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Quinta-feira, 21 de Janeiro de 1999 I Série - Número 37 1341
DIÁRIO
da Assembleia da República
VII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1998-1999)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 20 DE JANEIRO DE 1999
Presidente: Exmo. Sr. Manuel Alegre de Melo Duarte
Secretários: Exmos. Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Maria Luísa Lourenço Ferreira
João Cerveira Corregedor da Fonseca
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n.º 229/VII, dos projectos de lei n.os 603 a 605/VII, das apreciações parlamentares n.os 76 a 78/VII, do projecto de deliberação n.º 56/VII, de requerimentos e de respostas a alguns outros.
A Câmara aprovou um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à substituição de um Deputado do PSD e outro do PS e tomou conhecimento da renúncia ao mandato do Sr. Deputado do PSD Paulo Mendo
Procedeu-se a um debate de urgência, requerido pelo PCP, .sobre o anúncio do encerramento de algumas empresas transaccionais - Texas Instrument/Samsung, Nestlé e Siemens, tendo intervindo, além do Sr Ministro da Economia (Pina Moura) e do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Economia (Visor Ramalho), os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), Henrique Neto (PS), Vieira de Castro (PSD). Afonso Candal (PS) e Moura e Silva (CDS-PP).
A Sr.ª Deputada Marta Celeste Correia (PS) falou do papel do Tratado de Amesterdão na promoção da igualdade entre homens e mulheres.
O Sr. Deputado Pimenta Dias (PCP) referiu-se à importância do metro de superfície na Área Metropolitana do Porto e a algumas preocupações que o seu partido tem em relação à concretização dessa infra-estrutura, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento, do Sr. Deputado Manuel Moreira (PSD).
Ordem do dia. - Foi discutido e aprovado o projecto de deliberação n.º 55/VII - Sobre o problema dos resíduos industriais, tóxicos ou não (Os Verdes), sobre o qual se pronunciaram os Srs. Deputados Carmen Francisco (Os Verdes). Rui Pedrosa de Moura (CDS-PP). Lucília Ferra (PSD), Paulo Neves (PS). Paulo Pereira Coelho (PSD) e Joaquim Matias (PCP).
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.º 213/VII - Altera a Lei n.º 14/79, de 16 de Maio (Lei Eleitoral para a Assembleia da República) e 217/VII - Regula a composição das mesas das assembleias ou secções de voto em actos eleitorais e referendámos e o recrutamento e compensação dos seus membros e dos projectos de lei n.os 518/VII - Alarga, a aplicação dos princípios reguladores da propaganda e a obrigação da neutralidade das entidades públicas à data da marcação das eleições (ou do referendo) (PCP) e 584/VII - Redução do período de campanha eleitoral e de prazos para a marcação de eleições e alargamento do dever de neutralidade das entidades públicas (PSD). Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Administração Interna (Jorge Coelho) e do Sr. Secretário de Estado da Administração Interna (Luís Parreirão), os Srs Deputados António Brochado Pedras (CDS-PP). Moreira da Silva (PSD), António Filipe (PCP), Cláudio Monteiro (PS). Miguel Macedo (PSD). José Magalhães (PS) e Francisco Peixoto (CDS-PP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 35 minutos.
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O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Armando Jorge Paulino Domingos.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Casimiro Francisco Ramos.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Pedro da Silva Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís António do Rosário Veríssimo.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos . Santos.
Manuel Ferreira Jerónimo.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Paulo Jorge Lúcio Arsênio.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa. Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento. Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.
Partido Social Democrata (PSD):
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António d'Orey Capucho.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
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Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Carlos Pires Póvoas.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
Lucilia Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Sérgio André da Costa Vieira.
Vasco Manuel Henriques Cunha.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
António Carlos Brochado de Sousa Pedras.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Kruz Abecasis.
Pedro José Del Negro Feist.
Rui Manuel Pereira Marques.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.
Partido Comunista Português (PCP):
Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
António Luís Pimenta Dias.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
Carmen Isabel Amador Francisco.
Isabel Maria de Almeida e Castro.
Deputado independente:
José Mário de Lemos Damião.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas, requerimentos e respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de lei n.º 229/VII - Estabelece o regime de instalação de novos municípios, que baixou à 4.ª Comissão; projectos de lei n.- 603/VII - Sobre a obrigatoriedade da elaboração e aprovação pelos municípios de planos de urbanização (CDS-PP), que baixou à 4.ª Comissão, 604/VII - Revoga as leis da regionalização (CDS-PP), que baixou às 1.ª e 4.ª Comissões, e 605/VII - Nova demarcação da freguesia de Pernes (CDS-PP), que baixou à 4.ª Comissão; apreciações parlamentares n.os 76/VII - Decreto-Lei n.º 399/98, de 17 de Dezembro, que "Atribui ao Governo, através dos Ministros das Finanças e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, a competência para definir os lanços de auto-estradas ou de grandes obras de arte que venham a ser objecto de concessão nos termos do n.º 4 do artigo 15.º da Lei n.º 10/90, de l7 de Março" (PSD), 77/VII - Decreto-Lei n.º 404/98, de 18 de Dezembro, que "Cria por cisão da Empresa Pública e Navegação Aérea ANA, E.P., a Empresa Pública Nave-
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gação Aérea de Portugal, E.P., e procede à transformação da ANA, E.P., resultante da cisão em Sociedade Anónima com a denominação ANA - Aeroportos de Portugal S.A., aprovando ainda os Estatutos da NAV, E.P., e da ANA, S.A." (PSD), 78/VII - Decreto-Lei n.º 396/98, de 17 de Dezembro, que "Regula as condições de acesso e de exercício de actividade de empresas privadas na indústria de armamento" (PSD), e 79/VII - Decreto-Lei n.º 397/98, de 17 de Dezembro, que "Regula as condições de acesso e de exercício de actividade de empresas privadas no comércio de armamento" (PSD); projecto de deliberação n.º 56/VII - Prorrogação do período de funcionamento da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar para Apreciação de Actos dos Governos do PS e do PSD envolvendo o Estado e Grupos Económicos (Presidente da Assembleia da República). .
Entretanto, foram apresentados na Mesa, no dia 12 de Janeiro de 1999, os seguintes requerimentos: ao Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Valente; à Secretaria de Estado do Emprego e Formação, formulado pelo Sr. Deputado Barbosa de Oliveira; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, pelos Srs. Deputados Manuel Alves de Oliveira e Gonçalo Ribeiro da Costa; ao Ministério da Educação, pelos Srs. Deputados António Brochado Pedras e Luísa Mesquita.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: no dia 13 de Janeiro de 1999 - Jorge Roque Cunha, nos dias 29 de Julho, 3 de Setembro e na sessão de 23 de Setembro; Isabel Castro, no dia 17 de Novembro.
No dia 15 de Janeiro de 1999 - Jorge Ferreira, no dia 1 de Setembro; Rodeia Machado, na sessão de 2 de Outubro; Mário Albuquerque, no dia 24 de Novembro; e Roleira Marinho, no dia 25 de Novembro.
Sr. Presidente, temos também um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que se refere à substituição dos Srs. Deputados Paulo Mendo, do PSD, com efeitos a 18 de Janeiro corrente, inclusive, por José Carlos Póvoas. Na mesma data, em consequência da renúncia ao mandato do Deputado Paulo Me rido, assume o mandato em regime de efectividade o Deputado Acácio Roque, que já exercia funções em regime de substituição, conforme o relatório n.º 1 da Comissão Eventual de Verificação de Poderes, de 27 de Outubro de 1995.
O parecer refere-se também à substituição dos Deputados Manuel Varges, do PS, com início em 20 de Janeiro corrente, inclusive, por Manuel Ferreira Jerónimo.
A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias emitiu parecer no sentido de que a retoma de mandato e as substituições em causa são de admitir uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos proceder à votação do parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do pedido de renúncia do Sr. Deputado Paulo Mendo.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o pedido de renúncia é do seguinte teor: "Adalberto Paulo da Fonseca Mendo, Deputado do Grupo Parlamentar do PSD, vem pedir a V. Ex.ª que lhe seja concedida a subvenção mensal vitalícia, nos termos do artigo 24.º da Lei n.º 4/85, a partir do dia 18 (dezoito) do corrente mês, data em que renuncia ao seu cargo".
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, vamos dar início ao debate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar do PCP, sobre o anúncio do encerramento de algumas empresas transnacionais - Texas Instrument/Samsung, Nestlé e Siemens.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nos últimos tempos têm vindo a acumular-se sinais preocupantes quanto ao comportamento das transnacionais no nosso país, concretizado no encerramento de diversas unidades produtivas e em decisões de desinvestimento, com o único objectivo, em regra, de se deslocalizarem para outros países, deixando atrás de si um rasto de milhares de desempregados e de dificuldades nas regiões que abandonam.
Os exemplos, para só citar os casos mais recentes, são múltiplos.
A Texas Instruments-Samsung Electronic, na Maia, que tem um contrato programa, assinado com o Estado português, onde se compromete a manter o investimento - pelo qual terá recebido, pelo menos, quatro milhões de contos em apoios - até 2004, comunicou abruptamente que encerraria a sua fábrica até 31 de Março de 1999, promovendo o despedimento colectivo dos seus 748 trabalhadores. ,
A Nestlé, que tem uma história recente de compra, logo seguida de encerramento, de empresas concorrentes, anunciou agora o encerramento da fábrica de iogurtes Longa Vida, em Matosinhos, liquidando mais de uma centena de postos de trabalho e transferindo-se para Espanha,
A ERU, produtora de queijos no concelho de Cascais, que recorreu ao "Plano Mateus", decidiu, em Dezembro passado, liquidar a produção, lançando no desemprego mais de 50 trabalhadores e transferindo-se para a Holanda.
A Siemens anunciou, em Novembro passado, um processo de desinvestimento nas suas unidades de relés e semi-condutores, afectando em Portugal três fábricas, uma em Vila do Conde e duas em Évora. Évora, onde uma das fábricas tinha sido inaugurada, em Setembro passado, com pompa e circunstância pelo Primeiro-Ministro António Guterres, que, qual permanente anunciador de boas-novas, afirmou "estar ali o futuro do Alentejo" - se o futuro do Alentejo é este, bem conversados estamos! -, depois de ter concedido à multinacional alemã, só para aquele projecto, apoios de, pelo menos, três milhões de contos, a que h5 que somar os apoios e investimentos da Câmara Municipal de Évora.
Processo de desinvestimento, porquê? Porque apesar de serem fábricas com os equipamentos "mais avançados do mundo" e "elevada produtividade", apesar do Grupo Siemens ter terminado o ano fiscal de 1998 com um lucro líquido global de 270 milhões de contos e de as vendas terem subido 10% em relação ao ano anterior, apesar disso,
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decidiu desinvestir no sector dos semi-condutores e condensadores, atingindo as fábricas portuguesas, porque uma circunstancial taxa de rentabilidade nesta área menor que a média de crescimento global do grupo estaria a prejudicar o volume global dos lucros e a "optimização do port folio". Entretanto, contrariando as ilusórias declarações de acalmia feitas então, já começaram por despedir, numa das fábricas, os trabalhadores contratados a prazo, depois de, anteriormente, terem seguido o mesmo percurso nas unidades de cablagem no Porto Alto e na fábrica de disjuntores no Seixal, deslocalizadas para a Polónia e a Grécia e se prepararem para fazer o mesmo, em 1999, à fábrica de Corroios. Só no caso do Seixal recebeu a Siemens, através da sua empresa Indelma, um milhão de contos de apoios no âmbito do SIBR, preparando-se, agora, para repetir a proeza na Grécia.
A Ford anunciou que deixará de produzir, a partir de meados do próximo ano, o único modelo que mantém a fábrica da Azambuja em laboração, sem apresentar, até ao momento, qualquer alternativa. Entretanto, a nova Transit será produzida na Bélgica e em Inglaterra.
A Renault, em Setúbal, foi o que se viu. Ao contrário das promessas do Governo, encerrou, acabando em Portugal com a produção do modelo Clio e indo produzir a nova versão para a Eslovénia. Agora, prepara-se para fazer o mesmo em Cacia, onde, obviamente, não criou nenhum dos 180 postos de trabalho prometidos pelo Governo como "compensação" pelo encerramento da fábrica de Setúbal.
Os exemplos poder-se-iam, infelizmente, multiplicar por n vezes: a Yazaki-Saltano, em Gaia; a Philips, em Ovar; a Delphi, em Castelo Branco; a Grundig-Auto Rádios, em Braga; a Borealis, em ,Sines, são multinacionais detentoras de empresas sobre as quais recai a ameaça iminente de reestruturações, encerramentos, despedimentos, deslocalizações.
Só este conjunto de exemplos, Srs. Deputados, representa mais de 9000 trabalhadores, a que há que adicionar as centenas de postos de trabalho de empresas subcontratadas que gravitam à volta das multinacionais.
Esta é a outra face do paraíso "rosa". Menos mediatizada e ausente dos gloriosos e constantes discursos do Governo mas dramaticamente real.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - As justificações para estes processos são, invariavelmente, as mesmas. Procura de outros "paraísos". onde à custa da exploração de mão-de-obra ainda mais mal paga do que em Portugal, muitas vezes com violação dos direitos mais elementares, designadamente com recurso ao trabalho infantil e à custa de um menor preço ambiental, as multinacionais pretendem atingir a máxima taxa de lucro e de remuneração dos capitais, à custa de tudo e de todos.
Processos de deslocalização que, embora com outras razões mas com o mesmo objectivo, também já se produzem no interior da União Europeia e que se vão, obviamente, agravar com a introdução do euro.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!
O Orador: - Tudo isto conduzido com a arrogância de quem sabe que os seus interesses e estratégias dominam cada vez mais as manchas "rosa" ou "laranja" do poder político, com a arrogância de quem tudo pretende submeter aos seus objectivos de máximo lucro.
E, perante isto, que fazem as instituições internacionais, os governos e, em particular, o Governo PS? Nada, ou pouco mais que nada! Não se ouve, nem ao Primeiro-Ministro, nem ao Ministro da Economia, uma palavra de crítica. Recusam-se a divulgar as condições dos contratos e dos compromissos assumidos pelas transnacionais, colocam-se de cócoras perante os seus ditames e, inclusivamente, preparavam-se para aceitar o acordo multilateral de investimentos (AMI), que iria agravar ainda mais a desregulamentação do investimento estrangeiro e o domínio das transnacionais sobre os países e sobre os direitos dos trabalhadores.
Hoje, o que se ouve ao Sr. Ministro Pina Moura são palavras de compreensão perante as decisões das transnacionais. Mas, ontem, Sr. Ministro, quando o PS estava na oposição e V. Ex.ª já era um jovem quadro socialista cheio de ambições, as suas palavras eram bem diferentes. Recordo-lhe, Sr. Ministro Pina Moura, o artigo que escreveu num diário de expansão nacional, a propósito do caso Renault, quando o PSD estava no governo: "a reacção frouxa do Governo português parece revelar uma incompreensão essencial. É que às multinacionais e aos seus feudos de `não-direito' se aplica, com particular propriedade, uma frase célebre de De Gaulle: `fazem tudo o que se lhes permite, aceitam tudo o que são obrigadas'".
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Pois é, Sr. Ministro... Não sei se há alguma frase do General De Caulle que se lhe aplique, mas o que sei é que, tal como ontem com o PSD, o Governo PS nada obriga às multinacionais.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!
O Orador: - E o que sei é que o Governo, no essencial, só faz duas coisas: procura apoiar-se neste processo para pressionar os trabalhadores a aceitarem, cada vez mais, medidas de desregulamentação da legislação laboral, de aceitação do trabalho precário, de diminuição dos seus direitos e de salários baixos, e inventou um Sr. Secretário de Estado...
Pausa.
Infelizmente, não me está a ouvir nesta altura, porque está em "despacho" com o Sr. Deputado Eduardo Pereira, mas isto é-lhe dirigido. Talvez depois possamos continuar o debate...
Estava eu a dizer que o Sr. Ministro Pina Moura inventou um Sr, Secretário de Estado, simpático, cuja missão essencial é uma espécie de' confortador de almas, de apaga-fogos, de vendedor de ilusões, que criem "almofadas" visando travar a contestação e o protesto social.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP considera que o investimento directo estrangeiro (IDE) é necessário, mas não a qualquer preço, mas não permanentemente à custa dos direitos de quem trabalha.
O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!
O Orador: - O PCP tem consciência de que o problema não se confina às fronteiras nacionais, mas isso não desresponsabiliza o Governo de assumir, nas instâncias
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internacionais, o debate das medidas necessárias para travar este processo e de adoptar, no plano interno, medidas que penalizem quem assim se comporta e protejam os direitos dos trabalhadores.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - É que uma coisa, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é a globalização, outra, bem diferente, são as opções neo-liberais que a alimentam e que conduzem às políticas de desregulamentação do investimento directo estrangeiro, aos gigantescos movimentos especulativos de capitais, à liquidação dos direitos laborais.
É o combate a este modelo, Sr. Presidente, que distingue e sublinha uma verdadeira política de esquerda. É o combate a este modelo que o PCP propõe e, por isso, entregamos na Mesa um projecto de resolução centrado em cinco pontos: necessidade de o Governo suscitar, nas instâncias internacionais, o debate e a adopção de medidas visando disciplinar o investimento directo estrangeiro e os processos de deslocalização de empresas; revelação pública dos contratos e ajudas outorgadas em caso de deslocalização de empresas;...
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - ... alteração da legislação sobre indemnizações por despedimento e alargamento dos prazos com direito ao subsídio de desemprego; programa público de apoio às autarquias e pequenas e médias empresas, vítimas de processos de deslocalizações; reembolso, pelas transnacionais, das ajudas públicas recebidas em caso de violação de compromissos, com pagamento de indemnizações aos países e municípios lesados.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Não temos tempo regimental para mais. Esperamos que, no mínimo, VV. Ex.as participem neste debate abandonando argumentos estafados e convirjam connosco nas preocupações e nas medidas que propomos para um problema sério, tendo como linha de rumo a defesa dos direitos dos trabalhadores e o desenvolvimento sustentável do nosso país e da nossa economia.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Economia. Para que o Sr. Deputado Lino de Carvalho possa responder-lhe, irá usar 3 minutos cedidos por Os Verdes.
Tem, então, a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Economia.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Economia (Vítor Ramalho): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero usar da palavra porque considero que o Sr. Deputado Lino de Carvalho, em função da intervenção que produziu nesta Assembleia, não está suficientemente esclarecido. Concretamente, não está esclarecido sobre a circunstância de no ano de 1998 - o ano passado, portanto -, exactamente na altura em que uma única empresa não cumpriu, até à data, um contrato estabelecido com o Estado, neste caso a TISEP, nós termos alcançado o maior número de contratos celebrados, responsáveis pela criação de mais de 5000 postos de trabalho. Em concreto, esses contratos foram responsáveis pela criação de 5400 postos de trabalho. São, a saber: a Lear Corporation, que vai criar, até ao ano de 2004, cerca de 4000 postos de trabalho, a Delphi, a UTA e a Soporcel, como presumo que é do conhecimento de V. Ex.ª.
Relativamente à questão da Ford Lusitana, como o Sr. Deputado sabe, está mal esclarecido. Não se trata da circunstância da Ford Lusitana não poder continuar a produzir o veículo que neste momento produz. Simplesmente, há o termo de produção deste veículo, mas a Ford não anunciou qualquer encerramento da fábrica.
Simultaneamente, mesmo na Azambuja, como sabe, está em curso uma nave da Opel que vai permitir a criação de mais 400 postos de trabalho, um número significativo nessa região. Presumo que não sabe, que está mal esclarecido, mas deve inteirar-se deste caso.
Relativamente à Renault, presumo que seja do seu conhecimento que nunca neste país houve preocupações como as demonstradas por este Ministério da Economia e, em particular, por este Secretário de Estado - que, como diz, é a "almofada" - de, para além do pagamento indemnizatório a todos os trabalhadores que saíram, numa média de 7000 contos, pessoalmente organizar e responder positivamente à criação de 400 postos de trabalho, dos 590 que se extinguiram.
Relativamente à TISEP, provavelmente é do seu desconhecimento que esta empresa teve de pagar uma verba indemnizatória aos trabalhadores de 5,8 milhões de contos, superior em 1,3 milhões de contos ao que era legalmente devido. Isso, em parte, também é devido à actuação do Ministério da Economia.
Uma última observação, porque o tempo está a acabar, para lhe dizer que também está mal informado relativamente ao acordo multilateral de investimentos. O Governo português e o Ministério da Economia, em particular, procuraram e conseguiram minorar os efeitos da situação que V. Ex.ª refere.
São estes três esclarecimentos, para já, e em ponto de observação, que queria fazer notar.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Secretário de Estado não pediu qualquer esclarecimento. Porventura, terá vindo dar esclarecimentos, o último dos quais, então, é espantoso. Vir dizer que o Governo português é que interveio no sentido de interpor, no AMI, aspectos menos gravosos, para quem conhece o processo, para quem sabe qual foi a intervenção do governo francês, para quem sabe qual foi a intervenção da opinião pública, para quem sabe que o Sr. Ministro, quando veio à Comissão de Economia, Finanças e Plano, nem conhecia o AMI, necessitando de uma assessora que lhe lia os textos! ...
Sr. Secretário de Estado, com franqueza, tenhamos a dimensão da realidade, porque, se neste momento o AMI está congelado, isso deve-se ao grande movimento da opinião pública internacional e, no plano dos governos, ao governo francês, em particular, porque da parte de
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VV. Ex.as havia uma atitude laxista e liberalizadora, aliás, patente no debate que aqui fizemos, em que a direcção da bancada do Partido Socialista não acompanhou o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques nesta matéria e na posição que ele tomou no Conselho da Europa. Estamos esclarecidos!
Quanto ao resto, Sr. Secretário de Estado, não tenho tempo, até porque ainda quero ouvir o Sr. Ministro, mas tenho de lhe dizer que penso que deve dirigir esse seu discurso e essas promessas aos trabalhadores, aos 748 trabalhadores da Texas, que receberam indemnizações, é verdade, mas as indemnizações esgotam-se em três, quatro ou cinco meses e, depois, estas centenas de trabalhadores, com 40 ou 50 anos, ficam sem emprego, sem indemnizações e sem subsídio de desemprego, porque entretanto termina o período em que eles recebem subsídio de desemprego, como o Sr. Secretário de Estado sabe.
O Sr. Secretário de Estado deve dizer isso aos 100 trabalhadores da Nestlé e mesmo aos 400 trabalhadores da Ford Azambuja, para os quais a Ford ainda não apresentou qualquer programa alternativo. O seu programa é um programa de promessas, como foi em relação à Renault, o que me leva a perguntar-lhe onde estão os 180 postos de trabalho da Renault em Cacia.
Podíamos citar mais exemplos, Sr. Secretário de Estado, mas o que me preocupa na sua intervenção, esperando pela do Sr. Ministro, é que de cada vez que o Governo intervém nesta matéria é para desculpabilizar as multinacionais, é para intervir em socorro delas, criando medidas conjunturais que podem até resolver problemas imediatos, não dizemos que não, mas que não tocam a questão de fundo, que é este comportamento inaceitável das transnacionais. É esta a questão sobre a qual nós gostávamos de ouvir o Governo, vendo-o manifestar preocupações e acompanhar-nos nas nossas e nas medidas que propomos.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, assistem neste momento à sessão plenária um grupo de. 55 alunos da Escola Secundária Fernão Mendes Pinto, de Almada, um grupo de 90 alunos da Escola Secundária de Matias Aires, do Cacém, e um grupo de 60 alunos da Escola Básica 2, 3, de Avelar. Para todos eles, a nossa saudação.
Aplausos gerais, de pé.
Chamo a atenção dos Srs. Deputados para o facto de haver dificuldades de audição na sala. Vários Srs. Deputados se têm queixado disso. A instalação sonora é o que é, mas há um certo brouhaha que impede que a audição se faça sentir noutras condições.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Neto.
O Sr. Henrique Neto (PS): - Sr. Presidente, Sr." e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Nos anos 50 e 60, um dos temas de combate preferido dos partidos comunistas um pouco por todo o mundo era o combate ao investimento estrangeiro, visto, então, como a exploração dos povos pelas multinacionais.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Já escusava de ter ouvido esta!
O Orador: - Hoje lamentamo-nos que alguns investimentos de multinacionais estrangeiras estejam a abandonar o nosso país. Como é natural - e ainda bem que assim é porque nada é imutável -, mudam-se os tempos, mudam-se as ideias e as vontades,...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Só o PS é que continua a ser o mesmo!
O Orador: - ... mudam-se ao ponto de ouvirmos citações do General De Gaulle vindas da esquerda!
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não, não! O Sr. Ministro é que o citou! Não ouviu!
O Orador: - Se refiro este facto é apenas para que se compreenda que as questões são usualmente mais complexas do que o preto e o branco a que queiramos reduzir uma realidade, que é mais sofisticada e mais rica do que as necessidades políticas de qualquer partido político.
E quanto a isto, goste-se ou não, as empresas multinacionais têm hoje uma grande liberdade de instalação em todo o mundo, movendo-se por razões da sua própria estratégia empresarial e na busca de uma competitividade acrescida que os governos e o poder político em geral não têm grandes condições, ou mesmo vantagem, em impedir, pela simples razão de que o investimento e o emprego são factores escassos em todo o mundo e aquilo que todos os países procuram é cativar essas empresas, nacionais ou estrangeiras, e criar empregos, sendo por isso que todos os governos se dispõem a oferecer incentivos, dos mais variados aos mais dispendiosos.
