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Quinta-feira, 4 de Março de 1999
I Série - Número 54
DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

VII LEGISLATURA
4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1998-1999)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 3 DE MARÇO DE 1999

Presidente: Exmo. Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Exmos. Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Carlos Manuel Duarte de Oliveira
João Cerveira Corregedor da Fonseca

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta tia entrada na Mesa dos projectos de lei n.º 629 a 632/VII, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
A Câmara aprovou um parecer da Comissão de assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à retoma de mandato de um Deputado do PS.
Em interpelação à Mesa, o Sr. Deputado Acácio Barreiros (PS), a propósito de acusações no sentido de elementos que integraram a sindicância à JAE instaurada pelo Governo terem sido nomeados para gabinetes ministeriais, anunciou a apresentação, pelo PS de um projecto de deliberação visando o alargamento do âmbito da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às Denúncias de Corrupção na Junta Autónoma das Estradas para apuramento da verdade acerca destes factos.
Também em interpelação à Mesa, o Sr. Deputado Carlos Encarnação (PSD) deu conta do envio dé uma carta ao Sr. Primeiro-Ministro solicitando esclarecimentos acerca de assessores do Gabinete do Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território que colaboraram na sindicância à JAE. e de um outro assessor do Gabinete do Sr. Ministro da Defesa Nacional cuja nomeação tevé lugar após a sua colaboração na mesma sindicância.
Ainda em interpelação à Mesa. o Sr. Deputado Mota Amaral (PSD) congratulou-se com primeira viagem oficial do Sr. Presidente do Governo Regional dos Açores à República de Cabo Verde, ao que se associou o Sr. Deputado Medeiros Ferreira (PS).

Em declaração política, o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan (CDS-PP) condenou o número de nomeações feitas pelo Governo desde a sua tomada de posse. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Junqueiro (PS) - que exerceu também o direito de defesa da consideração da bancada -, Carlos Encarnação (PSD) e Octávio Teixeira (PCP).
O Sr. Deputado Gonçalo Velho (PS) congratulou-se pela construção do Mercado Abastecedor da Região de Lisboa.
O Sr. Deputado Alexandrino Saldanha (PCP) teceu críticas ao processo de recuperação de dividas à segurança social, anunciado pelo Governo.

Ordem do dla - Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.º 414/VII - Alarga os direitos das pessoas cuja família se constitui em união de facto (Os Verdes) e 527/VII - Regime Jurídico da União de Facto (PS), tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Isabel Castro (Os Verdes), Mafalda Troncho e Sérgio Sousa Pinto (PS), Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP), Odete Santos e Octávio Teixeira (PCP), Pedro Passos Coelho (PSD). Helena Santo (CDS-PP), Luís Pedro Martins (PS), Maria Eduarda Azevedo (PSD), Sónia Fertuzinhos e Ana Catarina Mendonça (PS).
A Câmara apreciou ainda, na generalidade, a proposta de lei n.º 172/71 - Clarifica o âmbito da Lei n.º 12/96, de 18 de Abril, sobre a qual se pronunciaram, além do Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior (Jorge Silva), os Srs. Deputados António Brochado Pedras (CDS-PP), Nuno Baltazar Mendes (PS), Castro de Almeida (PSD) e Luísa Mesquita (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Armando Jorge Paulino Domingos.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Casimiro Francisco Ramos.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.

José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís António do Rosário Veríssimo.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Ferreira Jerónimo.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferro nha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Paulo Jorge Lúcio Arsênio.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui' do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adriarió de Lima Gouveia Azevedo.
Alberto Queiroga Figueiredo.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António d'Orey Capucho.
António de Carvalho Martins.
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.

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Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Póvoas.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
Luís Carlos David Nóbre.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Çosta de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Sérgio André da Costa Vieira.
Vasco Manuel Henriques Cunha.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Carlos Brochado de Sousa Pedras.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha.
Avilez Nogueira Pinto.

Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Pedro José Del Negro Feist.
Rui Manuel Pereira Marques.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
António Luís Pimenta Dias.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Carmem Isabel Amador Francisco.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputado independente:

José Mário de Lemos Damião.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do expediente que deu entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e
Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admiti
dos, os projectos de lei n.os 629/VII - Elevação à cate
goria de vila da povoação de Ferragudo, concelho de
Lagoa (PS), que baixou à 4.ª Comissão, 630/VII - Re
gras protocolares do cerimonial do Estado português (PS
e PSD), que baixou à 1.ª Comissão, 631/VII - Cria a
Escola Superior de Comércio e Serviços, que baixou à 6.ª
Comissão (PS), e 632/VII - Reforça as garantias do di
reito à saúde reprodutiva (PCP), que baixou às 7.ª e 12.ª
Comissões.
Foram apresentados na Mesa os seguintes requerimentos:
Na reunião plenária de 18 de Fevereiro de 1999: ao Ministério do Equipamento, do Planeamento. e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Valente; ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado António Martinho; e ao Ministério do Ambiente e ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Fernando Pedro Moutinho e António Filipe.
No dia 23 de Fevereiro de 1999: ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Arménio Santos; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Castro Almeida; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa; e ao Ministério do Ambiente, formulado pela Sr.ª Deputada Carmem Francisco.
Na reunião plenária de 24 de Fevereiro de 1999: ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade, formulados pelos Srs. Deputados Victor Moura e Alexandrino Saldanha; ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Férnando Pereira Marques; à Secretaria de Estado do

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Desporto, formulado pela Sr.ª Deputada Jovita Ladeira; ao Ministério do Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Alves Oliveira, ao Ministério da Educação, formulados pelo Sr. Deputado Bernardino Soares; a diversos Ministérios, ao Instituto Geológico e Mineiro e à Câmara Municipal de Gondomar, formulados pelo Sr. Deputado Pimenta Dias; e ao Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pêlos seguintes Srs. Deputados:
No dia 19 de Fevereiro de 1999: Manuel Frexes, na sessão de 30 de Abril; João Pedro Correia, na sessão de 6 de Maio; Isabel Castro e Bernardino Soares, no dia 14 de Julho, na sessão de 21 de Outubro, no dia 10 de Novembro e nas sessões de 2 de Dezembro e 27 de Janeiro; Carmem Francisco, no dia 17 de Novembro; João Amaral, no dia 3 de Dezembro; Barbosa de Oliveira, na sessão de 17 de Dezembro; Jorge Valente, no dia 12 de Janeiro; Fernando Pedro Moutinho, na sessão de 20 de Janeiro; e Duarte Pacheco, na sessão de 3 de Fevereiro.
No dia 23 de Fevereiro de 1999: Heloísa Apolónia, na sessão de 7 de Maio; António Filipe, na sessão de 7 de Outubro; Mota Amaral, na sessão de 19 de Novembro; Barbosa de Oliveira, na sessão de 17 de Dezembro; e Pimenta Dias, na sessão de 28 de Janeiro.
No dia 25 de Fevereiro de 1999: Barbosa de Oliveira, na sessão de 11 de Novembro e Fernando Pedro Moutinho e Alexandrino Saldanha, no dia 5 e nas sessões de 20 e 29 de Janeiro.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, temos ainda um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias que se refere à retoma de mandato do Sr. Deputado Júlio Henriques, do PS, cessando o Sr. Deputado João Pedro Correia, em l de Março corrente, inclusive.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, inscreveram-se, para interpelações à Mesa, os Srs. Deputados Acácio Barreiros e Mota Amaral.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): — Sr. Presidente, como V. Ex.ª sabe, há algum tempo foi levantado um conjunto de acusações graves em relação a factos eventualmente ocorridos na Junta Autónoma de Estradas. Na sequência dessas acusações, foi aprovada nesta Assembleia a const -tuição de uma Comissão de Inquérito, que, aliás, o Parido Socialista votou favoravelmente, e o Governo ordenou uma sindicância à Junta Autónoma das Estradas, sindicância essa que apresentou um relatório.
Mas, desde que esse relatório foi apresentado, temos assistido, lamentavelmente, a um conjunto de ataques à credibilidade quer dos membros que procederam à sindicância quer ao próprio relatório que, em nosso en-
tendimento, como já tivemos oportunidade de dizer, mais não visam do que impedir um aprofundamento e um apuramento de toda a verdade em relação ao que se passou na Junta Autónoma das Estradas.
O nosso lema, como temos repetidamente afirmado, é «quem não deve, não teme». A determinação do Governo e a nossa determinação é no sentido de que, na Comissão de Inquérito da Assembleia da República e nos passos que já foram dados, seja apurada toda a verdade, doa a quem doer.
Entre as várias questões e calúnias levantadas...

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, agradeço que formule a sua interpelação.

O Orador: — Termino já, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, entre as calúnias levantadas, foi feita a insinuação, ou mesmo a afirmação, de que alguns dos membros designados para essa sindicância teriam Sido posteriormente ou na altura contratados pelo Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território. Nós entendemos que isso se insere em mais uma manobra de ataque a essa Comissão e também à dignidade do próprio Governo.
Nesse sentido, o Partido Socialista vai propor um projecto de deliberação — e logo na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares vai pedir a V. Ex. o seu rápido agendamento —, para que nos objectivos da actual Comissão de Inquérito sobre a JAE, que já está em funcionamento nesta Assembleia, seja incluído um ponto visando o apuramento da verdade quanto a este tipo de acusações, isto é, se há elementos que fizeram parte da sindicância que tenham sido, posteriormente ou na altura, contratados para o Gabinete do Sr. Ministro João Cravinho.
O apuramento dessa situação é também um caminho para defendermos que a verdade tem de ser apurada até ao fim e que não toleraremos as sucessivas tentativas para desacreditar quer a Comissão quer o relatório da sindicância, tentando-se, assim, impedir o apuramento de toda a verdade relativa à Junta Autónoma das Estradas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, fica feito o anúncio.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): — Sr. Presidente, peço também a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): — Sr. Presidente, num tom substancialmente mais sereno, gostaria de colocar a V. Ex.ª o seguinte problema: nós fizemos uma carta ao Sr. Primeiro-Ministro, datada de 26 de Fevereiro, na qual procurávamos obter o esclarecimento de algumas coisas que nós pareciam importantes e que eram coisas como estas: por despacho de 22 de Outubro de 1998, o Ministro João Cravinho nomeou como assessor do seu Gabinete o licenciado Alberto António Rodrigues Coelho, a licenciada Maria Aldina Martins Marques e a licenciada Maria Isabel Nunes Fernandes.

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mente como assessores do Gabinete do Ministro e como sindicantes e todos estes cidadãos continuaram a trabalhar no Gabinete do Sr. Ministro depois de realizada a sindicância.
Se V. Ex.ª não entende que há aqui uma grande confusão entre o cargo e a função de assessor de um gabinete e a função de exercício de uma sindicância, então, certamente, ninguém o entenderá! E V. Ex.ª com certeza que me acompanhará nesta consideração de espanto.
É certo que alguns destes licenciados, dando «o braço a torcer», já foram desnomeados. Mas só foram desnomeados depois de o PSD ter levantado a questão!

Vozes do PSD: - Coincidência!

O Orador: - Falta ainda um caso, Sr. Presidente. É aquele que está nomeado para o Gabinete do Sr. Ministro da Defesa Nacional, nomeação esta que teve lugar depois de ter feito a sindicância. .
Como nós entendemos que o cargo de assessor tem contornos precisos e funções precisas e como nós entendemos que a função de sindicante...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço que formule a interpelação.

O Orador: - Com toda a certeza, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, como nós entendemos que a função de sindicante não tem de ter obrigatoriamente a recompensa da nomeação de assessoria, entendemos que há aqui alguma coisa que está mal e, por isso, endereçámos a carta ao Sr. Primeiro-Ministro, para nos esclarecer.
Não teve ainda o Sr. Primeiro-Ministro, certamente, tempo para esclarecer esta matéria. É natural que não queira esclarecer o que é confuso e o que é complicado de explicar,...

Vozes do PS: - Ah!

Protestos do PS.

O Orador: - ... mas o que não é possível é vir o Sr. Deputado Acácio Barreiros acusar-nos de querer esconder o que quer que seja, pois aquilo que aqui está vem publicado no Diário da República e nós não fazembs suposições, fazemos afirmações.

Aplausos do PSD.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vamos ter oportunidade de discutir este assunto oportunamente, uma vez que vai haver uma iniciativa do Grupo Parlamentar do PS, pelo que não vamos agora começar a discuti-lo desde já, por antecipação. O PS vai colocar o problema na Conferência dos Representantes dos Grupos. Parlamentares hoje, ao que julgo, agendar-se-á a discussão desse tema e terão ambos, e mais Deputados que queiram intervir, oportunidade de discutir esse tema e aclarar a verdade. A verdade virá sempre à tona, não tenho quaisquer dúvidas!
Compreende, Sr. Deputado Acácio Barreiros, que não se dê continuidade a esta discussão?

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: O Presidente do Governo Regional dos Açores inicia hoje uma visita oficial a Cabo Verde, a convite do Primeiro-Ministro Carlos Veiga.
É a primeira vez que tal se verifica e por isso merece ser assinalado no Hemiciclo da Assembleia da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - São inúmeras as semelhanças físicas entre os Açores e Cabo Verde. Os dois arquipélagos atlânticos comungam também, em modalidades diferentes embora, da memória histórica dos tempos áureos da expansão portuguesa, com marcas culturais que chegam até aos nossos dias.
Os laços de aproximação entre os Açores e Cabo Verde, apesar do distanciamento geográfico, resultam afinal da natureza das coisas.
Os mesmos problemas de insularidade arquipelágica, idêntico peso do vulcanismo, intimidade com o mar e aproveitamento dos seus recursos - eis alguns factores, entre muitos outros, que propiciam o entendimento mútuo e a cooperação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tem havido iniciativas isoladas de troca de.experiências, datadas por sinal de há vários anos atrás. A companhia aérea açoreana SATA e a Empresa de Electricidade dos Açores levaram a efeito projectos conjuntos com as entidades congéneres cabo-verdianas. Altos funcionários da Administração da República de Cabo Verde deslocaram-se aos Açores em missão de estudo, interessados na observação da nossa experiência de poder local.
Por iniciativa do Presidente da República, ao tempo o Dr. Mário Soares, os dois chefes de Estado de Cabo Verde que, sucessivamente, visitaram Portugal, Aristides Pereira e Mascaranhas Monteiro, estenderam o seu programa aos Açores. Tive a honra de ambos acolher, como Presidente do Governo Regional e guardo desses encontros uma agradável recordação.
A Universidade dos Açores tem em curso diversos projectos de colaboração com as entidades cabo-verdianas, todos de muito interesse para o estreitamento de laços entre os dois arquipélagos.
Tem havido intercâmbios de grupos culturais e há várias geminações entre concelhos, já concretizadas ou em trâmites.
A visita do Presidente Carlos César, chefiando uma comitiva de governantes e empresários açoreanos, marca, porém, um salto qualitativo, digno de encómio. A imprensa açoreana adjectiva-a de histórica e julgo que sem exagero.
As regiões autónomas são entidades constitucionais do Estado e faz todo o sentido que assumam protagonismo próprio, dentro das linhal definidas pelos competentes órgãos de sober4nia, no relacionamento exterior de Portugal, reforçando a realização dos interesses nacionais.
Houve em tgmpos, sob vários governos, hesitações e temores bastantes, aliás infundados, quanto a esta matéria. Estou convencido que se desperdiçaram então oportunidades importantes, nomeadamente na área, tão decisiva, das relações lúso-americanas.

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Agora, felizmente, a atitude do poder central é diferente. Como Deputado da oposição, muito me agrada cumprimentar por isso o Ministro dos Negócios Estrangeiros Jaime Gama.
Ao mesmo tempo, exprimindo, julgo eu, o sentir da Assembleia da República, dirijo ao Presidente do Governo Regional dos Açores e à sua comitiva, com as mìnhas congratulações, cordiais votos de sucesso nesta sua importante missão de estreitamento da amizade entre Cabo Verde e Portugal.

Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Todos temos consciência de que foi uma interpelação atípica, mas que encontra em si própria a sua justificação.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado, certamente para outra interpelação atípica.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, V. Ex.ª tirou-me o conceito da cabeça.
Gostaria exactamente de agradecer ao Sr. Presidente esta oportunidade que me dá para louvar a iniciativa do Sr. Deputado Mota Amaral nesta sua interpelação à Mesa; relacionada com a viagem do Presidente do Governo Regional dos Açores à República de Cabo Verde. Tive oportunidade de falar com o Presidente do Governo Regional, Carlos César, sobre essa viagem e, por isso, estou informado das expectativas que ela está a despertar, quer a nível da Região Autónoma dos Açores, quer a nível de Cabo Verde.
Como muito bem disse o Sr. Deputado Mota Amaral, é uma viagem que só agora é possível, exactamente porque há um entendimento e uma confiança aprofundada entre o Governo da República e o Governo Regional dos Açores, a qual permite que essas iniciativas sejam feitas para enriquecimento de todas as partes, ou seja, da República Portuguesa e da Região Autónoma dos Açores, que é, alias, nos termos do Tratado de Amsterdão, uma região ultraperiférica, o que muito a beneficia e à República Portuguesa.
Todas as questões relacionadas com a insularidade e com a cooperação entre a Região Autónoma dos Açores e Cabo Verde terão certamente a ver com algumas analogias existentes, do ponto de vista do desenvolvimento, do ponto de vista das experiências que ambos os arquipélagos têm vindo a viver, um arquipélago dentro da União Europeia, no âmbito da comunidade política portuguesa, e o outro, que se tornou independente, a República de Cabo Verde.

Aplausos do PS e de alguns Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.

O Sr. Silvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O País tomou conhecimento, recentemente, de uma análise às nomeações governamentais dos últimos três anos, que é chocante e precisa de ser imediatamente esclarecida.

Foram três anos em que este Governo efectuou quase 10 000 nomeações distribuídas por comissões e grupos de trabalho, cargos dirigentes da Administração Pública e assessorias de gabinetes ministeriais.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Uma vergonha!

O Orador: - Nós não somos, por princípio, contrários à possibilidade de nomeação de pessoas de confiança para cargos onde essa confiança é necessária, e muito menos temos objecções à formação de equipas técnicas de qualidade para objectivos específicos. E que há decisões de cariz político a tomar e quem as fundamenta e as propõe tem de estar em sintonia com quem as vai publicamente defender. Simplesmente, aquilo que deve ser a excepção não pode ser transformado na regra que este Governo adoptou.

O Sr. Rui Pedrosa de Moura (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Aliás, não fomos nós, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quem inventou a frase No jobs for the boys: foi o Eng.º António Guterres.

O Sr. Rui Pedrosa de Moura (CDS-PP): - Já se esqueceu!

O Orador: - Foi o Eng.º António Guterres que, mal foi empossado, disse que, agora sim, agora é que o concurso ia ser a forma normal de recrutamento para os cargos dirigentes da Administração Pública.

Protestos do PS.

Srs. Deputados, sei que queriam ainda mais e ainda pior, mas isso só aumentava a vossa vergonha.
É por isso que não podemos deixar de lhe perguntar: porquê tantas nomeações? O Sr. Primeiro-Ministro não confia na Administração Pública que tem, ou será que agora, que finalmente está a abrir concursos para os tais cargos dirigentes, tem medo de vir a recrutar pessoas competentes mas não partidariamente alinhadas?
Voltemos às nomeações. Dessas 10 000 nomeações, admitimos que uma pequena porção terá justificação pela necessidade pública. Contudo, na citada análise, há vários números que impressionam.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos gabinetes dos membros do Governo, encontraram emprego 1 288 pessoas; no Gabinete do Sr. Primeiro-Ministro estão nomeadas 63 pessoas!

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Já lá estavam!

O Orador: - Gostaria de lembrar a VV. Ex.as que, no tempo da outra AD - aquela que o PS hoje tanto cita -, o Gabinete do Vice-Primeiro-Ministro de então era composto por quatro assessores e um chefe de gabinete. Por sua vez, o Ministro da Defesa, por exemplo, socorria-se de um gabinete constituído por três assessores e um chefe de gabinete.
Ao contrário, e face aos números divulgados, é legítimo perguntar se o PS se transformou numa agência de empregos ou se os governantes que temos receiam a subs-

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tituição do Governo e estão, paulatinamente, a colocar os amigos.
Aliás, há casos absolutamente espantosos: neste Governo só o Ministro da Ciência já nomeou 45 pessoas para o seu gabinete! Ao longo de três anos, a reconhecida incapacidade da Sr.ª Ministra da Saúde para tomar decisões ficou à vista, mas já não lhe «doeu a mão» para assinar 491 nomeações!
O Sr. Ministro Gomes da Silva, como toda a gente sabe, saiu do Governo por mau serviço, mas já os 410 boys que nomeou arranjaram colocação. A este número, somam-se os 471 boys nomeados por Capoulas Santos, enquanto Secretário de Estado daquele. Por este andar, daqui a pouco tempo há mais boys na agricultura do que agricultores em Portugal! Junte-se-lhes os que estão a entrar agora, ainda não contabilizados, e a análise é muito simples: calcule-se onde chegou o «aviamento» deste Governo socialista e deste Ministério da Agricultura, precisamente um dos que mais podia, e devia, ser racionalizado!

Protestos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A verdade dos factos é que o PS foi sucessivamente esquecendo as suas promessas e moldando o poder exclusivamente à imagem dos seus interesses.
O que hoje aqui queremos fazer é tão-somente chamar a atenção dos portugueses para algumas verdades prosaicas.
A primeira é a de que um Governo que faz 10 000 nomeações em três anos é um Governo com sentido de partido mas é um Governo sem sentido de Estado.
A segunda é a de que o Sr. Primeiro-Ministro, ao consentir 10 000 nomeações em três anos, faltou 10 000 vezes à promessa de não dar jobs for the boys.
A terceira é a de que um Estado em que o partido do Governo nomeia quase 10 boys por dia é um Estado a crescer em peso dispensável e em despesa inútil.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Outra promessa de que o Primeiro-Ministro sé vai esquecendo é a de comparecer no Parlamento para dar explicações.
Gostaríamos de ter o prazer de ouvir o Sr. Primeiro Ministro sobre esta questão. Pode não ser simpático para o Sr. Primeiro-Ministro vir aqui ao Parlamento falar disto ele que «foge como o diabo da cruz» das questões incómodas -, reconhecemos que é bem mais agradável vir anunciar cláusulas de salvaguarda dos erros do seu Ministro das Finanças ou anunciar números e percentagens nominais. Em todo o caso, parece-nos assunto que deve ser explicado ao mais alto nível e será interessante ouvir S. Ex.ª o Sr. Primeiro-Ministro esclarecer algumas perplexidades que se nos deparam, das quais aqui deixo conta sumária: quantos dos nomeados são militantes do PS? Qual a proporção entre os provimentos normais na função pública e os livremente nomeados? Quanto custa, ao orçamento de cada ministério, a totalidade das nomeações? Qual a justificação funcional para as nomeações cuja fundamentação não transparece dos respectivos despachos publicados em Diário da República? Quantos são os nomeados que transitaram para os conselhos de gestão das empresas públicas tuteladas pelos membros do Governo nomeantes? E, ainda, qual a evolução das nomeações desde Novembro de 1998, momento em que termina a análise citada?
Os portugueses têm direito a conhecer a verdade! Os portugueses têm direito a saber se este ê o PS em que votaram em 1995 ou se este é o PS que, não tendo alcançado a maioria absoluta que hoje pede, procura alcançar o poder total pela via da ocupação do aparelho do Estado.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Sílvio Ruí Cervan, os Srs. Deputados José Junqueiro e Carlos Encarnação.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, imagino que esta declaração política deve corresponder a unia táctica moderna, eventualmente para ocultar as últimas notícias que temos ouvido na opinião pública.
Devo dizer, com toda a seriedade, que o Governo não criou qualquer novo lugar na Administração Pública. É completamente falsa a ideia que alguma oposição tentou fazer passar, e neste caso o CDS-PP, de que isso tenha acontecido. O Governo, como qualquer outro, para manter o normal funcionamento da Administração Pública, tem de fazer concursos, que não se faziam no passado e, neste momento, são 1 036 os júris nomeados para esses concursos. É uma diferença fundamental!

Risos do PSD.

