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Quinta-feira, 17 de Dezembro de 1998 I Série - Número 28
DIÁRIO da Assembleia da República
VII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1998-1999)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE DEZEMBRO DE 1998
Presidente: Ex.mo Sr. Manuel Alegre de Melo Duarte
Secretários: Ex.mos Srs. José Ernesto Figueira dos Reis
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n.º 222/VII, do projecto de lei n.º 592/VII, da proposta de resolução n.º 126/VII e do projecto de deliberação n.º 54/VII.
Procedeu-se ao debate da interpelação n.º 19/VII - Sobre política para os resíduos industriais, da produção ao destino final, na óptica do ambiente e da saúde (Os Verdes), tendo usado da palavra, a diverso título, além da Sr.ª Deputada Isabel Castro (Os Verdes), da Sr.ª Ministra do Ambiente (Elisa Ferreira), que proferiram intervenções na fase de abertura, e do Sr. Ministro
dos Assuntos Parlamentares (António Costa), os Srs. Deputados Joaquim Matias (PCP), Fernando Pedro Moutinho (PSD), António Brochado Pedras (CDS-PP), Lucília Ferra (PSD), Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP), Cardoso Ferreira (PSD), Carmen Francisco (Os Verdes), Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP), Acácio Barreiros, Paulo Neves, Helena Roseta e Natalina Moura (PS) e Rui Pedrosa (CDS-PP).
A encerrar o debate intervieram, pelo partido interpelante, a Sr.ª Deputada Isabel Castro e, pelo Governo, a Sr.ª Ministra do Ambiente.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 25 minutos.
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O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Armando Jorge Paulino Domingos.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Casimiro Francisco Ramos.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio Meirinhos Santanas.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Paulo Jorge Lúcio Arsénio.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.
Partido Social Democrata (PSD):
Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Alberto Queiroga Figueiredo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António d'Orey Capucho.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
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Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.
Vasco Manuel Henriques Cunha.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
António Carlos Brochado de Sousa Pedras.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Pedro José Del Negro Feist.
Rui Manuel Pereira Marques.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.
Partido Comunista Português (PCP):
Alexandrino Augusto Saldanha.
António Luís Pimenta Dias.
Bernardino José Torrão Soares.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
Carmen Isabel Amador Francisco.
Isabel Maria de Almeida e Castro.
Deputado independente:
José Mário de Lemos Damião.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de lei n.º 222/VII - Estabelece o regime e forma de criação das polícias municipais, que baixou à 1.ª Comissão; projecto de lei n.º 592/VII - Aprova o novo regime sancionatório das touradas com touros de morte (revoga o Decreto n.º 15 355, de 14 de Abril de 1928), (PS), que baixou à 1.ª Comissão; proposta de resolução n.º 126/VII - Aprova o Protocolo de Emendas ao Acordo de 28 de Junho de 1973, entre o Governo da República Portuguesa e o Conselho Federal Suíço, relativo aos transportes internacionais de pessoas e mercadorias por estrada, que baixou à 2.ª Comissão; e projecto de deliberação n.º 54/VII - Prorrogação do período de funcionamento da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar para Apreciação dos Actos do Governo e das suas Orientações de Parceria em Negócios Envolvendo o Estado e Interesses Privados (Presidente da AR).
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, vamos dar início à interpelação n.º 19/VII - Sobre política para os resíduos industriais, da produção ao destino final, na óptica do ambiente e da saúde, da iniciativa de Os Verdes.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro, para abrir o debate.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostaria de fazer uma interpelação à Mesa para saber se o Governo informou a razão pela qual o Sr. Primeiro-Ministro, que usualmente está presente nas interpelações ao Governo, hoje, não se encontra nesta Sala.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr.ª Deputada, o Governo está presente. Não tenho qualquer comunicação nesse sentido.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Isabel Castro, o
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Sr. Primeiro-Ministro está representado pela Sr.ª Ministra do Ambiente. Não está presente, como é seu hábito, na abertura desta interpelação porque se encontra em Braga na homenagem nacional ao Dr. Francisco Salgado Zenha, mas transmitiu-me que, se a cerimónia terminasse a horas, gostaria de estar no encerramento da interpelação. Tudo dependerá do tempo da cerimónia.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Penso que está dada a explicação.
Tem, então, a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A saúde e o ambiente são direitos fundamentais dos cidadãos, não são direitos negociáveis. Deles depende a prevenção da doença, o equilíbrio ecológico, a garantia de bem-estar, para nós, para os nossos filhos e para os nossos netos, razão para que as pessoas e os seus direitos devam constituir, sempre, o centro das preocupações dos políticos nas tomadas de decisão. Razão primeira e última, em nome da qual devem orientar-se as escolhas e as decisões a tomar, razão para que não seja admissível que um qualquer governo, muito menos admissível num Governo do PS, para o qual, no dizer do Sr. Primeiro-Ministro, as pessoas vinham primeiro, possa perder a noção de interesse público e o dever de o salvaguardar.
Não pode trocar-se os direitos das pessoas à saúde e ao ambiente pelo que é mais barato. Não pode confundir-se política com negócios. Não pode consentir-
-se numa promiscuidade, de todo, inaceitável!
A opção do Grupo Parlamentar de Os Verdes, ao agendar este debate sob a forma de interpelação ao Governo, centra-se sobre a política para os resíduos industriais. Fazêmo-lo movidas pela consciência da necessidade de lançar uma discussão séria que conduza à adopção de políticas sustentadas em matéria de resíduos industriais no nosso país, as quais é forçoso tomar.
A opção do debate, no exacto momento em que ocorre, corresponde, ainda, à consciência da necessidade de travar decisões pouco sérias e mal sustentadas que o Governo, de modo avulso, pretende precipitar. Decisões com consequências irreversíveis que é nossa responsabilidade evitar, as quais, em nome de interesses economicistas, desprezam as populações e a natureza, passando, designadamente, pela entrega às indústrias cimenteiras de resíduos tóxicos para co-incinerar. Decisão que não é devidamente fundamentada. A decisão, como a Sr.ª Ministra tanto gosta de afirmar, sobre "... obviamente um negócio". Um negócio que Os Verdes reputam de pouco sério e perigoso e que os cidadãos, na viva e participada consulta pública em Alhandra, em Maceira, em Souselas, em Setúbal, no Barreiro e em Estarreja provaram condenar e que Os Verdes, em nome do interesse público e dos cidadãos, reclamam não dever concretizar-se.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O problema dos resíduos industriais, tóxicos ou não, é uma das questões ambientais mais preocupantes no nosso país, a qual envolve relevantes questões de saúde. A sua eliminação não pode ignorar que os resíduos não são uma simples mercadoria com valor económico, como outra qualquer. Os resíduos são sempre um risco para o ambiente e para a saúde, particularmente evidente no caso dos resíduos tóxicos.
O Partido Ecologista Os Verdes reclama que os resíduos, tal como a natureza, sejam pensados globalmente e inseridos num ciclo sustentável de vida. Tudo o que se produz deve ser concebido de modo integrado com vista a minimizar os riscos para a saúde pública e para o ambiente. Uma opção para os resíduos industriais, em nosso entendimento, passa por dar prioridade, numa hierarquia clara e precisa, a todos os aspectos ligados à prevenção, a qual deve intervir a montante nos processos produtivos.
O que propomos não é uma utopia, não é fundamentalismo, como, de modo linear, se procura rotular. O que propomos é realizável se houver uma nova mentalidade para orientar a produção. É necessário ter a capacidade de fazer uso do conhecimento já existente, de difundir tecnologias mais limpas, promover melhores práticas ambientais, de propor às empresas, aplicando o conceito de "Produção Mais Limpa", meios de prevenir ou reduzir a produção de emissões e de resíduos na origem. É necessário ter a capacidade de fazer da ecoeficência uma realidade, o que implica novas vias de repensar os produtos, os materiais, o design e os processos produtivos. Sem adiamentos, que faça, com vantagem, uso do nosso atraso.
A ecoeficência permite reduzir matérias-primas, consumos de água, energia, produção de resíduos, beneficiar o ambiente, melhorar a saúde, aumentar a capacidade produtiva e competitiva das empresas.
O que se exige do Governo é uma atitude rigorosa que não esqueça nenhum dos resíduos, designadamente os provenientes das agro-indústrias, os quais, apesar da sua perigosidade, de tão ignorados, nem das estatísticas nacionais conseguem constar. O que se exige do Governo é que seja particularmente atento às substâncias químicas, cuja enorme perigosidade e número, já hoje superior a 11 milhões de substâncias, requerem medidas eficazes de avaliação e controle de riscos de contaminação para as pessoas e para o ambiente.
As opções do Governo, para serem credíveis, terão de basear-se num dado elementar inexistente, o qual o próprio Governo, no relatório do estado do Ambiente 98, de 2 de Junho de 1998, assume não ter. Uma base de dados que funcione como cadastro nacional de todos os resíduos industriais, que permita conhecer o que produzimos, onde, quanto e que tipo de resíduos e, entre estes, saber quantos detêm, ou podem deter, meios de tratamento na origem e práticas de eliminação controlada. É o dado indispensável para pôr fim aos constantes desacertos e danças de números sem qualquer credibilidade, nos quais, naturalmente, não se espera que algum cidadão possa confiar. É o dado que, afinal, se reconhece não existir, não ter, como é evidente, suportado qualquer diagnóstico sério até hoje, o que, em boa medida, explica como, passados 3 anos de Governo do PS, continuamos lamentavelmente num Pais com os resíduos a monte e um Governo aos papéis! Um elemento que reclamamos fundamental para a elaboração, com urgência, da estratégia nacional para os resíduos industriais que propomos. A estratégia que a Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/97, que abusivamente dá-se por esse nome, manifestamente não o é. A estratégia que se exige do Governo, de acordo com o definido no V Programa Comunitário de Ambiente, nos compromissos assumidos na Conferência do Rio e na Agenda 21 para Portugal, terá de dar lugar a um plano nacional de recuperação de sítios contaminados, a planos sectoriais e a planos de redução de resíduos.
Os planos sectoriais deverão ser definidos de acordo com uma hierarquia precisa: prevenir, reduzir, reutilizar, reciclar e suportados com apoio técnico e incentivos financeiros. Os planos de redução não podem ser virtuais,
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pois implicam precisão nos objectivos, rigor nas datas, clareza nos meios e requerem, também, a indiscutível responsabilidade dos produtores, o seu envolvimento e a sua informação, que um estudo publicado recentemente pela Associação Industrial do Porto afirma não existir em mais de 64% do total das empresas portuguesas. Uma responsabilidade dos produtores que nem por isso pode alienar a responsabilidade do Estado perante os cidadãos, da qual este não pode descartar-se.
As medidas políticas que propomos pressupõem, como é evidente, a existência de um corpo eficaz de inspecção e fiscalização, que, apesar das repetidas declarações da Sr.ª Ministra do Ambiente, continua, a poucos meses do fim do seu mandato, sem ter sequer uma lei orgânica publicada.
O Sr. José Junqueiro (PS): - É no início do próximo ano!
A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Não é fácil fazer isso tudo!
A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A problemática dos resíduos industriais é uma questão-chave do ambiente, particularmente grave no nosso país, para a qual Os Verdes têm repetidamente alertado e dedicado especial atenção, o que é compreensível se atender-se ao facto de, apesar de alguns avanços pontuais no plano legislativo, a situação ser visivelmente caótica, constituir uma ameaça à saúde pública e à qualidade de vida dos cidadãos, incompatível com um desenvolvimento e uma sociedade sustentável. Uma situação caótica que a impunidade instalada, a falta de uma fiscalização eficaz, a inexistência de um inventário de resíduos, o não investimento sério na modernização dos processos tecnológicos, a própria ausência de uma estratégia nacional, em grande medida, torna explicável. Uma situação que se tornou caótica a insustentável e que acabou por obrigar o anterior governo, pressionado, por um lado, por Bruxelas e, por outro lado, pelo crescente descontentamento dos cidadãos, a anunciar medidas. Medidas que o PSD, então governo, ontem, como, hoje, o PS, dizia terem em vista reduzir, reutilizar e reciclar mas que, então, como agora" ficavam por um vasto a vago conjunto de intenções.
Medidas que, do todo, de concreto, só continham a parte: uma incineradora de resíduos tóxicos e perigosos, então, em Estarreja, projecto que cedo gerou forte controvérsia, contestação e rejeição. Um projecto de incineração que, pela falta de seriedade do estudo de impacte ambiental em que se baseou, pela ausência de uma visão global do problema dos resíduos, pela não sustentação em dados credíveis, pela falta de transparência do processo, desencadeou, desde, logo, a mais viva oposição de Os Verdes, das populações e das associações, a qual se revelou fatal.
A incineração que, a escassos meses das eleições, o governo do PSD ainda defendia, em debate realizado em Maio de 1995, neste Parlamento, como a melhor solução. Curiosamente, "a construção da incineradora de resíduos tóxicos e perigosos, a infra-estrutura essencial à gestão dos resíduos" que o Governo do PS manteve até metade do seu mandato, como objectivo nas Grandes Opções do Plano. A solução que, até aí, o Governo nunca questionou mas que, subitamente, poucos meses depois, trocava por um igualmente duvidoso processo de co-
-incineração. Uma troca misteriosa traduzida num memorando de entendimento, assinado, em 9 de Maio de 1997, entre a Sr.ª Ministra do Ambiente e o sector cimenteiro, a quem o Governo se submetia incondicionalmente e em quem depositava confiança para lidar com tão complexa questão. Uma decisão ardilosamente construída sem rigor sobre um conjunto de imprecisões e falsidades.
É, pois, Srs. Deputados, chegado o momento de as desmontar. Assim, a co-
-incineração não é uma solução segura, como o Governo pretende fazer crer. A co--incineração em fornos de cimenteiras, à semelhança do que acontece nos incineradores dedicados, é um modo de transferir o problema da poluição do solo para a atmosfera, meio de muito mais difícil controle. É uma queima que gera poeiras de cimento contendo elevados teores de metais pesados e cancerígenos (chumbo, crómio, cádmio), liberta produtos de grande toxicidade que não elimina totalmente, como as dioxinas e os furanos, que constituem um risco particularmente grave para a saúde. As emissões de dioxinas, segundo dados da EPA (Environmental Protection Agency), nas cimenteiras que incineram resíduos industriais, são 1700 vezes superiores aquelas que são produzidas nas cimenteiras que o não fazem.
A co-incineração não é também um meio, como pretende fazer-se crer, de pôr fim ao problema dos resíduos perigosos. Com efeito, ao contrário daquilo que o Governo diz, o volume de resíduos tóxicos cuja co-incineração o Governo pretende autorizar não ultrapassa de uma pequena parcela, 12,8%, do total, do total de resíduos perigosos produzidos anualmente no nosso pais, ou seja, 125 000 t. Não representa mais do que 5% do total de resíduos industriais produzidos, o que quer dizer que, ao contrário do que se afirma, a grande fatia de resíduos que sobram continuará a ser exportada e a maioria à espera de soluções mais adequadas.
A co-incineração também não conduz, ao contrário do que procura fazer-se crer, à redução dos resíduos.
Com efeito, sendo a queima dos resíduos industriais a razão de ser do sistema entregue às cimenteiras para co-incineração e, sendo, para estes industriais, tanto mais interessante a exploração do sistema quanto maior o volume de resíduos a queimar - o que, aliás, repetidamente, não cessam de afirmar -, torna-se evidente que toda a lógica conduzirá perversamente a facilitar a produção de resíduos e a promover mais queima. Queima essa que se oferece agora a preço mais barato do que investir numa redução de resíduos cujo retorno não é imediato.
A co-incineração também não é requalificação ambiental alguma.
Pretender que a entrega de resíduos para queimar a um dos sectores mais poluentes do Pais, precisamente a indústria cimenteira, pode contribuir para a requalificação ambiental de zonas protegidas como o Parque Natural da Serra da Arrábida ou o aglomerado urbano de Alhandra é, no mínimo, chocante e um escândalo.
Chocante não deixa de ser, também, a própria ideia do "brinde", ou seja; os filtros que, como contrapartida, o Governo aparece a oferecer às populações. Populações que, há anos e anos, vivem paredes meias com a poluição, sistematicamente ignoradas, afectadas, no dia-a-dia, na sua saúde e qualidade de vida, perante o silêncio do Governo, por indústrias que sempre as desprezaram e cujo consentimento se procura, agora, com filtros comprar.
A saúde, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, não é uma benesse, é um direito de todos, que incumbe ao Governo dar e nunca, como moeda de troca, chantagear!
A co-incineração não é, igualmente, uma solução ambientalmente credível.
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Qualquer solução para os resíduos tem sempre vantagens e desvantagens. Ao impor previamente a co-incineração como a "solução técnica" preferida, o Governo exclui desde logo qualquer hipótese de fazer a análise comparativa dessas vantagens ou desvantagens.
Mas, mais e ainda, ao pré-definir as cimenteiras como o local único para a queima, logo, ao espartilhar à partida os locais de escolha, vicia totalmente qualquer estudo de avaliação dos impactes ambientais por que queira optar-se. Opta-se, não pela localização de menor risco para as populações e para o ambiente mas, sim, pela localização mais barata, a que já existe, onde esse risco, em qualquer dos casos, é sempre agravado: Alhandra, Outão, Maceira ou Souselas.
A co-incineração, Sr.as e Srs. Deputados, não é, pois, como se conclui, uma proposta aceitável.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo do Partido Socialista não tem uma política para os resíduos industriais.
A decisão pela qual o Governo optou, de co-incineração, não é uma medida séria. É uma medida avulsa, sem rigor, que não é parte integrante nem suportada por qualquer estratégia nacional para a gestão dos resíduos industriais que, comprovadamente, não existe. É a decisão política que privilegia a negociata e esquece as pessoas. É a decisão em que fica tudo igual, com excepção do que fica pior: o ambiente e a qualidade de vida dos cidadãos.
Aplausos de Os Verdes e de público presente nas galerias.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Acácio Barreiros, Joaquim Matias e Paulo Neves. No entanto, para já, tem a palavra a Sr.ª Ministra do Ambiente, para uma intervenção.
A Sr.ª Ministra do Ambiente (Elisa Ferreira): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quando se define um objectivo de desenvolvimento económico pensa-se, normalmente, na criação de empregos, no investimento, na melhoria das condições de vida da população. Raramente se toma consciência que, associado a cada processo de fabrico, há fumos, esgotos e resíduos e que a cada lar está associada, quotidianamente, a produção de alguns quilos do inelutável "lixo".
Apesar de estes "subprodutos" serem parte integrante da actividade produtiva e da vida urbana, eles são o lado oculto da sociedade do "bem-estar" e, como tal, frequentemente ignorados pelo cidadão em geral e mesmo pela maioria dos responsáveis políticos.
É quando a incúria ou o alheamento atingem níveis excessivos que, de súbito, o tal lado oculto fica totalmente iluminado e se transforma na sua verdadeira natureza: a de uma condição sine qua non da sobrevivência dos sistemas sociais e económicos.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!
A Oradora: - Mais do que um problema a requerer a mera gestão com os meios e as tecnologias disponíveis, as questões ambientais são temas de carácter estratégico, civilizacional, determinantes da qualidade de vida das populações, da sua saúde e bem-estar, da sobrevivência do modelo económico e social a médio e longo prazo. Esta matéria é, pois, do foro político mas também de Estado!
O processo de consciencialização colectiva pelos cidadãos que lhe está associado é gradualista: tendencialmente, o problema da produção e gestão dos resíduos, bem como muitos outros do foro ambiental, começou por ser ostensivamente assumido como um não problema pelas classes dominantes, pelas forças que mandavam na sociedade do pós-guerra.
Progressivamente, e felizmente, o novo modelo de "desenvolvimento sustentável" foi-se impondo. Já não restam dúvidas, na Europa, sobre questões fundamentais como: quais são as linhas por que deve pautar-se a política de gestão de resíduos, quais são as tecnologias disponíveis para o seu tratamento ex post, quais são as vantagens e deficiências de cada uma...
Nesta matéria, como em tantas outras, Portugal teve de fazer um acelerado processo de aproximação aos países europeus.
A integração plena de um recém-chegado é um processo necessariamente complexo. Há que fazer opções.
Portugal, a seu tempo, definiu e levou a cabo, durante mais de uma década, estratégias predominantemente produtivistas, em que escassamente se notaram alguns laivos que fosse das novas concepções sobre sustentabilidade que presidiam já, sem margem para dúvida, ao desenvolvimento económico na Europa.
Entende-se, pois, com facilidade que a acumulação de um brutal passivo ambiental tenha florescido durante estes anos, com toda a naturalidade, como se fosse o inevitável "outro lado da medalha" do progresso económico e do aumento de bem-estar. As matérias ambientais tinham um outro espaço: integravam uma abundante legislação, muitos estudos, muitos diagnósticos, muitas estratégias, quase nenhuma acção.
A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Exactamente!
A Oradora: - Era o tal "país legal", mais ou menos intelectualizado, a "anos-luz" de distância do verdadeiro país real que nós todos sofremos!
A Sr.ª Natalina Moura (PS): - E muito sujo, diga-se!
A Oradora: - Coube ao Partido Socialista a grata tarefa, entre outras, de trazer consistência, coerência e qualidade ao processo de desenvolvimento português. E é por isso, também, que as questões ambientais saíram do limbo e vieram colocar-se no cerne do processo de desenvolvimento!
É esta, nos anos 90, uma das marcas que distingue as linhas políticas economicistas, de curto prazo e conservadoras, das opções políticas abertas, modernas e humanistas.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!
A Oradora: - É que, nas últimas, as preocupações sociais e ambientais não se sobrepõem ao modelo, são pré-condição do funcionamento e, sobretudo, do sucesso desse mesmo modelo!
Ao prestar contas a este Parlamento, há escassas semanas, do trabalho realizado em três anos, a prioridade atribuída por este Governo às questões ambientais ficou patente.
Mas esses dados estatísticos são os lados óbvios do processo e do seu sucesso. Subjacentes ficam inúmeras tensões geradas pela necessidade de alterar as opções tradi
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cionais de política, os hábitos de comportamento, as rotinas de actuação, não só do cidadão comum mas, sobretudo, da multiplicidade de agentes que, aos diversos níveis, têm responsabilidades de tomar decisões, de fazer opinião.
Nesta matéria, como em tantas outras, a integração no espaço europeu torna indiscutível um conjunto importantíssimo de soluções e baliza naturalmente as propostas aceitáveis. Não garante, no entanto, nem poderia garantir, que a percepção social desses problemas e das respectivas soluções em Portugal, "salte", de repente, como por artes de mágica, para o tipo de percepção que, de modo bem mais progressivo, se foi adquirindo, nestas matérias, nas sociedades mais amadurecidas na prática democrática e mais desenvolvidas em termos económicos, mas também, cultural e cientificamente, da Europa.
Cabe, no entanto, aos responsáveis políticos e aos cidadãos interessados no bem comum não permitir que, no ruído gerado pelos diversos protagonismos, na mediatização dos faits divers se esqueça a verdadeira situação do País em que vivemos no que respeita às questões ambientais e à gestão dos resíduos em particular.
Caricaturalmente, pode dizer-se que, em matéria de resíduos, quer urbanos, quer industriais, o País estava no seu estado mais puro de desresponsabilização colectiva. À excepção de alguns casos muito pontuais, fosse qual fosse a perigosidade dos resíduos e o tratamento recomendável, eles tinham um único destino: a lixeira!
O Sr. Paulo Neves (PS): - Bem lembrado!
A Oradora: - Ninguém, aparentemente, se questionava, nessa altura, ou se questionou, durante estes anos, sobre a perigosidade e a tipologia dos resíduos depositados, sobre o impacte dessas lixeiras na saúde pública, sobre as contaminações da água e do ar - e não era preciso duvidar delas pois eram efectivas! -, sobre a opinião dos vizinhos quanto à localização das lixeiras ou sobre o tráfego dos camiões que, para cima a para baixo, com uma torneira aberta nas traseiras, transportam por todo o Pais os resíduos mais perigosos.