Claro que uma coisa é isto e outra coisa são contratos assinados por esses investidores como condição para receberem os incentivos dados ao seu investimento e a sua obrigação ética, legal e política, bem como dos Estados onde essas empresas têm as suas sedes, para cumprir as obrigações que livremente assumiram. Esta é uma área em que não deve haver a mais pequena fraqueza e onde se justifica um esforço particular no sentido de fazer corresponder o Direito internacional às contingências particulares do tipo de economia do nosso tempo, impedindo o abuso de posição dominante, a arbitrariedade e a devassa dos interesses nacionais. É isto exactamente que o Governo actual está a fazer em relação ao caso concreto que o Sr. Deputado aqui nos trouxe.
Seja como for, é inquestionável que não adianta querer superar a realidade da economia mundial com slogans políticos ou com a demagogia ideológica. Devemos antes procurar gerir com competência e com rigor esta realidade complexa, como o Governo tem vindo a fazer, sendo importante, no caso português, definir uma política industrial que optimize, principalmente, as vantagens do desenvolvimento sustentado de Portugal. Este objectivo pode atingir-se, quer criando condições favoráveis ao investimento das 'empresas nacionais em todo o território nacional, quer colocando a inovação e a investigação industrial, tanto nos, produtos como nas tecnologias e na organização empresarial, nomeadamente quanto aos métodos de comercialização e de distribuição, na linha da frente das prioridades governamentais, quer ainda compreenden-
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do que é perigoso facilitar o investimento de empresas com um passado ético por vezes mais do que questionável e frequentemente cheio de más práticas empresariais. Isto é, a qualidade dos resultados com o investimento estrangeiro controla-se no momento do investimento e não, como agora acontece com a Texas Instruments e com a Samsung, no momento em que as empresas decidem partir.
Repito: o processo controla-se no momento em que as empresas fazem esses investimentos e é nesses momentos que se devem julgar as empresas que estão a investir.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Se a culpa é do PSD, revelem os contratos!
O Orador: - Uma outra questão - penso que mais séria -, relativa à problemática dó investimento estrangeiro, tem a ver com o modelo de economia de mercado. Infelizmente, este debate não tem sido feito e é marcado, muitas vezes, por preconceitos de sinal contrário e não por uma apreciação rigorosa.
De facto, há que medir se a movimentação incessante das multinacionais por todo o mundo - o que, como sabemos, permite que nós próprios, consumidores, adquiramos produtos e serviços a preços mais baixos - conduz, na realidade, ao desenvolvimento dos países mais pobres e menos desenvolvidos e, por essa via, a uma sociedade humana globalmente mais desenvolvida e justa, ou se, pelo contrário, é preferível defender os interesses imediatos dos trabalhadores dos países mais desenvolvidos, que é um outro tema. Nesta questão não devemos, então, tentar saber onde devemos colocar Portugal nesta contabilidade, porque não podemos esquecer que temos também políticas activas de investimento nacional no estrangeiro e que isso é do interesse nacional?
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!
O Orador: - Em resumo, o Governo está preocupado, certamente, com os casos concretos de desinvestimento que possam acontecer em Portugal por parte das empresas estrangeiras, mas com a compreensão correcta de que as empresas nascem e morrem, chegam e partem, e que o importante são os saldos globais de investimento e de emprego e, como sabem VV. Ex.as, esses saldos, na vigência deste Governo, têm sido positivos.
É ainda óbvio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que nestes processos é missão do Governo defender o melhor possível os interesses dos trabalhadores, o que tem sido feito. Por exemplo, no caso em apreço da Texas Instruments e da Samsung há um dispêndio de verbas globais da ordem dos 5,8 milhões de contos e iniciativas de formação profissional que facilitem o emprego futuro desses trabalhadores. Ou seja, quanto aos trabalhadores, Sr. Presidente e Srs. Deputados, este Governo tem atendido como nunca anteriormente foi feito à resolução concreta dos problemas dos trabalhadores.
Aplausos do PS.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Espero, então, que seja uma verdadeira interpelação, Sr. Deputado.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Darei um esclarecimento à Mesa, Sr. Presidente.
Pretendo apenas dizer que no discurso empresarial do Deputado do Partido Socialista ele referiu ironicamente, a certa altura, que eu tinha citado o General De Gaulle. Quero apenas esclarecer a Mesa e a Câmara que o que eu referi foi um artigo do socialista Pina Moura, em que ele, sim, citava o General De Gaulle. Portanto, Sr. Deputado, se calhar essa ironia não é dirigida a mim mas, sim, ao seu colega de partido - penso que já o é -, o Ministro Pina Moura, que escreveu esse artigo quando já era socialista.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.
O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Se recordarmos o processo que, conduzido pelo Governo, culminou no encerramento da fábrica da Renault Portuguesa, não podemos manifestar surpresa perante os sucessivos casos de desinvestimento estrangeiro, ocorridos ou anunciados no ano transacto.
Em vez de persistir na exigência do cumprimento das obrigações que a Renault havia assumido perante o Estado português, o Governo optou, como então disse, pela "via dialogante". A primeira decisão que tomou foi desistir da acção que pelo Estado português havia sido intentada contra a Renault no Tribunal Internacional de Genéve. Nesta acção, o Estado português, invocando a violação de um contrato, exigia da empresa francesa uma indemnização de 53 milhões de contos.
Multiplicou, depois, o Governo os seus esforços para encontrar um comprador para as instalações fabris de Setúbal. A cada passo manifestava o seu optimismo quanto às boas perspectivas para a solução do problema.
A dado passo, a dificuldade para o Governo passou então a escolha entre a Hyundai ou a Chrysler, a Kia ou a Toyota, a Porsche ou a Mitsubishi, a Nissan ou a Daewoo. Finalmente, a fábrica de Setúbal encerrou.
Escudado na convicção de que tinha uma solução à vista, o Governo evitou sempre esclarecer o Parlamento e o País sobre o "caso" Renault.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Aproveitamos a presença do Sr. Ministro da Economia para, mais uma vez, encarecidamente lhe pedirmos que nos responda a estas perguntas simples: porque razão teve o Governo tanta pressa em desistir da acção contra a Renault?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Acha o Governo que foi melhor para o País o encerramento de uma fábrica e prescindir da possibilidade de receber uma indemnização de 53 milhões de contos?
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Em nossa opinião, o Governo ajoelhou perante a Renault. Ao fazê-lo, não pensou que a sua fraqueza pudesse criar a ideia de que, em Portugal, os contratos de investimento estrangeiro são sempre susceptíveis de, com a máxima facilidade, serem denunciados antes do seu termo ou renegociados com prejuízo do interesse do nosso país.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: Lembramo-nos da euforia dos membros do Governo que, em dois momentos do segundo semestre do ano passado, presidiram, em Vila do Conde e em Évora, à inauguração de duas modernas fábricas da Siemens. Não se pouparam, então, a desfiar os contributos que aqueles investimentos iriam dar ao desenvolvimento do nosso país.
Feito o anúncio de que a Siemens iniciou tentativas para encontrar compradores para aquelas fábricas, durou apenas seis meses a euforia dó Governo.
Cabe perguntar: não tem o Governo receio que, em vez da mudança de dono, possa ocorrer o encerramento daquelas fábricas?
Se tal acontecer, vaio Governo exigir o escrupuloso cumprimento das obrigações contratuais ou vai contentar-se com uma meia solução, com prejuízo do interesse do Estado?
E quanto às fábricas da Texas/Samsung e da Nestlé? Vão fechar, pura e simplesmente, ou o Governo garante, hoje, perante o Parlamento, que vai ter, agora, a firmeza que lhe faltou no caso Renault?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Para o PSD, o investimento directo estrangeiro é imprescindível para o desenvolvimento do nosso país. Queremos, todavia, investimento com direitos e obrigações.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Reconhecemos aos investidores estrangeiros o direito de obterem uma justa remuneração, mas não os isentamos de cumprirem a obrigação inalienável de contribuírem para o desenvolvimento de Portugal.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em relação aos investidores nacionais, não têm nem menos direitos nem menos obrigações.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Orientados por estes princípios, os governos do PSD tiveram uma política cuja execução produziu resultados positivos. Infelizmente para todos nós, o mesmo não se pode afirmar em relação ao Governo actual.
De facto, entre 1997 e 1998, o investimento directo estrangeiro teve uma quebra 50%, um recorde que, junto a outros, faz história do Governo que ainda temos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, inscreveu-se, e tem a palavra, o Sr. Deputado Afonso Candal.
O Sr. Afonso Candal (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vieira de Castro, aguardávamos com alguma expectativa para saber como o Sr. Deputado iria abordar esta questão. Na verdade, o Sr. Deputado acabou por não abordar a questão central do debate, o tema do debate, porque seria difícil para V. Ex.ª poder fazê-lo, como foi manifestamente difícil para o Deputado Lino de Carvalho, que teve de arranjar aqui uma grande amálgama de situações, todas elas diferentes, tentando generalizar tudo quando nada é semelhante, ou seja, apenas a Texas Instruments sai de Portugal antes do prazo limite contratualizado, é a única situação e também aqui há salvaguardas que foram criadas pelo Governo e de que falaremos mais adiante.
A questão da Nestlé, no fundo, não tem a ver com esta discussão, porque a Nestlé não usufrui de qualquer benefício contratualizado especialmente com o Estado, dado que não é um projecto de investimento acima dos 5 milhões de contos.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Explique isso ao País e aos trabalhadores!
O Orador: - Portanto, neste caso, é um projecto de investimento estrangeiro, como há imensos no País, não é só a Nestlé, mas que não é comparável com os outros.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Bem lembrado!
O Orador: - Quanto à situação na Siemens, esta empresa apenas procura, à sua maneira, valorizar as empresas, em busca de parceiros para a sua exploração, e nunca pretendeu encerrar as suas fábricas em Portugal.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Fez o mesmo no Seixal! Sabe do que é que está a falar?!
O Sr. José Junqueiro (PS): - Sabe, sabe!
O Orador: - Como vê, todas as situações que o Sr. Deputado Lino de Carvalho referiu são completamente diferentes e, portanto, não lhe é permitido generalizar.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado Vieira de Castro não 0 fez, de facto, foi mais cauteloso. De qualquer das formas, gostaria apenas de colocar duas questões muito simples e directas, sendo a primeira a seguinte: Sr. Deputado Vieira de Castro, é ou não é verdade que, no caso da Texas Instruments, o Governo conseguiu, nomeadamente para os trabalhadores, situações de indemnização e de regalias futuras melhores do que aquelas que a própria lei portuguesa impõe a situações similares? É ou não é verdade que o Governo exige o reembolso dos benefícios que foram indevidamente recebidos, dado o incumprimento por parte da Texas?
A segunda questão, que é também fundamental, é esta: saberá, certamente, o Sr. Deputado Vieira de Castro que, pela primeira vez, no Orçamento do Estado para 1999 está previsto um regime equiparado àquele que pode ser con-
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cedido ao investimento directo estrangeiro em Portugal, de benefícios especiais contratualizados com o Estado, mas desta feita também para investimento português feito em Portugal. Aliás, o sistema até mais vantajoso, porque não exige que os projectos de investimento sejam superiores a 5 milhões de contos mas tão-só superiores a 1 milhão de contos. É esta mais uma inovação de apoio às empresas e aos investidores portugueses, sem prejuízo do investimento estrangeiro, que também é fundamental para a nossa economia.
Gostaria também de lhe dizer que não há uma quebra de investimento de 50%, antes pelo contrário, há uma subida constante nos números.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, terminou o seu tempo, pelo que tem de concluir.
O Orador: - Só 30 segundos, Sr. Presidente, se me permite...
Em 1994, o investimento foi de 344 milhões de contos; em 1995 foi de 648 milhões de contos; em 1996, foi de 717 milhões de contos; em 1997 foi de 1330 milhões de contos e, em 1998, até Setembro, 1043 milhões de contos. Sempre a subir, não há qualquer diminuição, muito menos de 50%!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, se assim o, entender, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.
O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Afonso Candal, dir-lhe-ei que a minha preocupação aumentou depois de o ouvir. Estamos seriamente preocupados com a sucessão de casos de desinvestimento estrangeiro num tão curto prazo de tempo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E o nosso medo, Sr. Deputado Afonso Candal, é que isso tenha a ver com a circunstância de o Governo não ter sido firme em relação à Renault Portuguesa.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Afonso Candal (PS): - Não tem nada a ver!
O Orador: - E é esse alerta que deixamos, porque continuamos a ver que sempre que surge uma situação destas, o Sr. Ministro ou o Sr. Secretário -de Estado dão uma respostas que, pelo menos nó que nos diz respeito, não afastam as nossas preocupações.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Temos, felizmente, no nosso currículo, bons resultados de investimento estrangeiro directo, e obtivemo-los, usando da firmeza que se usa entre instituições civilizadas. Assinávamos um contrato e, para nós, o contrato era para valer!
Foi por isso que não hesitámos em intentar uma acção contra a Renault Portuguesa no Tribunal Internacional de Genéve,...
O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Muito bem!
O Orador: - ...porque, pela via negociai, concluímos que a Renault Francesa não estava disposta a cumprir as obrigações que tinha contraído perante o Estado Português...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ... e a única forma de chamar a Renault à razão era pô-la em tribunal!
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Uma vergonha!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Devo confessar-lhe que, para além da preocupação em relação a todos os casos, o que, verdadeiramente, hoje, quase me satisfaz é que o Sr. Ministro Pina Moura me diga por que é que o Governo desistiu da queixa contra a Renault.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Deputado Moura e Silva.
O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ªs Srs. Deputados: Queria começar por dizer que o investimento estrangeiro é por nós desejado, desde logo pela importância de que se reveste para a economia nacional ao criar emprego e uma mais-valia na qualificação profissional, na criação de mais riqueza e tendo até em consideração o facto de o seu fabrico se destinar geralmente à exportação.
Queria também deixar claro que, por princípio, não somos contra os incentivos fiscais, considerando contudo necessário alterar o critério presente de contratualização fiscal, como mais adiante abordarei.
Em algumas considerações sobre o investimento directo estrangeiro, direi que Portugal tem, nos últimos anos, vindo a beneficiar de um afluxo importante de investimento directo estrangeiro, fruto da saúde de todos os indicadores económicos, do desenvolvimento das suas infra-estruturas públicas e dos custos de mão-de-obra relativamente barata.
Depois do boom, no início dos anos 90, em que as grandes multinacionais se instalaram em Portugal, elegendo-o - como já foi referido por alguém -, como a Califórnia da Europa, a década promete fechar em colapso.
Quando a nata dos economistas portugueses defende a necessidade de alimentar a capacidade de atrair investimento estrangeiro, têm começado a vir a público, com alguma regularidade, notícias relativas à saída de Portugal de algumas multinacionais responsáveis por montantes significativos de investimento e de postos de trabalho, muitas delas localizadas em regiões do País onde são empregadores, directa ou indirectamente, de grande parte da população activa. .
Dados do Banco de Portugal permitem observar que, embora o fluxo de entrada de investimento directo estrangeiro continue a aumentar, o fluxo de saída tem vindo a ganhar enorme importância, pelo que, em termos líqui-
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dos, o investimento directo estrangeiro em 1998 poderá vir a ficar bastante abaixo de 1997.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Não basta criar condições conjunturais de atracção de investimento, projecto a projecto, como é o caso dos benefícios fiscais contratualizados, que tem sido até ao momento a única arma do Governo português. É necessário criar vantagens que permitam não só atrair os investimentos que podem constituir fonte de desenvolvimento mas também mantê-los, independentemente dos ciclos económicos internacionais, diminuindo a vulnerabilidade da economia portuguesa a estes fenómenos de globalização.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Neste contexto, ganham importância a legislação fiscal, a legislação laboral, a formação profissional e as infra-estruturas físicas.
O Grupo Parlamentar do CDS-PP apresentou, no âmbito da discussão do Orçamento do Estado, uma proposta no sentido de a política fiscal assumir um papel mais importante nas escolhas do modelo de desenvolvimento do País.
Vozes do CDS-PP: - Exactamente! Bem lembrado!
O Orador: - Uma das proposta foi a de o regime de benefícios fiscais passar a ser concebido progressivamente, nos termos da lei, como regime de benefícios Fiscais não contratuais, através da diminuição de taxas ou da concessão de isenções em IRC, imposto municipal de sisa, contribuição autárquica e imposto de selo, aplicando este regime a projectos de investimento em unidades produtivas de valor global superior a 1 milhão de contos, nos sectores de actividade de especial interesse para economia nacional.
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Exactamente!
O Orador: - Simultaneamente, teriam de ser definidos esses sectores de especial interesse para a economia nacional. Esta proposta pretendia eliminar não só distorções à concorrência como também todo o grau de subjectividade inerente a contratos com cláusulas específicas que não são do domínio público.
Não pretendendo que o regime de benefícios contratualizados fosse completamente substituído, já que é reconhecida a sua necessidade face a grandes empresas multinacionais com projectos de investimento de elevado valor, o desenvolvimento de um regime não contratualizado passaria a abarcar mais agentes económicos e mais projectos de investimento nacionais e internacionais, baseado na definição clara, pelo Governo, dos benefícios fiscais em causa e dos sectores de actividade e zonas do País em que os agentes económicos deveriam apostar.
O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Desta forma, eliminávamos a perigosidade do actual sistema de benefícios fiscais, porque geram distorção na concorrência e podem levar a situações bem penosas como a da Siemens, um caso penoso onde não conhecemos qualquer garantia sobre a adequada aplicação de 30 ou mais milhões de contos de benefícios fiscais, num conjunto de outros benefícios concedidos.
Colocávamos um ponto final na pouco clara relação entre Governo e grupos económicos, motivo até, em algumas circunstâncias, de comissões parlamentares de inquérito.
Mas assim não o entendeu o bloco de esquerda, ao rejeitar estas propostas. Pelo contrário, preferiu depositar na mão do Governo a gestão do interesse nacional, mesmo admitindo a possível arbitrariedade que muitas vezes estas situações comportam. Queria aqui dar a conhecer a retoma para breve do projecto de lei alterando o regime de benefícios fiscais aos grandes projectos de investimento, quer nacional, quer estrangeiro.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O que tem feito então o Governo?
Até ao presente apenas nos foi dado a conhecer o papel do Governo como mediador, no caso da Texas, entre os trabalhadores e a empresa, tratando este assunto como se de um mero exercício contabilístico se tratasse. Acerta-se o "deve" e o "haver" e não se fala mais nisso!
Perante o facto de estarmos confrontados com despedimentos globais e em massa, o Governo responde com retórica à ausência de um plano para o emprego, de forma a atenuar os problemas sociais daí resultantes.
Para terminar, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, as intenções anunciadas de algumas empresas abandonarem o nosso mercado dão para desconfiar. Em poucos meses, o mercado e mão-de-obra portuguesa passaram de atractivos a indesejados. Sejam quais forem as razões, acendeu-se uma luz de alerta. A economia portuguesa está a revelar a sua vulnerabilidade em relação à crise internacional.
Não basta o Governo dizer que vai penalizar as multinacionais em fuga. Ou o Governo mostra capacidade de inovação - o que duvidamos - ou a "sangria" pode não ficar por aqui.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para encerrar este debate de urgência, tem a palavra o Sr. Ministro da Economia.
O Sr. Ministro da Economia (Pina Moura): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou estruturar a minha intervenção em duas partes: uma abordando a pseudo-matéria de facto que foi levantada a propósito dos casos TISEP, Renault e Siemens e outra em que exporei a evolução do balanço da política de captação de investimento estrangeiro e de investimento português e, também, as linhas de orientação do Governo nessa matéria e a maneira como o Governo reage a várias críticas e a sugestões construtivas que foram feitas, nomeadamente na intervenção do Partido Popular e nalgumas das propostas apresentadas no final da intervenção do Deputado Lino de. Carvalho.
Em relação à TISEP é muito importante esclarecer-se o seguinte: o Governo classificou como incumprimento grave a denúncia do contrato de investimento estabelecido entre o Governo português e a TISEP.
Vozes do PS: - Muito bem!
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O Orador: - E esta caracterização de incumprimento grave significou que definimos três condições para podermos estabelecer um processo de conciliação e não litigioso com a TISEP.
Primeira condição: a acomodação, nas melhores condições possíveis e para além das condições contratuais, da situação dos trabalhadores que vão para o desemprego. Esse objectivo, que era prévio a todos os outros, foi conseguido na dimensão que o Sr. Secretário de Estado Victor Ramalho já referiu.
Decorrem actualmente negociações para se estabelecer, por via conciliatória, um acordo que tem, do nosso ponto de vista, dois objectivos essenciais: primeiro, o Estado
'português deve ser ressarcido por inteiro de todos os benefícios e incentivos que concedeu e, segundo, o Estado português deve ser objecto de uma indemnização pelo facto de as duas companhias terem incorrido em incumprimento grave do contrato feito. Estas negociações decorrem até ao dia 31 de Março e, se não for possível até essa data chegar-se, por via conciliatória, a um acordo, desencadearemos uma via judicial.
Segunda questão: a Renault. É importante, Sr. Deputado Vieira de Castro, que se relembre que a Renault tinha acabado o contrato que estabeleceu com o Estado português quando o governo do PSD, o governo apoiado pelo partido de que V. Ex.ª é um destacado membro, intentou
'essa acção judicial. Este ponto é muito importante, como é muito importante também sublinhar-se que essa acção judicial não tinha por objecto nem por objectivo repor a fábrica em funcionamento.
O que nós conseguimos, com outra linha, que foi uma .linha negociai com a Renault, que, antes de chegarmos ao Governo, já tinha decidido fechar a fábrica, é fácil de recapitular: a Renault, para se retirar tal acção, prolongou por dois anos o seu trabalho na fábrica de Setúbal; entregou, por um milhão de contos, ao IPE, as instalações de Setúbal, que estão avaliadas em mais de dez milhões de contos; entregou ao Estado português mais 3,1 milhões de contos para o pagamento de indemnizações e para a criação do suporte de pagamento de indemnizações aos trabalhadores, o qual permitiu, conforme já aqui foi dito, que todos os trabalhadores da SODIA passassem à situação em que passaram a viver com indemnizações, em média, nunca inferiores a 7000 contos e que, em muitos casos, chegaram a atingir 10 e 12 000 contos.
Além do funcionamento por mais dois anos (e este ponto é muito importante), foi também adquirida pela Renault a posição que o IPE detinha na fábrica de Cacia, por uma verba superior a 10 milhões de contos, além de termos encontrado garantias para um processo de upgrading na fábrica de Cacia, que está a ocorrer, e que deve traduzir-se num investimento na ordem dos 2,5 milhões de contos.
No que respeita à Siemens, é muito importante não se confundir a alteração da estrutura societária das fábricas da Siemens com desinvestimento ou com encerramento dessas fábricas. O projecto da Siemens é o de autonomizar o sector de semi-condutores, pelo menos parcialmente, em relação à estrutura da empresa-mãe e isso significa, no que respeita às fábricas de Portugal, procurar parcerias, eventualmente pela colocação de parte do capital na Bolsa, para obter essa separação deste sector da estrutura fundamental dos seus negócios. Isso significa que a estratégia da Siemens vai ser, e está a ser, não a de desinvestir mas a de valorizar os activos que montou, dois dos quais foram inaugurados nos últimos meses, conforme referimos.
Entretanto, e porque o tempo urge, gostava de dizer que, sendo preocupantes alguns fenómenos como os referidos, nomeadamente na questão da TISEP e da própria SODIA, é muito importante ter-se a ideia de que isso não é a realidade toda nem é a principal parte da realidade.
No exacto dia em que a SODIA fechou, o Governo assinou quatro novos contratos de investimento estrangeiro, que envolvem um investimento de 100 milhões de contos. No exacto momento em que estamos a tratar da questão da TISEP, posso dizer-vos que, exactamente até 31 de Março, o Governo contratualizará três novos projectos de investimento estrangeiro - os primeiros três novos projectos de investimento estrangeiro este ano -, na Continental/Mabor, na COLEP e na FIMA, que corresponderá a um investimento de 31 milhões de contos, concretizará mais 190 postos de trabalho e a consolidação de 1100 postos de trabalho que já existem nestas empresas, dado tratar-se de investimentos de expansão. E, tratando-se de investimentos de expansão, evidencia-se que a tendência fundamental dos investimentos estrangeiros feitos não é a do desinvestimento mas, sim, a de novos investimentos para expandir e modernizar as respectivas fábricas e as respectivas actividades.
É também muito importante dizer-vos que, para se ter uma ideia da dinâmica do investimento estrangeiro em Portugal, enquanto de 1992 a 1995 foram contratualizados três contratos de investimento estrangeiro, um deles o da TISEP, de 1996 a 1998 foram nove e, no primeiro trimestre de 1999, como acabo de vos informar, serão mais três, estando certos de que, até ao fim de 1999, novos contratos de investimento estrangeiro serão contratualizados.