A recondução das pessoas nas funções que desempenham é um acto normal da Administração Pública e isso não corresponde a qualquer novo lugar nem a qualquer novo emprego para quem quer que seja.
Vamos aos exemplos: os directores clínicos dos hospitais ou os directores de enfermagem, por exemplo, que agora são eleitos e que anteriormente eram nomeados por confiança política do Governo, têm de ser homologados pela tutela e os seus nomes têm de ser publicados no Diário da República. O mesmo se passa com os conselhos directivos das escolas, que são eleitos e os nomes vêm publicados no Diário da República.
Pergunto, Sr. Deputado: a comissão para Timor - que os senhores também desejam - que foi aprovada em Conselho de Ministros e vai ser publicada no Diário da República, também será contabilizada nestes novos lugares que os senhores dizem terem sido criados? E os conselhos consultivos ao nível dos vários ministérios são exactamente a mesma coisa que o Sr. Deputado pretende insinuar?
Gostaria de rematar com outro exemplo. Este Governo, em 1995, num determinado organismo público ligado às estradas, reconduziu, de uma só vez, os 30 directores ou quadros superiores que trabalhavam, e trabalham, nesta empresa e que os senhores contabilizam como 30 novos lugares. Agora, voltou a reconduzi-los e os senhores contabilizam-nos como mais 30 novos lugares e com isto somam 60 pessoas. Estamos perante uma manobra de clara má fé, de quem pretende ocultar aquilo que são os bons resultados da governação, a confiança das pessoas neste Governo e no Primeiro-Ministro.
Os senhores tentam lançar na praça pública a «nódoa» sobre aquilo que é uma política de transparência e uma política em que todas as pessoas sabem o que acontece, porque, desta vez, está tudo acessível a todas as pessoas.
Devo dizer-lhe, por isso, Sr. Deputado, que o Partido Socialista não aceita essa campanha de desinformação, de má fé, rejeita e sente-se ofendido com as insinuações que

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o Sr. Deputado fez. Devo dizer também que prestou um péssimo serviço, porque o Sr. Deputado é o mensageiro de um outro partido. político que constitui consigo a AD e o qual teve a coragem de, sobre esta matéria, levantar o problema.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado José Junqueiro, quando vi V. Ex.ª levantar-se, pensei que ia responder às minhas perguntas, mas fiquei profundamente preocupado quando, ao invés de responder a quantos dos nomeados são militantes do Partido Socialista, qual a proporção entre os nomeados e aqueles que são efectivamente admitidos por concurso, por provimentos normais da função pública, quanto custam ao Governo estes nomeados, nomeadamente a cada ministério, qual a justificação funcional que, como disse, não aparece no Diário da República, quantos dos nomeados transitaram para conselhos de gestão das empresas públicas, ao invés de defender o Governo, V. Ex.ª veio aqui, enquanto Presidente da Federação Socialista de Viseu, dizer que estes boys não são muitos e que são, aliás, precisos ainda mais!
E V. Ex.ª veio aqui conseguir uma coisa fantástica: justificou 10, justificou 100, terá eventualmente justificado 500, mas ficaram por justificar os outros 9 500, que ninguém consegue compreender!
Mas, Sr. Deputado, deixe que lhe diga o seguinte: V. Ex.ª diz que a nomeação é um acto normal e eu digo-lhe que V. Ex.º tem toda a razão, pois a nomeação é um acto normal. Aquilo que não é normal e aquilo que o Partido Popular vem aqui dizer por voz própria, porque não é porta-voz de ninguém, é que 10 000 actos normais é demais, Sr. Deputado!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, também para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, ouvi a recriminação que lhe foi feita pelo Sr. Deputado José Junqueiro, na qual tentava recriminar não V. Ex.ª mas o PSD. E queria o Sr. Deputado José Junqueiro, porventura, dizer que o PSD nunca tinha falado nesta matéria aqui. O Sr. Deputado José Junqueiro está cada vez mais surdo,...

Risos do PSD.

...porque o PSD não se tem cansado, ao longo do tempo, de levantar esta questão e de a levantar com toda a seriedade!
Se V. Ex.ª concede e com certeza concederá, o PSD foi o primeiro partido a contar a estranha história da evolução dos concursos públicos. O PSD denunciou-a na altura em que para o Partido Socialista os concursos eram fundamentais, ou seja, não havia lugar sem concurso. Depois, o PSD notou que o Partido Socialista já dizia que os concursos eram possíveis, portanto, podia haver concursos para os lugares e, em seguida, o PSD notou que o

Partido Socialista disse, depois, que, afinal, os concursos eram dispensados, isto é, os membros do Governo podiam nomear, justificando, quem queriam. Esta é a estranha história da concepção dos concursos públicos do Partido Socialista.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Falta o tempo do PSD, falta o «antes»!

O Orador: - Não tinha qualquer problema se, na verdade, esta situação não fosse institucionalizada e se o Partido Socialista não tivesse, na gestão dos lugares públicos, aquilo que às vezes é um paralelo que se estabelece com alguns empresários privados.
Ouvi um empresário privado dizer, há relativamente pouco tempo, que a sua grande organização tinha evoluído de 3.00 lugares para 35 000! O único problema que tenho é se o Partido Socialista, agora no Governo, aplica a mesma lógica empresarial, transformando-se de Partido Socialista em Partido Socialista, S.A., e, com este exemplo desta concreta organização, tende a fazer com o nosso dinheiro aquilo que um empresário pode muito bem fazer com o seu próprio dinheiro.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É que todo o problema reside na utilização do dinheiro público para empregar a sua clientela e é esse certamente o problema que o preocupa. É esse certamente o problema que preocupa o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, e muito bem, porque, quando se esperava que o Sr. Secretário de Estado da Administração Pública - o mesmo que é responsável por esta matéria e que abre, agora, as Lojas do Cidadão como quem abre lojas de emprego - viesse, agora, desmentir o que tinha sido dito, o Sr. Secretário de Estado, muito candidamente, diz que, de facto, houve 4954 nomeações para lugares de chefia e, depois, também com o ar mais aberto do mundo, refere que, destas todas, 162 foram feitas por concurso. Ou seja, a percentagem que há de nomeações por concurso em relação ao universo de nomeações sem concurso é o mais frisante e cabal desmentido - com a cara do Sr. Secretário de Estado, e até a sua barba, aqui retratada neste recorte de jornal - daquilo que o Partido Socialista por aqui diz. Isto é, aquilo que nós dizemos é verdade; aquilo que o Sr. Secretário de Estado também admite é verdade, aquilo que o Partido Socialista diz não é verdade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, quase vou fazer aqui a defesa do Sr. Deputado José Junqueiro. O Sr. Deputado José Junqueiro não é surdo, tem é o ouvido muito seleccionado.

Risos do PSD.

Vou explicar-lhe. O Sr. Deputado José Junqueiro, habilmente, tentou fazer uma coisa que não é fácil, pois o Sr. Deputado José Junqueiro tem o seu próprio pequeno interesse a defender. 0 que o Sr. Deputado José Junqueiro

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não esclareceu, porque não conseguiu - aliás, ninguém naquela bancada é capaz de fazê-lo -, foi a razão pela qual o Sr. PrimeiroMinistro não veio aqui, ele próprio, responder às perguntas que lhe colocámos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Não sabia que era o Sr. Deputado que ia falar, senão tinha vindo!

O Orador: - O Sr. Deputado Manuel dos Santos fica sempre muito zangado, quando se fala no Primeiro-Ministro - é uma coisa absolutamente fantástica! Mas tenha calma, Sr. Deputado, porque o Sr. Presidente, que é um grande democrata, dar-lhe-á seguramente a palavra, mal V. Ex.ª peça.
Sr. Deputado Carlos Encarnação, quando o Sr. PrimeiroMinistro aqui vier, vamos perceber tudo, vamos perceber quanto custam as nomeações. É que, infelizmente, hoje, só sabemos quem paga.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Quem paga o quê?

O Orador: - Quem paga são os portugueses, mas aquilo que queríamos saber era quanto custa. Depois de sabermos quanto custa, ficaremos cabalmente esclarecidos.
Aquilo que os portugueses hoje sabem é que se o Sr. Deputado José Junqueiro explica 500 das 9800 nomeações, havendo ainda 9300 mentiras que o Sr. Primeiro-Ministro não explicou.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Mentiras é o que o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan está a dizer!

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito de defesa da consideração da bancada, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, a bancada do Partido Socialista não pode aceitar de ânimo leve este conjunto de insinuações, até porque se trata de uma matéria séria, que faz a diferença entre o presente e o passado. E nós demos aqui alguns exemplos.
Em primeiro lugar, esta comissão de Timor, que vai ser constituída por especialistas, os quais vão ser requisitados a diferentes ministérios e têm origem nesses mesmos ministérios, para se constituírem nessa comissão, vão precisar de ser nomeados. O resultado é que não se cria um único novo lugar e não há aumento de qualquer tipo de despesa. E os senhores sabem perfeitamente que estas comissões, como os conselhos consultivos, não são minimamente remuneradas.
Portanto, o facto de terem agarrado no «papelinho» ao lerem o Diário da República e terem, de forma avulsa, feito estas contas e enveredado por um caminho de má fé não os dignifica nem à Administração Pública. E o Partido Socialista sente-se ofendido e reclama claramente sobre esta matéria.
E mais: temos aqui exemplos de pessoas que, no passado, os senhores nomeavam politicamente, como; por exemplo, directores clínicos dos hospitais e directores de enfermagem, que, hoje, são eleitos pelos seus pares, tendo a sua nomeação de ser homologada pela tutela e publicada no Diário da República. Pergunto: então, os senhores têm coragem de vir publicamente dizer que quem

é eleito pelos seus pares tem cargos políticos, novos empregos? Os senhores tratam o exercício da democracia desta forma?
Em relação aos conselhos directivos das escolas, os senhores fazem a mesma coisa! Os seus pares elegem as pessoas e os senhores consideram isso da mesma forma?!
Depois, os senhores vêm falar do Sr. Primeiro-Ministro e dizem que ele tem muitos assessores. Tem os assessores que permitem a acção governativa e aquilo que gasta em assessores poupou em Polícia de Segurança Pública, que o antigo Primeiro-Ministro tinha, porque se sentia sempre inseguro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Junqueiro, o Sr. Deputado veio, em defesa da consideração da sua bancada, acusar a minha intervenção de má fé.
Sr. Deputado, V. Ex.ª não percebeu. A minha intervenção tinha total boa fé porque queria apenas uma cabal resposta e justificação em relação a todas as nomeações. E se V. Ex.ª tivesse a consciência completamente tranquila nesta matéria, vinha aqui justificar todas as nomeações. Aquilo que V. Ex.ª fez foi justificar 50, 100, 200, 500 nomeações, ficando, portanto, 9300 por justificar. Ora, é contra essa maioria não justificada, essa maioria injustificável, que o Partido Popular está. Portanto, o Partido Popular está aqui de total boa fé, apenas e só, para esclarecer os portugueses sobre esta matéria.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. José Junqueiro (PS): - Mas não esclareceu nada!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, -tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, o Sr. Deputado vai desculpar-me que utilize a figura do pedido de esclarecimento fundamentalmente para me dirigir à bancada socialista.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - É sempre um prazer!

O Orador: - Recordo-me que, talvez há cerca de ano e meio ou dois anos, não consigo agora precisar a data, o PCP suscitou a discussão desta matéria e, na altura, haveria qualquer coisa como 4000 nomeações,...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Ah, mas, agora, há muito mais!

O Orador: - ... tendo o Governo e o Partido Socialista sido criticados fortemente.
Com toda a sinceridade, pessoalmente, ainda admiti que pudesse haver, daí para cá, algum cuidado suplementar. Mas não, pois, passado idêntico período de tempo, mais que duplicou!

0 Sr. José Junqueiro (PS): - Mas há transparência!

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O Orador: - À transparência já lá iremos, porque essa é a questão de fundo.
Recordo-me que, na altura, o PS respondia mais ou menos nestes termos: «Então, o que é querem?! O PSD esteve lá 10 anos, enxameou a Administração Pública com os seus boys e, agora, nós não podemos continuar com eles e temos de os substituir por alguns nossos, por uma questão de confiança política».
Bom, mas isso admite-se, digamos, nos primeiros seis meses após a entrada em funções do Governo, isto é, que possa haver algumas substituições de confiança política. Só que, passados três anos e meio, não pode continuar a fazer-se o mesmo, porque, aí, já não há substituição, mas, pura e simplesmente, acréscimo.
Depois, vem a questão da transparência. É que, independentemente de o PSD. ter feito isso ou não, ninguém pode esquecer seriamente as críticas que o Partido Socialista fez, na altura, e as promessas que o Sr. Eng.º Guterres fez, em plena campanha eleitoral, de que ia acabar radicalmente com a situação. Ora, o problema é que não acabou nada! Aliás, ainda há pouco tempo, no Congresso do Partido Socialista, a questão dos jobs for the boys voltou a ser um dos temas em debate.
Por conseguinte, há aqui um problema, que não pode ser escamoteado, que é o do pudor, da ética e da transparência que deve ser necessário introduzir na vida governativa.
Vêm, agora, com o argumento de que 10 000 é exagero, porque há este, esse e aqueloutro cargos de nomeação obrigatória. Dou de barato que sejam 5000. E dou de barato também que não façam nomeações nos fins-de-semana e nos feriados e até que sejam cinco ou seis nomeações por dia, mas ao longo de três anos e meio isto não pode ser! Isto é excessivo, é inaceitável!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Quando vagam os cargos de nomeação, não se renovam?!

O Orador: - Terminaria dizendo que tal avalancha de nomeações suscita a questão legítima de saber se uma parte, pelo menos, destas nomeações não são as nomeações do tipo jobs for the boys mas apenas as remunerações para os boys.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, se, depois de dois anos de governação do Partido Socialista, o PCP veio aqui denunciar quase 4000 nomeações e, passados três anos, o Partido Popular vem denunciar 9500 nomeações, V. Ex.ª há-de convir que nós temos toda a razão para estarmos muito preocupados com os próximos seis meses de governação do Partido Socialista. Aliás, com esta progressão geométrica, temos uma preocupação acrescida.
Se V. Ex.ª tivesse dito que o PCP tinha avisado e que o PS tinha emendado a mão, pelo menos, já ficaria mais aliviado. Mas o que V. Ex.ª veio dizer é que de nada adianta a oposição avisar ou pedir esclarecimentos, porque o Partido Socialista responde ainda com mais nomeações, passando de três para cinco ou para 10 por dia, pelo

menos considerando os dias úteis, porque aos sábados e domingos o Diário da República ainda não sai.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Não fale do que não sabe!

O Orador: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, aquilo que o Sr. Deputado disse é ainda mais grave e mais profundo, porque V. Ex.ª referiu a possibilidade de isso serem apenas remunerações para os boys. Sr. Deputado, eu não fui tão longe! Mas se o Sr. Deputado tem conhecimento de casos desses, acho que o Sr. Deputado e o seu partido deviam também juntar a voz a este coro de indignação que trespassa todos os partidos da oposição e que já começa a ter eco na bancada do PS e, nomeadamente, em muitas pessoas ligadas ao PS.
Mas á pedra de toque, aquilo que é fundamental aqui reiterar, é que foi precisamente esta política, que, hoje, o Primeiro-Ministro pratica todos os dias, que deu ao Primeiro-Ministro a maioria relativa e a vitória nas últimas eleições legislativas, o que significa que o Primeiro-Ministro mente, cada vez que nomeia indiscriminadamente um funcionário, e também que, hoje, a cada dia que passa, pode haver mais dois ou três empregados do partido nomeados mas há, seguramente, menos 20, 30 ou 40 portugueses a acreditar neste Governo e neste Primeiro-Ministro.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. José Junqueiro (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Junqueiro (PS): = Para defender a consideração da minha bancada, relativamente à intervenção do Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, penso que, de uma forma absolutamente serena, recolocámos esta questão em discussão. Sr. Deputado, esperava que tivesse tratado com seriedade um assunto que merece da nossa parte - e julgo que deve merecer da parte de todos - esse interesse e essa mesma seriedade, porque se trata da Administração Pública e daquilo que são os bens do Estado.
Com alguma ligeireza, já ouvimos aqui admitir que, enfim, não serão 10 000. Diz o Sr. Deputado Octávio Teixeira que, se calhar, até dá de barato que são cerca de 5000 e, provavelmente, daqui a alguns dias, até dizem que só são 2000... É esta ligeireza com que se faz este debate que nos preocupa, porque o Estado deve ter - e terá sempre, da nossa parte - um tratamento sério.
Por outro lado, exorto, então, a oposição, que faz estas acusações, a que entregue aqui, na Assembleia da República, uma lista, por ordem alfabética, dos nomes dos nomeados.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - Este é um desafio que lhes fica aqui feito! Ninguém pode ser excluído! Publiquem essa lista com os nomes dos nomeados, para que se comprove aquilo que estou a dizer!

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Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Em terceiro lugar, há uma questão essencial, que é a da mobilidade.
Percebo o vosso nervosismo, mas gostaria que os senhores se acalmassem.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que ouçam em silêncio.

O Orador: - Srs. Deputados, queria dizer-lhes, de uma forma clara, que não há, nestas nomeações que foram feitas, qualquer cariz político, pelo contrário. É preciso afirmar que estas nomeações são actos administrativos obrigatórios na Administração Pública; não são novos empregos, como aqui se quis fazer crer, são aquilo que resulta de actos administrativos obrigatórios para todas as pessoas de toda a Administração Pública.
Quero dizer aqui também que, pela primeira vez, há um Governo que, no fim da sua legislatura, tem mais de 1000 quadros dirigentes escolhidos por concurso público, dos 1036 que foram, desde já, sorteados.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sorteados?!

O Orador: - Isso revela outra ignorância!
Esta é uma questão muito séria, pelo que peço ao Sr. Deputado Octávio Teixeira que aponte, aqui, que ilegalidade, que irregularidade foi cometida. Aponte-a, traga-a aqui à Assembleia!
Depois do que lhe disse, onde é que, está a falta de pudor? Onde é que está a falta de ética? E em quem quer a transparência e apresenta tudo ao conhecimento de todos, nomeadamente no Diário da República; ou em quem, usando essa transparência, que devia ter estado sempre presente na actividade e na vida do Estado, vem aqui utilizá-la com fins meramente político-partidários, numa tentativa de descredibilizar um Governo que fez do combate pela transparência e pela isenção uma das suas bandeiras, a qual tem garantido por inteiro?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Junqueiro, vamos analisar com calma essas situações.
Relativamente ao assunto da seriedade, quero dizer-lhe que coloquei as questões com toda a seriedade. Aliás, considero que o problema de fundo é um problema de seriedade, transparência e ética, por isso é que critico, e o meu partido também, que se continue a manter esta situação...

O Sr. José Junqueiro (PS): - Mas não se mantém!

O Orador: - ... de nomeações em catadupa. É isso que não é possível!
O Sr. Deputado José Junqueiro acabou de dizer que vem tudo publicado no Diário da República, o que é uma prova de transparência. Também era o que faltava! Se as nomeações não viessem no Diário da República, então, onde é que estaríamos?! Numa república das bananas!

Risos do PSD.

O problema não é as nomeações virem no Diário da República, é serem feitas! Depois, têm de ser publicadas no Diário da República, senão o Tribunal de Contas não permite que se efectuem os pagamentos!
Por conseguinte, a ligeireza ao tratar estas matérias não é do PCP, antes pelo contrário, tratamo-las com seriedade, a ligeireza está na forma como o Governo continua a fazer estas coisas.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Sr. Deputado José Junqueiro, eu não disse que talvez não fossem 10 000 nomeações, mas, sim, 5000; referi-me à questão, que V. Ex.ª colocou, de algumas dessas nomeações apontadas estarem plenamente justificadas à face da lei. O que eu disse foi: «Vamos admitir que estejam 50% das nomeações nessa situação e que, por conseguinte, ficam só 5000 injustificadas à face da lei.» Essa é que é a questão!
As nomeações que estão justificadas à face da lei não levantam problemas, o problema são aquelas que estão injustificadas! São as nomeações de pessoas próximas, de pessoas conhecidas, de pessoas de confiança política. Esse é que é o grande problema! Não podem fazer o que estão a fazer a este nível! Nomear, para os gabinetes dos membros do Governo, pessoas de confiança política, sim, senhor! Mas é para os gabinetes dos membros do Governo, não é para os serviços!
Em relação aos números, às situações reais, o Sr. Secretário de Estado Fausto Correia, que, certamente, não trata estas questões com ligeireza, trata-as com seriedade, veio confirmar que elas existem.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Ele só disse que os números não serão estes, mas confirma que existem estas situações. O Sr. Secretário de Estado Fausto Correia confirma-o!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Está aqui!

O Orador: - Esta é que é a questão de fundo!
Por último, a questão da lista. Sr. Deputado José Junqueiro, se me fizer muitas vezes o desafio de elaborar a lista, sou capaz de sentir-me suficientemente provocado para a fazer. Mas pedia-lhe que, pelo menos, tivesse em consideração que uma lista com 10 000 nomes...

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Não são 10 000!

O Orador: - ... é muito papel! Os nomes estão todos publicados no Diário da República e vamos gastar mais dinheiro da Assembleia da República se fizermos a lista, tanto mais que é muito grande, mas ainda vamos pensar nessa questão.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para tratamento de assunto de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Almeida Velho.

