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Quinta-feira, 29 de Abril de 1999 I Série-Número 78
DIÁRIO da Assembleia da República
VII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1998-1999)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 28 DE ABRIL DE 1999
Presidente: Exmos. Sr. António de Almeida Santos
Secretários: Exmos. Srs.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.º 272 a 274/VII, dos projectos de lei n.ºs 662/VII, 664 a 666/VII e 672/VII, de requerimentos e de respostas a alguns outros.
O Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho (PSD) protestou contra a publicação pelo Governo de legislação acerca do processo de co-incineração desrespeitando a decisão da Assembleia.
Ao abrigo do artigo 83.º, n.º 2, do Regimento, o Sr. Ministro Assuntos Parlamentares falou acerca do assunto abordado pelo orador anterior, após o que intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Carlos Encarnação (PSD), Octávio Teixeira (PCP), José Junqueira (PS), Luís Queira (CDS-PP) e Isabel Castro (Os Verdes).
Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.º 616/VII - Altera a Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, sobre as áreas urbanas de génese ilegal (PCP), 639/VII - Regime jurídico para a reconversão das áreas urbanas de génese ilegal (AUGI) (CDS-PP), 645/VII - Altera a Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro (Regime jurídico das áreas urbanas de génese ilegal (PS) e 663/VII - Alteração à Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, sobre as áreas urbanas de génese ilegal (PSD). Intervieram no debate, a diverso título, os Srs. Deputados Joaquim Matias (PCP), Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP), Casimira Ramos, Joel Hasse Ferreira e Miguel Coelho (PS). Fernando Pedro Moutinho (PSD) e Isabel Castro (Os Verdes).
Foi também apreciada, na generalidade, a proposta de lei n. º 252/VII - Aprova o Código das Expropriações, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território (José Augusto Carvalho), os Srs. Deputados António Brochado Pedras (CDS-PP), Moreira da Silva (PSD), Sílvio Rui Cervan (CDS-PP), Cláudio Monteiro (PS) e Pimenta Dias (PCP).
A proposta de lei n.º 193/VII - Estabelece o regime especial de incompatibilidades e impedimentos dos dirigentes de entidades reguladoras (altera a Lei n.º 12/96, de 18 de Abril) foi também discutida, na generalidade. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro (José Sócrates), os Srs. Deputados Francisco Peixoto (CDS-PP). António Filipe (PCP). Luís David Nobre (PSD), Nuno Baltazar Mendes (PS) e Luís Marques Guedes (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas é 30 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 35 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Cardoso.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António José Martins Seguro.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Armando Jorge Paulino Domingos.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Casimiro Francisco Ramos.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Caudal.
Luís António do Rosário Veríssimo.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel António dos Santos.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferrenha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Paulo Jorge Lúcio Arsénio.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Banos e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Partido Social Democrata (PSD):
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Alberto Queiroga Figueiredo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António d'Orey Capucho.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Joaquim Correia Vairinhos.
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António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
Artur Ryder Torres Pereira.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Calvão da Silva.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Póvoas.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.
Vasco Manuel Henriques Cunha.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
António Carlos Brochado de Sousa Pedras.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Pedro José Dei Negro Feist.
Rui Manuel Pereira Marques.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.
Partido Comunista Português (PCP):
Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António João odeia Machado.
António Luís Pimenta Dias.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro..
Deputado independente:
José Mário de Lemos Damião.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do expediente que deu entrada na Mesa
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: propostas de lei n.º 272/VII - Aprova o regulamento disciplinar da Guarda Nacional Republicana, que baixou à 1.ª Comissão, 273/VII - Autoriza o Governo a aprovar o Estatuto Profissional do Pessoal dos Serviços Externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros e 274/VII - Regula o direito de associação de menores, que baixou à 11.ª Comissão; projectos de lei n.º 662/VII - Visa a elevação da povoação de São Cosmado, do concelho de Armamar, à categoria de vila (PSD), que baixou à 4.ª Comissão, 664/VII - Adopta medidas de combate à propagação de doenças infecto-contagiosas em meio prisional (Os Verdes), que baixou à 7.ª Comissão, 665/VII - Revoga o Decreto-Lei n.º 210/90, de 27 de Junho, e prorroga o prazo para os ex-funcionários e agentes da Administração Pública das ex-
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províncias ultramarinas requererem a pensão de aposentação prevista no Decreto-Lei n.º 363/86, de 30 de Outubro (CDS-PP), que baixou à 8.ª Comissão, 666/VII - Altera a composição do Conselho Superior de Defesa Nacional (PCP), que baixou à 3.ª Comissão, e 672/VII - Alteração ao Estatuto dos Deputados - Lei n.º 7/93, de 1 de Março, alterada pelas Leis n.ºs 24/95, de 18 de Agosto, 55/98, de 18 de Agosto, e 8/99, de 10 de Fevereiro (PSD, CDS-PP, PS e PCP).
Foram apresentados na Mesa os seguintes requerimentos:
Na reunião plenária de 16 e no dia 19 de Abril de 1999: ao Sr. Primeiro-Ministro e aos Ministérios da Educação e da Justiça. formulados pelo Sr. Deputado Jorge Roque Cunha; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Castro Almeida.
Na reunião plenária de 21 de Abril de 1999: à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Rural, formulado pelo Sr. Deputado Maninho Gonçalves; aos Ministérios da Saúde, da Educação e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelo Sr. Deputado Jorge Roque Cunha; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados José Cesário e Alexandrino Saldanha; aos Ministérios da Administração Interna e da Educação, formulados pelo Sr. Deputado Manuel Alves de Oliveira; ao Governo e a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Bernardino Soares; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado João Amaral; ao Conselho Económico e Social e aos Ministérios da Economia, do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; aos Ministérios das Finanças e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Pimenta Dias.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados:
No dia 22 de Abril de 1999: Lino de Carvalho e António Saleiro, nas sessões de 8 de Outubro, 4 de Março e 27 de Janeiro; António Filipe, nas sessões de 13 de Novembro e 20 de Janeiro; Roleira Marinho, nas sessões de 19 de Março e 29 de Abril; Antão Ramos, na sessão de 22 de Maio; Medeiros Ferreira, na sessão de 28 de Maio; Carmem Francisco, Fernando Pedro Moutinho e Sérgio Vieira, nos dias 14 de Julho, 1 de Setembro, nas sessões de 21 de Outubro, 16 de Dezembro, no dia 5 de Janeiro e na sessão de 18 de Fevereiro; Manuela Aguiar, no dia 29 de Julho; Bernardino Soares, Alexandrino Saldanha e Pimenta Dias, nas sessões de 1 de Outubro, 17 de Dezembro e no dia 16 de Março; Gonçalo Ribeiro da Costa, na sessão de 15 de Outubro e no dia 12 de Janeiro; Mota Amaral, na sessão de 23 de Outubro; José Junqueiro, no dia 29 de Outubro; Jovita Ladeira, no dia 2 de Novembro, nas sessões de 12 de Novembro e 8 de Janeiro; António Rodrigues e Sílvio Rui Cervan, na sessão de 18 de Novembro e no dia 3 de Dezembro; António Barradas Leitão, nas sessões de 19 de Novembro e 4 de Fevereiro; Paulo Pereira Coelho, no dia 4 de Dezembro; Luísa Mesquita, na sessão de 7 de Janeiro; Cruz oliveira, na sessão de 22 de Janeiro; Duarte Pacheco, no dia 26 de Janeiro; Rodeia Machado, na sessão de 10 de Março; e Henrique Neto, na sessão de 11 de Março.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há inscrições para declarações políticas.
Para tratamento de assuntos de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho.
O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Vou falar sobre o processo da co-incineração de resíduos tóxicos em Portugal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República foi ultrajada.
O Sr. Silvio Rui Cervan (CDS-PP): - Desautorizada!
O Orador: - Esta afirmação poderá parecer forte ou até exagerada.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Verificarão, a seguir, que é com total propriedade que ela deve ser proferida perante os factos com que nos deparamos.
Culminando um processo em que ficaram demonstrados os equívocos e a confusão em que o Governo e a sua Ministra do Ambiente se envolveram e queriam envolver o País, deliberou esta Assembleia da República, eleita pelo povo português, suspender o processo de co-incineração de resíduos tóxicos.
A Lei n.º 20/99, aprovada nesta Assembleia, determina a suspensão da eficácia do Decreto-Lei n.º 273/98, obriga o Governo a apresentar um plano estratégico de gestão de resíduos industriais, numa perspectiva da sua redução, reutilização e reciclagem, e institui a criação de uma Comissão que deverá estudar todos os processos de tratamento de resíduos tóxicos. Até aqui tudo normal.
A questão que se coloca é que o Governo entendeu publicar legislação que contraria e desrespeita a lei aprovada nesta Assembleia.
Senão vejamos: o Governo aprovou e fez publicar dois Decretos-Leis, a saber, o n.ºs 120/99 e 121/99, que se propõem, pura e simplesmente, repor o quadro legal que vigorava ao tempo do já citado Decreto-Lei n.º 273/98, que esta Assembleia suspendeu.
Ou seja, para todos melhor percebermos: no dia seguinte à publicação da lei da Assembleia da República que suspendeu o processo de co-incineração, o Governo fez publicar dois decretos-leis que contrariam, alteram e derrogam a decisão deste Parlamento. Isto é uma vergonha, porque é uma confrontação inadmissível com o Parlamento e com as populações que se manifestaram contra a decisão do Governo.
Aplausos do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Isto, só por si, é gravíssimo! Mas os requintes de manipulação do processo legislativo deverão levar-nos a conclusões ainda mais graves, significando uma clara má-fé e um deliberado desrespeito à Assembleia da República.
Assim, seguindo a cronologia dos diplomas em apreço, verifica-se o seguinte: as datas de aprovação da Lei n.º 20/99 e do Decreto-Lei n.º 120/99 estão separadas por apenas 6
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dias - aquela foi a 25 de Fevereiro, esta a 19 de Fevereiro. O Governo, nesta última data, já conhecia o sentido do projecto de lei do PSD, que originou a tal lei aprovada na Assembleia da República.
O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Entre aquelas datas, ambas de Fevereiro, e a data da aprovação do Decreto-Lei n.º 121/99, de 18 de Março, passa quase um mês. Os três diplomas, porém - oh, maravilha das coincidências! -, são promulgados no mesmo dia e publicados, a Lei n.º 20/99 num dia, ou seja, em 15 de Abril, e os decretos-leis no dia seguinte, ou seja, 16 de Abril.
Se calhar não foram publicados no mesmo dia porque tamanha enormidade não caberia no Diário da República do dia 15.
Mas a maravilha das coincidências continua! É que a Lei n.º 20/99 entrará em vigor segundo a regra geral, ou seja, cinco dias após a sua publicação, portanto, no dia 20 de Abril; o Decreto-Lei n.º 120/99 entra em vigor, por força da disposição nele incluída, no dia 17 de Abril, ou seja, 3 dias antes da Lei n.º 20/99; e o Decreto-Lei n.º 121/99 entra em vigor no mesmo dia da Lei n.º 20/99, ou seja, 20 de Abril.
Fica, assim, claro que nada disto acontece por acaso, ou por infeliz coincidência. Os factos indicam uma clara manipulação, o que, a confirmar-se, é um procedimento antidemocrático e indigno de um Estado de direito em que vivemos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Resta ainda, neste âmbito, perguntar: como foi possível a lei da Assembleia da República e os decretos-leis do Governo terem sido promulgados pelo Sr. Presidente da República no mesmo dia - 27 de Março - quando se contradizem entre si?
O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Qual a responsabilidade política de quem colocou o Se. Presidente da República nesta situação, no mínimo politicamente inexplicável?
Isto também não é aceitável da parte do Governo.
Aplausos do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mas a afronta é ainda maior quando no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 121/99 se pode ler a argumentação ridícula, onde se procura explicar a pertinência deste diploma, alegando um «lapso» da Assembleia da República, por, ao suspender o Decreto-Lei n.º 273/98, impedir a transposição, para o Direito português, da Directiva n.º 94/67/CE, do Conselho, de 16 de Dezembro de 1994.
Só que esta Directiva considera que a co-incineração é uma medida excepcional, a utilizar apenas em casos especiais e com regras apertadas. Por isso, suspender a co-incineração é ir ao encontro da própria Directiva e não o contrário. Foi o que a Assembleia da República fez - e muito bem! Isto, no mínimo, é uma argumentação perfeitamente ridícula.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que a Lei n.º 20/99 contraria não é, pois, a Directiva, é, isso sim, os sérios e urgentes compromissos negociais que o Governo tem com a SCORECO e, eventualmente, com outras entidades, de cá ou lá de fora.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sim, porque perante tamanha insensatez política, perguntar-se-á: que interesses poderão levar a tão grande enormidade política? Não será, certamente, o facto de a Sr.ª Ministra não conseguir dormir por estar preocupada com os resíduos não tratados! Sempre afirmámos que, por trás de tudo isto, estão interesses económicos em presença para justificar tamanha obsessão.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta Assembleia foi afrontada! Os portugueses, em geral, e, em particular, os cidadãos de Coimbra e Leiria não entenderão o que se está a passar...
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mais uma vez a cedência aos interesses económicos!
O Orador: -... se não houver um total esclarecimento e a assunção de responsabilidades pelos autores de tamanha afronta à vontade já amplamente demonstrada não só pela opinião pública como até pela comunidade científica portuguesa.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Neste sentido, cumpre-me anunciar que o Grupo Parlamentar do PSD já requereu um debate de urgência sobre esta matéria, bem como vou entregar hoje na Mesa da Assembleia da República um pedido de apreciação parlamentar aos Decretos-Leis n.ºs 120/99 e 121/99, com vista à respectiva reprovação.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não há memória de um qualquer governo - e muito menos em democracia - ter preparado a manipulação de um processo legislativo, com vista ao desvirtuamento e anulação dos efeitos de uma lei aprovada neste órgão de soberania por excelência que é a Assembleia da República.
Aplausos do PSD.
Mas é importante relembrar os mais esquecidos de que o Grupo Parlamentar do PSD já tinha alertado para a atitude de desrespeito que esta Ministra e este Governo vinham demonstrando, quando não acataram a recomendação aprovada nesta Assembleia sobre esta mesma matéria.
Vozes do PSD: - Muito bem!
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O Orador: - Aliás, foi até a constatação desse desrespeito que nos levou a apresentar o projecto de lei que viria a originar a Lei n.º 20/99. Nós, infelizmente, tínhamos razão quando não acreditávamos na boa fé deste Governo neste processo.
O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Se dúvidas havia, estão totalmente dissipadas!
Há muito já afirmávamos que o Governo do diálogo deu lugar a prepotência e arrogância, que, obviamente, este comportamento do Governo demonstra.
Pela nossa parte, já antes não tínhamos dúvidas de que era imperioso afastar definitivamente esta ameaça, que teimosamente o Governo insiste em levar por diante.
Esperemos que agora fique claro para todos que, mais do que nunca, deve esta Assembleia dar a resposta adequada à afronta a que foi sujeita. Um claro fim ao processo de co-incineração, pois, de outra forma, fica provado que este Governo e os interesses que representa tudo farão para implementar este processo em Portugal, não admitindo outro alternativo, não porque não haja, mas porque os compromissos económicos são demasiado fortes.
O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - A actuação do Governo merece, desde já, a nossa «censura» e deverá merecer a reprovação por parte desta Câmara e de todos os democratas.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há pedidos de esclarecimento.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares solicitou, ao abrigo ao artigo 83.º, n.º 2, do Regimento, a sua intervenção no período de antes da ordem do dia, pedido de que já foi dado conhecimento, como é regimental, aos grupos parlamentares.
Para o efeito, tem a palavra, Sr. Ministro, seguindo-se, depois, como se sabe, um debate de duração não superior a 20 minutos, tempo esse que não contará no tempo de que dispõem os grupos parlamentares.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O PSD tentou, desde hoje de manhã, criar ambiente para o congresso que vai realizar, curiosamente em Coimbra, a partir de depois de amanhã.
Aplausos do PS.
Por isso, veio o PSD, em vésperas do congresso, levantar dúvidas sobre dois diplomas do Governo que estão publicados há mais de 15 dias e por isso recusou hoje, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, a realização do debate de urgência que o próprio PSD tinha proposto que se realizasse. Por isso, estou certo que o PSD vai querer responder com o silêncio a esta minha intervenção.
No fundo, o PSD não quer esclarecer, o PSD quer que esta questão paire e quer criar um equívoco que alimente e dê sustentação a slogans como aqueles que aqui ouvimos há pouco, emitidos pelo Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho.
Ora, as acusações que o PSD dirigiu ao Governo, a serem levadas a sério, são gravíssimas...
Vozes do PSD: -Exactamente! Gravíssimas!
O Orador: -... e fundamentariam, pelo menos, uma moção de censura, se não mesmo incriminação dos membros do Governo pelo crime de subversão à ordem constitucional, tal a gravidade das acusações que nos foram dirigidas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mas é evidente que nem sequer o PSD leva a sério as suas próprias acusações.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Ora, convém recordar este processo para ver se fica claro o que efectivamente se passou e se passa.
No dia 6 de Janeiro, como todos estarão recordados, o Sr. Primeiro-Ministro reuniu-se com os municípios de Coimbra e de Leiria, com as Juntas de Freguesia de Souselas e de Maceira e com os representantes das associações ambientais destas duas freguesias, tendo-lhes proposto uma metodologia para a discussão da questão dá co-incineração.
Protestos do PSD.
O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Isso é história!
O Orador: - Peço à primeira fila da bancada do PSD que me dê um pouco de atenção - sei que não a mereço -, mas não é por mim é por aquilo que estou a dizer, que vos pode ser útil.
Com base no compromisso então assumido, o Governo solicitou ao Sr. Prof. Vital Moreira que formatasse juridicamente o diploma que havia de traduzir o compromisso assumido pelo Governo. O Prof. Vital Moreira fez esse trabalho e o Governo aprovou este decreto-lei no dia 19 de Fevereiro, tendo-o enviado, de imediato, para a Presidência da República para efeitos da sua promulgação.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Então, por que é que demorou tanto tempo?!
O Orador: - Posteriormente, a 25 de Fevereiro, esta Assembleia da República aprovou uma lei sobre a mesma matéria. Tendo-se verificado que esta lei da Assembleia da República introduzia alterações àquilo que era o disposto no decreto-lei, foi necessário produzir um segundo decreto-lei que, corrigindo o primeiro, o adequasse ao disposto pela Assembleia da República. E, assim, o Governo, em 18 de Março, aprovou um segundo decreto-lei.
Este segundo decreto-lei não altera a lei da Assembleia da República, este segundo decreto-lei altera o primeiro decreto-lei do Governo e o primeiro decreto-lei do Governo tam-
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bem não altera nem desrespeita a lei da Assembleia da República, em primeiro lugar, porque já tinha sido aprovado antes de a Assembleia da Republica a aprovar, e, em segundo lugar - e muito importante -, porque entrou em vigor antes de entrar em vigor a lei da Assembleia da República.
Esta mudança é muito importante, porque se este diploma entrasse em vigor depois da lei da Assembleia da República podia ser entendido como tendo um efeito derrogatório, de alteração ou revogatório dessa lei; tendo entrado em vigor antes dela, assim não aconteceu.
Mas, a questão não é meramente formal, é uma questão de substância: este Governo cumpre e respeita o determinado pela Assembleia da República. E o que é que determinou a lei da Assembleia da República?
Em primeiro lugar, determinou que fosse elaborado um plano estratégico de gestão dos resíduos industriais.
O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): -Até ao fim do ano!
O Orador: - Como o Governo tinha anunciado, esse plano estava em elaboração, tendo sido apresentada, no passado dia 7 de Abril, a primeira versão preliminar - da qual deixarei cópia ao Sr. Presidente da Assembleia para que possa, se assim entender, entregá-la aos diferentes grupos parlamentares -,...
O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Só agora?!
O Orador: - ... o que o PSD não poderia ignorar, visto que a sessão pública de apresentação foi largamente coberta pelos órgãos de comunicação social, como se pode verificar num take da LUSA do próprio dia 7 de Abril, a páginas 30 do Diário de Notícias, a páginas 20 do Público e a páginas 4 de A Capital, em edições do dia 8 de Abril.
É, portanto, sabido que este plano está em elaboração...
Vozes do PSD: - Está em elaboração!...
O Orador: -... e vai estar concluído, na parte relevante, no mês de Julho, ou seja, muito antes do prazo fixado pela própria Assembleia da República.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, determinava a lei da Assembleia da República a suspensão do Decreto-Lei n.º 273/98, de 2 de Setembro, ao abrigo do qual tinham sido tomadas as decisões de localização. Essa decisão da Assembleia não carece, obviamente, de regulamentação pelo Governo, produziu os efeitos que tinha a produzir e que estão produzidos.