Temos a ideia de que a economia portuguesa é hoje mais atractiva para o investimento estrangeiro do que foi no passado e é mais atractiva por melhores razões, não por razões como as do passado, de mão-de-obra muito barata, não por razões de procurarem aqui as partes menos valorizadas dos segmentos de produção mas, ao contrário, por se procurar em Portugal, num país que é do euro, um país onde há o maior grau de estabilidade social da União Europeia, um país de estabilidade política, onde um governo, apesar de minoritário, vai com certeza cumprir, e bem, toda a legislatura.
São estes factores acrescidos e acrescentados...
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Ministro, já ultrapassou o seu tempo. Queira fazer o favor de concluir.
O Orador: - Sr. Presidente, só mais um minuto, se me permite.
São estes factores acrescentados ao facto de estarmos, cada vez mais, a contratualizar e a exigir que estes investimentos tragam também componentes de investigação e desenvolvimento, como no caso da Alcatel, onde foi criado um centro de desenvolvimento; como o caso da Delphi, onde foi criado um centro de desenvolvimento no Tagus Park; como vai ser o caso, até ao fim do primeiro semestre deste ano, da criação de um centro de excelência para as indústrias automóveis, que são a melhor forma de ancorar e consolidar o investimento nesta fileira tão importante da nossa economia. Este é o caminho que, aliás, vai ao encontro de várias sugestões e recomendações que a intervenção do CDS-PP apontou.
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Finalmente, Srs. Deputados, quero sublinhar que a economia portuguesa, felizmente, é uma economia onde há muito investimento: investimento estrangeiro, investimento privado português e investimento nacional. Só nos últimos três anos foram investidos em Portugal 15 000 milhões de contos, o que quer dizer quase tanto como o produto interno bruto português neste ano. É este fluxo de investimento que é responsável pela criação de 200 000 novos postos de trabalho, que superam, e ainda bem, largamente, alguns dos problemas que surgem de desemprego. Os poucos casos que tem havido...
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Ministro, tem mesmo de concluir. Queira concluir.
O Orador: - Sr. Presidente, peço desculpa. Vou mesmo terminar, com uma referência à intervenção do Sr. Deputado Lino de Carvalho. É estranho que acuse o Governo e o Ministério da Economia de orientações neoliberais quando o próprio Deputado Lino de Carvalho reconhece que a acção fundamental do Sr. Secretário de Estado Victor Ramalho é a de mudar situações sociais.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, temos agora uma situação difícil em termos da gestão do tempo: Os Verdes concedem 2 minutos ao PCP e 1 minuto ao PSD, para formularem pedidos de esclarecimento, pelo que a Mesa concede 2 minutos ao Governo, para poder responder.
Assim sendo, para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, agradeço a Os Verdes a cedência de tempo.
Sr. Ministro, digo-lhe o mesmo que, há pouco, disse ao Sr. Secretário de Estado: sabe o que é que me espanta no vosso discurso? É que, no momento em que, na Europa, há um debate, até interessante, mesmo percorrendo os sectores mais à esquerda da família socialista, sobre o problema da globalização do sistema económico mundial, capitalista, sobre o comportamento das transnacionais e sobre a necessidade de regras que disciplinem o seu comportamento, o Governo traga aqui um discurso de desculpabilização, de branqueamento, de ausência de qualquer reflexão crítica sobre esta matéria! Isto é espantoso, Sr. Presidente, vindo de um governo que se diz do Partido Socialista! Esta é uma nota que não quero deixar de voltar a sublinhar.
A segunda questão, Sr. Presidente, prende-se com os chamados pseudo-factos, as pseudo-matérias que o Sr. Ministro aqui trouxe. Só dois ou três exemplos, porque não tenho tempo para mais: quanto à Texas, Sr. Ministro, porque é que o Governo se recusa a revelar os contratos que foram assinados pela transnacional se, como o Governo afirma, ela violou esses acordos? Por que é que, se recusa a revelá-los? Será que, nesses contratos, por exemplo, não há cláusulas de salvaguarda quanto à protecção dos direitos dos trabalhadores? Será que, nesses contratos, a célebre garantia bancária - que o Governo tanto fala que vai usar para fazer pagar as indemnizações - só diz respeito à questão das verbas da formação profissional? Por que é que o Governo se recusa a divulgar esses contratos? Aliás, tanto quanto sei, nem são do vosso tempo, são do governo anterior. Por que é que se recusam?
Quanto à Siemens, Sr. Ministro, não é um processo de desinvestimento, disse-nos ali de cima, da tribuna. Vou ler o último comunicado da Siemens...
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, o tempo não estica, pelo que queira fazer o favor de concluir.
O Orador: - Sr. Presidente, vou terminar.
Traduzo do inglês: "a companhia está a fazer sólidos progressos com o seu programa de desinvestimento de 17 biliões de marcos anunciado em Novembro".
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, não pode continuar. Termine mesmo!
O Orador: - Sr. Presidente, estou a terminar.
Por outro lado, o percurso da Siemens está, por exemplo, nestas notas do Sr. Deputado Afonso Candal, referentes ao Porto Alto, a Corroios e ao Seixal. Estão aqui os mesmos argumentos que a levaram a desinvestir.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, não me obrigue a desligar microfone!
O Orador: - Sr. Presidente, a questão é esta: porque é que o Sr. Ministro não responde ao meu requerimento?
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, isso é falta de respeito pela Mesa. Faça o favor de concluir.
O Orador: - Sr. Presidente, o Sr. Ministro e o Governo estão ou não de acordo com muitos dos pontos que propusemos na nossa resolução? São estas as questões concretas, é este o debate que pensávamos que o Governo aqui viesse fazer!
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, peço desculpa por ter ultrapassado o tempo.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Ministro, suponho que irá responder no fim. Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.
O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, começo por agradecer à Sr.ª Deputada Isabel Castro o tempo que teve a bondade de me ceder para fazer ao Sr. Ministro uma pergunta muito breve.
Sr. Ministro, creio que não convenceu ninguém com a resposta que deu acerca da Siemens. O Sr. Ministro disse que o que está em causa é apenas a transferência da titularidade do capital - tem a certeza de que a Siemens encontra comprador para a fábrica de Évora e para a fábrica de Vila do Conde? Sabe por que é que lhe faço esta pergunta, Sr. Ministro? Porque o Governo de que o Sr. Ministro faz parte tinha a certeza de que seis construtores de automóveis iam comprar as instalações da Renault de Setúbal, e o Sr. Ministro sabe muito bem o que é que acabou por acontecer!
Vozes do PSD: - Muito bem!
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O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Economia.
O Sr. Ministro da Economia: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, em relação à sua primeira questão, estranhando por que é que não fiz aqui um discurso político sobre a importância da globalização e da regulação da globalização, matéria sobre a qual penso que, no essencial, estaremos de acordo, é muito simples, Sr. Deputado: vi-me confrontado com uma série de questões concretas, tinha o tempo limitado que tinha, pelo que optei por responder concretamente a cada uma delas. Verifico, por exemplo, que o Sr. Deputado Vieira de Castro, que começou por falar muito na Renault, já nem sequer falou agora na Renault - concluo que ficou perfeitamente esclarecido!
Mas, Sr. Deputado, tenho todo o gosto - nem se trata de um desafio mas de um convite - em que se possa discutir em sede própria, porventura em sede parlamentar ou noutra, com o PCP e com todos os outros partidos, a questão que levanta, da globalização, dos mecanismos de regulação dessa globalização que, como se sabe (não estou a dar novidade alguma), é uma das tónicas fundamentais da orientação do Governo, permanentemente afirmada pelo Primeiro-Ministro, e é porventura uma das maiores carências com que, neste momento, se debatem a vida económica e a vida política internacional, responsável por muitos desequilíbrios, por muitas indesejáveis e inaceitáveis desigualdades na distribuição do rendimento e na repartição dos ganhos do comércio internacional.
Quanto à segunda questão, sobre a recusa de revelar os contratos, Sr. Deputado, nós não revelámos, em termos públicos, os contratos porque isso ia prejudicar os interesses do País na concorrência com outros países que também querem captar investimento estrangeiro. Não fizemos isso e continuaremos a não fazê-lo, ainda que esses contratos tenham sido assinados pelo governo anterior, como foi o caso da FISEP, e é em nome do interesse nacional que o fazemos.
Finalmente, em relação à questão da Siemens: Sr. Deputado Vieira de Castro, como saberá muito bem, não pertenci, não pertenço e nem quero pertencer a qualquer conselho ou a qualquer órgão dirigente da Siemens e, portanto, como V. Ex.ª me perguntou se eu estava em condições de garantir que a Siemens faria ou não faria, só lhe posso responder, como é evidente, que eu estou em condições de lhe garantir do que é que o Governo português foi informado, estou em condições de garantir a criação das condições políticas para que esse caminho seja confirmado e estou em condições de garantir que, se a Siemens entrar em incumprimento dos seus contratos com o Governo português nesta matéria, terá o tratamento previsto no próprio contrato, que é o, tratamento de abertura de uma via judicial para a recuperação desses investimentos. É só isso que posso garantir, porque é isso que está na minha esfera de competências.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, vamos passar às declarações de interesse político relevante.
Para uma declaração, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia.
A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Tratado de Amesterdão, que, no passado dia 6 de Janeiro de 1999, esta Câmara ratificou, representa, no âmbito das liberdades e direitos fundamentais, um notável avanço qualitativo.
Com efeito, o Tratado reforça a garantia dos direitos fundamentais na União Europeia através do recurso directo dos cidadãos ao Tribunal de Justiça, e baseia neles a dimensão ética da União.
No tocante à igualdade de oportunidades, o Tratado de Amsterdão significa igualmente um reforço dos direitos das mulheres, e são estes o objectivo e o sentido desta minha breve intervenção.
Com efeito, Sr.ªs e Srs. Deputados. o artigo 2.º dispõe expressamente que a Comunidade tem como missão promover a igualdade entre homens e mulheres, sendo que, para alcançar este fim, o artigo 3.º prevê que, na realização de todas as acções, a Comunidade terá por objectivo eliminar a desigualdade e promover a igualdade entre homens e mulheres.
A título da política social, são igualmente adoptadas disposições precisas para promover a igualdade entre homens e mulheres, tal como o previsto no artigo 137.º do Tratado.
Verifica-se, assim, que a igualdade se tornou num dos princípios do Tratado e um dos objectivos de acção da União. Esta deverá ser capaz de reflectir a igualdade em todas as suas políticas.
Até à Cimeira de Amesterdão a questão da igualdade era referida pelos tratados apenas circunscrita à questão salarial e laboral. Evolui-se, assim, desta situação para um catapultar da igualdade como missão da União.
É preciso sublinhar que a introdução da igualdade no Tratado é de uma enorme importância legal. A igualdade entre mulheres e homens está agora contemplada num tratado, numa norma de Direito comunitário primário de um nível jurídico superior às regras comunitárias de Direito derivado, pelo que tem que ser respeitada e reflectir-se em todas as demais normas comunitárias.
Com o Tratado de Amesterdão os Estados membros terão mesmo o direito e o dever de implementar a discriminação positiva ou, como hoje preferem os cientistas sociais, acções positivas, nos casos em que os factos revelem claramente que não existe verdadeira igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.
A luta pela igualdade de oportunidades torna-se, assim, uma luta da União Europeia, dado que, por força das disposições com que iniciei esta minha intervenção, a União está, mais do que nunca, empenhada em ser a União dos povos, dos homens e das mulheres.
Mesmo que o Tratado de Amesterdão não corresponda - e não corresponde - exactamente às aspirações das mulheres, a integração da igualdade como princípio estruturante constituiu um progresso notável no processo de integração europeia e é esse progresso, esse aprofundamento, que aqui quis vir assinalar.
A Europa começa a revelar-se cada vez mais sensível às aspirações dos cidadãos. A nova abordagem legal da igualdade entre mulheres e homens representa um passo importante nessa direcção. Há uma porta que foi aberta e cabe-nos a nós, mulheres e homens, franqueá-la cada vez mais.
A questão da igualdade de oportunidades e da igualdade de resultados falamos sempre da igualdade de oportunidades, mas a isso temos de começar a acrescentar tam-
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bém a igualdade de resultados - não é um luxo que só interessa às democracias instaladas; ela não é o capricho de uma minoria de ambiciosas que querem disputar aos homens honras e poder; é um projecto que renova o espírito democrático. E é com serenidade, mas também com enorme satisfação, que quero aqui saudar este passo que foi plasmado no Tratado.
Tal como observou Marcelino Oreja, Comissário Europeu, "o Tratado de Amesterdão não concluiu o edifício da igualdade, apenas abriu um novo estaleiro' de construção: cabe agora aos cidadãos e às instituições nele trabalharem!".
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma declaração de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Pimenta Dias.
O Sr. Pimenta Dias (PCP): - Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: Desde há pelo menos uma década que, nos municípios do Grande Porto, se vem defendendo e equacionando a construção de um sistema de metro ligeiro que contribua para a resolução dos problemas crónicos que condicionam a mobilidade de mais de um milhão de pessoas.
No decurso de todo esse tempo, as populações daquele espaço metropolitano foram "presenteadas" com declarações, mais ou menos solenes, que anunciaram estudos prévios, projectos, programação de obras, datas de entrada em funcionamento do sistema de metro ligeiro. Estudos prévios que foram esquecidos, projectos que foram arquivados, programação de obras e datas de entrada em funcionamento que foram sucessivamente adiadas.
Durante esse longo período, o PCP teve oportunidade de defender a solução do metro ligeiro para a resolução dos problemas de transportes públicos existentes naquela área metropolitana e que diariamente apoquentam os cidadãos ali residentes e condicionam a sua qualidade de vida, sendo para nós incompreensíveis os sucessivos atrasos verificados.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Na nossa opinião este é um projecto que já podia estar concretizado, se para tal tivesse havido vontade política dos sucessivos governos. Por isso, hoje, tal como ontem, reafirmamos o nosso entendimento de que os trabalhos de construção do metro ligeiro na Área Metropolitana do Porto têm de atingir rapidamente a velocidade de cruzeiro, para que as expectativas das populações não saiam, mais uma vez, defraudadas.
Saudamos, por isso, os progressos ultimamente alcançados, que conduziram à assinatura do contrato de adjudicação de um dos maiores investimentos realizados no Grande Porto.
Da mesma forma, encaramos positiva a publicação do decreto-lei que atribui à Sociedade Metro do Porto, S. A., a concessão do serviço público do sistema de metro ligeiro na Área Metropolitana do Porto e aprova as bases que a regulam, o que deixa prever que o metro ligeiro do Porto vai finalmente entrar nos carris.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Permitam-me, contudo, que traga a esta Câmara algumas preocupações suscitadas pela leitura do referido decreto-lei.
Desde logo a evidência de que as bases que regulam a concessão não estão em consonância com as afirmações mais recentes do Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território no que respeita à entrada da linha que vai servir o concelho de Gondomar na primeira fase do projecto, correspondendo, aliás, a uma justa reivindicação dos órgãos da Área Metropolitana do Porto e do próprio Município de Gondomar.
Com efeito, lendo atentamente as referidas bases, é fácil chegar à conclusão de que esta linha não faz parte das características gerais do sistema objecto da concessão, assim como não fazem parte as futuras ligações à Exponor e ao Aeroporto Dr. Francisco Sá Carneiro, também defendidas pela Junta Metropolitana.
É, pois, legítima a dúvida sobre as reais intenções do Governo relativamente à concretização da linha Porto-Gondomar, sendo certo que esta ligação deveria assumir um carácter prioritário, uma vez que aquele concelho é o segundo da Área Metropolitana do Porto com mais deslocações diárias (cerca de 18 000) em todos os modos de transporte com destino à cidade do Porto, por motivos de trabalho.
Queremos acreditar nas boas intenções do Governo no que respeita à viabilização da linha do metro para Gondomar, pelo que esperamos que esta questão seja rapidamente esclarecida. Neste aspecto as palavras têm de corresponder a factos reais, única forma de afastar todas as dúvidas das populações locais.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Mas também é necessário que a inclusão das linhas ferroviárias Porto-Póvoa do Varzim e Porto-Trofa no sistema de metro ligeiro corresponda a uma efectiva melhoria da qualidade do serviço prestado aos utentes, no que respeita ao conforto e rapidez. É à luz deste pressuposto que nos preocupa o eventual abandono dos projectos de electrificação e de duplicação da linha da Póvoa.
Compreendemos que não pode ser feito tudo de uma vez, mas ninguém tem dúvidas de que a diminuição dos tempos de viagem para níveis aceitáveis no contexto do transporte urbano depende da duplicação da referida linha.
Com a inclusão das linhas da Póvoa e da Trofa no sistema de Metro ligeiro do Porto, os trabalhadores da CP e da REFER, afectos aos serviços de transporte e gestão ferroviária daquelas linhas, têm de ver salvaguardados todos os seus direitos e regalias, para que um projecto considerado fundamental para a Área Metropolitana do Porto não se transforme em mais um foco de conflitos sociais.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Durante a discussão do Orçamento do Estado para o corrente ano, o PCP teve oportunidade de defender o reforço de verbas para o projecto de metro ligeiro do Porto, já que entendemos serem insuficientes as verbas nele inscritas.
Estamos convencidos de que a evolução positiva de todo o processo, nomeadamente a concretização do alargamento da rede a Gondomar, à Exponor e ao Aeroporto de Pedras Rubras, está fortemente dependente da vontade do Governo em assegurar uma maior comparticipação de investimento nacional em todo o investimento e na reabilitação das infra-estruturas já existentes. Esta é, pois, uma
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questão que preocupa o PCP, mas também os autarcas e as populações da Área Metropolitana do Porto.
Da mesma forma também nos preocupa como vai o Governo reforçar o financiamento do metro do Porto, através do Orçamento do Estado e fundos comunitários (e não de empréstimos do BEI) para evitar preços elevados no futuro transporte de metro ligeiro, criando-se condições para uma forte adesão das populações a este novo meio de transporte.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Sendo este um projecto importante para a Área Metropolitana do Porto, que não pode sofrer mais adiamentos e contratempos, esperamos que o Governo concretize rapidamente as promessas feitas, clarificando as questões e resolvendo os problemas que ainda subsistem, e para os quais procuramos chamar a atenção de V. Ex.ª.
Aplausos do PCP.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para um pedido de esclarecimento.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem apalavra, Sr. Deputado.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pimenta Dias, em primeiro lugar, desejo cumprimentá-lo pela sua presença neste Hemiciclo como Deputado do PCP, eleito também pelo círculo do Porto, e quero aproveitara sua intervenção, com a qual concordo genericamente, para lhe dizer o seguinte: como sabe, o Partido Social-Democrata, através não só da intervenção que já aqui tive oportunidade de fazer como também através dos autarcas da Área Metropolitana do Porto, tem vindo a defender que, para além do atraso imenso com esta importante infra-estrutura, que é o metro ligeiro de superfície do Porto, vai ser implementada - já devia estar concluída, mas só agora é que vai finalmente começar a sua implementação no terreno -, essa rede fosse mais alargada a outros pontos da Área Metropolitana do Porto.
Consideramos, realmente, que é um projecto fundamental para a Área Metropolitana do Porto, mas consideramos que também é insuficiente em termos de cobertura de alguns dos municípios que pretende abranger. Falo-lhe, naturalmente, em relação a Vila Nova de Gaia, na medida em que o metro ligeiro só lá chega na sua avenida principal, 2,5 km = costumamos dizer que aquilo, em Gaia, não é um metro, quanto muito é um centímetro!... -, e nós, naturalmente, estamos longe de estar satisfeitos, ainda por cima considerando nós que, para a sua própria viabilização económica, é fundamental que o metro chegue a Vila Nova de Gaia, porque é o grande fluxo de cidadãos que o vão utilizar que vai, com certeza, torná-lo rentável. E, se assim é, realmente, temos vindo a defender a expansão da rede do metro ligeiro a outros pontos de Vila Nova de Gaia, se possível...
Sabemos que isso vai ser difícil, se calhar, nesta primeira fase, mas gostaríamos que houvesse já uma segunda fase a ser estudada para ser implementada também a curto ou a médio prazos, alargando a rede do metro ligeiro a outros pontos de Vila Nova de Gaia, designadamente para Sul, para os Carvalhos, para Avintes, para a zona da Arrábida, como se impõe para bem servir Vila Nova de Gaia.
Também temos defendido que o metro deve chegar rapidamente ao Município de Gondomar, pela nova via rápida que vai ligar o Porto a Gondomar, julgo até que está já previsto um canal para poder acolher essa infra-estrutura.
Por outro lado, também temos vindo a defender que o metro devia- chegar ou devia servir a Exponor e o Aeroporto Internacional Dr. Francisco Sá Carneiro.
Gostava, por isso, de perguntar ao Sr. Deputado se também o seu partido e V. Ex. ª entendem que a rede que está prevista para o metro é insuficiente, que deve ser alargada a curto e a médio prazo, começando, desde já, a pensar-se nesse projecto de ampliação da rede de Metro ligeiro de superfície do Porto. Era esta a questão concreta que gostava de lhe colocar.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Pimenta Dias.
O Sr. Pimenta Dias (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Moreira, agradeço a V. Ex.ª, de quem, aliás, me considero amigo, as questões que me colocou.
Quero, naturalmente, reafirmar que o meu partido está de acordo com a expansão da rede do Metro do Porto, no sentido não só de Gondomar como também de outras localidades do próprio concelho de Vila Nova de Gaia e também do aeroporto e da Exponor.
O que procuramos é chamar a atenção para uma contradição evidente: é que na BASE VI do decreto-lei que aprova a concessão, na definição geral do sistema, constatamos que estão previstos quatro troços, nos quais, efectivamente, não estão previstas quer a ligação a Gondomar quer as restantes ligações que aqui foram referidas. E isto entra em completa contradição não só com as afirmações do Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território mas também com as próprias decisões da Junta Metropolitana, que, ainda recentemente; como o Sr. Deputado sabe, no dia 16 deste mês isto foi noticiado, aprovaram já o anteprojecto no sentido de concretamente a linha de Gondomar fosse concretizada nesta primeira fase e pudesse entrar em funcionamento.
Portanto, em resumo, o que quero dizer é que, efectivamente, estamos de acordo e esperamos que sejam dados passos no sentido de toda aquela área ser servida devidamente com este sistema de transporte, que é fundamental para o seu desenvolvimento.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Eram 16 horas e 55 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, vamos entrar na ordem do dia com a discussão -do projecto de deliberação n.º 55/VII - Sobre o problema dos resíduos industriais, tóxicos ou não (Os Verdes).
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Para introduzir o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carmen Francisco.
A Sr.ª Carmen Francisco (Os Verdes). - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Os Verdes já o disseram e repetem-no hoje: este processo tem de ser travado!
O processo de entrega de resíduos tóxicos, para queima, às cimenteiras, e que fez a escolha sobre as já tão penalizadas populações de Souselas e Maceira, aliás, hoje aqui presentes e a quem aproveito para saudar, pelo grande sentido de responsabilidade que têm demonstrado na sua justíssima luta.
O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - É graças a eles!
A Oradora: - O debate que, em grande medida, Os Verdes suscitaram, que múltiplos sectores e uma participada consulta pública permitiram alargar, chegou a conclusões que, quanto a nós, não permitem ignorar que este processo está viciado à partida, falho de rigor técnico, não respeita os interesses das pessoas e da sua saúde e não atende aos pressupostos básicos para uma orientação séria para os resíduos industriais.
Esses pressupostos constam do projecto de deliberação de Os Verdes que aqui estamos a discutir e são os seguintes:
O problema dos resíduos industriais, tóxicos ou não, constitui um grave problema ambiental no nosso país, que tem de ser resolvido, mas que a queima em cimenteiras manifestamente não resolve, sendo bom lembrar que deixa de fora 95% dos resíduos industriais produzidos anualmente;
As opções a tomar para os resíduos, da produção ao tratamento, têm de ter em conta que eles representam um risco para a saúde pública;
A ponderação séria das várias opções alternativas para os resíduos tem sempre de se sustentar naquilo que é elementar - dados fiáveis, estudos credíveis e conhecimento rigoroso das diferentes alternativas e suas consequências.
A aprovação do projecto de deliberação apresentado por Os Verdes é a de quem considera que a decisão tomada, e as escolhas feitas pelo Governo para a queima de resíduos industriais nas cimenteiras carecem de sustentabilidade técnica, rigor científico e credibilidade.
É a aprovação de quem considera que qualquer decisão tem de privilegiar as pessoas, a sua saúde, a sua qualidade de vida e o ambiente, e não a precipitada cedência a interesses economicistas.
É a aprovação de quem considera errada a decisão do Governo, porque este ignorou, de modo chocante, as opiniões e a vontade ,manifestada pelos cidadãos, pelos autarcas, pelos movimentos de opinião e pelas diferentes entidades que vivamente participaram no processo de consulta pública, assim transformado numa farsa.
Sr.ªs e Srs. Deputados: Precisando o sentido prático do nosso projecto, a sua aprovação é a de, quem entende que o processo deve ser imediatamente suspenso, pelos motivos expostos, travando um processo viciado à partida, para permitir a adopção de uma metodologia radicalmente diferente.
E, para precisar ainda mais o sentido daquilo que pretendemos, apresentamos duas alterações que, esperamos, esclareçam as dúvidas da Sr.ª Ministra do Ambiente sobre o que quer este Parlamento. Para nós, a suspensão do processo significa a inequívoca revogação das decisões respeitantes à escolha dos locais para queima e tratamento - Souselas, Maceira, Barreiro.
