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Quinta-feira, 25 de Fevereiro de 1999

I SÉRIE-NÚMERO 51
DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

VII LEGISLATURA

4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1998-1999)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 24 DE FEVEREIRO DE 1999

Presidente: Ex.mº Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Exmos. Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.º' 242 a 248/Vll, dos projectos de lei n.º 625 a 628/VII, da proposta de resolução n.º 133/VII, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Manuel dos Santos (PS) referiuse ao último Congresso do PSD e falou do Plano Nacional de Desenvolvimento Económico e Sociat pará,o período compreendido entre os anos 2000 e 2006 apresentado pelo Governo.
Também em declaração política, o Sr. Deputado João Amaral (PCP) condenou as circunstâncias que rodearam a detenção do dirigente curdo Abdullah ócalan, questionando o papel dos países da União Europeia na questão curda, no que foi secundado pelos Srs. Deputados Manuel Alegre (PS). Isabel Castro (Os Verdes) e Pedro Roseta (PSD).
Ainda em declaração política, a Sr.ª Deputada Carmem Francisco (Os Perdes) falou sobre o actual estado do recurso natural que é o litoral português.
O Sr. Deputado Artur Torres Pereira (PSD) fez um balanço do 2l.º Congresso do PSD, realizado durante o último fim-de-semana no Porto, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Magalhães (PS).
Rui Marques (CDS-PP) e
Octávio Teixeira (PCP), tendo, ainda dado resposta ao Sr. Deputado Manuel Alegre (PS), que usou da palavra sob a forma de interpelação à Mesa.
A Câmara aprovou o voto n.º 147/VII - De pesar pelo falecimento do dirigente comunista e ex-Deputado Octávio Pato, apresentado pelo PCP. Após terem usado da palavra, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Manuel Alegre (PS).
Roleira Marinho (PSD).
Luís Queiró (CDS-PP).
Isabel Castro (Os Verdes) e
Octávio Teixeira (PCP), foi guardado um minuto de silêncio.

Ordem do dia. - Foi dado assentimento à viagem de caracter oficial do Sr. Presidente da República a Macau entre os dias 17 e 23 de Março.
Procedeu-se à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 178/VII Autoriza. o Governo a legislar em matéria de benefccios fiscais à BRISA Auto-Estradas de Portugal, S.A., tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de-Estado dos Assuntos Fiscais (António Carlos dos Santos), os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), Luis Queiró (CDS-PP). Vieira de Castro (PSD) e Casimira Ramos (PS).
Foi também discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 219/VII - Autoriza o Governo a alterar o regime contra-ordenacional aplicável às violações das normas legais sobre o direito de habitação periódica e direitos análogos, designadamente direitos de habitação turística. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro Ajunto do Primeiro-Ministro (José Sócrates), os Srs. Deputados Hugo Velosa (PSD).
Francisco Peixoto (CDS-PP).
Paulo Neves (PS) e
Odete Santos (PCP).
A proposta de lei n.º 220/VII - Autoriza o Governo a conceder garantia pessoal do Estado ao cumprimento das obrigações do Banco Central do Brasil (BCB) perante o Banco de Portugal, no âmbito do apoio financeiro a conceder ao BCB pelo Bank for International Settlemenis (BIS) com a participação de Portugal e de outros bancos centrais, sob a forma de uma crédit facility no montante global de 14 000 milhões de dólares norte-americanos foi também discutida na generalidade e usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro das Finanças (Sousa Franco), os Srs. Deputados Carvalho Martins (PSD). Augusto Boucinha (CDS-PP). Joel Hasse Ferreira (PS) e Octávio Teixeira (PCP).
Foi ainda debatido, na generalidade, o projecto de lei n.º 612/VII - Altera a Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais) (PCP), tendo usado da, palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Pimenta Dias (PCP).
Francisco Peixoto (CDS-PP).
Mário Albuquerque (PSD).
Martinho Gonçalves (PS) e
António Montalvão Machado (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 45 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Armando Jorge Paulino Domingos.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Casimiro Francisco Ramos.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
João Pedro da Silva Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeíra de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís António do Rosário Veríssimo.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de' Oliveira Troncho.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Ferreira Jerónimo.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuília Carrilho Bernardo.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge Lúcio Arsênio.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui. Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Alberto Queiroga Figueiredo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António d'Orey Capucho.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.

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Artur Ryder Torres Pereira.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Póvoas.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luis de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Freges.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.
Vasco Manuel Henriques Cunha.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
António Carlos Brochado de Sousa Pedras.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Pedro José Del Negro Feist.
Rui Manuel Pereira Marques.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):
Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
António Luís Pimenta Dias.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
Carmen Isabel Amador Francisco.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputado independente:
José Mário de Lemos Damião.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas, os requerimentos e as respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur, Penedos): - Sr. Presidente. e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: propostas de lei n.os 242/VII - Altera o Decreto-Lei n.º 358/89, de 17 de Outubro, que aprovou o regime do trabalho temporário, que baixou à 8.ª Comissão, 243/VII Estabelece normas sobre a cooperação entre Portugal e os tribunais penais internacionais para a ex-Jugoslávia e para o kuanda, que baixou à 2.ª Comissão, 244/VII - Estabelece a licença especial para o exercício transitório de funções de magistrado judicial ou do Ministério Público na Região Administrativa Especial de Macau, que baixou à l.ª Comissão, 245/VII, - Autoriza o Governo a legislar sobre o regime de utilização das armas de fogo ou explosivos pelas forças e serviços de segurança, 246/VII - Altera a Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, que regula o acesso aos documentos da Administração que baixou à 1.ª Comissão, 247/VII - Autoriza o Governo a alterar o regime geral do arrendamento rural, e 248/VII Desenvolve e concretiza o regime geral das contra-ordenações laborais, através da tipificação e classificação das contra-ordenações correspondentes à violação da legislação específica de segurança, higiene e saúde no trabalho em certos sectores de actividades ou a determinados riscos

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profissionais, que baixou à 8.ª Comissão; proposta de resolução n.º 133/VII -Aprova, para adesão, à Convenção Internacional para a Protecção dos Artistas Intérpretes ou Executantes dos Produtores de Fonogramas e dos Organismos de Radiodifusão (Convenção de Roma), aprovada em Roma, em 26 de Outubro de 1961, que baixou às 2.ª e 6.ª Comissões; projectos de lei n.os 625/VII Pronúncia, acompanhamento e apreciação pela Assembleia da República da participação de Portugal no processo de construção da União Europeia (CDS-PP), que baixou à 9.ª Comissão, 626/VII Relativo à alteração da moldura sancionatória aplicável ao incumprimento dos deveres de apresentação ao recenseamento e outros deveres conexos (PS), que baixou às 1.ª e 3.ª Comissões, 627/VII - Altera a Lei n.º 14/96, de 20 de Abril, alargando a capacidade de fiscalização do exercício da função accionista do Estado (CDS-PP), que baixou à 5.ª Comissão, 628/VII - Lei-quadro da criação de municípios (CDS-PP), que baixou à 4.ª Comissão.
Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa vários requerimentos. Na sessão plenária de 11 de Fevereiro de 1999: ao Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado José Junqueiro; ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Pimenta Dias; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado João Amaral; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Rodeia Machado, e ao Sr. Primeiro-Ministro, formulado pela Sr.ª Deputada Isabel Castro.
Na sessão plenária de 12 de Fevereiro de 1999: ao Ministério do Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Beja; aos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e do Trabalho e da Solidariedade, formulados pela Sr.ª Deputada Manuela Aguiar; ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Alexandrino Saldanha, e à Secretaria de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais, formulado pela Sr.ª Deputada Carmem Francisco.
Na sessão plenária de 17 de Fevereirode 1999: aos Ministérios da Saúde, da Educação e da Economia, formulados pelo Sr. Deputado Jorge Roque Cunha; às Secretarias de Estado das Comunidades Portuguesas e da Comunicação Social e ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Manuela Aguiar, Hermínio Loureiro, Luísa Mesquita e Bernardino Soares; aos Ministérios da Administração Interna, do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território e à Presidência do Conselho de Ministros, formulados pelos Srs. Deputados António Filipe e Lino de Carvalho.
Entretanto, o Governo respondeu, no dia 17 de Feve, refiro de 1999, ao requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho, na sessão de 3 de Fevereiro.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para proferir declarações políticas, os Srs. Deputados Manuel dos Santos, João Amaral e Carmem Francisco.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Assistimos, na última semana, a uma sucessão de acontecimentos políticos de relevante importância mediática e, em alguns casos, de inquestionável mérito.
Desde logo, o Congresso extraordinário do PSD,que, aparentemente, visava clarificar a posição final deste partido relativamente à chamada «Alternativa Democrática».

Não me compete analisar, em pormenor, as ocorrências do referido conclave, que foram, aliás, e continuarão seguramente a ser, objecto de profusa e diversificada apreciação pública.
Pelo que ouvi - e fui um espectador atento -, o PPD/PSD sai mais fraco e mais dividido e nada de verdadeiramente importante para o País foi discutido e decidido nessa magna reunião.
Contudo, se o PSD atingiu, ou não, os seus objectivos só o futuro e, nomeadamente, os próximos actos eleitorais permitirão concluir.
Sempre direi, no entanto, que de um congresso do PSD - que, recorde-se, é «só» o principal partido da oposição - se esperaria sempre elevação, discussão serena, sentido de responsabilidade, construção de alternativas e reforço de unidade interna.

É que não é indiferente à própria democracia o estado do principal partido da oposição e começa a ser confrangedora á situação do PSD, se a analisarmos pelos sinais exteriores evidentes que resultaram do último Congresso e que claramente contrariam aquela nossa expectativa.
O quadro político português reforça-se com uma oposição forte e coerente e, sobretudo, previsível, pois os desafios que se colocam, quer no plano económico, quer no plano social, sendo complexos, não se compadecem com indeterminações e indefinições e, sobretudo, não podem dispensar a intervenção de uma parte significativa da sociedade portuguesa. Não parece que o Congresso do PSD tenha sido um contributo positivo para essa necessidade.
Ora, é neste quadro que surge a apresentação pelo Governo do Plano Nacional de Desenvolvimento Económico e Social para o período compreendido entre os anos 2000 e 2006.
Como já tive oportunidade de referir noutra ocasião, o Plano agora apresentado é, na prática, uma espécie de prefácio do Quadro Comunitário de Apoio para o próximo período de seis anos.
Daí que não sejam indiferentes as conquistas do País, em termos de volume de fimdos, no quadro da negociação da Agenda 2000, e, sobretudo, as soluções de acesso a esses fundos e o reequiliõrio do financiamento das diversas políticas, pois estas decisões, mais do que os fundos, acabarão por determinar o verdadeiro modelo de desenvolvimento para o País nos primeiros anos do próximo milénio.
Só que de nada vale possuir fundos ou, pelo menos, ter aberta a via de acesso à sua obtenção se não existir uma visão estratégica para o desenvolvimento económico e social do País, visão estratégica esta que não é património de um único governo ou de um único partido, antes deve envolver toda a sociedade, quer de forma directa quer através das diversas instituições que legitimamente a representam e a mobilizam.
Foi este o desafio que o Sr. Primeiro-Ministro lançou na última semana, apelando a que a sociedade política e a sociedade civil se organizem na discussão construtiva do modelo de desenvolvimento que apresentou. Sem dogmas e fundamentalismos, sem triunfalismos inadequados, sem autoritarismo e auto-satisfação, antes com sentido de diálogo, plena consciência dos objectivos e desígnios essenciais a atingir e a constatação do longo e complexo caminho para o desenvolvimento que é necessário percorrer.
São quatro os desígnios propostos, que estruturam toda a visão estratégica apresentada.
O primeiro tem a ver com o respeito pelo Estado de Direito, pela cidadania democrática, pela coesão e pela solidariedade.

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Importa aqui reafirmar a preocupação permanente com o respeito e consolidação do Estado de direito e da cidadania democrática.
Neste pilar e neste desígnio, repousará muito do futuro que queremos para nós e para os nossos jovens, na certeza de que temos de responder aos crescentes desafios que a evolução das sociedades e das suas linhas estruturantes coloca neste domínios.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O reforço da cidadania democrática é, decerto, um objectivo central e não se esgota apenas no exercício regular e espaçado de um simples direito de participação eleitoral, porque também se exprime, no fundamental, pela consciência fiscal, pela capacidade de colaboração aberta com as instituições e pela crescente participação activa nas decisões de interesse público.
Não é saudável para a sociedade portuguesa a formulação de diagnósticos descabelados que põem em causa a verdadeira natureza do nosso regime.
E se ainda é «tolerável», mais por cansaço do que por laxismo, ouvir as proclamações anti-sistema do inefável Dr. Jardim, já é mais preocupante verificar que estes juizos fizeram o seu percurso no quadro da discussão do citado Congresso do PSD, pela voz dos seus principais dirigentes, incluindo o seu líder.
Não há, como a esmagadora maioria da população sente, qualquer perversão democrática no nosso sistema e o facto de os principais centros de decisão política serem ocupados por socialistas resulta exclusivamente das condições de funcionamento da democracia plena que vivemos e de forma alguma do exercício tendencialmente totalitário desses poderes.

Aplausos do PS.

De resto, o importante não é a dimensão do poder mas, sim, a qualidade do exercício desse poder. E o Governo socialista, em vias de completar uma legislatura, completa e estável, num quadro parlamentar de maioria simples (embora forte), sem nunca exercer qualquer chantagem sobre a opinião pública ou gerar qualquer instabilidade da vida política, é a garantia plena do exercício dessa saudável convivência democrática.
Mas não basta reforçar, o Estado de direito e a cidadania se forem esquecidas a coesão económica e social e a solidariedade.
Estes são dois fundamentos essenciais do modelo estratégico proposto, que, naturalmente, incorpora a política do emprego, protecção e segurança social, mas sobretudo requalifica, num sentido de progresso e aprofundamento, o verdadeiro dever do Estado (pessoa de bem) para com o cidadão e a família.
É este um aspecto extremamente positivo da formulação do Sr. Primeiro-Ministro, que responde preocupadamente às exigências que os socialistas colocaram a si mesmos, as quais passam por construir uma evidente marca social na sua presença no Governo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, dê-me licença que o interropa, já que não há condições na Sala para ser ouvido com o silêncio que é necessário. Agradeço que os Srs. Deputados deixem de conversar e oiçam em silêncio.

O Orador: - Muito obrigado pela sua intervenção, Sr. Presidente, mas os Srs. Deputados do PSD, provavelmente, estarão mais interessados em fazer as contas que não fizeram no seu último Congresso...

O Sr. José Junqueiro (PS): - Isso vai demorar tempo!

O Orador: - O segundo desafio é o da participação plena na construção europeia e no núcleo central que realizou a União Económica e Monetária.
Trata-se de um desígnio que está esgotado na sua primeira fase, uma vez que Portugal assegurou a convergência necessária para participar, sem dificuldades sociais, no projecto europeu da moeda única.
Enorme foi o progresso feito pela economia portuguesa nos últimos anos, mas longo é ainda o caminho a per-correr, para que possamos atingir os níveis de desenvolvimento dos países da Europa mais rica.
É fácil fazer promessas e proclamar compromissos, quando se não está no poder ou quando, no máximo, aquilo a que se aspira é o enfraquecer a inevitável vitória socialista.
Retenho aqui dois momentos: o primeiro logo a seguir à inicial constituição da Alternativa Democrática. Foi afirmado que, com a AD, o País atingiria os níveis médios de bem-estar da Europa, num período de quatro anos.
Reconheço que esta proclamação foi negada, aqui no Parlamento, pela voz avisada da Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, mas a sua voz foi, apesar de tudo, fraca e, sobretudo, desacompanhada.
Também reconheço que, no interior da AD, e, nomeadamente, do PSD (como sabemos desde o ultimo fim-desemana), não abundam os que sabem fazer contas ou simplesmente dominam a aritmética mais elementar.
Mas façamos um pequeno exercício. Actualmente, o rendimento português corresponde a 71% da média comunitária. Se os países da UE crescerem, como se propõem, a uma média de 2,5%, a economia portuguesa, para atingir a convergência proposta pela AD em quatro anos, teria de crescer com um ritmo médio superior a 11,66%, milagre que, mesmo na mais bem sucedida das tendas, não está seguramente ao alcance de cada um.
O segundo momento ocorreu no Congresso do PSD: o seu líder prometeu que, se for governo, o rendimento médio dos portugueses, no fim da legislatura, será de 75%, menos 25 pontos, da média comunitária.
Com o exemplo que atrás dei e considerando que a Comunidade cresceria 2,5% ao ano, a economia portuguesa teria de crescer em média 3,55% no próximo quadriénio.
Só que este é, mais ou menos, o valor proposto pelo Governo no Programa de Estabilidade e Crescimento para o período que vai até 2002, o que quer dizer que o PSD vem- agora propor, afinal de contas, o que já está consolidado e que várias vezes pôs em causa, considerando-o, aliás, «pouco ambicioso» com a. bravata da denúncia do despesismo e do aumento da carga fiscal que o mais elementar bom senso aconselharia a não invocar.
Mas o que verdadeiramente conta para que possamos vencer o desafio da nossa participação na moeda única é o que pudermos fazer no domínio das reformas e da reestruturação empresarial, que são absolutamente indispensáveis para o reforço da competitividade da nossa sociedade.
Ora, sobre estas matérias, o PSD nem aqui nem no Congresso formulou qualquer tipo de propostas, tem sido surdo e parco. Esperar-se-iam uma atitude e um comportamento mais responsáveis.

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O terceiro desígnio, como VV. Ex.as sabem, tem a ver com a afirmação de Portugal como parceiro da internacionalização, em especial em África e no Brasil.
Finalmente, o quarto desígnio tem a ver com a necessidade de implantar no País uma cultura generalizada de exigência e rigor, de criatividade, de inovação e qualidade, de iniciativa e responsabilidade.
Por razões regimentais, não vou prender-me demasiado com o desenvolvimento destes pontos, até porque teremos seguramente muitas oportunidades para debatê-los aqui com VV. Ex.as.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A iniciativa política do Sr. Primeiro-Ministro deve gerar em nós todos sentimentos de profunda responsabilidade.
Afinal, o que se quer e o que se pretende é que, sem prejuízo dos interesses partidários de cada um e das visões ideológicas diferenciadas, nos ponhamos de acordo relativamente a meia dúzia de objectivos essenciais para o progresso e o desenvolvimento da nossa sociedade.
O debate agora aberto não pode ficar sem resposta e, sobretudo, sem colaboração.
Sendo essencial a participação de toda a sociedade, também não é dispensável a participação da Assembleia República. Neste quadro, é perfeitamente aceitável que o Partido Socialista tome iniciativas não apenas no quadro das comissões parlamentares mas também no contexto do Plenário da Assembleia da República, para que esta discussão se faça de forma transparente e aberta, mas sobretudo de forma responsável.
Os acontecimentos dos últimos dias revelaram que, enquanto alguns andam interessados em discutir projectos e ideias para Portugal, outros se esgotam na aprendizagem, seguramente fascinante, da aritmética mais elementar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Vamos esperar que se trate apenas de um acidente de percurso, rapidamente ultrapassável. Se assim não for - e há infelizmente indícios seguros, resultantes do último Congresso do PSD, de que assim não será -, cá estaremos todos para responder perante os portugueses.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Não havendo pedidos de esclarecimento, tem a palavra, para uma declaração política, o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Subo à tribuna para exprimir, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, a nossa mais viva indignação, e condenação pelo que se passou e passa com o dirigente curdo Abdullah. Ücalan e, muito particularmente, a nossa indignação face ao comportamento hipócrita e interesseiro da União Europeia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Abdullah CScalan está preso nas mãos da temível, polícia turca, porque vários países da União Europeia o permitiram ou, pior ainda, o quiseram, incapazes de defender com coerência e firmeza os direitos humanos em geral e, em particular, os direitos dos povos à sua identidade própria e ao reconhecimento dos seus valores e interesses.

As autoridades turcas, actuando com métodos que lembram o banditismo de um gang da mafia, já fizeram distribuir uma fotografia de bcalan preso, de olhos vendados e com a bandeira turca atrás. É revoltante, é uma baixa humilhação de um cidadão, tratado sem dignidade e atingido nas suas próprias convicções. É um insulto à pessoa humana Abdullah ácalan e uma provocação a um povo à procura de um destino e a defender a sua identidade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Os ingleses e os franceses e outros Estados aliados, que, após a I Grande Guerra, assinaram o Tratado de Sévres, não se podem esquecer que, aí, há 80 anos, prometeram ao mundo a criação do Curdistão como Estado independente.
Mas a geoestratégia é um nome que esconde a política da partilha do mundo entre as grandes potências para melhor organizar a rapina, a geoestratégia condenou os curdos à divisão, a maior parte, dentro da Turquia, outra parte, no Iraque, no Irão, na Síria, na Arménia e no Azerbeijão. No total, Srs. Deputados, são 26 milhões de curdos, a que acresce uma larga fatia que trabalha, hoje, na União Europeia, imigrados a ocuparem os degradados postos de trabalho que os nacionais da União não querem.
As origens do povo curdo perdem-se na História. Para os que têm tempo para ler e leram o célebre livro de Xenofonte, A Retirado dos Dez Mil, na adaptação que Aquilino Ribeiro fez dele, lá os encontra, nos mesmos sítios onde agora vivem. E para quem só os imagina nas montanhas, perseguidos e isolados, recórdo aqui o nome do mais célebre dos curdos, no período da expansão árabe, Saladino, que se encontrou e bateu contra Ricardo 1 de Inglaterra - quem tem alguma cultura também é capaz de se lembrar a que cena me estou a referir.
O nacionalismo curdo, sob a forma de documentos escritos, remonta, pelo menos, ao século XVI. Nos finais do século XIX, assume expressão em muitos jornais e em sociedades organizadas de forma aberta, em vários pontos do mundo.
No fim da I Grande Guerra, é constituída uma delegação do povo curdo, que participa nos trabalhos do Tratado de Sévres, assinado em 1920 e que já acima refen.
Ao longo de todo este século XX, de formas diferentes, consoante os países e os estatutos que lhes foram concedidos, os curdos foram sempre afirmando uma vontade firme de encontrar um espaço próprio, que lhes reconheça a identidade e os direitos mínimos como povo, com a sua língua própria, que a têm e que, aliás, nada tem a ver com o turco, que é uma língua ligada ao iraniano, com história própria e com as suas tradições.

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Muito bem!

O Orador: - Foi na Turquia que enfrentaram a mais dura repressão. Durante 80 anos, os curdos não existiram oficialmente lia Turquia, proibiu-se-lhes o uso da língua, as escolas próprias, houve perseguições bárbaras, 3000 aldeias foram arrasadas, houve 30 000 mortos na guerra suja, foram mortos curdos pelo exército turco armado até aos dentes, a pior barbárie!
Ver a Turquia, hoje, condenar a via armada que o PKK, a certa altura, escolheu para defender os direitos dos curdos é de uma hipocrisia sem limites.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

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O Orador: - A Turquia, que fez o que fez com os arménios, que invadiu o Iraque para atacar os curdos, que mantém sob ocupação militar metade de um país, Chipre - em pleno século XX! -,...

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... que persegue internamente opositores de forma feroz. Isto, sem falar da história do avanço do império até às portas de Viena e sem falar dos Balcãs, que, hoje, pagam pesadamente uma herança que não escolhera,.
Instituições europeias, como o Parlamento Europeu e a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, não têm poupado críticas à falta de respeito pelos direitos humanos na Turquia, incluindo a falta de respeito pelos direitos humanos dos curdos.
Pois é no momento exacto em que õcalan se mostra aberto a propostas concretas para uma solução política do problema curdo que a Europa lava as mãos e recusa a Ocalan o apoio humanitário que ele pediu.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - A história do rapto está muito mal contada. Quem convenceu õcalan a vir para Itália? Por que recuou D'Alema? O que é que levou õcalan ao embaixador grego? Como é que ele foi levado para Nairobi? E, particularmente, como é que foi raptado de Nairobi para a Turquia?
Tem de se falar do papel da Alemanha na negação do asilo. Foi um torpe papel, torpe, de pressão contra o asilo que a Itália se prontificava a conceder, que desmerece, aliás, o milhão de curdos que labutam duramente, na Alemanha para construir a riqueza alemã.

