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I Série - Número 73

VII LEGISLATURA

3.A SESSÃO LEGISLATIVA (1997-1998)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 27 DE MAIO DE 1998

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.os 176 e 177/VII, dá proposta de resolução n.º 103/VII, dos projectos de lei n.os 524 e 526/VII, do projecto de resolução n. º 88/VII e da interpelação ao Governo n.º 16/VII, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
A Câmara aprovou dois pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, um relativo à substituição de um Deputado do PS é outro autorizando um Deputado do CDS-PP a depor em tribuna! como testemunha.
Sob a forma de interpelação à Mesa, ó Sr. Deputado Luís Queiró (CDS-PP) referiu-se a uma notícia publicada num jornal diário acerca de um despacho do Sr. Ministro das Finanças determinando que os proprietários de prédios urbanos apresentem, até ao final do ano, uma declaração especificando as características dos seus imóveis.
Procedeu-se ao debate da interpelação n. º 15/VII - Centrada nas questões da segurança social e da sua reforma (PCP), tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Deputado Lino de Carvalho (PCP) e do Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade (Ferro Rodrigues), que proferiram intervenções na fase de abertura, os Srs. Deputados Nuno Ribeiro da Silva (CDS-PP), Pedro da Vinha Costa (PSD). Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP), Octávio Teixeira (PCP), Francisco Martins (PS), Rodeia Machado e Bernardino Soares (PCP), António Rodrigues (PSD), Elisa Damião (PS), João Sá (PSD), Odeie Santos (PCP), Jorge Rato (PS), Hermínio Loureiro (PSD) e Barbosa de Oliveira (PS).
A encerrar o debate usaram da palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira (PCP), pelo partido interpelante, e o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade, pelo Governo.
Foi ainda aprovado um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos. Liberdades e Garantias sobre a retoma de mandato de um Deputado do PS.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 35 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Pedro da Silva Correia.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueira.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobo.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Góes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Rodrigues Costa de Brito.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Paulo Jorge Lúcio Arsénio.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.

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Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Almeida Figueiredo Barbosa Pombeiro.
Augusto Torres Boucinha.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Silvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):

Carmen Isabel Amador Francisco.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do expediente que deu entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: propostas de lei n.º 176/VII - Altera a Lei da Alta Autoridade para a Comunicação Social, que baixou à 1.ª Comissão, e 177/VII - Regula a publicidade domiciliária por telefone e por telecópia, que baixou igualmente à 1.ª Comissão; proposta de resolução n.º 103/VII - Aprova, para ratificação, o Acordo de Parceria Económica de Concertação Política e de Cooperação entre a Comunidade Europeia e os seus Estados membros, por um lado, e os Estados Unidos Mexicanos, por outro, que baixou às 2.ª e 9.ª Comissões; projectos de lei n.ºs 524/VII - Actualização extraordinária das pensões de reforma (PCP), que baixou às 5.ª e 8.ª Comissões, 526/VII - Altera a Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro (Lei da Protecção dos Animais) (PS), que baixou às 1.ª e 10.ª Comissões, e 527/VII - Regime Jurídico da União de Facto

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(PS), que baixou às 1.ª e 12 ª Comissões; projecto de resolução n.º 88/VII - Recomenda ao Governo que constitua uma comissão de acompanhamento e estudo para garantir a escolha familiar da programação televisiva, desenvolva infra-estruturas e fomente a pesquisa e a aplicação de meios tecnológicos que criem condições para um efectivo poder familiar, face à violência televisiva, através do dispositivo antiviolência (CDS-PP); e interpelação ao Governo n.º 16/VII - Objectivos de concretização legislativa e calendarização da reformas estruturais em Portugal (CDS-PP).
Srs. Deputados, deu entrada na Mesa um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à substituição do Sr. Deputado Carlos Alberto Pinto de Oliveira, do PS, a partir do dia 23 de Maio corrente, inclusive, pela Sr.ª Deputada Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, deu ainda entrada na Mesa um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias no sentido de autorizar o Sr. Deputado Rui Pedrosa de Moura (CDS-PP) a prestar depoimento, como testemunha, em audiência a realizar no próximo dia 29 de Maio de 1998, pelas 10 horas, no Auto de Inquérito n.º 2903/97, a solicitação dos Serviços do Ministério Público da Comarca de Santa Maria da Feira.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, a minha interpelação é no seguinte sentido: gostaria de saber se V. Ex.ª tomou conhecimento das notícias que vieram hoje a público num jornal, através das quais ficámos a saber que o Sr. Ministro das Finanças emitiu um despacho mediante o qual pretende determinar aos proprietários dos cerca de 5 milhões de prédios urbanos existentes em Portugal que deverão apresentar, entre Setembro e Dezembro deste ano, uma declaração, cujos termos, aliás, não estão ainda definidos, onde se especifiquem as características dos imóveis de que são proprietários.
Isto é, o Governo, através do Sr. Ministro das Finanças, faz um despacho - que, juridicamente, como toda a gente sabe, se destina a dar instruções aos serviços e não instruções aos contribuintes, porque combinações e injunções aos contribuintes dão-se através de lei da Assembleia da República, procurando veicular estes a determinada conduta final.

O Sr. Silvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Ministro das Finanças, com certeza, não julga- creio eu que o País se transformou na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos. Com certeza que não julga isso!
Em segundo lugar, quero dizer que este despacho significa que o Governo, através do Sr. Ministro das Finanças, o qual declarou que só no fim deste ano é que esperava receber o relatório da comissão que está a definir a reforma da tributação do património, pretende, desde já, sem a fixação legal dos critérios, sem a fixação dos coeficientes de valorização das zonas, efectuar um recenseamento de toda a propriedade urbana, se calhar para avalia-la agora e depois, à Ia carte, a seguir às eleições, fazer o aumento de impostos. Ora, nós não podemos aceitar isto.
Quero, por isso, transmitir ao Sr. Presidente e pedir-lhe que transmita ao Governo que, se este despacho, que é ilegal a todos os títulos e politicamente reprovável e inaceitável, tiver algumas incidências jurídicas que duvido, conhecendo, como conheço, as qualidades universitárias do Sr. Ministro das Finanças - sobre a esfera jurídica dos contribuintes, será por nós, através de todos os meios ao nosso alcance, contenciosamente impugnado, na sua legalidade, e usaremos todos os meios para o reprovar politicamente, porque ele nos parece absolutamente inadmissível.
Trata-se de um ataque à propriedade privada. Queremos a tributação do património, Sr. Presidente, mas queremos que ela seja moderada, justa e não represente um ataque às famílias e à propriedade dos portugueses.
(O Orador reviu.)

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, perguntou-me se li a notícia. Li e parece-me pouco para podermos, desde já, estruturar sobre ela uma reacção política.
Para abrir o debate da interpelação ao Governo n.º 15/VII Centrada nas questões da segurança social e da sua reforma (PCP), tem a palavra o Sr. Deputado Lírio de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, antes de começar a minha intervenção, e sobre a forma de interpelação à Mesa, quero informar a Mesa e, através dela, os Srs. Deputados e a comunicação social, que, por razões de economia de tempo, não se introduziram na intervenção, mas estão em distribuição, mapas demonstrativos de muitas das afirmações que vamos fazer.

Vozes do PCP: - Muito bem?

O Sr. Presidente: - Fica dado o esclarecimento, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: "A segurança social encontra-se no centro de um debate político e ideológico de crucial importância para o futuro da nossa sociedade", afirmava o PCP nas conclusões do seu Encontro Nacional para uma Reforma Democrática da Segurança Social, em Junho de 1996. Aquela afirmação mantém hoje plena e acrescida actualidade.

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Esta interpelação tem, seguramente, o mérito de trazer para o debate parlamentar uma questão central para a vida de todos os portugueses. Todos reclamam que a segurança social cumpra os seus objectivos constitucionais, expectativa que é tanto mais legítima quanto a segurança social constitui, sem dúvida, um património construído pelos trabalhadores, sobre quem recaiu, e recai, quase exclusivamente, o esforço de solidariedade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Expectativa, contudo, que não é confirmada pela opção e pelo caminho escolhidos pelo Governo. Com as suas propostas para a reforma da segurança social, o Governo abre as portas àqueles que pretendem enfraquecer o sistema público e romper caminho para os mercados financeiros.
Há cinco questões centrais que nos afastam das propostas do Governo: a adopção de uma filosofia que põe em causa a segurança social enquanto direito social universal, conducente à sua substituição por um sistema de carácter assistencialista, limitado ao sector da população de mais baixos recursos, desvalorizando a relação que se estabelece, ao longo de uma vida de trabalho, entre os descontos realizados e os direitos assim adquiridos; os falsos argumentos utilizados para pôr em dúvida a sustentabilidade financeira do sistema público de segurança social e o seu financiamento, pretexto para o Governo avançar com a tese do plafonamento; a clara tentativa de redução de direitos através, designadamente, da generalização da selectividade; a não assunção de qualquer compromisso efectivo de pagamento da enorme dívida do Estado à segurança social e de combate à evasão contributiva; o nível extremamente baixo das pensões de reforma e do conjunto das prestações sociais, para o qual o Governo não apresenta nenhuma perspectiva de solução, mesmo a prazo, de aproximação ao nível médio dos países da União Europeia. Aqui, como nos salários afinal, a Europa é só para alguns!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não há muitos anos, foi lançada, pelo Banco Mundial, uma larga operação ideológica, visando um objectivo claro: criar o quadro justificativo de uma opção de privatização dos sistemas públicos de segurança social, com a teoria dos três pilares, visando alimentar os mercados financeiros com os milhões e milhões de contos acumulados na segurança social por gerações de milhões de trabalhadores ao longo de uma vida.
Para que esta operação fosse para a frente era necessário que fosse justificada. Para isso, inventou-se a tese da falência dos sistemas públicos de segurança social, logo repetida em Portugal.
O PCP nunca partilhou desta concepção catastrofista da segurança social, e como agora o próprio Ministro Ferro Rodrigues e a própria Comissão do Livro Branco reconhecem, dando razão ao PCP, o sistema não se encontra em risco de ruptura.
Pelo contrário, os saldos do regime geral apresentam tendência crescentemente positiva. Cerca de 2000 milhões de contos é o volume global acumulado de saldos positivos gerados pelo regime geral entre 1987 e 1997 e é a própria Comissão do Livro Branco, mesmo usando as hipóteses mais pessimistas, que diz que, entre 2000 e 2015, esse valor - e só calculado para quatro anos de referência - será de cerca de 800 milhões de contos. É, pois, inteiramente falsa a tese da falência do sistema.
O que é verdade é que a responsabilidade de os saldos globais não acompanharem os saldos do regime geral deve-se ao facto da Lei de Bases da Segurança Social não ser cumprida; o que é verdade é que é o regime geral, os trabalhadores, que financia indevidamente outros regimes e despesas, que não lhe competem e que deviam ser financiados pelo Orçamento do Estado.
Como é sabido, e não contestado, o valor acumulado da dívida do Estado à segurança social ascende também a cerca de 2000 milhões de contos, a somar aos mais de 400 milhões de contos de dívidas das entidades patronais, a que há ainda a acrescer muitos outros encargos indevidamente suportados pelo regime geral.
Com tudo isto, o que é significativo e deve ser relevado é que o sistema se tenha mantido sem rupturas, o que só foi possível graças às contribuições com base nos salários, a quem se aplica de facto a taxa social única, responsável por mais de 90% das receitas correntes do sistema.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Desmontada a propaganda da ruptura do sistema tanto no passado como no presente, tanto a curto como a médio prazo, vêm agora os próceres das teses neo-liberais, porta-vozes das seguradoras privadas e da privatização dos sistemas públicos, dizer que, se isto é assim agora, no longo prazo, o sistema entrará em desequilíbrio.
Só que nenhuma das projecções apresentadas para daqui' a 40 ou 50 anos constitui o único cenário possível. Há outros cenários alternativos para as projecções demográficas, para o crescimento do produto. bem como para o crescimento nulo do emprego a partir de 2010/2015.
Assim sendo, porque é que a Comissão do Livro Branco optou pela hipótese mais pessimista?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Boa pergunta!

O Orador: - Basta introduzir no modelo outras variáveis para a evolução demográfica - aliás, mais de acordo com os cenários mais recentes, para o crescimento do produto e do emprego e toda a argumentação falaciosa cai por terra.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A questão não é, pois, técnica, a questão é eminentemente política.

Vozes do PCP: -'Muito bem!

O Orador: - Os cenários utilizados têm unicamente a função instrumental de abrir caminho para a tese do plafonamento das contribuições e para as sociedades gestoras dos fundos de pensões.

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É uma opção que desvaloriza a solidariedade entre gerações, uma opção que, em vez de promover uma sociedade solidária, estimula concepções profundamente individualistas, que transfere o dever solidário de a sociedade garantir, hoje e sempre, um nível de vida digna à população inactiva para a lógica irracional dos mercados financeiros e de capitais.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É esta, no fundamental, a pedra de toque nuclear das opções do Governo, que o PCP rejeita totalmente.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E não venha, Sr. Ministro, repetir hoje o argumento populista e demagógico do Sr. Primeiro-Ministro das pensões acima de 1000 contos. V. Ex.ª sabe perfeitamente que o problema não é esse. Como V. Ex.ª mesmo afirmou, em entrevista recente, cerca de 80% dos beneficiários do sistema têm rendimentos abaixo dos 104 contos e, como o Sr. Ministro reconhece na mesma entrevista, plafonar não resolve o problema de financiamento da segurança social.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Aliás, as conclusões do próprio Livro Branco apontam no mesmo sentido: os resultados serão não só "pouco visíveis no reequilíbrio financeiro do sistema" como "poderá criar ainda dificuldades financeiras adicionais no médio prazo".
Mas diz mais: na metodologia utilizada para o cálculo dos efeitos do plafonamento "não é considerada a solução para o problema do financiamento das perdas". E chega mesmo a afirmar que a introdução do plafonamento, no longo prazo, antecipa até o inicio da derrapagem do sistema.
Mas, assim sendo, não havendo, como o próprio Governo reconhece, nenhuma vantagem para a introdução de tectos, porque vem, então, o Governo propor o plafonamento? É o próprio Ministro que responde: "O plafonamento pode ser simbólico da vontade de mudança". Exactamente! É simbólico de uma mudança a caminho dá privatização do sistema público, do privilégio às sociedades gestoras de fundos de pensões, da evolução para um sistema público de carácter assistencialista; é simbólico dos compromissos que o Governo, seguramente, tem com o sector financeiro das seguradoras e de favorecimento das próprias empresas.
Por esse caminho, Sr. Ministro, não conte com o PCP, porque é um caminho que põe em crise o princípio da repartição, da solidariedade e da redistribuição vertical dos rendimentos; porque é um caminho que reduz a taxa de contribuição dos mais altos rendimentos- quanto mais se ganha menos se desconta; porque é um caminho que reduz as receitas do sistema público e iria aumentar, em muito, os custos de administração do sistema; porque é um caminho que contribui para agravar as desigualdades sociais e aumentar o fosso entre. os rendimentos da reforma dos mais bem remunerados e com emprego certo de todo o restante universo; porque é um caminho mistificatório, que acabará por se traduzir, para quem for empurrado para optar por um fundo de pensões, em incertezas e riscos quanto ao futuro, dependente da taxa de rentabilidade obtida nas aplicações financeiras a 40 anos de distância, aumentando, assim, os riscos do investimento, e que acabará ainda por se traduzir, em igualdade de cenários, no pagamento de uma reforma pelo fundo de pensões inferior à que, nas mesmas condições, o beneficiário receberia no sistema público de segurança social.
E quanto, Sr. Ministro, às manipulações dos rendimentos e das carreiras contributivas, é fácil de resolver. Em primeiro lugar, quem manipula? Não são seguramente os trabalhadores assalariados, cujos rendimentos são os únicos a serem controlados. Aumente-se a fiscalização e o controlo e diminuirão as fraudes ou as manipulações; crie-se uma carreira contributiva global, com correcção monetária, e o problema fica resolvido.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O problema da segurança social não é, pois, nem o da sustentabi1idade do sistema público, nem o das pensões altas e, muito menos, pode ser o de servir de fonte de financiamento às seguradoras e ao mercado de capitais.

Aplausos do PCP

O problema da segurança social, que nos deve preocupar, são os cerca de 70% de pensionistas de invalidez e velhice que recebem pensões iguais ou inferiores a 31 300$; são os mais de 550 000 pensionistas do regime especial agrícola, que só auferem 21 300$; são os cerca de 150 000 pensionistas do regime não contributivo, que só têm 22 100$ de pensão, e para o aumento das quais o Governo não apresenta nenhuma solução. Isto é, aliás, tanto mais chocante, quanto, ainda por cima, se sabe que, nos últimos anos, tem mesmo diminuído ou estagnado o peso das despesas com o pagamento das pensões, em percentagem do PIB, de 6,36%, em 1991, desce para 6,2% em 1998.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Exactamente!

O Orador: - O problema da segurança social e dos portugueses é o facto de o Estado português ser o segundo da União Europeia que menos gasta com a protecção social.
E que fique claro: o PCP não questiona os fundos de pensões de natureza privada, desde que de subscrição inteiramente voluntária e sem tectos para o sistema público.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Outras questões nos separam dos princípios apresentados pelo Governo, como a generalização da selectividade, a pretexto da introdução do conceito de equidade em substituição da universalidade.
Mas que equidade? Como é que o beneficiário faz prova do seu rendimento? Através dá declaração de rendimentos do IRS, que o PS na oposição tanto criticava quando aplicado às propinas, porque só os trabalhadores assalariados é que são rigorosamente controlados?
Desafiamos, aliás, aqui o Sr. Ministro a dizer-nos quantos trabalhadores independentes ou empresários estão no esca

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Ião mais baixo. E quantos estão no mais alto? Isto não é equidade, é injustiça fiscal transferida para a segurança social.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E quais foram, Sr. Ministro, os custos administrativos da selectividade já introduzida?
A diminuição da relação entre o esforço contributivo e as prestações recebidas, limitando as prestações do regime contributivo à condição de recursos e sujeitando o valor das pensões adquiridas por contribuições ao conceito de regressividade; a redução de direitos adquiridos quando põe em causa a atribuição de pensões de sobrevivência; uma nova redução da componente da taxa social única paga pela entidade patronal, compensada por um aumento de impostos, chamado "contribuição de solidariedade", juntando-se, assim, à multiplicidade das mais de 60 taxas já existentes e que contribuem fortemente para minar a base contributiva do sistema.
A este propósito, Sr. Ministro, também o desafiamos aqui a dizer-nos quantos postos de trabalho foram criados em resultado directo das várias bonificações, isenções e reduções das taxas contributivas patronais e criação de taxas especiais, que têm vindo a ser aplicadas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo tem acenado com o rendimento mínimo garantido como a sua mais importante medida introduzida na protecção social.
Como é sabido, o PCP, desde o início, apoiou este novo direito social. Fomos, aliás, a primeira força em Portugal a introduzir esta questão no debate, político, através da apresentação de um projecto de lei.
Mas também desde sempre afirmámos que o rendimento mínimo garantido não se poderia limitara ser uma subsidiação da pobreza, que era indispensável a sua articulação com programas efectivos de inserção activa na vida social e no emprego e avisámos que isso não aconteceria se, entretanto, não fossem tomadas medidas no plano das políticas económicas criadoras de emprego com direitos. A vida está, infelizmente, a dar-nos razão.
Só pouco mais de, 12% dos beneficiários estão abrangidos pelos vários programas de inserção. Desafiamo-lo também aqui, Sr. Ministro, a reconhecer que, neste plano, o PCP, tinha razão e que esta componente essencial do rendimento mínimo está a revelar-se um claro insucesso.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Há outra questão essencial, estratégica, para o futuro do sistema público de segurança social: o seu financiamento.
Numa sociedade em elevada mutação tecnológica, com a modificação acelerada da composição orgânica do capital, um sistema de financiamento baseado exclusivamente nos salários, conduz, obviamente, à redução das suas receitas, é desincentivadora da criação de emprego, introduz elementos de desequilíbrio concorrencial entre as empresas.
O Governo, no essencial, não aborda esta questão, nem sequer a possibilidade de recorrer a novas formas de financiamento complementares das receitas sobre salários, como, por exemplo, a da consideração do valor acrescentado bruto das empresas ou a de uma taxa a aplicar ao gigantesco volume de transacções financeiras especulativas, realizadas nos mercados bolsistas, ou a afectação à segurança social de parte de determinados impostos. Nesta matéria, que tem a ver com o capital, o silêncio é de ouro.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é possível abordar as questões da segurança social sem me referir à fiscalidade e à reforma fiscal. Também aqui o silêncio do Governo é ensurdecedor.
Como é sabido, em Portugal, praticamente só os trabalhadores por conta de outrem pagam impostos. Mais de 75% dos impostos são suportados pelos rendimentos do trabalho. A evasão fiscal, designadamente das grandes fortunas, em IRC e IRS é gigantesca.
Tal como na segurança social, também aqui, é sobre os rendimentos do trabalho que recai o maior esforço contributivo. Em vez de optar por uma reforma fiscal que introduza justiça no sistema, o Governo opta por reduzir, no sistema público de segurança social, os direitos de quem trabalha e por uma filosofia de selectividade que prejudica quem tem as declarações de rendimentos mais transparentes, exactamente os trabalhadores. É caso para dizer: não transfira, Sr. Primeiro-Ministro, para a segurança social as injustiças do sistema fiscal, que o Governo não quer resolver.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, toda a política do Governo é, no mínimo, altamente contraditória: diz preocupar-se com a situação financeira da segurança social mas, simultaneamente, avança com um novo "pacote laborar lesivo dos interesses dos trabalhadores e em que as principais orientações dos projectos apontam exactamente para o aumento de encargos e para a redução de contribuições para a segurança social.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. PrimeiroMinistro, Srs. Deputados: Fizemos o diagnóstico. Criticámos. Fazemos agora as propostas.
Que fique claro: o PCP defende a necessidade de uma reforma da segurança social, mas uma reforma democrática, que assegure mais e melhor segurança social para os portugueses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Uma reforma que prepare o sistema para o futuro, não através de concepções desresponsabilizadoras do Estado, neoliberais e construídas a pensar nos mercados financeiros mas, pelo contrário, através do reforço e melhoria do sistema público e a pensar no bem-estar dos portugueses, dos jovens que hoje entram no mercado do trabalho, da população em idade activa, dos pensionistas e reformados, dos direitos adquiridos e em formação, que devem ser rigorosamente respeitados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Uma reforma que respeite os cinco requisitos constitucionais fundamentais: um sistema universal, integral, unificado, descentralizado e participado.

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Uma reforma que assegure melhores prestações sociais, melhores reformas, maiores coberturas e que aumente progressivamente a percentagem da despesa pública com a protecção social para os níveis médios europeus e que não utilize de forma condenável e demagógica ajusta aspiração dos portugueses a melhores reformas para, à sua sombra, como alguns fazem, defender a liquidação do sistema público.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Neste quadro, propomos 12 grandes medidas: garantir o efectivo cumprimento da Lei de Bases da Segurança Social através do efectivo financiamento pelo Estado das despesas que lhe competem; alteração e reforço do financiamento do sistema público de segurança social através de um sistema misto que complemente as contribuições resultantes dos salários com uma taxa sobre o valor acrescentado bruto das empresas, bem como a afectação à segurança social de uma parte do produto de uma taxa a lançar sobre as transações financeiras bolsistas e do valor de determinados impostos, como os impostos sobre o tabaco, o álcool e a poluição; definição de um plano de pagamentos da dívida do Estado e aceleração da recuperação das dívidas das entidades patronais à segurança social afectando os respectivos valores e os saldos do regime geral a um fundo de capitalização pública gerido pelo Fundo de Equilíbrio Financeiro da Segurança Social; actualização imediata extraordinária de 3000$ das pensões mais degradadas (nos termos do projecto que já apresentámos) e definição de uma política de valorização real anual dás pensões, garantindo a aproximação, a médio prazo, das pensões mínimas ao salário mínimo nacional; alargamento do período de concessão do subsídio de desemprego e do subsídio social de desemprego, com revisão da forma do cálculo, de modo a ser considerada, também, a carreira contributiva; não sujeição das prestações familiares ao cumprimento de um período de garantia;...

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Exactamente!

O Orador: - ... reforço da fiscalização para evitar fraudes e manipulações dos rendimentos e das carreiras contributivas; aperfeiçoar a relação entre as prestações recebidas no regime geral e o esforço contributivo dos beneficiários; considerar, de forma progressiva, a integração de toda a carreira contributiva no cálculo das pensões de reforma, com correcção monetária dos salários; combate ao trabalho clandestino, à precarização das relações laborais, aos falsos recibos verdes, que contribuem poderosamente para a situação de fuga e não cobertura pela segurança social; abordagem integrada dos riscos profissionais e integração da reparação dos acidentes de trabalho na segurança social; assunção pelo Estado das responsabilidades pelo financiamento das medidas activas de emprego; desenvolvimento, no sistema público, de um regime de pensões complementares de subscrição voluntária, que não envolva qualquer redução ou plafonamento do regime geral; revisão da legislação sobre fundos de pensões, designadamente através de consagração na lei de um direito de consulta e de informação aos sindicatos e suas organizações; maior autonomia institucional da segurança social, assegurando uma maior descentralização e participação dos beneficiários e das suas organizações.