Em terceiro lugar, determinava a lei da Assembleia da República que era necessário prosseguir o programa de requalificação ambiental. Assim tem vindo a ser feito: o Governo contratou, por acordo com as Câmaras Municipais de Leiria e de Coimbra, o Arquitecto Gonçalo Byrne, que, para além de ser um reputadíssimo profissional, tem a curiosidade de ser natural precisamente da freguesia de Maceira, para que elabore o plano de requalificação ambiental de Souselas e de Maceira.
Foi concluído o trabalho entre o Governo, as câmaras municipais e as freguesias que fixou as bases para o plano de acção, que foi entregue, em Março, ao Arquitecto Gonçalo Byrne e do qual aqui deixo cópia. O Arquitecto Gonçalo Byrne, nos termos contratuais, deverá apresentar ao Governo o plano de requalificação até ao dia 14 de Maio.
Em quarto lugar, determinava a lei da Assembleia da República que o Governo criasse, por decreto-lei, uma comissão científica independente que procedesse ao estudo global da questão dos resíduos sólidos industriais. Quanto a este ponto havia duas alternativas: a primeira delas era criar uma nova comissão e a outra era ampliar as competências da comissão que já tinha sido criada. Ora, esta segunda solução tinha uma vantagem, porque, como todos pudemos ler, o Professor Boaventura Sousa Santos, quando proeurou proceder à interpretação autêntica da lei da Assembleia da República, disse como é que deveria ser a comissão a que se referia esse diploma.
O Professor Boaventura Sousa Santos dizia o seguinte:
«A comissão, tal como a que fora anteriormente criada, é independente, o que significa que o Governo tem de estar nela em minoria. É aconselhável manter nela os três cientistas designados pelo Conselho de Reitores, bem como o representante do Ministério do Ambiente. Só não faz sentido incluir nela, como na anterior, os cientistas em representação das Câmaras Municipais de Coimbra e de Leiria».
Quanto a isto sejamos claros: os Srs. Deputados contariam, talvez, que fosse o Governo a excluir as Câmaras Municipais de Coimbra e de Leiria da apreciação desse processo. Mas, podem estar certos, não faríamos tal! Se alguém quer excluir Coimbra e Leiria de se pronunciarem sobre este processo que tome essa iniciativa, mas não conte com o Governo!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Em resumo e conclusão, quero dizer que o Governo respeitou escrupulosamente e tem vindo a dar execução à lei da Assembleia da República. Em primeiro lugar, o Decreto-Lei n.º 120/99 é anterior e entrou em vigor antes da lei e, por isso, por natureza, não pode interferir com ela, em segundo lugar, o Decreto-Lei n.º 121/99 é posterior à lei e não a altera, bem pelo contrário, vem alterar o anterior decreto-lei de forma a que o mesmo se adeque à lei.
Isto, e só isto, é a verdade! Agora, os Srs. Deputados do PSD têm todo o direito de, por opção política, quererem criar um caso político. É legítimo da vossa parte! Mas, para isso, não contarão com o Governo; poderão contar com o Governo para resolver os problemas de impacte ambiental negativo que persistem, há décadas, sobre as população de Souselas e de Maceira, poderão contar com o Governo para resolver o problema, que o PSD deixou por resolver, da gestão dos resíduos sólidos industriais e para, como toda a serenidade, calma e pacientemente, aguardar que a comissão científica independente se pronuncie, com total conhecimento de causa, total conhecimento científico, total rigor técnico, total isenção e total independência, para saber se a co-incineração é uma boa ou má solução e, sendo boa, onde é que se deve realizar e em que condições se pode realizar.
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Mantenham-se serenos porque nós estamos serenos e, quanto a isso, o País só terá a agradecer.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação, para uma intervenção.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: Queria dizer a V. Ex.ª que quem abriu esta guerra e quem é culpado da oportunidade ou inoportunidade desta questão não é o PSD nem o Grupo Parlamentar do PSD.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Foi o Governo quem abriu esta guerra, fazendo algo que é absolutamente insusceptível de explicação.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares veio a esta Câmara, e veio tão rapidamente, por uma razão simples: apercebeu-se da gravidade do acto que o Governo tinha cometido perante a Assembleia.
O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - É por isso que o Sr. Ministro está, hoje, nesta Câmara e é por isso que aqui veio tão depressa. Se V. Ex.ª não estivesse de consciência pesada, não tentava fazer a explicação que fez dessa imensa trapalhada jurídica que ninguém entende, nem a sua bancada entendeu.
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
V. Ex.ª o que quis, de facto, foi tentar explicar aquilo que é insusceptível de explicação! O Governo, o que quis, foi afrontar a Assembleia! É quis fazê-lo em várias circunstâncias.
Como V. Ex.ª sabe, esta Assembleia já tinha aprovado uma recomendação em relação ao processo de co-incineração, mas o Governo fez «orelhas moucas», não a cumpriu e legislou sabendo que outra era a vontade da Assembleia. A Assembleia, perante essa manobra do Governo, a única coisa que fez foi aprovar, ela própria, legislação, usando os seus poderes, para tentar suspender todo o processo. E foi isso que conseguiu!
O Governo actuou de duas maneiras. Em primeiro lugar, exactamente no dia em que era aprovada a lei na Assembleia da República, a Sr.ª Ministra do Ambiente fez um espectáculo televisivo dando a entender que aquilo que esta Câmara tinha aprovado não tinha qualquer efeito. Portanto, nessa altura, o Governo actuou com reserva mental.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, no dia seguinte à publicação da lei, tenta publicar dois decretos-leis a dizer o contrário, a afrontar aquilo que a Assembleia deliberou,...
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Diga onde!
O Orador: -... o que já não é uma mera reserva mental, é uma confrontação pura e simples, é um incidente mais grave, porque é uma guerra que este Governo decide empreender com a Assembleia.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Diga onde!
O Orador: - Se fosse apenas uma guerra entre o Governo e a Assembleia da República já era suficientemente grave, mas, nesta altura, V Ex.ª e o seu Governo querem afrontar e enganar as. populações, porque, sabendo que o processo estava todo suspenso pela Assembleia, querem dar a entender que podem, ao arrepio da decisão desta Câmara, voltar atrás com o processo e continuar com a co-incineração.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É este o aspecto mais grave na intervenção que V Ex.ª aqui tentou fazer, tentando iludir, mas não conseguiu.
E sabe porque é que é ainda mais grave o que VV. Ex.ªs fizeram? Porque tentaram meter também neste embrulho o Sr. Presidente da República,...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ... levando-o a promulgar, no mesmo dia, três diplomas completamente contraditórios entre si.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Isto é, já não bastava a confrontação com as populações, a tentativa de as enganar, já não bastava a confrontação e a guerra aberta com o Parlamento e a tentativa de fazer «gato sapato» de uma decisão da Assembleia, VV. Ex.ªs ainda tentaram baralhar o Sr. Presidente da República.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Não há quadro mais complicado, não há quadro mais grave nestes 25 anos de democracia portuguesa!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares pediu a palavra para um pedido de esclarecimento.
Deixe-me dizer-lhe, Sr. Ministro, que dispõe de mais 2 minutos que lhe foram concedidos pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, sem o que não teria tempo, pois os 5 minutos que constam do quadro são para uma intervenção final.
Faça favor, Sr. Ministro.
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O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Agradeço ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista o tempo que me foi concedido.
Sr. Presidente, o Sr. Deputado Carlos Encarnação, tal como o seu colega de há pouco, repetiu aqui slogans como «afronta», «ultraje», «contradição», mas não deu um único exemplo em como é que os decretos-leis do Governo contrariam o que quer que seja da lei da Assembleia da República.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - É o habitual!
O Orador: - O que demonstrei, na minha intervenção, é que, ponto por ponto, a lei da Assembleia da República foi respeitada pelo Governo, mas o Sr. Deputado Carlos Encarnação não deu um único exemplo de onde é que os decretos-leis do Governo, qualquer deles, desrespeitam a lei da Assembleia.
Devo dizer-lhe que o Governo não desrespeita a Assembleia nem o Sr. Presidente da República e, portanto, com certeza, o Sr. Deputado Carlos Encarnação não espera que seja o Governo a ter do Sr. Presidente da República a visão que V. Ex.ª, pelos vistos, tem, pela forma como se referiu à promulgação simultânea dos três diplomas.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder ao pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - E sobretudo para dar os tais exemplos!
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, a Lei n.º 20/99, de 15 de Abril, diz que o Governo tem de fazer três coisas. A primeira delas, e a mais importante, é que o Governo tem de compreender que, de acordo com o n.º 1 do artigo 3.º, fica suspensa a aplicação do Decreto-Lei n.º 273/98, de 2 de Setembro, desde a sua entrada em vigor, no que respeita às operações de co-incineração de resíduos industriais perigosos, incluindo a avaliação e a selecção de locais para queima e tratamento desses resíduos.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Está suspenso!
O Orador: - A primeira coisa que o Governo devia fazer, além do decreto-lei sobre o planeamento do tratamento de resíduos - e aquilo que o Sr. Ministro está a exibir nesta Câmara não é decreto-lei -, era constituir, por decreto-lei, a comissão científica independente.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Está criada!
O Orador: - V Ex.ª, o que quis fazer, foi algo completamente diferente. Com esses artifícios todos de datação e de publicação dos diplomas, V Ex.ª quis introduzir, nesta Câmara, uma controvérsia jurídica que não tem razão de ser, porque esta questão é eminentemente política!
V Ex.ª quis trazer esta matéria para a juridicidade, mas ela é política, esta é uma controvérsia política e é este aspecto que denunciamos.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Dê exemplos!
O Orador: - E o Sr. Ministro e o Governo só têm duas atitudes. Das duas uma: ou alteram os decretos-leis entretanto publicados ou deixam que a Assembleia, no uso dos seus poderes, os altere por instrumento de ratificação.
Aplausos do PSD.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra para uma aclaração ao meu pedido de esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, que eu saiba, não existe essa figura regimental.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Então, se o Sr. Presidente me permitir, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Se for mesmo para uma interpelação, faça favor, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, a minha interpelação tem a ver com o andamento dos trabalhos.
Formulei uma pergunta que julguei precisa mas o Sr. Deputado Carlos da Encarnação não a deve ter compreendido. Pedi um só exemplo de onde é que qualquer dos decretos-leis do Governo contraria a lei da Assembleia da República!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Gostaria de começar por afirmar que não vamos participar no debate da questão de fundo. E não vamos participar neste debate por uma questão de respeito, em primeiro lugar, em relação à seriedade do problema em si e, designadamente, do problema do tratamento dos resíduos industriais e, em segundo lugar, pelo respeito para com a Assembleia da República, porque se hoje ou amanhã não há um debate sobre a matéria essa responsabilidade não é do PCP. O debate foi requerido e não está agendado nem para hoje nem para amanhã e em relação a isso nós não temos qualquer responsabilidade. Manifestámos a nossa disponibilidade declarando claramente que preferíamos que fosse amanhã, precisamente para poder haver mais algum tempo para analisarmos a questão de fundo.
Mas não querendo intervir no debate sobre a matéria de fundo, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, gostaria de deixar duas ou três notas sobre esta matéria.
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É evidente, como a intervenção do Sr. Ministro deixou claro, que se as acusações que são feitas ao Governo, nesta matéria, forem reais a situação é extremamente grave.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Claro!
O Orador: - E por conseguinte, numa situação destas, lógica e naturalmente, se chegarmos a essa conclusão, tomaremos as medidas correspondentes e adequadas à gravidade da situação.
Por outro lado, gostaria de afirmar, por parte do Grupo Parlamentar do PCP, que, em relação a esta matéria, vamos manter o comportamento que tivemos até agora, isto é, fundamentalmente, não entraremos em processos que eu diria de cariz «terrorista» ou de irresponsabilidade, do ponto de vista político.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Exactamente!
O Orador: - Como sempre fizemos - e já o demonstrámos, com a aprovação da Lei n.º 20/99 -, queremos tratar da questão seriamente.
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - E iremos manter essa posição independentemente de quaisquer pressões, pois já demonstrámos várias vezes que não somos permeáveis a pressões e, por conseguinte, mesmo que actualmente já haja em alguns órgãos de comunicação social regional a transmissão da ideia expressa de que a responsabilidade de isto tudo é do PCP, podem ter a certeza absoluta que não nos iremos dobrar a essa pressão.
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Manteremos a posição que tivemos até hoje: seriedade e não irresponsabilidade.
Termino, Sr. Presidente, reafirmando aquilo que disse há pouco: é que se, pela nossa parte, também concluirmos que são reais, ou melhor, são efectivas, são justas, as acusações que são feitas ao Governo, para além do pedido de ratificação dos decretos, certamente que iremos tomar as medidas correspondentes à gravidade desse eventual comportamento.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente:- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Assistimos hoje, mais uma vez, no Parlamento, a uma intervenção característica do Sr. Deputado Carlos Encarnação e do PSD. Na verdade, quando o PSD não tem assunto relevante e substantivo para apresentar ou qualquer projecto que possa dizer alguma coisa à população ou ao povo português, o PSD utiliza o Sr. Deputado Carlos Encarnação para tentar intrigar sobre qualquer matéria. Hoje, o Sr. Deputado Carlos Encarnação veio aqui intrigar sobre a co-incineração. Fica-lhe bem esse papel, embora, como seu amigo, desejasse que assumisse um outro neste Parlamento.
Por outro lado, ficou perfeitamente demonstrado que não há qualquer incoerência nem qualquer inconsistência entre aquilo que é a posição e a acção do Governo e aquilo que foi a decisão da Assembleia da República. A verdade é que, insistentemente, o Governo já pediu ao PSD e ao Sr. Deputado Carlos Encarnação para dar um exemplo, um único exemplo, que permita, de alguma forma, comprovar aquilo que diz.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Zero!
O Orador: - Exemplos não deu nenhum, porque fez substituir a verdade pela intriga. Sr. Deputado Carlos Encarnação, desafio-o a expor no Parlamento, pela primeira vez, um único exemplo que demonstre de uma forma clara que há alguma inconsequência entre a actividade e decisões do Governo e as decisões da Assembleia da República.
Mas gostaria de dizer mais: é que este clima que se pretende aqui criar não é um clima inocente...
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Claro!
O Orador: -... é um clima de agitação que tem a ver com algumas coisas que estão perfeitamente localizadas no tempo. Já descobrimos que, em matéria de presidentes de câmara, o que o PSD pretendia era que o Governo excluísse desta comissão os Presidentes da Câmara de Coimbra e de Leiria para dizer aqui d'el rei que o Governo excluiu os autarcas dos processos de decisão e de análise.
A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Exactamente!
O Orador: - O Governo, e muito bem, não foi nesse jogo, porque, seja-me permitido dizer, o Governo viu de forma inteligente aquilo que é uma manobra que salta à vista de toda a gente.
Por outro lado, há outra coisa realmente importante: é que a própria lei que foi aqui aprovada já deveria ter remetido o PSD a um papel mais prudente, porque veio aqui apresentar um projecto de lei e, no final, foi aprovada uma lei exactamente ao contrário, que relativamente aos grupos parlamentares não causou qualquer tipo de dúvida. O PSD, ao fim e ao cabo, em matéria de lei, veio tentar perseguir uma solução e uma metodologia que já estava perfeitamente adquirida pelo Governo e aqui foi anunciada pelo próprio Governo.
Srs. Deputados, escolheram mal esta matéria. Isto é um «prato requentado», mas é um «prato requentado» que não tiveram qualquer dúvida em utilizar, porque o que acontece é que há um grande desinteresse pelo evento político do próximo fim-de-semana e tentou-se criar aqui um facto político directamente relacionado com o congresso do PSD que se vai realizar em Coimbra. E quem é que escolheram como actores desta cena? O Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho, da distrital de Coimbra, e o Sr. Deputado Carlos Encarnação, também eleito por Coimbra. Ora, Coimbra significa Souselas, Souselas significa Coimbra, significa agitação, significa marcar pontos na véspera do congresso do PSD....
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Claro! O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Há-de ir lá explicar!
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O Orador: - Devo dizer-vos, Srs. Deputados, que de VV. Ex.ªs eu esperava mais imaginação e mais argúcia para se poderem afirmar no terreno complicadíssimo que os senhores estão a trilhar dentro do PSD e relativamente àquilo que é a definição futura da vossa localização dentro do próprio sistema partidário do PSD.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Gostaria de terminar dizendo de uma forma clara que o Partido Socialista não embarca nestas manobras, o País não merece este tipo de jogo rasteiro do PSD, não merece esta intriga. Como diz o PCP, este é um assunto demasiado sério para se fazer esta intriga em plena Assembleia da República e o Partido Socialista manter-se-á firme na denúncia das vossas manobras mas esperando sempre que, como oposição, possam algum dia vir a assumir uma posição construtiva, diferente daquela que é a intriga permanente e a eleição permanente do Sr. Deputado Carlos Encarnação para fazer e concretizar essa mesma intriga.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, nesta brevíssima intervenção, quero começar por fazer um reparo e um comentário semelhante ao que fez o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português: é que não é por nós que o debate de urgência sobre esta matéria não se realiza hoje ou preferencialmente amanhã, porque o assunto é suficientemente sério para justificar o estudo atento dos dois diplomas e das diversas implicações que o mesmo tem relativamente à Lei n.º 20/99. Mas, repito, não foi por nós que ele não se fez, a impossibilidade, tanto para hoje como para amanhã, não foi manifestada por nós.
Em todo o caso, há aqui um comentário e uma reflexão que é possível fazer, resultante de uma leitura rápida que fiz da Lei n.º 20/99, que suspendeu a legislação em vigor sobre a co-incineração. O que é que a Assembleia quis fazer com a sua lei que suspendeu a legislação que estava em vigor e punha em marcha um processo de co-incineração concreto em duas cimenteiras, uma na zona da Maceira e outra na zona de Souselas?
O que a Assembleia da República quis fazer, em primeiro lugar, foi cometer ao Governo a obrigação de apresentação de um plano estratégico de gestão dos resíduos industriais - que deveria ser apresentado por decreto-lei e eu nunca vi um decreto lei de capa vermelha, como o documento que o Sr. Ministro aí mostra -em segundo lugar, quis suspender in totum a aplicação da legislação anterior e esse processo concreto de co-incineração em curso e, em terceiro lugar, quis, constituir, igualmente por decreto-lei, uma comissão científica independente, que tinha por múnus, por atribuição, relatar e dar parecer relativamente ao tratamento de resíduos industriais perigosos, incluindo, nomeadamente, o impacto de cada uma das possíveis modalidades de tratamento sobre o ambiente e a saúde pública, a sua segurança e fiabilidade, os limites e condições da localização das respectivas instalações, em relação às zonas habitadas.
O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Exactamente!
O Orador: - É, para nós, perfeitamente claro que não é possível fazer-se uma interpretação diferente sobre este artigo que não seja a de que a Assembleia da República suspendeu todo o processo e quis que se voltasse ao ponto de partida nesta matéria.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Mas se a Assembleia da República quis que o Governo voltasse, nesta matéria, ao ponto de partida, então, Sr. Ministro, tenho de lhe dizer - é a única reflexão que faço, o resto ficará para o debate de urgência - que, para nós, não tem qualquer sentido que se mantenham na comissão independente, criada pelo Decreto-Lei n.º 121/99, os representantes das câmaras.
Não vou agora falar aqui do efeito derrogatório ou não de um diploma sobre o outro - as intenções ficam com quem praticou os actos -, porque se há derrogação ou não - e parece-me que não há -, se há uma coincidência nas datas de entrada em vigor dos diplomas ou se é uma feliz ou uma propositada articulação dessas datas, não euro disso agora, a verdade é que se o Decreto-Lei n.º 121/99 foi feito para articular o decreto-lei do Governo com a lei aprovada pela Assembleia da República - di-lo expressamente no seu preâmbulo - então não se compreende porque é que mantém, num processo que parte do início, novamente, os representantes das Câmaras de Leiria e Coimbra.
Das duas, uma: ou o Governo já sabe que o processo, depois desta reflexão, vai acabar novamente em Coimbra e, em Leiria, ou seja, na Maceira e em Souselas ou, então, o Governo quer mesmo que vá acabar em Coimbra e em Leiria. Sr. Ministro, para manter aqui representantes das câmaras municipais, então, tem de ter representantes de todas as câmaras onde há unidades cimenteiras, em Portugal.
Aplausos do CDS-PP.
Mas talvez nem isso devesse fazer, porque nem sequer está escrito que o processo de co-incineração, que utiliza as cimenteiras, chegue a ser aquele que venha a ser adoptado, na sequência da reflexão geral que o Governo tem de fazer. Pode acontecer que o Governo, no âmbito da Comissão que está a criar e do parecer que vai ser com certeza conhecido de todos nós, venha optar pela incineração dedicada, ou pela exportação pura e simples dos resíduos ou por qualquer outro método científico que entretanto seja proposto.
O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Ministro, «o rabo do gato» que está aqui escondido é a manutenção dos representantes das câmaras, que podem ser independentes, podem ser tudo o que o senhor quiser, mas, na verdade, indica que o Governo quer, por decreto-lei, ir para além daquilo que aqui foi decidido, na Assembleia da República, e nessa exacta medida subsiste um confronto entre aquilo que o Governo deseja - ou já sabe que vai acontecer - e aquilo que a Assembleia da República aqui fez, que foi mandar o processo para o seu ponto de origem, para tudo ser estudado novamente.