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

O Orador: - As pressões dos Estados Unidos foram sempre para a entrega de õcalan ao seu amigo turco. O papel dos serviços secretos americanos e israelitas é referenciado pela imprensa internacional nesse inqualificável rapto, feito a partir da embaixada grega, isto é, de um país da União Europeia, em Nairobi. Aliás, o acordo turco-israelita dá base jurídica para a compreensão da intervenção dos serviços secretos de Israel. O Le Monde, de 23 de Fevereiro, citando o New York Times, explica detalhadamente o papel dos serviços secretos americanos no rapto.
Entretanto, a Turquia prossegue as operações militares contra os curdos, incluindo dentro do Iraque - isto, apesar de os curdos dentro do Iraque estarem a servir aos Estados Unidos como forma de pressão sobre Saddam Hussein, num jogo sujo de pura geoestratégia.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A Turquia não hesita em prender jornalistas e em proibir-lhes o acesso às zonas curdas - num dos mais recentes números do El Pais vem a descrição do que se passou com um seu jornalista -, não se coíbe de ameaçar publicamente, sem reacção de quem quer que seja, os potenciais observadores internacionais que queiram seguir o caso õcalan e continua a prender, dentro da Turquia, dirigentes curdos e curdos em geral às centenas e aos milhares.

E qual é, Srs. Deputados, pergunto eu, o papel da União Europeia, quando tudo isto sucede e quando as manifestações dos curdos que trabalham na União Europeia se estendem a todas as cidades, a Berlim, a Paris, a Bruxelas, e também a outros países, como o Iraque, o Irão e outros?
O que se pede, Srs. Deputados, à União Europeia e ao Governo português, o que se pede e exige, em nome dos direitos humanos do povo curdo e dos seus representantes, é que intervenham activamente contra a arrogância das autoridades turcas, pela defesa dos direitos humanos dos curdos e pela libertação de õcalan, como passo para a paz e para encontrar uma solução política para a questão curda.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Timor, em tamanho e número de população, não se compara ao Curdistão; só se compara no sofrimento, perante duas potências, a Indonésia e a Turquia, que, cada unia a seu modo, não hesitam em pôr a ferro e fogo os direitos humanos para sacrificarem os direitos dos povos.

Aplausos do PCP.

Só há uma coisa que é certa e que se sabe em todo o mundo: é que a farsa julgamento que Ankara prepara para õcalan.vai ser mil vezes mais célere e eficaz do que o arrastado e inconclusivo julgamento dos policias que assassinaram o jornalista Metin Gõktepe, do jornal Evrensel, ou o julgamento dos polícias que abusaram sexualmente das 16 adolescentes que se limitavam a afixar cartazes pró-curdos na cidade de Manisa. Esse julgamento vai ser muito mais célere do que estes, dos quais nunca mais sai uma condenação.
O golpe turco, o rapto, já deu demissões em Atenas e em Nairobi, mas ninguém alivia a consciência com demissões ou com acusações aos excessos do PKK. Quem não reconhece os direitos dos curdos é a Turquia. Custe o que custar à Turquia, os curdos não são turcos!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O réu não é o Curdistão, é a Turquia e esta Europa de tantas hipocrisias, tão pusilânime, tão cúmplice; esta Europa que envia um homem para a sala de tortura. Simbolicamente, bcalan foi metido na ilha-prisão de Imrali, no mar da Márrnara, onde também esteve preso Yilmaz Guney, o realizador do filme Yol. Todos ficam, assim, a saber para que sala de tortura enviaram o curdo e a que espécie de justiça o entregaram.
Os curdos merecem outra coragem, outra força, outra capacidade de defender os direitos humanos, que aqui com veemência reclamamos, perante o País e perante a Europa.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado João Amaral, inscreveram-se os Srs. Deputados Manuel Alegre, Isabel Castro e Pedro Roseta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando fui presidente da delegação portuguesa à

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Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, tive ocasião, juntamente com outros Deputados portugueses, de condenar o golpe de Estado que suprimiu as liberdades na Turquia, de condenar as violações dos direitos humanos então cometidas e de defender o actual primeiro-nsinistro Ecevit quando foi destituído e preso. Lamento, agora, que Ecevit, como primeiro-ministro, faça o que outros lhe fizeram e esteja a praticar o que criticou.
Tivemos, então, também ocasião de demonstrar, na fase de transição do golpe militar para uma pseudodemocracia, que a Constituição do regime turco é incompatível com o Estatuto do Conselho da Europa, a que pertence.
As violações dos direitos humanos que continuam a ser praticadas na Turquia demonstram que a democracia está muito longe de ser uma vivência autêntica neste país.
Sugiro ao actual presidente da delegação parlamentar portuguesa no Conselho da Europa e aos Srs. Deputados que retomem a luta que Deputados portugueses, noutras circunstâncias, ali fizeram e condenem com vigor as violações dos direitos humanos na Turquia, as condições de detenção de dcalan e exijam que a Turquia aja de acordo com os estatutos do Conselho da Europa e das instituições europeias a que pertence.

Aplausos do PS e de, alguns Deputados do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado João Amaral, penso que a questão que, hoje, aqui foi trazida é de extrema importância, pois estamos a falar do quarto maior grupo étnico da Europa, de um povo que; há anos, é sistematicamente perseguido e vítima de uma política de extermínio e de genocídio, de milhares e milhares de refugiados, de mais de quatro milhões de desalojados, de mais de 3700 aldeias destruídas.
Estamos a falar numa Assembleia da República que decidiu, e bem, invocar os 50 anos da Declaração Universal dos Direitos do Homens, o que significa que o que se passa em relação ao povo curdo, que, numa diferente escala, é, tal como o de Timor-Leste, vítima de violações diárias dos seus direitos, a quem é negada a sua cultura e o direito de livremente escolher o seu destino, é seguramente algo a que a Assembleia da República Portuguesa não pode ser indiferente e não pode fechar os olhos, exigindo de cada um dos Deputados, dos partidos políticos aqui representados, do Governo português e das instâncias da União Europeia, das quais fazemos parte, uma posição clara e inequívoca, que não sejam declarações vagas para alívio de consciência que nada acrescentam à realidade que está em causa.
0calan está numa situação que exige uma posição clara de Portugal! Julgo que esta declaração política é a oportunidade de darmos sentido às palavras que, não há muito tempo, aqui proferimos.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, julgo que devo informar a Câmara - aliás, os meus colegas membros da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa conhecem as minhas recentes posi

ções sobre esta matéria, . tomadas ainda antes da detenção do líder de um partido curdo - que sempre temos, quer a propósito da Turquia quer de outros países, levado à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa os valores portugueses, que são totalmente contrários e incompatíveis com esta forma de actuar que a Turquia, mais uma vez, utilizou. Tenho recordado que estes valores portugueses são, de algum modo, os valores universais e que nós próprios contribuímos para a sua expansão no mundo.
Não é admissível que países como a Turquia, a Ucrânia e a Federação Russa mantenham a pena de morte, que, a meu ver, é totalmente incompatível - aliás, está proibida, como sabem, pelo Protocolo Adicional n.º 6 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem - com a presença e a participação como membro pleno na Assembleia do Conselho da Europa e no Conselho da Europa em geral.
Se algum destes países que mencionei, a começar pela Turquia, que, destes três, é o mais antigo membro do Conselho da Europa, aplicar a pena de morte, que ainda mantêm no seu ordenamento jurídico, eu próprio - já o disse repetidamente e não me importo de repeti-lo onde quer que seja -, enquanto vosso representante na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, proporei a imediata suspensão da delegação parlamentar desse país.
Há valores, como a vida, que estão acima de todo e qualquer outro valor. O tratamento dos prisioneiros, sejam eles quais forem e tenham feito o que quer que seja, não pode ser desculpa para o terrorismo de Estado.
Todos têm de ter um julgamento justo! É evidente que é admissível que qualquer pessoa seja julgada, mas o julgamento tem de ser justo, com todas as garantias e observações, pois sem isso ninguém pode querer reivindicar um património, o dos Direitos do Homem, que não é só europeu, é universal, e, muito menos, fazer parte de uma organização que é a organização dos Direitos do Homem por excelência; o Conselho da Europa.

Aplausos do PSD e de alguns Deputados do PS

O Sr. Presidente: - Para responder conjuntamente aos vários pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, queria salientar que as três intervenções que ouvimos, feitas de forma e de ângulos diferentes, contribuíram para esclarecer a questão que aqui levantei e trouxeram, até, novos ângulos de abordagem.
Gostaria ainda de dizer, acerca de todo este problema, que assistimos, nos últimos dias, na Europa, a uma coisa terrível: à cólera de um povo! À cólera de um povo!
Sei que muitos de nós sentimos que aqui e ali houve excessos, mas não houve excessos que justificassem as balas assassinas que saíram, em Berlim - e é dificil dizê-lo -, da embaixada de Israel, assassinando três curdos.

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

O Orador: - A cólera a que assistimos, na Europa, é a cólera de um povo!
Podem muitos dizer que é muito difícil do ponto de vista geoestratégico, encontrar a solução ideal, mas não tenho qualquer dúvida de que é possível encontrar, no quadro dos países da zona, a capacidade de autonomia suficiente para que o povo curdo se reconheça no seu destino.

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O que quero aqui sublinhar, mais uma vez, é que o nosso empenhamento é para que se encontre uma solução política, no quadro daquela zona, que dê.resposta a essa grande aspiração de um povo milenar como é o curdo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, hoje estamos muito bem acompanhados, pois encontram-se a assistir a esta sessão plenária um grupo de 60 alunos da Escola Secundária José Loureiro Botas, de Vieira de Leiria; um grupo de 50 alunos da Escola E. B. 2/3 de Ramada; um grupo de 20 alunos da Escola Secundária de Vila Real de Santo António; um grupo de 50 alunos da Escola Secundária de Henriques Nogueira, de Torres Vedras; um grupo de 40 alunos da Escola Secundária Sebastião da Gama, de Setúbal; um grupo de 30 alunos da Escola Secundária de Santa Maria do Olival, de Tomar; e um grupo de 20 cidadãos do concelho de Vila Franca de Xira, para quem peço uma calorosa saudação.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carmem Francisco.

A Sr.ª Carmem Francisco (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O marasmo e o negócio estão a «dar cabo» do litoral português!
Há quase um ano, trouxemos, a Plenário, também através de declaração política, as preocupações do Partido Ecologista Os Verdes quanto à política do Governo PS para o litoral, a pretexto de mais um documento de propaganda, o «Litoral 98», sucessor do «Litoral 97» e anunciado predecessor do «Litoral 99», que, como devem imaginar, aguardamos com enorme expectativa.
Então, acusávamos a suposta estratégia de documento de circunstância, que reflectia a «continuação da aplicação de medidas avulsas que, muitas vezes, significaram a utilização de dinheiros públicos na defesa de interesses privados».
Grave é que mais de metade do orçamento para a conservação da natureza é gasto em acções deste tipo, que deram até direito a inauguração de placa do FEDER em restaurante do jet set, na Quinta do Lago.
A poucos meses do fim da legislatura, importa começar a fazer uma reflexão sobre o estado em que este Governo vai deixar o importante recurso que é o litoral português. Este estado pode ser ilustrado com um número extenso de exemplos demonstrativos de que não é só a, incapacidade ou falta de vontade de resolver problemas, não são só as medidas avulsas e não é só o marasmo que estão a «dar cabo» do litoral. Junta-se, a tudo isto, uma conivência com o negócio, no sentido mais pejorativo do termo, uma cedência ao «facilitar a vida» a interesses instalados ou que se vão instalando, que se vão apropriando, sem qualquer obstáculo, do espaço e do património públicos.
Isto mesmo voltámos a denunciar no debate sobre ambiente do passado dia 14 de Outubro. Estranhamente, a estas acusações a Sr.ª Ministra do Ambiente nada respondeu.
Perguntámos muito claramente o que temia a Sr.ª Ministra: se era o facto de haver irregularidades ou o facto de elas poderem ser divulgadas. A pergunta ficou sem resposta.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Teve resposta!

A Oradora: como têm ficado sem resposta satisfatória as questões concretas que temos vindo a colocar, como a betonização do Parque Natural Sintra-Cascais, objecto de uma audição parlamentar a que a Sr.ª Ministra do Ambiente não compareceu, as construções nas Praias da Lota e de Manta Rota, em plena zona dunar, que a Sr.ª Ministra garantia, em Outubro, estarem embargadas mas onde o que existe é um processo de negociação, leia-se de cedência aos interesses privados, cedência essa que, mais tarde, irá, de novo, sair cara a todos nós quando tivermos de pagar obras de defesa destas construções.
Como nos sairá cara a história da, cada vez mais tardia, recuperação de Esposende, em relação à qual, eventualmente devido ao peso na consciência pelas suas responsabilidades enquanto director regional do ambiente e vice-presidente da CCRN (Comissão de Coordenação da Região Norte) do governo PSD, quando aí foram indevidamente aprovadas construções, o Secretário de Estado Ricardo Magalhães dizia colocar a «cabeça no cepo» pela sua concretização até Maio de 1998! A ser real a sua afirmação, há muito teria rolado a cabeça do Sr. Secretário de Estado.
A acrescentar a estes exemplos de clara colocação em causa do interesse público e do direito a um ambiente sadio, voltamos a introduzir, hoje, a questão da avaliação de impacte ambiental.
Logo aquando da aprovação, na generalidade, do projecto do Partido Ecologista Os Verdes sobre avaliação de impacte ambiental, em 1996, o Governo reconhecia a necessidade de cabal transposição da directiva em causa e anunciava que tinha já preparada uma proposta nesse sentido. Em Outubro de 1998, a Sr.ª Ministra do Ambiente reanunciava a intenção.
Depois de um abortado pedido de autorização legislativa, e chumbada que foi a nossa proposta, após dois anos de esquecimento na gaveta da respectiva comissão, afinal, não se sabe onde pára este novo e reconhecidamente necessário instrumento legal.
Não só não foi correctamente transposta a directiva, no sentido de permitir que a avaliação de impacte ambiental fosse, de facto, um instrumento preventivo, como também o actual regime é utilizado como uma mera formalidade administrativa, quase entendido pelos agentes económicos como mais um formulário que tem de se - preencher no intrincado processo burocrático do licenciamento.
O Governo, ao ignorar o que é dito pelos mais interessados (leia-se populações) na fase de consulta pública, como de modo autista insiste em fazer no processo de coincineração, contribui decisivamente para manter esta ideia, desvirtuando aquele que é um dos instrumentos mais preciosos na defesa da saúde e da qualidade de vida e do ambiente.
Só assim se entende que aconteçam casos como o que se está a passar no porto de Setúbal, com a própria tutela do ambiente a dar uma ajuda para «tornear» essa «chatice» que é o processo de avaliação de impacte ambiental.
Trata-se do caso em que um secretário de Estado adjunto solicita a outro secretário de Estado adjunto que emita uma declaração para a candidatura ao Fundo de Coesão do Projecto de Ampliação do Terminal de Contentores Multimodal de Setúbal, com base numa informação do auditor ambiental do Ministério do Equipamento. Esta informação está baseada na «convicção» da inexistência, de facto, de impactes ambientais significativos.

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Percebe-se, então, a desvalorização que o Governo faz da avaliação de impacte ambiental. Para que serve, afinal, se há as «convicções» dos auditores ambientais, cuja existência está assim plenamente justificada?! ...
Mas, num acto de grande simpatia, o Secretário de Estado Adjunto da Ministra do Ambiente não só se dispõe a declarar como autoriza, por despacho, o início das obras antes da avaliação de impacte ambiental e do licenciamento. Isto depois de o concurso internacional para a construção ter sido lançado em Junho de 1998 e só agora estar a decorrer o processo de avaliação de impacte ambiental, presentemente em consulta pública. Exemplar, Sr.ªs e Srs. Deputados!
Como exemplar tem sido o percurso dos POOC (Planos de Ordenamento da Orla Costeira), os quais mais parecem Planos Obseuros ou de Ocupação por Carros! É que, somados os interesses privados a subtrair ao património público, ficam alguns parques de estacionamento junto às praias. Vejam-se os exemplos de Olhos de Água, Hotel Ahnançor, Torre da Marinha, Vau-Rocha, S. Rafael, Tróia, Labruge, Ofir, Afife, etc.
Entretanto, tudo isto é feito sem as Cartas de Risco do Litoral, que a Sr.ª Ministra do Ambiente, dizia, em Outubro, esperar ter brevemente aprovadas!
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, assim vai a defesa do litoral em Portugal: uns bem! mas seguramente que o ambiente, o interesse da grande maioria e o património público vão mal e bem mal.
Metade do dinheiro dos contribuintes é gasto na defesa daquilo que não deveria ter sido construído, outra metade para efeitos mediáticos e de propaganda.
De fora, em tempo de balanço, ficam as zonas estuarinas, a Reserva Ecológica Nacional (REN), cujas cartas por aprovar se concentram, curiosamente, no litoral, a paisagem, ou seja, recursos que, se preservados e sustentavelmente aproveitados, poderiam fazer de Portugal um país bem mais rico, ao invés de contribuir para a riqueza privada de poucos, o que nos leva a reafirmar que o marasmo e o negócio estão a dar cabo do litoral português.

Aplausos de Os verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: - Não há pedidos de esclarecimento, pelo que dou a palavra ao Sr. Deputado Artur Torres Pereira, para nina intervenção de tratamento de assunto de interesse político e relevante.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Teve lugar na cidade do Porto, nos passados dias 19 e 20 de Fevereiro, o XM Congresso do PSD.
Foi um congresso de resistência, de revolta e de unidade, mas foi, acima de tudo, um congresso de respostas muito claras dos militantes, sobretudo aos portugueses.
Foi um congresso de resistência a todas as manobras que foram ensaiadas pelos nossos adversários no sentido de inviabilizar a constituição da Alternativa Democrática, primeiro, através da campanha que foi feita para desmotivar e desmobilizar os militantes sociais democratas. Eles eram os que diziam que a AD descaracterizaria o PSD, os que afirmavam que o PSD estava em risco de se diluir na AD, os que diziam temer a perda das suas referências ideológicas ou doutrinárias.
Nunca vimos, aliás, tanta gente que não ¢ do PSD tão preocupada com a defesa da pureza dos princípios e do ideal socialdemocrata: isso desvaneceu-nos e lisonjeou-nos.

Aplausos do PSD.
Depois, foram as tentativas, várias, que foram ensaiadas para descredibilizar, política e pessoalmente, o líder do PSD.
Por último, o lançamento do Dr. Mário Soares como cabeça-de-lista do PS às eleições ao Parlamento Europeu.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - E muito bem!

O Orador: - Com a derrota à vista nestas eleições, os socialistas não se importaram sequer de obrigar uma importante figura nacional do regime a ter de descer ao plano dos mortais e assumir o encargo de uma candidatura tipicamente partidária.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O desespero do PS era tanto que não se importou de fazer o seu cabeça-de-lista passar pelo martírio de ter de passar alguns meses no Parlamento Europeu - poucos, segundo o próprio e sujeitá-lo ao eventual vexame de não ser eleito presidente do Parlamento Europeu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não: o PS não se importou com nada disto, pois só lhe interessava por todas as formas, fazer implodir a Alternativa Democrática.
Enganaram-se! «Estalou-lhes a castanha na boca»!
Já antes do congresso, o PSD lhes dera a adequada resposta quando candidatou ao Parlamento Europeu unia grande mulher e uma grande social-democrata, referencial de combate, de resistência e de generosidade - a Dr.ª Leonor Beleza.

Aplausos do PSD.

Agora, no congresso, foram os próprios militantes, foram as próprias bases do partido quem deu a resposta, aliás, por maioria absolutamente inequívoca. Deste congresso saímos determinados para o combate, unidos e solidários em torno do líder do partido, firmes na estratégia e nas ideias para mudar de governo e para mudar de política.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Numa palavra, o PSD saiu deste congresso motivado e determinado a ganhar o País, a falar para os portugueses, porque Portugal precisa de uma alternativa de governo e os portugueses merecem um governo melhor, um governo que governe, um governo de futuro e com futuro.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se este foi o congresso da resistência e da unidade, foi, também, o da revolta.
Revolta pela máquina que está hoje montada em Portugal pelos socialistas, pelo seu Governo e pelo Primeiro-Ministro para tomarem o poder absoluto em Portugal, haja o que houver e custe o que custar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os socialistas já têm poder no Governo, já têm poder na Assembleia da República, já têm poder na

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Presidência da República, já têm poder nas autarquias, já têm poder no Parlamento Europeu, já têm poder na Região Autónoma dos Açores, já têm poder na comunicação social, já têm poder junto dos fortes e dos poderosos.

Vozes do PS: - Invejoso!

O Orador: - Não lhes chega, não os satisfaz, querem-no todo, seja como for e seja por que métodos for. Todos os meios servem para atingir os fins que pretendem.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O requinte, hoje, é maior: sindicâncias a organismos públicos como a JAE são ordenadas pelo Governo para se assassinarem politicamente os dirigentes da oposição.

Aplausos do PSD.

E quando o líder do PSD, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, ergue a sua voz para dizer bem alto e com firmeza da nossa indignação e do nosso protesto, imediatamente é ameaçado com um processo crime. Tudo para tentar calar, silenciar e intimidar.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - É uma vergonha!

O Orador: - Só que a nossa resposta é outra, firme e diferente.
Venham as ameaças que vierem, venham os processos crime que vierem, venham as campanhas que vierem, não nos deixamos intimidar e não calaremos a nossa revolta face a quem já não hesita perante nada e já não respeita ninguém para concentrar nas suas mãos todo o poder em Portugal.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Já vimos algo de parecido no passado: nunca esqueceremos, podem crer que nunca esqueceremos, a abjecta campanha em que o nome de Francisco Sá Carneiro foi sordidamente aviltado nas paredes do País.
No passado, resistimos e vencemos! hoje, saberemos também resistir e voltaremos a vencer.

Aplausos do PSD.

Confrontado com semelhante situação, disse, ontem, o Sr. Presidente da República que «em Portugal, com mais ou menos queixas, tem sido sempre assim» e que «espero que as instituições que têm de velar por essas coisas, nomeadamente a Comissão Nacional de Eleições, façam o seu papel e a Assembleia o seu».
Em Portugal, a situação que se vive não foi sempre assim; em Portugal, a situação que se vive hoje nunca foi assim.
E se há instituição a quem compete evitar os desmandos socialistas que aumentam a cada dia que passa é, justamente, a Presidência da República, pelo exercício da «capacidade de moderação e influência» que exigimos do seu titular, seja ele quem for, e porque também sabemos que o actual «se preocupa com o estado da democracia portuguesa e que tudo fará para que ela possa funcionar».

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E será que a fase que agora se inicia, como disse ontem o Sr. Presidente da República, será um «período saudável» de «confronto de opiniões» que permita uma boa «escolha dos portugueses nas umas», quando se sabe que a Radiotelevisão Portuguesa se prepara para emitir duas séries de programas sobre a Europa e com a participação de dirigentes políticos europeus, tendo como protagonista e principal interveniente o cabeça-de-lista socialista às próximas eleições ao Parlamento Europeu?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É uma vergonha!
Aplausos do PSD.

O Orador: - Será que a «capacidade de moderação e influência» do Sr. Presidente da República será suficiente para impedir o escândalo político de vermos um candidato partidário a fazer campanha eleitoral numa televisão pública paga com o dinheiro de todos nós?

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Vergonha!

O Orador: - Esta situação é inaceitável. O Parlamento e o País não podem deixar de censurar politicamente esta forma inqualificável de usar o Estado e a televisão do Estado para fazer campanha partidária.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este foi, por estas razões, um congresso de resistência, de revolta e de unidade. Mas foi, sobretudo, um congresso de respostas aos portugueses.

O Sr. Rui Namorado (PS): - Foi o congresso da falta de tabuada!

O Orador: - Já ninguém tem, hoje, dúvidas sobre a absoluta necessidade de inverter o actual estado das coisas em Portugal e de dar pronta e eficaz resposta aos problemas dos portugueses.
O Primeiro-Ministro - responsável por um Governo que tudo adia, tudo empata, tudo atrasa e nada decide já só cuida da sua imagem, aparecendo quando há festa, normalmente a propósito da inauguração de obras que herdou, e desaparecendo ao menor sinal de protesto, de contratempo ou de aflição!
O Primeiro-Ministro e o Governo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, são exemplos magníficos dessa esquerda dos interesses que circula em terceira via pela Europa, sorrindo aos poderosos e resolvendo-lhes os problemas, ao mesmo tempo que ignora os dos mais fracos e os dos mais desfavorecidos.

Aplausos do PSD.

Alguém poderá ficar indiferente ao desespero crescente pela espera cada vez maior por uma consulta médica ou por uma operação cirúrgica?
Alguém pode ficar indiferente à indignação pelos muitos impostos que só alguns pagam?
Alguém pode ficar indiferente à exasperação pela demora crescente de qualquer processo nos tribunais?

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1892 I SÉRIE — NÚMERO 51

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador. — Alguém pode ficar indiferente aos protestos, cada vez mais audíveis, pelo clima de medo — sim, de medo! — que os comissários políticos do PS andam a lançar na administração pública?

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Alguém pode ficar indiferente à má gestão das empresas públicas e à revolta que os portugueses sentem, por exemplo, ao pagar sempre mais caros, e cada vez mais caros, os telefones que usam ou a electricidade que consomem, e ao constatar os fabulosos lucros e os fabulosos negócios feitos pela Telecom ou pela EDP?