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não nos iludamos! Cabe ao Estado e a todos os cidadãos responsáveis não escamotear, nem das suas opções de política nem da opinião pública, o risco iminente - não potencial, mas aflitivamente real - para a saúde pública e para a sobrevivência de todos, associado a essa "paz podre" em que parece que ninguém se sentia incomodado, totalmente enganadora em que se viveu durante muitos anos e, sobretudo, em que nos habituámos a viver!
Perante esta situação real, que atitude política é recomendada?
Não são precisas muitas palavras para descrever a tentação que é, para qualquer político, simplificar a sua vida, alinhar o seu discurso pela ratificação implícita deste espírito de acomodação, no conforto da tal "paz podre", evitando os conflitos, evitando a mediatização, remetendo os alertas que periodicamente são feitos, nomeadamente pelas organizações não-governamentais (ONG), para o foro da "histeria dos fundamentalistas". Essa é uma opção demasiado fácil!
Também não é necessária muita capacidade argumentativa para apresentar os aliciantes de um outro tipo de tentação: a de, reconhecendo a gravidade do problema, substituir a fase de acção por um período mais ou menos longo de meditação, de análise e de discussão e considerar o consenso generalizado inquestionável prévio à tomada de decisão. Foi assim, neste "canto de sereia" intelectualizado, semicontratualizado, que se garantiu o passivo ambiental herdado que se foi acumulando, ano após ano, com a tolerância implícita de quem tinha obrigação de exigir mais, muito mais!
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - Mas há, ainda, outra estratégia: a de, ao explanar publicamente e sem a devida cautela os riscos efectivos das situações vigentes, não os das soluções mas os que são reais, os das situações em que estamos, criar um clima de alarmismo tal que as soluções, sejam quais forem, se transformam em exigências sociais inquestionáveis e imediatas.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não foi nenhuma destas a opção deste Governo. Os problemas têm sido identificados, as estratégias definidas e, ao contrário do passado, tomam-se decisões e actua-se!
Em matéria de resíduos, não há muito a inventar no que respeita às linhas mestras que deverão pautar a acção política. Elas estão claras em todos os normativos comunitários e foram transpostas para a já abundante legislação nacional sobre a matéria.
Relembrem-se apenas alguns dos princípios inquestionáveis:
É inquestionável a "hierarquia das preferências", válida para todos os tipos de resíduos.
Primeiro, e antes de mais, reduzir a produção desses resíduos. Na sua impossibilidade, valorizá-los, reintroduzindo-os no ciclo produtivo ou produzindo energia com eles. Por último, deposição em aterro.
Também é claro e inquestionável um segundo princípio: o da responsabilidade. É que fazer investimentos, criar postos de trabalho, auferir os rendimentos correspondentes e, quando se chega à matéria dos impactes negativos sobre o meio envolvente, há uma tendência, tradicional também, de tentar alijá-los para a comunidade em geral ou para outras comunidades que não auferiram das vantagens que os geraram.
Minhas Senhoras e Meus Senhores, não há dúvida sobre estas matérias. A hierarquia é uma, mas também a responsabilidade pelo tratamento dos resíduos é de quem os produz.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!
A Oradora: - Ao lado de cada actividade que produz e gera resíduos, tem de estar presente, inquestionavelmente, a actividade correspondente que permite a sua eliminação adequada.
Não parece haver dúvidas sobre esta matéria em país nenhum e também não é por acaso que, nestes assuntos, os países desenvolvidos onde esta consciência é inquestionável têm, com a maior normalidade, as soluções ambientais equivalentes à actividade industrial com que se alimentam.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em termos de estratégia, não há muito que questionar. O que há a fazer é dar "o salto" do ajustamento. Nunca de forma autista,
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nunca desajustados da realidade, mas com a determinação e a convicção que decorrem de uma consciência real dos riscos efectivos (para a saúde da nossa população, para sobrevivência dos ecossistemas de que dependemos para a vida), riscos esses em que incorremos se não agirmos com determinação e já!
O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!
A Oradora: - Foi com esta convicção e este ânimo que, no Programa do Governo, foi considerado como a primeira prioridade no campo dos resíduos sólidos o tratamento dos resíduos sólidos urbanos.
Delineado o plano enquadrador (PERSU), houve que fazer as adaptações legais, institucionais e financeiras necessárias à sua implementação prática.
Neste momento, estão em operação mais de 20 dos cerca de 30 sistemas que cobrem todo o País e que permitem o encerramento de todas as lixeiras.
A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Exactamente!
A Oradora: - Talvez já se tenha esquecido as múltiplas incompreensões e dramatizações locais que o processo gerou: os boicotes eleitorais, as tentativas de corte de estradas, as vigílias, as manifestações. Não interessa aqui evocá-
-las, a não ser para reafirmar a importância de construir a confiança das populações pela acção e nunca pelo atavismo, pelo receio ou pela omissão.
Aplausos do PS.
O encerramento das lixeiras é, neste momento, um dos grandes sucessos, já indiscutíveis, do País! Todos nós, portugueses, somos co-responsáveis pelo processo!
Mas, como é óbvio, quando se encerra uma lixeira, os resíduos que nela eram depositados têm de ter outro local alternativo para a sua deposição que substitua a anterior lixeira. Ora, em Portugal, as lixeiras acolhiam resíduos, tanto urbanos como industriais, e, destes, tanto os perigosos como os não perigosos.
Tal como aconteceu no caso dos resíduos urbanos, pela sua especial importância, a estratégia do Governo sobre resíduos industriais foi objecto da mais alta decisão governamental. É objecto da Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/97, de 25 de Junho. Vários textos legais lhe deram corpo, mas, por uma questão de simplificação, todos esses textos aparecem explanados, numa linguagem simples, no documento que foi distribuído.
A hierarquia das opções é a da estratégia comunitária desde 1989. A tipologia da classificação dos resíduos é a europeia. As soluções são as conhecidas e recomendadas pela legislação comunitária. Todas as recomendações e as soluções de destino final são enquadradas pela legislação comunitária que, nalguns casos, é ainda reforçada no caso português.
Qual é a solução que, em Portugal, temos de atacar definitivamente? Centremo-nos nos números.
A nossa actividade económica, que nos gera o rendimento e o emprego, produz, anualmente, 16,1 milhões de toneladas de resíduos industriais, dos quais 125 000 t são resíduos perigosos.
No caso dos resíduos banais, dos 16,1 milhões de toneladas cerca de 14,7 milhões de toneladas têm soluções aceitáveis já lançadas, enquanto 1,4 milhões de toneladas ainda não têm.
Há que implementar as soluções, no que diz respeito aos resíduos banais, que passam por soluções específicas sectoriais, como no caso de Alcanena e de Felgueiras, e soluções conjuntas que são as de aterro. Os resíduos banais estão a ser, temporariamente - e sublinho este termo -, depositados nos centros de resíduos urbanos. No fim deste ano, terão de ter os seus equipamentos próprios.
Relativamente aos resíduos perigosos, das 125 000 t produzidas anualmente, 13 000 t têm tratamento físico-químico adequado, como é o caso da ECTRI (Estação Colectiva de Tratamento de Resíduos Industriais) de Águeda para a metalurgia de superfície -, 2000 t são exportadas para tratamento no exterior e 50 000 estão a ser objecto de soluções específicas, como é o caso das pilhas ou das radiografias. Sobram 60 000 t de resíduos perigosos que são produzidas anualmente. As duas tecnologias disponíveis são as seguintes: 16 000 t têm de ser aproveitadas energeticamente e as restantes 44 000 t têm como destino final o aterro controlado.
Por que é que se continua a afirmar que não há dados e que não há estratégia?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política definida pelo Governo, nesta matéria, não podia ser nem mais clara nem mais transparente. Na maior parte dos casos, ela limita-se a adaptar, como foi dito, para Portugal as práticas correntes e já estabilizadas e banalizadas na maioria dos países da União Europeia.
Naturalmente que todas estas opções e decisões são enquadradas por trabalhos técnicos e documentos estratégicos. O que não pode confundir-se é a garantia de flexibilidade para produzir ajustamentos (à medida que os resultados desses trabalhos vão trazendo valor acrescentado ao processo) com o imobilismo hipócrita face à implementação prática e urgente de soluções que, com uma utilização que esperemos seja cada vez menor, são, em si mesmas, incontornáveis!
Haverá, pois, que criar condições para que o Plano Estratégico Sectorial de Gestão de Resíduos Industriais, em curso de elaboração, e o Plano Nacional de Prevenção de Resíduos Industriais, em curso de elaboração, possam trazer contributos e clarificações à estratégia definida. O primeiro plano estará concluído em Novembro de 1999! A primeira fase do segundo em Junho de 1999!
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Imaginemos, por caricatura, que a publicação destes trabalhos trazia uma dinâmica avassaladora à redução de resíduos em Portugal. Imaginemos que Portugal, num prazo olímpico de, admita-se, cinco anos, atingia a materialização da utopia e conseguia o nível de desenvolvimento europeu sem produzir qualquer resíduo industrial.
Mesmo neste cenário de sonho haveria, ainda assim, que encontrar a solução adequada e implementá-la para tratar os resíduos que produzimos, enquanto aqui decidimos, enquanto elaboramos os planos, enquanto os discutimos, enquanto os decidimos, enquanto os implementamos.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Muito bem!
A Oradora: - Mesmo no cenário totalmente inverosímil de, daqui a cinco anos, termos indústria ainda melhor do que a que temos hoje e de, com ela, não produzirmos 1 t de resíduos, nem esta utopia, Srs. Deputados, nos liberta de termos de responder colectivamente por 6 anos de produção de resíduos sem destino!
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Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - Se não erro as contas e se as estimativas técnicas estão correctas, no tal ano fantástico de 2005, estaremos "afogados" em 8,4 milhões de toneladas de resíduos industriais banais e 408 000 t de resíduos perigosos, a adicionar ao passivo herdado e que continuaria por tratar!
Srs. Deputados, os cidadãos exigem-nos que estejamos atentos, exigem-nos que tomemos medidas. Ninguém nos perdoaria, em nome dos nossos filhos, que covardemente nos recusássemos a agir!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos à Sr.ª Ministra do Ambiente, inscreveram-se os seguintes Srs. Deputados Isabel Castro, Fernando Pedro Moutinho, António Brochado Pedras, Lucília Ferra, Carmen Francisco, Cardoso Ferreira, Maria José Nogueira Pinto e Gonçalo Ribeiro da Costa.
Srs. Deputados, antes de continuarmos, tenho o grato prazer de anunciar que assistem a esta reunião plenária 35 de alunos da Escola Secundária de Avelar Brotero, de Coimbra, e 50 alunos da Escola n.º 1 de Queluz.
Peço a todos a saudação da Câmara.
Aplausos gerais, de pé.
Srs. Deputados, passamos aos pedidos de esclarecimento à Sr.ª Deputada Isabel Castro. Como entretanto desistiram de usar da palavra os Srs. Deputados Acácio Barreiros e Paulo Neves, vou dá-la ao Sr. Deputado Joaquim Matias.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, em primeiro lugar, quero congratular-me com o facto de ter trazido a Plenário a discussão desta questão extremamente importante.
A Sr.ª Deputada falou em objectivos que deveriam presidir a uma política de ambiente e referiu, designadamente, a melhoria da qualidade do ambiente, a defesa da saúde e a melhoria da qualidade de vida, as quais disse mesmo que não tinham preço.
Tendo em conta o que se passa no nosso país e as soluções que têm vindo a ser avançadas, a pergunta que lhe quero fazer é se considera que a defesa dos interesses das populações relativamente à saúde e à melhoria da qualidade de vida têm sido tomadas como uma prioridade fundamental ou se, pelo contrário, são soluções técnicas e económicas que têm prevalecido e não se tem tido em conta, inclusivamente, os interesses das populações nem a vida normal dos centros urbanos.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joaquim Matias, a questão que coloca é, do nosso ponto de vista, uma questão central neste debate e, julgo, uma questão central em qualquer decisão política em matéria de ambiente, ou seja, saber se, nas tomadas de decisão, aquilo que vem primeiro são os interesses das pessoas, a sua qualidade de vida, ou se são os interesses economicistas. E a degradação ambiental nada tem a nada a ver, como a Sr.ª Ministra erradamente, na sua intervenção, de algum modo, disse, com uma inevitabilidade do progresso. O progresso há muitos anos que deixou de ser equacionado assim. Há soluções técnicas diferentes e, portanto, esse é um falso paradigma que há muito está ultrapassado.
Julgo que a questão da co-incineração - e agora não vou discutir o que é que Os Verdes entendem sobre a co-incineração como variável da incineração, que também condenámos, como se lembram os que, na altura, estiveram nessa discussão nesta Câmara - é claramente o figurino que melhor se traduz como uma solução e qualquer solução tem sempre vantagens e desvantagens. Portanto, não me ponho aqui a discutir se, do ponto de vista técnico, a co-incineração é pior ou não. Do nosso ponto de vista, é má, mas há, desde logo, um vício de raciocínio: é que, à partida, não estamos a discutir o que é melhor, o que é que tem ou não menores factores de risco para as populações e para o ambiente, estamos, à partida, a ser empurrados para um cenário fixo. E o cenário fixo é aquele que resulta do memorando, ou seja, são sempre as cimenteiras, são sempre quatro localizações: uma, num parque natural, e as outras, junto a aglomerados urbanos.
Portanto, num cenário destes, à partida espartilhado e pré-definido, não pode haver outro cenário senão aquele em que há valores economicistas. Ou seja, é para a solução mais barata que se empurra e não para aquela em que se pesa diferentemente, e em primeiro lugar, as implicações para a saúde pública e as implicações para o ambiente que são claramente, neste caso, tornadas menores.
Julgo que há ainda outro aspecto que também não pode gerar confiança: o das indústrias cimenteiras que são, como bem se sabe, das indústrias mais poluentes do nosso país. Portanto, seguramente, não são aquelas que possam gerar confiança seja a quem for.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, passamos aos pedidos de esclarecimento à Sr.ª Ministra do Ambiente, que, segundo fui informado, responderá um a um.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, peço desculpa mas julgo que se inscreveram mais Srs. Deputados para me pedirem esclarecimentos. Desapareceram? Desistiram?
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Desistiram, Sr.ª Deputada. Agora é a senhora a fazer um pedido de esclarecimento à Sr.ª Ministra do Ambiente, se assim o entender.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, não seria franca se não lhe dissesse - e esta é uma nota prévia - o seguinte: a Sr.ª Ministra disse que, no passado, ninguém se preocupava com as questões ambientais nem com a degradação que, claramente, todos sabem que existia. Assim, desde já lhe digo, Sr.ª Ministra, que essa "carapuça" nós não enfiamos. A Sr.ª Ministra falará por si, porque Os Verdes sempre se preocuparam e, dentro e fora do Parlamento, sempre manifestaram e fizeram eco dessa preocupação!
Dito isto, tenho alguma dificuldade em fazer-lhe perguntas relativamente à sua intervenção porque a Sr.ª Ministra deu uma série de recados - não sei exactamente para quem - sobre um conjunto de coisas vagas, tendo
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paradoxalmente dito como é avessa a divagações teóricas e pseudo-intelectuais...
Risos do Deputado do PSD Fernando Pedro Moutinho.
... e, tendo rejeitado esse caminho, começou, curiosamente, por fazer enunciados vagos em relação a um conjunto de coisas.
Sr.ª Ministra, as questões concretas que lhe coloco são estas: o Governo opta, de acordo com o seu entendimento - para nós, inaceitável -, por uma solução técnica e é óbvio que qualquer solução técnica só se entende como parte integrante de um todo. Ou seja, há, como se assume no passado, uma mão cheia de nada e se há uma mão cheia de nada, se há necessidade de construir um todo, um conjunto de soluções integradas para os resíduos industriais, e não para os urbanos, como a Sr.ª Ministra acabou por misturar, porque estamos a falar de coisas diferentes - o objecto desta interpelação, como ficou escrito, era os resíduos industriais - , há uma situação que é um conjunto de abstracções e, se há que encontrar soluções, são soluções que têm partes.
Curiosamente, o PS,...
O Sr. José Junqueiro (PS): - O PS?!
A Oradora: - ... dessa parte, do todo, opta por uma pequenina parte, que é a co-incineração versus cimenteiras.
Assim, a questão que lhe coloco é a de saber se a Sr.ª Ministra pode informar a Câmara de qual é a sua estratégia nacional para os resíduos industriais e quais são as suas múltiplas componentes, definidas no tempo, nos meios, enfim, tudo isso. Esta pergunta não foi esclarecida e essa é a questão central deste debate.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra do Ambiente.
Os Srs. Funcionários que estão encarregues de trabalhar com os computadores que fixam o tempo façam favor de prestar atenção e de descontar os tempos, pois é para isso que estão aí!
Tem a palavra, Sr.ª Ministra.
A Sr.ª Ministra do Ambiente: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, quanto à sua referência de que ninguém tinha feito qualquer alerta para a situação dos resíduos, tive o cuidado de salvaguardar alguns agentes e lembro--me que nomeei - está escrito - , entre outras, as organizações não-governamentais, pois com certeza que não espera que nomeie todos os que se pronunciaram. Desculpe mas a "carapuça" não era para si; se a enfiou, o problema é seu.
Relativamente à política de resíduos industriais banais e resíduos industriais perigosos, se a Sr.ª Deputada não percebeu que ela estava na resolução do Conselho de Ministros que estrutura a política e a estratégia e na documentação suplementar, tem aí, nas suas mãos, um plano que explica a mesma coisa em termos relativamente banais e onde tem todos os dados que sustentam essa política. Para além disso, também as referi no discurso que fiz e que está escrito.
Por último, penso que basta de dizermos que a solução da co-incineração tem lados positivos e negativos. A solução, comparada com o problema, até como o próprio nome indica, é menos penalizadora ambientalmente do que o problema. Depois, tem um leque de soluções possíveis: a incineração dedicada, a co-incineração, a deposição em aterro, ou o que a Sr.ª Deputada achar melhor. O que não pode é continuar a dizer que não quer solução alguma. A Sr.ª Deputada, que anda a acompanhar este processo há muito tempo, pelos vistos, desde os anos 70 ou 80 - e não quero insultá-la em questões de idade -, diga-me qual é a solução que preconiza para os resíduos que, na lista comunitária, têm aproveitamento energético obrigatório. Qual é a solução? Se a solução é a incineração dedicada, vamos discuti-la; se é a deposição em aterros, vamos discuti-la! Agora, ser contra todas, isso é que é, de facto, a meu ver, politicamente insustentável.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Faço, uma vez mais, um apelo aos Srs. Deputados para desligarem os telemóveis, uma vez que a sua utilização bloqueia os computadores.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.
O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra do Ambiente, foi com alguma atenção que ouvi a sua intervenção e procurei encontrar nela alguns factos novos que dessem seguimento às afirmações públicas que proferiu no sentido de que, relativamente a esta matéria, iria tomar uma decisão neste mês de Dezembro. Todavia, não encontrei nessa sua intervenção qualquer razão que me levasse a dizer que a Sr.ª Ministra está em condições de tomar uma decisão ainda no mês de Dezembro.
Neste sentido, vou tentar chamar-lhe a atenção para alguns aspectos.
Em primeiro lugar, foi a Sr.ª Ministra quem reconheceu que só em Outubro deste ano encomendou o Plano Nacional de Prevenção de Resíduos Industriais. Sr.ª Ministra, o que estamos a discutir é já uma fase final da resolução do problema dos resíduos industriais perigosos em cimenteiras - foi uma resolução do Conselho de Ministros que, inclusive, apontou neste caminho! Contudo, até agora, a Sr.ª Ministra não conseguiu dizer - e, de facto, há aqui uma ausência clara de política do Governo - por que é que, em vez de 2,5 milhões de toneladas/ano que são produzidos de resíduos industriais, estamos a discutir só 16 000 t, numa sessão pré-definida pelo Governo!? Discordamos, manifestamente, desta sua abordagem, já que ela é feita na fase terminal de um processo desta natureza, sem que antes se tenha discutido a reciclagem, a reutilização ou a redução na fonte. Além do mais, há todo um conjunto de medidas que têm de ser implementado pelo Governo, e não só pelo Ministério do Ambiente.
Lamento dizer mas gostava de não sentir que, nesta discussão pública sobre esta matéria, o Ministério do Ambiente parecesse o Ministério da Indústria!
O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Gostava de não sentir que o Ministério do Ambiente era o Ministério da Indústria. Isto porque a forma como é abordada esta questão não parece ser a de quem pretende melhorar o meio ambiente, neste caso o ambiente em geral do País, já que estamos aqui, simplesmente, a defender uma solução técnica que, seguramente, pode ser interessante para as cimenteiras, mas que, também em termos técnicos, justificava-se a sua discussão,
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devendo o seu total esclarecimento ser do conhecimento público. É que o que está em causa são 2,5 milhões de toneladas de resíduos industriais e a Sr.ª Ministra não apontou um caminho para a resolução deste problema.
Também queria chamar a sua atenção para um documento que foi tornado público hoje - pelo menos, só hoje tivemos conhecimento dele -, o Projecto de Eliminação de Resíduos Industriais pelo Sector Cimenteiro, em relação ao qual o Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável faz um conjunto de recomendações e sugestões que, curiosamente, deveriam levar a Sr.ª Ministra a ter prudência quanto à decisão que queira tomar.
Nesse documento, pode ler-se o seguinte: "Estas insuficiências prendem-se, nomeadamente, com o facto de: continuar a não existir uma caracterização qualitativa e quantitativa periodicamente actualizada, no que se refere à produção, recolha, transporte, tratamento e destino final dado aos resíduos (...)"; "(...) deficiente percepção dos riscos não controlados (...)";"(...) o desejável nível de credibilidade (...)" - que este projecto não tem!;"(...) A não concretização de um Piano Nacional de Resíduos (...)","(...) Um insuficiente diálogo (...)" - a expressão é do Governo e é utilizada em muitas circunstâncias, mas neste caso é o próprio Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável que o refere;"(...) O deficiente enquadramento normativo vigente dos estudos de impacte ambiental (...)"; "(...) A falta de explicitação de compromisso, por parte dos poderes públicos, (...) de melhoria da qualidade do ambiente (...)"...
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, terminou o tempo de que dispunha. Faça favor de concluir.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente, não sem antes fazer referência a mais duas notas críticas, uma da QUERCUS e outra do GEOTA, também relativamente a este processo, para além das críticas feitas pelas populações das áreas envolvidas.
Concluindo, a Sr.ª Ministra ainda não disse onde estão localizados os aterros para os resíduos industriais, nem para os resíduos industriais perigosos, porque a solução não versa apenas as 16 000 t ....
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem mesmo de concluir, Sr. Deputado.
O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente, e não vou abusar da sua paciência.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Conclui mesmo, Sr. Deputado, senão desligo-lhe o microfone.
O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.
Os resíduos destinados a aterro situam-se na ordem das 44 000 t/ano, mas sobre isto a Sr.ª Ministra não fala.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra do Ambiente.
A Sr.ª Ministra do Ambiente: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho, lamento que estivesse à espera de factos novos, porque o senhor, como Deputado desta Casa, deve conhecer à exaustão a situação ambiental em Portugal e, sobretudo, qual foi o ponto de partida em que nós pegámos nesta questão.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - Em segundo lugar, tenho consciência de que os Srs. Deputados têm dificuldade em perceber o que se diz e, sobretudo, não sei se iriam hoje perceber aquilo que eu ia dizer, uma vez que precisam de ter, previamente, os documentos!. Aliás, quando eu quis explicar-lhes o que era o Plano Hidrológico Espanhol e o que tinha sido negociado, não aceitaram explicações sem antes receberem os papéis, porque entenderam que não havia explicações possíveis! Foi por essa razão que hoje distribuí aos Srs. Deputados um texto com todos os números, para que possam perceber bem.
Vozes do PSD: - Só agora!