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(O Orador reviu.)
Aplausos do CDS-PP e dos Deputados do PSD Barbosa de Melo e Paulo Pereira Coelho.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Em primeiro lugar e, desde já, penso que é importante sublinhar que para Os Verdes esta é uma questão séria, que implica que, quando se recorda o processo, o façamos sem memória selectiva, o que significa que é bom lembrar que o diploma que foi aprovado na Assembleia, em 25 de Fevereiro, o foi porque a resolução que apresentámos em 20 de Janeiro foi totalmente ignorada pelo Governo.
O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - É ainda importante lembrar que, no próprio dia em que a Assembleia da República deu um sinal claro no sentido de suspender o processo, de anular as decisões tomadas e de iniciar correctamente um novo caminho para resolver um problema sério e que requer seriedade, também nesse dia, dizia, lamentavelmente, a Sr.ª Ministra do Ambiente entendeu - mal, em nossa opinião - reacender a questão e ignorar a Assembleia da República e a decisão que esta tomou.
No essencial, é este o problema que está em cima da mesa e é esta a razão pela qual Os Verdes optaram por requerer um debate de urgência para hoje mesmo. Para nós, o caminho a seguir é claro, a metodologia proposta é clara e sem ela não haverá qualquer solução séria.
O que está por provar, até hoje, e o que, seguramente, o Decreto-Lei n.º 121/99 não faz, é eliminar as inquietações. Para nós. Os Verdes, a questão da eliminação dos resíduos industriais não é algo em relação à qual tenhamos chegado de «pára-quedas», não é uma questão superficial, mas, sim, uma matéria que envolve a saúde pública e o ambiente. Por isso as decisões têm de ser sustentadas. Desde há muito, defendemos que é importante fazê-lo.
Em conclusão, para Os Verdes, há um debate de urgência por fazer. O que é importante não é pegar em «pratos requentados», como alguém disse, mas, sim, garantir, que eles não vão ser, por razões eleitorais, um «prato» simplesmente «congelado»!
Vozes de Os Verdes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, por via de uma interpelação à Mesa, gostaria de dar a V. Ex.ª conhecimento de dois factos, tendo o primeiro a ver com uma dúvida que foi salientada pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares em relação à questão da realização do debate de urgência.
V. Ex.ª, Sr. Presidente, sabe tão bem como eu o que se passou, mas gostaria de dar a seguinte explicação à Câmara: também não foi por causa do PSD que o debate de urgência não se realizou hoje, nem se realizará amanhã.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Foi, foi!
O Orador - O que sucedeu foi que três partidos da oposição entenderam suscitar a questão de que, sendo este um tema muito importante e que merece ser discutido com todo o pormenor, deveriam existir 24 horas de intervalo - pelo menos! - entre o anúncio e a realização do debate de urgência. E foi em homenagem a esse princípio que se estabeleceu esta ideia de consenso, que não pode ser levada à prática porque o Sr. Ministro declarou estar impedido de comparecer amanhã no Parlamento para discutir esta matéria.
O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Portanto, o debate de urgência está pedido e mantém-se, pelo que será agendado em tempo oportuno, assim como o debate de urgência requerido pelo Grupo Parlamentar de Os Verdes, também sobre a mesma questão.
Estamos hoje a discutir esta matéria com base numa intervenção de denúncia, da nossa parte, e com base numa intervenção que o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares quis fazer hoje, perante esta Assembleia.
O segundo facto prende-se com uma questão que o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares colocou à Assembleia da República e que passo a esclarecer. A questão fundamental que aqui se coloca - e que, aliás, foi levantada directamente pelo Sr. Ministro, em relação aos pormenores - foi muito mais facilmente explicada por Deputados de outros grupos parlamentares. Eles perceberam perfeitamente o que eu quis dizer, mas o Sr. Ministro não entendeu, pelos vistos!
A questão fundamental é só esta, Sr. Presidente:...
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Qual é, qual é?
O Orador: - ... o processo de co-incineração está suspenso pela Assembleia da República. O Governo não pode, por artifícios de natureza jurídica, «ressuscita?» um processo que está «morto» até que a Assembleia da República entenda que deve ter uma nova vontade legislativa sobre esta matéria!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e Srs. Deputados, tendo os Srs. Deputados do PSD colocado a questão de uma falta de respeito do Governo em relação à Assembleia e embora o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares tenha recusado a justificação dessa acusação, mal ficaria ao Presidente da Assembleia da República que não dissesse uma palavra sobre este assunto.
Essa palavra é para vos comunicar que reservo o meu próprio juízo sobre a matéria, isto é, sobre se houve ou não desrespeito, se há ou não colisão entre os decretos-leis do
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Governo e a lei da Assembleia da República. Na altura própria tomarei uma posição, seja ela qual for.
Ao mesmo tempo, quero dizer-vos que este é um problema que merece uma reflexão mais profunda. Como sabem, a Constituição consagra a competência cumulativa do Governo e da Assembleia da República em matérias não reservadas à competência da Assembleia da República. Sempre me pareceu que esta era uma norma excessivamente facilitativa, porque sempre entendi que se um dia o Governo revogasse uma lei, da véspera, da Assembleia da República, surgiria um problema político, não técnico-juridico, uma vez que técnico-juridicamente o Governo pode revogar, no dia seguinte, uma lei da Assembleia da República. Politicamente, o problema é outro!
O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Claro, a decisão é política!
O Sr. Presidente: - Também a Assembleia da República pode fazer o mesmo em relação ao Governo, o que não será muito saudável, mas não é tão grave, porque o Governo responde perante a Assembleia da República e não a Assembleia da República perante o Governo, além de que, para corrigir esse facto, existe a figura da apreciação dos decretos-leis do Governo.
Como a Assembleia da República tem condições para chamar a si a possibilidade de anulação de qualquer decreto-lei do Governo, pela via da apreciação desse decreto-lei, a própria Constituição e o Regimento prevêem um instrumento de correcção destes problemas.
O problema que coloco é se tal situação será chocante ou condenável politicamente. Estou de acordo que o Governo revogue uma lei da Assembleia da República do dia anterior, ou de dois, três, quatro dias... O problema é o de saber quantos dias são necessários para que tal facto deixe de ser politicamente chocante. Um dia teremos de debruçar-nos sobre este problema, porque, de facto, não há limite temporal.
Concordo que, politicamente, é chocantíssimo que, no dia seguinte, o Governo revogue uma lei, da véspera, da Assembleia da República; tal como a situação inversa também seria, de algum modo, chocante, se não for pela via da apreciação do decreto-lei do Governo. A minha questão é esta: a partir de que momento deixa de ser chocante? Esse é um problema que temos de discutir entre nós, um dia.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares dispõe de 5 minutos para encerrar o debate. Tem a palavra.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, creio mesmo que disponho de 6.03 minutos para o efeito. Mas não utilizarei tanto...
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, desculpe, mas dispõe de 5 minutos para encerrar o debate. Segundo a grelha de tempos que se convencionou para este tipo de debate, o Governo tem uma intervenção final de 5 minutos.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Desculpar-me-á, Sr. Presidente, mas fui traído pelo quadro dos tempos. Devo ter visto mal.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Creio que a sábia intervenção do Sr. Presidente da Assembleia da República colocou a questão nos devidos termos,...
Vozes do PSD: - Exactamente!
O Orador: -... ou seja, onde o PSD a deveria ter colocado.
Com efeito, tratando-se de matéria concorrencial, o Governo poderia ter feito, constitucionalmente, o que o PSD diz que o Governo fez. Contudo, a questão que o Sr. Presidente colocou tem estado muito claramente resolvida para este Governo, que assim tem actuado e assim actuará até ao termo das suas funções. Ou seja, nunca este Governo desrespeitou qualquer lei da Assembleia da República.
Devo dizer, com toda a sinceridade, que o Sr. Deputado Luís Queiró foi o único Deputado que se aproximou do meu pedido de indicar algum ponto de conflitualidade entre os decretos do Governo e o diploma da Assembleia da República, ao referir-se à presença dos representantes das Câmaras Municipais de Coimbra e de Leiria na comissão.
Volto a repetir que, quanto ao primeiro diploma, o Decreto-Lei n.º 120/99, o problema não se põe, já que este foi aprovado pelo Governo antes de a Assembleia da República aprovar a sua lei e entrou em vigor antes de a lei desta Assembleia entrar em vigor. Portanto, não podia, por antecipação, violar ou alterar uma lei que ainda não existia.
Creio que este ponto é para todos claro, salvo para o Sr. Deputado Carlos Encarnação...
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Para ele também é!
O Orador: - Ah, está bem!
O segundo diploma, o Decreto-Lei n.º 121/99, é aquele que a própria lei da Assembleia da República mandou que existisse! Na lei da Assembleia da República refere-se que será criada, por decreto-lei, uma comissão científica independente. Poderíamos ter criado uma nova comissão científica independente, mas já estava criada uma outra comissão científica independente!
Vozes do PSD: - Não estava nada!
O Orador: - Estava, estava! E essa comissão científica independente que tinha sido criada resultava de um compromisso do Governo com os municípios, com as freguesias e com as associações ambientais...
O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Esse compromisso caiu!
O Orador: -... e atribuía uma faculdade às câmaras municipais, faculdade que elas têm a liberdade de utilizarem ou não.
Mas há, sobretudo, um ponto que não percebo: em que é que a presença de representantes dessas duas câmaras mu-
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nicipais diminui a independência e a isenção da comissão relativamente ao Governo?
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Mas porquê aquelas duas?!
O Orador: - Sr. Deputado, vou responder-lhe com toda a sinceridade: há uma razão fundamental e fará a bondade de não nos considerar parvos. Sabe qual é? Se tivéssemos previsto, no Decreto-Lei n.º 121/99, a criação de uma comissão científica independente sem as Câmaras Municipais de Coimbra e de Leiria, os Deputados do PSD estariam hoje, aqui, a provocar um debate de urgência em virtude de o Governo ter violado o compromisso assumido, ao afastar as câmaras municipais!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Pelo contrário!
O Orador: - Sr. Deputado Luís Queiró, se é essa a vossa questão, não será o Governo que suscitará qualquer melindre pelo facto de a Assembleia da República alterar o seu decreto-lei, excluindo as Câmaras Municipais de Coimbra e Leiria!
O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Ah, já está a recuar!
O Orador: - Nós não o faremos! Se VV Ex.ªs excluírem as Câmaras Municipais de Coimbra e Leiria, não é isso que nos melindra.
Quando o Sr. Deputado Carlos Encarnação grita «O processo está suspenso», devo dizer, Sr. Deputado Carlos Encarnação, que não vale a pena gritar, porque ninguém põe em causa que o processo esteja suspenso; V. Ex.ª é que põe em causa que nós tenhamos posto isso em causa! Mas não pusemos!
Dizemos que o processo está suspenso e, por isso explicitámos, claramente, no Decreto-Lei n.º 121/99 que a primeira coisa que a comissão tem de fazer é o parecer que W. Ex." encomendaram, para apurar quais as formas de tratamento adequadas dos resíduos sólidos industriais. E se a comissão entender que a co-incineração não pode existir, a co-incineração não existirá! É que, nos termos em que a criámos, damos eficácia vinculativa a essa decisão da comissão.
Sabem os Srs. Deputados o que prevê a lei da Assembleia da República? Que caso a comissão diga não à co-incineração, o Governo terá de elaborar um decreto-lei. Mas, como sabem, não é oponível, por lei da Assembleia da República, uma obrigação de legislar!
Sei que o actual Governo cumpriria a lei da Assembleia da República, mas não sei - e V. Ex.ª também não saberá - quem estará nos próximos governos! Aliás, nem sei se não haverá um próximo governo em que VV. Ex.ªs voltem a estar aqui, no meu lugar, tratando a Assembleia da República da forma como ela era tratada é humilhada na altura em que V Ex.ª era Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
Aplausos do PS.
Sr. Deputado, sabe qual é o efeito do nosso decreto-lei que tanto o incomoda? É que, elabore ou não o Governo um decreto-lei, basta que a comissão científica independente decida que não há co-incineração e não haverá co-incineração, queira ou não queira o Governo. É isto que vos incomoda, porque os senhores não confiam na comissão científica independente, nem no apuramento da verdade científica, nem sabem conviver com uma forma de consensualidade organizada, como aquela que está expressa nos dois diplomas do Governo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Encarnação pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Para exercer o direito de defesa da honra.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares tentou dar uma explicação, mais uma vez, de acordo com a ideia que trazia para esta Assembleia - de tentar «branquear» a acção do Governo em relação à discussão da jurisdicidade das medidas -, mas esqueceu-se de uma questão fundamental. É que o articulado da lei da Assembleia da República tem uma lógica própria e não é por acaso que ela começa com o plano de resíduos!
É o plano de resíduos que vai dar a hipótese de uma ou de outra solução; não se trata de co-incinerar, naquela ou na-queloutra localidade, em função do processo que existe agora. Não, todo o processo vai começar de novo e é isso que o Governo quer evitar.
O Sr. Ministro acena com um volumosíssimo conjunto de folhas, que não é o decreto-lei que ficou obrigado a apresem tar até ao final da legislatura,...
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Ainda não chegámos lá!
O Orador: -... que, esse sim, marca o início de todo o processo. Só a partir da apresentação desse decreto-lei é que tudo o resto poderá ser feito; só a partir da apresentação desse decreto-lei é que poderá pensar-se de novo o processo como deve ser!
Portanto, o Sr. Ministro faz uma apresentação de natureza sofística em relação à questão que está controvertida nesta altura, a questão das datas, e tenta jogar com isso. Mas não é assim, Sr. Ministro! A Assembleia da República teve uma vontade profundíssima de discutir esta matéria e de instituir uma disciplina, que começa nesse decreto-lei e, mais tarde, então, acaba na comissão científica independente, que não é esta que o Sr. Ministro criou!
O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Claro!
O Orador: - Portanto, o processo deve começar desde o princípio. V. Ex.ª recusa-se a aceitar isto, mas é isto que consta da lei! V. Ex.ª leia bem a lei e verá que chega a esta conclusão. Por isso é que eu queria evitar dar-lhe exemplos, não vale
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a pena porque o exemplo é toda a lei. E se V Ex.ª não a ler por inteiro, com certeza nunca a compreenderá.
Mas, Sr. Ministro, para rematar, gostaria também de dizer-lhe que confiamos em tudo, confiamos sobretudo na vontade das populações, só não confiamos numa coisa: neste Governo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para dar explicações, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Sr. Deputado Carlos Encarnação, tenho muito prazer em dar-lhe explicações, que são bem necessárias.
O diploma da Assembleia, como muito bem referiu, dizia que o Governo aprovaria o plano estratégico de gestão de resíduos industriais até ao final da legislatura. Mas ainda não chegámos lá! E o que eu lhe disse - e que V. Ex.ª não estava a ouvir, porque estava a receber aquelas «boas sugestões» que o Sr. Deputado Marques Mendes lhe costuma bichanar aos ouvidos...
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Agora é proibido bichanar?
O Orador: - Repito, Sr. Deputado, como estava perturbado com o bichanar ao «eu ouvido não terá ouvido a minha explicação quando eu disse que este decreto será apresentado em Julho e não no final da legislatura.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - O que falta é o decreto!
O Orador: - Portanto, o Governo até cumpre por antecipação o que foi estabelecido por parte da Assembleia da República. O que se diz na lei é que o Governo tem de criar uma comissão, por decreto,...
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - É desse decreto que eu falo!
O Orador: -... para estudar a questão dos resíduos industriais e para emitir parecer. Devo dizer também que essa comissão está criada, tem essa competência e exercê-la-á necessariamente antes de qualquer outra.
Sabe qual é a importância desta questão? Como o Sr. Deputado não lê, não quer ler e quer simplesmente fazer uma «intrigalhada» política, pretende ignorar que esta questão é decisiva... É porque se isto fosse como os senhores queriam fazia-se um decreto a mando da comissão, mas nenhum Governo está obrigado a fazê-lo.
Diz-se no diploma que, até haver o parecer, será nulo, e não anulável, e de nenhum efeito, qualquer acto praticado, o que significa que, qualquer acto praticado na área da co-incineração que anteceda ou que contrarie um eventual parecer será nulo e, portanto, não terá qualquer efeito.
Como V. Ex.ª sabe, mas nem todos o saberão, há uma diferença muito importante na nossa ordem jurídica quanto aos vícios negativos dos actos: a diferença entre a anulabilidade - que é, como sabe, a regra na nossa administração, que implica o recurso para tribunal, existe um prazo para recorrer, não tem eficácia retroactiva - e a nulidade - em que não é preciso recorrer a tribunal, não há prazo para prescrição do direito ao recurso e tem efeitos retroactivos.
Portanto, este vício previsto na lei é o mais eficaz para garantir o efeito jurídico negativo pretendido por um eventual parecer negativo da comissão.
Mas há uma coisa que é fundamental: é deixar a comissão trabalhar. Deixem os cientistas julgar esta matéria! Ou têm medo que os cientistas não vos dêem razão? Eu não tenho! Sabe porquê? Porque temos a humildade de saber que em democracia não há uma ciência oficial, recusamo-nos a decretar uma verdade científica. Confiamos simplesmente que os cientistas, pessoas independentes (havendo só um que é indicado pelo Governo), decidam, e conformar-nos-emos com essa decisão. Acho estranho que VV. Ex.ªs tenham tanto receio de que os cientistas se pronunciem. Não tenham medo!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro e Srs. Deputados, temos a assistir aos nossos trabalhos um grupo de 50 alunos dos 2.º e 3.º ciclos da Escola Fernando Pessoa, de Lisboa; um grupo de 38 alunos da Escola Secundária de Aljustrel; um grupo de 35 alunos da Escola C+S de Alfena; um grupo de 31 alunos da Escola Secundária de Moura; um grupo de 65 alunos do Colégio de Nossa Senhora da Assunção, de Famalicão; um grupo de 15 formandos do Eformajuda, de Lisboa; um grupo de 11 alunos da Escola Secundária Luís de Freitas Branco, de Oeiras; e um grupo de 12 alunos da Escola Secundária do Restelo.
Esperamos ainda um grupo de 42 alunos da Escola Básica do 1.º ciclo n.º 157, de Lisboa, um grupo de 40 alunos da Escola E. B. 2.º e 3.º ciclos Prof. António da Natividade, de Mesão Frio, e um grupo de 20 alunos da Escola de Arte Estética Visage, de Leiria.
Assiste ainda à sessão um grupo numeroso de cidadãos.
Merecem todos um respeitoso cumprimento.
Aplausos gerais, de pé.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Eram 16 horas e 45 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.ºs 616/VII - Altera a Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, sobre as áreas urbanas de génese ilegal (PCP), 639/Vn - Regime jurídico para a reconversão das áreas urbanas de génese ilegal (AUGI) (CDS-PP), 645/VII -Altera a Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro (Regime jurídico das áreas urbanas de génese ilegal) (PS) e 663/VII -Alteração à Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, sobre as áreas urbanas de génese ilegal (PSD).
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Para introduzir o debate relativo ao projecto de lei n.º 616/VII, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.
O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As áreas urbanas de génese ilegal (AUGI's) constituem, pela sua dimensão, diversidade, complexidade e antiguidade, um grave problema nas periferias dos principais centros populacionais.
Remonta ao início da década de 60, isto é, há quase 40 anos, a origem da construção de um número significativo de habitações efectuadas sem licença em terrenos não urbanizados e não raras vezes completamente inadequados para o destino que lhes deram.
Com a concentração populacional nos grandes centros urbanos que então se verificou, sem um planeamento e uma política de habitação adequados, face ao aumento especulativo do custo da habitação arrendada ou própria, com a instalação de serviços a tomar conta das zonas habitacionais e com a impunidade advinda da lei, que, embora proibindo, não dispunha de mecanismos para impedir a rendosa especulação fundiária, foi inevitável este fenómeno, que sofreu novo agravamento no início da década de 70 com o aumento da população residente no País e com a nova vaga de concentração nos grandes aglomerados populacionais.
Foram, assim, os habitantes destes bairros as principais vítimas da especulação fundiária, rendosa só para os loteadores, e são estes habitantes os principais interessados nas recuperação e legalização destas áreas e na sua integração urbana, garantindo o seu legítimo direito à habitação e à cidadania plena.
Também as autarquias - e pelas da CDU podemos afiançar - tiveram sempre grandes preocupações em promover a melhoria da qualidade de vida destes habitantes, e muito foi feito nesse sentido, mesmo nas condições limitadas de capacidade legal e financeira para intervir.
E se, no início, a par da habitação de acesso ainda possível para alguns, se juntavam os ainda não completamente adaptados à vida urbana, que procuravam reconstruir no terreno possível o seu ambiente de origem, e até construções para segunda habitação em lugares aprazíveis do ponto de vista paisagístico, rapidamente a pressão habitacional, por um lado, e a inevitável degradação do meio ambiente, por outro, reduziram estas habitações ao primeiro tipo, mais rendoso para os loteadores.