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Alguém pode ficar indiferente à escalada, objectivamente constatada e divulgada pelas autoridades, da violência, da intranquilidade e da insegurança urbanas ou ao fracasso do combate ao tráfico de droga e à toxicodependência?
Alguém pode ficar indiferente ao escandaloso atraso que se verifica em todas as obras públicas em Portugal?

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Será que alguém pode ficar indiferente à mentira que representou para os portugueses o não cumprimento das promessas que pelo PS lhes foram feitas em 1995 e que, hoje. três anos e meio volvidos, não só não foram cumpridas, e que se constata terem sido apenas conversa fiada, como já se percebeu — já todos perceberam, em Portugal! — que vão outra vez ser feitas na próxima campanha eleitoral, tentando, de novo, enganar os portugueses?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador. — É por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que propomos ao País uma Alternativa Democrática, consubstanciada num novo governo, numa nova política e numa diferente forma de fazer política.
A Alternativa Democrática não se destina a concorrer às eleições: ela c constituída para, realmente, disputá-las e ganhá-las, com regras, com respeito e com transparência.
Portugal não é uma coutada de alguns: é, sim, propriedade de todos.

Aplausos do PSD e de alguns Deputados do CDS-PP.

Portugal tem de ser um país confiante no futuro, não um pais adiado: Portugal tem de ter um governo que governe, não um Governo que empate, os portugueses merecem ver os seus problemas resolvidos, não os seus problemas adiados ou agravados!

Vozes do PSD:Muito bem!

O Sr. Rui Namorado (PS): — Merecem é um novo PSD!

O Orador: — Portugal e os portugueses merecem uma nova política: não a política do «vale tudo» e do «salve--se quem puder», não a política do deixa andar, ao sabor da imagem e da propaganda, não a política redonda, que tudo anestesia mas que a ninguém mobiliza. Portugal precisa de uma política de verdade, de um governo determinado, de um Primeiro-Ministro que dê a cara e tenha a coragem de assumir responsabilidades.
Portugal precisa de uma alternância e de uma alternativa.
É essa alternativa que propomos: democrática, social e nacional, mobilizadora e virada para o futuro, para ganhar e para mudar, com os portugueses e para os portugueses, acreditando que é possível fazer mais, muito mais, melhor, muito melhor, e diferente, muito diferente, por Portugal e por todos os portugueses!
E acima de tudo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, acreditando em Portugal e lutando por Portugal.

Aplausos do PSD e de alguns Deputados do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados José Magalhães, Rui Marques e Octávio Teixeira.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Artur Torres Pereira, gostaria de começar por felicitá-lo pelo facto de a direcção a que V. Ex.ª pertence ter visto confirmada e legitimada, em congresso que, para o efeito, convocou, uma linha que é aquela a partir da qual, agora, está amarrada, carregando-a como uma cruz até às eleições para o Parlamento Europeu e, depois, para as eleições legislativas. Depois, VV. Ex.ªs terão de «arrumar a casa». V. Ex.a nada nos disse sobre as condições especificas em que tal deliberação se fez. Acho que fez bem. Descreveu o seu congresso em termos panfletários, viu um congresso que mais ninguém viu!

Risos e aplausos do PS.

Felicito-o por isso!
Quanto à resistência, talvez ao líder, resistência à AD, resistência à contagem dos votos, resistência a muita coisa — mas não se viu muito mais do que isso...! E alguns metidos nas suas «coutadas», esperando a altura de porem a cabeça de fora! Mas, Sr. Deputado, isto são aspectos da vida interna do PSD em que nem sequer seria elegante entrar. Estão os Deputados na vossa bancada, alguns deles seguramente bastante incomodados, mas é um fenómeno democrático ver vencidos e vencedores em congresso. Isso é normal.
Mas, Sr. Deputado, por favor não nos «venda» das deliberações do máximo conclave do PSD a imagem deificada, quase diria rósea — que é, afinal, a nossa cor! —, não correspondente à realidade do que aconteceu.
E, Sr. Deputado, há um aspecto inadmissível, escandaloso, que tem de ser aclarado e denunciado nesta Câmara.
VV. Ex.ªs não podem conduzir uma campanha política dizendo que, em Portugal, se vive uma ditadura!

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): — Ora bem! O Orador: — É ridículo, Srs. Deputados!

Aplausos do PS.

Há dias, o Sr. Deputado Pacheco Pereira teve ocasião de protestar contra isso porque é ridículo!

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de oposição que o PS reconhece para além de toda a medida, que o Sr. Presidente da República garante, que os tribunais protegem, que esta Assembleia consagra. Fazer isto é ridículo, Sr. Deputado, mas traduz um aspecto interessante: traduz a extraordinária intimidação em que o PSD se encontra, a intimidação que gelou o congresso, que os fez ficar colados e calados durante a primeira meia-hora da intervenção final do Sr. Doutor Rebelo de Sousa - e compreensivelmente! É que VV. Ex.as diagnosticam uma situação que nada tem a ver com a realidade, é a situação que o povo português quis consagrar através do seu voto livre. E dirse-ia que, agora, o PSD tem duas queixas: por um lado, a AD não «pega», não arranca, teve «dores de parto» terríveis e, durante o congresso, verificou-se que essas «dores de parto» faziam «feridas» que continuam vivas no coração e nas forças do PSD e, por outro lado, p PSD, em vez de assumir isso frontalmente e tomar medidas, envereda por uma via de queixume. E queixa-se de quê, Sr. Presidente e Srs. Deputados? Queixa-se do facto de o povo português ter eleito representantes do Partido Socialista e pede uma espécie de piedade: «Não deviam ter votado tanto no Partido Socialista! Lembrem-se de nós, que também estamos aqui, para votarem em nós para alguma coisa!» Dir-se-ia que há uma norma que diz que quando alguém, que não o PSD, ganha, o PSD deve ter o chamado «quinhão da piedade». Mas, Srs. Deputados, em política e em democracia, não há «quinhão da piedade». O povo vota. Votou no sentido de eleger um determinado Presidente da República, de criar uma maioria nas câmaras municipais, uma maioria nas assembleias municipais e no Parlamento. É essa a vontade do povo e o PSD não tem uma alternativa.

O Sr. José Barradas (PS): - Muito bem!

O Orador: - Isto conduz-me à questão fundamental que gostaria de suscitar.
VV. Ex.as, não venham com declarações estrepitosas e, de resto, um pouco medricas - do tipo «assassinato» disto e daquilo.
O Sr. Dr. Santana Lopes queixou-se, no congresso, de ter sido «assassinado», sem a vossa piedade e sem um gesto de simpatia da vossa parte, mas isso são questões de sensibilidade, são questões de prurido, são questões de solidariedade interna do PSD. Não é isso que nos interessa.
A questão é a de que demagogia barata do tipo críticas aos militares de Abril por estarem a preparar, supostamente mal, as comemorações do 25 de Abril, mais «25 de abrilistas» que os feitores do 25 de Abril, são críticas ridículas: afirmações que digam que o PSD quer fazer já o que não fez em 10 anos são ridículas. O povo não é estúpido, o povo tem memória!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Afirmações dizendo que o PSD faz já o que nunca fez são desvergonha, são despudor.

Aplausos do PS.

Por último, Sr. Deputado, veja o Sr. Deputado Manuel dos Santos: fez uma intervenção sobre a visão estratégica para vencer o século XXI. Sobre isso, que disse V. Ex.ª? Nada! É por isso que VV. Ex.as caminham de vitória em vitória, de dois terços mais ou menos «ranhosos» em dois terços para a derrota final!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Torres Pereira.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, que falta lhe está a fazer o tino!... uns bem!

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - V. Ex.ª fez uma intervenção em que demonstrou bem a falta que lhe faz o tino - o Tino em pessoa e o tino sem ser em pessoa!

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - V. Ex.ª falou do nosso congresso. Ora, Sr. Deputado José Magalhães, prefiro participar num congresso em que os dirigentes, sobretudo os mais responsáveis, se elegem e não se aclamam,...

Aplausos do PSD.

... prefiro participar no congresso em que as coisas se votam e não em que as coisas se subvertem! Prefiro participar num congresso desses!

Aplausos do PSD.

Espero que V. Ex.ª tenha posto bem os olhos nestas características em relação ao congresso do PSD e espero que as recomende à direcção do seu partido para que, no vosso próximo congresso, elas também possam ser o espelho da democracia no seu partido.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Safa!

O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, ficou muito incomodado quando acabei de dizer que Portugal vive numa situação única nestes 25 anos de democracia, tendo até utilizado a expressão «ditadura».
Não fomos nós que usámos esta expressão, Sr. Deputado José Magalhães! A vossa memória, nesse aspecto, é bem curta, em relação a esta, como, de resto, em relação a muitas outras matérias. Mas há uma coisa que lhe quero dizer: mantemos que os senhores têm, hoje, poder em Portugal, no Governo, na Presidência da República, nas autarquias, no Parlamento Europeu, junto da comunicação social, junto dos fortes e dos poderosos, mas o problema, Sr. Deputado José Magalhães, não está no regime democrático, o problema não é o da democracia, o problema são os métodos que os senhores usam no regime democrático!

Aplausos do PSD.

O problema são os métodos que os senhores usam no regime democrático para atraiçoar a pureza dos princípios do regime democrático!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ou o Sr. Deputado José Magalhães acha bem que um candidato partidário a umas eÌeições para o

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Parlamento Europeu possa fazer campanha partidária usando programas pagos com o dinheiro de todos os portugueses, a alguns meses das eleições?!

Aplausos do PSD.

Ou o Sr. Deputado José Magalhães acha bem que o Governo promova sindicâncias em que os próprios funcionários que fazem as sindicâncias são depois convidados para integrar os gabinetes dos Ministros que os mandaram fazer essas sindicâncias?!

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

Acha bem?! Acha bem que uma sindicância paga com o dinheiro dos portugueses seja utilizada para «assassinar» politicamente - disse, mantenho e repito - dirigentes da oposição em Portugal?! Serão estes métodos compatíveis com a pureza dos princípios do regime democrático?!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Uma vergonha!

O Orador: - Não são, Sr. Deputado José Magalhães! O mal não está na democracia! Não feche os olhos, não tape os ouvidos, é bom que o Sr. Deputado fale, mas, ao mesmo tempo que fala, não feche os seus olhos nem tape os seus ouvidos, porque o problema não está na democracia, está naqueles que querem estrangular a pureza dos princípios democráticos!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Têm medo da verdade!

O Orador: - Quanto a esta matéria, Sr. Deputado, quero dizerlhe que a história não pára! Nem nós nem os portugueses alguma vez conferiram a qualidade de notários da democracia a qualquer dos partidos ou a quaisquer dirigentes partidários. Ninguém em Portugal pode arvorar-se e, muito menos, ter comportamentos de tutores de democracia...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... e é por isso que não podemos deixar de apelar ao Sr. Presidente da República para que ponha cobro a este estado de coisas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães para defesa da consideração da sua bancada.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Artur Torres Pereira, creio que nada, absolutamente nada, justifica que V. Ex.º, para se furtar às dificuldades que os resultados do seu congresso lhe colocam, enverede por uma situação pura de insulto político, ainda por cima totalmente descabido. Repare, V. Ex.ª...

Protestos do PSD.

O Orador: - VV. Ex.as tenham calma. A situação é difícil, mas estamos em democracia. VV. Ex.as não têm razão paca estarem tão enervados.
O PSD, manifestamente, perdeu o sentido das palavras.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que oiçam com o mesmo silêncio com que o vosso colega foi ouvido. É uma regra de equidade que temos de salvaguardar. Se fosse ao contrário, também chamaria a atenção dos Srs. Deputados do Partido Socialista.

O Orador: - Sr. Presidente, creio que, manifestamente, o PSD perdeu o sentido das palavras, e isso coloca na vida política portuguesa um problema muitíssimo sério, como constatam os nossos colegas que trabalham nas comissões de inquérito relativas a questões económicas, que neste momento estão a funcionar.
O Sr. Deputado Artur Torres Pereira, em vez de se pronunciar sobre a linha para a Europa, sobre a candidatura, sobre a estranhíssima lista em que VV. Ex.as colocaram o Dr. Paulo Portas, resolve desferir um ataque ad personam, ad hominem, ao Dr. Mário Soares. É que a candidatura do Dr. Mário Soares coloca ao PSD dificuldades políticas sérias que, de resto, o PSD não sabe como resolver: de um lado, o líder do partido proclamou, do alto da tribuna, que o PPE iria ganhar as eleições e que, portanto, não se colocaria qualquer problema em relação aos resultados e aos frutos últimos da candidatura do Sr. Dr. Mário Soares; por outro, a candidata do PSD declarou-se disponível para votar, o que de resto é cordial e pertinente, numa candidatura eventual do Dr. Mário Soares a mais altos cargos ainda.
Meus caros, meu caro Deputado Artur Torres Pereira, eliminar o Dr. Mário Soares é muito difícil, como 0 cavaquismo viu! Não conseguiram, então, quando tinham todos os poderes da terra e do inferno, não conseguirão agora!

Aplausos do PS.

Isso dói-vos! Isso dói-vos! É isso que vos dói!
Em segundo lugar, quanto à palavra «assassinato»... O Sr. Deputado é caçador, é afirmativo, anda de arma na mão, não pode usar a palavra «assassinato» dessa maneira! A propósito de quê, Sr. Deputado?
O Governo, posto perante uma situação que a todos nos interessa, determinou a realização de uma sindicância. Essa sindicância foi feita num prazo absolutamente record, seguiu os seus trâmites, está neste momento desembocando em processos disciplinares, articula-se com uma investigação em curso na Procuradoria-Geral da República e vai permitir esclarecer cabalmente questões que é do mais alto interesse público esclarecer. Não pode pairar, a suspeita sobre 2700 trabalhadores da Junta Autónoma das Estradas, não pode pairar a suspeita sobre quem é responsável e quem não é, não pode pairar a suspeita sobre se há corrupção e quem a praticou. E o Primeiro-Ministro disse - e disse-o na sede própria: «deve investigar-se a fundo, doa a quem doer, sem olhar a cores partidárias.».

Vozes do PS: - Menos ao PS!

Q Orador: - É.assim que em Portugal se deve agir! E assim que em Portugal se deve combater a corrupção! Orgufhamo-nos dessa posição!
Mas V. Ex.as, em vez de sublinhar este aspecto, vem lamuriar-se porque há pessoas do PSD cujas responsabilidades estão a ser esclarecidas! Sr. Deputado, ninguém é culpado antes de produzida a prova e todos se devem presumir inocentes até trânsito em julgado da sentença que os condene. No entanto, não devemos fugir às responsabi

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lidades, nem exigir um regime de privilégio, uma espécie volta, oiçam o que dizem os portugueses, vejam a situa
de silêncio régio para uma república em que todos devem ção e tomem medidas antes que as medidas acabem por
ser iguais. E para nós é esse o ponto de honra: todos de vos tomar a vós!
vem ser iguais!
O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino, Sr. Presidente, dizendo, Sr. Deputado Artur Torres Pereira, que são insultuosas e gratuitas as suas afirmações, mas não tocam nem ferem esta bancada, que continuará a lutar pela visão estratégica para vencer o século XXI.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para dar explicações, querendo, o Sr. Deputado Artes Torres Pereira.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, pedi ao Sr. Deputado para, além de falar, não fechar os olhos e, sobretudo, não tapar os ouvidos, mas parece que V. Ex.ª, de facto, tapou os ouvidos, porque às perguntas que lhe formulei nem à primeira respondeu.
Vou de novo formular-lhe as questões que já coloquei.
Entende V. Ex.ª que há isenção e imparcialidade numa candidatava que promove programas numa televisão pública, que é paga com o dinheiro de todos nós, a meses das eleições, sabendo que essa candidatava é estritamente partidária?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado José Magalhães acha que há alguma imparcialidade no facto de os agentes que promovem uma sindicância, feita cirurgicamente para «assassinar» politicamente o Sr. Eng.º Ferreira do Amaral, virem, no fim da sindicância, a ocupar lugares de assessores dos Ministros que mandaram fazer essa sindicância, como aconteceu?

Aplausos do PSD.

Acha que há imparcialidade?
Se o senhor acha que há imparcialidade no facto de pessoas que promovem sindicâncias, que «assassinam» politicamente dirigentes da oposição, quando depois essas pessoas vão ocupar lugares de assessores e de adjuntos dos Ministros que mandaram fazer a sindicância, então, Sr. Deputado, não há a mínima vergonha na política em Portugal!

Aplausos do PSD.

Digo-lhe mais, Sr. Deputado José Magalhães: estas situações, que os senhores objectivamente geraram com a história dos jobs para os boys, com os quais os senhores inundaram a Administração Pública, sem concursos, como os próprios senhores prometeram, é que inquinam a democracia! Estas questões que os senhores promovem é que afastam os portugueses da democracia! Estas questões que os senhores promovem é que ajudam a tornar os portugueses descrentes do regime democrático!
Mas, meu caro Sr. Deputado José Magalhães, os senhores, em vez de fingir que não vêem nem ouvem a realidade, não sejam autistas; vejam o que se passa à vossa

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Marque.

O Sr. Rui Marques (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, quero, em nome da bancada do CDS-PP, na pessoa do Sr. Deputado Artur Torres Pereira, saudar o Partido Social Democrata pelo seu recente congresso no Porto e pela forma viva e responsável como decorreu.

Vozes do PS: - Ah!

O Orador: - O País, em geral, e a classe política, em particular, acompanharam o decesso dos seus trabalhos com justificada expectativa e não menor interesse, até porque das decisões a tomar dependia o encerramento do ciclo constitutivo da Alternativa Democrática.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (CDS-PP): - Quem é que lhe escreveu isso?

O Orador: - Ó Sr. Deputado, não seja tão indelicado!
No CDS-PP e no PSD, ou, melhor, nos órgãos competentes de cada um dos partidos, aprovou-se com claras maiorias, diria mesmo, parafraseando alguém, com maiorias absolutamente inequívocas, aquilo que as respectivas bases eleitorais vinham reclamando: o esforço conjunto do bloco sociológico do centro direita com vista a travar o controlo das instâncias do poder pela esquerda.
O Sr. Deputado já referiu, mas não é demais recordar e insistir: o controlo da Presidência da República, da Presidência da Assembleia da República, da maioria parlamentar, do Governo do país, do Governo Regional dos Açores, da maioria das câmaras deste país e o controlo da Associação Nacional de Municípios e das freguesias, com a ANAFRE, e a maior representatividade portuguesa no Parlamento Europeu. Não fomos nós que avisámos do perigo que constitui a «deposição de todos os ovos no mesmo cesto», e o alerta que consubstancia esta feliz imagem, Sr. Deputado, nunca teve tanta oportunidade de aplicação quanto agora.
Jamais, nestes 25 anos de vida democrática, nos aproximámos tanto da tomada absoluta de poder por um só partido. É por isso que os tempos que se avizinham exigirão de vós e de nós, neste projecto comum que é a AD, muito trabalho, muita colaboração, muito respeito e muita tolerância, com o propósito, sempre presente, de reforçar os factores de coesão da AD.
Estamos seguros de que os portugueses, no momento oportuno, saberão valorizar este esforço conjunto, afirmando eleitoralmente a alternância que é, como se sabe, factor essencial em qualquer regime verdadeiramente democrático; nas eleições europeias, combatendo contra os egoísmos nacionais, protagonizados pelos governos socialistas europeus; nas legislativas, pugnando por uma nova maioria que reforme, que governe e que tome posições.

Aplausos dó CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, pára responder,
o Sr. Deputado Artes Torres Pereira.

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O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Sr. Deputado Rui Marques, a Alternativa Democrática é um projecto presente aos portugueses por portugueses que pensam de forma diferente em muitas coisas mas que convergem, no essencial, e, sobretudo, na necessidade, em nome de Portugal, de mudar de políticas e de mudar de Governo.
Estamos finnçs e determinados neste propósito, e a prova de que este propósito vale a pena, está, obviamente, na reacção de preocupação, de nervosismo, de incómodo, de excitação, que, hoje, aqui, foi revelada pela bancada do Partido Socialista.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente; Sr. Deputado Artur Torres Pereira, por uma questão de princípio, não costumo fazer comentários ou considerações sobre os congressos dos outros partidos. E não é hoje que vou ferir esse princípio.
Em todo o caso, se o Sr. Deputado Artur Torres Pereira me permite, sugeria-lhe que tivesse algum cuidado com um certo excesso de linguagem. Acredito perfeitamente que VV. Ex.as tenham saído do congresso unidos numa ambição. Agora que tenham saído do congresso unidos na estratégia...!? Quando o Sr. Deputado fez essa afirmação, automaticamente dirigi o meu olhar para a bancada do CDS-PP!

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Não vá por aí!

O Orador: - Julgo, pois, que haveria necessidade de uma certa contenção no excesso de linguagem.
Sobre a questão dos desmandos dos Governos, designadamente em anos eleitorais, pelo menos algumas das acusações que são feitas a este Governo - que julgo correctas - levantam um problema de credíbilidade para o PSD.. Refiro-me aos «telhados de vidro», porque VV. Ex.as tiveram uma prática muito recente, que está na memória de todos nós - ainda não decorreu muito tempo para que a esquecêssemos!
Por conseguinte, sendo esses desmandos inaceitáveis, infelizmente eles não são um exclusivo deste Governo. E não é isso que os torna mais aceitáveis, porque continuam a ser inaceitáveis! Mas, repito, eles não são um exclusivo, porque tivemos experiências recentes idênticas.
Sobre a questão da AD, Sr. Deputado Artur Torres Pereira, sejamos francos: a AD foi criada nas condições em que o foi, fundamentalmente pára tentar camuflar as fraquezas dos dois e nunca para apresentar uma nova política; uma alternativa de nova política, porque, mais uma vez, se põe o problema da credibilidade, o problema da experiência recente que ainda não esquecemos. Além do mais, muitas vezes, temos mostrado aqui, nesta Assembleia, claramente, as convergências, as similitudes entre muitas das políticas que este Governo está a seguir e aquelas que VV. Ex.as seguiram anteriormente.
Todavia, a questão central que me leva a suscitar este pedido de esclarecimento tem a ver com a referência ao problema dos programas da RTP, que é politicamente inaceitável! Certamente, a RTP não iria pôr no ar, em período de pré-campanha eleitoral ou, eventualmente, em período de campanha eleitoral, esses programas se o seu autor não fosse o Dr. Mário Soares - e já não vou ao

ponto de dizer «se o seu autor não fosse o candidato do Partido Socialista» (possivelmente, também isso!).
Para que houvesse um mínimo de credibilidade, um mínimo de decoro, seria importante que a RTP pudesse afirmar que, no passado, no presente e no futuro, se não fosse a pessoa do Dr. Mário Soares, se fosse outro qualquer candidato às eleições do Parlamento Europeu, não suspendia, durante este período, esses programas.
Julgamos que essa situação não é aceitável...

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
E acreditamos que ainda há tempo para que a RTP possa ter o tal decoro mínimo para que não faça algo que não faria a mais ninguém, porque o Dr. Mário Soares, de há 15 dias a esta parte, é, pura e exclusivamente, um candidato partidário a umas eleições que se vão realizar para o Parlamento Europeu!

Aplausos do PCP.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Torres Pereira.

O Sr. Artur Torres Pereira (P$D): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, a propósito da questão que acabou de referir, tive, por duas vezes, ocasião de formular algumas perguntas aos Deputados da bancada do PS e, por duas vezes, as respectivas respostas me foram negadas. Com a sua intervenção, V. Ex.ª acaba de mas dar.

O Sr. José Magalhães (PS): - De que jeito?

O Orador: - É claro para todos que - se não fosse por outro motivo, já teria valido a pena suscitar esta questão - hoje houve, na Assembleia da República, uma clara censura da parte de todos os partidos aqui representados, com excepção do partido que ainda apoia o Governo, à actuação da RTP e de quem tutela a RTP, no que diz respeito ao que sé vai passar, ou que se anuncia que se vai passar quanto a um ou dois programas relacionados com as eleições para o Parlamento Europeu.

meses!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Durante três

O Orador: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, é clara a censura que hoje aqui foi manifestada, ao PS e ao Governo, a respeito da RTP e a respeito de quem tutela a RTP.
Já na semana passada, esta Câmara manifestou, de forma clara e explicita, uma censura ao Governo por causa, justamente, da sindicância à Junta Autónoma das Estradas. Se calhar, os Srs. Deputados do PS já se esqueceram! Fazem mal! É bom que não nos esqueçamos e é bom que os portugueses se não esqueçam de que a maioria dos representantes do povo português, em duas semanas consecutivas, exprimiu aqui uma clara e inequivoca censura por métodos, por meios e por formas de intervenção, oriundas do PS e do Governo, que põem em causa a pureza dos princípios da democracia em Portugal.

