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924 I SÉRIE - NÚMERO 26

as possíveis intervenções modificadoras, exigindo sempre o consentimento informado do próprio e afirmando a prevalência dos interesses e bem-estar daquele sobre os da sociedade e da ciência.
Finalmente, em 17 de Julho do ano corrente, foi aberta à assinatura a Convenção que cria um Tribunal Criminal Internacional, competente para julgar o genocídio, os crimes contra a humanidade, os crimes de guerra e de agressão.
A consciência humana não admite mais atentados impunes contra a vida, nem massacres organizados, torturas, violações, purificações étnicas ou religiosas, pessoas atiradas de avião para o mar ou apodrecendo em campos de
concentração.
Na vigência da Declaração Universal, atingiram-se outros resultados positivos: a aceitação do valor que é a paz;
a queda dos sistemas coloniais, do apartheid e de muitas ditaduras de vários sinais; a proibição de armas químicas, bacteriológicas e das minas antipessoais; os sucessos na luta contra certas doenças, tradicionais flagelos da Humanidade; o maior acesso à educação de uma parte das populações; uma maior compreensão da riqueza que são as diferenças culturais; uma maior colaboração entre Igrejas,
confissões religiosas, fundações e um número crescente de organizações não governamentais, que têm promovido a, pessoa humana, os seus direitos e o seu desenvolvimento.
No entanto, ainda hoje 130 milhões de crianças não vão à escola, muitas não têm casa, são exploradas e abandonadas. A violência e a discriminação contra as mulheres campeiam, chegando à mutilação sexual em largas áreas do mundo. Os refugiados, a tortura, os tratamentos degradantes, a pena de morte, a falta de liberdade política, religiosa e cultural também estão aí, bem como as guerras
civis, que fazem de muitas vidas calvários intermináveis.
Sentimos o drama do povo de Timor Leste, que nos é particularmente caro, mas não esquecemos os dramas que se vivem em tantos países.
Temos de nos indignar perante eles e perante a vastidão da miséria e da exclusão que deixam grande parte da humanidade sem abrigo, presa da fome, da doença e da
impossibilidade de acesso a qualquer bem-estar. E a xenofobia, o racismo, a intolerância continuam.
Em Portugal, depois do 25 de Abril de 1974, a Constituição de 1976 e o empenho dos portugueses permitiram o respeito pela liberdade, pela vontade popular,
expressa em eleições livres e em referendos, bem como maior tolerância, maior acesso de grande parte da população à educação, à cultura e ao bem-estar. Para ele deu contributo essencial a iniciativa privada. Deve sublinhar-se ainda o significativo aumento da esperança média de vida. E não podemos esquecer esses muitos compatriotas que se dedicam, dentro e fora do País, a diverso título, à
promoção dos Direitos Humanos, da paz e do desenvolvimento.
Mas continuam a verificar-se entre nós violações de direitos fundamentais: a pobreza de um quinto da população, em especial dos idosos, e a exclusão de muitos; o trabalho infantil e os maus tratos às crianças; a violência
e as discriminações que ferem as mulheres; certas formas preocupantes de considerar os outros, designadamente as minorias e os imigrantes; as violações da vida privada e da presunção de inocência; uma prática restritiva da liberdade de ensino; e a grande morosidade no funcionamento do sistema de justiça, que tem conduzido a várias condenações no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
E que dizer da obsessão com o espectáculo, com os aspectos instrumentais da vida política, social e económica?
As legítimas ambições individuais, que se ficam pelo desejo de popularidade e glória mediática ou pela vontade de poder ou de prestigio e não têm em vista a promoção do objectivo essencial - os direitos da pessoa humana têm de ser consideradas meras paixões infantis. Ora, esse objectivo que referi é que dá sentido à vida em comunidade.
Assim, para haver sentido, todos os sectores da vida social, designadamente a economia, a informação e a política, têm de estar ao serviço das pessoas. Em todos os locais, universidades, tribunais, empresas, repartições públicas, estradas, media, todos têm de ser tratados com o respeito que a sua dignidade exige.
Algumas questões novas se levantam. Falam alguns de um pretenso dualismo entre direitos e deveres, exigindo até uma carta destes últimos. Ora, os direitos incluem e são indissociáveis das responsabilidades pessoais perante os outros e a comunidade, como expressamente afirma o artigo 29.º da Declaração Universal.
Pretendem outros fazer valer o relativismo cultural, entendendo os Direitos Humanos como um produto ocidental, a que se deveriam sobrepor as tradições locais. É claro que as tradições são respeitáveis, são enriquecedoras da
humanidade e são expressão do direito à diferença, mas não podem servir para a contestação da universalidade dos Direitos Humanos, que encarnam as aspirações de todas as mulheres e homens do nosso tempo. O Secretário-Geral Kofi Annan sublinhou, há dias, que são os líderes que defendem aquela posição «as pessoas sabem bem que para elas os direitos constantes da Declaração são essenciais».
Devemos reflectir e combater novas formas de transpersonalismo, por vezes produto de consensos ocasionais em certas conferências mundiais. Os seres humanos deixariam de ser o centro da História e seriam submetidos, através de uma cosmologia holista e neo-pagã, à Mãe-Natureza.
Por outro lado, a globalização da economia, da informação e das comunicações não pode ser uma nova forma de esmagamento dos direitos da pessoa. Penso que um
mínimo de coerência e de reciprocidade exige que também as responsabilidades pela situação da humanidade e as formas de a melhorar sejam elas também globalizadas.
Os direitos e a liberdade de cada um têm de aparecer hoje como limite não só aos clássicos poderes do Estado, como aos das sociedades tecnocráticas e de novas forças intercontinentais. O mesmo se diga em relação à aplicação das novas tecnologias.
Sá Carneiro notava que o Estado só seria um Estado de Direito «não apenas se agir dentro da legalidade, o que pouco interessa, pois é ele que a cria, mas dentro da legitimidade resultante dos direitos da pessoa (...). Estado de
Direito é estado de legitimidade e de justiça, de conformidade com os direitos naturais da pessoa e não de legalidade apenas».
Tinha já subjacente a distinção, depois clarificada por Adriano Moreira e outros, entre e legitimidade originária, que é dada pela escolha livre do povo, e legitimidade de exercício. Qualquer órgão de poder que não actue no respeito dos Direitos Humanos perde este legitimidade.
Mutatis mutandis, penso que devemos exigir esta legitimidade de exercícios aos novos poderes que actuam no mundo globalizado. Tem sido referido que a lógica de
globalização choca com a legitimação democrática das decisões. Mas para além do necessário controle democrá-

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