Aplausos do PCP

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Há seguramente, nesta Assembleia, entre o PCP e o Governo, divergências, opções diferentes quanto à segurança social e à sua reforma, mas ninguém de boa fé pode contestar a seriedade, contrária a qualquer tipo de demagogia populista, das nossas propostas, desta interpelação.

Vozes do PCP:- Muito bem!

O Orador: - Esperamos que o Governo entre neste importante debate com a mesma seriedade de propósitos que nós, não fazendo o que fez com o celebrado pacto político-social, em que toda a metodologia utilizada até ao momento desmente o consenso alargado que o Governo afirmou querer criar e para o qual, aliás, o PCP manifestou disponibilidade.
Assim não, Sr. Ministro! Não contem connosco para um diálogo de faz de conta!

O Sr. Octávio Teixeira: - Muito bem!

O Orador: - Neste contexto, o PCP anuncia aqui que, tendo em conta os princípios e medidas propostas, irá oportunamente apresentar o seu próprio projecto de lei de bases da segurança social,...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... mas um projecto de lei para uma segurança social mais solidária, financeiramente sustentada, que assegure mais e melhores prestações sociais e melhores pensões de reforma, agora e no futuro. Uma reforma ao serviço de quem trabalha e não ao serviço dos mercados financeiros e da especulação bolsista, uma segurança social pública com direitos sociais mais elevados, que garanta o futuro desse imenso património social edificado pelo esforço dos trabalhadores.
Para esse combate, sim, contem com o Partido Comunista Português!

Aplausos do PCP

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, o tempo que gastou a mais será descontado no tempo do seu grupo parlamentar.
Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.
A palavra, para introduzir o debate, ao Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social (Ferro Rodrigues): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desde que, passados poucos meses sobre a tomada de posse deste Governo, tive oportunidade de apresentar, na Assembleia da República, o diagnóstico sobre a situação da segurança social, por diversas ocasiões teve esta Câmara a possibilidade de abordar diversos aspectos da evolução deste sector e da política do Governo para o mesmo. Nunca, como nesta legislatura, se discutiu tantas vezes na Assembleia da República o futuro da segurança social, a propósito de ideias e teses, mas também a propósito de práticas e medidas concretas.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - É com satisfação que, face a esta interpelação do PCP, podemos debater, de novo, as propostas do Governo para a segurança social.
O Governo estabeleceu para o sector da Solidariedade e da Segurança Social um programa que temos vindo a cumprir, de forma consistente e rigorosa.
Assumimos um compromisso de levar a cabo, nesta legislatura, um programa de mudança ambicioso e assumimos o compromisso de o fazer de forma mobilizadora para a sociedade portuguesa. Estamos a cumprir esse programa de mudança, um programa ambicioso mas realista, e estamos preparados para lhe dar continuidade.
Gostaria de recordar aqui aqueles que considero serem os marcos principais dessa mudança.
Em primeiro lugar, colocámos a nós próprios o desafio de erguer uma peça que faltava no edifício da protecção social portuguesa. Essa peça destinava-se a dar uma resposta às necessidades dos mais frágeis de todos nós, àqueles que, em situação de extrema pobreza, escassa ou nula resposta encontravam por parte do sistema. Estou a referir-me, naturalmente, à nova prestação do rendimento mínimo garantido.
Podemos dizer que, com as naturais dificuldades sempre arrastadas por qualquer projecto ambicioso, o rendimento mínimo garantido trouxe algo de profundamente inovador ao sistema de protecção social português: uma lógica de combate efectivo à extrema pobreza, onde direitos sociais e estímulo à responsabilidade individual se desenvolvem de forma articulada e solidária.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Uma outra alteração de profundo alcance traduziu-se na introdução do princípio da diferenciação positiva das prestações familiares. Esta realidade veio introduzir, igualmente, uma transformação de ruptura com o passado e de grande alcance para o futuro. Ela corresponde à profunda convicção que o sistema de segurança social tem de ter, dentro de si, componentes que se destinem, prioritariamente, a dar resposta aos problemas das famílias e dos jovens que mais dificuldades possuem em ver garantida uma efectiva igualdade de oportunidades.
Mas a consagração da prioridade aos problemas dos mais carenciados não se resumiu a estas duas importantes inovações, ela passou igualmente por uma política de actualização diferenciada das pensões mais degradadas e por um enorme reforço dos meios colocados ao serviço do investimento em equipamento e na acção social.

Aplausos do PS.

Neste triénio, e comparando com o triénio anterior, ampliámos, em termos reais, em cerca de 35% os meios colocados ao dispor das políticas de acção e integração social, mesmo sem considerar o esforço financeiro do rendimento mínimo garantido.
Esta prática traduziu-se, igualmente, numa valorização notável da cooperação externa do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, nomeadamente aquela que se realizou, e realiza, no âmbito do Pacto para a Cooperação e a Solidariedade, com as misericórdias, as instituições particulares de solidariedade social e as mutualidades.
Os objectivos de melhorar a eficácia social do sistema de segurança social e dos seus instrumentos foram, no entanto, prosseguidos a par de uma profunda preocupação com o rigor e a defesa da sustentabilidade do mesmo, opção que passou, e continua a passar, pelo cumprimento das responsabilidades do Estado para com as componentes não contributivas do sistema de segurança social, cumprimento que, pela primeira vez, se efectivou, desde a aprovação da Lei de Bases da Segurança Social, como, por várias vezes, foi reconhecido nesta Assembleia.

Aplausos do PS.

Opção que passou pela permanente luta contra a fraude nas prestações e a evasão contributiva, luta essa que permitiu recuperar muitos milhões de contos para o orçamento da segurança social.
Opção que passou pela aposta no reforço da componente capitalizável do sistema público, valorizando a responsabilidade intergeracional, que deve constituir uma das pedras nucleares da gestão da protecção social.
O programa de gestão reformadora que temos levado a cabo foi desenvolvido paralelamente aos trabalhos de estudo para a reforma da segurança social, trabalhos que tiveram como eixo central a Comissão do Livro Branco da Segurança Social. Não ficámos à espera de que a Comissão acabasse os trabalhos, fomos trabalhando e tomando medidas, algumas de grande alcance político e social.
Os trabalhos finais dessa Comissão viram, no principio de 1998, há poucos meses, a luz do dia e, com eles, assistiu-se ao importante fenómeno de colocar no centro das atenções este debate, debate que, estando a desenrolar-se em toda a Europa, apenas nestes anos ganhou, em Portugal, a dimensão de que, quanto a mim, carecia. E assumiu essa dimensão porque esta é uma questão central para o futuro das nossas comunidades, mas também porque existiu uma forte e efectiva vontade política de abordar os problemas que vivemos e os problemas que iremos enfrentar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Vivemos, de facto, um momento em que vale a pena abordar o futuro da segurança social e as necessidades da reforma, não como um slogan vazio, mas como um problema central da nossa vida colectiva, que pode hoje ser analisado de forma fundamentada e rigorosa, sem alarmismos gratuitos mas com realismo e profundidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O trabalho que foi desenvolvido ao longo dos últimos anos permite-nos afirmar, com a possível segurança, que estamos em condições de dar uma resposta positiva às necessidades de reforma da segurança social, porque possuímos diagnósticos aprofundados da realidade, diagnósticos sérios e plurais, que nos permitem tomar novas decisões e avançar com novas reformas. Estamos em condições, porque ganhámos a capacidade de reformar no exercício efectivo da mudança e não apenas na simples afirmação da necessidade de mudar.

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Não existem reformas de dois meses em realidades tão complexas como aquelas que temos a responsabilidade de pôr ao serviço dos portugueses. Não é apenas a nossa experiência que o mostra, é toda uma história já rica de experiências à escala internacional que o prova.
Em Portugal, não estamos já a discutir a necessidade de uma qualquer reforma da segurança social - e isso é fundamental. Ouvimos todos os partidos dizer o PCP acabou de dizê-lo agora que é necessária uma reforma da segurança social.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sempre o dissemos!

O Orador: - Estamos a preparar uma decisão sobre uma concreta e bem explícita proposta de acção e orientação, proposta que, após um longo, aberto e participado processo de reflexão e de prática, o Governo colocou aos portugueses e, em primeira linha, aos representantes eleitos dos portugueses.
A proposta de reforma de que estamos a falar tem uma natureza e uma filosofia, definiu os seus objectivos e apresentou um caminho de desenvolvimento. Esse caminho está, hoje, contido no documento apresentado à Assembleia da República, de acordo com a Lei do Orçamento do Estado, em finais de Março, portanto, há poucas semanas atrás, e que se traduziu na proposta de um "pacto político-social por uma segurança social forte para todos no século XXI".
Como já afirmei, nele está contida uma natureza e filosofia de reforma da segurança social, que implica quatro grandes exigências: a fixação dos dois grandes objectivos estratégicos para o seu desenvolvimento, como elementos indissociáveis de uma visão de futuro do modelo social para Portugal, a saber, o reforço da protecção social, como direito de cidadania, e a defesa da sustentabilidade financeira, como garantia de que o esforço exigido aos portugueses para manter o modelo é adequado ao nível de desenvolvimento económico e social que formos construindo - não há qualquer possibilidade, Srs. Deputados do PCP, de podermos pensar o reforço da protecção social esquecendo a sustentabilidade financeira, como também não há qualquer possibilidade ou vontade política do Governo de apenas pensar na sustentabilidade financeira e de esquecer aquilo que é fundamental, que é a melhoria do nosso sistema de segurança e protecção social;...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... a adopção de uma concepção de reforma como processo, o qual, possuindo momentos de desigual intensidade da dinâmica de mudança, exige uma lógica de desenvolvimento gradualista e progressivo num prazo longo- a reforma não é algo que se faça carregando num botão, aprovando um decreto, fazendo uma conferência de imprensa ou falando num comício, é um processo gradual, longo, complexo e participado; a existência de uma alargado consenso social e político sobre os aspectos centrais da reforma, que se expresse em torno de um conjunto de princípios fundamentais para o sistema e de um selectivo conjunto de orientações estratégicas para a sua concretização; a capacidade de transformar esse consenso num processo legislativo que possua, como elemento central, uma nova Lei de Bases da Segurança Social e, como factores de sucesso da sua aplicação, um conjunto de medidas estruturais.
Realço, de novo, as razões que nos levam a considerar que a exigência de um amplo consenso em torno das orientações de reforma não corresponde a um qualquer expediente de conjuntura mas, sim, a uma característica intrínseca do próprio processo de decisão em matéria de protecção social.
Estamos a produzir mudanças sobre um sistema que é transversal a toda a sociedade e que é profundamente intergeracional. As decisões que vamos tomando não afectam apenas uma qualquer conjuntura, moldam, muitas delas de forma pesada, desenvolvimentos de longo prazo e criam responsabilidades sobre aspectos essenciais da nossa existência colectiva também num prazo muito prolongado.
As transformações que estão propostas regem-se pela preocupação central de compatibilizar o valor da coesão e desenvolvimento social com as necessidades de flexibilidade e reforço da eficiência dos sistemas económico e social.
Esta preocupação está traduzida na assunção de três compromissos essenciais: a garantia dos direitos que os cidadãos adquiriram ao longo de prolongadas relações contributivas com o sistema; a garantia de que a rigidez desse mesmo sistema não pode, nem deve, comprometer os direitos das gerações futuras; a garantia de que as decisões que se tomam numa determinada conjuntura não podem, nem devem, criar obstáculos intransponíveis a futuras opções.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: O diagnóstico da situação do nosso modelo de protecção social possui, hoje, um nível de consensualidade muito elevado, especialmente naquilo que são os seus elementos fundamentais.
Reconhece-se, hoje, que possuímos um sistema de protecção ainda insuficiente, com importantes lacunas em segmentos sociais de elevada sensibilidade. E nem o facto de algumas dessas lacunas estarem associadas à natureza tardia do nosso sistema e a aspectos estruturais profundos da nossa trajectória histórica económica e social, invalida a importância dessas lacunas e a necessidade de lhes dar progressiva resposta.
É o caso das pensões de reforma muito baixas de muitos idosos portugueses, que é uma preocupação permanente do Governo, a que tem sido dado resposta dentro das possibilidades e que continuará a ser desenvolvida dentro das possibilidades do orçamento e do equilíbrio do Estado ao nível estratégico.

Aplausos do PS.

Reconhecemos que a larga gama de riscos sociais cobertos pela segurança social comporta ainda zonas de desprotecção, seja por problemas do desenvolvimento do sistema, seja devido à emergência de novos riscos e padrões de exposição a estes na sociedade portuguesa.
Existem, por isso, riscos de pobreza e de exclusão social para um número significativo de cidadãos pertencentes a grupos particularmente vulneráveis da população, por razões de idade, baixo nível de escolarização, falta de qualificação ou marginalização social.

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É, hoje, igualmente reconhecido, de forma amplamente consensual, que existem importantes défices de equidade no nosso modelo. Apesar da enorme evolução realizada, no sentido da universalidade e do tratamento equitativo dos beneficiários, o sistema reteve, até ao presente, algumas características injustas das prestações sociais, que importa corrigir.
É, por outro lado, igualmente reconhecido, de forma unânime, que existem défices de eficácia e de eficiência na gestão do sistema.
Possuímos um sistema ainda sem centros de racionalidade administrativa suficientemente eficazes, com um sistema de informação antiquado e ineficaz e uma dotação de recursos humanos quantitativa e qualitativamente insuficiente. Até posso dizer-vos que só o esforço, a dedicação e o espírito de sacrifício da generalidade dos trabalhadores da segurança social tem permitido dar resposta aos problemas que defrontamos e às novas políticas sociais que temos posto em prática, ao longo destes dois anos e meio.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Também sobre a dimensão da sustentabilidade financeira do sistema, existe hoje um diagnóstico com amplas zonas de consensualidade. Não existindo riscos de uma ruptura financeira, tantas vezes anunciada de forma irresponsável, importa reconhecer as dificuldades relativamente à sustentabilidade, de médio e de longo prazo, do regime geral de segurança social - sustentabilidade da segurança social no sentido global, pois não podemos vê-la fora da sustentabilidade global financeira do Estado e do sector público administrativo no seu conjunto.
As razões para essa preocupação são múltiplas e amplamente conhecidas. Elas têm a ver com a adversidade das tendências demográficas, com a crescente maturidade do sistema de pensões, com as transformações económicas e sociais em curso, com as especificidades do nosso modelo de financiamento.
Sabemos que a capacidade de honrar os compromissos que o Estado assumiu com os milhões de beneficiários do sistema não está, nem poderia estar, em causa.
No entanto, sabemos também que a intensidade de esforço financeiro que uma sociedade pode fazer para suportar o seu sistema de protecção social também tem limites.
Estamos conscientes de que, em Portugal, é possível ampliar este esforço, mas apenas no quadro de uma expansão da criação de riqueza. A expansão controlada e rigorosa das despesas sociais é um factor de progresso, quando é enquadrada por um dinamismo económico e social rico e intenso. Sem isso, essa expansão, para além de uma aventura, seria sempre um factor de risco para a sustentabilidade do crescimento e da coesão social.
O diagnóstico, que possuímos, do nosso modelo de segurança social aponta, pois, para uma dinâmica de mudança, que se traduz, afinal, num novo e poderoso impulso ao processo que já iniciámos e que tem de continuai' a ser impelido pela lógica do reforço dos níveis de protecção social combinada com a melhoria das condições de sustentabilidade.
Este novo impulso significa que estamos num momento onde é possível construir um novo patamar para o desenvolvimento da protecção social, a partir de um conjunto claro de princípios e orientações.
Nesses princípios para a reforma estrutural da segurança social inclui-se o princípio da solidariedade, como básico, o qual deve ser entendido a diversos níveis distintos.
Este principio implica que o sistema incorpore uma lógica de transferências de recursos entre grupos de cidadãos, para garantir uma efectiva igualdade de oportunidades para todos e cada um dos membros da colectividade nacional, implica uma concepção também redistributiva do seguro social face aos diversos riscos (doença, desemprego, invalidez, velhice) e implica uma ,atenção redobrada ao relacionamento entre gerações.
Um outro princípio base para a reforma é o princípio da universalidade com diferenciação positiva, principio onde se expressa, de forma clara, a ambição de eficácia social e de rigor e também de sustentabilidade financeira.
A universalidade não se confunde com uma protecção indiferente à variedade de situações sociais e de exposição aos riscos dos nossos concidadãos. Essa seria uma concepção perdoem-me a expressão - reaccionária de universalidade e não é certamente essa a concepção dos Srs. Deputados do PCP.

Aplausos do PS.

Assume-se, assim, que a estrutura das prestações sociais tem de flexibilizar-se e adequar-se cada vez mais às diferenciadas situações de risco, focalizando-se nos grupos de cidadãos de maior vulnerabilidade perante aquelas, em obediência ao imperativo de diferenciação positiva dos menos favorecidos, sem descurar o rigor na sua concessão.
Uma reforma da segurança social que compatibilize as responsabilidades assumidas perante os portugueses nas décadas de construção do modelo de protecção social com a ambição de eficácia social do mesmo implica que se assuma como princípio estruturante desse modelo o principio do primado da responsabilidade pública. Não vão buscar fantasmas, Srs. Deputados do PCP! Não vale a pena baterem-se contra fantasmas, nem contra moinhos de vento!

Aplausos do PS.

Esse primado, que não é contraditório com o reforço da responsabilização individual e com a lógica de contratualização dos mecanismos de protecção social, é o único que assegura uma efectiva equidade social e uma prioridade ao valor da coesão como vertente fundadora do nosso modelo de sociedade, é queremos que assim continue a ser.
Esse primado significa que a reforma da segurança social, que queremos e estamos a fazer, não significa que ao Estado compete apenas a função de construir uma rede mínima de assistência social - isso é outro fantasma, é outra manifestação de subjectivismo dos Srs. Deputados do PCP, que, aliás, muito estranho tenha aparecido apenas neste debate, visto que, só agora, de repente, apareceu esta ideia de que o Governo estaria apenas a querer construir uma segurança social de mínimos. Estejam descansados que não é nada disso!
É certo que o Estado deve, em primeiro lugar, olhar para os mais frágeis e para os mais desfavorecidos, mas o sistema

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público de segurança social não é, nem será, reduzido a essa função.

Aplausos do PS.

A compatibilização, que é possível e necessária, do primado da responsabilidade pública com o reforço da responsabilização individual tem como expressão máxima um outro princípio de base para a reforma, o princípio da complementaridade.
Essa complementaridade significa uma atenção particular á livre iniciativa do cidadão na construção de mecanismos- de melhoria dos seus níveis de protecção face aos riscos, como significa ainda a assunção da responsabilidade de estimular o reforço do papel da empresa como sede de desenvolvimento de lógicas negociadas de reforço dessa mesma protecção.
A proposta de pacto político-social para a reforma, que o Governo propôs na Assembleia da Republica, desenvolve, em múltiplos planos, estes princípios de base. Esse desenvolvimento implica diferentes iniciativas e também o desenvolvimento de múltiplas medidas concretas.
Vamos, pois, concretizar este novo patamar da reforma da segurança social.
Para o atingir, identificámos algumas das prioridades que são também compromissos essenciais da reforma.
A primeira dessas prioridades consiste na apresentação na Assembleia da República, a curto prazo, tal como já estava anunciado no documento que aqui vos entreguei em Março, da proposta de lei de bases para a segurança social, proposta que traduza, no plano legislativo, o conjunto de princípios e orientações que enformam a nossa visão de reforma - os Srs. Deputados, se lerem com atenção o documento, verificam que está lá.
Trata-se de um compromisso que corresponde ao natural desenvolvimento de um processo que, iniciado há pouco mais de dois anos, terá, nesse passo, não um epílogo, mas um novo momento de afirmação, um momento essencial para o lançamento dos novos passos a dar. Trata-se de uma proposta séria, profunda e aberta ao diálogo e á busca de consenso.
Entre outros aspectos, ela vai-se traduzir na concretização da proposta de um novo modelo de fontes de financiamento, que permita a diversificação do modelo do regime contributivo, na linha dos consensos sociais já concretizados e em estreita articulação com as políticas de emprego e formação.
A segunda prioridade irá para o relançamento do esforço de moralização e de combate á fraude na segurança social. Tal será feito intensificando e alargando os mecanismos de fiscalização e verificação da legalidade das prestações e do pagamento de contribuições.
Outra prioridade vai para o cumprimento dos compromissos assumidos perante a concertação social, nomeadamente, em termos de concertação estratégica, no que respeita a importantes desenvolvimentos da reforma que estamos a desenvolver: a flexibilização da idade de reforma, as adaptações dos regimes aos novos modelos de organização de trabalho, a revisão das prestações de desemprego, o incentivo ao reforço dos mecanismos de segurança social complementar, nomeadamente em sede de contratação colectiva.
Outra prioridade prende-se com a revisão da actual estrutura organizativa da segurança social, em estreita articulação com o desenvolvimento de um sistema integrado de informação e com o reforço dos recursos humanos do sector.
Temos de colocar no topo das nossas ambições o objectivo de melhorar o funcionamento de todo o sistema, nomeadamente através de uma nova relação entre uma dinâmica de integração das responsabilidades universais do sistema e uma dinâmica de reforço da capacidade descentralizada de actuação, nomeadamente ao nível regional e sub-regional.
É possível, por essa via, dar decisivos contributos para o reforço da eficácia e para o reforço da sustentabilidade.
A melhoria do sistema de informação e a modernização das relações com os contribuintes irão, por si só, melhorar o desempenho do sistema em níveis que poderão, em termos financeiros, traduzir-se em muitos milhões de contos de ganhos anuais.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: A situação da segurança social, em Portugal, e os caminhos para a sua reforma têm vindo a ser tema de muito debate e de muita polémica, muitas vezes fundamentada, outras vezes algo gratuita.
Por parte do Governo, temos vindo a pautar a nossa acção por critérios de rigor e de serenidade. Definimos objectivos, caminhos e calendários. Estamos a cumpri-los, continuaremos a cumpri-los.
Não fizemos, nem iremos fazer no futuro, deste sector um campo de demagogia política e de afirmação eleitoralista. O nosso sistema de segurança social, vezes de mais, foi sujeito a aproveitamentos demagógicos, que lhe diminuíram a eficácia e a equidade. Não iremos por esse caminho.

Aplausos do PS.

Mas também não nos furtaremos a debater, nesta Assembleia e na sociedade portuguesa, todos os pontos críticos, todas as questões mais polémicas. Como não nos furtámos a concretizar, no plano mais concreto, os passos de reforma que já foram dados, não nos furtaremos a dar os passos seguintes.
A legislação sobre flexibilidade da idade da reforma está concretizada, através de um diploma já enviado aos parceiros sociais e onde assumimos que é vantajoso para o sistema que se flexibilize a idade de reforma, por forma a que, voluntariamente, o trabalhador possa, ora antecipar a sua reforma, reduzindo naturalmente a sua pensão, ora prolongar a sua participação na vida activa, acrescendo dessa forma a sua pensão.
Iremos propor, em sede de lei de bases, uma mais estreita articulação entre - a formação da pensão e a carreira contributiva dos cidadãos - aliás, vejo que o PCP está de acordo com isso, pelo que saúdo com toda a alegria e sem qualquer espécie de ironia essa proposta, pois é uma proposta importante e que contribui para a estabilização financeira e para a não vulnerabilidade do sistema -, porque essa é uma medida de efectiva justiça social e de efectivo respeito pelos direitos dás gerações passadas, presentes e futuras.
Iremos propor, em sede de lei de bases, uma diversificação das fontes de financiamento da segurança social, porque efectivamente consideramos que, com o sistema actual, se penaliza excessivamente a criação de postos de trabalho.

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Iremos propor, em sede de lei de bases, um limite contributivo que não ponha em causa a obrigação de solidariedade para todos. Não queremos uma segurança social de mínimos, mas não é aceitável uma segurança social pública sem máximos. Essa é que é a questão de fundo, Srs. Deputados. Não porque consideremos que essa é a questão de maior importância, do ponto de vista da viabilidade financeira do sistema-público, mas porque entendemos que o sistema público de segurança social, o sistema universal de protecção dós cidadãos, não deve tratar de assegurar a formação de pensões para escalões muito elevados de rendimento, sobretudo quando se prevêem dificuldades financeiras a prazo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A reforma da segurança social está em marcha. Os próximos debates sobre propostas e projectos de leis de bases poderão dar um novo impulso decisivo a este processo. Apesar de irmos entrar no último terço da legislatura, continuaremos a não cedera tentações de demagogia ou de eleitoralismo. Queremos que, nos próximos anos, de forma justa e financeiramente realista, se possa continuar a melhorar as pensões degradadas de idosos com longas carreiras contributivas, mas nunca embarcaremos em aventuras que possam pôr em causa o futuro das pensões públicas dos mais de 4 milhões de activos de hoje.
Com tranquilidade e determinação, Sr.- e Srs. Deputados, vamos continuar.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade, os Srs. Deputados Pedro da Vinha Costa, Maria José Nogueira Pinto, Octávio Teixeira, Rodeia Machado, Lino de Carvalho e Bernardino Soares.
Antes, porém, até porque alguns destes Srs. Deputados já se ausentaram e não tive oportunidade de interromper, nem quis, o Sr. Ministro, informo a Câmara que se encontram a assistir à sessão um grupo de alunos portugueses residentes na Alemanha e vários grupos de alunos da CEBI de Alverca, do Colégio D. Luísa Sigea, do Estoril, da Escola Básica dos 2.º e 3.º ciclos de Vale de Milhaços e ainda 40 membros da JSD do Porto.
Para eles, peço uma calorosa saudação.