O Sr. Gonçalo Almeida Velho (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Os. Deputados do Partido Socia-

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lista eleitos pelo círculo eleitoral de Lisboa visitaram, no passado dia 9 de Fevereiro, as instalações do futuro Mercado Abastecedor da Região de Lisboa (MARL) e puderam constatar o estado avançado das obras.
O MARL está a ser construído no lugar de Quintanilho, num terreno com 93 ha, na freguesia de São Julião do Tojal, no concelho de Loures. Devido à sua posição estratégica e às condições e oportunidades que oferece aos operadores, o MARL atrairá mais de um milhar de empresas, entre grandes e médios grossistas, produtores e empresas de serviços.
Em Outubro, quando entrar em funcionamento, será servido por uma rede viária envolvente muito eficiente, permitindo fácil deslocação e acesso a todas as regiões do País, nomeadamente através da A1, auto-estrada do norte; da A8, auto-estrada Lisboa-Torres Vedras; da CREL; da A10, auto-estrada Bucelas-Carregado; da auto-estrada do Sul e Ponte 25 de Abril; da CRIL, Ponte Vasco da Gama e Via de Cintura da Área Metropolitana de Lisboa.
O MARL terá um fortíssimo impacto positivo na produção, comércio e distribuição de produtos agro-alimentares a nível local, regional e nacional. A sua área de influência estende-sé de Sines a Leiria, abrangendo as necessidades de consumo de 3,7 milhões de habitantes, que vivem em 60 concelhos e 588 freguesias desta grande área.
A influência do MARL far-se-á sentir numa superfície considerável do território, atingindo directa e indirectamente 38% do total da população, que detém cerca de 50% do poder de compra do País.
revê-se que, quando estiver em pleno funcionamento, o mercado atinja um volume de negócios na ordem dos 280 milhões-de contos/ano e que sejam transaccionadas 1,4 milhões t/ano de produtos agro-alimentares. Estima-se que entrarão diariamente no recinto do mercado cerca de 14 000 viaturas e de 30 000 pessoas.
O MARL foi criado no âmbito de um programa de desenvolvimento de um conjunto estratégico de modernos centros de transacções grossistas de produtos agro-alimentares.
A concepção e construção do MARL desenvolve-se por fases, no sentido de o ajustar, de uma forma flexível e eficiente, às necessidades actuais e futuras de produtores, operadores e consumidores, adoptando uma filosofia de desregulamentação, nomeadamente no que diz respeito aos horários de funcionamento, ao estar aberto 24 horas por dia, sujeitando os operadores grossistas a um horário público de venda, de modo a permitir o desejável encontro entre a oferta e a procura de bens agro-alimentares.
Como residente em Lisboa, não posso deixar de referir que a construção do MARL irá possibilitar a transferência dos actuais mercados abastecedores existentes na cidade de Lisboa (Mercado Abastecedor Central do Rego, Mercado da 24 de Julho e Mercado do Cais do Sodré), os quais são motivo de alguns problemas no trânsito da cidade de Lisboa.
De facto, a entrada em funcionamento do MARL virá a ter um extraordinário impacto sobre o ordenamento do território no interior da Área Metropolitana de Lisboa. Um grande conjunto de equipamentos comerciais que hoje funcionam dentro da capital será mudado para o novo mercado, o que.contrìbui para aliviar o congestionamento de tráfego actualmente existente.
As transformações que irão ocorrer serão particularmente importantes na região de Lisboa, onde as actuais estruturas têm demonstrado dificuldades crescentes de respos-

ta às modernas necessidades da .vida urbana, da evolução do consumo e da distribuição agro-alimentar.
Para aqueles que, de forma demagógica e trauliteira, acusam a Câmara Municipal de Lisboa e o Governo de megalomania, aqui fica a opinião do Presidente da União Mundial dos Mercados Abastecedores, Miguel Ramirez Gonzalez, que disse: «Não penso que seja demasiado grande. Esta estrutura foi pensada para o século XXI e para apoiar uma enorme cidade como Lisboa, podendo, a partir de agora, dar resposta a todo um conjunto de demandas no sector agro-alimentar, e não só.»
Quanto à comparação que alguns fazem com o Mercado de Madrid, o Sr. Miguel Gonzalez refere que: «O Mercado de Madrid foi aberto há 15 anos e já é manifestamente insuficiente para as necessidades da cidade ».
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Na concepção e
planeamento do MARL apraz-me dizer ainda que as ques
tões ambientais foram estudadas, e acauteladas ao porme
nor por forma a que os impactes ambientais fossem
minimizados. Neste contexto, foi concebida e construída
uma Central de Recolha de Embalagens, que irá dar res
posta a um dos maiores problemas da actual distribuição
de produtos alimentares: a recolha, tratamento e reciclagem
de embalagens usadas.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - As águas pluviais serão drenadas para uma bacia de retenção, sofrendo um tratamento de decantação de modo a melhorar a sua qualidade. As águas resultantes da actividade do mercado serão directamente canalizadas para tratamento adequado na ETAR de Frielas.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: O futuro mercado abastecedor abrirá novas perspectivas e proporcionará, aos operadores e aos produtores, grandes vantagens competitivas.
Para ir ao encontro destes grandes objectivos, o Governo do PS e da nova maioria empenhou-se na realização deste grande projecto, concretizando uma medida que, no contexto das políticas industriais e comerciais, expressamente consagrou no seu Programa de Governo, ao referir: «Apoiar as organizações de produtores e outras formas associativas, tendo em atenção os diferentes aspectos em que a sua acção se pode fazer sentir, incluindo a distribuição e o reforço de perspectivas no que refere ao escoamento de produtos».
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Com a entrada em funcionamento do MARL todos ganharão: os consumidores, que vão beneficiar de uma ampla oferta de produtos devidamente seleccionados e com todas as garantias sanitárias; os grossistas, que terão todas as condições de operacionalidade; os produtores, que encontrarão aí um espaço ideal para a sua produção e, por fim, os comerciantes, que saberão onde dirigir-se, estando seguros de que não vão existir monopólios, ao contrário do que actualmente sucede.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo-os de que estão a acompanhar os nossos trabalhos um grupo de 29 alunos da Escola do 2.º e 3.ºº Ciclos do Ensino Básico Dr. Manuel Ribeiro Ferreira, de Alvaiázere; um grupo de 40

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alunos da Escola Secundária António Nobre, do Porto; um grupo de 35 alunos da Escola Cunha Rivara, de Arraiolos; um grupo de 47 alunos da Escola E.B. 2/3 de Frazão; um grupo de 57 alunos do Colégio da Imaculada Conceição, de Cernache; um grupo de 60 alunos da Escola Pedro Teixeira, de Cantanhede; e um grupo de 4 alunos e 6 professores da Escola Básica do 2.º e 3.º. Ciclos D. Pedro II, da Moita. Às 17 horas e 30 minutos receberemos ainda a visita de um grupo de 45 alunos da Escola Secundária Tomás Cabreira, de Faro, e de um grupo de 35 alunos da Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro, de Caldas da Rainha. Saudemos todos os jovens estudantes presentes!

Aplausos gerais, de pé.

Também para tratar de assunto de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandrino Saldanha.

O Sr. Alexandrino Saldanha (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A publicação do relatório do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social com as dívidas a este sistema, no final do 3º trimestre de 1998, levanta grandes perplexidades e preocupações sobre a capacidade e vontade políticas do Governo de regularizar as situações de incumprimento passadas e de evitar outras, no futuro.
Os números adiantados são um claro libelo acusatório à proclamada política de recuperação das dívidas à segurança social: num período de nove meses (de final de Dezembro de 1997 a final de Setembro de 1998) cresceram de 365 para 398 milhões de contos, ou seja, mais 33 milhões de contos, mais 9% (um aumento de 1.% ao mês, exactamente). .
É verdade que o Governo anunciou, entretanto, «a correm, a instauração de 43 processos a outras tantas empresas suspeitas de defraudarem a segurança social pela prática de crimes de fraude e evasão contributiva e que anunciou, também, um previsível saldo positivo do sistema superior a 98 milhões de contos, no exercício do ano passado, mas o aumento das dívidas é indesmentível.
Antes, o Governo anunciara já que iria baixar, de novo, a apelidada taxa social única às empresas que permitam o acesso dos seus trabalhadores à formação profissional, sem referir qualquer compensação a transferir do Orçamento do Estado para a segurança social. E tudo isto enquanto continua a entregar, nesta Assembleia, novas propostas de alteração à legislação laboral, que, a vingarem, contribuiriam para a descapitalização deste sistema e para a delapidação dos seus fundos!
Estas medidas governamentais têm tanta maior gravidade quando se está a proceder à audição de diversas instituições e personalidades, no âmbito da Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social desta Assembleia, num processo de elaboração de uma nova Lei de Bases da Segurança Social. E este processo não deve, e não pode, ser condicionado por medidas avulsas de duvidosa legitimidade política!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As receitas da segurança social estão consignadas ao pagamento, presente e futuro, dos benefícios atribuídos por este sistema, e não podem ser manipuladas ao sabor dos interesses casuísticos de qualquer Governo. As receitas que provêm dos regimes contributivos são mesmo uma contrapartida da prestação do trabalho: contrapartida directa, através dos descontos nas remunerações, e contrapartida indirecta, constituída pela parte que as çntidades patronais entregam

sem passar pelas remunerações, mas que as constrangem e condicionam na sua evolução para níveis superiores.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - O Governo, ao contrário de propor alterações à legislação laboral atentatórias dos direitos dos trabalhadores e de criar mais taxas sociais únicas bonificadas, deveria, sim, concentrar as suas energias na concretização das recomendações da Auditoria aos Sistemas de Controlo e de Cobranças das Contribuições da Segurança Social, do Tribunal de Contas, terminada em fins de Outubro passado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Poderia, assim, dar um contributo positivo, para a sustentabilidade financeira da segurança social e para a criação de condições que perspectivassem o necorsário aumento do nível global da protecção social na sociedade portuguesa, que tão necessária é.
O diagnóstico feito naquele documento, após três anos de governação do PS, é arrasador! Constata-se aí que «(...) a situação não se tem alterado substancialmente (...)», o que se deve, em resumo, a nove factores essenciais. Cito textualmente alguns desses factores: «Os recursos humanos afectos ao sistema revelam-se, salvo honrosas mas pontuais excepções, insuficientes em quantidade e qualidade (embora seja de notar uma grande vontade e sentido de responsabilidade)»; «A informatização dos serviços não se baseou numa abordagem integral de todo o sistema de informação, constituindo, hoje em dia, uma manta de retalhos quase obsoleta para as necessidades»; « As contas correntes apresentam diversas deficiências e a sua análise não é feita sistematicamente»; «Ausência de instrumentos legais dissuasores de uni comportamento faltoso que permitam uma actuação rápida e eficaz dos serviços»; «Incapacidade de acompanhamento e controlo permanentes, de modo a dar a desejável eficácia aos acordos celebrados para a regularização de dívidas à segurança social».
Sobre a questão das dívidas diz-se, ainda, noutro local: «Os contribuintes devedores eram, em 1997, 152 457, dos quais apenas 14 617 celebraram acordo ao abrigo da legislação respectiva para regularização das suas dívidas, estando apenas a cumprir o acordado 9 337 contribuintes». Diz-se mais: «Apesar de, através do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, ter sido introduzido, no sistema, um mecanismo de prevenção de dívidas à segurança social (na medida em que se instaura a obrigatoriedade de os fornecedores de bens e serviços a entidades da administração pública fazerem prova da situação contributiva regularizada, determinando, caso não o façam, a retenção de 25% do valor dos pagamentos a efectuar ou dos subsídios a conceder), constata-se que, por um lado; os serviços de segurança social não demonstram capacidade de resposta credível às crescentes solicitações para a emissão das respectivas declarações e, por outro, as verbas cobradas ao abrigo desta disposição legal revelam-se imateriais face ao volume global da dívida: cerca de 2,5 milhões de contos, em 1996, e (... )» - imagine-se - «(... ) 820000 contos em 1997». As citações são longas, mas esclarecedoras.
Perante isto, a dedução de acusação contra 43 empresas por defraudarem a segurança social em 1,4 milhões de contos, embora seja uma acção positiva, não passa de «uma gota de água no oceano».

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Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O previsível saldo anual de cerca de 100 milhões de contos vem provar que, apesar dos atropelos e da descapitalização sofrida, a segurança social tem potencialidades que permitem equacionar a melhoria global da protecção social. E isto embora nada tenha sido feito - nem sequer o estabelecimento de um plano faseado no tempo - para a liquidação da elevadíssima dívida do Estado à segurança social pelo não cumprimento das suas obrigações financeiras, ao longo de vários anos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para que o processo de revisão da Lei de Bases da Segurança Social decorra com normalidade, o Governo deve abster-se de efectuar mexidas na taxa social única e noutras matérias que estejam a ser equacionadas nesta revisão.
Para preservar a sustentabilidade financeira do sistema, criar condições para a elevação do nível de protecção social e valorizar o papel, dos trabalhadores, o Governo deve recuar na tentativa de impor alterações legislativaºs que lhes retiram direitos - como é o caso das férias, do conceito de retribuição ou do trabalho a tempo parcial há muito considerados como valores universais e que o Governo do PS quer pôr em causa.
Também no âmbito da segurança social se torna necessária uma política de esquerda, humanista, que parta da consideração do trabalho como uma fonte de realização pessoal e garanta a todos os cidadãos, reformados ou não, condições de vida dignas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 40 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciara discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 414/VII - Alarga os direitos das pessoas cuja família se constitui em união de facto (Os Verdes) e 527/VII Regime Jurídico da União de Facto (PS).
Para introduzir o debate quanto ao projecto de lei anunciado em primeiro lugar; tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A realidade não pode ser escamoteada. A união de facto, enquanto plena comunhão de vida de duas pessoas adultas durante um período estável, é uma realidade. Uma realidade em toda a Europa. Uma realidade, também no nosso país, que, hoje, abrange já cerca de 200 000 portugueses. Uma realidade sociológica que reclama, no entendimento de Os Verdes, justamente, correspondência jurídica.
Ao tomarmos a decisão de apresentar o projecto de lei que retoma iniciativa de anterior sessão legislativa, projecto esse que visa alargar os direitos das pessoas que vivem em união de facto, fazêmo-lo assumindo a responsabilidade de tentar dar resposta às transformações operadas na sociedade.
Fazêmo-lo convictos da necessidade de garantir os direitos dos cidadãos e a protecção das famílias de que, de

modo diferente, são parte. Fazêmo-lo conscientes da urgência em fazer o direito corresponder à vida real.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A família tem um papel fundamental como elemento estruturante da organização da sociedade, como elo de solidariedade entre gerações e como esgaço privilegiado de livre expressão dos afectos.
Importa que a protecção que ao Estado cabe assegurar corresponda à importância desse papel. Um dever de protecção que, para Os Verdes, é forçoso adequar à sociedade, compatibilizar com o seu próprio processo evolutivo e com o modo como as diferentes famílias, hoje, nela se estruturam.
Famílias que não são uma realidade em extinção mas, antes, uma realidade erim transformação, uma realidade complexa e dificilmente definível na pluralidade de modelos e formas em que, actualmente, se exprime.
Modelos e formas diferenciados na sua diversidade, que resultam de modos distintos de conceber a vida em comum, de exprimir o amor e a sexualidade.
Diferenças e mudanças de organização familiar numa sociedade em mutação profunda, crescentemente confrontada com a necessidade de assegurar os processos de construção da identidade social e pessoal dos cidadãos. E, ainda, com a necessidade de permitir a afirmação da liberdade e da autonomia dos indivíduos.
Um conceito de família em sentido amplo que engloba realidades diversas. Assim, abrange famílias constituídas na base do casamento religioso ou civil. Com ou sem filhos. Famílias monoparentais. Famílias de homossexuais. Crescente número de mulheres e homens, sozinhos. E, de entre todos estes modelos de famílias, as famílias constituídas em união de facto, aquelas, precisamente, para as quais este projecto foi pensado.
Com efeito, pese embora a referência na Constituição da República Portuguesa (no seu artigo 36.º) ao direito de constituir família e ao direito de contrair casamento, como direitos autónomos, e a não limitação do conceito de família à união conjugal baseada no casamento, isto é, à família «matrimonializada», admitindo claramente a união de facto como uma das modalidades que a estrutura familiar, pode assumir, há que reconhecer que bem contraditória, dispersa e insuficiente se tem revelado, no quotidiano, a protecção legal às famílias assim constituídas.
Uma desprotecção tanto mais preocupante quanto é visível a expressão do aumento do número de pessoas cuja família assim se organiza e que o censo de 1991, pela primeira vez, permitiu identificar.
Um diagnóstico que veio provar estarmos perante um dado sociológico relevante, profundamente enraizado na sociedade portuguesa.
Uma realidade com particular incidência nos grupos etários mais jovens (31% destas uniões são de pessoas com menos de 30 anos), o que faz admitir uma atitude menos convencional destes em relação ao casamento.
Uma realidade com especial incidência geográfica no sul do país, nomeadamente na Grande Lisboa, e com maior expressão no Algarve onde, curiosamente, se regista, igualmente, a maior percentagem de crianças nascidas fora do casamento.
Filhos nascidos fora do casamento que, é bom não ignorar, em Portugal, em 1991, eram 9,5% do total dos nados vivos e que, hoje (segundo dados de 1995), representam mais de 18,7% do total.
Uma realidade, por último, que o número de famílias de imigrantes residentes no nosso país tende, na prática

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social e cultural, a fazer ampliar com todas as implicações daí decorrentes. Ao nível da igualdade de acesso a direitos indispensáveis à sua integração harmoniosa na sociedade bem como à ponderação de garantias no reagrupamento familiar de imigrantes e de estrangeiros e para efeitos de concessão de asilo.
Uma realidade que reclama protecção e que se tem vindo a reflectir, aliás, nas recomendações de múltiplas instâncias internacionais, nomeadamente do Conselho da Europa. Ao equacionar «os problemas dos casais não casados» e recomendar a adopção de medidas concretas de igualdade de apoio para as famílias assim constituídas. A propósito da aplicação do artigo 8.º da Convenção dos Direitos do Homem, ao acolher o entendimento de que não há qualquer diferença entre família legítima e família natural no que respeita à não discriminação dos seus membros. No próprio Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, na aplicação das normas convencionais e ao não estabelecer qualquer diferença entre família de direito e família de facto.
Razões, pois, a que se soma a realidade no nosso próprio país, que levam «Os Verdes» a intervir através do presente projecto de diploma e a propor o alargamento da protecção dos cidadãos que assim vivam.
Cidadãos esses que não só são dignos de alguma protecção (como alguns afloramentos dispersos na lei ordinária parecem já indiciar), mas que devem ser detentores, em igualdade e pleno direito, dessa protecção e desse apoio em matérias de transmissão de arrendamento, de regime de faltas, de segurança social, de regime fiscal, entre outros.
Ninguém pode ser limitado, reduzido ou penalizado nos seus direitos em função do modo pelo qual optou por organizar a sua vida. Ninguém pode ser discriminado pelo modelo de família que, livremente, escolheu viver.
É' neste quadro de referência que o nosso projecto de lei se situa. Em defesa dos direitos dos cidadãos, da liberdade de opção, de políticas e de uma estratégia de apoio às famílias, aí incluída, naturalmente, a união de facto como expressão de um modelo que não pode permanecer ignorado.
Com ele Os Verdes visam pôr fim a insustentáveis desigualdades de tratamento entre cidadãos e a injustiças sociais e, deste modo, introduzir procedimentos e uníformização de regimes que não dêem espaço a interpretações subjectivas e contraditórias de que resultem discriminações entre cidadãos e entre famílias diferentemente organizadas.
Assim, apresentamos algumas propostas.
Reforço da protecção e garantia de acesso no sistema de segurança social. Atende-se, deste modo, à transformação da estrutura familiar e permite-se adequado apoio e protecção em caso de morte de uma das pessoas em união de facto.
Reforço no acesso à totalidade do direito em termos de prestações da segurança social, nos casos, por exemplo, das prestações a receber por morte ou de pensão de sobrevivência.
Melhoria no processo de transmissão do arrendamento à pessoa com quem se viva em plena comunhão, reduzindo de cinco para dois anos o período de vida em comum necessário para efeitos de equiparação às condições de transferência, por morte, desse direito.
Na alteração ao regime de faltas aplicável, não só para prestação de assistência ao agregado familiar em caso de doença mas para efeitos do regime de justificação de faltas por falecimento. Este período é, hoje, de cinco dias para os cônjuges e de dois para as pessoas vivendo em união de facto. Importa igualar este período e, na lei laboral, alargar a sua aplicação, hoje restrita à função pública.
Nas prestações decorrentes de acidentes de trabalho, permitindo norma legal que afaste definitivamente dúvidas de interpretação e garanta a igualdade no direito.
Na garantia que as pessoas que vivem em união de facto sejam tributadas nos impostos como um único agregado e único sujeito fiscal que são, incidindo todas as eventuais reduções e vantagens daí decorrentes sobre o rendimento único da família que é e que, economicamente, deve ser!
Por último, sobre o regime de bens, visando equacionar a questão da comunicabilidade ou não dos bens das pessoas em união de facto, nos termos, aliás, que já tinham sido formulados aquando da discussão em Plenário, em 25 de Junho de 1997.
Regime pensado para permitir às pessoas em união de facto optarem, caso assim o entendam, por um de entre todos os regimes em vigor. Ou, pura e simplesmente, não escolherem, nenhum de acordo com o direito que lhes assiste, em plena liberdade.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O projecto de lei do Partido Ecologista Os Verdes procura estabelecer, genericamente, grandes linhas de referência para as famílias em união de facto.
Uma questão deixámos em aberto. Prende-se ela com a não extensão do projecto de lei agora apresentado do regime das uniões de facto aos casais homossexuais.
Fazêmo-lo, não por renunciar a promessas, que nunca as fizemos. Fazêmo-lo, tão-só, pela avaliação que fazemos da sua mais do que certa rejeição parlamentar e pelas consequências extremamente negativas que, eventualmente, daí poderiam advir, retardando ainda mais o processo de transformação social e cultural que, na sociedade portuguesa, importa provocar, pondo fim à discriminação dos homossexuais e reconhecendo os seus direitos, nomeadamente o da protecção em relação às famílias pelas quais optem viver.
Assim, vemo-nos obrigados a esperar vivamente que aqueles que, neste Parlamento, mantêm tabus, interditos e, ambíguídades, entretanto, saibam, queiram ou possam libertar-se deles.
Evidentemente que se algum sinal de abertura obtivermos nesse sentido, durante este debate - e o desafio fica feito desde já! -, de imediato ou na especialidade, proporemos, como sempre o fizemos, o alargamento do regime de protecção da união de facto aos casais homossexuais, o que, aliás, o nosso projecto, na sua formulação, não impede.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Ah!

A Oradora: - Propostas que iriam pôr fim a situações injustas. Propostas que não são de hoje, nem de ontem, são de há muito. São propostas que, sem êxito, temos vindo a apresentar e que aqui recordo...

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sem êxito! Diz muito bem!

A Oradora: - Foram Os Verdes o primeiro partido a apresentar uma iniciativa legislativa de reconhecimento da protecção das uniões de facto de modo semelhante ao ca-

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samento e sem qualquer discriminação entre casais homossexuais. Essa proposta data de Novembro de 1987 e foi rejeitada no âmbito do processo de revisão constitucional, em 1989.
Foi, também, da nossa iniciativa, no processo de revisão constitucional de 1994, a consagração, no artigo 13.º, do direito à «não discriminação em função da orientação sexual».
Foi, ainda, iniciativa nossa a proposta de aditamento ao artigo 36 º do direito de cada cidadão a constituir família e a contrair casamento «de acordo com a sua livre opção».
Estas propostas visavam garantir a igualdade, a liberdade de opção, a não discriminação entre cidadãos. Mas estas propostas, infelizmente, não obtiveram o acolhimento desejável por parte da maioria da Câmara, designadamente por oposição do PSD e do Partido Socialista que era suposto, a acreditar nas suas palavras, ter sido, nesta matéria, nosso aliado.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O projecto de lei de definição de um estatuto para a união de facto, que apresentamos, não constitui um espartilho normativo de liberdade, não colide com a autonomia individual, respeita as opções de vida de cada um.
O nosso projecto não pretende, tão-pouco, consagrar uma malha jurídica estreita que as famílias em união de facto tendam a evitar.
A quem vive em união de facto não se pretende atribuir, pelo regime, o estatuto de casamento de segunda categoria.
Aquilo que, para a união de facto, propomos é a tentativa de encontrar no, direito, como na vida, o estatuto de maior liberdade e de maior simplicidade.
Com esta solução não se interfere com a liberdade daqueles que optam por constituir a sua família na base do casamento.
Não é por se regular as uniões de facto que as famílias que, hoje, se constituem com base no casamento civil ou religioso deixarão de o fazer.
O estatuto que preconizamos não se impõe a ninguém, respeita a livre escolha dos que queiram permanecer totalmente à margem de qualquer protecção especial ou tutela jurídica.
Os nossos destinatários são outros, são as pessoas que, tendo optado por viver em união de facto e queiram recorrer e beneficiar de um estatuto de protecção jurídica, o tenham.
Importa, pois, recusando hipocrisias, não ignorar a realidade.
Importa que o direito acompanhe a vida.
Importa, em nome dos mais preciosos direitos humanos, o direito à liberdade e o direito à igualdade, agir para que ninguém possa continuar desprotegido .ou discriminado nos seus direitos em função do modo como optou por organizar a sua vida.
Importa agir para que ninguém possa continuar desprotegido ou discriminado-pelo modelo de família que escolheu para viver.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Cidadãos que estão nas galerias, de costas voltadas para o Plenário, são convidados a sair pois não podem aí permanecer dessa forma.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Mafalda Troncho, para formular um pedido de esclarecírftento.

A Sr.ª Mafalda Troncho (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, em primeiro lugar, quero louvar Os Verdes pela manifesta evolução em relação ao anterior projecto de lei que apresentaram, o qual mais não fazia do que transformar as uniões de facto num casamento de segunda, sem respeito pela liberdade dos que optam por viver juntos sem se casarem.
Pelo menos, as nossas críticas, formuladas há um ano, foram ouvidas, não «caíram em saco roto» - e ainda bem!
No entanto, Sr.ª Deputada, ainda continua a existir alguma falta de ponderação no vosso projecto, nomeadamente no artigo 4.º, relativo ao regime de bens.
Depois de termos o vosso projecto de lei e de a termos ouvido atentamente, fazemos-lhe algumas perguntas.
Tem a Sr.ª Deputada consciência do que é um regime de bens de um casamento?
Tem a Sr.ª Deputada consciência de que o que separa um regime de bens de um casamento de um qualquer contrato celebrado entre o casal são os seus efeitos externos?
Tem a Sr.ª Deputada consciência de que, ao nada prever sobre a protecção de terceiros, nomeadamente na administração de bens e de dívidas, está a lançar a maior barafunda no direito contratual português?
Por outro lado, o vosso projecto peca por uma omissão em algo que, para nós, é fundamental: a adopção. Diga-me porquê, Sr.ª Deputada. Parece-me que onde a Sr.ª Deputada quer ir mais além, fica aquém. Talvez lhe falte um «golpe de asa», que é o de permitir que as uniões de facto possam constituir-se como família.
Finalmente, Sr.ª Deputada, se está tão preocupada com as uniões de facto entre casais homossexuais, por que é que, no ano passado e este ano, não teve a coragem de apresentar um projecto de lei? Até onde vai a força dos seus princípios?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Mafalda Troncho, no que diz respeito à primeira questão que colocou quanto a este nosso projecto de lei representar uma evolução relativamente ao anterior, devo dizer-lhe que, certamente, o lapso é seu. A Sr.ª Deputada não sabe que, em 25 de Junho, quando discutimos aquele nosso projecto de lei, em Plenário, a única alteração que já tinha sido apresentada era a relativa ao regime de bens. Portanto, estamos a discutir o mesmíssimo projecto:
Em segundo lugar, disse que nos ouviu atentamente. Ora, creio que quem não ouviu terá sido o Partido Socialista que não leu o projecto de lei que esteve em discussão no Plenário.
A questão da adopção é, efectivamente, uma falha no nosso projecto de lei. Não temos qualquer problema em assumi-lo porque não vimos para os debates com a arrogância de quem se julga detentor da verdade absoluta. Aliás, isso parece-me ser mais apanágio da Juventude Socialista no seu modo tradicional de fazer política, mas não é o nosso.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Que falta de nível! Nem parece seu!