A Oradora: - Já agora, Sr. Deputado, pedia-lhe que explicasse à sua colega de bancada qual o seu entendimento deste processo, uma vez que, hoje, no 24 Horas, a Sr.ª Deputada acusou um Ministro de mentir.
Sr.ª Deputada Lucília Ferra, é preciso estudar bastante um assunto e ter a certeza do que se diz para afirmar que o Governo quer esconder o problema e anda a mentir às pessoas! Agora, a Sr.ª Deputada tem em seu poder todos os números e espero que fique totalmente esclarecida sobre esta matéria. É que o Governo não anda a enganar ninguém!
Em terceiro lugar, Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho, quero dizer-lhe que, para o Governo do Partido Socialista, não se trata só de uma questão do Ministério da Indústria, mas, sim, de uma questão de estratégia de desenvolvimento. Por isso é que a estratégia para os resíduos industriais banais a resíduos industriais perigosos foi objecto de uma resolução do Conselho de Ministros, que "amarra" não só o Sr. Ministro da Economia, como a Sr.ª Ministra da Saúde, o Sr. Ministro das Finanças ou o Sr. Primeiro-Ministro.
É lamentável que o Sr. Deputado não se considere suficientemente esclarecido sobre uma estratégia que assume a forma de uma resolução do Conselho de Ministros.
A Sr.ª Lucília Ferra (PSD): - Só existe no papel!
A Oradora: - Relativamente ao parecer do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, o Sr. Deputado fez questão de equacionar alguns comentários aí feitos, mas esqueceu-se de citar, por exemplo, que nele também se refere que "(...) a situação relativa aos resíduos industriais perigosos e não perigosos é hoje reconhecidamente inaceitável (...)"; "(...) a falta de soluções para o tratamento e destino final dos resíduos industriais conduz a deposições clandestinas, descuidadas e incontroladas (...)". Aqui também se confirma que a co-incineração é a única solução aceitável neste momento, com os conhecimentos disponíveis, para tratar estes resíduos.
E termina, referindo: "O Conselho é, assim, da opinião que qualquer adiamento na decisão do Governo quanto à localização das unidades de co-incineração deverá ser sempre de curto prazo e não prejudicar a implementação das medidas relevantes atrás preconizadas, algumas das quais têm um carácter de urgência".
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Terminou o tempo de que dispunha, Sr.ª Ministra. Queira concluir, se faz favor.
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A Oradora: - De forma sintética e para não me alongar muito, apenas lhe diria, Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho, que, no documento que foi distribuído, consta o seguinte: resíduos industriais perigosos - 125 000 t anuais, dos quais 15 000 t com tratamento físico-químico a funcionar, nomeadamente na ECTRI, lançada por este Governo; soluções específicas - óleos usados, radiografias, pilhas, etc., 50 000 t;...
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Queira concluir, Sr.ª Ministra.
A Oradora: - ... aterro e co-incineração é o que falta decidir.
Se o Sr. Deputado não quer decidir qualquer parcela enquanto não estiver tudo decidido, lamento!
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Brochado Pedras.
O Sr. António Brochado Pedras (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, queria inquirir V. Ex.ª sobre uma questão que me levou, há cerca de um mês, a apresentar um requerimento ao Ministério que V. Ex.ª tutela e que, até à data, não teve resposta. Refere-se essa questão ao aterro sanitário da serra do Carvalho, em Póvoa do Lanhoso.
Não pretendo aqui questionar sobre se o aterro traz ou não perigos reais aos lençóis de água existentes naquela serra. V. Ex.ª entende que não mas as populações vizinhas e das cercanias da serra entendem que sim. Mas não é isso que me leva agora a interpelar V. Ex.ª.
O que me leva a interpelá-la é o seguinte: em recente acórdão, o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se, relativamente a uma providência cautelar proposta por uma associação de defesa do ambiente das terras de Lanhoso, pela suspensão da obra e, também, pela suspensão do funcionamento do aterro. Ainda este arresto não tinha transitado em julgado, já V. Ex.ª, durante uma visita que fez ao Minho, mais concretamente a Barcelos, fez comentários sobre este acórdão.
O Diário do Minho e o Público, de 28 de Outubro de 1998, atribuem, textualmente, a V. Ex.ª a seguinte frase: "O tribunal apreciou como achou conveniente, mas a decisão já não tem qualquer efeito sobre o processo e, portanto, são faits divers que a empresa..." - a BRAVAL - "... vai tratando". Aliás, recordo-me que este termo "faits divers" foi usado, hoje, pela Sr.ª Ministra, no discurso de abertura.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Os jornais interpretaram esta frase de V. Ex.ª como uma desvalorização, uma minimização, um esvaziamento da decisão judicial.
Não sei se V. Ex.ª proferiu, ou não, esta afirmação; também não sei se V. Ex.ª é do género dos políticos que entendem que não devem desmentir notícias dos jornais, por mais graves que elas sejam. O que sei é que esta notícia não foi desmentida, nem por V. Ex.ª, nem pelo respectivo gabinete, e por isso me interrogo.
De facto, penso que é extremamente grave que um membro do Governo se permita pôr em causa a exequibilidade de uma decisão de um outro órgão de soberania, afectando o princípio da divisão dos poderes! Tal significa pôr em causa a credibilidade, o respeito de uma decisão judicial que deve ser apanágio de um Estado de direito.
Pergunto à Sr.ª Ministra se V. Ex.ª proferiu, ou não proferiu, essa afirmação e, também, se V. Ex.ª e o seu Ministério vão acatar a decisão do Supremo Tribunal de Justiça.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra do Ambiente.
A Sr.ª Ministra do Ambiente: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Brochado Pedras, muito obrigada por me ter colocado essa questão, porque me permite esclarecer um assunto que não acompanhei, em termos de imprensa.
Se concordo ou não com a decisão do tribunal, é um assunto pessoal, é questionável; se vou cumprir ou não as decisões do tribunal, é óbvio que as vou cumprir até à exaustão, e nem outra coisa se poderia aceitar.
Em todo o caso, é importante que o Sr. Deputado, ao ler a resposta que dei, saiba qual foi a pergunta. Na altura, os jornalistas perguntaram-me, concretamente, se ia suspender a obra. Ora, a obra estava terminada, inaugurada e em funcionamento e, portanto, como é óbvio, foi dito, na altura, que a decisão já não tinha eficácia quanto à obra. Já quanto ao funcionamento, há um processo a correr em julgado e, obviamente, quando transitar em julgado e forem decididas todas as formalidades e os procedimentos legais, acataremos as decisões que o tribunal tiver por boas para o País sobre esta matéria, como é natural.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. António Brochado Pedras (CDS-PP): - Fico mais satisfeito!
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.
O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, V. Ex.ª referiu a necessidade de uma estratégia nacional que reunisse o consenso de toda a população portuguesa. Ora, perante esta afirmação da Sr.ª Ministra, pergunto se é ou não necessário que as populações tenham confiança nas acções da Administração Pública e do Governo.
A Sr.ª Ministra referiu-se, ainda, à situação que herdou do passado, que é uma situação real, com deposição clandestina, descuidada e incontrolada de resíduos um pouco por todo o lado. Mas não é essa a situação que se verifica agora, praticada de forma impune, perante a passividade das autoridades? Não é verdade que indústrias que manuseiam produtos tóxicos e produzem resíduos industriais perigosos não são objecto de uma fiscalização adequada? A começar pelos próprios trabalhadores, os moradores dessas zonas sabem que a fiscalização do Ministério do Ambiente não é actuante e que os industriais actuam mesmo sem terem as condições para que estão legalmente habilitados, perante a impunidade do Ministério. Com esta situação, pode haver confiança na Administração Pública?
A Sr.ª Ministra submeteu a discussão pública o estudo de impacte ambiental do Projecto de Eliminação de Resí-
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duos Industriais pelo Sector Cimenteiro, no qual se pode ler o seguinte: "(...) pode ocorrer em caso de acidente, pelo que, nestes casos, o risco de contaminação surgirá com um impacte ambiental negativo". Isto é dito, ignorando se se está no meio de 50 000, 10 000 ou 100 000 pessoas!
No mesmo estudo, acrescenta-se: "O ambiente envolvente apresenta, no estado actual, níveis de poluição atmosférica elevada", pelo que se for mais um bocadinho, ninguém dá por isto... A Sr.ª Ministra acha que é com estudos de impacte ambiental como este que consegue um consenso nacional para uma política que quer aplicar desta maneira?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra do Ambiente.
A Sr.ª Ministra do Ambiente: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joaquim Matias, agradeço a pergunta que me formulou, por dois motivos fundamentais: primeiro, porque ela questiona a responsabilidade do Estado em determinadas matérias. Imagine o Sr. Deputado que é um empresário. Neste caso, tem de ter uma empresa certificada a quem possa entregar os seus resíduos e o Estado tem de dar-lhe uma solução! Se o Estado não lhe der uma solução, o Sr. Deputado, ou vai incorrer em custos extraordinários e em incumprimento dos normativos comunitários, exportando os resíduos, ou, então, se for uma pessoa sensata, guarda-os nos seus armazéns até que o Estado encontre uma solução.
Isto só quer dizer uma coisa: é que o Estado não pode ser um elemento persecutório, fiscalizador, inspectivo e, quando chega o momento das soluções, bloqueia e "lava as mãos". A responsabilidade pelos resíduos é de quem os produz, mas cabe ao Estado, na sua função reguladora de mercado, estimular e orientar no sentido de encontrar as soluções. É por isso que - e aí, peço-lhe desculpa, contrario totalmente o que o Sr. Deputado Joaquim Matias disse - a Inspecção-Geral do Ambiente está activíssima, por vezes com sérios problemas, transmitidos até nos meios de comunicação social, em virtude da falta de hábito das pessoas, e já fechámos metade das lixeiras que herdámos e vamos fechar as restantes no próximo ano.
Portanto, se não houvesse um movimento, uma dinâmica, eu estaria sossegada e nem sequer estava aqui, hoje, a responder às questões que me colocam, mas eu estou aqui a responder às questões, porque quero arranjar uma solução e não porque me conformo com o imobilismo, e quando digo "eu", quero dizer Governo! Estamos aqui porque queremos encontrar uma solução e não nos conformamos com a situação que está em vigor;...
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - ... estamos aqui porque sentimos a responsabilidade moral, enquanto Estado e Governo, de encontrar uma solução nacional para o problema! Se estivéssemos, como no passado, descansadamente, a fechar os olhos, dizendo que se encontraram, de facto, 50 toneladas de resíduos numa cave, anteontem, ou se exportaram 44 000 toneladas de escórias, mas que estes são factos isolados, sem apresentar nomes e números em cima da mesa,...
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - Aí, sim, o Sr. Deputado tinha razão e eu estaria com a minha vida bastante mais sossegada!
Uma outra questão que o Sr. Deputado colocou parece-me extraordinariamente importante. Com isto não quero dizer, Sr. Deputado, que não haja, de facto, que tratar com toda a seriedade as questões da transparência dos processos, do acompanhamento dos processos por organismos independentes, da exigência às empresas do cumprimento de todos os normativos a que elas estão obrigadas; que não haja processos de cassação de licença se, de facto, o cumprimento das condições que forem introduzidas não for exaustivo. Agora, isso faz-se fazendo e não evitando a acção e substituindo-a por discussões de análise de diagnóstico.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lucília Ferra.
A Sr.ª Lucília Ferra (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, ouvi com atenção a sua intervenção e, enquanto foi explanando sobre os méritos da acção governativa do Partido Socialista, não consegui evitar visualizar no meu inconsciente a consciente uma história que nos contavam enquanto criancinhas e que se chamava "Alice no país das maravilhas". Obviamente, hoje, a protagonista feminina - com o devido respeito - teria outro nome, mas, de facto, não consegui deixar de visualizar essa história...
Sr.ª Ministra, nós, Deputados, temos a informação que temos e muitas das vezes não temos mais porque os Srs. Membros do Governo não a fazem chegar atempadamente a esta Casa, mas estamos atentos assim como o está o povo português. Temos é dificuldade de enquadrar uma série de questões para as quais gostaria que a Sr.ª Ministra, hoje, trouxesse um esclarecimento cabal, nomeadamente: como é que a Sr.ª Ministra fala em 16 000 toneladas de resíduos incineráveis? Como é que a Scoreco fala em 90 000 toneladas? Como é que as cimenteiras dizem ter capacidade para incinerar aproximadamente 50 000 toneladas? Como é que a estação do Barreiro, uma estação de pré-tratamento e armazenamento, tem uma capacidade de 125 000 toneladas?
Por outro lado, como é que a Sr.ª Ministra vem defender que o processo de co-incineração é um óptimo processo para resolver esta questão concreta dos resíduos que são passíveis de incineração quando temos ambientalistas a dizer que têm sérias dúvidas, outros a rejeitarem, por completo, este tipo de solução, falando nas dioxinas, nos furanos, nos metais pesados, no mercúrio que pode ser libertado e que pode trazer graves riscos para a saúde pública das populações; quando o Professor Palma há uns anos defendeu o encerramento da Secil e hoje é o consultor que foi pago pelas cimenteiras para fazer este estudo e vem dizer que nas cimenteiras podem incinerar-se resíduos industriais? Como é que o Presidente do Instituto de Conservação da Natureza, nomeado por este Governo socialista, vem dizer que é impensável numa área protegida fazerem passar camiões carregados de resíduos industriais e a Sr.ª Ministra vem dizer posteriormente que até vai requalificar o Parque Natural da Arrábida?!
Como é que é possível a Sr.ª Ministra falar em experiências europeias como aquelas que devemos olhar e seguir atentamente?!
Devo dizer que li atentamente tudo o que havia disponível sobre o assunto e vi que em França, nomeadamente, algumas dessas experiências têm um passado recente, mas também vi nos Estados Unidos experiências que re
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montam aos anos 80 começarem a ser claramente abandonadas. Nos Estados Unidos, neste momento, das 38 cimenteiras que faziam co-incineração apenas 15 o fazem. No Estado do Texas ficou claramente definido que a co-incineração provocou um aumento de 30% de problemas respiratórios às populações da zona.
Como é que é possível a Sr.ª Ministra vir agora defender, mais uma vez, esta solução, quando o Conselho Nacional para o Desenvolvimento Sustentado, como disse o meu colega Deputado Fernando Pedro Moutinho, vem levantar sérias dúvidas e dizer que é preciso ponderarmos atentamente?
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr.ª Deputada, tem de concluir, pois terminou o seu tempo.
A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
Achamos que há que tomar decisões, mas não a todo o custo e não se essas decisões envolverem sérios riscos para a saúde das populações.
Para terminar, Sr.ª Ministra, quero dizer-lhe que não era eu que estava nessa intervenção no jornal de que falou. A Sr.ª Ministra confundiu-me com outra Colega Deputada, embora eu partilhe das opiniões aí manifestadas. Portanto, aceito a questão que levantou embora não fosse eu que estava na notícia.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra.
A Sr.ª Ministra do Ambiente: - Sr. Presidente, agradeço, Sr.ª Deputada, que transmita à Colega aquilo que eu lhe disse a propósito da entrevista.
Relativamente às questões mais concretas que referiu, selecciono, dessas todas, uma em particular: é que a Sr.ª Deputada levantou as questões e tentou descredibilizar o processo da co-incineração com base numa coisa que leu sobre uma cimenteira do Texas.
A Sr.ª Lucília Ferra (PSD): - Uma? Há "n"!...
A Oradora: - Várias, no Texas, muitas, todas as que quiserem!... O que acho que é que a Sr.ª Deputada se esqueceu de duas coisas: esqueceu-se, por um lado, de que o processo tecnológico utilizado nessas cimenteiras é o da via húmida e não o da via seca - portanto, é outro processo tecnológico que nada tem a ver com o processo de que estamos a falar - e, em segundo lugar, há um facto que não é despiciendo, o de que a Sr.ª Deputada não precisa de ir ao Texas, pode ir aqui perto, vá ver a directiva comunitária onde se recomenda a co-incineração como o modo mais adequado de serem tratados os resíduos industriais que são incineráveis e que são classificados de perigosos.
A Bélgica tem, desde 1993, o processo a funcionar. Queimam-se, neste momento, 220 000 toneladas de resíduos em processo de co-incineração. Em França, os dados para 1993 são de 259 000 toneladas; em 1997, 433 000 toneladas. Se quiser, em Inglaterra, co-incineram-se 430 000 toneladas. Se quiser, na Alemanha, 580 000 toneladas.
Portanto, Sr.ª Deputada, não vá para o Texas!
Quanto à segunda questão de fundo, o que gostaria de dizer-lhe era que a Sr.ª Deputada não precisa de pensar e de lembra-se da "Alice no país nas maravilhas". Lembre-se daquela fábula do macaco que tapa os olhos e os ouvidos porque a realidade custa muito. É que o macaco se pegar fogo no rabo, Sr.ª Deputada, tem mesmo de tirar as mãozinhas dos olhos e agir.
Risos do PS.
Não vale a pena continuarmos a entreter-nos com estas fábulas enquanto os resíduos se acumulam lá fora. Para isso é que eu gostaria de chamar a sua atenção.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Sr.ª Lucília Ferra (PSD): - Exactamente!
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.
A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, começaria por tirá-la do "lado de lá do espelho", porque sempre gostei da "Alice no pais das maravilhas". Vou, então, puxá-la para o "lado de cá do espelho" e o "lado de cá do espelho" é esse mundo real que nem sempre é o mais agradável.
Vou pegar nos resíduos hospitalares, que tecnicamente talvez não sejam resíduos industriais mas a sua definição é um pouco Monsieur de La Palice, porque diz-se que são hospitalares quando resultam da actividade de unidades de saúde e afins.
O que queria perguntar-lhe, uma vez mais, é o seguinte: em primeiro lugar, em que ponto é que está o plano estratégico dos resíduos hospitalares?
Depois, gostaria de dizer-lhe que é uma grande preocupação ver que este plano, eventualmente correcto, teve um efeito paralisador - é um plano que não vai, com certeza, ter resultados a curto prazo, nem vai poder implementar-se a curto prazo - no sistema de incineração, mau ou bom, que existia. Portanto, o que é que acontece? Os hospitais cujas incineradoras estão em mau estado não se sentem com capacidade, nem com possibilidade de investir para repará-las e penso que no transporte dos resíduos hospitalares não há um controlo mínimo. Falo-lhe do caso, que considero paradigmático, do Hospital de Santo António que tem uma incineradora moderníssima, que incinera a 1800 graus, mas que deixa cinzas inertes, estéreis - 100 kg de cinzas por cada tonelada que incinera e que ninguém remove. Este é um caso em que, bem ou mal, se tentou fazer uma incineradora. Eventualmente, hoje já não se faria uma incineradora no Hospital de Santo António, mas ela está lá, é uma incineradora moderna, deve ter custado muito dinheiro e tem todos os requisitos de boa técnica de incineração. Simplesmente, deixa cinzas e as cinzas são de ninguém e ninguém as remove - e a Sr.ª Ministra calcula a acumulação de kg e kg de cinzas à porta do Hospital de Santo António...!
Gostaria, pois, que me dissesse como é que, enquanto este plano estratégico dos resíduos hospitalares não é uma realidade, se vai dando resposta a estas situações básicas que, como eu disse, estão do "lado de cá do espelho" e eu, neste caso concreto, quero ser o coelho que tem um relógio e tem pressa.
(A Oradora reviu.)
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr.ª Ministra, tem a palavra para responder.
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A Sr.ª Ministra do Ambiente: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, agradeço-lhe muito a questão, sobretudo porque é muito construtiva e muito concreta.
A situação relativamente aos hospitais é muito complexa porque, se é verdade que há consenso sobre a necessidade de se organizar o sistema, também é verdade que há uma disparidade enorme de equipamento; alguns - a maior parte deles - não foram licenciados, alguns são muito modernos mas mesmo assim também não foram licenciados, outros foram comprados num certo desajuste por parte dos administradores hospitalares sem saberem muito bem o que é que estavam a comprar mas que, querendo produzir e fazer bem, os compraram. Por isso mesmo é que o plano de tratamento desses resíduos foi um pouco mais complicado de articular, tendo tido, no entanto, muito debate público e muita incorporação de contributos.
O plano está pronto e vai ser agendado pare apreciação em Conselho de Ministros, não para o próximo, mas está pronto para ser agendado e para entrar, digamos, no processo normal de aprovação. Portanto, isto significa que estamos mesmo na última fase.
Nos hospitais, tal como nas empresas, há uma questão que é essencial: quem tem de ser responsabilizado pelos resíduos é, aí também, quem o produz. Isto é, compreendendo nós toda a tradição e toda a herança e estando, de facto, envolvidos na solução final, é evidente que percebemos tudo isso, mas não há dúvida, Sr.ª Deputada, de que a responsabilidade é do hospital ou de quem gere o sistema. Portanto, isto significa também que tem de ser cada hospital a encontrar o destino final para as sues cinzas.
Conheço bem esse problema, é um problema do Hospital de Santo António, onde estão a guardar as cinzas. Houve antecedentes de conflitualidade com o sistema colectivo da LIPOR, mas não chegaram a acordo relativamente à entrega das cinzas, pelo que as cinzas, em princípio, serão das tais que terão de ir para um aterro de resíduos perigosos, salvo se, entretanto, se resolver o problema e se provar que não têm perigosidade, pois, nesse caso, vão para o aterro da LIPOR.
Portanto, a solução das cinzas da queima é um problema em todos os processos de incineração, à excepção da co-incineração, onde as cinzas são integradas automaticamente no próprio cimento.
Mas trata-se de um assunto que tem de ser tratado no quadro do plano e relativamente ao qual não lhe posso dizer, esporadicamente e individualmente, o que é que acontece no hospital A ou B. O que sei é que as cinzas têm de ir para um aterro, de um tipo ou do outro, conforme a tipologia que vier a ser assente sobre essa matéria.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, V. Ex.ª, na sua intervenção, referiu-se a ruídos em todo este processo. Compreendo que V. Ex.ª se sinta incomodada quando as populações se manifestam e suponho que V. Ex.ª se refere aos ruídos como sendo as populações, os autarcas, as câmaras municipais, as assembleias municipais e as organizações ambientalistas, porque todos eles se pronunciaram e contra a decisão que V. Ex.ª quer tomar.
O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Não se faça de desentendido!
O Orador: - Por menos do que isto, noutros tempos se falou de arrogância. V. Ex.ª vem aqui com arrogância e, muito mais do que isso, vem, sistematicamente, com má educação. E não pense V. Ex.ª que o pode fazer só por ser senhora,...
Vozes do PS: - Ah!
O Orador: - ... porque terá a resposta adequada.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sobre educação, estamos entendidos!
O Orador: - A senhora não vem aqui insultar os Deputados, não vem aqui brincar com os Deputados!
Protestos do PS.
A bancada do seu partido ri-se, mas alguns terão poucos motivos para se rir, nomeadamente aqueles que são do Barreiro e de Setúbal. Mas isso são "contas de outro rosário"!...
Em democracia, as coisas funcionam assim e, em democracia, as populações, as autarquias e as organizações ambientalistas pronunciaram-se contra o processo que V. Ex.ª quer levar a cabo, de uma forma tremendamente autista.
A Quercus rasgou o estudo de impacte ambiental de alto a baixo e disse que aquilo, realmente, não tinha pés nem cabeça. E não tem! V. Ex.ª não tem saída!
O Conselho Nacional do Ambiente estendeu-lhe uma bóia de salvação e, sem criar grandes dificuldades, sem pôr em causa o seu processo, quase sugeriu a V. Ex.ª o seguinte: "Veja lá, veja bem! É capaz de ser melhor repensar a questão, porque isto, realmente, foi um pouco feito a martelo, está contra tudo e, contra todos, não é razoável e não é defensável".
