomeadamente em casos de grande repercussão.
Finalmente, uma referência ao regime de recursos. Restitui-se, neste domínio, ao Supremo Tribunal de Justiça a sua função de tribunal que conhece apenas de direito, com excepção do recurso interposto do tribunal de júri.
Faz-se uso discreto do princípio da dupla conforme, harmonizando-se objectivos de economia processual com a necessidade de limitar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça aos casos mais graves. Criam-se condições para o efectivo direito ao recurso das decisões do colectivo em matéria de facto, admite-se recurso per saltum para ti Supremo Tribunal de Justiça de decisões do colectivo, restrito a matéria de Direito, retoma-se a ideia de diferenciação orgânica, segundo a qual os casos de pequena gravidade não devem, por norma, subir ao Supremo.
Propõe-se ainda e finalmente um conjunto de alterações pontuais que visam esclarecer dúvidas de interpretação e uniformizar práticas e procedimentos. São alterações que reconduzem o sentido das normas à sua intenção original, no respeito escrupuloso pela Constituição e pelo modelo de processo.
Destaco a este propósito: a alteração ao artigo 194.º, n.º 5, relativo à aplicação de medidas de coacção na fase de inquérito, que se harmoniza com o estatuto e com os poderes do Ministério Público nesta fase processual e vem no sentido que já resulta do regime das medidas de coacção, que só admite a sua aplicação se requerida pelo Ministério Público na fase de inquérito; o alargamento dos poderes do juiz de instrução durante o inquérito ao nível do controlo das medidas de apreensão de bens e na atribuição de competência para a declaração de perda de bens apreendidos no inquérito, com vista à conveniente tutela do direito de propriedade, enquanto direito fundamental; um mais profundo e eficiente controlo da prisão preventiva e dos respectivos prazos pelo juiz de instrução, no sentido da melhor tutela do direito de liberdade, traduzido nas alterações aos artigos 213.º e 254.º; a adopção de um conjunto de alterações na disciplina da instrução, reforçando a função, que lhe é própria, de verificação da existência ou não existência de indícios no inquérito e, consequentemente, dos fundamentos' do despacho de acusação ou de arquivamento do Ministério Público.
Assim, clarifica-se na lei que esta função é exercida pelo debate instrutório e que só ele tem natureza contraditória; reforça-se a posição do juiz de instrução e os seus poderes para decidir sobre toda a prova indiciária e sobre os actos de instrução, sem recurso, em harmonia, aliás com o estabelecido quanto à decisão final da fase instrutória; reforça-se a judicialização da instrução, de modo a que o juiz, ele próprio, conheça directamente da prova e constitua livremente a base da sua decisão; e proíbe-se a audição de testemunhas sobre aspectos pessoais e de personalidade do arguido, o que está fora do objecto da instrução, de modo a evitarem-se expedientes dilatórios e de paralisação do processo nesta fase

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processual; as alterações ao artigo 311.º, que tem por objecto o saneamento do processo remetido para julgamento.
Trata-se de alterações que resultam logicamente da estrutura acusatória do processo, com raiz constitucional, da clara distinção das funções do juiz de instrução e do juiz do julgamento e do escrupuloso respeito pelo princípio da imparcialidade do juiz de julgamento.
Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas e Srs. Deputados: A reforma do processo penal não pode ser uma peça isolada, numa estrutura complexa que é a do sistema judiciário e dos subsistemas que o rodeiam e apoiam. Sob pena de muitas das suas virtualidades virem, na prática, a ser goradas, pelas dificuldades de falta de estruturas adequadas de suporte.
Por isso, ela tem reflexos imediatos na Lei Orgânica dos Tribunais, a ser presente em breve a esta Assembleia, no sistema de medicina legal e de registo criminal, já aqui discutidos, na orgânica da Polícia Judiciária e do Ministério Público.
Esta última assume, naturalmente, especial relevância, atento o papel fundamental desta magistratura no processo penal. Daí a apresentação pelo Governo da proposta de lei de revisão da sua lei orgânica, como condição essencial para uma correcta aplicação da reforma processual penal.
O Ministério Público rege-se actualmente pela Lei n.º47/86, de 15 de Outubro, que reproduz o modelo de organização consagrado da sua primeira lei orgânica, aprovada pela Lei n.º 39/78, de 5 de Julho, que estruturou o Ministério Público como órgão autónomo de justiça e de defesa da legalidade democrática e como uma magistratura nova dotada de configuração e estatuto próprios, de acordo com a sua conformação constitucional após a Constituição de 1976, reforçada nas revisões constitucionais de 1992 e de 1997.
As alterações estatutárias entretanto introduzidas nada alteraram ao nível da organização, apesar das profundas alterações registadas no sistema judiciário.
O exercício de um cada vez mais complexo conjunto de competências provocou, naturalmente - e ainda provoca dificuldades sérias na acção do Ministério Público para cumprimento dos seus deveres legais em domínios tão diversos e tão sensíveis.
Seja no âmbito da direcção da investigação criminal que o novo Código de Processo Penal expressamente lhe cometeu - e do exercício da acção penal e na defesa dos valores essenciais de suporte do Estado de Direito; seja no quadro das competências para prevenção e combate à criminalidade organizada, nomeadamente à criminalidade económica; seja no âmbito da representação e defesa dos interesses privados do Estado junto dos tribunais; seja no domínio da promoção e defesa da legalidade no contencioso administrativo; seja em defesa da constitucionalidade das leis e da actividade dos tribunais; seja, finalmente, na defesa dos interesses dos menores, incapazes e ausentes ou dos trabalhadores e suas famílias ou ainda dos interesses colectivos e difusos, a verdade é que a realidade foi tornando cada vez mais evidentes as carências de organização e de meios postos à disposição do Ministério Públicos que obrigaram a recorrer a soluções precárias de auto-organização interna, no quadro dos constrangimentos legais existentes.
Estabilizado que se mostra o quadro constitucional e institucional relativo ao estatuto, urge introduzir as necessárias alterações na orgânica do Ministério Público, no sentido da superação das lacunas e disfuncionalidades existentes e do aperfeiçoamento do modelo de organização.
Este, em síntese, o sentido fundamental da presente proposta de lei de alteração da Lei Orgânica do Ministério Público.
Com esta proposta de lei tem-se em vista um duplo objectivo: por um lado, um objectivo de reforço da eficácia do sistema de justiça, no seu todo e em particular no combate à criminalidade, nas suas mais variadas formas actuais - desde a criminalidade tradicional à criminalidade urbana, enquanto factor essencial de insegurança, ou às novas formas de criminalidade organizada e sofisticada, que subverte os fundamentos do próprio Estado democrático.
Por outro lado, um objectivo de aprofundamento da defesa da legalidade enquanto componente essencial do Estado de Direito.
Neste domínio, têm-se em conta. desde logo, as exigências decorrentes do Código de Processo Penal vigente, por reflectir um dos aspectos de primordial importância das atribuições do Ministério Público.
Ora, a posição do Ministério Público no processo penal, o significativo aumento das suas responsabilidades e solicitações e a evolução das características da criminalidade de uma criminalidade rural, fechada, de fácil investigação baseada em prova testemunhal, para formas de criminalidade ligadas a modos de vida e submundos e culturas de marginalidade e delinquência- vieram colocar em evidência as fragilidades do sistema e as insuficiências das respostas.
Os Departamentos de Investigação e Acção Penal (DIAP) tornaram-se exemplo paradigmático das formas ad hoc de auto-organização e articulação interna. Sem lei que definisse a sua organização e competência, os DIAP foram crescendo na base das limitações dos ultrapassados critérios da lei vigente, de acordo comas necessidades nas comarcas de maior movimento do País, com especial destaque para as comarcas de Lisboa, Porto e Coimbra, abrangendo já mais de uma centena de magistrados e algumas centenas de funcionários.
É hoje claro que um Ministério Público fechado e organizado estritamente de acordo com o mapa das comarcas desenhado pelas leis de organização judiciária, sem possibilidades de especialização e eficaz coordenação interna, sem ligação às funções policiais de prevenção e de investigação e às formas próprias de organização territorial e material das polícias, não pode dar resposta adequada aos desafios e responsabilidades que hoje se lhe colocam. Tal como não pode dar resposta às exigências, cada vez maiores, de cooperação internacional, nomeadamente no espaço aberto da União Europeia em matéria de combate à criminalidade organizada..
A conjugação de todos estes factores produz, necessariamente, implicações sensíveis, que foram devidamente ponderadas no âmbito das soluções propostas.
É evidente a preocupação de estabelecer uma melhor caracterização, definição e valorização das funções e dos órgãos do Ministério Público, como sucede com as procuradorias-gerais distritais e com as procuradorias da República que passam a constituir verdadeiros órgãos intermédios correspondentes aos níveis de círculo e de distrito judicial -

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em que se tornam mais precisas algumas tarefas da maior importância.
Tendo em conta a necessidade de reforço da descentralização e da especialização, propõe-se a - criação do Departamento Central de Investigação e Acção Penal
(DCIAP) e dá-se expressão legal aos Departamentos de Investigação e Acção Penal (DIAP).
O Departamento Central de Investigação e Acção Penal, que, pelo seu âmbito nacional, se pretende instituir na dependência da Procuradoria-Geral da República, é concebido, em escrupuloso respeito pelas regras do processo penal e das atribuições e estatuto do Ministério Público e dos órgãos de polícia criminal, como um órgão de coordenação e de direcção da investigação e de prevenção da criminalidade violenta, altamente organizada ou de especial complexidade, nos termos da lei vigente.
Constitui um órgão de fundamental importância, com intervenção em áreas específicas da criminalidade que, pela sua gravidade, dispersão territorial e complexidade de investigação, exigem uma actuação coordenada - à semelhança do que sucede com os órgãos de polícia criminal que actuam sob a direcção do Ministério Público - ou uma direcção centralizada da investigação relativamente a crimes taxativamente definidos na lei, verificada a presença de determinados requisitos.
Está, neste caso, em causa um conjunto de crimes associados à criminalidade grave e altamente organizada e à criminalidade económico-financeira, objecto de tratamento específico na lei vigente, seja ao nível da disciplina processual, seja ao nível da competência para a investigação e para a adopção de medidas de prevenção.
Visa-se aqui um objectivo que tem presentes razões de economia e eficiência e que procura conjugar a concentração e eficácia de meios, a especialização e a mobilidade e em que se pretende salvaguardar a transparência dos procedimentos através da definição legal das competências e dos pressupostos de intervenção deste órgão.
O modelo que inspira o DCIAP inspira também os DIAP, em cuja concepção se leva em linha de conta a cada vez mais frequente interconexão territorial de actividade criminosa de elevada gravidade.
Desta forma, propõe-se a criação de um DIAP na sede de cada distrito judicial, com funções de direcção da investigação relativa à comarca, mas extensíveis segundo critérios paralelos aos estabelecidos para o DCIAR
Ainda ao nível da organização, prevê-se que, na dependência da Procuradoria-Geral da República, passe a organizar-se, além do DCIAP, o Gabinete de Documentação e de Direita Comparado (GDDC) e o Núcleo de Assessoria Técnica (NAT- criado pela Lei n.º 1/97, de 16 de Janeiro), cujas orgânica e regulamentação constam de diplomas próprios.
A matéria referente aos órgãos e agentes do Ministério Público é objecto de alterações substanciais que pretendem organizar as estruturas intermédias e de base e tornar claras as competências dos respectivos agentes.
Ao mesmo tempo, também para uma melhor clarificação e funcionamento da hierarquia interna do Ministério Público, distingue-se entre o poder directivo genérico, que se traduz na faculdade de emissão de directivas, e o poder directivo específico, traduzido na faculdade de emitir ordens e instruções.
Tendo em vista a necessária publicidade, prevê-se que as directivas emitidas pelo Procurador-Geral da República, quando interpretem disposições legais, sejam publicadas na 2.ª série do Diário da República, reforçando-se a transparência do Ministério Público em matérias importantes para a realização e tutela judiciária do Direito.
No que se refere ao contencioso do Estado ou ao exercício da advocacia do Estado pelo Ministério Público, que corresponde à tradição do nosso País, com consagração constitucional, a experiência portuguesa aconselha a introduzir aperfeiçoamentos, no sentido de prevenir riscos de conflito de deveres ou de interesses e de conferir agilidade à representação do Estado pelo Ministério Público na defesa dos seus interesses privados, quer nas relações com a Administração, quer no que se refere à sua intervenção junto dos tribunais.
Deste modo, prevê-se a possibilidade de criação de departamentos de contencioso do Estado com competência em matéria cível, administrativa ou, conjuntamente, cível e administrativa, aos quais deverá passar a competir não só a representação do Estado em juízo, na defesa dos seus interesses patrimoniais, mas também a preparação, o exame e o acompanhamento de formas de composição extrajudicial de conflitos em que o Estado seja interessado.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Os dois diplomas que hoje aqui se discutem são, cada um no seu campo e esfera de acção, elementos importantes da reforma da justiça em curso. Representam, na perspectiva do Governo, diplomas que consagram reformas essenciais da justiça e constituem avanços significativos para a sua eficácia, no respeito integral das normas constitucionais.
Por isso mesmo, os contributos na especialidade, que possam melhorá-los, sem os desfigurar nos seus traços essenciais, são, pela nossa parte, bem vindos. Por isso, nos colocamos à disposição da Assembleia para participar quando - e, eu diria, quanto mais depressa melhor - e da forma julgada mais adequada nos trabalhos na especialidade.
Estou confiante de que todos faremos, em consenso esta parte essencial da reforma da justiça. É esse o caminho que traçámos e seguiremos, sem hesitar, até ao fim da Legislatura.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, gostava de colocar-lhe, apenas, duas das muitas questões que me são suscitadas pela proposta de lei de alteração do Código do Processo Penal.
Tenho na minha frente a transcrição de um debate, que teve lugar em 1992, a propósito da discussão de projectos de lei apresentados pelos quatro grupos parlamentares, onde três deles, sendo um o do PS, apontavam a constituição do Conselho Superior do Ministério Público onde não constavam as personalidades designadas pelo Ministro da Justiça.
Foi dito, durante o debate pelo Grupo Parlamentar do PS que a inclusão dessas personalidades era contra o modelo de

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autonomia que tinha ficado consagrado na Constituição depois da revisão de 1989.
Ora bem, apesar de o Tribunal Constitucional ter declarado que não era inconstitucional, este tribunal também não disse que era inconstitucional não ter lá as personalidades. E eu esperava, já que o Partido Socialista entendeu que não deviam estar presentes as personalidades designadas pelo Ministro da Justiça, encontrar no Estatuto do Ministério Público uma alteração da constituição deste Conselho, de acordo com o que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista propôs através de um projecto de lei. Como o que encontro são a mesma constituição e as mesmas personalidades designadas pelo Ministério da Justiça, gostava que V. Ex. ª me explicasse por que é que isso acontece.
A outra questão que quero colocar é muito sintética, porque não vou poder explicitá-la: é que V. Ex.ª disse que as alterações propostas ao Código do Processo Penal respeitavam integralmente a Constituição.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Devo dizer-lhe que tenho dúvidas de que todas as soluções constantes da proposta respeitem integralmente a Constituição e, a propósito, pergunto-lhe se é constitucional ter algumas soluções que, de facto, ferem a independência dos magistrados judiciais, desde logo a de não poder um magistrado judicial aplicar uma medida de coacção de natureza diferente daquela que é proposta pelo Ministério Público.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Gostava também de saber se acha que a permissão da leitura de declarações prestadas perante o Ministério Público, onde não se verifica o respeito do princípio do contraditório, respeita a Constituição.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Há muitas outras questões que podia abordar, mas vou falar da que tem a ver com um género de processos que são justificados em nome da eficácia - e eu sobre isso me pronunciarei - e que me parece conter também inconstitucionalidades, porque por maior eficácia que se queira conceder à Justiça sempre se perguntará se a Constituição autoriza que, num processo desses, seja vedada a instrução. O que lá está é o debate instrutório, mas a instrução é vedada!... E eu recordo que houve já uma lei do cheque que foi considerada inconstitucional porque proibia que fosse requerida a instrução.
Estas são algumas das muitas questões que o Código de Processo Penal levanta.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro da Justiça, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Ministro da Justiça: - Respondo em conjunto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: Ninguém estranhará, seguramente, que a concepção que o Sr. Ministro tem de justiça penal seja diferente da minha. V. Ex.ª é, supostamente, um homem de esquerda, eu sou um homem de direita e teremos seguramente, por esse motivo também; concepções diferentes.
Mas o que eu creio que não' podemos de forma alguma deixar hoje aqui passar, é alguma mistificação que enforma a proposta do Governo, especificamente a de alteração ou de revisão do Código de Processo Penal.
Todos nós sabemos e todos nós concordamos que, de facto, a crise da Justiça em Portugal é profunda, é grave, e nós estamos justamente a mexer num ramo de direito penal - e eu sou um daqueles que subscreve uma perspectiva de integralismo entre q Direito Processual Penal e o Penal que vai bulir com as traves, com o que é estruturante em termos de cultura de Direito no nosso país.
Tudo isto, Sr. Ministro, é para lhe dizer que concordo plenamente que a casa tem de ser rapidamente arrumada, que tem de ser rapidamente limpa; mas temos de não fechar os olhos às realidades dos problemas da Justiça e de não cair na tentação de varrer o lixo do chão, levantar a ponta do tapete e deitar o lixo para debaixo do tapete.
É que, de facto, Sr. Ministro, a sua proposta é susceptível como já disse, de poder descaracterizar completamente a nossa cultura penal e a nossa cultura de Direito. E dava-lhe só dois exemplos, até porque a pergunta que quero formular-lhe já está - e obrigado por isso, Sr. Ministro -,logo de início, respondida.
V. Ex.ª, de facto, está aberto, provavelmente porque já se apercebeu das deficiências que a proposta tem, a, em sede de especialidade, reformular, rever e corrigir.
Sr. Ministro, penso que aquilo que caracteriza particularmente esta proposta de lei é um conjunto de válvulas de escape que retiram do poder de decisão do juiz um conjunto de questões. E passo a explicar.
Ao regime do processo sumaríssimo, ao regime da suspensão provisória do processo, chamaríamos não tanto um limbo dos processos, como, provavelmente, V. Ex.ª prefeririam, mas antes um limbo da culpa dos cidadãos, que é sempre mais grave.
Nesta situação, Sr. Ministro, repare, há casos perfeitamente surpreendentes. Veja, por exemplo, o que se passa no regime do processo sumaríssimo.
Imagine, Sr. Ministro, que é tanta a ânsia de resolver de qualquer maneira que, por exemplo, nesta situação, aliás já falada, em que o arguido e o Ministério Público acordam numa pena, o juiz não homologa e o processo segue para julgamento. E eu pergunto, Sr. Ministro: que garantias há neste processo e, sobretudo, que respeito há pelo princípio da presunção de inocência do arguido?
Por outro lado, Sr. Ministro, gostaria de referir-lhe que qualquer reforma, sobretudo no campo do Direito Penal, pressupõe sempre uma fortíssima coesão e um fortíssimo consenso. Com certeza, iremos falar disso mais adiante, mas, Sr. Ministro, politicamente V. Ex.ª chega aqui com um resultado