Aplausos do PSD.

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25 DE FEVEREIRO DE 1999 1997

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Manuel Alegre pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, queria perguntar a V. Ex.ª se o excesso de prestígio de uma pessoa-pode implicar uma limitação do exercício dos seus direitos. Porque é isso que está aqui em causa!

Aplausos do PS.

Não estamos em campanha eleitoral, a campanha eleitoral ainda não começou.
O Dr. Mário Soares é um cidadão como qualquer outro, apenas com um pouco mais de prestígio do que os outros, por isso não pode ser privado do uso dos seus direitos.

Protestos do PSD.

Por intermédio de V. Ex.ª queria lembrar aqui que não foi o Partido Socialista que lançou a palavra de ordem «uma maioria, um Governo e um Presidente». Essa ideia não pode ser legítima quando é ditada pela direita e ilegítima quando vem do Partido Socialista!

Protestos do PSD.

Nem se pode condenar o povo português por ter votado como votou! Não se podem elogiar os portugueses quando dão a maioria ao PSD e condena-los quando dão o seu voto ao Partido Socialista!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Manuel Alegre, a sua interpelação vale por si, não precisa de resposta da Mesa.
Também para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Torres Pereira.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Sr. Presidente, em resposta à questão colocada pelo Sr. Deputado Manuel Alegre, queria apenas referir o seguinte: entendemos que o «excesso de prestígio» ou o grande prestígio...

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Isso é censura!

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que façam silêncio. O diálogo é desejável, o barulho reciproco não.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, queria apenas referir que o grande prestígio de que gozam algumas personalidades em Portugal implica, necessariamente,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Que se portem à altura!

O Orador: - ... uma enorme responsabilidade em relação a tudo o que tem a ver com a sua participação na vida pública e na vida política nacional.

Alguém que tenha um inegável prestígio, um enorme prestígio, um imenso prestígio em Portugal tem de ter o maior cuidado para não deixar cair sobre ele as suspeitas de que alguém está a aproveitar-se desse prestígio para fazer campanha partidária, em particular quando essa campanha é feita num canal de televisão público, pago com o dinheiro de todos os portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Um grande prestígio, Sr. Deputado Manuel Alegre, não pode deixar de implicar uma enorme responsabilidade.

Aplausos do PSD.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Artur Torres Pereira, mais uma vez, o Presidente da Mesa entende que, como é natural, não deve emitir juizos de valor sobre as opiniões dos Srs. Deputados.
Passamos à discussão e votação do voto n.º 147/VII - De pesar pelo falecimento do dirigente comunista e ex-Deputado Octávio Pato, apresentado pelo PCP.
Vou ler, eu próprio, o voto:
«Faleceu Octávio Pato, cidadão vertical e destacado obreiro da democracia portuguesa, grande e respeitada figura de militante e dirigente comunista durante quase seis décadas.
Octávio Pato foi presidente do Grupo Parlamentar do PCP na Assembleia Constituinte, candidato à Presidência da República em 1976 e Deputado à Assembleia da República de 1976 a 1991, na bancada do Partido Comunista Português, o seu partido de sempre.
Octávio Pato iniciou a sua actividade política aos 15 anos de idade, na Federação da Juventude Comunista Portuguesa. Em 1945 é, pela primeira vez, obrigado a passar à clandestinidade, e em 1946 foi um dos fundadores e dirigentes do MUD-Juvenil (Movimento de Unidade Democrática Juvenil), a cuja primeira Comissão Central pertenceu.
Em Dezembro de 1961 foi preso pela PIRE. Barbaramente espancado e torturado (impedido de dormir durante 18 dias e noites seguidos e 4 meses incomunicável), recusou-se a responder a quaisquer perguntas. Foi espancado no decorrer do próprio julgamento no Tribunal Plenário de Lisboa pela corajosa denúncia que aí fez do comportamento da polícia política e da natureza fascista do regime, bem como pela firmeza com que aí defendeu o restabelecimento da liberdade e da democracia em Portugal.
Talvez nunca se tenha assistido, nos negros anos do fascismo em Portugal, «a um julgamento tão duro nem a um comportamento tão heróico e tão coerente». Condenado a oito anos e meio de prisão, indefinidamente prorrogáveis por «medidas de segurança», veio a ser libertado em 1970 após um grande movimento de solidariedade, tendo pouco depois regressado à clandestinidade para continuar a luta pela libertação do povo português do jugo da ditadura fascista, pelo restabelecimento da democracia e pelos seus ideais comunistas.
Octávio Pato foi, durante toda a sua vida, um exemplo de persistência, de audácia, de coragem, de coerência e de firmeza de convicções, na luta pelo que considerava melhor para o seu País e para o povo a que pertencia. Qualidades a que aliava a sua afabilidade natural e um eleva

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do espírito de solidariedade. E deu uma inestimável contribuição para a consolidação da Revolução do «25 de Abril» e para o processo que se lhe seguiu de democratização de Portugal.
Nascido em Vila Franca de Xira, terra coma qual manteve sempre laços muito estreitos, Octávio Pato, apesar das exigências da crida política, encontrou tempo para uma participação activa na vida cívica e associativa, incluindo no desporto, que praticou e onde interveio com permanente interesse construtivo.
A Assembleia da República presta sentida homenagem ao cidadão Octávio Pato e endereça à sua família sentidas condolências.».

Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Octávio Pato não foi só um dos mais destacados militantes e dirigentes do Partido Comunista Português, ao qual, em nome da bancada do Partido Socialista, apresento as mais sentidas condolências, foi também uma figura emblemática da resistência e da luta contra a ditadura fascista.
Para os então jovens da minha geração tornou-se lendário o seu comportamento durante os interrogatórios da PIRE. Apesar de duramente torturado, não disse uma palavra, nem sequer um nome.
Como lembrou Mário Soares, seu advogado de defesa, no artigo que sobre ele escreveu, «o seu julgamento em 1962 tornou-se igualmente um símbolo, um duplo símbolo: por um lado, da coragem de Octávio Pato, que tentou assumir, em tribunal, a defesa das suas posições políticas e ideológicas, passando de acusado a acusador; por outro lado, da brutalidade fascista e da farsa dos julgamentos políticos nos tribunais plenários salazaristas».
Octávio Pato foi selvaticamente agredido, em pleno tribunal, por agentes da PIRE e arrastado, à força, para fora da sala, perante os protestos do seu advogado e o silêncio cúmplice dos juízes.
Nesta hora de «branqueamento televisivo» de Salazar, nesta hora em que um seu ex-ministro chega ao delírio de afirmar que Salazar era um antifascista, é pena que a televisão não possa mostrar imagens como estas, reveladoras da verdadeira natureza do ditador, do seu regime, dos seus tribunais, dos seus juízes, da sua polícia política, da sua violência e da sua hipocrisia que, pelos vistos, ainda continua.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E aos que pedem agora uma estátua a Salazar, eu respondo que a estátua já foi feita há muito tempo. Foi feita nas prisões da ditadura por aqueles que sofreram a «tortura da estátua»; foi feita por homens como Octávio Pato, foi feita por homens e mulheres que foram estátuas vivas de sofrimento, de resistência e de dignidade humana.
Por isso, é com profundo respeito que presto homenagem a Octávio Pato, à sua coragem fisica e moral, à sua integridade, à fornia, abnegada e desinteressada como lutou pelas suas convicções. E, por isso também, não me parece curial, nem legítimo julgar um homem, não pelo que foi, mas pelo que podia ter sido se...
Octávio Pato não fez nenhuma ditadura, sofreu as consequências da ditadura fascista que historicamente existiu em Portugal e lutou heroicamente contra ela. Ele foi vitima! Ele foi resistente! Ele combateu a ditadura!
Concorde-se ou discorde-se da sua ideologia, é como tal que ele tem de ser considerado e respeitado. É assim que eu o vejo, com o à-vontade de quem dele muitas vezes discordou, mas também com a saudade e a emoção de quem foi seu amigo e nele admirou a coerência, a coragem, a inteireza do seu carácter e da sua vida.

Aplausos do PS e do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Roleira Marinho.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Octávio Pato foi um homem de convicções. Foi um homem de luta. Foi um homem com um ideal forte. Foi um homem que sempre fez gala das suas origens e que, à sua maneira, ajudou a construir o Portugal de Abril.
Conhecemos Octávio Pato nesta Assembleia, como Deputado Constituinte. Acompanhámos a sua acção em diversas legislaturas e, apesar dos conturbados tempos que então se viveram, Octávio Pato foi sempre afável, dialogante e respeitador, contagiando com a sua postura de homem simples, refugiada numa humildade tamanha, como a grandeza da sua vida de luta, que todos conhecemos.
Em meu nome e em nome do Partido Social Democrata, apresento sentidas condolências à família de Octávio Pato e ao Partido Comunista Português pela perda do seu destacado militante.
A Octávio Pato, de quem guardaremos a memória de um homem de bem e de um homem que honrou o seu tempo, a nossa homenagem mais sentida.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente; Srs. Deputados: Não conheci pessoalmente Octávio Pato, mas recordo a sua actividade a seguir ao 25 de Abril, com o interesse com que todos nós acompanhávamos a vida política de então, coincidente com o nascimento da nossa democracia. Tive, nessa altura, oportunidade de apreciar o seu trabalho de parlamentar, de líder da bancada do Partido Comunista, e, depois, de candidato à Presidência da República.
Nessa ocasião, a característica da figura de Octávio Pato que se vincou na minha memória - apesar do mar de diferenças ideológicas que nos separavam - foi o seu lado afável, o seu sorriso permanente quando aparecia nas reportagens da televisão. Por isso, é justo recordar aqui este traço do seu carácter.
Quero dizer também que Octávio Pato nos marcou, a todos, pela coerência das suas posições, expressas desde sempre, desde a sua juventude até ao momento do seu passamento, e em todas as circunstâncias. E este aspecto, que é tão importante na história que fica da vida de uma pessoa, merece igualmente ser neste momento ressaltado.
É por isso que, em meu nome pessoal, e em nome da bancada do Partido Popular, apresento à bancada do Partido Comunista Português, ao seu líder parlamentar, a expressão das nossas sentidas condolências, pedindo-lhe que as transmita atis militantes do seu partido e à família enlutada.

Aplausos gerais.

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O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.a Deputada Isabel Castro.

A Sr.a Isabel Castro (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgo que falar de Octávio Pato é falar de alguém que deve, em primeiro lugar, merecer o maior respeito pela força das suas convicções; de alguém que misturou a sua vida, desde muito jovem, com a defesa intransigente das suas convicções; de alguém que dedicou toda a sua existência à defesa de uma causa. E fê-lo em tais condições que, porventura, quem não viveu de perto muitas situações, tem dificuldade em avaliar a imensa coragem que era preciso ter perante a ditadura e perante a sua violência brutal.
Julgo que no momento em que há uma tendência para rasurar a história, para dar visões suavizadas daquilo que foi um tempo brutal de ausência de liberdade, de brutalidade, de violência, de ódio, é importante lembrar alguém que não só, seguramente, marcou a vida de um partido, mas também alguém que, seguramente, está para além das fronteiras desse partido, se cruza com a história de um País que viveu uma ditadura e que, nessa ditadura, se pode honrar de ter tido gente que contra ela resistiu, agiu pela liberdade e agiu por uma mudança da sua terra e dos destinos do seu povo.
Assim, em nome pessoal, e em nome de Os Verdes, apresento ao Partido Comunista Português as condolências pela morte de um militante e de um destacado dirigente.
Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Guardei-me propositadamente para o fim para poder agradecer de imediato a todas as bancadas as palavras amáveis que quiseram referir em relação ao Octávio Pato.
Para quem. como nós. Deputados comunistas, ao longo de muitos e muitos anos. com ele tivemos uma convivência estreita de camaradagem sã e amiga, a morte de Octávio Pato deixa-nos uma enorme amargura e tristeza.
E para quem, como eu. estabeleceu com Octávio Pato uma relação de grande e recíproca amizade pessoal, não é fácil falar sobre ele neste momento. Por isso, as minhas palavras serão curtas.
Enquanto comunista e membro do PCP. Octávio Pato ficará para sempre ligado à história do nosso partido, do seu partido, como militante e dirigente dos mais respeitados. A todos nós nos marcou, e também isso lhe devemos a forma exemplar como honrou as exigências e as responsabilidades da luta do PCP na clandestinidade. Tal como lhe devemos o seu exemplo combativo e sereno com que, após o 25 de Abril, contribuiu de forma indisfarçável para a instituição e a consolidação do regime democrático no nosso País.
Mas Octávio Pato é credor do respeito e da admiração não apenas dos comunistas, mas de todos os democratas portugueses, e em especial dos trabalhadores, por quem, ao longo da sua vida, travou muitas batalhas, melhor, travou todas as batalhas. Porque ele foi pessoalmente desinteressado na sua longa e corajosa luta política e cívica. Todos os combates que travou tiveram sempre o objectivo de defender c conquistar o que considerava melhor para o povo trabalhador. E foi, inegavelmente, um dos grandes obreiros da democracia portuguesa.
Octávio Pato foi, ainda, um homem que viveu a vida intensamente e com alegria. Amigo do seu amigo, amigo de todos os amigos. Sereno, afável, solidário. O humor sempre presente, o sorriso permanente.
Com grande e profunda tristeza nossa, o Pato deixou-nos. Mas não a sua memória e o seu exemplo.
Em nome do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, do seu partido, endereço à família de Octávio Pato as nossas mais sentidas condolências e o penhor da nossa amizade.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, quero juntar também a minha mágoa à vossa mágoa e a minha homenagem à vossa homenagem pela figura de um cidadão, de um resistente, de um político, de um Deputado, por quem tive sempre uma grande amizade e uma grande admiração.
Endereço também ao Partido Comunista Português, à família enlutada e também a esta Casa, a que pertenceu, as minhas mais sentidas condolências.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação deste voto de pesar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos guardar um respeitoso minuto de silêncio.

O Plenário guardou, de pé, um minuto de silêncio.

Srs. Deputados, este voto vai ser enviado ao Secretário-Geral do Partido Comunista e à família enlutada.
Srs. Deputados, vamos, agora, passar ao período da ordem do dia.

Eram 17 horas e 25 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente. — Srs. Deputados, começamos pela votação de uma mensagem do Sr. Presidente da República a solicitar o assentimento da Assembleia da República para se deslocar a Macau.
O Sr. Secretário vai ler o respectivo parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): — É o seguinte: Parecer e proposta de resolução
A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de Sua Excelência o Presidente da República, relativa à sua deslocação a Macau, entre os dias 17 e 23 do próximo mês de Março, apresenta ao Plenário a seguinte proposta de resolução:
«A Assembleia da República, de acordo com as disposições constitucionais aplicáveis, dá o assentimento nos termos em que é requerido.»

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos proceder à votação deste parecer e proposta de resolução.

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Srs. Deputados, vamos passar à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 178/VII - Autoriza o Governo a legislar em matéria de beneficios fiscais à BRISA Auto-Estradas de Portugal, S.A.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (António Carlos dos Santos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta proposta de autorização legislativa visa definir o objecto sentido e a extensão dos beneficíos fiscais outorgados à Brisa, tendo em conta a sua limitação e adaptação, benefícios esses que têm vindo a ser reconhecidos desde 1972 em sucessivos contratos de concessão celebrados com esta entidade.
A base legal inicial da tal concessão foi o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 49 319, de 25 de Outubro de 1969, que é uma norma de alcance geral, segundo a qual o Estado garantirá às concessionárias, pelo exercício da concessão, um conjunto bastante alargado de isenções que diziam respeito a taxas de licença, a impostos, contribuições e outros encargos fiscais e. a direitos de importação, sendo certo que, neste caso, se aplicava também aos empreiteiros das concessionárias.
A concessão foi feita em 1972 e, posteriormente, um decreto-lei de 1985, de 30 de Outubro, veio de novo estabelecer, em termos muito amplos, o elenco dos benefícios fiscais outorgados à Brisa, reproduzindo praticamente a redacção inicial de 1969, com pequenas alterações.
Diria que este regime de 1985, e este é um ponto muito importante, foi concretizado por um despacho do Secretário de Estado de então, desta área, de 28 de Maio de 1990, segundo o qual a concessionária Brisa manteria a isenção do imposto de selo, os lucros levados a reservas e reinvestidos até 1995, inclusive, em imobilizado corpóreo reversível, comparticipável pelo Estado nos termos da Base XII do contrato, poderiam ser deduzidos à matéria colectável do IRC no prazo de cinco anos após a coíiclusão e a entrada em funcionamento desses investimentos e os acréscimos das amortizações resultantes da reavaliação do imobilizado corpóreo efectuada pela concessionária em 1989 seriam considerados integralmente como custos para efeitos de IRC. Ou seja, o que se passa é que este decreto-lei não alterou rigorosamente nada de essencial do regime de 1969 e um outro que surgiu posteriormente, o Decreto-Lei n.º 315/91, de 20 de Agosto, salvaguardou de novo, expressamente, a vigência do regime de 1969, não procedendo a qualquer adaptação do regime dos beneficios ao 1RC e ao Estatuto dos Beneficios Fiscais, que, entretanto, haviam sido criados pela reforma fiscal de fins dos anos 80, nem, tão-pouco, à legislação aduaneira, em vigor a partir da data da adesão de Portugal às Comunidades. Foi, pois, com base naquele despacho que o regime tem vindo a ser executado até recentemente.
Em 1997, com o Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro, foram revistas as bases da construção, conservação e exploração de auto-estradas, sendo o prazo desta concessão alargado até 2030.E na Base XIII prevê-se uma modificação que clarifica a base legal deste regime e que limita os beneficios fiscais até aí outorgados pelo Executivo.
Assim, em vez da isenção de impostos, de contribuições e de outros encargos, introduzem-se agora mecanismos de dedução à colecta de IRC nas liquidações a efectuar até 2005 e clarifica-se quais e em que medida as amortizações devem ser consideradas como custos.

Por outro lado, limita-se a existência das isenções apenas ao imposto de selo, ao mesmo tempo que se estabelece um prazo para a vigência das isenções. Este limite teve em conta as expectativas criadas à concessionária também por um despacho de 9 de Maio de 1995, do anterior Secretário de Estado, o qual estabelecia um período transitório de 10 anos durante o qual a concessionária continuaria a beneficiar do mecanismo da dedução ao lucro tributável das reservas reinvestidas em imobilizado corpóreo reversível para o Estado entre 1995 e 2005, alargamento que era, então, justificado com o prolongamento do período da construção das auto-estradas e com a diníinuição das comparticipações directas do Estado.
É esta alteração e limitação aos beneficios, com base numa proposta da Inspecção-Geral de Finanças, que é agora submetida à apreciação parlamentar, através da proposta de lei de autorização legislativa em análise. Ela clarifica, como disse, a base legal deste regime, limita, no plano material e nó plano temporal, benefícios, transformando, de facto, isenções em incentivos e transformando os incentivos que, na prática, eram aplicáveis, os quais eram equivalentes a abatimentos à matéria colectável, a deduções à colecta, numa espécie de crédito fiscal ao investimento, o qual só existe caso haja lucros, permitindo diminuir as comparticipações financeiras do Estado e viabilizar e estimular o serviço público prestado pela Brisa.
A partir de 2005, muito embora a concessão vá até 2030, tornase claro que a Brisa passará a ser um sujeito de impostos como qualquer outro, terminando este regime de excepção, e proceder-seá ao fim dos financiamentos das comparticipações agora previstas.
Por último, este novo regime faz ainda uma outra coisa, que é revogar definitivamente o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 49 319. Esta revogação é muito importante, porque, com ela, torna-se claro que não existem mais regimes de excepção no âmbito das concessões, impedindo, pois, a sua evocação futura por parte de concessionárias que, no respectivo contrato de concessão, não tenham visto consagrado qualquer beneficio ou incentivo fiscal.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, V. EX.ª sustentou o início da sua intervenção no decreto original de 1969, que estabelecia o conjunto de benefícios fiscais que o Estado garantia às entidades concessionárias da construção e exploração da rede de estradas e de auto-estradas, em Portugal.
Como, seguramente, o Governo não justifica a sua política de hoje com a política de há 30 anos atrás, a primeira pergunta que lhe faço é a - seguinte: o que é que justifica, 30 anos depois, que se mantenha um regime excepcional de beneficios fiscais tão alargado como aquele de que a Brisa tem beneficiado e de que irá continuar a beneficiar, de acordo com a proposta que hoje nos é submetida? É que, se, de algum modo, no arranque do processo, na constituição inicial das empresas, a qual implica investimentos pesados, era justificável e entendível um conjunto de estímulos, de incentivos, de benefícios que pudessem permitir e facilitar o arranque da modernização da rede de estradas em Portugal, essa justificação já não parece ter grande sustentação 30 anos depois, sobretudo quando a Brisa, no caso concreto que estamos a apreciar, é hoje uma empresa altamente rentável que tem vindo, sucessivamente, a valorizar as suas posições bolsistas, não

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sendo, portanto, bem pelo contrário, uma empresa em situação económica dificil, com problemas económico-financeiros.
Por conseguinte, reitero a pergunta: o que é que justifica este quadro tão alargado e excepcional de incentivos e beneficios fiscais,. designadamente em sede de IRC, de que outros agentes económicos não beneficiam? E refirome apenas, a título de exemplo, ao facto de se propor, para efeitos de isenções em sede de IRC, que os acréscimos das amortizações sejam considerados a 100%, isto é, integralmente, quando, como sabe, o regime geral aponta para os 40% como limite máximo da consideração como custos, para efeitos de IRC, dos valores das amortizações resultantes da reavaliação do imobilizado corpóreo. O que é que justifica esta diferença de tratamento?
Por outro lado, Sr. Secretário de Estado, gostava de saber por que é que todo este processo é reportado, no que toca ao que acabei de referir, aos investimentos do imobilizado em 1989? Então, isso não está já completamente amortizado, Sr. Secretário de Estado? Porquê estes efeitos retroactivos a 1989, aliás, tanto neste caso como no da dedução à colecta que está prevista na alínea anterior da proposta de autorização legislativa que nos é submetida? É algo que gostaríamos de ver esclarecido.
Mas, mais do que isso, Sr. Secretário de Estado, gostaríamos de saber de quanto é que é o encargo em despesa fiscal para o Estado do conjunto de isenções que são aqui propostas, cujo princípio geral é verdade! - já constava da Base XIII do último contrato de concessão mas que o Governo procura agora concretizar. Qual é o volume de despesa fiscal para o Estado resultante deste conjunto de beneficios fiscais que estão hoje aqui em apreciação?

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente, e definitivamente, porque já não farei qualquer intervenção, e a minha pergunta serve também como tal, pelo que peço alguma tolerância de alguns segundos ao Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Orador: - Portanto, Sr. Secretário de Estado, são estas as questões que gostaríamos de ver respondidas, sobretudo porque, em sede de IRC, o Governo tem lamentado, e bem, as dificuldades de cobrança, bem como a fuga ao imposto, e sabemos, aliás soubemos ainda há poucos dias, de acordo com os últimos estudos do IRC, que «1% das empresas são responsáveis por cerca de 60% da receita.
Ora, por que razão é que é exactamente neste imposto, onde o Estado está afazer um esforço, que considero positivo, de recuperação, que mantemos e alargamos um conjunto de benefícios fiscais a empresas rentáveis, aparentemente injustificáveís? Será porque se está a caminhar para o processo de privatização da Brisa e é preciso criar o conjunto de benefícios fiscais que mobilizem essa privatização?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, por favor, queira terminar. Já usou 5 minutos.

O Orador: - Será que estamos a criar aqui um conjunto de benefícios, para beneficiar os futuros adquirentes da Brisa no processo de privatização?

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Não é só por isso, mas isso não seria mau!

