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Quinta-feira, 8 de Abril de 1999 I Série - Número 68

DIÁRIO da assembleia da República

VII LEGISLATURA

4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1998-1999)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 7 DE ABRIL DE 1999
Presidente: Exmo. Sr. António de Almeida Santos
Secretários: Exmos. Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de requerimentos e de respostas a alguns outros.
Foram aprovados dois pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, um sobre retoma do mandato de um Deputado do PS e substituição de outro Deputado do PSD, e outro autorizando uma Deputada do PSD a prestar depoimento, como testemunha, em tribunal.
O Sr. Deputado Joaquim Sarmento (PS) congratulou-se com a candidatura do Vale do Douro a património da humanidade.
O Sr. Deputado Aníbal Gouveia (PS) falou da importância do sector marítimo-portuário, particularmente, do porto de Aveiro.
O Sr. Deputado Fernando Pereira (PSD) abordou as principais carências que afectam o distrito de Vila Real
A Câmara aprovou o voto n.º 15O/VII - De repúdio pelo massacre perpetrado em Liquiçá, Timor Leste, por elementos das milícias pró-integracionistas (PS, PSD, CDS-PP, PCP e Os Verdes). Pronunciaram-se os Srs. Deputados Barbosa de Melo (PSD), João Amaral (PCP), Luís Queira (CDS-PP) e Carlos Luís (PS) e também o Sr. Presidente.
Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.ºs 202/VII - Define o regime jurídico do trabalho a tempo parcial e estabelece incentivos à sua dinamização, 233/VII - Regulamenta a dispensa de horários de trabalho com adaptabilidade dos trabalhadores menores, dos portadores de deficiência e das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes, que simplifica alguns procedimentos na organização do tempo de trabalho, designadamente os que envolvem actos de relacionamento entre os empregadores e a Inspecção-Geral do Trabalho e 237/VII - Altera o regime do trabalho subordinado e de regulamentação do emprego de menores. «Usaram da palavra, a diverso titulo, além do Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade (Ferro Rodrigues), os Srs. Deputados António Rodrigues (PSD), Odete Santos e Octávio Teixeira (PCP). Artur Penedos (PS), Carmem Francisco (Os Verdes), Moura e Silva (CDS-PP), Jorge Rato (PS), Pedro da Vinha Costa (PSD), Rui Namorado (PS) e Hermínio Loureiro e Francisco José Martins (PSD).
O projecto de lei n.º 624/VII - Isenta de emolumentos a apreciação das contas de gerência das autarquias locais (PCP) foi também debatido na generalidade. Usaram da palavra, a diverso título os Srs. Deputados Pimenta Dias (PCP), Rui Marques (CDS-PP), Mário Albuquerque (PS) e Martim Gracias (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 5 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 35 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 35 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Albino Gonçalves da Costa.
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Armando Jorge Paulino Domingos.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Casimira Francisco Ramos.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueira.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís António do Rosário Veríssimo.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria babel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes. •
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Paulo Jorge Lúcio Arsénio.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Banos e Silva.
Sônia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.
Partido Social Democrata (PSD):
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Alberto Queiroga Figueiredo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António d'Orey Capucho.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Sirva.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Carlos Eugênio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.

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Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugênio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Póvoas.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Sérgio André da Costa Vieira.
Vasco Manuel Henriques Cunha.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
António Carlos Brochado de Sousa Pedras.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Pedro José Del Negro Feist.
Rui Manuel Pereira Marques.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.
Partido Comunista Português (PCP):
Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
António Luís Pimenta Dias.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
Carmen Isabel Amador Francisco.
Isabel Maria de Almeida e Castro.
Deputado independente:
José Mário de Lemos Damião.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os requerimentos e as respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram apresentados à Mesa vários requerimentos. No dia 29 de Março de 1999: aos Ministérios da Saúde e da Educação e à Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa, formulados pelo Sr. Deputado Bernardino Soares.
Na reunião plenária de 30 de Março de 1999; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado António Rodrigues; à Secretaria de Estado da Comunicação Social, formulado pelo Sr. Deputado António Filipe; ao Governo e a diversos Ministérios, formulado pelo Sr. Deputado Pimenta Dias; aos Ministérios da Economia, da Saúde e a diversas Secretarias de Estado, formulado pelo Sr. Deputado Alexandrino Saldanha; e aos Ministérios do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território e do Trabalho e da Solidariedade, formulado pelo Sr. Deputado Joaquim Matias.
No dia 31 de Março de 1999, o Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos Srs. Deputados Pimenta Dias, formulado na sessão de 22 de Janeiro, e Sílvio Rui Cervan, formulado na sessão de 4 de Março.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um relatório e parecer, bem como um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

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O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à retoma de mandato do Sr. Deputado Alberto Costa, do PS, em l de Abril corrente, inclusive, cessando o Sr. Deputado Manuel Ferreira Jerónimo.
A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias tomou ainda conhecimento de que o Sr. Deputado Faria de Oliveira, do PSD (Circulo eleitoral de Lisboa), substituído nos termos do artigo 21.º, n.º 2, alínea a), do Estatuto dos Deputados, em 28 de Outubro de 1995 (Relatório n.º 2 da Comissão Eventual de Verificação de Poderes), transitou, a seu pedido, para a situação de substituído nos termos do artigo 7.º do Estatuto dos Deputados (Renúncia ao mandato), a partir de 30 de Marco de 1999, inclusive.
O parecer vai no sentido de que a retoma de mandato e a transição da substituição em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, o parecer é do seguinte teor: «De acordo com o solicitado pelo 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Coimbra, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar a Sr.ª Deputada do PSD Fernanda Mota Pinto a prestar depoimento, como testemunha, em audiência a realizar no dia 8 de Abril de 1999, em processo que se encontra pendente naquele tribunal».
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, há três inscrições para eventual tratamento de assuntos de interesse político relevante.
Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Sarmento.
O Sr. Joaquim Sarmento (PS): - Sr. Presidente, Sr.33 e Srs. Deputados: O interior do País tem sido fustigado pela desertificação, assistindo sem capacidade e meios de resistência ao êxodo dos mais jovens e das pessoas mais qualificadas da sua massa crítica, pelo que a cultura assume, no seu espaço, cada vez mais a figura de antidestino e de âncora sobrevivente à hegemonização económica planetária, com todo o seu rol de desigualdades.
Há que resistir ao puro triunfo económico, sob a forma de esplendor liberal, como nos refere Eduardo Lourenço.
Nessa resistência insere-se a defesa do nosso património e da nossa cultura, entendida esta não no sentido civilizacional mas no sentido mais restrito e, parafraseando António José Saraiva, como «um conjunto de actividades lúdicas ou utilitárias intelectuais e afectivas que caracterizam especificamente um determinado povo».
O Sr. José Junqueira (PS): - Muito bem!
O Orador: - Na defesa dessa identidade patrimonial e cultural justifica-se, pois, a candidatura do Vale do Douro a
património da Humanidade. Daqui, desta tribuna, quero solidarizar-me, como Deputado e como duriense, a tal candidatura.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Como consistentemente se diz no estudo da Spidouro que a Fundação D. Afonso Henriques, entidade promotora da candidatura, mandou elaborar, o Alto Douro vinhateiro reúne condições para vir a ser considerado património cultural enquanto «paisagem cultural evolutiva viva e única», tendo desempenhado, ao longo da História, um importante «papel de corredor de povos e culturas».
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O Alto Douro consubstancia uma paisagem cultural com uma identidade incontestável, a identidade da Região Demarcada do Douro, com os seus 32 000 viticultores e 40 000 ha de vinha que produzem vinhos de grande qualidade, com relevo para o vinho do Porto, mundialmente reconhecido, e uma unidade paisagística que se afirma através da diversidade.
Estando já classificados como património mundial o Centro Histórico do Porto e o Parque Arqueológico do Vale do Côa, vale a pena concertar esforços, envolvendo diversas instâncias, de natureza governamental, municipal, institucional e associativa, de forma a fazer vingar perante a UNESCO o excepcional valor paisagístico e cultural do Vale do Douro.
A ter êxito tal candidatura, poderemos solidificar e promover as rotas patrimoniais que sustentam tal paisagem cultural como elemento vital da promoção do turismo de qualidade, com todo o incremento de progresso e desenvolvimento que isso poderá implicar para uma região, que, apesar das suas enormes potencialidades, tem sido objecto de ostracismo, pese embora os esforços deste Governo, constituindo a criação do Instituto de Navegabilidade do Douro um relevante contributo.
O eixo urbano que melhor complementa a paisagem cultural do Alto Douro entronca na rota patrimonial Lamego-Tarouca, com um conjunto de monumentos de elevadíssimo valor.
Não vou aqui elencar os diversos monumentos que cintilam nessa rota, mas referir apenas aqueles que estão a ser objecto de preservação e restauro, por iniciativa do Governo e dos organismos do Ministério da Cultura, em particular, com a colaboração sempre preciosa das respectivas autarquias.
Cito os casos do mosteiro de S. João de Tarouca, do mosteiro de Salgedas, da ponte de Ucanha e do convento de Ferreirim.
O mosteiro cisterciense de S. João de Tarouca está a ser objecto, em fase adiantada, da reconstrução da torre, tendo sido encetada, há algum tempo, a respectiva obra de drenagem e escavações arqueológicas. No mosteiro de Salzedas procedeu-se a obras de reconstrução do seu telhado, profundamente deteriorado e, por intervenção da Direcção-Geral dos Monumentos Nacionais, está a ser reparada a torre da ponte de Ucanha.
De salientar, também, a recuperação dos frescos da Escola dos Mestres de Ferreirim, no convento desta freguesia.
Ao longo dos últimos três anos foram múltiplas as comparticipações financeiras do Governo na conservação e no restauro de diversas igrejas de Lamego, numa política de

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defesa do património duma cidade que é sede dum antiquíssimo bispado (desde o século V) com o qual percorreu séculos de história e que tão eloquentemente está patente nessa obra singular que é a História do Bispado de Lamego, da autoria do insigne historiador, Dr. Manuel Gonçalves da Costa.
A recente visita que o Sr. Ministro da Cultura efectuou ao Museu de Lamego e Teatro Ribeiro da Conceição, reunindo com a Comissão Instaladora do Museu do Douro e visitando o teatro, é também um contributo positivo para a prossecução do desiderato que constitui a essência da minha intervenção.
Quer o Museu de Lamego, que se destaca pelas suas tapeçarias flamengas do século XVI, quer o magnifico Teatro Ribeiro da Conceição, em fase de restauro, são espaços fundamentais para afirmação de Lamego como capital cultural do Douro.
Sr. Presidente, Sr.33 e Srs. Deputados: Não é numa visão campanária que, desta tribuna, me solidarizo com a candidatura do Vale do Douro a património mundial e que destaco alguns monumentos do País profundo que é constituído pelo eixo urbano Lamego-Tarouca.
Há que resistir à globalização pelo cultural, se desejamos a proeminência do Homem e a desalienação da nossa aventura.
Não me seduz o esplendor do caos, como lúcida e sabiamente Eduardo Lourenço caracteriza o nosso tempo histórico. Esse grande pensador, uma das minhas principais referências ideológicas, diz-nos que, na sociedade mediática que nos envolve, se usam os ícones culturais para vender o não cultural, numa desideologização perversa.
No nosso caso, não' será preocupante que os ícones culturais do Douro possam ser agentes publicitários das riquezas que os durienses criam e produzem. Preocupante será que o tal esplendor nos despoje da nossa identidade e que a riqueza patrimonial e histórica do Douro seja apenas a sombra do passado e não a bússola da nossa autenticidade,...
O Sr. José Junqueira (PS): - Muito bem!
O Orador: - ... autenticidade que Torga tão bem reproduziu na sua obra Portugal - o Doiro: «(...) Ser neste chão árido e hostil um novo criador de vida, dar aí uma resposta quotidiana à morte, transformar cada ravina em parapeito da esperança e cada bagada de suor em gota de doçura, eis o que Deus ensinou aos Homens, e Zeus não lhe perdoou (...). Patético, o estreito território de angústia, cingido a sua artéria de irrigação, atravessa o país de lado a lado. E é no mapa da pequenez que nos coube a única evidência incomensurável com que podemos assombrar o mundo».
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao próximo orador inscrito também para o tratamento de assunto de interesse político relevante, aproveito para informar os Srs. Deputados de que se encontram a assistir à sessão 50 cidadãos do Centro de Apoio a Idosos de Ferragudo, para os quais peco a vossa habitual saudação.
Aplausos gerais, de pé.
Tem a palavra o Sr. Deputado Aníbal Gouveia.
O Sr. Aníbal Gouveia (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Portugal, pese embora tenha conseguido contornar as suas várias desvantagens competitivas, atingindo os objectivos nominais que lhe possibilitam estar na primeira linha da construção europeia, sempre foi considerado como um país periférico e de «fim de linha» devido à sua posição geográfica e ao atraso sócio-económico relativamente aos países da Europa.
Todavia, essa posição periférica no contexto europeu, aliada à sua centralidade no espaço atlântico, confere a Portugal o papel de fronteira atlântica e de ponte de acesso às rotas dos continentes americanos, africano e asiático. Os portos portugueses estão situados na proximidade de algumas das principais rotas de tráfego marítimo do mundo e dispõem de condições naturais favoráveis, vantagens comparativas que é necessário potenciar.
Passando o transporte a integrar o processo produtivo, exercendo uma influência directa sobre ele, inevitavelmente proporcionará um aumento de comércio entre as regiões acessíveis por mar. Portugal pode e deve desenvolver a exploração da sua fachada atlântica e transformar-se na porta atlântica da Europa e do hinterland ibérico em particular, o que lhe conferirá uma posição geoeconómica de maior importância nas economias europeia e mundial e permitirá o seu desenvolvimento sustentado.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Em boa hora, este Governo - e é de justiça referir aqui o Sr. Ministro João Cravinho - elegeu o sector maritimo-portuário como de alto valor estratégico e, reconhecendo a necessidade de romper com o modelo em vigor, conferiu-lhe a mais significativa «revolução» legislativa da história do sector.
Particular atenção mereceu o porto de Aveiro que, neste processo, viu alterado o seu estatuto de Junta Autónoma para Administração Portuária.
Regozijo-me com tal distinção, mas - alerto -, para que o porto de Aveiro possa assumir a importância que o seu novo estatuto lhe impõe, é imprescindível a tomada de medidas eficazes.
De facto, não é comparável o estádio de desenvolvimento de portos como o de Lisboa, Leixões ou Sines com o porto de Aveiro. Enquanto os primeiros, mercê dos avultados investimentos públicos com que foram contemplados, podem passar de imediato a outra forma dê gestão, o porto de Aveiro, muito embora todas as potencialidades de crescimento e de desenvolvimento de que dispõe, encontra-se numa fase muito mais atrasada, necessitando, para aguentar o impacto concorrencial, de ser discriminado positivamente pelo poder público.
A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!
O Orador: - Não basta equiparar formalmente o porto de Aveiro aos principais portos nacionais; é imperioso fazer acompanhar esta medida com um pacote .de investimentos, nacional e comunitário, suficiente para, num futuro próximo, atenuar o fosso estrutural que o separa dos outros portos nacionais.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Urge alterar a lógica do passado e recuperar o tempo perdido resultante do ostracismo a que foi votado pelos governos anteriores, dando à actual administração os meios considerados necessários para fazer face à missão que lhe está cometida. Exige-se, pois, do Governo vontade séria de não defraudar as expectativas.

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Para o porto de Aveiro, e para além das carências a nível de equipamentos, infra-estruturas, condições de navegação, etc., é de vital importância acelerar o alargamento do IP5, a construção do troço do IC1 Ovar-Mira, a ligação ferroviária Aveiro-Porto de Aveiro e iniciar, logo após a duplicação da linha do norte, estudo tendente a aquilatar da possibilidade de uma ligação ferroviária Aveiro-Vilar Formoso.
Para finalizar, quero deixar bem claro o seguinte: a Administração do Porto de Aveiro, constituída por gente competente, de espírito ganhador, de reconhecido mérito profissional, apostada no desenvolvimento da região e do País, pode contar com o total apoio e solidariedade dos Deputados socialistas eleitos pelo distrito de Aveiro.
Espero que também os Deputados da oposição estejam solidários com a nova Administração e firmemente empenhados na concretização deste projecto de importância ímpar para toda a região.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Também para o tratamento de assunto de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira.
Srs. Deputados, enquanto o orador não chega à tribuna, informo que se encontram na tribuna habitualmente destinada a diplomatas Ministros e Secretários de Estado da Presidência e Assuntos Parlamentares dos países da CPLP, para os quais peco uma saudação muito calorosa.
Aplausos gerais, de pé.
Faca favor, Sr. Deputado Fernando Pereira.
O Sr. Fernando Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: «Se é bem verdade que o modelo de crescimento adoptado em Portugal nos últimos anos está esgotado, tal facto é ainda mais verdadeiro se nos restringirmos à análise da situação do interior do País».
Na verdade, «as políticas de crescimento só têm sentido se o resultado final for maior emprego e mais acentuado bem-estar» - m Manuel dos Santos (Crescimento Económico e Políticas de Emprego) -, situação que não se verifica.
Contrariamente a uma política de criação de condições e estímulos para a fixação da população, o Governo apenas tem conduzido a uma cada vez maior desertificação.
Também em Trás-os-Montes se faz sentir a necessidade de uma nova política que devolva a esperança aos portugueses, em particular aos transmontanos e durienses.
«É possível e desejável o diálogo, é possível e desejável fazer mais e melhor pelos cidadãos, é possível estancar a sangria rural para os grandes centros urbanos do litoral e canalizá-la para os médios centros da região, é possível congregar o empenhamento e o capital técnico de todos sem marginalização ditada pela cor partidária, e criar desta forma um espaço de verdadeira participação da sociedade civil na definição dos seus destinos (in documento de convocação do Fórum Transmontano para uma Nova Maioria), gerando-se em Trás-os-Montes ë Alto Douro um movimento cívico e plural integrado por cidadãos de quadrantes ideológicos diversos e com diferentes formações académicas».
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Acabo de citar o Sr Deputado António Maninho, Deputado pelo círculo eleitoral de Vila Real, Presidente da Federação Distrital do Partido Socialista há vários anos - e esta intervenção decorreu em 23 de Março de 1995.
Vamos ver o que mudou.
Como se referia na convocatória do Fórum Transmontano para uma Nova Maioria, há que «congregar o capital técnico sem marginalização pela cor partidária». E isso o PS cumpriu.
O Sr. Ministro da Agricultura e o Sr. Secretário de Estado convidaram para Vice-Presidente do Instituto do Vinho do Porto um cidadão cujo perfil técnico e experiência no sector não foi contestada. Mas havia um grave impedimento, que o olhar atento do Sr. Governador Civil e da Federação Distrital do PS descobriram: tratava-se de um social-democrata.
Por outro lado, o Presidente da Comissão Concelhia do PS, de Peso da Régua, «por uma questão de princípios», colocou o seu lugar à disposição do partido - pasme-se o motivo -, porque considerava ser inadmissível que tenham ultrapassado as estruturas locais socialistas na nomeação de um vogal do Instituto do Vinho do Porto.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O líder da Concelhia da Régua é mesmo mais explícito e diz que na escolha do referido vogal houve «interferência» de Fernando Gomes, Presidente da Câmara Municipal do Porto e de Braga da Cruz, Presidente da CCRN, o que quer dizer que houve interferência para a nomeação da direcção de um instituto com as responsabilidades do Instituto do Vinho do Porto, ao qual compete a promoção, a certificação e a defesa da denominação de origem de um produto que é ex libris nacional.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Governo e o PS estiveram e estão à altura do que já nos habituaram à muito tempo: primeiro, perderam o decoro e agora perderam a vergonha!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas não ficamos por aqui.
Ainda deve existir um camarada sem lugar. E eis que descobrem que o delegado da Prevenção Rodoviária Portuguesa em Vila Real, que não é do PSD, mas já lá estava há uns anos - sem contestação, diga-se em abono da verdade -, também não pertencia à família. Mandaram-no embora, sem justificação pública que não seja resolver o problema de mais um boy.
Continuando a falar em - coerência e sem ter a pretensão de transcrever na totalidade a intervenção do Sr. Deputado António Martinho, vou relembrar e convidá-lo para, em conjunto, ajudarmos a que este Governo cumpra as promessas que fez aos transmontanos.
Quanto ao IP3, a grande «paixão» do Sr. Primeiro-Ministro no comício distrital do PS durante a campanha eleitoral, quem não for de Trás-os-Montes pensará que já está pronto, já que, várias vezes, o Sr. Ministro Cravinho apontou datas; um autocarro de VIP 's, liderado pelo Sr. Primeiro-Ministro, anunciou no Governo Civil de Vila Real, com pompa e circunstância, a famosa obra, mas ficaram só pelo folclore. Até hoje, nem um metro de estrada foi realizado.
O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - A tão reivindicada ligação do Vale do Ave a Chaves - chame-se IP5 ou «Brisinha» Norte -, prometida