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- e vai perdoar-me - discutível, na medida em que a crespação entre as duas magistraturas, na sequência daquilo que referiu e das soluções ou alternativas que propôs, é de tal forma que, de facto, se pode pensar numa disfunção ou, pelo menos, na não mobilização que seria indispensável, neste momento, para que qualquer reforma do Direito Penal e do processo penal fosse por todos sentida e, sobretudo, por todos implementada. Essa seria, porventura e antes de mais nada, a única garantia de resolvermos os problemas da Justiça.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, o debate de hoje tem mais um momento significativo aqui, no Plenário da Assembleia da República. Ele interessa a todos nós profundamente e fazêmo-lo conscientes de que tomámos as grande opções relevantes para a definição da política criminal e das opções processuais penais na sede própria, isto é, na revisão constitucional, que, no passado mês de Setembro, clarificou pontos que suscitavam, em momento anterior, dúvidas, e clarificou-os por alargadíssimo consenso.
Isto significa que, independentemente da vontade de imprimir dramaticidade a um debate que, em regra, não deveria tê-la, questões que noutros sítios suscitam, neste momento, ferozes polémicas - lembro-me, por exemplo, da polémica que, neste momento exacto, ocorre em França a propósito do Estatuto do Ministério Público e da sua autonomia -,não têm lugar entre nós a não ser como memória do passado e como evocação de alguma coisa que ficou resolvida por consenso alargado, incluindo, naturalmente, a presença do Governo no Conselho Superior do Ministério Público, matéria que discutimos na última revisão constitucional, tendo reafirmado a leitura do Tribunal Constitucional e, assim, resolvido uma questão que, até aí, esteve em aberto
Não há, portanto, nessa matéria, independentemente da opinião de A, B ou C, razão para transformar em motivo de "guerra santa" um conjunto de questões cuja forma de resolução ficou entre nós acordada por maioria democrática.
Isso significa, Sr. Ministro, que registámos bem as suas observações, completamente dispostos a estudar cuidadosamente contribuições e sugestões críticas vindas de vários quadrantes. Por isso mesmo, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias organizou e cumpriu meticulosamente um calendário de audições, das quais resultaram muitas sugestões. E há abaixo-assinados, petições e observações, que são instrumentos normalíssimos de vida democrática que quer "chovam" sobre a Assembleia da República, quer apareçam por outra forma qualquer são formas normais de expressão e têm da nossa parte a máxima atenção.
Temos também preocupações comuns, Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça, tais como a de celeridade, a de protecção dos direitos das vítimas, a de articulação entre as polícias e as magistraturas, de separação das funções que a cada uma delas deve caber e, seguramente, não nos dividirá nem dará um tom de polémica inútil a estes debates.
No entanto, temos consciência, Sr. Ministro, da complexidade da tarefa e era sobre isto que gostaria de interrogá-lo.
Por um lado, temos ainda pendente na 1.ª Comissão a votação do Código Penal, que faz um conjunto articulado com esta reforma, e a legislação que vai alterar profundamente o sistema de identificação criminal. Estamos, em certo sentido, em mora: é que os diplomas já foram aprovados e é nosso empenhamento, bancada do Partido Socialista, que esses diplomas estejam ultimados até ao fim do período normal de funcionamento desta Câmara.
Mas V. Ex.ª referiu que tenciona propor à Assembleia da República a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais e creio que faz bem, porque esta reforma do processo penal faz sentido precisamente articulada com outras, algumas bastante complexas e que envolvem muito trabalho no terreno. A minha pergunta é esta: quando é que V. Ex.ª entende que a produção desse contributo legislativo pode ser feita por parte do Governo, para que, pela nossa parte, possamos assumir um compromisso de a discutirem termos realistas, se possível antes do encerramento dos trabalhos parlamentares?
Porque o trabalho de elaboração de regulamentos é complexíssimo, gostaria de perguntar-lhe quanto tempo acha que vai demorar a elaborar o regulamento dessa lei orgânica e quando é que será possível que ela entre em vigor, para que todas estas peças possam funcionar articuladamente.
Por outro lado, o Sr. Secretário de Estado aqui presente aprovou, há dias, um despacho com o plano de informatização da Justiça, que é outro instrumento...

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputato.

O Orador: - Vou concluir. Sr. Presidente.
Como eu estava a dizer, o Sr. Secretário de Estado aqui presente aprovou, há dias, um despacho com o plano de informatização da Justiça, que é um outro instrumento crucial para que estas reformas possam ser postas no terreno. Gostava de lhe perguntar como pensa que esta concatenação se fará.
Por último, a reforma do modelo de gestão dos tribunais, a forma como os trabalhadores funcionam articulados com os juízes, com o Ministério Público, são também peças cruciais, porque, como o Professor Figueiredo Dias bem advertiu aquando do colóquio realizado na Sala do Senado, a reforma de 1987 teve dificuldade de implementação no terreno por dificuldades de gestão e de administração. Como isto preocupa a minha bancada e, seguramente, V. Ex.ª, gostaria que sobre esta matéria fizesse o seu oportuno comentário.

O Sr. Presidente: - Para responder aos três pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça. Dispõe, como sabe, de 5 minutos.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, começarei por responder ao Sr. Deputado Francisco Peixoto, pedindo desculpa aos outros Srs. Deputados, e faço-o porque, apesar de o Sr. Deputado Francisco Peixoto ter dito várias coisas importantes, disse uma que, embora também seja importante, é igualmente importante contradizer: a de que eu venho

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aqui fragilizado porque há lutas entre as magistraturas. Não venho não,, Sr. Deputado! Pelo contrário! É que esta reforma, como toda e qualquer. reforma do Ministério da Justiça, não é para distribuir poderes, embora algumas pessoas pensem que as reformas do Ministério da Justiça têm de ser reformas para redistribuir poderes. Não é!

Aplausos do PS.

Eu não sei se o Sr. Deputado tem experiência de processo penal,...

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Tenho!

O Orador: - ... mas esta reforma é para os cidadãos,...

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Em alguns aspectos é!

O Orador: - ... é urna reforma para aqueles que, diariamente, clamam contra uma justiça penal em que as instruções muito simples chegam a demorar três e mais anos, porque se não entende convenientemente o que deve ser a instrução de um processo.
Eu comecei por elogiar o Código elaborado por alguns que hoje nos atacam, um Código que foi feitio por iniciativa de um Governo de maioria absoluta do PSD. E este é um bom código, embora tenhamos de nele alterar algumas coisas, sem alterar, como alguns pretendem, a estrutura mestra do Código de Processo Penal e, sobretudo, os papéis destinados aos vários intervenientes no processo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ao contrário do que muitos dizem, se V. Ex.ª ouviu com atenção, como certamente ouviu, e se leu com atenção, como certamente leu, constatará que há um reforço manifesto dos poderes dos juízes de instrução.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - Mais: nós exigimos - e penso que todos, os cidadãos estão em condições de o exigir que o juiz de instrução não possa delegar nas polícias a audiência do arguido e das testemunhas. Por isso, em contrapartida, acabámos com esse autêntico desconchavo da instrução do processo penal, que são as testemunhas abonatórias. Eu até já ouvi falar na existência de um processo em que havia 1000 testemunhas, abonatórias!
E mais do que isso: limitámos o número das testemunhas, porque a grande fase da instrução no processo penal tem de ser o debate instrutório.
Mas o que eu queria dizer-lhe, Sr. Deputado, é que na sua intervenção, que apreciei muito, só não apreciei uma coisa: é que V. Ex.ª acusasse esta reforma de mistificadora. V. Ex ª terá, quando quiser ter essa oportunidade, de explicar quais são os aspectos da reforma que são mistificadores, porque essa eu não aceito!
Sr.ª Deputada Odete Santos, V. Ex.ª recorda sempre, com toda a razão, a história parlamentar e não vou ser eu a contradizê-la nesse aspecto. Mas devo dizer-lhe que, da minha experiência como Ministro da Justiça e eu já compareci no Conselho Superior do Ministério Público, como tenho, como sabe, o direito de comparecer -, mau grado esse direito, penso que é essencial, para que o Ministério da Justiça e o Governo possam ter também uma palavra decisiva na condução da política criminal, que haja representantes do Governo em número, aliás, como a Sr.ª Deputada sabe, amplamente minoritário no Conselho Superior do Ministério Público.
V. Ex.ª pôs algumas dúvidas sobre constitucionalidades, que naturalmente não são para serem resolvidas aqui, teremos oportunidade de as discutir na sede própria. Agora, há várias coisas que tenho ouvido e lido nos últimos dias sobre a reforma do processo penal que não tenho entendido. Uma das que eu não entendo é a que diz o seguinte: o juiz não pode aplicar medida de coacção superior...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - De natureza diferente!

O Orador: - ..., diferente e superior da pedida pelo Ministério Público. Ora, V Ex.ª sabe que, durante a fase do inquérito, o juiz não pode aplicar medidas de coacção a não ser a requerimento do Ministério Público.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas isso está bem!

O Orador: - Então, Sr.ª Deputada, se o juiz não pode aplicar medidas de coacção senão a requerimento do Ministério Público, por que é que há-de dar-se ao juiz o direito de aplicar medida diferente? Vou explicar-lhe por que razão não se deve dar. É que quem conhece o inquérito nessa fase é o Ministério Público...

Protestos do PSD.

VV. Ex.as estão muito excitados! Penso que não é matéria para isso. Acho que já houve aqui, hoje, momentos de tanta excitação que até me admiro que VV. Ex.as ainda tenham a excitação de que estão possuídos...

Risos do PS.

... a propósito de matérias que, francamente, não são especialmente excitantes face aos centenários de Vasco da Gama e outras coisas que aqui ouvi falar, que são muito mais excitantes!
Sr.ª Deputada, sinceramente, não compreendo isso, porque se o Ministério Público é a única entidade legitimada para requerer medidas de coacção... E porquê? Por uma razão muito simples: ele é o dono do inquérito e é ele que sabe quais as medidas que devem ser aplicadas.
Vou dar-lhe um exemplo. Sr.ª Deputada. Há, como sabe, estratégias de investigação. O Ministério Público entende que não deve haver prisão preventiva de um determinado indivíduo sobre o qual há um inquérito porque essa prisão pode prejudicar a continuação das investigações e pede ao juiz que seja aplicada uma outra medida de coacção, como, por exemplo, apresentar-se todas as semanas à autoridade policial. Se o juiz, que não conhece o inquérito, que não domina o inquérito, que não domina a investigação, disser: "Não senhor,

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fica em prisão preventiva!", isto pode destruir uma investigação. Este é um exemplo simples que lhe dou.
Porquê a razão disto? Porque o Ministério Público é, efectivamente, quem domina o inquérito e ele, melhor do que ninguém, sabe quais as medidas de coacção que devem ser aplicadas. Não me parece que isto tenha qualquer entorse à
lógica, nem que justifique tudo o que se tem dito e escrito sobre a independência dos magistrados judiciais e coisas quejandas.
Aliás, os autores confessos da proposta do Código de Processo Penal dizem, alto e bom som, que isto já lá está, disse!

O Sr. José Magalhães (PS): - Sempre esteve lá!

O Orador: - ... que, ao dizer que o Ministério Público requer, já se deve entender que o juiz não pode aplicar medida diferente.

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Ministro.

O Orador: - Ou seja, é um elemento de interpretação a que, certamente, a bancada do PSD dará uma especial relevância, dado que se trata de autores bem conhecidos pelas suas ligações à bancada do PSD.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Está enganado!

O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, como há pouco disse, é, como muitas outras coisas, um elemento importante nesta reforma. Esta reforma, sobretudo com os processos abreviados, com o processo sumário e. com o processo sumaríssimo, é uma reforma que tende para uma justiça de proximidade.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - É essa justiça que queremos, sobretudo nos grandes centros, visto que nos outros centros há já, na maior parte deles, justiça de proximidade. Por isso mesmo, há alterações substanciais na Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais a caminho dessa justiça de proximidade. Naturalmente, estas coisas jogam todas umas com as outras e nós sabemos muito bem que boas reformas com boas intenções podem facilmente soçobrar se não são acompanhadas de alterações de estruturas em todo o aparelho judiciário e nos subsistemas que rodeiam estas reformas.
A concluir, uma vez que o meu tempo já terminou, gostaria de dar a seguinte informação: a lei orgânica dos tribunais vai ser aprovada em Conselho de Ministros dentro de oito dias.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Sr, Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, no período de antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Carlos Encarnação referiu que tinha dirigido, há cerca de 15 dias, um requerimento ao Governo e que o Governo nada tinha dito.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não foi isso que eu

O Orador: - Pensando que tivesse havido lapso nos meus Serviços, mandei averiguar e verifiquei que esse requerimento não foi detectado no meu Gabinete, talvez porque ainda não tivesse lá chegado. Ouvi também o Sr. Presidente da Assembleia da República dizer que não era a Mesa que o tinha retido.
Gostava de saber se a Mesa já está em condições de informar em que data deu entrada o requerimento do Sr. Deputado Carlos Encarnação e em que data é que a Sr.ª Secretária-Geral da Assembleia da República o terá remetido ao meu Gabinete.

O Sr. José Magalhães (P,S): - Também pode ser um requerimento mental!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Pode ter sido um requerimento oral. O certo é que os Serviços não registam qualquer requerimento escrito do Sr. Carlos Encarnação sobre essa matéria.

Protestos do PS.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tenha a bondade.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, vou tentar esclarecer a bancada do PS, que, pelos vistos, está exultante, assim como o Sr. Ministro, que está temeroso de qualquer erro, porventura da Mesa da Assembleia ou de algum outro Serviço, talvez até do dele. Por isso, Sr. Presidente, vou dizer aquilo que disse há pouco e que o Sr. Ministro certamente não ouviu.
Quando o Sr. Ministro esteve presente num debate que se realizou há algum tempo nesta Assembleia, eu coloquei uma pergunta ao Governo. Perguntei, nessa altura, se tinha havido ou não crime de evasão fiscal na compra de aviões da TAP. O Sr. Ministro, em resposta a essa minha pergunta, brandiu um conjunto de documentos, que pressupus que era um relatório ou qualquer coisa, e disse-me: "Sr. Deputado, estão aqui os documentos, eu enviar-lhe-ei imediatamente este relatório que tenho na mão". De facto, pensei que o Sr. Ministro assim ia fazer.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Erro!

O Orador: - Erro meu, como é evidente!

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Ainda esperei alguns dias e, na semana seguinte, escrevi ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares solicitando 0 cumprimento daquilo que me parecia ser os seus bons ofíci,5, enviando-me, por iniciativa própria, aquilo que não tinha enviado entretanto.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares respondeu-me que o meu requerimento deveria ser formulado ao Governo, de acordo com as normas regimentais habituais.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Burocráticas!

O Orador: - Ou normas burocráticas habituais!
Ora, assim que recebi essa carta do Sr. Ministro, imediatamente transformei aquilo que era uma carta dirigida ao Sr. Ministro num requerimento dirigido ao Sr. Presidente da Assembleia da República, pedindo o mesmo documento e lamentando até, em comentário, que estivéssemos a perder 15 dias ou mais nestas cenas que não abonavam ninguém.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Onde é que está o requerimento?!

O Orador: - Ora, foi em função de uma pergunta feita pela bancada do CDS-PP no sentido de saber se foram ou não prestados esclarecimentos pelo Governo que eu repeti o comentário que agora voltei a fazer.
Em suma, penso que o Sr. Ministro ficou um pouco nervoso pelo facto de o Sr. Presidente Almeida Santos ter dito que, no seu Gabinete, não tinha parado coisa alguma. Bom, se não parou coisa alguma, o Sr. Ministro tinha uma maneira rápida de resolver esta questão - e até pensei que o iria fazer agora, para beneficio de todos -, isto é, ao chegar aqui, à Assembleia, iria entregar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, o conjunto de documentos que tinha, pedindo que me fossem entregues. Mas assim não fez, pretendeu, antes, protestar contra este facto. Acho lamentável!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Então, e o requerimento? Afinal, não apresentou nada!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr: Presidente (Mota Amaral): - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, desculpe ter de insistir na figura da interpelação à Mesa, mas, de facto, há pouco, tinha ouvido bem e, agora, confirmei, porque o Sr. Deputado Carlos Encarnação voltou a dizer que tinha apresentado um requerimento ao Sr. Presidente da Assembleia da República. O que eu solicitei foi tão só que a Mesa me indicasse em que dia é que recebeu esse requerimento do Sr. Deputado Carlos Encarnação e em que dia é que ele terá sido enviado ao meu Gabinete. Pareceu-me ouvir, na resposta do Sr. Presidente, que os Serviços tinham informado que não tinha sido apresentado qualquer requerimento.
Assim, havendo esta discrepância entre o que a Mesa disse e a afirmação do Sr. Deputado Carlos Encarnação, só gostava de saber onde é que está o requerimento, porque, naturalmente, havendo requerimento, o Governo responde. O que tem é de haver requerimento, e nós não o temos!
Portanto, o que solicito é que a Mesa tente saber em que dia é que o Sr. Deputado Carlos Encarnação entregou o requerimento e quando é que ele foi enviado ao meu Gabinete.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso tem de ir para inquérito?