Todos compreendemos a urgência, Sr.ª Ministra, mas de quem é que V. Ex.ª quer a compreensão? Das populações? Daqueles que se pronunciaram seriamente, com argumentos técnicos, como a QUERCUS, o GEOTA e todas as organizações ambientalistas que V. Ex.ª utilizou, em determinada altura, enquanto ainda não se tinham pronunciado e aproveitando aquela ambiguidade, mas de que agora já não fala? Ao fim e ao cabo, o que quer V. Ex.ª: uma má solução? Ou seja, V. Ex.ª entende que a urgência é tanta que tudo vale, até uma má solução?
Provavelmente, V. Ex.ª terá ido mais longe do que devia em todo este processo. Aliás, consta que, em Setúbal e noutros sítios, já estão a queimar e a fazer experiências, sem qualquer espécie de controlo. Não sei se V. Ex.ª autorizou ou não, mas é capaz de ser a hora de recuar, Sr.ª Ministra. E se assumiu compromissos, se criou expectativas, indemnize. Fale com o Sr. Ministro João Cravinho, porque estamos em vésperas de eleições e ele explica-lhe como é que isso se faz... É capaz de ser melhor.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado Cardoso Ferreira, penso que a veemência na defesa das posições ou mesmo a arrogância não são, necessariamente, sinónimos de má educação. E não vi nas palavras da
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Sr.ª Ministra alguma coisa que pudesse ser considerada como má educação, porque, se não, seria o primeiro a intervir. Portanto, penso que houve um excesso de linguagem da parte do Sr. Deputado.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra a Sr.ª Ministra do Ambiente:
A Sr.ª Ministra do Ambiente: - Sr. Presidente, Sr. Deputado, ouvi todas as opiniões que me foram transmitidas. Todas! E ouvi aquelas que se fizeram ouvir muito alto a as que, talvez com argumentos mais sérios, se fizeram ouvir mais baixo. Obviamente, em relação a todas as sessões públicas que organizámos, houve o máximo de divulgação pública e, em todas, houve o registo de todas as intervenções que foram feitas, mas, num sistema democrático, permita-me que também possa ter alguma opinião. Mais: se algumas dessas opiniões foram extraordinariamente válidas, outras não o foram. Há opiniões que contribuíram positivamente, há opiniões que são meras manifestações de emotividade, estimuladas, às vezes, por interesses locais menos importantes. O Sr. Deputado sabe que isto é um facto e penso que não deve, demagogicamente, desculpe que lhe diga, misturar aquilo que eu disse, de forma a insinuar que há qualquer posição autista.
Sr. Deputado, diga-me: considera autismo fazer seis debates públicos, dois dos quais a lei não me obrigava a realizar, e assumi-los publicamente? Considera que isso é autismo? Por que é que o Sr. Deputado desvaloriza o parecer do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável que, inclusivamente, se fosse preciso mostrar a sua independência, veio sugerir precisamente aquilo que o Sr. Deputado acaba por sugerir e, entre muitas outras coisas, algum adiamento e algum ajustamento?
O Sr. Deputado invoca a Quercus, o Geota e a LPN e esquece que, a nível nacional, todos os seus dirigentes, ao contrário daquilo que acaba de afirmar, disseram claramente "não conhecemos outro processo melhor do que a co-incineração; gostaríamos que a política de redução de resíduos tivesse tanta eficácia que não houvesse resíduos". Também eu, Sr. Deputado!
Quanto à solução, nenhuma dessas associações ambientalistas veio contestar a solução adoptada da co-incineração.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Vieram, vieram!
A Oradora: - Pelo contrário, vieram defendê-la claramente.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Isso é falso!
A Oradora: - Sr. Deputado, não invoque argumentos inventados por si!
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Digo-lhe já onde eles disseram o contrário!
A Oradora: - O que digo está registado em depoimentos escritos, em todo o sítio.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Dá-me licença que a interrompa, Sr.ª Ministra?
A Oradora: - Faça favor de interromper, se o Sr. Presidente autorizar.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr.ª Ministra, se permitir a interrupção, o tempo que o Sr. Deputado utilizar será descontado no tempo de que a Sr.ª Ministra dispõe.
A Oradora: - Então, peço desculpa, Sr. Deputado, mas não permito a interrupção.
Sobre a última questão que o Sr. Deputado suscitou, que também faz parte do estímulo à desconfiança, de uma forma de tratar as coisas supondo que o Estado mente, que esconde coisas, como se, na hipótese de se querer esconder alguma coisa, se fizesse um debate público desta dimensão, nos meios de comunicação social, aberto, transparente, etc., o que, obviamente, complica...
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr.ª Ministra, ultrapassou o tempo de que dispunha, pelo que vai ter de concluir.
A Oradora: - Muito obrigada, Sr. Presidente.
Sr. Deputado, se quer saber o que consta, coloque as questões concretamente que terei todo o prazer em dar-lhe as respostas, com toda a transparência.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carmen Francisco.
A Sr.ª Carmen Francisco (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, antes de colocar as minhas questões, gostaria de congratular-me com uma afirmação da Sr.ª Ministra, pois, finalmente, ouvi-a dizer que a co-incineração também tem aspectos negativos, embora não tenha a certeza se o termo que usou foi exactamente "inconvenientes" ou "desvantagens". Mas congratulo-me porque até aqui aquilo que tenho ouvido são afirmações, por parte da Sr.ª Ministra e também de outros elementos do seu Ministério, no sentido de que a co-incineração retira toda a nocividade de tudo, de que os resíduos ficam perfeitamente neutralizados, de que não há inconveniente rigorosamente nenhum e que com os filtros, então, é uma maravilha, nada sai pelas chaminés, até fica melhor. Obviamente, temos elementos que contradizem estas afirmações, como, por exemplo, o estudo de impacte ambiental que recomenda que se façam estudos de lixiviação em relação ao cimento, o que significa que há algumas dúvidas sobre os metais pesados que ficam no cimento, que não desaparecem - aliás, não há processos de eliminação de metais pesados, e sobre as consequências que possam ter, em termos futuros. Mas também temos outras opiniões científicas que entendem que não é possível evitar a saída de metais pesados, dioxinas e furanos pelas chaminés.
Portanto, não desaparece tudo. É óbvio que há inconvenientes que, para nós, pesando a balança, são muito mais inconvenientes do que a possibilidade de poder ter um tratamento, ainda que desadequado, de 16 000 t de resíduos perigosos.
A Sr.ª Ministra, na sua intervenção inicial, disse que há uma forma de ver o problema que é a de passar o tempo a meditar, fazendo de conta que se fazem estudos,
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diagnósticos e planos, mas que estamos todos fartos disso e queremos acção. Espero que isto não seja uma desculpa para o facto de não termos ainda uma estratégia de gestão de resíduos, aliás, como recomenda o parecer que a Sr.ª Ministra citou, o que significa que aquela resolução do Conselho de Ministros que dá pelo nome de "Estratégia Nacional", manifestamente, não é uma estratégia nacional. Mas, como estava a dizer, espero que isso não seja uma desculpa para não termos ainda um plano de gestão dos resíduos industriais.
Por último, gostaria de perguntar-lhe se foi a "meditar" o que o Governo socialista andou a fazer até 1997, porque, nas Grandes Opções do Plano para 1997, ainda temos a incineradora como uma infra-estrutura essencial à gestão dos resíduos industriais, o que significa que não houve contestação desta metodologia e deste processo até às Grandes Opções do Plano para 1997. Tanto quanto sabemos, não aconteceu rigorosamente mais nada, de 1995 a 1997, não houve actualização das estimativas dos registos a muito menos houve uma tentativa de ter dados reais sobre qual a quantidade de resíduos produzidos em Portugal.
Queria fazer-lhe mais perguntas, mas não vou ter tempo, pelo que ficam para depois. Quero apenas perguntar-lhe mais o seguinte: qual é a directiva que a Sr.ª Ministra cita que recomenda a co-incineração? É que aquela que conheço, de 1994, não recomenda a co-incineração. "Resíduos de incineração obrigatória" são um tipo de resíduos que não conhecemos, em nenhum catálogo. Há resíduos incineráveis, não há resíduos de incineração obrigatória.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra do Ambiente.
A Sr.ª Ministra do Ambiente: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, agradeço as suas questões, porque também elas permitem algum esclarecimento.
Quanto ao problema da lixiviação do cimento, a Sr.ª Deputada tem dito, através de muitas comunicações públicas e mesmo através do seu partido, que está subjacente a isto um grande interesse económico das cimenteiras. Este é um processo que, em termos de negócio, vale, digamos, 3 milhões de contos, para negócios que são da ordem dos 200 milhões de contos, que é o negócio do cimento propriamente dito... A Sr.ª Deputada considera credível que um sector inteiro, na Europa e em Portugal, pusesse em causa a credibilidade do seu produto aceitando participar num processo que, sendo marginal, iria contaminar todo o seu produto? Acredita, sinceramente, que, dando como boa a estratégia, digamos, a dinâmica, o peso das finanças e da economia, seria uma boa opção, nos termos estritos dos princípios de gestão, para a indústria cimenteira europeia ter o seu produto totalmente contaminado, porque tinha optado por participar num negócio marginal, que era o de inserir no seu forno resíduos para queimar, em vez de inserir apenas petróleo, nafta ou carvão?
Deixo-lhe esta questão porque me parece que, de facto, responde totalmente à questão que colocou. Podia dar-lhe outras respostas, mas entendo que não vale a pena irmos por aí.
Relativamente à questão das chaminés, as legislações comunitária e nacional garantem que têm de ser cumpridos determinados normativos. Portanto, há determinados normativos comunitários que têm de ser cumpridos e que são cumpridos pelas cimenteiras nacionais, mas, se houver a introdução de um equipamento adicional, que são os tais filtros de mangas, a poluição que as cimenteiras, neste momento, estão a fazer é reduzida de 50 para 15. Isto é, trata-se, no fundo, da introdução, antes de ser obrigatório por lei, de um equipamento adicional que melhora substancialmente a inserção ambiental na zona envolvente da cimenteira. Isto faz-se, naturalmente, com o apoio do Ministério do Ambiente, que, em geral, não tem de fazer investimentos de carácter industrial, nem os deve fazer. O Ministério do Ambiente vai pagar um equipamento de requalificação ambiental, acompanhando o licenciamento pedido pelas cimenteiras para fazer este tipo de queima juntamente com o petróleo, a nafta ou os produtos normais.
Relativamente a saber o que é que se alterou para abandonar a incineradora dedicada, devo dizer-lhe que se alterou, pelo menos, algo que é perfeitamente óbvio: é que, aquilo que constituía o catálogo europeu de resíduos...
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem de concluir, Sr.ª Ministra.
A Oradora: - Concluo já, Sr. Presidente.
Como dizia, aquilo que constituía o catálogo europeu de resíduos foi actualizado, o que levou a que a estimativa de que seriam queimadas 36 000 toneladas passasse para 16.
Eu gostaria de expandir-me um pouco mais sobre isto, mas é este o quadro geral, para além de que o processo da co-incineração é, de facto, muito mais eficaz do que o da incineração dedicada.
Sobre as outras questões, falarei depois.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para o último pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.
O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, julgo que todos os governos fazem coisas boas e coisas más e não fica mal à oposição elogiar as coisas boas, mas cabe-lhe criticar as coisas más.
Este Governo, a dada altura, fez bandeira do programa de recolha e tratamento dos resíduos sólidos urbanos, que, porventura, estará a correr bem, mas que começou mal, porque, como deve estar recordada, gerou grandes protestos em algumas das populações afectadas pela criação dos aterros, tendo esses protestos sido motivados, na maior parte das vezes, por falta de informação.
Agora, o Governo está a fazer bandeira da co-incineração dos resíduos industriais perigosos. No entanto, sobre esta matéria, há duas críticas que devem ser feitas. O Governo diz que o processo é bom e, no entanto, as populações estão contra. Das duas, uma: ou o processo não é bom ou as populações estão mal informadas! Se o processo é bom e as populações estão mal informadas, então, a crítica cabe também, por inteiro, ao Governo, porque lhe compete informar as populações e já sabemos que, no passado, o Governo pecou por défice de informação, pelo que julgo que terá de corrigir algumas das suas "agulhas".
Mas, enquanto se fala tanto da co-incineração, nada se fala do tratamento de outro tipo de resíduos - também industriais, se quisermos dar um sentido mais lato ao termo "industrial" -, ou seja, dos efluentes suinícolas. Já sabemos que o Governo tem, neste momento, entre mãos o problema da produção suinícola, mas o Ministério do Ambiente tem entre mãos o problema da produção dos
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efluentes destas unidades industriais. E, a este respeito, são vários os pecadilhos do Governo: em primeiro lugar, uma ausência total de medidas concretas. A Sr.ª Ministra utilizou toda a sua intervenção anunciando e expondo a concretização de medidas no domínio dos resíduos industriais, mas, neste caso concreto, há uma ausência total. Ouvimos, em tempos, aqui, na Assembleia, o Sr. Secretário de Estado dos Recursos Naturais anunciar a realização de reuniões com as associações e com a federação dos produtores suinícolas, com vista a encontrar-se um plano para tratamento desses efluentes. O certo é que não se sabe se houve ou não reuniões; se houve reuniões, não se sabe qual foi o resultado das mesmas...
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado, faça favor de concluir.
O Orador: - Sr. Presidente, peço só mais meio minuto para concluir o raciocínio. Não quero fugir ao seu rigor mas, uma vez que o Sr. Presidente tem sido rigorosíssimo no tratamento dos tempos, isso permite-me abusar um bocadinho do tempo, dado que não estamos fora do horário...
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Só um bocadinho!
Faça favor de concluir, Sr. Deputado.
O Orador: - Sr. Presidente, uma coisa sabemos sobre esta matéria: o intuito do Governo é "empurrar" para os produtores os custos do tratamento e para as autarquias o encontrar de soluções.
Sr.ª Ministra, refiro aqui, de cor e, porventura, com algum erro, que afirmou que cabe ao Estado estimular as soluções e não apenas um papel inspectivo e repressivo.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, passou um bocadinho, e já é um "bocadão"! Agora tem mesmo de concluir, se faz favor.
O Orador: - Esta sua afirmação, produzida hoje mesmo, aqui, é todos os dias desmentida no que respeita ao tratamento dos efluentes suinícolas.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra.
A Sr.ª Ministra do Ambiente: - Sr. Presidente, Sr. Deputado, fui interpelada sobre a política geral de resíduos industriais, pelo que respondi sobre a mesma. Os resíduos a que se referiu não só são de um subsector muito específico como são de um sector normalmente considerado como agro-industrial.
De qualquer modo, não gostaria de o deixar sem resposta, nomeadamente quando afirmou que eu tento "empurrar" para os produtores o custo da despoluição. Não sou eu que tento "empurrar"! É o normativo existente em Bruxelas e em Portugal que obriga a que seja assim! Agora, o Sr. Deputado não confunda isso com uma outra questão: se há custos de despoluição, o Sr. Deputado, ao pretender defender os produtores, ao não querer que se "empurrem" para cima do produtor - como é devido, porque são eles que têm a actividade produtiva, são eles que recebem o lucro -, está a "empurrá-los" para as costas dos contribuintes que não têm culpa alguma nem recebem lucros alguns da actividade dos suinicultores, dos agricultores ou dos industriais.
Portanto, Sr. Deputado, que fique muito claro que a responsabilidade pelo tratamento é de quem produz o esgoto, de quem produz o resíduo e isso, neste momento, é inquestionável, pelo que não vale a pena discutirmo-lo aqui! É inquestionável na Europa, é inquestionável na legislação por que nos pautamos, é inquestionável em todo o sítio, Sr. Deputado! Não vale a pena discutirmos isso!
Sr. Deputado, ainda sobre a mesma matéria, o Estado não se alheia, o que o Estado não pode é ir substituir-se ao agente que polui, porque, se o Sr. Deputado pensa que cabe ao Estado tratar a poluição aérea da cimenteira, da Petrogal, da Siderurgia, de todas as indústrias têxteis, de todo o fabrico de calçado e a poluição de todos os suinicultores, então, Sr. Deputado, prepare-se para ter três ou quatro vezes o Orçamento do Estado e não fazer mais nada! Portanto, Sr. Deputado, isso é inquestionável, é indiscutível!
No entanto, no sentido dessa tal posição reguladora e estruturadora, devo dizer-lhe que é óbvio que estamos a trabalhar, estando em Bruxelas, como o Sr. Deputado já foi informado, o processo de tratamento integrado do Liz e do Seiça, onde há uma parte muito importante de tratamento de esgotos ligada às suiniculturas. E é evidente que os suinicultores terão, em princípio, uma solução integrada, porque é mais adequada, o que não quer dizer que seja o Estado a pagá-la. Poderemos apoiar, simplesmente, o tratamento inicial, sendo a responsabilidade, de facto, dos suinicultores, que, se não a assumem individualmente, assumem-na colectivamente, se não fazem, cada um deles, o tratamento até ao cumprimento da lei, então, subcontratam a terceiros. Os suinicultores não são uma espécie salvaguardada face à indústria têxtil, à indústria dos curtumes, aos industriais ligados ao sistema do Trancão, aos industriais de metalurgia que estão a tratar na ECTRI de Águeda, que estão, todos, a assumir os custos da despoluição. Os suinicultores merecem muito respeito, mas não são mais portugueses do que os outros!
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lucília Ferra.
A Sr.ª Lucília Ferra (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Membros do Governo, decorridos três anos de mandato do Governo do Partido Socialista, o balanço a fazer sobre a actuação do executivo em matéria de política para os resíduos industriais é consensual: não há política para os resíduos industriais!
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - No princípio, tudo foram "rosas"! O Partido Socialista prometia, em 1995, no Programa do XIII Governo Constitucional, designadamente: a articulação entre o Ambiente e a Saúde; a articulação entre o Ambiente e a Indústria; a participação dos cidadãos nas decisões da Administração Pública, em particular com as organizações não-governamentais; o desenvolvimento de uma política de melhoria do ambiente urbano, originando um pacote de medidas e acções que, concretizadas em articulação com as autarquias e outros agentes locais, valorizassem e melhorassem os padrões de qualidade de vida; a promoção de estratégias de reciclagem, reutilização e redução do consumo de materiais, recursos naturais e energia, em detrimento de opções correctivas; a prioridade à política de conservação da natureza, nomeadamente através da aceitação do carácter horizontal desta política; e,
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ainda, o reforço do papel atribuído às áreas protegidas como elementos essenciais de uma estratégia de desenvolvimento, através de programas de desenvolvimento e gestão desses espaços que incluíssem a participação interessada das populações locais.
Do confronto destas anunciadas boas intenções de 1995 com a efectiva realidade do País em finais de 1998 ressalta a absoluta inexistência de qualquer política para os resíduos industriais e o primado de um novo princípio, até agora de todo desconhecido, em matéria de Direito do Ambiente: o princípio do poluidor-poluidor!
E nem pretenda, sequer, o Governo tentar, mais uma vez, "sacudir a água do capote" - como sempre foi o seu timbre -, tentando distrair os actores e os espectadores nacionais, através de uma pretensa reorientação da responsabilidade pela gestão dos resíduos industriais destinada apenas e tão-só aos próprios agentes económicos. Não! O que hoje se passa no nosso pais é, pura e simplesmente, a insólita situação de, mesmo no caso de os industriais pretenderem cumprir as medidas a que a lei os obriga, os mesmos se encontrarem, na prática, impossibilitados de o fazer pela absoluta inexistência de uma estratégia de gestão dos resíduos industriais por parte do Governo e, por consequência, de locais, infra-estruturas físicas e de orientações requeridos para semelhantes efeitos!
Os inquilinos socialistas do palácio da Rua do Século, onde se situa o Ministério do Ambiente - que tanto gostam (sabe-se lá por que qualquer complexo de orfandade política!) de repetidamente invocar as "heranças do passado", designadamente as do Partido Social-Democrata -, herdaram, nesta matéria, em Outubro de 1995, um estruturado e completo Sistema Integrado de Gestão dos Resíduos Industriais.
Actualmente desactualizado? Actualmente ultrapassado? Provavelmente. Mas, ainda assim, um Sistema Integrado de Gestão de Resíduos Industriais.
Os novos inquilinos do Ministério do Ambiente recusaram tal plano, sem que, todavia, possuíssem qualquer outro, deitando, impune e alegremente, pela janela fora anos de conhecimento e de consensos alcançados entre a administração, os industriais, as organizações não-governamentais e as autarquias.
Vozes do PSD: - É o Governo do diálogo!
A Oradora: - Transformaram o próprio sistema de gestão, também ele, em resíduo, mas, desta vez, infelizmente, desprovido de aterro ou de qualquer outro destino final que adequadamente o acolhesse!
O Governo - que agora tanto utiliza o argumento da urgência de uma solução para os resíduos industriais para tentar justificar e apressar a conclusão do "negócio" da co-incineração - nada fez ao longo de mais de três anos de mandato.
Vozes do PSD: - Bem lembrado!
A Oradora: - Recordemos os factos, pois contra eles não há argumentos: o Governo tomou posse em Novembro de 1995; em Janeiro de 1996, ironicamente, a Sr.ª Ministra do Ambiente afirmava à imprensa que "o essencial da política do Governo não era queimar os resíduos mas, sim, reduzir, reaproveitar e reciclar".
Estava no bom caminho, Sr.ª Ministra, mas é pena que alguém a tenha, depois, convencido ou obrigado a mudar de ideias, como veremos.
Em Março de 1997, já com um ano e meio de mandato cumprido, o Ministério do Ambiente - talvez porque, então, pressionado pela Associação Nacional dos Industriais de Papel e Cartão, a qual denunciara, dias antes, o Estado por não construir qualquer "aterro sanitário certificado" onde os seus sócios pudessem "depositar os seus resíduos (...), conforme estipula a lei" - anunciou que apresentaria, em finais desse mesmo mês de Março, uma estratégia para os resíduos industriais.
Em 23 de Abril de 1997, o, então, Secretário de Estado Adjunto da Ministra do Ambiente, Eng.º José Sócrates, anunciava, na 4.ª Comissão Parlamentar, que já não seria o Governo a decidir as localizações dos aterros de resíduos industriais mas, sim, as empresas privadas, ficando a caber ao Estado, daí em diante, apenas um mero papel licenciador e fiscalizador.
Por essa ocasião, o Ministério do Ambiente anunciou também que a estratégia do Governo para os resíduos perigosos seria divulgada na primeira semana de Maio, o que, na verdade, veio a acontecer, livrando-se o Governo, uma vez mais, das suas responsabilidades, desta feita, "atirando-as", em forma de negócio, para as cimenteiras, através da co-incineração. Para além do evidente desvalor político, a decisão viola, por omissão, a obrigação legal de proceder à elaboração de um Plano Estratégico dos Resíduos Industriais, prevista no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 239/97, de 9 de Setembro.
Só em 25 de Junho desse ano viria o Governo a publicar a Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/97 através da qual esboçou, no papel, uma estratégia de gestão destes resíduos.
Mas o que é facto é que, até hoje, nada de concreto foi feito. Ilustrativa disso é a persistência da situação em que se mantêm, ainda hoje, os cerca de 130 industriais do papel e do cartão, que se preparam para encerrar as suas empresas e processar o Estado.
Mas, de Junho de 1997 em diante, mais não fez o Governo, designadamente o Ministério do Ambiente, do que persistir, contra tudo e contra todos e através de processos de muito duvidosa transparência, numa teimosa cruzada pela entrega do "negócio" da co-incineração dos resíduos industriais perigosos às cimenteiras localizadas em populosos centros habitacionais ou em áreas protegidas, como é o caso da Arrábida, ou, ainda, sobrecarregando o Barreiro com uma estação de pré-
-tratamento, aparentemente para servir as 16 000 toneladas a co-incinerar, mas que é projectada, neste âmbito, para tratar 125 000 toneladas. E tudo isto sem que, na prática, se esteja a executar um plano estratégico para os resíduos industriais e, consequentemente, sem que se preveja qualquer estratégia para a descontaminação dos locais onde têm sido depositados os resíduos, incluindo os tóxicos e os perigosos, sem que exista um estudo com vista a possibilitar a redução dos resíduos na respectiva fonte e sem a definição da localização de aterros e de um sistema integrado de estações de tratamento.