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e reivindicada, merece agora o silêncio dos Deputados e dirigentes socialistas. Será que já não é precisa?
E a construção do IC26 Amarante/Mesão Frio/Régua que o PS chumbou na proposta de alteração do Orçamento do Estado?
E a ligação à EN213, à variante entre o IP4 e o Rio Torto também chumbada no Orçamento?
E a ligação de Sabrosa ao IP3 que levou o mesmo caminho?
E a «paixão» do Sr. Deputado António Martinho pela educação não o levou a ele nem a VV. Ex.ªs a votar favoravelmente as alterações para a construção dos pavilhões gimnodesportivos para as escolas onde havia faltas deles, nomeadamente o da vila de Cerva?...
E o que os levou a chumbarem a construção da Escola EB 123 de Mondim de Basto?
E, então, a preocupação pela Universidade, que é uma «paixão» da federação distrital do Partido Socialista?
Quando os Deputados do PSD pelo círculo de Vila Real propuseram um reforço de 462,8 contos para o pólo da UTAD em Chaves, verba essa a retirar da dotação do projecto «Instalação para os serviços centrais Lisboa e Vale do Tejo» do mesmo programa, VV. Ex.ªs esqueceram-se de que era um reforço de verba para o interior do País para evitar também a desertificação, nomeadamente através da qualificação dos seus quadros, e votaram contra.
Lembro isto porque durante a vigência dos Governos socialistas os PIDDAC do distrito de Vila Real têm diminuído, tem diminuído o investimento. São os números do próprio Governo que o confirmam.
Que ajudas para os empresários? Que incentivos para os agricultores? Que política para a juventude? Que política na cultura?
Temos uma direcção regional, mas as decisões e os investimentos são tomadas e ditados pelo Porto.
Das poucas mudanças visíveis são a cilindrada e a marca das viaturas dos serviços desconcentrados.
E a saúde, Srs. Deputados? Há concelhos onde mais de 20% da população residente não tem médico de família.
E o que se passa com o Hospital de Vila Real? Um hospital modelarmente apetrechado, técnica e humanamente, mas publicitado por motivos de má gestão e contestado pelo próprio Partido Socialista?
E o aumento das listas de espera: não eram W. Ex.ªs os arautos de que as pessoas não eram números? Então, se as pessoas contam, por que será que os centros privados de medicina parecem prosperar em Vila Real e as listas de espera nos serviços públicos continuam a aumentar?
Para quem tanto defendeu a regionalização e porque, vivendo em democracia, deviam ter retirado todas as ilações e consequências da vontade expressa pelos portugueses, não percebo por que é que até agora nada foi feito para descentralizar .e desconcentrar serviços para melhor servir e aumentar a qualidade de vida das pessoas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ó silêncio de alguns dirigentes políticos do distrito de Vila Real pode levar os mais incautos a pensar que tudo vai bem no «reino maravilhoso».
Mas em nome das convicções, em nome da verdade de estar e fazer política quis compartilhar convosco estas preocupações e justas interrogações de quem no dia-a-dia busca não o céu na terra, como o PS prometeu, mas uma terra onde haja trabalho para todos, qualidade de vida e um futuro que possa ser construído por todos e não imposto ou gerido por qualquer aparelho partidário.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa o voto n.º 150/VII - De repúdio pelo massacre perpetrado em Liquiçá, Timor Leste, por elementos das milícias pró-integracionistas (PS, PSD, CDS-PP, PCP e Os Verdes). Sendo este voto subscrito por todos os grupos parlamentares, creio haver consenso no sentido de que seja discutido e votado desde já.
Embora seja do conhecimento de todos, vou ler o voto.
«Mais uma vez o sangue do povo mártir de Timor Leste foi derramado. Em Liquiçá e em outras localidades, bandos armados pelos indonésios perseguiram e mataram um número significativo de cidadãos, numa onda de violência cuja extensão exacta ainda é desconhecida.
A Assembleia da República manifesta o seu mais vigoroso repúdio pelo massacre perpetrado por bandos armados pelos indonésios;
Expressa a sua solidariedade para com o povo timorense neste momento particularmente grave;
Apela ao Secretário-Geral das Nações Unidas para que reforce o empenhamento da ONU na urgentíssima criação de condições para a presença permanente da ONU no martirizado território.»
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, começo por sugerir que, no prólogo, onde se fala de «cidadãos» se fale de «timorenses», isto é, «número significativo de timorenses» e não de «cidadãos» - talvez assim fique mais correcto. Mas não foi para referir isto que pedi a palavra; foi para dizer duas coisas muito simples e muito preocupantes.
Depois da queda e da morte política de Suharto, o processo de autodeterminação de Timor Leste veio recebendo impulsos novos e significativos, mas se é certo que aumenta a esperança do triunfo da causa dos timorenses também é verdade, por outro lado, que crescem os receios e os perigos de uma frustração de consequências terríveis deste processo.
O abrandamento do regime prisional de Xanana Gusmão e a contenção responsável do Conselho Nacional de Resistência Timorense são sinais positivos neste processo, mas o aumento do número de massacres, sobretudo o armamento progressivo, por parte das forças armadas indonésias, de forças timorenses pró-integracionistas está a criar, dia-a-dia, um risco cada vez maior do retorno à pior das guerras, a guerra civil, e este massacre de Liquiçá, como se diz no preâmbulo do voto, de contornos ainda pouco conhecidos, é seguramente um massacre de proporções terríveis.
A Assembleia da República pouco pode fazer, mas pode levantar a sua voz ética, política e dizer à Indonésia que «basta de tanta perfídia» e dizer às Nações Unidas que «basta de tanta hesitação» e pedir ao Governo de Portugal que saiba ordenar as nossas prioridades no domínio da política externa.
Se calhar, é esse apelo profundo, «ó mar», que devemos aqui fazer hoje, de novo: lembrar a todos que somos responsáveis por Portugal e pelos povos que de nós ainda dependem.
Portanto, o PSD subscreve e votará favoravelmente este lamento profundo que esta Câmara hoje faz por aquilo que está a acontecer ao povo irmão de Timor Leste.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

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O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, subscrevemos, com convicção, o voto que foi apresentado, relativo à situação em Timor Leste.
Consideramos da maior importância que a Assembleia da República tome uma posição clara perante este massacre e perante a situação crescentemente perigosa que está a ser criada em Timor Leste com a existência de milícias armadas pró-integração na Indonésia, actuando com apoio militar da Indonésia e criando uma situação explosiva que só pode comprometer o nosso desejo mais profundo: o de que o povo de Timor Leste possa optar, em liberdade, pelo seu futuro.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Mas não queria deixar de dizer mais uma coisa que está contida neste voto e que é importante salientar neste momento. Aquilo com que os timorenses mais podem contar é, seguramente, com o apoio de Portugal, com as responsabilidade que tem, visto manter um estatuto em relação ao território, mas também com a solidariedade da comunidade internacional, expressa pelo modo adequado através da Organização das Nações Unidas, através do respeito da Carta das Nações Unidas e através da importância dada à intervenção própria das Nações Unidas no exercício dos seus direitos próprios.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, é importante salientar esta questão neste momento, porque há povos no mundo que contam com o prestígio das Nações Unidas e com a sua capacidade de intervenção e é só com isso que podem realmente contar.
O que está contido neste voto é esse apelo que também é feito a todos vós, Srs. Deputados, no sentido de que se prestigiem as Nações Unidas, de que se defenda a Carta das Nações Unidas como um instrumento de paz, como um instrumento para a independência dos povos e para a consagração dos seus direitos.
Aplausos do PCP e do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como é natural, o nosso grupo parlamentar associa-se vivamente a mais este voto, que é simultaneamente um voto de solidariedade e de preocupação pelos dias que estão a viver-se em Timor Leste.
O risco de uma guerra civil acentua-se, de uma guerra entre timorenses pró-integração e timorenses a favor da autodeterminação e da independência do território, que pode até ser fratricida.
Gostaria de salientar que estes nossos votos de apoio precisam depois da concretização das acções do Governo português. Portugal foi, ao longo destes anos, uma potência que reivindicou, e bem, o estatuto de dignidade e de autodeterminação para Timor Leste. Foi uma potência reivindicante, precisa agora de assumir o seu estatuto de potência administrante.
Acho que é importante manifestar este apoio, mas não chega: temos de reclamar do Governo português que exerça a pressão diplomática adequada junto da Indonésia, junto da ONU, uma pressão efectiva para que seja possível interpor entre timorenses, que estão desavindos, e sobretudo junto da Indonésia, os meios e as condições necessárias para que aquele território não desagúe numa situação de violência, que leva para tudo para trás, para o ponto zero.
Por isso mesmo, associamo-nos ao voto, que é, como referi, um voto de solidariedade e de muita preocupação pela situação que se está a viver em Timor.
Aplausos dos CDS-PP e do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o primeiro subscritor do voto de protesto, Sr. Deputado Carlos Luís.
O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O voto que foi apresentado à Mesa é um voto de repúdio, um voto de solidariedade e um voto de apelo. Um voto de repúdio em relação à forma como as torças militares e militarizadas e a sociedade civil pró-integracionista de Timor têm levado a cabo, nestes últimos dias, massacres consecutivos.
Perante as notícias que nos têm chegado, este Parlamento não pode ficar calado, tem de ter voz contra esses massacres que foram perpetrados.
Faço um apelo na qualidade de Vice-Presidente da Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste porque estou ciente de que alguém que neste momento luta entre a vida e a morte, que é ainda o Presidente da Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste, tê-lo-ia feito também neste momento se estivesse entre nós. Mas, como não está, julgo interpretar - e penso que todas as bancadas também assim o fizeram - o pensamento do Deputado Nuno Abecasis.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - É também um voto de solidariedade para com todos os timorenses que, ao longo de 23 anos, têm lutado contra uma potência que na Ásia/Pacífico tem uma expressão muito forte e que tem levado a cabo uma barbárie e a violação dos direitos humanos mais profundos que a comunidade internacional devia repudiar, tomando medidas para colmatar tal situação.
É também um apelo às Nações Unidas para que, com um carácter de urgência, vão para o território e ali permaneçam para impedirem os massacres e que ao mesmo tempo sejam testemunhas perante a comunidade internacional e, nomeadamente, perante as Nações Unidas e para que seja encontrada, com urgência, uma solução global, justa e internacionalmente aceite.
Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deixem-me juntar a minha indignação à vossa.
Já tinha previsto que, muito provavelmente, a Indonésia cedia para deixar após si o caos, quer deixar a guerra civil para depois dizer: «Quando nós estávamos, apesar de tudo, era menos mau». É elementar demais, mas, infelizmente, os maus projectam assim as suas derrotas e temos de nos habituar a essa ideia.
De qualquer modo, este processo de flagelação da opinião pública internacional tem a carga simbólica efectiva que tem, creio que nós, Deputados, estamos a cumprir o nosso dever e Portugal também, a derrota final será da Indonésia - não tenho quaisquer duvidas! - e porventura muito mais profunda do que eles próprios imaginam neste momento.
Vamos, pois, proceder à votação do voto n.º 150/Vn - De repúdio pelo massacre perpetrado em Liquiçá, Timor Leste, por elementos das milícias pró-integracionistas.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

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Este voto será levado ao conhecimento dos Srs. Secretário-Geral da ONU, Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Comandante Xanana Gusmão, Dr. Ramos Horta e Bispo Ximenes Belo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Eram 16 horas e 15 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início à discussão conjunta das propostas de lei n.ºs 202/VII - Define o regime jurídico do trabalho a tempo parcial e estabelece incentivos à sua dinamização, 233/VII - Regulamenta a dispensa de horários de trabalho com adaptabilidade dos trabalhadores menores, dos portadores de deficiência e das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes, que simplifica alguns procedimentos na organização do tempo de trabalho, designadamente os que envolvem actos de relacionamento entre os empregadores e a Inspecção-Geral do Trabalho e 237/VII - Altera o regime do trabalho subordinado e de regulamentação do emprego de menores.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade.
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade (Ferro Rodrigues): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Venho apresentar a esta Assembleia três propostas de lei do Governo tendo em vista o processo de modernização da legislação laborai.
Depois da construção dos grandes pilares da reforma, em sede de concertação social, e da discussão pública do processo, com a inerente recepção de alguns significativos contributos, o Governo apresenta agora ao Parlamento estes importantes diplomas, para que aqui, que o mesmo é dizer na sede própria, se possam debater e aprovar as melhores soluções para as diversas matérias em causa.
E para mim uma oportunidade para clarificar o sentido, o rumo e o alcance das mudanças em curso, desfazendo os equívocos e tranquilizando as ansiedades que a mudança sempre acarreta, sobretudo quando adensada pela agitação de velhos fantasmas e argumentos.
Um segundo importante resultado espero colher desta sessão: o contributo crítico e construtivo dos Srs. Deputados perante as soluções que estamos aqui a propor, e sublinho a palavra «propor».
O Governo, nesta como nas outras reformas que está a empreender, evita uma postura de tipo dogmático e autoritário, não tem a pretensão de nunca se enganar, não cede à tentação fácil de apresentar espalhafatosa e apressadamente soluções miraculosas sem quaisquer possibilidades de êxito. Ao invés, e a diferença não é apenas formal, apostamos sinceramente na apreciação das iniciativas de natureza laborai em sede parlamentar e confiamos serenamente que tal processo venha a culminar em medidas que não só possam corresponder a consensos sociais e políticos alargados como constituam soluções, se possível, enriquecidas pela discussão e, sobretudo, que correspondam às melhores respostas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Saliento um primeiro pressuposto, que diria metodológico, da apreciação das propostas agora em discussão: a sua inserção sistemática. É importante enquadrar as propostas em causa no processo de revisão da legislação laborai em curso. Estas, como, de resto, as restantes propostas do Governo sobre a matéria, não podem ser apreciadas de forma descontextualizada, sob pena de não se conseguir captar o essencial das suas razões justificativas e dos principais objectivos prosseguidos. A reforma da legislação laboral agora proposta assenta em três princípios estruturantes que moldam de forma indelével o seu conteúdo.
Em primeiro lugar, uma ideia de modernização da legislação laboral, tendo em vista a promoção e a defesa do emprego no contexto das actuais relações de trabalho, simultaneamente primeiro princípio e grande objectivo do processo.
O Governo assumiu, desde logo, no seu próprio programa, que a política do trabalho seria entendida fundamentalmente como uma das vertentes da política global de promoção e defesa do emprego e da qualidade de vida no trabalho.
O Sr. Artur Penedos (PS): - Muito bem!
O Orador: - O combate ao desemprego foi justamente assumido como uma das principais prioridades do Governo e, felizmente, os resultados estão à vista: nos últimos anos, descem de forma sustentada os níveis de desemprego em Portugal. Tal resultado corresponde ao êxito inegável de uma estratégia de combate ao desemprego onde, para além da evolução económica, o desenvolvimento de políticas activas de emprego assume, evidentemente, papel importante. Mas o Governo não está, nem nunca estará, nesta matéria, satisfeito ou conformado com os seus bons resultados. Mais importante do que os resultados imediatos da sua actuação, o Governo está empenhado em melhorar o sistema, de modo a dotá-lo dos instrumentos necessários a um crescimento sustentado do emprego. E aqui, Srs. Deputados, radica uma das principais razões das objecções que temos ouvido contra o processo: uma razão de natureza ideológica e de índole estratégica, pois há ainda quem entenda que, à entrada para o século XXI, a defesa do emprego se faz através da repetição, até à exaustão, de dogmas imutáveis e cegos à dinâmica social, empresarial e produtiva. Nós entendemos que a defesa do emprego se faz através de políticas activas de emprego e de uma visão dinâmica da realidade social, sem com isso abdicar daquilo que de verdadeiramente essencial existe nos grandes princípios de cidadania dos trabalhadores, resultantes da implementação do regime democrático.
Um segundo princípio estruturante influencia o conteúdo desta reforma: o princípio da intervenção selectiva do Estado.
Efectuada a ruptura com a ditadura, consolidado o regime democrático e a inerente nova ordem constitucional e juslaboral, 25 anos passados sobre o 25 de Abril, pode afirmar-se que está atingida a maioridade do regime. O pendor fortemente intervencionista do Estado, justificado na fase da consolidação, deve hoje ceder lugar a uma intervenção de cariz essencialmente regulador do mercado de trabalho, deixando aos directos intervenientes a margem imprescindível para a livre negociação em sede de contratação colectiva, que é, assim, eleito o instrumento por excelência da regulamentação das relações laborais, assumindo, deste modo, o papel de destaque que lhe está constitucionalmente reservado mas ainda não atingido. Isto significa, Srs. Deputados, que o Estado deverá passar a intervir sempre, mas só, na definição e defesa intransigente dos princípios fundamentais, deixando para a negociação colectiva o preenchimen-

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to, em concreto, das medidas relativas as restantes matérias, embora sem nunca prescindir da igualmente essencial tarefa de fiscalização. Este objectivo implica a prévia criação de condições de confiança recíproca e o reforço dos mecanismos de garantia da eficiência e eficácia dos instrumentos de fiscalização e controlo, tarefes que o Governo tem neste momento em execução.
Finalmente, um terceiro principio orientador da reforma em curso: o princípio do não retrocesso social.
Em cada uma das medidas apresentadas pelo Governo, e no processo global em curso, podem os trabalhadores estar tranquilos relativamente a duas questões, mesmo que se diga demagogicamente o contrário. Assim, podem ficar tranquilos quanto à defesa dos seus direitos fundamentais, porque nenhuma das propostas do Governo os fazem perigar, bem ao contrário, reforçam a sua dimensão prática; por outro lado, quando apreciadas global e objectivamente, as medidas propostas resultam numa melhoria efectiva da situação dos trabalhadores e não, como é dito, num qualquer cercear de direitos muito justamente adquiridos. E os trabalhadores sabem que, com este Governo, não poderia ser de outro modo.
O Sr. Artur Penedos (PS): - Muito bem!
O Orador: - Permitam-me, Srs. Deputados, uma última nota relativamente ao enquadramento sistemático das medidas que hoje discutimos.
Em matéria de tão grande sensibilidade e importância social, o Governo, mais uma vez cumprindo o programa aprovado por este Parlamento, proeurou previamente obter a formação de amplos consensos, através do recurso às instâncias permanentes da concertação social, revitalizadas pelo deliberado protagonismo que lhes foi atribuído por este Executivo. Grande parte das medidas que constituem o processo de reforma laborai em curso não são mais, como se disse, do que a tradução legislativa dos acordos alcançados em sede de concertação social, em especial no Acordo de Concertação Estratégica, celebrado em 1996 - é bom lembrar! -, por todos os parceiros sociais, com excepção da CGTP Intersindical.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - São os poucos que são lúcidos!
O Sr. Octávio Teixeira (PCP). - São os poucos que são lúcidos e que se preocupam com os trabalhadores!
O Orador: - Mas a busca de prévios consensos alargados não significa, nem pode significar, exigência de unanimidade de pontos de vista, sobretudo quando estes estão muitas vezes ainda amarrados a dogmas ideológicos de tojal rigidez e de recusa, quase ontológica, da mudança.
Nem tais consensos podem, alguma vez, pôr em causa a competência fundamental desta Assembleia da República.
Feito o imprescindível enquadramento sistemático, passaremos, de seguida, Srs. Deputados, à apresentação específica de cada uma das propostas hoje em discussão.
Começamos pela proposta relativa à regulamentação do trabalho e do emprego de menores. Trata-se, sem dúvida, de matéria especialmente sensível incluída na área de intervenção necessária do Estado.
A admissibilidade de prestação de trabalho por menores e, bem assim, as concretas circunstâncias em que tal actividade é desenvolvida podem condicionar, em boa parte, o livre desenvolvimento da personalidade dos jovens, seja
interferindo com o seu desenvolvimento físico, seja afectando a sua formação intelectual, seja conformando até a sua saúde e segurança.
Por outro lado, as específicas características da população jovem tornam-na mais vulnerável aos riscos geralmente inerentes ao exercício de uma actividade profissional, com a agravante de a expor ao apetite do lucro fácil.
Razões de sobra para que o Governo promovesse a regulamentação do trabalho e do emprego dos jovens, transpondo para o ordenamento jurídico português a parte da Directiva 94/33/CE do Concelho, de 22 de Junho de 1994, ainda não consagrada na legislação nacional. Acresce que na proposta em causa se procede, por via legislativa, e, por isso, reforçada, à edificação de um verdadeiro regime geral de todo o trabalho e emprego de menores, mesmo o trabalho independente ou autónomo, regime que obrigará, de resto, no prazo máximo de 90 dias após a aprovação da proposta, à revisão da regulamentação de alguns aspectos conexos, designadamente quanto à definição dos tipos concretos de trabalhos admissíveis.
Salientamos, neste contexto, as áreas principais de intervenção constantes da proposta.
Quanto à idade mínima geral de admissão ao trabalho, procedeu-se a uma compreensível articulação com a duração da escolaridade obrigatória, no seguimento, aliás, do espírito da norma agora alterada cuja redacção se proeurou clarificar.
Correlativamente, procedeu-se a uma efectiva delimitação do tipo de trabalhos que os menores podem realizar, afastando aqueles que, de algum modo, pela sua natureza ou pela natureza dos meios utilizados, possam fazer perigar a saúde, a segurança ou o normal desenvolvimento dos menores.
Por outro lado, impuseram-se limites aos tempos de trabalho dos menores, integrando-se expressamente na legislação sobre duração do trabalho os actuais limites dos períodos normais de trabalho aplicáveis a menores, ao mesmo tempo que se restringiu o grau de adaptabilidade no trabalho de menores.
Generalizou-se o descanso semanal de dois dias a todos os menores e não apenas, como antes acontecia, aos menores com idade inferior a 16 anos, consagrando-se ainda um novo direito ao descanso diário consubstanciado num intervalo entre o trabalho prestado em dois dias sucessivos e, bem assim, a imposição de limites à prestação consecutiva de trabalho por menores.
Por outro lado ainda, estabelece-se claramente o princípio da responsabilidade do empregador não só pela criação de adequadas condições de segurança e saúde no trabalho como também pela avaliação e comunicação dos factores de risco inerentes ao trabalho de menores, sendo, nesta matéria, de destacar a exigência de um exame médico prévio.
Apenas mais duas notas sobre esta proposta que nos merecem especial atenção.
Relativamente à problemática da prestação de trabalho nocturno por menores, importa destacar que se generalizou a proibição de prestação de trabalho nocturno aos menores com 16 ou mais anos de idade, seja qual for a actividade em causa e não apenas quando desenvolvida em estabelecimentos industriais.
Acresce que houve o cuidado de, nos casos claramente excepcionais em que tal é admissível, se ter regulamentado a prestação de trabalho nocturno de menores de forma a garantir as condições adequadas à natureza da actividade desenvolvida e à especificidade do seu exercício.