O Orador: - Eram estas as questões que pretendíamos colocar, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, como sempre, colocou questões às quais tenho todo o gosto em responder.
Não se trata aqui de reproduzir o sistema de 1969, não se trata de manter isenções fiscais directas ou pelo mecanismo do chamado abatimento à matéria colectável do IRC. Trata-se de reduzir progressivamente esses beneficios, porque esta proposta traz uma limitação, como disse, temporal, uma vez que estes benefícios acabam em 2005, apesar de a concessão se prolongar muito para além disso, e traz também unia limitação material, na medida em que, de facto, os beneficios serão menos do que aqueles que existiriam através de uma total isenção.
Diria que o que justifica isto são, no findo, duas coisas: o facto de as concessionárias representarem ainda uma extensão de serviço público, é assim que a concessão é modernamente entendida, e o facto de todos os novos contratos de concessão serem negociados com base numa engenharia - sempre foi assim, nesta como noutras que, por um lado, tem em vista comparticipações financeiras directas e, por outro, tem em vista benefícios fiscais. O que, de algum modo, aqui se faz é reduzir esta componente e o que justifica isto é, pois, ainda, a noção de serviço público levado a cabo não pelo Estado de uma forma directa mas indirecta e o facto de todas as novas concessões trazerem novos investimentos e os investimentos serem hoje, certamente, maiores do que eram há uns anos atrás.
Diria ainda que, segundo estudos que temos - e há estudos diferentes nesta matéria que não têm exactamente os mesmos resultados -, a despesa fiscal, em sede destes impostos, andará entre os 45 e os 55 milhões de contos, mas isso, obviamente, vai depender dos volumes de lucros potencialmente tributados. No entanto, direi também que, segundo o trabalho da IGF de que disponho, esta perda de receita é acompanhada de uma não comparticipação financeira nos alargamentos de auto-estradas com portagem, o que corresponde a uma poupança de 24 milhões de contos no período até 2005 e de cerca de 101 milhões de contos no período mais alargado. Portanto, de algum modo, é deste jogo de benefícios e poupanças que este novo regime é feito. O Sr. Deputado dir-me-á que «mesmo assim, é um regime de excepção». Sem dúvida! Dir-lheei que termina em 2005, e não só para esta concessionária, mas para todas as outras. E isso fica totalmente clarificado.
Agora, a partir do momento em que, desde 1985, desde 1990, por despachos sucessivos, por actos, digamos, do Estado, houve regimes que foram concretizados administrativamente e que deram sempre a expectativa de o regime inicial mais favorável se manter até 2005, não me parece que sendo o Estado uma pessoa de bem devesse fechar os olhos a essa questão.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

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O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 178/VII pretende autorizar o Governo a legislar em matéria de benefícios fiscais à Brisa.
Na versão original do contrato de concessão, outorgado em 1972, foi consagrado um amplo leque de beneficios fiscais, que ia da isenção das taxas de licença e da isenção de impostos, contribuições e outros encargos devidos ao Estado e autarquias locais até à isenção de direitos de importação para as máquinas a utilizar na construção e na conservação das auto-estradas.
Tais benefícios fiscais foram mantidos nas diversas alterações ao contrato de concessão que ocorreram ao longo dos anos, não tendo sequer a sua vigência sido afectada pela entrada em vigor do Estatuto dos Beneficios Fiscais, nos termos do regime transitório geral para os beneficios fiscais adquiridos até 31 de Dezembro de 1988, que ali se estabeleceu.
No âmbito da última revisão do contrato de concessão da Brisa, em 1997, a concessionária aceitou a modificação do regime de benefícios fiscais. Estendeu-se o prazo de concessão dos benefícios até 31 de Dezembro de 2005 e delimitou-se um quadro que, não sendo o de isenção total de impostos ao Estado e autarquias locais de que gozava até então, era, ainda assim, bastante favorável
A proposta de lei ora em apreciação, contudo, vai mais além do que o Decreto-Lei de 1997, na medida em que passa a considerar como custo, em IRC, as amortizações dos custos diferidos, mas agora reportadas ao balanço de 31 de Dezembro de 1995, e não de 31 de Dezembro de 1996, com o aumento simultâneo do limite máximo dos montantes a deduzir em mais de meio milhão de contos - de cerca de 19,7 milhões de contos para aproximadamente 20,3 milhões de contos.
Mais grave do que isso: o Governo permitiu à Brisa deduzir as amortizações dos custos diferidos existentes em 1996 durante dois anos e agora, aparentemente, limita-se a propor a alteração deste beneficio fiscal como se essas amortizações não tivessem acontecido, isto é, fazendo de conta que estes dois anos de custos abatidos ao rendimento colectável daquela empresa não existiram.
Em termos de arrecadação de impostos à Brisa, o Governo regride. O mesmo Governo que, muito recentemente, se queixou, aquando da discussão do Orçamento do Estado para 1999, de que a receita dó IRC é metade da receita do IRS, ...

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Bem lembrado!

O Orador: - ... contribui, sem qualquer rebuço para a diminuição dos lucros desta empresa de capitais maioritariamente públicos, para que ela pague o menos possível de IRC.
Entretanto, do lado do consumidor automobilista, as portagens aumentam com periodicidade anual, do lado dos trabalhadores por conta de outrem, continua a chegar a melhor parte da arrecadação das receitas do Estado e pretende-se que, à mingua de uma verdadeira aposta no combate à evasão fiscal, as empresas que não apresentem lucros durante determinado período passem a ser fiscalizadas com base no pressuposto de que estão a ocultar receitas.
É esta, infelizmente, a realidade fiscal do Portugal de fim de século, apesar das reformas prometidas neste campo pelo Governo do PS.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei em apreciação pretende igualmente

que seja concedida autorização para revogar o artigo 5.º do Decreto-
Lei n.º 49 319, de 25 de Outubro de 1969, sem prejuízo dos benefícios fiscais concedidos à Brisa, que se manterão em vigor, nos termos do artigo 2.º do Estatuto dos Beneficios Fiscais.
Parece ao CDS-PP que o objectivo do Governo, neste ponto da autorização, é o de evitar que outras entidades concessionárias possam gozar, futuramente, do direito aos beneficios fiscais estabelecidos no referido diploma legal - de outra forma, foi isso que o Sr. Secretário de Estado disse há pouco. Ou seja: para a Brisa, benefícios fiscais até 31 de Dezembro de 2005, pelo menos; para as outras empresas, às quais venha a ser concessionada a construção, conservação e exploração de auto-estradas, «zero» de garantias quanto à concessão de idênticos benefícios fiscais.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Tendo em conta que decorre, embora
com atrasos e aos solavancos, o processo de atribuição
destas concessões às chamadas «brisinhas», as SCUT, este
será certamente um factor de distorção da concorrência
entre estas e a Brisa.
Aquilo que entendemos é que, encontrando-se a Brisa em pleno processo de privatização, tanto esta como as futuras concessionárias privadas deveriam beneficiar apenas, em nome do importante papel que desempenham e desempenharão no desenvolvimento das infraestruturas, rodoviárias nacionais, dos beneficios fiscais ligados aos investimentos levados a cabo em activo imobilizado corpóreo que, dada a sua natureza, revertessem, no final dos respectivos contratos de concessão, para o Estado.
Assim, sim: o Estado estaria a isentar de impostos algo de que virá a ser dono, no termo da concessão.
Acresce que não faz sentido isentar a Brisa de imposto de selo e de derramas, quando se sabe, por um lado, que as novas entidades concessionárias vão entrar no mercado sem garantia de gozar de idênticos benefícios, como já disse, e, por outro lado, que dos respectivos contratos de concessão constarão, com certeza, um conjunto de compensações financeiras por parte do Estado (como, áliás, também acontece relativamente à Brisa).

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - A nossa posição é esta: ou a concessão de benefícios fiscais se estende a todas as entidades concessionárias, segundo o modelo dos benefícios fiscais não contratualizados, ou a Brisa e as «Brisinhas» devem apenas poder abater como custo os investimentos levados a cabo em activo imobilizado corpóreo que revertam para o Estado no final dos respectivos contratos de concessão.
Nestes termos, queremos saber se o Governo assume o compromisso de se dispor para a alteração da proposta de lei em sede de especialidade, nomeadamente admitindo que se preveja, em especial, que à amortização dos custos diferidos constantes do balanço de 1995 serão subtraídas as amortizações já deduzidas em 1997 e 1998 ao abrigo da lei ainda hoje em vigor.
Queremos igualmente saber se o Governo admite a alteração da lei no sentido de se colocar a Brisa em pé de igualdade com as futuras concessionárias.
Por último, damos daqui um conselho ao Governo, e é um conselho de amigo, Sr. Secretário de Estado: o de que não persista nesta sua política de aumentar o avia

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mento financeiro desta e de outras empresas de capitais públicos, com o único propósito de as capitalizar com a privatização em vista, pois arrisca-se a ter um Estado mais rico mas, sobretudo, mais rico de contribuintes pobres ou empobrecidos. E aí, Sr. Secretário de Estado em representação do Governo, arriscam-se os senhores a que esses contribuintes, pobres ou empobrecidos, afinal a maioria dos portugueses, venham a votar contra vós mais cedo do que pensam.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sonhar é fácil! E não paga imposto!

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Mediante o Decreto-Lei n.º 49 319, de 25 de Outubro de 1969, o Ministro das Obras Públicas ficou autorizado a abrir o concurso público para a concessão da construção, exploração e conservação das auto-estradas previstas no III Plano de Fomento. Este diploma definia todas as condições desse concurso público e, nomeadamente, aquelas que respeitavam à concessão de um conjunto de benefícios àquele que viesse a ser o concessionário das auto-estradas de Portugal.
Esse conjunto de benefícios resumia-se assim: isenção do pagamento de taxas de licença, isenção de impostos, de contribuições e de outros encargos fiscais e, ainda, isenção de direitos de importação para às máquinas utilizadas na construção e na conservação das auto-estradas.
A outorga da concessão à Brisa - Auto-Estradas de Portugal, Sociedade Anónima de Responsabilidade Limitada, veio a ser feita através do Decreto-Lei n.º 467/72, de 22 de Novembro. Este Decreto-Lei correspondia, no fundo, à corporização do contrato de concessão à Brisa - Auto-Estradas de Portugal. Este contrato veio a ser sucessivamente alterado em função dos objectivos que cada governo definia para a Brisa.
Porém, e a despeito de se ter iniciado a reforma fiscal em 1986, com a entrada em vigor do IVA, prosseguida depois, em 1989, com a criação dos impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e das pessoas colectivas e, ainda, da entrada em vigor do Estatuto dos Benefícios Fiscais, o quadro de beneficios atribuídos à Brisa manteve-se imutável e, portanto, desajustado em relação ao novo sistema fiscal.
A autorização legislativa que o Governo traz ao Parlamento Visa, sobretudo, adequar esse conjunto de benefícios fiscais à nova realidade fiscal do País e, essencialmente, como aqui já foi referido, esse conjunto de beneficios fiscais tem a ver com a possibilidade de dedução à matéria colectável, em sede de IRC, de 50% dos investimentos em imobilizações incorpóreas reversíveis, também a consideração como custos, para efeitos de IRC, de reavaliações de imobilizado incorpóreo que foram efectuadas pela Brisa, bem como das amortizações feitas em oito anos relativamente ao desgaste das camadas betuminosas e, ainda, das amortizações com custos diferidos que permanecem no balanço da Brisa e que ascendem, em números redondos, a 20,4 milhões de contos.
A nosso ver, a proposta de autorização legislativa que o Governo submete à Câmara não. merece grandes objecções de fundo. Em todo o caso, atendendo a que, justa

mente neste sector de actividade, existem agora outras empresas, talvez fosse de, para salvaguarda do futuro, se repensar o conjunto de benefícios fiscais para as empresas concessionárias de autoestradas, sob pena de, no futuro,eventualmente poder haver aí alguma desigualdade de tratamento.
Para finalizar, não podemos deixar de fazer-unia crítica ao Governo e que tem a ver com seguinte: sendo que a última revisão do contrato de concessão da Brisa se reporta a 1997, mais concretamente ao dia 24 de Outubro, porque essa revisão está materializada no Decreto-Lei n.º 294/97, bem o Governo nos poderia ter trazido, para além da proposta de lei de autorização legislativa, o projecto de decreto-lei que vai, no fundo, pôr em vigor o conjunto de benefícios fiscais que, de resto, já foi negociado e aceite pela Brisa, por via do decreto-lei que consagra a revisão do contrato de concessão.
Não duvidamos que o Governo legisle atendo-se estritamente ao texto da autorização legislativa, mas bem podia ter ajudado a Câmara trazendo-nos já o projecto de decreto-lei que, se vier a ser aprovada esta autorização legislativa, o Governo irá fazer publicar.

Voze's do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Casimiro.Ramos.

O Sr. Casimiro Ramos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 178/VII, hoje em análise, tem por objecto autorizar o Governo a legislar em matéria de benefícios fiscais á Brisa - Auto-Estradas de Portugal, S.A. O Governo pretende, assim, atingir duas metas: primeira, dar forma de leia benefícios fiscais com carácter extraordinário que têm sido reconhecidos desde 1969 e que, por falta legislativa, não foram devidamente enquadrados no sistema fiscal que, desde há uma década, vigora em Portugal; segunda, dar cumprimento ao estipulado na base XXIII do anexo ao contrato de concessão da construção, conservação e exploração das auto-estradas à Brisa, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro.
Neste sentido, o artigo 1.º da proposta de lei diz respeito ao objecto, sentido e extensão da autorização legislativa. Por comparação com a referida base XIII do anexo ao Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro, conclui-se que o Governo pretende cumprir com a Brisa na exacta medida do que foi acordado. A única discrepância que se detecta é a remissão para o balanço de 31 de Dezembro de 1995, e já não para o de 1996, dos custos diferidos cujas amortizações podem ser consideradas como custos contabilísticos.
Em termos técnicos, convém realçar o mérito da formulação proposta, em consequência da lógica que o Governo tem defendido nestas matérias. Os investimentos são deduzidos não à matéria colectável, como aconteceu durante anos, mas, antes, ao crédito fiscal ao investimento que opera como dedução à colecta.
O artigo 2.º da autorização legislativa prende-se com o facto de não fazer sentido manter uma norma genérica do Decreto-Lei n.º 49 319, de 1969, que estipula, no seu artigo 5.º - O Estado garantirá às entidades concessionárias, pelo exercício da concessão, os seguintes beneficíos: a) isenção das taxas de licença; b) isenção de impostos, de contribuições e de outros encargos fiscais; c) isenção de direitos de importação para as máquinas a uti

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lizar na construção e na conservação das auto-estradas, mediante informação favorável da Junta Autónoma de Estradas, nos termos do artigo 169.º do Estatuto das Estradas Nacionais (...). 2 - A isenção a que se refere alínea c) do número anterior será também concedida aos empreiteiros dos concessionários, que como tais forem reconhecidos pelo Ministério das Obras Públicas.».
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Quando se define objectivamente e com rigor os beneficios fiscais negociados e concedidos deve, em simultâneo, rever-se a norma genérica que a antecedeu. Ganha-se em clareza e em técnica fiscal.
Refira-se também que o artigo 2.º do decreto-lei de aprovação do Estatuto dos Beneficios Fiscais prevê a manutenção, com as necessárias adaptações, dos beneficios fiscais cujo direito tenha sido adquirido até 31 de Dezembro de 1988 ou aqueles que, tendo sido objecto de decisão em data posterior, forem reportados a 31 de Dezembro de 1988 e que é com base neste dado, digamos, histórico ou de direito adquirido que a concessão à Brisa tem carácter específico e extraordinário.
Tal como o Governo tem vindo a referir, na esteira do seu Programa e em conformidade com as medidas acordadas em sede de concertação estratégica, a concessão de beneficios fiscais deve ser delimitada a situações excepcionais e revestir carácter contratual e transitório, aliás, de acordo como n.º 1 do artigo 5.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
A Brisa configura-se nesses casos porquanto: é um processo com 30 anos de acordos e negociações, é uma empresa com responsabilidades no mercado de capitais, o que obriga a que os compromissos sejam perfeitamente definidos e escrupulosamente cumpridos e gera um activo de primordial importância para o Estado, para os agentes económicos e, enfim, para o bem-estar de todos os portugueses.
O facto de a Brisa estar cotada na Bolsa de Valores de Lisboa e de ter o seu capital disperso por um número elevado de investidores, nacionais e estrangeiros, de pequenos accionistas a participações institucionais obriga o Estado e todos os que, como hoje aqui, debatem aspectos com impacto substancial na empresa a ter especial atenção à sua actuação, porque também estão em causa interesses de muitos milhares de cidadãos e a própria transparência do mercado de capitais.
Ora, o objecto da proposta de lei n.º 178/VII já foi cabalmente apreendido pelo mercado de capitais porque, como vimos, o âmbito e a extensão da autorização legislativa já estavam presentes no clausulado da versão actual da concessão à Brisa, que consta do Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro, e, por outro lado, porque a empresa já usufrui de beneficios fiscais e o seu impacto já foi tido em conta nos cálculos financeiros das instituições que avaliam o desempenho económico-financeiro das empresas cotadas. Também por esta perspectiva, a proposta de lei em análise tem o mérito de introduzir transparência e clareza, ao verter em lei o que já foi negociado e assumido de facto,
Esta proposta de lei permite-nos ainda revelar o papel da Brisa na economia do País e o facto de ser um reconhecido pólo de desenvolvimento nacional e regional. Atentemos em alguns números significativos: em 1978, a Brisa explorava 26 km de auto-estrada, de Lisboa a Vila Franca de Xira; em 1995, a Brisa explorava 522 km de auto-estrada com portagem; em 1999; e com um novo plano de investimentos em infra-estruturas, a Brisa é responsável por

801 km de auto-estrada; em 2004, a Brisa terá 1154 km de autoestrada - mais 353 do que hoje e mais 632 do que no final do mandato do Ministro Ferreira do Amaral.
Em oito anos, mais do que se duplica a extensão das autoestradas nacionais e abrem-se frentes que permitem um desenvolvimento não só na faixa costeira mas também de todo o País, contribuindo assim, decididamente, para o progresso sustentado que todos defendemos.
E também por esta história e por configurar uma elevada actividade de interesse público que é aceitável e justificável a concessão destes beneficios.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que a Mesa não regista inscrições, considero encerrado o debate, na generalidade, desta proposta de lei.
Vamos passar à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 219/VII - Autoriza o Governo a alterar o regime contraordenacional aplicável às violações das normas legais sobre o direito de habitação periódica e direitos análogos, designadamente direitos de habitação turística.
Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro.

O Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro (José Sócrates): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo deseja aprovar o novo regime jurídico sobre time-sharing e direitos de habitação turística, tendo em vista consagrar três importantes inovações.
Em primeiro lugar, desejamos que passe a ser proibido o pagamento pelos consumidores de qualquer sinal ou de qualquer quantia no período de reflexão - que, como sabem, é de 10 dias -, durante o qual lhes é permitido proceder à resolução, sem qualquer encargo, de qualquer contrato ou de contrato-promessa que tenham assinado referente a time-sharing ou á direitos de habitação turística.
Por outro lado, pretendemos também, neste novo regime, que sejam estabelecidos novos deveres de informação pré-contratual e contratual, a cargo dos operadores destes segmentos da actividade turística. Mais concretamente, vamos criar a figura do documento informativo, que deverá ser entregue gratuitamente a qualquer pessoa que o solicite. Este documento terá de conter um conjunto pormenorizado de informações sobre quem vende, o que vende e em que condições se propõe vender.
Finalmente, vamos sujeitar a novas e rigorosas regras a comercialização dos chamados cartões e clubes de férias, bem como de outros direitos de habitação turística, alguns dos quais não estavam, até aqui, expressamente submetidos a enquadramento legal adequado, com todos os prejuízos daí decorrentes para os consumidores. Os problemas causados por esta situação já foram, aliás, objecto de uma recomendação pública pelo Instituto do Constmiidor. De qualquer modo e para evitar eventuais dúvidas na aplicação da lei, vão ficar claras, no novo regime, as regras em matéria de informação e celebração de contratos, bem como de acesso à actividade, que dependerá de autorização da Direcção Geral do Turismo.
Ora, acontece que a proposta de lei de autorização legislativa que agora se apresenta ao Parlamento se destina, justamente, a ob(er da Assembleia autorização para que o Governo possa fixar, para as novas infracções a consagrar no novo regime jurídico, coimas de valor superior às previstas no regime-quadro das contra-ordenações.

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No regime em vigor, essas coimas podem já elevar-se a 20 000 contos, o que foi possível ao abrigo da competente lei de autorização, então aprovada pelo Parlamento. Não faria, pois, qualquer sentido que as novas infracções consagradas no novo regime ficassem sujeitas a sanções menos pesadas.
Pelo contrário, entende o Governo que a protecção dos interesses dos consumidores exige a manutenção de sanções com efectivo potencial dissuasor, razão pela qual se solicita agora nova autorização legislativa à Assembleia da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Hugo Velosa e Francisco Peixoto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Velosa.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, ouvi atentamente a sua exposição sobre os motivos do pedido desta autorização legislativa e confesso que, da leitura que fiz da proposta de lei, não fiquei com uma ideia tão optimista como a sua quanto ao que se pretende. Ao contrário daquilo que o Sr. Ministro aqui disse, os termos da autorização legislativa não vão tão longe quanto deveriam ir nesta matéria tão socialmente complicada e que levanta enormes problemas, sobretudo em.zonas turísticas como o Algarve, a Madeira e outras, onde existe o chamado time-sharing. Aliás, até pensei que o Sr. Ministro não estava a falar da autorização legislativa que eu tinha analisado!
Senão, vejamos: vamos rever o regime contra-ordenacional destas matérias, onde a generalidade das ocorrências são já puníveis com coimas de 10 000 ou de 20 000 contos; a generalidade dos factos geradores das coimas já constam da legislação actualmente em vigor; a directiva comunitária é de 1994 e só agora se vai fazer essa actualização. Portanto, a leitura que fiz do pedido de autorização legislativa leva-me a dizer que a proposta de lei fica muito aquém das expectativas e que, para além disso, repete, talvez com uma adaptação a uma nova linguagem, o que já está salvaguardado do ponto de vista jurídico-legal.
Assim, a pergunta que faço é a de saber se o Governo não acha que, aproveitando esta autorização legislativa, tal como se fez em 1993, se deveria ir mais longe, nomeadamente quanto à chamada comercialização selvagem que todos notamos existir nessas zonas turísticas, no sentido da salvaguarda dos direitos quer dos cidadãos portugueses quer dos estrangeiros que investem nessa área. Digo isto porque, como todos nós sabemos, na prática é muitas vezes dificil, ou quase impossível, salvaguardar esses direitos, dadas as dificuldades de punição dos agentes que actuam como publicitários que ninguém sabe se são ou não publicitários - e que geram graves problemas em relação aos direitos dos utentes e dos cidadãos nestas matérias.
Por outro lado, se realmente esta matéria começa a revelar-se preocupante face à dimensão que assume nessas zonas, não acha o Sr. Ministro que as coimas deviam ter um valor mais elevado?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, pretende responder já?

O Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro: Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra.

O Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Hugo Velosa, nesta matéria das coimas há sempre quem as ache exageradas e quem ache que elas ficam aquém do desejável. Nós achamos que as coimas propostas pelo Governo são as adequadas e a razão de ser deste pedido de autorização legislativa deriva do facto de criarmos agora novas infracções, para as quais precisamos do mesmo regime contra-ordenacional que já está na lei, o qual não queremos agravar dado parecer-nos ser o adequado à matéria. O que acontece é que no novo reginle jurídico foram acrescentadas novas infracções que precisam de uma nova autorização legislativa para que essas coimas, que, vão muito além do quadro legal, continuem em vigor. E esse o nosso ponto de vista.
Mas o Sr. Deputado escutou-me mal, porque a razão de ser deste novo regime jurídico diz justamente respeito à protecção dos consumidores em duas áreas centrais, nas quais havia uma pluralidade de queixas, e também não me escutou bem quando lhe referi a primeira grande inovação da nossa proposta de lei, ou seja, a de que passa a ser proibido o pagamento de qualquer quantia durante o período de reflexão. Isto é, entre o momento em que se assina o contrato e os 10 dias posteriores não é permitido a nenhum operador receber qualquer quantia. Esta inovação é não só de enorme significado, porque, como sabe, era aqui que se davam os maiores atentados aos direitos dos consumidores, mas também da maior importância. E muitos países da Europa não foram tão longe quanto nós, já que nós vamos para o limite, ou seja, para a proibição. Como sabe, outros países ficaram-se por métodos de defesa do consumidor que, porventura, tinham a ver com o depósito em banco dessas quantias. Portanto, nós vamos muito mais longe! Por outro lado, reforçámos enormemente os deveres de informação.
Finalmente, Sr. Deputado, foi justamente por causa dos problemas surgidos com os cartões de férias e por haver a dúvida sobre se esses cartões de férias estariam ou não sujeitos ao-regime jurídico do time-sharing que incluímos expressamente, para que não restassem quaisquer dúvidas, que também esses cartões de férias, para. além de se consagrar no novo regime jurídico algumas obrigações específicas, ficam sujeitos a todo o regime jurídico do time-sharing.
Srs. Deputados, julgo que este regime contra-ordenacional, parao qual agora vos pedimos autorização legislativa, é adequado, mas destina-se, no fundamental, à aprovação de um decreto-lei de enorme importância para os consumidores. Aliás, a actualidade tem provado ser indispensável que o aprovemos o mais rapidamente possível.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, sem embargo da questão que há pouco o Sr. Deputado Hugo Velosa aqui levantou e que vai merecer atenção na intervenção que irei fazer porque, penso, poderá, eventualmente, trazer, nesta sede, problemas de inconstitucionalidade, como, aliás, aconteceu com o Regime do Arrendamento Urbano, quero colocarlhe quatro questões.