Mas deve ficar ainda claro que nada disto permite que se ponha em causa o compromisso que o Primeiro-Ministro teve o bom senso de assumir com as populações de Souselas, Maceira, Alhandra e Setúbal, pagando-se a enorme dívida que para com elas existe, ou seja, colocando-se, nas quatro fábricas, filtros, independentemente da queima ou não de resíduos.
O nosso projecto de deliberação tem, ainda, o sentido de impedir cedências a interesses do lobby A ou B. Não defendemos um processo de tratamento em detrimento de outro.
É por isso que o nosso projecto não se limita a procurar que este Parlamento tome a decisão política que obriga ao travar de um processo; antes pretende que esse acto tenha como consequência imediata e irrecusável a elaboração, até ao final desta legislatura, de um inventário nacional de todos os resíduos produzidos, que inclua a sua tipificação, a apresentação de uma estratégia nacional para os resíduos industriais, que contenha planos sectoriais de redução, reutilização e reciclagem, e a garantia da promoção de um amplo debate público, e na Assembleia de República, antes da tomada de qualquer decisão nesta matéria.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O objectivo de "Os Verdes" não é o de fazer perder tempo; antes pelo contrário, é o de fazer ganhar tempo, assegurando que não voltem a ocorrer processos desastrosos, disfarçados de tentativas de resolução de um problema sério e grave, como é o dos resíduos industriais sem destino.
O nosso objectivo não é o de permitir ao Governo uma forma airosa de sair de uma situação penosa, ficando tudo no ar, sem qualquer decisão. É, antes, obrigar a um recuo responsável, que fixe o Governo, este ou qualquer outro, a processos e metodologias rigorosas e credíveis e que permita, sem amarras, a ponderação das vantagens e desvantagens do vasto leque de opções de tratamento tecnicamente possíveis, para que, de uma vez por todas, se decida, no nosso país, em nome das pessoas, da saúde, da vida e do ambiente.
Aplausos de Os Verdes, do PCP e dos Deputados do PSD Arménio Santos, Barbosa de Melo, Fernanda Mota Pinto e Silva Marques.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Devo esclarecer o público presente nas galerias que eventualmente não o saiba de que não pode manifestar-se de maneira alguma.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Pedrosa de Moura.
O Sr. Rui Pedrosa de Moura (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A co-incineração de resíduos industriais é um processo que comporta riscos graves para a saúde pública, pelo que, à medida que progridem as exigências ambientais em todo ó mundo, a sua utilização passou, em diversos países, a ser altamente condicionada.
Os progressos científicos evidenciaram a existência, enquanto subprodutos insusceptíveis de serem evitados, de substâncias de alta perigosidade para a vida humana e os limites que aí passaram a ser impostos para a sua emissão atmosférica (que para muitos cientistas não são ainda
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suficientes para garantirem uma inocuidade total) inviabilizaram, na prática, o recurso a este tipo de tratamento final para os resíduos.
O Partido Popular não tem dúvidas de que estas restrições são o sinal anunciador de uma sociedade diferente, à beira do novo século, em que os problemas ambientais, e de saúde pública, resultantes da sofisticação dos processos produtivos e técnicos contemporâneos não podem ter uma solução fácil e indulgente.
Soluções que, até há pouco tempo, pareciam adequadas e correctas, aparecem, hoje, como insuficientes e, não poucas vezes, como geradoras, elas próprias, de novos e graves inconvenientes!
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - É este, claramente, o caso da co-incineração, que foi, por vezes, apresentada como uma "saída limpa", por virtude de uma temperatura de chama que se julgava tão alta quanto necessária para eliminar todas as substâncias perigosas.
Só que, hoje, sabe-se que não se eliminam metais pesados altamente nocivos e que, ao mesmo tempo, se criam substâncias novas de tipo cancerígeno.
O atraso de Portugal no tratamento destes problemas apresenta, pelo menos, a vantagem de podermos aproveitar, a tempo, o conhecimento dos novos perigos, pondo de lado soluções que nos podem conduzira danos graves para a nossa saúde.
Trata-se de uma vantagem aparentemente contraditória, mas que seria criminoso desaproveitar, sobretudo em nome de uma visão do progresso centrada na tecnocracia ou numa rentabilidade económica indiferente aos limites impostos pela integridade da vida humana, que cumpre aos poderes públicos. observar.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Face à situação de descontrolo em que vivemos no respeitante à gestão dos resíduos industriais, o Governo do Partido Socialista, começando pelo fim, faz a aposta na co-incineração nas cimenteiras nacionais, esquecendo que qualquer decisão estratégica na área do processamento, tratamento e destino final de resíduos industriais terá sempre de ter em conta: uma verdadeira é independente quantificação e classificação dos resíduos industriais existentes; um plano nacional concreto de redução, reutilização e reciclagem deste tipo de resíduos, com metas de redução, prazos para obtê-las e mecanismos eficazes de acompanhamento e fiscalização; um plano estratégico para os resíduos industriais; uma estratégia nacional discutida no sentido da mudança dos próprios processos produtivos; o incentivo às empresas quanto à implantação de tecnologias mais limpas; a identificação e descontaminação das lixeiras e um real e verdadeiro registo nacional de resíduos perigosos e não perigosos, devidamente tipificado e de livre consulta.
O Governo decidiu sem ter a exacta noção dos riscos em que verdadeiramente incorremos e sem estar dotado dos conhecimentos e instrumentos necessários à tomada de qualquer decisão terminal.
Assim, ao erro político de ter decidido sem fazer um rastreio da situação, o Governo somou um erro técnico, uma vez que fez a presente aposta sem a elaboração de estudos e esclarecimentos sobre-os seus riscos ambientais, sem justificar a sua necessidade, sem avaliar, seriamente, o próprio interesse público decorrente da sua aplicação ao caso português e sem esgotar as soluções prévias específicas existentes.
Recorde-se, a propósito, que a maioria das 16 000 t de resíduos perigosos, que o Governo diz existirem para serem co-incinerados, são óleos usados e solventes orgânicos. Para os primeiros, já existe tecnologia que permite a sua recuperação e reutilização; para os segundos, é possível encontrar tecnologias de substituição que evitem a sua utilização.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O ambiente é um recurso para o desenvolvimento e, como tal, escasso e carente de uma gestão criteriosa, global e orientada a longo prazo.
A confiança pública só será incutida quando houver a garantia de que as grandes opções ambientais existem, são consistentes, conformes ao interesse público e, como tal, merecedoras de respeito.
O Executivo fez a opção pela co-incineração com base, pura e simplesmente, em critérios de índole política, uma vez que a co-incineração é um processo fácil e barato. Só que, às vezes, "o barato sai caro"!
O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Curiosamente, ou não, o estudo de impacte ambiental elaborado apresenta a co-incineração como uma opção sem alternativa, apenas se preocupa em elogiar as vantagens desta por contraposição à incineração dedicada e não denuncia, mesmo para amostra, um único impacte ambiental negativo digno de relevo!
Actuou o Governo socialista como se as populações não fossem senão meras máquinas de respirar, pretendendo avaliar, e mal, as consequências da co-incineração apenas em função do aspecto biológico, esquecendo, por completo, as dimensões social e cultural da opção. Foi o somar aos erros político e técnico, já cometidos, um erro social grave!
O desenvolvimento não pode ser feito contra as populações e, se as populações estão contra o que os outros consideram desenvolvimento, é porque seguramente alguma coisa não está bem.
Vozes do. CDS-PP: - Exactamente!
O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Prometer requalificar ambientalmente as cimenteiras, prometer resolver o seu "passivo ambiental", como moeda de troca para a obtenção da concordância das populações, não é, nem de longe nem de perto, um caminho sério.
Por outro lado, ao criar uma comissão onde o Governo não tem maioria, com poderes para fazer abortar o próprio projecto de co-incineração, o Governo admite que tudo começou mal e que o processo de co-incineração pode ser nefasto para a saúde!
Mas também aqui o Governo procura criar a imagem da satisfação da vontade das pessoas, não o fazendo na realidade. Enquanto as populações pretendem que o Governo pare com o presente processo, o Governo limita-se a, constatando que cometeu um erro, condiciona-lo.
Em política de ambiente, é sempre melhor prevenir do que remediar, já que a natureza não perdoa e raramente nos dá segundas oportunidades!
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O ambiente que não se defende hoje é o mau ambiente em que viverão as gerações do amanhã!
É com essa certeza que o Partido Popular votará favoravelmente o presente projecto de deliberação, como votará favoravelmente todo e qualquer projecto que, de uma forma séria, vise revogar a decisão de co-incinerar resíduos nas cimenteiras.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lucilia Ferra.
A Sr.ª Lucilia Ferra (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O problema dos lixos tóxicos industriais tem vindo a constituir, nos últimos anos, motivo de grande preocupação para governantes, centrais e locais, para empresários e cidadãos.
É uma questão complexa, para a qual urge encontrar uma solução que impeça o aumento da produção de resíduos e garanta a qualidade de vida e a saúde das populações acima de interesses económicos, a cujo assédio este Governo parece tão complacentemente vulnerável.
O debate sobre esta matéria está feito, nesta Assembleia, nos órgãos de poder local, entre os cidadãos civicamente organizados, na comunicação social, na comunidade científica e académica e nas organizações de defesa do ambiente, não por iniciativa do Governo, obstinado em levar a sua avante, contra tudo e contra todos, numa atitude arrogante e prepotente de desrespeito flagrante pela saúde das populações, ao serviço das vantagens empresariais das cimenteiras, surdo aos' apelos vindos dos mais variados quadrantes, para que invertesse o processo.
O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Procura o Governo esconder dos portugueses, com propaganda e manobras de diversão, as consequências nefastas para a saúde das pessoas, que começam a surgir em grande parte dos países que adoptaram o tipo de solução em causa.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Ou seja, o Governo pretende adoptar para Portugal uma solução em vias de abandono por muitos países que constataram já a sua perigosidade para a saúde pública.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Decide, assim, sacrificar Maceira e Souselas, Barreiro e Estarreja, a uma experiência aventureira, transformando as populações respectivas em cobaias de um ensaio de consequências desastrosas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Num Governo que prima pela ausência de decisões, a Sr.ª Ministra do Ambiente, com o apoio e a cumplicidade do Sr. Primeiro-Ministro, parece apostada em provar ao resto dos seus pares que mais vale decidir mal do que não decidir.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Não apoiado!
A Oradora: - Por isso, em rigorosa observância do princípio da separação de poderes, os eleitos por sufrágio popular, com o peso da legitimidade que tal representação lhes confere, vão, hoje, aprovar nesta Assembleia, uma recomendação ao Governo para que retroceda no processo e encontre uma solução, que conduza à redução dos resíduos e salvaguarde a saúde pública.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - E a versão final do texto que vai ser submetida à votação, com as alterações feitas na sequência da resolução que o PSD apresentou, satisfaz totalmente o nosso objectivo de exigir do Governo a revogação total deste processo, ou seja, pôr um ponto final num caso que começou mal, realidade esta que só o Governo teima em não ver.
Aplausos do PSD.
Esperamos que o apelo institucional deste órgão de soberania tenha o acolhimento que o bom senso e o interesse dos portugueses impõem.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Neves.
O Sr. Paulo Neves (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Governo assumiu a responsabilidade de decidir, após um período de consulta pública e da elaboração dos estudos técnicos e legais necessários para o efeito, a melhor forma de solucionar o grave problema sobre o destino final dos resíduos industriais perigosos, em Portugal.
É uma decisão difícil, com consequências óbvias junto da opinião pública, das autoridades científicas e das autoridades locais em defesa da suas populações. Mas uma decisão teria de ser tomada, não uma qualquer mas a melhor de entre as possibilidades técnicas conhecidas até ao momento, pelo facto de se tratar de um problema com o maior melindre e que, além de resolver estas questões, sempre adiadas, garantisse, ao mesmo tempo e ao máximo, a saúde pública e a segurança das populações e do ambiente.
Mas, além das dificuldades que seria de esperar, acrescem a dramatização e a desinformação. Diria mesmo, Srs. Deputados, a manipulação dos medos e dos sentimentos das pessoas por entidades que, afinal, deveriam pautar a sua conduta dentro da maior responsabilidade e sentido de Estado, quando se trata, como é o caso, de problemas que afectam claramente o interesse nacional e dos quais não se podem aproveitar para guerras de "quintinha" ou de poder partidário local, vitimando os seus concidadãos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: .É legítimo que nesta Assembleia se discutam este e outros problemas, é normal e desejável que a todos os seus aspectos possamos dar a maior atenção, assim como acompanhar e discutir todos os seus efeitos e participar na
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decisão das questões que afectam os nossos representados, que, em suma, além das nossas iniciativas nesse sentido, fiscalizemos, de forma crítica, a actividade governativa. É isto que se nos pede enquanto Deputados e representantes das populações.
Hoje, o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista "Os Verdes" vem recomendar, entre outros aspectos, e concretizando, a suspensão e revogação do processo de decisão quanto à incineração dos resíduos industriais nos fornos das cimenteiras.
Responsavelmente, mas de forma desapaixonada, teremos todos de assumir que este não é um processo novo de entre as soluções técnicas conhecidas e é mesmo 0 mais usado entre os países mais desenvolvidos da União Europeia, sendo certo que a actual situação que se vive em Portugal é insustentável e muito mais perigosa para o ambiente e para as populações do que a alternativa assumida pelo Governo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O processo da incineração, em Portugal é defendido desde 1986, e o processo da co-incineração desde 1997, como solução, em cada momento, mais adequada para resolver parte dos resíduos que não têm outra solução técnica - e apenas esses!
Acrescente-se que esta medida, não sendo inovadora em termos europeus, foi, entre nós, tratada de forma integrada e racionalizada, de acordo com as suas diferentes vertentes, desde o tratamento físico-químico prévio ao aterro controlado e mesmo à exportação de resíduos, que, nos termos legais e adequados tecnicamente, não tenham outra solução.
Temos assistido a muita confusão sobre este tema. Alguns aproveitam essa confusão para aprofundar os receios das populações e a sua descrença na possibilidade de se melhorarem as actuais condições em que vivem, de, afinal, se recuperar ambientalmente o passivo acumulado de que têm sido vítimas, face à laboração das cimentarias, ao qual se acrescentariam agora os resíduos perigosos.
Quem, de forma responsável, tomaria tal atitude sé não estivesse absolutamente convicto da bondade da solução e da necessidade de resolver uma problemática por demais complexa para o nosso país, que não pode continuar como está?
Mas, Srs. Deputados, nós conseguimos compreender as populações, nós compreendemos a sua desconfiança face a quem decide e a quem lhes promete melhorias, porque nós conhecemos o nível ambiental a que se chegou, nos vários sectores; nós também ouvíamos os discursos do "oásis", mas, ao mesmo tempo, íamos sabendo das escórias da Metalimex, das ETAR que foram construídas, sem que os afluentes fossem tratados; nós conhecíamos o discurso dos aterros controlados, que, afinal, não passavam de lixeiras a céu aberto; todos sabemos das queimadas de resíduos perigosos, sem qualquer controlo, do seu abandono clandestino; todos conhecemos os milhões lançados por protocolo, para a redução da produção de resíduos, com os vários sectores empresariais, sem qualquer efeito e concretização prática...! Por isso, compreendemos a desconfiança das populações.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A tudo isto temos de responder agora, porque esse é o nosso compromisso perante os portugueses, desde que fomos eleitos. Considerando os nossos níveis ambientais, entre os demais membros da União Europeia, tivemos de recuperar, como estamos a fazer, muito tempo perdido, muito terreno, face aos nossos parceiros. Temos de continuar esse caminho, mesmo tomando as decisões mais difíceis, como esta.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Digam quando é que houve, em Portugal, um processo tão partilhado com as autoridades locais, com as comissões independentes de carácter científico, que, afinal, ficam com o poder de monitorizar os níveis de desempenho das cimenteiras, por forma a dar total garantia e confiança às populações.
Quando é que, além de decidir, o Governo aceitou submeter a sua decisão e as suas convicções a outrem, que, afinal, poderá sempre decidir sobre a emissão do necessário licenciamento desta actividade? Nunca, até agora, Srs. Deputados!
Isto só acontece porque estamos convictos das nossas responsabilidades e das melhores soluções. É a força das nossas razões e não a imposição do poder. Nós sabemos que somos responsáveis perante aqueles que representamos, que o poder nos foi delegado em prol das pessoas e é assim que fazemos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Assumimos e sublinhamos que não toleramos mentiras, que não aceitamos manipulações com interesses partidários de quem se arvora em dono da verdade e defensor dos mais fracos.
Queremos aqui afirmar que estamos completamente solidários com a forma e a decisão tomada; queremos aqui reafirmar que, por isso mesmo, respeitamos a saúde pública e a garantia de segurança das populações locais. Não seguimos as palavras dos que dizem uma coisa e fazem outra, assumimos as nossas decisões às claras.
Quero daqui perguntar ao PSD como é que, assumindo as atitudes que hoje assume sobre esta matéria, vive bem consigo próprio, sabendo as atitudes que tomou no passado, quando no poder. Queremos que seja definitivamente clarificado um despacho publicado na 2.º Série do Diário da República, de 1987, que licenciou e aprovou a venda de resíduos perigosos às cimenteiras da Secil e da CIMPOR - e não as 16 000 flano, que hoje se discutem, não as 36 000 t, defendidas por VV. Ex.as, em 1994, para a incineradora de Estarreja, mas as quase 150 000 dano de resíduos perigos da EDP, que contêm cádmio, mercúrio e zinco, entre outras substâncias, que hoje VV. EX.as apregoam em defesa das populações. Quando é que foram feitos os estudos ambientais, as consultas públicas, a defesa da colocação dos filtros de mangas?
Vozes dó PS: - Muito bem!
O Orador: - Nunca, Srs. Deputados! Nunca! Os senhores não querem falar nisso! Onde estava o Sr. Eurodeputado Carlos Pimenta, nessa altura? Não veio a terreiro defender as populações?
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Que vergonha!
O Orador: - Os senhores sabem que nós sabemos que o Sr. Eurodeputado era, então, o membro do Governo que assinou esse mesmo despacho que agora referi.
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Foi ele que licenciou as 150000 t para a co-incineração na Secil e na CIMPOR dos resíduos que mencionei! Sem mais!
Não enganem mais os portugueses!
Aplausos do PS.
Sejam responsáveis e assumam que nunca conseguiram fazer o que hoje estão a defender e que nós, afinal, sempre assumimos que seria a nossa única atitude em face dos interesses das pessoas.
Sr. Presidente, como sei que é muito criterioso com o tempo que nos é atribuído para intervir, entrego a V. Ex.ª a réplica do Diário da República, onde se pode comprovar aquilo que acabei de mencionar.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, não sou eu que, pessoalmente, sou rigoroso com o tempo, o Regimento é que é e a minha obrigação é fazer cumprir o Regimento.
Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Isabel Castro e o Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho. Vou dar a palavra à Sr.ª Deputada Isabel Castro, mas acontece que o Sr. Deputado Paulo Neves não dispõe de tempo para responder...
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, depois de eu intervir, eventualmente, poderei ceder um minuto do meu tempo e julgo que quem estiver mais "recheado de tempo" também poderá fazê-lo. Inclusivamente, a própria Mesa poderá demonstrar alguma generosidade.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Muito bem, Sr.ª Deputada. Faça favor.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Neves, julgo francamente lamentável que alguém se preste a fazer o discurso que o Sr. Deputado hoje aqui fez, neste momento.
Protestos do PS.
É um discurso perfeitamente autista; reproduz aquilo que a Sr.ª Ministra tem vindo a fazer e que o Governo, com alguma cautela, procura suavizar.
O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - É um discurso que afirma a força da sua razão contra a força da razão das pessoas todas de Souselas, de Maceira, de Setúbal,...
O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Fale por si!
A Oradora: - ... do Barreiro e de Alhandra, que se pronunciaram contra o processo e que denunciaram a sua fragilidade e a sua falta de rigor e de sustentabilidade técnica.
O Sr. Deputado vem aqui, "metendo a cabeça na areia", fazer de conta que está tudo bem e passar um atestado de ignorância às pessoas.
É tempo de acabar com isto, Sr. Deputado! A ignorância é daqueles que desprezam a ciência e absolutizam coisas sem qualquer sustentabilidade. E é isso que a Sr.ª Ministra tem feito, ao alimentar o mito do "fogo purificador" que eliminava todos os problemas. Está provado que assim não é e é tempo de percebê-lo, Sr. Deputado.
Julgo que também é tempo de nos entendermos, de uma vez por todas, sobre a contaminação acrescida que o Governo, nesta matéria, tem tentado introduzir. O Governo diz - e di-lo nos seus próprios documentos - que não tem um inventário sobre os resíduos e desenha uma solução para uma realidade que ignora. O Governo diz que tem uma estratégia, mas nunca a apresentou. É que uma estratégia, obviamente, não é uma mão-cheia de nada, são metas, objectivos, e seriam coisas que seguramente teriam de ser discutidas e não uma realidade virtual. O Governo diz que fez estudos, mas fez estudos viciados, fez estudos para encaixar numa decisão que antecipadamente havia tomado. Portanto, não fez aquilo que teria de ser feito num processo sério, isto é, conhecer a realidade em todo o País, ter para a mesma uma orientação e, sobre essa realidade, ver as vantagens e desvantagens.
Sr. Deputado Paulo Neves, esclareço e insisto: não é toda a Europa que utiliza a co-incineração. Entendamo-nos de uma vez por todas! A Sr.ª Ministra do Ambiente precisou de duas horas para esclarecer esta questão e, com falta de honestidade intelectual, rematou incorrectamente,...
Protestos do PS.
... repito, rematou incorrectamente - apesar de ter sido provado e de ter sido distribuída a directiva - com uma conclusão que não podia tirar.
A co-incineração, cujo "exemplo maior" é sempre o da Bélgica já agora esclareço que é um caso que está em tribunal pelos imensos problemas que tem desencadeado - é feita num país que, é bom que se diga para quem não se lembre, importa resíduos. Importa-os de França, do Reino Unido, da Alemanha e da Holanda.
A Sr.ª Lucilia Ferra (PSD): - E de Portugal!
A Oradora: - Portanto, dizer que todos estes países fazem co-incineração só porque os seus resíduos são tratados na Bélgica é perfeitamente falso.
Por último, Sr. Deputado Paulo Neves, fazer um estudo de impacte ambiental com as lacunas grosseiras que este tinha, fazer uma consulta e torná-la uma farsa, ignorando tudo o que as pessoas disseram, o sentir das populações, dos cidadãos e dos movimentos de opinião, do ponto de vista democrático, é, no mínimo, muito grave.
Aplausos de Os Verdes e do PCP.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho.
O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Neves, compreendemos a incomodidade do Partido Socialista em falar sobre estas matérias, a tal ponto de tê-lo destacado a si e não a qualquer outro dos Deputados que, em normalidade, deveriam estar a usar da palavra, ou seja,...
Protestos do PS.
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... aqueles que representam as populações que, neste momento, estão a ser afectadas pela injusta decisão do Governo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado Paulo Neves é Deputado pelo círculo eleitoral do Algarve, onde também há uma cimenteira. Ora, a sua posição de Estado deveria permitir-lhe dizer que tanto gostaria de a ver instalada em Souselas como no Algarve.
Protestos do PS.
Não 0 ouvimos dizer isso! Pregar para a responsabilidade dos outros é óptimo, sabe bem, o problema são aqueles que vêm a sofrer, ao longo de anos e anos, os inconvenientes de terem na sua localidade aquelas unidades industriais.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado Paulo Neves, o senhor disse que as forças políticas promoviam a instrumentalização deste processo e que aqueles que falavam sobre esta questão instrumentalizavam-na politicamente.
Pergunto: será que o Senado da Universidade de Coimbra é instrumentalizado?!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Será que o Conselho Científico da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra também é instrumentalizado'?!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Será que o Magnífico Reitor da Universidade de Coimbra também é instrumentalizado?!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Será que os variadíssimos especialistas, de diversas Universidades, que se têm pronunciado também são instrumentalizados?!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Será que a população de Souselas também é instrumentalizada?!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Queremos que fale sobre o "despacho do Pimenta"!
O Orador: - Será que a população de Maceira também é instrumentalizada, Sr. Deputado Paulo Neves?!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Tenha respeito por estas pessoas e por estas entidades, que não merecem a desconsideração que o Sr. Deputado acabou de demonstrar nem a ofensa que lhes fez do cimo daquele púlpito!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Deputado Paulo Neves veio branquear uma decisão injusta, errada e insensata da Sr' Ministra do Ambiente.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado Paulo Neves foi, aqui, o arauto de uma constatação que, há muito, vimos denunciando: a de que' o famoso Governo do diálogo passou, de facto, a ser o Governo da prepotência, esquecendo, por isso, os tais tempos do diálogo, que deram lugar à arrogância e,...
O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Fale do "despacho do Pimenta"!
O Orador: - ... como já alguns dizem, ao autismo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder aos pedidos de esclarecimento formulados, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Neves.
O Sr. Paulo Neves (PS): - Sr. Presidente, quanto tempo tenho para responder?
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem o tempo que lhe foi cedido, ou seja, dois minutos.