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Finalmente, cumpre destacar uma importante inovação desta proposta: referimo-nos à regulação do emprego de menores fora do quadro do trabalho subordinado em termos substancialmente análogos à prevista para as situações de trabalho subordinado.
Com esta medida, Sr.ªs e Srs. Deputados, espera o Governo contribuir para que o trabalho de menores seja reconduzido à sua adequada dimensão: uma actividade limitada e absolutamente excepcional, rodeada de especiais cautelas e específicas medidas de protecção, apostando o Governo, claramente, na criação de condições que permitam o livre desenvolvimento, formação e educação dos jovens, objectivos que a entrada prematura no mercado de trabalho, muitas vezes em condições de risco acrescido, pode coarctar abruptamente.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Quanto à proposta de lei relativa à dispensa de horários de trabalho com adaptabilidade; importa, por sua vez, dizer o seguinte: aquando da promulgação da Lei n.º 21/96, de 23 de Julho, S. Ex.ª o Presidente da República, na sua mensagem dirigida a esta Assembleia, lembrou a conveniência de institucionalização de formas de protecção de certas categorias de trabalhadores, facto igualmente reconhecido no Acordo de Concertação Estratégica.
Devem, assim, merecer tutela específica, quanto a este aspecto, os trabalhadores menores, os trabalhadores portadores de deficiência e as trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes, de forma a que a prática de horários com adaptabilidade não possa, a final, redundar em prejuízos sérios para a saúde e a segurança no exercício da sua actividade.
Correspondendo a esta necessidade, o Governo propõe, assim, que aqueles grupos de trabalhadores fiquem dispensados de horários de trabalho sujeitos ao regime da adaptabilidade, sempre que se prove que a sua prática possa, de algum modo, prejudicar a sua saúde ou segurança no trabalho.
No mesmo diploma são ainda introduzidas algumas normas tendentes a uma maior simplificação na intervenção da administração do trabalho nos actos relativos à organização do trabalho e celeridade dos serviços no seu relacionamento com os particulares, em especial com as empresas, sem com isso diminuir o grau de exigência do sistema.
Por fim, analisaremos a proposta do Governo relativa ao trabalho a tempo parcial.
Trata-se, como se sabe, de matéria que, actualmente, não tem entre nós regulamentação geral e em que, por isso, duas opções se abriam, à partida, ao Governo. A mais simples era nada fazer, fingir que não existe trabalho a tempo parcial em Portugal ou, simplesmente, deixar que as partes casuisticamente acertassem as suas condições, sem qualquer enquadramento legal da matéria, e esperar que os resultados não fossem muito maus. Uma opção que não chegou sequer a sê-lo, porque não é essa a forma de actuação do Governo.
Uma segunda hipótese era a de reconhecer a existência do fenómeno e enfrentar o desafio de captar e potenciar os seus efeitos positivos, designadamente para o crescimento do emprego, sem, no entanto, perder de vista a garantia dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Foi esta, Srs. Deputados, a via que o Governo escolheu. Um caminho mais trabalhoso, é certo, mais arriscado porventura, seguramente mais incómodo mas, decididamente, a única escolha racionalmente acertada.
Não se trata de impor uma qualquer invenção artificial mas, ao invés, de se regulamentar, assegurando a defesa de
direitos fundamentais, uma realidade já abundantemente praticada nas relações de trabalho em Portugal, como, de resto, na generalidade dos países europeus, embora menos em Portugal do que na generalidade dos países europeus. E aqui, como em geral, vale a pena olharmos para a experiência comparada e retirarmos dela as devidas ilações.
Sobre este aspecto é particularmente significativo que, consagrando a proposta do Governo soluções substancialmente análogas às consensualmente aprovadas nos restantes ordenamentos jurídicos dos países comunitários, se assista, entre nós, a alguma oposição que considero totalmente injustificada por parte de sectores sindicais e partidários. E quando digo alguma oposição injustificada estou a falar no aspecto global e na discussão global que estamos hoje aqui a travar sobre o trabalho a tempo parcial.
A proposta do Governo sobre trabalho a tempo parcial transpõe a Directiva 97/8l/CE do Conselho, de 15 de Dezembro, respeitante ao Acordo Quadro sobre o trabalho a tempo parcial, concluído pela União das Confederações da Indústria e dos Empregadores da Europa, o Centro Europeu da Empresa Pública e a Confederação Europeia de Sindicatos - onde, relembro, estão presentes e votam a UGT e a CGTP Intersindical -, em Junho de 1997, e assenta em dois pressupostos básicos: o trabalho a tempo parcial é já uma realidade de facto no actual contexto das relações laborais, só que desregulada; está demonstrado que uma regulamentação equilibrada do trabalho a tempo parcial pode corresponder, com êxito, à satisfação de interesses só aparentemente contraditórios, como o interesse das empresas em reforçar a sua competitividade, o interesse dos trabalhadores em dispor e gerir o seu tempo, sem prejuízo da garantia dos seus direitos fundamentais, e o interesse da economia em geral, do crescimento e dinamização do mercado de emprego.
A proposta aqui apresentada procura, sem excessos de normativização, que acabariam por esvaziar as potencialidades do sistema, mas, igualmente, sem abdicar do papel regulador do Estado, encontrar o necessário ponto de equilíbrio entre os interesses em presença, fazendo-os confluir para a realização do objectivo geral de desenvolvimento económico do País, sempre funcionalmente orientado para a melhoria dos níveis de bem-estar da população. Dir-se-á que só é assim formalmente, pois na prática a consagração legal poderá redundar em abusos, excessos, desvios e perversões. Mas a História já provou que este é justamente o argumento que serviu muitas vezes para atrasar o reconhecimento e a eficácia real de muitos direitos fundamentais que hoje são inquestionáveis.
Permitam-me, Srs. Deputados, destacar três ou quatro notas do regime agora proposto.
Em primeiro lugar, o carácter voluntário e reversível da prestação de trabalho a tempo parcial, quando se passa de tempo inteiro para tempo parcial. Nenhum trabalhador ficará obrigado a aderir ao regime de trabalho a tempo parcial como nenhum trabalhador ficará privado de optar, sem possibilidade de regresso, pelo trabalho a tempo parcial.
Este carácter voluntário e reversível é assegurado no diploma não só pela indispensabilidade de acordo escrito para adesão dos trabalhadores a tempo completo ao regime de trabalho a tempo parcial como também pela proibição da discriminação subjectiva e negativa dos trabalhadores a tempo parcial.
Um segundo ponto do diploma que tem merecido alguma contestação é a própria definição de trabalho a tempo parcial. Sobre este aspecto, tem-se dito que o conceito é vago e demasiado abrangente, mas não é assim. É certo que não

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se trata de uma definição absolutamente fechada mas o grau de relativa e controlada indeterminação não é maior do que o existente em outras legislações comparáveis. Aliás, o conceito utilizado corresponde ao texto do Acordo Quadro Europeu de 1998, como já disse baseado em apoios dos sindicatos europeus e das confederações, muito próximo da Convenção n.º 175 da OIT e quase idêntico ao utilizado no ordenamento jurídico alemão. Sempre se poderá argumentar que não é suficiente mas, então, que dizer da generalidade dos países europeus onde, pura e simplesmente, não existe sequer uma definição geral do trabalho a tempo parcial? Que dizer, por exemplo, do Reino Unido ou da Bélgica?
Um outro aspecto que importará esclarecer diz respeito à prestação de trabalho suplementar por trabalhadores a tempo parcial. Também aqui se tem dito que, ao permitir-se a prestação de trabalho suplementar por trabalhadores a tempo parcial, se estaria a desvirtuar o sistema, impedindo os benefícios da livre gestão de tempo disponível pelos trabalhadores. Quanto a nós, mais uma vez, sem razão. Uma coisa é a estrutura típica do exercício da actividade ser desenvolvida em regime de tempo completo ou parcial, questão diferente diz respeito à prestação de trabalho suplementar. Não se vislumbram razões para, em abstracto, se excluir de modo absoluto a possibilidade de prestação de trabalho suplementar por trabalhadores em regime de trabalho a tempo parcial. As razões legalmente previstas para o recurso à prestação de trabalho suplementar não dependem da estrutura típica do modo de exercício da actividade mas, ao invés, de circunstâncias excepcionais, eventuais e temporalmente limitadas.
Nenhuma razão essencial ou de princípio afasta, assim, à partida, a possibilidade de prestação de trabalho suplementar por trabalhadores em regime de tempo parcial. E, assim sendo, Srs. Deputados, impedir em absoluto o trabalho suplementar, no caso de trabalhadores a tempo parcial, acabaria ou por desincentivar em níveis inaceitáveis a utilização regular do trabalho a tempo parcial ou por resultar no sério risco de utilização abusiva do trabalho suplementar, com prejuízos, aí, sim, evidentes para os trabalhadores.

O Sr. Artur Penedos (PS): - É claro!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Eles não trabalham a tempo parcial, mas fazem horas extraordinárias?! Isto é uma maravilha!...

O Orador: - Não havendo nenhuma objecção de princípio, tudo está em acautelar que o trabalho suplementar desenvolvido por esses trabalhadores não só respeita os limites gerais impostos à prestação de trabalho suplementar como se circunscreve a condicionantes específicos capazes de impedir a perversão do sistema. Foi justamente isto que o Governo proeurou acautelar na proposta em análise e, diga-se em abono da verdade, mais uma vez, sem ser especialmente inovador relativamente às legislações congéneres.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Lá fora, eles já andam a «levar com a marreta»!

O Orador: - Gostava de abordar aqui uma última questão, já que tem sido recorrentemente deturpada. Refiro-me à questão dos alegados incentivos ao trabalho a tempo parcial.
Primeiro equivoco a desfazer: o Governo não propõe quaisquer incentivos dirigidos de per si e como objectivo final à utilização do trabalho a tempo parcial, aquilo que o Governo propõe é que se estimule a criação e o crescimento do emprego, também através da utilização do trabalho a tempo parcial, estando para isto disposto a contemplar incentivos, o que é profundamente diferente. A razão de ser dos incentivos fica assim esclarecida: o Governo acredita convictamente, como, aliás, os parceiros sociais que subscreveram o Acordo de Concertação Estratégica, que o recurso ao trabalho a tempo parcial, desde que efectuado nos termos da lei, pode ter efeitos positivos ao nível do emprego, mas também sabe das habituais e compreensíveis resistências à inovação, e é por esta razão que propõe a concessão de incentivos aos trabalhadores e aos empregadores que se disponham a utilizar o sistema com efeitos multiplicadores no emprego. Porém, isto não significa, de todo, que o Governo veja no recurso ao trabalho a tempo parcial uma alternativa às políticas dirigidas ao crescimento do emprego em geral, políticas que o Governo tem vindo e continuará a implementar, significa que entendemos que o trabalho a tempo parcial é uma alternativa viável e inequivocamente preferível ao desemprego e uma porta aberta à reentrada na vida activa de muitas pessoas que se julgavam irremediavelmente arrastadas para as margens da exclusão social.
Quanto à natureza dos incentivos, não há, na proposta, grandes novidades. Em geral, os incentivos de redução limitada das contribuições para a segurança social e de apoios financeiros têm a mesma natureza dos incentivos já previstos na legislação em vigor para a contratação de jovens e desempregados de longa duração, tem apenas uma maior incidência em jovens desempregados ou em desempregados há menos tempo do que no caso mais global.
Há, no entanto, um aspecto inovador que será importante destacar: prevê-se agora a instituição de um subsídio de desemprego parcial para os casos em que a retribuição proposta para o trabalho a tempo parcial seja inferior ao montante do subsídio de desemprego. Como facilmente se compreenderá, visa-se, deste modo, evitar uma recusa, por motivos de diminuição do rendimento, promovendo-se, ao mesmo tempo, uma efectiva reinsercão no mercado de trabalho de pessoas desempregadas, através da recuperação do seu indispensável capital de confiança.
Aos que agora vêm dizer que se trata de simples subsídios indirectos à custa de benefícios sociais dos trabalhadores, lembramos apenas que a sustentação financeira da segurança social dependerá sempre do incontornável equilíbrio entre contribuições e prestações do sistema. Assim sendo, as medidas que possam estimular o emprego têm um efeito duplamente vantajoso para a segurança social, na medida em que reduzem os utilizadores de prestações sociais ao mesmo tempo que aumentam os seus financiadores. Não há, deste modo, qualquer impedimento, seja de princípio político, seja de ordem jurídica, que obste a que o orçamento da segurança social possa financiar medidas de política activa de emprego, bem ao contrário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É tempo de terminar esta intervenção.
Este Governo ficará certamente marcado como o Governo do diálogo construtivo, empenhado e consequente. Foi em diálogo construtivo e empenhado que o Governo, em conjunto com os parceiros sociais, construiu, pedra por pedra, os difíceis e indispensáveis equilíbrios que conduziram às bases das propostas de modernização das relações laborais em Portugal que se apresentam às Sr.ªs e aos Srs. Deputados.
É nesse mesmo processo que o Governo convida a sociedade portuguesa, em geral, e esta Assembleia, em particular, a participar.

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Mais do que o estrito cumprimento de uma imposição resultante do exercício das competências que constitucionalmente estão atribuídas à Assembleia da República, o Governo espera e sabe que pode contar com os Srs. Deputados para a construção partilhada de um sistema de relações laborais adequado às respostas que serão inelutavelmente solicitadas à economia portuguesa na viragem do século, em vista à melhoria das condições de vida da população portuguesa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade, os Srs. Deputados António Rodrigues, Luís Queiró e Odete Santos.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Rodrigues.

O Sr. António Rodrigues (PSD): - Sr. Ministro, em primeiro lugar, quero dizer-lhe que é uma honra tê-lo hoje aqui presente, já que V. Ex.ª tem andado ausente dos debates relativos à discussão da dita reforma da legislação laborai.
V. Ex.ª hoje veio oferecer-nos modernidade em relação a estes diplomas, mas eu confesso que não encontro essa modernidade, porque este Governo tem tido uma estratégia ziguezagueante na legislação laborai. E este Governo é, suponho, o mesmo que tomou posse em 1995.
Trata-se de um Governo sem iniciativa própria - aliás, o Sr. Ministro confessou-o -, pois o que é iniciativa do Governo não é prioridade para ser discutido e o que é prioridade resulta, única e exclusivamente, de directivas comunitárias cujos prazos, nalguns casos, já há muito foram ultrapassados.
O Sr. Ministro veio recordar-nos o longínquo Acordo de Concertação Estratégica de 1996. Só passados três anos é que estamos aqui a discutir as propostas de lei que o Governo entendeu apresentar nesta Assembleia da República.
Devo confessar que esperava mais e melhor do Governo tanto mais que, tirando aquelas propostas que são basicamente a transposição de directivas, aquilo em que o Governo tenta introduzir algum tipo de inovação é muito pouco.
O que aqui está verdadeiramente em causa, Sr. Ministro, é saber quais as consequências deste diploma, nomeadamente aquele que o Sr. Ministro apresentou de uma forma mais relevante, ou seja, o do trabalho a tempo parcial.
Utilizando um sofisma, o Sr. Ministro deixou de chamar-lhes incentivos e passou a chamar-lhes estímulos. Ora, em relação a esses estímulos, perante a circunstância de estarmos a discutir a dita reforma da segurança social, hoje, mais uma vez, o Governo propõe-nos uma alteração do sistema que está em vigor, criando novos tipos de taxas relativamente àquilo que vai ser aplicado. Por isso, a questão que lhe coloco é a seguinte: tem o Governo alguma estimativa de quanto é que custam estes ditos estímulos - já não incentivos -, já que o Governo tantas vezes protestou relativamente a propostas que o PSD apresentou no sentido de baixar, para todos os trabalhadores portugueses, as taxas de contribuições para a segurança social? Sistematicamente, recusou umas, dizendo que eram encargos muito elevados para o orçamento da segurança social, mas tem apresentado propostas que baixam as contribuições para a segurança social, quando é o próprio Governo que diz que a segurança social corre algumas dificuldades financeiras.
A segunda questão, Sr. Ministro, tem a ver com o seguinte: apresenta-se este diploma como o que vai salvar o País em termos de construção de novos postos de trabalho, nomeadamente para jovens e desempregados de longa duração.
Ora, pergunto-lhe: que tipo de cálculos é que o Governo tem e que tipo de segurança nos pode dar de que vão ser criados novos postos de trabalho que façam diminuir, de facto, o desemprego? Isto porque já todos sabemos que a taxa de desemprego em Portugal não é real; a taxa de desemprego, hoje, ilustra muito desemprego oculto. E com isto não se está a resolver os problemas de desemprego, mas, sim e apenas, a empurrar ou a transferir soluções actuais para soluções ainda mais precárias.
A terceira questão que lhe quero colocar é esta: na sua intervenção, o Sr. Ministro referiu que o Governo privilegiava a relação entre as partes, nomeadamente a negociação colectiva. Como é que se compreende isto se na própria proposta de lei a negociação colectiva, no que respeita ao trabalho a tempo parcial, é sonegada e só pode começar a efectivar-se a partir deste diploma? Isto é, de acordo com a proposta de lei, tudo aquilo que foi negociado até hoje é tábua rasa, não se resolve, esquece-se, como se nunca tivesse existido até agora.
A última questão, e porventura a mais relevante para os trabalhadores e para as empresas portuguesas, é a seguinte: face à introdução de um novo regime, face a alguns receios sobre as suas consequências, face ao receio de que este regime possa vir a ser mal utilizado, que tipo de reforço de fiscalização é que o Governo pretende fazer para que este regime não venha a ser desvirtuado naquilo que são boas intenções de directivas comunitárias, excelentes propósitos e objectivos da Organização Internacional de Trabalho, pela má utilização de uma proposta de lei de um governo que não soube inovar e que apresentou aqui um diploma que não foi capaz de apresentar integrado num conjunto de legislação laboral que diz querer vir a modernizar?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Ministro do Trabalho, e não da Solidariedade...

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade: - Das duas coisas!

A Oradora: - Não! Hoje, o senhor veio aqui, pela primeira vez, tratar de matéria laborai, mostrando, com um discurso enrolado, que não era o Ministro dá Solidariedade...

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Muito bem!