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A Oradora: - Em terceiro lugar, no que diz respeito ao regime de bens, devo dizer que damos toda a liberdade na forma como entendemos este regime. Damos todo o leque de opções a quem queira beneficiar de um regime de bens ou, ainda, a primeira opção que é a de ninguém beneficiar de nenhum regime. Julgo que não existe maior liberdade do que esta. É que se alguém quiser beneficiar de um regime de bens, terá de exprimi-lo. A não expressão de uma vontade tem como sinónimo que as pessoas que vivem em união de facto não querem estar sob a tutela de qualquer regime de bens.

O Sr. Presidente: - Para introduzir o debate do projecto de lei n.º 527/VII, de que é primeiro subscritor, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.ªs e Srs. Deputados: Ao consumar hoje, finalmente, a apresentação na Assembleia da República do seu projecto de lei das uniões de facto, o Partido Socialista e a Juventude Socialista reintroduzem na vida política nacional as chamadas questões de sociedade ou questões civilizacionais.
Erradamente, há quem entenda que as ditas questões de sociedade são laterais à política, integrando um universo à parte, dominado pela consciência individual, ora porque não exprimissem preocupações reais sentidas pelos cidadãos, ora porque fugissem aos conteúdos tradicionais dos discursos partidários, ideologicamente arrumados à esquerda e à direita.
Mas não é assim.
O debate em torno das questões de sociedade é, hoje, um dos principais refúgios da discussão intrinsecamente política nas sociedades modernas.

O Sr. António Reis (PS): - Muito bem!

O Orador: - Justamente porque as principais condicionantes da diluição e do empobrecimento das alternativas pouco ou nada se fazem sentir neste domínio. Perante problemas novos, os partidos são convocados a buscar respostas que correspondam à maior afirmação dos seus valores.
Falamos, portanto, de ideologia. Falamos, pois, de pura política.
Não é possível a um partido político que resista à colonização pelas sondagens tomar posição face à realidade social das uniões de facto sem equacionar, coerentemente, o modo como entende a família, a sociedade, o direito à diferença, ou a justiça fiscal e o próprio Estado providência.
Política é confronto, clarificação, moderação e compromisso.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - No plano dos costumes assistimos a uma tensão permanente entre razão e tradição, voluntarismo e reacção, tolerância e preconceito, optimismo sobre o homem e pessimismo sobre a sua natureza.
Que estamos, hoje, aqui, no cerne da política e não numa qualquer zona adjacente, demonstram-no os fortes debates que, desde há dois anos, quando anunciámos a nossa iniciativa, vêm animando a vida política espanhola e francesa, em tomo das uniões de facto.

Pela nossa parte, cedo assumimos o dever de reconhecer juridicamente uma realidade que ganhou significativa expressão social nos últimos anos, fiéis, aliás, ao espírito da Constituição.
A nossa Lei Fundamental, não obstante as suas disposições sobre a família, tem, até aqui, pairado, ignorada, sobre este vazio legal.
A união de facto, forma de convivência duradoura e estável, é uma realidade social quotidiana, não pode permanecer à margem do direito positivado que, como instrumento conformador da sociedade, deve proceder à sua adequada regulação jurídica.
Mas importa, desde já, afastar uma série de equívocos.
Em primeiro lugar, há que esclarecer que este diploma não pretende, nem vem operar, uma equiparação das uniões de facto ao casamento. Porque quem deseja beneficiar do conjunto de efeitos jurídicos associados ao casamento, casa-se.
Quem vive em união de facto exerce o direito de não se casar e a protecção concedida às uniões de facto não pode significar a sua transformação, hiper-regulamentadora, em casamentos de segunda.

O Sr. António Reis (PS): - Muito bem!

O Orador: - Do que falamos, nas uniões de facto, é não de equiparação mas de uma aproximação de direitos relativamente ao casamento que assegure uma protecção jurídica mínima compatível com a particular natureza desta forma de vida em comum.
Trata-se, por um lado, de isentar as uniões de facto do formalismo, do registo, dos problemas levantados pela dissolução, dos efeitos patrimoniais e sucessórios associados ao contrato de casamento. Trata-se de afastar as consequências por regra indesejadas pelas partes em união de facto ou, se desejadas, redundantes relativamente ao casamento.
Trata-se, por outro lado, na linha da Constituição, de conceder protecção à família, independentemente de esta se apresentar, ou não, formalizada pelo casamento.
Poderia colocar-se a questão de saber se o Estado deve ser neutro relativamente à opção entre a união de facto e o casamento ou se deve favorecer activamente o segundo.
Ao distinguir, o direito a constituir família do direito a contrair casamento, a Constituição é clara, banindo qualquer discriminação em função das formas familiares.
Ao Estado compete a protecção activa da família - casada ou não -, nos termos adequados a um caso e a outro.

Não seria aceitável que o Estado protegesse activamente
o casamento à custa da discriminação

negativa das famílías constituídas à sua margem.

A Constituição exige, portanto, a neutralidade contra concepções, hoje inaceitáveis, fundadas na distinção entre formas familiares normais e formas familiares marginais, estas últimas meramente toleradas.
Diga-se, de passagem, que semelhante entendimento conduziria a que a retrógrada e preconceituosa reprovação moral e social dos filhos fora do casamento, que manteve lamentável expressão legal até ao 25 de Abril, se fundaria, afinal, numa sabedoria intuitiva e profunda orientada para a defesa da sociedade.
Sr.ªs e Srs. Deputados: A extensão de direitos agora proposta para as uniões de facto, com os objectivos e os limites expostos, abrange um conjunto de domínios que se entendeu regular unitariamente.

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Desde logo, a, extensão aos casais em união de facto do regime jurídico das férias, feriados e faltas aplicável aos cônjuges por efeito do contrato de trabalho; a aplicação do regime do imposto sobre os rendimentos singulares nas mesmas condições dos contribuintes casados; o direito de adopção em condições análogas às dos cônjuges, conjuntamente, ou dos filhos um do outro, no prazo mínimo estabelecido na lei da adopção; a pensão de alimentos, por morte, nos termos do regime geral da segurança social e da lei; a protecção do membro do casal sobrevivo, na transmissão da casa de morada de família, ou do seu arrendamento; a transmissão do arrendamento, em caso de separação, em condições análogas às dos cônjuges.

O Sr. António Reis (PS): - Muito bem!

O Orador: - Um ponto importa sublinhar: a generalidade dos efeitos previstos não opera automaticamente por força da lei, independentemente da vontade dos beneficiários, dependendo por vezes mesmo de sentença judicial.
Naturalmente, temos a expectativa de que todos os grupos parlamentares, e em particular aqueles que têm ou tiveram, recentemente, iniciativas legislativas neste domínio, venham a colaborar no aperfeiçoamento do regime jurídico proposto neste diploma, em sede de discussão na especialidade.
Este projecto de lei, ora apresentado, constitui um passo importante no plano civilizacional, mas, importa dizê-lo, um passo ainda incompleto.

O Sr. António Reis (PS): - Muito bem!

O Orador: - Excluem-se, ainda, formas de comunhão de vida em economia comum, não se prevendo, também, a possibilidade de casais homossexuais beneficiarem desta regulação.
É desejável e é imperativo o preenchimento a curto prazo deste vazio normativo, sobretudo para quem não dispõe da alternativa jurídica do casamento.
Como lembrou Michael Walzer: «A tolerância torna possível a diferença; a diferença torna necessária a tolerância.».
Hoje damos um passo seguro no sentido da afirmação crescente da sociedade liberal e tolerante em que queremos viver, no respeito pelo pluralismo, no respeito por pessoas com diferentes histórias, culturas é identidades, no respeito pela diversidade de modos de vida, no respeito pelo outro, e, afinal, por nós próprios.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - A opção pela comunhão de vida em união de facto pode ser uma opção de vida, transitória ou definitiva, mas não é nunca uma opção pela clandestinidade, social ou legal.
Com a aprovação desta lei, e sem constrangimentos para ninguém, preencheremos um vazio; um vazio de regras, um vazio de lei; o tal vazio de que sempre se alimentaram, na história, o abuso, a injustiça e a desigualdade.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Um vazio? Isto é demais. É preciso ter descaramento!

Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, inscreveram-se os Srs. Deputados Maria José Nogueira Pinto, Odete Santos e Pedro Passos Coelho.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, estava a ouvi-lo e estava a pensar que V. Ex.ª teve de tornar novo o velho para explicar, pelo menos aqui a nós Deputados, porque é que o novo se tinha ido embora. Porque, efectivamente, o anteprojecto de 1998 era inovador, até com um grau de inovação que nos pareceu altamente criticável, o que até, na altura, criticámos.
Mas, este projecto que V. Ex.ª traz não é inovador, é inócuo, é um simples alargamento de realidades que já existem, e tenho pena que V. Ex.ª, da tribuna, tenha dado a ideia às pessoas, talvez menos informadas, de que estava a inventar a roda.

O Sr. José Magalhães (PS): - Então vote a favor!

A Oradora: - Há já, no nosso Código Civil, e noutras sedes, protecção jurídica a situações decorrentes de situações de facto, nomeadamente em relação a arrendamento, a alimentos, a poder paternal, a segurança social. Portanto, aquilo que o vosso diploma propõe é tão-só um alargamento a novas situações, e por isso eu o considero inócuo e que, pessoalmente, o considero inofensivo. Porém, parece-me mal que, pelo facto de ter sido, eventualmente, obrigado a recuar, V. Ex.ª dê esta ideia de que o velho é novo.
Para além de muitas bizarrias técnico-jurídicas que a minha colega, Deputada Helena Santo, em momento oportuno enunciará, gostava de lhe fazer a seguinte pergunta: V. Ex.ª falou como alguém que tem apenas o poder de declarar e não o poder de legislar. Porque é que V.Ex.ª não apresenta aqui um projecto igual ao seu discurso? Um projecto que contemple todas as situações que V. Ex.ª considera que é justo contemplar? Essa é uma possibilidade que lhe foi dada quando foi eleito, faz parte do seu mandato, e, num certo sentido, é um privilégio.
Portanto, acho que V. Ex.ª teria de dizer ao País, e concretamente àqueles que vêem na eventual aprovação de um projecto deste tipo algo que lhes diz respeito e que pode modificar as suas vidas - penso que não serão assim muitos, nem será uma modificação muito substantiva -, o seguinte: «Eu não faço, porque não quero» ou «Eu não faço porque não posso». Mas, como Deputado poderia, de facto, fazer uma proposta muito mais ousada e muito mais completa.
Portanto, o que lhe pergunto é o seguinte: as uniões de facto, agora, vão por fases? Então quando é que. é a segunda? Ou realmente, até por razões de momento pré-eleitoral, V.Ex.ª foi contido e sustido para ficar apenas nesta primeira, e muito modesta, fase?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, agradeço-lhe a questão que me colocou.

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4 DE MARÇO DE 1999 2001

A Sr.ª Deputada considera que o diploma agora apresentado pelo Partido Socialista e pela Juventude Socialista é um diploma inócuo. Sou forçado a concluir que a Sr.ª Deputada cotejou minuciosamente a legislação, em vigor com a legislação agora proposta e que verificou a insignificância, na sua perspectiva, da transformação. Mas, mais interessante do que isso, verifiquei que a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto - e esta é uma ocasião rara na vida política que eu faço questão de desfrutar - está no essencial de acordo comigo e, portanto, dada a insignificância, a banalidade e a consensualidade das propostas feitas, o CDS-PP e a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto juntarão o vosso voto ao nosso voto e aprovaremos todos esta lei.

O Sr. José Magalhães (PS): - Excelente!

O Orador: - Só não posso concordar com a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto quando diz que considera que este é um diploma inócuo e de somenos. Pergunto à Sr.ª Deputada se considera que é irrelevante a possibilidade de os casais em união de facto poderem beneficiar do regime jurídico das férias, feriados e faltas, marcarem férias em conjunto e faltarem ao trabalho para ajudarem o outro membro do casal doente. Acha que isto é irrelevante, Sr.ª Deputada?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Já é assim!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso já têm!

O Orador: - A Sr.ª Deputada Odete Santos é uma atenta observadora da legislação em vigor, é certo que sim! Mas, como sabe, não estamos na União Soviética, nem todos são funcionários públicos, havendo utilidade e vantagem em fazer esta extensão.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Então e a proposta de lei do Governo das férias que está em discussão pública?

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, não lhe dei a palavra. Desculpe mas isso não é um aparte, é um diálogo e não posso consentir em diálogo directo. Creia, Sr.ª Deputada, que quando intervier terei a mesma preocupação em que seja ouvida em silêncio.

O Orador: - Sr. Presidente, será que é inócuo a aplicação do regime de IRS aos membros do casal em união de facto em termos idênticos ao que é aplicado aos cônjuges, sabendo nós que os membros do casal em união de facto hoje não podem ser tributados conjuntamente? Mais, Sr.ª Deputada: e o tecto para as despesas que são descontadas com a educação, com a saúde, que é muito mais alto dentro do casamento do que fora do casamento? Acha que isto é inócuo? Isto é da maior importância, Sr.ª Deputada!

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Acha que o reconhecimento da possibilidade de adopção é inócuo? Acha que o reconhecimento de um direito real de habitação de cinco anos, quando por morte de um dos membros em união de facto, para evitar que o outro membro fique numa total situação de desprotecção, na rua, é inócuo, Sr.ª Deputada?
Mas não vou estar aqui a elencar, porque seria exaustivo, o conjunto de disposições que são agora apresentadas pelo Partido Socialista e pela Juventude Socialista.

Para terminar, julgo que a Sr.ª Deputada está numa situação de grande ansiedade legislativa em relação às propostas anunciadas pela Juventude Socialista que ainda não foram materializadas neste diploma e sou forçado a concluir que, também nesses pontos, sobre os quais temos convicções firmes, teremos a solidariedade e o apoio da Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.
Aproveito ainda para lhe lembrar, já que sobre isto tem ideias claras: como também é Deputada, titular de um mandato igual ao meu, porque é que também não exerce o seu direito de iniciativa legislativa?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se optar por aguardar pelo nosso diploma tenha a paciência de o fazer pois ele não faltará nesta legislatura.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero através da Mesa, dizer ao Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto que em qualquer dicionário encontrará a diferença entre «inócuo» e «inútil». Hoje à noite, quando tiver um bocadinho de tempo, pode verificar.

O Sr. José Magalhães (PS): - Até pode saber de cor!

O Orador: - Em segundo lugar, quero dizer-lhe que, no exercício do meu mandato, apresentei nesta Câmara uma lei de bases da família, como me compete.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr.º Deputada, a Mesa, como sabe, muitas vezes faz o papel de papagaio, mas neste caso não tenho nada a transmitir porque a Sr. Deputada transmitiu directamente o que pretendia.
Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, há pouco estava exaltada porque, de facto, há coisas que não suporto, como ouvir dizer da tribuna que este projecto de lei vem preencher um vazio legal.
Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, «vista o fato» à medida do seu projecto de lei, mas não vista roupagens que o projecto não lhe consente, porque na legislação portuguesa não há qualquer vazio legal em matéria de uniões de facto!
Creio que o Sr. Presidente da Assembleia da República podia, se fosse Deputado, falar-lhe da sua actividade no sentido de introduzir no Código Civil alterações com vista à protecção das uniões de facto, nomeadamente - e eu falo disso no relatório - na questão dos testamentos e na proibição de fazer testamento para uma pessoa com quem se cometesse adultério - artigo 2020.º do Código Civil.
Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, tem andado muito distraído! Nós temos proposto amiudadas alterações que protegem as uniões de facto como, por exemplo, as que foram introduzidas no Código de Processo Penal, proposto

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pelo Governo, e no Estatuto do Ministério Público também proposto pelo Governo e recentemente aprovado.
De facto, o seu projecto de lei contém muitas coisas que já existem na legislação e só não tenho tempo de as enumerar porque são muitas. É a pensão de preço de sangue; são as pensões de sobrevivência da Caixa Geral de Aposentações e do Centro Nacional de Pensões... Mas aí o seu projecto de lei retrocede.
Sr. Deputado, estive quase de acordo com a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto - e são poucas as vezes em que estou de acordo com a Sr.ª Deputada...

Risos do PCP.

E mais uma vez acabei por não estar de acordo quando a Sr. Deputada disse que o projecto de lei era inócuo!.
Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, quero colocar-lhe algumas questões: sabe ou não que há uma lei de acidentes de trabalho e doenças profissionais, aprovada aqui em 1997, que dá às uniões de facto direito às pensões por morte resultantes de doença profissional e que dá também o mesmo direito às pensões por morte resultantes de acidentes de trabalho, sem sujeitar as uniões de facto à prova de que têm carência de alimentos?
Surpreendentemente, o seu projecto de lei retira as pensões por doenças profissionais e depois faz com que, para ter direito às pensões por morte de acidentes de trabalho, a pessoa vá para o tribunal judicial propor uma acção para provar que tem necessidade de alimentos, quando o que está em causa é o contrato de seguro. Isto será inócuo? Todos sabemos que ainda não foi regulamentada a lei e que se isto fosse aprovado o Governo e as seguradoras esfregariam as mãos porque então já era menos gente a receber estas pensões.

O Sr. Presidente: - Agradeço-lhe que termine, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Por último, Sr. Presidente, está pendente nesta Assembleia uma proposta de lei do Governo relativa a férias, feriados e faltas, que vai para discussão pública e que tem divergências em relação à proposta do Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto. Gostava de saber em que ficamos e por que «diabo» de privilégio o seu projecto de lei não foi para discussão pública. Se tem matéria claramente relativa a direito do trabalho tem de ser sujeito a discussão pública.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr.ª Deputada, fiquei bastante impressionado com esta sua última sugestão. Ao sugerir a discussão pública de um diploma desta natureza faz lembrar o PSD a exigir o referendo à questão do aborto.

O Sr: Luís Marques Guedes (P6D): - Em boa hora o pedimos!

O Orador: - Sr.ª Deputada, interrogo-me sobre qual será o aspecto desta discussão, que vem envolvendo a Assembleia da República e o País, que é tão perturbador e incómodo para o PCP de forma a o PCP tentar «chutar

para canto», para um imbróglio de audições, um processo dilatório para inviabilizar soluções concretas nesta matéria.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O Sr. Deputado não sabe o que é consulta pública!

O Orador: - Sr.ª Deputada, ouvi-a ordeiramente...

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, mais uma vez lhe peço contenção.

O Orador: - Sr. Presidente, outro aspecto da intervenção da Sr.ª Deputada Odete Santos que me impressionou vivamente foi o facto de ter vindo aqui reconhecer a sua sintonia com a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não foi, não!

O Orador: - Acho isto verdadeiramente inacreditável! Por um lado, temos a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, que, no seu direito, considera que não existem famílias fora do casamento e repugna-lhe que a Assembleia da República conceda protecção a formas mais ou menos concubinárias fora do casamento. Por outro lado, temos a Sr.ª Deputada Odete Santos que vem reconhecer uma afinidade qualquer, que eu não descortino, com a Sr.ª Deputada Maria José Nogueria Pinto.
A única afinidade que têm é que não apresentaram nenhum diploma neste debate e é o facto de não terem apresentado qualquer iniciativa...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Oh! Passados dois anos de o senhor andar a badalar...

O Sr. Presidente: - Sr' Deputada, mais uma vez lhe peço o favor de não estabelecer diálogo directamente, senão também vou deixar que os outros Deputados façam o mesmo quando a senhora estiver no uso da palavra.

O Orador: - A Sr.ª Deputada Odete Santos, afinal, não está numa situação desconfortável, porque a Sr.ª Deputada, no ano passado, foi, salvo erro, a primeira subscritora de um diploma do PCP sobre esta matéria, um diploma, há que reconhecê-lo, volumoso para quem hoje vem aqui dizer «Sr. Deputado, não há vazio, o Sr. Deputado vem arrombar portas abertas ....». No ano passado a Sr.ª Deputada ofereceu ao País um «casamento de segunda» onde havia disposições sucessórias, patrimoniais, regime de bens...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Também há noutros países!

O Orador: - Até havia um pormenor burlesco no diploma de Os Verdes, que era a aplicação automática - pasme-se! - de um regime de bens aos casais das uniões de facto. Assim, ao fim de um ano e 364 dias de vida em comum, as pessoas teriam de separar-se, caso contrário levavam com a lei de Os Verdes em cima!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Eu não disse nada disso!

O Orador: - Desculpe, no ano passado, a Sr.ª Deputada apresentou...

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4 DE MARÇO DE 1999 2003

O Sr. José Magalhães (PS): - É histórico!

O Orador: - ... um verdadeiro calhamaço volumoso sobre esta matéria. Portanto, do ano passado para este, provavelmente a Sr.ª Deputada verificou que o seu diploma era redundante em relação à ousada, arrojada e progressista legislação em vigor sobre esta matéria!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E as respostas?

Vozes do PCP: - E as questões concretas? Essa parte dói-lhe!

O Orador: - Já agora, gostava de assinalar o seguinte: há um fosso entre o diploma apresentado pelo PCP no ano passado e o diploma agora apresentado pelo Grupo Parlamentar de Os Verdes. Este é um diploma curioso...

O Sr. João Amaral (PCP): - Olhe que o que está em discussão é o seu diploma!

O Orador: - O Sr. Deputado está a tentar esgotar o meu tempo? Isso é litigância de má fé!

O Sr. João Amaral (PCP): - Estou a ver se lhe facilito a vida!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, agora chamo-lhe a atenção a si. Tenha paciência, tem de dar o exemplo.

O Sr. João Amaral (PCP): - Estou a ajudar o Deputado Sérgio Sousa Pinto! É que ele já não se lembra das perguntas.

Risos.

O Orador: - Sr. Presidente, espero ser compensado pela Mesa, com generosidade, em virtude destas frequentes interrupções!

O Sr. Presidente: - Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - No ano passado, os Srs. Deputados do Partido Comunista Português apresentaram um diploma volumoso, pesado, com uma carga jurídica onerosa e, este ano, as Sr.ªs Deputadas do Partido Ecologista Os Verdes apresentam um diploma «magrinho», fininho, com poucas disposições, tendo até feito uma opção dactilográfica curiosa: imprimiram o diploma com uma letra enorme, garrafal, para que ele ganhasse consistência, estatuto.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Por acaso, o do ano passado também era pequeno!

O Orador: - Agora nem parece um diploma, parece um exame oftalmológico! Tem letras enormes, mas reduz-se a apenas quatro ou cinco artigos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O Sr. Deputado não leu o do ano passado. Só era difente num artigo!

O Orador: - Três deles são inócuos, não dizem nada, são «palha». O outro artigo é de uma técnica e de uma indigência jurídica verdadeiramente assustadora: os Srs. De-

putados «chutam» para os planos da segurança social, do arrendamento; «chutam» em todas as direcções e fazem equiparações de todas as maneiras e feitios,...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E o Sr. Deputado «chuta» para a própria «baliza»!

Risos do PCP, do PSD e do CDS-PP.

O Orador: - ... aliás, ao arrepio da apreciação ponderada que a Sr.ª Deputada fez no relatório da Comissão.
Uma última nota, Sr.ª Deputada,...

O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Deputado, mesmo com os descontos.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Quanto às perguntas, zero!