Aplausos gerais, de pé.

Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Lino de Carvalho, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, o PCP não pára de nos surpreender.
Recorrentemente, apresenta-se nesta Câmara como um grande paladino da solidariedade, mas, nos momentos em que temos de discutir e de conhecer o conceito de solidariedade, de facto, o PCP é um caixa cheia de surpresas.
O Sr. Deputado, daquela tribuna, criticou o princípio da selectividade, dizendo ser contra. Porém, Sr. Deputado, a solidariedade não é dar mais a quem mais precisa e a selectividade não é um instrumento privilegiado de justiça social?
O Sr. Deputado criticou a selectividade, que é pouca, criticou o facto de ela ter sido introduzida, embora de uma forma envergonhada. Para o Sr. Deputado é igual que uma família com o rendimento de 500, de 800 ou de 1000 contos tenha o mesmo abono de família que uma família com o rendimento de 100 ou de 120 000$?! Não compreendo este sentido de solidariedade, não compreendo, seguramente, o sentido que o Partido Comunista tem de justiça social.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado é contra o plafonamento, o Sr. Deputado é contra o estabelecimento de um tecto salarial sobre o qual não sejam pagas contribuições sociais e sobre o qual não sejam também calculadas as pensões.
Sr. Deputado, penso que, nesta Câmara, todos somos a favor do aumento das pensões mínimas. O curioso é ser o Partido Comunista a levantar a voz contra a redução das pensões máximas.
Sr. Deputado, de facto, é uma caixa de surpresas tudo o que vem do Partido Comunista Português.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É tudo isso é uma grande asneira.

O Orador: - E mais, Sr. Deputado: a taxa social única, que tanto eco de defesa tem encontrado nesse grupo parlamentar, é injusta e é regressiva. É regressiva porque, percentualmente, tanto paga o trabalhador que ganha o ordenado mínimo nacional de 59 000$ como aquele que ganha 500 ou 600 000$ - por isso, Sr. Deputado, o tecto salarial, embora não corrija de todo essa situação, permite introduzir correcções e, nomeadamente, diminuir a regressividade e é injusta ainda por mais, Sr. Deputado, porque penaliza as empresas que mais empregam trabalhadores.
O Sr. Deputado concorda que a taxa social seja igual para uma empresa de 10 trabalhadores ou para uma empresa de 100 ou de 1000 trabalhadores? O Sr. Deputado não concorda que o modelo de financiamento em que estamos a viver encoraja a substituição do homem pelo capital, do homem pela máquina?
Tudo isto para lhe dizer, Sr. Deputado, que confunde conjuntura com estrutura. A conjuntura poderá, eventualmente, entusiasmar-nos pelos números, mas os números advêm de ganhos de eficiência e de eficácia e o modelo, em si, contém injustiças gritantes que é preciso reformular, desde o financiamento até às prestações sociais.
Essa é a questão fundamental, Sr. Deputado, porque se hoje e felizmente - a segurança social apresenta uma saúde financeira confortável, a verdade é que vivemos num regime de repartição, em que os activos pagam as pensões daqueles que delas são os beneficiários, e num regime de repartição estamos extremamente dependentes da evolução demográfica.
A verdade dos números, Sr. Deputado - de que o Sr. Deputado tanto gosta, porque que falam sempre uma linguagem de verdade -, diz-nos que, para manter o mesmo nível de população, deveríamos ter uma taxa de substituição de 1.8 e estamos, neste momento, com uma taxa de 1.6. Portanto, Sr. Deputado, a prazo, queira ou não, independente

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mente da conjuntura mais ou menos favorável do momento, o modelo está posto em causa, o modelo está falido, e essa é a questão fundamental.
Não se trata de uma questão técnica, Sr. Deputado, trata-se uma questão política, e a grande questão política é a da solidariedade, não só entre aqueles que trabalham e aqueles que não podem trabalhar, mas também entre aqueles que hoje têm de pagar e aqueles que amanhã, pagando hoje, têm direito a receber, e são esses os que estão a ser postos em causa.

Aplausos do CDS-PP

O Sr. José Calçada (PCP): - Não percebeu nada!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, antes de mais quero declarar que estou surpreendido com a ausência de perguntas do Partido Socialista.
Sei - é público - que perpassa pelo Partido Socialista um grande vendaval de dúvidas sobre as propostas do Governo para a reforma da segurança social, sobretudo depois do último debate que tiveram com elementos do seu partido que fazem parte da Comissão do Livro Branco mas que contestam a orientação oficial e maioritária. Será seguramente por isso que o Partido Socialista ou pelo menos uma parte dele - não quer envolver-se numa discussão em relação à qual, ao que parece, tem tantas dúvidas como nós quanto às propostas do Governo.
Isso é significativo... ou, então, o Partido Socialista está, de facto, de acordo com aquilo que dissemos...
Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, vamos tratar os problemas de maneira séria, porque nós queremos que este debate seja um debate sério.
Estou de acordo consigo quando diz que a questão nuclear não é técnica, é política. E a questão política é esta, Sr. Deputado: o sistema de segurança social é um sistema de solidariedade e de repartição vertical dos rendimentos...

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - E horizontal!

O Orador: - ...e é construído na base da relação que se estabelece entre uma carreira contributiva, entre os descontos que se fazem sobre o salários, e as prestações que, em contrapartida, quem contribui para o sistema dele deve receber.
E se este é o núcleo do sistema, por que razão é que se colocam limites máximos ou mínimos ao sistema? Porquê se, ao colocá-los, se está a pôr em causa este princípio essencial do sistema político de segurança social?!
Está a colocar o limite a quatro salários mínimos, a cinco salários mínimos? Se está a colocá-lo deste modo, a segurança social pública ficará sendo uma segurança social de recursos para as populações de mais baixos rendimentos e, a partir de determinado limite, obrigatoriamente ou não, as populações de mais altos rendimentos serão empurradas, para fundos de pensões e para um sistema em que as suas reformas, no futuro, daqui a 40 ou a 50 anos, estarão dependentes de
taxas de rentabilidade das aplicações financeiras dos fundos de pensões.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Não é verdade!

O Orador: - Esta é que é a questão e, por essa via, os senhores estão a pôr em causa a certeza de uma reforma, no futuro, para os jovens que hoje entram no mercado de trabalho e, consequentemente, no sistema público de segurança social e que,...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... por esse lado, teriam, necessariamente, uma reforma assegurada, enquanto por este têm a sua reforma, daqui a 40 anos, dependente da taxa de rentabilidade dos mercados financeiros, das especulações bolsistas. Esta é que é a questão central que se coloca no debate, Sr. Deputado!
E, mais do que isso, quanto à sustentabilidade financeira a longo prazo, os senhores vêm dizer- e ainda ontem o ouvi ao vosso presidente - que o sistema está falido.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - O modelo, Sr. Deputado, é o modelo que está falido!

O Orador: - Seguramente que a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto não acompanha o presidente do seu partido na afirmação que ontem fez na televisão, pois é falso que o sistema de segurança social esteja falido, é falso que ele esteja falido pelo menos até ao ano 2015, mesmo com base nos cenários mais pessimistas do Governo.
Então, por que é que se constróem cenários a 40 anos de distância com base em elementos que não têm sustentação e que poderiam ser outros, alternativos? Fazem-no, exactamente, para justificar o injustificável, que é o abrir do caminho para a área da privatização e das sociedades gestoras dos fundos de pensões.
De facto, Sr. Deputado, a questão central é a da solidariedade, que o Sr. Deputado pôs, a qual é resolvida deste modo porque, de outra maneira, põe em causa o sistema.
Os problemas de que os senhores falam, dos mais altos e dos mais baixos rendimentos, não são resolvidos em sede de segurança social, como não devem ser resolvidos em sede de propinas ou em sede de saúde. Eles devem ser resolvidos em sede da fiscalidade, de reforma fiscal, e o que os senhores querem é não atacar essa questão na reforma fiscal, não criando um sistema de justiça fiscal mais equilibrado e mais justo e transferindo para a segurança social as injustiças do próprio sistema fiscal.
Este é o núcleo essencial da questão, é contra ele que nós estamos e daí termos apresentado as propostas que apresentámos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir um primeiro esclarecimento ao Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro: Ouvi-o com a costumada atenção e gostaria,

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antes de mais, de cumprimentá-lo e de lhe dar conta do apreço que tanto o meu partido como eu próprio temos pelo trabalho de V. Ex.ª e do seu Ministério, no combate á fraude das baixas por doença.
Pensamos que esse combate é importante, tem de ser levado até ao fim e necessita de um grande empenhamento de todos. Por isso, não quero deixar de traduzir-lhe aqui o nosso apreço e de desejar-lhe, num combate que implica numa alteração profunda das mentalidades para se sair vitorioso e necessita de um enorme empenhamento - se não, teremos alguns revezes nessa matéria -, que o seu empenhamento não esmoreça.
E se é verdade que tenho esse desejo, é também verdade que, sinceramente, não tenho grande esperança de que assim seja, porque, em diferentes situações, verifiquei, tanto da parte de V. Ex.ª como do seu Governo e do partido que o sustenta, um enorme empenhamento em algumas questões que eram tremendamente importantes e, depois, com o decorrer do tempo, constatei que esse empenhamento foi esmorecendo e até, por vezes, desaparecendo.
Veja-se, por .exemplo, o caso da reforma da segurança social. Tomo as palavras finais da intervenção da V. Ex.ª quase como um acto de contrição, quando aqui disse entender que já se fez muita demagogia sobre a questão da reforma da segurança social. Acho que V. Ex.ª estava aqui, num acto de humildade que muito bem lhe fica, a penitenciar-se pelo contributo que deu para essa campanha demagógica que, ao longo de anos, durante tanto tempo, o seu partido fez.
Mas a verdade é que os senhores chegaram ao Governo e, presos, porventura, a declarações e a promessas que tinham feito aliás, quero também felicitá-lo por isso, porque em outras circunstâncias o seu Governo e o seu partido fizeram inúmeras promessas e depois não se sentiram presos a elas - sobre a reforma da segurança social, fizeram algo que, aliás, têm feito também noutros sectores, ou seja, criaram uma comissão e reuniram especialistas para estudarem esta matéria, pois, pelo menos enquanto eles estivessem entretidos a estudá-la, ninguém vinha falar-vos na questão da reforma.
É evidente que, quando o trabalho foi concluído, importava que aparecessem as propostas da reforma. Nessa altura, veio em seu socorro um seu colega de Governo, cujo nome não vou referir para não ser objecto de um processo judicial, dizer que já não havia tempo para fazer reformas.
Bom, penso que não existe um problema de falta de tempo mas apenas falta de coragem para fazerem a reforma da segurança social. E não pode o Sr. Ministro continuar a dizer que a reforma está a ser feita e que vai ser feita sem que se sinta e se veja rigorosamente nada.
Mas vamos a outro exemplo. O Sr. Ministro e o seu Governo têm falado muitas vezes de solidariedade. Os senhores são os campeões da solidariedade, mas são-no apenas nas palavras. Qual foi a solidariedade que os senhores traduziram no momento em que apregoam também um enorme crescimento económico, uma situação económica altamente favorável?

O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Deputado, pois já esgotou o seu tempo.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.

Nessa situação, Sr. Ministro, os senhores procederam a um aumento das pensões de reforma que se traduziu, concretamente, nesta situação: um cidadão que recebia a pensão mínima do regime contributivo pôde, por mês, comprar mais 10 litros de leite, 10 pães e l kg de feijão.
A questão que lhe coloco muito claramente, Sr. Ministro, é esta: se não é numa situação económica vantajosa que se procede ao aumento das reformas dos mais necessitados, quando é que esse aumento vai ser feito?

Aplausos do PSD.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Nunca!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade: Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa: É um pouco difícil responder á sua questão, porque deu-me a sensação que começou bem e que depois, a meio, se arrependeu.
Não sei se houve aí algum sinal da direcção da sua bancada, porque até começou bem, visto que começou por reconhecer aquilo que de bom se estava a fazer. Depois, de repente, não sei se na sequência de alguma piscadela de olho, começou a dizer que não acreditava em nada daquilo que se prometia.
Bem, é contraditório, porque se estava a saudar aquilo que, na prática, estamos a fazer, não se percebe como é que, depois, diz que não acredita no nosso empenhamento.
Sr. Deputado, como não percebeu o que eu disse sobre a reforma da segurança social, também é difícil responder a essa parte, porque está bastante claro que, quando falei da demagogia, estávamos a referir-me aos partidos da oposição que, por exemplo, apresentaram aqui, em vésperas das eleições autárquicas, uma proposta 'que levaria à ruptura financeira do sistema, o que significa que alguns partidos da oposição, depois de fazerem uma análise errada, dizem mais ou menos assim: a segurança social 'não está em falência mas está á beira do abismo e, como está à beira do abismo, vamos dar-lhe um empurrãozito, fazendo propostas de aumento da despesa e de redução da receita. É isso o que os senhores têm feito nos últimos anos, nesta Câmara, e ás vezes, nessa matéria, não estão tão sós como isso...
Sobre a questão da pensão mínima do regime geral, aproveito esta oportunidade que o Sr. Deputado me dá para o aconselhar á leitura - que é capaz de ser interessante - da II Série do Diário da Assembleia da República de 29 de Outubro de 1988. Tinham os senhores maioria absoluta, quando foi apresentado por mim e, entre outros, pelos Srs. Deputados José Reis e Carlos Lage um projecto de lei visando vários objectivos em matéria de pensões, nomeadamente de pensões mínimas. Reparem que estávamos, então, em minoria absoluta, portanto, só se os senhores quisessem é que o projecto de lei seria aprovado.
Tratava-se de uma proposta de uma seriedade a toda a prova. No artigo 2.º do nosso projecto de lei começava por se propor a correcção dos efeitos da inflação na metodologia de cálculo das pensões. Os senhores acabaram por fazer isso mais tarde. Na altura, votaram contra, mas depois acabaram

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por fazê-lo. Depois, o artigo 3.º tinha o seguinte titulo: "Indexação das pensões mínimas ao salário mínimo". Mas não se trata daquilo que os senhores pensam. O n .º 1 do referido artigo 3.º dizia o seguinte: "O valor mínimo das pensões de invalidez e velhice futuras ou já em processamento no regime geral não poderá ser inferior ao 50% do valor mais elevado do salário mínimo nacional desde que o beneficiário possua 10 anos de carreira contributiva". Isto está cumprido. Neste momento, as pensões são superiores a 50% do salário mínimo. Depois, o n.º 2 do mesmo artigo dizia: "Por cada ano a mais de contribuição em relação ao mínimo de 10 anos, a pensão mínima a atribuir sofrerá um aumento igual a 2% do valor mais elevado do salário mínimo nacional até atingir nesta proporção os 100% para os beneficiários com uma carreira contributiva igual ou superior a 35 anos".
Agora, vejam a seriedade política desta proposta, para quem está na oposição contra uma maioria absoluta, e vejam a seriedade política das propostas que os senhores apresentaram em vésperas de eleições, e outros partidos apresentam agora, possivelmente, neste último terço da Legislatura.
Por aqui me fico, Sr. Deputado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade, gostaria de, o mais rapidamente possível, porque o tempo não é muito, colocar-lhe três questões.
A primeira prende-se com a metodologia. Quero recordar ao Sr. Ministro que o Livro Verde, tal como a nossa bancada já afirmou, foi um passo importantíssimo. Não considero de modo algum que o Livro Verde seja aquilo que o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa disse, ou seja, pessoas entretidas a estudara matéria. Não! Ir a primeira vez em Portugal que estamos na posse de elementos que nos permitem raciocinar sobre a reforma da segurança social e penso que o Sr. Ministro tinha aí, de facto, um alibi para não fazer mais.
Agora, quando é que começo a entender que esta metodologia é errada? Quando, face a conclusões que, no fundo, são consensuais em aspectos determinantes, o Sr. Primeiro-Ministro vem aqui distribuir um maço de folhas A4 que parecem ser o sustentáculo das tais reformas. Traçou-se aqui uma metodologia que, se bem entendi, se traduzia pelo envio de umas cartas aos presidentes dos partidos a pedir indicação de pessoas para começarem a trabalhar e, bruscamente, não se ouve falarem mais nada. Aliás, lembro-me até que o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, aqui presente, disse que no mês de Maio o Governo promoveria um grande debate sobre as reformas. Mais nada!
Assim, temos de reconhecer que é a iniciativa legislativa - para já, esta é a única que conheço - da minha bancada e a iniciativa da interpelação ao Governo, por parte do PCP, que traz aqui o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade. Isso é lamentável. O Sr. Ministro já deveria ter vindo a esta Câmara por outras razões, pelas que o Sr. Primeiro-Ministro aqui indicou quando veio apresentar as reformas. Isso, do meu ponto de vista, é politicamente grave. Porquê? Porque
se é compreensível que se perca tempo a fazer o Livro Verde, não é compreensível que se perca mais tempo daqui para a frente, pois o Sr. Ministro sabe muito bem que, se perder mais tempo, não vai ter quaisquer reformas, porque não vai começar as reformas, ou, pelo menos, o esboço das reformas, nas vésperas das eleições.
Em relação ao financiamento, considero que o sistema não está manifestamente em ruptura. Em minha opinião, o conceito de sustentabilidade financeira é aquele que nos deve preocupar. Nunca poderemos fazer uma reforma num sistema em ruptura ou em pré-ruptura. Poderemos fazer uma boa reforma num sistema que ainda não está ameaçado de ruptura, mas que, no entanto, apresente indícios de poder vir a fraquejar na sua sustentabilidade.
Sr. Ministro, tomei conhecimento pelos jornais, porque o senhor não veio à Assembleia explicar melhor, que queria criar prestações sociais novas para os mais carenciados. Muito bem! Pergunto-lhe como é que prevê o crescimento do rendimento mínimo garantido, introduzindo ou não a variável da inserção. Isto é, quantas pessoas estão em lista de espera para o rendimento mínimo garantido e quantas podem entrar anualmente, tendo em conta os que são reinseridos?
Depois, gostaria de saber, se me pudesse dizer, como é que o Sr. Ministro das Finanças, sempre ausente nestes debates, mas que devia estar cá, porque tem respostas muito importantes a dar-nos, define os limites financeiros e exequíveis para as transferências do Orçamento do Estado.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Está a fazer o despacho!

A Oradora: - isto é, como é que, previsivelmente, vai crescer o orçamento do subsistema da solidariedade?
Finalmente - sou licenciada em Direito e julgo que o Sr. Ministro é economista, mas não 0 ouço aqui falar em números, e eu, apesar de não gostar de números, entendo que, agora, eles são mesmo necessários, o Sr. Ministro diz que vai reduzir a taxa social única e criar uma nova receita fiscal. Também para falar sobre isto gostaria de ter cá o Sr. Ministro das Finanças, mas, como não está, gostaria que o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade me dissesse qual é essa receita fiscal.
São estas as questões concretas que deixo colocadas. Infelizmente, ainda não temos um papel onde o Sr. Ministro tenha consubstanciado o modo e a forma deste inicio de reforma, que sabemos ser longa, gradual e que vai demorar tempo, mas que não acabará porque não começa.

Aplausos do CDS-PP

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade: Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, colocou duas questões fundamentais do ponto de vista político e gostaria de aproveitar esta oportunidade para procurar responder.
Em primeiro lugar, referiu-se ao chamado pacto de regime e ao processo que decorreu. Com efeito, na sequência da apre

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sentação, na Assembleia da República, do documento a que estávamos obrigados pelo Orçamento do Estado, o Sr. Primeiro-Ministro teve encontros e dirigiu convites para que os diversos partidos nomeassem representantes. O PCP nomeou um representante, com quem, aliás, já tive o prazer de falar, conversa que foi interessante, estimulante, e espero que os senhores estejam informados de tudo aquilo que se passou.

Risos.

O PSD, curiosamente, respondeu dizendo que apenas se pronunciaria perante propostas concretas. Isto é, quem queria primeiro uma reforma de fundo, vem depois dizer que só se pronunciaria sobre cada uma das propostas. Existe também uma carta, manuscrita até, do líder do PSD, dizendo isso, não nomeando ninguém, recusando terminantemente essa nomeação. Se não a conhece, posso mandar-lhe a carta manuscrita pelo Professor Marcelo Rebelo de Sousa.

Risos do PS.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Não, não!

O Orador: - Com o PP aconteceu algo muito interessante: o Dr. Paulo Portas escreveu uma carta onde dizia que só estaria disponível para nomear um representante se ficasse claro que seria para se trabalhar no sentido de se construir uma lei de bases da segurança social. Nessa carta, entre outras coisas, dizia, como aspecto essencial, como condição fundamental, que não iria nomear uma pessoa para um grupo que não tivesse uma missão específica e que a questão concreta,. fundamental, era a elaboração de uma lei de bases da segurança social.
É esta a questão do ponto de vista político, e foi isto que foi dito. Pode não estar escrito precisamente assim, pois não tenho aqui a carta, mas posso depois mandar-lhe uma cópia...
O que se passou foi isto: essa carta chegou num determinado dia, passados poucos dias celebrou-se o Dia Nacional da Segurança Social, e eu próprio declarei publicamente que o Governo iria apresentar uma proposta de lei de bases da segurança social, articulando isto com o processo de negociação que deveria continuar a desenvolver-se. No dia seguinte, o Dr. Paulo Portas fez um comício, transmitido em directo por uma estação televisiva, em que anunciou que iria apresentar o seu próprio projecto de lei de bases da segurança social. Esta é a realidade dos factos!

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - É espantoso!

O Orador: - Como é a realidade dos factos, não é desmentível, porque contra factos não há outros factos, apesar de, às vezes, poder haver argumentos, mas nem sempre bons.
Não discuto a legitimidade política da intervenção nem sequer coloco aqui qualquer incidente de ética, longe disso. Do ponto de vista político, faz sentido o comportamento do líder do PP. Não é isso que me preocupa. Agora, estou a responder a uma pergunta concreta que a Sr.ª Deputada levantou e, se não fosse levantada, eu não teria interesse algum em estar aqui a entrar em pormenores da carta e a referir o que ela disse ou não disse. Como é óbvio, a questão que foi colocada é uma questão política e como tal tem de ser respondida, para se perceber quem teve vontade política de trabalhar para um consenso e quem tem menos, digamos assim.
Admitamos que nem tudo está perdido, que o facto de haver várias propostas de lei de bases ainda permite que o trabalho de debate político se faça. O PCP acabou também de anunciar que vai entregar o seu projecto de lei de bases, e ainda bem! Espero que o PSD também não fique agora à espera e se esconda atrás do PP e do Dr. Paulo Portas em matéria de lei de bases da segurança social. Seria muito estranho que os senhores, com a experiência que tiveram em gestão do sistema de segurança social durante tantos anos, ficassem agora atrás do Dr. Paulo Portas. Creio que devem procurar apresentar um projecto de lei também, para, em conjunto - e estou a dizer isto com toda a seriedade -,...

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Nota-se!

O Orador: - ... podermos trabalhar, de modo a que, com base nas propostas de lei de bases que sejam discutidas na generalidade em Plenário e depois na especialidade, se possa trabalhar para uma boa lei de bases da segurança social, que é aquilo que, penso, devemos desejar.
Sei que a última Lei de Bases da Segurança Social não teve o acordo do PCP, que agora se refere muito à Lei de Bases da Segurança Social de 1984. Parece que, na altura, não a apoiou, mas isso também faz parte da dinâmica da História, em relação a vários documentos legislativos. Espero que desta vez seja possível enquadrar todos os partidos nesta proposta global, para a qual queremos contribuir com toda a determinação.
Sobre a questão do rendimento mínimo, Sr.ª Deputada,...

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, queira terminar.

O Orador: - ... com efeito, tudo o que se passou até agora aponta para a possibilidade e exequibilidade financeira do rendimento mínimo. Não há qualquer derrapagem a esse nível; há, sim, alguns atrasos; manifestos, por dificuldades encontradas. O rendimento mínimo estendeu-se a todo o país em Julho passado, estamos em Maio, 10 meses depois, e é natural que numa primeira fase - eu sempre disse isso, aqui e noutros sítios - haja dificuldades administrativas e que só ao fim de um ano e meio ou dois anos atinjamos a velocidade de cruzeiro, o que se aplica também à inserção, obviamente, não obstante os resultados que temos serem muito positivos.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, tem mesmo de terminar.