A Oradora: -... e mostrando que V. Ex.ª e o Governo, ao contrário daquilo que os senhores são muito hábeis em proclamar em belas frases, não têm em vista promover a igualdade entre mulheres e homens na sociedade portuguesa. Pelo contrário, os senhores querem continuar a construir os alicerces que provocam a desigualdade das mulheres.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - É incrível que todos os relatórios, nomeadamente os da OCDE, do Eurostat e do Instituto Nacional de Estatística, provem que as pessoas mais atingidas pelo trabalho a tempo parcial, que conduz à pobreza, são as

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mulheres! E é incrível que V. Ex.ª tenha feito uma intervenção sem dizer quais vão ser os reflexos sobre a situação das mulheres portuguesas resultantes desta proposta de lei!
O trabalho a tempo parcial é um trabalho feminizado; é um trabalho que abrange sobretudo as mulheres; é um trabalho que aumenta a taxa de feminização da pobreza; é um trabalho que contribui para que, na partilha de tarefas, sejam as tarefas de casa a caber exclusivamente às mulheres.
Pergunto: era isto que o Governo tinha em mira quando aprovou, em 1996, um célebre plano para a igualdade onde dizia que um dos mecanismos para essa igualdade era o da flexibilização do trabalho?
Sr. Ministro, se era isto que os senhores reservavam às mulheres portuguesas, elas saberão que VV. Ex.ªs nunca passaram de piedosas «tonynianas», ou «blairianas»... Agora está muito na moda falar no Sr. Tony Blair, que é o campeão, como se viu, das liberdades...
Como estava a dizer, as mulheres portuguesas saberão que os senhores copiam modelos ultrapassadíssimos, pois quando esses modelos cá chegam eles já foram rejeitados, pois a maioria dos trabalhadores em part time nos países da OCDE, como mostra um relatório da OCDE, não estão satisfeitos com o part time e gostavam de trabalhar a tempo completo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Uma vez que o Sr. Deputado Luís Queiró não está presente, dou, desde já, a palavra, para responder, ao Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade: - Em primeiro lugar, quero agradecer aos Srs. Deputados as interessantes questões que me colocaram.
Sr. Deputado António Rodrigues, devo dizer-lhe que não há qualquer ausência, pois eu e toda a minha equipa, que aqui está, estamos sempre presentes no Parlamento quando os senhores fazem o favor de nos convidar e quando há debates sobre a legislação laboral ou sobre qualquer outra área, sendo normal que o Governo ainda tenha competência para dividir trabalho internamente sem que o Sr. Deputado António Rodrigues se manifeste sobre a correcção dessa divisão.
Portanto, quando o Sr. Secretário de Estado vem a esta Câmara é a mesma coisa que eu estar presente. Aliás, os diplomas, suponho, já foram todos eles aprovados, e até poderiam ter sido aprovados com um consenso mais vasto se não fosse a bancada do PSD ter inviabilizado um acordo que ainda ontem se tentou fazer relativamente a um deles.
Quanto aos prazos ultrapassados de que o senhor falou em matéria do processo de concertação estratégica e de transposição de directivas, devo dizer-lhe que não me parece, que o senhor tenha legitimidade para falar disso, uma vez que, em matéria de transposição de directivas, estamos a fazer aquilo que, muitas vezes, devia ter sido feito durante a primeira metade dos anos 90.
Estamos a procurar recuperar mas, como sabe, estamos a fazê-lo de acordo com um método que, mal ou bem, foi o que o Governo apresentou no seu Programa e que seguiu com todo o rigor, ou seja, o de debater com os parceiros sociais, chegar a acordos e depois tomar as suas responsabilidades próprias. Evidentemente que, em muitos casos, as posições eram bastante diferentes. Assumimo-las, aprovando-as no Governo e trazendo-as aqui à Assembleia numa postura de debate, pensando que os Srs. Deputados têm não só o direito como o dever de
contribuir activamente para a melhoria destes diplomas, como, aliás, de todos os outros.
Em matéria dos estímulos e da questão do défice financeiro da segurança social, penso que na minha intervenção já fui suficientemente claro: não tenho a visão ortodoxa - e não sabia que o Sr. Deputado a tinha (aliás, nem sei se ela é compatível com a proposta de lei de bases que o PSD apresentou em matéria de segurança social) - de que os incentivos ao emprego, sobretudo quando criam mais emprego e portanto mais descontos para a segurança social, teriam, necessariamente, um resultado líquido negativo em matéria de contribuições. Não, não têm, porque se, efectivamente, tiverem resultados positivos no que respeita à criação de postos de trabalho as receitas da segurança social, comparadas com as despesas, aumentam e não diminuem, portanto o resultado líquido é um resultado positivo.
Quanto à situação do emprego, não vale a pena batermo-nos contra moinhos de vento... Felizmente, o Sr. Deputado não tem razão, pois todos os indicadores mostram que o desemprego está a baixar. A negociação colectiva na economia da proposta é muito importante, visto que relativamente aos incentivos, ou aos estímulos - como o Sr. Deputado disse -, está previsto que ao fim de três anos eles só se manterão se a negociação colectiva o confirmar. Quer dizer, há nesta proposta de trabalho a tempo parcial um lugar extremamente importante para o papel dos sindicatos, visto que qualquer estímulo que é dado às empresas só se manterá no futuro se houver acordos. Portanto, é, digamos, uma arma de negociação que os sindicatos poderão utilizar.
Quanto ao reforço da fiscalização, é óbvio que vai ser muito mais simples, visto que não haverá muitos casos como estes a nível nacional de fornia a que não seja possível fiscalizar. Aliás, em matéria de fiscalização, penso que este Governo tem dado provas de que não está, propriamente, a brincar.
Quanto à Sr.ª Deputada Odete Santos, devo dizer-lhe que a senhora tem de se habituar, quer queira quer não queira, a que está a falar com o Ministro do Trabalho e da Solidariedade como eu tenho de me habituar a que estou a falar com a Sr.ª Deputada Odete Santos e não com qualquer outra pessoa. Portanto, estamos a falar nesta perspectiva.
Possivelmente, VV. Ex.ªs gostariam que não houvesse política de solidariedade, que pudesse haver um ataque sempre sistemático ao Governo...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Eu não disse isso!

O Orador: - ... ou que o Governo abdicasse de governar em matéria de trabalho por considerar que a área do trabalho era uma área que, por qualquer motivo, tinha uma reserva ideológica, que não podia governar sem ter determinados compromissos! Não! Nós pensamos que na área do trabalho também se governa, e bem, e que devem estabelecer-se os compromissos que sejam necessários para se governar melhor com o contributo de todas as bancadas nesta Assembleia da República. É esta a nossa postura.
Quanto às questões que a Sr.ª Deputada levantou, francamente, não esperava ouvir de si esse tipo de posicionamento. A Sr.ª Deputada esquece-se de uma coisa que é fundamental: hoje em dia existe trabalho a tempo parcial, existem mulheres exploradas pelo trabalho a tempo parcial em muitas centenas de empresas sem nenhuma regulação, porque não há qualquer regulamentação legal!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso também não é verdade!

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O Orador: - O que nós queremos é regular o trabalho a tempo parcial, o que queremos é combater a exploração e é isso que os senhores não querem que nós queiramos, porque sabem que quando nós queremos aquilo que queremos isso não é bom para o PCP.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É falso! O senhor não conhece o artigo 43.º do Decreto-lei n.º 403/71!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Um dos aspectos mais regressivos da actuação do Governo do Partido Socialista tem sido a sua pretensão de alterar radicalmente núcleos fundamentais do direito laborai, numa linha de desregulamentação e precarização. Contrariamente ao que há pouco foi aqui referido pelo Sr. Ministro, não se trata de substituir um pretenso intervencionismo pela regulação; é, sim, uma orientação clara de pura desregulamentação,...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... que tem como alvo principal os jovens trabalhadores, visando impedi-los de usufruir, na sua plenitude, dos direitos à segurança no emprego, a horários e salários justos, às férias, à garantia plena da segurança social, pondo em causa direitos essenciais conquistados pela luta de gerações de trabalhadores e que, irrecusavelmente, tiveram legítima e aplaudida consagração na Constituição de 1976.
Neste quadro global, a proposta de lei n.º 202/VII, que hoje debatemos, e que se propõe «definir o regime jurídico do trabalho a tempo parcial e estabelecer incentivos à sua dinamização», constitui, provavelmente, a peça mais gravosa do conjunto de propostas de alteração à legislação laborai remanescentes do descredibilizado «Acordo de Concertação Estratégica», ou, melhor, de inexplicados e inaceitáveis compromissos do Governo e do Primeiro-Ministro com o patronato socialmente mais retrógrado da sociedade portuguesa.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Com esta proposta de lei, o Governo não pretende responder, como se impunha, à necessária regulamentação e atribuição de direitos às dezenas de milhar de trabalhadores que laboram nas grandes superfícies comerciais e noutras áreas do sector de serviços e que, sob a falsa capa de trabalho a tempo parcial, trabalham muitas horas, ganham pouco e direitos quase não têm.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Pelo contrário, esta proposta de lei pretende adequar a lei às práticas ilegais, abusivas e inaceitáveis.

Aplausos do PCP.

Procura instituir a via legal da passagem de trabalhadores a tempo completo para trabalhadores a tempo parcial. Sofisticamente, proclama o princípio, caro ao grande capital, da solidariedade na partilha do emprego entre os que o têm e os que estão no desemprego, com a consequente redução dos salários de todos eles.
Sejamos claros e directos. Esta proposta de lei altera radicalmente a política de promoção e apoio ao emprego a tempo completo; pretende generalizar e incentivar a precariedade do emprego, escolhendo como alvos principais as mulheres e os jovens que vão entrar no mercado de trabalho; procura beneficiar duplamente as grandes empresas, pela via de largos benefícios, isenções, reduções contributivas e pelo aproveitamento explorador de uma mão-de-obra barata, insegura e disponível; visa aplicar um rude golpe no direito à negociação e à contratação colectiva; coloca a segurança social ao serviço das grandes empresas.
No momento em que, no país pioneiro na sua aplicação (os Estados Unidos da América), vozes insuspeitas de sociólogos consideram o regime de trabalho a tempo parcial como a forma de «trabalhar empobrecendo», quando, em países europeus, se levantam protestos generalizados perante os efeitos sociais desastrosos que tais vínculos laborais provocam, o Governo do PS em Portugal .quer ir mais longe do que todos os outros governos, incluindo o de Aznar, que remeteu a questão para a sede da contratação colectiva.
O Governo quer ir mais longe neste país de baixos salários, em que se verifica uma crescente precarização que atinge mais de um milhão de trabalhadores, num quadro de violação sistemática dos mais elementares direitos do trabalho em centenas de empresas.
Para que não haja dúvidas, queremos deixar claro que sabemos da existência, actualmente, de cerca de 150 000 trabalhadores em regime de trabalho a tempo parcial, sendo mais de 2/3 mulheres, e que encaramos com naturalidade a existência de situações de excepção que resultem deste regime. Porém, a questão não está aí!
O problema, o nó da questão, é que o Governo quer transformar a excepção em regra, chegando ao cúmulo de considerar os contratos colectivos e as normas livremente negociadas entre as partes como empecilho que é necessário eliminar e de defender a concepção abstrusa de penalizar quem admita trabalhadores a tempo completo, já que as benesses e isenções seriam para os patrões que admitissem tão-só trabalhadores a tempo parcial!

Aplausos do PCP.

Sem prejuízo do debate na especialidade, que, naturalmente, o PSD e o PP viabilizarão, na linha do aplauso incontido da CIP a esta proposta de lei, importa, hoje e agora, deixar claro o que estamos a discutir.
No seu artigo 1.º, n.º 1, a noção de trabalho a tempo parcial tem como limite a duração normal do trabalho, isto é, tanto permite um horário de trabalho de 15 ou 25 horas como de 39 horas semanais.
No seu artigo 4.º, n.º 1, põe em causa o sábado e o domingo como dias normais e sociais de descanso, deixando ao patronato o livre arbítrio da organização do tempo de trabalho. Consagra o trabalho a tempo parcial flexível num horário calculado num período médio de quatro meses, o que permite horários diários e semanais superiores ao horário de trabalho normal em períodos determinados e permite a realização de trabalho extraordinário até ao limite de 200 horas anuais - o que o Sr. Ministro, pelos vistos, ainda considera pouco!
De mãos largas e à custa da segurança social, a proposta do Governo atribui incentivos às empresas que admitam

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trabalhadores a tempo parcial, para partilha de posto de trabalho ou para a criação de posto de trabalho, que podem ir de isenção de contribuição para a segurança social até uma redução da taxa contributiva.
E, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não vá alguém alegar dúvidas sobre o nó górdio desta proposta de lei, impõe-se ler, na íntegra, o seu último artigo: «A liberdade de celebração de contratos a tempo parcial não pode ser excluída por aplicação de disposições constantes de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho vigentes na data de entrada em vigor deste diploma. Serão apreciadas e sempre que possível eliminadas da contratação colectiva as disposições que dificultam ou limitam o acesso ao trabalho a tempo parcial.»

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Esse artigo é um escândalo!

O Orador: - E o Sr. Ministro teve, há pouco, o pouco cuidado de vir aqui dizer que resta um importante papel aos sindicatos, quando lhes nega até a possibilidade de, na contratação colectiva, poderem negociar as matérias e, antes pelo contrário, elas são, à partida, excluídas pela lei!

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Acho que puseram lá um artigo sem o Sr. Ministro saber!
O Orador: - Assim, sem mais nem menos, o Governo dos alegados diálogo e negociação coloca-se no triste papel de fazer, por lei imperativa, o que o grande patronato não consegue impor nas empresas e na contratação colectiva.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Esse artigo foi escrito pela CIP!

O Orador: - Tal proposta, articulada com outras que constituem o núcleo duro da panóplia de alterações à legislação laboral, designadamente do conceito de retribuição, das férias, do trabalho nocturno, do lay-off, coloca o Governo do PS perante a grave responsabilidade de, mais uma vez, tal como fez com a lei dos contratos a prazo, criar condições para minar e desregulamentar importantes pilares do direito do trabalho e criar uma futura geração de trabalhadores precarizada, mais explorada e sem direitos.
Convenhamos que é obra, para quem se reclama do apelido de socialista!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Socialista, mas pouco!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O mundo do trabalho, os trabalhadores e as suas organizações representativas, já proclamaram o seu inequívoco «não» a esta proposta de lei.
Fizeram-no expressamente nos 1500 pareceres de organizações e plenários de trabalhadores enviados à Assembleia da República, numa das maiores respostas a consultas públicas até hoje realizadas, desde que entrou em vigor a lei de participação das organizações de trabalhadores na legislação laboral.
E mostraram-no, de forma expressiva, com a manifestação realizada no dia 25 de Março, a mais participada da última década, por convocação da CGTP-IN, em que dezenas de milhar de trabalhadoras e trabalhadores, num
grito uníssono, exigiram o abandono destes objectivos legislativos!

Aplausos do PCP.

Naquelas vozes, nas suas palavras de ordem, para além da recusa do pacote laboral estava ali igualmente a determinação de continuar a lutar por Abril, cujo 25.º aniversário nos preparamos para comemorar, por esse Abril que foi liberdade, mas também conquista e consagração do direito à segurança no emprego, a salários mais justos, a horários mais dignos, às férias, à segurança social, ao trabalho com direitos.

Aplausos do PCP.

É com esta dimensão e inultrapassável determinação políticas que o PCP assume a sua total oposição a esta proposta de lei, na Assembleia da República, como fora dela - sobre isso não tenham, o Governo e o Primeiro-Ministro, a menor réstia de dúvida!

Aplausos do PCP, de pé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Penedos.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, pela forma como V. Ex.ª se expressou, fica claro, para todos nós,...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Que vamos votar contra!

O Orador: - ... que acredita piamente nos argumentos que foram sendo aduzidos ao longo deste tempo, relativamente a uma lei que pode resolver problemas, que é feita com o objectivo de resolver problemas e não com os objectivos de atentar contra os direitos e os interesses dos trabalhadores. V. Ex.ª sabe isso muito bem mas como, sob o ponto de vista dos interesses objectivos eleitoralistas, que são próprios das vossas teses, importa criar todo um cenário para a opinião pública que conduza a uma situação...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ah! Ah!

O Orador: - Sr.ª Deputada, teve tanto tempo, tem interrompido toda a gente, não permite que se consiga completar uma ideia!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Por amor de Deus! Então, eu não posso fazer apartes?!

O Orador: - Faça-me um favor: sossegue um pouco, porque vai, certamente, ter oportunidade de, noutros momentos, intervir a propósito das matérias que estão em debate!
Dizia eu que, com todos estes objectivos, com o ruído público que foi sendo produzido pelo Partido Comunista Português, percebe-se claramente que o que interessa é a agitação social pela agitação social e não a resolução dos problemas dos trabalhadores.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Já ouvi isso há muito tempo!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não era isso que Cavaco Silva dizia?

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O Orador: - E, por mais que o afirmem, VV. Ex.ªs não serão, nunca, os depositários dos interesses e das legítimas expectativas de quem trabalha! Há outras forças políticas que,...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E há, sobretudo, o patronato!

O Orador: - ... por mais que vos custe, também se preocupam com a situação dos trabalhadores!
Coloco ao Sr. Deputado Octávio Teixeira uma questão - mais tarde terei oportunidade de o esclarecer noutras vertentes - que tem a ver com o seguinte: o Sr. Deputado disse que esta proposta de lei elimina o descanso semanal.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É falso que eu tenha dito isso!
O Orador: - Sr. Deputado, aqui não estão crianças, estão pessoas que sabem ler, que são capazes de analisar, de apreciar o conjunto de mecanismos que lhes são apresentados para se pronunciarem em relação aos mesmos.
O Sr. Deputado disse-nos que se pretende, com esta medida, procurar beneficiar largamente as grandes empresas. O Sr. Deputado não acredita na medida e não acredita que ela possa ter reflexos. Como é que acredita ou pode tentar fazer alguém acreditar que isto vai constituir um enorme benefício para determinado tipo de empresas? É falso!
Sr. Deputado, o que eu gostaria que comentasse é o seguinte: V. Ex.ª afirma que tem conhecimento da existência de mais de 150 000 trabalhadores, em Portugal, em regime de trabalho a tempo parcial. O que desejamos é criar condições para que, em circunstância alguma, essas pessoas, que o senhor diz ter conhecimento que trabalham em Portugal nesse regime, possam ser exploradas, vilipendiadas, maltratadas, por quem quer que seja. O que desejamos é criar condições objectivas para que, por via da legislação que hoje se pretende vir a estabelecer, se criem as condições necessárias para que esses trabalhadores tenham a protecção que merecem!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Como é que consegue dizer isso sem se rir?!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Artur Penedos, V. Ex.ª faz-me a «acusação» de acreditar nos argumentos que outros têm vindo a expender, e estava a referir-se, clara e concretamente, ao meu partido, o PCP, e à CGTP-IN.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Já lá vamos!

O Orador: - É que eu acredito nesses argumentos porque também tive oportunidade de analisar e estudar a proposta de lei! O problema é que esses argumentos são, de facto, a leitura clara e inequívoca daquilo que está na lei! Pêlos vistos, o Sr. Deputado Artur Penedos é que não terá lido a lei e, se a leu, esqueceu a leitura que fez...

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... e vem para aqui apenas tentar fazer a propaganda do Governo, pura e simplesmente!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O que está na proposta de lei não é tentar resolver os problemas que existem, o que está na proposta de lei, em relação aos tais 150 000 trabalhadores a tempo parcial que, neste momento, existem, não é resolver os problemas que eles têm, é legalizar o excesso a que têm sido submetidos, é legalizar o arbítrio, é legalizar, ao fim e ao cabo, aquilo em que o grande patronato os tem estado a explorar!

Aplausos do PCP.

Sr. Deputado Artur Penedos, para além de, pelos vistos, ter esquecido ou feito esquecer o que leu, ouve mal ou desvirtua (o que seria mais grave, e eu admito que tivesse apenas lido ou ouvido mal) aquilo que eu disse.

O Sr. Artur Penedos (PS): Ou a dicção não é a mais correcta!

O Orador: - É que eu disse, expressamente, que põe em causa o sábado e o domingo, não lhe falei em descanso semanal! Agora, diga-me: é falso que no artigo 4.º, n.º 1, da proposta de lei, sejam postos em causa o sábado e o domingo? Há algum artigo, nesta lei, em que se diga que o descanso semanal tem de ser ao sábado e/ou ao domingo? Não há nada!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Exactamente!

O Orador: - E é isso que V. Ex.ª escamoteia, como o Governo escamoteia, quando fez a leitura da proposta de lei!

Aplausos do PCP.

O Governo traz cá esta proposta de lei com outras duas para fazer «flores», para fazer uma «embalagem», para tentar escamotear o conteúdo real da proposta de lei! Só que, para mal do Partido Socialista e do Governo do Partido Socialista, os trabalhadores também sabem ler! Os trabalhadores lêem, leram a proposta de lei, e foi por isso que se manifestaram a 25 de Março! E é por isso que os trabalhadores vão continuar a manifestar-se e a lutar, no que terão sempre o apoio do PCP, para que esta lei não veja a luz do dia! Nós queremos, de facto, regulamentar, regular, para bem dos trabalhadores, contrariamente àquilo que o Governo pretende, que é para bem, apenas, do patronato!
Aliás, V. Ex.ª poderia clarificar muito esta Câmara, designadamente a nossa bancada, se conseguisse explicar, na sua intervenção, quais foram os compromissos efectivos assumidos pelo Governo e pelo Primeiro-Ministro com o grande patronato, designadamente com a CIP!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carmem Francisco.