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
A Sr.ª Deputada, exímia a manusear a lupa, identificou a situação dos acidentes de trabalho. Sr.ª Deputada, a explicação é muito simples: a lei que resolveu esta equiparação, em matéria de acidentes de trabalho, aos casais em união de facto é posterior à entrada na Mesa do nosso projecto de lei.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ah, grande aldrabão!

Risos do PSD e do CDS-PP.

O Orador: - É verdade, Sr.ª Deputada!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso é mentira!

O Orador: - Vá averiguar! Apresentei-o em Maio ou Junho do ano passado, Sr.ª Deputada!

Aplausos do PS.

A Sr. Odete Santos (PCP): - É de 1997!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, mais uma vez, o que aqui se passa não é um diálogo, é um uso sucessivo da palavra, e a Sr.ª Deputada não está no uso dela.
Para exercer o direito regimental de defesa da consideração da bancada do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, esta defesa da consideração da bancada do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português deve-se à comparação feita pelo Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, em relação a uma questão colocada pela Sr.ª Deputada Odete Santos, entre o nosso posicionamento e as chamadas exigências que o PSD terá feito noutra altura, sobre o problema da interrupção voluntária da gravidez. E isso ofende-nos, claramente!
As situações são completamente diferentes, na medida em que, em termos de legislação laboral, há uma lei que o «obriga», à discussão pública; a outra era uma questão de opção de quem quer que fosse.
Esta é a razão por que pedia palavra para a defesa da consideração da bancada do PCP.

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I SÉRIE-NÚMERO 54 2004

Mas, já agora, aproveito para colocar a questão central das perguntas formuladas pela minha camarada Odete Santos. É que o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto não respondeu a uma única pergunta, nem à questão central da situação de morte por acidente de trabalho: a exigência de prova da necessidade de alimentos.
E, no final da intervenção, pressionado para dizer qualquer coisa, afirmou: «Nós apresentámos o nosso projecto antes da Lei n.º 100/97»! Ora, se V. Ex.ª diz que entregou o seu projecto em 28 de Maio de 1998, como é que isso se passa antes da Lei n.º 100/97?

Vozes do PCP: - Exactamente!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É, claramente, uma falsidade da sua parte. O Sr. Deputado não sabe responder ao recuo que queria introduzir neste projecto de lei.

Aplausos do PCP.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, é a prova de que não sabe a quantas anda!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, num debate com estas características, em que o PS e o PCP têm, no essencial, posições comuns, é revelador e patético que venhamos para aqui esmiuçar «coisinhas» jurídicas de somenos...

Vozes do PCP: - Ah!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Os direitos dos trabalhadores são questões de somenos?

O Orador: - Sr.ª Deputada, deixe-me responder!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, tenha paciência, mas hoje está a exagerar o direito de interromper os seus opositores. Como vai usar da palavra daqui a pouco, vou promover uma «insurreição» contra si!
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr.ª Deputada Odete Santos, se está tão preocupada com a consulta pública, por que é que não tem a mesma deferência para comigo e tem a amabilidade de me ouvir silenciosa e ordeiramente, como é da praxe nesta Casa?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Apenas lhe queria dizer o seguinte: tenho consideração e estima por si, desde logo política e intelectual, mas também como jurista, por isso considero que é indigno de si que, porque reparou que no nosso diploma falta uma disposição que diga qualquer coisa como «os direitos consagrados neste diploma não prejudicam a aplicação de outros direitos existentes na legislaçãò em vigor», venha tentar «incendiar» a Assembleia da República de má fé! Sr.ª Deputada, isto é absurdo, é ridículo e não faz, rigorosamente, qualquer sentido!

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, há aqui um «crime de fogo posto»!

Risos.

O Orador: - Há aqui um dado que é importante esclarecer. Se o Sr. Deputado Octávio Teixeira se sentiu ofendido pela analogia - bem humorada - que fiz relativamente ao PSD, retiro-a e penitencio-me por isso, porque não tive a intenção de o ofender, como é evidente.
De qualquer modo, gostava que o Sr. Deputado esclarecesse uma questão importante: qual é a posição do PCP? Há um ano atrás, o PCP apresentou um diploma que era um «mais»; aliás, não era um «mais» era um «muito mais» em relação ao que hoje é aqui apresentado!
O nosso diploma é um «menos», e é um «menos» porque entendemos que é razoável que assim seja, pois não aceitamos que as uniões de facto sejam transformadas numa outra forma de casamento. Porque casamento já existe! Quem quer beneficiar dos efeitos pesados, dos deveres e dos direitos associados ao casamento, casa-se!
Nós não optámos pela solução do PCP, mas a verdade é que o vosso diploma é um «mais» em relação ao nosso, e quem propõe um «mais» têm de votar favoravelmente o «menos»,...

Vozes do PCP: - Calma!

O Orador: - ... até porque o «menos» é a base, Sr. Deputado!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Nós votamos o que quisermos!

O Orador: - Os Srs. Deputados não vão conseguir explicar a esta Assembleia, nem ao País a vossa duplicidade táctica nesta matéria.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não batam palmas que a figura tem sido um bocado fraca!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Orador: - Sr. Presidente, se me permite, não esgotei o meu tempo e gostava de continuar no uso da palavra.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado sentou-se e esse gesto costuma significar o fim da intervenção!

O Sr. João Amaral (PCP): - Estava cansado!

O Sr. Presidente: - Então, faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Os Srs. Deputados do PCP levantaram uma questão política e juridicamente pertinente em relação à exigência de sentença judicial para a atribuição de alguns benefícios.

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4 DE MARÇO DE 1999 2005

Srs. Deputados, essa solução jurídica tem uma justificação. Ao confrontá-la com outras soluções alternativas, ela pareceu-nos ser a mais adequada e a mais justificável, com base na seguinte ponderação: nas prestações particularmente onerosas para o Estado é importante a obtenção de um grau de certeza diferente, por parte do Estado que concede essas prestações. E só havia duas formas de assegurar essa certeza: ou criar um mecanismo de registo das uniões de facto, como acontece, por exemplo, no diploma recentemente aprovado na Catalunha, ou, então, através do estabelecimento da necessidade de sentença judicial para um conjunto muito restrito de disposições que estão previstas no nosso diploma.
Se os Srs. Deputados do PCP quiserem contribuir com uma solução melhor, jurídica e politicamente, que resolva os nossos receios e afaste alguns inconvenientes aos quais somos sensíveis, em sede de especialidade, tenham o gesto de contribuir para a melhoria do diploma, porque estamos abertos a receber o vosso contributo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Agora, sim, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - O Sr. Presidente não levará a mal - não pretendo dificultar o papel de V. Ex.ª na condução dos trabalhos - que queira começar, desde já, por felicitar a Sr.ª Deputada Odete Santos: dentro ou à margem do Regimento, em primeiro lugar, pela vivacidade e, portanto, pela autenticidade; em segundo lugar, pela juventude que pôs nos apartes que foi proferindo.
Com isto, não viso criar qualquer problema ao Sr. Presidente...

O Sr, Presidente: - Não, não cria, Sr. Deputado. Espero é que mantenha esse seu ponto de vista quando for vítima da vivacidade da Sr.ª Deputada Odete Santos!

Risos.

O Orador: - Sr. Presidente, não nos fica mal dar a mão à palmatória e reconhecer.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A questão que coloco ao Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto é a seguinte: o Sr. Deputado andou alguns anos a amadurecer estas questões ou, pelo menos, disso foi dando conta à comunicação social - e admito que o prazo de «incubação» do projecto tivesse sido verdadeiramente mais curto do que o que foi anunciado.
Seja como for, creio que o Sr. Deputado, do alto da tribuna, disse o que era relevante para este debate quando, a propósito da necessidade de extensão de algumas destas protecções aos casais de homossexuais, que o seu projecto não prevê, dizia, em jeito de justificação: «Isto, sim, é importante, na medida em que estes são aqueles que não têm a capacidade de, contratualmente, contrair matrimónio».
Não sei se o Sr. Deputado se deu conta - talvez seja ilusão minha, mas deixo isso para a sua resposta - que assassinou, desde logo, o seu projecto, a sua iniciativa e a sua intenção!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E fê-lo por duas razões.
Em primeiro lugar, por dieer que o que é verdadeiramente importante não está contemplado no projecto de lei, apesar de no dito «período de incubação» ter sido propalado que essa era a grande novidade e modernidade de um projecto que, entretanto, apareceu dela desprovido. Ou seja, o Sr. Deputado reconhece que o que seria - do seu ponto de vista e não do meu - importante para a lei é o que o seu projecto não contém.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Portanto, é o Sr. Deputado que, desde logo, assassina a sua intervenção legislativa, ao dizer que o que seria importante e moderno não está cá, mas deve passar a estar, rápida e oportunamente, porque isso é o essencial, não se pode contornar!
E, dizendo isto, também desvaloriza a sua iniciativa por uma outra razão: diz, a contrario, que aqueles relativamente aos quais pretende alargar a protecção jurídica que, em muitos casos já existe, na prática, têm alternativa, porque podem contrair, contratualmente, o matrimónio e socorrer-se da protecção jurídica que já existe.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Posto isto, Sr. Deputado, pergunto para que serve, então, senão à guisa de eventual benefício menor da actual protecção jurídica, a sua iniciativa legislativa!? Para além, naturalmente - não leve a mal este meu comentário -, de algumas afirmações potentes que, teoricamente, foram desferidas do alto da tribuna, mas que tanto poderiam ter sido desferidas a propósito desta matéria, como de qualquer outra e, até, através daquela edição da «terceira via» que acabou por não se concretizar no congresso do Partido Socialista.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, confesso que estou...

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Atrapalhado!

O Orador: - ... numa situação complicada e francamente atrapalhado para responder à sua questão.
O Sr. Deputado Pedro Passos Coelho dedicou-se ao exercício de minuciosa exegese da minha intervenção, mas não percebeu nada do que eu disse. E eu, devo dizer-lhe com toda a franqueza, também fiquei sem perceber! O Sr. Deputado é a favor ou contra o reconhecimento das uniões de facto nos termos ora propostos neste debate? Não sabemos! O Sr. Deputado tem algum diploma sobre esta matéria? Não tem! O Sr. Deputado é a favor ou contra a extensão do regime das uniões de facto aos casais homossexuais e em situações de comunhão de vida com economia comum? Nós não sabemos! O Sr. Deputado não tomou posição!
E também não percebo qual é o sentido deste palpite interpretativo que o Sr. Deputado veio introduzir na discussão. O Sr. Deputado está preocupado com a situação

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dos homossexuais, está solidário com a ausência de regulação normativa dos homossexuais - felicito-o, Sr. Deputado, por vir aqui tomar uma posição que considero justa! Mas o Sr. Deputado, aparentemente, insinua nesta Câmara a sua disposição para apresentar um diploma ou para ser subscritor do diploma que tenciono apresentar aqui sobre essa matéria - felicito-o também por isso e aproveito para felicitar o PSD por essa iniciativa.
Contudo, há um conjunto de questões que, pasme-se, não percebo! Não percebo, Sr. Deputado! E vou dizer-lhe uma coisa que me atormenta por não conseguir perceber: uma das propostas de que a AD tem feito gala é justamente o apoio à família. A Alternativa Democrática compromete-se a alterar as leis fiscais de modo a evitar a discriminação contra a família. Para tal, a Alternativa preconiza a adopção de um coeficiente familiar, e não apenas conjugal, no IRS; de um favorecimento fiscal das famílias com maior número de filhos. A AD está francamente preocupada com a família - e felicito-a por estar preocupada com a família. Mas, Sr. Deputado, esclareça perante nós se, para o PSD e para a AD, a família também existe fora do casamento ou se as únicas famílias são as que estão dentro do casamento. O PSD e a AD que esclareçam esta Assembleia se estão no espírito da Constituição da República, que diferencia o direito a constituir família do direito a contrair casamento, ou se está no espírito do 24 de Abril, que penalizava e discriminava os nascimentos fora do casamento.
Sr. Deputado, esclareça se está com o 24 de Abril ou se está com o 25 de Abril: se está com o 24 de Abril, a Constituição da República está em vigor e reconhece o facto, óbvio para nós, de que há famílias fora do casamento! Ou não concebe que as formas marginais de concubinato fora do casamento - como o Sr. Deputado, seguramente, as qualificará em coerência - são, ou não, famílias? É a esta questão que gostaria que me respondesse, Sr. Deputado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, é para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, declinando as felicitações verdadeiramente imerecidas que o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto me endossou, gostava de perguntar ao Sr. Presidente se haverá algum pretexto regulamentar ou regimental para que um pedido de esclarecimento que fiz à intervenção do Sr. Deputado redunde numa inquisição quanto àquilo que penso sobre a matéria em vez do esclarecimento que me era devido pela pergunta que formulei; ou se, em alternativa, o Sr. Presidente ajuda o próprio Sr. Deputado a recordar-lhe não apenas aquilo que eu disse quanto à matéria de facto, e que não escondo nem escondi, mas até no pedido de esclarecimento que formulei: não é a minha posição. Se o Sr. Presidente encontrar uma fórmula regimental que me permita responder à resposta que o Sr. Deputado deu, eu teria muito gosto em fazê-lo.

O Sr. Presidente: - Não encontro, e o Sr. Deputado já está a responder! Antecipou-se!

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, peço desculpa mas não! Assim não! Tenham paciência. Têm possibilidade de se inscrever n vezes, até ao fim do debate, têm tempo. Falsas interpelações em série não pode ser! De forma nenhuma! Diálogo através de interpelações não pode ser!
Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, a situação em que o PS e a Juventude Socialista se colocam, e o Sr. Deputado em particular, é gravíssima. O Sr. Deputado disse, há dois anos, nesta Câmara, que o projecto de lei elaborado pela Juventude Socialista não era apresentado porque «não estava tecnicamente pronto» - foram estas as suas palavras. Andou a dizer a toda a gente que o mais relevante, o que era substantivo, o que era inovador, o que era moderno, o que era, do ponto de vista civilizacional, facto de ruptura em relação ao projecto era o alargamento aos casais de homossexuais dos direitos que reivindicava para a união de facto. Andou, e multiplicou-se em deslocações a múltiplos locais, a dizer que ia apresentar o projecto. Assumiu o compromisso - assumiu esse compromisso com associações que aqui estavam representantes de gays e de lésbicas - de que ia apresentar o projecto. Disse-o e repetiu-o múltiplas vezes, e toda a gente ouviu! Considero perfeitamente espantoso como é que o Sr. Deputado, no momento exacto em que tem a oportunidade de apresentar esse projecto, volta, uma vez mais, a fugir às promessas.
Porque a questão não é não fazer aquilo que não se pode: é faltar à verdade, é assumir compromissos, é assumir responsabilidades e não ter capacidade para honrar compromissos! É disso que se trata e julgo que é uma brutal falta de pudor e um tremendo recuo aquilo que o Sr. Deputado fez. Porque aquilo que o Sr. Deputado fez é gravíssimo: uma vez mais, o Sr. Deputado refugia-se e atira-se para a frente - promete, num qualquer dia radioso, vir a apresentar um projecto! E a soma constante de adiamentos, os seus recuos e a sua incapacidade de assumir os compromissos que com outros contraiu faz-me perguntar-lhe, Sr. Deputado: como é que ainda tem o descaramento de aparecer e de perder o único momento que tinha, e que era este debate, para apresentar aquilo que dizia ser de mais relevante, de mais moderno, de ruptura e francamente inovador? Se era esse o seu compromisso, se foi isso o que o Sr. Deputado assumiu perante os outros, por que é que o não fez?

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero pedir a V. Ex.ª, correspondendo à inquietação do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, o favor de lhe fazer chegar uma cópia da minha intervenção, uma cópia do projecto de lei e um exemplar do Código Civil.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, isso é impossível de cumprir. A sua intervenção, naturalmente, estará ao

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alcance do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho. Mas o Código Civil custa dinheiro e eu não tenho verba para isso - só se o Sr. Deputado me der o dinheiro...

Risos.

O Orador: - Sr. Presidente, agradeço a resposta de V. Ex.ª, que vem demonstrar que, aquilo que eu pretendia dizer há pouco, cabia na figura da interpelação à Mesa!

O Sr. Presidente: - Claro que cabia, mas nunca se sabe!...

Risos.

O Orador: - Sr.ª Deputada Isabel Castro, V. Ex.ª apresentou um diploma nesta Assembleia, que era, do ponto de vista jurídico, absolutamente indefensável: mal feito, mal pensado, mal construído, «atamancado»... E veio aqui, altissonante, defender, contra ventos e marés, propostas que não teve a coragem de colocar no seu diploma! Sr.ª Deputada, o seu diploma é tão mau, é tão lamentável - já nem lhe digo isto como Deputado, digo-lhe como jurista! -, é uma coisa tão mal feita que era susceptível de pôr em risco a credibilidade de Os Verdes se, porventura, Os Verdes tivessem algum dia tido alguma credibilidade!
Como sabe, Sr.ª Deputada, a perda de credibilidade por parte de Os Verdes é uma impossibilidade ontológica, simplesmente porque a credibilidade de Os Verdes é uma realidade ontológica inexistente!

Risos de alguns Deputados do PS.

A Sr.ª Deputada «toma as dores» das associações organizativas e representativas dos homossexuais! Fique a Sr.ª Deputada sabendo que a Juventude Socialista não assumiu compromissos com quem quer que fosse. O único compromisso da Juventude Socialista é com as suas convicções e na medida das nossas possibilidades, porque nós não somos um partido como Os Verdes, um partido que possa chegar aqui e provocar um avanço civilizacional pelo menos do plano do debate político, introduzindo a discussão um diploma que assume claramente as suas convicções e as suas concepções sobre uma sociedade livre, aberta e tolerante - mas a Sr.ª Deputada não fez isto!

O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!

O Orador: - Por que é que Os Verdes não assumiram com clareza, culturalmente, uma posição cultural, pedagógica, política, da maior importância nesta Assembleia, naquela tribuna, numa lei que alargasse o âmbito da aplicação aos homossexuais?

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - Por que é que a Sr.ª Deputada não o fez?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E, se não o fez, como é que tem o descaramento de vir para aqui «verter lágrimas de crocodilo» pelos homossexuais, Sr.ª Deputada?

Aplausos do PS

Não tem autoridade! Não tem autoridade; não tem credibilidade, não tem um diploma com qualidade suficiente para se permitir vir aqui «fazer um número» que não merece e chamar a si créditos que não é justo que lhe sejam concedidos!
Aliás, Sr.ª Deputada, vou agora permitir-me fazer aqui um pouco de futurologia: daqui a uns meses, entrará na Assembleia da República um projecto assinado pela Juventude Socialista que fará a extensão aos casais homossexuais, que fará a extensão às situações de natureza não sexual, não familiar de comunhão de vida e de economia comum; e, nessa altura, atrás de JS, berrando os belos princípios, virão Os Verdes, ordeiramente, demonstrando a «importância crucial» que desempenham como sempre desempenharam na vida política nacional!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Isabel Castro, pediu a palavra para que efeito?

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Para defesa da consideração da minha bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, eu tenho a autoridade toda! Porque eu tenho a autoridade toda de quem nunca faltou à verdade às pessoas!

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - E isso, para mim, em política, é muito importante - não o será para o Sr. Deputado, mas para Os Verdes é!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem! Muito bem!

A Oradora: - Julgo que essa questão fica esclarecida.
Mas eu fico perfeitamente perplexa com o seu supremo despudor: então o Sr. Deputado vem, uma vez mais, prometer papéis? Prometer mais um projecto no papel, para apresentar até não sei quando, no Verão? Sr. Deputado, o senhor não vê limites na forma de fazer troça das associações? O Sr. Deputado não tem vergonha de enfrentar as associações às quais andou a prometer coisas a que sistematicamente falta?

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Eu não prometi nada a ninguém!

A Oradora: - Sr. Deputado, as associações de defesa dos homossexuais, as lésbicas e os homossexuais deste país merecem-nos respeito! E nós não prometemos coisas que sabemos que não temos capacidade para fazer aprovar! No texto constitucional, já se viu que não conseguimos. E nós não andámos a fazer uso das associações para aparecer nos jornais! Nós não precisamos de andar a colar-nos às associações para aparecer, com sede de protagonismo! A vaidade tem limites, Sr. Deputado! Mas, mais do que isso, em política, a ética é algo de que nós não abdicamos!

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O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, eu estou enjoado...

Protestos de Os Verdes, do PSD e do CDS-PP.

O Sr. João Amaral (PCP): - Tragam-lhe um saco! Tragam-lhe um saquinho para o enjoo!

O Orador: - ... com esta hipocrisia delicodoce, gelatinosa de Os Verdes!

Protestos de Os Verdes, do PSD e do CDS-PP.

O Orador: - Estou enjoado, estou chocado! Renuncio a responder a isto, Sr. Presidente.

Risos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço-vos que mantenham o nível do diálogo, o mais possível!
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Santo.

A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O princípio da relevância das uniões de facto, de alguma forma equiparáveis para efeitos sociais e patrimoniais à sociedade conjugal, é hoje unanimemente aceite e tem acolhimento legal em inúmeras situações do nosso ordenamento jurídico, pelo que a introdução de alterações em muitas dessas disposições em vigor que visem uma maior eficácia das mesmas e facilitem, por isso, a sua aplicação prática ou mesmo o alargamento pontual de determinados direitos da sociedade conjugal às uniões de facto, que visem proteger os seus membros em situações merecedoras de tutela, terão o nosso apoio. Mas o nosso apoio não se baseia em falsos critérios de modernidade mas, antes, numa séria preocupação de proteger os membros dos casais que se constituíram com base numa união de facto.
Assim sendo, e porque quem optou por viver em união de facto simultaneamente rejeitou submeter-se às regras do casamento, isto é, tomou uma opção de vida dentro da sua esfera de liberdade individual e de acordo com os seus mais íntimos princípios, tal liberdade de assim decidir não pode posteriormente ser posta em causa ou contrariada por lei.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Logo, não faz qualquer sentido criar um regime jurídico autónomo da união de facto, como o pretendem os projectos de lei hoje em discussão, em que se pretende caminhar para equiparar os efeitos dessa relação aos efeitos do casamento e em que os destinatários são precisamente os que não quiseram aceitar os efeitos desse regime - sob pena de estarmos assim perante uma grande contradição. E que deste modo se acaba com as próprias uniões de facto como opção de vida que cada indivíduo entende ou não tomar.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Ora, como estamos a legislar sobre direitos que colidem com a esfera das opções mais íntimas

e pessoais dos cidadãos, é bom que não ó façamos apenas por rebeldia, por modemidade ou porque fica bem e está dentro do sistema. Mas isso não significa nem pode deixar de significar que, pontualmente e em sede própria, a lei proteja este modo excepcional e opcional de vida que como tal deve ser tratado e respeitado. Assim, e a título de exemplo, em nosso entender, é - no âmbito do instituto da adopção, do regime do arrendamento urbano, ou no código do IRS ou noutros institutos que, casuisticamente, devem ser considerados e tratados os efeitos e a protecção que, nessa sede, a lei entenda dar às situações decorrentes da união de facto.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - E, como não queremos nem embarcamos em falsas demagogias de modernidade que são em si mesmas uma grande contradição, não podemos ainda deixar agora e aqui de criticar seriamente, para além do que foi dito, algumas das propostas que os projectos em análise nos apresentam.
O País foi ontem e hoje confrontado com notícias vindas na comunicação social de que o PS pretendia estender às uniões de facto alguns direitos sociais próprios da sociedade conjugal, nomeadamente no âmbito do regime da segurança social. Analisando o projecto, nomeadamente o disposto no seu artigo 6.º, verificamos que o ali previsto sob o título «regime de acesso às prestações por morte» corresponde precisamente a um dispositivo já em vigor e consagrado no Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, regulamentado pelo Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Junho, pelo que a primeira consideração que se tem a fazer é que nada disto é novo: já existe desde 1990. Mas o que é mais grave é que esse dispositivo legal, que tem gerado a maior controvérsia e que mais não é do que uma grande aberração, tenha agora sido rebuscado como se de uma grande novidade e solução se tratasse quando, na prática já, se viu que não funciona e cria expectativas falsas a quem dele lança mão.
Traduzindo, o que a lei previa e o projecto prevê neste domínio é que, falecendo um membro do casal que vivia em união de facto, o outro só tem direito a receber uma pensão de sobrevivência depois de ter obtido uma sentença judicial em que tenha provado que carece de alimentos, que não tem filhos, pais, ou irmãos com condições para lhos prestar, e que a herança do falecido também não tem bens, isto é, depois de ter percorrido todo um «calvário», o que tem dado a que, na prática, a maioria das pessoas que recorre a este processo acaba por falecer no decorrer do mesmo, muitas vezes em situações de verdadeira miséria.
É que não nos podemos esquecer de que, principalmente nos meios rurais, muitas famílias verdadeiramente constituídas,...