Constituíram-se, assim, grandes aglomerados urbanos, onde vivem, só na Área Metropolitana de Lisboa, 20 a 25% da população, isto é, entre 400 000 e 500 000 pessoas. Vivem em zonas sem infra-estruturas básicas ou com infra-estruturas deficientes, sem equipamento social e em habitações que por vezes não cumprem as normas de salubridade impostas regulamentarmente, sem acesso aos transportes e à integração plena nos perímetros urbanos das cidades e sem sequer terem regularizada a propriedade dos lotes que permanece em solo indiviso.
A Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, elaborada por iniciativa e com grande participação do PCP, constituiu, sem dúvida, um importante instrumento que, pela sua natureza inovadora mas assente numa análise profunda da especificidade do problema, contribuiu decisivamente para um avanço muito significativo no trabalho de recuperação e legalização das Áreas Urbanas de Génese Ilegal, que a diversa legislação anterior não tinha conseguido.
A este processo de recuperação e legalização, com base na Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, aderiu a grande maioria dos proprietários e comproprietários destas áreas.
Passados quase quatro anos sobre a vigência da lei e face à sua cessação em 31 de Dezembro próximo, impõe-se, a nosso ver, em primeiro lugar, um alargamento do prazo amplamente justificado pelo pouco tempo de vigência da lei face ao elevado número de situações existentes, às centenas de milhares de pessoas envolvidas e à complexidade das formalidades requeridas pelo processo, em si mesmo, necessariamente complexo.
Mas impõe-se, sobretudo, uma reflexão sobre a experiência de aplicação desta lei e a análise das dificuldades surgidas que justificam algumas alterações tendentes a aligeirar formalidades burocráticas nos processos de apreciação e aprovação das propostas e dos estudos de recuperação.
E justifica-se ainda a clarificação da intervenção das instituições que prosseguem o processo de gestão urbanística na autenticação do acordo de uso e no registo do alvará de loteamento.
Pela nossa parte, a elaboração do projecto de lei n.º 616/VII, do PCP, que altera a Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, sobre as áreas urbanas de génese ilegal, é o resultado de uma profunda reflexão baseada na análise de grande quantidade de casos concretos, com apreciação no local.
Baseia-se no respeito por três princípios fundamentais: a participação e a comparticipação empenhada dos proprietários e comproprietários; o aligeiramento de formalidades burocráticas e o estabelecimento de parâmetros com alguma permissividade face às condições excepcionais, sem contudo transigir no respeito pelo essencial dos instrumentos de ordenamento do território, pela defesa da qualidade do meio ambiente e pelas normas de segurança e, por fim, a integração completa das AUGI nas zonas urbanas das cidades respectivas.
Esta questão foi amplamente discutida num encontro com algumas centenas de participantes, realizado na Sala do Senado, que contou com representantes de comissões de administração de AUGI em várias fases do processo de reconversão, autarcas e técnicos, especialistas em várias matérias, que concorrem para a recuperação e legalização destas áreas.
Este encontro permitiu juntar enormes contribuições positivas que legitimam e reforçam a justeza das soluções legislativas propostas.
A Associação Nacional de Municípios Portugueses, pelo seu lado, emitiu parecer favorável relativamente ao projecto de lei, que considera oportuno e importante, realçando inclusivamente a justeza de vários artigos do seu articulado.
Também o Sr. Provedor de Justiça, procedendo a uma análise cuidada face à inquestionável importância do problema, proferiu várias recomendações que o nosso projecto de lei, privilegiando o associativismo dos moradores, não deixa de contemplar, permitindo a aplicação das principais recomendações efectuadas.
A importância deste assunto mereceu da parte do PS, depois do CDS-PP e, finalmente, do PSD, iniciativas legislativas que se vieram juntar à nossa. O empenho de
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todas as bancadas será certamente útil para encontrar uma lei consensual como foi a Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, e que, com excepção do CDS-PP, todos os restantes pretendem manter em vigor, no essencial, produzindo apenas alterações no articulado.
Independentemente da necessária discussão na especialidade que não cabe fazer neste momento, há três questões de princípio que distinguem o nosso projecto de lei e que não queríamos deixar de referir.
Em primeiro lugar, a recusa de soluções de aparência populista que implicariam anular, directa ou indirectamente, os planos municipais de ordenamento do território, não aplicar legislação que visa proteger o ambiente (como a REN), os solos de alto valor agrícola (como a RAN) ou mesmo a própria segurança das populações, como é o caso dos leitos de cheia, das falhas sísmicas, etc. Estas soluções não conduziriam à defesa dos interesses das populações e, em particular, dos residentes nestas áreas, que têm o objectivo e o direito de ser integradas nas zonas urbanas das cidades e de usufruir dos equipamentos urbanos indispensáveis. Ao contrário, seriam os defensores de interesses especulativos dos solos a beneficiar de um tal facilitismo de legalização de qualquer maneira e sem princípios.
Em segundo lugar, recusamos atitudes de aparência simpática mas, no fundo, eleitoralista no sentido de atirar para os municípios responsabilidades que não lhes cabem, nem têm em conta as suas atribuições e correspondentes capacidades financeiras e de recursos humanos.
Também as soluções que passam por normativos administrativos com recursos financeiros do poder central ou do poder local já mostraram no passado que não são o caminho para resolver este urgente problema, muito menos são o caminho mais curto.
As indispensáveis participações e comparticipações do poder central e das autarquias não devem sobrepor-se nem condicionar a necessária intervenção empenhada dos proprietários e comproprietários que, estes quatro anos de vigência da Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, já provaram ser determinantes.
Em terceiro lugar, é necessário aligeirar formalidades burocráticas, estas sim, impeditivas do andamento dos processos.
O projecto de lei do CDS-PP, como o do PSD, em menor escala, não permitem soluções expeditas e desburocratizadas. Por outro lado, o do PS é ainda tímido nesta matéria - referimo-nos à aprovação de planos de pormenor com audiência prévia à decisão municipal ou dispensa de vistorias sem utilidade prática. Ao contrário, esses projectos reduzem poderes como o de embargo de obras ilegais, sem as formalidades usuais, indispensáveis ao correcto andamento destes processos, que, em muitas circunstâncias, devem ser considerados excepcionais.
Também não aprofundam a clarificação dos processos de registo de alvará e de divisão da coisa comum, sendo um facto real a existência de largas dezenas de processos já aprovados em longa espera nas conservatórias e nos notários devido a interpretações destas entidades, que conduzem à impossibilidade prática e à incapacidade das instituições para executar os milhares de registos em simultâneo, quando nada obriga a que assim seja.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma adequada e ponderada alteração à Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, é não só necessária como indispensável.
Pela nossa parte, vamos dar a nossa melhor contribuição para uma profícua discussão na especialidade que conduza ao articulado, que corresponda ao interesse, à necessidade e à urgência com que as populações, as autarquias locais e, em particular, os moradores destas áreas aguardam da revisão da lei.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.
O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joaquim Matias, este debate é verdadeiramente entre o Partido Popular e o Partido Comunista Português e centra-se essencialmente em dois conceitos para resolver o problema dos loteamentos clandestinos.
Por um lado, está a visão do Partido Comunista Português que defende a demissão do Estado na resolução deste problema; que defende - pasme-se! - a delegação de poderes públicos a entidades privadas; que, sob a terminologia do «aligeiramento», defende o fim dos planos de pormenor - é o caso previsto no n.º 3 do artigo 5.º da Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro; que nacionaliza os bens dos proprietários sem direito a indemnização - o que vem previsto na vossa proposta de alteração ao artigo 31.º; que inclui aberrações jurídicas como a de uma deliberação poder atacar judicialmente uma deliberação camarária em acção do loteador ilegal não contra a câmara municipal mas contra os comproprietários... Trata-se de uma verdadeira aberração jurídica...
Mas o vosso projecto de lei permite, sobretudo, algo contra o que milhares de portugueses que se consideram iguais a todos nós se têm revoltado: a «cacicagem» e as cobranças ilegais de juros e de taxas sobre taxas praticadas pelas comissões de administração de algumas áreas urbanas de génese ilegal.
São atentados que têm sido praticados aos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, são os ataques à propriedade privada. É a regra da imposição de uma minoria activa contra uma maioria que, por vezes, é mais passiva. São, no fundo, uma série de práticas que o Partido Comunista tem avalizado e de soluções, que agora vem reforçar, as quais marcam distintamente a diferença entre o conceito que o Partido Comunista Português defende para estas questões e o que o Partido Popular defende.
O que o Partido Popular defende, Sr. Deputado, é a responsabilização do Estado, das entidades públicas, que são as primeiras culpadas pela existência de loteamentos clandestinos. É porque quem construiu num loteamento clandestino fê-lo porque não teve a possibilidade de construir num loteamento legal e se não teve essa possibilidade foi porque o Estado não lhe deu as condições para o fazer.
O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Muito bem lembrado!
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O Orador: - Em matéria de atribuições das autarquias locais elas são aquelas que a lei imputa às autarquias. Portanto, aquilo que aqui defendemos é que deve caber às autarquias e à administração central a primeira responsabilidade na resolução deste problema. E essa é a grande diferença entre o que nós defendemos e o que defende o PCP.
Obviamente, não ilibamos quem construiu nos loteamentos ilegais, mas esses têm de ser tratados com igualdade de circunstâncias, têm de ter a mesma facilidade de acesso à habitação própria e permanente que qualquer outro português que teve a possibilidade, felizmente, de enveredar por outra via.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.
O Sr; Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, prefiro responder já ao Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, por vários motivos.
Em primeiro lugar, porque recusamos que este debate seja um debate entre o PP e o PCP. Este é um debate de toda a Câmara...
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem! Protestos do CDS-PP.
O Orador: -... e afirmámos da tribuna, e continuamos a afirmar, que é necessário consensualizar uma lei que seja do interesse do País. Aliás, se haverá alguma diferença de debate é entre o PP e o resto dos partidos, porque todos propõem uma alteração à Lei n.º 91/95, que foi uma lei consensual, e apenas o PP propõe uma lei nova.
O Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa proferiu uma série de afirmações de cassete que não têm o mínimo de conteúdo. De facto, falou em nacionalizações de bens, etc; e referiu o artigo 31.º, mas posso ler o n.º 2 do referido artigo, que é do seguinte teor: «O plano de pormenor a que se refere o número anterior segue os trâmites do Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março, restringindo-se os seus elementos técnicos aos mesmos (...)». Se isto são nacionalizações, bagunça e demagogia... Sr. Deputado, pode utilizar a cassete que queira nas alturas próprias, mas não referindo coisas perfeitamente ao contrário.
Por último, Sr. Deputado, quero ainda referir o seguinte: este problema é muito sério e os principais lesados com esta situação são os moradores nos bairros de construção ilegal, pelo que é para eles e com eles que temos de resolver o problema;
Agora, a solução aparentemente populista que o Sr. Deputado invocou, que era a de se legalizar tudo - «as pessoas. coitadas, têm direito a legalizar»... -, não beneficia de forma alguma os proprietários, porque os moradores, de facto, nesses bairros querem ser cidadãos de primeira, não querem viver em guetos, querem que os seus bairros se integrem na organização das cidades e tenham acesso a todos os equipamentos e a todos os meios, desde os transportes a todo o equipamento social, desportivo, educacional, etc. A solução que o senhor
propõe, de um aparente facilitismo, facilitava, isso, sim, os especuladores que ainda existem nestes terrenos e que querem, a todo o custo, promover a transferência de lotes e a especulação nessa transferência. A isso nos opomos!
O Sr. Alexandrino Saldanha (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Não concordamos com posições falsamente populistas que conduziriam a soluções neo-liberais de especulação fundiária, em prejuízo dos moradores que já foram vítimas, ao serem enviados para ali sem outra hipótese, e que se pretende que continuem na mesma situação.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Inscreveu-se, para exercer o direito regimental de defesa da honra da sua bancada, o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.
Para esse efeito, tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Joaquim Matias proferiu afirmações graves e inverdadeiras.
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado Joaquim Matias, que o Partido Popular não defende soluções populistas, fáceis. A solução populista, supostamente populista, e fácil é aquela que os senhores têm defendido, a que atirou com alguns proprietários para o gueto e que os mantém na categoria de cidadãos de segunda. São estas as soluções que o Partido Comunista tem vindo a praticar e que agora quer vir aqui aligeirar quanto a alguns aspectos, porventura porque ainda lhe falta «guetizar» mais uns quantos portugueses que aí residem e que querem ser, efectivamente, portugueses de primeira, como o senhor diz mas não pratica.
Sr. Deputado, aquilo que o Partido Popular defende é uma coisa muito simples: não queremos legalizar tudo, queremos legalizar o que pode ser legalizado mas, sobretudo, atribuir a responsabilidade aos principais responsáveis pela situação em que essas pessoas vivem. E se aquelas pessoas vivem ali foi por força das contingências...
O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - É verdade!
O Orador: - ... que foram criadas pelo Estado, pela administração central e também pela administração local que, há anos sem fio, tem vindo ali a praticar uma gestão com os resultados que estão à vista.
Se este problema não está resolvido desde 1976 é porque quem governou as autarquias e o País desde 1976 não foi capaz de o resolver. E nisso os senhores não têm «meia culpa», têm quase a culpa inteira!
O Sr. João Amaral (PCP): - Incluindo o CDS-PP!
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.
O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, como se prova pela intervenção do Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, não ofendi a honra do Sr. Deputado.
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De qualquer modo, quero reafirmar ao Sr. Deputado Ribeiro da Costa e a toda a Assembleia que estamos aqui empenhados numa discussão séria e profícua...
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - ... que conduza à melhor solução para um problema que é real, que existe, que vária legislação, ao longo dos tempos, antes e depois do 25 de Abril, não conseguiu resolver e para o qual a Lei n.º 91/95, que resultou da nossa iniciativa com o consenso de todo o Plenário - foi assim que a quisemos trabalhar -, deu importantes contribuições, mas que, ao fim destes quatro anos, importa aperfeiçoar num sentido construtivo.
É essa a nossa disposição, que afirmamos e reiteramos. Não queremos entrar em polémicas que não contribuem para a resolução do problema,...
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: -... antes, contribuem para o confundir.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Casimiro Ramos.
O Sr. Casimiro Ramos (PS): - Sr. Presidente, antes de formular o meu pedido de esclarecimentos ao Sr. Deputado Joaquim Matias, gostaria de alertar a Câmara para o facto de que a matéria em análise, eventualmente mais do que uma questão político-partidária, é uma questão de construção de um edifício jurídico que sustente a regulamentação de um problema que existe há muito tempo e que se pretende regulamentar, através da criação de uma lei excepcional. Isto torna o debate, como diz o Sr. Deputado Joaquim Matias, e com razão, bastante sério, pois devemos hoje iniciar um processo que conduza a que, depois, em especialidade, possa ser aprofundado e melhorado.
Nesse sentido, quero colocar algumas questões ao Sr. Deputado Joaquim Matias.
O Sr. Deputado começou por referir que, efectivamente, defendia uma questão de princípio, que era a de não introdução de medidas populistas, o que me parece bastante correcto. Assim, e para retirar essa impressão com que poderia ficar do vosso projecto, gostaria que apresentasse uma argumentação que sustentasse a ideia relacionada com a possibilidade de se alterarem os PMOT, através de deliberação da assembleia municipal, quando os PMOT, como sabe, são aprovados em Conselho de Ministros. É que o vosso projecto, assim como está, e numa primeira leitura, permite-nos interpretar que essa deliberação seria nula e não produziria efeitos.
Portanto, gostaria que precisasse esse aspecto, embora, neste debate, devêssemos evitar ao máximo entrar em muitas questões de detalhe, apesar de ser bom começarmos a pensar nelas para que, em sede de especialidade, as possamos aprofundar.
Por último, relativamente ao vosso projecto de lei, gostaria também de colocar uma questão relacionada com o prazo de vigência, que, na nossa opinião, parece reduzido, em princípio, tendo em vista todo o processo que se pretende desenvolver, e com o facto de ele estar estipulado em função da criação da comissão de administração.
Ora, como sabe, Sr. Deputado, tendo em conta a lei actual, relativamente à qual nem o PCP nem o PS apresentaram alterações quanto à iniciativa municipal para se proceder ao processo de reconversão, se houver iniciativa municipal pode não haver comissão de administração. Sendo assim, como é que é contado o prazo? Embora talvez possamos aprofundar esta questão noutra sede, trata-se de uma preocupação que já temos neste momento relativamente ao vosso projecto.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.
O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Casimiro Ramos, relativamente aos planos de ordenamento do território, trata-se, de facto, de uma matéria que pode ser vista na especialidade com cuidado, sendo certo que defendemos que os princípios gerais de ordenamento do território, como sejam as RAN e as REN, devem ser inteiramente respeitados, admitindo-se, naturalmente, situações de diferenciação de ocupação relativamente aos PDM, mas a serem vistas pela situação de excepcionalidade que estes planos têm de ter.
De qualquer modo, todas estas questões devem ser respeitadas, antes de mais em virtude da defesa do meio ambiente, da defesa de solos agrícolas e da defesa da segurança das populações, porque, como sabe, há algumas construções em leitos de cheias, em falhas sísmicas, etc., que não podem ser admitidas, e essas estão contempladas nos PMOT e têm de ser respeitadas.
Naturalmente, a forma de concretizar estas soluções é uma questão para debatermos em sede de especialidade.
Quanto aos prazos de vigência, se leu o nosso projecto, entendemos que um problema fundamental que existe agora são os entraves colocados nas conservatórias e nos notariados para a divisão da coisa comum e para o registo. Em nosso entender, algumas conservatórias estão a exigir, de forma incorrecta, com o registo do alvará, o registo de cada uma das parcelas em simultâneo, o que provoca, digamos, quase a impossibilidade prática de o fazer, além de que existe também uma desnecessidade no uso deste processo que até poderia conduzir a um impedimento e a uma atrofia destes serviços.
Ora, quando propomos a data de 2002, propomos que seja válida para as comissões que já estão constituídas. Isto é, as comissões já estão constituídas, os processos estão em andamento e podem continuar a sua legalização ao longo do tempo, mesmo a partir de 2002, sendo que esta é a data definida para o fim do processo de constituição de comissões de administração. Não vamos dizer que no dia tal tem de estar tudo legalizado e tudo feito mas, sim, que no dia tal todos os processos têm de estar em andamento.
Mas, como depreenderá, trata-se de questões que, na especialidade, podem ser acertadas e discutidas em porme-
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nor até com os intervenientes no local, que têm dado opiniões bastante positivas sobre esta matéria.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.
O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate de hoje é sobre o direito constitucional de todos os cidadãos a uma habitação condigna, sobre a demissão do Estado e de algumas autarquias na consagração desse direito e sobre o aproveitamento por uns quantos, de forma socialmente criminosa, da necessidade de habitação de muitos milhares de portugueses.
Posta assim a questão, importa recordar, ainda que brevemente, o que não foi feito e, sobretudo, o que foi mal feito para garantir o direito de que falei.
A primeira abordagem legislativa feita após o 25 de Abril traduziu-se na publicação do Decreto-Lei n.º 804/76, de 6 de Novembro. Nos termos deste diploma as áreas de construção clandestina poderiam ter uma de três sortes: ou eram legalizadas ou se optava pela sua manutenção temporária ou se ordenava a sua mais ou menos imediata demolição.
A opção por cada uma das três soluções estava condicionada pela verificação de determinados requisitos, mas, de qualquer forma, impendia sobre a Administração Pública o dever de intervir.
A verdade é que, em 19 anos de vigência, a administração local e a administração central não lograram pôr fim aos clandestinos e, pior do que isso, assistiram impávidas ao aparecimento de novos loteamentos.
Convém não esquecer, por razões que adiante exporei, que pouco antes da publicação do Decreto-Lei n.º 804/76 já o Governo havia instituído um regime de repressão dos loteamentos clandestinos, dotando a administração local e a administração central de meios para impedir aquela actividade e punir quem a ela se dedicasse.
Mais tarde, a Lei n.º 91/95 veio representar uma completa viragem na filosofia e na estratégia para atacar o fenómeno dos loteamentos clandestinos. Pode dizer-se que este diploma veio consagrar o endosso aos directamente interessados - os proprietários e comproprietários dos lotes clandestinos - dos meios para a resolução de um problema pelo qual eram apenas parcialmente responsáveis.
Foi, a bem dizer, a aplicação do princípio «menos Estado, melhor Estado», embora, na prática, se tivesse revelado em «menos Estado e pior Estado».
O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - É certo que a Lei n.º 91/95 foi aprovada por unanimidade e, à data, daria para questionar que razões levaram partidos insuspeitos de adesão às teses liberais a apoiarem uma solução inegavelmente fundada na menor intervenção do Estado.