O que revela, afinal, o Ministério do Ambiente em todo este processo? Quanto a nós, incapacidade, inércia e incompetência.
O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Na prática, o balanço resume-se ao seguinte: o Ministério do Ambiente continua a violar, por omissão, a obrigação de elaborar um plano estratégico para os resíduos industriais; o Ministério do Ambiente tem vin
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do a violar - e nisso persiste -, teimosa e consecutivamente, os compromissos assumidos no programa do XIII Governo Constitucional.
O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Isso já se esperava!...
A Oradora: - Decorridos mais de três quartos do mandato deste Executivo, não existe uma única medida concreta implementada - repito, implementada - para a adequada gestão dos resíduos industriais no nosso país, tanto ao nível da prevenção da produção como da sua redução e reciclagem.
Pelo contrário, o Ministério do Ambiente vem, agora e à pressa, acenar aos industriais tão-só com uma típica medida de fim de linha e, por isso, totalmente desajustada do conceito de uma verdadeira estratégia, contrapondo, por outro lado, a oferta às cimenteiras de um negócio - tudo leva a crer - chorudo.
E o que dizer da forma absolutamente leviana como os responsáveis do Ministério do Ambiente têm presidido à condução do processo tendente à co- incineração de resíduos industriais? Baseiam uma decisão desta envergadura, com os inerentes riscos que dela podem resultar, entre outros, para a saúde pública, apenas num único estudo, mandado elaborar pelas cimenteiras e por elas pago, estudo esse incompleto, omissivo e mal elaborado, que trata por igual realidades tão diversas como o Parque Natural da Arrábida, o centro populacional de Alhandra, Souselas ou Maceira, mas que, mesmo assim, não consegue disfarçar os riscos; afrontam, despudoradamente, os sentimentos de indignação das populações e dos seus legítimos representantes; ignoram, com autismo assustador, os apelos de entidades como a Agência Norte-Americana para o Ambiente, os Amigos da Terra, a Greenpeace, a Quercus e outras organizações para a protecção do ambiente,...
O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - É um escândalo!...
A Oradora: - ... tudo a troco de uma qualquer solução, de um qualquer preço.
Reduzir, reutilizar e reciclar deixaram de ser prioridades para passarem a "letra morta" para um Governo esgotado e em manifesto desnorte.
Cada vez mais, com este Governo, os portugueses aprendem que prometer não é dar, é apenas, para a alguns enganar.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, vou ter de ausentar-me e serei substituído pelo Sr. Vice-Presidente, Nuno Abecasis.
Como esta é a primeira vez que ele exercerá a presidência do Plenário, a Mesa saúda-o, muito calorosamente.
Aplausos gerais.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Nuno Abecasis.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quero agradecer os vossos cumprimentos nesta primeira vez em que presido a uma sessão plenária da Assembleia da República, o que me honra. Espero desempenhar bem estas funções, mas, pelo menos, desempenhá-las-ei com zelo, como costumo fazer com todos os encargos que me são confiados.
De qualquer maneira, os meus cumprimentos à Assembleia e aos Srs. Deputados os meus agradecimentos também.
Para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Lucília Ferra, inscreveram-se os Srs. Deputados Acácio Barreiros, Isabel Castro, Paulo Neves e Helena Roseta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros, a quem lembro que dispõe de três minutos para o seu pedido de esclarecimentos.
O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, permita-me, em primeiro lugar, em meu nome e no da bancada do Partido Socialista, aproveitar esta oportunidade para manifestar a nossa satisfação por ver V. Ex.ª a presidir aos trabalhos desta Assembleia.
Passando à intervenção da Sr.ª Deputada Lucília Ferra, ó Sr.ª Deputada!... Incapacidade, inércia, incompetência, inexistência de política, "sacudir a água do capote"?!... A Sr.ª Deputada estava, com certeza, a falar não da história Alice no país das maravilhas, mas - e não sei se se lembra - de uma história mais recente, a do "Cavaco no país das maravilhas"!
Risos do PS.
A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Isso já está mais do que ultrapassado!
O Orador: - Então, os ministros do ambiente faziam poses nos telejornais ao deitar abaixo umas barracas construídas em cima das dunas, o que foi muito notável e teve o meu apoio, mas, entretanto, multiplicavam-se as lixeiras e os resíduos industriais não existiam. Essas coisas não eram um problema grave, podia-se nelas pensar! Levaram oito anos a pensar e não foi por falta de projectos, porque projectos havia e completíssimos: para uma grande central de tratamento desses resíduos, para aterros, etc. Era para tudo o mais completo possível.
Só faltou uma pequena coisa, Sr.ª Deputada: tomar uma decisão e executar o que quer que fosse para o tratamento dos resíduos industriais.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Agora as coisas mudaram! Estão a ser tomadas decisões e também nesta matéria será tomada uma decisão.
Depois, ainda por cima, a Sr.ª Deputada segue os ensinamentos ou, pelo menos, as ideias do Sr. Deputado Carlos Pimenta, que gosta sempre de dizer, com aquele ar muito arrogante de Deputado europeu, como se só Bruxelas soubesse destes assuntos e aqui não se soubesse nada: "já podiam ter tomado a decisão que o PSD deixou preparada (...)" Mas por que é que não a tomaram?!...
Sr.ª Deputada, vou dizer-lhe uma coisa: quando fala na desconfiança que, hoje, as populações têm na Administração Pública, tal desconfiança resulta, em grande parte, desse constante vaivém, ou seja, do projecto que ia para Sines e que, como as pessoas daí não gostaram, passou para Estarreja, mas como quanto a Estarreja havia dúvidas o projecto foi sendo adiado, sem que nunca tivesse havido coragem para tomar uma decisão, porque ela tem sempre custos políticos.
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O Sr. José Junqueiro (PS): - Bem lembrado!
O Orador: - Mas este Governo vai ter a coragem de tomar medidas. E, Sr.ª Deputada, não acredite em tudo o que diz o Sr. Deputado Carlos Pimenta, porque foi exactamente em Bruxelas, onde ele está, que se tomaram decisões, que foi elaborada a directiva comunitária que aponta para a tomada da actual solução em Portugal, que, ainda por cima, os senhores apresentam como se fosse uma grande novidade, dando até a ideia de que Portugal vai ser uma espécie de cobaia europeia, quando esta solução foi tomada em todos os países europeus, mesmo nos mais exigentes em termos de questões ambientais.
Sr.ª Deputada, em matéria europeia, para além da voz do Sr. Deputado Carlos Pimenta conheço também, por exemplo, a voz do Sr. Deputado Blockland, um holandês ligado, no seu país, ao lobby da construção de centrais de tratamentos de resíduos.
O Sr. Presidente (Nuno Abecasis): - Sr. Deputado, está sem tempo, tem de terminar.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Segundo ele, na Holanda está a optar-se, cada vez mais, por estas soluções e, assim, tenta vender na Europa o perigo que ela pode ocasionar. Mas esse, ao menos, tem um motivo perfeitamente claro, que não é científico: ele está ligado a um lobby de empresas produtoras, com interesses económicos específicos.
De facto, a posição europeia não é a que o Sr. Deputado Carlos Pimenta tomou e a posição deste Governo tem uma diferença essencial, para a qual chamo a atenção da Sr.ª Deputada: Alice no país das maravilhas continua a maravilhar-
-nos; Cavaco no país das maravilhas passou de moda.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Nuno Abecasis): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lucília Ferra.
A Sr.ª Lucília Ferra (PSD): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero felicitá-lo e desejar-lhe os maiores sucessos no exercício das suas novas funções de Vice-Presidente da Assembleia da República e, agora, nas de Presidente em exercício.
Sr. Deputado Acácio Barreiros, vejo que registou e assimilou a história "Alice no país das maravilhas", eventualmente porque se identificou com ela...
De qualquer maneira, deixe que lhe diga que, para mim, não constitui qualquer ofensa ouvi-lo aqui dizer que lhe parece que eu sigo as pisadas do Engenheiro Carlos Pimenta. O mesmo já não aconteceria se o Sr. Deputado tivesse aqui dito que eu seguia as pisadas da actual Ministra do Ambiente.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Não tem categoria para isso!
O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Olhe que era melhor para o país!
A Oradora: - Portanto, como seguir as pisadas do Engenheiro Carlos Pimenta, em matéria de ambiente, é uma grande honra, o Sr. Deputado homenageou-
-me indirectamente e, provavelmente, sem querer.
Aliás, o Sr. Deputado teceu aqui algumas considerações mas não pediu qualquer esclarecimento!...O que eu gostava era que Sr. Deputado me tivesse dito onde é que está, de facto, o plano estratégico sectorial para os resíduos industriais, onde é que está o plano nacional de prevenção de resíduos industriais e como é que os senhores avançam com soluções de co-incineração quando ainda nem sequer sabem o que é possível reduzir na fonte. Era a isso que eu gostava de ouvir o Partido Socialista responder hoje, aqui, no Parlamento.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Nuno Abecasis): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero dizer que é com grande prazer que vejo V. Ex.ª aí sentado e, precisamente, no dia em que é feita uma interpelação de Os Verdes.
A Sr.ª Deputada Lucília Ferra disse que este Governo apresenta um projecto de co-incineração na total ausência de uma estratégia nacional para os resíduos industriais, ou seja, sem que haja um plano de redução, de prevenção, de reutilização. Estou plenamente de acordo consigo.
Disse também a Sr.ª Deputada que este é um projecto ao qual falta consenso e isso é evidente. Aliás, aquilo a que a Sr.ª Ministra chamou "ruídos" é, precisamente, a legítima contestação que este processo evidencia nos autarcas, nas populações, nas associações e em grupos de cidadãos.
Referiu a Sr.ª Deputada que este processo tem total falta de credibilidade face aos dados em que se suporta. No entanto, lembro-lhe que estes dados são precisamente os mesmo do Partido Social-Democrata, só actualizados pelo novo catálogo.
Disse ainda que o estudo se reveste de total falta de rigor e de credibilidade, sendo feito por quem é juiz em causa própria. E, concordando eu com tudo isto, Sr.ª Deputada, a pergunta que lhe dirijo - porque essa foi a resposta que eu não consegui encontrar - é a seguinte: em que é que, hoje, tudo isto difere do processo que caracterizou a situação que, no passado, o PSD quis também impor?
O Sr. Acácio Barreiros (PS): - É que o projecto deles não era para se fazer!
O Sr. Presidente (Nuno Abecasis): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lucília Ferra.
A Sr.ª Lucília Ferra (PSD): - Sr. Deputada Isabel Castro, penso que na minha intervenção também respondi à sua questão. Eu disse-lhe que, em 1995, quando o PSD perdeu as eleições e deixou de ser Governo, tinha um sistema integrado para o tratamento dos resíduos industriais. Certamente que esse sistema estará hoje desactualizado - e veio a comprovar-se que assim era -,
nomeadamente por causa da revisão do catálogo europeu de classificação dos resíduos industriais. Mas havia um sistema integrado!... Ora, neste momento, existem apenas soluções avulsas, sem que se proceda à elaboração dos respectivos planos, que, por via dos diplomas legais que citei, o Governo tem a obrigação de elaborar. Não nos parece também que seja o melhor caminho, embora tenhamos a consciência
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de que se têm de encontrar rapidamente soluções, avançar com a decisão, fim de linha, de co-incinerar, sem antes terem sido elaborados os planos estratégicos que se impõem e sem vermos, primeiro, o que será possível reduzir na fonte.
Sr.ª Deputada - e veja como isto é ridículo -, nós até podemos chegar à conclusão de que, caso sejam tomadas medidas eficazes de redução, pode sobrar muito pouco para a co-inceneração e não fazer sentido nela falar.
Portanto, pensamos que a discussão está a ser focalizada no fim do processo e não no seu início, como nós queremos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Nuno Abecasis): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Neves.
O Sr. Paulo Neves (PS): - Sr. Presidente, reitero, desde já, os votos feitos pela minha bancada a V. Ex.ª e permito-me também congratular-me por ver um meu conterrâneo na presidência dos trabalhos da Assembleia da República, porque, se me permite, gostaria de anunciar que o Sr. Presidente nasceu na minha cidade, Faro.
Vozes do PS: - Ah!...
O Orador: - Sr.ª Deputada Lucília Ferra, da intervenção que V. Ex.ª fez da tribuna o meu pedido de esclarecimento vai para a questão à qual me pareceu ter dado mais importância - referiu-a várias vezes -, ou seja, a co-inceneração, o negócio que este Governo fez com as cimenteiras, um negócio que, afinal, alimenta, segundo as suas palavras, todo este processo.
Sr.ª Deputada Lucília Ferra, vou fazer-lhe tão-só uma pergunta e agradeço--lhe uma resposta com igual frontalidade. A Sr.ª Deputada não ignora obviamente que, há uns anos atrás, foi defendida a construção, então em Estarreja, de uma incineradora destinada apenas ao tratamento de resíduos industriais perigosos. Nessa altura, essa construção foi justificada com a eliminação das 36 000 toneladas de resíduos industriais perigosos, que eram as que aquela infra-
-estrutura iria tratar. Então, Sr.ª Deputada, se, neste momento, considera que esta questão da co-incineração é, afinal, um grande "negócio" - as palavras são suas - , agradeço-lhe que me esclareça qual seria o negócio nessa altura, tendo em conta que nós só poderemos tratar as actuais 16 000 toneladas. Repare que, como estamos a falar, em três anos, numa diferença de 20 000 toneladas a tratar, este Governo reduziu, de certeza, alguma coisa!... Só tem, para tratar, 16 000 toneladas!... Ou será que, na altura, para justificar esse negócio da construção em Estarreja de uma incineradora, o Governo do PSD tratava de importar resíduos industriais? Será que era assim que conseguiam justificar e rentabilizar a infra-estrutura que, então, defendiam?
Passámos de 36 000 toneladas para 16 000 toneladas, que é aquilo que nós defendemos que deve ser co-incinerado, e o que lhe pergunto é como é que VV. Ex.as iriam tratar as 36 000 toneladas que estavam previstas? Importavam os resíduos?
O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!
O Orador: - Esse seria um grande negócio, sobretudo para quem exportava os seus resíduos industriais perigosos para Portugal os tratar.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Nuno Abecasis): - Sr.ª Deputada Lucília Ferra, antes de lhe dar a palavra para responder, peço-lhe licença para agradecer ao Sr. Deputado Paulo Neves a referência que fez à cidade em que nasci. É que, apesar de ter de lá saído apenas com nove meses, tenho uma grande ligação a essa cidade, já que o porto de Faro, o de Olhão e todos os portos do Algarve foram construídos pelo meu pai.
Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lucília Ferra.
A Sr.ª Lucília Ferra (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Neves, o senhor tentou, mais uma vez, trazer à colação questões que não estão em cima da mesa. Nós estamos a tratar de três anos de Governo do Partido Socialista, três anos em que nada foi feito e em que se impunha que alguma coisa fosse feita.
De qualquer forma, respondo-lhe com toda a facilidade. O Sr. Deputado fala em 16 000 toneladas de resíduos a incinerar, tal como a Sr.ª Ministra, mas a verdade é que pedi à Sr.ª Ministra para comentar algumas questões e ela não o fez. Assim sendo, persistem no meu espírito, assim como persistem no espírito dos portugueses, as mesmas dúvidas que têm acompanhado este processo. A Sr.ª Ministra fala em 16 000 toneladas, mas a Scoreco fala em 90 000 toneladas e diz que se forem 16 000 é caso para as cimenteiras pensarem duas vezes, porque, se calhar, não estão interessadas no negócio. As cimenteiras, por sua vez, têm uma capacidade aproximada de co-incinerar 50 000 toneladas e a estação de pré-
-tratamento e de armazenamento do Barreiro está prevista para 125 000 toneladas.
O que é que o Sr. Deputado faz com números tão diferentes e distintos quanto estes? Afinal, o que é que vai queimar, como é que vai queimar, com quem, onde, o que é que guarda e o que é que armazena?
O Sr. Presidente (Nuno Abecasis): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.
A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, permita-me também que o felicite com muito carinho e que lhe diga, a título pessoal, que a circunstância de o Sr. Presidente estar hoje aí sentado, depois da forma como se processaram as votações para esse lugar, representa, da sua parte, uma lição de humildade democrática e de generosidade parlamentar que gostaria aqui de salientar e que gostaria de tomar para mim.
Aplausos do PS.
A Oradora: - Passando ao tema que estamos a discutir, quero colocar três questões à Sr.ª Deputada.
Em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada insiste em dizer que este Governo nada fez, mas, provavelmente, está um bocadinho desatenta. Isto porque, pelo menos por uma questão de rigor, tinha a obrigação de referir a Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/97, em que foi aprovada a estratégia de gestão de resíduos industriais. Dizer que nada existe parece-me absolutamente errado. É evidente que podemos discutir esta Resolução, é evidente que po
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demos considerar que há outros componentes, que há aspectos lacunares e que uma estratégia de gestão de resíduos industriais deveria ir mais além. Contudo, dizer que é "zero" parece-me falta de rigor.
Mas mais: para além desta decisão e de muitas outras que o Conselho de Ministros e o Ministério do Ambiente têm tomado nesta matéria, há factos concretos que falam por si e a Sr.ª Deputada parece que os esquece. Esquece que estão resolvidos problemas, que podem ser casuais, podem ser pontuais, mas que estão resolvidos, como as escórias da Metalimex. Olhe, ainda hoje os jornais falavam de uma quantidade de resíduos perigosos instalados numa casa em Lisboa e o Governo podia dizer: "Não é comigo! É com a câmara". No entanto, está a resolver o problema. Portanto, para além dos planos gerais, que são documentos fundamentais, há uma estratégia e há uma necessidade de actuação quotidiana e a Sr.ª Deputada parece que não quer ver essas matérias.
Esta era a primeira questão: considera que estas decisões e que estes actos não existiram?
Em segundo lugar, não consigo perceber por que é que, hoje, os porta-vozes do PSD são tão violentos em relação à co-incineração quando, durante os vossos governos, defenderam a incineração. Tanto quanto consigo perceber e não sou técnica destas matérias , a co-incineração em cimenteiras é menos danosa para o ambiente e menos perigosa do que a simples incineração que esteve prevista nos vossos vários projectos. Esteve prevista em 1990, esteve prevista em 1992, esteve ainda prevista mais recentemente, tendo havido um estudo de localização, dirigido pelo Professor Lobato Faria e sob a vossa superintendência, para cinco possíveis sítios em que se instalaria a incineradora. Ou seja, de repente, só porque o Governo já não é do PSD, é do PS, a incineração passou a ser boa e a co-incineração passou a ser má? Não consigo perceber isto e gostava que me explicasse.
Em terceiro lugar, há, realmente, um problema de contradição nas suas afirmações. A Sr.ª Deputada fez um discurso correspondente à posição da sua bancada sobre a responsabilidade do Governo e a vontade que os industriais têm de acusar o Governo de nada fazer. Contudo, e ao mesmo tempo, utiliza uma argumentação que devia vir do PCP, dizendo que o "negócio das cimenteiras"... O "negócio das cimenteiras" é uma proposta do sector cimenteiro nacional, na sequência de directivas comunitárias, apresentada ao Governo português para resolver um problema. Pode ser um bom ou um mau negócio, mas não é um negócio duvidoso. É uma questão prática e concreta que decorre de políticas que se exercem em qualquer país da Europa.
Como é que a Sr.ª Deputada se queixa ao mesmo tempo de que os industriais, "coitadinhos", não têm onde pôr os resíduos, vindo, depois, atacar uma proposta que parte de um sector industrial nacional ao Governo português?... Isto, para mim, é uma contradição! A senhora pode discordar, pode concordar, o que não pode é, ao mesmo tempo, ter as duas posições.
Por último, quero dizer que, do que ouvi da sua intervenção, fiquei com a ideia de que, se a nossa representante na bancada do Governo é a "Alice no país das maravilhas", a Sr.ª Deputada arrisca-se a ser a "rainha", a tal que queria cortar-lhe a cabeça sem um processo. Queria a sentença sem o processo. Deixe lá fazer primeiro o processo e deixe a sentença ficar para o fim. Não faça de "rainha".
O Sr. Presidente (Nuno Abecasis): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Lucília Ferra.
A Sr.ª Lucília Ferra (PSD): - Sr. Presidente, a Sr.ª Deputada Helena Roseta levantou uma série de questões e disse que me tinha esquecido de algumas passagens. Agora é a minha vez de lhe dizer que, eventualmente, a Sr.ª Deputada não esteve atenta. De todo modo, far-lhe-ei chegar uma cópia da minha intervenção, em que falei claramente da resolução do Conselho de Ministros. Mas eu disse mais: disse que existia essa resolução, mas que não tinha passado do papel, porque nela se definem abstractamente uma série de princípios básicos que, depois, não se concretizam na prática, nem se elaboram os pianos a que, por via legal, este Governo está obrigado.
O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Este Governo nunca concretiza nada!
A Oradora: - Portanto, vou enviar-lhe uma cópia da minha intervenção para a Sr.ª Deputada ver que tive o cuidado de referir, na análise histórica que fiz, a resolução do Conselho de Ministros.
Por outro lado, a Sr.ª Deputada diz que não compreende a nossa posição relativamente à co-incineração, visto que já defendemos a incineração. Penso que não devemos enveredar por um debate excessivamente técnico, até porque aqui somos políticos, mas digo-lhe que tenho lido muita coisa sobre este assunto - porque tenho tido esse cuidado - e tenho visto que há pessoas que são favoráveis à co-incineração, há outras que são favoráveis à incineração e há muitas explicações desenvolvidas à volta desta matéria. Concretamente, ainda ontem li uma série de documentos, que também lhe posso fazer chegar, em que um especialista nesta matéria dizia que as incineradoras queimam a uma determinada temperatura, mas introduzem os resíduos industriais perigosos directamente na queima, pelo que são logo destruídos. A co-incineração, por seu lado, embora tenha outras vantagens, queima os resíduos, muitas das vezes, antes de chegarem à própria queima. Tal quer dizer que os resíduos chegam à queima a uma temperatura diferente que, como tal, não garante a qualidade do processo de eliminação dos resíduos. Isto para além de que tenho dúvidas legítimas - e se a Sr.ª Deputada pensa que não é legítimo ter dúvidas, está a dizer que não são legítimas as manifestações das populações contra estes processos - ...
O Sr. José Junqueiro (PS): - Quem não tinha dúvidas era o "outro"!
A Oradora: - ... acerca desse projecto e quero ter a certeza de que, com este processo, não se vão criar problemas graves para a saúde pública, nomeadamente para as populações que residem nestas áreas que, ainda por cima, são áreas habitacionais ou parques naturais, o que não deixa de me causar alguma perplexidade. Quero ainda ter a certeza de que não existem problemas para os trabalhadores que trabalham nestas unidades cimenteiras e que não existirão, afinal, problemas quando, nas construções futuras, se utilizarem cimentos que incorporam em si produtos altamente tóxicos e perigosos. Tenho muitas dúvidas, Sr.ª Deputada, e não gostaria de avançar para um processo destes sem ver as minhas dúvidas esclarecidas, porque não quero estar a hipotecar a saúde pública, a qualidade de vida e o ambiente de Portugal a médio prazo.
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A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Esse já é outro discurso!
A Oradora: - Por outro lado, referiu a minha afirmação dos negócios das cimenteiras. Devo dizer-lhe que reafirmo aqui aquilo que disse: penso que é inqualificável o Governo pretender tomar uma decisão desta envergadura baseado exclusivamente num estudo encomendado e pago pelas entidades que vão receber dinheiro para queimar resíduos industriais.
O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Nós, PSD, fomos coerentes com esta dúvida, porque apresentamos nesta Câmara um projecto de lei em que pedimos que seja o Governo, através dos seus órgãos de administração, a fazer um estudo isento, transparente, sério e credível que venha dizer, afinal, se a co-incineração é boa ou não.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Nuno Abecasis): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natalina Moura.