A Sr.ª Carmem Francisco (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: As propostas de lei hoje apresentadas têm como matéria aspectos extremamente importantes, com influência directa na vida de cidadãos em relação aos quais há, por parte do Estado, um

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dever especial de protecção. Falamos de crianças, pessoas portadoras de deficiências, grávidas e mães. Para o Partido Ecologista Os Verdes, o que é grave é que estas propostas se inserem num muito mais amplo pacote, o qual, nas suas propostas originais, constitui um grave atentado aos direitos dos cidadãos enquanto trabalhadores.
Também as propostas hoje em discussão, numa aparente bondade, camufladas sob a capa de melhoria de mercado de trabalho ou de proteger trabalhadores em situações especiais, em alguns casos escondem uma possibilidade de diminuição de direitos e regalias dos trabalhadores, noutros casos mostram que este Governo continua a não ter uma visão da família, da maternidade e da paternidade como valores sociais determinantes para um desenvolvimento mais humano.
No caso do trabalho a tempo parcial, entendemos esta modalidade apenas e só como uma opção alternativa de organização da vida das pessoas. Para Os Verdes, esta é a única forma de encarar o trabalho a tempo parcial. Não cremos que constitua um mecanismo para a criação de empregos e rejeitamos em absoluto que se pretenda por este modo reduzir salários com a redução de horários, quando essa redução de horário corresponde a uma evolução nos direitos e regalias dos trabalhadores e na organização social. O trabalho a tempo parcial deve constituir uma alternativa real, à qual os trabalhadores devem poder aceder e da qual devem poder prescindir, voltando ao tempo completo se for essa a sua situação de partida.
Esta alternativa só pode ser real se alguns aspectos forem devidamente regulamentados. É o caso da fixação do período mínimo e máximo, diário e semanal, de trabalho. A formulação vaga a que a proposta de lei recorre deixa em aberto a possibilidade do trabalho a tempo parcial se constituir apenas como um instrumento útil ao serviço do empregador, permitindo que sirva outros interesses, desrespeitando os direitos dos trabalhadores. Do mesmo modo, o trabalho a tempo parcial só constituirá uma alternativa real, se ao tempo parcial não for aplicável a adaptabilidade do horário. Se é suposto o trabalhador recorrer ao tempo parcial por necessidade de tempo para a família, para o estudo ou para outras actividades, não faz sentido que o empregador possa ter a possibilidade de organização do tempo de trabalho de acordo e apenas com as suas conveniências, desvirtuando aquele que deve ser o real objectivo do conceito de trabalho a tempo parcial. De qualquer modo, é muito duvidoso que nas condições do mercado de trabalho português o trabalho a tempo parcial possa constituir-se como uma verdadeira opção.
Sr.ªs e Srs. Deputados, relativamente à proposta de lei n.º 231/VII, que altera o regime do trabalho subordinado e de regulamentação do emprego de menores, há que mencionar que estamos a falar de trabalho feito por crianças, estamos a falar de jovens de 14 e 15 anos, jovens cuja formação está longe de estar terminada e que só motivos de injustiça social atiram para o mundo do trabalho. Estas crianças não deveriam estar a trabalhar. A nossa sociedade deveria ser mais exigente no nível de protecção e de direitos reais que confere às suas gerações mais novas.
Mas, permitindo-se que, legalmente, crianças de 14 e 15 anos entrem no mercado de trabalho, todos os cuidados colocados na sua protecção são poucos. A proposta do Governo é demasiado vaga numa definição daquilo que são os trabalhos leves, compatíveis com as características específicas destes jovens trabalhadores, ou ainda na definição daqueles que são os trabalhos proibidos, por serem prejudiciais ao desenvolvimento físico e psíquico dos menores. Neste e noutros aspectos, não nos parece que estejam acautelados os direitos de protecção destas crianças, sobretudo considerando que são crianças cujos direitos a um normal desenvolvimento e formação já estão diminuídos pela necessidade de serem trabalhadoras.
Relativamente à proposta de lei n.º 233/VII, sobre a dispensa de horário de trabalho com adaptabilidade em alguns casos específicos, estamos no campo da defesa de direitos fundamentais, nomeadamente do direito à maternidade, que, quanto a nós, deve ser extensível, obviamente, ao direito à paternidade, o que não acontece na proposta do Governo. Tal constitui uma visão de um Governo que não tem, de facto, uma preocupação com uma diferente organização das famílias, com um modo diferente de olhar o papel da mulher na sociedade. Isso mesmo denunciámos e ficou demonstrado com o recente debate sobre as quotas. Este Governo opta por operações de cosmética. Na sua aparente bondade, esquece as questões de fundo, aquelas que podem realmente contribuir para alterar hábitos e mentalidades e implicar que a igualdade entre homens e mulheres seja um direito realizado dia-a-dia, em todos os domínios da sociedade.
É obvio que a existência de um filho implica a necessidade de alterações na organização do tempo dentro da família. O reconhecimento dos direitos de maternidade e paternidade significa que, numa partilha de tarefas e de responsabilidades, numa forma diferente de entender o papel do pai, essa necessidade de alteração tem reflexos na vida do homem como na vida da mulher. E essa necessidade de alteração do modo como a família se organiza não deve ter que ver apenas com o acto de amamentar. O papel dos pais não se reduz a manter a criança alimentada. Há uma necessidade de atenção, carinho, acompanhamento, proximidade. Necessidades que vão muito para além da idade de um ano, constante da proposta.
Assim, para o Partido Ecologista Os Verdes, a dispensa de horário de trabalho com adaptabilidade deveria ser extensível aos pais, para além das mães, e para além da idade de um ano, com base nas necessidades específicas das crianças, nas obrigações parentais e não apenas no direito de amamentação.
Do mesmo modo, o facto de determinada família ter a seu cargo crianças portadoras de deficiências, com necessidades especiais, ou idosos, deveria ser motivo impeditivo da aplicação da adaptabilidade do horário aos trabalhadores que assim o entendam.
Estas medidas, sim, significariam uma defesa real de alguns direitos dos trabalhadores. O reconhecimento da importância das pessoas, entendidas na sua dimensão humana, familiar e social.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moura e
Silva.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Somos hoje chamados a apreciar um conjunto de três propostas de lei: a proposta de lei n.º 202/VII, que define o regime jurídico do trabalho a tempo parcial e estabelece incentivos à sua dinamização; a proposta de lei n.º 233/VII, que regulamenta a dispensa de horários de trabalho com adaptabilidade dos trabalhadores menores, dos portadores de deficiência e das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes, que simplifica alguns procedimentos na organização do tempo de trabalho, designadamente os que envolvem actos de relacio-

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namento entre os empregadores e a Inspecção-Geral do Trabalho; e, finalmente, a proposta de lei n.º 237/VII, que altera o regime de trabalho subordinado e de regulamentação do emprego de menores.
Este conjunto de iniciativas legislativas fazem parte do já famoso pacote laborai e consubstanciam um conjunto de alterações que o Governo entende promover, no sentido de dotar o ordenamento jurídico-laboral de um conjunto de instrumentos que, de forma capaz e efectiva, possa dar resposta às necessidades sentidas por empregados e empregadores.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A discussão destes diplomas acontece numa altura em que Portugal vive momentos agitados, num cenário de greves, convulsões sociais e protestos generalizados em algumas classes, que desmentem de forma categórica a paisagem idílica que nos é permanentemente pintada pelo Governo. São os enfermeiros, mas são também os camionistas. São os médicos com novas ameaças de greve e sem o seu problema resolvido, mas são também os homens do mar, os pilotos, os comerciantes, são os trabalhadores da industria têxtil e do calçado, promovendo manifestações de descontentamento e de protesto, desde o sector privado à Administração Pública.
O CDS-Partido Popular não questiona a necessidade de, perante um cenário de aumento da concorrência, de globalização dos mercados, de precariedade do emprego e de aumento do desemprego, um cenário que demonstra a necessidade de haver cada vez mais e melhor formação profissional e em que há, em resultado, uma cada vez maior complexidade das relações laborais, proceder a alterações que possam dar resposta a estas necessidades.
Por outro lado, não podemos deixar de reiterar aquilo que noutras ocasiões não nos cansámos de sublinhar. As alterações que atrás referimos não podem constituir peças desgarradas, retalhos mal alinhavados a uma «manta de mil formas e cores» que é hoje mercê de sucessivas iniciativas e alterações, o ordenamento jurídico-laboral português.
Assim, se, como já referimos, não questionamos a necessidade, por vezes premente, de mudar, não podemos deixar de referir que em nosso entender era chegada a hora de proceder a um trabalho mais profundo de sistematização e de uniformização, de simplificação de processos e de desburocratização. Tal como não podemos deixar de realçar que esta mudança não pode nunca ser feita em prejuízo daquilo que são os direitos adquiridos.
No que respeita à proposta de lei n.º 231/VII, a transposição para o ordenamento jurídico interno das prescrições da Directiva 94/33/CE, do Conselho, de 22 de Junho, relativa à protecção dos jovens no trabalho, o CDS-Partido Popular reconhece que, a par da necessidade de cumprir as nossas obrigações no que à transposição de directivas comunitárias para o ordenamento jurídico interno respeita, surge a necessidade de dar corpo a um conjunto de normas e mecanismos que protejam eficazmente os jovens trabalhadores num dos períodos mais importantes, senão o mais importante, da sua vida.
Esta iniciativa, tratando matérias tão importantes como são o descanso semanal de indivíduos em fase de formação física e intelectual e procurando que esse mesmo desenvolvimento seja salvaguardado, os intervalos de descanso e o descanso diário no trabalho de menores, não permitindo que estes prestem mais de quatro horas de trabalho consecutivas se tiverem menos de 16 anos ou mais de quatro horas e meia se tiverem mais de 16 anos, e o trabalho nocturno de menores ou a protecção de menores no trabalho autónomo, não merece a nossa objecção.
Esta é uma questão directamente relacionada com a gravíssima questão do trabalho infantil. O facto de estas questões poderem encontrar nesta proposta de lei algumas soluções satisfatórias, não dispensa o Governo de efectivar um esforço, até agora pouco visível, no combate ao trabalho infantil, num cenário de causas identificadas e de constantes chamadas de atenção por parte dos organismos internacionais competentes. Mais importante do que regulamentar o trabalho prestado por menores é combater as causas que conduzem os menores à entrada prematura no mercado de trabalho, as mais das vezes vendo o seu crescimento e formação, a sua saúde física e psicológica seriamente afectadas.
Senão, vejamos: o que são trabalhos leves? Não sabemos. Todavia, temos o compromisso do legislador de que dentro de 90 dias saberemos. Saberemos nós e todos os jovens que, tendo concluído a escolaridade obrigatória, tendo 14 ou 15 anos, sendo oriundos de famílias com fracos recursos económicos, se vejam forçados a procurar um emprego. Não um emprego qualquer. Um trabalho leve.
Nós sabemos, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, que é mais «leve» definir trabalho leve do que apostar seriamente na formação destes jovens. Que é sem dúvida mais «leve» regulamentar a leveza do trabalho leve do que fazer uma aposta séria e estruturada em parcerias com as empresas ao nível da formação profissional.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Todavia, temos, ao mesmo tempo, a penosa noção de que a ausência desta aposta será daqui a uns anos de um enorme peso para os jovens de hoje, para os homens de amanhã, para Portugal.
Será ainda de referir que, embora o legislador, na exposição de motivos da sua proposta, reconheça o princípio da responsabilidade do empregador pela criação de adequadas condições de segurança e saúde no trabalho e a especial importância destas questões quando se trata de trabalhadores menores, o panorama actual é bem diferente. Assim, não só o empregador não cumpre, muitas das vezes, as regras decorrentes do princípio ao qual se encontra obrigado - como, por exemplo, o respeito pelos limites dos períodos normais de trabalho aplicados à menores com idade inferior a 16 anos ou a avaliação permanente dos riscos que está obrigado a fazer -, como, por seu turno, o Estado, reconhecendo a obrigação que impende sobre o empregador, e, outrossim, o incumprimento desta obrigação por parte deste, continua sem exercer os seus poderes e competências, não sancionando, não fiscalizando, não procedendo, como era sua obrigação, no sentido de alterar um quadro negro em que o nosso país aparece como um dos que contam com um dos mais altos níveis de sinistralidade no trabalho de toda a Europa.

O Sr. Artur Penedos (PS): - O Sr. Deputado tem de nos dizer por onde anda!

O Orador: - Estas são, reconhecemos, matérias complexas que só poderão ser solucionadas com o esforço de todos. São questões económicas, mas são também questões culturais. São questões sociais e é, sobretudo, uma questão que merece a paixão do Governo e de todos nós. Infelizmente, no caso do Governo, as paixões parecem ser outras.
Quanto à proposta n.º 233/VII, algumas das considerações que houvemos por bem tecer acerca da proposta anterior procedem, de igual modo, em sede de análise da pró-

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posta n.º 233/VII. Assim, a simplificação de procedimentos e a desburocratização, sobretudo no que respeita ao relacionamento dos empregadores com a administração, saúda-se, tal como as medidas destinadas a proteger os trabalhadores menores, os portadores de deficiência e as grávidas, no que se refere aos regimes de adaptabilidade dos horários de trabalho, constantes do artigo 5.º-A, sob a epígrafe «Dispensa de horários de trabalho com adaptabilidade».
Por último, somos chamados a apreciar a proposta de lei n.º 202/VII, que define o regime jurídico do trabalho a tempo parcial, bem como o regime jurídico do estabelecimento de incentivos à sua dinamização. Duas questões diferentes de que nos ocuparemos também em momentos diferentes.
Assim, parece-nos da maior utilidade a definição de um regime jurídico do trabalho a tempo parcial. Não podemos deixar de concordar com a utilidade da definição de um conjunto de regras claras de utilização de um instrumento cada vez mais utilizado, factor de flexibilidade no mercado de trabalho. Também não nos oferece oposição ò carácter reversível, embora definido na proposta de forma dúbia, ou o carácter voluntário, a igualdade e/ou proporcionalidade de direitos.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Dúbio, Sr. Deputado?!

O Orador: - O trabalho a tempo parcial pode mesmo ter um desempenho valioso na redistribuição do tempo das famílias è na sua consequente reorganização. Para todos quantos prossigam os seus estudos trabalhando ao mesmo tempo, a disponibilidade deste instrumento pode ser um factor positivo.
Por outro lado, não podemos ignorar que este diploma, ou a sua aprovação, constituiria uma alteração substancial daquilo que podemos considerar as formas típicas de prestação de trabalho, facto que só por si não nos deverá levar à sua rejeição.
Mas o Governo, independentemente das intenções, consagra na proposta que aqui nos apresenta soluções que não são, em nosso entender, as mais adequadas.
Senão, vejamos: não serão exagerados os incentivos dados às entidades empregadoras no sentido de fomentarem novas contratações a tempo parcial?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Até o PP!...

O Orador: - Assim, parece-nos que a opção do Governo não se limita a estimular o trabalho a tempo parcial e passa, antes, por uma visão massificante do trabalho a tempo parcial. São misturados incentivos ou bonificações pela passagem de trabalho a tempo completo para trabalho a tempo parcial com incentivos à criação de novos postos de trabalho a tempo parcial. A concentração de esforços e de recursos por parte do Estado no apoio ao trabalho a tempo parcial, ao invés de optar por um apoio privilegiado ao trabalho a tempo completo, poderá gerar efeitos perversos no mercado de trabalho.
Tal como nos é difícil aceitar o estatuído no n.º 3 do artigo 4.º, que, sob a epígrafe «Períodos de trabalho», nos diz ser de 200 horas o limite máximo para prestação de trabalho suplementar por um trabalhador a tempo parcial. Não ferirá este limite o princípio da partilha de emprego de que, segundo nos pareceu, a proposta estava imbuída?
Esta proposta enferma ainda de algumas omissões, na nossa opinião, graves, que não podemos deixar de referir. É o caso do trabalho a tempo parcial requerido para assistência a filhos até três anos, que deveria ser considerado para
efeitos do cálculo das pensões de invalidez, sobrevivência e velhice e dos subsídios de doença, de desemprego e por morte, por um montante salarial equivalente à prestação do trabalho a tempo inteiro. Tratar-se-ia de uma medida de apoio à maternidade e à paternidade, possibilitadora de melhores condições de acompanhamento dos filhos menores, sem perda do trabalho.
É ainda o caso da omissão de criação de incentivos - aqui, sim - à formação e requalificação profissionais das pessoas que adoptarem pelo regime de trabalho a tempo parcial em virtude da razão anterior. Podemos referir também a criação de incentivos para trabalhadores obrigados a trabalho a tempo parcial em virtude de assistência familiar - filhos, pais ou cônjuges -, devidamente justificada e comprovada, e a criação de incentivos para trabalhadores que, por um período limitado, passem a trabalho a tempo parcial para frequentar cursos de formação profissional ou de valorização escolar.
Referiremos, ainda, o estabelecimento de uma norma de rendimento mínimo garantido parcial, à semelhança da prevista para o subsídio de desemprego parcial, reconhecendo o direito àquela prestação aos beneficiários que sejam contratados a tempo parcial. Creio que, em boa medida, este mecanismo já está previsto no rendimento mínimo garantido, mas, em qualquer caso, valeria a pena considerá-lo também aqui.
Por fim, o estabelecimento de um regime, a definir por lei específica, da conjugação entre reforma parcial e trabalho a tempo parcial a partir dos 55 anos. Esta medida flexibilizaria o mercado laboral de «substituição geracional» e tornaria menos abrupta a passagem da actividade para a inactividade laboral.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A evolução da sociedade, em geral, e do trabalho, em particular, leva-nos à procura de novas soluções. Não o admitir é não perceber o presente e é hipotecar o futuro. Todavia, não podemos deixar de perguntar: será que desta forma, com este diploma, nos termos em que nos é proposto, está o Governo convicto da sua bondade, ou age, mais uma vez, influenciado por outras forças e de costas voltadas, neste caso, para os trabalhadores, para o equilíbrio social e para o interesse nacional?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Jorge Rato. Como o Sr. Deputado Moura e Silva não tem tempo para responder, o Partido Socialista dá-lhe 1 minuto e a Mesa dá-lhe outro minuto.
Para pedir esclarecimentos, tem, então, a palavra o Sr. Deputado Jorge Rato.

O Sr. Jorge Rato (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Moura e Silva, ouvi a sua intervenção, mas confesso que fiquei um pouco confuso, visto que andou a saltar de uma matéria para outra.
Contudo, fiquei mais confuso porque costumo vê-lo por aqui, mas a sua intervenção dá-me a sensação de que tem estado fora, porque este retraio que fez da realidade não é, seguramente, o retrato da realidade portuguesa. O Sr. Deputado esqueceu-se, ou omitiu deliberadamente, um conjunto de matérias, nomeadamente estudos que este Governo desenvolveu no âmbito do trabalho infantil, e fico espantado por ver uma pessoa com a sua responsabilidade esquecer-se disto. De qualquer modo, aquilo que disse de bem ou de mal só a si lhe fica bem ou mal!

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Sr. Deputado, tenho três questões muito simples para lhe colocar. Em primeiro lugar, quero perguntar-lhe o que é que entende por concertação social, ou seja, se está de acordo com a existência da concertação social em Portugal.
Em segundo lugar, quero perguntar-lhe se está de acordo com aquilo que é o conteúdo do Acordo de Concertação Estratégica, assinado pelo Governo e pelos parceiros sociais, e, finalmente, pergunto-lhe se pensa que os acordos assinados não devem ser cumpridos, ou se, pelo contrário, considera que faz todo o sentido o Governo cumprir os acordos que faz com os parceiros sociais.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem! Bem perguntado!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Moura e Silva.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Rato, agradeço as questões que me colocou, mas deixe-me dizer-lhe o seguinte: quem pediu ó agenciamento destes três diplomas para hoje não foi o Grupo Parlamentar do Partido Popular. Estará, com certeza, de acordo comigo. As matérias são, de facto, diversas, mas, com este agenciamento, o Governo, de alguma forma - não vale a pena escamotear e esconder este facto -, pretende, porque alguns aspectos das propostas de lei merecem a concordância de todos nós e outros menos, dar com uma mão e tirar com a outra. Contudo, não nos apanha distraídos!

O Sr. Artur Penedos (PS): - Essa agora!

O Orador - Por isso mesmo é que o Sr. Deputado está um pouco...

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD). - Nervoso!

O Orador: - Não diria nervoso, mas diria que está muito aquém da realidade da sociedade civil. É que os problemas que acabei por enunciar não são, felizmente, os problemas dos Deputados. São os problemas daqueles que têm salários de 60 contos, são os problemas dos que não encontram um vínculo laborai permanente com as suas empresas, são os problemas dos jovens que estudam e não sabem para quê. Por outro lado, Sr. Deputado, começa-se, infelizmente, a sentir em muitas empresas um velho cenário de salários em atraso e os que estão nessa situação têm uma realidade bem diferente daquela que o Sr. Deputado descreveu. É, portanto, para esses que vai a minha primeira preocupação e foi em nome desses que fiz as críticas e os comentários.
Sr. Deputado, sou, de facto, adepto da concertação social. Sou, porque, de alguma forma, dou-lhe corpo há muitos anos e não sei se o Sr. Deputado também o faz. Mas há uma outra questão: é que em circunstância alguma abdico dos meus direitos enquanto Deputado. Estará, por acaso, o Partido Socialista a propor que todas as matérias acordadas em concertação social não necessitem de vir a esta Assembleia para aqui serem aprovadas e passadas a lei?!

O Sr. Pedro Feist (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Jorge Rato (PS): - São palavras suas!

O Sr. Artur Penedos (PS): - A sua resposta é ridícula!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Subo a esta tribuna para vos solicitar um pequeno esforço de memória e de reflexão sobre o que está a passar-se em matéria de regulamentação legal das relações laborais.
Na verdade, penso que não será muito difícil voltarmos ao que se passou há cerca de três anos atrás, à data em que, com pompa e circunstância, o Governo fez a festa, deitou os foguetes e apanhou as canas, por ter visto assinado, por quase todos os parceiros sociais, um acordo de concertação social.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Está enganado!

O Orador: - Tive ocasião, então, de, em nome do PSD, saudar tal acordo, deixando bem claro que o Partido Social Democrata permanece fiel aos princípios que sempre defendeu, nomeadamente o do reconhecimento da importância da concertação entre os diversos parceiros sociais, caminho mais seguro para uma verdadeira paz e harmonia social, imprescindíveis para um desenvolvimento equitativo da sociedade portuguesa.
Demonstramos também, nesta matéria, e uma vez mais, que recusamos o comportamento daqueles que, como o PS, enquanto oposição, defendem e promovem a conflitualidade, mesmo com prejuízo do futuro dos portugueses, para, uma vez no Governo, apregoarem a concertação e o diálogo. Mas, exactamente, no momento em que, em nome do PSD, daqui saudei a assinatura do referido acordo, tive também ocasião de aleitar o PS para a necessidade imperativa de o Governo cumprir as obrigações que, de tal acordo, para si resultavam, condição imprescindível para poder manter os demais parceiros sociais no quadro do cumprimento do referido acordo. Disse-o, e recordo-o hoje, que a boa-fé do Governo medir-se-ia pela sua capacidade de cumprir as suas próprias obrigações no quadro do acordo de concertação celebrado.
Agora, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados, passados estes anos, é chegado o momento de afirmar que ou a boa-fé do Governo era pouca ou a sua letargia permanente e incompetência inultrapassável sobrepuseram-se à vontade de cumprir as obrigações que o acordo estipulava.
Será que o Governo pensa que já ninguém se lembra da forma categórica com que a anterior titular da pasta anunciou o calendário de concretização do acordo?