O Sr. Paulo Neves (PS): - Obrigado, Sr. Presidente.
Srs. Deputados, agradecendo as perguntas formuladas e o tempo disponibilizado, começaria por responder à última questão que me foi colocada, sem esquecer a da Sr.ª Deputada Isabel Castro.
Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho, é óbvio que a Universidade de Coimbra não é instrumentaliza, os senhores é que aproveitam e lêem às populações aquilo que é escrito de maneira diferente e de forma determinada. Agora, quero perguntar-lhe: como é que vai ler e aproveitar, desta vez, a decisão tomada, ontem, por unanimidade, na Universidade de Coimbra, que o senhor tanto respeita?
O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Onde está essa decisão?
O Orador: - Vamos ver como é que o Sr. Deputado vai usar esta deliberação da Universidade de Coimbra que ontem foi tomada por unanimidade em relação a este processo.
Protestos do PSD.
O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Mostre essa decisão!
O Orador: - Basta consultar os órgãos de comunicação social.
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Em relação às populações afectadas, agora, com a nossa decisão, o Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho diz que temos uma atitude de prepotência, mas será que não quis dizer que, até agora, o único facto pelo qual as pessoas têm sido afectadas é a decisão do PSD, de 1987?! As cimenteiras têm incinerado os resíduos que têm cádmio, mercúrio e zinco!
Protestos do PSD.
São 150 mil toneladas de resíduos! Os senhores fizeram isto às escondidas dos portugueses e das populações!
O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Não se desculpe com o passado!
O Orador: - O Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho, nas intervenções que faz, deveria ter respeito pelas funções que aqui ocupa.
O Sr. Deputado não respondeu à questão de como é que convive com a decisão do, então secretário de Estado, hoje, vice-presidente da comissão política,...
O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Não são resíduos perigosos!
O Orador: - Não são resíduos perigosos?! De facto, o Sr. Deputado anda a ler umas coisas sobre isto...!
Sr.ª Deputada Isabel Castro, tenho de dizer a verdade em relação à Europa. Dos 15 Estados membros da União Europeia, há três que não usam o sistema de co-incineração: a Holanda, a Dinamarca e a Grécia. Todos os outros, de facto, usam o sistema de co-incineração.
Verdadeiramente, a Sr.ª Deputada Isabel Castro sabe que esta decisão da constituição local de mecanismos para a definição dos vários níveis de emissões de cada um dos tipos dos resíduos é o máximo que se pode fazer para garantir e controlar a saúde pública e para ganhar a confiança das populações que ali vivem.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção,, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.
O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de deliberação apresentado pelo Partido Ecologista Os Verdes tem, a nosso ver, inegável oportunidade e corresponde às posições que, de forma coerente, sem demagogia ou populismo, o PCP tem tomado, invariavelmente, neste processo.
Já em 15 de Dezembro, na interpelação ao Governo sobre os resíduos industriais, afirmámos, com clareza, que era urgente parar este processo e corrigir os erros que o deformam desde a origem para que, o mais rapidamente possível, se possa caminhar no sentido correcto, isto é, pôr termo à insustentável situação dos resíduos industriais em Portugal com . objectivos bem definidos e, consequentemente, assumidos, como o País há muito reclama.
Esta é, a nosso ver, a questão central do problema, ou seja, pôr cobro à caótica situação dos resíduos industriais em Portugal, salvaguardando os interesses ambientais, a saúde pública e a qualidade de vida das populações, não' da forma como o Governo, através do Ministério do Ambiente, conduziu este processo, privilegiando os aspectos economicistas do problema em, detrimento dos objectivos fundamentais.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - A firme e justa oposição dás populações é a consequência lógica da forma como o processo foi conduzido.
A decisão precipitada do Governo veio a confirmar-se ser errada, porque tomou a decisão sem estar na posse dos dados que permitiriam fazê-lo de forma correcta, tendo resultado claro, da referida interpelação, que o Governo não conseguia responder às questões objectivas e concretas formuladas, aqui, no Parlamento, pois os estudos efectuados eram, no mínimo, insuficientes em aspectos essenciais, como o esclarecimento da disparidade existente no próprio estudo relativamente à quantidade de resíduos a tratar, os riscos de transporte e manuseamento e a defesa da qualidade de vida e da integridade das populações. O próprio Conselho Nacional do Ambiente reconhece, no seu parecer, não haver condições materiais para decidir de imediato.
A Comissão de Análise do Estudo de Impacte Ambiental, pelo seu lado, alertou o Governo para o facto de o estudo ter graves lacunas e recomendou que, no seu despacho, o Governo tivesse em conta várias questões, como, por exemplo, a colocação de alternativas à estação de tratamento a localizar no Barreiro, incorrectamente situada no interior dum aglomerado populacional. Também estas questões essenciais foram ignoradas pelo Governo, como, aliás, se verificou no debate de urgência realizado na semana passada.
Quanto à discussão pública, o Governo transformou-a numa farsa. Talvez surpreendido pelo civismo manifestado pelas populações que, chamadas a pronunciar-se sobre o Estudo de Impacte Ambiental, participaram activamente na discussão, ignorou, na decisão final, as questões que legitimamente por elas foram colocadas.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Neste quadro, não há Comissão de Acompanhamento que valha a esta decisão, tanto mais que, sendo o objectivo central o tratamento dos resíduos industriais da produção ao destino final, fica por acompanhar todo o processo, excepto uma pequena parte do destino final, designadamente a alternativa à estação de tratamento a localizar no Barreiro, questão que, voltamos a frisar, a Comissão de Avaliação referiu expressamente, como referiu que deveria ser tida em conta, na deliberação, a necessidade de uma alternativa.
Pela nossa parte, nunca excluímos qualquer método de tratamento. Ao contrário, todas as hipóteses devem estar em aberto para estudo e debate público, dentro e fora da Assembleia da República, mas os estudos têm que ser credíveis e a suspensão do processo de co-incineração, que é imperioso que se faça neste momento, deve ser total, incluindo a parte referente ao tratamento, porque o processo é, de facto, global.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Na discussão efectuada a questão do tratamento no Barreiro tem sido subestimada, inclusive pela
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própria Ministra, que sistematicamente foge dela. Contudo, não há qualquer justificação para tão aberrante decisão.
Só a insuficiência do Estudo de Impacte Ambiental em matéria de transporte de resíduos e a análise de risco para as populações podem justificar tal decisão, cuja escolha não faz minimamente sentido, mesmo no seu contexto global, obrigando os resíduos industriais, incluindo os perigosos, a passearem pelo País e, na sua maior quantidade, a atravessarem o Tejo nos dois sentidos.
Também do ponto de vista das populações é significativa esta escolha, ou seja, localizar a estação de tratamento bem no centro de um aglomerado urbano com uma das mais elevadas taxas de densidade populacional da Área Metropolitana de Lisboa, de tal forma que, a menos de 2 .km da localização da unidade, residem 50 000 pessoas e os acessos rodoviários para entrada e saída dos resíduos são feitos por vias urbanas de tráfego intenso e, por vezes, congestionado.
Acresce que a localização não é num parque industrial, como falsamente é referido no Estudo de Impacte Ambiental e no despacho. Trata-se de um parque empresarial com 60% de serviços, alguns dos quais de integração urbana, como centros comerciais e hipermercados. É um parque empresarial público, que, tendo vindo a ser reestruturado, ainda contém indústrias de elevado risco, como reconhece o Serviço Nacional de Protecção Civil, sendo igualmente reconhecido que a colocação de matérias inflamáveis e voláteis na proximidade potenciaria enormemente o risco de acidente, como aumentaria também a dimensão das suas consequências, que nesta situação seriam, por certo, a perda de muitas vidas humanas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sendo esta estação de tratamento uma unidade industrial a construir de raiz, sem qualquer condicionante que não seja a salvaguarda dos acessos, designadamente os rodoviários, no percurso mínimo que os resíduos deverão efectuar e a defesa da qualidade de vida das populações, é obra refinada a escolha de tal localização!
Para terminar, queremos reafirmar que a suspensão deste processo é um imperativo nacional. É indispensável que se façam os necessários estudos credíveis e que as soluções apontadas sejam debatidas publicamente e consensualizadas. A persistência num processo errado só poderá dificultar a aplicação, no futuro, das medidas nacionais para concretização duma correcta política para os resíduos industriais, incluindo os perigosos, da produção ao destino final.
Aplausos do PC.P.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições...
O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): -- Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Sr. Presidente, como penso que terá reparado, o Sr. Deputado Paulo Neves fez uma intervenção na qual, a dado passo, exibiu um documento que, supostamente, era oriundo da Universidade de Coimbra e que ele apresentou como sendo um documento importante para o debate que estávamos a travar. Disse o Sr. Deputado que iria entregar na Mesa aquele documento para que tivéssemos acesso ao mesmo.
Ora, como até agora ainda não o recebemos - e pedimo-lo ao Sr. Deputado mas ele não no-lo facultou directamente, embora eu não saiba porquê -, gostaríamos que a Mesa providenciasse no sentido de fazer distribuir o tal documento para sabermos se, de facto, é assim tão importante...
Protestos do PS.
É que não basta vir para aqui acenar com papéis que, na prática, não nos são mostrados!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - O que foi entregue na Mesa não foi esse documento. Se o Sr. Deputado Paulo Neves entender entregar esse documento na Mesa, fá-lo-ei distribuir, mas. isso depende do Sr. Deputado e não da Mesa.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - É um documento secreto!
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr: Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para que efeito, Sr.ª Deputada?
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, todas as bancadas deram o seu acordo no sentido de ser votado de imediato o nosso projecto de deliberação.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Havendo consenso, vamos passar à votação do projecto de deliberação n.º 55/VII = Sobre o problema dos resíduos industriais, tóxicos ou não (Os Verdes).
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CDS-PP, 'dó PCP, de Os Verdes e dos Deputados do PS, Aires de Carvalho, Arnaldo Homem Rebelo, Carlos Beja, Eduardo Pereira, João Rui de Almeida, Manuel Alegre, Osório Gomes, Ricardo Castanheira e Rui Namorado, votos contra do PS e a abstenção do Deputado do PS, João Pedro Correia.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.
O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, informo a Mesa que os Deputados do Partido Socialista eleitos pelo círculo eleitoral de Coimbra votaram a favor deste projecto de deliberação apresentado pelo Partido Ecologista Os Verdes e vão entregar na Mesa, neste momento, uma declaração de voto.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não estrague tudo!
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, peço a palavra.
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O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, é para que fique claro, no Diário da Assembleia da República, que o projecto de deliberação foi aprovado com as alterações que tínhamos introduzido.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Obrigado, Sr.ª Deputada.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, talvez por lapso meu e da minha bancada, pareceu-nos que, embora tenha anunciado a posição de voto das várias bancadas, o Sr. Presidente não anunciou o destino do projecto de deliberação, pelo que estamos na dúvida sobre se o mesmo foi ou não aprovado.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, comecei por dizer que foi aprovado!
Aplausos do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, já agora, esclareço que compreendo o "artifício" - se me permite - da sua interpelação, mas anunciei claramente que o projecto de deliberação tinha sido aprovado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Foi lapso meu, Sr. Presidente!
Neste momento, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início à discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.os 213/VII - Altera a Lei n.º 14/79, de 16 de Maio (Lei Eleitoral para a Assembleia da República) e 217/VII - Regula a composição das mesas das assembleias ou secções de voto em actos eleitorais e referendários e o recrutamento e compensação dos seus membros e dos projectos de lei n.º5 518/VII - Alarga a aplicação dos princípios reguladores da propaganda e a obrigação da neutralidade das entidades públicas à data da marcação das eleições (ou do referendo) (PCP) e 584/VH - Redução do período de campanha eleitoral e de prazos para a marcação de eleições e alargamento do dever de neutralidade das entidades públicas (PSD).
A iniciar o debate, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, para intervir em nome do Governo.
O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna (Luís Parreirão): - Sr. Presidente, Srs. e Sr.ªs Deputados: Dirijo-me, hoje, a esta Assembleia para apresentar duas propostas de lei que, embora não directamente inscritas no Programa do Governo, decorrem da filosofia geral que vimos imprimindo à reforma da administração eleitoral.
Falo-vos da proposta de alteração à Lei Eleitoral para a Assembleia da República e refiro-me, também, à proposta de lei relativa à composição das mesas de voto e recrutamento, designação e compensação dos seus membros.
As motivações do Governo pare submeter à aprovação do Parlamento estas duas propostas de lei são distintas. A alteração à Lei Eleitoral para a Assembleia da República é uma imposição constitucional. Já no que concerne à proposta de lei relativa ao funcionamento das mesas de voto, a motivação do Governo decorre, directamente, da constatação de dificuldades de funcionamento processual do actual modelo. Por esse motivo, tratarei cada uma delas separadamente.
As alterações propostas pelo Governo à lei eleitoral não constituirão, estou certo, matéria inovadora. De facto, o Executivo procedeu tão-só às necessárias alterações, em sede de lei ordinária, que decorrem da quarta revisão da Lei Fundamental, convertendo a lei ordinária num normativo constitucionalmente adequado.
O Governo assume, assim, e tão-só, o impulso legislativo para adequar a Lei n.º 14/79 "à nova redacção da Constituição".
Na revisão constitucional de 1997, o n.º 6 do artigo 113.º da Constituição, passou a dispor que "No acto de dissolução de órgãos colegiais baseados no sufrágio directo tem de ser marcada a data das novas eleições, que se realizarão nos sessenta dias seguintes e pela lei eleitoral vigente ao tempo da dissolução, sob pena de inexistência jurídica daquele acto".
Impõe-se, então, mediante a alteração da norma constitucional, que a lei fixe o prazo para marcação de eleições em 60 dias, prazo, aliás, considerado como o limite mínimo para que o actual sistema funcione.
A alteração do prazo para a marcação de eleições legislativas reflecte-se noutros que dele dependem, o que torna exigível a alteração dos prazos "intermédios" a que o Governo também procedeu.
É, também, submetida hoje a esta Assembleia uma outra proposta de lei, a que fixa um novo regime jurídico para a composição das mesas das assembleias eleitorais e para o modo de recrutamento, designação e compensação dos seus membros. Esta proposta está imbuída de uma filosofia que concretiza o aperfeiçoamento dos mecanismos participativos na vida política, preconizado e inscrito no Programa do XIII Governo Constitucional, no respeito pelo pluralismo e pela motivação dos' cidadãos para a participação.
É consensual que do correcto e eficaz funcionamento das mesas eleitorais depende, em larga medida, o êxito técnico de uma eleição ou de um referendo e a fidedignidade dos resultados apurados.
É também pacífico que aperfeiçoar o papel da participação activa dos cidadãos na vida política constitui um reforço do ideal participativo da democracia ou, dito de outro modo, contribui para a democratização do sistema democrático.
Partindo destes dois pressupostos e de um terceiro dado - o deficiente funcionamento das mesas de voto -, entende o Governo suscitar o debate que permita encontrar uma solução tecnicamente apta a dissipá-lo. Sem presunção de perfeição, antes como um contributo para uma solução que ao Parlamento cabe encontrar.
Na realidade, as soluções técnicas tendentes a solucionar o problema podem assumir contornos diversos. Por
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isso, acreditamos que uma discussão alargada em torno da matéria trará claros benefícios, para a sua resolução. Sendo também esta uma área em que o consenso alargado, senão mesmo a unanimidade, são condições de êxito. É esta a nossa vontade e disponibilidade, como tem sido em todas as propostas de lei que vimos submetendo a esta Câmara, com o objectivo de modernizar a administração eleitoral.
Com efeito, a administração eleitoral tem-se confrontado, em vários sufrágios realizados em Portugal, com a dificuldade de designação dos membros das mesas de voto, bem como com o elevado absentismo dos designados.
Esta proposta de lei cria um regime uno para todos os actos eleitorais e referendários e altera, no ordenamento jurídico, a forma de recrutamento e de designação dos cidadãos membros de mesas, atribuindo uma compensação pelo exercício dessas funções.
Em Portugal, existem actualmente cerca de 12 500 assembleias eleitorais a que corresponde a necessidade de, aproximadamente, 62 500 eleitores para o exercício das funções de membros efectivos das mesas, bem como de outros tantos suplentes.
A proposta de lei mantém o número de membros necessários à constituição das mesas - cinco membros efectivos e cinco suplentes. A grande inovação opera-se no modo de recrutamento e de designação desses cidadãos.
O sistema proposto assenta na existência de bolsas de cidadãos eleitores (uma por cada freguesia), sugestivamente denominados Jovens Agentes Eleitorais. O Governo aposta, assim, no recrutamento dos mais jovens, sensibilizando-os para a participação cívica. Motivam-se, deste modo, os jovens para uma importante e determinante forma de exercício da soberania do povo num Estado de direito democrático - a realização dos sufrágios universais, iguais, directos, secretos e periódicos.
Na proposta de lei, a forma de designação do presidente, do vice-presidente e dos respectivos suplentes não sofreu qualquer alteração de princípio. Continuam a ser escolhidos por acordo entre os representantes dos partidos e, também, por grupos de cidadãos eleitores, consoante esteja em causa um acto eleitoral ou referendário, regime, agora, também aplicável às eleições para o Presidente da República.
Os restantes membros das mesas - os vogais e respectivos suplentes - são, no regime jurídico proposto, os Jovens Agentes Eleitorais.
Estes cidadãos eleitores serão especialmente formados pelo Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral (S TAPE), em colaboração com as câmaras municipais e as juntas de freguesia, e vocacionados para a cidadania e a participação cívica. Para nós, esta "formação eleitoral" deverá consubstanciar-se nomeadamente na elaboração de documentação vocacionada para o funcionamento do processo eleitoral, além da aprendizagem cívica e de participação que aos jovens é proporcionada.
Como ;á referi, os Jovens Agentes Eleitorais integram uma bolsa constituída especificamente para o desempenho das funções de membros das mesas. Competirá às câmaras municipais e às juntas de freguesia promover a constituição das bolsas (uma por cada freguesia), através do recrutamento de jovens que a elas queiram concorrer.
Constitui preocupação do Governo que os candidatos sejam ordenados por aplicação de critérios objectivos e imparciais, a saber: habilitações literárias e idade. Por isso, foram fixadas, na proposta de lei, as normas necessárias para assegurar essa objectiva selecção.
As bolsas de Jovens Agentes Eleitorais serão constituídas por um número de eleitores superior aos necessários para o preenchimento dos lugares. Obvia-se, deste modo, às eventuais dificuldades na constituição das mesas.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - O fim último desta proposta é assegurar efectivo preenchimento dos lugares de membros das
mesas, permitindo o bom funcionamento dos actos eleitorais ou referendários.
A colaboração com a administração eleitoral, nomeadamente o exercício de funções de membro de mesa, é um dever dos cidadãos. Cumprir esse dever é assumir, na plenitude, a qualidade de cidadão, de cidadão activo e empenhado. O Governo sabe, por isso, que essa característica inata da democracia, porque dela inseparável - a cidadania -, não tem preço. No entanto, o Governo reconhece o esforço dos cidadãos que, voluntária e abnegadamente, exercem as funções de membros das mesas de voto, processo que é, ele próprio, essencial ao funcionamento do sistema. Assim, e ao reconhecer esse esforço, entende atribuir uma compensação aos eleitores que se disponibilizam para intervir activamente no processo eleitoral. Esta é uma compensação que - quero reforçá-lo como principio em que acredito -, não pretende pagar nem o esforço nem o empenho.
A atribuição de uma compensação aos membros das mesas não é, de resto, novidade quando atendido o processo eleitoral comparado. Trata-se de uma prática instituída em muitos estados da União Europeia, nomeadamente, na Bélgica, na Dinamarca, em Espanha, em Itália, no Luxemburgo e na Suécia, como reconhecimento pelo esforço dos cidadãos que tão nobre tarefa prestam ao Estado de direito democrático.
Estipula, assim, a proposta de lei a atribuição de uma compensação aos membros das mesas, cujo montante é igual ao valor das senhas de presença auferidas pelos membros das assembleias municipais de municípios com 40 000 ou mais eleitores.
O Estado promove, desse modo, a dignificação do exercício de uma tarefa indispensável ao real funcionamento do sistema democrático.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Devo ainda referir-vos que ouvimos, quer a Associação Nacional dos Municípios Portugueses, quer a Associação Nacional de Freguesias, no respeito que todos temos pelo relevante papel que os autarcas vêm tendo neste domínio, sem reclamações conhecidas quanto à sua isenção e observância de legalidade, na execução das tarefas que a lei já lhes comete.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - Ambas as associações tiveram oportunidade de sugerir alguns aperfeiçoamentos que, a nosso ver, poderão ser acolhidos, com vantagem, na discussão na especialidade. Nomeadamente, a possibilidade de o recrutamento de Jovens Agentes Eleitorais ser feito até aos 30 anos, bem como uma maior participação das freguesias na direcção do processo e de todas as autarquias na formação cívica dos jovens.
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O dever de colaboração dos cidadãos com a administração eleitoral é um dever de carácter cívico-político. Contudo, a estabilização e a consolidação do sistema democrático aportam para a nossa realidade social uma habituação da sua existência que pode originar, como qualquer hábito ou rotina, uma menor valorização dessa fundamental colaboração. Confrontados com estas dificuldades, não nos podemos conformar com o inevitável.
É uma cada vez maior abertura política e social a todos os cidadãos que se pretende implementar, abrindo caminho a uma nova organização de uma rotina indispensável à democracia.
Acreditamos que, ao contribuir para criar as condições para a não apatia ou anomia de colaboração com a administração eleitoral, contribuiremos para um aperfeiçoamento do funcionamento da democracia.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados António Brochado Pedras e Moreira da Silva.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Brochado Pedras.
O Sr. António Brochado Pedras (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, em cerimónia pública a que presidiu, em meados de Julho - creio -, anunciou que o Governo tinha a intenção de apresentar, até ao fim do ano passado, uma nova proposta de lei. eleitoral.
Lendo a exposição de motivos da proposta de lei n.º 213/VII, verifica-se que o Governo persiste nessa intenção, porque se diz, expressamente: "(...) sem prejuízo da iniciativa que o Governo apresentará para concretizar a reforma do sistema eleitoral...". Portanto, implicitamente, daqui se extrai que há, de facto, vontade do Governo de apresentar essa proposta.
Acontece que, em Abril do ano passado, foi reprovada a proposta apresentada pelo Governo. Apesar de existir um largo consenso entre esta e o projecto de lei do PSD, inexplicavelmente, nem a proposta de lei, nem o projecto de lei foram aprovados!
Ora, a minha pergunta é esta: que soluções originais vai o Governo apresentar nesta nova proposta para acreditar que vai ser aprovada, nesta Assembleia, uma nova lei eleitoral, apenas para aplicar no ano de 2003?
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. José Magalhães (PS): - Portanto, a sua pergunta é sobre outro tema, outro objecto, outra questão!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Secretário de Estado, havendo mais um orador inscrito para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna: - No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, começo por dizer que uma das propostas de lei, a que regula a composição das mesas das assembleias ou secções de voto, tem objectivos meritórios aos quais nos associamos. Realmente, é necessário arranjarmos forma de ultrapassar alguns entraves à constituição de mesas eleitorais.
No entanto, a proposta de lei n.º 217/VII prevê algo que, para nós, se afigura de enorme gravidade. Vou colocar-lhe a questão com clareza e muita calma. Aliás, com algum cuidado, ainda fui verificar se o diploma estava assinado pelo Sr. Primeiro-Ministro, pelo Sr. Ministro Jorge Coelho e pelo Sr. Ministro António Costa, e realmente estava, o que aumentou a minha perplexidade!
De facto, há um ponto que necessita de ser muito bem explicado nesta Assembleia. V. Ex.ª, aliás, na sua intervenção, referiu o ponto-chave: é preciso não afastar o pluralismo; é preciso afirmar que as mesas eleitorais, pela sua função, são uma pedra essencial da democracia e do processo eleitoral.
Todavia, nesta proposta de lei, VV. Ex.as propõem o afastamento, por completo, dos partidos políticos, dos candidatos e seus representantes da escolha da maioria dos membros das mesas eleitorais!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Como é possível, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, que afastem o pluralismo e venham aqui afirmar que o pluralismo é a pedra essencial desta proposta de lei?! Como é possível, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, que uma proposta seja presente a esta Assembleia quando se afasta toda a intervenção, no essencial da mesma, dos partidos políticos, dos candidatos e seus representantes na escolha da maioria dos membros das mesas das assembleias?
Esta questão é essencial e, se não a ultrapassarmos, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, obviamente, esta proposta de lei não terá condições mínimas para poder, sequer, ser discutida!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Está em causa uma questão essencial do regime democrático, e o Governo tinha a obrigação de ter isso em conta.
Por mais eficácia que pretenda dar aos trabalhos não pode,. de forma alguma, afastar e trocar o pluralismo dos partidos pelas figuras do presidente da câmara, presidente da assembleia municipal ...
O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - ... e presidente de junta de freguesia, que no passado foram órgãos institucionais, tal como hoje o são, mas com uma carga política acentuada, daí que não lhes possa ser, a eles, assacada a responsabilidade exclusiva de determinar as pessoas que vão decidir a escolha do voto.