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Ministro, sobre essa matéria, já dei a resposta que os Serviços transmitiram à Mesa. Qualquer investigação que a Mesa possa fazer, auxiliada pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação, será certamente frutuosa.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Penso que não vale a pena estarmos a gastar demasiado tempo relativamente a este incidente.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, eu não quero fazer perder o seu tempo nem o desta Assembleia.
Para evitar mais complicações e no impedimento do Sr. Ministro em fornecer-me imediatamente os documentos que dizia possuir e que pensei que mos entregaria rapidamente para pôr fim a toda esta pequena questiúncula, vou entregar cópia a V. Ex.ª de tudo aquilo que enviei ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, para que lhe seja, outra vez, entregue.

Vozes do PS: - E o requerimento? Extraviou-se?!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa e espero que seja a última.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, o que registo das intervenções de V Ex.ª e do Sr. Deputado Carlos Encarnação é que não há nenhum requerimento.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Exactamente!

O Orador: - Portanto, se, um dia, o Sr. Deputado Carlos Encarnação apresentar esse requerimento, o que eu solicitava à Mesa seria uma especial brevidade no seu envio ao meu Gabinete, para respondermos nos termos regimentais ou enquanto este Regimento se mantiver em vigor, porque a Assembleia pode alterá-lo quando bem entender.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Com certeza que assim se fará, Sr. Ministro.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Julgo que não vale a pena continuarmos com esta matéria, Sr. Deputado Carlos Encarnação. Não vejo qual o objecto da sua intervenção.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Eu repito a V. Ex.ª: vou entregar os documentos que o Sr. Ministro recebeu e que está a tentar evitar dizer que recebeu.

O Sr. José Magalhães (PS): - O Sr. Ministro acabou de dizer que não recebeu!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, desculpe, mas o Sr. Ministro disse que recebeu uma carta sua, o que não recebeu foi o requerimento, através da Assembleia da República.

O Orador: - Vou voltar a entregar a V. Ex.ª os documentos que o Sr. Ministro recebeu e que disse aqui que não recebeu.
Mas o que gostaria de pedir é que...

Protestos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Desculpe, Sr. Deputado, mas dá a impressão de que o Sr. Ministro reconhece ter recebido esses documentos.

O Orador: - O que gostaria de pedir, outra vez, aqui, a V. Ex.ª era que o Sr. Ministro, já que é tão solícito em tentar desmentir aquilo que aqui está escrito e que entreguei, me enviasse o relatório que põe fim a toda esta controvérsia.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Mas se não entregou o requerimento!

O Orador: - Se V. Ex.ª entende que pode transmitir isto ao Sr. Ministro...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Ou é preciso papel selado?!

O Orador: - para não estarmos aqui a perder tempo com requerimentos (em papel selado ou outra coisa qualquer), quando é do interesse do Governo que esta questão seja esclarecida o mais rapidamente possível, agradeço, Sr. Presidente.

Protestos do PS.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares:- Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Ministro, será a última interpelação. Depois darei a resposta da Mesa à questão levantada.
Em todo o caso, e antes de lhe dar a palavra ao Sr. Ministro, peço à Câmara que faça silêncio.
Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, o debate está a ser desencaminhado para um ponto que se torna melindroso nas relações pessoais entre todos nós.
O Sr. Deputado Carlos Encarnação disse há pouco, e repetiu agora, que tinha entregue ao Sr. Presidente da Assembleia um requerimento. A única coisa que pedi foi que esse requerimento me fosse entregue. A isto a Mesa esclareceu que os Serviços não encontram esse requerimento. Eu nunca disse, porque não costumo comentar em público cartas particulares trocadas com quem quer que seja,...

Protestos do PSD.

... nem desmenti a correspondência trocada com o Sr. Deputado Carlos Encarnação. No que insisto, e volto a insistir, e a isto a Mesa já me respondeu, é em saber onde está o requerimento. Isto porque o Governo cumpre o Regimento e os Srs. Deputados, certamente, também cumprem o Regimento.

Vozes do PS: - Claro!

O Orador: - Portanto, eu não disse que não recebi o que recebi, só digo que não existe no meu Gabinete o que deveria lá estar, se tivesse entrado na Mesa, e ouço a Mesa dizer que não entrou. É a única questão que quero esclarecer.

Protestos do PSD.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Os senhores é que disseram que entregaram o requerimento e não o entregaram!

O Orador: - Portanto, insisto ¿unto da Mesa para que, se há requerimento, este me seja enviado para resposta.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para que efeito?

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Para uma interpelação.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Faça favor.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, se me permitir, sobre esta questão, gostaria só, de uma forma rápida, dizer à Câmara e ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, o seguinte: na sessão em que aqui ocorreu uma interpelação, o Sr. Deputado Carlos Encarnação fez uma pergunta concreta ao Sr. Ministro que respondeu dizendo que sobre esta matéria não havia - e estava a falar-se de evasão fiscal - crime de evasão fiscal e que tinha em seu poder o relatório do Ministério dás Finanças que concluía nesse sentido.

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Depois disso, o Sr. Deputado Carlos Encarnação, Vice-Presidente do Grupo Parlamentar do PSD, em duas cartas dirigidas ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, pediu um exemplar desse relatório. Isto, em duas cartas enviadas ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Oficiais!

O Orador: - Cartas que não são particulares, são cartas oficiais de um vice-presidente de um grupo parlamentar para um Ministro dos Assuntos Parlamentares. Sobre esta parte, gostaria só de concluir o seguinte: penso que muito mais importante do que a questão formal é a questão substancial.
Assim, se o relatório existe, e o Ministro disse-o (e não tenho razões para duvidar), se o relatório está concluído, como o Sr. Ministro disse (e não tenho razões para duvidar), e como a questão de fundo é muito mais importante, solicitava ao Sr. Ministro que hoje mesmo, ou amanhã, nos pudesse facultar um exemplar desse relatório, supostamente não secreto, para que possamos analisar as suas conclusões. Penso que na relação entre uma direcção de um grupo parlamentar e o Ministro dos Assuntos Parlamentares isto é mais legítimo, sobretudo depois de terem passado estas três semanas.
Se o relatório existe, como imagino, se o relatório está concluído, como imagino, pois não tenho qualquer razão para duvidar, gostava que nos deixássemos desta formalidade e nos pudessem facultar tudo isso para terminamos com o secretismo em torno de matérias que não devem ser secretas e, sim, públicas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não "fuja com o rabo à seringa"!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Antes de dar a palavra ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares para responder, esclareço, desde já, a Câmara que, sobre esta matéria, não darei mais a palavra, pelo que não vale a pena pedirem .
Tem a palavra, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares:- Sr. Presidente, quero apenas explicitar o seguinte: no dia 7 de Maio, foi enviada, pelo meu Gabinete, uma carta ao Sr. Deputado Carlos Encarnação dizendo que elaborasse o requerimento que a documentação seria imediatamente entregue. Se o Sr. Deputado Carlos Encarnação, do dia 7 até ao dia 20 de Maio, ainda não teve tempo de fazer o requerimento, apesar de hoje já ter dito, por duas vezes, nesta Câmara, que o tinha apresentado ao Sr. Presidente da Assembleia da República, eu admito isso, mas, uma vez que a Mesa, pelos vistos, diz que não o recebeu, mas o senhor diz que o tem, então, o Sr. Deputado entregue o requerimento à Mesa, que esta far-mo-á chegar e no minuto seguinte será respondido.
Porém, convém explicitar que não se trata de formalismos. Não é por acaso que o Regimento tem uma tramitação própria para o requerimento. É que o requerimento não é um contacto pessoal, confidencial e bilateral entre o Governo e o Deputado que o requer. O requerimento é uma informação prestada ao conjunto da Assembleia da República e é por isso que as respostas são publicadas no Diário da Assembleia da República.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Logo, o que queremos é que a resposta seja do conhecimento de todos os Srs. Deputados e do País e não seja só do conhecimento pessoal do Sr. Deputado Carlos Encarnação ou a quem ele muito bem entenda mostrar.
Portanto, Sr. Deputado, se quer esclarecer, faça o requerimento que nós respondemos de imediato.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, julgo que a matéria constante desta troca de intervenções, no que diz respeito à Mesa, foi já devidamente esclarecida. Porém, também caberia ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, se quiser divulgar esse relatório, enviá-lo aos outros grupos parlamentares na altura em que ele for solicitado pelo Grupo Parlamentar do PSD.
Em todo o caso, o assunto está resolvido, porque, pelos vistos, o Sr. Deputado Carlos Encarnação fará seguir o requerimento e o Sr. Ministro, depois, enviará a resposta, nos termos regimentais.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra para uma breve interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Faça favor.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares:- Sr. Presidente, quero apenas dar um pequeno esclarecimento, porque tenho de sair da Sala para a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, que é tão-só dizer que estarei no meu Gabinete até às 21 horas e 25 minutos, pelo que se o requerimento chegar lá até essa hora será respondido.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Chegará muito antes! Irá mais cedo!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, fica registada a disponibilidade do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares em responder ao requerimento.
Assim, vamos voltar à nossa ordem de trabalhos, que é extremamente sobrecarregada.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Há poucos dias, quando, a propósito da proposta de lei que altera o Código de Processo Penal, que agora estamos a discutir, realizámos um interessante colóquio na Sala do Senado, foi para mim sintomático que a voz avisada ao Sr. Presidente da Assembleia da República lembrasse, então e a todos, a sábia observação dos Srs. Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, de que o Direito Processual Penal constitui um verdadeiro "sismógrafo da Lei Fundamental".

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O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é verdade!

O Orador: - Mas o Dr. Almeida Santos não se ficou por esta lembrança e foi mais longe. Com a autoridade que se lhe reconhece de jurista insigne e de edificador do Estado de direito que somos, revelou também algum cepticismo relativamente à proposta de lei ora em discussão. E finalizou, mesmo, a sua intervenção com uma flor própria do seu brilho literário, a que já nos habituou, e que, por ser muito mais do que isso, passo a citar: "Temos aí, por mérito vosso, um bom Código de Processo Penal. O Mundo é que não presta. O vosso Código não é deste Mundo. O Mundo do vosso Código já foi".

O Sr. José Magalhães (PS): - Frase sábia, mas não é para ser sujeita a abusos!

O Orador: - Não estava longe destas preocupações o meu companheiro e amigo, penalista ilustre, Dr. Costa Andrade, quando, em Maio de 1995, há precisamente três anos, como Deputado e a propósito das alterações então introduzidas no processo penal, dizia: "A grande alteração do Código de Processo Penal, a vir, será uma reforma do paradigma processual penal completamente diferente daquele que temos". Pessoalmente, dizia o Deputado Costa Andrade, "estou à vontade para admitir esta hipótese e para trabalhar na base da mesma, porque sou adepto fervoroso do paradigma que temos. No entanto, tenho de ter a consciência que outros podem ter outro paradigma, no qual é preciso trabalham.
Não há, pois, nestas matérias verdades absolutas, nem dogmas que espartilhem, em cada momento, a intransigente defesa de valores e de princípios do Estado de direito democrático que somos, assente na Constituição que temos. E porque a lei processual penal é, como se referiu, o "sismógrafo da Constituição", não se pode deixar de denunciar, desde já, que a proposta de lei agora em apreciação não reflecte nem tirou as necessárias consequências da revisão constitucional de 1997.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PS: - Não apoiado!

O Orador: - Mas antes de exemplificar, em concreto, essa falta de sintonia entre as mais relevantes soluções propostas e a Constituição, importa, para que se não criem confusões nem levantem dúvidas, clarificar algumas posições de princípio.
Não temos do processo penal, e menos ainda da sua reforma, a óptica de um mero jogo de distribuição de poderes e de competências pelos seus vários intervenientes ou protagonistas, sejam os juízes, seja o Ministro Público, sejam os advogados ou ainda os arguidos ou as vítimas e assistentes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Norteamo-nos por valores e por princípios e deles não abdicamos. E se nunca, em nenhuma circunstância, abdicamos dos princípios e valores, muito menos o faríamos agora numa matéria tão sensível e tão relevante, como é a lei processual penal, enquanto instrumento privilegiado de realização da justiça criminal, com integral respeito pelas liberdades e garantias constitucionais e veículo reparador de agravos sociais e individuais que a colectividade reprova. E, naturalmente, perfilhamos as preocupações de celeridade processual que a proposta de lei veicula, cientes de que uma justiça morosa redunda em injustiça, o que não é compatível com a exigência constitucional do acesso ao direito e à justiça que se quer pronta e eficaz.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Importa, pois, encontrar as formas adequadas de encurtar a relação temporal entre a prática do crime e a decisão judicial que o aprecia e decide. E a confirmação de que não é de agora a nossa preocupação com esta questão central da justiça penal, temos os esforços que fizemos na anterior legislatura para ultrapassar as limitações do artigo 32.º da Constituição, relativamente ao processo de ausentes, com vista a pôr termo a essa chaga que são os adiamentos sucessivos dos julgamentos por ausência do réu.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Bem lembrado!

O Orador: - O Ministro da Justiça de então, Dr. Laborinho Lúcio, fez um desafio às diferentes bancadas parlamentares com vista a um necessário consenso para introduzir alterações legislativas nesse sentido, o qual não teve, porém, o menor eco.
Por isso, na última revisão, propusemos e empenhámo-nos no aditamento do n.º 6 do artigo 32.º da Constituição, em que se estabelece que: "A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento".
Porém, que fique também claro que se estamos de acordo com alguma simplificação e com novas formas processuais que assegurem a desejável celeridade da justiça, já não aceitamos que tal aconteça com o atropelo de direitos e garantias fundamentais e, nomeadamente, com a preterição de intervenções do juiz que as asseguram.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ora, a citada disposição constitucional é clara no sentido de que a lei ordinária que venha a permitir os julgamentos à revelia de réus ausentes deve "assegurar os direitos de defesa".
Neste sentido, pensamos que adoptar a solução do Código de Processo Penal de 1929, ou seja, o Código do regime anterior ao 25 de Abril, e não assegurar a possibilidade, sempre e em todos os casos, do réu, quando encontrado, requerer novo julgamento, ofende, manifestamente, aquela exigência constitucional.
Mas não se fica por aqui o não acatamento dos princípios e disposições constitucionais e, em particular, das alterações decorrentes da última revisão, por parte da proposta de lei em discussão.
Assim, aquela proposta de lei apresenta-se de todo indiferente à constitucional ização do segredo de justiça. Na ver-

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dade, integrámos na parte dos Direitos Fundamentais e mais precisamente no artigo 20.º, que trata do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, o segredo de justiça, pelo que o legislador ordinário, ao tratar daquela matéria, não pode ignorar que está em causa um instrumento de tutela de direitos fundamentais. Daí que as situações em que excepcionalmente se possa permitir, em fase do segredo de justiça, o acesso aos autos ou a divulgação pública de elementos deles constantes devem depender sempre de prévia autorização do juiz, independentemente da fase em que se encontre o processo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, em nome da correcta adequação do âmbito do segredo de justiça, mas também da sua eficiência e dos direitos das partes envolvidas no processo, o segredo deve cessar com o termo do inquérito.

Vozes do PS: - Não apoiado!

O Orador: - Não se justifica o sistema adoptado na proposta de lei relativamente à manutenção do segredo de justiça, na instrução, a requerimento do arguido, e só deste.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Igualmente não tem sentido e não observa as garantias constitucionais, designadamente a disposição introduzida na última revisão, que permite a qualquer cidadão fazer-se acompanhar por advogado. perante qualquer autoridade, e a solução do artigo 62.º da proposta de lei, no sentido de poder ser nomeado ao réu defensor que não seja advogado.
Porém, o que se afigura flagrantemente preterido na proposta de lei é o princípio expresso na última revisão constitucional de que cabe aos órgãos de soberania a definição da política criminal e ao Ministério Público tão-só participar na sua execução. Exemplo disso é a forma como vem regulado o Processo Abreviado, que, em nosso entender, e corrigidas algumas questões formais menos felizes, como seja a expressão "prova evidente", deverá ter aplicação a elenco de crimes a definir pelos competentes órgãos de soberania, que não necessariamente subordinados a uma escala penal, e que possam justificar, em cada momento, pelo seu dano social, formas particulares de aceleração processual.
Aliás, como lembra a Dr.ª Teresa Beleza, relativamente à aplicação do Processo Abreviado a questões de menor importância, bem como à aplicação de formas negociadas de soluções dos conflitos, o recurso do legislador em tais processos parece consistirem tentativas de resolver processualmente questões substantivas. Se os tribunais estão inundados de bagatelas, o que estão as mesmas a fazer no Direito Penal? Para que serve o princípio da intervenção mínima do Direito Penal e o Direito de Mera Ordenação Social?
Não é admissível que, em nome da celeridade e da eficácia, às quais, como demonstrei, demos mostras largas de estar no centro das nossas preocupações, se apresente uma proposta de lei de reforma do processo penal sem coerência e sem fidelidade e respeito por princípios constitucionais dos mais elementares.
Na verdade, não se pode ziguezaguear introduzindo ora o inquisitório, quando convém, ora eliminando ou reduzindo o contraditório, quando igualmente convém. Como não é coerente proclamar o princípio da legalidade e ceder, sem pejo, à regra da oportunidade.
O Governo não pode, como faz em muitas das disposições da proposta de lei em discussão, condicionar o poder da Magistratura Judicial ou subtrair-lhe competências em favor do Ministério Público, subvertendo a filosofia do nosso processo penal e retirando à apreciação jurisdicional questões essenciais à garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E que fique claro que a nossa preocupação é institucional, por isso geral e abstracta, nada tendo a ver com os efectivos titulares que, em cada momento, são os protagonistas concretos do processo penal.
A perspectiva concreta que necessitamos de ter (e temos) e tão-só a dos cidadãos, a quem as leis se destinam e ao serviço dos quais devem estar as instituições, incluindo os órgãos de justiça criminal.
A verdade, porém, é que o Governo, com esta proposta de lei e com os termos em que se apresentou à Assembleia da República, está a prestar um mau serviço ao País e está a fomentar um mal-estar entre a Magistratura Judicial e o Ministério Público,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - ... por não ter sabido, em diploma fundamental, respeitar, em conformidade com a Constituição, o espaço que cabe à primeira, que não pode ser invadido, quando não mesmo suprimido, em favor do Ministério Público.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Lembro aqui as palavras do Professor Marcelo Rebelo de Sousa, a propósito da última revisão constitucional, que esta proposta de lei, em grande parte, ignora, e passo a citar: "O PSD não renuncia à valorização da autonomia do Ministério Público, mas entende que ela não justifica que se admita quer a visão do Ministério Público como entidade jurisdicional independentemente, a par dos juízes, quer a atribuição ao Ministério Público da definição da política criminal, quer a sua politização, com ou sem entendimentos com alguns meios de comunicação.
A constitucionalização do segredo de justiça e a clarificação de quem faz as escolhas em política criminal cabiam neste terceiro caminho de querer um Ministério Público forte e prestigiado, mas não fiador da pureza do sistema político".
É que o Ministério Público tem efectivamente um estatuto complexo, como lembra Calamandrei ao referir: "Entre todos os cargos judiciários, o mais difícil, segundo me parece, é o do Ministério Público. Este, como sustentáculo da acusação, devia ser tão parcial como um advogado; como guarda inflexível da lei, devia ser tão imparcial como um juiz. Advogado sem paixão, juiz sem imparcialidade, tal é o absurdo psicológico no qual o Ministério Público, se não adquirir o sentido de equilíbrio, se arrisca, momento a mo-

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mento, a perder, por amor da sinceridade, a generosa combatividade do defensor ou, por amor da polémica, a objectividade sem paixão do magistrado".