A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr. Eng.º Nuno Abecasis, permita-me que o saúde neste momento. É uma honra e um privilégio estar nesta tribuna sob a sua orientação.
Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Ministra: Ao iniciar esta intervenção, quero, antes de mais, saudá-la pelo sucesso alcançado na Cimeira de Albufeira, onde a Convenção sobre Cooperação para a Protecção e Aproveitamento Sustentável das Águas das Bacias Hidrográficas Luso-Espanholas foi assinada, pondo, assim, cobro a uma inquietação preocupante que tem feito correr muita tinta, que foi pomo de polémicas sucessivas, ainda anteontem vividas com grande intensidade nesta Assembleia, em sede de comissão.
O Sr. José Junqueiro (PS): - E de forma lamentável!
A Oradora: - Com esta convenção não se resolvem todos os problemas, mas permite-se criar o quadro jurídico que ajudará a resolver aqueles que possam surgir com o precioso líquido que hoje já é chamado de "petróleo transparente".
Longa foi a caminhada até à assinatura desta convenção. Lembro que este acordo substitui os assinados na década de 60 por Franco e Salazar. Foi um "acordo histórico", assim o classificou o Primeiro-Ministro António Guterres.
Cumpre-se, deste jeito e modo, mais um passo significativo e dá-se forma ao primeiro dos " 10 mandamentos do ambiente", salvar a água, mandamentos que um dia a arquitecta e ilustre Deputada Helena Roseta pôs em cartilha ambiental.
Aplausos do PS.
Está de parabéns o Governo, estão de parabéns todas e todos os portugueses, não havendo, em nosso modesto entender, nenhuma sensibilidade político partidária que não possa ou deva congratular-se com este evento.
Sabemos, no entanto, que o problema da água não está resolvido a nível mundial. Quem o fizer, declarou um dia John Kennedy, "é merecedor de dois prémios Nobel: o da paz e o da ciência".
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O debate de hoje, centrado na política para os resíduos industriais, da produção ao destino final, na óptica do ambiente e da saúde, permite-nos percorrer um vasto campo de intervenção privilegiada e assumida por este Governo. As Grandes Opções do Plano para 1999, recentemente aprovadas nesta Câmara, dão-nos disso conta.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Isabel Castro: Vamos tentar demonstrar, por a+b=c, que os resíduos estavam, de facto, "a monte", mas que já não o estão. Com efeito, a aprovação do Plano Estratégico dos Resíduos Urbanos permite-nos entrar na rota da descoberta de todos os tipos de resíduos, ou seja, quando as 302 lixeiras, deixadas a céu aberto, começaram a ser substituídas por aterros municipais e intermunicipais foi possível detectar e passar à diferenciação dos mesmos.
É bom recordar que, até ao final do ano em curso, estarão encerradas 116 e que em 1999 o País encerrará mais 140.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - A erradicação das lixeiras dá lugar ao funcionamento de cerca de 40 sistemas de gestão de resíduos, 11 dos quais multimunicipais, permitindo-
-nos, no final de 1999, que se atinja uma taxa de 94% no tocante a tratamento de resíduos sólidos urbanos.
No atinente aos resíduos hospitalares - e é pena já não estar aqui a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto -, após a conclusão do quadro regulamentar dos requisitos para o licenciamento das unidades de tratamento e tendo em conta os esforços conjugados entre o Ministério da Saúde a do Ambiente, que culmina com a elaboração de um plano estratégico que irá redimensionar as unidades de tratamento, tendo em conta que as mesmas reunam condições de eficácia, operacionalidade e segurança ajustáveis e que pressupõe o recurso em investimentos do SUCH, do Quadro Comunitário de Apoio e auto-investimento, dá-se por concluída mais uma etapa de limpeza do País.
Na área dos resíduos industriais salienta-se a revisão da estratégia relativa à gestão destes resíduos, incluindo os processos de selecção de sítios e licenciamento de aterros.
Atribui-se a maior importância ao Plano Nacional de Prevenção de Resíduos Industriais, já em elaboração, contribuindo-se de uma forma clara e precisa para encarar as questões relativas aos resíduos industriais, suportadas no conceito de prevenção.
Ainda em 1999 será posta em prática a solução que ditará o destino dos resíduos industriais banais, vulgo RIBS, sendo que este processo já está também em lançamento. No que respeita aos resíduos industriais perigosos, temos plena consciência de que estamos a lidar com uma matéria delicada, sensível, e que nos merece por esta mesma razão uma forma de aproximação cautelosa.
Ninguém ignora que o problema em apreço e que se prende com a necessidade imperiosa de dar destino correctamente adequado a todos os resíduos industriais, quer se trate de resíduos perigosos, quer se trate de resíduos não perigosos, passíveis de serem incinerados ou incorporados como materiais integrantes no fabrico de cimento, deve ser analisado à luz das tecnologias mais avançadas e melhor testadas a nível internacional.
As escolhas e os caminhos a percorrer devem partir do pressuposto que em ciência nada é estático, tudo é dinâ
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mico. As opções serão sempre relativas, tal como é relativo, o conhecimento científico.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Portugal produz, em termos de resíduos industriais perigosos, 125 000t/ano. Destas, 13 000t/ano são, sujeitas a tratamento físico-químico, tratamento já efectuado em unidades já instaladas em Águeda e no Barreiro; 44 000t/ano são, depositadas em aterro, 2000t/ano são exportadas para o estrangeiro para tratamento específico; 50 000t/ano correspondem a resíduos que têm já soluções apropriadas; restam 16 000t/ano de resíduos de incineração obrigatória. É sobre estas 16 000t/ano que as portuguesas a os portugueses têm colocado presentemente o seu olhar mais atento.
O grau de perigosidade dos resíduos está definido na lista de resíduos perigosos, inserta numa publicação da União Europeia, lista esta consensual, a nível da União Europeia, em termos da sua aplicabilidade.
No contexto dos critérios de perigosidade, há que ter em conta o grau de perigosidade do resíduo e ainda, e não menos importante, a determinação da forma correcta da sua eliminação. É ainda necessário avaliar o "princípio da proximidade", que limita ou pode impedir a sua exportação e que determina o destino final dos resíduos, designadamente os entendidos como perigosos.
À luz das novas exigências ambientais, a opção pela co-incineração de resíduos perigosos em fornos de cimento é um processo internacionalmente praticado em centenas de fornos de produção de cimento, quer na Europa, quer nos Estados Unidos, quer ainda na Austrália e no Japão. Naturalmente que os avanços da ciência têm permitido introduzir tecnologias que acautelam e melhoram cada vez mais os sistemas.
Não pode ser igualmente descurada, ou subestimada, em todo este processo, a substituição dos chamados combustíveis nobres (fuel óleo, carvão, coque de petróleo, gás natural, fuel de alta viscosidade) por combustíveis secundários com origem em resíduos.
Daremos, a título meramente exemplificativo e demonstrativo, a situação da indústria cimenteira francesa que utiliza três grandes famílias de resíduos industriais, a saber: resíduos orgânicos energéticos (sólidos e líquidos), valorizados termicamente; resíduos orgânicos não energéticos (águas poluídas), destruídos nos fornos de cimento; resíduos minerais sólidos (sílica, alumínio, ferro e calcário), valorizados como matéria prima secundária.
A Bélgica é, neste domínio, líder no processo de co-incineração. Mais de um milhão de toneladas de resíduos foram valorizadas na fábrica de cimento de Obourg, no sul da Bélgica, em 10 anos.
Com este tipo de actividade permite-se poupar, em cada ano, acima de 100 000 toneladas de equivalente de petróleo, contribuindo-se, assim, para a política de eliminação de resíduos do País.
Países como a Polónia, República Checa, Eslováquia, Hungria, Argentina, Brasil, América Latina, Coreia, Tailândia e Indonésia, entre outros, não dispondo de sistemas de grande eficácia devidamente adequados para tratamento de resíduos industriais e que dispõem de incineradoras, já ultrapassados e mesmo obsoletos, orientam-se, neste momento, para a solução de fornos em cimenteiras.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Chegados a este momento, poder-nos-emos interrogar que mudanças se operaram do anterior para o actual Governo.
A estratégia mantém, na generalidade, os métodos de incineração, tratamento físico-químico e deposição em aterro. A diferença, Sr.as e Srs. Deputados, reside no facto de o anterior governo privilegiar a construção de uma incineradora específica e o actual centrar a sua estratégia na co-incineração, socorrendo-se de unidades de indústria de cimenteiras já existentes, tendo em linha de conta a redução significativa de resíduos perigosos e incineráveis de, aproximadamente, 36 000 para 16 000t/ano e, ainda, um. aspecto, que não é de somenos importância e importa salientar e ter bem presente, que significa um ganho substancial no quadro ambiental no que diz respeito aos limites, controlo e monitorização das emissões gasosas.
A política deste Governo inscreve-se nas determinações da directiva comunitária, aprovada em Conselho a 16 de Dezembro, relativa à incineração de resíduos perigosos e transcrita para o direito interno através do Decreto-Lei n.º 273/98, de 2 de Setembro, e ainda nos quesitos previstos nas Portarias n.os 189/95, de 20 de Junho, e 335/97, de 16 de Maio, que regulamentam as medidas de segurança no transporte de resíduos industriais.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!
A Oradora: - É igualmente grato verificar que o Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável entende que "a solução da co-
-incineração dos resíduos industriais perigosos constitui, à luz do conhecimento tecnológico actual, uma solução viável".
Gizado o rumo, importa ter em conta que, apesar de uma explicação se alicerçar em conceitos técnicos, científicos e económicos relativamente correctos, os receios, os medos que o imaginário humano faz eclodir por força de situações e processos que a humanidade vivenciou, têm de estar salvaguardados, pois o efeito psicossomático que a solução de destino ditar, seguramente, não é fácil nem isenta de controvérsia, por directamente relacionada com o factor humano, factor este que importa ter presente e visualizar em três vertentes: adaptar, marginalizar ou deixar crescer.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Nuno Abecasis): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.
O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, estive a ouvi-la com atenção, mas julgo que a Sr.ª Deputada não devia estar a falar do debate de hoje. Fez referência a inúmeras questões, algumas das quais teremos oportunidade, no momento certo, de discutir, nomeadamente a política da água, mas vamos à matéria que nos interessa.
A Sr.ª Deputada pretendeu provar que a+b=c, mas não disse exactamente qual era o c que pretendia. Penso que devia ser simplesmente o de apoiar o Governo, porque não conseguiu provar mais nada à excepção de que pretende apoiar o Governo.
Por isso, a pergunta que lhe faço é esta: conhece o relatório Blockland? É um relatório da União Europeia que pretende, simplesmente, tratar a redução das emissões, em geral, para a atmosfera e, sobretudo, aumentar a fiscaliza
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ção relativamente às cimenteiras. Curiosamente, quando fez referência, tentando fazer um contraponto com o passado, esqueceu-se de um pormenor, isto é, esqueceu-se que perante uma incineradora dedicada e uma incineradora em fornos de cimenteiras há uma coisa que é completamente distinta: é que as regras e os limites impostos de controlo de emissões são muito mais abertos no caso das incineradoras em fornos de cimenteiras do que em relação a uma incineradora dedicada.
Sr.ª Deputada, infelizmente, uma das questões que posso alegar em relação à co-incineração é algo que é relativamente importante: quanto a uma incineradora de origem ou dedicada, ainda se pode escolher a localização, mas quando existem incineradoras em fornos de cimenteiras a funcionar e se vai adoptar a localização em algumas delas ou em duas delas, já não se está a escolher a localização das cimenteiras. E aqui há uma diferença distinta e clara: é que se pudéssemos construir de raiz uma cimenteira num local onde não tivesse proximidade com as populações nem criasse problemas inultrapassáveis em termos ambientais, seguramente essa podia ser uma boa solução, inclusive, co-
-incineração no fim da linha.
A Sr.ª Deputada não conseguiu provar - nem podia, como é óbvio, porque só está no papel - quais são as medidas e os resultados concretos de redução da produção na reutilização. Aliás, há pouco, fiz referência aos aterros, quer relativos aos resíduos industriais perigosos, quer aos não perigosos, porque, em relação aos perigosos, existem 44 000t cuja situação é preciso resolver. A Sr.ª Deputada não podia responder a isto exactamente porque o Governo não tomou uma decisão e está, desesperadamente, à procura de uma decisão rápida e, do nosso ponto de vista, precipitada para resolver a questão das 16 000t... A não ser que sejam mais toneladas, como deseja a entidade que pretende incinerar essas 16 000t, a SCORECO, que já apontou, em vários documentos, um valor de incineração superior.
Portanto, Sr.ª Deputada, são estas as questões que tem de resolver. E já agora pergunto-lhe, se puder responder, já que o Governo, até agora, não o fez, se se mantém ou não a intenção de decidir, relativamente à solução de co-
-incinerar em cimenteiras, sobre a localização em duas das quatro unidades previstas, no mês de Dezembro. Gostava de ouvir da sua parte e da bancada do PS a disponibilidade para que esta decisão não seja tomada nesta altura e possa ser ponderada e aprofundada.
O Sr. Presidente (Nuno Abecasis): - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.
O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, permita-me que também eu o saúda por, pela primeira vez, estar a presidir ao Plenário, aproveitando para lhe desejar os maiores sucessos no desempenho desse cargo.
O Sr. Presidente (Nuno Abecasis): - Obrigado, Sr. Deputado.
O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Natalina Moura, comecei por apanhar um certo susto quando a senhora começou a falar em água, porque já não sabia se estava ou não a considerar também a água um resíduo industrial tóxico. Posteriormente, disse que os lixos estavam "a monte" mas que já não estão. Então, pergunto: para onde é que foram?
A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Para os aterros!
O Orador: - Afinal, estava a referir-se aos lixos domésticos!
Risos.
Aí está um bom exemplo, porque foram inventariadas as lixeiras para os lixos domésticos, foi estabelecido um processo e começou-se, de acordo com o projecto, paulatinamente, a tratá-los, apesar dos atrasos que sofreram.
Relativamente à matéria em debate, passou rapidamente por ela e "aviou-a" com uma serenidade que me espantou. De facto, 50 000t já têm destino adequado; não sei quantas queimam-se; outras exportam-se; outras metem-se aqui; outras acolá... Não sei se a Sr.ª Ministra tomou nota da intervenção da Sr.ª Deputada Natalina Moura, porque parece que não vai ser necessário um plano estratégico para os resíduos industriais. A Sr.ª Deputada, na sua intervenção, acabou rapidamente com os resíduos industriais e passou a resolver o problema, importantíssimo para nós, que é o mesmo que se passa com os resíduos industriais em França.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Devia estar feliz por isso!
O Orador: - Bom, nessa parte, eu desliguei.
No entanto - e não com menos consideração pela Sr.ª Deputada, pois, como sabe, tenho uma elevada consideração por V. Ex.ª -, uma vez que a Sr.ª Ministra não me respondeu a duas perguntas minhas, a Sr.ª Deputada, como representante dos eleitores, talvez me possa responder à seguinte questão: têm ou não as populações confiança, na prática, na actuação do Governo, na Administração Pública? Em segundo lugar, estão ou não as populações em consonância com o Governo relativamente a este projecto de co-incineração ou de tratamento de resíduos industriais, uma vez que a estratégia, segundo a Sr.ª Ministra disse, implicava o consenso e o empenhamento de todos os portugueses? Resumindo, o que lhe pergunto é se os portugueses estão de acordo com esta solução.
O Sr. Presidente (Nuno Abecasis): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natalina Moura.
A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho, o senhor não disse absolutamente nada.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Como é costume, aliás!
Vozes do PSD: - Ah... !
A Oradora: - O que pretendeu foi tão-só contraditar as políticas do Governo e não disse nada. O Sr. Deputado tem de ajustar o seu discurso ao momento!
O que, afinal, o PSD acabou por dizer foi que, se voltar a ser governo, terá o mesmo tipo de política, entrando novamente num processo idêntico, e até escolheria Estarreja, porque quando fez os estudos para esse tipo de incineradora, a chamada incineradora dedicada, pretendia incinerar 136 000t e nós já aqui tivemos oportunidade de dizer que houve uma redução, tendo passado para 16 000t.
O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Houve uma alteração brutal!....
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A Oradora: - Mas mais: os senhores ainda iam criar, em Estarreja, uma unidade de tratamento físico-químico de mais 15 000t. Portanto, não veio dizer-
-nos nada de novo! Aliás, tenho de o remeter para um novo discurso, em relação a esta matéria, quando entender que é o momento ideal para estudo dos dossiers.
Os níveis de emissão, quer nas incineradoras dedicadas quer nas cimenteiras em co-incineração, são rigorosamente os mesmos. O senhor não consegue dizer-me que é o contrário, não tivesse eu feito as químicas todas... Não me diz isso a mim... O senhor pode ter inventado a melhor das grelhas,...
O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Não sabe o que está a dizer!
O Orador: - ... pode ter arranjado algum Deputado que, numa outra era, tenha sido especialista nesse estudo, mas isso não é verdade e vai ter, um dia, de chegar ali e tentar demonstrar, em termos de linguagem matemática, por a+b=c, que isso é verdade. Isso não é verdade, não corresponde à verdade! Alguém tentou enganá-lo, é uma cábula mal feita, que não serve nem para fazer exame, aqui, no Parlamento, sobre essa matéria.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Deputado Joaquim Matias, meu caro amigo, o PERSU (Plano Estratégico para os Resíduos Sólidos Urbanos) também foi contestado e aquilo que pretendi fazer, talvez não da melhor maneira - o erro deve ter sido meu e não seu, que é um bom e douto Deputado -, foi demonstrar à Sr.ª Deputada Isabel Castro, que disse que o lixo andava por aí "a monte", que, efectivamente, isso já aconteceu mas ele tem estado a ser sistematicamente "arrumado". Porém, quando este Governo, face a um tipo de resíduos que encontra nas lixeiras, o quer colocar em sítio próprio, as populações - e têm todo o direito - rejeitam as soluções que são preconizadas. Têm esse direito, mas isso não quer dizer que a razão lhes assista! Repito, têm esse direito, mas isso não quer dizer que a razão lhes assista!
O Sr. José Junqueiro (PS): - Exactamente!
A Oradora: - Há muita gente que fomentou o desequilíbrio e o desajustamento racional em relação a esta solução, mas nós tivemos oportunidade de nos debruçarmos atentamente, durante dias, sobre os dossiers, sobre tudo o que está feito na Europa e fora dela, tudo o que havia sobre co-incineração, encontrámo-nos com os melhores especialistas nas áreas da química - era-nos fácil localizá-los porque passámos por lá - e, por isso, não percebemos por que é que nos vêm dizer, agora, que a co-incineração não é o processo adequado para este tratamento.
Já na altura do Orçamento, o Sr. Primeiro-Ministro fez uma pergunta, penso que provocatória mas no bom sentido, à Sr.ª Deputada Isabel Castro, dizendo: "ajude-nos, Sr.ª Deputada Isabel Castro, a encontrar a solução!". Mas a Sr.ª Deputada Isabel Castro, que fez com que este agendamento fosse, em boa hora, aqui trazido, não encontrou a solução e não teve ainda oportunidade, hoje mesmo, de dizer qual é a solução.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - É mazona!...
A Oradora: - Tenho a certeza que a Sr.ª Deputada já foi a Sines e já viu o que está depositado em várias lagunas. Imagine o que era, neste momento - e lembro que hoje decorre um encontro sobre sismologia - tivéssemos o azar de ter um sismo em Portugal. O que é que acontecia àquela quantidade imensa de resíduos tóxicos e perigosos? Para onde é que eles iriam? Iriam direitos para o mar, e a Sr.ª Deputada iria ter a oportunidade de vir, aqui, ao Plenário dizer que o Governo nada fez para resolver o problema daqueles resíduos. É isso que não entendemos!
O José Junqueiro (PS): - É a "pescadinha de rabo na boca"!
A Oradora: - Creio que a Sr.ª Deputada tem de ir pensando que estas coisas são tão graves que merecem alguma reflexão. Sei que a Sr.ª Deputada até é cuidadosa, percorre o País de leste a oeste a de norte a sul e encontra estas situações, como eu também encontrei...
O Sr. Presidente (Nuno Abecasis): - Sr.ª Deputada, já ultrapassou o seu tempo e está a responder a quem não lhe fez perguntas.
Risos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Presidente, peço desculpa a vou já terminar.
O Sr. Presidente (Nuno Abecasis): - Agora é que a Sr.ª Deputada Isabel Castro tem a palavra, para pedir esclarecimentos.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Natalina Correia, ...
Vozes do PS e PSD: - Moura!
A Oradora: - Perdão! Não sei se é um nome desagradável...
Sr.ª Deputada Natalina Moura, há uma questão que tenho de colocar, que é a seguinte: Os Verdes marcam uma interpelação e, se é sobre ambiente, vem o Partido Socialista, a correr, queixar-se, dizendo "mas do que é que vão falar, nós não sabemos"; se dizemos que é sobre resíduos industriais, vêm falar de tudo menos disso! E, francamente, Sr.ª Deputada, aquilo que a senhora e que a Sr.ª Ministra fizeram não é aceitável!
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - A questão que gostaria de colocar - e, sobre isto, julgo que era bom que nos entendêssemos - é a seguinte: a Sr.ª Deputada, em representação do Partido Socialista, participou numa sessão pública, em Alhandra, em que, solenemente, assumiu o compromisso, perante muitas e muitas pessoas, de se fazer eco das legítimas preocupações que elas tinham. Curiosamente, Sr.ª Deputada, sobre essas legítimas preocupações, nada ouvi! A Sr.ª Deputada identifica-se plenamente com tudo o que o Governo propõe e sobre o compromisso que assumiu com as populações nada disse. A minha pergunta é: como e em que local é que a Sr.ª Deputada o pensa honrar o
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compromisso solene que assumiu para com os muitos e muitos cidadãos que estavam em Alhandra?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Nuno Abecasis): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Carmen Francisco.
A Sr.ª Carmen Francisco (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Natalina Moura, queria perguntar-lhe se tem conhecimento de alguns dados, uma vez que diz que com esta solução, a co-incineração, só vamos incinerar 16 000t de resíduos industriais e critica o governo anterior, do PSD, que pretendia incinerar um número muito maior de toneladas de resíduos.
Pergunto-lhe apenas se tem conhecimento de que, para além das 16 000t de resíduos industriais perigosos, há um número de toneladas de resíduos industriais que vai até às 100 000 - que é aquilo que a SCORECO pretender fazer co-incinerar em duas cimenteiras - e há uma segunda fase do projecto em que se prevê co-incinerar resíduos industriais não perigosos nas outras duas cimenteiras que não sejam escolhidas agora e aí já sem o "brinde" dos filtros de mangas. Isto, para mim, são muito mais do que as 36 000 ou 50 000t que o governo PSD pretendia incinerar, números que foram diferindo ao longo dos anos mas julgo que nunca foram 136 000t como a Sr.ª Deputada disse.
Assim, se a intenção é a de demonstrar que esta solução é melhor, porque incinera menos, não me parece que possamos ir por aí.
Gostaria ainda de lhe dizer aquilo que disse também à Sr.ª Ministra: desconhecemos qualquer classificação europeia de resíduos de incineração obrigatória; esta classificação, pura e simplesmente, não existe, a não ser que hajam documentos paralelos que desconheçamos. Existem resíduos incineráveis, que podem ter outros tratamentos, e unicamente nos resíduos hospitalares há um pequeno número que são de incineração obrigatória, mas essa é outra categoria de resíduos.
Em relação ao exemplo de Sines - que conheço muito bem porque sou de lá e fui vereadora do ambiente da Câmara Municipal de Sines durante alguns anos, pelo que conheço bem o aterro, tive oportunidade de visitá-lo e sei perfeitamente como é que os resíduos estão depositados -, fiquei perplexa porque me pareceu que a Sr.ª Deputada estava a contestar a solução aterro, perguntando, perante a hipótese de um acidente sísmico de extrema gravidade, onde é que os resíduos iriam parar.