O Sr. Azevedo Soares (PSD): - É verdade!

O Orador: - Será que o Governo espera que não haja qualquer recordação das medidas que, então, foram anunciadas para as datas calendarizadas? Será que o Governo pensa que, em Portugal, todos decidiram e puderam seguir o exemplo do Primeiro-Ministro e meter férias ao longo de todo este tempo?
Que o Governo o deseje, eu percebo; agora, que o Governo acredite que assim seja, efectivamente, parece-me caricato!
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Na verdade, o Governo demonstrou nesta área, como noutras, a vontade de nada fazer, a esperança de que da sua inacção nada de mau resulte, a convicção profunda de uma total impunidade para-as sucessivas demonstrações de incapacidade. O Governo prometeu muitíssimo, compro-

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meteu-se muito e fez pouco, muito pouco mesmo. Mas, sejamos justos, o que se passou em matéria da regulamentação das relações laborals em nada difere do que se passou nas demais áreas da governação, isto é, muita promessa, muitos compromissos, muito pouca acção, quase nenhuma «obra»!
Por isso, desta tribuna onde me encontro, Sr. Ministro, quero dizer-lhe, com sinceridade, que V. Ex.ª, a sua antecessora e as respectivas equipas estiveram ao nível dos demais colegas de Governo. Numa palavra: muita parra e pouca uva!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Há, contudo, um aspecto em que V. Ex.ª divergiu dos demais membros do Governo. Na realidade, enquanto a generalidade dos seus colegas já assumiu publicamente não estar na disposição de proceder a qualquer reforma séria e profunda nas áreas que lhes estão cometidas, V. Ex.ª, Sr. Ministro, teima em fazer crer que consigo não será assim, que ainda vai proceder a algumas reformas de fundo. E, com habilidade, tem tentado fazer passar a ideia de que está em vias de ser aprovado um conjunto de legislação laboral que se traduzirá em profundas e importantes reformas. E assim, de 15 em 15 dias, a opinião pública é confrontada com o anúncio de que vem aí o famoso «pacote laboral».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas quando se vai ao concreto, quando se analisam as propostas que o Governo apresenta, cuja votação é solicitada a esta Assembleia, verifica-se que «o Rei vai nu», isto é, que o chamado «pacote laboral», que iria reformar, séria e profundamente, todo o mundo das relações laborais, afinal, não passa de um conjunto de pequenos pacotinhos que vão alterando sem sentido, muitas vezes sem coerência e quase sempre sem importância a legislação laboral.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Com a particularidade de, a manter-se a regularidade que tem vindo a ser evidenciada, V. Ex.ª correr o risco de passar a ser conhecido como o Ministro do «três em um», já que temos sido chamados a discutir, em cada momento, três propostas do Governo, em que duas são quase irrelevantes e somente uma tem verdadeira importância. É o que se passa com as propostas que hoje iremos apreciar.
Outros Deputados do PSD subirão a esta tribuna para proceder a uma análise mais pormenorizada de cada uma delas. Contudo, não posso deixar de me referir àquela que terá maiores impactos negativos na sociedade portuguesa, isto é, à que pretende regulamentar o trabalho a tempo parcial. Que fique, desde já, bem claro que o PSD reconhece a importância do trabalho a tempo parcial e a necessidade imperiosa de o regulamentar mas, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados, que fique igualmente claro que algumas das soluções propostas são, para nós, verdadeiramente inaceitáveis.
Na verdade, os incentivos ao trabalho a tempo parcial que o Governo pretende criar, em contraponto com a ausência de incentivos que discriminem positivamente a criação de postos de trabalho a tempo inteiro, com a evidente consequência de aumento da precariedade da relação laboral,
as consequências que daí poderão resultar para a segurança social, numa altura em que era suposto que se estivesse a trabalhar com seriedade na sua reforma e não a criar condicionalismos e encargos adicionais, que só vêm limitar as hipóteses de se proceder a uma séria, efectiva e profunda reforma da segurança social, o tratamento que se pretende dar ao trabalho extraordinário, quase desvirtuando a ideia de trabalho a tempo parcial, tudo isto são razões que nos levam a gritar bem alto: assim, não!
Contudo, como se isto não bastasse, ainda vem o Governo arredar a negociação colectiva de qualquer papel em matéria de contratualização de trabalho a tempo parcial. Será que ninguém no Governo vê onde é que isto pode levar? Será que ninguém no PS tem memória ou vergonha? A resposta parece ser negativa!
Infelizmente, esta situação obriga a uma reflexão mais profunda, porque dela resulta um problema maior e que tem justamente a ver com a questão que, há cerca de três anos, aqui coloquei e a que há pouco me referi: a boa-fé, ou melhor, a ausência de boa-fé, por parte do Governo, no que diz respeito à concertação social.
É que, na verdade, a ideia de concertação social tem por base a ideia de negociação entre as diferentes partes envolvidas, isto é, entre Governo, representantes dos trabalhadores e representantes das entidades patronais. E como acontece em qualquer negociação, uma das partes cede neste ou naquele aspecto para, em contrapartida, repito, em contrapartida, obter cedências das outras partes noutros aspectos.
Ora, assim sendo, o resultado da concertação social deve ser visto globalmente, como um todo, e não através de «propostas às pinguinhas», correndo-se o risco de umas serem aprovadas e outras não, desvirtuando-se então o espírito de qualquer acordo que se tenha atingido. E é justamente isto que o Governo tem feito.
Mas sejamos verdadeiros: o que é que se podia esperar da parte de um Governo que, também em matéria de legislação laboral, se comporta com os olhos postos nas sondagens, sempre com medo e receio de poder desagradar a alguém?
Na verdade, num primeiro momento, o Governo anuncia a intenção de proceder a algumas alterações importantes e verdadeiramente significativas da legislação laboral. De seguida, há uma qualquer «fuga de informação» e a comunicação social torna públicos os traços gerais da proposta que o Governo apresentará. A opinião pública reage, quantas vezes contestando o absurdo de algumas propostas anunciadas. Finalmente, o Governo aparece a desmentir, dizendo que nunca teve intenção de apresentar tais propostas, que mais não eram, afinal, do que um estudo prévio.
Este filme já foi passado várias vezes, e manda a verdade que se diga que o protagonista, isto é, o Ministro, nem sempre é o mesmo, ou melhor, já quase todos os Ministros protagonizaram esta fita. Mas há algumas nuances ou, se quiserem, outras versões do mesmo filme. Por exemplo, uma delas é a de, quando as propostas em questão resultam de obrigações que o Governo contraiu, e perante a impossibilidade de se vir dizer que é somente um estudo prévio ou uma enorme mentira, já que as mesmas resultam de acordos celebrados, por exemplo, com os parceiros sociais, pois bem, nesse caso, manda o «argumentista» que apareça em cena um qualquer Deputado, de preferência daqueles que têm «lata» que baste, a explicar que, em ano de eleições, não se podem apresentar propostas que possam representar pretexto para agitações sociais. Sem mais! Ou melhor, com mais uma afirmação, inequívoca, categóri-

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ca e verdadeiramente irrefutável: «o pacote laboral não pode ser apresentado no seu todo, por razões que se prendem com a necessidade de não criar um clima adverso em ano de eleições»!
É isto a governação socialista. É este o sentido de Estado do PS. E esta a perspectiva que o PS e o seu Governo têm da responsabilidade de conduzir os destinos de um país. Mas ninguém, nem o PS e a sua gigantesca máquina de propaganda, consegue enganar todos por muito tempo.
A resposta virá dentro de alguns meses.

Aplausos do PSD.

Vozes do PS: - Vem, vem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Namorado.

O Sr. Rui Namorado (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta intervenção do Sr. Deputado do PSD suscita, no fundo, poucas questões, porque ela, ao fim e ao cabo, é a repetição, com algum arreganho, de um discurso já tradicional. É um discurso repetitivo, feito com mais ou menos entusiasmo, mas a que já nos habituámos.
De qualquer maneira, o que me levou a estranhar um pouco mais este discurso é que o representante do PSD apresentou-se aqui como um arquitecto exemplar, que viria ensinar ao Governo como é que deveria governar, como é que deveria ajustar os mecanismos da governação, quando acabámos de ter a notícia de que a arquitectura mais sofisticada, a «menina dos olhos» da arquitectura do PSD, que era a defunta Aliança Democrática, se desmoronou!

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Isso tem muito a ver com o pacote laboral!...

O Orador: - Quer dizer, o mesmo arquitecto a quem se deve o «edifício» que se desmoronou quer ensinar como é que se fazem «edifícios»!...
Isto sim, Srs. Deputados, devia ser alvo de alguma autocontenção e, pelo menos, durante algum tempo, o PSD devia ter algum luto...

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Deve estar a pensar na co-incineracão de Souselas!

O Orador: - Estou a ver que, na bancada do PP, há ainda uns resquícios da Alternativa Democrática!...

Risos do PS.

V. Ex.ª, Sr. Deputado Moura e Silva, está esquecido de que está a defender uma bancada fora da sua órbita! V. Ex.ª está desactualizado!

Risos do PS.
No entanto, estamos a ver que a fragilidade do PSD é tão grande que já nas bancadas da defunta Aliança Democrática, por alguns mimetismos, encontra a única defesa possível!

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - É de legislação laboral que estamos a tratar!

O Orador: - O entusiasmo é grande. Se calhar, vamos ter um futuro Deputado independente nas listas do PSD, o que será interessante!

Risos do PS.

Portanto, Srs. Deputados, o que verificamos é que os arautos da grande eficácia esquecem-se que estiveram na bancada de um governo cujo nível de cumprimento da parte deles foi «zero» e vêm ensinar aos outros aquilo que não foram capares de fazer e exigir uma celeridade absoluta, quando eles próprios são o documento da omissão completa!
Por outro lado, constatamos que há algo de desfocado aqui: de um lado, acusam-nos de ir longe demais; do outro lado, acusam-nos de ir devagar demais. O que podemos dizer é que, se calhar, a realidade escapa às oposições, escapa especialmente a um partido que, sucessivamente, quer reinventar-se a si próprio e, sucessivamente, patina nas suas próprias invenções e vem, como eu comecei por dizer, ensinar a construir, quando ele próprio apenas consegue desmoronar-se a si próprio, constantemente!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, quero anunciar que temos na Tribuna do Corpo Diplomático, o Sr. Eduard Kukan, Ministro dos Negócios Estrangeiros da República da Eslováquia, que, com muito gosto, vou receber de seguida, o Sr. Director-Geral da Política Externa, o Sr. Chefe de Gabinete do Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, o Sr. Embaixador da República Eslováquia e o Sr. Conselheiro da Embaixada da Eslováquia. Uma saudação para todos eles.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Namorado, antes de responder-lhe, permita-me que lhe lembre que Ex.ª disse que eu estive a intervir qual «arquitecto». Porventura, V. Ex.ª já vê arquitectos e supremos arquitectos em todo o lado. Deixe-me que lhe diga que eu não uso «avental»!

Risos do PSD.

Portanto, não tenha, nessa matéria, ilusões, para além de que a minha formação é jurídica, não é de arquitectura. Portanto, também por aí não quero arquitectar nada.
Deixe-me ainda que lhe diga que V. Ex.ª tem razão numa coisa: o discurso é repetitivo. Sabe por que é que o discurso é repetitivo? Porque a situação é aquela que eu descrevi, e já o é há muito tempo! Portanto, não é o discurso que tem de mudar, os senhores é que tinham obrigação de fazer alguma coisa para mudar a situação, e não a mudaram.
Assim, enquanto a situação não mudar, enquanto os senhores não fizerem nada, não cumprirem os compromissos que assumiram, não honrarem as promessas que fizeram, Sr. Deputado, o discurso vai ser o mesmo, vai ser o da denúncia, da mentira, da demagogia, da hipocrisia, que os senhores usaram, criando ilusões nos portugueses e não satisfazendo as promessas que fizeram. O discurso vai ser o mesmo, por mais uns meses!
Protestos do PS.

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Deixe-me que lhe diga outra coisa: o Sr. Deputado, provavelmente, estava distraído, porque eu não o acusei de andar demasiado depressa ou demasiado devagar; acusei-o de estar parado, que é uma coisa diferente! Parado, imóvel, o seu Governo e o partido que o apoia. Foi somente isso, Sr. Deputado. E continuarei a acusá-los, repito, por mais uns meses, enquanto a situação for esta!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Penedos.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: À semelhança do que ocorreu noutros períodos da nossa história recente, algumas forças políticas e político-sindicais - as do costume -, que se arrogam de únicos representantes dos direitos e interesses dos trabalhadores, usaram os últimos meses para «fustigarem» a opinião pública com o «papão» que criaram e que existe apenas e só nas suas cabeças e, porque serve os seus interesses eleitorais, designaram o dito «papão» por «pacote laboral».
E a fórmula que melhor parece ser absorvida pela opinião pública e, nessa medida, à falta de matéria de facto, invoca-se a memória de há 20 ou 25 anos atrás para apresentar e comparar coisas não comparáveis, mas que, porque deixaram marcas profundas na sociedade portuguesa, importa usá-las!
Mas a intoxicação e a manipulação massivas a que foi possível assistir nos últimos tempos, técnica em que os agentes acima referenciados são «mestres», terá, a partir de hoje, a desmistificação que se impõe, designadamente através da demonstração clara e inequívoca de que as propostas de lei sobre matérias decisivas na área da regulação das relações laborais visa não o ataque aos direitos dos trabalhadores mas tão-só uma melhor e mais adequada protecção de direitos legais e constitucionais.
Comecemos, então, pelas propostas de lei que parecem recolher maior consenso na nossa sociedade e em relação às quais se tem observado, nos autodesignados «defensores das classes trabalhadoras», o mais profundo dos silêncios.
A proposta de lei, que regulamenta a dispensa de horário de trabalho com adaptabilidade dos trabalhadores menores, portadores de deficiência e das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes, que simplifica alguns procedimentos na organização do tempo de trabalho, designadamente os que envolvem actos de relacionamento entre os empregadores e a Inspecção-Geral do Trabalho, visa uma intervenção da administração do trabalho nos actos relativos à organização do tempo de trabalho, nos domínios da protecção daquelas classes de trabalhadores, bem como na simplificação e na celeridade dos serviços no contacto e relacionamento com os particulares.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Partindo-se do princípio de que os regimes de adaptabilidade dos horários de trabalho podem, em determinados casos, implicar um esforço excessivo para esses trabalhadores e que esse esforço pode, porventura, vir a afectar a sua saúde ou a segurança no trabalho, impõe-se a adopção de regulamentação adequada, por forma a prevenir e evitar males maiores.
Assim e no respeitante à simplificação de procedimentos inerentes à organização do tempo de trabalho, a presente proposta, designadamente: prevê o deferimento tácito do pedido de redução ou dispensa de intervalo de descanso, desde que acompanhado de declaração escrita de concordância do trabalhador interessado, bem como do pedido de isenção de horário de trabalho; estabelece a fixação na empresa de todas as alterações da organização dos tempos de trabalho com, pelo menos, uma semana de antecedência, ou duas, tratando-se de horários de trabalho com a adaptabilidade; reduz de 8 dias para 48 horas a antecedência mínima que a entidade empregadora dispõe para remeter à IGT cópia do mapa de horário de trabalho, antes da sua entrada em vigor, e dispensa o envio nas situações em que a duração da alteração do horário não exceda uma semana.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Da simplificação de processos, passamos à consagração de medidas de protecção específica em matéria de regime de adaptabilidade dos horários de trabalho.
Para tanto, adita-se ao Decreto-Lei n.º 409/71 um artigo 5.º-A, que estabelece: «A dispensa de horário de trabalho com adaptabilidade relativamente às trabalhadoras lactantes até o filho perfazer um ano, mediante certificação médica de que a sua prática pode afectar a amamentação, podendo a entidade empregadora, em caso de dúvida fundada, condicionar esta dispensa à confirmação pelo serviço de verificação de incapacidades».
De notar que as preocupações manifestadas durante a discussão que deu origem à Lei n.º 21/96, designadamente no capítulo da protecção aos menores, portadores de deficiência e trabalhadoras grávidas, ficam perfeitamente arredadas do nosso espírito, uma vez que a aprovação desta proposta de lei significará para aqueles a dispensa de horário de trabalho com adaptabilidade.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Da análise do conteúdo desta proposta de lei torna-se legítimo perguntar: será que esta proposta de lei, que faz parte do dito «pacote laboral», constitui um atentado aos direitos dos trabalhadores? Não, Srs. Deputados! Claro que não faz!
Continuemos, então, a análise de outra proposta de lei, também ela parte integrante do dito «pacote laboral», que altera o regime do trabalho subordinado e de regulamentação do emprego de menores.
Visa o Governo, com esta proposta de lei, alterar o Regime Jurídico do Trabalho de Menores, designadamente no sentido de dar acolhimento às prescrições da Directiva n.º 94/33/CE do Conselho de 22 de Junho, relativa à protecção dos jovens no trabalho, que ainda não se encontram espelhadas na ordem jurídica interna.
Consagra-se uma disposição legal relativa ao descanso semanal dos menores, conferindo-lhes o direito a dois dias de descanso como regra geral; responsabilizam-se os empregadores pela criação de adequadas condições de segurança e saúde no trabalho, pela avaliação dos riscos profissionais e aplicação de medidas de protecção adequadas; consagra-se, ainda, o princípio constante da Convenção n.º 138, da OIT, relativa à idade mínima de admissão no trabalho e ao emprego, no que respeita à idade mínima de admissão ao emprego independente; limita-se a aplicação da adaptabilidade dos horários de trabalho aos trabalhadores menores; garante-se a estes trabalhadores intervalos de descanso e descanso diário; estabelece-se o dever de os estabelecimentos de ensino comunicarem aos centros regi-

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onais de segurança social as situações de abandono escolar relativas a menores que não tenham atingido a idade mínima de admissão e não tenham concluído a escolaridade obrigatória.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Alterar o regime do trabalho subordinado e de regulamentação do emprego de menores são os objectivos da iniciativa do Governo que, como se torna evidente na sua apreciação, comporta soluções que manifestamente melhoram e aperfeiçoam o Regime Jurídico do Trabalho de Menores no sentido do reforço da sua protecção, designadamente, tendo em conta a necessidade de assegurar aos menores a sua educação e formação, proibindo o acesso ao emprego de menores em idade escolar.
Contribui-se para o combate ao trabalho infantil, porque, ao regulamentar o trabalho de menores e ao tornar obrigatória a comunicação pelos estabelecimentos de ensino à segurança social de casos de abandono escolar, adopta-se um maior controle na situação dos jovens em idade escolar obrigatória. É que não basta reconhecer que as condições em que os menores desenvolvem o seu trabalho e a idade de admissão ao trabalho constituem factores determinantes no seu desenvolvimento físico e intelectual, para a sua saúde e segurança e para a sua educação e formação. É fundamental a adopção de medidas! Foi o que o Governo fez, apoiado na Directiva n.º 94/33/CE, no Acordo de Concertação Estratégica.
Em suma, a proposta de lei em discussão espelha soluções normativas que se traduzirão num efectivo reforço na protecção do Regime Jurídico do Trabalho de Menores.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Também neste caso se torna legítimo perguntar: será que esta proposta de lei, que também faz parte do dito «pacote laboral», constitui um atentado aos direitos dos trabalhadores? É óbvio que não, Srs. Deputados!!
Finalmente, o tão maléfico e aviltante - no dizer de alguns, claro está - trabalho a tempo parcial.
A legislação actualmente em vigor, para além de incipiente face ao fenómeno das transformações sociais, económicas e políticas vividas um pouco por todo o mundo, conduz trabalhadores e empregadores para eventuais acordos que nenhuma das partes deseja, uma vez que a mesma não contém atractivos que conduzam as partes a, em sede de contratação colectiva, encontrar soluções que sirvam os seus interesses.
O crescimento do desemprego verificado nas últimas décadas tem vindo a favorecer, ninguém o ignora, novas formas de actividade e estatutos que acabaram por tornar indeterminadas as fronteiras entre o desemprego, o emprego e a inactividade.
É o resultado da introdução de novas tecnologias, das transformações dos modelos de consumo, da internacionalização dos processos económicos e dos meios de produção. Estes factores, entre muitos outros, conduziram à proliferação dos chamados «empregos não convencionais ou atípicos» e, pior que estes, à diminuição dos postos de trabalho, o mesmo é dizer à redução do volume de emprego, situação que facilitou o surgimento da flexibilidade em que é tida como uma das componentes necessárias ao sucesso do novo modelo que cresceu por toda a Europa sem qualquer tipo de regulamentação.
É, pois, face à evolução recente dos mercados de trabalho e das alterações que essa evolução veio introduzir nas relações, laborais que o trabalho a tempo parcial se enquadra nas novas formas de emprego.
Trata-se de uma constatação ao alcance de qualquer um de nós, que, não sendo desejada por quem nutre o maior respeito pelo direito dos cidadãos ao emprego ou ao pleno emprego, não pode nem deve deixar de considerar que este tipo de trabalho traduz uma verdadeira possibilidade em aumentar a capacidade de adaptação dos mercados e, consequentemente, no aumento de postos de trabalho, uma vez que a flexibilização das horas de exploração poderá vir a gerar outras possibilidades na criação de postos de trabalho.
São, pois, adequadas as referências produzidas pelo Governo na «Exposição de motivos», quando afirma que: «A regulamentação da prestação de trabalho a tempo parcial, modalidade contratual de crescente utilização nacional e internacional, visa sobretudo melhorar o mercado do emprego e reduzir o desemprego, com a devida salvaguarda dos direitos dos trabalhadores».
O trabalho a tempo parcial apresenta-se, pois, como instrumento de luta contra o desemprego, uma vez que, através deste, se procura a criação de novos postos de trabalho e, simultaneamente, o aumento do número de postos de trabalho através de uma política de partilha do trabalho existente. Este tem merecido profundas reflexões em todo o espaço europeu, que, como é sabido, culminaram na aprovação de uma directiva comunitária, precedida, como é hábito, por longos e profundos períodos de consulta aos parceiros sindicais, patronais e governamentais. Dessas consultas resultou o consenso nessa organização tripartida e, aí, as organizações portuguesas manifestaram-se favoráveis à existência de normativos, regulamentadores do trabalho a tempo parcial!!
Repete-se a história recente de algumas organizações terem dois discursos...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Desde que estejam correctos...!