O Sr. Luís Pedro Martins (PS): - «Verdadeiramente constituídas»?!-0 que é isso de «verdadeiramente constituídas»?!

A Oradora: - ... que viveram maritalmente mais de 20 ou 30 anos em união de facto e que não casaram porque era caro, são as que têm tentado a obtenção de uma pensão de sobrevivência sem qualquer êxito, uma vez que o mecanismo legal que permite obtê-las está de tal modo complicado que, simultaneamente, lhes impede o acesso às mesmas.

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Lamentamos, por isso - e não posso deixar de môstrar aqui toda a minha indignação -, que se venha a esta Câmara rebuscar e apresentar como novo um projecto que já existe, versando sobre uma solução completamente inadequada e que cria falsas expectativas a pessoas que delas careciam e que, de facto, mereciam tutela.

O Sr. Luís Pedro Martins (PS): - Ah! E as outras não?!

A Oradora: - Ora, são essas situações que a nós, Partido Popular, nos preocupam, porque verdadeiramente carenciadas de tutela.
Admitimos que quem conviva diariamente no meio urbano, onde, apesar de tudo, iguais situações também se verificam mas em termos diferentes, desconheça ou ignore esta realidade. Mas, então, que faça um estudo aprofundado antes de se apressar a apresentar projectos contendo soluções já testadas e que, na prática, não funcionam.
Os portugueses não podem ser vítimas de projectos apressados, desligados das suas reais necessidades ou de tal modo aligeirados que podem levar a grandes arbitrariedades e a verdadeiras aberrações jurídicas, como esta, para a obtenção de uma pensão de sobrevivência, em que o autor de uma tal acção com aquela finalidade se vê confrontado a provar um conjunto de factos negativos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - A responsabilidade disto é do PSD!

A Oradora: - E o que é curioso é que se para efeitos de pensão de sobrevivência não se equipara a união de facto à sociedade conjugal, o que possivelmente faria todo o sentido, ainda dentro de certos condicional ismos, no caso de separação do casal, e quando a casa de morada de famlia pertença por arrendamento a um dos membros, tal equiparação já é feita - veja-se o disposto no artigo 4.º, n.º 3, do projecto do Partido Socialista. Na verdade, aí se exige que, em caso de separação, baste um simples requerimento assinado por ambos, ao que se presume, dirigido ao senhorio, referindo o seguinte: «Eu, Sr. X, vivi maritalmente com a Sr.ª Y dois anos, separámo-nos e, agora, informo V. Ex.ª de que a arrendatária passou a ser a Sr.ª Y». É verdade que tal situação se verifica em caso de divórcio, mas, pelo menos aí, esse acordo foi homologado pelo tribunal ou pelo conservador do registo civil antes de ser noticiado ao senhorio. Pensaram os proponentes do projecto no aproveitamento que pode inclusivamente decorrer desta disposição? Cremos que não.
Em jeito de conclusão, diremos que estamos disponíveis para avaliar casuisticamente a tutela de determinados direitos e obrigações decorrentes de situações de pessoas que vivam em união de facto e cujas alterações se imponham ou se justifiquem para salvaguarda dos mesmos, mas não estamos disponíveis para falsas demagogias ou modernidades que, na prática, não se justifiquem, sejam falaciosas ou criem situações de manifesta injustiça e arbitrariedade e que, no fundo, acabem com as uniões de facto.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pedro Martins.

O Sr. Luís Pedro Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Santo, ouvi com bastante atenção a sua intervenção e, mais uma vez, começo por lamentar que, de novo, se volte a fazer a discussão em torno de alguns fantasmas, em torno de uma certa intolerância de que ainda há memória em discussões recentes, aqui, nesta Câmara, e nesta Legislatura.
Mais uma vez, o Partido Popular confunde e tenta, de novo, assustar, como vimos aqui, o que, aliás, traduz uma posição que não é nova. Lamento que não esteja presente na bancada do CDS-PP a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto - ausentou-se, não sabemos por que motivo... -, na medida em que - e gostaria de lembrá-lo ela tem tido um papel importante neste debate. Recentemente, dizia a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, e passo a citar: «Não estamos perante uma dicotomia ideológica mas, sim, certamente, perante uma propositada confusão». E, depois, note-se: «Uma confusão que visa desarmar a família». Mais adiante, num tom, se calhar, ainda mais catastrófico: «A família não é uma questão ideológica senão para aqueles que ainda consideram a sua destruição como uma vitória». Ó Srs. Deputados, mas quem são esses? Quem são esses «hereges», em linguagem que vos é conhecida?

São os comunistas? São os ecologistas? São os socialistas? Quem são esses «bandidos» que tentam destruir a família?
Os Srs. Deputados ainda não perceberam que todos nós travamos este debate em torno da família, que ninguém aqui quer destruir a família, acabar com a família? Todos nós preservamos a família! Todos nós, aqui, se calhar, queremos construir novas famílias! Isto, Sr.ª Deputada, no mínimo, é ridículo! E são estes fantasmas e precisamente esta intolerância que não deveriam ser chamados para este debate.
A Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto - e, mais uma vez, lamento não podermos contar com a sua presença -...

Protestos do Deputado do CDS-PP Luís Queiró.

... disse que este é um debate em que não se trata de questões religiosas. Peço desculpa, mas, trazendo à colação estes argumentos, por vezes, até parece e até faz lembrar outras coisas. Será que os Srs. Deputados não percebem que a confusão é vossa? Será que os senhores não percebem que é precisamente de família que estamos a falar? Será que não é precisamente sobre a família que versam não só o projecto de lei da Juventude Socialista mas também o projecto de lei do Partido Ecologista Os Verdes? Aliás, Sr.ª Deputada, quantos até dos tais que hoje se colocam no pedestal - não percebo porquê -, dos tais casados, têm várias famílias? Se calhar, alguns! Mas isso são «contas de outro rosário» que não chamaremos para aqui.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Pois são, Sr. Deputado!

O Orador: - Sr.ª Deputada, sei que, na sua bancada, há até quem não entenda que é também de felicidade que estamos a falar. Provavelmente, na sua bancada, há até quem ainda pense, e li-o recentemente, que as uniões se

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fizeram para a procriação, há até, se calhar, quem ainda pense que nós, aqueles que apresentamos estes projectos, e também o li, queremos eliminar o casamento.

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Ó Srs. Deputados, fico surpreendido como é que, passados tantos anos, o famoso «Deputado truca-truca», que não tive o prazer de conhecer, ainda, ensombra essa bancada.

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr.ª Deputada, a senhora falou aqui em falsos critérios de modernidade, falsas demagogias de modernidade e em «famílias verdadeiramente constituídas».
Sr.ª Deputada, não vou criar aqui consigo uma discussão em torno da evolução do conceito de família, pois, provavelmente, não nos iríamos entender, mas cada um de nós perceberia com facilidade que, de facto, o conceito de família não é um conceito imutável. Não é, Sr.ª Deputada!

O Sr. Presidente: - Faça favor de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
O conceito de família tem evoluído, Sr.ª Deputada! O conceito de família dos anos 50 hoje não é entendido da mesma forma. Nessa altura, era fácil: era o pai, a mãe e o filho e o pai era o chefe da família, era o homem, era ele que mandava - embora saibamos que, se calhar, não era bem ele que mandava, ou seja, cá fora fazia de conta mas dentro de casa, pelos vistos, o homem até nem mandava assim tanto como parecia...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar.

O Orador: - Directamente, Sr.ª Deputada, pergunto-lhe o seguinte: concorda ou não com a distinção que a Constituição faz, no seu artigo 36.º, entre família e casamento? Concorda ou não concorda...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar! Já usou 5 minutos! Já lhe pedi três vezes que terminasse e não peço uma quarta vez.

O Orador: - Só mais 1 minuto para terntinar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Desculpe, mas não tem 1 minuto, Sr. Deputado! Com 6 minutos ficaria com o dobro do tempo. de que dispunha. Tenha paciência, Sr. Deputado!

O Orador: - Sr. Presidente, então, 10 segundos, só para terminar.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr.ª Deputada, lamento profundamente que os senhores defendam valores que, muitas vezes, surgem dessa bancada como bandeira, que são a apologia da qualidade de vida, da justiça e da igualdade, e depois, por vezes, quando têm possibilidade de pô-los em prática não

o façam. E hoje querem deixar de parte uma larga margem desta sociedade,...

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Orador: - ... aqueles que preferiram optar por uma união de facto. Mas optar não significa perda de deveres, optar não significa ficar fora da sociedade.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço que, de futuro, seja mais contemplativo com as injunções do Presidente da Mesa. É um pedido que lhe faço a si e a todos os Srs. Deputados. Não pode ser! Não posso pedir quatro e cinco vezes ao Sr. Deputado para terminar e o senhor continuar como se eu nada tivesse dito. Desculpe, mas não pode ser assim!
Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Santo.

A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Pedro Martins, entendi que o Sr. Deputado não percebeu rigorosamente nada do que eu disse. E isso preocupa-me por uma única razão: é que aquilo que eu disse foi exactamente que o projecto do Partido Socialista é um projecto que não protege rigorosamente nada porque está mal feito, porque é uma aberração jurídica.

Vozes do CDS-PP: - Exactamente!

A Oradora: - E explico-lhe porquê, Sr. Deputado. Se quiser, explico-lhe porquê.
Mais: dei exemplos de que, na prática, este projecto nem sequer é inovador, pois vai buscar soluções jurídicas que já existem. Falei no caso das pensões de sobrevivência, falei de casos muito concretos que conheço muito bem, que se traduzem em verdadeiras aberrações jurídicas, com imensa jurisprudência já publicada sobre essas aberrações jurídicas. Os autores do vosso projecto não viram a legislação que já existe, não estudaram os pareceres e a jurisprudência que já existe. Não estudaram!
Dali, da tribuna, ainda fui tolerante e, de certo modo, não quis ir tão longe como agora o Sr. Deputado me forçou a ir. Mas o vosso projecto de lei não serve, porque é uma aberração, está mal feito e não foi estudado. É só isto, Sr. Deputado!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Luís Pedro Martins (PS): - Explique-me quais são os critérios de modernidade e o que são as tais «famílias verdadeiramente constituídas»!

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Já chega! Já chega!

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Amanhã há mais!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por detrás deste problema que estamos aqui a discutir há, de facto, uma realidade sociológica.
Não vou pôr-me aqui em discussões teóricas sobre a família, mas há questões, há problemas que, efectivamente, devem ser resolvidos e a que a Assembleia, naquilo

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em que ainda não estiver legislado e que deva ter a protecção da lei, deve responder.
O PCP, nestas questões, tem uma postura muito diferente da do Partido Socialista, que, no ano passado, optou por um voto de abstenção em relação ao projecto do PCP, sabendo que, dessa forma, o chumbava. Se estivesse assim tão preocupado, hoje, já poderíamos ter um diploma para resolver algumas questões, e vou referir-me a elas, com alterações, que era o projecto do PCP, o qual, conforme foi dito, não era uma proposta fechada e teria o cuidado de conter a regulamentação de tudo o que tinha sido proposto. Nós não temos uma proposta fechada e, no fim do debate, tomaremos a posição que poderá levar a que sejam resolvidos alguns problemas, porque entendemos que é dessa forma que estamos aqui a exercer verdadeiramente o nosso mandato.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Efectivamente, apontei já, e vou repetir, que, em relação à questão da aplicação às uniões de facto daquilo que se encontra estabelecido para os cônjuges, no regime dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, é um retrocesso. O Partido Socialista não conhecia sequer a lei aqui aprovada em 1997, um ano antes ou quase um ano antes da apresentação do projecto de lei que está hoje em discussão. Não conhecia ou, então, por detrás disto, há outras questões, nomeadamente a tentativa de retirar alguns direitos.
Mas esta é uma matéria que obriga, inequivocamente, pela Lei n.º 16/79, a uma consulta pública. O Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto considerou que isso era uma questão de pormenor que tínhamos estado a ver à lupa, mas, Sr. Deputado, se está distraído, leia a Constituição da República e o que refere em relação à obrigação de, em matérias que tenham a ver com o contrato individual de trabalho e os acidentes de trabalho, ser feita uma consulta pública. O Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto falou na questão das audições mas não são audições, há uma separata do Diário da Assembleia da República onde isto é publicado e os trabalhadores ou os seus organismos elaboram pareceres para depois serem analisados em Plenário. Isto tem de ser feito e não foi feito! Esta matéria tem de ser submetida à consulta pública, bem como o que o Sr. Deputado aqui propõe em relação a outras áreas, ainda no âmbito do contrato individual de trabalho, como a das férias, feriados e faltas.
Sucede que está em consulta pública uma proposta de lei do Governo que, em relação às férias, alarga às uniões de facto a possibilidade de serem gozadas na mesma altura e, em relação às faltas, difere até do projecto de lei aqui apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, porque a proposta de lei só dá o direito a dois dias de falta por morte da pessoa com quem se vive, enquanto este projecto de lei dá direito a cinco dias. Sr. Deputado, em que é que ficamos?
A outra matéria que quero focar tem a ver com a intervenção que aqui foi feita pela Deputada Helena Santo, que abordou matéria que eu também foquei no meu relatório à Comissão. Só que eu encaro o assunto de outra maneira, de modo diferente do da Sr.ª Deputada, no que tem a ver com a exigência da interposição de duas acções para a obtenção das pensões de sobrevivência - os Srs. Deputados do Partido Socialista propõem até que se faça também isso em relação às pensões por morte ocasionada por acidente de trabalho -, ou seja, na necessidade de se

ir a tribunal para provar a necessidade de pensão de alimentos para, depois, esperar que, passados anos, o Tribunal de Trabalho decida a questão da concessão de pensão por morte decorrente de acidente de trabalho.
Ora, não é isto o que consta da Lei dos Acidentes de Trabalho, já que esta não faz depender essa pensão da necessidade económica. Além disso, essa lei concede direitos decorrentes de morte derivada de doenças profissionais, o que o projecto de lei retira.
Mas em relação à questão das duas acções, é, de facto, um «calvário» para quem quiser candidatar-se a uma pensão de sobrevivência - e poucas pessoas haverá que a tenham recebido ter de propor, conforme a jurisprudência maioritariamente tem decidido, duas acções. Aliás, isto decorre do Decreto Regulamentar n.º 1/94, do governo do PSD, mais exactamente subscrito pelo meu amigo Deputado Vieira de Castro, que não está cá. É dele que decorre esta obrigação.
Ora, essa duas acções demoram longuíssimos anos: a primeira, é contra a herança do falecido; a segunda, é contra o Centro Nacional de Pensões e a Caixa-Geral de Aposentações.
Eu esperava - e digo-o sinceramente, Srs. Deputados -, passados dois anos, ou mais, de termos ouvido a comunicação social «badalar» que havia um projecto de lei do Deputado Sérgio Sousa Pinto para as uniões de facto que era uma «revolução», eu, que esperava vir confrontar-me com um projecto de lei que respondesse á tormentosas e importantes questões, que resolvesse este problema e que simplificasse a prova da união de facto, dizendo que, para se aceder às pensões, essa prova poderia ser feita por via administrativa, venho encontrar no projecto de lei, «preto no branco», a chancela a uma jurisprudência que é burocratizante e que nem sequer acolhe pelo menos aquela - muito pouca jurisprudência que diz bastar apenas uma acção e que é de facto mínima.
E isto não pode deixar de ser denunciado, porque quando se vem para aqui dizer que existe um vazio legal em relação às uniões de facto e que o que se propõe é uma «revolução», é preciso dizer que tal não é verdade e que as debilidades do projecto de lei e os retrocessos em algumas áreas são mais do que evidentes.
Assim, é preciso que isto conste, é preciso que acabem a demagogia e as frases hábeis que visam manter lá fora uma contínua chama, ardendo, para convencer as pessoas de que, de facto, apresentam grandes iniciativas legislativas quando, efectivamente, o não são. Isso é lamentável!
Aliás, o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto esteve sempre muito distraído: não conhece a Constituição, que obriga a consulta pública, confunde consulta pública com audições e, depois, inventa aqui «uma tremenda estratégia do PCP», que apresentou o ano passado um projecto volumoso e parece que, agora, para contrapor isso, numa estratégia concertadíssima com o PCP, o Partido Ecologista Os Verdes teria apresentado um projecto de lei minguado.
O Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto não comparou sequer o projecto de lei de Os Verdes deste ano com o do ano passado, que era também minguadíssimo! Ora, o projecto que Os Verdes apresentam este ano tem apenas um artigo diferente em relação ao do ano passado, ao qual eu já fiz algumas críticas no relatório que apresentei, por me parecer que esse artigo necessita de algumas precisões e clarificações.
Ainda em relação às pensões de sobrevivência, quero dizer que o projecto de lei do Partido Socialista não re

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solve uma outra questão, que também tem inviabilizado que muitas pessoas acedam a essas-pensões: a do prazo de caducidade da acção contra a herança do falecido, que é de dois anos. Ora, já tem acontecido - e eu casos conheço - que quando pessoas das zonas rurais, das zonas que menor esclarecimento possuem descobrem que têm esse direito e vão propor a acção já passaram dois anos, o que as impede de obter a sentença que produza os efeitos necessários para a atribuição dessa pensão de sobrevivência. E o dramático de tudo isto é que são as uniões de facto mais carenciadas as que mais sofrem com esta situação, porque enquanto na união de facto em que o falecido até tinha bens, até tinha herança, a pessoa que com ele vivia, e que é necessitada, propõe uma só acção, obtém o direito a pensão de alimentos e recebe a pensão de sobrevivência, na situação em que nenhum dos parceiros tem bens a pessoa sobreviva tem de propor duas acções.
Srs. Deputados do Partido Socialista, isto não é resolver coisíssima alguma, não é resolver nada.
Das outras disposições do projecto de lei, algumas delas merecem-me censura e outras há que estão mal cuidadas. De facto, não se entende muito bem, em relação ao arrendamento urbano, como é que a pessoa, vivendo em união de facto, na transmissão por morte passa para primeiro lugar se o cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto disser que não quer a casa. É claro que se há um cônjuge não há união de facto e a pessoa não tem direito à transmissão, porque pertence ao conceito da união de facto nenhum deles ser casado. Portanto, também isso, lamentavelmente, foi feito de qualquer maneira e sem cuidar do acerto da solução.
Isto para não falar já daquilo que convém ser mais uma vez reafirmado: muitos dos dispositivos que vêm no projecto de lei, muitos dos regimes jurídicos que nele se diz serem aplicáveis já existem, já foram enunciados e não vale a pena voltar a falar deles.
Assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, mantendo sempre a afirmação de que o PCP tomará, de início, a posição que entender ser aquela que torna possível resolver os problemas, reservar-se-á sempre uma posição final, porque não está disposto a que se enganem as pessoas com bonitas palavras teóricas e de grande filosofia política.
Portanto, reafirmando isso, quero também assinalar que tanto os dados estatísticos da União Europeia como os do Instituto Nacional de Estatística, demonstram que há uma profunda transformação nas famílias. E, desde já, convido quem ainda o não fez a ler as previsões do Eurostat em relação à taxa de «divorcialidade» na União Europeia, onde constatará que um terço dos casamentos, este ano ou no próximo ano, acabarão em divórcio, como os convido a ler os dados estatísticos sobre crianças nascidas fora do casamento, desde 1980, já que tudo isto leva a que tenhamos alguma atenção para a realidade sociológica.
E termino prestando homenagem ao Sr. Presidente da Assembleia da República, pelo facto de, quando exerceu funções governativas, ter iniciado o caminho que permitiu transformações na lei para proteger as uniões de facto.

Aplausos do PCP.

O. Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto pede a palavra para que efeito?

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Dou-lhe já a palavra, Sr. Deputado, mas, antes, quero agradecer à Sr.ª Deputada Odete Santos a referência amável que me fez.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Foi justa; se não a merecesse eu também não a fazia.

O Sr. Presidente: - Infelizmente não pude, na altura, levar tão longe quanto queria a pretensão das uniões de facto, mas foi, realmente, uma porta que se abriu.
Tem a palavra, Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, a Sr.ª Deputada Odete Santos veio aqui reconhecer uma realidade sobre a qual estamos de acordo, mas, pelos vistos, hoje a Sr.ª Deputada Odete Santos e o PCP estão interessados em cavar diferenças que não existem nas nossas opiniões sobre uma realidade social que merece a atenção do legislador. Mas está interessada, por razões que ela conhecerá, em dramatizar diferenças que ninguém percebe.
A Sr.ª Deputada veio reconhecer que há uma realidade social grave e veio fazer aqui uma intervenção em tom de «gemido neo-realista», com os pobrezinhos, os desfavorecidos e os que não estão suficientemente tutelados, salvaguardados e atendidos pela legislação em vigor.
E eu estou de acordo consigo! Eu só não percebo por que razão o PCP não trouxe também um diploma a este debate!... E também não percebo como é que o PCP vem dizer que o diploma por nós apresentado é burocratizante!... A Sr.ª Deputada já se esqueceu do diploma que apresentou o ano passado, presumo que depois de ter feito a tal consulta pública?!... Lembra-se quanto artigos tinha? Tinha 50 artigos, Sr.ª Deputada, e o meu tem quatro artigos.

A Sr.ª Odete Santos (PÇP): - Ainda bem que falou nisso! Já lhe respondo!

O Orador: - Responsabilidade civil, trabalho, âmbito pessoal, segurança social, habitação, regime fiscal, dívidas dos cônjuges, obrigação de alimentos, direito das sucessões...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Já vai ouvir a resposta!

O Orador: - Ó Sr.ª Deputada; este era o tal outro casamento-sombra que tinha elaborado, congeminado..., o casamento que ia resolver, no plano dos problemas sociais, toda a injustiça, miséria e maldade que existe na sociedade.
A Sr.ª Deputada sabe que não concordamos com isto, mas, em todo o caso, em matéria de burocracia a Sr.ª Deputada tem créditos firmados na praça! Tem atrás de si um curriculum a que responde e que a precede. Portanto, não venha dizer que o nosso diploma sobre esta matéria é burocratizante.
Mas eu queria só chamar a sua atenção para o seguinte, Sr.ª Deputada: o que importa, nesta situação - há que reconhecê-lo -, dada...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Explique lá isso do meu curriculum.

O Orador: = Tem um curriculum que a precede no sentido em que apresentou um diploma o ano passado.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É por causa disso?!... Então está bem.

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O Orador: - Não estava a insinuar que eu tive uma intenção ofensiva!?... Não está nos meus hábitos ser desagradável com ninguém e muito menos com a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Deputada convirá - e a bancada do PCP convirá também - que, nesta discussão, o que é preciso é, para além de reconhecer o que existe de comum - que é muito! - na vossa e na nossa apreciação da realidade social, votar utilmente. E fazê-lo não é votar com a direita para destruir esta proposta!...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Calma, o voto é nosso!

O Orador: - É votar utilmente, dar uma contribuição positiva.
Os Srs. Deputados do PCP não trouxeram aqui uma objecção política de fundo, apenas trouxeram «uma cortina de fumo» jurídica, e é para isso que serve o debate na especialidade. A especialidade serve para dissipar «cortinas de fumo» jurídicas.

O Sr. José Magalhães (PS): - A coisa começa a «aquecer»!