Decorridos quatro anos, o que hoje se questiona são as razões por que apenas o Partido Popular propõe alterações de filosofia e de estratégia e todos os demais se limitam a fazer meros ajustamentos.
Bem... Quanto ao PSD, continua agarrado às soluções do seu passado e ainda não logrou libertar-se desse «espartilho».
Quanto ao PCP, a actual lei serve integralmente os seus intentos, embora estes tenham vindo, nos últimos tempos, a ser rechaçados nos tribunais.
Quanto ao PS, a sua prática de nada decidir a de remeter para outrem esse encargo encaixa perfeitamente nos parâmetros do actual regime jurídico.
O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Por último, o Partido Popular assume, sem tibiezas, mas também sem qualquer dramatismo, que a solução que apoiou em 1995 se veio a revelar inadequada à resolução dos problemas que visava enfrentar, permissiva à pratica de atentados aos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos,, socialmente injusta e politicamente desresponsabilizadora de quem mais responsabilidades tem nesta matéria.
Por isso, constatámos o erro e, por isso, propomos uma nova estratégia.
Mas vamos aos erros.
Desde logo, o actual regime não exige uma maioria qualificada para a eleição da comissão de administração mas já a exige para a sua destituição, o que, a par das demais exigências, tem permitido que algumas destas entidades enveredem pela via do abuso mas fiquem a coberto da dificuldade que representa destituí-las.
Ainda no domínio dos requisitos formais das deliberações, não podemos deixar em claro a dispensa de maioria qualificada em decisões que contendem com o direito constitucional à propriedade privada. O mesmo se dirá do regime de divisão de coisa comum por acordo de uso, que, afastando a disciplina prevista no Código Civil, mais não representa do que a consagração de duas classes de comproprietários: os que não se sentirão lesados com o acordo de divisão - e que, por isso, não terão dificuldade em subscrevê-lo - e os que, sentindo-se lesados e, por isso, não o votando, apenas terão de o acatar sem protesto nem remédio.
Em quarto lugar, defrontamo-nos com a falta de mecanismos que assegurem eficazmente a equidade no cálculo e na cobrança dos encargos que recaem sobre os interessados, bem como a transparência na adjudicação das obras e na gestão das receitas.
Em suma, o actual regime de reconversão, na modalidade de operação de loteamento da iniciativa dos proprietários, traduz-se na demissão dos poderes públicos dos deveres que lhes estão cometidos, mediante a «privatização» desses mesmos deveres, sem que fiquem assegurados os direitos das minorias, dos discordantes e, pior, dos economicamente incapazes.
Para quem é sempre tão cioso do exercício público dos poderes públicos, este exercício privado desses poderes só pode trazer algo na «manga».
Mas se nos voltarmos para a modalidade em que a reconversão é da iniciativa do município também as incongruências e, por isso, as criticas são múltiplas, a menor das quais não será, por certo, a que respeita à exigência de pagamento antecipado de encargos, ao abrigo de um regulamento
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administrativo - o plano de pormenor - que ainda não possui qualquer eficácia por falta de aprovação e eventual ratificação.
Por último, a Lei n.º 91/95 parece esquecer que também a administração central tem uma importante quota-parte de responsabilidade no surgimento dos clandestinos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Face às críticas que acabei de enunciar, o Partido Popular entende que Estado, poder local e proprietários devem assumir, cada um, a sua responsabilidade.
O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): -Muito bem!
O Orador: - Desde logo, o Estado, até porque convém lembrar que quem mora num bairro clandestino apenas lá mora porque o Estado não soube assegurar um conjunto de direitos fundamentais dos cidadãos, quais sejam o direito à habitação condigna e o direito à qualidade de vida decorrente de um correcto ordenamento do território.
Essa responsabilidade traduz-se, no projecto de lei em apreço, na equiparação fiscal dos encargos com o processo de reconversão aos encargos com a aquisição de habitação própria e traduz-se ainda na possibilidade de o Estado financiar, através da celebração de contratos-programa, o processo de reconversão.
Mas também as câmaras municipais não podem omitir que assistiram impávidas à proliferação dos clandestinos e que estes, ainda antes de reconvertidos, podem já representar fonte de receita.
O processo de reconversão deve, pois, manter-se na esfera das atribuições das autarquias - eventualmente com delegação de competências em empresa municipal -, como única forma de garantir a igualdade de tratamento de todos os interessados, de assegurar a maior transparência na gestão das obras e das verbas que lhes estão afectas e de impedir que terceiras entidades, isentas de fiscalização eficaz, se arroguem detentoras de poderes públicos.
O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): -Muito bem!
O Orador: - Da mesma forma, só as autarquias podem apoiar os agregados familiares afectados pelo processo de reconversão e desprovidos de recursos suficientes para resolverem, por si, a necessidade de uma nova habitação.
Por último, os proprietários, que não podem pretender auferir mais-valias relativamente àqueles outros que optaram, para resolver o seu problema habitacional, por actuar em conformidade com a lei mas que também não são merecedores de tratamento mais desfavorável quando se trata de contabilizar fiscalmente os encargos com a habitação própria.
Afinal, e em resumo, aquilo que propomos é uma simbiose entre as responsabilidades das autarquias locais e dos proprietários no surgimento do fenómeno dos loteamentos clandestinos, as atribuições e competências dos municípios em matéria de ordenamento do território e o dever fundamental do Estado de apoiar as autarquias na implementação de soluções que visem pôr termo ao caos urbanístico que se estende por vastas áreas, sem esquecer o respeito pelos direitos constitucionais à propriedade privada e à habitação.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavrão Sr. Deputado Casimiro Ramos.
O Sr. Casimiro Ramos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, agora percebi por que, há pouco, começou por dizer que o debate seria só entre o PP e o PCP... É que demonstrou, na sua intervenção, que, eventualmente, foram os únicos projectos que, de facto, estudou.
Nesse sentido, gostaria também de abordar o projecto do CDS-PP, nomeadamente as questões que levantou ou os argumentos que apresentou, porque ele é limitador: por um lado, restringe a hipótese de reconversão à iniciativa municipal, quando este processo já tem antecedentes com outro tipo de iniciativa, nomeadamente a administração conjunta ou por particulares - e, ao excluir essa hipótese e colocando só a da iniciativa municipal, também não diz como é que as situações que, hoje, são de administração conjunta passam para a esfera municipal; por outro lado, obriga os proprietários a aderirem, obrigatoriamente, ao processo por iniciativa municipal, violando um direito de propriedade, um direito fundamental, constitucional, que é o de a pessoa optar por outra maneira de resolver o problema.
No entanto, a limitação do projecto está também na forma como é permitida a reconversão, ou seja, restringindo o processo de reconversão exclusivamente ao plano de pormenor, quando o projecto do PS, por exemplo, permite as formas estipuladas no Decreto-Lei n.º 79/90, ou seja, que ele possa ser feito através de revisão do plano de pormenor e, ainda, do plano de urbanização.
Aliás, o projecto do CDS-PP tem um detalhe que não deixa de ser interessante: prevê comparticipações específicas, que limitam a possibilidade, hoje existente no artigo 56.º, de o Governo aplicar outras - e diversas - formas de apoio aos planos de reconversão. Ao mesmo tempo, esse facto pode incidir no aumento de despesa do Orçamento, o que a Assembleia da República não pode aprovar.
Além disso, o projecto do CDS-PP não tem prazo de vigência, ou seja, quando fala, depois, em proliferação das zonas de génese ilegal, ao não dar prazo de vigência para a aplicação da lei, não se percebe bem como é que aplica esse seu critério.
Por último, o CDS-PP, que começou a sua intervenção a falar em «menos Estado, melhor Estado», apresenta um projecto de lei em que só há Estado.
É esta a questão que deixo ficar para que, nesta contradição de princípios, nos explique o seu projecto.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): Parece adepto do Sousa Franco...
Risos.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.
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O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Deputado Casimiro Ramos, quero dizer-lhe que, obviamente, estudei o projecto de lei do PS - aliás, tenho aqui as questões que sobre ele lhe quero colocar; o que farei apenas quando o senhor ou algum outro Deputado do Partido Socialista o apresentar. Cada coisa a seu tempo!
No entanto, o que me parece é que o Sr. Deputado não estudou o projecto de lei do CDS-PP...
Risos do PS.
O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Não o entendeu!
O Orador: - ... ou, então, não entendeu as intenções que nele deixei claras e que tive a oportunidade de aflorar quando pedi esclarecimentos ao Sr. Deputado Joaquim Matias.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Se quiser, tenho aqui um estudo comparativo, que pode ler.
O Orador: - Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, agradeço-lhe mais que me deixe acabar de falar.
Agora, há aqui uma questão de fundo, Sr. Deputado: ao abrigo tanto da Lei n.º 91/95 como de uma «política de lavar as mãos», praticada por algumas autarquias locais,...
O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): -Exactamente!
O Orador: - ... tem havido - e continua a haver - verdadeiros atentados aos direitos de propriedade e aos direitos fundamentais de muitos milhares de cidadãos. Ora, é isso o que o CDS-PP quer que deixe de existir.
Obviamente, os proprietários de loteamentos clandestinos têm de aderir a um qualquer processo de reconversão - há o dever de reconversão -, porque eles também são, em parte, responsáveis por aquilo que lá existe, já que foram eles que construíram. Portanto, esse dever tem de impender sobre todos.
Ora, o que a actual Lei n.º 91/95 faz é dispensar as autarquias locais e o Estado do dever de reconverter - essa é que é a questão -, quando o que o CDS-PP quer é que esse dever de reconversão incida, sobretudo, sobre as autarquias locais e sobre o Estado e o que Partido Comunista quer é o oposto. Aliás, quer até melhorar o oposto, quer alterar o oposto.
Quanto ao Partido Socialista, esse tinha a obrigação de enveredar por um caminho igual ou próximo daquele pelo qual o CDS-PP envereda, tanto mais que o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, como vereador da Câmara Municipal de Sesimbra,...
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Ex-vereador.
O Orador: - ... conhece sobejamente estas situações, pois, com certeza, durante a sua campanha eleitoral para essa Câmara devem ter-lhe andado a bater à porta para reclamar dos abusos cometidos no Pinhal do General por aquelas comissões que por lá pululam e que são tentáculos de outras entidades que não as representativas dos cidadãos!...
Por isso, Sr. Deputado, como é esta a verdadeira questão, é isto o que está aqui em causa. O CDS-PP, embora tendo votado favoravelmente a Lei n.º 91/95, reconhece, hoje, que essa lei se tornou perversa e, portanto, tem de ser alterada - e é isso o que aqui propomos -, mas alterada não pontualmente. Ela tem é de ser «riscada do mapa» para dar lugar a um novo regime, que atribua as responsabilidades a quem efectivamente as tem.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Obviamente, tudo o que o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa disse relativamente à minha pessoa é verdade. Conhecemo-nos há tempo suficiente para isso se passar assim.
No entanto, quero também dizer que é nesse sentido e por esses motivos que pensamos que o nosso projecto será um excelente contributo para, depois de discutido com a Câmara e com os interessados, chegarmos à resolução dos problemas. Mas, melhor do que eu. o meu colega Miguel Coelho irá apresentá-lo.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho.
O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr." e Srs. Deputados: As Áreas Urbanas de Génese Ilegal constituem um fenómeno de loteamento e de construção não licenciada, que começou a ter expressão na década dos anos 60, motivado pela migração de populações à procura de trabalho, que se deslocaram do interior e se concentraram nas áreas metropolitanas e que, a partir da revolução de Abril, com o regresso de milhares de cidadãos portugueses das ex-colónias, com o acentuar do fluxo migratório do interior para as cidades e com a emigração de cidadãos oriundos dos PALOP para o nosso país, também eles à procura de melhores condições de vida, teve um crescimento incontrolável, que acabou por se impor como situação de facto.
Esta concentração de populações à volta das grandes cidades, principalmente nas Áreas Metropolitanas de Lisboa, do Porto e de Setúbal, acentuaram ainda mais a crise no sector da habitação, nomeadamente no mercado de arrendamento, já de si quase incipiente no que se refere à oferta, e atirou esta massa enorme de pessoas para o dito mercado de habitação social, também ele deficiente.
Aumentou, deste modo, a pressão destes cidadãos sobre os governos e as autarquias no sentido da resolução do seu problema da habitação. No entanto, como, obviamente, estas entidades não tiveram capacidade de resposta, isso levou a que estes milhares de pessoas aderissem ao espírito, em voga nesses anos, de agir por conta própria. Porém, estas pessoas não optaram pelas alternativas paralelas que se colocavam no momento: a de construir barracas ou de ocupar habitações devolutas. Por iniciativa própria, aproveitando-se da
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fraca capacidade de fiscalização do Estado e das autarquias, optaram por construir a sua própria habitação.
A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Exactamente!
O Orador: - Este esforço - é justo realçar -, representa também uma sinergia positiva, demonstrativa da capacidade das populações para a resolução dos seus próprios problemas, populações essas, na sua grande maioria, constituídas por gente trabalhadora e produtiva. Nasceram assim as primeiras AUGI, vulgo bairros clandestinos, à volta de concelhos como os de Loures, Vila Franca de Xira, Cascais, Setúbal e muitos outros a norte do País, na Área Metropolitana do Porto.
Mais tarde, já na década de 80, com o progresso económico das populações, começou a surgir um outro tipo de AUGEs, estas já motivadas pela construção de segundas habitações - casas de campo ou de lazer - e já fomentadas também por loteadores e construtores nitidamente a operar com fins lucrativos.
A realidade, porém, é que surgiram milhares de AUGI, bairros clandestinos, que, evidentemente, pela sua própria natureza, trouxeram inúmeros inconvenientes sociais, ambientais e urbanísticos, os quais, logicamente, entraram em contradição não só com os interesses de cada município mas também com os interesses dos cidadãos que construíram dentro da legalidade.
Os factos, porém, eram uma evidência e apontavam no sentido de se procurar tratar esta questão com toda a atenção e sentido da realidade, que era o da existência de cerca de dois milhares de AUGI, envolvendo perto de um milhão de pessoas.
Os partidos políticos, naturalmente alertados para esta realidade, começaram a debruçar-se sobre ela já no final da década de 80 e a tentar procurar soluções, cientes de que essas soluções só poderiam ter vencimento se suscitassem um amplo consenso. Foi assim que surgiu a Lei 91/95, feita do consenso de todas as forças parlamentares representadas na Assembleia da República em 1995 e para a qual quero destacar o extraordinário contributo que o meu camarada, hoje Ministro dos Assuntos Parlamentares, António Costa, deu e, evidentemente, o contributo do PS e dos seus Deputados no prossecução deste objectivo.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem! A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Bem lembrado!
O Orador: - Foi uma lei de consenso de todos os partidos que tinha como objectivo fundamental permitir a reconversão urbanística e a consequente legalização das AUGI e que estabelecia o regime excepcional do processo de reconversão, estabelecendo como terminus para o seu próprio prazo de vigência o próximo dia 31 de Dezembro.
Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados, é para isso que estamos aqui: para, em primeiro lugar, reconhecer o avanço positivo já registado.
Permitam-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que destaque o autêntico papel de vanguarda que as câmaras municipais lideradas pelo Partido Socialista têm tido neste processo de reconversão das AUGI, quer criando condições para que os proprietários se organizem, quer facilitando os trâmites burocráticos - sempre difíceis - deste processo, quer adoptando regras claras de delimitação de responsabilidades entre a autarquia e os cidadãos e, fundamentalmente, cumprindo os acordos estabelecidos com as associações de proprietários. O trabalho desenvolvido nesta questão pelas câmaras do PS está à vista e é por muitos reconhecido.
Há ainda muitos processos em fase de apreciação, há ainda muitas AUGI que não iniciaram, através de requerimento nesse sentido, o seu processo de reconversão. Como disse no relatório que apresentei à 4.3 Comissão, estão ainda por reconverter cerca de 1100 AUGI, que envolvem à volta de 130 000 fogos e uma população estimada em 450 000 pessoas. Portanto, não podemos parar este processo:...
A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!
O Orador: - ... seja na perspectiva do interesse destas pessoas seja na perspectiva do interesse público e da reposição da legalidade, a Lei n.º 91/95, ele tem de ter continuidade.
Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: A nossa proposta de alteração, o projecto de lei n.º 645/VII, propõe, desde logo, que este prazo de excepção para a reconversão das AUGI se prolonguem até 31 de Dezembro de 2004. Julgamos ser este o período conveniente para erradicar o problema.
Por outro lado, reconhecemos que a Lei n.º 91/95, no seu conteúdo geral, é uma boa lei. Apenas necessita de ser alterada no sentido do aproveitamento da experiência da sua própria aplicação.
Srs. Deputados, reunimos com representantes diversos das AUGI, trabalhámos com os nossos autarcas directamente envolvidos e apresentamos agora, naturalmente, propostas de alteração fruto da experiência adquirida, que visam a flexibilização de procedimentos e a clarificação de alguns preceitos técnicos; mantemos a filosofia orientadora, porque mais razoável, da lei original, isto é, que o processo de reconversão possa partir da iniciativa municipal ou da iniciativa dos proprietários e comproprietários; preocupamo-nos em estabelecer regras relativamente à organização financeira da administração conjunta, para que, assim, se possa obter uma maior transparência e eficácia na gestão das AUGI.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Tal como em 1995, o Partido Socialista entende que a nova lei a sair desta Assembleia deve merecer o maior consenso possível. Saudamos a iniciativa dos outros grupos parlamentares que também apresentaram projectos de lei e manifestamos, desde já, a nossa abertura para, em sede de Comissão, trabalharmos na procura das melhores soluções, convictos de que contribuiremos para um Portugal melhor se formos capazes de levar o processo de reconversão das AUGI até ao fim.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.
O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Coelho: Confesso que não compreendo algumas das preocupações do PS na tentativa de
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moralizar a actividade das entidades privadas que gerem alguns processos de reconversão. Agora, certas soluções que os senhores expressam no vosso projecto representam mesmo um retrocesso relativamente à Lei n.º 91/95, salvo melhor opinião.
A primeira delas tem logo a ver com a alteração que propõem ao n.º 2 do artigo 33.º, que não prevê a possibilidade de substituição da hipoteca legal como forma de garantia do pagamento dos encargos. Como sabe, hoje, para garantir o pagamento dos encargos que sobre si recaem, o proprietário ou o comproprietário pode constituir a hipoteca legal ou pode dar outro tipo de garantia. Ora, a vossa redacção alternativa não prevê esta possibilidade de substituição, o que é, de facto, um retrocesso relativamente ao artigo 33.º da Lei n.º 91/95.
A minha segunda dúvida vai para a uma alteração que o PS propõe e que é também perigosa. É que no n.º 2 do artigo 45.º referem-se apenas ao domínio municipal e, ao não referirem que esse domínio municipal é o domínio público municipal, permitem que as câmaras integrem os terrenos que recebem a título de cedência no seu domínio privado. Ora, nós já sabemos o que, muitas vezes, as câmaras fazem com os terrenos que são integrados no seu domínio privado: destinam-nos a bombas de gasolina, a permutas e a múltiplos fins que não os que lhe são próprios, ou seja, a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos que vivem naquelas áreas urbanas de génese ilegal então reconvertidas.
Portanto, se bem entendo, as alterações que o Partido Socialista aqui propõe podem enfermar destes vícios ou desta perversidade e, por isso, gostaria que me esclarecesse.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho.
O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, obrigado pela sua pergunta.
Devo dizer-lhe, em primeiro lugar e em jeito de comentário à sua observação de que o nosso projecto é um retrocesso,...
O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Naquele ponto.
O Orador: -Ah, naquele ponto! É que eu ia já dizer-lhe que, nesta matéria, o Partido Socialista - e não seria caso de estar agora aqui a referi-lo - tem talvez, no âmbito municipal, a maior taxa de trabalho a nível da reconversão de AUGI's. E, se tiver alguma atenção, verificará que, popularmente, não consta qualquer espécie de reivindicação associativa em relação às autarquias lideradas pelo Partido Socialista.
O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - É verdade»
O Orador: - Mas também devo dizer-lhe que nós entendemos que, pelo contrário, este nosso projecto é de melhoria, é um projecto de avanço em relação à lei inicial, cuja aplicação - e isso acontece com todas as leis - veio a revelar alguns inconvenientes e alguma dificuldade burocrática nos seus trâmites. Ora, como isso nós preocupa seriamente, estamos dispostos a trabalhar com o CDS-PP, em sede de especialidade, para encontrarmos as melhores soluções, porque, evidentemente, o que nós queremos - e digo-o com toda a sinceridade - é resolver o problema das pessoas, mas resolvê-los com responsabilidade, resolver sem prejudicar quem está ao lado, resolver tendo em conta os problemas ambientais!...
Portanto, como é evidente, esta é uma lei boa, é uma lei que vai ser melhorada, não só com o contributo do nosso projecto mas também, seguramente, com o contributo de todos os outros projectos, entre eles o do CDS-PP.