Sr.ª Deputada, gostaria de saber como é que concilia isso com a opção do Governo de colocar algumas das outras toneladas em aterros, que ainda não existem e, por isso, não sabemos quem constrói, onde constrói ou quando constrói. Mas, como dizia, a opção do Governo é também a do aterro e, portanto, pareceu-me estranho contestar a existência de um aterro que, felizmente, esta lá e tem sido extremamente agradável às Câmaras de Sines e Santiago o poderem acondicionar aí, desde há muitos anos, os seus resíduos sólidos urbanos.
O Sr. Presidente (Nuno Abecasis): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natalina Moura.
A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joaquim Matias, aproveito para o remeter para este livro, que também lhe foi distribuído pela Sr.ª Ministra numa outra oportunidade, pois os números não são invenção minha, estão cá todos, não os inventei e acredito que eles foram bem recolhidos. Penso que não há desvio, sei-os de cor e salteado, mas se quiser volto a repeti-los. Já agora, posso dizer-lhe que os números estão na página 37 do livro.
Também relativamente à perguntas da Sr.ª Deputada Carmen Francisco, devo dizer que os números estão aqui e podemos é interpretá-los de maneiras diferentes, fazendo leituras diferentes. Eu podia até transformar estes números, trabalhando-os não na base 10 mas noutra base matemática e encontrava números completamente diferentes.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - Sr.ª Deputada Isabel Castro, quando assumi o compromisso perante as pessoas que estavam na reunião extraordinária da Assembleia Municipal de Alhandra, algumas das quais se encontram hoje nas galerias, assumi o compromisso de transmitir as suas aspirações e de levar a "carta a Garcia" e, isso, fi-lo,...
O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - E agora?
A Oradora: - ... não tenha a menor dúvida, com grande desgaste! E não é neste local que lhe vou dizer quais foram os bons ou maus ofícios conseguidos.
A Sr.ª Deputada queria que esta Deputada lhe dissesse qual é a solução? Quem decide é o Governo! Aquilo que fiz...
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Não é verdade!
A Oradora: - É verdade! Aquilo que fiz foi dizer...
O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Mais uma vez a+b=c!
A Oradora: - ... quais os sistemas que encontrei, em termos de racionalidade... Aliás, a Sr.ª Deputada vai ter acesso, certamente, à minha intervenção, sei que é uma leitora atenta e verá que na fase final estão lá bem colocados todos os aspectos que se salientaram, e bem, nessa reunião em Alhandra e não só.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - Portanto, a sua questão já ficou respondida e estará de acordo em que aqui não é o lugar para essa resposta.
Em relação às 16 000t, Sr.ª Deputada Carmen Francisco, leu esses números de outro modo; porém, são 16 000t/ano que têm de ser obrigatoriamente incinerados.
A Sr.ª Carmen Francisco (Os Verdes): - Não é verdade!
A Oradora: - Esses têm de ser obrigatoriamente incinerados e nada mais posso acrescentar àquilo que o estudo diz. A Sr.ª Deputada tem outra orientação, tem outra visão deste problema...Olhe, sabe o que lhe faço? Tomo a liberdade de lhe fazer também uma provocação idêntica à que já fez o Sr. Primeiro-Ministro: chegue um dia ali à tribuna e diga qual é a solução adequada para tanto resíduo!
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Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Nuno Abecasis): - Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias, para uma intervenção.
O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra e Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, queria saudar esta iniciativa do Partido Ecologista Os Verdes ao trazer à Assembleia da República a discussão da política para os resíduos industriais, colocada na única forma pela qual ela deve ser analisada, isto é, da produção ao destino final, na óptica do ambiente e da saúde.
A caótica e inaceitável situação actual dos resíduos industriais, incluindo os perigosos, em Portugal, e a recente contestação das populações que manifestaram a sua justa e legítima indignação durante a discussão pública do estudo de impacte ambiental do projecto de eliminação de resíduos industriais pelo sector cimenteiro, são os reflexos da falta de uma política correcta e coerente para o sector, que este Governo, tal como o anterior, não pratica nem possui.
Alguns industriais, persistindo numa prática de perfeita indiferença face à legislação portuguesa e às directivas comunitárias, continuam a efectuar depósitos clandestinos de resíduos industriais, incluindo alguns perigosos, em minas abandonadas, antigas pedreiras ou simples terrenos em pousio, sem qualquer controlo e sem cuidar dos efeitos sobre a saúde das populações, afectadas directamente ou através da contaminação de solos e de lençóis de água. Tudo isto um pouco por toda a parte, de norte a sul do País, perante a inadmissível passividade do Governo que, dispondo de legislação, embora escassa, não a utiliza para disciplinar as graves ilegalidades que diariamente são cometidas.
A mesma inadmissível passividade é a que permite que as declarações obrigatórias da produção de resíduos industriais não sejam entregues pelas indústrias, que permaneçam indústrias que manuseiam produtos tóxicos ou produzam resíduos perigosos no meio de zonas residenciais, que se instalem novas actividades deste tipo sem o respectivo estudo de impacte ambiental, e, em consequência, nem sempre em instalações adequadas, laborando com licenças precárias e sem a fiscalização adequada à sua actividade.
A nossa realidade é, assim, este quadro terceiro-mundista de agressão ambiental, com atropelos constantes à legislação em vigor e atentados permanentes à saúde pública. Não existe um levantamento das lixeiras de resíduos industriais nem se conhece com exactidão o que temos, o que produzimos e as tendências da variação da produção dos resíduos industriais.
Não admira, assim, que haja da parte das populações uma fundada e legítima falta de confiança, quer nos processos industriais, quer na Administração Pública e nos seus serviços, a que falta, devido à sua própria prática, a necessária e indispensável credibilidade.
Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: É urgente a adopção de uma política para os resíduos industriais que ponha cobro à situação actual, como o País há muito necessita e reclama, uma política que vise a melhoria da qualidade do ambiente, da qualidade de vida e da defesa da saúde das populações, não subordinando estes objectivos aos aspectos técnicos e económicos dos processos de tratamento dos resíduos industriais, como lamentavelmente tem acontecido, escondendo atrás da estatística riscos reais para as populações, que não são de forma alguma toleráveis.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Para este efeito, é essencial possuir uma caracterização permanentemente actualizada da produção, recolha, transporte, manuseamento e destino final dos resíduos industriais, o que constitui, aliás, uma imposição da legislação nacional bem como das directivas comunitárias.
Uma tal política tem de assentar num plano nacional de prevenção de resíduos industriais, com linhas estratégicas, objectivos e prioridades bem definidas, consensualizado e aceite por todos os intervenientes no processo, bem como pelas populações. As populações têm ainda o direito de exigir garantias do cumprimento do plano por parte da Administração Pública, a começar pelo Governo, e a participar no controlo de todo o processo.
O plano nacional de prevenção de resíduos industriais deverá assentar forçosamente na estratégia dos "três erres" , com papel importante na prevenção, procurando evitar, ou pelo menos reduzir, na origem, a quantidade e perigosidade dos resíduos produzidos, através da utilização de tecnologia disponível.
Este plano deverá ainda ser integrado no ordenamento do território, por forma a ser compatível com o planeamento nacional e os planos directores municipais, sendo a participação das autarquias locais indispensável neste processo de integração, ao contrário da actual marginalização na definição da política ambiental em que sistematicamente são colocadas pelo Governo.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo, ao pôr nas mãos de um grupo económico a execução da proposta de tratamento dos resíduos industriais, conforme referimos num debate recente sobre o estado do ambiente, não estava, seguramente, a escolher a melhor via para a resolução deste grave problema. Apenas os critérios economicistas foram tomados em conta na elaboração da proposta, como seria de esperar, aliás, e a contestação das populações durante a discussão pública do estudo de impacte ambiental veio mostrar claramente que é a defesa da sua saúde a da sua qualidade de vida que devem constituir a primeira preocupação a ter em conta.
As preocupações das populações são legítimas, tanto mais que muitas questões estão por explicar, inclusive pela própria Sr.ª Ministra, de que destacamos apenas algumas para não sermos exaustivos.
Quanto à disparidade entre as quantidades de produção de resíduos industriais e as previsões de incineração, perguntamos: porquê e com que objectivos?
O destino dos resíduos industriais perigosos que não são possíveis de ser incinerados, continuam a ser depositados clandestinamente como até aqui?
O transporte no interior de grandes aglomerados urbanos com elevada densidade populacional não tem riscos?
A incineração de produtos que a tecnologia corrente já permite substituir, ou regenerar, queimam-se mesmo assim, para poupar energia?
O condicionamento da instalação de filtros de manga nas cimenteiras à utilização destas na co-incineração não é uma atitude muito feia?
Sr.ª Ministra, os resíduos industriais, incluindo os perigosos, no nosso País, constituem um problema grave para o qual é necessário encontrar uma solução urgente. E, ca
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minhar depressa, neste caso, implica dar passos firmes mas seguros, ou seja, parar com o processo mal iniciado, corrigir os erros e avançar decididamente com as medidas que garantam, desde o início, que se alcancem os objectivos pretendidos.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Nuno Abecasis): - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Pedrosa de Moura.
O Sr. Rui Pedrosa de Moura (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me, antes de mais, uma saudação especial ao Sr. Presidente, em nome do meu grupo parlamentar e em meu nome, no sentido de que há muito esperávamos vê-
-lo a ocupar o lugar que agora ocupa. Desejamos-lhe as maiores felicidades, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Nuno Abecasis): - Obrigado, Sr. Deputado.
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em Portugal, o problema dos resíduos continua a ser altamente preocupante, bem visível no nosso dia a dia, e uma realidade bem traduzida nas estatísticas oficiais do executivo.
A actual situação dos resíduos, quer se tratem de resíduos urbanos, hospitalares ou industriais, aponta para uma necessidade clara de se aprofundar um trabalho de gestão integrada, em conformidade com os princípios da redução, reutilização e reciclagem prévia ao tratamento e destino final.
Esta questão coloca-se com particular acuidade no que se refere aos resíduos industriais desde a sua produção até ao destino final, isto é, ao longo de todo o respectivo ciclo de vida.
Actualmente, existe um quase total desconhecimento da realidade e de informação necessária para a actuação dos vários parceiros ambientais, incluindo os produtores de resíduos, o próprio Estado e os cidadãos em geral.
Saberá alguém precisar as reais quantidades de resíduos industriais que são actualmente produzidos em Portugal e as características físicas, químicas e biológicas que os definem e que deveriam estar na base do seu encaminhamento para soluções de tratamento adequadas?
Uma exacta e credível quantificação e classificação dos resíduos industriais produzidos e existentes em Portugal continua ainda por se fazer.
É que, também aqui, entramos num campo que se não compadece com estimativas ou cálculos aproximados, pois ou sabemos que tipo de resíduos temos e quais as suas características ou, então, seremos remetidos a um caos ambiental de incertezas e desconfianças na própria actuação do Estado.
Nota-se neste sector uma clara desorientação estratégica e mesmo uma tentativa subtil de desresponsabilização do Estado, evidenciando-se, assim, a ausência de uma política de ambiente horizontalmente estruturada. Assistimos hoje a um comportamento epidérmico e emotivo, mas infelizmente justificável, de rejeição a tudo o que soe a "resíduos perigosos".
A confiança pública só será incutida quando houver a garantia de que as grandes opções ambientais são consistentes, conformes ao interesse público e, como tal, universalmente respeitadas. A observação da aplicação de soluções ambientais de uma forma responsável fará mais pela acreditação pública do que qualquer promessa política.
Parece-nos claro que o ambiente não tem tido peso político suficiente no actual executivo para que as falhas que ainda existem no quadro legal possam ser colmatadas com procedimentos rigorosos e decisões políticas irrepreensíveis.
É que, se é verdade que muitos industriais portugueses têm uma visão estratégica sobre as questões ambientais ligadas ao funcionamento das respectivas empresas, não é menos verdade que nem sempre assim sucede.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não podemos permitir que a irresponsabilidade de alguns se torne no pesadelo de todos.
Há múltiplos indícios que nos permitem concluir que a legislação não é integralmente cumprida, o que, mais uma vez lembramos, se vem a traduzir numa questão da mais elementar falta de justiça e solidariedade social, pois o desrespeito pelo ambiente poderá até reverter em benefício de alguns mas terá custos que, no futuro, irão ser suportados por todos.
Se tem havido alterações positivas no domínio dos resíduos sólidos urbanos, contrariamente, constata-se a produção e deposição descontrolada de resíduos industriais, cuja toxicidade e composição são muitas vezes desconhecidas.
Mais do que nunca, são necessários os tais procedimentos rigorosos, as decisões políticas corajosas e a fiscalização firme e impiedosa sobre todos os casos de violação e atentados ao ambiente e à saúde pública.
Por outro lado, as empresas devem ter vantagens económicas e fiscais que incentivem a procura das melhores soluções ambientais para os seus resíduos, procurando novos processos, reduções no consumo de matérias-primas e reutilizações que diminuam a nocividade e o volume de resíduos produzidos.
Questão essencial é também a da formação e da informação. A falta de informação legal, técnica e estratégica das nossas unidades industriais é ainda grande. As indústrias deixarão de abandonar resíduos em terrenos baldios se tiverem adequada formação e lhes forem indicados caminhos viáveis.
O ambiente não pode, hoje em dia, ser visto como um custo que as empresas têm de suportar mas como uma oportunidade que tem de ser aproveitada, um recurso para o desenvolvimento e, como tal, escasso e carente de uma gestão criteriosa, global e orientada a longo prazo.
A inexistência de tratamentos e destinos finais adequados no nosso país tem acabado também por favorecer a própria desresponsabilização dos produtores.
O desenvolvimento do tecido industrial não pode passar pela inobservância das normas mais exigentes de qualidade ambiental, nem, tão-pouco, por um abrandamento do processo de modernização e de implementação dos sistemas de gestão ambiental, que visam a certificação ambiental das empresas nacionais.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A questão da gestão dos resíduos industriais é das que mais ameaça a saúde pública e os recursos naturais, obrigando a uma intervenção urgente e séria, que não se compadece com medidas de remendo ou com experiências avulsas importadas de outros países da União Europeia.
Compete ao Governo o desenvolvimento urgente de um sistema nacional dimensionado para todos os resíduos produzidos em função das necessidades das unidades industriais produtoras e sempre tendo como ponto de partida a salvaguarda da saúde pública e do ambiente.
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O tratamento ou eliminação de qualquer fracção destes resíduos localmente e à margem de um sistema integrado pode conduzir a uma situação que, no limite, se tornará incontrolável e dificilmente remediável.
Infelizmente, como não há conhecimento exacto do que é que se produz, como e onde, desde logo, fica comprometida qualquer estratégia que, com realismo e seriedade, se queira implantar.
Qualquer decisão estratégica na área da produção, da recolha, do tratamento e do destino final de resíduos industriais perigosos só poderá ser aceitável se se tiver em conta: um plano nacional concreto de redução deste tipo de resíduos, com prioridades, metas de redução, prazos para as obter, calendários de investimentos e mecanismos eficazes de acompanhamento e fiscalização; um plano estratégico para os resíduos industriais; a identificação, selagem e descontaminação das lixeiras industriais existentes e um completo registo nacional de resíduos perigosos e não perigosos produzidos no sector industrial, permanentemente operacional e de livre consulta pública.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Face à situação de calamidade vivida no sector, vem agora o Executivo acenar com a solução milagrosa da co-incineração nas cimenteiras nacionais.
A opção de co-incinerar resíduos nos fornos das grandes cimenteiras nacionais pressupõe a elaboração de estudos e esclarecimentos pelo Ministério do Ambiente sobre os seus riscos ambientais e o interesse público decorrente da sua aplicação ao caso português, o que claramente ainda não foi feito.
A co-incineração não pode ser a tábua de salvação para esconder o descontrolo em que vivemos no respeitante à gestão dos resíduos industriais.
Independentemente do seu mérito ou demérito, a solução pela co-
-incineração, como solução terminal que é, implica uma estratégia nacional, discutida no sentido da mudança dos processos produtivos, na implantação de tecnologias mais limpas, no controlo integrado da produção, na redução da quantidade de resíduos, na reutilização e na reciclagem. Mas tudo e sempre com base no conhecimento exacto das quantidades, tipos, características, localização e ritmo de produção actual e futura dos resíduos industriais nacionais.
A co-incineração pode ou poderá até ser uma opção técnica e ambientalmente aceitável, mas sempre como um dos vértices de um sistema, suportada numa política coerente e que ofereça garantias de uma adequada gestão de resíduos a prazo.
O Decreto-Lei n.º 239/97, de 9 de Setembro, o principal instrumento legal sobre a gestão de resíduos, aprovado já pelo presente Executivo, impõe que a execução do plano nacional de gestão de resíduos seja apoiada por planos estratégicos sectoriais, dos quais, até hoje, apenas foi elaborado o respeitante aos resíduos sólidos urbanos.
Foi assim que o Executivo, esquecendo a própria legislação que aprovou, apresenta agora a solução da co-incineração dos resíduos industriais sem que o Ministério do Ambiente tenha efectuado o indispensável programa de esclarecimento a nível nacional e tenha participado, com isenção, no processo de consulta pública.
Para além disso, verifica-se que os próprios estudos de impacte ambiental elaborados, praticamente, se traduzem em meros documentos descritivos, sem que denunciem, em abono da verdade e com o rigor técnico que lhes seriam exigidos, impactes ambientais negativos dignos de relevo.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Terminaríamos abordando a questão do controlo do trânsito fronteiriço dos resíduos industriais perigosos.
O princípio de que os resíduos tóxicos industriais devem ser eliminados, depositados ou tratados nos países em que são produzidos tem uma inevitável e inegável tendência para ser clandestinamente violado. Exemplo disto são as escórias da METALIMEX, armazenadas clandestinamente em Portugal durante longos anos e que só ontem vimos serem enviados para o país de origem os últimos vestígios.
A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Também devíamos dar os parabéns à Sr.ª Ministra do Ambiente por isso!
O Orador: - Cabe-nos a nós, a todos nós, denunciarmos esse tráfico e impedir que a nossa saúde pública seja prejudicada pela conveniência e comodidade dos outros, até porque nós próprios já não conseguimos sequer tratar aquilo que produzimos.
Pela impossibilidade prática de efectuar tal controlo sobre as fronteiras, ele deverá ser feito junto dos possíveis destinos em Portugal e nos respectivos países produtores, através de uma diplomacia forte no quadro da União Europeia.
Países como o nosso são tendencialmente escolhidos por empresas altamente poluidoras, para evitarem custosos equipamentos despoluidores e - quem sabe! -licenciamentos difíceis junto das respectivas autoridades nacionais. Dar-lhes as boas vindas em nome de um investimento que amanhã fugirá à condenação pública, à procura de novos locais de poluição barata, não é algo que acreditemos que o Governo do Partido Socialista seja capaz de permitir.
Pelo contrário, queremos acreditar que o Governo de Portugal esteja particularmente atento à aplicação da legislação, exerça uma fiscalização atenta e conceda licenciamentos cuidados, procurando, assim, que não haja poluição sem prevenção ou planeamento prévio apenas porque as fontes poluidoras são desconhecidas.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Nuno Abecasis): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Pedrosa de Moura, grande parte do problema dos resíduos industriais passa, seguramente, por aquilo que claramente não tem havido, ou seja, um envolvimento, uma parceria, dos industriais em todo este processo.
Se se pretende pôr fim a uma impunidade que está claramente instalada e em razão da qual muitos dos industriais não cumprem aquilo que a lei diz, o que significa que a lei não tem saído do papel, e modificar processos produtivos, por exemplo, é evidente que isso passa por partilhar informação e, sobretudo quando se dão incentivos, não fazer aquilo que, de algum modo, tem sido feito e em resultado do qual agora um conjunto significativo de empresas vai ser obrigado a devolver dinheiro, incentivos e fundos que lhe foram disponibilizados, porque o utilizou para outros fins que não aqueles que era suposto.
A AIP publicou recentemente um estudo que comprova que mais de 64% dos industriais portugueses desconhece em absoluto qual o destino a dar aos seus lixos
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industriais, o que significa que todo este imenso universo escapa completamente ao conhecimento do Ministério da Economia, do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural a das Pescas e do Ministério do Ambiente e, portanto, está completamente fora da malha fiscalizadora e do envolvimento para o encontrar de uma solução radicalmente nova.
Por isso, a pergunta que lhe faço é esta: em seu entendimento, qual é a forma de quebrar este círculo vicioso, que nasce de uma fiscalização que não existe, de quem está habituado a, com impunidade, violar a lei e de quem, também por desconhecimento e pelas próprias características da estrutura industrial portuguesa, tem muito pouca informação e está muito pouco habituado a ter acesso a ela e a saber como o fazer?
O Sr. Presidente (Nuno Abecasis): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Pedrosa de Moura.
O Sr. Rui Pedrosa de Moura (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, infelizmente, constata-se que os nossos industriais não têm uma informação e uma formação técnica, legal e estratégica sobre as questões do ambiente, sobre aquilo que podem fazer.
Por outro lado, é certo e sabido que se fala muito no plano de redução da produção de resíduos mas não se impõem metas concretas, nem prazos, nem mecanismos de acompanhamento e de fiscalização minimamente aceitáveis. A mim apetecia-me parafrasear um humorista português conhecido que diz o seguinte: "Eles não explicam"!
O Sr. Presidente (Nuno Abecasis): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carmen Francisco.
A Sr.ª Carmen Francisco (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra do Ambiente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Continua a haver em relação a este processo - e temos verificado isso ao longo deste debate - uma série de equívocos, mas eu gostaria apenas de mencionar e de tentar desmistificar aqui dois deles.
No discurso da Sr.ª Ministra há agora a novidade dos resíduos de incineração obrigatória. De facto, ainda não tínhamos encontrado esta denominação! Ora, na classificação europeia - eu já o disse, mas creio que é importante frisar -, há resíduos incineráveis, ou seja, que se podem queimar, e não resíduos que se tenham de queimar. Portanto, esta opção não é uma opção obrigatória.
Depois, a mudança de opção do Governo da incineração dedicada para a co-
-incineração, cuja fundamentação técnica e política procurámos, só acontece em 1997, através da Resolução do Conselho de Ministros de 5 de Junho de 1997, já aqui amplamente citada, e, por coincidência, menos de um mês depois do famoso memorando de entendimento com o sector cimenteiro.
Ou seja, de 1995 a 1997, o Governo nem sequer aplicou o catálogo europeu, que era de 1994, e, portanto, não fez as contas, porque a primeira estimativa em que nos aparecem as 16 000t, ao invés das 36 000, é em 1997, curiosamente um mês antes do tal memorando e dois meses antes da tal estratégia. Portanto, a única justificação apresentada pelo Governo para a alteração da opção da incineração dedicada para a co-incineração é a da alteração do catálogo europeu dos resíduos, que leva à redução das 36 000t para as 16 000t. Ora, este catálogo aparece em 1994, enquanto que a primeira alteração à estimativa aparece, como já disse, em 1997. Isto é, o Governo manteve a estratégia inquestionada até 1997 e, como já disse, nas Grandes Opções do Plano para 1997, mantinha a construção da incineradora. Portanto, não nos parece que o Governo estivesse à espera deste catálogo; estaria, com certeza, à espera de alguma outra coisa.
Tem sido sobejamente apregoado, para todos os que queiram ouvir, que a opção co-incineração - esta é que é a realidade - nasce da proposta das empresas Secil e Cimpor, interessadas em criar mais esta área de negócio nas suas cimenteiras. Recentemente, em notícias vindas a público, ficámos a conhecer o interesse da SCORECO, empresa criada pela Secil, pela Cimpor e por um parceiro estrangeiro, em entrar, também, no negócio dos aterros para resíduos industriais. Aliás, o memorando de entendimento, de Maio de 1997, entre as cimenteiras e o Ministério do Ambiente já abria esta possibilidade.