Vozes do PSD e do Deputado do CDS-PP Sílvio Rui Cervan: - Muito bem!

O Orador: - Mas uma coisa é certa: o poder jurisdicional e a titularidade do órgão de soberania tribunal cabem ao juiz.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É necessário ter presente que o Ministério Público tem no processo penal a posição de "parte", "parte pública" no dizer de alguns autores; "parte principal" ou "demandante com prerrogativas e garantias bem mais extensas do que as de um demandante civil", como referem Stefani, Levasser e Bouloc. O Ministério Público é uma magistratura hierarquizada e, na clássica divisão de poderes - executivo, legislativo e judicial -, integra-se no poder executivo, pese embora a sua autonomia. Os juízes integram-se no poder judicial, com a inerente independência.
É esta separação de águas, tributária dos mais elementares princípios constitucionais estruturantes do Estado de direito e, em particular, o respeito pelas competências próprias do poder jurisdicional, ou seja, dos juízes, que a proposta de lei do Governo não respeita. Lamentamos que o Governo, irresponsavelmente, tenha, ele próprio, exactamente ao contrário do que lhe compete, gerado e estimulado situações de conflitualidade entre as duas magistraturas, o que atenta com a sua dignidade, desprestigia a justiça e degrada a sua imagem perante os cidadãos.
Era bom que se explicasse aqui, nesta Assembleia; por que razão o projecto da Comissão Revisora, presidida pelo Prof. Germano Marques da Silva, foi tão profundamente alterado, para pior, pelo Governo ou, mais correctamente, pelo Gabinete do Ministro da Justiça. Aliás, não se pode deixar de lamentar que o Sr. Ministro da Justiça, que foi aqui Deputado e era tão cioso na solicitação ao anterior Governo de todos os elementos, nada nos tenha enviado relativamente a este processo legislativo, designadamente o projecto da Comissão Revisora e as suas actas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Daqui lhe faço um apelo - e espero que não queira que lhe faça um requerimento, como o seu colega, Ministro dos Assuntos Parlamentares - no sentido de que envie à Assembleia da República esses elementos para, ao menos aquando da discussão na especialidade, que tem de ser profunda e alargada, já possamos dispor desta informação. Desejamos, como ficou claro na última revisão constitucional, maior celeridade e prontidão na justiça criminal. Podem contar connosco para encontrar as melhores soluções adequadas e atingirmos esse desiderato e anseio. Não nos peçam, porém, para o fazermos com preterição de direitos e garantias fundamentais dos cidadãos e com a adulteração dos poderes e competências de cada uma das magistraturas, de forma atentatória dos mais elementares princípios do Estado de direito democrático.
Não nos move nada relativamente a cada uma magistraturas, a não ser o respeito que ambas merecem. Move-nos e inspiram-nos valores e princípios de que não abdicamos.
Move-nos, acima de tudo, a defesa intransigente dos direitos dos cidadãos, o direito a uma justiça célere e eficaz, mas sempre sem atropelo de regras e de princípios elementares. Tem de ser assim em democracia. Uma justiça penal que não seja deste modo estruturada, amputa a democracia e ofende o Estado de direito. Com isso não pactuamos!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, vim para este debate com alguma expectativa e com alguma vontade de compreender a verdadeira posição do PSD.
Era suposto que o compromisso do PSD com o Estado de direito levasse a que o PSD se conduzisse, numa matéria como esta, com o propósito - que eu admitiria que fosse não só evidente como genuíno - de contribuir para um consenso efectivo numa matéria tão relevante como esta que, seguramente, estrutura áreas fundamentais do regime dos direitos, liberdades e garantias.
Tendo em vista que este debate, ele próprio, foi rodeado dos maiores cuidados, comunicativas parlamentares, em cooperação com o Governo e com personalidades múltiplas do mundo do Direito e dos maiores e melhores especialistas do Direito Penal e Processual Penal que aqui vieram, com todos nós, debater esta matéria -...

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - debate do qual pudemos, de resto, retirar consequências como aquelas que retirou o Prof.º Figueiredo Dias, que sublinhou, num desses momentos, que se mantém, no que diz respeito ao processo penal, a "estrutura basicamente acusatória, integrada por um princípio de investigação" e que, no entender do referido Professor, afinal de contas, com as soluções trazidas pelo Ministério da Justiça e o Governo, se regressou à pureza do modelo vigente (e não sou eu que o digo, estou apenas a citar o Prof. Figueiredo Dias),...

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... orientações, de resto, também elas aqui sublinhadas e aplaudidas pelo Prof. Costa Andrade, que, vindo da área política de onde vem, da vossa área política, é, seguramente, insuspeito na posição independente que tomou nestas matérias -...

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... eu tinha curiosidade, como lhe disse, Sr. Deputado, em compreender a posição do PSD, porque era essa posição de verdadeiro compromisso por alcançar uma solução consensual que, penso, o PSD devia clamar. Todavia, se o PSD não se revia suficientemente na proposta de lei do Governo, então, só teria um caminho a seguir: o PSD tinha o direito mas, sobretudo, o dever democrático, em nome

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da sua responsabilidade política, de nos ter aqui apresentado um projecto de lei de reforma do Código de Processo Penal para justificar positiva e construtivamente a razão de ser das suas divergências.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Não era má ideia!

O Orador: - Onde é que está a vossa iniciativa, Sr. Deputado Guilherme Silva? Ninguém a conhece! Por isso, não se tratou, até agora, de uma posição verdadeiramente empenhada.
Então, caberia - segundo aspecto do problema- conhecer a verdadeira e insanável divergência da posição do PSD. E nós descortinámo-la de alguma maneira quando, com surpresa geral, ouvimos, nas elucubrações teóricas do Sr. Deputado Guilherme Silva (socorrendo-se de uma citação, pressupus), que, afinal de contas, uma das questões que estava em causa, e que estaria gravemente comprometida na proposta do Governo, era o facto de não se reconhecer que o Ministério Público é uma instância que integra o poder executivo. E foi aqui que nasceu a nossa maior perplexidade.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Jorge Lacão, esgotou o seu tempo. Peço-lhe o favor de concluir.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Afinal de contas, a posição do PSI) é a expressão mais redutora,...

O Sr. José Magalhães (PS): - E a mais inconstitucional!

O Orador: - ... menos compreensiva e, socorrendo-me do que acabou de dizer o Sr. Deputado José Magalhães, mais inconstitucional de todas...

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Muito bem! Muito bem!

O Orador: - ..: relativamente à compreensão do papel das magistraturas no Estado de direito democrático.

O Sr. José Magalhães (PS): - Desde 1976!

O Orador: - É por isso - e assim concluo sob forma interrogativa - que o PS13 não apresentou iniciativa? É que o PS.D não é capaz de se situar de forma equilibrada, para dar soluções equilibradas à regulação dos problemas da justiça em Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, em primeiro lugar, quero dizer-lhe que esperava que V. Ex.ª tivesse concluído o seu raciocínio relativamente às posições doutrinárias do Dr. Costa Andrade e do
Prof. Figueiredo Dias para elogiar e reconhecer a nossa total independência, enquanto Deputados, relativamente às várias opiniões que auscultamos, com respeito aias com uma consciência de que a nossa função de Deputados se coloca acima dessas opiniões. A nossa interpretação do interesse nacional passa por várias auscultações, mas não se vincula mesmo a opiniões de companheiros, que merecem todo o nosso respeito e consideração. Não nos subjugamos nem a essas, nem às do Governo; apenas nos subjugamos àquelas que entendemos que, em cada momento, são as que encarnam o interesse nacional e os princípios e valores em que acreditamos. Espera que V. Ex.ª tivesse concluído reconhecendo que a minha posição é tributária dessa homenagem.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não o fez! Criticou-me por eu não ser seguidista de companheiros meus. Tenho o direito, e confirmo-lhe, que, enquanto Deputado, não tenho nenhum seguidismo a não ser o do interesse nacional.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas não pode ignorá-las!

O Orador: - Em relação às reformas, não me surpreende nada: V Ex.ª veio, mais uma vez, confirmar que este Governo e o seu grupo parlamentar querem que seja a oposição a fazer as reformas. Façam-nas os senhores! Nós temos propostas para apresentar se este diploma chegar à especialidade - não vamos deixar de o fazer -, mas não nos peça que sejamos sempre nós a tomar a iniciativa das reformas.

O Sr: Luís. Marques Guedes (PSD)-. - Assumam a responsabilidade!

O Orador: - Nós estamos sensíveis a esse apelo e, em 1999, vamos tomar o poder para esse efeito.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Não diga asneiras!

O Orador: - Em 1999, quando voltarmos a ser poder, vamos fazê-lo! Vamos fazê-lo! Os senhores insistem tanto que o vosso próprio eleitorado vai também ser sensível a esse apelo: "Deixem lá os homens do PSD irem para o poder para fazerem as reformas que os do PS não fazem!" Há-de lá chegar! Isso vai repercutir-se também no vosso eleitorado.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - É inacreditável!

O Orador: - Também lhe pergunto, Sr. Deputado: por que é que não ouve, não ausculta, não lê os autores que, quando fazem a análise da distribuição dos três poderes clássicos - legislativo, executivo, judicial - colocam, sem prejuízo da autonomia, o Ministério Público no âmbito do poder executivo?

O Sr. José Magalhães (PS): - No nosso sistema constitucional?!

O Orador: - Sim, senhor. Quer que lhe traga...

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - É inacreditável!

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Protestos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, têm de fazer silêncio para que o orador se faça ouvir.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Não acredito no que estou a ouvir!

O Orador: - É um órgão que colabora na execução da justiça, mas com autonomia própria... Eu trago-lhe já, daqui a 5 minutos, uma tese universitária que é muito clara a esse respeito, e que não é a única!

Protestos do PS.

Aliás, as vossas posições na revisão constitucional estão perfeitamente consonantes com esta ideia. Agora é que os senhores estão a recuar! E é pena que seja o Sr. Deputado Jorge Lacão a fazê-lo!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Isto é uma "peixeirada"!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados, vivemos num momento de crescente protagonismo social e político da justiça: notícia sobre tribunais, juízes, magistrados do Ministério Público, investigadores das polícias criminais todos os dias ganham notoriedade no panorama mediático.
Este novo espaço público do intervencionismo judiciário ocorre, no entanto, mais no domínio criminal do que nos domínios civil, laboral ou administrativo. Não só pela dramaticidade social deste espaço de conflitualidade cívica mas, ainda, porque no espaço criminal se confrontara radicalmente quer as legitimidades dos cidadãos, entre si, quer as legitimidades dos poderes políticos, nestes incluídos os tribunais.
A independência que é de exigir aos tribunais não vive, porém, de uma autonomia corporativa dos seus membros, designadamente dos juízes, mas de uma imparcialidade, de que aqueles são condição, instruída por regras de procedimento e processo que realizam os objectivos constitucionais do sistema democrático.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Com a Constituição da República de 1976, abriu-se espaço a um novo ordenamento jurídico-penal, o qual veio a conformar-se num novo Código Penal, entrado em vigor em Janeiro de 1983, e um novo Código de Processo Penal, vigorando a partir de Janeiro de 1988.
Passados cerca de 10 anos, tem lugar este debate legislativo cujo primeiro impulso parlamentar teve origem na proposta de lei do Governo. Antes de concretizar esta iniciativa legislativa, o Ministro da Justiça, que saúdo vivamente pela iniciativa legislativa, constituiu uma Comissão para a Reforma do Código de Processo Penal, em Março de 1996, presidida pelo Professor Germano Marques da Silva. Esta Comissão veio a formular diversas propostas, as quais foram posteriormente reelaboradas pelos responsáveis do Ministério da Justiça, após o que se seguiu discussão pública e, finalmente, a sua apresentação na Assembleia da República, em Dezembro de 1997.
A especificidade do procedimento parlamentar e a sua natureza de instância de deliberação política e legislativa definitiva não prescindiram nem prescindem, no entanto (sem que esta especificidade de órgão deliberativo político deixe de ser realçado), da informação técnica e especializada, inerente a uma opção documentada e esclarecida.
Nesse sentido, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, ainda antes deste momento do processo de debate da proposta de lei na generalidade, era Plenário, promoveu uma audição parlamentar sobre a Revisão do Código de Processo Penal, tendo recolhido a participação altamente relevante de entidades como: o Procurador-Geral da República, o Bastonário da Ordem dos Advogados, o Conselho Superior da Magistratura, o Conselho Superior do Ministério Público, o Director-Geral da Polícia Judiciária, a Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses, os Sindicatos dos Magistrados do Ministério Público, a Associação Portuguesa dos Direitos do Cidadão, o Fórum Justiça e Liberdades, a Associação Portuguesa das Mulheres Juristas e do próprio Ministro da Justiça.
A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias realizou ainda, com vista a um procedimento legislativo amplamente discutido e participado, e a identificar as mais consistentes referências doutrinais e as melhores soluções legislativas, uma Conferência Parlamentar, com as presenças dos Professores Figueiredo Dias, Mireille Delmas-Marty, Costa Andrade, Teresa Beleza, Germano Marques da Silva e Anabela Rodrigues.
A proposta de lei que temos em debate procura responder, assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, às insuficiências, entretanto detectadas na aplicação do Código de Processo Penal, insuficiências essas que poderão ser aferidas a partir da litigação penal, isto é, a partir da apreciação e do estudo dos dados da criminalidade judicializada.
O problema da morosidade da justiça constitui, num regime democrático, "um importante interface entre o sistema judiciário e o sistema político", porquanto a celeridade processual é uma vertente nuclear do direito fundamental de acesso à justiça e, provavelmente, a que mais fragiliza a realização desse direito de acesso.
Deixando de lado a morosidade provocada, importa reter as considerações de Boaventura Sousa Santos, em "Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas", que a superação da morosidade legal exige a reforma das leis substantivas, processuais e da organização judiciária.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Ao analisar a aplicação do Código de Processo Penal na óptica da morosidade legal, são-lhe apontados como suas principais causas o sistema da contumácia

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dos arguidos revéis e o sistema de adiamento de julgamentos, os quais encontram a sua fragilidade, segundo este estudo, sobretudo pelo facto de o Estado não dispor de recursos tecnológicos, de modo a controlar a "morte civil do arguido" ou, no sistema de adiamentos, pelo recurso incontrolado a atestados médicos, como justificação de falta, pela precariedade dos meios de notificação ou ainda pelo sistema de conexão processual.
O Código de Processo Penal revisto vete, assim, dar resposta a estas questões, designadamente ao tornar possível o julgamento do arguido na ausência deste, desde que sujeito a terno de identidade e residência, isto é, notificado da acusação e de que o seu desaparecimento legitimará a notificação edital e a realização da audiência na sua ausência. O Código de Processo Penal, ao responder a um dos trais gritantes factores de descredibilização e não realização da justiça penal, não deixa de garantir o direito constitucional de defesa do arguido e de assegurar, quando admite a renúncia ao direito de comparecer, a salvaguarda do mínimo de garantias essenciais, as quais não precludem o direito de um novo julgamento, por recurso do arguido, se este for condenado com crime punível com pena de prisão superior a cinco anos.
Importa, em qualquer das soluções, apurar, na especialidade, que os direitos de defesa sejam salvaguardados em geral, independentemente da medida da pena, desde que o arguido possa obter um novo julgamento a que não renunciou, onde seja ouvido sobre o bem fundado da acusação em matéria de facto e de direito.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Permitam-me que seleccione, para reflexão, ainda alguns pontos nodais e controversos do processo penal.
O debate público e. as diversas audições realizadas permitem-nos identificar uma concordância doutrinária e empírica dominante em relação ao modelo estruturante do processo penal, constante da versão originária do Código de Processo Penal de 1987.
O modelo processual adopta uma estrutura acusatória, com princípio de investigação, dirigida à procura da verdade, cote precisa delimitação das funções do Ministério Público, do juiz de instrução, do juiz de julgamento e da posição processual do arguido, numa estrutura processual que estabelece a necessária separação entre a entidade investigadora (acusação) e a julgadora.
O modelo processual penal caracterizado por "uma estrutura basicamente acusatória, integrada por um princípio de investigação", mantém a sua pureza original após a revisão, diz Figueiredo Dias.
O modelo processual vigente tem, assim, como finalidade, para seguir a leitura do Figueiredo Dias, por um lado, "a realização da justiça e a descoberta da verdade", para conferir efectividade à pretensão punitiva do Estado, por outro, "o restabelecimento da paz jurídica comunitária", posta em causa pelo crime e pela violação da norma, e, finalmente, "a protecção dos direitos fundamentais das pessoas face ao Estado", nomeadamente do arguido.
Ora, nesta linha de entendimento, e conclusivamente, para citar Figueiredo Dias, "o erigir qualquer uma das finalidades conflituantes em finalidade única (...)" - como foi feito na intervenção anterior - "(...) ou mesmo absolutamente determinante da estruturação do processo coloca-o em conflito irremediável com os mandamentos do Estado de Direito".