Quanto às perguntas concretas que pôs em relação à questão da hipoteca, devo dizer-lhe que isso só é aplicável a quem não tem título de propriedade - há situações dessas - e devo dizer-lhe também que, seguramente, não leu bem o nosso articulado, porque no n.º 2 do artigo 45.º está claramente definido, o domínio público municipal. Mas isso é sinal de que o Sr. Deputado não apreciou bem os projectos em questão e também eu, tal como já o fez o meu camarada Joel Hasse Ferreira, estou disposto a entregar-lhe um trabalho que realizámos, comparativo de todos os projectos apresentados, salvo o do PSD, porque nesta altura ainda não se linha lembrado de apresentar um projecto de lei.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.
O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O PSD apresentou o projecto de lei n.º 633/VII, de alteração à Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, sobre as Áreas Urbanas de Génese Ilegal, que está hoje em discussão conjuntamente com diplomas do PS, do CDS/PP e do PCP.
Na exposição de motivos do nosso diploma fomos directos ao problema que está em questão, daí que faça sentido relê-lo: «O problema da construção clandestina em loteamentos ilegais é, infelizmente, uma realidade antiga e que se agravou substancialmente com o efeito polarizador exercido pelas grandes urbes ou cidades, na sequência de transformações económicas e sociais aceleradas e que, devido a uma nítida incapacidade de reacção atempada ao fenómeno ou mesmo a alguma complacência imatura por parte das autoridades central e locais com responsabilidades na matéria, propiciou o aparecimento destes aglomerados desregrados, em desrespeito pela legislação vigente.
Empreenderam-se, nos últimos 10 anos, esforços significativos no reordenamento do território, dotando-o de instrumentos de ordenamento adequados ao desenvolvimento do País e projectos de futuro, de onde se destacam os Planos do Ordenamento do Território e, de entre estes, os planos regionais e os planos municipais, os PMOT, os planos directores municipais e os planos de pormenor.
O mercado habitacional iniciou um período de grande transformação com a falência do mecanismo do arrendamento, perante a impotência das autoridades de resolver o problema, tendo o Estado passado por fases de promoção directa de habitação mas, essencialmente, por apoios à aquisição, enquanto a questão dos solos e construções clandestinas proliferava, em alguns casos envolvendo já segundas habitações.
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Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em 1993, o Governo arrancou com um projecto de erradicação das habitações precárias existentes nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto até ao ano 2000, comprometendo-se a obter e aplicar os montantes que viessem a revelar-se necessários para o programa, exigindo apenas um rigoroso levantamento prévio da situação por parte das autarquias, identificação e caracterização da realidade presente, anunciando o fim da complacência para com o desleixo no acompanhamento local destas situações. O programa, que ficou designado por PER (Programa Especial de Realojamento) e ainda decorre, beneficiou de condições financeiras excepcionais de apoio às autarquias das referidas Áreas Metropolitanas, que aderiram de forma generalizada e responsável.
Em 1995, em consenso, é aprovada uma lei na Assembleia da República para vigorar até final do corrente ano de 1999, que, ultrapassando o restrito âmbito dos loteamentos ilegais, tenta trazer alguma ordem àquilo que se entendeu designar por AUGI (Áreas Urbanas de Génese Ilegal) e que aglutinam casos de diversos contornos e complexidades distintas, cuja solução global se vinha revelando excepcionalmente complicada de encontrar.
Pese embora a existência de alguns êxitos pontuais, a intrínseca complexidade do problema e a expressividade e variedade do número de casos abrangidos associada, a dificuldade de enquadrar os representantes daqueles proprietários que, segundo é referido, envolveriam cerca de 135 000 habitações, comprometeram o sucesso da solução então encontrada.
Pela necessidade de travar abusos, aumentar a transparência de processos e favorecer a igualdade dos cidadãos perante a lei, deve procurar-se tornar mais eficaz a solução inicialmente preconizada pelo equilíbrio e bondade que nortearam a sua apresentação, sem prejuízo de, juntamente com um alargamento do prazo, melhorar as condições para o seu bom êxito, o que não poderá ser feito sem o empenhamento de quem é responsável pelo planeamento e gestão territorial no local, ou seja, as autarquias locais.
A um maior envolvimento das autarquias no acompanhamento local destas situações, com um aumento de poder para arbitrar junto das pouco ortodoxas comissões de cidadãos constituídas - não todas, é preciso salvaguardar -, deverão corresponder um acesso facilitado das autarquias aos apoios à infra-estruturação de terrenos, tendo por modelo as condições aplicadas ao PER.
Se o nosso diploma for aprovado, o Governo estudará, através dos organismos que tutela, a possibilidade e a forma de apoiar financeiramente as autarquias nos casos em que tenha efectivo envolvimento na infra-estruturação destas áreas, por recurso a programas como o URBAN, Renovação Urbana ou linhas de crédito do INH e outras entidades a designar, que deverão estar operacionais e disponíveis a partir do início do próximo ano civil.
Também aos cidadãos deverá ser garantida a possibilidade de abater anualmente as entregas de verbas, em moldes idênticos aos consagrados para as aquisições de habitação, benefícios a incluir já no próximo Orçamento».
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Na opinião do PSD, este problema tem vindo a arrastar-se há longo tempo e as soluções preconizadas pela Lei n.º 91/95 são limitadas para atingir o objectivo pretendido.
Não pode haver portugueses de 1.ª ou de 2.ª ordem! É importante que a Assembleia da República consiga aprovar uma lei que permita dar uma solução a este problema, de uma forma equilibrada e no respeito por instrumentos de ordenamento do território eficazes.
Aplausos do PSD.
O ST. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Casimiro Ramos.
O Sr. Casimiro Ramos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, no seu essencial, o projecto de lei apresentado pelo PSD nesta matéria tem uma preocupação com a questão da transparência do funcionamento da administração conjunta, tratando de permitir que, na assembleia de proprietários, tenham presença representantes das juntas de freguesia e da câmara municipal e, depois, a criação de uma comissão de fiscalização.
Como intenção, a criação de uma comissão de fiscalização é, para nós, pertinente, porque, como está a lei, neste momento, as funções de fiscalização competem exclusivamente à assembleia, pelo que, de facto, se pode estudar a hipótese de criar uma comissão de fiscalização, um conselho fiscal ou algo desta natureza.
Neste momento, temos, contudo, alguma apreensão quanto ao facto de as pessoas, nomeadamente os representantes das juntas de freguesia e da câmara municipal, que têm lugar na comissão de fiscalização terem também lugar na assembleia de proprietários, pois iriam fiscalizar deliberações que eles próprios tinham votado.
E é aí que entra a questão que eu quero colocar, ou seja, a questão do voto destas pessoas na assembleia de proprietários. Os representantes das juntas de freguesia e de câmaras municipais, caso isso acontecesse, poderiam deliberar sobre questões como o acordo de divisão de coisa comum, isto é, tomando deliberação em actos relativos a bens dos quais não são proprietários. Portanto, poderiam colaborar na tomada de uma decisão em que violariam o direito dos proprietários porque, pelo facto de serem proprietários, teriam assento na assembleia de proprietários. A questão que eu gostaria de colocar é a de saber como é que argumenta o direito de voto dado a estes representantes, se o caso acontecesse.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.
O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, a sua pergunta é pertinente e vale a pena esclarecê-la.
Em primeiro lugar, o problema aqui presente tem a ver com a queixa de inúmeros proprietários em relação ao funcionamento de muitas comissões ou associações que, em princípio, os deveriam representar para infra-estruturar a área abrangida, nomeadamente essa AUGI, que têm encontrado
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dificuldades imensas, chegando, inclusive, em alguns casos, a queixar-se de perseguições.
Também é preciso encontrar várias soluções, sendo a primeira a de assegurar que as decisões tomadas possam ser partilhadas com a câmara municipal, nomeadamente se tiverem contornos financeiros da sua responsabilidade. Portanto, a representação que se pretende ter da câmara é para assegurar um contacto permanente e uma permuta de informação e que as partes que estejam a estudar um problema saibam exactamente o que está a ser decidido. Daí obrigar a essa
coresponsabilidade da câmara municipal pela solução que se procura encontrar. E isto de uma forma expedita, que é também algo que queríamos encontrar, porque a forma encontrada pela Lei n.º 91/95 tornou-se, a nosso ver, pouco expedita.
Procuramos, pois, salvaguardar vários aspectos: a transparência, que o processo de decisão seja expedito e que a partilha de responsabilidades com a câmara municipal seja feita em todos os momentos e não a posteriori. A questão que aqui se coloca é a de que, se for a posteriori, pode perder-se um ano ou mais neste tipo de procedimentos.
Gostaríamos também que fosse assegurada, por parte da administração central, uma comparticipação financeira às autarquias locais, que assumem também, elas próprias, uma percentagem, a discutir, na infra-estruturação dos terrenos dos loteamentos a reconverter.
Desta forma, o que está aqui em causa é um processo que tem de ser partilhado desde o primeiro momento e não só em algumas fases desse momento - se for só em algumas fases, já se tem a prova do passado de que não é possível fazer as coisas bem feitas. Há demasiadas partes, demasiados proprietários, demasiados problemas e as circunstâncias são todas muito diferentes. Por isso, é esta a nossa solução para contribuir para a resolução do problema.
Naturalmente, em sede de especialidade, se o nosso diploma passar, estaremos abertos a qualquer aspecto de natureza jurídica que possa ser suscitado, como o que há pouco referiu. Estaremos, pois, disponíveis para o observar e analisar, mas o que queremos é que seja conseguida mais transparência, mais celeridade e mais capacidade financeira para a resolução deste problema, pois, de outra forma, é impossível. As bondados desta solução têm de ser conseguidas no «bom», porque procurar o «óptimo», neste assunto, seria, se calhar, tomar impossível essa resolução.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: No final deste debate, tendo o Grupo Parlamentar de Os Verdes sido o único grupo parlamentar que optou por não apresentar um projecto de lei nesta matéria, eu gostaria de sublinhar a importância de que se reveste o objectivo de reconversão das Áreas Urbanas de Génese Ilegal.
Todos conhecemos, e já foram referidas ao longo deste debate, as razões que estiveram na origem, na década de 60, de uma explosão demográfica e de uma concentração à volta das grandes cidades, particularmente nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, e que geraram estes processos de concentração de população nestas zonas e, precisamente pela não resposta do ponto de vista da habitação, a criação de bairros desta natureza. Todos compreendemos os esforços que têm sido feitos, ao longo do tempo, no sentido de, gradualmente, fazer a recuperação destas zonas, a qual é importante, em primeiro lugar, do ponto de vista dos cidadãos e do seu direito a serem cidadãos de Ia, numa óptica de não discriminação que é importante valorizar, e, em segundo lugar, do ponto de vista do ambiente e da qualidade de vida, de que estas populações estão, neste momento, de algum modo, carenciadas.
Parece-me que esta é uma das matérias em relação às quais é importante estabelecer um consenso alargado e o maior denominador comum - e julgo que é esse, maioritariamente, o espírito que se tem manifestado ao longo deste debate -, o que permitirá, em sede de especialidade, aprofundando e melhorando a Lei n.º 91/95, moldar um projecto que corresponda ao que se quer, ou seja, resolver de forma mais célere o processo burocrático de reabilitação destas áreas.
Gostaria também de referir, porque me parece importante esse registo ser feito, para ser tido em conta na especialidade, duas preocupações que existem para nós. Os Verdes. Por um lado, é importante que este processo não seja aproveitado para desvirtuar ou adulterar aqueles que são já hoje instrumentos importantes de ordenamento do território, designadamente os planos directores municipais. Por outro lado, julgo que temos de ter consciência que este processo, a ser concretizado, irá fazer com que todos nós (julgo que não é um problema de alguém em concreto, nem da autarquia .4, B ou O tenhamos ainda de dar resposta, no futuro, a um problema que permanece e que fica à margem destes processos, ou seja, o de todas aquelas zonas que não são passíveis de ser legalizadas. Refiro-me, em concreto, àquelas em que essa legalização não é possível do ponto de vista do ordenamento do território, por serem zonas de risco do ponto de vista da instabilidade geológica (zonas que ocupam leitos de cheias, que não estão consolidadas do ponto de vista geológico), por serem zonas de REN ou de RAN (há bairros que ocupam reservas naturais, como acontece à volta de Lisboa e, provavelmente, noutras zonas do País).
Para concluir, gostaria de dizer que é importante ter em conta que há ainda uma fatia de pessoas que vive nesses bairros que não fica, em definitivo, abrangida por esta solução, para a qual importa encontrar uma solução, seja essa solução um PER específico, seja aquilo que lhe quisermos chamar. Essas são, pois, zonas que carecem de resolução, que, num outro momento, teremos de discutir, equacionar e tentar alcançar.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, está concluído o debate, na generalidade, destes projectos de lei. A votação terá lugar amanhã, quinta-feira, à hora regimental.
Passamos ao ponto seguinte da nossa ordem de trabalhos de hoje, que consta da apreciação, na generalidade, da
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proposta de lei n.º 252/VII - Aprova o Código das Expropriações.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território para proceder à sua apresentação.
O Sr. Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território (José Augusto Carvalho): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A expropriação constitui manifestação do poder administrativo, ingerente no direito de propriedade dos administrados.
Contudo, para além de se conformar com os princípios constitucionais, o procedimento expropriativo tem de respeitar os princípios reguladores da actividade administrativa enunciados na lei fundamental.
Da análise do enquadramento jurídico actual do procedimento expropriativo, ressalta a necessidade da sua alteração no sentido de promover a maior eficácia na prossecução do interesse público subjacente a este instituto e prosseguir no reforço das garantias dos expropriados.
O reforço das garantias dos expropriados é um objectivo fundamental presente nesta proposta, visando tornar o mais efectivo possível o sistema garantístico dos direitos fundamentais contido na nossa Constituição.
Vejamos, então, alguns dos objectivos que nortearam a presente proposta de alteração do Código das Expropriações: primeiro, simplificação e celeridade do procedimento administrativo; segundo, reforço das garantias dos expropriados;
terceiro, clarificação das regras reguladoras do cálculo da justa indemnização.
Quanto à simplificação e celeridade do procedimento administrativo da expropriação e do processo judicial, direi que o procedimento administrativo que antecede a declaração de utilidade pública (DUP) é actualmente complexo e moroso, alterando-se com este diploma radicalmente esta situação.
Por outro lado, na mesma linha de competência, atribui-se competência às assembleias municipais para a declaração de utilidade publica de expropriações de iniciativa da administração local autárquica em determinadas condições.
Outra importante 'alteração respeita aos procedimentos preliminares da posse administrativa, onde, ao invés do que sucede actualmente, se regulamentou o conteúdo do auto de vistoria nas suas linhas mestras aperfeiçoando-se assim o procedimento.
Refere-se, ainda, nesta matéria a atribuição de indemnização ao expropriado nos casos em que não seja cumprido o programa de trabalhos que justificou a atribuição da posse administrativa.
Outra importante alteração dos procedimentos respeita às expropriações parciais. No Código em vigor o direito de pedir a expropriação total não estava devidamente assegurado, dado o curtíssimo prazo de que o expropriado dispunha para o apresentar, e na presente proposta esta solução foi alterada, sendo possível obter esse objectivo.
Relativamente ao aperfeiçoamento e clarificação das normas reguladoras do processo judicial cumpre salientar as seguintes medidas: definem-se critérios claros e justos para a fixação do valor do processo na sua relação com as alçadas dos tribunais; acolhe-se a mais recente jurisprudência relativa aos recursos possíveis em matéria de fixação do valor da indemnização; acelera-se o prazo para a decisão judicial de primeira instância, passando o mesmo de três meses para 30 dias.
Quanto ao reforço das garantias dos expropriados, o Código ainda em vigor não assegura devidamente alguns direitos. Assim, no domínio do direito à informação, prevê-se que certos actos sejam comunicados, e cito alguns: decisão de requerer a DUP; despacho de adjudicação, que, para além da decisão arbitrai, passa a compreender os documentos a esta anexos, o montante do depósito efectuado e a faculdade de recorrer da decisão dos árbitros.
Ponto fulcral da proposta é o estabelecimento das medidas necessárias para assegurar o funcionamento dos princípios da paridade temporal, o mesmo é dizer que o Código reforça e esclarece o direito de o expropriado e demais interessados receberem não só a parte não controvertida da indemnização, mas também aquela sobre a qual subsista litígio, esta, naturalmente, a título provisório. Este sistema é complementado pela ampliação da responsabilidade do Estado, que passa a responder, subsidiariamente, pelo pagamento da justa indemnização.
A proposta de lei introduz, ainda, importantes alterações em matéria de reversão dos bens expropriados, sendo o prazo para o exercício do direito de reversão aumentado de dois para três anos.
No que respeita ao reforço das garantias jurisdicionais dos expropriados há que referir as seguintes inovações: passa a permitir-se a reclamação contra todas as irregularidades, alargando-se o respectivo prazo; prevê-se o pagamento de juros moratórios; fixa-se um incidente expedito, de natureza executiva, permitindo-se que o juiz determine, no próprio processo, todas as diligências e medidas necessárias para satisfazer o direito do expropriado de receber ajusta indemnização.
Quanto à clarificação das regras reguladoras do cálculo da justa indemnização, no tocante às servidões administrativas, o presente diploma acolheu o juízo de inconstitucionalidade da norma que determina que as servidões fixadas directamente por lei não dão lugar a indemnização, definindo-se que as servidões dão lugar a indemnização sejam elas fixadas por lei ou por acto administrativo.
As regras fixadas no actual Código têm suscitado muitas dúvidas de interpretação, conduzindo, em alguns casos, a montantes indemnizatórios reduzidos e, noutros, e maioritariamente, a montantes indemnizatórios superiores aos valores reais de mercado.
Assim, no artigo 22.º, define-se genericamente ajusta indemnização, identificando-a com o valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal à data da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes naquela data, expurgado das mais-valias que devem ser contabilizadas atento o princípio da igualdade de encargos dos expropriados e não expropriados.
No que se refere ao cálculo do valor do solo para a construção, determina-se que o mesmo deverá corresponder ao resultado da média aritmética actualizada entre os preços unitários de aquisições ou avaliações fiscais efectuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três últimos anos, com a média anual mais elevada, relativamente a prédi-
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os análogos, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial, corrigido por ponderação da envolvente urbana do bem expropriado.
O critério essencial proposto é o do preço unitário das aquisições ou avaliações fiscais de prédios análogos efectuadas na mesma freguesia e em freguesias vizinhas. Trata-se de um método de cálculo baseado em critérios objectivos e na transparência do valor de mercado.
Quando, por, falta de elementos, não se revele possível a aplicação deste critério, o valor será calculado em função do custo de construção, o qual deverá corresponder, num aproveitamento economicamente normal, a um máximo de 15% do custo da construção, tendo em consideração a sua localização, a qualidade ambiental e os equipamentos existentes na zona. podendo ser acrescido até 25% com a variação que se mostrar justificada, atentas as infra-estruturas existentes.
O critério de cálculo do valor dos solos aptos para outros fins é igualmente reformulado.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, consagram-se, com carácter inovador, outras alterações importantes, das quais me cumpre realçar: consagração de princípios gerais reguladores da actuação das entidades expropriantes e demais intervenientes no processo expropriativo; regulamentação das especialidades da expropriação de bens móveis; regulamentação inovadora das especialidades da aplicação subsidiária do processo de expropriação nos casos previstos em lei especial e, em particular, no caso de não aceitação do preço convencionado no âmbito do exercício do direito legal de preferência.
Estabelece-se também, inovadoramente, a regulamentação das expropriações dos bens dos participantes que se recusem a outorgar qualquer acto ou contrato previsto no regime jurídico das Áreas de Desenvolvimento Urbano Prioritário e das Áreas de Construção Prioritária, ficando dispensada a declaração de utilidade pública de modo a que os expropriados, no que toca à indemnização, fiquem em posição idêntica à dos demais participantes.
Entendeu-se conveniente a extensão deste regime às expropriações previstas nos n.ºs l e 5 do artigo 48.º da Lei dos Solos.
Cumpre-me, ainda, salientar, finalmente, a regulamentação estabelecida para o cálculo do valor da indemnização para áreas ocupadas com construções não licenciadas, estabelecendo-se que a indemnização devida é regulada por forma a abater no valor das construções o custo estimado das demolições e dos desalojamentos necessários para o efeito.
Enfim, Sr. Presidente, Srs. Deputados, boas e suficientes razões para submeter a presente proposta de lei à consideração de VV. Ex.ªs.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Brochado Pedras.
O Sr. António Brochado Pedras (CDS-PP): - Sr. Secretário de Estado, vamos ser francos: o Governo trouxe aqui esta proposta de lei não por outra coisa que não fosse por ter entendido que estava a pagar preços elevados pelas expropriações.