Imagine V. Ex.ª - e é esta a questão fundamental que lhe deixo - que, em eleições para órgãos das autarquias locais, quem vai decidir como são contados os votos são os próprios intervenientes: o presidente da câmara, que está em jogo; o presidente da assembleia municipal, que está em jogo; o presidente da junta de freguesia, que está
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em jogo! Há desconfiança absoluta e total e há o afastamento das regras mais elementares da democracia e do pluralismo.
Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, como respondem a este atrevimento que fizeram a esta Assembleia?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. .Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna.
O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna: - Sr. Presidente, quanto à primeira questão que me foi colocada, importa dizer o seguinte: efectivamente, esta Assembleia, confrontada com uma proposta de lei formulada na última sessão legislativa, entendeu não a aprovar. Ao Governo apenas cabe, e foi isso que tive oportunidade de referir na minha intervenção inicial, criar as condições, através de um impulso legislativo - e tive o cuidado de o dizer nestes termos exactos -, para que outro órgão de soberania, o Sr. Presidente da República, no caso de querer convocar eleições legislativas, não tenha qualquer inibição para o fazer, porque a lei em vigor não está conforme à Constituição.
Cada coisa se trata a seu tempo.
Aqui houve - e tivemos o cuidado de o dizer - tão-só a preocupação de, por inexistência de iniciativa, limitarmos a possibilidade de realização de actos eleitorais.
Quanto à proposta de lei relativa às mesas eleitorais, era mais fácil para Governo fazer de conta que o problema não existe e fazer de conta de conta que não é preciso encontrar uma solução para o mesmo.
Também tive o cuidado de dizer que esta é uma solução possível...
O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Afastar os partidos é uma solução, Sr. Secretário de Estado?!
O Orador: - Se me permite, Sr. Deputado, estava eu a dizer que esta é uma solução possível...
O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Essa é que é a questão!
O Orador: - Estava eu a dizer que esta é uma solução possível, mas outras haverá, como tive oportunidade de referir. Não temos...
O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Esta foram os senhores que a apresentaram, e isso é que é grave!
O Sr. Ministro da Administração Interna (Jorge Coelho): - Anunciou que ia ter calma, mas já está no seu estado normal...
O Orador: - Dizia eu que esta é uma solução possível, mas haverá outras, naturalmente, também possíveis! Não dizemos o contrário.
No entanto, julgo que a proposta apresentada não tem os defeitos que o Sr. Deputado lhe atribuiu, desde logo porque ela não afasta, por completo, os partidos da designação dos membros das mesas eleitorais.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Dois em cinco!
O Orador: - O que a proposta contempla é que o presidente e o vice-presidente sejam propostos pelos partidos e nomeados pelos autarcas.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Os três restantes!
O Orador: - Todos sabemos que é assim já hoje, para todos os membros das mesas!
Vozes do PSD: - Não é assim!
O Orador: - Também sabemos que o sistema não tem funcionado, sobretudo nos últimos actos eleitorais e referendários, daí o Governo ter apresentado esta proposta...
O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Se calhar, foi assim que ganharam as eleições!
O Orador: - ..., que não afasta a intervenção dos partidos políticos. Antes pelo contrário. mantém-na para os lugares de presidente e vice-presidente e procura encontrar na motivação dos jovens para a participação nas mesas eleitorais a solução para o problema existente, que é o da dificuldade de constituição de mesas eleitorais ou, uma vez constituídas, a de os seus membros não comparecerem.
Também não me parece adequado dizer que isto é atribuir uma carga política excessiva aos autarcas em matéria de processo eleitoral, porque hoje, convocadas as assembleias expressamente para indicar os membros das mesas, se os partidos não os indicarem, já são os autarcas que fazem essa nomeação!
O Sr. Moreira da Silva (PSD): - É um regime supletivo, Sr. Secretário de Estado, não afasta os partidos!
O Orador: - Julgo, portanto, que esta proposta não tem os defeitos que lhe atribui, Sr. Deputado, antes visa solucionar um problema. E é uma proposta possível para o solucionar!
O desafio que lanço é o de que se encontre outra solução ou que V. Ex.ª proponha!
O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Com certeza!
O Orador: - Não merece a pena fazer de 'conta que não se vê a realidade! Não merece a pena ignorar a realidade, porque não é por isso que ela muda!
Desafio V. Ex.ª e o Grupo Parlamentar do PSD a apresentar uma proposta que solucione este problema!
O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Não precisa de desafiar!
O Orador: - Trata-se de um problema real que, seguramente, nos angustia pelo que representa de défice de participação dos cidadãos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Não é acabando com a democracia que se resolve o problema!
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Estamos conversados, Sr. Secretário de Estado. Pensei que tinha sido um erro... Afinal, não foi, o que é mais grave!
O Sr. Presidente (João Amaral): - O Sr. Deputado Moreira da Silva pretende usar da palavra?
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Está apenas a fazer um aparte, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Irei fazer a apresentação do projecto de lei do PCP, também hoje objecto de discussão, e pronunciar-me sobre as propostas constantes das várias iniciativas legislativas em debate.
Começo por tratar uma questão, não direi mais simples, mas, porventura, mais pacífica: a questão relativa aos prazos eleitorais, cuja alteração é proposta pelo Governo e pelo Grupo Parlamentar do PSD.
Há uma alteração a introduzir relativamente aos prazos eleitorais que diz directamente respeito à concretização de uma disposição aprovada na última revisão constitucional, na medida em que o texto constitucional passou a estabelecer que, em caso de dissolução da Assembleia da República, as eleições terão de realizar-se no prazo de 60 dias.
Portanto, importa conformar os prazos que estão previstos na lei ordinária, em matéria de direito eleitoral, por forma a que todo o processo eleitoral para a Assembleia da República decorra, normalmente, dentro desse prazo de 60 dias que está constitucionalmente delimitado.
Esta é, porém, uma questão que tem de ser vista com muito cuidado, na medida em que importa conciliar o decurso de prazos eleitorais do mais diverso tipo: prazos relativos à apresentação das candidaturas e à verificação da sua regularidade formal, incluindo todos os recursos que sejam suscitados a esse propósito; prazos relativos ao decurso da campanha eleitoral; prazos para a realização de operações relativas ao acto eleitoral, designadamente a de organização do processo eleitoral no estrangeiro e a relativa a vários processos de voto antecipado que estão previstos na lei.
Há ainda que conciliar estes prazos com os prazos próprios do recenseamento eleitoral e da regularidade formal dos cadernos eleitorais. Como sabem, esta não é uma questão menor; aliás, ainda hoje, numa reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, fomos confrontados com algumas dificuldades em matéria de prazos, em sede de discussão da Lei do Recenseamento Eleitoral.
Portanto, a redução dos prazos é desejável, mas tem limites: um limite máximo constitucionalmente imposto, isto é, os prazos eleitorais têm de se conter no prazo de 60 dias, e um limite mínimo que é imposto pela prática, isto é, não pode ser posta em causa, de maneira alguma, a possibilidade de serem praticados todos os actos que são indispensáveis ao processo eleitoral e à garantia dos direitos, quer das candidaturas e dos partidos políticos, quer dos cidadãos nesse processo.
Dito isto, importa referir que o PSD, ao propor que a antecedência mínima para a convocação de eleições possa ser de 40 dias, parece que se arrisca a querer "meter o Rossio na rua da Betesga", como se costuma dizer.
Enfim, esta matéria será objecto, seguramente, de discussão em sede de especialidade, pelo que o PSD ainda está a tempo de demonstrar que esta proposta é viável. Ficaremos, pois, à espera dessa demonstração durante a discussão que irá ter lugar.
Já quanto a duas outras propostas apresentadas pelo PSD, relativamente à redução do período de campanha eleitoral, dos treze dias actuais para nove dias, importa lembrar que, não há muito tempo, foi reduzido o período de campanha eleitoral - há poucos anos, o período oficial era de três semanas e, na prática, foi reduzido para duas semanas -, por isso não vemos qualquer razão válida para que, mais uma vez, poucos anos passados, se faça uma nova redução do período oficial de campanha eleitoral.
Assim como também não vemos vantagem que se venha a prever, na Lei Eleitoral, que as eleições possam decorrer num outro dia que não seja domingo ou feriado nacional, até porque o PSD acaba por propor que o outro dia, que não domingo ou feriado, passe a ser considerado feriado. A verdade é que já temos 52 domingos por ano, e todas as semanas têm um domingo! E há os dias feriados que permitem alargar a escolha. Não vemos, por isso, razão para que as eleições sejam convocadas, precisamente, para um dia que não seja um desses!
Esta parece-nos, portanto, uma proposta relativamente desnecessária.
O PCP apresenta, para discussão, um projecto de lei que alarga a aplicação dos princípios reguladores da propaganda e a obrigação de neutralidade das entidades públicas à data da marcação das eleições. É que se há regras próprias do período oficial de campanha e há mesmo direitos das candidaturas que são inerentes ao período oficial da campanha, como é o caso dos tempos de antena eleitorais, que só existem, de facto, nos dias do período oficial, há direitos e princípios aplicáveis, aos períodos eleitorais que não podem, de maneira alguma, ficar reduzidos ao período oficial de campanha sob pena de perderem grande parte do seu alcance prático.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Refiro-me, desde logo, ao princípio da liberdade na realização das campanhas eleitorais, nos termos da lei, e ao princípio da igualdade de tratamento das candidaturas e ao princípio da neutralidade e imparcialidade das entidades públicas. Estes princípios não podem ser observados apenas no período de campanha. têm de ser escrupulosamente respeitados desde a convocação das eleições ou dos referendos.
Este não é um problema que estejamos aqui a colocar em abstracto sem ter uma experiência feita neste domínio. Há exemplos concretos de desrespeito por estes princípios: basta pensar em situações, que em quase todos os actos eleitorais são denunciadas, de câmaras municipais que retiram, abusivamente, propaganda eleitoral; basta pensar em situações de governadores civis ou- membros. do Governo que usam o seu cargo em propaganda partidária.
Diria apenas que nas últimas eleições autárquicas houve casos muito conhecidos: houve um governador civil que fez uma conferência de imprensa partidária na sede do Governo Civil, na qual disse quais eram os objectivos
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do seu partido para as eleições autárquicas naquele distrito; houve um gabinete de um ministro que divulgou a participação desse ministro, nessa qualidade, numa iniciativa de campanha eleitoral para uma câmara municipal.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Bem lembrado!
O Orador: - Eu próprio tive oportunidade dever, também nas últimas eleições autárquicas, afixado, numa colectividade, um anúncio público de que um candidato havia feito a entrega de um cheque de 500 contos, do Governo Civil, àquela colectividade. Portanto, situações como estas são absolutamente intoleráveis, põem em causa a igualdade de oportunidades e representam uma instrumentalização abusiva de lugares públicos para fins eleitorais.
Portanto, o PCP propõe, em concreto, que os candidatos, desde a publicação do decreto que marque a data de eleições ou do acto referendário, tenham o direito de efectuar livremente e nas melhores condições a sua propaganda, devendo as entidades públicas e privadas proporcionar-lhes igual tratamento, salvo, evidentemente, as excepções que já estejam previstas na lei. O PCP propõe também que "os órgãos do Estado, das regiões autónomas, das autarquias locais, das demais pessoas colectivas de direito público, das sociedades de capitais públicos ou de economia mista e das sociedades concessionárias de serviços públicos, de bens do domínio público ou de obras públicas, bem como, nessa qualidade os respectivos titulares não possam intervir directa ou indirectamente, em qualquer acto do processo referendário ou eleitoral, incluindo as respectivas campanhas, bem como praticar actos que, de algum modo, favoreçam ou prejudiquem uma opção ou um concorrente em detrimento ou vantagem de outro ou outros".
Sr. Presidente e Srs. Deputados, há uma outra questão que está também em debate, que diz respeito à composição das mesas das assembleias e das secções de voto. Uma primeira questão tem a ver com a existência ou não de uma gratificação aos membros das mesas. Não nos repugna, de maneira nenhuma, considerar essa possibilidade. Não se trata de uma retribuição pelo trabalho prestado, nem é apresentado na proposta do Governo como tal. Ninguém vai ficar à espera de integrar as mesas de voto para aumentar os seus rendimentos, não é esse o problema, mas é uma forma de exprimir, por um lado, um reconhecimento justo e, sobretudo, de compensar, de alguma forma, um dia inteiro de completa dedicação de muitos cidadãos à causa pública. Tanto mais até que essas pessoas têm, actualmente, de suportar do seu bolso designadamente as refeições. Portanto, há uma compensação que nos parece justa.
Quanto à segunda questão, que diz respeito à composição das mesas, o Governo propõe uma nova solução, que eu diria ser uma solução mista entre o sistema que segue aquele que já hoje existe basicamente entre membros que são nomeados por designação acordada entre as candidaturas concorrentes e um sistema em que os membros designados com base numa bolsa de jovens voluntários.
Teremos, evidentemente, oportunidade de debater esta proposta, de forma aprofundada, em todas as suas implicações, quando fizermos o debate na especialidade, mas parece-nos, desde já, que ela exige algumas correcções. Em primeiro lugar, parece-nos que o limite etário é, porventura, excessivamente restrito. Não vemos porque é que um jovem, um cidadão com mais de 25 anos não pode oferecer-se para membro da mesa, para secretário ou para escrutinador das mesas de voto. Não vemos razão para isso, até porque poderá haver alguma experiência adquirida por quem já tenha tido experiência nas mesas, por quem já tenha participado, a título voluntário, uma vez e, portanto, não vemos razão para ser excluído da participação pelo facto de ter feito 25 anos, se demonstrar vontade e empenho em participar.
Em segundo lugar, entendemos que importa encontrar uma solução que seja equilibrada, e tanto quanto possível incontroversa, para a designação dos membros das mesas de voto na sua totalidade. Até agora tem vigorado uma solução que assenta na participação dos representantes dos partidos ou das candidaturas presentes e no seu acordo para a designação dos membros da mesa. Pensamos que essa participação e esse acordo são valores importantes que urge preservar em todos os actos eleitorais.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Importa salvaguardar a possibilidade de alguém poder invocar alguma suspeita de partidarização na escolha dos membros das mesas. Isso implica a possibilidade de participação dos delegados das candidaturas no processo de designação dos membros da mesa. Portanto, consideramos que será possível encontrar uma solução equilibrada a este nível.
Pensamos que esta proposta carece de um debate mais aprofundado em alguns aspectos, estando nós inteiramente disponíveis para participar nesse debate, de uma forma serena e responsável.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. Deputado António Filipe, a questão que lhe quero colocar tem a ver com o alcance do vosso projecto. Quanto ao mais, na nossa intervenção faremos a análise dos diversos projectos em discussão.
A questão tem a ver com o seguinte: é que não, fica exactamente claro da sua intervenção qual o verdadeiro alcance que o PCP atribui à proposta que faz quanto ao designado princípio da neutralidade. Isto é, há uma diferença fundamental entre a extensão da vigência do princípio da neutralidade, designadamente a sua extensão a todo o período eleitoral e não apenas ao período de campanha eleitoral, e outra situação muito diferente é retirar um alcance diverso daquele que é o alcance que esse princípio tem, hoje, na lei vigente.
A minha pergunta vai, precisamente, no sentido de saber se o PCP propõe apenas estender o alcance temporal da vigência do princípio ou se pretende dar-lhe um entendimento diferente. E que, de tacto, h5 uma diferença entre a proposta do PCP e a do PSD do ponto de vista literal, na medida em que o PCP, desdobrando o artigo em dois, apesar de tudo torna mais claro e perceptível o conteúdo dos mesmos, mas faz, não obstante, uma alteração em relação à lei vigente, porque ignora a expressão "no exer-
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cício das suas funções", embora referindo-se à qualidade em que se exerce.
Há uma diferença fundamental entre a expressão referida à actividade e a expressão referida ao sujeito. É que nessa qualidade é subjectiva e é incindível da pessoa, isto é, ele mantém essa qualidade em qualquer circunstância, enquanto que "no exercício das suas funções" é algo que tem a ver com o exercício da sua actividade e, portanto, permite distinguir claramente quando é que alguém está a agir no exercício das suas funções ou na qualidade de presidente da câmara, de ministro ou de qualquer outro titular de um cargo político.
Como sabe, no passado, já se colocou a questão - porque a lei vigente já consagra o princípio na neutralidade - de saber qual era o seu alcance, e a Comissão Nacional de Eleições tem tido, sobre essa matéria, uma visão bastante mais restritiva daquela que é a visão, por exemplo, da Procuradoria Geral da República que, relativamente a um queixa feita sobre uma intervenção proferida pelo então Primeiro-Ministro, Cavaco Silva, veio dizer, e muito bem, que as afirmações por ele proferidas num comício, ainda que em período de campanha pré-eleitoral e não de campanha eleitoral, não podiam ser consideradas como violadoras do princípio da neutralidade porque este princípio não impõe a obrigação de os governos se transformarem em governos de gestão a partir do momento em que são convocadas eleições.
O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!
O Orador: - Até porque, se tal se impusesse, isso violaria diversas disposições constitucionais, nomeadamente aquelas que atribuem competências ao governo e que em ponto algum da Constituição lhes retiram a partir do momento em que são convocadas as eleições.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Essa era a tese do PS, antigamente!
O Orador: - Como é evidente, se um Governo é submetido a sufrágio popular, designadamente para que se avalie da sua prestação, ele não pode ser inibido de governar a partir do momento em que são convocadas eleições, porque em qualquer circunstância também os actos que aí praticar vão ser avaliados nessas eleições e, portanto, a censura é, em primeiro lugar, política. O Sr. Deputado não pode esquecer que o princípio da neutralidade, tal como está consagrado na lei, tem associada uma sanção penal. É que a violação desse princípio acarreta um crime punível com pena de dois a três anos de prisão e não creio, apesar de tudo, que um membro do Governo possa ser preso por governar. Porventura, criticam tanto este Governo por não governar e agora querem impor legalmente que o Governo não governe, pelo menos durante um período de 60 dias.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Nós não dizemos que o Governo não governa, governa é mal!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - O Sr. Deputado Cláudio Monteiro quis colocar esta questão, digamos, tecnicamente, no fundo para ocultar um problema que é um problema político real e com o qual temos sido confrontados em vários actos eleitorais. Poderemos considerar que no debate em que estamos, debate na generalidade, poderá haver alguma preciosismo entre querer delimitar o que é que é intervir "nessa qualidade" e o que é que é intervir "no exercício das suas funções". Mas devo dizer, Sr. Deputado, que nós utilizamos a expressão "nessa qualidade" e damos-lhe um sentido porventura mais amplo do que aquele que o Sr. Deputado lê quando se refere a "no exercício das suas funções", porque. por exemplo, quando somos confrontados com uma divulgação para a imprensa, através do gabinete de imprensa de um ministério, no sentido de que o ministro respectivo vai participar num debate promovido pelo candidato A à câmara municipal de X, evidentemente que o ministro está a participar nessa qualidade. Caso contrário, não se compreenderia, se o estivesse a fazer na qualidade de simples cidadão, que fosse o gabinete de imprensa do ministério a fazer essa divulgação.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Muitos cidadãos participam em debates sobre determinadas matérias e, que eu saiba, não são os gabinetes de imprensa dos ministérios que os divulgam e, portanto, evidentemente, numa situação dessas, ainda que o ministro pudesse invocar que não estava a participar no exercício das suas funções - manifestamente, pelo menos estava a exorbitá-las -, era nessa qualidade que ele estava a participar nesse debate. Portanto, se o Sr. Deputado quiser, podemos admitir perfeitamente que esta nos
sã formulação visa abranger situações que uma leitura restritiva da expressão "no exercício das suas funções" poderá não abranger, que pensamos que são muito graves e que, como tal, não devem ser legalmente permitidas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem . a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Miguel Macedo.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Uma breve intervenção para justificar, tentando caracterizar, aquilo que é o essencial das propostas do PSD em relação a esta matéria.
Sem prejuízo da intervenção que, a seguir, o meu colega de bancada, Sr. Deputado Moreira da Silva, vai fazer sobre esta matéria, não resisto a dizer, desde já, que escusam os Srs. Deputados socialistas e o Governo de tentar apoucar e minorizar a crítica que estamos a fazer em relação àquela proposta de lei relativa às mesas de voto. VV. Ex.11, Srs. Deputados socialistas, sabem tão bem como eu que o que vem na proposta - se a leram - é bem diferente daquilo que existe hoje, porque o que hoje existe é que só depois de ser impossível ou de não ter havido acordo nas juntas de freguesia com a participação dos partidos políticos para a composição de uma mesa eleitoral é que o presidente da câmara, no uso de competências que lhe estão outorgadas pela lei, assume responsabilidades que não queremos tirar. Situação diversa é aquela que vem estabelecida na proposta de lei, onde se diz que os partidos políticos
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indicam, se houver acordo - se não será por sorteio o presidente e o vice-presidente, sendo os restantes três vogais nomeados directamente por uma entidade administrativa, ou seja, a maioria da mesa eleitoral é nomeada directamente pela entidade administrativa.
Há pouco, os senhores estavam a protestar e a dizer que não sabemos o que dizemos...
O Sr. Ministro da Administração Interna: - É verdade?
O Orador: - ..., mas este é um regime completamente diferente. Este regime, com esta alteração, descaracteriza, de forma gravosa, a participação dos partidos políticos num elemento essencial do sistema democrático, que é a composição das mesas de voto.
Quem não perceber isto pode passar, um dia destes, pelo meu gabinete, porque tenho alguns bons livros sobre esta matéria.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Risos do PS.
O Sr. Ministro da Administração Interna: - Vou já lá a seguir, Sr. Deputado!
O Orador: - Sr. Ministro, pela consideração que tenho por si, remeto os livros para o seu gabinete.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sobre a nossa proposta, quero dizer que entendo que, nesta matéria, como, aliás, é imposição constitucional, temos de encontrar - até agora temos conseguido fazê-lo - um conjunto de soluções que seja, de facto, o máximo possível consensualizado.
Já disse, na semana passada, a propósito da lei do recenseamento, que é bom que os partidos políticos e esta Câmara se entendam em relação a matérias como esta, pois não faz sentido existirem querelas políticas, quando o que está em causa é, de tacto, erguermos um sistema eleitoral e político que tenha todas as características inerentes a um sistema política e democraticamente maduro. É disso que se trata!
De mais a mais, estes diplomas, a proposta de lei do Governo e o projecto de lei do PSD, embora esteja agora a talar, concretamente, do projecto de lei do PSD, correspondem, inevitavelmente, a um avanço muito positivo, decorrente da última revisão constitucional, que, aliás, resultou de uma iniciativa do PSD. Fomos nós que, aquando da revisão constitucional, propusemos e tivemos o gosto de ver aprovada a necessidade de encurtamento dos prazos do processo eleitoral em Portugal, porque hoje temos um processo eleitoral excessivamente longo e, para os cidadãos, inexplicavelmente longo. Hoje, com os mecanismos que existem, que permitem, quase instantaneamente, resolver problemas que há 20 ou 25 anos atrás eram de difícil resolução, podemos atalhar e pôr-nos a passo daquilo que acontece nos países europeus, no sentido de ter, de facto, um processo eleitoral mais curto, menos dispendioso e, porventura, algumas vezes, menos exasperante para os cidadãos.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - E até mais barato!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - É nesse sentido que vai o conjunto das propostas que fazemos. E a primeira proposta que quero aqui realçar é a do encurtamento do período de campanha eleitoral.
No nosso projecto de lei propomos o encurtamento do período de campanha eleitoral de 13 para 9 dias. Entendemos que 9 dias é um período sensato e ponderado, nas condições actuais, quando os órgãos de comunicação social têm uma importância fundamental no acompanhamento da vida política a cada momento, quando todos sabemos que as campanhas eleitorais começam muito antes do período oficialmente determinado na lei, porque existe e está consagrado, e ainda bem que assim é, um período de pré-campanha eleitoral, que se inicia, tradicionalmente, após o decreto do Sr. Presidente da República que marca o acto eleitoral. Entendemos que 9 dias é um período sensato e ponderado e bastam estes dias para fazer uma campanha eleitoral no nosso país.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Consideramos, ademais, em abono daquilo que já aqui apresentámos noutro projecto de lei, que esta medida de redução do período de campanha eleitoral pode contribuir positivamente para reduzirmos as despesas com as campanhas eleitorais...
Vozes do PSD: - Ora aí é que está!
O Orador: - ... que muitos cidadãos, em Portugal, consideram excessivas e alguns começam já a considerar ofensivas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Principalmente os gastos do PS!
Risos do Sr. Ministro da Administração Interna.
O Orador: - O Sr. Ministro Jorge Coelho sabe bem do que ri neste momento!...
O Sr. Ministro da Administração Interna: - E o Sr. Deputado Miguel Macedo nem consegue dizer isto sem se rir!
O Orador: - Sr. Ministro, quero acompanhá-lo na boa disposição! É só por isso!
A segunda matéria que quero aqui realçar, para não entrarmos em grandes questões técnicas que não interessam num debate na generalidade, tem a ver com a proposta que fazemos no sentido de deixar de estar traduzida na leia obrigação de, em qualquer circunstância, em Portugal, as eleições só poderem ocorrer a um domingo.
Aquilo que propomos não tem a ver com a intenção de quebrarmos a tradição de, em Portugal, as eleições se realizarem a um domingo. Mas, com o encurtamento dos prazos e sabendo-se, como se sabe, que é o Sr. Presidente da República que determina o dia das eleições, sendo certo que confiamos sempre no alto critério do Sr. Presidente da República para esse efeito e para outros, pode acontecer, excepcionalmente, que seja aconselhável fazer uma eleição num dia que não o domingo.