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - A investigação criminal passa a ser dirigida, neste projecto de lei e neste processo, pela Magistratura do Ministério Público, integrada no poder judiciário,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... a qual colabora no exercício desse poder através do exercício da acção penal e da iniciativa de defesa da legalidade democrática.

O Sr. José Magalhães (PS): - É assim em Portugal!

O Orador: - Ao Ministério Público cabe dirigir o inquérito - a fase dç investigação por excelência - e deduzir a acusação, a qual obedece a critérios de legalidade e objectivada de.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Ao juiz, na fase instrutória do julgamento, cabe a reserva de jurisdição, especificamente a "reserva de juiz", uma reserva total na função jurisdicional quanto a actos, medidas ou penas restritivas da liberdade ou globalmente de natureza criminal.
Ora, neste quadro, afirma-se, desde logo, a identificação de um sistema de dependência funcional, e não apenas de separação de funções, das polícias de investigação criminal face à entidade detentora da direcção da investigação, que é o Ministério Público. E isto sem prejuízo de um espaço próprio de dependência organizativa, administrativa e disciplinar das polícias face ao Executivo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Essencial!

O Orador: - Não é ainda desprezável, por sua vez, o significado das recentes alterações constitucionais, que atribuem ao Ministério Público a sua participação na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania (artigo 219.º da Constituição).

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Como anotam ilustres intérpretes do texto constitucional, se, por um lado, esta definição aponta para a evidência da definição da política criminal e de prioridades de investigação criminal pelos órgãos de soberania, maxime pelo Governo e pela Assembleia da República, por outro, não deixa de colocar uma difusa zona de participação na execução. Como nos diz Gomes Canotilho, "a já referida participação do Ministério Público na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, embora se possa considerar um `corolário lógico' das competências constitucio-

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nais do Ministério Público, não deixa de criar algumas zonas de incerteza nas relações entre o executivo e o judiciário", que importa aprofundar.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - A revisão do Código de Processo Penal abre-nos ainda, mais nitidamente, o espaço e o tempo para a definitiva clarificação interpretativa das funções não conciliáveis entre o juiz de instrução e o juiz do julgamento, pondo termo a ambiguidades que toldam a. exigível imparcialidade subjectiva do julgador que intervém em fase de inquérito, na fase da instrução e, posteriormente, na fase do julgamento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É questão recorrente, no debate do processo penal entre nós, a natureza e extensão da aplicação da medida da prisão preventiva. A Constituição da República proclamou a natureza excepcional da prisão preventiva, a qual tem de compaginar-se, na sua aplicação, com a ideia da presunção de inocência daqueles a quem é residualmente aplicada.
A dimensão da sua aplicação na generalidade dos países europeus levou a que, recentemente, a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa recomendasse um recurso mais limitado às penas de prisão, por exemplo, praticando uma política de penas de substituição e de redução das penas, designadamente com o recurso ao controle electrónico è à vigilância intensiva, bem como a sanções e medidas administrativas e económicas...

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... e lembrando que o número de pessoas que estão na prisão à espera de julgamento é um número apreciável, na generalidade dos países europeus, em relação à população prisional. Em Portugal, é de cerca de um terço, o que é notoriamente desproporcionado e acelerador da degradação das condições prisionais.
O carácter excepcional da prisão preventiva, a qual não pode constituir uma condenação prévia ou preventiva, não é harmonizável com qualquer solução que inverta, como a do artigo 209.º, a lógica da excepcionalidade da prisão preventiva face à da liberdade do cidadão. O uso, em qualquer circunstância, da prisão preventiva é que impõe, em qualquer circunstância, a fundamentação do acto, e não o inverso.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Bem observado!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O segredo de justiça "mantém-se na fase de inquérito até à decisão instrutória, mas pode a pedido das partes ou das 'pessoas postas em causa' pela violação ou reserva, ser afastado pela respectiva autoridade judiciária competente, para esclarecimento público, abrindo-se (... )" - como o Sr. Ministro tem dito - "(...) as janelas da publicidade", para restabelecimento da verdade e sem prejuízo para a investigação.
Creio que estamos, uma vez mais, com estas propostas de alteração legislativa, no bom caminho para, sem prejuízo dos objectivos de investigação, sermos capazes de compatibilizar as garantias de defesa do arguido e a exigência de novas
racionalidades no processo penal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A celeridade da justiça penal não se faz à custa da justiça, mas serve-a, quando se adoptam soluções de processo simplificado que contribuem para á eficácia da punição e dá política criminal, sem pôr em causa ou fazer-se à custa das garantias de defesa do arguido.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - O tratamento célere e simplificado da pequena criminalidade deve ajustar-se, assim, a uma precisa ,decantação de soluções onde o processo equitativo possa emergir como garante da defesa, mas sem garantismos dilatórios que negam, objectivamente, a finalidade e a racionalidade do processo penal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O processo penal, e a realidade aí está para no-lo, mostrar, não pode contentar-se, porém, com uma concepção simples, que se baste com o acompanhamento da abertura da fase judiciária da acção penal e termine com acção penal do julgamento executório. Há um "antes" e um "depois" que exige clarificação rigorosa e precisa. O inquérito das polícias ou um não inquérito de inquirição, a execução das sanções e a apreciação das fórmulas da apreciação do comportamento prisional têm de ser reexaminados. As garantias de defesa dos cidadãos e a sua harmonização com a eficácia da investigação criminal não podem abrir brechas por onde possa entrar o arbítrio ou o arbitrário do casuísmo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Os critérios da legalidade e da objectividade são o melhor garante da imparcialidade e da isenção exigível à justiça.
Alei e a garantia judiciária são os pilares do processo penal num Estado de direito. Da qualidade jurídica das formulações do processo penal, agora em revisão, da sua precisão e previsibilidade vai depender, em grande medida, o exercício efectivo de direitos fundamentais.
O debate que estamos a travar situa-nos no âmago do conflito entre a liberdade e a segurança. Uma justiça mais eficaz e mais segura, sem concessões ao corporativismo judiciário ou à politização da justiça, é sempre mais respeitadora dos direitos do cidadão e dos cidadãos. É esse o nosso caminho.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Temos hoje em debate dois diplomas, cuja análise tem de ser feita conjuntamente para permitir avaliarem que sentido entende o Governo usar um dos instrumentos, e é apenas um dos instrumentos, de combate à criminalidade - o Código de Processo Penal -, mas deste não pode dissociar-se a análise das soluções constantes do Estatuto do Ministério Público.
O Governo mantém, e reforça mesmo, o modelo constante do Código de Processo Penal de 1987. Deverá apurar-se é se as soluções vão todas no sentido correcto.

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Importará saber, a respeito da Lei Orgânica do Ministério Público, até onde vai o Governo na definição da autonomia do Ministério Público, isto é, se o desenho do modelo de Ministério Público corresponde às exigências de um Ministério Público dirigindo a investigação criminal, a cargo das polícias, agindo estas na dependência funcional daquele.
Importa saber se as alterações pretendidas cumprem, simultaneamente, os objectivos de combater a criminalidade, nomeadamente a altamente organizada, aquela que, insidiosa e impunemente, mina os esteios da democracia.
Mas, simultaneamente, também se tem de averiguar se os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, vítimas e arguidos, têm na legislação processual penal as garantias suficientes dos seus direitos fundamentais.
É necessário que se reconheça que, pouco e pouco, se chegou a determinado modelo, em que muito pesou a crise da justiça penal, o surto de novos e sofisticados fenómenos de criminalidade, próprios de uma sociedade a contas com um neoliberalismo selvagem, geradora de factores criminógenos entre os possidentes e que estrebucha sem meios para combater esses novos e sofisticados fenómenos, que, como um polvo, se alimentam da diminuição dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Somos atirados, assim, para modelos em que às garantias dos direitos fundamentais dos cidadãos se sobrepõem critérios de eficácia e oportunidade, com aqueles tornadas conflituantes, em nome da segurança que os cidadãos reclamam.
Isto porque não se tomam medidas a montante e a jusante, porque, em nome do neoliberalismo, se esqueceu, a montante, que a democracia tem várias vertentes - a económica, a social e a cultural - e que é a democracia, na sua plenitude; que eficazmente combate a criminalidade, a grande criminalidade, que vive do seu enfraquecimento, e, numa sociedade em crise, a jusante da intervenção da justiça penal, se cria um conflito artificial, fomentado por alguns, entre-a segurança dos cidadãos e a reinserção social do condenado.
No meio disto, situa-se a máquina judiciária, e quase que só a ela se exige que garanta a segurança dos cidadãos.
O modelo processual penal é acossado e, em nome do que dizem ser um excessivo garantismo, vamos fazendo alterações que sempre, teoricamente, encontram justificação, mesmo às vezes para cercear os direitos das vítimas, como aconteceu com o sistema de reparação das vítimas de crimes vazado no actual Código de Processo Penal.
Em nome da pureza do princípio da adesão, deixaram-se milhares de vítimas sem ajusta reparação que, no Código de Processo Penal de 1929, lhes estava garantida.
Salienta-se, desde já, como positiva, a alteração que, nesta matéria, o Governo propõe para o novo Código de Processo Penal.
Em nome da eficácia, foi enfraquecendo a figura do juiz de instrução, surgido, no modelo processual penal, como garante dos direitos, liberdades e garantias.
Acusada a falência dos juízes de instrução, criou-se o modelo de direcção da investigação constante do actual Código de Processo Penal, para o triunfo do qual se reivindicou - e nós reivindicámos - como necessário dotar o Ministério Público de verdadeira autonomia, dotá-lo dos meios técnicos e humanos necessários para verdadeiramente dirigir a investigação criminal, sem o que se corriam riscos de policialização da mesma, com todos os perigos inerentes.
A entrega da direcção da investigação ao Ministério Público, magistratura que, muito justamente, reivindicava a consagração constitucional da sua autonomia, indispensável a quem, pela própria Constituição, tem o estatuto de defensor da legalidade democrática, entrou no texto constitucional através da revisão de 1989.
Já aqui nos referimos aos projectos em que três partidos propunham, de facto, uma alteração, em obediência à autonomia do Conselho Superior do Ministério Público. Nós, em sede de especialidade, iremos apresentar uma proposta de alteração - e adie irei-me que o Sr. Ministro da Justiça, dada a posição do Grupo Parlamentar do PS nesta matéria', não a tivesse proposto - que, de facto, a Magistratura do Ministério Público também reclama.
Chegados ao ano de 1998, e depois de rejeitadas propostas do PCP para á revisão constitucional, de facto, impunha-se que se tivesse tomado outro rumo. E esta alteração não será de somenos importância na análise das propostas de lei, nomeadamente na análise da proposta relativa ao Estatuto do Ministério Público.
A questão da autonomia não é de somenos importância na reflexão sobre a constituição do Departamento Central de Investigação e Acção Penal.
Vem justificada a criação deste departamento com o facto de o Ministério Público, para verdadeiramente dirigir a investigação em crimes de grande complexidade, necessitar de concentração de meios que o municiem em relação à criminalidade altamente organizada. Esta foi, aliás, a justificação para a criação do NAT.
Como tive ocasião de assinalar durante os debates prévios, a proposta constitui um modelo de Ministério Público um tanto diferente daquele por que vínhamos clamando: não é, no entanto, um modelo completamente diferente, porque os meios proporcionados ao Ministério Público, com a criação do DCIAP, tornam possível o exercício de uma verdadeira direcção da investigação criminal, investigação que continuará a cargo das órgãos de polícia criminal, nomeadamente à Polícia Judiciária, a quem, aliás, devem também ser concedidos meios, que não têm, para a investigação de crimes de extraordinária complexidade.
Sem os meios, que é justo prever que o DCIAP proporcionará, teremos um Ministério Público completamente desmuniciado, apondo assinaturas em volumosos processos, sem poder, de facto, dirigira investigação criminal, mas também é necessário que se responda, do lado da magistratura judicial, com um juiz do processo, um juiz de instrução, que não ponha também o seu visto sobre o trabalho do Ministério Público.
A verdade é que os juízes de província não têm capacidade nem meios para os volumosos processos - não sei se haverá muitos pendentes - relativos, por exemplo, à criminalidade de branqueamento de capitais.
No entanto, temos algumas reservas em relação aos quadros do DCIAP. E temos reservas, porque, como, aliás, anotei no relatório que apresentei na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, os lugares do DCIAP são por nomeação em comissão de serviço, por três anos, renovável. Ora, muito embora a questão das directivas

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a que tem de obedecer o Ministério Público venha, agora, na proposta, consideravelmente melhorada, havendo uma maior transparência, muito embora o Ministério Público possa recusar obedecer a ordens ilegais e apresentar essa recusa, a verdade é que se trata de uma magistratura hierarquizada e creio que, face a isto, pode ir-se mais longe na concessão de autonomia ao Ministério Público e deverá rever-se essa questão das comissões de serviço renováveis para os lugares do DCIAP, com que não estamos de acordo.
Relativamente ao Código de Processo Penal, já coloquei aqui algumas questões - e não são todas - e, em relação a todas as críticas que têm sido dirigidas, embora não concorde com todas, reconheço alguma justiça em algumas. Quero, no entanto, dizer que, depois daquilo que referi em relação à criminalidade, ao seu fomento e à segurança dos cidadãos, nos encontramos, nesta altura, perante uma de duas opções: ou aceitamos, em relação a determinada criminalidade, processos abreviados para aproximar o momento da prática do crime do da decisão, de modo a que os cidadãos sintam que a justiça penal funciona, ou, então, vamos sossobrar - e é dramático, que só nos sejam colocadas estas duas opções - perante aqueles que vêm reclamando penas cada vez mais graves, sendo através disso que querem fazer sentir aos cidadãos essa segurança. Porém, de facto, tal não conduza isso:
Perante estas duas opções, creio que se justifica o processo abreviado, mas com algumas cautelas, porque não tenho dúvidas de que estes processos abreviados configuram a justiça dos pobres, daqueles que não têm artifícios e não podem esconder a sua criminalidade, como o fazem os agentes do branqueamento de capitais. Vamos, então, ter esta justiça célere e a mão do juiz cairá rapidamente sobre os primeiros, contrariamente ao que acontecerá com eis segundos, que vão continuar, anos e anos, à espera de se sentar no banco dos réus.
Por isso mesmo, tenho algumas preocupações relativamente a uma questão que já coloquei, que é a de saber se, no processo abreviado, será a solução correcta o arguido não poder requerer a instrução, mas somente o debate instrutório. Então, ele não pode apresentar, para não ir a julgamento, as provas que tiver a alegar em sua defesa?! Parece-me que a solução não é justa. Como também me parece não ser justa e julgo que viola mesmo o princípio do acusatório - uma solução contida num dos artigos, que se traduz no seguinte: quando o Ministério Público faz um acordo em relação à pena e o juiz não concorda com ele, é esse juiz que não está de acordo que vai fazer o julgamento. Ora, aqui parece-me haver uma violação do principio do acusatório.
Colocam-se ainda algumas outras questões, que já referi em sede de perguntas e que se justifica que sejam analisadas na especialidade, como, por exemplo, a inadmissibilidade de recurso em relação ao despacho judicial que aprecia questões como a competência do tribunal e a própria falta de legitimidade do Ministério Público. Também tenho algumas interrogações acerca disto, como, por exemplo, o que consta do artigo 40.º, que, de facto, não vai no sentido do acórdão do Tribunal Constitucional.
O Prof. Figueiredo Dias louvou-se muito nesta solução do artigo 40.º, mas, se calhar, ela também não respeita o princípio do acusatório. Reconheço que poderá haver problemas em relação a arranjar juízes de instrução, reconheço que os
juízes de instrução se vêem agora remetidos a uma função passiva- é isso que o Prof. Figueiredo Dias diz, que os juízes de instrução devem ter uma posição passiva. Concretamente, não é essa a minha opinião, mas, de qualquer forma, em nome da eficácia... Só que a eficácia não justifica tudo e era bom que estas questões se pudessem resolverem sede de especialidade.
Sr. Presidente, o meu tempo está largamente excedido e agradeço-lhe ter-me concedido estes minutos, mas tratar de duas propostas de lei como estas em 16 minutos, que foi o tempo atribuído ao Grupo Parlamentar do PCP, é manifestamente "excessivo"...

O Sr. João Amaral (PCP): - É um processo abreviado!

A Oradora: - É efectivamente um processo abreviado! Se formos às actas, por exemplo, da Assembleia Nacional Francesa, verificamos que aí demorou-se uma série de dias a discutir a redução do horário de trabalho para as 35 horas, enquanto aqui nos contentámos com uma grelha de 15 ou de 20 minutos para a discussão da redução para as 4Ó horas e, neste caso, com 16 minutos. Mas, enfim, isto é um desabafo...
Não pude colocar todas as questões em relação ao processo penal, mas creio que deveria conseguir-se um diploma que reunisse algum consenso, que. não começasse com clivagens, mesmo no seio dos próprios tribunais. Não me parece que as questões que foram surgindo tivessem surgido como questões corporativas - sinceramente, não me parece nada disso. Não acuso nem os juízes nem o Ministério Público...

O Sr. José Magalhães (PS): - Nem nós!

A Oradora: - Isso já foi aqui referido pelo Sr. Deputado Alberto Martins na sua intervenção.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ª Deputada Odete Santos, a benevolência da Mesa também já está esgotada.

A Oradora: - Estas não são questões corporativas,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Também as há!

A Oradora: - ... são questões importantíssimas, que têm a ver com a independência da magistratura judicial, com a função do Ministério Público na direcção da investigação e com a função das polícias ao fazer essa investigação e, portanto, espero que consigamos fazer uma lei consensual.

Aplausos do PCP

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça e Srs. Deputados: Subo a esta tribuna para, em nome do PSD, apreciar a proposta de lei n.º 113/VII, relativa ao Estatuto do Ministério Público.
Era não só esperável como exigível que esta iniciativa legislativa tivesse em conta a recente revisão constitucional.

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Em vão! A presente proposta de lei não dá a mínima expressão às exigências da letra e do espírito da Lei Fundamental, nem utiliza a margem de conformação que a Constituição revista reserva ao legislador ordinário, para aplicação e desenvolvimento das correspondentes opções fundamentais.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Ou não leu a proposta de lei ou não leu a Constituição!