No pressuposto, que Os Verdes gostariam de ver afastado, de que o processo de licenciamento da co-incineração não é travado, esta posição da SCORECO tem uma lógica indesmentível: esta empresa, para além da co-incineração, fica com uma estação de transferência, em Estarreja, e, no Barreiro, com uma estação de pré-tratamento, armazenagem e reenvio de resíduos para outros destinos, nomeadamente, o confinamento em aterro. Nada mais simpático para a empresa do que deter, também, a infra-estrutura de destino final, para o qual cobrará a devida tarifa aos industriais produtores de resíduos ao invés de ter de entregar os resíduos a entidades diferentes, a quem, por sua vez, teria de pagar a respectiva taxa.
Como princípio, a centralização da gestão dos resíduos industriais numa única entidade é um bom princípio, corolário daquele definido na Lei de Bases do Ambiente, em que, para as questões ambientais e do ordenamento do território, haverá uma só entidade centralizadora das questões. A questão é que sendo o ambiente um problema de interesse público, assim como todas as suas componentes, será perverso ceder o monopólio da gestão dos resíduos industriais a uma empresa privada para quem a lógica é outra: a do mercado e a do lucro, obviamente. Ficará, assim, o Estado cativo desta sua própria estratégia de entrega de uma área vital para a defesa do interesse público a interesses privados. É que se o objecto do negócio é o tratamento de resíduos, o volume de negócio será tanto maior quanto maior for o volume dos resíduos. Aliás, a SCORECO já disse que, para o negócio ser rentável, ou incinera mais ou sobe o preço por tonelada.
Fica, assim, mais do que já está, comprometida uma estratégia de redução dos resíduos a tratar, quer através dos processos produtivos, quer através da reciclagem e da reutilização. Aliás, a erradamente chamada Estratégia Nacional para os Resíduos Industriais acaba por não fugir àquela que é a prática normal deste Governo do Partido Socialista: enunciar, porque assim mandam as regras europeias, que, numa hierarquia de preferências, primeiro, estão a prevenção, a reciclagem e a valorização enérgica, ignorando até outro tipo de valorizações, para, depois, passar todo o documento a dizer como é que aborda o problema ignorando aquelas prioridades.
Clara é, ainda, a posição do Governo quando, no balanço da acção governativa do Ministério do Ambiente, afirma que "a área dos resíduos industriais não perigosos foi considerada susceptível de dar lugar a uma nova área de negócio". De falta de clareza nas suas opções não se pode acusar este Governo.
A questão é: será este um bom negócio para o ambiente, para a saúde, para as populações ou para o País?
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Será que o Governo já esqueceu a justa contestação à localização dos aterros para resíduos sólidos urbanos ou para os resíduos industriais? Será que está a ignorar que, ao entregar a escolha da localização dos aterros para resíduos industriais aos interessados no negócio, a lógica a que obedecerá esta escolha será a da poupança de custos em terreno, em infra-estruturas, em proximidade à estação de tratamento do Barreiro, caso esta venha a concretizar-
-se?
E já que falamos da estação de tratamento, como podemos acreditar na credibilidade dos estudos do promotor do projecto quando estes tentam justificar a minimização dos impactos negativos desta estação dizendo que as suas escorrências seriam encaminhadas para o colector da Quimiparque? Esquece o estudo de verificar que esse colector desagua directamente no estuário do Tejo!
Diz o Governo que a anterior estratégia para os resíduos industriais do governo PSD falhou, nomeadamente no que respeita à metodologia de escolha da localização dos aterros. Estamos plenamente de acordo quanto a isto: era uma espécie de jogo viciado em que se baralhavam as cartas para, no fim, virem a sair as que estavam marcadas à partida! Mas passar daí para a completa inexistência de metodologia não nos parece grande ganho para as nossas populações ou mesmo para as indústrias.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Poderá a Sr.ª Ministra dizer que podemos estar descansados porque o Ministério do Ambiente colocará todos os cuidados nos processos de avaliação de impacte ambiental dos aterros. Com o exemplo já apresentado, permitir-nos-á que desconfiemos dos estudos que dão origem a esses processos de avaliação.
Poderá a Sr.ª Ministra dizer que estes nossos receios de monopolização da gestão dos resíduos industriais por um determinado grupo económico são infundados.
Poderá a Sr.ª Ministra dizer que há apenas uma intenção, nada de concreto.
Poderá a Sr.ª Ministra dizer que nos precipitamos ao levantar problemas quanto a localizações sem sabermos quais são. E a questão reside precisamente aí. A menos de um ano do fim da legislatura, para os resíduos industriais, há um projecto de queima de 100 000t e de utilização como matéria prima de mais 25 000t, mas não há rigorosamente mais nada!
Este Parlamento não faz a mais pequena ideia sobre o que fará o Governo da maioria esmagadora dos resíduos industriais, tal como não sabe o que fará o Governo dos milhares de toneladas ilegalmente depositadas.
Julgamos que não é com o encerramento das lixeiras que se resolve a questão, pois há resíduos que não estão nessas lixeiras identificadas. A Sr.ª Ministra não pode continuar a afirmar que a co-incineração resolverá esta questão. É que, assim, os números não batem certo,... ou por melhor, estranho seria se neste caso concreto batessem certo!
Aplausos de Os Verdes.
O Sr. Presidente (Nuno Abecasis): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições para pedidos de esclarecimento, está concluído o debate da interpelação ao Governo n.º 19/VII, sobre política para os resíduos industriais, da produção ao destino final, na óptica do ambiente e da saúde.
Vamos proceder ao encerramento da interpelação, tendo a palavra, em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada Isabel Castro e, seguidamente, a Sr.ª Ministra do Ambiente.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Por iniciativa de Os Verdes, o Parlamento discutiu, hoje, aquilo que, para nós, é uma questão fundamental, ou seja, uma política para os resíduos industriais. Fizemo-lo, neste momento, baseados em duas razões: por um lado, a constatação da sua inexistência e, por outro, a forma precipitada como o Governo quer entregar-se a uma pseudo solução que, do nosso ponto de vista, a prazo, vai muito facilmente, como se comprovará, comprometer a qualidade de vida dos cidadãos e o ambiente.
Colocámos, com clareza, as questões. Não nos cabe, Sr.ª Ministra, como diz, fazer e concretizar soluções. Propomos os caminhos mas a quem cabe concretizar soluções é precisamente ao Governo, e julgo que o Governo ainda não entendeu isso.
Fizemos propostas claras, às quais o Governo respondeu com críticas e abstracções.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Quais propostas?!
A Oradora: - Àquilo que dizia não termos, contrapôs com uma mão cheia de nada, misturou alhos com bugalhos, falou de planos para os resíduos sólidos urbanos quando o objecto desta interpelação eram resíduos industriais. Não percebeu, pois, o objecto, concluindo-se que, afinal, não são os Deputados que entendem mal os papéis. Mais: veio insultar, com arrogância, aqueles que legitimamente contestam este projecto, os cidadãos cujo nome não conhecemos, as populações, as associações, os autarcas, chamando, de modo pejorativo, aos seus protestos, ruídos.
Falou-se de modernidade, de novos de desafios, negou-se a ciência e o conhecimento que ela, hoje, permite, incontestavelmente, ter como adquirido. Mas, de concreto, o que é que o Governo veio trazer em relação aos resíduos industriais e à sua política? Esperava-se a apresentação de uma estratégia nacional para os resíduos industriais; não existe! Esperava-se planos de redução; o Governo não os tem! Esperava-se planos para reutilizar; o Governo não os pensou!
Esperava-se o elementar, aquilo que, há anos e anos, continua a não ter-
-se, com credibilidade, em Portugal, isto é, um inventário, uma base de dados, um cadastro que permita saber o que produzimos, onde, quando, em que locais, que permita saber o que é que pode ser tratado localmente e ter localmente soluções controladas, condição indispensável para que os resíduos industriais deixem de ser clandestinamente depositados. Não se põe fim a esta situação se aqueles que detêm estes resíduos são puros desconhecidos para o Governo.
O facto de o Governo assumir, como faz, no seu relatório sobre o estado do ambiente deste ano, que não tem dados credíveis e que não tem quaisquer relatórios, que regularmente pedimos e que as empresas deveriam fornecer, é a prova provada que esta ignorância existe e que o desconhecimento herdado é total.
É precisamente perante este desconhecimento total que o Governo consegue fazer brilhantemente o exercício de abstracção, atirando-se para uma solução que vende como sendo para queimar 16 000t de resíduos perigosos mas que, no fundo, é para um valor muito superior. Uma solução que o Governo diz ser para duas unidades industriais, mas que, de facto, é para quatro: duas numa primeira fase e outras duas numa segunda fase. Uma solução que o Governo diz ser ambientalmente segura e que vai
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até disponibilizar filtros, esquecendo-se de dizer que os filtros são "oferta promocional": são entregues às duas primeiras mas nas duas segundas já não são obrigatórios.
O Governo diz até, pasme-se, subitamente preocupado com a saúde e com a qualidade de vida dos cidadãos, que quer requalificar ambientalmente as indústrias, a quem, paradoxalmente, entrega esta solução. Ou seja, é às indústrias cimenteiras, que como todos sabem são das indústrias mais poluidoras do nosso país, as que quotidianamente desprezam as pessoas, as que violam os limites definidos, que o Governo confia cegamente o tratamento dos resíduos industriais, incluindo os tóxico-perigosos.
Do ponto de vista de Os Verdes, ficou claro que aquilo que tem de ser feito implica, em primeiro lugar, um plano nacional para os resíduos, que não existe. Não é um enunciado, é um dado preciso, com objectivos claros, definido no tempo, com meios concretos,...
O Sr. José Junqueiro (PS): - Feito com regras!
A Oradora: - ... um plano sustentado em soluções sectoriais, também elas precisas.
O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Uma base de dados!
A Oradora: - Uma base de dados, como diz o Sr. Deputado, que qualquer país da Europa teria mas que nós, no nosso avanço, ainda não temos.
Aquilo que é preciso é deixar de alimentar mitos. A Sr.ª Ministra, hoje, voltou a introduzir no debate um velho mito: o de que os ecologistas, Os Verdes, reclamam a produção zero. Não somos absurdos nas nossas propostas, absurdo é quem continua agarrado a paradigmas antigos, que são não incorporar as modificações tecnológicas, não fazer uso delas, não modernizar a indústria, não ajudar as indústrias a tornarem-se mais competitivas, ambientalmente mais seguras, mais próximas de garantir aquilo que é um direito de todos e a razão pela qual este debate foi colocado: a saúde e a qualidade de vida dos cidadãos. Estes são claramente, como este debate provou, elementos que estão à margem.
A escolha das incineradoras, que, à partida, é uma escolha pré-definida nos locais, é uma escolha viciada, em que as regras do jogo não têm a possibilidade de fazer pesar vantagens e desvantagens. É a escolha para um figurino imposto - e não há alternativa, porque o Governo não a dá -, onde não podem ser diferentemente pensados os direitos dos cidadãos, o ambiente e soluções ecologicamente sustentadas.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente (Nuno Abecasis): - Antes de dar a palavra à Sr.ª Ministra do Ambiente, chamo a atenção dos serviços de que o quadro electrónico dos tempos está avariado ou, pelo menos, dá indicações incorrectas, pelo que peço que verifiquem o que se passa.
Sr.ª Ministra do Ambiente, tem a palavra.
A Sr.ª Ministra do Ambiente: - Sr. Presidente, antes de mais, deixe-me cumprimentá-lo pela sua posição no dia de hoje e dizer-lhe, com muita amizade, que gosto de vê-lo nesse lugar.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Neste momento, o povo português está confrontado com a necessidade de solucionar uma questão que se acumulou, tradicionalmente, durante anos consecutivos.
Todos os Srs. Deputados fizeram referência à necessidade de se encontrar uma solução, referiram-se à urgência em dizer aos industriais onde e como devem depositar ou tratar os seus resíduos. Todos fizeram questão de dizer que a tradição é encontrarem-se resíduos clandestinos, espalhados, amontoados. Ninguém foi capaz de dizer que este problema não precisa de uma solução.
A questão é a de que, quando o Governo, frontalmente, assumidamente, diz que "a solução é esta; não há dúvida alguma! É esta e é por aqui!", nesse momento, levantam-se todas as dúvidas e todas as questões.
Sr.as e Srs. Deputados: A técnica de tentar mostrar que, em matéria de ambiente, neste Governo, nada se faz porque nunca há estratégia, porque nunca o plano foi devidamente contratualizado, essa técnica, Srs. Deputados, penso que tem de ser alterada. Tem de ser alterada porque já se provou que se faz. Essa técnica está esgotada!
Lembram-se certamente que vieram acusar-me de que nada se fazia relativamente aos abastecimentos de água à população, que faltava um plano, que faltava a estratégia. Trouxe-vos os números: no próximo ano, teremos 90% de taxa de atendimento.
Alegaram que nada se fazia no domínio do tratamento dos esgotos porque faltava um plano, porque faltava a estratégia, porque faltava a capacidade política. Triplicámos, em três anos, a taxa de tratamento dos esgotos!
Vieram acusar-nos de que nada se fazia em termos de resíduos urbanos, para acabar com a vergonha que é o lixo amontoado. Ora, o plano está em obra e, neste momento, metade das lixeiras estão encerradas, com contestação, até com alguma desatenção no acompanhamento do processo, mas que, pelos vistos, uma vez que já foi conseguido, é tido como bem-vindo neste momento. Mas, naquela altura, no momento em que, nos vários aterros, a luta foi física, em que houve contestação nas estradas, houve vigílias, houve manifestações de todo o tipo, Meus Senhores, nessa altura, faltou aquela força de dizer "isto é importante para o País!". Nós tivemo-la! Foi o Governo que a teve!
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Muito bem!
A Oradora: - Ao fim de três meses de governação, até chegaram a dizer que não valia a pena negociarmos com Espanha. Foi dito pela bancada do PSD, foi dito pela bancada de Os Verdes! Foi alegado que era muito importante mas que o Governo não tinha capacidade para negociar porque lhe faltava um plano nacional da água, portanto, não sabia o que haveria de pedir. Srs. Deputados, nós fizemos o contrato e celebrámos um bom convénio com Espanha!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Vamos ver!
A Oradora: - Se não quiserem ratificá-lo, está nas vossas mãos, Srs. Deputados!
O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Vamos ver!
A Oradora: - Claro! Mas esta é a minha convicção! Os Srs. Deputados dirão no momento da ratificação!
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Hoje, fala-se de resíduos industriais.
Não é verdade que o discurso que aqui trouxe fosse desviado desse tema. Fez-se uma breve referência, talvez dois parágrafos, ao PERSU porque, pura e simplesmente, foi no âmbito desse programa que se encerraram as lixeiras que eram o destino tradicional para os resíduos urbanos e para os resíduos industriais. O resto foi tudo sobre a política de resíduos industriais.
Mas se resta alguma dúvida sobre esta matéria, Sr.as e Srs. Deputados, foi distribuído um pequeno livro que explica, outra vez, os números todos, os destinos todos, a base legal de suporte. Está tudo nesse livro e os Srs. Deputados podem lê-lo para que, de facto, não haja mais jogos com os números. Srs. Deputados, os jogos com os números já não fazem sentido! Todos nós sabemos quanto produzimos de resíduos industriais dos vários tipos e todos sabemos qual é o destino recomendado para os mesmos.
Diz, e muito bem, a Sr.ª Deputada do Partido Ecologista Os Verdes que a União Europeia não obriga a que se queimem esses resíduos. De facto, a União Europeia obriga a que se lhes dê o tratamento mais adequado segundo as prioridades, que as Sr.as Deputadas tantas vezes invocam, que são, antes de mais, reduzir, depois reutilizar ou aproveitar e, por último, depor em aterro.
Ora, Sr.ª Deputada, uma vez que o resíduo é incinerável, a co-incineração é a segunda vertente. É, de facto, o aproveitamento energético do resíduo e, portanto, como tal, obviamente, é a vertente recomendada e não imposta.
Continuam os Srs. Deputados dos partidos da oposição a alegar que também nada se fez em matéria de resíduos industriais.
Ora, Srs. Deputados, celebraram-se contratos ambientais efectivos de requalificação ambiental com 70% do emprego industrial português. Se isto não é nada, então, o que é fazer alguma coisa? Os contratos estão em curso e estão a ser fiscalizados.
Se querem, dou-vos exemplos mais óbvios.
Entrou em funcionamento o sistema de despoluição, industrial e têxtil, do Vale do Ave. Entrou em funcionamento a ECTRI (Estação Colectiva de Tratamento de Resíduos Industriais) de Águeda, que trata os resíduos, esses, sim, altamente tóxicos, resultantes do tratamento metalúrgico de superfície. Está em obra o SIMRIA (Sistema Intermunicipal da Ria de Aveiro) que trata os esgotos da zona de Aveiro. A obra do Trancão acabou e o rio está despoluído; é preciso aumentar o sistema mas a primeira fase está concretizada. O projecto de despoluição dos resíduos de Alcanena, relativo aos curtumes, foi finalizado por este Governo. Em Felgueiras, fez-se o primeiro aterro para resíduos de calçado. Está em curso de aprovação comunitária a despoluição das bacias do Lis e do Seiça. Já foi contratualizada com Bruxelas a despoluição nas cabeceiras do Zêzere, assim atacando o problema da indústria têxtil algodoeira.
Sr.as e Srs. Deputados, de facto, não é esta a questão, pois não? A questão é a de que é preciso passar da teoria à prática, é preciso agir, é preciso tomar decisões. Ora, as decisões que estamos a tomar são inquestionáveis.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!
A Oradora: - Srs. Deputados do PSD, não se pode, simultaneamente, estar muito preocupado com a redução dos resíduos industriais e ter criado no papel uma unidade que só vivia e se alimentava precisamente da produção de resíduos industriais. É que o que os senhores propunham era uma unidade especificamente criada para tal fim. Isto é, se a política de redução fosse eficaz, os resíduos desapareceriam e, assim sendo, o que aconteceria aos 7 milhões de contos que os senhores tinham previsto investir nessa mesma unidade? Então, e essa exploração não era uma conivência altamente suspeita com as entidades privadas? Essa não implicava nenhuns interesses? Então, essa era "despoluída" em termos das insinuações que, permanentemente, existem no vosso discurso? E os senhores, que têm obrigação de estar atentos às empresas, iam obrigar os industriais a pagarem 90 ou 100 contos para tratar 1 t de resíduos quando há um processo muito mais económico e melhor ambientalmente?
O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Vamos ver o que vai acontecer!
A Oradora: - Os senhores, que estão tão preocupados com as questões ambientais, iam propor uma solução pela qual a queima do resíduo dependia da existência do mesmo, gerava cinzas, pelo que tinham a necessidade de providenciar um aterro para as mesmas, e poluía efluentes hídricos. Os senhores estavam absolutamente descansados relativamente a um processo deste tipo quando, na Europa, já se reconhecia a existência de processos mais avançados, melhores ambientalmente, mais fechados, mais coerentes e mais económicos para o contribuinte?!
O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Onde é que são os aterros?
A Oradora: - Sr.as e Srs. Deputados: Os Verdes colocaram a questão de saber porquê esta opção. Respondo-lhe que é por todos estes motivos que acabei de dizer, Sr.ª Deputada. Acho estranho que o Partido Ecologista Os Verdes não tenha sensibilidade para perceber o que toda a gente já percebeu. É que a co-
-incineração é a melhor alternativa tecnológica, de entre todas as que estão disponíveis.
Mas há uma questão que não deixo passar em branco.
Sr.as Deputadas, não admito que tenham distorcido o que eu disse a ponto de terem insinuado que estou desatenta relativamente à posição dos cidadãos. Não estou, Sr.as Deputadas. É por isso que nenhuma destas opções foi feita nas costas do povo. É por isso que os debates foram o mais amplos possível. É por isso que não há cidadão deste país que tenha desconhecimento desta questão, isto com o risco de o processo ter sido excessivamente mediatizado face à importância real e efectiva da questão a ponto de ter estimulado medos e receios das populações.
Se este Governo tivesse querido esconder alguma coisa, é óbvio que não nos teríamos sujeitado, por exemplo, a quatro em vez de dois debates quanto às cimenteiras a escolher, que teríamos evitado o debate sobre Estarreja e Barreiro porque estes não precisam de licenciamento nem de estudo de impacte ambiental.
Obviamente, estou com a população, percebo os seus receios. Acho que têm razão em querer garantias adicionais, em querer mecanismos de controle. Agora, Sr.as Deputadas de Os Verdes, estou, isso sim, contra a manipulação da boa fé das pessoas para outros fins que não os da promoção do seu efectivo bem-estar. E isto aconteceu!
Aplausos do PS.
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Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Manuel Alegre.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para que efeito, Sr.ª Deputada? É que não há lugar a pedidos de esclarecimento!
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, é para defesa da honra, pois presumo que, tendo a Sr.ª Ministra acabado a sua intervenção, é este o momento indicado para tal.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Não há lugar a defesa da honra no período de encerramento do debate!
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Não é muito curial porque o debate estava encerrado...
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Admito que não! Não sei!
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Mas tem a palavra para o efeito, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, pedi a palavra ao abrigo da figura regimental da defesa da honra porque, em democracia, há algo que a Sr.ª Ministra não pode arrogar-se que é julgar processos de intenção. E foi o que fez no final da sua intervenção...
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - E o que é que a senhora fez?!
A Oradora: - Não é politicamente aceitável dizer que um partido político, que coloca um conjunto de questões e de dúvidas, que faz perguntas do ponto de vista técnico sobre um conjunto de coisas para as quais não obtém resposta,...
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sem resposta?! A Sr.ª Ministra está a responder há quatro ou cinco horas!
A Oradora: - ... está a manipular politicamente populações.
Aliás, julgo que seria bom deixar de dizer - e a Sr.ª Ministra "emendou a mão" nesta sua última intervenção - que a contestação é "ruído". Não é ruído porque, para alguém que se preocupa com o ambiente, a palavra "ruído" é pejorativa...
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr.ª Deputada, isso já não é defesa da honra, é uma intervenção!
Para dar explicações, tem a palavra a Sr.ª Ministra do Ambiente.
A Sr.ª Ministra do Ambiente: - Sr. Presidente, nunca esperei ter de voltar a falar!
De facto, se houve alguma coisa que ofendeu a honra de alguém durante este debate foram algumas das afirmações feitas relativamente ao Governo.
O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Exactamente!
A Oradora: - Por parte do Governo, não consigo descortinar onde é que ofendi a honra do Partido Ecologista Os Verdes! Parece-me é que não há margem interpretativa num discurso que está escrito.
Sr.ª Deputada, o que eu disse foi que tinha havido ruído no processo e repeti hoje que esse ruído foi promovido por interesses marginais à essência da questão, o que é lamentável, sob pena de as pessoas confundirem esse ruído com a verdadeira essência da questão. Confio, no entanto, nos Srs. Deputados, que considero pessoas absolutamente esclarecidas, para ajudarem a clarificar a verdade deste processo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, terminada a interpelação ao Governo, resta-me informar que a próxima sessão se realiza amanhã, com início às 15 horas, com período de antes da ordem do dia e do período da ordem do dia teremos a apreciação do orçamento da Assembleia da República para 1999, a discussão e votação do parecer da 1.ª Comissão relativo ao processo de urgência respeitante ao projecto de lei n.º 586/VII - Adopta medidas para a eleição urgente do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações (PCP) e a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 204/VII - Cria e estabelece o regime a que ficam sujeitas as associações de freguesias de direito público.
Srs. Deputados, declaro encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 25 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Partido Social Democrata (PSD):
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Luís Carlos David Nobre.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Manuel de Jesus.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
João Pedro da Silva Correia.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
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Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Mário Manuel Videira Lopes.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Partido Social Democrata (PSD):
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
João Álvaro Poças Santos.
José Augusto Gama.
José Manuel Durão Barroso.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
Lino António Marques de Carvalho.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL
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DIÁRIO da assembleia da República
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