O Orador: - Sobre a arbitragem, em matéria de taxa social única e novas receitas fiscais, espero ainda hoje ter oportunidade de me poder referir a ela.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

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A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, uma vez que o Sr. Ministro, infelizmente, gastou metade do tempo que lhe cabia não a responder ás minhas perguntas mas a dissertar sobre as cartas, quero apenas explicar o seguinte: com efeito, a carta que foi enviada ao Sr. PrimeiroMinistro tinha condições de eficácia e de eficiência. Estamos sempre a falar de eficiência e eficácia, e eram essas as condições que lá constavam, ou seja, pretendia-se saber se, de facto, o Governo queria um nome para começar um trabalho ou se queria apenas um nome. Aliás, permito-me fazer esta interpretação, creio que outros partidos poderão ter pensado ser melhor não indicar esse nome, para não estarem a dar cobertura ao Governo para ele dizer que vai fazer uma coisa que, afinal, não vai. Ou seja, aquilo que, penso, qualquer partido, sobretudo da oposição, pretendia era que nos fosse indicada a metodologia de trabalho em torno do documento apresentado pelo Sr. Primeiro-Ministro ou para fazer um projecto de lei de bases.
É essa falta de metodologia que faz com que a miséria acabe em fartura.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, como sabe, não fez uma interpelação à Mesa, mas também não andou muito longe disso.
Para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade, é claro e inequívoco que nós, PCP, consideramos útil e necessário começar a pensar atempadamente numa reforma da segurança social, de modo a haver calma para reflexão, para que ela possa ser muito reflectida e muito ponderada. Pode existir, isso sim, divergências sobre qual o objectivo da reforma e a modalidade ou modelo de segurança social ou de protecção social, em termos mais latos, que se pretende para o futuro.
Ora, na questão que está colocada, para nós, em termos de reforma da segurança social, há duas questões que são centrais.
A primeira é estritamente política: a reformada segurança social destina-se a aumentar, a reforçar a protecção social, ou a limitar, diminuir e reduzir essa protecção social? Aqui, somos inequívocos: ò objectivo da reforma que pretendemos é, praticamente, para reforço da segurança social, para o aumento da melhoria daquilo que existe neste momento.
A outra questão que também tem contornos políticos é a do financiamento. São estas duas grandes questões que se colocam na perspectiva da reforma da segurança social. Sr. Ministro, o problema é o seguinte: como é que se vai fazer o financiamento da segurança social no futuro, face á evolução, designadamente, da relação entre activos e inactivos?
O meu camarada Lino de Carvalho já referiu o facto de se estudar a alteração do financiamento, no sentido de alterar a situação actual, em que o financiamento da segurança social, para aquilo que agora nos importa em termos de regime geral das pensões de reforma, etc., incide exclusivamente sobre os salários, porque isso tem a ver com o problema de uma redistribuição da carga fiscal pelas empresas mais capital intensivas ou mais trabalho intensivas, tem efeitos positivos no emprego, aliás, como há pouco o Sr. Ministro referiu, e tem, fundamentalmente, o objectivo de garantir o financiamento, a muito longo prazo, da segurança social, naquilo que é o chamado "regime geral" no momento actual.
Quanto ao Livro Branco da Segurança Social, eu discuto-o, critico-o, etc., mas é-me relativamente "indiferente", na perspectiva de que não é um indício de proposta de lei, não é um indício de uma iniciativa legislativa. O grande problema é que o Governo, ao acolher a questão do "plafonamento", acolhe o problema central de financiamento, abrindo o sistema á privatização.
Sr. Ministro, com a introdução do "plafonamento", há uma partilha de contribuições entre o sector público e o sector privado. Parte daquilo que vinha, e vem, neste momento para o sector público passará a ir para o sector privado. Não há poupanças de recursos. O encargo continua a ser o mesmo em termos nacionais, a não ser que deixe de haver essa contribuição agora "plafonada" que passaria para o sector privado, que deixe de haver qualquer contribuição nesse sentido, e, então, temos o problema da redução da protecção social. Essa é a questão central.
Sr. Ministro, na questão do " plafonamento", não é possível encontrar uma solução de financiamento do sistema de segurança social; o que é possível encontrar, pura e simplesmente, é essa partilha, essa transferência, isto é, a abertura ao sector privado.

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Sr. Ministro, permita-me que lhe coloque apenas uma questão. Para além de tudo o mais que se possa argumentar - e pode-se, do ponto de vista sério -,recorde, Sr. Ministro, o que é que sucedeu e porque surgiram nos países europeus os sistemas públicos de segurança social. Foi precisamente na primeira metade deste século, devido à evolução económica e a várias catástrofes financeiras dos mercados financeiros, que todos os países europeus se viram obrigados a substituir, ao fim e ao cabo, os sistemas privados que então existiam por sistemas públicos. Agora, o que o Governo parece querer fazer é o passo inverso. Essa é a questão central, porque esse passo inverso seria regressar ao passado, seria regressar ao problema da possibilidade da falência do sistema e do modelo de segurança social.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade: Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, como sempre, fez uma intervenção num registo que é construtivo e sincero e julgo que, do ponto de vista da sua posição política, coerente.
Disse, e bem, que é preciso pensar atempadamente na reforma da segurança social; disse, e bem, que há um problema de financiamento, tendo em atenção o actual modelo e aquilo que é a relação futura entre activos e inacti

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vos. É um registo muito diferente da intervenção que produziu há pouco.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não é verdade!

O Orador: - É um registo muito diferente, mas não vou entrar por aí, não vou desenvolver essa temática.
Efectivamente, as duas questões que coloca como centrais são as duas questões que nós colocamos também como centrais, mas podemos resolvê-las de maneira diferente. As duas questões são colocadas, praticamente, ao mesmo nível, porque também temos, e consideramos como um problema fundamental, o reforço da protecção social. E como problema fundamental, um problema de sustentabilidade, portanto, um problema de reforço financeiro de médio e longo prazos; só que não temos é a ilusão que aparentemente o PCP tem, de que se possa, como se costuma dizer, «mandar a bola para canto». Isto é, nós temos um problema na segurança social, o Orçamento do Estado tem obrigação de resolvê-lo, porque os protagonistas das receitas são parecidos, tanto no Orçamento do Estado como na segurança social. E nós podemos dizer que se o Orçamento do Estado pagasse todos os anos não sei quantas centenas de milhões de contos que não pagou durante a gestão de vários governos anteriores, isso resolveria o problema do subsector segurança social. Mas o problema é que para isso tinha de ter recursos, e esses recursos tinha de obtê-los em receitas e as receitas tinham de ser feitas mais uma vez ou sobre o trabalho ou sobre o capital. Portanto, estávamos novamente no mesmo circuito e no mesmo tipo de problemas.
Ou seja, o problema da sustentabilidade financeira é um problema que tem de ser visto de uma forma global como sustentabilidade financeira da segurança social e do sector público administrativo, porque não há sustentabilidade financeira da segurança social à custa de um défice enorme do Orçamento do Estado que tenha como consequência um défice também grande no sector público administrativo.
O Sr. Deputado percebe completamente e domina historicamente o debate orçamental há muitos anos e, portanto, percebe exactamente o que estou a dizer. Portanto, esta é que é a questão. Não entendemos que haja soluções mágicas desse tipo de «mandar a bola para canto»! Tem de haver uma solução estruturante que englobe simultaneamente o pensamento sobre o modelo de financiamento directo ao nível do sistema contributivo e do regime geral e também o modelo mais global ao nível do Orçamento do Estado. E aí há que reconhecer-e sempre o disse - que algumas coisas foram feitas no tempo do PSD, foram passos em frente, como por exemplo, a entrada do I VA social num determinado momento, porque abriu uma porta, que foi a porta da possibilidade de o próprio regime geral contributivo ter fontes de financiamento que não são meramente das contribuições sobre o trabalho das contribuições das empresas. Portanto, isso é uma pista que poderá e deverá desenvolver-se. Será com o IVA? Aí há dúvidas, não apenas por motivos ligados à inflação que poderiam já ser motivos pesados mas também porque há regras em matéria de IVA à escala europeia.
Portanto, há um conjunto de problemas que se pode levantar, aliás, tudo o que tem que ver com a fiscalidade, como o Sr. Deputado sabe tão bem como eu, também hoje tem de ter um pensamento não único mas um pensamento europeu, além do pensamento nacional. Portanto, esta é uma vertente em que o trabalho é certamente bastante complexo.
O problema do «plafonamento» é uma falsa questão e erigi-la como uma questão central do debate da reforma pode ser muito interessante do ponto de vista político-partidário, mas não tem qualquer significado em termos de responder a todos os problemas globais de sustentabilidade...

O Sr. Presidente: -Agradeço que termine, Sr. Ministro.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente. Pedia-lhe só mais um minuto para dizer algumas coisas que possivelmente muita gente não sabe.
Em primeiro lugar, o «plafonamento» está previsto na actual Lei de Bases da Segurança Social. Isto é, a próxima lei de bases se tiver lá o «plafonamento» não é mudança alguma. Só que, efectivamente, os governos do PSD, durante uma série de anos, nunca utilizaram, nunca quiseram avançar por essa via; tiveram certamente as suas razões, embora tivesse havido grandes problemas com o financiamento da segurança social durante esse período.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Por isso é que votámos contra!

O Orador: - Não foi só por causa do «plafonamento» que o senhor votou contra o PSD.
Portanto, é uma falsa questão, porque a forma como está proposto no documento do Governo - e vejo que felizmente o PCP leu o documento do Governo e verificou que era uma proposta, segundo o PCP com alguns perigos, mas era uma proposta, com várias coisas concretas que agora contesta.

O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Ministro. Já esgotou o minuto que pediu.

O Orador: - Vou terminar imediatamente, Sr. Presidente.
Sr. Deputado, o «plafonamento» que está proposto não é obrigatório, e é um «plafonamento» para o futuro. Não é obrigatório no sentido da contribuição porque está acima do «plafonamento» ir para um determinado fim. E não deve fugir a uma obrigação sistemática que todos devem ter em matéria de solidariedade global.

O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Martins.

O Sr: Francisco Martins (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, duas questões muito concretas que me parecem de particular importância quando se fala de reforma de segurança social. É sabido que a segurança social é um direito e cabe a todos os portugueses, à luz da Constituição e, neste particular importa naturalmente, quando se fala em direitos dos trabalhadores em .especial, ter atenção àquilo que são direitos adquiridos. É certo, e não duvido, que o Governo tem isso em atenção, muito em especial aquilo que são direitos adquiridos, salvaguarda esses direitos, porque isso mesmo está consagrado no Acordo Social de 1996.
É sabido também que os rendimentos de trabalho, os rendimentos de trabalho dependente significam - e já foi dito

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neste Câmara - qualquer coisa como 75% das receitas da segurança social. Não há dúvida - pensamos nós - que o factor trabalho é bastante penalizado neste particular e consta até que o Governo na reforma da segurança social tem em vista e visa, tendo em atenção esse pressuposto, uma certa despenalização. Importa que isso tenha alguma importância quando se pretende clarificar o sistema de financiamento da segurança social.
Assim sendo, a primeira questão é saber até que ponto o Governo tem esse propósito, ou seja, despenalizar o factor trabalho no que concerne aos trabalhadores dependentes e em concreto que medidas, que propósitos tem nessa matéria.
Uma segunda questão, também muito concreta, prende-se - e ela está na mesa - com a alteração da Lei n.º 28/84, que está em vigor, e é em particular a questão dos acidentes de trabalho. A actual lei consagra que esta é uma matéria cuja gestão deve ser transferida para a segurança social - está lá desde 1984. A matéria de acidentes de trabalho é algo de muito importante neste país tenhamos em atenção que o ano de 1997 foi um ano negro em termos de sinistros mortais de acidentes de trabalho, foi, nos últimos anos, o ano com mais acidentes de trabalho mortais, cerca de 196. É uma matéria que nos apoquenta, no sentido daquilo que são algumas reservas, é algo sobre o que sempre temos vindo a alertar nesta Câmara, a inexistência de regulamentação no que concerne a normas de segurança, higiene e saúde no trabalho. Não podemos dissociar uma questão da outra... Isso é algo em que o Governo tinha obrigação de avançar.
Aliás, desde 1995 questionamos sobre onde está a regulamentação no que concerne a normas de segurança, depois da construção de um verdadeiro edifício legislativo a partir do Decreto-Lei n.º 440/91 pelo anterior governo. Mas a verdade é que o Governo também nesta matéria se tem esquecido de avançar.
E permita-me Sr. Ministro, que abra aqui um parêntesis: nós temos desde 18 de Agosto de 1997, uma lei de acidentes de trabalho nova, a Lei n.º 100/97, que no seu final, em sede de regulamentação, apontava para 180 dias, é uma falha continuada porque passou esse prazo e continuamos na expectativa de que essa lei, que é seguramente importante, seja devidamente regulamentada, com o pressuposto da entrada em vigor.
Neste particular, e porque realmente achamos que é uma questão importante, Sr. Ministro, uma segunda questão: qual é o propósito deste Governo ou seja, pretende manter esse propósito de transferir a gestão de acidentes de trabalho para a segurança social ou manter o actual regime.
Uma nota final neste particular que gostaria de transmitir-lhe: não está em causa, quando se fala em acidentes de trabalho, discutir a questão que tem a ver com o binómio seguradoras/sinistrados; tem-se em vista muito mais do que isso, porque a questão não se reduz a essa mera questão económica; tem-se em vista, isso sim - e essa é a nossa preocupação - a salvaguarda dos interesses dos sinistrados...

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente, mas permita-me que diga o seguinte: que está em causa é a salvaguarda dos interesses dos sinistrados, o que está em causa é a prestação do serviço efectivo aos sinistrados, o que também está em
causa é o Estado ser pessoa de bem e naturalmente ter em atenção aquilo que é o papel das seguradoras e a melhor prestação de serviço que elas podem dar aos sinistrados. É uma .questão séria. Portanto, gostaria que o Sr. Ministro também nos dissesse qual é o seu propósito.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade: Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Martins, sobre a questão dos direitos adquiridos, que foi por onde o Sr. Deputado começou - e aproveito para agradecer as perguntas que me fez -, enfim, a prática mostra que temos procurado trabalhar no sentido de isto ser sempre um princípio verificado na prática. Efectivamente, em matéria de despenalização do factor trabalho, se ler com atenção a proposta de lei que apresentámos na Assembleia da República que, aliás, já teve um primeiro momento de debate proposto pela Sr.ª Deputada Elisa Damião, como Presidente da Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, onde, se não estou em erro, nenhum Deputado do PSD levantou qualquer questão ou fez qualquer intervenção sobre as 30 propostas concretas que lá estão, mas "mais vale tarde do que nunca"... -, verifica que nela está explícito que pretendemos fazer essa gradual despenalização, como o Sr. Deputado referiu. Mas não temos o irrealismo, digamos, de pensar que é possível, de repente, baixar significativamente a taxa social única. Isto tem de ser feito deforma cuidadosa e com garantias de capacidade de financiamento por outras vias, através - e está lá a admitir como exemplo de uma contribuição de solidariedade. E hoje já aqui foi colocado pelo PCP um cenário não exactamente nestes termos, mas parecido.
No fundo, é possível discutir-se em conjunto este tipo de problemas de financiamento e de contrapartidas orçamentais que não penalizem apenas o factor trabalho. Portanto, se o PSD também tem esta opinião, penso que vai ser possível, em sede de lei de bases, conseguir-se inovar nesta matéria, que é tão importante para o próprio financiamento do regime geral e não apenas para a questão dos regimes não contributivos e da acção social.
Quanto à legislação sobre os acidentes de trabalho, como o Sr. Deputado disse - e bem! -, a lei foi aprovada na Assembleia da República em finais de 1997. A demora na sua regulamentação deve-se ao facto de estar a ser feita com todo o cuidado, pois estão a ouvir-se todas as instituições, mas penso que estaremos próximos dessa regulamentação.
Se me pergunta se o caminho proposto na lei, que os senhores aprovaram na Assembleia da República, é o de as companhias de seguros deixarem de ter qualquer papel, passando tudo para a Segurança Social, basta ler a lei para verificar que assim não é. Porém, os Srs. Deputados têm sempre a possibilidade de apresentar projectos de lei.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade, são passados

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quase dois anos desde a entrada em vigor do rendimento mínimo garantido e quase 10 meses sobre a sua generalização. O PCP tem naturalmente, como o Sr. Ministro e toda a Câmara sabem, responsabilidades nesta nova prestação social, seja porque fomos o primeiro partido a apresentar um projecto sobre esta matéria, seja porque também aprovámos este rendimento. E por isso não podemos deixar de questionar o Governo sobre a matéria, pois, na sua aplicação, em nosso entender, existem questões que nos preocupam e que merecem as nossas apreensão e crítica.
Não podemos deixar de afirmar que o rendimento mínimo garantido representa um novo e importante direito social, mas não podemos igualmente esquecer que ele não constitui por si só uma medida que resolva os graves problemas sociais que a sociedade portuguesa enfrenta, desde logo traduzidos em quase meio milhão de desempregados, dos quais cerca de 60% não recebem o subsídio de desemprego e para quem, entre outros, o rendimento mínimo está vocacionado. O número de desempregados aumenta, aumenta o desemprego, alastram as bolsas de pobreza e os excluídos e marginalizados da sociedade. Sendo o rendimento mínimo garantido um factor importante de apoio para fazer face às carências das famílias mais necessitadas, não pode limitar-se a ser um mero instrumento de subsidiação da pobreza. O que o PCP apoia e deseja é um rendimento mínimo garantido que não esteja desligado de uma outra vertente, a reinserção social dos beneficiários do sistema, ou seja da sua reentrada no mercado de trabalho, onde, através dos programas de reinserção, o seu enquadramento seja uma realidade. E é aqui que, em nosso entender, o Governo está a falhar. Se não vejamos.
Das cerca de 200 000 pessoas deferidas ou com processo em deferimento e que estão a receber, que o Sr. Ministro informa estarem já a receber subsídio, apenas 12% se encontram em programas de reinserção. Mas, se formos um pouco mais ao pormenor, verificamos que nas áreas de reinserção para o emprego apenas se encontram cerca de 2500. O Sr. Ministro e o seu Governo terão de reconhecer que é manifestamente pouco para um programa de reinserção e que são legítimas as nossas preocupações sobre esta matéria.
Reafirmamos, Sr. Ministro, o nosso apoio ao rendimento mínimo, mas também reafirmamos a nossa crítica e o nosso distanciamento a uma política que impede que o rendimento mínimo seja um verdadeiro instrumento de reinserção social.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Neste quadro, coloco-lhe duas ou três questões. Como pensa o Governo resolver a questão central do desemprego para que o rendimento mínimo seja um verdadeiro instrumento de reinserção social? O Governo vai ou não apresentar um verdadeiro plano nacional de emprego com sustentabilidade e garantia e que crie efectivamente emprego líquido? Como pensa o Governo resolver estas e outras situações?
Pela parte do Grupo Parlamentar do PCP, reafirmamos aqui, e voltamos a afirmar, que é necessário e importante assegurar o direito ao subsídio do rendimento mínimo garantido, mas mais importante do que isso é assegurar o direito ao trabalho.

Vozes dó PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade: Sr. Presidente, Sr. Deputado Rodeia Machado, é sempre um gosto ouvi-]o, mesmo quando está a ler...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não seja deselegante, Sr. Ministro.

O Orador: - Não, estou a dizer isto apenas porque foi lido muito depressa. Não é por mais nada, porque também aqui, enquanto Deputado, li muitas intervenções e muitas perguntas. Portanto, fui mal entendido. O Sr. Deputado Lírio de Carvalho percebeu mal ou, então,:..

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não percebi mal!

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Mas, se o Sr. Ministro quiser, posso fazer-lhe a pergunta sem ler!

O Orador: - Quanto à questão do rendimento mínimo, o que lhe posso dizer é que já foram cancelados e aproveito para responder também à Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto cerca de 20 618 processos de pessoas, em grande parte por integração no mercado de trabalho, 23,5%, por uma bolsa de formação, 13, 1 %, por programas ocupacionais, outras acções de inserção social. E isto em poucos meses, o que, em meu entender, tem a sua importância.
Por outro lado, faz-me muita confusão - anão ser que haja uma mudança estratégica no PCP em matéria de rendimento mínimo ver o PCP recuperar, como se fossem seus, alguns argumentos, que tradicionalmente foram utilizados por uma certa direita, sobre as dúvidas em relação a este assunto.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Não é verdade!

O Orador: - Porque a inserção social no rendimento mínimo é, neste momento, muito acima das minhas expectativas, das melhores expectativas. E o Sr. Deputado não pode comparar, como está a fazer, a inserção social com o número de pessoas que já têm os processos deferidos, porque, é óbvio, um processo de integração social para uma determinada pessoa demora semanas, meses, a começar. E, portanto, a comparação tem de ser com o número de beneficiários que existiam três meses antes. Assim, se fizer esta aproximação, verifica que há uma percentagem extremamente importante de pessoas em inserção. Neste momento, estão em inserção social cerca de 53 200 pessoas em Portugal.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - 53 000?!

O Orador: - Ora, para o esforço que normalmente se faz em Portugal, em matérias deste tipo, parece-me ser um número bastante significativo, que fala por si, tendo em linha de conta as áreas de inserção e aqueles que não têm de ser inseridos por não terem condições, em idade, para isso.
Portanto, há 53 200 pessoas...

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - 53 200?! Não é isso que é dito no documento!

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O Orador: - Há 53 200 pessoas a receber o rendimento mínimo garantido e que estão em processos de reinserção ou dispensadas por razões objectivas dessa mesma inserção. É evidente que, senão levar isto em linha de conta, as suas contas, depois, estão erradas.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Mas as contas não são minhas, são suas, constam no documento!

O Orador: - Quanto ao aumento do desemprego de que o Sr. Deputado fala, deve ser noutro país. Quer dizer, com todas as informações...
Os senhores podem continuar a querer viver numa ilusão, mas o facto é que estamos com uma taxa de crescimento muito elevada, com uma taxa de investimento muito forte e a criar muito emprego. Portanto, se continuarem a referirem-se a um país imaginário, onde o desemprego aumenta todos os dias, onde a exclusão também tem uma tendência para não ser combatida, onde a pobreza não tem limites, enganam-se no país e o eleitorado também não os compreende.
Penso que é bom estarmos a discutir o mesmo país, e o país em que estamos é Portugal, onde felizmente as coisas neste momento correm bem. Temos muitos problemas, sobretudo em matéria de formação dos activos. Como vem no plano nacional de emprego, o principal problema que temos é um problema de futuro, a possibilidade de termos desemprego futuro se não houver atempadamente acções de qualificação e de emprego dos actuais empregados. É este o grande objectivo nacional que o plano nacional de emprego contém e que, ontem, na Comissão de Economia, Finanças e Plano - e, certamente, o Sr. Deputado esteve lá - ...

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Não foi na Comissão de Economia, Finanças e Plano mas na Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

O Orador: - Exactamente, na Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Mas, como eu dizia, ontem o Sr. Secretário de Estado Paulo Pedroso teve o gosto de esclarecer isto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade, em primeiro lugar, e ainda antes de formular as perguntas, quero dizer que é preciso que trabalhemos todos num debate sério e com os mesmos elementos. Nos documentos que o Sr. Ministro distribuiu, que a Comissão Nacional do Rendimento Mínimo Garantido distribuiu, diz-se que os beneficiários...

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade: - De quando é que é esse?

O Orador: - De 28 de Fevereiro.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade: - Esse já está desactualizado!

O Orador: - É o último que temos!

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade: - Mas esse está desactualizado!

O Orador: - Mas se o senhor não fornece outra informação... ! Como é que é?!...

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade: - Qual é o número que esse refere?

O Orador: - Refere 21 300. Em um mês passou logo para o dobro?!

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade: - Esse está desactualizado, mas distribui um actualizado na Comissão de Economia, Finanças e Plano a toda a gente!

O Orador: - Certo, mas se o Sr. Ministro quer um debate, quer consenso, forneça elementos de informação. Esta é a primeira questão.
Segunda questão, estes números são oficiais, são fornecidos pela Comissão Nacional do Rendimento Mínimo Garantido.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade: - Mas já estão desactualizados!