O Sr. Silvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - O Governo alegou que se foi de «oito para oitenta» e, entretanto, apareceu pelo meio a Associação Nacional dos Municípios Portugueses a bradar que também queria a revisão do Código das Expropriações. Daí, o Governo aproveitou a boleia, passou por não ser ele o mentor desta reforma, e toca a alterar aquilo que, embora pudesse precisar de qualquer actualização, não careceria de ser reformulado em novo Código.º
Mas, Sr. Secretário de Estado, julgo que o Código agora proposto pelo Governo é um autêntico monumento de reserva mental, é um exercício de hipocrisia pura. Não acredito que V. Ex.ª creia naquilo que de fundamental disse da tribuna, porque V. Ex.ª, no fundo, veio aqui dizer que se alteraram os critérios para apurar uma indemnização justa.
Então, quero confrontar V. Ex.ª com o seguinte: como é que V. Ex.ª vai chegar a indemnizações justas se parte de valores, como, por exemplo, p valor que é declarado à Repartição de Finanças para pagamento de uma sisa? V. Ex.ª sabe perfeitamente que quem declara o preço para pagamento da sisa - e até houve membros do Governo que o fizeram - normalmente não declara o preço real. Há, pois, fuga, e é generalizada.
Por outro lado, V. Ex.ª também sabe que a Administração Fiscal, quando faz a avaliação dos terrenos para construção, nunca lhes atribui um valor real. E julgo que a ideia é esta: se lhes atribuísse o valor real ir-se-iam apurar valores de impostos autárquicos excessivos. Ora, se isto é assim, o Governo, ao apelar para estes valores, está a apelar para valores que sabe que são inferiores aos valores correntes e que não podem conduzir a indemnizações justas.
Mas, mais do que isso, Sr. Secretário de Estado: quando este critério não puder ser utilizado por falta de elementos na Administração Fiscal o que é que o Governo diz? Que vai socorrer-se dos custos de construção.. Mas não são os custos de construção do mercado; são os custos de construção que, administrativamente, o Estado fixa para efeitos de regime de habitações a preços controlados ou de rendas assistidas.
Ora, eu julgo que o Governo não está no bom caminho. Mas, para além disso, o Governo entende ainda mais: reduzir os critérios que, de forma mais ou menos justa, estavam fixados na lei anterior, e então, à percentagem que prevê de 15% - aliás, chamo a atenção de V. Ex." para que não é uma percentagem absoluta, porque ela pode ser diminuída -junta a possibilidade de se somarem critérios até 10%, o que soma 25%.
Ora, os critérios anteriores ainda permitiam que a junção de todos esses valores desse 34%. Isto significa, Sr. Secretário de Estado, que V. Ex.ª com sinceridade, não pode dizer a esta Câmara que da aplicação destes critérios resultam indemnizações justas. E se isto é assim, então eu não sei que Estado de direito é que os senhores querem construir.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
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O Orador: -Aliás, parece até uma ironia que, três dias depois do 25 de Abril, o Governo traga aqui um diploma como este.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado, utilizando tempo que lhe foi cedido pelo PS.
O Sr. Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território: - Sr. Deputado António Brochado Pedras, relativamente à sua questão sobre se se pagam ou não indemnizações exageradas, dir-lhe-ei que o senhor dispõe de elementos suficientes que demonstram que se paga exageradamente a título da indemnização no caso de expropriação. Posso citar-lhe inúmeros casos, porque é com essa realidade que tenho um contacto mais frequente, de câmaras municipais, e seja-me permitido que refira a Câmara Municipal de Vale de Cambra que pagou mais por um terreno do que pelo próprio edifício da escola que aí foi implantada.
Ora, isto não corresponde à nossa tradição, isto não corresponde a uma justa indemnização. Qualquer obra humana é sempre imperfeita, mas o quadro que aqui se apresenta, de se fazer apelo, primeiramente, ao valor das aquisições, de, na falta deste, se fazer apelo ao valor de avaliações fiscais, obviamente actualizadas, e de, por último, se reportar ao custo da construção, não sei o que é que tem de iníquo, de aberrante... Muito sinceramente, não sei. Admito é que haja opções ideológicas que não sejam coincidentes.
A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem agora a palavra ó Sr. Deputado Moreira da Silva para apresentar o relatório da l.3 Comissão referente a esta proposta de lei.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: O relatório apresentado na l.ª Comissão expõe, no essencial, a proposta que aqui é presente.
O Sr. Secretário de Estado já teve oportunidade de explicar aqui as propostas de alteração, que, no essencial, são quatro: simplificar o procedimento expropriativo, reforçar as garantias dos administrados, clarificar as regras do cálculo de justa indemnização e aperfeiçoar o regime de processo litigioso. E enuncia, na exposição de motivos do diploma, outras 23 alterações que são feitas ao actual Código das Expropriações, que data de 1991.
Devo dizer que este número de alterações, umas de fundo, outras de pormenor, umas novas, outras alterações das já existentes, é que justificaram, no entender no Governo, a apresentação de um Código novo e não apenas a revisão do existente.
Chamo a vossa atenção - tal como fiz no relatório - para um problema, que talvez seja o mais importante, e que, eventualmente, a nível de aplicação das normas e de julgamento por parte dos tribunais, levará maiores considerações e que se prende com o conteúdo da indemnização.
Assim, aproveito este tempo de que disponho desenvolvendo essa parte do relatório e remetendo os Srs. Deputados, no essencial, para o conteúdo do mesmo.
O Governo optou por não alterar o n.º l do artigo 22.º, ou seja, a definição da justa indemnização. E, neste artigo, o Governo - poderia não o ter feito - considera ainda que: «A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.».
Ou seja, o Governo optou por repetir a redacção do Código em vigor e de atribuir, por isso, ajusta indemnização equiparando-a ao valor real e corrente do bem. Mas a partir daqui poderão surgir - e esta é a questão que penso, como relator, dever levar à consideração desta Assembleia - alguns problemas que a jurisprudência constitucional e até o próprio Supremo Tribunal de Justiça têm levantado relativamente a alguns números destes artigos: o n.º 3 do artigo 22.º, onde se lê quê «Na fixação da justa indemnização não são considerados quaisquer factores, circunstâncias ou situações criadas (...), sem dizer quando, (...) com o propósito de aumentar o valor da indemnização» - talvez seja demasiado lato, e isso põe-se à consideração do Governo; o n.º 4, cuja redacção deverá ser precisada e densificada, pois parece que - e talvez não seja essa a intenção do Governo - que haveria lugar a uma certa retroactividade fiscal, na medida em que, com base na avaliação no terreno hoje, vai exigir-se o pagamento nos cinco anos para trás de contribuições autárquicas relativas a esse valor.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD: - É inaceitável! É inconstitucional!
O Orador: - Refiro também o n.º 5, que permite ainda serem atendidos outros critérios instrumentais para se alcançar o valor da indemnização, havendo, pois, aqui, uma saída do critério da objectividade e a entrada num critério de subjectividade.
Quanto ao artigo 24.º, há uma questão que, ainda recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça colocou, no Acórdão n.º 1/99. Ora, vê-se que há intenção do Governo de, neste artigo, lhe dar resposta, mas talvez não total, porque na fundamentação desse Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça apercebia-se a inconstitucionalidade do que permanece como alínea c) deste n.º 3.
Finalmente, assinalo o artigo 25.º, onde existem aquelas questões que já aqui foram referidas e que por isso me escuso de levantar, até como relator. Trata-se das questões relativas ao valor das aquisições, ao valor das avaliações fiscais, que o Sr. Secretário de Estado aqui disse que seriam actualizadas. Não é referido no diploma se essa actualização será sempre feita, obrigatoriamente, no momento prévio à expropriação. Se assim for, estará actualizado, mas, se não for, o que se verifica é que nas grandes cidades este elemento existe sempre e por isso será sempre um valor menor.
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Este artigo levanta também a questão do custo de construção, que já aqui foi referido.
São estas as questões que, como relator, me caberia levantar, como o fiz na l.ª Comissão, para apreciação de VV. Ex.ªs e para, eventualmente, as terem em conta no debate que aqui irá ser travado.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem de novo a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: A proposta de novo Código das Expropriações apresentada pelo Governo é em tudo hipócrita. Sejamos claros: o PS apresenta esta proposta, mas não a quer aprovada! Sendo, agora, o seu Secretário-Geral católico, diria que reza para que esta proposta não seja aprovada!
O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Essa teve graça!
O Orador: - Mas apresenta-a como sua e como boa. O Governo assina-a, mas não a quer. Se a quisesse realmente, já tinha tido oportunidade de, em quatro anos, a apresentar, aprovar e publicar. Não o fez em quatro anos!
Mas, mesmo que tenha agido por reacção de reivindicações, como, aliás, é seu hábito e sua forma de actuar, e não por convicções, que não tem, mesmo assim já tinha tido oportunidade de a apresentar, aprovar e publicar muito mais cedo.
Recordo ter ouvido os autarcas, reunidos em congresso nacional, reivindicar alterações ao Código actual há mais de um ano, em Março de 1998. Desde aí até hoje, o Governo nada fez, remetendo-se ao silêncio, apresentando agora, só agora, a pouco mais de um mês útil do encerramento da legislatura, a presente proposta.
Numa matéria tão sensível onde está o apregoado diálogo socialista? Ouviram-se as universidades? Ouviram-se os avaliadores? Ouviram-se os advogados? Ouviu-se a sociedade civil? Não, não e não!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Para questões menos importantes fazem-se debates, pagam-se livros e seminários, abunda o show-off!
Para rever o regime das expropriações do direito da propriedade nada se faz.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Que grandes gavetas devem existir no Largo do Rato, para nelas caberem tantos princípios como o socialismo e o diálogo e outros que o pudor nos impede de enumerar...
Sr. Presidente, Srs. Deputados, sejamos ainda mais claros: se o Governo quisesse mesmo aprovar este Código já o tinha feito. As matérias que nele constam são apenas da reserva relativa da competência da Assembleia da República. Podia, por isso, o Governo, como aconteceu no passado, ter apresentado apenas uma proposta de autorização legislativa com os princípios fundamentais e o sentido e extensão das alterações pretendidas, aprovando de seguida o Código, ao abrigo da autorização então recolhida. E é sabido que o procedimento legislativo de uma autorização é regimentalmente muito mais célere do que o procedimento legislativo normal. Desde logo, não há apreciação em comissão, havendo apenas discussão na generalidade no Plenário, seguida de votação final. A proposta nem ficaria sujeita ao período de funcionamento da Assembleia.
Se o Governo quisesse mesmo este Código, ele amanhã já podia estar autorizado e no mês de Maio aprovado e publicado.
Não foi esta a opção do Governo. Não se venha, depois, culpar a Assembleia da República por atrasos da responsabilidade exclusiva do Governo, como parece que agora é hábito de alguns Ministros, preocupados com o saldo negativo das suas prestações governamentais em fim de legislatura. Felizes, que só se preocupam de quatro em quatro anos, em vésperas de eleições, deixando que os portugueses se preocupem e desesperem em todos os dias do ano.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desafio o Governo a explicar aos portugueses qual a razão para um novo Código das Expropriações! É que temo que a razão radique em meros interesses egoísticos do Sr. Ministro, querendo mais tarde dizer aos seus netinhos que também fez um Código...
Nenhuma outra razão existe!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: -Alterações? Com certeza! Oito anos passados de aplicação do actual Código revelaram já a necessidade de algumas alterações. Mas um novo Código?! O que aqui se apresenta, na sua maior parte, são meras alterações de sistemática ou de redacção, mantendo-se os mesmos princípios fundamentais, os mesmos capítulos e sensivelmente os mesmos artigos. De essencial, altera-se o cálculo da indemnização para a reduzir drasticamente, sem, no entanto, ter a coragem de o assumir como princípio.
O Sr. Bastonário da Ordem dos Advogados lançou já em tempos um aviso que o Governo teima em ignorar: não são precisas mais leis. É preciso, sim, que se apliquem bem as existentes.
O Código de 1976, no seguimento da legislação imediatamente seguinte à Revolução, estava eivado de intuitos clara e assumidamente socializadores da propriedade privada. Ficou tristemente conhecida a bipartição dos terrenos para efeitos de cálculo da indemnização em «dentro ou fora de aglomerados urbanos», conceito de igualdade meramente formal, potenciador das mais gritantes injustiças. O próprio legislador de então as reconhecia e assumia, lendo-se no seu preâmbulo que compreende que «muitas vezes, possam surgir situações sociais altamente graves (...)». Mas, desresponsabilizando-se, afirmava: «Trata-se, porém, de matéria do âmbito da segurança social (...)».
É verdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o Governo de então assumia sem pudor uma total falta de preocupações sociais e não recuava em lançar na miséria agregados familiares inteiros que, a enorme custo, haviam logrado cair na ousadia de deter uma qualquer pequena courela apetecida pelos poderes públicos.
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Recordo, pró memória, que este Governo totalmente insensível aos problemas das pessoas era do PS, presidido pelo Dr. Mário Soares...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Não se envergonhem nem se escondam, Srs. Deputados do PS. Não quero tirar os vossos fantasmas do armário, mas foram os senhores que agora se lembram de o abrir!
A Sr.ª Natalina Moura (PS): - O senhor é que devia estar escondido! Devia ter vergonha do que está a dizer!
O Orador: - O Código de 1976 foi sendo declarado inconstitucional, acórdão após acórdão dos nossos tribunais superiores. Era óbvio que limitava desproporcionadamente o direito fundamental a uma justa indemnização, que o nosso Estado de direito impõe e a nossa Constituição consagra.
Era, por tudo, necessário o Código de 1991, que o Governo do PSD aprovou. Aí se consagrou a obrigatoriedade de prévia tentativa de aquisição da propriedade pela via do direito privado, se regularam os regimes de declaração de utilidade pública e da posse administrativa, se unificou a forma do processo, se criou o regime da expropriação amigável, se repôs o direito de reversão e se recolocou a classificação dos solos para efeitos de indemnização em termos mais justos. Foi reposta a justiça e a proporcionalidade. Concretizou-se o comando constitucional de prosseguir o interesse público no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares. Cumpriu-se o interesse público. Pensou-se nas pessoas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: -Ao seu abrigo realizaram-se as maiores obras públicas até hoje feitas em Portugal. Lembram-se? Algumas delas o actual Governo anda por aí a inaugurar!
Não está tudo bem, com certeza. O Código de 1991 encareceu sensivelmente as obras públicas e a Administração estava mal habituada com o Código de 1976.
Mas o problema está no critério da justa indemnização ou está no centralismo do actual Governo? O problema está na Constituição ou na lei ou no Governo que não as cumpre?
Sr. Presidente e Srs. Deputados: O Governo está à vontade. Diz: «O Código de 1991 encarece as obras públicas? Paciência! O Governo não faz obras públicas!». O problema não é do Governo e por isso não sente como imperioso este Código que aqui apresenta com clara reserva mental.
O problema é de quem ainda faz obras em Portugal. Sr. Presidente e Srs. Deputados, o problema é das autarquias locais e, na grande maioria dos casos, não é o preço da expropriação que é caro, são as autarquias que não têm dinheiro para o pagar. É um problema real de orçamento autárquico, mas esta não é a forma de o resolver. E o PS sabe que não é!
Foi o PS que prometeu, entre tantas outras coisas que já ninguém se lembra, mas que nós lembraremos aos mais esquecidos, duplicar as receitas dos municípios no fim da legislatura. Chegar ao fim de 1999 entregando, através do FEF, 450 milhões de contos às autarquias locais. O Sr. Ministro Cravinho, de peito feito e com a irresponsabilidade que lhe é conhecida, prometeu aqui nesta Assembleia o que não pode prometer: que em 2001 as receitas cresceriam mais 33% do que o dobro prometido. Como em 2001 já cá não vai estar, assegurou a irresponsabilidade da sua promessa, o que é a típica actuação deste Governo!
Pobre País e pobres de nós se cá continuassem. Mas ai dos senhores, que tinham de inventar mais desculpas para a falta de cumprimento das promessas.
O Governo fez aprovar uma nova Lei das Finanças Locais em 1998 e no Orçamento de 1999 apenas inscreveu pouco mais de 300 milhões de contos para os municípios. Onde está o resto das vossas promessas? Onde estão os cerca de 150 milhões de contos que faltam? Não fomos nós, foram vocês que prometeram.
Incapazes de dar, com o Orçamento, o que prometeram às autarquias e que elas merecem e necessitam, porque, neste momento, são as únicas que têm trabalho feito e iniciativa, vêm agora querer compensá-las com este Código das Expropriações. Mas que presente envenenado! Que falso amigo! Mesmo que este Código fosse para aprovar, o que não querem, como já está demonstrado, ele apenas atirava o odioso para os municípios. Que hipocrisia! Pois como o Governo não faz obra, não castiga os proprietários. Os municípios, pelo contrário, passavam a ser os responsáveis pelas injustiças das expropriações, semeando a revolta em milhares de pequenos proprietários.
Mas, pior: como o Tribunal Constitucional continuará a aplicar a sua pacífica e reiterada jurisprudência, os municípios ver-se-iam a braços com centenas de processos judiciais onde, afinal, seriam forçados a pagar duas e três vezes mais do que julgavam que iam pagar. Aliás, o Código que apresentam contém mesmo regras para os expropriados poderem receber mais depressa a sua indemnização. Incentivadas pelo baixo preço das expropriações, as autarquias só iam agravar o seu endividamento futuro.
Bela troca a deste Governo! Compensa a não transferência de dinheiro certo e prometido do Orçamento com um rol de dores de cabeça para os presidentes de câmara deste País!
Curvo-me perante a genialidade perversa deste Governo. Consegue estar sempre noutro local quando surgem os problemas, chegando sempre a horas para os aplausos. Agora, consegue não transferir para as autarquias o dinheiro que prometeu e que elas necessitam e merecem, dando em troca preocupações e problemas, criando injustiças e desigualdades e ainda pretendendo ser visto como o salvador do poder local.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo já havia prometido duplicar as receitas dos municípios e podia ter cumprido se quisesse. Não cumpriu! Depois, por compensação, promete aprovar um Código das Expropriações que reduza os encargos para as autarquias. Podia ter cumprido se quisesse. Sabe que não vai cumprir na parte que lhe toca! O pior é que opta por tentar resolver os compromissos em que se enredou à custa dos direitos dos cidadãos.
Um Governo assim não é sério, não é pessoa de bem, não defende o interesse público e ignora ostensivamente o poder local e as pessoas. O Governo atingiu o cúmulo da hipocrisia e da mistificação e deve merecer de todos nós, dos portugueses e, desde logo, de todos os autarcas, a mais viva censura.
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Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (João Amaral): -Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.
O Sr. Silvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Aquilo que hoje nos é proposto através da presente proposta de lei é, em alguma medida, um inaceitável regresso ao passado.
Percebemos alguma coerência nesta matéria que possa vir do Partido Comunista Português. Percebemos até a legitimidade dos interesses defendidos pela Associação Nacional de Municípios. Percebemos menos bem a iniciativa que ora nos é trazida pelo Governo.
A violação da propriedade privada, mesmo quando justificada por um suposto ou legítimo interesse público, tem de ser justamente indemnizada.
A actual lei, a lei que vigora desde 1991, é uma boa lei, é uma lei justa e que à época mereceu a nossa aprovação. Muitas destas alterações que hoje nos são propostas constituem, como disse, um retrocesso, constituem injustiças que podem até facilitar uns quantos, mas fazem-no à custa da violação de um direito que para o CDS-Partido Popular tem de ser defendido: o direito à propriedade privada.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados:
Disse o Sr. Secretário de Estado há pouco, na sua intervenção, que havia diferenças ideológicas. Há, Sr. Secretário de Estado! Há, ideologicamente, diferenças nesta matéria!
Não sejamos hipócritas, vamos falar dos critérios. Se temos em conta indemnizações a serem atribuídas de acordo com o valor fiscal dos terrenos inscritos nas matrizes prediais, estamos a falar numa tremenda injustiça, estamos a falar em baixar o valor pago pelas indemnizações.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados:
Não conheço o Sr. Secretário de Estado, não sei onde é que o Sr. Secretário de Estado mora, não conheço a sua casa, não sei se é uma vivenda ou se é um apartamento. Contudo, mesmo sem saber nada disto, Sr. Secretário de Estado, digo-lhe que compro a sua casa, a sua habitação, se ma quiser vender pelo valor matricial!
O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - 'Os vossos terrenos, Srs. Deputados, as vossas casas, Srs. Deputados, compro-as todas pelos valores matriciais. Todas! Quero saber quantos de vós, Srs. Deputados, vendem as vossas casas ou os vossos terrenos pelo seu valor matricial.
Provavelmente nenhum, porque, Srs. Deputados, todos sabemos que os valores matriciais não são valores de mercado, todos sabemos que não são um referencial aceitável.
Termino, Sr. Presidente, dizendo que para o CDS-Partido Popular, como para a generalidade da jurisprudência, como para o Tribunal Constitucional, o único critério é o critério do valor do mercado. Já bastam os esbulhos cometidos desde 1976 até 1991.
Votaremos contra, porque esta é uma má proposta, Sr. Presidente e Srs. Deputados.
Aplausos do CDS-PP.
A Sr.ª Natalina Moura (PS): - E o argumento do ruído!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, quando acabar o debate fico à espera do seu cheque, porque, se a entender comprar nessas condições, a minha casa está à venda.