O Orador: - Dizia eu, repete-se a história recente de algumas organizações terem dois discursos: um, para europeu ver, e outro, para consumo interno - este, visando, como é óbvio, exclusivamente a agitação social.
Refiro-me, naturalmente, ao acordo estabelecido entre a UNICE, a CEEP e a CÊS (Confederação Europeia de Sindicatos), de que fazem parte integrante a UGT e a CGTP e onde ambos, no Conselho Executivo, deram o seu voto favorável à concretização desta directiva.

Protestos do Deputado do PCP Octávio Teixeira.

O Orador: - Os Srs. Deputados não podem ignorar este tipo de situações,...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É falso!

O Orador: - ... não podem mistificar o que quer que seja, tentando enganar-nos a todos com coisas que não poderão, nunca, enganar!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É falso!

O Orador: - Não é falso! Eu demonstro!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Diga-me onde está o limite das 39 horas!

O Orador: - Sr. Deputado Octávio Teixeira ...

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que não estabeleçam diálogo directo.

O Orador: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, nada do que acabo de afirmar é falso!
Se o Sr. Deputado quiser, porque penso que a vale a pena, digo-lhe quando é que foram iniciadas as negociações.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Então, diga lá!

O Orador: - As negociações entre a CÊS, a UNICE e a CEEP foram iniciadas em 19 de Junho de 1996;...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não é a data que queremos!

O Orador: - ...foi concluído um acordo em 6 de Junho de 1997, acordo esse aprovado no Comité Executivo da CES, com votos favoráveis das duas centrais sindicais que acabei de referenciar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Independentemente dos factos referenciados, que deixam o Partido Comunista Português absolutamente isolado na contestação desta proposta de
Lei...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Ainda bem! Mais vale isolado do que mal acompanhado!

O Orador: - ... passemos à apreciação objectiva das questões que nos são colocadas por tão importante instrumento de regulamentação laboral.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Estamos acompanhados por milhares de trabalhadores!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, aça favor de deixar ouvir quem está no uso da palavra.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: A proposta de lei do Governo, que resulta do Acordo de Concertação Estratégica com os parceiros sociais subscritores e acolhe também os princípios estabelecidos na Directiva n.º 97/8 1/CE, define o regime jurídico do trabalho a tempo parcial e estabelece incentivos à sua dinamização, designadamente, mediante a instituição de incentivos à contratação de trabalhadores para partilha de postos de trabalho e à instituição de apoios financeiros e incentivos fiscais que possam conduzir à criação de mais emprego.
Concretizando, a proposta de lei que define o regime jurídico do trabalho a tempo parcial consagra um vasto conjunto de disposições que classificam o regime e adopta várias medidas tendentes à sua implementação, de que, pela importância que assumem, se destacam os seguintes aspectos:
Define como trabalho a tempo parcial o que corresponda a um período normal de trabalho semanal inferior ao praticado por trabalhadores a tempo completo numa situação comparável, ou seja, quando é prestado o mesmo ou idêntico tipo de trabalho, podendo por convenção colectiva serem estabelecidos outros critérios de comparação;
Estabelece que os trabalhadores a tempo parcial devem ter o mesmo tratamento que os trabalhadores a tempo completo numa situação comparável, excepto quando razões objectivas atendíveis justifiquem tratamento diferenciado;
Permite a passagem de trabalho completo a trabalho parcial, e vice-versa, a título definitivo ou por período determinado, mediante acordo escrito entre as partes. Quando a passagem a tempo parcial se verificar por período determinado, até ao máximo de 3 anos, o trabalhador goza do direito de retomar a prestação de trabalho a tempo completo. Neste domínio, é de referir, ainda, que, quando se verifique a passagem de trabalho a tempo completo para trabalho a tempo parcial por período determinado, a entidade empregadora pode celebrar um contrato a termo para a substituição parcial;
Estabelece que, salvo estipulação em contrário, o trabalho a tempo parcial pode ser prestado todos os dias da semana, sem prejuízo do descanso semanal, podendo ser prestado trabalho suplementar até 80 horas por ano ou, ainda, nas situações de acréscimos eventuais de actividade laboral, mediante acordo entre as partes, até 200 horas por ano;
Consagra o direito do trabalhador a tempo parcial à retribuição base prevista na lei ou em regulamentação colectiva ou, caso seja mais favorável, à auferida pelos trabalhadores a tempo completo numa situação comparável, em proporção do respectivo período normal de trabalho. Confere, ainda, ao trabalhador, de acordo com determinados critérios (artigo 5.º) o direito a outras prestações retributivas e ao subsídio de alimentação;
Institui incentivos à passagem do trabalho a tempo completo para parcial, designadamente a redução da taxa contributiva do trabalhador para a segurança social, até ao limite de 36 meses, para 6%, quando o número de horas de trabalho a tempo parcial não seja inferior a 20% nem superior a 75% da duração normal do trabalho a tempo completo;
Institui incentivos à contratação de trabalhadores para partilha de postos de trabalho, ou seja, nas situações em que a entidade empregadora, na sequência da alteração do trabalho a tempo completo para parcial, celebre contrato com outro trabalhador a tempo parcial, tem direito à dispensa ou à redução de pagamento de contribuições para a segurança social, nos casos previstos no artigo 8.º;
Institui, ainda, incentivos à contratação de trabalhadores a tempo parcial com criação de postos de trabalho, traduzidos na dispensa ou redução de contribuições para a segurança social ou, em alternativa, na atribuição de apoios financeiros.
Eis, muito sinteticamente, o quadro legal que encerra a proposta de lei que pretende regular o regime jurídico do trabalho a tempo parcial e a ausência de justificação para tanto «ruído» de alguns agentes políticos e político-sindicais.
Trata-se de uma iniciativa legislativa determinante, uma vez que o seu objecto consiste em regulamentar uma modalidade contratual que assume hoje grande importância no domínio das relações industriais e da organização do tempo de trabalho quer no plano interno quer no plano internacional.
Não temos, Srs. Deputados, a pretensão de considerar a presente proposta como modelo acabado. Não! Nós próprios consideramos indispensável introduzir-lhe melhorias, nomeadamente, ao nível dos cuidados que importa estabelecer para evitar ou eliminar qualquer tipo de tentações que visem a subversão do espírito que presidiu à sua apresentação. É com esse espírito que consideramos que, aprovada que seja a referida proposta - na generalidade, claro está -, em sede de comissão especializada, estaremos disponíveis para lhe introduzir as indispensáveis melhorias.

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Finalmente, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Dos estudos realizados em Portugal, as categorias de trabalhadores preferencialmente abrangidas pelo trabalho a tempo parcial no nosso país são as mulheres e os trabalhadores-estudantes, resultando essa situação de uma expressa opção dos trabalhadores.
Sendo nestas categorias de trabalhadores que se tornam mais visíveis os efeitos de desemprego e apesar da taxa de desemprego do nosso país se situar aos níveis mais baixos da Europa, o universo de cidadãos à procura de emprego, que é grande, deve levar-nos à permanente procura de soluções e essas passam pela criação e partilha de postos de trabalho e por uma maior e mais rápida inserção profissional das vítimas da exclusão social.
É nossa convicção de que os direitos dos trabalhadores se encontram devidamente salvaguardados na proposta de lei do Governo, uma vez que o regime proposto vai no sentido de consagrar o trabalho a tempo parcial como voluntário e reversível, implicando igualdade ou proporcionalidade dos direitos estabelecidos para a prestação de trabalho a tempo completo. Ou seja, permite-se um maior acesso ao trabalho, a partilha voluntária e reversível de postos de trabalho e uma maior conciliação da vida profissional com outras actividades familiares, de lazer ou educativas, sem que se torne necessário diminuir os direitos dos trabalhadores, que, neste domínio, se mantêm intocáveis.
Finalmente e mantendo-se as interrogações que fizemos em relação às propostas de lei, objecto de discussão conjunta, vale a pena afirmar que, apesar da «intoxicação» que alguns usaram junto da opinião pública, facilmente se poderá provar que só objectivos menos sérios, porque eleitoralistas, poderão continuar a ser usados para denegrir a acção do Governo socialista.
O dito «pacote laboral», como facilmente se demonstra, não existe sob o ponto de vista dos malefícios que alguns lhe atribuem. O tempo encarregar-se-á de demonstrar quem tem razão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Loureiro.

O Sr. Hermínio Loureiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Nunca, em circunstância alguma, o início da actividade profissional deve ser exercida em condições que prejudiquem o desenvolvimento físico, intelectual, a segurança e a saúde e, fundamentalmente, a educação e consequente formação. Têm de existir, de uma forma clara e inequívoca, mecanismos que assegurem a educação e formação, proibindo a inclusão de menores em idade escolar no mercado do trabalho. Nós nunca esquecemos a problemática do trabalho infantil e todos os aspectos complexos que este flagelo inaceitável envolve. Infelizmente, mais um de entre os muitos capítulos em que o sonho da governação rosa se tornou num grande pesadelo!
É conveniente, uma vez mais, relembrar a promessa do programa eleitoral do Partido Socialista, e passo a citar: «Erradicação do trabalho infantil e a criação de um sistema de cruzamento de informações entre as escolas e a Inspecção-Geral do Trabalho que permita o acompanhamento dos jovens que interrompem a escolaridade obrigatória».
«Erradicação», diziam os senhores. Bem diferente da triste realidade. Outros tempos, Sr.ªs e Srs. Deputados!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Promessas, repito, promessas, porque a verdadeira situação é a constituição de mais um original grupo de trabalho para estudar o problema, uma solução a que, infelizmente, já estamos habituados! O grupo de trabalho analisa até à exaustão, depois, seguindo o manual de procedimentos, chega um plano ou um programa!
O Governo fez uma reestruturação dos instrumentos de combate ao trabalho infantil, criando o Plano para Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil, e o mais espantoso é que substituiu uma comissão por um conselho. Passo a explicar: acabou com a Comissão Nacional de Combate ao Trabalho Infantil e criou o Conselho Nacional contra a Exploração do Trabalho Infantil!
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Portugal precisa de menos palavras e de mais acção, de menos promessas e de mais realização, dando aos portugueses condições para melhor enfrentarem o presente e, com mais confiança, construírem o seu futuro. É um objectivo de geração, mais, muito mais, do que uma mera estratégia de poder ou de eleição. Triste conclusão: os problemas mantêm-se ou, pior, infelizmente, neste caso, os problemas aumentam. Isto é, segundo informações recolhidas muito recentemente, o trabalho infantil no nosso país tem aumentado. É inaceitável a passividade do Governo socialista perante uma situação desta gravidade.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.85 e Srs. Deputados: Existem sectores de actividade fortemente penalizados pela inacção do Governo português. Ainda recentemente, tive oportunidade de constatar que algumas empresas estavam em risco de perder contratos importantes, porque a imagem de Portugal no exterior não estava a ser defendida. Mais grave é que nada está a ser feito para combater essa intolerável situação.
O abandono escolar é um factor determinante da existência de trabalho infantil nas empresas. Este abandono precoce é devido, entre outros problemas, a agregados familiares pobres, com baixos rendimentos e com pouca escolaridade. É preciso fazer-se um esforço significativo. Temos de dar mais a quem tem menos e a quem corre riscos de nada ter. É necessário integrar, incluir, acolher e apoiar, pois se nada for feito estamos a potenciar as injustiças e a exclusão.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo Sr.ªs e Srs. Deputados: Está bem expresso que o Governo socialista mediatiza o acessório e encobre o essencial. Mas nós queremos dignificar a condição social dos jovens, os seus direitos e deveres, porque o país precisa e os jovens merecem.
Estas propostas apresentadas revelam, uma vez mais, a timidez socialista e a feita de coragem em reformar. Nada nem ninguém impede o Governo de governar. Numa palavra, o Governo não governa porque não quer governar. E não quer governar porque, para o PS, fazer política é só ganhar eleições. A vitória é um fim em si própria, não é um meio para afirmar valores e resolver os problemas concretos das pessoas. As promessas políticas esgotam-se na noite da vitória eleitoral!
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Uma das questões fundamentais é a de que o actual Governo faz, permanentemente, campanha eleitoral: promete, mas não faz; anuncia, mas não cumpre; fala, mas não deixa obra!

Protestos do PS.

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Este Governo não reforma e, sobretudo, não prepara o futuro. Exibe e ocupa o poder, mas não o exerce. Tem um mandato para cumprir e um programa para realizar. Não honra o mandato que recebeu e, mais grave, não cumpre o Programa a que se obrigou.
Este Governo navega à vista, sem rumo, sem orientação estratégica e sem ideal. Não age, quando muito, reage, de forma pontual, casuística e quantas vezes contraditória. Cria ilusões no presente e compromete o futuro, hipotecando as próximas gerações.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados: Estão hoje em debate três propostas de lei distintas quanto à matéria mas com incidência no mundo laborai e, em particular, com importância no campo das relações de trabalho.
Na proposta de lei n.º 202/VII, sob a epígrafe «Define o regime jurídico do trabalho a tempo parcial e estabelece incentivos à sua dinamização», encontramos uma iniciativa legislativa com a qual o Governo se propõe regulamentar a prestação de trabalho a tempo parcial. E acrescenta o Governo que, com esta iniciativa, visa sobretudo melhorar o mercado do emprego e reduzir o desemprego, com a devida salvaguarda dos direitos dos trabalhadores.
Importa, desde já, manifestar que o PSD considera positivo incentivar o trabalho a tempo parcial, desde que voluntário e reversível e quando dai resulte a contratação de novos trabalhadores, o que deve ser enquadrado no âmbito das políticas de emprego. Nessas condições, entendemos até que ao trabalho a tempo parcial é conferido um desejável alcance de índole social.
Todavia, a proposta de lei apresentada baseia-se num tipo de aproximação totalmente decepcionante, na medida em que não aponta para o rompimento com o carácter residual que ainda é atribuído ao trabalho a tempo parcial e não explora o seu potencial de medida de política activa de emprego. Aliás, a proposta em questão, na versão que é apresentada, afigura-se mesmo algo desequilibrada e pouco ambiciosa, se analisada na óptica geral da legislação laborai e do mercado de emprego, enquanto expressão jurídica do posicionamento relativo do Estado face ao relacionamento entre empregadores e empregados e de regulação dos conflitos de interesses que nesse contexto se estabelecem.
Desequilibrada, porque não exprime uma preocupação em dignificar o trabalho a tempo parcial e conferir-lhe uma acentuada dimensão social, ao passo que, pelo contrário, é muito detalhada ao nível dos aspectos processuais e de regulamentação dos incentivos as empresas. Pouco ambiciosa, porque é praticamente omissa quanto ao papel que um adequado regime de dinamização do trabalho a tempo parcial poderia ter em domínios tão decisivos como, a título meramente exemplificativo, passo a enumerar: o acesso ao emprego dos desempregados mais idosos; o combate ao desemprego de longa duração; a conciliação entre a actividade e carreira profissional e a vida familiar, designadamente no acompanhamento dos filhos, de idosos ou de deficientes, em especial no que respeita às mulheres; o apoio à contratação, ainda que parcial, de quadros para pequenas e médias empresas; a conciliação entre a carreira profissional e valorização pessoal e profissional, designadamente por parte dos trabalhadores-estudantes.
Consideramos, isso sim, que será de assumir uma atitude positiva face ao trabalho a tempo parcial, afirmando o seu significado no combate ao desemprego e valorizando socialmente a opção por esta forma de emprego, não apenas por parte das empresas mas, sobretudo, por parte dos trabalhadores, desde que tal opção seja efectivamente voluntária e reversível, e isso não decorre da proposta de lei que está em apreciação.
Na verdade, a expressão máxima de um direito fundamental, como é o direito do trabalho, obriga o Estado e, por conseguinte, o Governo a executar políticas de pleno emprego e a promover a igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou género de trabalho e condições para que não seja vedado ou limitado, nomeadamente, quanto ao acesso a quaisquer cargos, trabalho ou categorias profissionais. Acresce que qualquer contrato de trabalho, figura típica que caracteriza uma relação laborai entre empregador e empregado, deve significar a sua natureza duradoura e acentuar uma vertente de estabilidade, aspectos determinantes para ambas as partes no que concerne aos objectivos e à necessária realização pessoal e profissional do trabalhador.
Ora, a proposta de lei que hoje nos é apresentada pelo Governo e aqui debatemos, para além de não significar qualquer mais-valia no campo da legislação laborai, vem, ao invés, propor um normativo indiciador de maior instabilidade no campo do trabalho, associada a uma maior precariedade nas relações contratuais de trabalho.
Vejamos: como consta da própria epígrafe, a proposta de lei procura estabelecer um conjunto de incentivos (ou, como hoje já foi aqui designado, de estímulos) à dinamização do trabalho a tempo parcial. Neste ponto, a concessão de incentivos fica delimitada ao facto de o número semanal de horas de trabalho a tempo parcial prestado pelo trabalhador não poder ser inferior a 20% nem superior a 75% da duração normal do trabalho a tempo completo. Donde, haverá sempre a tendência para celebrar contratos a tempo parcial que permitam a concessão de benefícios, o mesmo é dizer que o tempo de prestação de actividade não seja superior a 75%.
Por outro lado, e embora possa acarretar implicações na gestão de pessoal, a proposta de lei vem «empurrar» as entidades empregadoras para uma política de recursos humanos assente em horários de trabalho a tempo parcial, pois resulta evidente a possibilidade de os custos com o pessoal virem, desse modo, a diminuir de forma significativa. Neste particular, basta ter como exemplo o trabalhador que reduz o seu horário de trabalho em 50%, permitindo a admissão, a termo ou sem termo, de um ou dois outros, o que corresponde a uma concessão de benefícios pelas duas ou três novas situações laborais.
Mas se não perfilhamos tal situação, bem mais grave é aquilo que, de forma clara e inequívoca, estabelece a proposta de lei quanto aos incentivos à contratação de trabalhadores. É que, perante os incentivos que são criados para a admissão de novos trabalhadores a termo certo (e repito, a termo certo), as empresas estão, uma vez mais, a ser como que «empurradas» para aquilo a que chamaremos uma absoluta indispensabilidade de alterar os contratos de trabalho em vigor, no que respeita ao período de trabalho, como pressuposto objectivo de diminuir os custos com a rubrica «Pessoal». E isto é, efectivamente, grave. É muito grave!
Concretamente, é grave para as entidades empregadoras que se vêm forçadas a optar por uma política de pessoal

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que cria instabilidade e põe em causa as relações de trabalho que se desejam saudáveis como pressuposto de uma maior produtividade e obtenção de objectivos. Mas é ainda mais grave porque, a ser aprovada uma lei desta natureza, a Assembleia da República estaria, inequivocamente, a aprovar um instrumento jurídico que iria provocar instabilidade mas, sobretudo, promover uma acentuada precariedade da relação profissional do trabalhador.
Por outro lado, atentas essas circunstâncias e sem elementos que permitam entender quais os proveitos decorrentes das medidas propostas, não vemos justificação, nem podemos aceitar a diminuição significativa nas receitas que o novo diploma iria acarretar para a segurança social.
Acresce que não entendemos como se pretende incentivar o trabalho a tempo parcial para, desde logo, consagrar a possibilidade de prestação de trabalho extraordinário, embora por acordo, até ao limite máximo previsto para qualquer trabalhador em horário a tempo inteiro, ou seja, de 200 horas. Aliás, a regulamentação do trabalho a tempo parcial, bem como a legislação do trabalho em geral, não pode ser dissociada de um efectivo regime geral das contra-ordenações laborals, necessariamente eficaz, e ainda omisso quanto ao regime de trabalho a tempo parcial, em relação ao qual o Governo não manifesta preocupação quanto à sua aprovação.
Por tudo isto, o PSD não pode aprovar a presente iniciativa legislativa, pois não vê na proposta de lei em discussão, quer para os empregadores, quer para os empregados, uma atitude positiva face ao regime do trabalho a tempo parcial. Para o PSD, o trabalho a tempo parcial, quando prestado de forma voluntária e reversível, deve significar um efectivo combate ao desemprego e consubstanciar uma opção socialmente dignificante, assente numa forma de partilha de trabalho e não como uma forma de precariedade do trabalho.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim do debate das propostas de lei n.ºs 202/VII, 233/VII e 237/VII.
Vamos passar à discussão do projecto de lei n.º 624/VII - Isenta de emolumentos a apreciação das contas de gerência das autarquias locais (PCP).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado o Sr. Deputado Pimenta Dias.