O Orador: - Mas vamos às questões que quero colocar, Sr. Ministro.
A primeira questão que quero colocar tem a ver com o celebrado consenso e o pacto que o Sr. Ministro tem afirmado, e como dissemos, eu próprio e o meu camarada Octávio Teixeira, que falamos nos mesmos registos, e como o Sr. Ministro disse, nós disponibilizamo-nos ao mais alto nível para participar neste consenso. E o próprio Sr. Ministro teve o cuidado de, em vésperas da interpelação, finalmente fazer o contacto oficial para iniciar esse debate. Mas, Sr. Ministro, convenhamos o seguinte: não se pode falar em consensos, em pactos e, depois, usar uma metodologia que põe em causa essa afirmada vontade de diálogo. Esta é que é a questão, Sr. Ministro. Vou dar-lhe três exemplos concretos, três exemplos de documentos.
O Sr. Ministro fala muito no Livro Branco elaborado pela comissão, que foi um esforço e tal... Mas o Sr. Ministro recorda-se - se não se recorda, recordo-o - que, a pág. 89 do "Contrato de legislatura do PS", se dizia que "o Livro Branco sobre Segurança Social seria realizado por uma equipa de peritos independentes, de nomeação parlamentar", o primeiro passo que o Governo não cumpriu para o tal celebrar do diálogo. A Comissão do Livro Branco não é de nomeação parlamentar mas de uma comissão da exclusiva responsabilidade do Governo, e, como sabe, a sua composição tem muito - e talvez isto explique também muita das opções que fizeram - a ver com interesses das sociedades gestoras de fundos de pensões em grande parte dos seus elementos. Não há dúvidas, Sr. Ministro.
Segunda questão, por que é que o Sr. Ministro, o Governo, não cumpriu o "Contrato de legislatura do PS"? Está escrito, eu li, Sr. Ministro António Costa. Ouviu, não ouviu? Por que é que não cumpriu?
Terceira questão, o Sr. Ministro Ferro Rodrigues, no discurso que proferiu no dia 8 de Maio, disse "procura-se a exis

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tência de um alargado consenso social e político (...) que crie condições, que crie a capacidade de transformar esse consenso num processo legislativo que possua como elemento central uma nova lei de bases da segurança social". Onde é que está o consenso, que os senhores anunciaram? De repente, a correr, uma lei de bases é feita em dois meses nomearam um grupo de trabalho na semana passada para apresentar uma lei de bases daqui a dois meses. Onde é que aqui está esta metodologia anunciada? Não está.
A quarta questão tem a ver com o facto de, no próprio documento que apresentaram à Assembleia da República, o Sr. Ministro ter dito: "é muito importante criar o pacto através de passos que devem ser dados em conjunto entre o Governo e os partidos, unidos numa plataforma de propostas ao conjunto da sociedade". Portanto, Sr. Ministro, nós continuamos á dizer aquilo que dissemos: estamos disponíveis para esse diálogo e essa participação, mas para um diálogo sério e não para um diálogo do "faz de conta", não para um diálogo que use uma metodologia que em cada momento põe em causa esta afirmação de consenso de que o Governo fala em todos os momentos. Esta é a questão séria. Não crie primeiro os documentos e só depois o diálogo, invertendo tudo aquilo que está escrito.

O Sr. Presidente: - Faça favor de terminar, Sr. Deputado, pois já ultrapassou em muito o tempo regimental.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente, quero apenas dizer mais uma coisa, que tem a ver com um problema central, que é o da sustentabilidade financeira.
Já aqui foram referidas as questões de filosofia, pelo que só coloco esta questão: todos nós temos este elemento referencial, da sustentabilidade financeira a prazo, da segurança social, mas o Sr. Ministro é capaz de garantir que aqueles cenários, que sustentam as propostas do Governo e que estão no Livro Branco, são os únicos possíveis?! É capaz de garantir que no ano 2030 o emprego está a zero?! Que as projecções demográficas são aquelas, quando, por exemplo, ainda neste fim-de-semana foram publicados novos valores que invertem as tendências das projecções demográficas?! É capaz de garantir que o aumento da produtividade é aquela?!
Portanto, a sustentabilidade financeira tem de ser procurada em outras soluções, com base em cenários credíveis e em soluções alternativas de financiamento ao sistema público de segurança social que não justifique e não obrigue a abrir as portas do sistema às sociedades gestoras de fundos de pensões.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade: Sr. Presidente, Sr. Deputado Lírio de Carvalho, sobre a questão da evolução do pacto de legislatura para a situação, devo dizer-lhe que certamente já não estará recordado (também não é obrigatório!) de que o Governo está obrigado a cumprir o programa de governo que foi aqui aprovado pela Assembleia da República. E, nesse programa de governo, á
formulação que está não é essa nem é a que está no programa do próprio PS. Houve um debate a seguir ao < Contrato de legislatura" com as pessoas que estavam envolvidas na elaboração do dito contrato que levou a que, por uma questão de rapidez e de operacionalidade, se criasse condições para que a comissão fosse rapidamente constituída e não tivesse uma natureza político-partidária, que fosse constituída por peritos independentes e não por pessoas representantes dos partidos, que era aquilo que, fatalmente, aconteceria se tivéssemos escolhido outro modelo.
Agora, podemos perguntar se teria sido melhor ou se teria sido pior - eu estou convencido de que teria sido pior, mas admito (porque é uma questão de fé) que se possa dizer que era melhor ter, desde o princípio, representantes dos partidos. Não é essa a minha opinião. A opinião de que a comissão teve uma composição plural, que tinha pessoas extremamente competentes e que trabalharam bem, é uma opinião que é partilhada hoje a todos os níveis da sociedade portuguesa. Não é por haver um incidente aqui ou acolá que esta questão pode ser posta em causa, até porque a honra das pessoas, todas elas, da comissão está acima de qualquer suspeita. É fundamental que isso fique claro. Eu não estou nada de acordo com as questões de as pessoas estarem com a camisola A ou B, ou desta ou daquela instituição, porque isso não é verdade.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP):
Sr. Ministro!

Não seja ingénuo,

O Orador: - Quanto à questão do acordo político, repare no seguinte, Sr. Deputado: uma coisa é nós, Governo, termos condições políticas para fazer um acordo estratégico, uma acordo político-social, um pacto de regime envolvendo todos os partidos; outra coisa é fazer uma frente de esquerda a propósito da segurança social.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Frentes de esquerda, não! Só de direita!

O Orador: - Porque da forma como o PSD e o CDS-PP responderam, se apenas nós tivéssemos posto o grupo de trabalho a funcionar, seria um grupo de trabalho em que estaria eu próprio e o seu camarada Edgar Correia.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Só podem fazer frentes de direita! Por essa é que eu não esperava!

O Orador: = Era uma coisa que seria interessante, do ponto de vista da vivacidade dos debates, mas não era essa a nossa posição quando o propusemos. Nós só podemos fazer pactos com quem quer - não podemos fazer pactos se o conjunto das forças inviabilizar esses pactos. Fico contente por o Sr. Deputado continuar a manifestar a disponibilidade do PCP para uma participação activa neste processo. Penso que, apesar do subjectivismo enorme da sua intervenção e do tipo de características que imputou às propostas contidas no documento do Governo, na proposta do PCP há algumas novidades que são de saudar e já, há pouco, na minha intervenção, tive oportunidade de fazê-lo.

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O Sr. Carlos Coelho (PSD): - O Sr. Ministro foi muito violento para o PCP!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro, quero colocar-lhe algumas questões que têm a ver, especificamente, com a área dos deficientes e do apoio social aos deficientes. A primeira situação que é preciso constatar é a muito baixa pensão de invalidez atribuída aos deficientes: uma pensão que se fica por pouco mais de 20 000 escudos por mês e que se destina a apoiar não só a subsistência dos deficientes em Portugal mas também, pelo menos teoricamente, a promover a sua inserção social. Ora, com valores como estes, com uma protecção social aos deficientes deste nível, muito mal estaremos e muito mal estarão asseguradas a subsistência e a protecção desta camada tão importante e tão fragilizada da população. A acrescer a isto, é preciso dizer - aliás, o próprio inquérito das incapacidades e deficiências elaborado pelo seu Ministério levanta esta questão que é provável que muitos deficientes no nosso país não estejam sequer abrangidos, mesmo dentro dos parâmetros que a lei define para o apoio social e para a atribuição da pensão de invalidez; é provável ainda (segundo levanta a suspeita este relatório) que muitos não estejam abrangidos, que estejam fora do sistema, havendo aqui, portanto, uma violação, um não cumprimento do princípio, da universalidade nesta matéria.
Mas há outra questão que é também importante e que tem a ver com a ligação da atribuição desta pensão social aos deficientes com as suas potencialidades de acesso ao emprego: é que, a partir do momento em que uma pessoa com deficiência tem acesso a um determinado emprego (e todos sabe-mos que não é fácil e que são poucas as oportunidades para isto acontecer), a pensão deixa de lhe ser atribuída. Dir-se-á que isto é lógico, uma vez que há outra fonte de rendimento, mas o problema é que, por um lado, muitas vezes, o salário auferido não é suficiente nem justifica a perda desta pensão ou de outra similar, que continue a constituir um apoio para esta camada da população, e, por outro lado, acontece também que, sabendo nós que a maioria destes cidadãos são contratados frequentemente com vínculos precários - portanto, ao fim de certo tempo, acabam por perder o emprego -, depois estão muitos meses ou mesmo anos à espera que lhes seja reposta a pensão social. Ora, num sistema que pretende integrar os deficientes na sociedade e que deve privilegiar a sua capacidade de se integrarem no mercado de trabalho, isto é uma violação clara deste princípio e constitui um entrave à própria vontade dos deficientes de procurarem empregos, de procurarem trabalho. Isto porque se um cidadão que tem apenas esta pensão social, já de si reduzida, pensar que se arrisca, ao obter um emprego em que, por exemplo, ganhe o salário mínimo, a perder mesmo a pensão social e, quando for despedido ou dispensado, ter, durante vários meses ou um ano, uma situação com nenhum recurso, nenhuma fonte de subsistência, pensará certamente duas vezes antes de se candidatar a qualquer emprego.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Esta questão é fundamental, esta questão tem muito a ver com a inserção social dos deficientes e deve ser assegurada.
Uma última questão, que é, provavelmente, a questão central, é sabermos em que sentido é que caminhamos nesta área - a área das pessoas com deficiência é uma área de grande fragilidade social, uma área em que os requisitos e as necessidades deste população são muito grandes e que, portanto, deve merecer uma atenção especial. Ora, sabendo nós os níveis, que já aqui enumerei, de apoio que hoje existe por parte da segurança social a esta camada da população, só há um caminho possível, que é o caminho do aumento das prestações,...

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
... é o caminho do aumento das prestações, do seu montante, mas é também o caminho do alargamento dos critérios para que se tenha direito a estas prestações e para que mais cidadãos deficientes, que hoje não estão abrangidos pela pensão social ou por outros mecanismos, possam ter acesso a estes mecanismos e possam ver os montantes auferidos substancialmente aumentados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade: Sr. Presidente, Sr. Deputado, eu partilho de muitas das preocupações que estão inventariadas na forma como colocou a questão. É uma área em que se está a trabalhar em diálogo profundo com as associações representativas dos deficientes. Como sabe, neste momento, há um conselho presidido pelo Coronel Costa Brás que está a produzir trabalho no sentido de daí saírem algumas propostas para melhorar a situação. Há muita coisa a fazer, nomeadamente nessa ligação entre vida activa e protecção através da prestação.
Quanto às prestações e à respectiva dimensão, nós faremos sempre aquilo que for financeiramente possível, tendo a preocupação de chegar com mais dinheiro a quem mais necessita também aí há problemas que são diferenciados conforme os graus de deficiência e conforme sabe. Efectivamente, há programas que estão, neste momento, a ter início - programas de inserção, nas chamadas empresas de inserção que, sob a direcção e a coordenação política do Sr. Secretário de Estado Paulo Pedroso, estão a ser desenvolvidas a partir de agora. Há uma grande preocupação também com a possibilidade de criar emprego protegido para deficientes.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Há preocupação, mas não há políticas!

O Orador: - Há uma preocupação política concreta, que se materializa em medidas como esta, que acabei de explicitar, Sr. Deputado.
Gostava de saudar a sua pergunta e de dizer-lhe que mantemos a preocupação e a capacidade de responder, de acordo com as possibilidade que, em cada momento, tenhamos.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Rodrigues.

O Sr. António Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.- e Srs. Deputados: A reforma da segurança social tem sido anunciada como uma das grandes realizações consensuais do actual Governo, assente numa pretensa imagem de diálogo, através duma comissão plural que elaborou um Livro Branco e um pacto de regime, que mais não servia do que para esconder as insuficiências das soluções apresentadas.
Falar da segurança social e da reforma do sistema é falar do papel do Estado na sociedade quando este é posto em causa a vários níveis e não apenas na sua vertente assistencial ou no conceito de Estado-Providência. Fazer a reforma da segurança social é falar de equilíbrios entre sistemas de financiamento e dos benefícios que as pessoas usufruem como contrapartida directa de uma vida profissional e como parte integrante da realização da cidadania. Encarar a mudança é um desafio simultaneamente político e de responsabilidade.
Em Abril do ano passado um jornal diário titulava: "Promessa de Ministro - Segurança Social tem reforma pronta no Verão de 1997". Estamos em meados de 1998. Tivemos um Livro Verde, tivemos um Livro Branco, até tivemos um Livro Alternativo, temos tantos livros..., mas não temos reforma! O Governo prometeu em 1995 que a reforma da Segurança Social era prioritária para substituir a desigualdade pela justiça e pela qualidade. O que o Governo pretende hoje, no entanto, é cobrar mais impostos e proporcionar menos direitos. O que o Governo nos promete agora é continuarmos a pagar para ter menos benefícios no futuro, principalmente se ganharmos mais, podemos ter a certeza de que receberemos menos.
O Governo nomeou uma Comissão para elaborar o Livro Branco da Segurança Social. Antes de ter conclusões o Ministro anunciou medidas isoladas e pontuais, contrariando as promessas eleitorais do PS. A Comissão não se entendeu e dos seus trabalhos resultou não um Livro Branco mas vários fascículos coloridos. Sabemos agora, para além disso, que a colecção não está completa e que dela faltam os fascículos com os cenários mais favoráveis. Ficaram seguramente aqueles que impõem alterações que vão afectar aqueles que vivem dos rendimentos do trabalho, nomeadamente, a classe média.
Anunciando a reforma da segurança social isoladamente sem a fazer acompanhar da reforma fiscal, o Governo mostra mais uma vez que não há coordenação nem estratégia, que cada Ministério é uma "coutada", onde cada Ministro decide - e parece ser essa a regra - mesmo de costas voltadas entre si. Se, ao princípio, a Comissão do Livro Branco parecia assumir um papel de encontrar uma solução para a reforma, com o tempo verificou-se que nem o Governo queria assumir as suas conclusões nem estas eram tão claras que merecessem o consenso da sociedade portuguesa. Constata-se, assim, que as propostas correm o risco de cair no esquecimento pela polémica e pela divisão, criando uma visão mais liberal que assistencial, mais economicista que solidária de onde derivam menos protecção, menos direitos e mais incerteza no futuro.
Não existe qualquer entidade nacional ou estrangeira que não entenda urgente a realização da reforma da segurança social. Igualmente, todos os partidos o assumiram, mas, três anos passados com este Governo, não houve uma única medida de fundo. O que era grave há três e quatro anos atrás, deixou de sê-]o aqueles que clamavam falência do sistema calaram-se. Afinal o drama não era tão absoluto. O Governo, nesta matéria, parece uma equipa de futebol recheada de jogadores que não passam do meio campo e nunca rematam à baliza. A reforma anunciada é virtual e mediática. Os textos oficiais em nada como condizem com as notícias dos jornais. Divulgam-se medidas por experimentação: primeiro anuncia-se; depois, espera-se pela reacção para, por fim, afirmar que se há-de fazer- só não sabemos quando.
Nos últimos dias, com espanto, soube-se que foram sonegados elementos para o estudo da reforma. Os estudos que foram ocultados chegaram aos membros da comissão meio ano depois de concluído o trabalho e por via anónima. Já foi afirmado que, perante esses estudos, os cenários e as conclusões seriam outros. Mas, questionados os responsáveis, ninguém sabe. A Comissão do Livro Branco não recebeu os documentos, o Ministro afirma nada saber. Então, quem sabe? Ou será que o Governo só promove estudos e não está interessado em lê-los?
Chegámos mesmo ao cúmulo de o Ministro receber um estudo promovido por si, mas entregue por um membro da Comissão do Livro Branco que o recebeu de fonte anónima. Isto, meus senhores, é digno de uma investigação do Sherlock Holmes ou do Hercule Poirot.
Toma-se imperioso perguntar: é verdade que foram encomendados os estudos referidos nos jornais? E se é verdade, quem os encomendou? O Governo? A Comissão? Se o Presidente da Comissão só agora tomou conhecimento dos estudos e se o Ministro diz nada saber, onde estiveram esses documentos durante todos estes meses? Ocorre perguntar ainda se a Comissão do Livro Branco achava estranho um, só cenário, porque não encomendou estudos alternativos? E o Governo, quando recebeu os vários livros, nunca entendeu perguntar quais os fundamentos do estudo e quais os cenários em que se fundavam? Neste caso, o que é que andou a fazer a Comissão do Livro Branco? E, neste caos, porque não acompanhou o Governo esta situação? Todas estas perguntas exigem resposta, mas que não sirva isto como pretexto para adiar por mais uns meses, provavelmente para depois das eleições legislativas, a reforma da segurança social.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Deve ser isso, deve!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: É impossível fazer a reforma da segurança social sem o contributo do Ministério das Finanças e sem a reforma fiscal - quem o afirma é um reputado conhecedor da matéria, ex-membro da Comissão do Livro Branco. E quando este levantou a questão ninguém lhe respondeu. Os estudos e os projectos das várias comissões dos vários Ministérios correm em paralelo sem nunca se encontrarem. Seguem princípios e objectivos diferentes, numa clara falta de estratégia e concertação.
O Governo deixa, mais uma vez, passar uma conjuntura económica favorável para introduzir reformas que equilibrem o sistema. É de todos sabido que, em momentos de recessão, não se fazem alterações significativas, principalmente sem sacrificar a classe média. E são essencialmente aqueles que

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vivem exclusivamente dos rendimentos de trabalho que continuam a ser sacrificados, quer em sede de contribuições sociais quer em sede de IRS. Quando se espera que as reformas da segurança social e a fiscal desonerem o factor trabalho, que sejam feitas em simultâneo, que promovam a igualdade, que aumentem a qualidade de vida e o rendimento dos portugueses, o que se perspectiva? Menos direitos, menos benefícios, mais instabilidade e mais insegurança. Afastado o espectro da falência - artificialmente criado - o Governo continua a falar em medidas radicais que aumentam a insegurança, a incerteza e a instabilidade no futuro. As pensões não aumentam ao ritmo exigível nem correspondem a prestações que melhoram o nível de vida dos beneficiários, que vão receber menos, e aqueles que pagaram durante mais tempo nem por isso vão passar a receber mais.
Sr. Presidente. Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: A reforma da segurança social é necessária, tem de ser séria e deve ser imediata, mas a sua seriedade mede-se não apenas por propostas concretas mas pelo realismo dos seus pressupostos de onde não resulte um prejuízo para os beneficiários. Menos direitos e mais custos não é sinónimo de reforma: significa simplismo, traduz facilitismo e implica menos confiança, menos segurança e mais instabilidade para os cidadãos que esperam do Estado respostas para as eventualidades e para o seu futuro. Falamos aqui e agora de expectativas goradas, de desconfiança dos jovens e de potenciais fugas ao sistema: isto não é reformar - é destruir as bases em que assenta todo o sistema de segurança social. A reforma da segurança social é uma questão delicada: transporta custos sociais, económicos e políticos; não se compadece com demagogia ou operações de cosmética - exige decisão e responsabilidade. A reforma tem de ser definida em função do futuro sem pôr em causa as expectativas dos que contribuem há longos anos e dos que agora começam a contribuir. A responsabilidade de quem decide é enorme porque as opções se dirigem a um futuro para uns longínquo mas que para outros já chegou. O que exigimos é decisão, clareza e responsabilidade, sem frustrar expectativas garantindo respostas que assegurem o futuro de todos os que confiam no Estado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Não há pedidos de esclarecimento. Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Já agora, vamos lá saber qual é a posição do PS.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Tenho muito gosto em satisfazer a curiosidade do PCP!
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ª e Srs. Deputados: Nunca antes os sistemas de protecção social tinham desempenhado um papel tão relevante nas sociedades ocidentais do pós-guerra. A Comunidade Europeia debate-se com 20 milhões de desempregados, 57 milhões de pobres dos quais 20 milhões são totalmente dependentes (idosos, inválidos, deficientes e vítimas de doenças sociais); ou seja, a Comissão Europeia reconheceu que 40% dos cidadãos dependem das prestações sociais. A acrescentar a esta terrível pressão sobre os sistemas de protecção social, parece hoje querer instalar-se, depois da derrota do comunismo, outro pensamento único, globalizante que, sob uma estratégia neoliberal, reduz a economia à sua expressão financeira com a consequente desumanização.

Vozes do PCP: - Vê-se!...

A Oradora: - Os Srs. Deputados do PCP esqueceram-se de comemorar os 150 anos do Manifesto do Partido Comunista, e eu estou a relembrá-los dessa oportunidade!

Vozes do PCP: - Quem disse?!

A Oradora: - Não lhe deram o devido relevo!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Está completamente enganada!

A Oradora: - Emergem, como resposta, os sistemas de protecção social sólidos, capazes de edificar a coesão social, redistribuindo riqueza e corrigindo as desigualdades, face à angustiante insegurança que ameaça gerações sujeitas a ciclos de trabalho precário e à incontornável vitória do mercado e dos seus egoísmos, que. em nome da competitividade, excluem do progresso milhões de pessoas.
Ninguém pode ficar indiferente ao facto de, no país mais rico do mundo, 1% da população possuir 39% da riqueza nacional e coexistirem os mais elevados padrões de consumo com 60 milhões de pobres.
Nós, socialistas, não nos conformamos com o facto de, na União Europeia, a unidade de um mercado socialmente coeso, que desejamos construir, estas desigualdades não serem combatidas. Só a presença dos governos socialistas na União Europeia torna este combate uma prioridade.
No entanto, os países que construíram os seus sistemas, ao longo de mais de um século, enfrentam agora a ameaça da sua sustentabilidade. A este fenómeno não se pode responder apenas com críticas, por mais construtivas que sejam. O criticismo permanente banaliza-se e chega ao grande público e à comunicação social como uma cassete gasta, gera a indiferença, e não surgem, como era imperioso que surgissem, novas propostas credíveis, exequíveis.
Lamento não ter ouvido ao PCP propostas novas. Já tenho ouvido aquelas críticas...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Até o Sr. Ministro disse que havia! Você não ouviu?

A Oradora: - O Sr. Ministro, provavelmente, não convive com os senhores há muito tempo! Eu oiço-os todos os dias, e, realmente, as vossas propostas nesta matéria, para além da cobrança da dívida, não são novas.

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não é possível falar com comentários permanentes da parte de outras bancadas. Vamos seleccionar as objecções o mais possível e, sobretudo, concentrá-las!

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A Oradora: - Sr. Presidente, eu não me perturbo e até acho estimulante!

O Sr. Presidente: - Não é a Sr.ª Deputada que se perturba, é todo o Plenário que se perturba!

A Oradora: - Sr. Presidente, todo o Plenário não, porque também não presente! Por isso também, provavelmente, não se perturba!

O Sr. Presidente: - O que está! O que está!

A Oradora: - Não admira, pois, que os socialistas sejam hoje a esperança dos portugueses e tenham crescente influência na Europa, porque escolhem o caminho mais difícil, muitas vezes isolados, mas seguro.
A reforma da Segurança Social, com vista a assegurar a sua solidez e a aumentar a protecção social, como os Srs. Deputados sugeriram - e nisso estamos de acordo no respeito pela Constituição, é uma árdua tarefa a que, de forma coesa nos dedicamos, tendo inscrito este objectivo político no nosso Programa Eleitoral, que o Governo honrou, criando o Livro Branco da Segurança Social, que possibilitou um diagnóstico claro, dando-nos, desde logo, um grande alívio a constatação da saúde financeira do sistema para os próximos anos.
Afinal, os arautos da desgraça ou estavam enganados quanto à verdadeira situação da Segurança Social ou pretenderam enganarnos.
Temos, assim, o tempo precioso para os consensos em torno da mais importante reforma e a oportunidade de conjugar esforços, porém, os partidos políticos com assento parlamentar vão da crítica gasta ao silêncio e outros entretêm-se a estabelecer demagogicamente a confusão em meras jogadas de oportunismo político. Ficámos a saber hoje algumas opiniões do PSD, mas, francamente, são menos inovadoras do que as do PCP, que já conhecíamos.
O Governo apresentou, em Março, um conjunto de princípios, com o compromisso de traduzi-los em leis, nomeadamente introduzir na Lei de Bases da Segurança Social as mudanças necessárias, que decorrem do consenso da própria Comissão do Livro Branco, na sua globalidade e pluralidade,...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Consenso!

A Oradora: - Que é necessário rever a Lei de Bases da Segurança Social é consensual, Sr. Deputado!
Estava eu a dizer que o Governo apresentou um conjunto de princípios com o compromisso de os traduzir em leis, algumas das quais já em vigor, como a do rendimento mínimo garantido, a da selectividade das prestações familiares e a do aumento extraordinário das pensões degradadas dos pensionistas com maiores carreiras contributivas.
No entanto, não podemos ignorar que um futuro próximo, 20 a 30 anos, desafia a nossa geração quanto à sustentabilidade financeira do sistema. '
Srs. Deputados, não estranho que as projecções tenham sido feitas numa base pessimista! Mau seria que assim não fosse, pois corríamos o risco de, afinal, o Governo do PS não estar tanto tempo no poder e o cenário vir a ser francamente diferente no que toca ao crescimento da economia, ao emprego, etc.
As propostas do PP nesta matéria parecem ser ainda mais pessimistas do que as que tinham sido consideradas, que já eram pessimistas!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Não leu com atenção!