O Orador: - Objectivamente, uma, de duas: a proposta de lei ou foi feita antes da revisão constitucional ou passou por cima da Constituição revista, fazendo dela letra morta,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Não sabe o que está a dizer!

O Orador: - ... por o Governo não concordar com o resultado constitucional alcançado.
Qualquer das hipóteses se lamenta, qualquer das hipóteses se reprova: onde o legislador constitucional quis um travão para evitar excesso de concentração de poderes e funções do Ministério Público, o legislador ordinário pretende agora um acelerador, numa sorte de contra-reforma ou contra-revisão.
O problema é de política legislativa. Política legislativa no coração do Estado de direito democrático, tributário do pensamento revolucionário da divisão e interdependência de poderes no combate ao absolutismo, tributário da herança republicana de igual sentido.
A construção do Estado de direito tem de ser colocada acima da conjuntura e o debate deve ser distanciado das pessoas e titulares de cargos, a quem todos devemos consideração e respeito e por quem muitos ternos mesmo estima pessoal.
São três as benfeitorias da última revisão constitucional, que importa trazer hoje aqui à colação: ao Ministério Público compete "(... ) participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania (...)" (artigo 219.º, n.º 1); ao Ministério Público compete "(...) exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade (...)" (artigo 219.º, n.º 1); "o mandato do Procurador-Geral da República tem a duração de seis anos (...)" (artigo 220.º, n.º 3).
Pasme-se! Nenhuma, mas mesmo nenhuma, destas três importantíssimas inovações encontrou tradução na proposta de lei em debate.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Mas do que é que está a falar?!

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Esta é boa!

O Orador: - A participação do Ministério Público na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania respeita ao delicado Estatuto do Ministério Público em face do executivo, que, por ser delicado, não pode deixar de ser enfrentado, não sendo legítimo a ninguém "lavar as mãos", como Pilatos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Fica claro e inequívoco que, primeiro, a definição da política criminal cabe exclusivamente aos órgãos de soberania e que, segundo, o Ministério Público apenas participa na execução da política por aqueles traçada.
Porque a definição da política criminal cabe exclusivamente aos órgãos de soberania, deve o Ministro da Justiça poder dirigir ao Procurador-Geral da República instruções de ordem genérica, no âmbito das atribuições do Ministério Público. De outro modo, o Ministério Público não poderia saber qual a política criminal definida pelo Governo ou aprovada pela Assembleia da República em cuja execução tem de participar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por exemplo, os órgãos de soberania definem como prioritário da política criminal o combate à droga, à pedofilia ou à corrupção e o Ministro da Justiça tem de poder transmitir instruções de ordem genérica para que essa prioridade seja tida em conta na repressão penal.
É evidente que instruções de ordem genérica não põem em causa a autonomia funcional e orgânica do Ministério Público, não colocam este na dependência hierárquica do Governo. As ordens ou instruções de ordem específica do Governo, relativamente às acções penais, ë que afectariam a autonomia do Ministério Público constitucionalmente garantida. E estas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o PSD não as defende nem nunca defendeu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Que fique bem claro e não reste dúvida para ninguém: o PSD não quer o Ministro da Justiça a transmitir ao Ministério Público instruções de ordem específica nas acções penais. Todavia, de acordo com o novo texto constitucional, ao Ministro da Justiça tem de caber o poder de transmitir ao Procurador-Geral da República instruções de ordem genérica no âmbito das atribuições constitucionalmente cometidas ao Ministério Público, de participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ora, desta incumbência constitucional não se encontra rasto no artigo 80.º, relativo aos "Poderes do Ministro da Justiça", nem em qualquer outro preceito da proposta.
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça e Srs. Deputados: A segunda benfeitoria da revisão constitucional foi a de precisar que, ao Ministério Público, compete exercer a acção penal "orientada pelo princípio da legalidade".
Este acrescento evidencia que o exercício da acção penal constitui para o Ministério Público um poder-dever vinculado, não um poder-dever discricionário ou poder dependente de um juízo de oportunidade.
Ora, se o princípio da legalidade no exercício da acção penal foi constitucionalizado, não se entende a omissão da proposta de lei, que mantém inalterada a alínea b) do artigo 3.º da lei vigente, a qual atribui ao Ministério Público a competência para "exercer a acção penal", sem mais.

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Sr. Presidente, Sr. Ministro e Srs. Deputados: A terceira benfeitoria da revisão constitucional foi a da fixação de prazo para o mandato do Procurador-Geral da República. Assim, se foi ao encontro da ideia de que, em democracia, o exercício de altos cargos públicos ou do poder político não pode ser indefinido, intemporal, eterno ou vitalício, quer isso resulte expressamente da lei, quer resulte das circunstâncias de que a mesma lei faça depender a cessação de tais cargos ou funções.
Significativamente, a proposta de lei orgânica do Ministério Público nada diz sobre o horizonte temporal do exercício do cargo de Procurador-Geral da República.
O. Processo Penal português assenta numa estrutura acusatória e no princípio da investigação do juiz. Neste modelo, o inquérito é dirigido pelo Ministério Público, a instrução é da competência de um juiz e o julgamento caberá a juiz diferente do da instrução. Quem investiga não acusa, quem acusa não julga, forma de assegurar todas as garantias de defesa.
Dirigir o inquérito não é o mesmo que realizar ou executar a investigação criminal. Esta é realizada ou executada pela polícia criminal, sob a direcção do Ministério Publico, que excepcionalmente a pode avocar, modelo este em que a Polícia Judiciária tem desempenhado com competência e eficiência as suas funções de investigação e se tem prestigiado aos olhos dos portugueses.
O que ressalta da proposta de lei? Nela perpassa a aceleração da concentração de poderes de investigação criminal no Ministério Público, a ponto de permitir a leitura - leitura perversa, com certeza - de que o Ministério Público quer também ter uma polícia ou ser uma polícia.
No mínimo, existirá uma duplicação de funções, tradicionalmente próprias da Polícia Judiciária, a antever grande conflitualidade.
Ora, governar é antecipar, governar é prevenir. Este Governo não antecipa soluções para prevenir conflitos no tripé em que assenta o processo criminal: Polícia Judiciária, Ministério Público e Magistratura Judicial. Neste domínio, como noutros, o Governo não governa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em primeiro lugar, pela proposta de lei, compete ao Ministério Público "promover e realizar acções de prevenção criminal". Na lei vigente cabe ao Ministério Público promover e cooperarem acções de prevenção criminal. Vai muito além, pois, do poder de direcção e fiscalização que o Ministério Público deve ter sobre os órgãos de polícia criminal.
Em segundo lugar, cria-se o DCIAP - Departamento Central de Investigação e Acção Penal -, órgão de coordenação e direcção da investigação e da prevenção da criminalidade violenta, altamente organizada ou de especial complexidade, áreas até agora presumidas da competência da Polícia Judiciária.
Trata-se de concentração orgânica no Ministério Público de poderes de prevenção, investigação, inquérito e acusação, sem qualquer controlo externo ou heterofiscalização.
Em terceiro lugar, passa a competir ao procurador-geral distrital "coordenar a actividade dos órgãos de polícia criminal". Repropõe-se, assim, um debate já ocorrido na legislatura anterior, no qual a Assembleia rejeitou esse poder e aprovou a fiscalização pelo Ministério Público da actividade processual dos órgãos de polícia criminal. É que os órgãos de polícia criminal não são só isso; são ainda polícia em sentido administrativo, sob a inteira responsabilidade do Governo.
Em quarto lugar; o Ministério Público dispõe de serviços de assessoria, de consultadoria e de perícia. Ora, foi há pouco tempo aprovado na Assembleia da República o NAT Núcleo de Assessoria Técnica -, sem o poder de fazer perícias, como vinha proposto na proposta de lei então aqui apresentada.
Pretender-se-á agora reintroduzir na lei orgânica o que esta Câmara, com a mesma composição, tão recentemente rejeitou? Tentar-se-á o "água mole em pedra dura"...?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A razão da rejeição mantém-se hoje como ontem: o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador.
No contexto da presente proposta de lei, dispor de serviços de perícia fecharia o arco de concentração de poderes e funções do Ministério Público, agora à custa do julgador, que aqui e agora, nesta Câmara, centro nervoso da democracia, o PSD denuncia e rejeita.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Deputado Calvão da Silva, já não sei se este é um debate relativo à reforma do Código de Processo Penal ou se é um debate de expressão da crise de identidade do PSD, designadamente quanto às políticas que, no domínio criminal, o PSD tem tido ao longo dos tempos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Estava a ouvir o Sr. Deputado Calvão da Silva e estava a lembrar-me dos tempos dos Ministros da Justiça, Rui Machete, Mário Raposo, Laborinho Lúcio, interrogando-me sobre o que é que eles estariam a pensar se, neste momento, estivessem a ouvir a intervenção do Sr. Deputado Calvão da Silva...

O Sr. José Magalhães (PS): - Estariam a corar!...

O Orador: - Sou levado a presumir que não estariam nada de acordo com aquilo que o Sr. Deputado disse!

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Exactamente!

O Orador: - Por exemplo, o que pensará o Sr. ex-Ministro Laborinho Lúcio, que tomou a iniciativa de propor que o Ministro da Justiça não tivesse a prerrogativa de estabelecer as recomendações dirigidas ao Ministério Público, quando

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agora o Sr. Deputado Calvão da Silva vem exigir essa medida de reforma, que, pela vossa própria mão, foi retirada do ordenamento jurídico em vigor?
.,ciando o Sr. Deputado Calvão da Silva disse que havia três aspectos relevantes da revisão constitucional que não estavam convertidos nas propostas em debate, eu tentei perceber.
Comecemos pelo último: o senhor disse que o estatuto do Procurador-Geral da República, relativamente ao seu próprio mandato, não tem agora consagração na ordem jurídica ordinária.
Sr. Deputado, á Constituição é estatutária e, sendo-o, é uma norma jurídica de primeiro grau na hierarquia das normas e vale por si própria. O que é que o senhor precisa de mais para saber, agora, qual é a natureza e o tempo do mandato do Procurador-Geral da República? Que coisa estranha, Sr. Deputado Calvão da Silva, esta sua interpretação constitucional...
Relativamente ao princípio da legalidade, se o Sr. Deputado meditar no modo como a disposição constitucional está escrita - e, já agora, permita-me que lhe diga que teve alguma responsabilidade nesta formulação -,...

O Sr. José Magalhães (PS). - É do projecto do PSD!

O Orador: - ... verá que do que se fala é de uma condução do Ministério Público, tendo em consideração o princípio da legalidade.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!

O Orador: - Ora, o princípio da legalidade, por sua vez, deve poder exprimir algumas possibilidades de juízo de oportunidade, de acordo com o princípio da legalidade. Foi este aspecto que o Sr. Deputado Calvão da Silva não percebeu e por isso veio aqui dizer "sim" e "não" ao mesmo tempo.

O Sr. José Magalhães (PS): - O Marques Guedes não lhe explicou!

O Orador: - Se não, vejamos: por um lado, diz que o Ministério Público tem poderes a menos, não depende suficientemente do Executivo - que deveria conferir-lhe maior capacidade de intervenção -, e por outro lado, que tem poderes a mais, porque na gestão do processo pode introduzir algum critério de oportunidade, na avaliação desse mesmo procedimento criminal, de acordo com o princípio da legalidade, que lho faculta e lho permite; só que não o permite através de orientações discricionárias do Governo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - Aquilo que os senhores estão aqui a pedir, desde o princípio, é que haja soluções para, de forma discricionária, o Governo orientar as posições do Ministério Público.
Ora, esta posição não tem nada a ver com a própria tradição que os vossos ministros da Justiça, no passado, sustentaram nestas matérias. Por isso, vou terminar como comecei: isto já não é propriamente a posição do PSD relativamente à reforma do Código de Processo Penal, é, de alguma maneira, o desagregar das posições do PSD, que, neste momento, nestas matérias, revela não ter posição alguma.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - SR. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, não estou aqui a julgar ninguém, nem a si - como um dos autores da revisão constitucional, de que, pelos vistos, procura agora arrepender-se - ...

Risos do Deputado do PS Jorge Lacão.

... nem aos ministros, quer do meu quer do seu partido, no passado. Haja o primeiro que possa atirar a primeira pedra!...

O Sr. Alberto Martins (PS): - Nós não atiramos pedras!...

O Orador: - Penso que nem eu nem o senhor podemos, sequer, atirar a primeira pedra...
Em segundo lugar, o Sr. Deputado esquece-se ou procura não ter presente que de então para cá ocorreu, há pouco tempo, uma revisão constitucional e julgo que não foi por ter sido tão simples que o senhor saiu da liderança do seu grupo parlamentar...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Olha que conversa!

O Orador: - Em terceiro lugar, Sr. Deputado Jorge Lacão, se me diz que, pelo facto de o texto constitucional dizer qual o prazo do mandato do Procurador-Geral da República e fixar, como fixa desta vez, o princípio da legalidade no exercício da acção, isso dispensa passar tais disposições para textos ordinários, então, devo dizer-lhe que não percebe nada da arte de bem legislar, porque todas as leis ordinárias repropõem e redizem aquilo que de importante e fundamental está na lei constitucional. É esse o seu dever!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E se o senhor não quer que a nova lei ordinária o diga é porque teme que ela fique conjugada com a revisão constitucional. Isso não pode ser, Sr. Deputado! Toda a arte de bem legislar indica isso e o senhor, como jurista. deve sabê-lo ou, pelo menos, teve obrigação de aprender.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - O que o senhor está a dizer não é verdade!

O Orador: - Por último, Sr. Deputado, julgo que a matéria deve ser vista - como eu, aqui, tentei fazer - no centro da construção de um Estado de direito. Julgo mesmo que estes modelos são, todos eles, de difícil escoliação e de múltiplos e díspares interesses. Nunca se sabe qual é o melhor!...

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Em minha opinião, o legislador de 1975, os constituintes de então - alguns deles estão aqui - foram bem mais sábios do que nós, sobretudo na revisão constitucional de 1989.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, acabei de entregar à Sr.ª Secretária-Geral da Assembleia da República a resposta ao requerimento do Sr. Deputado Carlos Encarnação, que, afinal, só entrou à meia hora e não há 15 dias, como por duas vezes foi afirmado na Câmara...
Entregarei cópia dessa resposta a V. Ex.ª e solicito-lhe os seus bons ofícios para que os serviços, prontamente, encaminhem a resposta ao requerimento, pela tramitação habitual, para o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, acho extraordinário que o Sr. Ministro tenha sido tão pressuroso a acorrer aqui para dizer o que disse quando eu acabei de enviar ao Sr. Presidente da Assembleia não só o requerimento como as cartas que dirigi ao Sr. Ministro e as cópias dos protocolos recebidos pelo Gabinete do Sr. Ministro, com as informações que eu solicitei e em relação às quais - e digo-o mais uma vez - o Sr. Ministro fez aqui uma triste figura, porque tinha acabado com tudo isto cumprindo aquilo a que, ele próprio, se comprometeu, quando disse que me enviaria, imediatamente, em mão, o inquérito a que tinha tido acesso.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Essa é boa! Ainda passa a acusador!...

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, gostava que não reabríssemos uma questão, que é lateral quando estamos a debater o Código do Processo Penal.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, era precisamente para interpelar a Mesa sobre essa questão, pois estou interessado no debate sobre o Código do Processo Penal e creio que o Sr. Presidente também,...

Aplausos do PSD.

... de modo que peço que regressemos ao debate.

Aplausos do PSD.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, apenas para dizer e para que fique registado que o Governo respondeu em meia hora ao requerimento, a partir do momento em que ele deu entrada.
E mais: sempre que o Sr. Deputado Carlos Encarnação quiser obter informações do Governo terá de pedi-las nos termos regimentais, porque não beneficia de nenhum tratamento de favor relativamente a nenhum dos seus 229 colegas Deputados.
Ficará também registado que, por respeito para com a Assembleia e porque não encontro termo adequado ao respeito do Regimento para qualificar as duas afirmações que durante a tarde fez até eu ter intervindo nesta Câmara, me eximo de o fazer.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Ministro, ia, exactamente, dizer a V. Ex.ª que, com todo e inquestionável respeito...

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, desculpe, mas deve dirigir-se ao Presidente da Mesa e não ao Sr. Ministro. Estamos no Parlamento e não no Conselho de Ministros.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Há ocasiões, como esta, em que temos o dever de esclarecerem profundidade o nosso próprio pensamento, com transparência e de forma suficientemente perceptível para todos, de modo a definir o caminho e as opções que pretendemos tomar e seguir como políticos, como governantes, como alguém em quem o povo português confiou, e sempre como entidades susceptíveis de poderem influir de forma determinante o agregado nacional, a entidade política e cultural autónoma que ainda formamos.
É por demais evidente que hoje tudo põe em causa tudo, que já nada é imutável ou sequer estável, que os valores são questionáveis e constantemente alteráveis, que o império do económico, e mesmo até do virtual, tudo controla e comanda.
É verdade que a crise de valores e a crise da cultura nacional, daquilo que nos é familiar, referencial e afectivo e que enforma a nossa personalidade colectiva, têm sido largamente encorajadas pelas organizações políticas dominantes e que, nos últimos anos, têm tido a suprema responsabilidade da governação do nosso país.