O Sr. Pimenta Dias (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ªs Srs. Deputados: Um dos princípios estruturantes da nossa ordem constitucional é o princípio da igualdade, na exacta medida em que dele deriva a proibição da discriminação. É à luz deste princípio que consideramos chocante a discriminação consagrada na lei dos nossos municípios e freguesias quanto à isenção do pagamento de emolumentos ao Tribunal de Contas pela apreciação das respectivas contas de gerência.
Neste momento, registaram-se manifestações de protesto por parte elementos do público presente nas galerias.

O Sr. Presidente: - Senhores assistentes, não podem manifestar-se, sob pena de não voltarem a usufruir do direito de se sentarem nessas bancadas! Estão numa Casa respeitável, que merece o vosso respeito! Agradeço que lho não recusem!
Senhores cidadãos, isso é indigno de verdadeiros cidadãos! Agradeço que abandonem as galerias, se fazem favor. Senhores agentes da autoridade, façam o favor de esvaziar as galerias.
É assim que se perde a razão que se tem, senhores cidadãos! Façam o favor de abandonar as galerias.
Os senhores não merecem a democracia que têm! Não merecem a democracia que têm - é a conclusão a que eu chego! Façam o favor de abandonar as galerias!

Pausa.

Sr. Deputado, faça o favor de prosseguir.

O Orador: - A exemplo do que acontece com a Conta Geral do Estado e as contas das Regiões Autónomas, também a obrigatoriedade de as receitas e despesas anuais das autarquias locais serem submetidas à apreciação daquele Tribunal, para verificação da respectiva legalidade e regularidade, é plenamente justificada no quadro de um regime de direito democrático, que visa garantir a transparência das contas dos municípios e freguesias e a boa aplicação dos dinheiros públicos, bem como salvaguardar os interesses das populações.
Porém, o artigo 13.º do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas isenta de emolumentos a apreciação da Conta Geral do Estado e as contas das Regiões Autónomas mas deixa de fora as contas das autarquias locais, em clara violação do princípio da igualdade.
Esta é uma omissão tanto mais grave quanto é certo que o n.º 3 do artigo 27.º da anterior Lei das Finanças Locais já estipulava que «as autarquias locais gozam do mesmo regime de isenção de pagamento de todos os impostos, taxas e emolumentos e encargos de mais-valias de que goza o Estado». Esta norma legal está igualmente contemplada no n.º 3 do artigo 33.º da actual Lei de Finanças Locais. Subsiste, portanto, uma clara contradição na articulação do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas com o n.º 3 do artigo 33.º da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, que deve ser sanada, em nossa opinião.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A conformação do articulado da Lei de Finanças Locais com o Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas, fazendo constar deste regime a isenção das contas de gerência das autarquias locais, é, pois, o principal objectivo do projecto de lei que estamos a discutir. Mas este projecto de lei visa, também, a correcção de uma situação de injustiça que atinge os nossos municípios e freguesias. Injustiça que levou a que muitos municípios e freguesias contestassem e recusassem o pagamento de emolumentos pela apreciação das respectivas contas de gerência. É que, tal como os organismos do Estado e das regiões autónomas, também as autarquias locais não têm por escopo o lucro, sendo, por isso, de elementar justiça e lógica jurídica que estas beneficiem do mesmo regime de isenção de emolumentos, desde a data de publicação do Decreto-Lei n.º 66/96. Por isso, se propõe que o diploma que estamos a discutir produza efeitos a partir de 1 de Junho de 1996, de modo a garantir às autarquias locais o direito ao reembolso das quantias eventualmente já pagas, em consequência do que actualmente dispõe o Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas.
É conhecida a importância dos emolumentos pagos pelas autarquias locais na estrutura das receitas do Tribunal de Contas. Porém, em nome do princípio da equidade, não se pode pedir nem é aceitável que sejam os municípios e as freguesias a financiar o funcionamento deste órgão de fis-

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calização, sobretudo quando o mesmo esforço não é exigido às regiões autónomas e aos organismos do Estado. A dignificação e reforço das nossas autarquias locais não é compatível com medidas legislativas que as discriminem. Eliminando tal discriminação, com a aprovação deste diploma, estamos a valorizar o poder local democrático.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Marques.

O Sr. Rui Marques (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pimenta Dias, quero colocar-lhe uma questão muito simples. VV. Ex.ªs, no articulado do vosso projecto de lei, não contemplam as associações de municípios nem as associações de freguesias, e é sabido e certo que as associações também submetem as suas contas de gerência ao Tribunal de Contas. Assim, pergunto-lhe se é vossa intenção também incluir neste vosso projecto, tendo em conta que, em princípio, ele descerá à especialidade, uma proposta que apresentaremos, seguramente, incluindo também as associações de municípios e as de freguesias.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pimenta Dias.

O Sr. Pimenta Dias (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Marques, agradeço a pergunta que me fez.
Consideramos que as associações de municípios e as associações de freguesias são emanação e resultado do querer dos próprios municípios e das freguesias; consequentemente, entendemos também que devem estar sujeitas ao mesmo regime de emolumentos dos municípios e das freguesias.

O Sr. Rui Marques (CDS-PP): - Isso não é claro!

O Orador: - Por consequência, em sede de especialidade, naturalmente que estamos disponíveis para aceitar e viabilizar essa clarificação.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Albuquerque.

O Sr. Mário Albuquerque (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está hoje em discussão o projecto de lei n.º 624/VII, do PCP, que procura solucionar uma situação extremamente penalizante para as autarquias e que há muito se vem arrastando, não obstante o reconhecimento generalizado da enorme injustiça que configura. As autarquias locais, tal como acontece com o próprio Estado, estão sujeitas à fiscalização e à verificação da legalidade e regularidade das sua receitas e despesas públicas. Trata-se, como é óbvio, de uma obrigação compreensível e indiscutível, própria e com sentido útil num regime de direito democrático, que visa, na sua mais profunda essência, salvaguardar o interesse público.
Todavia, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se há muito as autarquias se submetem a esse imperativo legal, elas não beneficiam das isenções que, nesta matéria, o legislador atribuiu ao Estado.
Com efeito, a regra constante do n.º 3 do artigo 33.º da Lei n.º 42/98, de 6 de Abril (Lei das Finanças Locais), que determina que «os municípios e freguesias gozam do mesmo regime de isenção de pagamentos e encargos de mais-valias de que goza o Estado», não tem aplicação prática
quando estão em causa emolumentos referentes à fiscalização da legalidade e regularidade das receitas e das despesas públicas das autarquias locais.
Na verdade, o legislador estabeleceu, no artigo 13.º do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas, anexo e parte integrante do Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de Maio, entre outras, isenções emolumentares para a Conta Geral do Estado e para as contas das regiões autónomas, mas omitiu, ferindo um dos elementares princípios de igualdade, as das autarquias locais, tendo revogado, através do n.º 2 do artigo 2.º do mesmo diploma, as normas especiais que as pudessem isentar. É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os emolumentos cobrados, no que concerne à apreciação das contas das autarquias locais, representam,, presentemente, quantias que atingem, normalmente, dezenas de milhar de contos, com a agravante de se penalizarem, de forma muito particular, os mais pequenos municípios.
Sr. Presidente, Srs. Deputados. Foi no adequado âmbito deste entendimento que o PSD apresentou, já em Setembro de 1998, uma iniciativa legislativa, de que é primeiro subscritor o Deputado Artur Torres Pereira, reportada a esta mesma temática - portanto, muito anterior à que hoje aqui é objecto de análise e discussão -, iniciativa que se encontra inserida num pacote global que preconiza reformas essenciais no campo da tão falada e reclamada descentralização administrativa nas autarquias, como método mais ajustado e eficaz capaz de incrementar, no nosso ponto de vista, o equilibrado e harmonioso desenvolvimento do País.
Lamentamos que este bloco de propostas, apresentado com grande sentido de responsabilidade e de coerência, há já mais de seis meses, ainda não tenha merecido o tratamento que plenamente justifica, não por culpa nossa, mas por forca de outras estratégias que se têm traduzido em adiamentos injustificados e em práticas que, manifestamente, representam meros e incompreensíveis intuitos dilatórios.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, manifestamos, desde já, a nossa total disponibilidade para que a matéria hoje em discussão seja objecto de aprovação, sem mais delongas, conjuntamente como projecto de lei n.º 564/VII, do PSD, que, conforme já o referimos, anteriormente apresentámos, dando-se também, deste modo, um novo e positivo impulso ao tratamento de outras medidas, que se encontram em sede de Comissão, e que tão necessárias são ao bom funcionamento das autarquias e ao saudável fortalecimento do sistema democrático.
Sugerimos, finalmente, que considerando a simplicidade do diploma em análise, esta Câmara se disponibilize, através de um acordo que não parece difícil, para que, em Comissão, seja compatibilizado o respectivo texto com aqueloutro a que já aludimos, por forma a que, no mais curto espaço de tempo, o texto assim consensualizado, seja aprovado na especialidade e possa vir a ser sujeito a votação final global.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Marques.

O Sr. Rui Marques (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para que se tenha bem a noção do que é que estamos aqui a ralar, permito-me, desde já, introduzir a minha intervenção com dois exemplos, que foram colhidos ao

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acaso. Um deles, é o da Câmara Municipal de Constância, que no ano de 1995 pagou ao Tribunal de Contas 104 contos para verificação da sua conta de gerência e, em 1996, 2700 contos - há aqui um acréscimo exorbitante. Outro caso, que conheço bem porque é o de uma associação a que presido, pagou, em 1995,600$ e, em 1996, 2700 contos! Não fiz as contas, mas há aqui um crescimento abismal.
Do teor do projecto de lei que estamos aqui a discutir, chama-se a atenção para uma contradição entre o regime jurídico que o decreto-lei aprova e a Lei das Finanças Locais. Do nosso ponto de vista, não há nenhuma contradição, e eu queria explicar porquê: o que o está em causa são actos jurídicos de natureza diferente, ou seja, o que está em causa para a Conta Geral do Estado é um acto jurídico que se designa por parecer e o que está em causa para a apreciação da conta de gerência das autarquias locais é um acto jurídico que se denomina de julgamento ou apreciação. Portanto, se são actos jurídicos diferentes, não nos parece que haja aqui qualquer contradição.
Aliás, se houvesse contradição, o nosso entendimento era o de que este projecto de lei seria redundante, porque estaríamos perante uma lei aprovada em 1998, que é a Lei das Finanças Locais, e um decreto-lei aprovado em 1996 e aqui prevaleceria, seguramente, o princípio consagrado na lei e, por força disso, este projecto de lei seria redundante.
Contudo, o que nos parece que existe aqui, isso sim, é uma grave injustiça, que deve ser corrigida e que o é pelo articulado que nos é apresentado, razão pela qual concordamos com ele.
Quero ainda deixar aqui mais duas ou três notas, Sr. Presidente. Concordamos, também, com a aplicação do princípio da retroactividade da lei a Junho de 1996. Aliás, no pedido de esclarecimento que já formulei, dei indicação de que queremos ver introduzida a extensão deste projecto de lei às associações de municípios, de freguesias e, também, às áreas metropolitanas.
Para terminar, permito-me fazer um breve comentário a um documento que hoje recebemos, originário do Sr. Presidente do Tribunal de Contas.
Logo no princípio desse documento, o Sr. Presidente diz o seguinte: «Conforme se pode visualizar no quadro anexo, a diminuição das receitas dos Cofres do Tribunal de Contas, em resultado da aprovação do projecto de lei em causa, situar-se-ia, em 1997/1998, entre 36% e 40% e tenderia a aumentar». Isto quer dizer que se este projecto de lei for aprovado, como esperamos, haverá uma redução nas receitas dos Cofres do Tribunal de Contas de cerca de 40%. Então, que significa isto? Significa que os municípios suportam 40% da receita que entra nos Cofres do Tribunal de Contas.
Ora, se compararmos aquela percentagem com a de 10% que representa a receita dos municípios no âmbito da receita nacional, verificamos que há uma discrepância muito grande, ou seja, cerca de quatro vezes mais do que o que representa a receita nacional. Atrever-me-ia mesmo a perguntar se, mais uma vez, não serão os municípios que estão a financiar a administração central.
Por último, devo dizer que estamos disponíveis para, em sede de especialidade, acolher algumas das sugestões que o Sr. Presidente do Tribunal de Contas aponta neste documento que já referi.
No entanto, também esperamos que, em sede de especialidade, o processo decorra com o máximo de celeridade, já que há municípios que pagaram e há outros que não pagaram. Ora, verifiquei com alguma estranheza, no já citado documento, que uma das hipóteses aduzidas pelo Sr. Presidente do Tribunal de Contas é a seguinte: «(...) a ser aprovado, deveria consignar-se que a tal retroactividade não abrange os emolumentos já pagos (...)». Significa isto, pelo que leio, que o Sr. Presidente do Tribunal de Contas admite que os municípios que já pagaram, pagaram, e não se fala mais no assunto, enquanto os que não pagaram, não pagaram, e a questão ficaria assim. Esta posição parece-nos profundamente injusta e não concordamos com isto.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Martim Gradas.

O Sr. Martim Gradas (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A República Portuguesa, após a promulgação da Constituição aprovada em sessão plenária da Assembleia Constituinte, a 2 de Abril de 1976, passou a integrar-se no rol de nações que, em liberdade, optaram pelo regime democrático e pelo Estado de direito.
Só num Estado de direito democrático pode o Tribunal de Contas atingir a sua expressão máxima, desempenhando as suas atribuições e competências com total autonomia, tornando-se no «órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e do julgamento das contas», tal como evidencia a Constituição da República Portuguesa - 4.ª revisão.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - Decorridos que foram 23 anos sobre a publicação do Decreto-Lei n.º 356/73, de 14 de Julho, e malgrado as sucessivas actualizações na sua tabela de emolumentos, consignadas pelos Decretos-Leis n.03 667/76, de 5 de Agosto, e 131/82, de 23 de Abril, fácil será reconhecer que, após a última actualização, em 1982, a inadequação destes foi progressiva e acabaria por asfixiar o normal funcionamento do Tribunal de Contas, razão por que foi entendimento do Governo, em 1996, rever o regime de emolumentos devidos a este Tribunal, acabando por ser publicado o Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de Maio, que se mantém em vigor ainda hoje.
O poder local, nascido com o 25 de Abril de 1974, veio a ser institucionalizado com a promulgação da Constituição da República Portuguesa, em 1976, tendo, nesse mesmo ano, em Dezembro, sido realizadas as primeiras eleições livres para os órgãos do poder local.

O Sr. José Junqueira (PS): - E muito bem!

O Orador: - A evolução do poder local, desde essa data até hoje, é sobejamente notória e positiva, tendo sistematicamente lutado por novas atribuições e competências, ganhando mais autonomia no desempenho das suas obrigações cujo destinatário único é o povo português.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - O País, hoje, graças à acção perseverante do poder local, apresenta ganhos substanciais na qualidade de vida dos cidadãos em todas as suas vertentes, aproximando-nos cada vez mais dos níveis de cidadania existentes nas nações mais desenvolvidas da Europa comunitária onde em boa hora nos integrámos e de que, hoje, somos parceiros de pleno direito.

O Sr. José Junqueira (PS): - Bem lembrado!

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O Orador: - A todos feitos, meritória tem sido, e é, a acção do poder local na transformação do nosso pais e tem sido um exemplo de enaltecer a sua capacidade e imaginação em reduzir as despesas correntes, aplicando tais poupanças em investimentos, sempre visando a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.
Poupar, para o poder local, significa, acima de tudo, poder investir mais e melhor para bem de todos. As autarquias locais são bem merecedoras do nosso reconhecimento.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - O projecto de lei n.º 624/VII, da iniciativa de cinco Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, ora em apreço, visa, no seu artigo 1.º, proporcionar ao poder local poupança nas suas despesas correntes, isentando-o do pagamento de emolumentos devidos ao Tribunal de Contas pela apreciação das respectivas contas de gerência.
Tal proposta decorre de uma interpretação literal e simplista do n.º 3 do artigo 33.º da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto (Lei das Finanças Locais), que, salvo melhor opinião, deverá ser objecto de uma análise mais aprofundada, tendo em especial atenção a correlação custo/beneficio e as implicações que uma tal medida, uma vez posta em prática, trará ao normal funcionamento do Tribunal de Contas.
Julgo que conseguiria atingir-se o mesmo objectivo clarificando que receitas próprias das autarquias locais deverão, no futuro, servir de base ao cálculo para os emolumentos devidos ao Tribunal de Contas, definindo um plafond máximo para o montante das receitas próprias das autarquias locais a partir do qual o parecer do Tribunal de Contas estaria sujeito ao pagamento de emolumentos, beneficiando, assim, um largo leque de autarquias locais com baixo nível de receitas próprias.
E porque não tornar extensível esse plafond a outras entidades públicas, tais como estabelecimentos de ensino, hospitais e outras? Porque não diminuir a taxa de emolumentos a aplicar às acções de verificação de contas, diferenciando-as de outros níveis de controle?
Em qualquer dos casos, terá sempre de ser chamado o Orçamento do Estado para colmatar a falta de receitas do Tribunal de Contas daí decorrentes.
Desta forma conseguir-se-ia que as autarquias locais com baixo nível de receitas próprias ficassem isentas do pagamento de emolumentos devidos ao Tribunal de Contas pela apreciação das suas contas de gerência e as autarquias com níveis superiores de receitas próprias passariam a pagar muito menos.
Quanto ao artigo 2.º do presente projecto de lei, ao prever a retroactividade na aplicação do artigo 1.º para todos os processos entrados no Tribunal de Contas após 1 de Junho de 1996, expressamos as nossas dúvidas, dado que, por princípio, a retroactividade na aplicação da lei é sempre de carácter excepcional e, no caso vertente, não são indicados mecanismos que permitam a devolução dos emolumentos já entretanto pagos ao Tribunal de Contas pelas autarquias locais boas pagadoras é, ao mesmo tempo, parece promover a despenalização da ilegalidade eventualmente cometida pelas outras autarquias locais.
Em conclusão, moralizar o pagamento de emolumentos ao Tribunal de Contas, diminuindo-os e/ou isentando-as, consoante o nível de receitas própria das autarquias locais, é repor a justiça. Conferir retroactividade à sua aplicação carece de explicitação clara e de enquadramento jurídico mais aprofundado.
A Associação Nacional de Municípios Portugueses e a Associação Nacional de Freguesias, oportunamente consultadas, são unânimes quanto à justiça da isenção do pagamento de emolumentos devidos ao Tribunal de Contas pela apreciação das contas de gerência apresentadas, quer pelas câmaras quer pelas freguesias, tal como prevê o artigo 1.º.
A Associação Nacional de Municípios Portugueses tece, ainda, algumas preocupações sobre o artigo 2.º do projecto de lei em apreço, preocupações essas de que comungamos.
Assim, pelas razões indicadas, somos a favor da moralização do pagamento de emolumentos pagos pelas autarquias locais ao Tribunal de Contas, mas temos certas dúvidas quanto à retroactividade constante do artigo 2.º do presente projecto de lei.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que está encerrado o debate.
A próxima sessão plenária terá lugar amanhã, pelas 15 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: período de antes da ordem do dia, que será preenchido com o debate mensal do Primeiro-Ministro com a Assembleia da República; período da ordem do dia, de que constará da discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.ºs 208/VII - Prorroga os prazos de pagamento de quaisquer taxas e impostos a efectuar nas tesourarias da fazenda pública das Ilhas do Faial, Pico e São Jorge (ALRA) e 212/VH - Define um período de justo impedimento relativamente a residentes nas Ilhas do Faial, Pico e São Jorge, bem como a serviços da administração regional e a serviços da administração directa, indirecta e autónoma quando localizados nessas ilhas, a que se seguirá a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 224/VII - Autorização ao Governo para dotar os engenheiros técnicos portugueses de uma associação profissional de natureza pública; pelas 18 horas, terá lugar o período regimental para votações.
Nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 5 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Alberto de Sousa Martins.
Fernando Garcia dos Santos.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Manuel António dos Santos.

Partido Social Democrata (PSD):

Artur Ryder Torres Pereira.
João Calvão da Silva.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rui Fernando da Silva Rio.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Albino Gonçalves da Costa.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
Enrico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.

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8 DE ABRIL DE 1999

Fernando Antão de Oliveira Ramos.
José Manuel Rosa do Egipto.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Mário Manuel Videira Lopes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.

Partido Social Democrata (PSD):

António Edmundo Barbosa Montalvão Machado.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
José Manuel Durão Barroso.
Luis Maria de Banos Sena Marques Guedes.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Nuno Kruz Abecasis.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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DIÁRIO

da Assembleia da República

Depósito legal n.º 8818/85

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