A Oradora: - O Governo apresentou à Assembleia da República uma proposta de reforma, com base nos seguintes princípios, de que todos comungamos: um sistema público e universal com diferenciação positiva para os mais carenciados; solidariedade nacional, intergeracional e laborai; melhoria da complementaridade da iniciativa privada, do sector financeiro ou da economia social, da negociação colectiva, fiscalizada e regulamentada pelo Estado, que não será nesta matéria um observador desinteressado.
Sabe o PS que o sistema é insuficiente em matéria de protecção do desemprego, área de cobertura da Segurança Social em que o Estado não parece ter concorrentes. Não podemos ignorar que a cobertura do desemprego em actividades sazonais, como sejam a agricultura ou a hotelaria, não é adequada, que os períodos de actividade não conferem direito a esta protecção, pelo que, para estes trabalhadores mais do que para outros, a Segurança Social não dá a resposta necessária.
Sabemos que a resposta às necessidades dos idosos, sobretudo dos mais carenciados, implica avultados investimentos, que constituem também uma oportunidade de trabalho para os que muito precocemente são excluídos do mercado de trabalho.
Grande número de desempregados de longa duração, que afecta regiões e sectores de actividade em brusca e profunda mudança, tem de ser encarado pelo sistema de protecção social conjugadamente com o emprego e a formação profissional de forma nova e eficaz, para evitar a exclusão de concidadãos com mais de 40 anos de idade, com escassas hipóteses neste mercado de trabalho. Daí a oportunidade da proposta de flexibilidade da idade de reforma conjugada com outras medidas que o Governo preconizou.
Sabemos que há sectores empregadores importantes, como sejam o têxtil, o do vestuário e o do calçado, aos quais é exigido um reforço elevado, enquanto que nada é exigido às empresas que vivem da especulação financeira, que não geram postos de trabalho.
Como compatibilizar estas obrigações do Estado e do sistema com o conceito de seguro social, transparência na gestão, contribuições e sua afectação às eventualidades cobertas, desemprego, doença, invalidez ou as prestações familiares? Tudo isto é um enorme desafio a que nenhum partido político pode estar alheio.
Temos a ambição de ampliar a aplicação do rendimento mínimo garantido, articulando-o com outros instrumentos de intervenção a nível local, como sejam a habitação social, os programas de emprego, a escola e o combate à pobreza, adequados às gerações e suas necessidades, que tenham em conta verdadeiramente os consumos básicos.
Temos o dever de adequar a substituição dos rendimentos à carreira contributiva, sob pena de desacreditarmos o

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sistema. Os cidadãos devem respeitar o dever de contribuir e o sistema deve respeitar esse esforço, ou seja, não podemos ignorar que há desempregados há mais de dois anos com carreiras contributivas de cerca de 30 anos que, esgotado o período de cobertura do subsidio de desemprego, ficam reduzidos ao subsídio social ou à dependência do agregado familiar que, por isso, não raro se desagrega.
Não vamos, porém, ignorar que o PCP está disponível para debater a reforma da Segurança Social, pelo que, não entendemos a oportunidade política desta interpelação,...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Essa agora!

A Oradora: - ... a menos que o PCP receie a concorrência de outros partidos às suas tradicionais reivindicações, e, pelos vistos, tem justos motivos para recear, porque a tradicional reivindicação do PCP vem agora de outros horizontes.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Com outros horizontes!

A Oradora: - Lá se encontram, não sei bem onde!
O PCP terá de abandonar a habitual crítica ao incumprimento da Lei de Bases, e não lhe ficava mal partilhar a nossa satisfação pelo facto de o Governo Socialista a ter cumprido quase integralmente, apesar da caminhada para o euro.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Quase!

A Oradora: - Quase! Faltam 4%! Somos muito mais rigorosos do que os senhores pensam!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Do que o Sr. Ministro!

A Oradora: - Orgulhamo-nos do Governo PS ter cobrado mais e melhor, ter corajosamente iniciado uma guerra à fraude nas baixas e nas contribuições das empresas.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Apesar desse esforço, o Governo é o primeiro a reconhecer o muito que há a fazer. Porém o PCP não pode, sob pena de alinhar pela direita, partilhar as estratégias demagógicas ou que desacreditam o sistema, e que não visam melhorá-lo. O PCP não pode reduzir a batalha pela reforma da Segurança Social à existência ou não de «plafonamento», cujo princípio já está hoje previsto na lei, como aqui foi dito.
PCP sabe que não é o limite máximo das pensões que constitui uma ameaça para o sistema, mas, sim, a definição desse limite - Srs. Deputados, não é indiferente que o «plafonamento» seja de um ou de 10 salários mínimos, como é evidente -, ou seja, transferir ou não para a complementaridade privada uma larga franja de contribuintes, como pretende um mercado ansioso por lançar novos produtos financeiros ou, pelo contrário, regular os benefícios da Segurança Social.

A Oradora: - Porem, se esse limite for restrito, pode criar uma harmonização fiscal e introduzir no sistema económico poupanças que já hoje são subtraídas á Segurança Social. Esse «plafonamento» é economicamente desejável e socialmente justo, vai ao encontro desses cidadãos que não necessitam do Estado para proteger o seu futuro, aliviando o sistema de pesados encargos.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - As preocupações do PCP deveriam orientar-se no sentido de apoiar o Governo na garantia da sustentabilidade de uma Segurança Social pública, universal e mais solidária.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Apoiar o Governo!

A Oradora: - No entanto, o PCP sabe que pode estar descansado, porque o PS e o seu Governo chamam a si a responsabilidade histórica e eleitoralmente assumida de ser o garante da Segurança Social.
Queremos uma Segurança Social forte e mais solidária hoje, mas mais forte amanhã, quando os actuais activos atingirem carreiras contributivas completas, com os respectivos benefícios inequivocamente garantidos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados João Sá e Lino de Carvalho. Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado João Sá.

O Sr. João Sá (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Elisa Damião, ouvi atentamente a sua intervenção e, como é óbvio, V. Ex.ª faz uma análise muito positiva da situação.

Vozes do PS: - É verdade!

O Orador: - Nem outra coisa seria de esperar! Não seria de esperar que o partido que suporta o Governo viesse aqui criticar o seu próprio Governo!
A Sr.ª Deputada falou várias vezes em reformas, hoje ouvimos muitas vezes aqui falar em reformas, mas é bom que comecemos - e ai peço ajuda à Sr.ª Deputada para nos explicar - por saber qual é o significado de reforma para os senhores. É que, para alguns membros do Governo e para o PS, reforma quer dizer algo que consta de um documento, mas que nunca é para ser posto em prática; para outros, fazer reformas é tomar algumas medidas que ninguém conhece ou que são medidas pontuais; finalmente para outros, fazer reformas é uma coisa necessária, é uma questão importante, agora não é possível faze-las neste momento, porque não há tempo para isso nesta Legislatura.
Era bom que, de uma vez por todas, o Governo e os Deputados do PS explicassem a esta Câmara e aos portugueses qual destas três formas de explicar as reformas é importante para o Governo e para os Deputados do PS.

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Esta é uma questão não apenas para nós, porque mais importante do que para nós é-o para os portugueses, para que,, quando eles ouvirem algum Deputado do PS ou algum membro do Governo, saibam se é preciso prestar atenção, porque ele representa ou não a posição oficial do Governo relativamente às reformas que é necessário fazer.

O Sr. Rui Namorado (PS): - Isso é autocrítica!

O Orador: - Srs. Deputados, calma, porque as reformas vão fazer-se! Daqui a alguns anos, mas vão fazer-se! Daqui a alguns anos, não com os senhores, mas connosco!
Relativamente à reforma da Segurança Social, a Sr.ª Deputada disse...

O Sr. Rui Namorado (PS): - Não o deixaram falar em Tavira e vem para aqui...!

O Orador: - O Sr. Deputado, julgo que quer ir de férias para Tavira... É para férias? Não sei!
Relativamente à reforma da Segurança Social, a Sr.ª Deputada disse, a determinada altura, uma coisa muito importante, é que ninguém pode ficar indiferente aquilo que se passa e todos têm de contribuir para que a solução seja encontrada. Agora, Sr.º Deputada, o que se passa é que, neste momento, podem criar-se comissões, podem fazer-se livros de toda a cor e feitio, pode colocar-se a sociedade civil a debater com os Deputados, com os políticos, tudo isso. mas é aos senhores que compete tomar medidas, é ao Governo deste País que compete assumir as responsabilidades.

Protestos do PS.

Para se fazerem reformas, e também a reforma da Segurança Social, é fundamental haver vontade política para isso e não é disso que os portugueses se têm apercebido; é fundamental passar da teoria à prática, porque os senhores, até agora, só falaram de teoria, só falaram das reformas teoricamente: e é preciso que, na prática, os portugueses se apercebam disso, mas não é isso que tem acontecido até agora.
Sr.ª Deputada, é importante dialogar, é importante debater, é importante tudo isso, mas é fundamental decidir. Os senhores, por razões eleitorais, não têm querido decidir; os senhores, por razões meramente tácticas, não têm querido fazer reformas. Como é evidente, já assumiram que, até 1999, não é possível fazer reformas, não são necessárias as reformas. Os portugueses, em 1999, saberão claramente distinguir aquilo que foi feito e aquilo que não foi.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Sá, já lá vai o tempo...! Durante 10 anos, habituaram-nos a que só havia decisões em vésperas de eleições,...

Aplausos do PS. Protestos do PSD.

... mas este Governo tem o seu tempo e a sua estratégia para decidir.

Vozes do PS: - Bem lembrado!

A Oradora: - O Srs. Deputados, inicialmente, quando este debate decorreu em sede da Comissão de Trabalho e Segurança Social, até compreendi o silêncio de muitos dos Srs. Deputados. Os senhores não têm autoridade moral para falar de reformas! Absolutamente nenhuma!

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Mas quem é a senhora para falar de autoridade moral?!

A Oradora: - O meu partido tem autoridade moral, o PSD é que não tem. porque, durante 10 anos, não fez mais do que debilitar o sistema, até o fazer chegar à pré-falência.

Aplausos do PS. Protestos do PSD.

Recordo-me, e o Sr. Deputado também, com certeza, do tempo em que os senhores transferiam 30.40, 50, 70 milhões de contos e, de repente, apresentam aos parceiros sociais uma reforma do sistema de cálculo das pensões, porque dizia-se já então que o sistema anunciava pré-falência. Os senhores não se recordam disso...!? Provavelmente estavam noutro partido!
A verdade, Srs. Deputados, é que os senhores não só nunca cumpriram a Lei de Bases como deixaram a dívida chegar aos 1000 milhões de contos. Isto é imoral! Isto é não respeitar a segurança social! Portanto, os senhores não podem falar da reforma de um sistema que, evidentemente, quase todos - não digo que fossem todos os militantes do PSD, porque alguns houve, nomeadamente na gestão dessa pasta, que tiveram o bom-senso e a preocupação de fazer algum combate contra a corrente, enfim, do sistema a que o PSD sempre se submeteu e que dizia que era preciso cobrar mais e distribuir menos...
Se é esta a reforma que o PSD quer... Bem, com essa reforma, não estamos de acordo, e, por isso, não vai ter o apoio do PS e, naturalmente, o apoio deste Governo.
Mas, Sr. Deputado, o extraordinário é que, pela primeira vez, o PSD venha fazer acusações infundadas relativamente à ausência de responsabilidade do Governo. Não obstante ter tido uma oposição que sempre assumiu as suas responsabilidades nesta matéria, guarda silêncio ou faz acusações completamente infundadas. Ficamos a saber que. afinal, o PSD não é, não pode ser, uma alternativa de Governo ao Partido Socialista. Com este PSD, o sistema de segurança social não sobreviveria.

Aplausos do PS

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - É para perguntar se pode ser alternativa?

Risos do CDS-PP e do PSD.

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O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr.ª Deputada, inscrevi-me para lhe fazer uma pergunta, mas a certa altura hesitei...

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - É normal!

O Orador: - A Sr.ª Deputada quer dizer alguma coisa?

Vozes do PS: - É um aparte!

O Orador: - Então, vou continuar.
Dizia eu que hesitei fazer-lhe uma pergunta, porque a intervenção da Sr.ª Deputada estava feita noutro registo que não tinha qualquer relação com o debate que estava a ocorrer.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - A Sr.ª Deputada deve ter pensado que o debate ia correr num processo de destruição radical, e fez uma intervenção também nesse terreno. Afinal, o debate tem outro registo, como, aliás, o Governo reconheceu. Nós estamos, como sempre estivemos, numa postura construtiva e, portanto, a sua intervenção sai completamente fora deste debate sério que queremos fazer em torno da segurança social, lançando-o para outros terrenos que não nos interessam.
Queremos voltar ao debate sério, mas não deixamos de registar estes vários, aqui, sim, Sr. Ministro, desencontros entre o Governo e o Partido Socialista: o Partido Socialista diz que o PCP não apresenta nenhuma proposta; o Sr. Ministro elogiou as propostas e até realçou uma delas. O Governo diz que está a cumprir a Lei de Bases; a Sr.ª Deputada diz que não que faltam 4%.
Vamos, então, Sr.º Deputada, às questões sérias. Os senhores acham que o plafonamento e que a sustentabilidade não são problemas centrais, mas a argumentação de há pouco do Sr. Ministro, apesar do esforço que fez nesse sentido, mostrou que essa é a parte mais frágil da proposta do Governo. A questão nuclear e central, à qual o Sr. Ministro não respondeu, e os senhores também não, é: como consideram o sistema de segurança social? Consideram ou não - e já há pouco o referi - que o sistema público de segurança social é um sistema que se constrói no quadro de uma relação que se estabelece entre uma carreira contributiva e um desconto de quem trabalha sobre, neste caso, os seus salários e, depois, as prestações que, em contrapartida, deve receber? Estão ou não de acordo com esta filosofia? Se estão, então para que são os tectos?
Segunda questão. Sr.ª Deputada: os senhores falam dos tectos porque dizem que, se eles não existirem, a longo prazo a sustentabilidade financeira do sistema está «arrumada». Já há pouco coloquei uma pergunta ao Sr. Ministro neste sentido e ele não me respondeu. A Sr.ª Deputada é capaz de garantir todos os cenários que têm alguma credibilidade daqui a 40 anos? É capaz de garantir, aqui, que a taxa demográfica é aquela? Que a criação de emprego é de 0%? Este cenário tem alguma sustentação?
A Sr.ª Deputada está de acordo que se crie um limite? O Sr. Ministro, numa entrevista dada ao Diário de Notícias, assumiu as propostas referidas pela Comissão, que falavam em 300 contos. Supondo que é este o plafond do Governo, a Sr.ª Deputada está de acordo que, acima deste valor, tudo seja encaminhado, obrigatoriamente ou não, para fundos de pensões privadas? Quais são os reflexos nisso da perda de receitas? Está de acordo em que, com este nível de rendimentos, as pessoas sejam obrigadas ou empurradas para fundos de pensões privadas, para depois estarem na dependência de taxas de rentabilidade, daqui a 40 ou 50 anos, que não se sabe quais são, pondo em causa essa certeza às gerações actuais?
Estas são as questões de fundo. Sr.ª Deputada, num registo sério de debate. São estas as questões a que os senhores têm de responder, porque tudo o resto resulta desta filosofia nuclear e estratégica do problema. É. pois, sobre isto que gostaria de conhecer a proposta do Partido Socialista.
Como a Sr.ª Deputada sabe, quando se coloca um plafond, acontece isto: o trabalhador deixa de descontar acima desses 300 contos e, se quiser...

O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, este é um debate seriíssimo.

O Sr. Presidente: - Eu sei, Sr. Deputado, mas o Regimento também é sério.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Como a Sr.ª Deputada sabe, a esse nível, é-se obrigado, se se quiser ter pensões mais altas, a ir para o sector privado. Portanto, quem vai para esse sector, tem de suportar os descontos que, antes, eram suportados pela entidade patronal e a entidade patronal deixa de descontar. Então, para onde é que vai essa verba?
Mas, mesmo no terreno em que os senhores se situam, faço-lhe uma outra pergunta, Sr.ª Deputada: por que é que, então, isso tudo não é feito dentro de um sistema de capitalização pública da segurança social...

O Sr. Presidente: - Tem mesmo de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Sendo assim, terminei, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, não me surpreende que o PCP estivesse à espera de que a minha intervenção fosse feita noutro registo. Era isso que o Sr. Deputado queria dizer, também percebi. É que se vamos falar em registos, o Sr. Ministro já teve ocasião de sublinhar que a intervenção do Sr. Deputado é feita com objectivos e tonalidades diferentes das do seu líder parlamentar.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Eu falo mais baixo!

A Oradora: - Mas isto é mera intriguice política e não tem nada a ver com a questão substancial que o senhor coloca, e muito bem.

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Em primeiro lugar, nem o Governo do Partido Socialista, nem o Partido Socialista, nem qualquer outra instância que eu conheça decidiram ainda sobre qualquer plafonamento.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Ah!

A Oradora: - Não, não decidiu! E foi isso que propôs aos partidos, foi isso que propôs como pacto. Essa é uma questão fundamental, que referi na minha intervenção e à qual não fugi, Sr. Deputado!

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Nem fugi à nossa pluralidade, às nossas diferenças, às nossas autenticidades, mas também não ao apoio convicto que vamos dar ao nosso Governo, na certeza de que ele não vai fugir a esta questão. E temos a certeza de que o plafonamento que vier a ser decidido não só não vai prejudicar o financiamento da segurança social como, pelo contrário, vai atrair para um sistema de poupança muitos trabalhadores que, já hoje, não descontam para a segurança social. É que, como sabe, as tais ditas classes possidentes, às quais se destina esse tecto, que facilita, de facto, a gestão futura da segurança social, já não descontam para a segurança social. Portanto, o problema não é o plafonamento...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Então, elimina-se!

A Oradora: - O problema é: que plafonamento?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Essa agora!

A Oradora: - Com certeza! É que alguns elegeram o plafonamento como a única questão, a grande questão de estar à esquerda ou à direita. Que plafonamento? - essa é a grande questão e não vamos fugir-lhe!
Contamos com o PCP para também "chegar à terra", fazer contas - e não é daqui a 40 anos, mas já daqui a alguns - e dizer o que quer: se quer melhorar a protecção no desemprego, se quer melhorar as pensões degradadas, se quer também o salário mínimo para todos e se quer "estoirar" com o sistema, como alguns pretendem.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Demagogia!

A Oradora: - Bom, mas não foi isso que entendi da intervenção do PCP.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não se pode falar seriamente com vocês!

A Oradora: - Estamos a falar seriamente de um plafonamento que permita alguma poupança e atrair a um sistema. E a mim pessoalmente - assumo-o aqui - agradar-me-ia que houvesse também uma oferta pública, mas que os cidadãos pudessem escolher entre o público e o privado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Esta iniciativa do PCP tem para nós, aparentemente, dois objectivos, que poderiam ser úteis.
O primeiro é o de perceber o que pensa o PCP sobre a reforma da segurança social. Julgamos ter percebido que concorda ser necessária uma reforma e que tem algumas divergências. Mas a satisfação do PCP, ao constatar que o sistema não está em pré-ruptura ou em falência - e concordo que não esteja, pode servir de tranquilizante perigoso, do meu ponto de vista, para não se fazerem algumas coisas que são necessárias, tendo em vista aquilo que, julgo, geracionalmente, é muito mais importante, a saber, a sustentabilidade do sistema.
Dou um exemplo: todos nós falámos das pensões mínimas. Ora, como cidadã, vejo com alguma preocupação a ideia dos aumentos extraordinários das pensões mínimas. No fundo, significa que os portugueses ficam à mercê da bondade do Parlamento para, de vez em quando, terem um aumento extraordinário, quando, na realidade, seria preferível introduzir numa lei mecanismos que permitissem que os aumentos dessas pensões mínimas obedecessem a um critério de convergência em relação ao salário mínimo. Isto é, julgo que estamos aqui para dar aos cidadãos garantias que não dependam nem dos humores nem até das maiorias que se vão formando, nem até dos ciclos económicos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Esse era o caminho que gostaríamos de trilhar.
Depois também ficámos a saber que o PCP foi o único partido que não pôs condições, ao indicar uma pessoa para dialogar com o Sr. Ministro. Soubemos ainda que desse diálogo com o Sr. Ministro a única conclusão visível, Srs. Deputados, é esta interpelação ao Governo. Assim sendo, já que os Srs. Deputados do PCP sentiram a necessidade de fazer uma interpelação ao Governo para serem esclarecidos, eventualmente sobre os aspectos essenciais desta reforma que o Sr. Ministro não conseguiu esclarecer ao vosso representante,...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - A frente de esquerda não funcionou!

A Oradora: - ... não valia muito a pena terem ido conversar com o Sr. Ministro.
Neste ponto, gostaria de esclarecer, novamente, o seguinte: nós não "fugimos da raia", nós queremos estar neste debate e nesta reforma; simplesmente, queremos fazê-lo com algum guião. Aquilo que, no fundo, se pediu ao Governo foi que indicasse - e não obtivemos resposta - qual era a metodologia, quais eram os instrumentos. É que já está na hora de pararmos de falar e de pegarmos num articulado. Afinal, vejo que acabou por ser essa a metodologia usada, mas devo dizer-lhe, Sr. Ministro, que o foi de uma forma desarticulada. E tenho pena, porque obviamente não ia reunir todos os partidos "sob a sua batuta", mas poderia certamente ter conseguido um ambiente mais tranquilo para se poderem discutir questões como a do plafonamento, que é, sem dúvida, importante.

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Também ficámos sem perceber o seguinte: o Sr. PrimeiroMinistro veio aqui entregar um grande maço de folhas A4, por sinal com muitas gralhas deviam ter sido feitas à pressa -,que continha a proposta do Governo para as reformas. Mas, depois, nada se seguiu. E quando dizemos que há aqui um atraso, queremos ser justos: esse atraso não começa no princípio da legislatura nem na tomada de posse do Governo; ele começa exactamente quando o Livro Verde chega ao seu fim, isto é, quando já estamos todos honestamente na posse de elementos que nos permitem trabalhar agora num articulado e em algo concreto.
Depois, tenho também de recordar aqui as palavras extraordinárias do Sr. Ministro Pina Moura, que, a dada altura, decidiu que já era tarde para reformar.
As reformas obviamente são longas e graduais, mas isso é vantajoso. É vantajoso, por várias razões, mas até seria vantajoso para o Governo, a meu ver - e por isso não compreendo esta atitude -,formatar um processo de reforma que lhe permitisse, inclusivamente do ponto de vista da oportunidade política e eleitoral, dizer que começou, sem ter o ónus das questões mais espinhosas que certamente esse processo vai trazer a qualquer governo. Por isso, o pacto de regime faz todo o sentido. Não começar vai obrigar o Governo a criar alibis, num dado momento, e nós apenas não quisemos ser um alibi para essa situação que prevemos vai acontecer.
Em relação ao PCP, também gostava de dizer o seguinte: aquando da votação da actual lei, o PCP votou contra. Estive a ler o respectivo Diário e foram muitos os motivos invocados pelo PCP para votar contra. Só que, hoje, curiosamente, o PCP agarra-se a esta lei como se ela fosse a última conquista dos trabalhadores. Portanto, de duas, uma: ou o PCP acha que vamos de mal a pior, num perigosíssimo resvalar para a direita, ou o PCP não tem uma ideia segura e certa sobre qual a reforma da segurança social.
Aliás, há aqui um aspecto muito importante que importa focar: é que a segurança social, historicamente, não é uma invenção da esquerda. A instituição Estado-providência e segurança social, como sabemos e no seu presente figurino, são resultado do pensamento e dá acção de diversíssimas forças em que se incluem os democratas-cristãos, os conservadores, os liberais-democratas, os sociais-democratas, os socialistas reformadores. E exactamente para quê? Para vencerem as incapacidades e as ineficácias do liberalismo clássico e do marxismo revolucionário.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Marxismo quê?

A Oradora: - Marxismo revolucionário e liberalismo clássico. É um facto, Sr. Deputado Octávio Teixeira que, não estando nós, penso, nestes "barcos", não devemos ter aqui quaisquer complexos, pois este apadrinhamento e amadrinhamento das reformas à direita e à esquerda é, no mínimo, uma ignorância da História. Ora, como penso que os Srs. Deputados estão longe de ser ignorantes, julgo que seria melhor encararmos isto com esta simplicidade.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Essa explicação é gratuita ou é para pagar?!

A Oradora: - É verdade, Sr.ª Deputada Odete Santos, que esta discussão e o modelo que dela resultou teve sempre cedências quer do trabalho quer do capital. E, agora, também vai dever tê-las.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É para pagar?!

A Oradora: - É isso que nós fazemos, quando discutimos a taxa social única, como é que nós...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas que grande paternalismo!

A Oradora: - A Sr.ª Deputada Odete Santos quer fazer uma intervenção? Se quiser, sento-me e, se o Sr. Presidente lhe der a palavra, faça o favor.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Vou fazer a seguir!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, não tenho ideia de lhe ter dado a palavra. Está inscrita...