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A primeira é a de saber se poderá dar-nos uma explicação complementar de modo a justificar ou, pelo menos, a aclarar que não vai haver o perigo de sobreposição de regimes, se esta proposta de lei for aprovada, com o regime da lei-quadro entretanto vigente.
A segunda é no sentido de saber se, porventura, V. Ex.ª não entende que seria mais adequado fixar um limite mínimo da coima e, eventualmente, fixar o limite máximo em 25 000 contos, dado que já existe um de 20 000 contos na lei de 1993. Não seria mais impressivo criar este regime?
A terceira - e isto é muito importante - visa saber se está disponível para, em sede de especialidade, caminhar nesta negociação no sentido de fixar os critérios objectivos que devem presidir à gradação das penalizações que, como sabe, não existem. Portanto, a ideia é a de criar um enquadramento mais objectivo, mais seguro, para que a aplicação de cada uma das coimas - porque são pesadas - seja decorrente de um critério objectivo e que não dê lugar ao arbítrio de quem aplica essa mesma coima.
A quarta tem por fim conhecer a sensibilidade do Governo para criar um observatório de controlo, ou, pelo menos, de acompanhamento, da aplicação de cada uma destas sanções.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro.

O Sr. Ministro Adjunto do. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Peixoto, quero, em primeiro lugar, garantir-lhe - e o decreto-lei já foi discutido em Conselho de Ministros - que não há sobreposição de regimes. Pelo contrário, a nossa intenção é a de que - e presumo que está a referir-se aos cartões de férias, bem como de outros direitos de habitação turística - tudo fique sujeito ao mesmo regime, embora pelas novas regras para os cartões de férias haja a aplicação de disposições muito particulares. Mas o regime é o mesmo e fica num único decreto-lei, isto é, o decreto que irá ser aplicado revoga o anterior. Portanto, não há qualquer dúvida quanto a isso.
Quanto às coimas, como disse, nós achamos adequados os montantes fixados. Há sempre quem ache demais, mas os operadores achavam de menos. Enfim! ... Nós achamos adequado. Confesso que não estou preparado para uma discussão de grande minúcia jurídica sobre os valores mínimo e máximo das coimas, mas, repito, achámos os montantes adequados e, como sabe, tudo resulta de contacto que também fizemos com o sector. Ora, as coimas, que se destinam a ser dissuasoras, têm de ter sempre uma adequação com a realidade, mas também não podemos exagerar, porque se o fizermos elas perdem o seu efeito dissuasor.
Quanto aos critérios objectivos, Sr. Deputado, gostava que isso fosse possível, mas acho que tem de haver sempre algum arbítrio da Administração. E é bom também que aprendamos a confiar na Administração e no seu bom juízo das situações em concreto, porque tudo dependerá das situações particulares. Acho muito dificil criar um regime de critérios objectivos que dêem orientações mais específicas à Administração. Eu fico-me por uma confiança na Administração e no bom juízo que ela fará tanto das situações em concreto como das particulares que irão ser objecto de vigilância.

Quanto à criação de um observatório de controlo, teremos muito gosto em pensar numa estrutura desse tipo se a situação a justificar. Mas, para já, deixava à Direcção-Geral de Turismo aquilo que lhe compete fazer, ou seja, servir de observatório e de monitorização, sem prejuízo também do acompanhamento que o Instituto do Consumidor fará.
Portanto, se algum dia a situação vier a revelar-se de tal forma grave que justifique a criação de um observatório, não teremos dúvidas em criá-lo. Para já, deixava que fosse a Direcção-Geral de Turismo e o Instituto do Consumidor a observarem a situação, sem prejuízo de uma melhor análise numa situação futura.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Velosa.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.ªs e Srs. Deputados: Vem o Governo promover uma autorização legislativa com o fim de alterar o regime contra-ordenacional aplicável às violações das normas legais sobre o direito de habitação periódica e outros direitos análogos, como sejam os de habitação turística.
Fá-lo invocando três fundamentos: em primeiro lugar, o da generalização do recurso a tais tipos de contratos, onde se incluem os chamados cartões e clubes de férias, o que, do nosso ponto de vista, justifica esta autorização legislativa; em segundo lugar, o da necessidade de adequação do disposto no Decreto-Lei n.º 275/93, de 5 de Agosto, à Directiva n.º 94/97/CE, de 26 de Outubro; e, em terceiro e último lugar, o da adequação ao regime jurídico de instalação e funcionamento de empreendimentos turísticos, constante do Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de Julho. Salvo melhor opinião, entendemos que estes objectivos não são devidamente atingidos por esta proposta de lei de autorização legislativa.
Por outro lado, e em relação às inovações já invocadas neste Plenário pelo Sr. Ministro, não estamos completamente de acordo em dizer que se tratam de inovações, na medida em que algumas destas matérias já se encontravam, do nosso ponto de vista, legisladas. No entanto, e para além dessa clarificação, que podemos admitir que seja proveitosa, porque se a lei for mais clara é mais eficaz na defesa dos direitos de quem a ela recorre, pensava-se que o Governo vinha propor à Assembleia da República uma autorização legislativa de conteúdo e dimensão diferente daquelas que, efectivamente, constam da proposta. Na verdade, parece-nos que o articulado proposto é insuficiente e limitado perante a tarefa prevista e a exposição de motivos.
Poder-se-á perguntar qual a razão concreta desta autorização legislativa. O Decreto-Lei n.º 275/93 já prevê um regime contraordenacional concreto que se tem mostrado adequado, nomeadamente quanto ao montante das coimas previstas que, quer nesta autorização legislativa, quer naquele decreto-lei, podem atingir os 20 000 contos. No entanto, face à evolução da situação, parece que poderia ser dissuasor e admissivel que essas coimas pudessem ser elevadas. Contudo, o Governo entende que, desde 1993, não se justifica uma actualização do valor das coimas.
Mas o regime que se pretende obter através desta autorização legislativa já constava da legislação anterior, nomeadamente em relação a vários factos justificativos das contra-ordenações que, na sua maioria, ou já constam da legislação actual ou, do nosso ponto de vista, nada acrescentam a esta mesma legislação. Nalguns casos, os factos

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justificativos das coimas previstos na presente autorização legislativa são absolutamente iguais aos que estão previstos no Decreto-Lei n.º 275/93. São, por exemplo, e concretizando, os casos da não constituição do fundo de reservas, da prestação de caução, da não devolução atempada das quantias entregues, da infracção em matéria de publicidade, do não cumprimento das regras sobre as assembleias gerais e sobre o funcionamento de outros órgãos das empresas.
Face a isto, poder-se-á perguntar por quê, então, repetir nesta autorização legislativa estas normas legais que já constam de legislação anterior. Aliás, a directiva comunitária que rege esta matéria já se encontra, no essencial, vertida na legislação actual.
Portanto, através desta autorização legislativa parece que o Governo apenas pretende uma mera clarificação da situação legal actualmente existente, embora se possa admitir que numa ou noutra matéria há alguma inovação. Face a isto, melhor seria que o Governo tivesse aproveitado esta autorização legislativa para «atacar» de forma leais eficaz aquele que será o aspecto mais inaceitável desta área dos direitos de habitação periódica, que é o da verdadeira comercialização selvagem que, sobretudo nas zonas turísticas, afecta os direitos e o bem-estar dos cidadãos portugueses e estrangeiros que as frequentam. É aqui que algo mais há a fazer quanto à função e responsabilização dos autores, nomeadamente face às dificuldades de prova no actual quadro legal, que permita a efectiva reparação dos direitos dos lesados.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.ªs e Srs. Deputados: Não se vislumbram, por isso, factos concretos substanciais que justifiquem aquilo que se pode considerar uma pequena avaliação do Governo nesta autorização legislativa. Ao manter, no essencial, o quadro contra-ordenacional existente, não se consegue obter o efeito que resulta claramente da directiva comunitária, podendo, por isso, afirmar-se que a proposta de lei do Governo não atinge os objectivos que constam do seu preâmbulo.
Por isso, esta proposta, a ficar assim, contribuirá para' uma mera estatística de propostas apresentadas pelo Governo à Assembleia da República, mas, certamente, não acrescentará nada de substancial ao quadro legal vigente.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: Na sequência do que há pouco dizia e recuando um pouco, o regime do Decreto-Lei n.º 275/93, de 5 de Agosto, regula não só o direito real de habitação periódica mas também os direitos de habitação turística, dispondo sobre o direito de resolução do adquirente com o objectivo de alcançar as decisões aquisitivas menos sugestionadas por técnicas agressivas de promoção e de comercialização.
Prevê-se, assim, a resolução do contrato de aquisição pelo adquirente do direito real de habitação periódica, uma vez verificados os requisitos legais relativos quer ao adquirente quer ao alienante, regime, aliás, de alguma forma equiparável ao dos contratos de venda ao domicílio e ao dos contratos de venda por correspondência. Especificamente, este direito de rescisão do contrato pelo adquirente do direito real de habitação periódica e turística consubstancia-se num verdadeiro direito de arrependi

mento ou de desistência, atendendo à especial configuração dos contratos em questão.
Ora, a presente proposta de lei poderia reduzir-se ao objectivo declarado de alteração do regime contra-ordenacional aplicável à violação das normas do regime em questão. Mas, como resulta da própria proposta e, sobretudo, do comunicado do Conselho de Ministros de 10 de Dezembro de 1998, torna-se claro que o Governo pretende legislar sobre a instituição de um período de reflexão de 10 dias, durante o qual não será permitido o pagamento de sinal ou de qualquer quantia por parte dos consumidores, sendolhes ainda possível proceder à resolução do contrato que tenham, porventura, assinado; sobre a instituição de novos deveres de informação pré-contratual e contratual a assumir pelos operadores destes segmentos de actividade turística; sobre a criação da figura de um documento informativo; sobre a possibilidade da junção de um documento complementar, parte integrante do contrato, contendo outras informações reputadas de necessárias; e, finalmente, sobre a sujeição dos chamados cartões e clubes de férias, bem como de outros direitos de habitação turística, a novas regras de comercialização.
Impõe-se perguntar se cabe no âmbito da autorização legislar, inovando, sobre as matérias referidas e se tal não constitui uma clara inconstitucionalidade orgânica, como sucede já com algumas das normas do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), entretanto declaradas, por este mesmo motivo, inconstitucionais, com força obrigatória geral.
É preocupação louvável do Governo transpor para a nossa legislação interna a Directiva n.º 94/97/CE, de 26 de Outubro. Sem dúvida que corroboramos os propósitos que o Governo se propõe alcançar; só que duvidamos que o meio seja o mais adequado na precisa medida em que a autorização legislativa é vaga, comparada com os resultados concretos que se pretendem obter.

O Sr. Rui Marques (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Pára uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Neves.

O Sr. Paulo Neves (PS): -Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Sr. Ministro: Permitam-me, antes de mais, que saliente o interesse reforçado desta iniciativa legislativa, enquanto enquadrada num conjunto coerente de medidas que têm sido tomadas no sector turístico em Portugal, que claramente têm servido de base ao seu desenvolvimento equilibrado e sustentado.
Parece-nos, efectivamente, que o Estado tem assumido o seu papel regulador do mercado e, ao mesmo tempo, dado garantias de confiança aos diversos agentes, potenciando a afirmação da qualidade e da segurança no crescimento do sector.
O turismo, enquanto actividade horizontal que atravessa as leais diversas áreas sociais e económicas, tem o maior impacto em largos sectores de interesse, cumprindo-nos dar atenção, antes de mais, à protecção dos direitos dos consumidores e adquirentes dos serviços que são prestados. A essa dimensão tem o Governo sabido responder, consciente de que, defendendo todos estes interesses que se revelam no mercado, defenderá também a nossa imagem enquanto país, os direitos dos nossos concidadãos, sendo certo que, em última análise, o sector do turismo será sempre beneficiado.

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A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Através desta iniciativa não se pretende apenas a repressão pelas sanções e coimas previstas, como alguns podem apressadamente querer entender, mas, essencialmente, a prevenção de acções lesivas do mercado e, normalmente, da parte menos protegida, a que aqui se procura dar a maior atenção.
O direito real de habitação periódica, de forma mais comum conhecido como time-sharing, é reconhecido como uma actividade normal de promoção e comercialização de empreendimentos e actividades turísticas. Pelo jogo de factores de variada ordem, nomeadamente a falta de intervenção e atenção da Administração em devido tempo e a agressividade dos agentes, permitiu-se, nalguns casos, que esta actividade ficasse associada a técnicas de venda menos transparentes e a fraudes financeiras.
No entanto, na sua essência, o time-sharing deve ser reconhecido e apoiado enquanto actividade turística de interesse, associado a diversos investimentos em empreendimentos de qualidade e dimensão devidamente regulados, mediante a aplicação de normas que garantam o seu desenvolvimento positivo e adequado.
Repare-se que rijais de 40 000 famílias portuguesas compraram semanas de férias neste regime e que quase 100 000 famílias passam férias no nosso país através deste regime, por corripras no estrangeiro.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - É verdade!

O Orador: - Assim se compreende, na sua completa extensão, o interesse desta actividade e a importância desta iniciativa que o Sr. Ministro Adjunto aqui nos apresenta.
Trata-se de legislação que aprofunda, de forma equilibrada e oportuna, as diversas medidas de protecção dos adquirentes nas áreas da informação, da salvaguarda dos interesses dos consumidores, dos contratos e da actividade dos operadores nesta área, integrando no nosso ordenamento jurídico as normas europeias que, de forma coerente, enquadram o sector de forma mais vasta.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sem complexos e com consciência da pertinência desta iniciativa, tiramos a certeza de que o País fica a ganhar com um sector de turismo mais forte e com maior projecção internacional, se dennos maior atenção à defesa dos interesses e dos direitos dos consumidores desta área, que, obviamente, crêem que em Portugal tudo está devidamente salvaguardado para que possam gozar as suas férias com tranquilidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr a Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostava de dizer que, de facto, foram aqui enunciados propósitos que, depois de uma leitura atenta da proposta de lei, me dão a sensação de que as críticas que já foram feitas ao acerto na redacção da proposta de lei de autorização legislativa têm alguma razão de ser.
Efectivamente, há objectivos enunciados que vêm da directiva já hoje citada, nomeadamente em relação à proi

bição do sinal e, aliás, parece-me muito importante que esta proibição conste da lei, porque, se calhar, todos nós temos conhecimento de pessoas que, pela ilusão de umas férias aparentemente baratas, assinaram determinados documentos e passaram cheques, mesmo avisando que não tinham cobertura, e, depois, viram-se em palpos de aranha com a complicação que daí surgiu. Se calhar, também nós já recebemos em casa alguns telefonemas, como aconteceu comigo, tendo-me sido dito que ganhava um prémio se soubesse dizer qual era o prato típico de Setúbal - o que nem era difícil, era a caldeirada. Disseram-me que, se acertasse, ganhava um prémio, cerca de 15 dias de férias no sul de Espanha, mas, antes disso, tinha de ir a uma reunião num hotel qualquer, onde, depois, teria de assinar os tais documentos do timesharing.

O Sr. José Reis (PS): - Isso era uma grande caldeirada!

A Oradora: - Era, de facto, uma grande caldeirada!
De facto, é preciso defender o consumidor, mas, lendo as alíneas da proposta de lei de autorização legislativa, parece-me que estas não corresponderão bem aos objectivos enunciados. Contudo, há que ter algum cuidado em relação a isso e há que, de facto, determinar o sentido e objectivo exactos da autorização legislativa para evitar que sejam declaradas algumas inconstitucionalidades, como lembrou, e bem, o Sr. Deputado Francisco Peixoto, em relação ao Regime do Arrendamento Urbano, cujos artigos mais polémicos, e até aqui debatidos, não constavam da autorização legislativa. Constavam apenas de um documento anexo, mas não correspondiam à alínea constante da autorização e, como tal, foram declarados inconstitucionais.
De maneira que me parece que deveria ser feito algum trabalho na especialidade para fazer corresponder a autorização legislativa aos objectivos enunciados, porque, em relação à defesa dos consumidores, creio que todos estaremos de acordo ao dizer que é preciso defendê-los da agressividade que reina neste mundo do timesharing. Como tal, nós estamos disponíveis para melhorar, na especialidade, a proposta de lei.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro.

O Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, queria intervir em último lugar, porque gostaria de dizer aos Srs. Deputados que o Governo deseja manter genericamente o mesmo quadro de contra-ordenações que existe actualmente na lei. Deseja mantê-lo por uma razão muito simples: porque a lei anterior funcionou. A lei que fizemos sobre o time-sharing, que foi, aliás, pioneira na Europa, foi uma lei que teve uma consequência muito positiva na realidade, já que a maior parte dos conflitos acabou. Julgamos, portanto, que o efeito dissuasor do quadro legal de contraordenações funcionou, pelo que não vemos motivo para o alterar.
Por que é que vos pedimos esta autorização legislativa? Porque, face ao novo regime que pretendemos aprovar, há novas infracções e, havendo novas infracções, precisamos de pedir nova autorização legislativa para manter o valor das coimas que, como se sabe e como é dito, se situa acima do regime-quadro das contra-ordenações.

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Mas, para beneficio dos Srs. Deputados, talvez fizesse sentido que os senhores dispusessem do decreto-lei que o Governo pretende aprovar, pelo que tenho muito gosto em distribuir uma cópia para que os Srs. Deputados possam, lendo, atestar que o nosso objectivo é o de manter este mesmo quadro legal com o mesmo nível de coimas - que nos parece, como a realidade tem demonstrado, adequado -, para agora salvaguardar os novos direitos dos consumidores que queremos introduzir, criando um regime de time-sharing mais exigente e mais actual, visando responder aos novos desafios que foram criados, fundamentalmente, com os cartões de férias.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, quero colocar-lhe uma questão muito concreta, porque tenho algumas dúvidas resultantes da sua intervenção, uma vez que falou numa legislação genérica.
Pergunto se V. Ex.ª pensa que fica cumprida a Constituição, não exarando aqui que, pela proibição de exigência de um sinal, se aplicará a coima. E só esta a pergunta, porque me parece que isso é necessário. O capítulo das coimas não se pode ficar por questões genéricas, porque tem de haver uma certeza daquilo que se quer fazer. E isso que não encontro aqui.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro.

O Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, digo-lhe sincera e humildemente que não estou preparado para essa discussão-constitucional; mas as bancadas são livres para, na especialidade, melhorarem o texto, se acham que este deve ser melhorado. Se a interpretação que a Sr.ª Deputada faz é a de que deve vir suficientemente claro na proposta de lei que a sanção se destina a punir a infracção que resultará do pagamento do sinal - e, como já disse, esse objectivo está assumido, isso é claro como água, vai ser proibido o sinal e qualquer quantia paga durante o período de reflexão em que o consumidor tem direito à resolução do contrato -, se a Assembleia entender que é uma matéria que viola a Constituição e que deve estar claro nesta autorização legislativa, pois, com certeza. Quem sou eu para dizer que isso não deve ser feito! Agradeço à Assembleia que melhore o diploma, se acha que isso contribui para não haver dúvidas de legalidade constitucional do diploma.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro e Srs. Deputados, chegámos ao fim do debate, na generalidade, desta proposta de lei.
Vamos passar à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 220/VII - Autoriza o Governo a conceder garantia pessoal do Estado ao cumprimento das obrigações do Banco Central do Brasil (BCB) perante o Banco de Portugal, no âmbito do apoio financeiro a conceder ao BCB pelo Bank for International Settlements (BIS) com a participação de Portugal e de outros bancos centrais, sob a forma de uma credit facility no montante global de 14 000 milhões de dólares norte-americanos.
Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças (Sousa Franco): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei que tenho

a honra de apresentar visa obter da Assembleia da República autorização ao Governo para a concessão de uma garantia' pessoal do Estado ao Banco de Portugal na participação de uma operação de apoio cambial ao Banco Central do Brasil.
Penso que será importante, embora do conhecimento público, justificar o seu conteúdo. Portugal está associado não apenas às instituições internacionais, coordenadas pelo Banco de Pagamentos Internacionais de Basileia, mas também a um grupo de grandes países do mundo, centrado no G-7 e na União Europeia, para conceder, através do Banco de Portugal e com garantia do Governo, cuja autorização solicita à Assembleia da República, uma credit jacility até 41 500 milhões de dólares norte-americanos para apoio aos pagamentos externos do Brasil, através do Banco Central do Brasil.
Como se sabe, esta é uma operação de apoio cambial ao Brasil. Foi negociada e concebida na altura em que ainda não se tinham verificado os últimos e negativos desenvolvimentos da situação brasileira, que, naturalmente, me dispenso aqui de analisar, porque seria inapropriado e que o Parlamento conhece.
Quero dizer que se mantém a actualidade da operação não apenas para apoio ao país irmão e amigo mas também como serviço prestado à economia internacional. A economia brasileira, que é a oitava economia mundial, não pode entrar em crise, sob pena de essa crise se tornar em boa parte e potencialmente numa crise económica mundial.
Esta operação de apoio não é tudo, mas constitui uma parte importante da operacionalização cambial da economia brasileira e representa, tanto na altura em que foi concebida como hoje, apesar dos novos desenvolvimentos, um acto de confiança,dos Estados mais desenvolvidos do mundo na capacidade que o Executivo brasileiro, passados que sejam as dificuldades de um longo período de campanha eleitoral para a Presidência, tem de fazer aplicar o seu programa de ajustamento fiscal, que está aprovado e neste momento em negociação no Congresso Brasileiro, no plano político-legislativo, bem como com as instituições internacionais, no plano dos mercados internacionais.
O que pedimos, portanto, é autorização para garantir, à semelhança do que acontece com os outros Estados, uma operação que foi livremente negociada pelo Banco de Portugal, como instituição portuguesa capacitada para o efeito, mas que carece de garantia do Estado português, a autorizar pela Assembleia, através do Governo. Essa garantia traduz-se numa garantia pessoal, no caso concreto aval, que será dado por acréscimo ao contingente anualmente fixado na Assembleia da República. E creio que não tem, a médio prazo, um risco significativo, mas, tivesse-o ou não, era de importância capital.
Já disse de importância capital para a economia mundial. A economia brasileira não pode ser abandonada ao risco de uma recessão profunda e sem apoio. Seria mau para o Brasil e seria mau para o sistema económico mundial.
Mas representa mais: representa solidariedade e confiança de Portugal, que espero seja confirmada pela Assembleia da República, não apenas no povo irmão como na capacidade do Executivo para impor disciplina orçamental ao Governo Federal, ao Governo dos Estados, e aos governos dos municípios e para responder perante a comunidade internacional por uma política cambial estabilizadora e responsável, que este empréstimo auxiliará.

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Representa, por outro lado, da parte de Portugal, a assunção das suas responsabilidades em relação à economia brasileira e em relação às empresas portuguesas que, nos últimos anos, se têm interessado pela economia brasileira.
O Brasil não é ainda um grande parceiro comercial nosso - 1% e 1,5% do comércio externo em importações e exportações, respectivamente -, mas passou a ser, pela primeira vez, desde o início do século, um grande parceiro financeiro. Portugal já foi, em 1996, um importante investidor; passou a ser, em 1997 e 1998, o quarto investidor externo nacional no Brasil, se excluirmos as Ilhas Virgens, ou, incluindo este investidor tampão, o quinto, com níveis de investimento muito elevados de empresas privadas, de empresas mistas e de empresas de capitais públicos portugueses.
Há uma solidariedade que o Governo - e esperamos que a Assembleia da República aceite esta nossa proposta - propõe seja dada à participação, no âmbito do processo de internacíonalização, de empresas e empresários portugueses na economia brasileira, que é estratégica na nossa internacionalização e na nossa vinculação à oitava economia mundial, que é uma economia de um povo que fala português.
Temos, além disso, a satisfação de reconhecer que, desde o início, Portugal foi, pela primeira vez, associado como principal parceiro da União Europeia, a par da Espanha, dos países da América Latina à negociação desta operação, através do Governo e do Banco de Portugal, o que nunca antes acontecera quando se tratava de operações da União Europeia com a América Latina, que eram lideradas exclusivamente pela Espanha.
Por outro lado, se isto significa a nossa solidez financeira, pela primeira vez estamos nisto, como no resto, a par da Espanha, na liderança da posição da União Europeia com a América Latina, também Portugal tem aqui uma participação de 250 milhões de dólares, que é a maior, a seguir à dos países do G-7 e às organizações internacionais, dos países que participam neste apoio ao Brasil.
Tudo isto significa, Sr. Presidente e Srs. Deputados, solidariedade em termos de internacionalização da nossa economia, em termos de salvação da economia mundial, em termos das novas responsabilidades que a participação de Portugal no euro e a transformação da econontia portuguesa numa economia financeiramente sã, pela primeira vez também desde há dezenas de anos, nos confere.
Ao mesmo tempo, representa solidariedade para com o povo e o governo brasileiros, representa solidariedade para com as empresas portuguesas que têm participado na economia brasileira. Representa confiança em que o Brasil será capaz de manter, com economias fundamentalmente sãs, a solidez financeira e cambial que lhe tem faltado, mas que os projectos do Executivo podem garantir que venha a ser, ao longo deste ano, e vencidos os tempos dificeis que está a atravessar, e que atravessará, certamente, durante este ano, definitiva e claramente conseguida.
O sentido desta proposta de lei é este. A nova posição de Portugal na União Europeia e no mundo só reforça a nossa vinculação tanto com a economia brasileira como com as economias dos países da CPLP.
Isto significa que Portugal, financeiramente saneado e com uma outra.dimensão financeira, que há muitas dezenas de anos não tinha, tem a possibilidade de realizar a sua vocação na Europa e no mundo em simultâneo e que cada um dos aspectos dessa vocação reforça o outro.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, esperamos que a Câmara venha ao encontro da proposta de lei do Governo e que reconheça que ela é importante para o nosso país em termos estratégicos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carvalho Martins.