O Orador: - Os Srs. Deputados trouxeram uma «cortina de fumo» jurídica que, por excelência, é para dissipar em sede de discussão na especialidade; os Srs. Deputados descobriram - e, imediatamente comemoraram que a JS se esqueceu de pôr no diploma que este regime não prejudica a aplicação de outros eventuais direitos consagrados e então pensara: temos aqui um diploma que, aparentando introduzir um conjunto de vantagens e de benefícios, pretende, indirectamente, revogar toda a legislação existente sobre esta matéria, uma vez que regula, unitariamente, as uniões de facto.
Sr.ª Deputada, está farta de saber que não é assim!... Como é evidente, esse é o tipo de objecção que nós agradecemos que nos suscite em sede de especialidade, já que fazemos questão de melhorar o nosso projecto de lei.
Portanto, sem levantar objecções políticas de fundo, sem dar a cara por um diploma, não venha aqui levantar, artificiosamente, «uma cortina de fumo» com questões jurídicas, todas elas fáceis de resolver e de dissipar na especialidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra a Sr º Deputada Odete Santos.
Para fazê-lo dispõe de 3 minutos, que lhe foram concedidos pelo Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, começo a ficar muito inquieta, porque é a segunda vez que, em relação a mim, o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto usa expressões «escaldantes»: disse, primeiro, que eu vinha «incendiar» a Câmara; e agora referiu uma «cortina de fumo».

Risos.

Sr. Presidente, peço-lhe que tome as providências necessárias para que se ponha cobro à situação, porque parece que estou a cometer um crime de fogo posto.

Ó Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, eu não percebo como é que o senhor pode querer convencer as pessoas de que a minha intervenção foi artificiosa! Olhe, eu é que hão vim para aqui fazer grandes discursos sobre a origem e as transformações do conceito de família! Eu parti de uma realidade que nós todos conhecemos, e eu especialmente por via da minha profissão de advogada. Aliás, tenho uma acção no Tribunal Judicial de Lisboa há seis anos para provar que a pessoa tem necessidade de uma pensão de alimentos para depois... Aliás, a pessoa já deve ter morrido, porque nunca mais me apareceu.
Sr. Deputado, eu pasmo que possa ainda afirmar que é artificioso tudo o que eu disse! O que não pode é convencer as pessoas de que este projecto de lei é bom, porque não é!

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - É bom:

A Oradora: - Não é bom, não senhor.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Não?!

A Orador: - Não é bom, não senhor! E depois de andar dois anos a falar no projecto de lei, sinceramente, Sr. Deputado, vem apresentar isto?! Tendo, como tem, pessoas na sua bancada que percebem tanto de Direito, vem apresentar um projecto de lei destes?! Obrigou-me a dizer isto e eu não o queria dizer!

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Então, e o seu, Sr.ª Deputada?!

A Oradora: - E não venha com o projecto de lei do PCP! Pode acusar, pode dizer que não está de acordo com o regime jurídico que o PCP apresentou, mas, se eu quiser, transformo aquele projecto em meia dúzia de artigos e ponho no final: «O Governo regulamentará esta lei no prazo de 90 dias» e depois virá a regulamentação.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Esse é o projecto de Os verdes!

A Oradora: - E ainda bem que falou nas questões da responsabilidade, porque quero também dizer aqui que, se o seu projecto de lei fosse aprovado tal como estava, haveria outros direitos que seriam retirados, porque o seu projecto de lei começa logo por dizer, no artigo 1.º, n.º 1, que regula o regime jurídico das uniões de facto, ponto final, parágrafo!

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Isso é má-fé!

A Oradora: - Não é má-fé; má-fé é a sua, quando vai lá fora dizer que vai resolver os problemas das pessoas que vivem em união de facto! Isso é que é má-fé política!
Se o seu projecto de lei fosse aprovado assim, aconteceria que a jurisprudência - que, a partir de certa altura, inverteu no sentido de considerar que as acções de enriquecimento sem causa se aplicavam às uniões de facto, contra outra jurisprudência que, anteriormente, dizia que não, e por força de alterações legislativas que foram dando aos juízes uma realidade que tinha de ser encarada de outra maneira - teria de decidir, já não se poderia recorrer às acções de enriquecimento sem causa, porque os direitos seriam estes que estavam aqui e, se nem se fala

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nada de bens nem de coisíssima nenhuma, não teriam direito a isso!

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Deputada!...

A Oradora: - E, já agora, se não sabe, Sr. Deputado, além daquele elenco que o senhor aqui fez, e porque falou na responsabilidade, devo dizer-lhe que há também jurisprudência que vai no sentido de haver direito - e era isso que o projecto de lei do PCP tinha - a indemnização por acidente de viação das pessoas vivendo em união de facto. Por isso, Sr. Deputado...

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Mas são essas as razões do PCP?!

A Oradora: - Acalme-se, eu falo alto, mas estou calma!

Risos do PSD e do CDS-PP.

Acalme-se, porque o PCP tem, nesta matéria, concepções muito diferentes da direita - muito diferentes! - e fomos nós que, há alguns anos, apresentámos um projecto de lei (que era minguado, abrangia menos coisas), que previa soluções para o exercício de direitos, das pensões de preço de sangue, etc., etc., e que é muito diferente daquilo que o senhor propôs, porque previa um processo administrativo para se chegar às pensões.
Portanto, sabemos como havemos de votar e não temos medo das suas ameaças!

Aplausos do PCP.

Vozes do PCP: - Esqueceram-se de tanta coisa!
Risos.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Srs. Deputados, o que falta neste projecto de lei é um preceito no qual se diga que ficam salvaguardados os outros direitos já consagrados na lei. O resto é má-fé!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Espero que já tenha passado o, enjoo ao Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto que, há pouco, referiu que tinha, embora eu pense também que, depois da intervenção da Sr.ª Deputada Odete Santos, esse enjoo já é total e não sei se ele vai conseguir ouvir esta intervenção do PSD.

Risos.

Isto porque a mesma só vai corroborar todos os factores que já foram apontados, todas as situações que já foram referidas; vai apontar, uma vez mais, para a falta de transparência, de honestidade deste procedimento, escondida, ou pseudo-escondida, pela pesporrência a que o Sr. Deputado. já nos habituou.
A Assembleia da República discute hoje, de novo, o regime das uniões de facto, retomados, e mal, que foram os projectos de lei apresentados por Os Verdes e pelo Partido Socialista.
O actual projecto de Os Verdes é uma mera e lamentável repescagem do anterior. Como ficou claro no outro

debate parlamentar, Os Verdes, que dizem compreender e aceitar as uniões de facto, continuam a não resistir à tentação de subverter a respectiva filosofia, submergindo nas teias da burocracia e no peso do controlo institucional quem, com todo o direito, quer manter-se alheado delas.
O projecto de Os Verdes faz, assim, da união de facto uma realidade descaracterizada, certamente envergonhada pelas cedências a certos requisitos do regime do casamento a que, aparentemente, pretendia escapar.
Quanto ao projecto do PS, eis que temos perante nós uma versão pretensamente nova, segundo consta, após a primeira ter sido censurada pelo próprio grupo parlamentar e, bem assim, pelo Primeiro-Ministro, e de ter ainda estado na origem de alguns «puxões de orelha», sempre paternais e, naturalmente, democráticos, dados pelos seniores aos juniores, mas que, não obstante isso, não sofreu ajustamentos significativos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Originário da juventude socialista, o projecto inicial, que queria encerrar a faculdade de extensão do seu conteúdo às relações entre pessoas do mesmo sexo, apresentava, à semelhança do que sucedera com a iniciativa legislativa sobre a despenalização do aborto, os ingredientes necessários para, uma vez mais, com a típica leviandade socialista, criar novas divisões na sociedade portuguesa.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Ai, meu Deus!...

A Oradora: - É agora que vai haver o desmaio?! Talvez.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Está iminente, Sr.ª Deputada!

A Oradora: .- Então, temerosos da reacção dos portugueses, o Grupo Parlamentar do PS e o Primeiro-Ministro convidaram os proponentes a recuar, com a promessa de, para salvarem a face perante o país - e olhem que precisam! -, poderem vir a agendar o projecto, mais uma vez, expurgado agora dos aspectos deliberadamente dúbios e polémicos.
Ora, hoje, é sobre esse projecto, já depurado de equívocos, que temos de nos pronunciar, não obstante a falta de pudor político dos proponentes.
Em relação ao projecto do Partido Socialista, vale~sempre a pena recordar esta petite histoire - se quiserem, estes bas fonds - desta iniciativa legislativa para acentuar que, na presente versão, à guisa de compensação, subsistiu intacta a preocupação de lhe conferir uma natureza pioneira, que ele, efectivamente, não tem e que os proponentes sabem que não tem, ... .

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - ... e, assim, reescrevendo o guião (os senhores são hábeis em reescrever a História e agora procuram reeescerever um mero guião de uma iniciativa legislativa), tentam forjar aplausos e louros.
Todavia, em geral, o projecto de lei do Partido Socialista é um exemplo acabado de publicidade enganosa. Trata-se de uma manobra para iludir os cidadãos que vi-

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vem ou pretendem viver em união de facto quanto aos direitos de que já gozam no presente e, ao mesmo tempo, anunciar, prometendo, direitos, como se só o Partido Socialista tivesse sensibilidade para reconhecer a justiça de semelhante pretensão.
Na verdade, um cidadão incauto poderia começar por pensar que só agora é que as uniões de facto iriam passar a ter reconhecimento legal e uma disciplina jurídica assente na equiparação ao regime dos cônjuges.
Aliás, para fazer laborar nesse erro, o projecto não deixou de trazer à colação o concubinato. E, ao fazê-lo, mal, ou não sabe do que fala e que as realidades que apresenta em sinonímia não o são necessariamente ou, então, padece de uma síndroma pseudocultural «carrilhista», naturalmente, e erra quando quer fazer «bonito», e não fez.
Mas o Partido Socialista, porque quer sempre dar largas ao seu «dom quixotismo de pacotilha», pretende surgir como o defensor daqueles que preferem a união de facto ao casamento com «papel passado», daqueles que, numa «versão de fim do século» - mas XIX, não XX - concitavam sobre si a reprovação e, porventura, a hipocrisia sociais. Só que os tempos são outros, Srs. Deputados.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - O 25 de Abril de 1974, não foi em 1800, Sr.ª Deputada!

A Orador: - Acalme-se, Sr. Deputado, acalme-se!
Assim, o Partido Socialista não pode pretender estar próximo das pessoas, como não se cansa - e nos cansa - de proclamar, se ainda acha que a sociedade portuguesa está presa a moralismos bacocos, que ele agora quer utilizar como arma de arremesso para mostrar a bondade do seu projecto supostamente inovador, despreconceituado e justo.
E assim que, na sua generalidade, os direitos que são reivindicados para as pessoas que vivem em união de facto já são hoje seus, podendo e devendo ser exercidos pelos seus titulares.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Daí que uma coisa seja introduzir melhoramentos nas leis - o que é honesto e desejável - e, desse modo, beneficiar os cidadãos, e outra realizar uma apropriação partidária e pessoal indevida de algo que já existe no nosso ordenamento jurídico e, então, dolosamente, procurar fazer passar como acabado de confeccionar um cozinhado requentado e no congelador há décadas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Neste contexto, a ânsia das luzes da ribalta vem a par da falta quase total de inovação. Assim, o bom senso e a honestidade política aconselhavam que os proponentes dessem uma prova de humildade - Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, isso não fica mal a ninguém! - e, reconhecendo o carácter empolado, gongórico e pedante da epígrafe do seu projecto de lei («Regime jurídico das uniões de facto»), desajustada do respectivo conteúdo, fossem às últimas consequências, fossem mais comedidos e mais verdadeiros. Daí que, mais correcto, até porque identificado com a verdade dos factos, fosse a previsão dos novos direitos e o aperfeiçoamento dos já existentes na sua sede legal própria.

Com os olhos postos em França, os yuppies políticos socialistas esqueceram-se de que o Engenheiro Guterres não é o Sr. Jospin e que não chega importar títulos de jornais para fazer política com seriedade. Mas animem-se, Srs. Deputados, pois, entretanto, os jovens socialistas já fizeram algum trabalho de casa: acabaram com a comprovação das uniões de facto, burocratizante e estatizante, pelas juntas de freguesia - o que não lembraria a ninguém, mas eles pensaram assim, na primeira versão -, bem como com o regime de bens para quem pretende estar liberto de peias e burocracias.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: No tocante à problemática das uniões de facto, o Partido Social-Democrata é claro e reconhece que se trata de uma realidade sociológica indiscutível e aceite pela sociedade portuguesa, gozando, mesmo, de cobertura legal pelas leis da República. O Partido Social-Democrata é categórico no acolhimento das uniões de facto.
Por isso, ao contrário do que certos pretensos vanguardístas sociais pretendem fazer crer, não é preciso «terçar armas» para afastar anátemas e estigmas sociais inexistentes ou penalizações jurídicas igualmente inexistentes para comportamentos que os portugueses assumem com naturalidade. Ora, é dessa naturalidade que qualquer uma das iniciativas legislativas em debate parece pretender,privar as uniões de facto.
E assim que nos manifestamos contra a equiparação das uniões de facto ao casamento: primeiro, porque, incompreensivelmente, se pretende formalizar o que a vontade das pessoas deseja informal, não vinculado e não burocratizado, não se respeitando o direito de opção de cada um; segundo, porque, irresponsavelmente, se transformam as uniões de facto numa espécie de casamento de grau distinto do verdadeiro casamento, quando as uniões de facto não são, nem podem ser, nem pretendem ser nada disso; terceiro, porque, à luz da cultura portuguesa, se desvaloriza a própria ideia de casamento e a essência da comunhão familiar, não contribuindo, em nada, para valorizar a distinção que, de facto, existe entre realidades que são social e juridicamente distintas.
Assim, há que assumir que o casamento é um contrato tutelado pela lei e que, como qualquer contrato, acarreta direitos e deveres para as partes. As pessoas que escolham viver em união de facto recusam esse contrato, renunciam aos direitos que dali lhes adviriam e, de igual modo, eximem-se aos correspondentes deveres.
O Partido Social-Democrata reconhece e aceita as uniões de facto, bem como o direito dos portugueses de escolherem livremente esta forma de relação, na certeza de que as opções individuais devem ser conscientes e coerentes e não inspiradas por uma estratégia selectiva de gozo e de exercício de direitos à Ia carte.
Assim sendo, o Partido Social-Democrata não pode deixar de ser contra a postura farisaica dos partidos ora proponentes e de mostrar a sua oposição às respectivas iniciativas legislativas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo, ouvimos a posi-

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ção do Partido Social-Democrata em relação aos diplomas e, concretamente, ao nosso, que, neste momento, está em discussão. Julgo que há uma questão de fundo que nos divide, Os Verdes e o Partido Social-Democrata, como é natural, porque a Sr. Deputada diz que o seu partido aceita que existam uniões de facto - mal fora que assim não fosse! É uma realidade sociológica e, mesmo que a não aceitassem, não seria por isso que ela deixaria de existir.
Tendo em conta uma realidade sociológica que é uma e não outra, quer ela seja bem ou mal digerida pelas diferentes partes, julgo que a questão que está em discussão é a de saber se se deve aceitar como bom e suficiente (e é essa a perspectiva do Partido Social-Democrata) que alguns afloramentos na lei possam permitir alguma protecção dessas famílias que vivem em união de facto ou se se deve (e é esse o entendimento de Os Verdes, de acordo, claramente, com aquilo que a Constituição da República permite) não fechar as famílias e a concepção de família ao matrimónio e admitir outras fórmulas e expressões da organização familiar.
Portanto, a questão que está colocada é a de saber se faz ou não sentido que, perante uma realidade sociológica profundamente enraizada no nosso país e que tem um sentido de crescimento, sem que o mesmo, aliás, coloque em causa o outro crescimento da instituição matrimónio, a desprotecção e a discriminação de que essas famílias hoje são alvo (famílias que, é bom não ignorar, são aquelas onde hoje - aliás, não é hoje, pois os dados são de 1995 - mais de 18% das crianças nascem) continuem a existir. Em nosso entendimento, não devem continuar desprotegidas; em nosso entendimento, os afloramentos dispersos que existem na lei são insuficientes e, em nosso entendimento, alargar a protecção a esses cidadãos que optaram por viver em união de facto é uma prioridade, é, do nosso ponto de vista, não só a não discriminação, não só o respeito pela livre opção de cada um mas é uma medida importante do ponto de vista da protecção da família.
E, Sr.ª Deputada, gostaria de colocar-lhe a questão a que o PSD aludiu para, no fundo, sustentar a sua opinião e que consiste em dizer que as pessoas que vivem em união de facto fazem-no porque escolheram determinado modo de vida e, portanto, não têm de ser de algum modo violadas na sua opção, na sua livre escolha, por se lhes impingir uma determinada forma de protecção.
Ora, julgo que este é um equívoco que não está, de forma alguma, em discussão neste projecto - estou a falar do projecto de Os Verdes, não do do Partido Socialista, que é o que é. Mas, do nosso ponto de vista, entendemos que a tributação de uma família em união de facto como uma unidade económica que é, que a protecção no que significa a possibilidade de assistência à família, que o equiparar, por exemplo, as condições de transmissão do arrendamento, não são questões menores.
E, quanto à questão que a Sr.ª Deputada coloca relativamente ao respeito ou não por uma determinada forma de livremente organizar a família, essa é uma questão que não se coloca e dissemos isso com grande clareza na intervenção inicial que produzimos.

O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
Nós queremos definir um estatuto que alargue a protecção das pessoas que vivem em união de facto, mas é evidente que desse estatuto, dessa protecção jurídica, só

serão beneficiários aqueles que a ela queiram recorrer. Portanto, não é um estatuto que se aplique automaticamente, pelo que não fazia sentido colocar a questão da Iíberdade.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD):, - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, desde logo, gostaria de esclarecer um aspecto que eu pensava que não suscitava quaisquer dúvidas. Quando dizemos que aceitamos as uniões de facto, obviamente, não estamos a dizer que nós, especialmente nós, aceitamos uma realidade que é incontestável e que toda a sociedade portuguesa aceita. O que queremos dizer é que reconhecemos e, se calhar, até o termo «reconhecer» não é o mais adequado porque também é reconhecido por 20 milhões de pessoas... Sr.ª Deputada, se quer fazer um aprimoramento da sua exposição, vamos inventar um melhor termo, mas aceitar, reconhecer, admitir, andamos todos à volta do mesmo e a esse nível a sua intervenção foi uma pura bizantinice literária.
No entanto, deixe-me dizer-lhe que não percebo - e já vou responder à questão que me colocou - por que é que quis apresentar as pessoas que vivem em união de facto como pessoas desprotegidas. Todo o cidadão, quando não há uma legislação para cobrir as situações em que ele se encontra, está não protegido pela lei e depois de ter a legislação está protegido pela lei. Portanto, o desprotegido aqui, dito da forma como a Sr.ª Deputada referiu, quase parece uns desprotegidos da sorte, do mundo, da vida. Por amor de Deus!

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Por outro lado, trazer à colação as crianças desprotegidas?!... Mas não é agora, pelos pais que vivem em união de facto passarem a ter os direitos a que a Sr.ª Deputada alude no seu projecto de lei, ou que até o próprio PS alude, mal, no projecto de lei que também apresentou, que se passa a ter crianças protegidas, porque os interesses das crianças não passam, de uma forma directa, pela pensão dos pais, pelo IRS, etc.
Quando falamos em crianças desprotegidas, falamos em crianças em risco, que é uma situação completamente diferente, e no apoio às diversas fases da sua evolução, desde a infância, à adolescência, etc.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Mas, respondendo agora à sua questão, devo confessar, Sr.ª Deputada, que, quando li o seu projecto de lei, não o vi numa lógica de «impingir» o que quer que fosse; agora, se me permite, neste pinguepongue verbal, não há dúvida alguma de que o «impingir» dito pela própria subscritora foi infeliz. Mas este é um comentário meramente a lacere.
Deixe-me dizer-lhe que, se tivesse prestado um pouco mais de atenção ao meu discurso, teria percebido que nós falámos em alguns direitos que já hoje existem - e a Sr.ª Deputada nos exemplos que deu falou no arrendamento, na fiscalidade... Não existe em sede de IRS, mas nós, através da intervenção que fiz - e essa é a posição do Partido Social Democrata -, interrogámos no sentido de saber por que razão não vamos às sedes onde essa maté-

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ria já vem tratada e aí introduzir-se um aprimoramento. Por quê fazer pomposamente, grandiloquentemente, um regime para as pessoas que vivem em união de facto, quando, no fundo, o que se vai fazer é uma codificação e a lei da Assembleia da República para este efeito não deve servir como codificação? De facto, não está a inovar nada e quando inova fá-lo noutra sede. Por exemplo, vá ao Código do IRS e, certamente, aí terá o apoio do Partido Social Democrata; agora, não apresente um pacote legislativo, que tenha meia dúzia, nove ou dez artigos, o que quer que seja. Isso é criar às pessoas, aos destinatários, uma falsa percepção daquilo que vai surgir. E mais: é criar a ilusão de que hoje essas pessoas estão desprotegidas e não estão.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Discriminadas!

A Oradora: - Discriminadas? A Sr.ª Deputada ainda vive no tempo dos filhos ilegítimos e dos filhos legítimos?

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Não!

A Oradora: - Ah bom, pensei que raciocinava assim! Se fosse dizia-lhe: acelere, porque o tempo não é compatível como esses seus atrasos temporais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: As inúmeras transformações sociais deste final de século deram origem a um novo conceito de tipo familiar, que necessita ser alargado e sistematizado no ordenamento jurídico português.
A noção de família evoluiu fruto das circunstâncias. Do ponto de vista legal e pedagógico mudou do carácter puro, com base no matrimónio, para dar lugar a vários tipos de família de facto. Por estas razões, torna-se hoje difícil uma definição consensual do conceito de família no espaço europeu.
É, hoje, notório que muitos são os casais que optam por constituir famlia sem casar. A Constituição da República Portuguesa distingue claramente o direito de constituir família e o direito de contrair casamento. Reconhece-se a todos os cidadãos o direito à protecção legal quer à família que se constitui no casamento quer à de união de facto.
Os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira consideram que' «o conceito constitucional de família não abrange apenas a "família jurídica" havendo assim abertura constitucional - senão uma obrigação - para conferir o devido relevo jurídico às uniões de facto.».
Constitucionalmente, o casal nascido da união de facto também é família, «embora não tenham o estatuto de cônjuges, não há distinções quanto à filiação daí decorrente.».
No âmbito da União Europeia, há já um reconhecimento da união de facto numa perspectiva muito clara e muito concreta - a protecção da família.
E, Sr.ªs e Srs. Deputados, é isto que está em causa: a protecção social da família. Não faz sentido que a lei ignore uma família que existe apenas pelo facto de não ser constituída por casamento. A liberdade de escolha do modelo familiar exige a protecção da família em união de

facto. É isto que está em causa. Não está em causa uma equiparação da união de facto ao casamento ou a sua transformação num casamento de segunda.
A liberdade de escolha de um modelo familiar exige que a lei respeite a opção de quem decide viver em conjunto, sem casamento.
É por causa desse respeito, pela liberdade de quem escolhe uma união informal, que não faz sentido importar complicações para o regime da união de facto. Não faz sentido, por exemplo, importar levianamente os regimes de bens do casamento sem ter a noção da confusão que se instalaria em questões de administração do património, da titularidade dos bens e do regime de dívidas do casal.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Sr.ªs e Srs. Deputados: A família é, hoje, um elemento decisivo no modelo social europeu. As políticas sociais da Europa têm em conta a protecção da família.
De uma maneira geral, em todos os países da Comunidade europeia é consagrada, na sua lei fundamental, a família como elemento primordial da sociedade. Veja-se a legislação espanhola, italiana, alemã e irlandesa, para não citar outras. A existência de departamentos governamentais para a família é comum em todos os países da Comunidade e Portugal não é excepção. A preocupação é, portanto, a redimensão do papel familiar como pólo potenciador do desenvolvimento e bem-estar dos indivíduos.
O relatório do Conselho da Europa, de 13 de Maio de 1991, conclui pela necessidade de os Estados se adaptarem à evolução da sociedade, às mudanças das tradições e de mentalidade: «a união de facto banalizou-se e tornou-se uma alternativa ao casamento.».
Sr.ªs e Srs. Deputados: Apesar de algumas resistências, não da sociedade civil mas dos quadrantes políticos mais conservadores, a união de facto não tem sido ignorada pelos dispositivos normativos portugueses. São vários e dispersos os diplomas que reconhecem esta realidade e a consequente atribuição de direitos aos cidadãos que optam pela co-habítação.
Ainda recentemente, esta Assembleia da República aprovou o regime jurídico de acidentes de trabalho em que se reconhece a relevância deste estatuto familiar.
Mas importa questionar: será justo que o Regime de Arrendamento Urbano posicione o membro da união de facto na 5.º classe de possíveis transmitentes? Será justo que esta transmissão só se opere decorridos cinco anos da união, quando o artigo 2020.º do Código Civil confere efeitos a essa união decorridos apenas dois anos? Será justo que um casal em união de facto não possa adoptar conjuntamente uma criança? Fará sentido que um membro do casal em união de facto não possa adoptar o filho de um outro? Fará sentido que, no âmbito do regime de férias, feriados e faltas, em caso de morte de um membro da união de facto, o membro sobrevivo só tenha direito a dois dias de faltas justificadas enquanto o casado tem cinco? Por último, será justo que um membro de uma família em união de facto não tenha direito a faltas justificadas para assistir ao companheiro ou companheira em caso de doença?
São situações como estas que, em nome da mais elementar justiça, uma lei não preconceituosa deve regulamentar. É a situações como estas que se dirige a presente iniciativa da Juventude Socialista.