A Oradora: - Eu dou-lhe a palavra, Sr. Presidente. Gosto tanto de a ouvir que lhe dou já a palavra.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito obrigada, mas a minha é de graça!

A Oradora: - A questão fundamental é a seguinte: vejo o PCP falar numa receita mágica, cuja chave gostava de conhecer, que é mais emprego, mais salário, mais segurança social e menos horas de trabalho. Srs. Deputados, quando descobrirem esse "reino", convidem-me para, pelo menos, passar lá um fim-de-semana.
Porém, há factores, que estão em cima da mesa, que não podemos esquecer: o desemprego estrutural possivelmente, nunca mais vamos ter pleno emprego na Europa, nem en1 lado algum, um modesto crescimento económico, um forte endividamento dos Estados, pesadas cargas fiscais, que não podemos pensarem aumentar, e pirâmides demográficas invertidas. E é isto que a todos nos obriga a pensar.
Assim, seria optimista em relação a algum consenso, não fosse lembrar-me da revisão constitucional, em que, perante a ameaça da introdução da palavra "equidade", ó PS e o PCP fizeram uma. aliança e disseram que a introdução dessa palavra era uma verdadeira desgraça. No entanto, o Livro, que já foi Branco, e que agora é Verde, todos os discursos do Sr. Ministro, as folhas A4 do Sr. Primeiro-Ministro, tudo isso fala na equidade. Como fala o Programa do Governo, o manifesto eleitoral do Partido Socialista e como, aliás, o nosso próprio programa eleitoral sempre falou, sustentado por inúmeras intervenções desta bancada.
Por isso, diria que deste debate, que infelizmente resulta sempre muito confuso, três coisas deveriam ser exigíveis a quem o promoveu e ao Governo aqui presente: em primeiro lugar, clareza quanto aos pressupostos e fundamentos desta questão. E, neste ponto, penso que é preciso fazer contas. Realmente, concordo que se se diz que não há uma situação financeira grave temos de pensar qual é a nossa legitimidade para fazer uma reforma só por fazer. Portanto, as reformas têm, de facto, objectivos diferentes, que podem ser cumulati

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vos ou não. Certamente, a necessidade do financiamento pode levar a uma reforma, mas se essa necessidade não existe ou se ela não é muito premente, penso que a nossa legitimidade para reformar já deve ter outros pressupostos. E quando digo
que gostaria de ver aqui o Sr. Ministro das Finanças é por isso mesmo: gostava de saber o que o Sr. Ministro dás Finanças diz, por exemplo, sobre o crescimento do orçamento da segurança social, pois nada sabemos sobre isso.
Em segundo lugar, deveria haver coragem quanto às decisões, porque, no fundo, estamos aqui a formar, a meu ver, da pior e mais atribulada maneira possível, alguma decisão. Em último lugar, deveria existir prudência e seriedade política quanto aos alibis.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, para a nossa bancada, está tudo claro. Julgamos que há um tempo de reflexão, que foi cumprido, e um tempo de acção, que, neste momento, se impõe. Sabemos que, de facto, as reformas são processo complexos e demorados. Mas há algo que é uma verdade absoluta: só não acabamos aquilo que não começamos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Portanto, o meu problema é não começar. Obviamente que a reforma iniciada não vai ser concluída nesta legislatura, nem talvez na próxima. Agora, se não a começarmos, certamente não a acabaremos nunca. E julgo que, neste momento e nestas matérias, o tempo é claramente um valor a não desperdiçar.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, julgo que, depois de tudo isto, pelo menos depois de ter feito a sua intervenção, tenha conseguido, simultaneamente, pensar algo mais para além
daquilo que estava a dizer e chegado à conclusão de que, afinal, já sabe o que é que o PCP pensa sobre isto. Se depois de tudo o que se disse esta tarde ainda não conseguiu perceber isso, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, sincera
mente, a responsabilidade não é nossa.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Não, o problema é meu.

O Orador: - Outra questão tem a ver com a pressa. Ó Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, é importante que isto fique claro: o problema de pôr, muito frontalmente, a realidade actual do sistema financeiro e a previsão a médio
prazo de que não há ruptura à vista - a médio prazo,
Sr.ª Deputada! - é fundamental, precisamente para que as soluções não sejam tomadas apressadamente, sob a ameaça de ruptura, porque há o perigo de ao tomarem-se medidas à pressa não se pensar.
Sr.ª Deputada, estou de acordo quando diz que é preciso clareza quanto aos pressupostos - e referiu a questão das contas; etc. -, ao fazer o estudo. Realmente, é importante haver tempo para isso, pois há que não fazer aquilo que o CDS-PP fez, ou seja, antes de ter a clareza dos pressupostos, antes de fazer o estudo, antes de fazer o debate, apresentou uma proposta...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Como se diz em linguagem popular, isto é "pôr o carro à frente dos bois."
Convém que nestas matérias não se faça isso! Primeiro estuda-se, debate-se e depois surge a proposta, para que não haja enganos.
Última nota: a Sr.ª Deputada diz que não consegue perceber como é que o PCP quer mais crescimento económico, mais solidariedade social, mais segurança social, mais salários...

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Eu também queria!

O Orador: - ...e menos horário de trabalho.
Compreendo perfeitamente a incapacidade política da Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto - e do CDS-PP para conseguir perceber o que é a evolução de uma sociedade em progresso e em evolução para o progresso social, porque raciocinou apenas em termos da evolução da sociedade em termos de progresso para o lucro e não de progresso social, de progresso para a especulação financeira, de progresso para a concentração capitalista etc. Compreendo perfeitamente, Sr. Deputada, mas trata-se de um problema político, de um problema, ao fim e ao cabo, do liberalismo clássico e neoclássico.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, quanto tempo dá ao "liberalismo clássico" para poder responder-lhe?

Risos.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Seja generoso.

O Sr. Octávio Teixeira (CDS-PP): - Sr. Presidente, não me tinha apercebido de que o CDS-PP não dispunha de tempo, mas com certeza que dou 2 minutos à Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto. .

O Sr. José Magalhães (PS): - Foi generoso!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Isso é que é solidariedade!

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra para responder, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - É verdade, isto é que é solidariedade social. Muito obrigada, Sr. Deputado.

Sr. Deputado, vou aproveitar esse tempo para responder a três pontos que julgo serem importantes.

Em primeiro lugar, concordo com a importância de se perceber se o sistema está em pré-ruptura ou em pré-falên

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cia, ou se a sua sustentabilidade pode, apenas, estar ameaçada a médio e a longo prazo.
Concordo com essa importância, mas penso que, apesar de essas contas estarem feitas, não está ainda dada, por parte do Governo, uma resposta cabal. Eu não posso actuar apenas na base do Livro Verde!... Eu, agora, preciso que o Governo me diga!... O Governo é que tem de me dizer, nomeadamente, como é que pensa que irá crescer o orçamento da segurança social.
Portanto, uma questão são os estudos, que julgo já estarem feitos, outra questão é o comprometimento público do Governo em relação a um quadro, nomeadamente de números, que tem de ser estável para podermos trabalhar.
Portanto, quanto a isso estou de acordo, e devo dizer que é preferível fazermos uma reforma sem a pressão de uma pré-ruptura do que fazermos uma reforma com a pressão de pré-ruptura, que, certamente, sairá um atamanco.
Agora queria explicar ao Sr. Deputado que não é tanto assim "o carro à frente dos bois"!... E vou dizer-lhe porquê. É que aquilo que o Partido Popular fez foi simples: pegou nas conclusões do Livro Verde, pegou em algumas pessoas que há muito trabalham e pensam nestas matérias e fez um projecto de lei de bases da segurança social que contém, no fundo, um conjunto de princípios que penso até serem consensuais, talvez não em relação à bancada do PCP mas em relação à maioria das bancadas e do Governo, a menos que o Governo e essas bancadas venham desdizer o que acabaram de dizer ainda hoje.
Portanto, é um trabalho que, quanto mais não seja, servirá de "alavancagem" para ultrapassarmos esta fase de inércia onde me pareceu ter caído o Governo.
Quero ainda dizer-lhe que sei muito bem o que é o progresso. Mais: sei muito bem o que é o desenvolvimento, que é até bem mais importante do que o progresso, como o Sr. Deputado sabe. Mas também sei que vivo num País, num continente e numa Comunidade Europeia que tem determinados problemas que não serão vencidos com actos voluntaristas nossos.
Portanto, parece-me que estes modelos de sistemas sociais têm de ser também construídos na base daquilo que há e daquilo que prevemos que venha a haver,...

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: -...sem perdermos de vista aquilo que para nós seria o ideal: as sociedades desenvolvidas. E quando falo de desenvolvimento falo de desenvolvimento humano, porque é esse, julgo eu, que realmente deve interessar a todos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: = Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E, afinal, Marx e Engels não precisaram de tantas palavras para combater o liberalismo e definir o progresso. Os filósofos interpretaram o mundo, o que é preciso é transformá-lo...
Sr. Presidente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade, Sr. Secretário de Estado: Porque, há pouco, o Sr. Ministro se referiu, de uma maneira um bocado incomodada e enviesada, à questão dos acidentes de trabalho - e errou nas datas -, impõe-se que aqui se diga algumas palavras aos sinistrados do trabalho.
E errou nas datas porque a lei foi aprovada pela Assembleia da República em Julho do ano passado e foi publicada no Diário da República em 13 de Setembro do ano passado. Assim, os 180 dias estão largamente excedidos. A lei não foi aprovada no final do ano passado, como o Sr. Ministro disse.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Portugal apresenta uma alta taxa de sinistralidade laborai. Entre 1990 e 1994 o número anual de acidentes de trabalho variou entre 234 000 e 305 000, número que peca por defeito, porque não contempla sectores como o da Administração Pública, nem inclui os trabalhadores não cobertos pela protecção no infortúnio laborai, apesar de o seguro ser obrigatório.
Em 1995, segundo as estatísticas do então Ministério para a Qualificação e o Emprego, só no Continente- e sem contar também com os acidentes de trabalho dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações - houve 204 273 acidentes de trabalho, dos quais 232 mortais.
Na década de 80, segundo as estatísticas do Ministério da Justiça, registou-se uma média anual de 700 mortes em consequência dos acidentes de trabalho, média que subiu para 820 na corrente década de 90.
Segundo revela o documento Uma visão solidária da Reforma da Segurança Social, as vitimas mortais, desde o início da década de 80, são cerca de 20 000.
Segundo um inquérito muito interessante, feito pelo Gabinete de Documentação e Direito Comparado da Procuradoria-Geral da República, em 404 empresas, compreendendo empresas dos sectores da construção civil, agricultura, comércio retalhista, transportes, materiais eléctricos e indústria extractiva, houve nas mesmas empresas 440 acidentes de trabalho, dos quais 373 mortais, 53 graves e 14 sem gravidade.
Trata-se de um retrato penoso de sofrimento, de angústia, de desespero.
Como é possível que os trabalhadores sejam tratados de forma tão brutal, que à própria prevenção se substitui o cálculo numérico do que se amealha à custa do desprezo pela vida, pelo direito à vida de quem trabalha e da sua família.
Inúmeras vezes denunciámos nesta Assembleia--e a última denúncia aconteceu durante o debate da proposta de lei do Governo sobre reparação dos acidentes de trabalho, em Julho de 1997 - que não havia uma política consequente de prevenção dos riscos profissionais.
Inúmeras vezes chamámos a atenção para ás pensões degradadas recebidas pelos acidentados do trabalho e pelas vitimas de doenças profissionais.
Repetimos, até à exaustão, que enquanto fosse mais barato reparar do que prevenir o infortúnio continuaríamos a apresentar cifras que nos envergonham relativamente à sinistralidade laborai.
Conseguimos mesmo a aprovação de dois projectos de lei, na generalidade, que, apesar de serem apenas um primeiro passo, foram uma luz ao fundo do túnel para os trabalhadores tratados por uma legislação caduca, como uma máquina de ganho, numa visão "taylorista" do trabalho.

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O Governo viria, afinal, a meter entraves à aprovação na especialidade, alertado que foi pelos protestos das seguradoras privadas, que, num assomo de grande altruísmo, continuaram a reclamar a manutenção do ramo acidentes de trabalho sob a sua alçada, apesar-- coitadas das beneméritas! - de invocarem prejuízos decorrentes da gestão corrente dos seguros.
Nunca se viu altruísmo tamanho, de espantar, por parte de quem cedo alijou responsabilidades na reparação das doenças profissionais, devido, sobretudo, à silicose, acedendo facilmente a que tal reparação passasse para a segurança social. Tal aconteceu em 1962, com a criação da Caixa Nacional de Seguros das Doenças Profissionais, transformada hoje no Centro Nacional de Protecção dos Riscos Profissionais.
Na verdade, apesar de a concorrência entre seguradoras ter determinado taxas baixas nos prémios de seguros, a partir das quais as seguradoras - coitadas! - alegavam não poder suportar aumentos nas pensões e indemnizações, estas lucram milhões com o ramo acidentes de trabalho. Em 1993, este ramo representava 13,4% do total da actividade seguradora e perto de 20% dos seguros não-vida.
Foi a protecção dos interesses das seguradoras que levou o Governo a apresentar uma proposta de lei, hoje transformada em lei, cujos aspectos negativos sobrelevam, em muito, os aspectos positivos que também salientámos na altura.
A lei era, em muitas das situações, um cheque em branco que o Governo ainda não preencheu.
A lei está dependente, para entrarem vigor, de 17 regulamentações. Cerca de um ano passado após a publicação do diploma, ainda nada se conhece da regulamentação, a qual parece estar a conhecer dificuldades, pois que com o que as seguradoras pretendem ficará ainda mais patente o recuo das soluções, no final do século XX, século que contou com espantosas inovações tecnológicas, de que só uma meia dúzia se quer apoderar, furtando-as aos trabalhadores.
A lei não prevê a actualização das pensões degradadas, a lei não prevê a actualização anual de pensões, a lei prevê as remissões de pensões inferiores a 30%, segundo tabelas desconhecidas, mas que, no interesse das seguradoras, desejosas de se libertarem das reservas matemáticas destas pensões, não deverão ser grande coisa.
E, sobretudo, a lei esquece que a protecção social não pode conseguir-se com a manutenção do ramo do infortúnio laborai nas seguradoras privadas.
A lei nada diz sobre o momento em que a reparação dos acidentes de trabalho passará para a segurança social, ignorando a Carta Social Europeia, fazendo por esquecer que, nesta matéria, Portugal se encontra isolado na União Europeia, ignorando que o Comité de Peritos do Conselho da Europa, encarregado de acompanhar a aplicação daquela .Carta, considerou, referindo-se a Portugal "que a reparação dos acidentes de trabalho pelo empregador deverá ser integrado no regime de segurança social".
Só dessa forma, aliás, poderão os sinistrados do trabalho ser considerados pela lei, como homens sociais, cujos danos terão de ser ressarcidos na totalidade.
E tal não é possível mantendo nas seguradoras que vivem do lucro, mesmo que à custa de um ramo de seguro tinto de sangue, a reparação dos acidentes de trabalho.
Cedo, aliás, sé pôde prefigurar, que o Governo queria esquecer, nesta matéria, a Carta Social Europeia, e o aggiornamento pela Europa.
Na verdade, com a publicação do Decreto-Lei n.º 35/96, pudemos verificar que o Governo reservava apenas para a segurança social, apesar do que a tal respeito prescreve a Lei n.º 28/84, a reparação das doenças profissionais, excluindo a reparação dos acidentes de trabalho. O lobby segurador funcionava, o lobby funcionou contra os direitos mais elementares de quem trabalha.
E até onde irão as cedências do Governo? Será que as seguradoras conseguirão obter a gestão, que reclamam, da fusão do Fundo de Garantia e Actualização de Pensões, com défices do sector privado financiados pelo Orçamento do Estado, da fusão deste Fundo, que elas reclamam, com o Fundo de Actualização de Pensões, para assim poderem, elas, seguradoras privadas, gerir uma parte do Orçamento do Estado?
De cedência em cedência, o que se cede é, de facto, o direito dos trabalhadores à saúde, à higiene e à segurança no trabalho.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - O negro panorama em matéria de sinistralidade laborai indica-nos que não se fiscaliza o cumprimento da legislação que protege os trabalhadores.
E há mesmo casos escandalosos, como os das tendinites em várias empresas, entre os quais se destaca o caso da Ford Electrónica. Prometeu-se aos trabalhadores um estudo, sabia-se que o sistema de laboração da empresa causava aquelas doenças pois já o mesmo acontecera no Brasil, mas tudo continua na mesma.
Afectados estão centenas de trabalhadores, com destaque para jovens mulheres, definitivamente incapacitadas para muitas das tarefas da sua vida familiar e profissional. Será possível fazer descer o Governo do seu pedestal europeísta para olhar para estas mulheres, que têm direito não só à vida mas também à qualidade de vida?
O Governo terá presente que, segundo um inquérito do Secretariado Nacional de Reabilitação, existe no País um total de deficiências superior a um milhão? Que é. de 9,2%, segundo o tal relatório que citei ao princípio, a percentagem de pessoas com deficiências na população total? O Governo terá presente que, segundo esse inquérito, apenas 279 000 beneficiam de reabilitação?
E o que vai fazer o Governo?
Sr. Presidente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Porque em matéria de acidentes de trabalho se continua a raciocinar apenas como se se tratasse apenas de uma questão de seguro; porque as vistas curtas fazem esquecer o que se perde do precioso capital humano, convém recordar o que o sociólogo Pierre Jaccard escreveu na sua História Social do Trabalho: "Há invenção, descoberta, crescimento económico e progresso social quando o trabalhador, manual ou intelectual, é dignificado; mas a ruína está próxima quando o trabalhador é menosprezado".

Aplausos do PCP

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Rato.

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O Sr. Jorge Rato (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada: Tivemos, há cerca de um ano, como disse, o prazer de trabalhar em conjunto na proposta de lei do Governo e na versão final que saiu desta Assembleia, e hoje, aqui, a Sr.ª Deputada manifestou a sua posição, que é já conhecida e que vem desde essa altura. Quero, no entanto, colocar-lhe uma questão que tem a ver com a polémica da regulamentação.
De facto há um atraso, evidente, em relação ao que consta na lei, mas a Sr.ª Deputada omitiu aqui, não sei se por desconhecimento, que a proposta de regulamentação está, neste momento, a ser discutida pelos parceiros sociais. A própria CGTP já teve a oportunidade de emitir sobre a matéria um parecer e, portanto, estamos em fase de consensualização relativamente a esta matéria. Penso que a Sr.ª Deputada terá disto conhecimento.
Outra matéria que me preocupa muito sempre que se fala de acidentes de trabalho é a insistência em dizer que é mais barato reparar do que prevenir. A Sr.ª Deputada sabe que os últimos dados - que, aliás, serviram de base às discussões sobre a matéria em sede de Comissão - indicam exactamente o contrário.
Assim, faço à Sr.ª Deputada a seguinte pergunta: não seria melhor para o PCP, para os objectivos que todos defendemos, de redução da sinistralidade, deixar esse fantasma de que reparar é mais barato do que prevenir e, cingindo-se aos valores estatísticos que tivemos como base de trabalho, dizer exactamente o contrário, que é o que consta dos documentos, ou seja, que prevenir sai mais barato do que, reparar?
Sr.ª Deputada, é essa postura pedagógica que convido o PCP a utilizar, para bem da prevenção da sinistralidade em Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem, não, muito mal! Todos os especialistas de Direito do Trabalho, na área de acidentes de trabalho, passam o tempo a dizer que temos uma lei, de 1967, que na altura era muito avançada,...

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, já lhe dei a palavra?

Risos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, peço desculpa.

O Sr. Presidente: - Não necessita de pedir desculpa. Faço, o reparo, porque quero perguntar ao Sr. Deputado Jorge Rato o mesmo que perguntei há pouco: quanto tempo cede à Sr.ª Deputada Odete Santos para lhe responder, uma vez que ela apenas dispõe de cerca de meio minuto?

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Damos 5 minutos, Sr. Presidente.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não preciso de tanto tempo.

O Sr. Presidente: - Dispõe, então, de 3 minutos, Sr.ª Deputada.

Tem a palavra para responder, Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Rato, devemos estar a falar de coisas diferentes, porque toda a gente sabe que as pensões calculadas com base
numa lei de 1967, pese embora as actualizações feitas numa série de diplomas muito complicados, são pensões baixíssimas.
Portanto, as estatísticas que o Sr. Deputado invoca, não as conheço e ninguém conhece.

O Sr. Jorge Rato (PS): - Tem casos concretos!

A Oradora: - Não tenho, não. Não é verdade! Basta ir ao Tribunal de Trabalho e ver os montantes das pensões atribuídas aos trabalhadores, para desmentir quaisquer estatísticas. Se calhar, o Governo também arranjou essas estatísticas! Será?! Sr. Deputado Jorge Rato, não diga aqui uma coisa que não corresponde à verdade! Toda a gente sabe que é o contrário.

O Sr. Jorge Rato (PS): - Não, não!

A Oradora: - Toda a gente sabe que há pensões baixas e, por isso, veio o Governo, até num artigo que é positivo, alterar o cálculo das pensões, estabelecendo que passa a não haver, não sei quando, as famosas retribuições-base, passando a serem calculadas sobre o ordenado, para elevar - e neste aspecto está bem - as pensões.
Portanto, eu não disse nada que não fosse verdade. O Sr. Deputado é que está a falar de outro país, com certeza,...

O Sr. Jorge Rato (PS): - Não, não!

A Oradora: - ... de alguma viagem que fez, onde agarrou uma lei sobre acidentes de trabalho e umas estatísticas. Sr. Deputado Jorge Rato, desculpe que lhe diga, mas não admito que venha aqui dizer uma coisa que não corresponde à verdade! Todos os trabalhadores sabem, neste país, que não corresponde à verdade!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Depois, Sr. Deputado Jorge Rato, sei perfeitamente que estão propostas em discussão e que, parece, essa tal consensualização tem sido difícil. Não sei exactamente quais são as propostas. V. Ex.ª saberá, mas eu não sei. No entanto, sei que as propostas são mazinhas e que está a haver problemas em relação à tal consensualização, devido ao lobby das seguradoras privadas, e esse, sim, é que é o problema com que, neste momento, se debatem os trabalhadores.
Há muitas coisas que eu não disse na minha intervenção, Sr. Deputado Jorge Rato. Admite-se lá que se tire às vítimas de doenças profissionais, que até agora têm tido direito ao subsídio de férias e de Natal, através desta lei, esse direito?! Admite-se lá que se tire aos acidentados de trabalho o direito ao subsídio de Natal, direito que têm tido até agora, segundo a lei de 1967, com as alterações entretanto introduzidas?!

O Sr. Jorge Rato (PS): - Não, não!

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A Oradora: - Ó Sr. Deputado Jorge Rato, admite-se que haja tamanha regressão na própria lei e o que mais adiante se verá, na regulamentação?! Cá esperamos por ela, mas, de facto, uma lei que autoriza pensões degradadas, fixadas com base numa lei de 1967, não é efectivamente uma lei de protecção social como deve ser, como devem ser as leis sobre acidentes de trabalho!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Jorge Rato (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito regimental de defesa da honra pessoal.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, para defender a honra pessoal, apenas lhe poderei dar a palavra no fim do debate.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Para o efeito, tem a palavra.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, quero apenas informar que vou ter de sair, a fim de estar presente num debate em Aveiro, pelo que não estarei na Câmara no fim do debate, para ouvir a defesa da honra do Sr. Deputado Jorge Rato.

O Sr. Presidente: - Então, é uma boa razão para dar desde já a palavra ao Sr. Deputado Jorge Rato, abrindo uma excepção à regra.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Rato (PS): - Sr. Presidente, a Sr.ª Deputada Odete Santos entra, na sua resposta à minha pergunta, numa contradição evidente, porque, por um lado, considera que a vida humana não tem preço e, por outro, vem dizer que, de facto, mais vale reparar do que precaver.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não disse nada disso! O Sr. Deputado é que não ouviu o que eu disse!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, terá a sua oportunidade de falar. Peço-lhe que tenha paciência.
Faça o favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Vamos lá a ver se nos conseguimos entender. São vários os documentos, e terei oportunidade de arranjar fotocópias e entregar a V. Ex.ª,...

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Quais?!

O Orador: - Vários documentos que tenho e que foram utilizados na altura...

Protestos da Deputada Odete Santos, do PCP

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, tem de deixar ouvir o Orador. A Sr.ª Deputada foi ouvida em silêncio.

O Orador: - Há vários documentos que, fazendo a análise dos encargos sociais, não só para as seguradoras mas também para a sociedade em geral, os sinistrados do trabalho, chegam à óbvia e evidente conclusão de que é mais fácil e mais barato precaver do que reparar. Isto é uma evidência, obviamente, para quem considera que o significado que tem para a vida humana, para os sistemas das seguradoras, para o sistema social, a existência de sinistrados não é um meio para justificar o não investimento na prevenção. E penso que estamos todos de acordo sobre isso.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O Sr. Deputado é que não percebeu o que eu disse!