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Aliás, respondendo à questão que foi colocada pelo Sr. Deputado António Filipe, de facto, até hoje, parece não ter existido necessidade de marcar eleições para um dia diferente de Domingo, mas a proposta que fazemos serve apenas para responder à eventualidade de um dia vir a ser necessário, pois não vemos qual a vantagem de, na lei, não se permitir isso, segundo o alto critério do Presidente da República, que entende sobre essa decisão e decide sobre essa matéria. Porque é que não há-de constar da lei a possibilidade de se fazer aquilo que se faz noutros países europeus, como VV. Ex.as bem sabem, a começar aqui por Espanha, onde me parece que já é tradição as eleições não se realizarem a um domingo.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É bom para combater o abstencionismo!
O Orador: - A terceira matéria do projecto que quero aqui salientar tem a ver com a proposta que fazemos para garantir, de forma reforçada, a neutralidade e imparcialidade dos órgãos do Estado no período sensível das campanhas eleitorais.
Não vou aqui ao ponto, nem me atrevo a sugerir outra vez, para recordar designadamente ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro,...
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Que vá ao seu gabinete?!...
O Orador: - ... uma proposta antiga do Partido Socialista, julgo que feita no tempo em que o Secretário-Geral do PS era o Sr. Dr. Vítor Constâncio, em que se entendia que, a partir do momento em que o Sr. Presidente da República marcava a data das eleições e era publicado o decreto, os Governos entravam automaticamente em gestão. Não vou a esse ponto, aliás, não quero, com a nossa proposta, pretender que os Governos deixem de fazer as inaugurações que também já são tradicionais à boca das urnas, porque isso seria uma grande infelicidade para o Sr. Ministro Jorge Coelho. E quando falo nos Governos refiro-me também aos Presidentes de Câmara e, porventura, aos Presidentes de Juntas de Freguesia. Mas também não quero fazer isso, o que quero assegurar é que aquilo que é verdadeiramente a neutralidade e a imparcialidade dos órgãos do Estado e dos titulares dos órgãos do Estado,...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Nessa qualidade!...
O Orador: - ... nessa qualidade, conforme escrevemos no nosso projecto, esteja efectivamente garantida num período sensível, em termos democráticos, como é o da campanha eleitoral.
Portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quero dizer que estamos abertos a discutir tudo mas não vamos quase ao ponto a que foi, há pouco, o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, na questão que colocou. Aliás, perante o entusiasmo com que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro rebateu a proposta do PCP e, de caminho, também a do PSD, fiquei quase na expectativa de que fosse fazer uma proposta no sentido de retirar da lei actual aquilo que já existe em relação à imparcialidade e à neutralidade.
Ora, Sr. Deputado Cláudio Monteiro, e com isto termino, V. Ex.ª recorda-se bem, como eu me recordo, das situações lamentáveis que se verificaram há pouco tempo...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - No ano passado!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Mas a minha memória vai mais longe do que isso!...
O Orador: - ... na campanha para o referendo da regionalização, as quais foram objecto de condenação por parte de muitas pessoas e, além do mais, a reacção não foi sequer provocada pelos partidos políticos, que também reagiram em relação a essa matéria. Foram grupos de cidadãos,...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Foram os grupos de cidadãos independentes do vosso partido, que sentiram na carne!
O Orador: muitos cidadãos, uns independentes,...
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Miguel Sousa Tavares!...
O Orador: - ... outros que estavam desalinhados das posições dos partidos, que protestaram publicamente contra comportamentos absolutamente inaceitáveis nessa campanha para o referendo da regionalização.
Vozes do PSD: - Uma vergonha!
O Orador: - Se o Sr. Deputado Cláudio Monteiro quiser, depois, posso indicar-lhe casos concretos, para já não falar naquela situação de bradar aos céus de o Sr. Primeiro-Ministro, à saída de uma audiência, enquanto Primeiro-Ministro, da residência oficial do Sr. Presidente da República, numa - quinta-feira - dia tradicional das audiências entre o Sr. Presidente da República e o Sr. Primeiro-Ministro -,ter feito um apelo descarado ao voto pelo "sim" no referendo da regionalização.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Uma vergonha!
Protestos do PS.
Q Orador: - Srs. Deputados, poupem os protestos, porque VV. Ex.as viram o que eu vi!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje, mais do que nunca, é aconselhável que façamos a modernização e a actualização destes normativos. Sei que VV. Ex.as ainda não se esqueceram de tudo o que disseram há três anos atrás, quando eram da oposição, mas, se por acaso se tiverem esquecido, também tenho muito gosto em vos lembrar algumas dessas coisas.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Miguel Macedo, inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Ministro da Administração Interna e o Sr. Deputado José Magalhães.
Tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.
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O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente. Sr. Deputado, quero fazer-lhe um pedido de esclarecimentos muito breve, mas, antes, quero agradecer-lhe a oferta dos livros, que, com certeza, vão ajudar-me imenso a poder trabalhar melhor do que se está a trabalhar nesta área, e ainda a gentileza que manifestou de mos mandar, no que lhe fico duplamente agradecido.
Sr. Deputado, quero dizer-lhe, de forma muito rápida, que, ao apresentar estes diplomas na Assembleia, é intenção do Governo melhorar, dar mais eficácia e criar condições para que possam existir, em Portugal, processos eleitorais em melhores condições, com uma melhor. capacidade de participação dos cidadãos a todos os níveis. É esse o único objectivo e, portanto, também estamos de acordo em que tudo o que possa Ser melhorado e consensualizado sobre esta matéria é útil para a democracia e para o funcionamento do sistema. E é essa a única preocupação que temos relativamente à questão da constituição das mesas. Presumo que possa haver sistemas melhores, aliás, até estou à espera, com muita ansiedade, da intervenção do Sr. Deputado Moreira da Silva, pois, com certeza, vai apresentar-nos um melhor sistema de funcionamento das mesas eleitorais.
Mas relativamente ao sistema actual, Sr. Deputado, se estiver ligado a estes processos - e está, com certeza, porque o tenho visto nisso -, sabe que há uma ansiedade enorme dos membros das juntas de freguesia e das câmaras municipais, porque, de todas as vezes que há eleições,...
O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Mas não é, com certeza, dos partidos!
O Orador: - O Sr. Deputado, no início, garantiu que ia falar nesta matéria com calma e tranquilidade mas está a voltar ao seu normal, o que, nesta ocasião, é mau.
Aplausos do PS.
Sr. Deputado, quero dizer-lhe o seguinte: se perguntar a várias pessoas ligadas a este processo, todas sabem que temos um problema - e não é de agora, porque há muitos anos que existe este problema muito concreto na vida política portuguesa - com a constituição das mesas no dia dás eleições. E isto nada tem a ver com o Partido Socialista ou com o Partido Comunista, tem a ver com o sistema!
Vozes do PS: -, Exacto!
O Orador: - E, temos pedidos de todos os Presidentes de Câmaras Municipais do país, de todos os partidos, inclusive do seu, para encontrar outra forma de resolver o problema. É isso que está aqui em causa! É disso que o País todo, os milhares de portugueses que têm colaborado neste processo estão à espera, ou seja, que encontremos outra solução. Pode não ser esta a melhor,...
O Sr. Moreira da Silva (PSD): - E não é!
O Orador: - ... mas não sou daquelas pessoas que nunca me engano e raramente tenho dúvidas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Digam os senhores qual é o sistema melhor e, em comissão, com certeza, poderá encontrar-se um sistema melhor. Os senhores não podem é ficar, porque isso não é legítimo, numa posição conservadora, fazendo de conta s que ainda têm a ver com coisas que não têm, de não quererem mexer em nada,...
O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Queremos conservar a democracia!
O Orador: porque o que não está bem tem de ser melhorado.
Sr. Presidente, o Sr. Deputado Moreira da Silva continua muito nervoso. O Sr. Deputado sabe que a democracia não é nem obra dos senhores, nem obra de ninguém em particular, mas de todos os portugueses, de todos nós.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Então, não a destruam!
O Orador: - De cada vez que alguém começa a divulgar que tem de defender a democracia é mau sinal, deve ter qualquer problema nesta matéria, remorsos ou qualquer outra coisa:
O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Não a destruam!
O Orador: - Portanto, com calma e tranquilidade, quero dizer que o nosso objectivo central - e os portugueses estão à espera disto, os milhares de pessoas que participam nas eleições estão à espera disto -, é o de que encontremos um sistema ,melhor para colocar em funcionamento a realização das eleições, porque o que existe hoje precisa de ser melhorado, precisa de ser alterado, e só não vê quem não quer ver, Sr. Deputado. Pergunte aos presidentes de câmaras municipais e aos presidentes de juntas de freguesia do seu partido, que logo vê o que eles pensam sobre esta matéria.
Proponham, Srs. Deputados, que nós também estamos disponíveis para discutir.
Mas espero que, na intervenção do Sr. Deputado Moreira da Silva, venha á ouvir uma proposta concreta de melhoramento.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, muito brevemente, e de forma muito serena, quero dizer ao Sr. Ministro Jorge Coelho, a quem agradeço as amabilidades que me dirigiu, o seguinte: Sr. Ministro, não me "atirei como gato a bofe" i1 proposta do Governo. O que disse na minha intervenção é que tenho a certeza de que a solução encontrada pelo Governo altera a' natureza da participação dos partidos na indicação das mesas eleitorais.
O Sr. Ministro tem razão naquilo que diz... Conheço a angústia de às 7 horas e 45 minutos não estarem compostas as mesas, de estarmos à espera que chegue o primeiro eleitor para o "desgraçado" ficar na mesa a servir de "tapa-buracos", sei da incapacidade do sistema de hoje para que se constituam mesas.
Conheço esse problema todo, Sr. Ministro, mas a questão é a seguinte: com esta proposta do Governo, numa
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primeira linha, altera-se profundamente, de uma forma que considero violenta, a participação dos partidos políticos, porque, numa segunda linha, subsidiariamente, já hoje a responsabilidade administrativa é do presidente de câmara. Agora, em primeira linha não, que é o que acontece aqui, porque isto também exige dos partidos políticos outra responsabilidade na indicação das pessoas para as reuniões prévias de constituição das mesas...
A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Onde o PSD prima pela ausência!
O Orador: - Ó Sr.ª Deputada, o PSD primará pela ausência em muitos locais e noutros tantos o PS primará pela ausência.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Como eu estava a dizer, isto exige a responsabilidade dos partidos políticos em relação a esta matéria, mas o que eu acho que é violento é por, esse motivo, retirar aos partidos políticos, descaracterizando o sistema da participação partidária na composição das mesas eleitorais, ab initio, toda e qualquer responsabilidade no sistema que está composto. Este é que é o problema, Sr. Ministro!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Ministro da Administração Interna: - Muito bem! Proponham melhor!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, o nosso desejo - já o exprimimos na Comissão - é, muito naturalmente, o de que consigamos neste domínio, que se distingue tanto de outras questões em que estamos muito mais divididos, encontrar plataformas de discussão que sejam simultaneamente correctas, realistas e o mais consensuais possível e por isso fico muito contente de o ouvir, agora em resposta ao Sr. Ministro Jorge Coelho, exprimir num tom que me parece mais razoável coisas que ouvi exprimir num tom que me impressionou muito negativamente, esta manhã, na 1.ª Comissão. Não façamos neste domínio contas perversas ou despiques, aí onde há uma dificuldade comum do sistema partidário em fazer funcionar, por exemplo, as mesas eleitorais, e distingamos as questões em função da sua dificuldade.
Portanto, não vou tratar dessa questão - aliás, a acta já reflecte razoavelmente a necessidade de uma plataforma -, mas gostaria que o Sr. Deputado se pronunciasse sobre duas ou três outras questões.
Primeira, em relação às reduções de prazos, devo dizer-lhe que, em sede de revisão constitucional, fizemos um esforço assinalável para reduzir, para encurtar a métrica constitucional que estava cristalizada, mitificada... Um número mágico: 90 dias. E, certamente, que o Sr. Deputado lembrar-se-á bem como foi difícil discutir isto com a administração eleitoral, mas também como isto foi seriamente discutido com a administração eleitoral.
Há, pois, dois limites para agirmos nesta matéria, sendo o primeiro o dos direitos, liberdades e garantias, desde logo os dos partidos e os do cidadão.
Não podemos encurtar de forma tal que tornemos totalmente impossível aos partidos mais débeis o cumprimento das suas obrigações eleitorais e da sua candidatura, caso em que estaríamos a vibrar um golpe mortal num princípio basilar do nosso sistema.
Por outro lado, não podemos pisar um terreno que seja tecnicamente excessivamente arriscado, ou seja, não podemos fazer encurtamentos tais que tornam tecnicamente impossíveis determinadas soluções. Nesse sentido, Sr. Deputado, o encurtamento do prazo da campanha eleitoral reveste-se de uma certa autonomia conceptual e de reflexão. Mas o Governo não a propôs, tal solução não foi proposta pelo Governo. E não o fez de cabeça pensada e com todo o nosso aplauso, porque há-de nascer da discussão na Comissão, com todos os partidos e não com um - e não com dois, sequer! - a ideia sobre qual a melhor solução em matéria de encurtamento do prazo das campanhas eleitorais.
Senão, repare: é preciso ter uma visão integrada da reforma que estamos a fazer e nesse sentido eu retomo o espírito da intervenção feita aqui pelo Sr. Deputado Pacheco Pereira há alguns dias - já esquecida ou arquivada! - sobre a importância das visões integradas, para que não estejamos aqui a alterar o regime das campanhas eleitorais e, numa outra sala ao lado, a alterar as despesas aplicáveis em campanha, conduzindo isso a resultados absurdos. Por exemplo, se reduzíssemos o plafond e reduzíssemos muito o número de dias, VV. Ex.- manteriam o mesmo nível de gasto... Ou melhor, o mesmo nível não sei, porque em 1995 foi, de facto, extraordinário e absurdo!...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, não! Isso é uma visão...!
O Orador: - Mas, como eu estava a dizer, VV. Ex.as manteriam o mesmo nível de dispêndio, porque era o mesmo "bolo" de dinheiro para um menor dias de campanha. Ora, não é isso que se quer, seguramente! É preciso usar de grande prudência nesta matéria e não dar saltos no eseuro ou desintegrados.
Por último, Sr. Deputado, há que usar de frontalidade em relação à questão das soluções que cada um propõe. Aquilo que o Sr. Deputado disse em matéria do seu conceito de violação do dever de neutralidade poderá valer como um pastiche no Jornal do Minho ou numa estação qualquer de rádio ou de televisão decentes; agora, como lei, não vale.
A criminalização é a mais difícil das ciências e das técnicas legislativas, não se pode criminalizar condutas políticas de maneira absurda, imoderada, sob pena de gerar a castração de direitos políticos, de oponentes hoje, de um governo hoje, amanhã de outro, depois de outro ou de outro... As soluções não devem, pois, ser vistas em função de um determinado governo. O recorte tem de ser tão rigoroso e exigente que não fira qualquer direito fundamental e o vosso recorte, se bem se entende, pois aquilo que propõem é confuso e a hermenêutica que fazem é, ela própria, confusa e disfuncional,...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Nós explicamos duas vezes!
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O Orador: - ... poderia conduzir, se mal interpretado ou redobradamente mal interpretado, a soluções verdadeiramente aberrantes de governo de limbo ou de castração da possibilidade de combate político. Suponho que o seu ideal de combate político não é ter um adversário mudo, amarrado e quedo para V. Ex.ª, à ta Marcelo, vituperar e insultar livremente, porque essa atitude é pouco frontal e, além de mais, não é leal. Não creio que seja este o conceito que V. Ex.ª quer introduzir na legislação portuguesa. Com o nosso voto não o fará de certeza, mas seria péssimo que se gerasse, sequer, a impressão de que é esse o caminho que o PSD, neste momento difícil da sua vida, quer concretizar legitimamente.
Gostava que isto ficasse claro neste debate, Sr. Deputado.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, vou ter de ser muito telegráfico, pois já quase não dispomos de tempo e o Sr. Deputado José Moreira da Silva ainda tem de intervir.
Gostaria apenas de dizer ao Sr. Deputado José Magalhães que, em relação à questão do encurtamento do prazo de campanha eleitoral, discutiremos em sede de especialidade qual será o melhor prazo.
Em todo o caso, recordo-lhe aqui aquilo que disse o Presidente da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, o, então, Deputado Vital Moreira, quando se discutiu esta matéria. Disse ele o seguinte: não vai ser, não pode ser e não deve ser a burocracia a impor ao poder legislativo as soluções que o poder legislativo entende que são as mais adequadas em relação a esta matéria.
O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é dar um salto no eseuro!
O Orador: - Em relação à questão dos gastos, Sr. Deputado José Magalhães, eu fiquei com a enorme esperança de que V. Ex.ª vai acolher de forma positiva a proposta que temos sobre essa matéria e guardaremos para a altura oportuna essa discussão.
Quanto à neutralidade, já vi que a principal dificuldade do Sr. Deputado José Magalhães é a de que não percebeu bem a proposta que fazemos, pelo que teremos muito gosto de, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, explicitar o sentido útil da nossa proposta e o senhor vai também ver, porque V. Ex.ª resiste ao princípio, mas depois conforma-se com a razão das coisas, que temos toda a razão nesta matéria.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Brochado Pedras.
O Sr. António Brochado Pedras (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.- e Srs. Deputados: Não vou referir-me à proposta de lei do Governo sobre a composição de mesas das assembleias de voto que considero insensata, perigosa e mesmo atrevida; essa tarefa ficará para o meu colega. Dr. Francisco Peixoto.
Relativamente à outra proposta de lei e aos projectos de lei, um do PCP e outro do PSD, quero apenas dizer que, genericamente, o Partido Popular entende que os objectivos e as medidas legislativas propostas são correctas e não merecerão que eu gaste aqui muitos argumentos - aliás, eles já foram veiculados com grande clareza e, portanto, dispensar-me-ei de dizer mais alguma coisa.
No entanto, o que acho que devo fazer aqui para dar algum sentido útil à discussão desta matéria eleitoral prende-se com algo que o Sr. Secretário de Estado há pouco não foi capaz de me informar, porque eu julgo que a pergunta que lhe fiz é importante.
O Governo, ao dizer que ainda no decurso desta legislatura vai apresentar nesta Câmara uma nova proposta de lei eleitoral, quer, sem dúvida, significar que confere a esta matéria um grande relevo, uma grande importância, que, sem dúvida, ela tem, porque esta legislação é estruturante do regime, é estruturante do governo, é estruturante dos próprios partidos.
Portanto, a pergunta que lhe fiz, Sr. Secretário de Estado, tinha razão de ser. Qual a novidade que vai trazer aqui? Isto porque o Governo teve ocasião de, perante esta Câmara, defender uma proposta - aliás, como eu disse há pouco não muito diferente da do PSD - e o País interrogou-se por que razão é que não foi aqui aprovada uma lei, uma vez 'que havia unanimidade quanto, por exemplo, aos círculos uninominais, ao círculo nacional e a muitíssimas outras matérias.
O Sr. Ministro da Administração Interna: - Isso é estranho!
O Orador: - Portanto, perante essa situação, eu acho que o. Governo deveria esclarecer o País sobre as razões que o levam a apresentar uma nova proposta de lei.
Essa circunstância justifica que eu, numa brevíssima reflexão, fale em algo que o Sr. Deputado José Magalhães há pouco referiu: a necessidade de um pacto de regime sobre esta matéria, à semelhança, aliás, daquilo que foi proposto relativamente à lei do financiamento dos partidos políticos.
O Sr. José Magalhães (PS): - Nós bem tentámos!
O Orador: - É, pois, fundamental que arredemos da discussão política demagogias, imediatismos fáceis e tratemos aqui de, com seriedade,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Convença o Dr. Marques Mendes!
O Orador: - ... com rigor, com espírito científico, diria mesmo, aprovar uma lei que servisse ao regime.
Creio que é a oportunidade adequada, agora que vai fazer 25 anos sobre a instauração do regime democrático, sendo, talvez, a melhor forma de se comemorar esta data, se se fizer uma melhoria sensível da lei, porque creio que há muito centralismo na lei eleitoral, centralismo esse que também se reflecte na própria vida dos partidos. Daí que, creio, a necessidade de introduzir o princípio de eleição de Deputados independentes seja urgente, o que implica a alteração da própria Constituição.
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É, por isso, Sr.ªs e Srs. Deputados, que julgo que esta reflexão é oportuníssima e que mal irá o Governo se não disser aqui, perante a Assembleia da República, quais as razões, quais as novidades, qual a originalidade que vai trazer ao debate e também qual a sua disponibilidade, qual a elasticidade que vai aceitar no debate para que seja possível dotar o País de uma lei eleitoral correcta, melhor e que sirva o regime democrático.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ao contrário do que o Sr. Deputado António Pedras aqui aparentemente deixou entender, este debate não tem que ver com o sistema eleitoral; este debate é sobre alterações da lei eleitoral e, em particular, algumas alterações predominantemente técnicas em consequência da revisão constitucional, sobre as quais, aliás, parece haver um consenso razoável. Isto é, naquilo que tem de imediata execução de alteração ao texto constitucional, quanto muito haverá alguma divergência técnica que, seguramente, poderá ser limada na Comissão e até não é por acaso que o projecto de lei do PSD e a proposta de lei coincidem em diversos pontos, como, aliás, não poderia deixar de ser.
Agora, parece-me que há duas ou três questões que foram trazidas a este debate, porventura algumas delas desgarradas ou antecipadas em relação àquilo que é a discussão do pacote da reforma do sistema político em geral e do próprio sistema eleitoral, que merecem alguma atenção, nomeadamente as que se prendem, por um lado, com a redução do prazo de campanha eleitoral e, por outro, com o problema da neutralidade.
Quanto à questão das freguesias, julgo que a intervenção do Sr. Ministro deixou claro que nessa matéria há uma grande abertura para discutir, em sede de Comissão, uma solução de consenso tão amplo quanto possível e que seja tecnicamente a melhor solução,...
O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Esperemos todos que sim!
O Orador: - ... sem pôr em causa qualquer dos princípios que já hoje são salvaguardados na lei eleitoral.
Quanto às questões que enunciei, como sendo as que são eminentemente políticas e que, portanto, cabem no debate na generalidade, incluindo aquela que foi objecto da minha pergunta ao Sr. Deputado António Filipe, gostaria de dizer o seguinte: a redução do período de campanha eleitoral poderia, eventualmente, ser uma decorrência da redução dos demais prazos eleitorais, mas não o é forçosamente e essa não é tão neutra e tão técnica quanto as demais e, nisso, julgo que todos estamos de acordo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Portanto, nessa matéria, julgo que não é nem de excluir liminarmente que se possa proceder a essa redução mas também não é de aceitar imediatamente como boa essa solução.
O Sr. Deputado José Magalhães não deixou de salientar uma questão que não deixa de ser, de alguma forma, caricata. É que a redução do tecto da despesa de campanha eleitoral associada à redução do prazo de campanha faz com que o per capita diário seja igual, isto é, que se possa gastar o mesmo em cada dia de campanha, fazendo uma campanha com a mesma intensidade, com o mesmo tipo de meios e, como tal, uma campanha diferente daquela que se pretende que se faça.
Por outro lado, a redução também suscita uma questão que, julgo, deve merecer ponderada reflexão na Comissão, que é a seguinte: a diminuição do prazo de campanha, de alguma forma, diminui o tempo de esclarecimento dos cidadãos eleitores e favorece, de alguma forma, a campanha mediatizada e mediática, traduzida num sound byte televisivo de mensagem propagandística, com algum prejuízo daquilo que é o cabal esclarecimento dos eleitores, sobretudo no que aos pequenos partidos respeita, designadamente aos partidos sem representação parlamentar, porque esses, verdadeiramente, só têm condições razoavelmente iguais de candidatura no momento em que têm direito ao acesso aos tempos de antena e à cobertura jornalística em tratamento paritário com os demais partidos, o que não acontece em qualquer outro momento, antes do período de campanha eleitoral. O que significa que, se é verdade que 13 não é forçosamente o número mágico, 9 também não o é, necessariamente. Há que ponderar seriamente estas questões porque, se, por um lado, pode haver ganho de eficiência na redução dos prazos, por outro, há, de facto, alguns princípios democráticos que podem ser postos em causa com a redução do período de campanha eleitoral.
Na verdade, nada se ganha, em termos substanciais, quanto àqueles que são os objectivos enunciados pelo PSD, porque o PSD bem sabe que a campanha se traduz, na prática, na campanha formal e na pré-campanha eleitoral. Isto faz com que o acesso que o partido que está no Governo e os principais partidos da oposição têm à comunicação social e a capacidade de que dispõem de fazer passar a sua mensagem na sociedade lhes permita fazer campanha durante muito mais tempo do que os 9 ou 13 dias de campanha; tal permite-lhes fazer campanha durante um mês, dois meses e não há-de ser essa redução que o há-de impedir. Por esta razão, os pequenos partidos são, porventura, os mais prejudicados com uma redução do período de campanha eleitoral. Há, pois, que ter consciência de que há matéria que não resulta da mera alteração da lei.