O Sr. Carvalho Martins (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, Srs. Deputados: «A economia mundial não está ainda em recessão global, mas aproxima-se desse'estado». Afirmação feita pelo responsável económico do Fundo Monetário Internacional, na apresentação do relatório anual da instituição, admitindo que a situação que se vive é excepcionalmente frágil.
Quando, em Julho de 1997, a crise começou na Tailândia e contagiou o resto do sudeste asiático, nada fazia prever que, em Agosto de 1998, o colapso da Rússia e, mais tarde, do Brasil lançasse o pânico em todo o mundo, provando, de facto, que a economia mundial está em crise.
Foi a partir da reunião anual do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, que ocorreu em Outubro de 1998, que é decidido um apoio financeiro significativo ao Brasil para fazer face à crise financeira e evitar que esta alastre, atinja quer a União Europeia quer os Estados Unidos da América, apóio financeiro internacional que ultrapassa os 41 000 milhões de dólares, a serem desembolsados até ao final do ano de 2001.
Dentro desta ajuda, realça-se o apoio cambial oferecido por 20 países, no montante global de 14 000 milhões de dólares, através de um acordo estabelecido com o BIS e com o apoio de 19 bancos centrais, e de um acordo em separado negociado com o Banco do Japão.
Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, Srs. Deputados: Porque a entidade a beneficiar desta garantia, o Banco Central do Brasil, ao abrigo da Lei n.º 112/93, de 16 de Setembro, que estabelece o regime jurídico de concessão de garantias pessoais pelo Estado ou por outras pessoas colectivas de direito público, não se enquadra nas operações a garantir previstas no artigo 6.º, porque as garantias pessoais destinam-se a assegurar a realização de operações de crédito e de outras operações financeiras, nacionais ou internacionais, de que sejam beneficiárias entidades públicas, empresas nacionais ou outras empresas que legalmente gozem de igualdade de tratamento, a concessão da garantia exige lei específica desta Assembleia.
Por isso o Governo apresentou a proposta de lei n.º 220/VII, que autoriza o Governo a conceder garantia pessoal do Estado ao cumprimento, das obrigações do Banco Central do Brasil perante o Banco de Portugal, indo ao encontro das ajudas definidas pelo FMI, já descritas no início da minha intervenção.
Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, Srs. Deputados: Os seculares laços históricos, culturais e políticos que unem Portugal ao Brasil, alicerçados no uso de um idioma comum, bem como a necessidade de intensificar o intercâmbio de cooperação e promover o desenvolvimento entre os dois povos, exigiam, de facto, que o Governo português não ficasse indiferente a estas ajudas, no caso concreto garantia pessoal do Estado no âmbito do apoio financeiro a conceder ao BCB pelo BIS, onde está salvaguardada a cobrança dos créditos garantidos, que tem como limite máximo 250 milhões de dólares americanos, poden

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do, se, tal for necessário, acrescentar a este valor o saldo disponível para a realização de operações activas, previstas, segundo a proposta de lei n.º 220/VII, lio artigo 53.º da Lei n.º 127-B/97, de 20 de Dezembro.
No entanto, e tendo em conta que esta proposta de lei só hoje é discutida, e aprovada, em princípio, ainda em Fevereiro de 1999, já com o Orçamento do Estado para 1999 aprovado, pensamos que este artigo 53.º terá de ser adaptado à nova Lei de Orçamento do Estado para 1999, ou seja, ao artigo 61.º. «Operações activas, regularizações e garantias do Estado». Fica a sugestão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Boucinha.

O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, Sr.ªs e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 220/VII visa autorizar o Governo a conceder a garantia pessoal do Estado ao cmnprimento das obrigações do Banco Central do Brasil perante o Banco de Portugal, no âmbito do apoio financeiro a conceder ao Banco Central do Brasil pelo Bank for International Settlements com a participação de Portugal e de outros bancos centrais, sob a forma de uma credit facility no montante global de 14 000 milhões de dólares norte-americanos,
De acordo com o relatório da Comissão de Economia, Finanças Plano, esta operação enquadra-se iiluii contexto económico mundial marcado pela eclosão, em meados de 1997, da crise asiática, cujos reflexos se fizeram sentir em todo o mundo e, mais concretamente, no Brasil. O continuar desses problemas económicos nos denominados «tigres asiáticos», a par da persistência da estagnação da economia japonesa e da rápida deterioração da situação económica da Rússia, levaram a que esses problemas económicos ganhassem uma dimensão bastante preocupante. Tudo isto reflecte, Sr. Presidente e Sr. Ministro, a fragilidade das economias dos países dependentes e do fenómeno de importação das crises financeiras por esses mesmos países.
É neste contexto que foi decidido tini forte apoio financeiro ao Brasil, somando 41 000 núlhões de dólares, a serem desembolsados em três anos. A operação em causa faz parte deste montante total e consiste num apoio financeiro oferecido por 20 países, no montante global de cerca de 14 500 milhões de dólares, através de uni acordo estabelecido com o Bank for International Settlements, em representação e com o apoio de 19 bancos centrais (os bancos centrais dos 15 países da União Europeia, do Canadá, da Noruega, da Suíça e dos Estados Unidos da América) e de um acordo em separado negociado com o Banco do Japão.
A garantia a prestar pelo Estado teln como limite máximo o montante correspondente ao contravalor em escudos de 250 milhões de dólares, a que acrescerá, se necessário, o saldo disponível para a realização de operações activas, previsto no artigo 53.º da Lei do Orçamento do Estado para 1998.
O relatório aponta ainda para uma discrepância entre a proposta de lei, cujo artigo 1.º, n.º 1, refere a participação do Banco de Portugal numa credit facility no montante global de 1.4 000 núlhões de dólares, enquanto o FMI, o BIS e as autoridades brasileiras se referem a um apoio financeiro de 14 500 milhões de dólares, dos quais 13 280

milhões de dólares relativos aos 19 bancos centrais, que Portugal integra, e 1250 milhões de dólares relativos ao Banco do Japão.
Pelas razões atrás expostas, não pode o CDS-PP deixar de dar o seu apoio a esta proposta de lei, tendo em conta que estão preenchidos os requisitos legais exigidos.

Aplausos do Deputado do CDS-PP Francisco Peixoto.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, Srs. Deputados: A proposta da credit facility a conceder ao Brasil merece ser debatida não só no quadro do que a operação em si mesma representa mas também no âmbito do seu significado no contexto da situação financeira internacional e do próprio papel de Portugal e da zona do euro no momento actual e nos anos próximos.
O fracasso do que poderíamos chamar de forma entre a criativa e a provocatória, de modo de produção neo-asiático, caracterizada por reduzidos direitos laborais, pela optimização dos custos de produção assentes em horários elevados e globalmente numa sobreexploração da mão-de-obra local e no dumping social e ambiental, veio abrir espaço para uma crise financeira que abrangeu a generalidade dos países de economia de mercado da Asia que bordeja o Pacífico. Os simpáticos especialistas que adoravam, de forma um pouco labrega, as performances dos chamados «tigres asiáticos» não terão ainda encontrado a explicação para o falhanço desse capitalismo quase selvagem e muito mais radicalizado do que Thatcher tentava fazer no Reino Unido e nem mesmo Reagan ousava fazer nos Estados Unidos da América. Os fortes abalos de algum capitalismo asiático, abrangendo o próprio Japão, foram quase concomitantes com a evidência no contexto da economia global, das consequências financeiras da implosão do maior e mais poderoso sistema articulado de economia planificada jamais existente no mundo. Desde a expansão do crime organizado à crise da suinicultura europeia, passando pelo aumento do tráfico de armas, a tentativa da passagem, não claramente prevista nem rigorosamente teorizada, de economias de direcção central com décadas de funcionamento para sociedades regidas pelo liberalismo económico trouxe de formas diversas, boas perspectivas para o futuro, mas, em muitos casos, perdas de produção e rupturas em diversos sectores económicos.
Sr. Presidente, um apesar de tudo já longo período de expansão da economia norte-americana e a marcha ritmada para o euro da esmagadora maioria dos países da União foram permitindo absorver, de certa forma, os choques sobre os sistemas financeiros que as crises asiática e russa foram, até certo ponto, provocando. Mas, Srs. Deputados, caros Colegas, os riscos do que se passa com a América Latina são, apesar de tudo, diferentes. As estreitas ligações existentes entre diversos países sul-americanos, nomeadamente o Brasil e vários Estados-membros da União Europeia, designadamente Portugal, o elevado peso da economia brasileira no próprio contexto sul-americano e o peso dos investimentos europeus (e, nomeadamente, portugueses, como o Sr. Ministro das Finanças acaba de sublinhar), no Brasil obriga a que tenhamos de seguir com a máxima atenção a evolução económica e financeira deste grande país, o maior e o mais populoso de língua portuguesa. E a importância estratégica desta relação econó

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mica é bem expressa também na prioridade que muitos pretendemos dar, de um lado e do outro do Atlântico, a um eixo económico, político e cultural entre a União Europeia e o Mercosul.
Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, Srs. Deputados: A nossa posição não pode ser outra senão a de nos manifestarmos claramente favoráveis quanto a esta credit jacility. O enquadramento que a «Exposição de motivos» apresenta com clareza, o esclarecedor relatório do Sr. Deputado Octávio Teixeira e este debate no seu conjunto reforçam os argumentos suplementares para que o Grupo Parlamentar do PS dê o seu voto favorável a esta proposta. O que desejamos, consequentemente, é que, no Brasil, nesse grande país irmão, esta operação contribua para um consolidado reequilíbrio financeiro no caminho da retoma do desenvolvimento económico, sem o qual o reequilíbrio financeiro não ganhará a sua utilidade social.
Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, Srs. Deputados: Mas, mais do que este tipo de operações, ou para além deste tipo de operações, a economia mundial, num quadro de globalização, necessita, com alguma premência, da reformulação do papel e do funcionamento dos organismos monetários internacionais. A Europa da União, onde funciona a economia de mercado mas onde queremos impor os princípios, as regras, as práticas e as políticas de uma sociedade solidária, terá certamente que, dinamizada pelos socialistas e outras forças de progresso, pressionar. essa reforma das instituições monetárias internacionais.
Sr. Presidente, vou concluir. Em boa hora, a discussão desta proposta permitiu o alargamento do quadro do debate, fazendo evidenciar as nossas preocupações no domínio económico e financeiro e, sobretudo, no domínio da cooperação. Desejo não só que este debate contribua também para a avanço da reflexão sobre os equilíbrios financeiros e a situação económica mundial mas também que esta aprovação contribua para que o grande país irmão, restabelecendo os seus equilíbrios financeiros, avance decididamente na senda do desenvolvimento económico e da solidariedade social. É esse o nosso desejo, vai nesse sentido o nosso voto!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro das Finanças, a proposta de lei hoje em apreço confronta-nos directamente, como já aqui foi referenciado, com a crise asiática de 1997; que transformou aquela região mim grande problema para a economia mundial, desencadeando turbulências na generalidade dos mercados financeiros mundiais, turbulências em que se integram a persistente crise económica japonesa, bem como a crise e a declaração da moratória por parte da Rússia, turbulências que persistem e que continuam a ameaçar a economia mundial, porque essa ameaça ainda não desapareceu.
O avultado apoio financeiro internacional concedido ao Brasil, em que se insere a proposta de lei, tem uma razão clara e inequívoca: é o receio das economias e dos governos dos países da OCDE de que um choque económico, financeiro e comercial proveniente da América Latina tenha consequências sérias e graves nas economias e nos mercados financeiros dos Estados Unidos da América e da União Europeia.

Pela nossa parte, não está em causa, lógica naturalmente, a participação de Portugal, através do seu banco central, num programa de apoio financeiro ao Brasil. Aliás, resta saber se hoje os 42 000 milhões de dólares do apoio internacional global serão suficientes, face ao facto de, só num mês, o Brasil ter perdido 25 000 milhões de dólares e, depois disso, já ter sido obrigado a fazer uma profunda e grave desvalorização da sua moeda.
O que está em causa, isso sim, é a necessidade de aproveitar a oportunidade para ponderar sobre as razões que levaram a que o Brasil esteja a pagar duramente as dificuldades surgidas noutros países, situados nos seus antípodas. O que está em causa é o papel do Fundo Monetário Internacional e a comprovada irracionalidade das terapias, sempre as mesmas, que impõem em todos os países, por muito diferentes que sejam as respectivas economias e o seu grau de desenvolvimento e sustentação. O autismo desta organização internacional está tristemente exemplificado no facto de o director-geral do FMI, após o fracasso da intervenção do FMI no Sudeste Asiático, continuar a afirmar que as receitas do FMI estão correctas, são boas, os países signatários é que não souberam aplicá-las!
O que está em causa é saber Amo é que instâncias internacionais, governos, incluindo o Governo português, e pessoas, incluindo muitos Deputados desta Câmara, continuam a defender acérrima e acriticamente esta chamada mundialização sem regras e sem limites.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Se alguma coisa de positivo esta crise financeira trouxe, foi pôr claramente em causa os fundamentalismos dominantes sobre a total e completa liberdade de movimentos de capitais, que, necessariamente, questiona de igual modo o fundamentalismo da irrestrita liberdade de circulação de bens e serviços, já que não poderá ser certamente o comércio a absorver os choques criados pelos desfuncionamentos monetários, sob pena de a crise financeira actual se transformar numa crise económico global sem precedentes.
Estamos, pois, perante uma situação que exige uma reflexão sobre o comércio internacional, das suas vantagens mas igualmente dos seus perigos, e uma consequente reflexão sobre modelos de desenvolvimento mais autocentrados, menos perigosamente dependentes das importações e exportações. Resta-nos a esperança, talvez vã, que os principais responsáveis a nível mundial, a União Europeia e o Governo de Portugal, não «enterrem a cabeça na areia», não optem cegamente, numa fuga para a frente, pela radicalização do fundamentalismo liberal.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dado que não há mais pedidos de esclarecimento, a Mesa dá por terminado o debate. Despedimo-nos, assim, do Sr. Ministro das Finanças.
Vamos passar agora ao projecto de lei n.º 612/VII Altera a Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais) (PCP).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pimenta Dias.

O Sr. Pimenta Dias (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A Lei de Organização e Funcionamento

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dos Tribunais Judiciais deixou os eleitos locais mais preocupados relativamente às formas que estão a ser encontradas para impor aos municípios novos encargos e atribuições sem as correspondentes contrapartidas financeiras.
Com efeito, o artigo 118.º da referida lei estabelece que «constitui encargo dos municípios a aquisição, urbanização e cedência à administração central de terrenos destinados à construção de edifícios para a instalação de tribunais judiciais de U instância», salvaguardando - para que não reste qualquer dúvida - que unos tribunais com jurisdição em mais de um município, os encargos referidos são suportados por cada um na proporção das respectivas receitas».
Mas o referido artigo vai mais longe, passando para os municípios os encargos com as obras de. conservação urgente nos mesmos tribunais. Dada a situação de degradação em que se encontra a maioria dos tribunais de 1.ª instância, se tiver vencimento a passagem deste encargo para as câmaras municipais, isso significará um aumento exponencial das suas despesas.
Convenhamos que não deixa de ter um carácter inovador a inclusão numa lei orgânica de normas relativas à delimitação de competências em matéria de investimentos públicos, mas é uma inovação que, em nossa opinião, não faz qualquer sentido.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Desde logo, porque já existe no nosso ordenamento jurídico um regime de delimitação e coordenação das actuações de administração central e local em matéria de investimentos públicos, mas também porque a justiça e os investimentos públicos necessários para a sua administração e fracionamento não são nem atribuição nem competência dos municípios, de acordo com a legislação vigente.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Enquanto geradoras de novos encargos para os municípios, as normas em questão não estão isentos de iniquidade, tanto mais que podem contribuir para o agravamento da já debilitada situação financeira destas autarquias locais, que continuam a não receber as verbas a que indiscutivelmente têm direito, no quadro constitucional de distribuição equitativa dos dinheiros do Estado. Sobretudo nos municípios marcadamente urbanos, que, não possuindo bolsas de terrenos adequados para tal finalidade, terão que proceder à sua aquisição sujeitando-se às regras do mercado de solos, tantas vezes especulativas, ou recorrer à expropriação dos mesmos seguindo as condições impostas por uma lei (a Lei das Expropriações) fortemente restritiva para a intervenção dos municípios numa adequada política municipal de solos, o que, em qualquer dos casos, representa custos de largas dezenas (senão centenas) de milhares de contos, muitas vezes incomportáveis devido aos seus parcos recursos financeiros.

Vozes do PCP: - Bem lembrado!

O Orador: - Analisem-se os valores pagos por muitos municípios na aquisição de terrenos destinados à construção de escolas básicas do 2.º e 3.º ciclos, de escolas secundárias, de pavilhões gimnodesportivos ou de centros de saúde - para apenas citar as situações mais correntes - e avalie-se o peso dos respectivos custos nos orçamentos municipais. Depois, não podemos queixarnos de que aumenta o endividamento das câmaras municipais!

E não cometamos a ligeireza de julgar que as situações referidas legitimam, afinal de contas, que seja seguido o mesmo princípio para os tribunais de lª instância. Em primeiro lugar, porque os municípios e a sua, Associação Nacional sempre discordaram e reclamaram contra a prática seguida por este e os anteriores governos - também aqui não se diferenciam - de condicionarem a construção deste tipo de infra-estruturas à cedência pelos municípios dos terrenos necessários, numa postura que pouco diverge da chantagem. Em segundo lugar, porque, nas situações citadas, a cedência dos terrenos acabou por ser feita nos termos de protocolos de colaboração assinados entre o Governo e as câmaras municipais envolvidas.
Sr. Presidente, Sr." e Srs. Deputados: No respeito pelo princípio da autonomia administrativa e financeira das autarquias locais é desejável e adequado que a colaboração entre a administração central e local, em matéria de investimentos públicos que não sejam da competência dos municípios, respeite o quadro legal que está consignado no Decreto-Lei n.º 77/84, ou seja, tal colaboração deve obedecer a um processo negociai que vise assegurar a satisfação das necessidades dos cidadãos, mas também que salvaguarde o princípio da justa repartição dos recursos financeiros do Estado e o equilíbrio financeiro dos municípios.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - A aquisição de terrenos, tal como a construção dos tribunais judiciais, deve, pois, ser da responsabilidade do Governo. Por isso, julgamos que faz todo o sentido que seja revogado o artigo 118.º da Lei n.º 3l 99, de 13 de Janeiro, tal como propomos no projecto de lei que estamos a discutir.
E, de resto, essa a posição da Associação Nacional dos Municípios Portugueses, que, em recente parecer, considera que «as normas em causa contrariam o que se designou por desenho constitucional», já que « contundem com a lógica que emerge da Lei Fundamental no que tange à repartição de responsabilidades entre o Estado e as autarquias locais, obrigando-as a desviar recursos pré-ordenados à satisfação de necessidades cuja superação lhes cumpre efectivamente promover». Porque se trata de uma medida que consideramos justa, estamos convencidos que ela merecerá o apoio desta Câmara.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pimenta Dias, como sabe, votámos contra a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, obviamente por outros motivos. Porém, estamos hoje aqui a discutir, de uma forma muito aberta, o vosso projecto de lei porque somos daqueles que não receamos que, no caso de ser aprovado, se crie um vazio legislativo - que não se criará, necessariamente - e acreditamos que, se for aprovado, de forma alguma irá constituir um obstáculo ou um impedimento à negociação de acordos ou criar qualquer situação entre a administração central e as autarquias locais que, possa ser mais um engulho no mecanismo já tão anquilosado da justiça portuguesa.
A questão é esta: como já foi hoje debatido em sede de confissão, existe, na 4.ª Comissão, uma proposta que

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está em discussão na especialidade e que, num esquema que nos agrada bastante e que apoiamos, de descentralização de poderes, confere às autarquias locais não só essa competência para poderem colaborar, neste preciso sentido, dentro da dinâmica do Ministério da Justiça, na construção, na escolha e na aquisição de terrenos onde serão instalados tribunais de justiça de l.ª instância, como, em todos os casos, serão sempre dotados dos correspondentes meios financeiros.
A nossa questão é a seguinte: o Sr. Deputado, na sua intervenção inicial, aclarou que se trata de uma questão de fundo. V. Ex.ª entende que, em qualquer circunstância, nunca esta competência deverá ser das câmaras municipais, mesmo que estejam acompanhadas dos correspondentes meios financeiros para o fazer? Nisto, entendemos que não.
Assim, Sr. Deputado, peço-lhe para aclarar esta situação, para destrinçar a questão financeira, o enquadramento desta matéria na questão de fundo em termos de competência, mesmo em situações financeiras óptimas que permitam sempre às câmaras municipais, sem uma sobrecarga de custos, fazer estas aquisições; porque, de facto, é esta a questão de fundo. É isto que lhe peço que me esclareça.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pimenta Dias.

O Sr. Pimenta Dias (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Peixoto, a questão, para nós, é muito simples: entendemos que há, actualmente, uma lei que delimita a intervenção, em matéria de investimentos públicos, entre a administração central e a adnúnistração local e que ela deve ser respeitada enquanto não se encontrar uma outra formulação para alterá-la. Portanto, desse ponto de vista, o que dizemos e defendemos é isto: estamos contra que o figurino das competências das câmaras seja substancialmente alterado, a não ser que seja acompanhado pelos meios financeiros adequados ao exercício .dessas novas competências.
Quando o Sr. Deputado fala dos diplomas que se encontram na 4.ª Comissão, o que dizemos é o seguinte: temos inteira disponibilidade para os discutir e encaramos como positivo que as câmaras - aliás, conforme vêm reclamando - tenham outras competências, nomeadamente neste campo.
Agora, o que é preciso é que o quadro legislativo que venha a ser definido, por um lado, atribua essas competências, mas, por outro, salvaguarde devidamente os meios financeiros adequados ao seu exercício. Caso contrário, o que acontece é um pouco o que acontece hoje. E porquê? Porque este mesmo dispositivo consta da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, de 1987, nomeadamente no que diz respeito à questão das conservações urgentes, mas, se visitarmos uma grande parte dos nossos tribunais de l.ª instância, o que é que verificamos? Verificamos que eles se encontram numa degradação completa, exactamente porque a lei não tem exequibilidade.
E, pois, fundamental que os municípios conheçam as regras, conheçam as suas competências, mas também que tenham os meios financeiros adequados, porque, só assim, podemos pedir-lhes que cumpram as leis que fazemos nesta Câmara e que o Governo também faz através de decretos-leis.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Albuquerque.

O Sr. Mário Albuquerque (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Somos chamados, hoje, a discutir o projecto de lei n.º 612/VII, do PCP, que consubstancia uma alteração à Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, reportada à organização e funcionamento dos tribunais judiciais.
Trata-se de uma proposta que visa revogar o artigo 118.º do citado diploma, expurgando-se, deste modo, do texto legal, uma norma que, também na nossa perspectiva, se reveste de despropositada oportunidade, pois configura, de forma perfeitamente desajustada, princípios que, por desconformes e iníquos, colidem com as mais elementares regras da autonomia dos municípios.
Com efeito, não são, infelizmente, virgens tais práticas políticas, que, por isso mesmo, tanto têm contribuído para o asfixiamento económico e financeiro das autarquias, coagindo-as a um tremendo esforço suplementar que, todos o reconhecemos, tem sido bem superior às suas reais capacidades.
Estamos a lembrar-nos, por exemplo, dos acordos de colaboração, ou contratos-programa, celebrados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 384/87, que, quase exclusivamente, têm servido de instrumento para financiar investimentos da estrita responsabilidade da administração central, quando, afinal, deveriam ser utilizados no sentido contrário, isto é, para apoiar o desenvolvimento da acção das autarquias locais, no vasto âmbito das suas múltiplas competências.
Traduz esta prática, Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma bizarra e caricata situação, em que, contrariamente ao que seria lógico e racional, o município subsidia a administração central, suscitando, inclusivamente, pertinentes questões de duvidosa legalidade,...