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É precisamente este aspecto que pretendo questionar e clarificar, sendo certo que a presente discussão pode ser, em minha opinião, uma das mais significativamente transformadores da nossa cultura jurídica, na justa medida em que versa sobre uma proposta das mais acutilantemente descaracterizadoras da nosso cultura do Direito, o mesmo será dizer do normativo essencial que, durante séculos, não só consolidou a nossa identidade colectiva como constituiu numa das mais poderosas forças gregária da nossa unidade cultural.
Concordaremos todos, sem esforço digno de nota que, o Direito, e muito em particular o Direito Penal, é a síntese normativa de um conjunto de valores culturais que, com algum carácter de intemporalidade e de validade universal na colectiva a que diz respeito, se afirmaram e se realizaram ao longo da História, não tanto da História dos acontecimentos como da história de valores, a história cultural, e por isso mesmo a História individualizadora.
E isto é tanto mais verdade e tanto mais responsabilizador para nós quanto é certo que no nosso país o problema cultural é dos mais preocupantes, infelizmente, e dos mais caracterizadores.
E falo em Direito Penal neste âmbito precisamente pela sua transcendente importância, pela imprescindibilidade da culpa no juízo de valor que lhe é incito e pela conformidade da pena com a gravidade da culpa, entendida, longe de um sentido formal, senão não haveria limite ao arbítrio do legislador, mas num sentido social e moral e de cuja síntese deve ser feita pelo legislador. A culpa jurídica é um conceito social e um conceito moral e não meramente uma criação legislativa.
É o Direito Penal que de entre todos os ramos de Direito melhor capta a integral idade, a riqueza, a pluridimensionalidade do acto humano. Daí a particular intimidade que o Direito Processual Penal tem com o Direito Penal material.
O que quer dizer, Sr. Ministro, que é precisamente na substância do Direito Penal que tem de se ver e de indagar da bondade das alterações hoje aqui por vossa excelência propostas.
Por tudo isto, o Direito Penal é sempre, e por excelência, o Direito dos interesses primeiros e fundamentais da sociedade e da coexistência social. O Direito Penal é o direito moral das sociedades civilizadas e é exactamente aqui que se exprimem e se defendem os valores sociais mais profundos e se coordenam as regras básicas de convivência.
Mas é também por tudo isto que, quando o Direito - e em particular o penal - é incerto, de difícil acessibilidade, quando a sua bondade intrínseca é duvidosa, a sua aplicação morosa, ineficaz e insuficiente, o efeito social que implica de desagregação, de desmobilização, de criação de sentimentos ferozmente individualistas, de revolta, de orfandade e de desprotecção, é rapidíssimo e sempre, sempre, muito perigoso.
Sintomaticamente e não obstante, na aparência, as sociedades europeias se afastarem, cada e cada vez mais, de qualquer sistema normativo, não restam grandes duvidas que as exigências que estas mesmas sociedades fazem do mundo do Direito são cada vez mais absolutas. Precisamente, talvez, por aquele sentimento de orfandade de que falava há pouco, consiste no facto de o cidadão tudo esperar da justiça, não só na determinação do justo como também de uma certa pedagogia, na determinação de certezas, de clarificação de ideias, de condutas, de marcar, afinal, o que é bem e o que é mal, o que pressuporá sempre, a par da excelência da lei, a transparência e o acerto do modo como essa excelência se revela e se aplica aos cidadãos.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: É nossa profunda convicção que um dos erros mais trágicos que se podem perpetrar nos tempos que correm é negar ao "mundo do Direito" o lugar institucional que lhe cabe nas sociedades; é negar-lhe a função da pedagogia cívica e cultural que tem que desempenhar; é negar-lhe o papel de criação da cidadania da justiça que tem de acontecer entre nós; é fechar os olhos às realidades e às verdadeiras aspirações dos portugueses, às grandes questões estruturantes que se colocam à justiça e a que ela tem de responder.
É assumindo as nossas verdadeiras responsabilidades e não fugindo delas, confundindo o que é acessório, e mesmo efémero, com aquilo que é essencial e estrutural.
É precisamente sobre isto que temos de clarificar o nosso pensamento.
Quais são de facto os verdadeiros significado e alcance da crise da Justiça em Portugal?
Quais as suas razões?
Qual a sua profundidade na sociedade portuguesa?
Quais os verdadeiros soluções?
Quem, efectivamente, tem vontade de resolver estes problemas, governando Portugal?
A função do Governo não pode ser outra senão a de seleccionar e de sintetizar as aspirações nacionais, averiguando a sua justeza profunda, da sua conveniência última, de forma a determinar as melhores soluções e integrar estas no quadro dos princípios gerais que informam o interesse colectivo.
A acção do Governo, Sr. Ministro, não pode ficar refém de um défice de assunção de responsabilidades, não pode ficar prisioneira de medidas "politicamente correctas" em detrimento da resolução dos verdadeiros problemas estruturais do País. Os interesses de Portugal não são só contas, estatísticas e números ou, melhor, estas só são problema na medida em que são instrumentos da resolução dos problemas verdadeiros da Justiça como o são: a qualidade da lei; a qualidade dos agentes do direito e a sua formação; a qualidade da administração da justiça; os meios de que esta dispõe para responder às solicitações dos portugueses. Enfim, um sistema normativo coerente e moral, um projecto mobilizador do futuro.
Há que assumir estes desafios na certeza de que só a sua resolução é pacificadora e, assim, denunciar situações e alternativas que, pese embora a possibilidade aparente de libertarem os tribunais de estrangulamentos vários, irão fazê-lo à custa do agravamento das tensões sociais na medida em que endossam para a sociedade civil esses mesmos problemas não resolvidos de forma satisfatória, lançando os tribunais, a médio prazo, no fulcro do descrédito total e da centrifugação da sociedade portuguesa.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: A crise da Justiça em Portugal é grave! É grave e é até mesmo uma realidade estruturante da nossa sociedade é da nossa identidade

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cultural.
Exigir-se-iam ao Governo soluções reais para problemas reais. É urgente que essas soluções apareçam.
Sr. Ministro, pequenos remendos, pequenas operações cosméticas não resolvem os graves problemas da Justiça portuguesa, antes os perpetuam e fortalecem.
Os portugueses não acreditam ri á Justiça portuguesa!
É urgente devolver aos portugueses confiança na justiça e coloca-la, efectivamente, ao serviço dos portugueses.
Neste quadro, que é grave, de solução difícil, que exige o esforço empenhado e persistente de todos os profissionais de justiça e dos próprios cidadãos, no quadro de uma solução fortemente consensual e mobilizadora, caberia ao Governo, ao menos por uma questão de mínima razoabilidade, apresentar hoje a esta Assembleia um conjunto de diplomas que contivessem virtualidades mínimas de serem um inicio de soluções definitivas para toda esta complexa problemática.

O Sr. José Magalhães (PS): - E então não o fez?!...

O Orador: - Já lá vamos.
A importância do momento não permitiria outra coisa. O anúncio feito nesta Câmara, há semanas, pelo Sr. PrimeiroMinistro, como a reforma das reformas, não faria supor coisa diferente.
Mas, muito pelo contrário, o Governo apresenta-se a defender nesta Assembleia estas duas propostas de lei num clima único de choque, de clivagem, de adversidade até, entre as duas magistraturas, as quais a bondade da reforma deveria, de sobremaneira, e mobilizar.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas isso é da responsabilidade do Governo?!...

O Orador: - Politicamente o Governo não acertou.
Politicamente o Governo perdeu.
Perdeu porque, por sua exclusiva responsabilidade, transformou duas propostas de lei no máximo divisor comum das duas magistraturas, vitimando, desde já e definitivamente, qualquer solução que em circunstância alguma pode prescindir do consenso e conjugação de esforços de todos.
Mas perde também pelo valor intrínseco das propostas. Assim, a proposta de reforma do Código Processo Penal mais não é do que a desresponsabilização do Estado e do Governo, como e enquanto legislador, pela administração da justiça.
A par de medidas virtualmente positivas, que removem situações que, presentemente, constituem inexplicáveis obstáculos da justiça penal, a sua implementação prática é, no entanto, susceptível de redundar, por timidez do figurino adoptado, numa decepção bem evitável. É o exemplo da possibilidade de julgamento na ausência do arguido.
Avança também com alternativas surpreendentes, surpreendentes por mal concebidas e surpreendentes por serem susceptíveis de conduzir a situações de ruptura.
Um caso paradigmático: o regime de processo sumaríssimo agora com aplicação a crimes com moldura penal igual ou inferior a três anos de prisão.
Imagine-se que há acordo entre o Ministério Público e o arguido a propósito da aplicação de determinada pena, mas que o juiz não homologa o acordo, fazendo seguir o processo para julgamento.
Sr. Ministro, qual é a situação do arguido ao ser julgado? Que julgamento vai acontecer? O que é feito do princípio constitucional da presunção de inocência ao julgar-se um arguido que implicitamente já confessou, não o querendo, e até já acordou com a medida da pena? O Estado já era mau parceiro económico, o Estado é mau pagador; temos agora a versão do Estado manhoso.
E ao invés, nos casos em que o juiz homologa o acordo entre o Ministério Público e o arguido, onde está a transparência, a pedagogia da justiça ao "acertar em gabinete" penas para crimes tão. graves como o são, por exemplo, o de abuso sexual de crianças, o de estupro com menores, os actos homossexuais com menores, a violação de domicílio com agravamento, a omissão de auxílio, o furto, a burla, o abuso de confiança, a usurpação de coisa imóvel com violência, etc.?
Entende-se este regime nos crimes de injuria e difamação, mas não se pode confundir celeridade processual com desresponsabilização do Estado na administração da justiça, patrocinando, desta forma, "negócios judiciais" formados demasiadamente longe dos portugueses.
Para nós, Sr. Ministro, o Direito Penal, pelos motivos expostos no início, é' um ramo demasiadamente sério para que possa tratado de forma demasiadamente leve. As bagatelas e os casos menores de criminalidade existem, em bom rigor. Nada em Direito Penal é de menor importância!
Mas a filosofia chave desta proposta é, exactamente, o uso excessivo da negociação, mesmo desprotegendo os direitos mínimos do arguido e dos cidadãos.
O processo sumaríssimo, o processo abreviado, o regime
de suspensão provisório do processo, o limbo da culpa, como há pouco referi, e o encorajamento da confissão.
Perante isto percebe-se agora, com clareza, o espanto e o aparente repúdio pelas nossas propostas de agravamento das penas por parte de V. Ex.ª: por causa dos direitos dos cidadãos e de uma determinada concepção de pedagogia cívica não é, uma vez que V. Ex.ª não hesita em fazer julgar portugueses despidos dos mais essenciais direitos reconhecidos. Será, seguramente, o terror de ter de suportar os custos de uma aplicação consentânea da justiça, mas susceptível de estragar os seus gráficos, os seus custos, as previsões do Governo.
A convergência nominal chegou à Justiça!
Mas chegou à Justiça com as piores implicações e consequências: o Estado enjeita as suas responsabilidades mais sagradas, que também são os seus deveres primeiros.
Por outro lado, com a proposta da lei orgânica do Ministério Público, conjugada com as novas atribuições daquela magistratura no projecto de revisão do Código de Processo Penal, acontece um dos maiores choques entre as magistraturas do Ministério Público, a judicial e, ainda, a Polícia Judiciária, que V. Ex.ª deveria ter sabido evitar. É claro o reforço do papel do Ministério Público pela sua nova estruturação e organização sem paralelo nos juízos de instrução e pelo aumento de poderes conferidos em sede de inquérito, na aplicação de medidas de coacção, de desjurisdicionalização do despacho de acusação, de determinação de medidas depena em tribunal singular e de outras mais.

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É certo que o Ministério Público continua a ser "parte interessada" no processo, como é certo que é legítimo e desejável proceder a alterações e mudanças na orgânica do Ministério Público e das suas funções processuais.
Não ignoramos a necessidade urgente de alterar o estado de coisas na justiça portuguesa, necessidade essa que não se compadece com interesses partidários ou de grupo, mas que tem de respeitar princípios e estruturas culturais.
Assim esteja o Governo disposto a reconhecer as imperfeições destas propostas, os erros de opção, e disposto a emendá-los.

Aplausos do CDS-PP

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): -: Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.- e Srs. Deputados: Tal como o Governo reconhece na exposição de motivos que acompanha a presente proposta de lei, não se visa com ela alterar o quadro normativo e institucional do Ministério Público, o qual está suficientemente estabilizado.
Do que se trata é de superar lacunas e disfuncionalidades emergentes, bem como do aperfeiçoamento do seu modelo de organização, estabilizado que está o quadro constitucional e institucional.
Na sua estrutura actual, o. Ministério Público tem como características essenciais a independência face ao poder judicial, autonomia de acção, a obrigatoriedade funcional, a estruturação hierarquizada, a responsabilização pela actuação processual, a adstrição ao dever de objectividade e a orientação da sua acção segundo o princípio da legalidade.
Naturalmente que a problemática própria do Estatuto do Ministério Público está também intimamente ligada à política criminal e ao seu instrumento por excelência, que é o processo penal, cuja alteração do respectivo Código, por iniciativa do Governo, está, também hoje, em discussão.
Como recentemente nos lembrou o Professor Figueiredo Dias: "Há uma política criminal quê, pese embora as mais respeitáveis idiossincrasias, particularismos e tradições nacionais e locais, se apresenta neste dealbar de um novo século, nas suas grandes opções e nos seus princípios directores, como a política criminal tipicamente decorrente das máximas do Estado de Direito. Uma política criminal definitivamente humana e secularizada, cindida de transcendência e que, tendo como limite irrenunciável o respeito pela eminente dignidade da pessoa humana, procura lograr a concordância prática entre uma lógica de justiça e uma lógica de produtividade ou da eficiência social e a maximização de cada uma delas."
O Ministério Público é hoje, claramente, um órgão de administração da justiça, obedecendo a sua actuação a critérios de estrita legalidade e objectividade, sendo que a última revisão constitucional consagrou o Ministério Público como representante do Estado e dos interesses que a lei determinar, bem como - com observância da sua autonomia e estatuto próprio e nos ternos da lei - a entidade que deve participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - É assim clara uma articulação do Ministério Público, enquanto entidade incumbida de definir alinha de orientação estratégica da criminalização, seleccionando os casos a que deve dar maior prioridade, optando pelos arquivamentos ou suspensão provisória, nos termos em que isso lhe é permitido, e as entidades constitucionalmente soberanas, encarregadas de definir a política criminal.
É óbvio que esta articulação não passa pela possibilidade, aliás manifestamente inconstitucional, de o Ministério Público ficar dependente, na sua actuação processual, das ordens ou directivas do Governo.
Assumimos, de forma clara e absolutamente inequívoca, a nossa discordância com tal modelo, não aceitando que a abordagem destas questões seja condicionada e viciada por aqueles que do Ministério Público continuam .ª ter a ideia de uma "força de bloqueio", facto que os impede de ter o necessário esclarecimento e objectividade para abordarem a presente problemática.
São os mesmos que clamam por reformas mas que, realmente, as não querem,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... já que apenas pretendem potenciar os impactos - que os há, como é normal por parte daqueles que por elas possamos ser atingidos. Estas são a coerência e a medida do interesse nacional que tais forças políticas prosseguem.
No que ao processo penal diz respeito, a reforma do có-
digo, agora também em apreciação. nesta Câmara reafirma e clarifica até o modelo do Ministério Público.
Ora, são precisamente a posição do Ministério Público no processo penal, o significativo aumento das solicitações e a evolução das características da criminalidade, que colocam hoje novas exigências ao Ministério Público, ao nível da organização e dos meios de acção e de apoio.
Se assumimos - e o PS e o Governo não têm, quanto a este aspecto, qualquer dúvida ou hesitação - que ao Ministério Público se atribui um estatuto de magistratura idêntico ao da magistratura judicial, vinculado a critérios estritos de legalidade e objectividade, há que assegurar também melhores condições organizatórias e novas atribuições capazes de oferecer a esta magistratura uma legitimação democrática susceptível de dar fundamento pleno à sua função.
Não obstante as atribuições mais significativas do Ministério Público verificarem-se no domínio do processo penal, ele tem competências nas áreas constitucional, cível, criminal, social, de menores, administrativa e tributária, em novas áreas sensíveis, como é o caso da defesa dos interesses difusos no âmbito do Direito do Ambiente, do consumo e do património cultural, para lá de uma importante intervenção no domínio do contencioso do Estado, bem como no reforço das garantias de legalidade no âmbito do procedimento administrativo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Convém não esquecer!