Passo agora para o problema da neutralidade para dizer que aquilo que, porventura, está na mente do PSD e do PCP, ao fazerem esta proposta, é algo que, como 0 próprio PSD reconhece na "Exposição de motivos" do seu diploma, resulta muito mais da realidade de facto do que da lei. Isto é, se o PSD entende que há abuso ou desvio em relação ao regime legal, das duas, uma: ou há sanção jurídica ou há sanção política. Ora, não é ampliando o prazo durante o qual o princípio vigora ou, porventura, alterando ligeiramente o conteúdo do princípio da neutralidade que vai conseguir um resultado diferente daquele que já existe hoje, com este Governo ou com qualquer outro.
Aliás, eu seria tentado, recorrendo a um pouco da boa disposição que sempre nos anima nestes debates, a perguntar ao Sr. Deputado Miguel Macedo se está disposto a introduzir neste diploma uma norma final, segundo a qual o mesmo produza efeitos reportados, com excepção da matéria criminal, a 7 de Janeiro de 1991, por exemplo,
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e que faça abranger o período pré-eleitoral das eleições anteriores, designadamente daquelas em que o seu partido era governo, como a que suscitou a queixa da Comissão Nacional de Eleições sobre a intervenção do Prof. Cavaco Silva num comício do Partido Social Democrata,...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é que é uma obsessão!
O Orador: - ... em relação à qual a Procuradoria-Geral da República veio defender a boa doutrina, contra aquela que era a doutrina então perfilhada pela Comissão Nacional de Eleições.
Sr. Deputado, se me permite, não resisto a citar-lhe o Sr. Procurador-Geral da República - que, como sabe, era o mesmo, então, ... .
O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Parece que sim!
O Orador: - ... e, portanto, nessa matéria, merece a consideração que é devida ao Procurador e a autoridade que é devida do seu cargo -,que dizia, nessa altura, sobre essa gueixa da Comissão Nacional de Eleições, o ,seguinte: "E que, ressalvados os deveres específicos de neutralidade e imparcialidade que alei estabelece para o período de campanha eleitoral, não está vedada a titulares de poderes públicos, durante o processo eleitoral, a continuação do exercício de actividade política. E não se encontra, por isso, excluída a possibilidade de esta actividade se repercutir no comportamento do eleitorado. (...) Sem estas cautelas, o intérprete poderia ser levado a concluir que, iniciado o processo eleitoral, se entraria numa espécie de limbo, em que os poderes públicos, e nomeadamente o Governo, ficariam impedidos de tornar pública qualquer medida ou projecto político, pois logo aí se poderia revelar uma forma de constranger ou induzir os eleitores a votarem ou a absterem-se de votar de determinada maneira. Redundaria isto numa limitação às liberdades de expressão e de informação, sem as quais não é sequer pensável a existência de democracia..." - e essas seriam prejudicadas, segundo o despacho da Procuradoria-Geral da República - "... Em concreto, ficaria transitoriamente em crise o direito de os cidadãos serem objectivamente esclarecidos sobre actos do Governo e 'informados pelo Governo e outras autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos'".
Ou seja, o problema não é o da formulação em concreto que o PSD propõe mas, sim, o da interpretação que o PSD, porventura, lhe pretende atribuir, porque, de facto, não é. por o princípio da neutralidade constar, com maior ou menor extensão, da lei, da qual já consta, que a realidade se altera.
A questão fundamental é a de que, como disse, e bem, o Sr. Deputado José Magalhães, uma coisa é o princípio da neutralidade e a sanção política que decorre da sua violação. E a sanção política que decorre da violação de um princípio que vigora durante a campanha eleitoral pode se aferida 9 ou 13 dias depois da violação ocorrer. Portanto, julgo que, quanto a essa matéria, o projecto do PSD nada acrescenta.
Agora, o problema fundamental é o de que - e o PSD sabe-o, e bem - associada a este princípio, está uma incriminação penal. E quanto à interpretação que o PSD dá e que, de alguma forma, o Sr. Deputado António Filipe deu, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que essa não é uma questão técnica mas, sim, eminentemente política. É que o que está em causa é saber se, por via de uma interpretação, porventura, excessiva e abrangente, não se vai, por um lado, coarctar a acção do Governo es por outro, perverter a própria essência da democracia (que é a possibilidade de os cidadãos se pronunciarem sobre a actividade do Governo), incriminando qualquer membro do Governo, qualquer presidente de câmara ou qualquer membro de qualquer uma das entidades previstas neste diploma de exercerem a sua actividade, quanto mais não seja pelo receio que terão de, na dúvida da interpretação... E, como sabemos, em matéria de controlo judicial do comportamento do poder político, não estamos numa fase em que a segurança é a maior, designadamente para quem exerce cargos públicos, e parece que é preferível não decidira decidir e ser objecto de um processo criminal pela circunstância de se exercer um cargo consciente e competentemente.
Julgo que, de alguma forma, isto poderia funcionar como elemento dissuasor - e já não falo do Governo, porque esta norma não se aplica só ao Governo, aplica-se a todas as eleições - e como uma espécie de inibição de exercer a actividade contra, por um lado, aquelas que são as competências legalmente definidas e, por outro, aquilo que é a própria essência da democracia.
Em suma, quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que não há uma resistência ao princípio da neutralidade e, muito menos, se pretende retirá-lo da lei. Como deve bem compreender, a minha preocupação é, .sobretudo, a de se saber se, ao proporem com uma formulação ligeiramente diversa daquela que existe - e aquela que existe, como sabe, resulta de um diploma aprovado em legislatura anterior com os votos da maioria, designadamente os do seu partido -, procuram alterar o entendimento que hoje existe e que é afirmado pela Procuradoria-Geral da República quanto ao verdadeiro alcance do princípio.
Não ponho em causa que possa ter havido abuso agora ou no passado...
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Não! Temos é de evitar que haja no futuro!
O Orador: e muito menos que venha a haver no futuro.
O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!
O Orador: - Não sou ingénuo ao ponto de dizer que não há abuso ou que não possa haver abuso. Agora, o que é preciso é que se perceba que uma coisa é a sanção política e outra é a sanção criminal.
O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!
O Orador: - Uma coisa é a inibição do exercício legítimo do poder, seja pelo Governo, seja pelo presidente de câmara, seja por um presidente de junta, outra é a sanção criminal. Portanto, não há resistência alguma ao princípio, o qual já está consagrado na lei e nem o Governo nem o Partido Socialista propuseram a sua alteração. A única questão está em saber é se a boa interpretação é ou não esta, que salvou o Sr. Primeiro-Ministro
de então, o Professor Cavaco Silva, de uma incriminação
penal contra aquilo que era a opinião da Comissão Nacional de Eleições...
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O Sr. Miguel Macedo (PSD): - "Salvou" é excessivo! Fez justiça!
O Orador: - E que continue a fazer justiça, Sr. Deputado! Que fique na acta que fez justiça ao Sr. primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva, então no exercício das suas funções, que, independentemente da alteração que vier a ser aprovada neste Plenário, continue a fazer justiça no futuro e que não se retire de qualquer alteração que possa vir a resultar deste processo legislativo um qualquer entendimento diferente, por exemplo, quanto à mera extensão temporal do princípio, quanto ao verdadeiro alcance do princípio da neutralidade. É que uma coisa é ser neutro, Sr. Deputado, outra coisa é não governar!
Aplausos do PS.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Bem dito! Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe para pedir esclarecimentos, mas aproveito para informar que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro só dispõe de meio minuto para responder.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, poderei ceder 1 minuto, se for caso disso.
Sr. Deputado Cláudio Monteiro, referiu-se, de novo, à questão da neutralidade e do dever de neutralidade das entidades públicas em períodos eleitorais. Estamos de acordo em que esta é uma questão eminentemente política, à qual eu gostaria de me referir em dois aspectos.
O primeiro é o de saber se o Sr. Deputado não pensa que deve ser considerada uma violação do dever de neutralidade o facto de um governador civil - sendo sabido que os governadores civis apoiam colectividades, designadamente a nível financeiro -, depois de marcadas as eleições e sendo um determinado governador civil candidato de uma força política ou fazendo-se acompanhar por um candidato de uma força política numa acção de campanha de uma determinada força política, aproveitar aquela acção de campanha para distribuir os cheques do governo civil dizendo que os tinha para entrega há muito tempo mas só naquele momento é que "tinha calhado".
Não há aqui, evidentemente, uma violação do dever de neutralidade, na medida em que esse governador civil, nessa qualidade, intervém de forma directa numa campanha eleitoral, favorecendo uma força política em detrimento das outras?
Entretanto, o Sr. Deputado, ao referir que a sanção, sendo uma questão política, deveria ser política, colocou-se numa posição de ingenuidade que eu não acredito que tenha. É que o Sr. Deputado não ignora que este é um daqueles casos em que, permita-se a expressão, "o crime compensa", porque esse tipo de actuações tem um objectivo claro que é, enfim, chamemos as coisas pelos nomes, comprar votos. Isto é, quem, violando flagrantemente um dever de isenção, aparece numa determinada entidade e, abusando das suas funções, faz delas uma instrumentalização para fins eleitorais, espera, com isso, não ser sancionado pelos eleitores e que os eleitores a quem entregou o cheque votem na força política...
O Sr. Casimiro Ramos (PS): - Por vezes, engana-se!
O Orador: - O Sr. Deputado diz que por vezes se engana e isso significa que nem em todas as situações o crime compensará mas, evidentemente, o intuito é esse.
Há, pois, aí, um objectivo claro e uma expectativa não de ser penalizado eleitoralmente mas de ganhar algo com isso, usando ilegitimamente as funções públicas que lhe foram confiadas.
Portanto, Sr. Deputado, essa não é uma questão que deva ser deixada a uma sanção política difusa que existirá ou não, é uma violação grave da legalidade e, como tal, deve ser punida!
O Sr. Presidente (João Amaral): - O Sr. Deputado Cláudio Monteiro deseja usar da palavra?
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem, então, a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, desde que saí da faculdade, passei a dar aulas e, portanto, habituei-me a ser eu fazer as hipóteses académicas para os alunos resolverem, pelo que não estava à espera de vir a ser confrontado, aqui, na Assembleia, com uma espécie de exame teórico da cadeira de direito eleitoral, no caso concreto, para responder a uma hipótese académica. É que, a ser assim, Sr. Deputado, responder-lhe-ia com outra hipótese académica. Porventura, tem razão, não sei se no exacto contexto em que referiu esse exemplo, mas, porventura tê-la-á, ou seja, o que disse seria, porventura, tão abusivo ou tão ilegítimo como a carrinha da câmara municipal que, por acaso, ia a passar na auto-estrada e resolveu deixar uma aparelhagem numa festa partidária porque ia a caminho e, portanto, por acaso, aconteceu!
O Sr. José Magalhães (PS): - Que acaso!
O Orador: - Isto para lhe dizer, Sr. Deputado, que não sou ingénuo, nem o Sr. Deputado o é, para vir dar esse exemplo, como se o mesmo fosse algo de inacreditável. O seu exemplo é tão plausível como aquele que lhe dei.
Até lhe diria mais: nessa matéria, sabe quando é que considero que haveria violação do princípio da neutralidade? Quando um presidente de câmara, ao abrigo de uma proposta de lei que o Governo aqui formula, nomeasse membros do seu partido para as mesas eleitorais, em clara violação do princípio da neutralidade. Aí, sim, estaria, no exercício das suas funções, a exercer uma competência legal prevista na lei e a utilizar a mesma para seu benefício próprio.
O Sr. Deputado sabe, e bem, que a diferença fundamental entre a violação do princípio da neutralidade do ponto de vista criminal e a sua não violação, isto é, o exercício legal das funções governativas, está, precisamente, na tentativa de comprar o voto individualizado, ou seja, está em utilizar os recursos e os poderes públicos para, individualmente, poder mudar o voto deste ou daquele eleitor.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem de concluir, Sr. Deputado.
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O Orador: - Não está na tomada de medidas, sejam elas mais ou menos populares. Porque a questão fundamental é esta, Sr. Deputado. O senhor pode estranhar a coincidência, mas há-de convir que é legítimo a quem governa e a quem recebeu votos para governar...
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua...
O Orador: - ... definir o seu próprio timing e é legítimo defini-lo em função dos períodos eleitorais, porque uma das coisas que está a ser julgada pelos eleitores é, precisamente, o alcance das medidas que se tomam e, inclusive, o timing das medidas que, se tomam. Portanto, não sejamos ingénuos; eu não sou, o Sr. Deputado, com certeza, não o é, ninguém nesta Câmara é,...
O Sr. Presidente (João Amaral): - Eu também não sou, Sr. Deputado!
O Orador: - ... razão pela qual julgo que esta é uma matéria em que não deve haver hipocrisia e deve haver bom senso da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para encontrar as melhores soluções.
O Sr. Presidente (João Amaral)::- Queria apenas dizer-lhe uma coisa, Sr. Deputado Cláudio Monteiro. É que o facto de não ter respondido às minhas observações não me levou a pensar que o senhor não sabia que eu lhe tinha feito essas observações.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Cláudio Monteiro (PS):. - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra, Sr. Deputado
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, quero apenas informara Mesa que não respondi às suas observações porque não me apercebi que V. Ex.ª estava a fazê-las, pelo que lhe peço desculpa,
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, começo por agradecer ao Partido Comunista Português e ao Partido Popular o tempo que me cederam para fazer esta intervenção. Tenho, assim, oportunidade de responder às perguntas que o Sr. Ministro fez ao meu colega de bancada Miguel Macedo, embora olhando para mim e citando o meu nome.
Começaria por dizer ao Governo que estou muito satisfeito com este debate, porque devo dizer-vos, e penso que perceberam isso, que entrei para este debate com uma enorme preocupação, enorme preocupação que se foi clarificando com a intervenção inicial do Sr. Secretário de Estado. Dela decorreu claramente - penso que todos nos apercebemos imediatamente - que o Governo se tinha enganado, já que não perceberam na totalidade as implicações de que a proposta que aqui foi apresentada podia ser alvo. Face à argumentação que foi hoje desenvolvida na l.º Comissão, onde esta matéria já foi abordada, verificou-se que o Governo entrou aqui com a disponibilidade de alterar a sua posição e de rever a posição que trazia na sua proposta, o que me satisfaz. O Sr. Ministro, aliás, confessou aqui que, de vez em quando, se engana - folgo sabê-lo, é bom que V. Ex.ª assim o confirme!-- e, nesta proposta, enganou-se.
O Sr. Ministro da Administração Interna: - Não me confessei, afirmei! Eu não me confesso!
O Orador: - Muito bem, afirmou. Há, no seu Governo, quem se confesse. Desde logo, o Primeiro-Ministro.
É bom que tenha havido aqui esta possibilidade e permitam-me que me congratule pelo facto de o PSD ter permitido que esta questão fosse colocada e alterada.
Está assente o que ouvimos da boca do Partido Comunista Português e do Partido Popular, ou seja, que darão o seu acordo a que a proposta do Governo seja aprovada e seja possível, na especialidade, alterá-la de forma a contemplar os objectivos essenciais do pluralismo e da democracia. Face a essa questão, estou, por isso, satisfeito e penso que todos nós devemos estar satisfeitos com este debate.
Queria ainda dizer que as alterações propostas nesta matéria permitem-me aderir aos propósitos desta iniciativa na sua globalidade. Desde há muito sentíamos a necessidade de introduzir alterações no regime das ,mesas de voto, que se mantêm, na sua essência, desde os anos 70, tal como foram pensadas nas primeiras leis eleitorais do actual regime democrático. São, com efeito, cada vez rifais as dificuldades no preenchimento integral das mesas de voto e, contraditoriamente, essa dificuldade sente-se em freguesias com mais eleitores e com mais mesas de voto. O que nos parece é que nessas freguesias a relação de vizinhança tem sido cada vez mais substituída por egoísmos comodistas, o que nos faz dizer que a proposta apresentada de criação eventual de bolsas de agentes eleitorais não é de eliminar na sua totalidade, nem foi isso, nunca, ò que dissemos. O que nos parece, sim, é que a relação entre a criação de uma bolsa de jovens agentes eleitorais e a sua ligação a uma selecção por entidades desprovidas de pluralismo democrático é claramente perniciosa,...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - ... não a bolsa em si mesma.
Também não é, embora nos cause alguma pena ser tal necessário, perniciosa a gratificação aos membros das mesas. Como digo, já em várias juntas de freguesia do PSD, por exemplo, essas gratificações são hoje atribuídas, o que se verifica há muito tempo.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, tem de concluir.
O Orador: - Termino, então, Sr. Presidente, dizendo que também nessa matéria das gratificações o nosso voto
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será, em princípio, favorável, já que não vemos razão para que isso assim não seja. A única questão que aqui estava em debate era a essência do regime democrático e folgo ver que, com esta discussão, é possível alterá-la, reconduzindo o Governo à essência deste debate.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.
O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado: Ao pretender-se criar um regime jurídico único para todos os actos eleitorais e referendários no concernente à composição das mesas de voto, o Governo, através da proposta de lei n.º 217/VII, que agora sujeita à apreciação desta Câmara, propõe-se, antes de mais, revogar todas as normas em vigor sobre esta matéria, objecto de regulamentação diversa, que, desde os fins da década de 70 e a propósito dos primeiros actos eleitorais realizados nesta III República, têm vindo a constituir o seu enquadramento legal.
Não surpreende, pois, a necessidade de proceder à revisão e modificação de todo um sistema que de há muito dava sinais claros de alguma inoperatividade e, em todos os casos, de franca e evidente permeabilidade a medidas susceptíveis de o melhorar e agilizar, sobretudo, talvez pelo seu progressivo anquilosamento face ao desenvolvimento da sociedade portuguesa nos últimos anos, nem sempre, é imperativo dizê-lo, da melhor forma no que reveste à sua articulação com o funcionamento da estrutura e mesmo da liturgia eleitoral.
De entre outras, referiria a incompreensível, mas real e progressiva, dificuldade no preenchimento integral das mesas de voto, a implicarem, com certeza, um esforço dos portugueses que perdem, para os seus lazeres, um dia de feriado, mas a constituírem um dos mais leves custos que o sistema democrático pode exigir de cada um de nós.
Sinal preocupante este que todos desejaríamos não pudesse existir entre nós...
Porém, a desejada modernização, por um lado, e tentativa de solucionar problemas indesejáveis, por outro, não implica fatalmente a necessidade de mudanças e de orientações de fundo, até porque não se poderá crer que apenas constituam a oportunidade de o Governo tentar, aproveitando-se da situação, gerar situações tendentes à hegemonização institucional e, por arrastamento, também partidária, em claro detrimento da transparência e do equilíbrio das soluções apresentadas.
Senão, vejamos: o Governo propõe-se inovar em três campos distintos - na forma de recrutamento dos membros da mesa, na sua forma de designação e no modo de compensação do exercício das suas funções.
Em concreto, o Governo propõe a criação, em cada freguesia, de uma bolsa integrada por cidadãos aderentes ao programa jovens agentes eleitores e que se encontrem inscritos no recenseamento eleitoral da sua circunscrição.
Mantendo, no essencial, os princípios vigentes para a designação do presidente e vice-presidente da mesa, esta proposta de lei inova, no entanto, por completo na designação do secretário e dos dois escrutinadores, que serão designados de entre a tal bolsa de jovens agentes eleitorais, sendo essa mesma designação da competência de uma comissão constituída pelo presidente de câmara, de assembleia municipal e de junta de freguesia, com clara exclusão da participação das candidaturas e dos partidos políticos como e enquanto tais. Convenhamos que esta solução não é um primor de transparência ou de equilíbrio.
É precisamente esta a nota principal desta proposta, em nossa opinião, que, pela sua potencial conflitualidade e desacerto, constitui um obstáculo à consensualização que este diploma deveria reunir em si mesmo, dada a unanimidade de reconhecimento dos problemas que ele pretende resolver. Esperamos que o Governo assim o entenda e que proceda com clareza no sentido de tornar possível a aceitação desta proposta.
Distinta, embora com evidente conexão, é a necessidade de se proceder à redução dos períodos de campanha eleitoral, bem como dos prazos para a marcação de eleições, a par do alargamento de dever de neutralidade das diversas entidades públicas face aos vários actos eleitorais.
Tem toda esta questão, na essência, e muito bem a nosso ver, relação com a redução das despesas das campanhas eleitorais, mas também com a redução ao mínimo necessário do clima de alguma instabilidade que sempre marca a vida dos portugueses e das próprias instituições em períodos de pré-campanha e campanha eleitorais, como, aliás, é perfeitamente normal e natural.
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Pretende-se, assim, dar mais um passo na moralização da vida dos partidos como sujeitos da vida política nacional e da sua 'aproximação com a sociedade portuguesa, face ao desencontro que nem sempre é só da responsabilidade daqueles.
Sendo estes desideratos absolutamente desejáveis, importaria a sua consensualização, em nome da sua necessidade por todos aceite e à qual o Governo não se pode furtar.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
a O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, terminámos o debate conjunto, na generalidade, dos projectos de lei n.º 518 e 584/VII e das propostas de lei n.º` 213 e 217/VII.
A próxima sessão plenária realiza-se amanhã, quinta-feira, às 15 horas, e terá como ordem do dia a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 601/VII - Programa especial de combate às listas de espera (PSD).
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 35 minutos.
Declarações de voto enviadas à Mesa, para publicação, relativas à votação do projecto de deliberação n.º 55/VII
Os Deputados do PS eleitos pelo círculo eleitoral de Coimbra votaram favoravelmente o projecto de deliberação n.º 55/VII, apresentado pelo Partido Ecologista Os Verdes, porque mantêm a sua discordância quanto à escolha de Souselas para a co-incineração de resíduos industriais perigosos, mas não concordam com determinados considerandos deste projecto de deliberação,
designadamente o que considera "que a decisão tomada pelo actual Governo carece em absoluto de sustentabilidade técnica, rigor e credibilidade".
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Consideram, ainda, que o referido projecto de deliberação não tem em conta a importante proposta apresentada pelo Primeiro-Ministro de constituição de uma comissão científica de controlo e fiscalização ambiental das cimenteiras", comissão esta que tem poderes suspensivos ou resolutivos em função dos dados apurados e qualificados pela própria comissão.
Os Deputados do PS, Manuel Alegre - João Rui de Almeida - Carlos Beja - Rui Namorado - Osório Gomes - Ricardo Castanheira.
Sublinho a grande preocupação deste Governo em resolver a situação verdadeiramente caótica e irresponsável quanto aos resíduos industriais perigosos, herança deixada pelo governo do PSD.
A verdade é que durante muitos e muitos anos os lixos foram espalhados/abandonados por todo o País, num qualquer lugar, sem nenhum destino, sem nenhum tratamento e sem ter em conta as consequências nefastas para a saúde pública dos portugueses.
Durante anos e anos, estes lixos industriais poluíram o nosso solo, a nossa água e a nossa atmosfera. Àqueles que falavam do Portugal como um oásis - só se fosse de lixo.
A responsabilidade do governo PSD foi tão grande que chegavam ao ponto de autorizar o despejo em Portugal de lixos tóxicos de outros países, como as escórias de alumínio vindas da Suíça e despejadas na Península de Setúbal, onde permaneceram a céu aberto, anos e anos a poluir o estuário do Sado, até que este Governo decidiu 'acabar com este crime ambiental devolvendo o lixo tóxico ao remetente.
O Governo do PS está a enfrentar a grave situação que se vive em Portugal com os resíduos industriais perigosos, tendo optado pela co-incineração.
Mas isso não é tudo!
Voto favoravelmente a proposta de deliberação em epígrafe apresentada nesta Assembleia pelo Partido Ecologista Os Verdes, porque em matéria de ambiente mais vale prevenir do que remediar.
E também por discordar de toda a metodologia adoptada pelo Ministério do Ambiente, no que concerne a estes casos concretos, designadamente no que toca ao Barreiro, na eventual construção de uma estação de tratamento em terrenos do parque empresarial da Quimiparque - a pouco mais de 1 km do centro da cidade.
A par de todas as preocupações manifestadas pelo PS no Barreiro, quer no comunicado de 25 de Setembro de 1998, quer no comunicado recente, após a escolha de Souselas e Maceira para a co-incineração, o meu partido tem um projecto de cidade para o concelho do Barreiro e o espaço ocupado pela Quimiparque é todo ele, um vector fundamental desse projecto.
Por outro lado, independentemente da gestão do PCP no Barreiro não ter feito nada pela requalificação da Quimiparque, muito pelo contrário, o PS enquanto alternativa de poder na Câmara Municipal do Barreiro, pretende ainda neste mandato, reunir condições para que seja feito um estudo conjunto com o Governo de formas de viabilização e do enriquecimento daquele espaço físico, que é património importante da cidade e de todos os cidadãos.
Por isso é que, entre uma decisão que, a sê-lo, deveria ser ponderada com a autarquia e com a população consensualmente e a possibilidade de suspender o processo, previsto na proposta em apreciação, eu opto por esta.
O Deputado do PS, Aires de Carvalho.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Partido Social Democrata (PSD):
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
António Bento da Silva Galamba.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Partido Social Democrata (PSD):
Alberto Queiroga Figueiredo.
António Fernando da Cruz Oliveira.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Manuel Durão Barroso.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rui Fernando da Silva Rio.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
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