O Orador: - Por isso, parece-me muito pouco pedagógico e, se a Sr . Deputado tornou atenção, foi exactamente isso que eu disse, extremamente negativo e, até certo ponto, pouco coerente vir sistematicamente argumentar a favor da reparação em vez da precaução. É nessa perspectiva que defendo, e foi isso que propus à Sr.ª Deputada, que o discurso do PCP se deve inverter nesta matéria, porque, desse modo, seria seguramente mais fácil sensibilizar os grupos parlamentares, o Governo, os próprios investidores e as empresas privadas, os seguradores, para a necessidade de criar mecanismos de prevenção e de incremento da fiscalização, ao contrário da reparação. Foi isto que eu disse à Sr.ª Deputada, e nós, em consenso, nas comissões, sempre chegámos a essa conclusão, nesta matéria.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Rato, não ouviu, seguramente, a intervenção que fiz, estava muito distraído. Mas eu explico, sem ser com ar paternalista ou maternalista.
O que eu disse, e toda a gente sabe, foi que, enquanto os prémios de seguros forem baixos, as seguradoras são baixos porque há uma concorrência tremenda entre elas - dizem que não podem pagar pensões maiores. Foi isto o que eu disse. É mais barato, hoje, reparar do que prevenir.

O Sr. Jorge Rato (PS): - Não é!

A Oradora: - Então não é, Sr. Deputado?! As empresas pensam que é mais barato, pagam os prémios baixos, as seguradoras pagam pensões baixas, então, julgam eles que fazer investimentos na prevenção lhes sai reais caro. Isto é assim tão difícil de compreender, Sr. Deputado?!

O Sr. Jorge Rato (PS): - O vosso discurso é que não deveria ser igual ao das seguradoras!

A Oradora: - E não é! O vosso é que é igual ao das. seguradoras, porque quem defendeu a proposta de lei, por estranho que pareça, não foi o Sr. Secretário de Estado do Trabalho, que esteve cá, mas, sim, o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, e, por aí, víamos logo o que estava em vista, pois era o Tesouro que agia na protecção, com as casas de anjo" sobre as seguradoras privadas. O que foi argumentado foi que aumentar mais as pensões do que aquilo que vinha proposto era uma grande complicação. Coitadas das empresas, perdia-se a competitividade toda, coitadas das

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seguradoras!... Isto é que foi argumentado! Quem é que está ao lado das seguradoras?! São os senhores!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Loureiro.

O Sr. Hermínio Loureiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: A rentabilidade de um sistema de segurança social financiado por um regime de repartição fica dependente do crescimento da sua base contributiva.
Assim, ganha importância o nível de desemprego.
Elevados níveis de desemprego provocam uma grande preocupação. Esta questão é, claramente, uma condicionante económica, a longo prazo, da segurança social.
A evolução do desemprego é relevante para a viabilidade financeira do sistema de segurança social. As contribuições para a segurança social dependem não só da evolução dos salários mas também da evolução do emprego e do desemprego.
Esta questão é duplamente relevante para o normal funcionamento da segurança social.
Por um lado, mais desemprego significa uma diminuição das contribuições, das receitas, por outro, implica um aumento do número de beneficiários do sistema, das despesas.
O desajustamento entre as novas necessidades de procura de trabalho e as disponibilidades da oferta abre caminho ao aumento do desemprego. Os mais prejudicados serão, claramente, os mais inexperientes e os menos qualificados.
Sr. Presidente; Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A ausência de reformas estruturais, a falta de uma política activa de emprego e a reduzida evolução prevista dos salários não nos permitem esperar, para os próximos anos, aumentos sustentados no crescimento da base salarial sobre. a qual são determinadas as contribuições.
Como objectivos gerais para uma melhoria das actuais condições entendemos ser determinante melhorar o nível de emprego, melhorar a qualidade e a estabilidade do emprego, investir na educação e formação profissional e facilitar o acesso ao emprego.
Penso que em relação a esta matéria estamos todos de acordo.
No entanto, em função da diminuição da taxa de natalidade, do aumento do desemprego e do aumento da esperança média de vida, são cada vez mais os reformados e cada vez menos os trabalhadores activos. Existem, hoje, muito mais reformados e muito menos trabalhadores activos.
O Portugal de hoje representa uma sociedade que nada tem a ver com os modelos pensados no passado.
A situação é de tal forma grave que a geração dos jovens portugueses arrisca-se a ser a primeira a ter de, simultaneamente, contribuir para a protecção social das gerações que a antecederam e a não poder contar com a solidariedade das gerações que lhe irão suceder. Rompe-se, desta forma, a cadeia de solidariedade intergeracional.
Estamos, pois, na iminência, caso não se altere radicalmente a situação, de serem os jovens os últimos contribuintes para este sistema de segurança social e os primeiros, por falência deste, a não poderem contar com qualquer contribuição solidária no futuro.
Sejamos claros. A reforma da segurança social deve constituir uma prioridade política. Mas, infelizmente, mais uma vez chegamos à triste conclusão de que o Governo socialista "é só facilidades", abraça o poder mas não governa, adia, mas não resolve.
A resignação continua e a ineficácia mantém-se. A realidade é, no presente tal como foi no passado, a constituição de mais um "original" grupo de trabalho, que só pensa e nada resolve.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Já agora, aproveito para perguntar quais são as verdadeiras intenções do Governo, quando, por um lado, manda fazer estudos e cria grupos de trabalho e, por outro, diz que já não existe tempo de se fazerem as reformas.
Assim, torna-se muito importante que o Governo nos diga se vai ou não implementar esta reforma, que, em nossa opinião, é decisiva para evitar uma eventual ruptura no sistema.
Expliquem aos jovens contribuintes qual vai ser o seu futuro. Assumam as responsabilidades de uma eventual quebra intergeracional, ou, então, anunciem desde já, de uma forma clara, sem hesitações, qual vai ser o tratamento dado às novas gerações contributivas em matéria de segurança social.
Assim, torna-se claro que uma reforma destas, a fazer-se, tem de ser feita com muita coragem política.
Coragem política e vontade de reformar é, entre outras coisas, aquilo que muita falta faz ao Governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Oliveira.

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A interpelação ao Governo, da iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP, centrada nas questões da segurança social e da sua reforma, tem o mérito de permitir, uma vez mais, a discussão na Assembleia da República de um dos temas mais actuais da sociedade portuguesa: a reforma do sistema de segurança social.
Trata-se de uma questão que deve mobilizar-nos a todos e ser discutida não como uma prioridade conjuntural mas, sim, de forma coerente, fundamentada, rigorosa e responsável, com a importância que tem na nossa vida colectiva, sem os alarmismos a que durante muitos anos alguns sectores nos habituaram.
A reforma da segurança social, ainda que implicando consequências imediatas e visando a sustentabilidade do sistema, não deverá, contudo, comprometer o futuro das gerações vindouras.
Esta é a perspectiva que o Partido Socialista tem vindo a adoptar, desde que iniciou o processo de reforma e no âmbito da qual deseja partilhar responsabilidades com as demais forças político-partidárias e com toda a sociedade civil.
Sem prejuízo da reavaliação que pode e deve fazer-se de algumas despesas públicas, para nós, a reforma da segurança social não tem como objectivos a redução do peso das despesas públicas com as políticas sociais.
A comparação dos gastos líquidos em protecção social em percentagem do PIB permite-nos concluir que em Portu

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gal, tomando por base os últimos 25 anos, a segurança social ainda nos mantém longe dos níveis de protecção de outros países da União Europeia. Excluídos os gastos com a saúde, a protecção social em Portugal traduz-se apenas numa percentagem de I l% contra, por exemplo 19,8% na Bélgica, 25,4% na Dinamarca ou 23,4% nos Países Baixos, para não falar dos 31,8% da Suécia.
Há, portanto, um longo caminho a percorrer. Assente na solidariedade e na justiça social, a reforma terá de ser um factor de confiança no futuro da segurança social. Mas, como o caminho se faz caminhando, devemos fazê-la com ponderação e realismo, de acordo com as reais capacidades económicas do País e sem riscos de ruptura do sistema.
Esta foi sempre a perspectiva do Partido Socialista, que, defendendo de há muito a necessidade urgente da reforma do sistema de segurança social, nunca pretendeu fazê-la de qualquer maneira, mas, sim, alcançá-la de forma progressiva e como garante da sua sustentabilidade financeira, capaz de cumprir a sua missão, designadamente no plano da solidariedade social.
A este propósito, recordo aqui as palavras do então Deputado Ferro Rodrigues quando, na discussão do projecto de lei n.º 627/V, do PS, referia: "É desde há muito evidente para nós (...) e cada vez mais indispensável olhar o futuro (...)" do sistema de segurança social "(...) numa perspectiva que se diferencie claramente da mera projecção de indicadores do presente, mas que imponha profundas transformações na sua lógica, articulação e funcionamento".
Profundas transformações do sistema de segurança social na sua lógica, articulação e aprofundamento era o que o Partido Socialista naquela época defendia e é o que hoje e agora continua a defender. Transformações que respeitarão os três compromissos assumidos pelo Governo, no âmbito da reforma do sistema: a garantia dos direitos que os cidadãos foram adquirindo ao longo das suas relações como sistema; a garantia de que as alterações a introduzir não comprometerão os direitos das gerações vindouras; e a garantia de que as decisões que hoje adoptarmos não criarão obstáculos intransponíveis nas futuras opções.
Depois de citar o Deputado Ferro Rodrigues, atrevo-me agora a citar o Ministro: "Num momento em que estamos a dar importantes e decisivos passos para a construção do nosso futuro, como portugueses, há espaço e há oportunidade para avançarmos com segurança na construção das políticas sociais do futuro. O trabalho desenvolvido ao longo dos últimos anos e os (...) diagnósticos aprofundados da realidade, diagnósticos sérios e plurais de que dispomos hoje, permitem-nos tomar novas decisões e avançar com novos passos. (...) ganhámos a capacidade de reformar no exercício efectivo da mudança e não apenas na simples afirmação da sua necessidade".
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.º5 e Srs. Deputados: Bastará, digo eu, ter presente o vasto conjunto de medidas que têm vindo a ser tomadas pelo Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade, nestes dois últimos anos e meio, para acreditarmos na sua manifesta capacidade de reformar o sistema.
Em cumprimento do Programa do Governo da Nova Maioria, nomeou a comissão que veio produzir o Livro Branco da Segurança Social, dotando assim o País com um importante instrumento do trabalho, que apresenta um diagnóstico rigoroso da situação e das perspectivas de evolução do sistema de segurança social que irá permitir uma reflexão aprofundada sobre as alternativas de reforma da segurança social.
Propôs a esta Assembleia a criação do rendimento mínimo garantido, medida que, uma vez aprovada, veio revelar-se, ao contrário do que muitos faziam crer, um importante instrumento de combate à pobreza e exclusão social e de integração sócio-profissional, de que beneficiam hoje mais de 200 000 portugueses e ao qual foi afectada para o corrente ano uma verba de-34,5 milhões de contos.
As prestações familiares passaram a estar subordinadas ao princípio da diferenciação positiva. Esta nova política veio permitir que as famílias de menores recursos económicas beneficiem de prestações familiares com valores mais elevados, prosseguindo-se assim uma verdadeira política de solidariedade sem precedentes no nosso país.
A partir do ano de 1996, o Governo assumiu um esforço financeiro bastante considerável, no sentido de uma melhoria efectiva progressiva dos níveis das prestações de invalidez, velhice e sobrevivência e introduziu a lógica da diferenciação positiva, com vista à revalorização das pensões mais degradadas. Política que tem de continuar e tem de ser aprofundada, não apenas com vista à manutenção do poder de comprados reformados e pensionistas mas também como expoente dos valores da justiça e da solidariedade social.
Ao contrário dos sucessivos Governos do PSD, o Governo do Partido Socialista assumiu as responsabilidades decorrentes da Lei de Bases da Segurança Social relativamente às componentes da acção social e do regime não contributivo. Para além do cumprimento da lei de bases, este Governo imprimiu à segurança social uma gestão de rigor, as despesas com a administração do sistema foram, em 1997, inferiores ao orçamentado em 3,65 milhões de contos, o aumento da fiscalização permitiu uma redução do subsídio de doença na ordem dos 3% relativamente aos encargos de 1996, registando-se uma quebra de 9,6% no número de dias de baixa, voltaram a integrar o sistema cerca de 70 mil contribuintes, o que permitiu arrecadar mais cerca de 80 milhões de contos.
Ainda, em 1997, foi reforçada a capitalização do sistema, o que se traduziu na transferência de 100 milhões de contos para o Fundo de Estabilização Financeira e, em 1998, foram já transferidos mais 11 milhões de contos. Vale ainda a pena, e é interessante sublinhar, que, cumprida a lei de bases, o saldo global da segurança social, em 1997, foi de 154,874 milhões de contos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Registamos com agrado que o Governo, no cumprimento do Acordo de Concertação Estratégica, tenha já enviado aos parceiros sociais um projecto de proposta de lei, onde se prevê a flexibilização da idade de reforma, bem como o compromisso, aliás repetido no início do corrente mês, pelo Sr. Ministro, por ocasião do Dia da Segurança Social, e hoje novamente aqui reafirmado, de entregar nesta Assembleia, proximamente, a proposta de uma nova lei de bases da segurança social, que enquadrará um novo desenvolvimento do modelo de reforma da segurança social que o Governo e o Partido Socialista pretendem construir.

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Feitas duas citações, termino com uma terceira, desta vez, e com a devida vénia, cito o Sr. Presidente da República: "O progresso económico sustentado e a solidariedade social exigem de todos nós, quaisquer que sejam as responsabilidades que a cada um cabem, que enfrentemos o desafio de debater e de decidir sobre as alternativas que permitem a construção de um futuro melhor. No domínio da segurança social há (...) decisões que envolvem compromissos que se prolongam para além dos círculos eleitorais e, por isso, recomendam especiais cuidados".
De uma forma séria, o Governo propôs em Março um pacto político-social que permitia congregar contributos dos mais diversos quadrantes para uma proposta que pretende ser o mais consensual possível, o que não tem sido correspondido por muitos quadrantes político-partidários representados nesta Assembleia, que preferem transformar a política numa corrida de 100 m para ver quem chega primeiro!

Vozes do CDS-PP: - Tch...!

O Orador: - Gostava de ver é se têm "canelas" para isso!

Risos do PS.

O futuro dos portugueses, que é também o nosso, merece melhor, merece o esforço de um consenso!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para encerrar o debate da interpelação, pelo partido interpelante, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Através desta interpelação ao Governo, o PCP trouxe hoje ao debate, neste Plenário, uma das questões mais sérias que se colocam à sociedade portuguesa no médio prazo.
Fizemo-lo, não porque o PCP dê guarida às vozes que, por interesses económicos ligados à especulação financeira ou por motivações ideológicas dos que suportam e apadrinham esses mesmos interesses, proclamam a eminente ruptura financeira da segurança social para a tentar liquidar. Bem pelo contrário: quisemos debater o presente e o futuro da segurança social, com a seriedade que emprestámos ao debate, porque entendemos que ela constitui um instrumento insubstituível de justiça social e de solidariedade nacional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Um instrumento que, para quem, como o PCP, tem para a sociedade portuguesa uma perspectiva evolutiva dos direitos sociais no progresso, deve ser permanentemente reforçado no sentido da generalização dos direitos de protecção social e da sua universalização.
Por isso, entendemos que o futuro da segurança social deve ser estudado, debatido e preparado com tempo e com muita reflexão, sem a precipitação que, sob o cutelo de uma hipotética ruptura a curto prazo, tenderia a pressionar uma solução de deriva liberal, arrastando consigo, inevitavelmente, um enorme passo na direcção da regressão social. Diversamente, esse futuro deve ser maduramente ponderado e assentar numa dinâmica e numa vontade de crescente afirmação de preocupações de uma cada vez maior justiça social, na prática e não apenas no discurso, porque, tal como o trabalho, a garantia da protecção social não pode representar apenas uma fonte de rendimentos, mas tem de ser considerada como um factor da dignidade pessoal e de integração e participação na sociedade.
Srs. Deputados, a reforma da segurança social comporta múltiplos aspectos económicos e sociais, mas ela é, fundamentalmente e ha sua essência, uma questão política. O modelo de reforma que vier a ser adoptado assentará, necessariamente, em posicionamentos políticos sobre o presente e o futuro da sociedade portuguesa e sobre o papel que nela deve desempenhar a protecção social. E, neste âmbito, queremos ser muito claros.
A postura do Governo em relação à reforma da segurança social está longe de ser tranquilizante. Aos compromissos programáticos no sentido de que o "desenvolvimento da responsabilidade social do Estado não pode ser posto em causa", têm-se vindo a avolumar declarações e decisões de sentido inverso. Mostram-no, por exemplo, a recente e precipitada decisão do Governo de, no curto prazo de um mês, elaborar uma proposta de nova lei de bases da segurança social, "mandando às ortigas" boa parte da sua proposta pública, pouco antes feita, de diálogo plural e sério com forças políticas e sociais, visando a reforma da segurança social, deixando perceber que o Governo facilmente cede a meras razões de conjuntura política, ainda que com manifesto e perigoso prejuízo para a solução séria de uma questão central para o futuro dos portugueses.
A questão, Sr. Deputado Barbosa de Oliveira, não é apenas de quem inicia a corrida de 100 m mas de quem parte logo a seguir, atrás, a ver se o apanha ainda antes de atingir os 100 m!

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - E mostram-no, fundamentalmente, o acolhimento que o Governo deu a teses inseridas no Livro Branco da Segurança Social. Teses cuja tendência pesada é a da submissão do social ao económico e a da substituição da responsabilidade e garantia públicas pelo negócio financeiro privado, assente na filosofia liberal de que os direitos sociais, duramente conquistados pelos trabalhadores, são um obstáculo à sacrossanta competitividade, no contexto da propalada mundialização da economia e da ideologia da concorrência desenfreada.
Mas, Sr. Ministro, as dificuldades financeiras do sistema de segurança social que se podem perspectivar a longo prazo não autorizam nem podem servir de pretexto para que o Governo se proponha a uma orientação no sentido da privatização, ainda que parcial, do sistema de protecção social. Desde logo, porque uma tal opção não faria mais do que substituir as actuais contribuições obrigatórias para o sistema público de segurança social por encargos, na prática, igualmente obrigatórios, beneficiando e enriquecendo empresas gestoras de fundos e

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seguradoras privadas. Por acréscimo, colocando as reformas futuras dos trabalhadores na dependência, fundamentalmente, da evolução dos mercados financeiros.
Por outro lado, e correlativamente, porque nem o Governo nem ninguém pode pretender escamotear que foram precisamente as desordens económicas e financeiras que marcaram os países europeus na primeira metade deste século (com a consequente quase falência dos regimes de reformas privadas) que favoreceram e impuseram o desenvolvimento de regimes públicos obrigatórios assentes no princípio da repartição.

O Sr. José Calçada (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - Recessões económicas e derrocadas nos mercados financeiros que ninguém garante que não continuem a repetir-se, eventualmente com ainda maior gravidade e mais duras consequências.
Mas, essencialmente, porque a questão que objectivamente está colocada é a de que o actual modelo de financiamento baseado exclusivamente nos salários, por razões em que avulta a alteração da relação entre activos contribuintes e inactivos beneficiários, será insuficiente a longo prazo.
Ora, é a esta questão central que a reforma da segurança social tem de dar resposta adequada e atempada. Resposta que, em nosso entender, terá de assentar basicamente em duas realidades.
A primeira, e ao contrário do que pretendem as empresas financeiras e os responsáveis políticos liberais, é a de que a protecção social não é uma devoradora de riqueza criada. É, sim, um conjunto de mecanismos de redistribuição de rendimentos, pelo que os recursos para ela canalizados não desaparecem do circuito económico, antes nele são reinjectados sob a forma de prestações sociais que se transformam em consumo e em produção.
A segunda realidade decorre da necessidade de a reforma do modelo de financiamento da segurança social conferir uma nova coerência ao financiamento dos mecanismos de diferentes tipos de solidariedade e, simultaneamente,, promover uma menor penalização do factor trabalho e uma repartição mais equitativa das cargas contributivas que esse financiamento exige. O que apela para algumas modalidades de protecção social, a uma solidariedade de expressão nacional suportada por fundos públicos financiados por receitas fiscais. E na componente das reformas do regime geral aponta para a extensão da base de incidência contributiva a um conjunto mais vasto de elementos da exploração empresarial para além do salário, com vantagens acrescidas para o emprego, pela redução dos efeitos discriminatórios na escolha dos factores de produção e por uma mais justa repartição das contribuições entre empresas capital-intensivas e empresas trabalho-intensivas.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O que não se vislumbra é qualquer realidade que imponha a necessidade de plafonamento das reformas no sistema público da segurança social. Isto porque 'o plafonamento nada mais significa do que o desvio de contribuições do sistema público para sistemas privados; porque o plafonamento não contribuiria para a resolução dos problemas de financiamento da segurança social, apenas daria resposta à gula insaciável dos mercados financeiros; porque, afinal, o plafonamento se sustenta basicamente na perspectiva da privatização e seria a porta aberta ao aumento das desigualdades sociais e à redução do nível global de protecção social.

Aplausos do PCP

Aliás, o exemplo daquilo que se passa com as prestações devidas por acidentes de trabalho são disso uma prova evidente. O facto de estarem nas seguradoras significam realmente uma redução substantiva da protecção social dos trabalhadores acidentados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em suma, porque plafonamento significaria optar pelo rumo da regressão social e não pelo do progresso social.
E se estas são as questões nodais da reforma, importa igualmente reafirmar que este objectivo de longo prazo não se opõe a imperativos imediatos, nomeadamente à revalorização extraordinária das pensões mínimas de reforma. Para além de uma exigência irrecusável do ponto de vista social, essa revalorização pode ser encarada como um instrumento privilegiado de uma política de crescimento económico. O que a sua concretização exige é que se deixem de formular os problemas do presente numa visão estática e meramente contabilística e, fundamentalmente, que haja da parte do Governo a necessária vontade política.
E é essa vontade que continua a faltar ao Governo do PS. Lamentavelmente!

Aplausos do PCP

O Sr. Presidente: - Para encerrar o debate, em representação do Governo, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade: Sr. Presidente, Srs. Deputados: Algumas rápidas conclusões finais. Em primeiro lugar, há uma reforma da segurança social que está em marcha. Ainda hoje, se deu mais um passo com a entrega aos parceiros sociais do projecto sobre flexibilidade dá idade da reforma.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, há um processo político sério de debate que também está em marcha. Penso que esta interpelação hoje e a forma como decorreu foi um passo positivo e construtivo nesse sentido.
Em terceiro lugar, há condições, na presente legislatura, para a Assembleia da República aprovar uma nova e boa lei de bases da segurança social, com o máximo consenso possível, e o Governo irá trabalhar nesse sentido.
Em quarto lugar, continuam, infelizmente, os perigos da demagogia, do eleitoralismo e da instrumentalização dos idosos a lógicas populistas. Mas, neste quadro, o Governo vai manter tranquilamente o cumprimento do seu Programa, do calendário, que sempre esteve previsto, e da sua postura.

Aplausos do PS.

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2536 I SÉRIE-NÚMERO 73

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário da Mesa vai proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer é do seguinte teor:

1. Em reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, realizada no dia 27 de Maio de 1998, pelas 17 horas, foi observada a seguinte retoma de mandato de Deputado:
Retoma de mandato nos termos do artigo 6.º, n.os 1 e 2 do Estatuto dos Deputados (Lei n.º 7/93, de 1 de Março).
Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS):
Francisco José Pinto Camilo (Círculo Eleitoral de Portalegre), em 21 de Maio corrente, inclusive, cessando Teresa Maria Gonçalves Gil de Oliveira Pereira Narciso.
2. Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
3. Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer: a retoma do mandato em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.
Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realiza-se amanhã, com início às 15 horas. No período de antes da ordem do dia, haverá um debate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar do PSD, sobre o alegado projecto do Estado espanhol de vir a instalar um cemitério de resíduos nucleares em Aldeadávila de La Ribera, junto à fronteira portuguesa de Trás-os-Montes, e, no período da ordem do dia, será debatido o inquérito parlamentar n.º 8/VII - Apreciação de actos dos Governos do PS e PSD envolvendo o Estado e grupos económicos (PCP), para além de votações à hora regimental.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 35 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

José Manuel Niza Antunes Mendes.

Partido Social Democrata (PSD):

António Joaquim Correia Vairinhos.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Pedro Augusto Cunha Pinto.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
António Bento da Silva Galamba.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
João Rui Gaspar de Almeida.
José Alberto Cardoso Marques.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
Maria de Lurdes Ferreira da Silva Farinha.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Mário Manuel Videira Lopes.
Nelson Madeira Baltazar.
Raúl d' Assunção Pimenta Rego.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
António Moreira Barbosa de Melo.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
João Bosco Soares Mota Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Fernando José de Moura e Silva.
Pedro José Del Negro Feist.

Partido Comunista Português (PCP):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.

Deputado Independente:

José Mário de Lemos Damião.

A DIVISÃO DE REDACGÀO E APOIO AUDIOVISUAL.

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28 DE MAIO DE 1998 2537

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