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... pelo que urge denunciar e cortar radicalmente com tal metodologia, que, desta forma perversa, tem vindo a generalizar-se, considerando o que de desigual e até de contraditório contém, podendo-se mesmo afirmar que constitui uma lamentável ingerência ou, melhor, uma apropriação menos própria do património municipal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sublinhamos, ainda, neste contexto, os muitos e assíduos apoios, que, quase naturalmente, são solicitados aos municípios, em dinheiro e em espécie, destinados aos mais diversificados tipos de acções, chegando mesmo a utilizar-se tal procedimento como intolerável chantagem, condicionando-se, não raras vezes, o investimento a realizar à disponibilidade municipal em termos de efectiva comparticipação.
A este propósito, permitimo-nos citar uma breve passagem retirada de um esclarecido documento, aprovado no XI Congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses, tal como se passa a especificar: «O Congresso considera deverem ser normalizadas as relações entre a administração central e local, no que se refere à cooperação técnica e financeira, acabando com situações que vêm sendo caracterizadas de pressão inadequada da administração central para a realização de investimentos da sua responsabilidade».

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Assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, em função de tudo quanto já aqui afirmámos e citámos, não podemos deixar de manifestar a nossa total concordância com a proposta em discussão, sem embargo de eventuais acordos pontuais entre as administrações central e local, porquanto reputamos de ofensivo ao prestígio e à dignidade dos municípios manter-se a exigência do cumprimento do preceito contido no artigo 118.º da Lei n.º 3/99, que, a ser aplicado, representaria mais uma forte «machadada» aos seus já debilitados e limitados recursos,...

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... pois ser-lhes-iam impostas responsabilidades no domínio da cedência, sem quaisquer contrapartidas, de terrenos destinados à construção de edifícios para a instalação de tribunais judiciais de 1.ª instância, assim como no da execução de obras de conservação urgente, desde que as circunstâncias o exijam.
Oferece-nos esta oportunidade o ensejo para lembrarmos ao Governo, que tantas promessas fez e tantas expectativas gerou no seio dos municípios e dos autarcas, que, afinal, se esqueceu, tal como, aliás, o fez relativamente a tantas outras matérias, dos compromissos tão levianamente assumidos, propondo-se, antes, como no caso vertente, a penalizá-los com mais encargos e responsabilidades, conferindo-lhes, desta forma, um inadequado estatuto de menoridade.

Vozes do PSD: - Bem lembrado!

O Orador: - Já não bastava a duplicação dos fundos que foram prometidos e que, em fins de legislatura, se trata de desiderato muito longe de alcançado, bem como de outros propósitos, também sonantemente afirmados, que foram ficando na «gaveta» do esquecimento!..

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ainda, no mesmo âmbito, não podemos deixar passar em claro as declarações recentemente produzidas pelo Sr. Ministro das Finanças, quando afirma que as «autarquias se estão a endividar perigosamente».
Se bem que concordemos com tal análise - embora rejeitemos as críticas subjacentes à gestão dos autarcas portuguesas -, não podemos, deixar de denunciar a visão diametralmente oposta do Ministério da Justiça, que, nos termos da lei hoje em discussão, pretende agravar ainda mais a situação!

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Bem lembrado!

Vozes do PS: - Não apoiado!

O Orador: - Afinal como é? Bom, o Governo que se entenda!...

Vozes do PSD: - Bem lembrado!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os municípios tiveram, ao longo da sua história mais recente, uma permanente postura de abertura e de colaboração, feita de enormes rasgos de força, coragem e determinação por parte dos seus autarcas, devendo-se a eles, incontestavelmente, muitos dos elevados índices de progresso e de desenvolvimento que o nosso país experimentou ao longo das duas últimas décadas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, decididamente, não podemos permitir, nem pactuar, que continuem a trabalhar nos mesmos moldes e com os mesmos constrangimentos, pelo que se toma imperativo dar-lhe meios e legislação adequada, para além das inerentes competências, reformulando-se o actual quadro legal, que é, de facto, desigual e desproporcionado.
Conferir-lhe, deste modo, mais e melhores condições de trabalho será o desafio que a todos se nos coloca, pois as hesitações e os adiamentos sistemáticos que têm vindo a registar-se, tantas vezes ao sabor de timing e de estratégias perfeitamente conjunturais, não podem nem devem persistir, tanto mais que, hoje, depois da estrondosa derrota da regionalização, parece ser unânime o reconhecimento das virtualidades, que sempre defendemos, da descentralização através do saudável reforço do municipalismo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O PSD, consciente das suas responsabilidades e em coerência com os princípios por que se bateu, oportunamente deu o seu contributo, apresentando um «pacote» autárquico de largo alcance e enorme dimensão, pelo que espera de todos, e muito particularmente do partido do Governo, a indispensável sensibilidade, bem como a bastante vontade política, capazes de, só por si, contribuírem para que tão reclamadas e cruciais reformas possam ser, finalmente, concretizadas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Martinho Gonçalves.

O Sr. Martinho Gonçalves (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Albuquerque, julgo que a sua intervenção comporta alguns equívocos, que importaria esclarecer.
O primeiro equívoco é que não acho que haja qualquer receio do Governo nesta matéria do relacionamento com as autarquias. Aquilo que sabemos é que há um óptimo relacionamento do Governo com as autarquias, neste como, aliás, noutros domínios, e que são elas próprias, sem necessitar de invocar a lei, que se prontificam a fazer acordos de colaboração com o Governo tendentes a resolver um problema que, dizendo respeito ao Governo, diz sempre, em última análise, respeito aos seus cidadãos, àqueles que vão beneficiar desse serviço público que é administrado nos tribunais.
Portanto, a notícia que temos - aliás, que todos temos - é a de que, neste aspecto, reina a melhor das colaborações entre as autarquias e o Governo, no que diz respeito à implantação dos tribunais.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, ao ouvi-lo. Sr. Deputado, fico com a ideia de que o senhor acha que esta norma, o artigo 118.º da Lei n.º 3/99, é uma norma nova - dá-me essa impressão - e que é este Governo ou esta

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maioria, que aprovou esta legislação, quer impor às autarquias mais este sacrifício, asfixiando-as. Foram as palavras que o Sr. Deputado usou.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - E tem razão!

O Orador: - Não é verdade, Sr. Deputado! Foi o seu governo que introduziu esta norma no ordenamento jurídico!

Vozes do PS: - Ora bem!

O Orador: - Foi o governo da maioria PSD que, em 1987, ao aprovar a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, introduziu esta norma. E, agora, limitámo-nos a não retirar nada disto.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - É a obrigatoriedade que está em causa!

O Orador: - Portanto, é preciso que esse equívoco seja esclarecido: esta norma é a reprodução do artigo 96.º da Lei n.º 38/87.
O terceiro equívoco parece-me ter a ver com a falta de consciência que demonstra a sua intervenção relativamente às consequências da revogação, pura e simples, dos aos 3 e 4 deste artigo 118.º. É que se em relação ao n.º 1 poderemos - e iremos, com certeza - acompanhá-lo na sua preocupação, que também é nossa,...

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Muito obrigado!

O Orador: - ... de uma delimitação rigorosa do âmbito de competência dos governos e das autarquias, é preciso que se alerte - e penso que o Sr. Deputado não ponderou este aspecto - que, eliminando da lei o dever que as autarquias têm de proceder às obras de conservação urgente, com cobertura da administração central, que, a posteriori, as recompensa, criaremos uma situação delicada para o funcionamento dos tribunais e corremos o risco de, para uma simples reparação de um vidro partido ou de uma porta, um secretário judicial ter de pedir autorização ao gabinete do Sr. Ministro, em Lisboa. Nós não queremos ir por aí!

O Sr. Pimenta Dias (PCP): - Não tem nada a ver com isso!

O Sr. Presidente: - Agradeço-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino, Sr. Presidente, chamando a atenção para este terceiro equívoco, que é a retirada, pura e simples, dos n.ºs 3 e 4, com as consequências gravosas que isso pode ter, e pedindo ao Sr. Deputado que pondere esse aspecto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Albuquerque.

O Sr. Mário Albuquerque (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Martinho Gonçalves, antes de mais, quero agradecer-lhe a pergunta que me fez e dizer-lhe que, naturalmente, tomei boa nota das considerações que fez em torno da mesma.
Acerca da questão que V. Ex.ª me colocou sobre o artigo 118.º da Lei n.º 3/99, em discussão, tenho a dizer que, a nosso ver, o que está aqui é mais uma sobrecarga inadmissível sobre as autarquias, é um peso económico sobre as autarquias.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não sei se V. Ex.ª, alguma vez, foi presidente de câmara e, ...

Vozes do PSD: - Não, não deve ter sido!

O Orador: - ...provavelmente, o problema é esse, Sr. Deputado! É que V. Ex.ª nunca passou pela presidência de uma câmara e, se calhar, nunca experimentou as dificuldades que sente um presidente de câmara ao equacionar tantos problemas que lhe são colocados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ainda mais, a suportar encargos que nada têm a ver com as suas competências.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Bem lembrado!

O Orador: - Foi nesta perspectiva, Sr. Deputado, que fiz a minha intervenção. E, se calhar, o senhor não atentou bem naquilo que afirmei, porque, apesar de tudo, abri uma excepção, ao mencionar eventuais acordos entre o Governo e a administração local, precisamente para evitar esse tipo de situação de indefinição em relação a quem faz as obras e pequenas obras no tribunal. Simplesmente, as autarquias têm de ser ouvidas, na minha perspectiva. Têm de ser ouvidas!

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - Tem de haver diálogo, o diálogo que os senhores sempre apregoaram, obviamente.
Portanto, a minha posição é, de facto, em defesa das autarquias, embora pareça que a sua não traduz tanto essa preocupação.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - Elogio em boca própria...

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Martinho Gonçalves.

O Sr. Martinho Gonçalves (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A presente iniciativa legislativa, oriunda do Grupo Parlamentar do PCP, pretende, no essencial, contribuir para desonerar os municípios dos encargos, que a legislação em vigor lhes impõe, relativos à aquisição, urbanização e cedência à administração central de terrenos destinados à construção de edifícios para instalação de tribunais de 1.ª instância.
Trata-se de um princípio correcto, do qual partilhamos, assente numa desejável clarificação, por um lado, daquilo

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que é competência e obrigação da administração central e, por outro, daquilo que incumbe aos municípios implementar, atentos os respectivos e adequados meios financeiros que são postos ao serviço de cada um.
Se o princípio que está subjacente à intenção vazada no projecto de lei merece a nossa concordância, não podemos deixar de manifestar algumas reservas e algumas interrogações no que concerne quer ao momento quer ao instrumento legislativo utilizado.
Com efeito, importa, desde logo, recordar que o artigo 118.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, que se pretende revogar, não é mais do que a reprodução integral do artigo 96.º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, ainda em vigor, a Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro.
Ora, como os Srs. Deputados bem sabem, aquando da discussão e votação, na especialidade, do texto final da proposta de lei n.º 182/VII, que deu origem à Lei n.º 3/99, o artigo 118.º foi aprovado por unanimidade, não tendo qualquer dos grupos parlamentares, designadamente o PCP, apresentado propostas de alteração para este preceito. Mais: em sede de discussão na generalidade, nenhum Sr. Deputado aludiu à questão, nenhum grupo parlamentar equacionou este problema.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Acresce que, desde 1987 até agora, não nos consta que alguma vez alguém, designadamente da bancada do PSD, tenha pretendido revogar a disposição que antecedeu o artigo 118.º, ou seja, o citado artigo 96.º da Lei n.º 38/87.
Assim sendo, será legítimo questionar: porquê esta iniciativa, deslocada no tempo, sem que tenham ainda decorrido dois meses após a aprovação, sem qualquer oposição, da nova Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais? O que mudou desde a aprovação da Lei 13/99, em Dezembro, até agora?
Porquê revogar um artigo de uma lei que nem sequer ainda entrou em vigor e não propor a revogação do mesmo artigo na lei que ainda vigora? Ou será que os proponentes se equivocaram e julgaram estar perante uma norma nova, introduzida agora, já que, como se vê na exposição de motivos, falam erradamente de «novos encargos para os municípios» e «novas obrigações e encargos às autarquias»?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para além de pôr em causa, após escassos dias de vida, uma norma de um diploma fundamental no nosso ordenamento jurídico, como é a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, a iniciativa parlamentar em discussão, ao pretender revogar pura e simplesmente o artigo 118.º, transfere automaticamente para a administração central a responsabilidade pela aquisição e urbanização dos terrenos destinados à construção de novos tribunais.
Pelo nosso lado, consideramos que este não é seguramente o melhor método e esta não é a solução mais adequada para resolver uma questão de princípio, com a qual estamos em sintonia.
Com efeito, a nossa posição aponta no sentido de transferir para as autarquias toda a responsabilidade não só pela aquisição de terrenos como também pela construção e conservação dos edifícios destinados aos tribunais, sendo, naturalmente, essa transferência acompanhada dos recursos financeiros necessários ao desempenho da função transferida.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É o que, aliás, resulta claramente do conteúdo da proposta de lei n.º 111/VII, do Governo, que estabelece o quadro de transferência de atribuições e competências para as autarquias locais, a qual, tendo sido aprovada, na generalidade, em Maio de 1997, aguarda na Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente a disponibilidade dos partidos da oposição para a sua aprovação final.

Vozes do PSD: - É falso!

O Orador: - A essência do conteúdo desta proposta de lei reside em considerar que não faz sentido que seja a administração central a decidir sobre questões em que os municípios estão em melhor condição de o fazer, por estarem mais perto da realidade local e em contacto permanente com ela.
Ou não é verdade, Srs. Deputados, que devem ser as autarquias a decidirem quanto à sua política de solos e, nesse contexto, a planearem o seu desenvolvimento, designadamente no que concerne às acessibilidades, em função da localização e urbanização dos equipamentos públicos que, no seu concelho, se encontram ao serviço dos cidadãos em geral, sejam eles os tribunais, os centro de saúde, os quartéis dos bombeiros ou da GNR?
Pensamos ser este o caminho certo e desejamos que a solução a encontrar se enquadre muito mais nesta visão global da delimitação de competências e de meios financeiros e não numa qualquer iniciativa legislativa avulsa e desenquadrada.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, sendo certo que, confrontados com a questão da sobrecarga que constitui para os municípios a responsabilidade de arcar com os encargos inerentes à aquisição e urbanização de terrenos para instalação de tribunais, o Partido Socialista, como decorre, aliás, desta intervenção, se coloca numa posição de abertura e compreensão perante o desajustamento da norma legal, o mesmo já não se poderá dizer da pretensão de revogar os n.ºs 3 e 4 do artigo 118.º.
Basta pensar na situação caricata de um secretário judicial, colocado perante uma porta danificada, um vidro partido ou uma inundação destruidora, necessitar de oficiar aos serviços do Ministério da Justiça a respectiva autorização e disponibilização de verba e aguardar resposta enquanto as obras imprescindíveis não se fazem, sendo certo que os operários da autarquia, ali mesmo ao lado, poderiam resolver, no momento, o problema.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Deste modo, manda o bom senso que apresentemos uma proposta de alteração ao presente projecto de lei no sentido de manter em vigor os n.ºs 3 e 4 do artigo 118.º, procurando, assim, evitar que, por uma decisão algo precipitada, se criem situações de indefinição de que podem resultar prejuízos sérios não só para o normal funcionamento dos tribunais em condições de dignidade como, em última análise, para os cidadãos em geral, afinal os principais destinatários da acção quer desses mesmos tribunais quer das autarquias.
Na verdade, não compreendemos nem aceitamos que se pretenda, por um lado, desobrigar as autarquias de procederem às obras de conservação urgentes, tanto mais que

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destas despesas são, posteriormente, os municípios, reembolsados pela administração central e, por outro lado, que se queira impedir que municípios e administração central possam estabelecer acordos quanto à definição de encargos com a reparação, remodelação ou construção de edifícios destinados à instalação de tribunais de 1.ª instância. Não é seguramente este o caminho que desejamos percorrer: não queremos centralizar mais poderes, antes procuramos uma descentralização efectiva desses mesmos poderes.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedirem esclarecimentos, os Srs. Deputados António Montalvão Machado, que não tem tempo disponível, e Pimenta Dias. Como o Sr. Deputado Martinho Gonçalves também não tem tempo para responder, a Mesa concede 2 minutos ao Sr. Deputado António Montalvão Machado e 3 minutos ao Sr. Deputado Martinho Gonçalves, para responder aos dois pedidos de esclarecimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, muito obrigado pela sua condescendência.
Sr. Presidente, Sr. Deputado Martinho Gonçalves, ouvi atentamente a sua intervenção e realmente não posso, desde já, deixar de notar, na proposta de alteração à Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, aqui apresentada, este manifesto recuo no sentido de eliminar os n.ºs 1 e 2 do artigo 118.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, que - permita-me dizer -, ao contrário do que V. Ex.ª afirmou, já está em vigor em muitos dos seus artigos. V. Ex.ª disse que esta lei não está em vigor mas isso não é verdade, pois há variadíssimos artigos que estão em vigor, como sabe.
Gostaria também de referir que li com atenção esta proposta de alteração e não posso deixar de gabar o espírito e o rigor com que VV. Ex.ªs elaboram estas propostas. Vejam bem, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que os Srs. Deputados do Partido Socialista acabam de fazer uma coisa inédita, para não dizer mesmo original: eliminam os n.ºs 1 e 2 do artigo 118.º mas inesperadamente o n.º 3 refere-se aos números eliminados. Não deixa de ser uma graça!

O Sr. José Magalhães (PS): Também se pode chamar lapso!

O Orador: - É, com certeza, uma graça, uma ironia, mas realmente os n.ºs 1 e 2 são eliminados e o n.º 3 refere-se aos números anteriores. É uma situação inédita da lei!
Era este o esclarecimento que pretendia.

Protestos do PS.

O Sr. José Magalhães (PS): - Se é só essa a divergência...

O Orador: - Há um lapso legislativo, segundo percebi.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pimenta Dias.

O Sr. Pimenta Dias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de questionar o Sr. Deputado Martinho Gonçalves quanto a uma questão que me parece pertinente.
O Sr. Deputado Martinho Gonçalves considera que, neste quadro que estamos a discutir, também em leis específicas relativamente, por exemplo, à construção e conservação de centros de saúde, de escolas secundárias e de outros equipamentos públicos cuja administração e funcionamento compete à administração central, afinal de contas, as câmaras municipais devem também promover as rápidas e urgentes obras de conservação.
De facto, Sr. Deputado, parece-me que conhece mal os serviços operacionais de uma câmara municipal e a sua capacidade de resposta, pelas limitações financeiras por todos conhecidas, relativamente a intervenções neste domínio, no que respeita às suas próprias competências. Ou não é verdade que as câmaras municipais têm uma dificuldade extrema em intervir no próprio parque escolar primário e pré-primário? Ou não é verdade que as câmaras municipais têm dificuldade extrema em intervir na rede viária que é da sua competência?
Sr. Deputado Martinho Gonçalves, a questão central, para nós, é esta: estamos de acordo que as autarquias locais possam ter competências nesta e noutras matérias, mas o que é fundamental, como o Sr. Deputado acabou por dizer, é que se tenha uma visão global da definição de competências e da transferência de meios para as autarquias locais, ou seja, que esta questão seja tratada em sede própria, que é nessa lei de delimitação de competências e atribuições, e, naturalmente, que se tenha em conta os meios financeiros necessários.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder aos dois pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Martinho Gonçalves, dispondo de 3 minutos que lhe foram concedidos pela Mesa.

O Sr. Martinho Gonçalves (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Montalvão Machado, eliminemos rapidamente a questão do lapso, que é manifesto e que não tem qualquer outro significado que não seja esse, como é evidente. Se todas as questões colocadas fossem como essa, estaríamos bem relativamente a esta matéria.

O Sr. José Magalhães (PS): - Seria excelente!

O Orador: - Quero dizer-lhe também, muito rapidamente, porque o tempo de que disponho é limitado, que não há qualquer recuo da nossa parte em relação ao estarmos de acordo com a eliminação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 118.º. Disse no princípio da minha intervenção que é com este sentido que encaramos esta questão: uma delimitação rigorosa das competências da administração central e dos municípios, naturalmente com a consequente transferência de meios financeiros, como é óbvio. Estamos a trabalhar nisso e, aliás, o Governo já apresentou a proposta. É esta a forma como encaramos a resolução deste problema e dissemo-lo claramente! Portanto, não há recuo, estamos de acordo em relação a esse ponto.
Sr. Deputado Pimenta Dias, se a resolução do problema relativo aos tribunais de 1.ª instância está como está, isto é, avançada em relação a outros sectores, designadamente ao da educação, ao da saúde e a outros, naturalmente que penso que devemos aplaudir tal facto. Ainda bem que assim está!
Não compreendemos a vossa iniciativa neste domínio, pois as condições em que está é o bom caminho, para o qual devemos encaminhar as outras situações.

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25 DE FEVEREIRO DE 1999 1919

O Sr. Pimenta Dias (PCP): - Não funciona!

O Orador: - Portanto, não faz muito sentido estarmos agora a retirar os encargos normais que são atribuídos às autarquias para o bom funcionamento de tudo e transferi-los para o Estado, para daqui a alguns meses voltarmos a transferi-los para as autarquias. Isto não me parece ser boa técnica legislativa e, permita-me que lhe diga mais, penso que não nos honra muito como legisladores, pois é difícil percebermos estes atrasos e recuos em relação a esta matéria, revelando, de facto, algum conservadorismo da vossa parte em relação a uma determinada posição para a qual queremos avançar.
Finalmente, quanto aos encargos dos municípios e às verbas que tanto vos preocupam, Sr. Deputado, fui bem claro e também resulta claramente da lei: a administração central indemniza na íntegra as despesas que a autarquia fizer! Então, qual é a vossa preocupação? Acham que as câmaras não estão habilitadas a proceder a obras de conservação urgente num edifício como um palácio da justiça?

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Estão! Não têm é dinheiro!

O Orador: - Por amor de Deus! O Sr. Deputado está a fazer um mau conceito das nossas autarquias!
Felizmente, as autarquias portuguesas já têm meios e capacidade empreendedora para assumir com segurança e com rigor esse tipo de trabalhos. Aliás, nós queremos dar-lhes ainda mais responsabilidades, queremos ir mais além!

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Nós também queremos, mas é preciso dinheiro!

O Orador: - Nós queremos descentralizar efectivamente...

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Então, e o dinheiro?

O Orador: - ... e queremos transferir os meios financeiros. Naturalmente, esse é que é o caminho que queremos percorrer. Por isso, levantamos algumas reservas à oportunidade desta iniciativa que, sendo positiva na sua essência e no que diz respeito à primeira parte, não deixa de ser desfasada no tempo quanto a esse aspecto e, relativamente, aos n.ºs 3 e 4, não deixa de ser, também, algo precipitada.
A terminar, faço um apelo para que haja um sentimento de compreensão e de unidade na Câmara em torno deste problema, que, sinceramente, me parece um problema sério, que existe, relativo à questão das obras de conservação. Não criemos nós mais uma situação de indefinição, dando origem a alguns equívocos. Deixemos, pelo menos, estar assim e façamos votos para que todos trabalhemos na tal proposta de lei n.º 111/VII - essa, sim! -, porque é essa que os municípios querem e reclamam!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos.
A próxima sessão plenária terá lugar amanhã, pelas 15 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: discussão conjunta dos projectos de resolução n.ºs 122/VII - Define princípios de referência para a negociação pela parte portuguesa da Agenda 2000 e documentos conexos (PCP) e 123/VII - Sobre a Agenda 2000 (PSD e CDS-PP) e debate do projecto de lei n.º 623/VII - Tratamento de resíduos industriais (PSD); pelas 18 horas, haverá votações regimentais.
Nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 45 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS): Paulo Jorge dos Santos Neves.

Partido Social Democrata (PSD):

Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Augusto Santos da Silva Marques.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Maria Helena Pereira Nogueira Santo.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Henrique José de Sousa Neto.
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.
Mário Manuel Videira Lopes.
Pedro .Luis da Rocha Baptista.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.

Partido Social Democrata (PSD):

António Paulo Martins Pereira Coelho.
Fernando Santos Pereira.
José Augusto Gama.
José Manuel Durão Barroso.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Nuno Kruz Abecasis.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

Rectificação ao n.º 32, de 8 de Janeiro

No sumário, c. 2., no final do 1.º parágrafo, deve incluir-se o seguinte: «Entretanto, foi aprovada, na generalidade, a proposta de lei n.º 204/VII - Cria e estabelece o regime a que ficam sujeitas as associações de freguesia de direito público.»

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1920 I SÉRIE-NÚMERO 51

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