O Orador: - Esta diversidade de actuação do Ministério Público justifica, pois, que se proceda à reforma do estatuto

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do Ministério Público, por forma a que se consiga dar resposta às novas situações e problemáticas.
No âmbito criminal, a criação do Departamento Central de Investigação e Acção Penal reveste especial importância, isto para lá da expressão legal agora conferia aos já existentes Departamentos de Investigação e Acção Penal, vulgo DIAP's.
O DCIAP é instituído na dependência da Procuradoria-Geral da República, sendo concebido como um órgão de coordenação e de direcção da investigação e de prevenção da criminalidade violenta. ,
É nosso entendimento que a constituição deste Departamento, a par do Núcleo de Assessoria Técnica, será de extrema importância ao nível da coordenação da investigação, cada vez mais necessária e da prevenção da criminalidade violenta, altamente organizada e de especial complexidade.
O Estado de direito democrático também se constrói e solidifica defendendo-o daqueles que o violam e tentam debilitá-lo, deforma criminosa e organizada.
O facto de intervir apenas. em áreas específicas de criminalidade de especial gravidade, dispersão territorial e complexidade de investigação e, especialmente, quanto a crimes associados à criminalidade grave e altamente organizada e à criminalidade económico-financeira, não permite que a actividade futura deste departamento central possa ser extrapolado ou utilizado para fins diferentes daqueles expressamente previstos na lei.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs Srs. Deputados: Uma referência também para o segredo de justiça, o qual, nas modernas sociedades de informação, se tornou questão polémica, em que se joga, por um lado, o interesse da preservação investigaria e de tutela do bom nome e da privacidade do arguido que, não esqueçamos, se presume inocente e, por outro, o direito à informação.
Na presente proposta de lei o "dever de reserva", designação que parece preferível à de "dever de sigilo", é tratado de modo mais flexível, permitindo-se aos magistrados, quando superiormente autorizados, não cumprirem tal dever para defesa da honra ou para realização de outro interesse legítimo.
Um Ministério Público autónomo, tendo por base o modelo que tem vindo a ser adoptado e que com a proposta de lei do Governo, agora em discussão, se pretende ver reforçado e melhorado, constitui uma importante garantia para assegurar a igualdade dos cidadãos.
Defendemos um Ministério Público autónomo que, agindo em obediência estrita à lei, de modo objectivo e isento, impulsione a acção penal para que um juiz independente e imparcial aplique o direito, condenando o culpado e absolvendo o inocente.
Por isso a judicatura e o Ministério Público têm de ser servidos por magistrados que tenham uma só e a mesma profissão, que deve ser exercida com a mesma deontologia profissional e com a mesma autonomia, mas também duas magistraturas independentes, diferentes nas suas atribuições e competências, mas com idêntico estatuto e, por isso, também com igual dignidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Antonino Antunes.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado da Justiça, Srs. Deputados: Diz o Governo que é preciso "restituir a confiança dos cidadãos na Justiça Penal".
Diz o Sr. Presidente da Assembleia da República que "a Justiça Penal anda muito longe da realidade".
Dizemos nós que não é só a Justiça Penal que anda longe da realidade e dos portugueses. É também a Justiça Cível, a Justiça Administrativa, a Justiça Fiscal...
E esse cenário torna ainda mais desastroso o atraso com que esta reforma está a ser feita.
Mesmo admitindo que ela devia esperar pela revisão constitucional, já lá vai para um ano que esta foi concluída.
E, apesar de tudo, ainda lhe perdoaríamos hoje, Sr. Ministro da Justiça, se pudessemos concluir que esse tempo de mora foi aproveitado em benefício dos trabalhos preparatórios e da proposta de lei que nos apresentou.
Mas vemos que assim não é e que esta reforma, necessária e urgente, não é aquela de que o País precisa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Vai-se acabar com os múltiplos adiamentos da audiência por faltas sucessivas e incontroláveis do arguido?
Nós concordamos.
O regime de contumácia passa a ter carácter residual?
Nós concordamos e, aliás, já quisemos introduzir essas alterações antes de 1995, mas a Constituição não o permitia.
Vai ser criado um "processo abreviado" para o julgamento mais. rápido de determinados crimes?
Nós concordamos com a ideia e desejamos mesmo contribuir para a sua consagração como instrumento ao serviço da celeridade processual e da prontidão da Justiça mas sem diminuir as garantias de defesa.
Somos mesmo mais ambiciosos, na medida em que o associamos à responsabilização política dos órgãos de soberania quanto à definição de prioridades na eficácia do combate ao crime.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E seremos também tão cautelosos quanto necessário para evitar que o princípio não se desvirtue nem perca a sua pureza no emaranhado de outros interesses menos claros.
Vão ser restruturados o processo sumário e o processo sumaríssimo, de modo a conferir-lhes maior abrangência e introduzir-lhes algumas soluções inovadoras?
Não colocamos aí objecções de fundo, sem embargo de alertarmos, desde já, para a necessidade de muitos acertos e muitos ajustamentos.
Esta é, de resto, a nossa postura em relação a muitas outras alterações só aparentemente de menor relevo.
Mas, tudo visto e ponderado, chegamos à conclusão de que persiste uma divergência de fundo que nos obriga a assinalar a nossa demarcação.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: As grandes obras legislativas - como é o Código de Processo Penal de 1987 carecem sempre de ajustamentos que a aplicação à

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realidade, o tempo e as regras de experiência acabam por impor.
Mas é dever dos responsáveis assegurar que as revisões se façam com mérito, com profundidade e independência, obedecendo a parâmetros jurídica e politicamente bem delineados e claramente definidos.
Esta proposta de lei transmite a sensação de quem esperou longamente pela diligência e constata que ela chegou tarde para todos, irremediavelmente tarde para muitos, só trouxe uma pequena parte da encomenda e transportou muita coisa que não serve.
Vamos concretizar. Já noutra oportunidade lembramos aqui como Portugal tem sido vanguarda e modelo na criação e desenvolvimento da figura do assistente em Processo Penal. Impunha-se aproveitar esta oportunidade para coligir legislação dispersa e abrir o leque das pessoas e entidades com legitimidade para se constituir assistente.
Na redacção proposta para o artigo 68.º, o Governo evidenciou timidez e receios para os quais não encontramos razão.
De que é que o Governo tem medo quando, com a redacção prevista para a alínea e) do n.º 1 daquele artigo, continua a impedir que, nos crimes de falsificação, nos crimes de natureza económica e nas burlas contra o Estado, nos crimes de abuso de poder..., pessoas ou entidades possam constituir-se assistentes, desse modo colaborando com o Ministério Público mas também controlando o exercício da acção penal?!
Já disseram não o compreender sectores representativos do Ministério Público, da Magistratura Judicial e de movimentos da sociedade civil. Nós também não o entendemos.
Este é um singelo exemplo de como o Governo ficou muito aquém do que se esperava e é bom que explique o motivo dos seus temores.

O Sr. José Magalhães (PS): - É espantoso!

O Orador: - Quer V. Ex.ª que, durante o inquérito judicial, nenhum juiz possa aplicar ao arguido medida de coacção diferente ou mais grave do que a indicada pelo Ministério Público. Se o Ministério Público entender que deve ser imposta ao arguido uma caução de 100 contos, não poderá o juiz fixar-lhe 110!

O Sr. José Magalhães (PS): - Figueiredo Dias explica-

O Orador: - Se o Ministério Público o não "indicar", ou porque não está de acordo ou porque não lhe ocorreu, não pode o juiz impor sequer ao arguido a obrigação de não frequentar certos lugares e certos meios ou de não contactar com determinadas pessoas.
Se o Ministério Público "indicar" caução, não pode o juiz fixar prisão preventiva. Mas se o Ministério Público "indicar" a prisão preventiva não pode o juiz ficar-se pela caução, porque esta é uma medida "diferente".

Vozes do PSD; - Muito bem!

O Orador: - Melhor seria, Sr. Ministro, se V. Ex.ª dissesse claramente que quer os juízes a promover e o Ministério Público a julgar e a decidir. Porque, na prática, é isso que se propõe consagrar. Mas é esta inversão de valores, é este atentado contra o principio da independência e a imparcialidade dos juízes, é esta deliberada ofensa à dignidade dos juízes portugueses, é tudo isso que merece o nosso total repúdio e liminar rejeição.
Este é um exemplo daquilo que não serve.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mau exemplo!

O Orador: - E esse caso não é afloramento único do afrontamento que esta proposta de lei faz à Magistratura Judicial.
Quer V. Ex.ª que, se o Ministério Público acusar um cidadão sem que nenhum indício sério haja da prática do crime, o juiz não possa rejeitar a acusação e evitar que ele seja submetido a julgamento.
A solução que propõe vem ao arrepio de toda a tradição do direito processual penal português. E é ostensivamente contra a jurisprudência obrigatória do Supremo Tribunal de Justiça, fixada no Assento 4/93.
Agora, Sr. Ministro, já se trata também de um desrespeito pelos cidadãos e de uma violência intolerável contra os seus direitos fundamentais. Sujeitar uma pessoa a julgamento sem que haja indícios sérios da prática do crime, ainda que seja para depois a absolver, é atentar de forma irremediável contra a sua dignidade, contra os seus sentimentos, contra o seu património, contra a sua carreira profissional, contra o seu bom nome e reputação social. E a experiência mostra como, infelizmente, casos desses acontecem com frequência.
Este é outro exemplo do que não serve.
Mas há mais, Sr. Ministro.
O projecto que nos apresentou ofende até a dignidade dos advogados, quando prevê que o primeiro interrogatório dos arguidos possa fazer-se na presença de qualquer "defensor", ainda que não seja advogado.
Lembramos aqui a cena caricata do detido que, entre a possibilidade de optar pelo porteiro, por um funcionário e por uma terceira pessoa presente, escolheu para seu defensor esta última que, por sinal, era o guarda que o tinha capturado...

Risos do PSD.

Mas despreza ainda mais a defesa dos cidadãos quando em interrogatórios subsequentes nem sequer exige a assistência do "defensor", a qual só tem lugar se o arguido a solicitar. Como se não soubéssemos que o arguido está fragilizado e quase nunca tem a coragem de exigir a presença do advogado. Em nome de que valores se transforma em excepção aquilo que deve ser princípio e regra?
Mas não ficamos por aqui, Sr. Ministro.
Uma prisão preventiva que pode durar até quatro anos não é medida de coacção, é tortura. E prorrogar a prisão preventiva ainda por mais seis meses (até quatro anos e meio!) só porque houve recurso para o Tribunal Constitucional ou porque se esteve aguardando outra decisão prejudicial é punir o arguido por exercer os seus direitos.
Os problemas de fundo não se resolvem prolongando a prisão preventiva, resolvem-se melhorando a máquina judiciária.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Vejamos outro exemplo de como se anda longe da realidade e da vida: se houver receio de que um arguido se prepara para ocultar o dinheiro ou os seus bens, por forma a subtrair-se ao pagamento de indemnizações às vítimas, não é possível que ele seja surpreendido com a sua apreensão. O que alei prevê é que lhe seja fixado primeiramente prazo para prestar caução económica e só depois de decorrido esse prazo sem que apreste é que aquela apreensão (chamado "arresto preventivo") poderá ser ordenada. O mesmo é dizer-lhe: "trate de esconder o seu dinheirinho e ocultar os seus bens enquanto é tempo, senão vai ter de pagar pelo que fez"!
E nisto ninguém pensou! Neste tempo todo, Sr. Ministro! Ao menos para acabar com esta santa ingenuidade e repor a ordem natural das coisas: primeiro, a apreensão e só depois a faculdade do seu levantamento em troca da caução económica.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, queira abreviar a sua intervenção, porque esgotou o seu tempo.

O Orador: - Estes são só alguns exemplos do que faltou na proposta que nos trouxe. Além do tempo perdido, esta revisão ameaça ser também mais uma oportunidade perdida. Não podemos estar a fazer hoje uma alteração e a pensar na revisão de amanhã. Não podemos pactuar com a subversão de valores que são muito caros aos portugueses.

O Sr. José Magalhães (PS): - Subversão?! Isso parece uma greve académica em 69!

O Orador: - Não queremos pactuar com erros históricos de sequelas irreversíveis. Este é um Código. Este é um diploma estruturante.
O que a proposta de lei tem de muito mau supera o que tem de bom!
Se for aprovada, na generalidade, Sr. Ministrei da Justiça, por estas e por outras, ainda vamos ter muito que falar!

(O Orador reviu.)

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.- e Srs. Deputados: A hora já vai muito adiantada e certamente que todos VV. Ex.as querem começar a preparar-se o mais depressa possível para a grande festa de amanhã,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - ... que é a grande data deste ano e, naturalmente, dos anos futuros que vamos ter em Portugal.
Mas não quero terminar este debate, Srs. Deputados, se me deixarem falar, sem dizer duas ou três coisas. E a primeira é que o Código de Processo Penal merecia mais.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sem dúvida!

O Orador: - Dou inteira razão à Dr.ª Odete Santos. Este projecto merecia mais desta Assembleia. Cada vez que me desloco a esta Assembleia, venho sempre na esperança de ter um debate rico de ideias, que nos dê satisfação intelectual e que deixe de lado a demagogia.

Protestos do Deputado do PSD Artur Torres Pereira.

Se V. Ex.ª me deixar falar, vamos mais cedo celebrar; se não me deixar falar, vamos demorar mais um bocadinho!

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Faça favor, Sr. Ministro

O Orador: - Desta vez. também saíram goradas as minhas expectativas, mas saíram goradas por várias razões. Eu vinha à espera de saber, por exemplo, qual seria, afinal, á política criminal do PSD...

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Não tem que saber. Nós ainda não percebemos a vossa!

O Orador: - ... e saio daqui sem saber qual é, nem tenho esperanças de saber nos próximos tempos. E vou dizer a VV. Ex.as porquê. Nós votámos o Código Penal...

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, deixem o orador exprimir as suas opiniões.

O Orador: - Sr. Presidente, se os Srs. Deputados; com todo o fundamento que podem ter, entendem que o Ministro da Justiça se deve calar, eu calo-me e terminamos já aqui o debate. Mas eu não interrompi ninguém e suponho que tenho o direito de falar nesta Câmara. Se V. Ex.ª, Sr. Presidente, entender que devo continuar a usar da palavra sem ser interrompido de 10 em 10 segundos, eu continuarei. Se é para ser interrompido...

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Ministro, nem precisa de perguntar porque é um direito que lhe assiste. Aliás, já tinha advertido os Srs. Deputados.
Queira continuar.

O Orador: - Mas se é para ser interrompido de 10 em 10 segundos, prefiro terminar já aqui, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Ministro, está em condições de continuar a sua intervenção.
Tem a palavra.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. João Amaral (PCP).: - Se quiser acabar, acaba! É um direito seu! Tem todo o direito!

O Orador: - Sr. Deputado, eu disse o que disse. Está dito!
Nós votámos com o PSD o Código Penal, embora, naturalmente, reservando-nos algumas...

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2464 I SÉRIE -NÚMERO 71

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Com algumas alterações!

O Orador: - V. Ex.ª não está lembrado, mas votámos reservando-nos algumas alterações que pensávamos na altura adequadas e que o PSD rejeitou. Votámos há 10 anos o Código de Processo Penal e, hoje, na presente legislatura, somos nós que vimos aqui defender os princípios e valores que estão no Código Penal e no Código de Processo Penal. Porém, também são os autores desses Códigos que vêm dizer em intervenções públicas, nesta Assembleia, que, e cito "dão 0 seu irrestrito apoio a esta proposta" e que ela "mantém os princípios e valores do Código de Processo Penal", que VV. Ex.as, juntamente connosco, votaram mas por iniciativa de um Governo de maioria absoluta do PSD.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Está tudo trocado no PSD! Hoje, VV. Ex.as renegam aquilo que afirmavam há seis meses. Mas não é a primeira vez: já o fizeram em relação ao Código Penal. Aprovaram o Código Penal e, passado um ano, vieram com uma série de propostas que renegavam aquilo que tinham aprovado um ano antes.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - O PS também fez o mesmo. Não se preocupe!

O Orador: - Ficamos sem saber qual é a política criminal do PSD.
Agora, há coisas que não podem passarem claro. Tem V. Ex.ª muita razão, Sr. Deputado Antonino Antunes. Já devia ter sido revisto o Código de Processo Penal. Sabe quando?

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Há quase há um ano!

O Orador: - Quando a comissão, que o tinha feito, entregou ao Governo, no início da década de 90, um projecto que está muito aproximado daquele que aqui apresentámos hoje e que o Governo de então meteu na gaveta.

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Foi nessa altura, Sr. Deputado, como disse, aliás, o Prof.º Figueiredo Dias na intervenção que fez neste Parlamento.

Protestos do PSD.

E há muita gente que já sofreu. Mas o Prof. Figueiredo Dias e a comissão apresentaram, no início de 90, três anos depois do Código de Processo Penal, uma proposta de alteração que ficou nas gavetas do Ministério. Portanto, VV. Ex.as são inteiramente responsáveis por esse atraso da reforma do processo penal...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... e não podem vir agora dizer que a nossa proposta é tardia. Nós apresentámos a proposta no início da legislatura e houve um amplo debate. Nós fizemos um trabalho sério, fizemos um trabalho que não vai desnaturar o Código de Processo Penal pelo qual VV. Ex.as se bateram há 10 anos, com o nosso apoio. Que VV. Ex.as hoje o reneguem por completo é problema vosso. O que não podem é dizer que somos nós que o renegamos!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - V. Ex.ª está preocupado com o PSD!

O Orador: - Estamos! Eu estou preocupado com o PSD, porque não há nada pior do que ter uma oposição irresponsável. Portanto, estou preocupado com o PSD!

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao PP, ficámos também sem saber se as recentes mudanças neste partido operaram uma mudança na política criminal. De facto, não percebi, mas fica para a próxima! Porém, pareceu-me perceber que continua tudo na mesma: aumento das penas, prisão até 30 anos, etc. Foi o que me pareceu entender, mas ficará para um próximo debate.
Srs. Deputados, gostaria, para terminar, de fazer duas citações de uma intervenção feita, há poucos dias, nesta Assembleia: " E todavia, este resultado a que chegou a revisão não se impôs (...) sem que em algumas alturas do processo não houvessem sido preconizados afastamentos, limitações ou mesmo entorses àquela estrutura fundamental, (...)" do Código de Processo Penal "(...) e que alcançaram mesmo expressão no texto saído da Comissão Revisora (...)" - os tais entorses - "(...), tendo sido nas posteriores revisões, operadas no seio do Ministério da Justiça, que se regressou á pureza do modelo vigente".

O Sr. José Magalhães (PS): - Quem disse? Quem disse? Digam lá!

O Orador: - E, mais adiante, diz-se que se dá o "irrestrito" apoio a esta .alteração. "irrestrito" apoio! Estas são citações da intervenção daquele que foi o Presidente da Comissão Revisora do Código de Processo Penal, o Prof. Figueiredo Dias.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, não havendo oradores inscritos, declaro encerrada a discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.º5 113 e 157/vil.
A próxima sessão plenária realiza-se dia 22, sexta-feira, a partir das 10 horas, com a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 167/VII - Autoriza o Governo a alterar o regime de contra-ordenações em matéria de pesca marítima e culturas marinhas, constante do Decreto-Lei n.º 278/87, de 7 de Julho, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 218/91, de 17 de Junho, a apreciação do Decreto-Lei n.º 86/98, de 3 de Abril, que aprova o regime

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jurídico do ensino da condução [apreciação parlamentar n.º 49/VII (PSD)], a apreciação da proposta de resolução n.º 90/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção estabelecida com base no artigo K3 do Tratado da União Europeia, relativa à extradição entre os Estados-membros da União Europeia, e a apreciação da proposta de resolução n.º 99/VII - Aprova, para .adesão, as Emendas ao Anexo à Convenção Internacional sobre Normas de Formação de Certificação e de Serviço de Quartos para os Marítimos, 1978, e do Código de Formação, de Certificação e de Serviço de Quartos para os Marítimos (STCW), adoptados nas Conferências de Partes que teve lugar de 26 de Junho a 7 de Julho de 1995, em Londres.
Srs. Deputados, estimo a todos uma festa muito agradável na abertura da Expo 98, amanhã, dia em que não haverá trabalhos parlamentares.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 50 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.

Partido Social Democrata (PSD):

José Augusto Gama.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
Manuel Castro de Almeida.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Maria Helena Pereira Nogueira Santo.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
António Alves Marques Júnior.
António Bento da Silva Galamba.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Mário Manuel Videira Lopes.
Nelson Madeira Baltazar.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.

Partido Social Democrata (PSD):

João Álvaro Poças Santos.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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2466 I SÉRIE-NÚMERO 71

DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

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