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Sr.ªs e Srs. Deputados: Há um número crescente de casais que optam pela união de facto, ao invés do casamento. A sociedade civil quer o estatuto jurídico das uniões de facto; a sociedade civil exige de nós que saibamos acompanhar as transformações sociais sem ficarmos tolhidos pelo tabu e pelo preconceito.
O que está em causa não é a equiparação do casamento à união de facto; o que está em causa é uma questão de sensibilidade humana, de justiça social, de protecção da família.
No limiar do século XXI faz sentido que acompanhemos, sem medos, sem tabus, sem complexos, sem preconceitos as transformações da sociedade, que aprofundemos o nosso espírito de solidariedade com vista à construção de um verdadeiro modelo social europeu.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por terminado este debate, procedendo-se à votação destes diplomas amanhã à hora regimental.
Srs. Deputados, vamos passar à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 172/VII - Clarifica o âmbito da Lei n.º 12/96, de 18 de Abril.
Srs. Deputados, temos de aguardar um pouco pelo Governo, que ainda não está presente.

Pausa.

Sr. Secretário de Estado, se me permite, um pequeno reparo: estamos há um quarto de hora à espera que o Governo chegue à Assembleia. Isto não é possível e eu peço ao Governo que faça, de futuro, um esforço de pontualidade, sob pena de estarem aqui dezenas e, por vezes, centenas à espera de um só...
Não veja nisto um reparo excessivo mas, de facto, eu estava quase a suspender os trabalhos, porque não pode ser assim. O Governo tem de preocupar-se mais em ser pontual no que se refere à sua vinda à Assembleia da República.
Tem a palavra, para introduzir o debate da proposta de lei n.º 172/VII, o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior.

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior (Jorge Silva): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, as minhas desculpas pelo atraso. É, de facto, imperdoável fazer esperar a Assembleia o tempo que esperou. Peço as minhas desculpas.
Relativamente à proposta de lei que está em discussão, do nosso ponto de vista, trata-se de algo que é muito fácil de explicar e tem que ver com a circunstância de o regime da Lei n.º 12/96 não se dever aplicar aos membros dos órgãos de direcção dos estabelecimentos de ensino superior, porque não foi concebida para estas situações.
Os membros da direcção dos estabelecimentos de ensino superior no exercício de cargos em regime de exclusividade determinaria uma limitação tal relativamente aos cargos de direcção dos estabelecimentos de ensino que se tornaria praticamente impossível que tivéssemos no quadro dos órgãos de gestão actual, que são, como sabem, cargos exercidos por eleição, pessoas que pudessem pertencer a esses órgãos.
Bastará dizer, por exemplo, que um estudante-trabalhador poderia ter aqui uma situação de incompatibilidade por

pertencer a um órgão directivo de uma faculdade ou de um instituto politécnico.
Portanto, o que se solicita é que o regime da Lei n.º 12/96 não se aplique aos membros dos órgãos de direcção dos estabelecimentos de ensino superior quando esse cargo seja exercido a título complementar, isto é, seja exercido simultaneamente com, por exemplo, a docência e a investigação, e estas serem exercidas a tempo completo, como é o que, geralmente, acontece nos estabelecimentos de ensino.
É apenas isto que, nesta fase do debate, tenho a dizer.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Brochado Pedras.

O Sr. António Brochado Pedras (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para além do que já tive oportunidade de escrever no relatório que esta manhã foi sujeito à apreciação da 1.ª Comissão, gostaria de sublinhar um aspecto que acho fundamental para a discussão e que se prende com a qualificação da natureza jurídica de carácter interpretativo atribuída pelo legislador nesta proposta de lei à lei. Mas, antes disso, não posso deixar de apontar dois ou três aspectos que me parecem pouco claros e que deverão merecer uma cuidada ponderação em sede de especialidade.
Não está em causa a oportunidade nem a razão de ser desta proposta de lei, que são evidentes e eu não vou agora repetir aqui aquilo que consta da «Exposição de motivos»; em todo o caso, a pergunta que qualquer um coloca quando lê este diploma é a seguinte: será que, de facto, esta proposta de lei é mesmo clarificadora das situações para que aponta?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É uma pergunta muito difícil!

O Orador: - E começaria por colocar esta primeira questão: V. Ex.ª falou nos estabelecimentos do ensino superior, mas será que não haverá outros institutos, outros organismos públicos que constituam altos cargos políticos que não mereçam um tratamento idêntico?
Foi aflorada em sede da comissão, pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a questão dos hospitais. Não haverá também circunstâncias de estabelecimentos hospitalares em que os médicos, enfermeiros, etc., por mor das suas funções, sejam indigitados para o preenchimentos desses lugares?
Esta é uma questão, mas há mais: o diploma que é trazido para nossa apreciação prevê o caso dos órgãos de direcção dos estabelecimentos de ensino superior quando esse cargo seja exercido a título complementar. Mas não haverá casos em que o exercício destes cargos possa ser paritário com o exercício das funções docentes? Ou até casos em que o cargo directivo possa ser exercido a título principal em relação às de funções docentes? E sabe-se hoje que as funções directivas tomam muito tempo aos senhores professores ou a outros funcionários... Não será caso também de estas situações merecerem um tratamento idêntico?

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Julgo que não poderemos deixar de equacionar estas questões, estas e uma outra. Por exemplo: estes titulares dos órgãos de direcção dos estabelecimentos de ensino superior poderão exercer as funções docentes noutro qualquer estabelecimento? Ou naquele onde trabalham? Ou naquele em que estudam? Julgo que a intenção do legislador foi a de prever os casos de os docentes poderem exercer cargos directivos nos estabelecimentos onde trabalham.
Dito isto, Sr. Secretário de Estado, gostaria também de tecer uma curtíssima consideração sobre a questão da qualificação da lei. No artigo 2.º, esta proposta de diploma atribui-se a ela própria natureza interpretativa e é certo que a doutrina estabelece que para uma lei ser de natureza interpretativa ela deve preencher dois requisitos: é preciso que a solução da lei anterior seja controversa, ou, pelo menos, incerta, e é preciso que a lei nova se situe, na solução que prescreve, dentro dos quadros da controvérsia, sendo ainda necessário que o julgador ou que o intérprete pudesse chegar a essa interpretação mesmo compulsando a lei antiga. Ora, é manifesto que este diploma não preenche nem um nem outro dos requisitos.

Vozes.do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - De resto, na «Exposição de motivos», quando se diz que, precisamente por a lei não prever estes casos, o Sr. Procurador Geral da República não tem feito uma fiscalização destes casos, por, manifestamente, se chegar à conclusão de que, se se fizesse essa fiscalização, iria encontrar matéria violadora da lei, é evidente que o próprio proponente, o Governo, está convencido de que não estamos em presença de uma lei interpretativa, mas de uma lei inovadora, marcadamente inovadora. Trata-se, portanto, de uma lei retroactiva disfarçada e eu, pessoalmente, Sr. Secretário de Estado, sou contra disfarces, porque gosto das coisas claras.
Assim, do meu ponto de vista, a admitir-se a retroactividade, e nada impede que o legislador atribua efeitos retroactivos, preferiria pegar no texto do n.º 1 do artigo 2 º da Lei n.º 12/96, de 18 de Abril, onde se fala das excepções, e aditar-lhe uma excepção, atribuindo-lhe efeitos retroactivos. Penso que ganhamos em introduzir clareza nos diplomas e, do meu ponto de vista, este diploma tem de ser objecto de estudo, de ponderação e, depois, terá, porventura, pernas para andar.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: A alteração do regime previsto na Lei n.º 12/96, que aqui nos é proposta, parece-nos ter toda a justificação, até por via de uma situação que decorre de uma análise que já foi feita pela Procuradoria Geral da República, através do Parecer n.º 41/96, de 27 de Junho, que referiu claramente que o cargo de director de faculdade e de instituto, bem como os vogais do órgão colegial da direcção, são subsumíveis no conceito de presidente de estabelecimento público, referido no n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 12/96, pelo que se encontram, assim, todos sujeitos ao regime de incompatibilidades da citada lei.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, naturalmente, nós não desejamos, neste momento e nesta sede, reeditar uma discussão que travámos neste Plenário aquando da discussão e aprovação da Lei n.º 12/96, de 18 de Abril. Como todos os Srs. Deputados sabem, houve posições absolutamente divergentes nesta matéria entre as diversas forças políticas e vingou, efectivamente, um consenso que se revelou maioritário, no sentido de que o regime aprovado era aquele que deveria ser aprovado. Foi, na realidade, aquilo que aconteceu e, portanto, da nossa parte, não estamos disponíveis para, neste momento e a propósito desta alteração, travar um debate geral a propósito do regime de incompatibilidades estabelecido na Lei n.º 12/96.
Contudo, queremos crer que todas as forças políticas reconhecerão que existe uma situação lacunar que, neste momento, tem de ser resolvida. Essa é uma situação evidente que, como referiram o Sr. Secretário de Estado e, de alguma forma, o Sr. Deputado António Brochado Pedras, resulta do facto de o pessoal docente, o pessoal discente e os funcionários de universidades e de estabelecimentos de ensino superior público estarem numa situação em que, por exercerem funções no próprio estabelecimento, não podem fazer parte dos órgãos directivos desse instituto público ou dessa faculdade, o que acontece também, por exemplo, a um estudante-trabalhador que exerça uma actividade remunerada fora do estabelecimento de ensino respectivo. Parece-nos, portanto, que esta situação ao nível do ensino superior público deve ser resolvida e esclarecida.
Efectivamente, o nosso entendimento, de acordo com o que é proposto, é o de que o regime previsto na Lei n.º 12/96, de 18 de Abril, não se aplica aos membros dos órgãos de direcção dos estabelecimentos de ensino superior público, quando esse cargo for exercido por docente, discente ou funcionário nesse mesmo estabelecimento de ensino.superior público, a título complementar. Esta é uma situação absolutamente clara para nós e não admitimos, como é natural - até porque queremos crer que não é isso que está subjacente quer ao espírito quer à letra da lei outra solução que não seja esta, porque isso seria estar a defender soluções que não estão previstas. Aqui, temos de, sobretudo, usar toda a frontalidade e toda a boa fé para que estas situações possam ser resolvidas, porque, em relação a tudo o resto que não aquilo que acabámos de referir, continuar-se-á a aplicar o regime da Lei n.º 12/96. Essa, para nós, é uma situação absolutamente clara, inatacável e inquestionável neste momento. Não admitimos que possa ser questionada, porque isso, de alguma forma, seria subverter ou alterar o próprio espírito da lei e, não sendo para isso que somos aqui chamados, não é essa a alteração proposta pelo Governo.
Neste sentido, e uma vez que temos o Governo presente neste debate, esta questão não enfermará de quaisquer equívocos ou de quaisquer outras situações que possam pôr em causa este entendimento. De qualquer forma, Sr. Presidente, uma vez que em sede de especialidade esta situação poderá ser ainda mais bem precisada, damos, desde já, o nosso apoio e manifestamos a nossa disponibilidade para que esta solução seja claramente definida e absolutamente estabelecida em termos inequívocos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Castro de Almeida.

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O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Esta proposta do Governo representa claramente um passo atrás e uma mudança na trajectória que o Governo tinha imposto com a proposta de lei que deu lugar à Lei n.º 12/96.

O Sr. José Magalhães (PS): - O senhor defende a proibição?!

O Orador: - Mas há passos atrás que vão no bom caminho...

O Sr. José Magalhães (PS): - Ah!

O Orador: - ... e este é, seguramente, melhor do que o caminho que o Governo pretendeu percorrer em Janeiro de 1996, como, na altura, dissemos.
Na altura, denunciámos a falta de ponderação que estava subjacente a esta proposta do Governo; só que, nessa altura, em Janeiro de 1996, o Governo estava tomado de uma euforia radical que não o deixava ouvir ninguém, passando por cima de tudo o que fosse crítica, sugestão e comentário, sendo isto que resulta da leitura do debate que então ocorreu, em 28 de Janeiro de 1996, sobre esta matéria.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Eu avisei!

O Orador: - Era a euforia do Governo e do Partido Socialista e é curioso notar como são diferentes os discursos dessa época e os de agora.
Quero saudar o Partido Socialista, porque está a fazer um percurso acertado. Hoje, já vemos o Partido Socialista disponível para alterar as propostas do Governo, porque admite que nem sempre as propostas do Governo vão no bom caminho.

O Sr. José Magalhães (PS): - Nada como um pouco de humildade!

O Orador: - Na altura, quando o PSD fez as críticas, o Partido Socialista não tinha ouvidos para nos ouvir e é curioso notar como o tom grandiloquente e infalível do Sr. Ministro Adjunto no debate de 1996 dá hoje lugar à discrição do Governo e ao discurso de dois minutos do Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior. Nós receamos mesmo que este discurso de hoje do Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior possa ser o prenúncio de um outro discurso que, qualquer dia, venha cá fazer o Sr. Secretário de Estado da Saúde, por exemplo, pedindo mais uma excepção à lei geral, agora já, eventualmente, para os cargos de gestão hospitalar. Isto para dizer que esta norma que está aqui proposta é tão imponderada como foi a proposta inicial do Governo que agora está a ser alterada.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não é nada seguro que a justificação que o Governo traz para esta alteração não se aplique a outros ministérios, como já aqui foi dito. Tudo leva a crer mesmo que esta excepção, que agora é pretendida para o Ministério da Educação, para os estabelecimentos do ensino superior, deva ser aplicada a estabelecimentos do Ministério da Saúde. Só que esta Lei n.º 12/96, e agora é mais fácil reconhecê-lo, foi um acto de propaganda do Governo. Na altura, foi meramente um acto de propagan-

da e os actos de propaganda não são dados a ponderações serenas e reflectidas e não são dados a levar em conta toda a especificidade e toda a diversidade da nossa Administração Pública.
Provavelmente, as precipitações de Janeiro de 1996 vão repetir-se agora, já que o Governo está a fazer uma análise estritamente sectorial desta alteração que agora propõe e que, por outro lado, está a fazer uma correcção de trajectória, como já disse, que é envergonhada e camuflada. Na «Exposição de motivos» diz-se uma coisa, mas a solução da norma é outra diferente, o que já aqui foi dito, pelo que creio que, na comissão, será possível obter-se uma disposição mais favorável, diferente desta que o Governo propõe, especificando que a possibilidade de acumulação se cinge ao exercício de funções docentes dentro do estabelecimento de ensino superior em que se exerçam os cargos de direcção.
Por outro lado, partilhamos completamente as reservas formuladas no relatório da 1.ª Comissão acerca da natureza interpretativa desta norma. Esta norma não tem natureza interpretativa nem que o Governo o queira e, se não se decreta nem por decreto nem por lei, é da natureza das coisas que esta norma altera a lei em vigor. Esta norma é uma revogação da lei em vigor, é uma correcção .que altera o sentido, o alcance e o âmbito da legislação que está em vigor.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Tarde e a más horas!

O Orador: - O Governo, disfarçada e camufladamente, não quer reconhecer o erro, mas não lhe fica mal reconhecer o erro se for no bom sentido e, neste caso, seria no bom sentido.
Tudo isto para dizer, Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados, que, tal como está formulada, esta proposta é, para nós, tão inaceitável como foi a proposta inicial do Governo que aqui debatemos em Janeiro de 1996. Da mesma forma que denunciámos o erro na ocasião, também agora não estamos disponíveis para deixar passar mais uma precipitação, mas, se houver condições para, na especialidade, fazer um diploma ajustado, evidentemente que contarão com o empenhamento do PSD.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Sr.
Secretário de Estado, Sr s. Deputados: Estamos hoje aqui,
por mera coincidência, a analisar e a debater a proposta
de lei n.º 172/VII, que pretende, na opinião do Governo,
clarificar o âmbito da Lei n.º 12/96. Esta lei, como todos
estamos recordados, estabelece o novo regime de incom
patibilidades e a primeira conclusão, por mera coincidên
cia também, que podemos tirar já hoje, Sr. Secretário de
Estado, é a de que todos os instrumentos legislativos pro
duzidos até hoje, incluindo a Lei n.º 12/96, não foram
suficientes nem seguros para impedir aquilo de que tive
mos conhecimento nos últimos dias, ou seja; dos milhares
e milhares de nomeações que foram feitas por este Go
verno ao longo destes três anos e qualquer coisa. Penso
que é importante relembrar este facto, não esquecendo que
também não foram suficientes as declarações e as promes
sas que aqui foram feitas aquando do debate sobre a Lei

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n.º 12/96, que pretendia e objectivava criar o tal novo regime das incompatibilidades e que, na altura, convictamente abrangia a docência e aqueles que seriam os professores eleitos para as unidades orgânicas dos estabelecimentos de ensino superior quer das universidades quer dos politécnicos.
Relembro, porque penso que vale a pena fazê-lo, esta afirmação do Sr. Ministro Jorge Coelho, de Janeiro de 1996, a propósito da Lei n.º 12/96. Dizia o Sr. Ministro o seguinte, dirigindo-se à bancada do PSD: «O vosso líder, o Dr. Fernando Nogueira, pessoa que muito estimo, reconheceu num debate que havia cerca de 5000 pessoas nomeadas por critérios de confiança política. Não se recordam? Ora, até ao momento, este Governo não nomeou mais do que 60 pessoas.». E, mais adiante, esclarecia: «Os senhores utilizaram a Administração Pública como se esta fosse uma quinta e como se vv. Ex.as fossem os feitores dessa quinta e deste país, como se o País não fosse de todos os portugueses».

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Era para o debate anterior?!

A Oradora: - Sr. Secretário de Estado, sei que estes afincos de memória, mesmo que sejam garrettianos, não convêm! É natural! Mas, Sr. Secretário de Estado, relembro este debate apenas para lhe dizer que a sua intervenção inicial é muito preocupante. O Sr. Secretário de Estado vem aqui clarificar o âmbito de uma proposta de lei que pretende clarificar uma lei - e o Sr. Secretário de Estado foi bem claro -, não pretende interpretar coísíssima nenhuma, pretende clarificar alterando a lei e referiu, casuisticamente, por mera coincidência, os trabalhadores-estudantes.
É paradoxal, dá vontade de rir! Então, o Sr. Secretário de Estado vem aqui dizer a esta Casa que as unidades orgânicas de gestão do ensino superior deste país estão inteiramente dependentes dos trabalhadores-estudantes que são eleitos para esses órgãos de gestão?! Então, o Sr. Secretário de Estado não sabe muito bem que o que, esta proposta de lei pretende clarificar e que a Lei n.º 12/96 clarificava, mas, provavelmente, não convém a clarividência que a esta lei transporta, é, efectivamente, o cargo de reitor e de vicereitor?! Então, Sr. Secretário de Estado, não teria sido importante ter chegado hoje aqui, a esta Casa, e dizer o que é que se passa com os cargos de reitor e de vice-reitor, se estão em regime de exclusividade ou não, o que é isso de uma actividade complementar e de uma actividade principal?! Actividade complementar é aquela que decorre do facto de eu ser eleita para um órgão de gestão, porque, antes disso, primeiro que tudo e como premissa única, sou docente desse estabelecimento de ensino?! Então, e a partir do momento em que eu sou reitora ou vice-reitora não estou em exclusividade de fimções?! Ou estou, simultaneamente; a exercer a docência?! Ou só exerço a docência, porque declaro no meu estabelecimento de ensino público que pretendo exercer a docência e não só ser reitor ou vice-reitor?! Ou, então, Sr. Secretário de Estado, sou vogal dessa unidade orgânica e posso, simultaneamente, exercer a docência?! Ou, então, esta complementaridade - e isto é que teria sido importante o Partido Socialista ter sugerido como proposta de alteração, porque a própria bancada do Partido Socialista considerou que a eficácia, a eficiência, desta clarificação da lei é perfeitamente ineficaz e insuficiente...

Eram estas questões, Sr. Secretário de Estado, que teria sido importante clarificar. Explicar o que era actividade principal, o que era actividade complementar e, mais, responder a esta questão: qual é o normativo que impede que um docente eleito para uma unidade orgânica de gestão do ensino superior não dê, simultaneamente, aulas no estabelecimento do ensino público e num estabelecimento de ensino privado? Sr. Secretário de Estado, se não se importasse, gostaria que me sugerisse o normativo, dado que isto que nós temos hoje aqui em discussão diz que todos os docentes nestas condições, exercendo ou não a docência, ficam fora do âmbito da Lei n.º 12/96.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Peço-lhe que termine, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
Sr. Secretário de Estado, o que era importante é que V. Ex.ª não repetisse o discurso inicial, porque normalmente, quando vem a esta Casa, é para repetir os discursos que faz, e respondesse às questões concretas, para que, em sede de especialidade, possamos fazer disto uma lei e não este documento que aqui temos e que, efectivamente, não é nada.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - O Sr. Secretário de Estado pretende usar da palavra? Ainda tem algum tempo.

O Sr. Secretário de Estado,do Ensino Superior: - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Então, faça favor.

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior: Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostava, naturalmente, de reafirmar aqui a plena justificação e oportunidade desta proposta de lei, porque, senão, do ponto de vista das universidades e dos institutos politécnicos, corremos verdadeiramente o risco de não ter como elegíveis para os cargos de direcção das universidades, dos institutos públicos e dos seus estabelecimentos, das suas unidades orgânicas, as pessoas mais capazes.
Evidentemente que, quando se fala no exercício destas funções em termos complementares, estamos a pensar que seja, naturalmente, no mesmo estabelecimento de ensino! É óbvio!

O Sr. José Magalhães (PS): - É claro!

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Exactamente!

O Orador: - E quando faço aqui a referência ao trabalhadorestudante = peço-lhes desculpa - é apenas uma posição extrema, mas os exemplos podiam multiplicar-se.
E, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, não é só a questão do reitor e do vice-reitor; é a questão do reitor, do vice-reitor e do conjunto das pessoas que fazem parte dos órgãos de gestão das instituições, que não são órgãos unipessoais, são órgãos colectivos, e aqui é que está o risco da democratícidade deste sistema ser posta em causa se tivermos peias desta natureza.
É por isso que solicitamos que esta lei, que não foi concebida para situações específicas da universidade, tenha

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acolhimento, e é este acolhimento que solicito a esta Câmara.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Foi muito esclarecedor!

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Obrigada pelas não respostas, Sr. Secretário de Estado!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, esgotámos as inscrições, pelo que declaro encerrado o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 172/VII.
A próxima sessão plenária realiza-se amanhã, quinta-feira, com início às 15 horas, com um período de antes da ordem do dia e um período da ordem do dia que constará da discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 194/VII - Garante uma maior igualdade de oportunidades na participação de cidadãos de cada sexo, nas listas de candidatura apresentadas nas eleições para a Assembleia da República e para o Parlamento Europeu quanto aos Deputados a eleger por Portugal, assim como de votações à hora regimental.
Srs. Deputados, declaro encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Albino Gonçalves da Costa.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.

Partido Social Democrata (PSD):

Álvaro dos Santos Amaro.
António dos Santos Aguiar Gouveia.

António Joaquim Correia Vairinhos.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Artur Ryder Torres Pereira.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
João Calvão da Silva.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.

Partido Comunista Português (PCP):

Maria Odete dos Santos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Bento da Silva Galamba.
António Fernandes da Silva Braga.
Mário Manuel Videira Lopes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.

Partido Social Democrata (PSD):

Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Nuno Kruz Abecasis.

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