Risos.
O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Diga lá o preço e a morada!
O Orador: - Julgava, quando este debate começou, que a propriedade já não era causa de fractura social e política, pelo menos nos termos em que já foi há 10,15 ou há 20 anos atrás.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): -A propriedade não, mas o confisco é!
O Orador: - Julgava que a propriedade não seria causa de fractura social não só porque a esquerda, ou, pelo menos, parte da esquerda, a aceita, protege e garante, como porque a direita, ou parte da direita, já lhe reconhece a função social e, portanto, sabe que a propriedade não é a propriedade absoluta do Século XIX, sabe que a propriedade é um direito relativo que só pode ser exercido no quadro não só dos interesses individuais dos seus proprietários, mas também no quadro da satisfação dos interesses públicos. Nesta perspectiva, é óbvio que a expropriação, como última ratio para a satisfação dos interesses públicos, implica inevitavelmente a extinção do direito de propriedade e a necessidade de o compensar pelo seu valor real, isto é, pelo seu valor de mercado.
Alegam os Srs. Deputados que esta proposta tem como única e exclusiva função reduzir o valor da expropriação, afastando-o do valor de mercado. Não creio que seja apenas este o aspecto decisivo ou determinante da proposta de lei apresentada, como não creio, para além do mais, que seja esse o resultado que advém desta proposta.
O Governo, tal como o Grupo Parlamentar do PS, espera que esta proposta seja aprovada, ao contrário do que afirma o PSD. Aliás, é curioso notar que quando o Governo apresenta um pedido de autorização legislativa, a oposição, normalmente, acusa-o de não vir aqui discutir a substância e o detalhe das matérias. Agora que o Governo apresenta a proposta de lei completa, a oposição acusa-o de vir fazer a Assembleia perder tempo e de não aprovar ele próprio, por sua iniciativa, o decreto-lei em causa.
O Sr. Júlio Faria (PS): - É uma oposição insensata!
O Orador: - O que é importante avaliar e verificar é o seguinte: é evidente que o decreto-lei que aprovou o Código das Expropriações de 1991 corrigiu alguma da injustiça do Código de 1976, injustiça essa que já vinha, aliás, sendo corrigida pela própria intervenção do Tribunal Constitucional, na medida em que veio, sucessivamente, a declarar
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inconstitucionais diversas disposições. Mas também não é menos verdade que se passou do 8 para o 80, no sentido em que se empolou excessivamente o valor das indemnizações, sobretudo nos casos em que, por efeito de critérios objectivos que, às vezes, nada têm a ver com a situação concreta do terreno, se valorizou a atitude meramente especulativa, que não corresponde, por um lado, ao valor real e que, por outro lado, não corresponde a qualquer esforço ou contributo social do proprietário para a própria valorização da propriedade.
O Sr. Júlio Faria (PS): - Muito bem!
O Orador: - Vem-se agora criticar, dizendo que o Governo, ao propor que, de alguma forma, o valor da indemnização esteja relacionado com o valor da propriedade para efeitos fiscais, está a procurar reduzir o valor das indemnizações. Assim, a pergunta que faço é a seguinte: é ou não verdade que é suposto as transacções feitas no mercado corresponderem precisamente ao valor do mercado? Ou há dois mercados? Há um mercado virtual, que é o mercado notarial do valor declarado nas escrituras, e há o mercado real, que é o mercado «por baixo da mesa» e que corresponde ao verdadeiro valor de mercado da propriedade?
O que o Sr. Deputado Moreira da Silva quer dizer é que o cidadão pode querer beneficiar de um imposto baixo, por força do que declara nas Finanças ou por força do que declara na escritura, e, simultaneamente, no momento de vir a ser expropriado, de uma indemnização elevada.
O Sr. Júlio Faria (PS): - Muito bem!
O Orador: - O que o Sr. Deputado quer é legitimar aquilo que ainda hoje acontece, ou seja, que, em simultâneo, o proprietário esteja a litigar em dois processos judiciais: na avaliação tributária, em que diz que a propriedade vale 10, e no processo de determinação do valor de indemnização, em que diz que a propriedade vale 1000. Isto é, quer, simultaneamente, ser tributado por 10 e ser indemnizado por 1000.0 que se diz hoje é que é necessário pagar 10 e ser indemnizado por 10 ou pagar 1000 e ser indemnizado por 1000.
Não há, por outro lado, qualquer retroactividade, porque a retroactividade não é da lei. Como sabe, a avaliação e a determinação do valor da propriedade é matéria de facto e por isso é que os prazos estabelecidos são de cinco anos, tal como já acontece com uma nova avaliação, que determina o pagamento da contribuição autárquica com base nessa nova avaliação feita nos últimos cinco anos. De alguma forma, entra-se em consideração com esse valor, porque não é socialmente justo que alguém que andou a pagar 10 durante cinco anos seja indemnizado por 100 e que não se debite, por assim dizer, desse valor, pelo menos a diferença do imposto que deveria, entretanto, ter pago.
Mais do que isso, é preciso não desviar este debate, não o centrando exclusivamente no problema do valor das indemnizações. Isto porque há aqui outra coisa que é fundamental. É que esta proposta do Governo, para além de clarificar as regras respeitantes ao valor da indemnização, não o afastando do valor real do mercado, desde que o mercado seja efectivamente real e não fictício, como frequentemente é, traz duas inovações que são importantíssimas.
A primeira delas é a possibilidade de, em certas circunstâncias, serem as próprias autarquias locais, através das assembleias municipais, a declarar a utilidade pública e a iniciar o processo de expropriação. Isso significa que a generalidade dos processos de expropriação será muito mais célere, permitindo pagar mais cedo as indemnizações e, com muito maior eficiência, realizar as obras públicas e executar os planos de urbanização e os planos de pormenor que são necessários, nomeadamente infra-estruturando os terrenos. Isto porque, obviamente, há aqui um problema de valor, mas há também um problema de simplificação. Sendo certo que é preciso simplificar, não descurando ou até reforçando as garantias dos particulares, como esta proposta de lei também faz garantindo a possibilidade de um processo de execução expedito que permita o pagamento da indemnização em tempo útil, isto é, em termos tais que ele não seja dilatado no tempo a ponto de desvalorizar a própria indemnização.
O Sr. António Brochado Pedras (CDS-PP): -A inflação está a 2%!
O Orador: - Sr. Deputado, a inflação está ao nível que está porque o Governo exerce as suas atribuições nesse domínio, contribuindo também para isso. Portanto, folgo em saber que se congratula com a baixa da inflação.
Concluindo, direi que espero que esta proposta de lei venha a ser aprovada, porque ela irá contribuir para uma maior eficiência na actividade da Administração Pública, sem desrespeito pelas garantias dos particulares e sem desrespeito pela garantia do direito a uma justa indemnização na expropriação por utilidade pública.
Aplausos do PS.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, sei que está descontente com o tempo que o seu partido aceitou para este debate, por isso, terá de se queixar na direcção do seu partido.
Sr. Deputado, tem a palavra para fazer uma interpelação sobre o andamento dos trabalhos.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostaria de dizer-lhe que tem toda a razão: o tempo para este debate é pouco e, eventualmente, queixar-me-ei no lugar devido; não o farei aqui, com certeza, perante V. Ex.ª.
Em segundo lugar, através de uma interpelação à Mesa, gostaria de solicitar que me permitisse entregar ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro o texto da minha intervenção para ele poder ver que o que disse não é verdade. Ou seja, eu não disse que é uma perda de tempo o Governo trazer propostas de lei para discussão na Assembleia. Eu nunca podia ter dito
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isso, porque considero que nunca é uma perda de tempo trazer, aqui, propostas para discussão.
Agora, o Governo não pode é depois queixar-se de isto demorar, porque na Assembleia tudo demora. É assim que a democracia se exerce!
O Sr. Presidente (João Amaral): -Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pimenta Dias.
O Sr. Pimenta Dias (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Finalmente, quase no final da presente legislatura, o Governo apresentou a esta Câmara uma proposta de revisão do enquadramento jurídico do processo de expropriações por utilidade pública.
As autarquias locais vêm exigindo, desde há muito, a revisão do actual Código de Expropriações, pois, ao longo de sete anos de vigência, ele representou um grave entrave à capacidade realizadora do poder local e custos acrescidos, muitas vezes incomportáveis, para os sempre magros orçamentos municipais face aos problemas que têm de resolver. Aliás, a própria administração central tem sido cerceada na sua capacidade de realização, pois os elevados valores pagos pelas expropriações têm exaurido o Orçamento do Estado, impedindo a execução de mais empreendimentos públicos.
Está por fazer o balanço exaustivo das obras e investimentos, que foram impedidos por um regime jurídico completamente insensível à necessidade de equilíbrio entre a concretização do conceito constitucional da justa indemnização dos respectivos proprietários e o interesse público subjacente a uma expropriação. Mas não temos dúvidas em afirmar que foram muitas, e que, sobretudo, implicaram atrasos na realização de acções beneficiadoras de toda a comunidade e no desenvolvimento regional e local.
A morosidade e dificuldades burocráticas do processo de expropriação por utilidade pública, associadas aos elevados valores que as indemnizações atingem com a aplicação do Código em vigor, vêm bloqueando o normal desenvolvimento das vilas e cidades e a concretização dos planos urbanísticos definidos e aprovados pelos municípios.
Os postulados neoliberais plasmados no actual Código de Expropriações, que caracterizaram, até à exaustão, as políticas desenvolvidas pelos governos do PSD, têm funcionado como um travão à concretização de infra-estruturas básicas relevantes em muitos municípios, impedindo a construção de escolas, de centros de saúde, de recintos culturais e desportivos, de sistemas públicos de abastecimento de água, de drenagem de águas residuais, etc., prejudicando, assim, a melhoria da qualidade de vida das respectivas populações.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados:
A simplificação e aceleração do processo de expropriações por utilidade pública; a clarificação das regras reguladoras do cálculo da justa indemnização, salvaguardando, sempre, os direitos e garantias dos expropriados; o aperfeiçoamento do regime do processo litigioso são exigências que devem assegurar o justo equilíbrio entre os interesses públicos e privados.
É neste quadro de referência que tem de ser analisada a proposta de lei que estamos a discutir. Afigura-se-nos, por isso, que os princípios enformadores da proposta do novo código de expropriações configuram uma significativa melhoria em relação ao regime vigente, no que toca ao enquadramento do interesse público.
Mas, Srs. Deputados, este não é o código de expropriações do PCP, ao contrário do que disse o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan. Valorizamos muito mais a vertente social da propriedade e, por consequência, considerando que a actual proposta do código de expropriações reflecte os preceitos constitucionais sobre esta matéria, seguramente, o nosso código de expropriações iria muito mais além relativamente à valorização dessa mesma vertente social.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Contudo, há algumas questões que necessitam de uma melhor reflexão, em sede de especialidade, tendo em vista o aperfeiçoamento deste novo-regime jurídico. Passamos a referir apenas as mais relevantes.
É uma medida positiva a atribuição de competência às assembleias municipais para a declaração de utilidade pública das expropriações da iniciativa da administração local autárquica para efeitos de concretização de instrumentos de planeamento territorial eficazes.
Em nossa opinião, tal competência deve ser alargada, contudo, aos casos de constituição das servidões necessárias à realização de obras e trabalhos relacionados com a rede pública de abastecimento de água e drenagem de águas residuais, bem como à ocupação transitória de terrenos para serventia de obras públicas.
Em qualquer dos casos citados, colocam-se, normalmente, questões de urgência que não se compadecem com a tramitação burocrática prevista, saldando-se em desnecessários prejuízos para as populações, sem que disso resulte qualquer vantagem para os titulares dos direitos a onerar.
Do mesmo modo, é positivo que seja excluído do quantum indemnizatório as mais-valias geradas por obras e empreendimentos públicos concluídos, levando as mesmas à conta do valor a indemnizar na exacta medida dos encargos de mais-valia que tenham sido, por essa via, liquidados.
Mas o número de anos definido deve ser ampliado, compatibilizando-o com o período de produção de efeitos das mais-valias geradas pela intervenção de entes públicos quer na qualificação administrativa dos terrenos quer, sobretudo, pela promoção de infra-estruturas públicas. Assim como é necessário clarificar o referido conceito.
Os pressupostos da atribuição do carácter de urgência à expropriação, cujo conceito e âmbito é alargado no projecto de diploma que estamos a apreciar, necessitam, em nosso entender, de melhor definição, qualificando como tal as expropriações necessárias à implantação de todas as infra-estruturas básicas, a outras obras previstas em PIDDAC ou em plano anual de actividades das autarquias locais, bem como à concretização de planos urbanísticos para obviar a decisões discrepantes dos tribunais. Assim como é de admitir que a caução a prestar como condição para a investidura administrativa de posse do bem a expropriar possa assumir qualquer das formas admitidas em direito.
Há, por outro lado, que conciliar o prazo definido para a utilização dos bens expropriados com o prazo para requerer a reversão dos mesmos por falta de aplicação ao fim que deter-
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minou a expropriação, bem como reduzir o prazo de cessação do direito de reversão.
Um outro aspecto que, a nosso ver, deve ser rectificado prende-se com a definição da percentagem máxima do valor do solo no custo da construção.
Esperamos, pois, que os restantes grupos parlamentares tenham abertura suficiente para que o novo Código de Expropriações corresponda às expectativas criadas com o anúncio da revisão do actual regime jurídico, criando as necessárias condições para a concretização de obras e investimentos que as autarquias locais e o poder central há muito pretendem realizar mas que têm sido entravadas pelo quadro normativo vigente.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Não havendo mais inscrições, declaro encerrada a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 252/VII. A votação desta proposta de lei será amanhã, às 18 horas, hora regimental das votações.
Passamos à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 193/VII - Estabelece o regime especial de incompatibilidades e impedimentos dos dirigentes de entidades reguladoras (altera a Lei n.º 12/96, de 18 de Abril).
Para apresentar o diploma, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto do Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Ministro Adjunto do Sr. Primeiro-Ministro (José Sócrates): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho o maior gosto em apresentar-vos a proposta de lei do Governo, que visa criar um sistema de incompatibilidades que assegure a independência das entidades reguladoras.
Gostaria de começar por chamar a atenção da Câmara para a importância que hoje tem a actividade reguladora na nossa economia.
Com efeito, a orientação do Estado social de direito em Portugal, como noutros países, tem sido no sentido de abandonar a velha figura do Estado proprietário, fornecedor de serviços e bens a todos os portugueses, para o Estado regulador, tendo em vista a eficácia das empresas privadas no domínio da economia regulada.
Acontece que esta transição do Estado proprietário para o Estado regulador exige muito mais das entidades reguladoras tradicionais do nosso país. Não temos uma tradição de regulação como outros países construíram ao longo dos últimos anos e a verdade é que muitos dos especialistas neste domínio apontam para grandes debilidades das nossas entidades reguladoras, nomeadamente a sujeição dessas entidades reguladoras às actividades económicas que é suposto regularem. Os tratados que estudam e caracterizam a economia da regulação referem um perigo muito grande no sentido de as entidades reguladores serem capturadas pelos sectores que pretendem regular. Se isso é um fenómeno mundial, o certo é que esse perigo existe também em Portugal.
Trata-se, portanto, de fazermos um esforço no sentido de garantir uma maior independência das entidades reguladoras face a esses sectores, independência essa que é crítica e vital para a credibilidade e o prestígio que essas entidades reguladoras devem deter na sociedade portuguesa em ordem a prosseguir um correcto equilíbrio dos interesses dos consumidores, por um lado, e da eficiência das próprias empresas, por outro. Daí que mereça que a Assembleia da República considere um regime especial na regulamentação dos dirigentes dessas entidades reguladoras.
A questão da independência é, portanto, um factor crítico para que essas entidades reguladoras possam usufruir da credibilidade e do prestigio que devem ter numa economia de mercado, como é a nossa.
É verdade que a maior parte dos institutos públicos que prosseguem acções de regulação têm já um regime de incompatibilidades, mas é insuficiente. O que agora se propõe, no fundamental, é um regime de incompatibilidades que vai um pouco além quer daquele que está definido para altos cargos públicos quer daquele que está definido para altos cargos políticos.
O que se propõe é que, no essencial, um dirigente das entidades reguladoras não possa, assim que cesse funções, ter capital ou exercer funções de direcção nas empresas com capitais privados em que, no passado, exerceu funções reguladoras.
Com a introdução desta medida, que se destina a assegurar uma maior independência das nossas entidades reguladoras, damos um passo muito significativo e especial naquilo que é um objectivo central da economia portuguesa: assegurar não só uma maior independência destas entidades reguladoras mas também, através dessa independência, uma maior credibilidade e um maior prestígio, sem prejuízo de ser uma função essencial do Governo, no futuro, definir melhor todo o esquema geral de regulação, para que ele possa ser eficiente na resposta às necessidades de consideração dos interesses dos consumidores e para que a regulação de todas aquelas actividades, que fornecem a maior parte das vezes bens e serviços essenciais à vida, possa ser feita com o respeito escrupuloso dos interesses dos consumidores.
Quero, por isso, dar nota à Câmara da importância que esta mudança e esta proposta têm para a prossecução dos interesses e objectivos de uma política de defesa dos consumidores.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.
O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: O regime das incompatibilidades e impedimentos dos titulares de altos cargos políticos e de altos cargos públicos constitui, sem dúvida, um aspecto essencial na determinação da transparência e da fiabilidade - ou seja, um dos mais importantes aspectos da estabilidade social - do nosso sistema político.
O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): -Muito bem!
O Orador: - Neste particular, e repetidas vezes que o dizemos, importará sempre evoluir de uma forma sustentável, segura, por todos perceptível, sem rupturas, por princípio, nem dramatismo, mas sempre de uma forma progressiva, plena e eficaz, não perdendo nunca de vista que se trata de uma matéria de particularíssimo melindre, precisamente por ter de
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conseguir, necessariamente, por um lado, o justificado desequilíbrio entre o afastamento de casos e situações de asfixia geradora de desertificação de valores e capacidades pessoais e, por outro, evitar e, mesmo, erradicar a promiscuidade proporcionadora de toda uma sorte de situações de aproveitamento, tráfego de influências e interesses que, mesmo só na aparência, não evita nunca o efeito socialmente devastador.
O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - De tudo isto, resulta a importância de ser fixado legalmente um regime de regulamentação que, atendendo aos interesses em questão, fixe de forma equilibrada e funcional as incompatibilidades adequadas às funções e competências exercidas pelos titulares de órgãos directores das entidades reguladoras.
Sinteticamente, diria que a Lei n.º 12/96, de 18 de Abril, é um ponto de convergência legislativa da proposta de lei n.º 7/VII, do Governo, e dos projectos de lei n.ºs 57 e 4/VII, do Partido Popular e do PCP, da presente legislatura, que fixa o regime de exclusividade e de incompatibilidades no exercício dos cargos de presidente, de vice-presidente e vogal da direcção de institutos, fundações ou estabelecimentos públicos.
Mas importaria sempre alargar este mesmo regime a todo um conjunto de entidades que, pelas suas funções, devam ficar igualmente sujeitas a um regime de exclusividade e de incompatibilidades mais exigente, em virtude do exercício de funções na regulação de sectores de actividade económica e/ou financeira com elevado grau de autonomia.
Da presente proposta de lei destacaríamos alguns aspectos. por nos parecerem os de maior relevo e de melhor identificação.
O primeiro é o alargamento do regime dos impedimentos aos presidentes, vice-presidentes e vogais de direcção de instituto ou fundação públicos que tenham por missão a regulação de um sector de actividade económica ou financeira ao período de três anos após a cessação de funções, obstaculizando, desta forma, que, neste espaço de tempo, os titulares dos órgãos directivos exerçam cargos sociais ou detenham, directa ou indirectamente, interesses financeiros em empresas que prossigam actividades no sector regulado anteriormente pelas mesmas entidades.
Um segundo aspecto decorre do esclarecimento e da clarificação do que se entende por regulação de um sector de actividade económica e financeira e interesses financeiros, para efeito da aplicação da Lei n.º 12/96.
O terceiro aspecto consiste no factor, por via de remissão, de se mandar aplicar aos titulares de cargos públicos abrangidos pela Lei n.º 12/96 alguns preceitos da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto, assim estatuindo que as empresas cujo capital pertença a titulares de cargos públicos ou, mesmo, a alguns dos seus familiares fiquem, por isso mesmo, impedidos de participar em concursos de fornecimentos de bens ou serviços no exercício de actividades de comércio ou indústria em contratos com o Estado e demais pessoas colectivas, sendo o mesmo regime aplicável às empresas em que os titulares de cargos públicos ou políticos tenham, pelo menos, 10% do capital social ou tenham integrado os respectivos corpos sociais nos últimos três anos anteriores à data da sua investidura.
Por outro lado e por esta mesma via, os titulares de cargos públicos ficam também impedidos de servir de árbitros ou de peritos em qualquer processo em que o Estado e demais pessoas colectivas sejam parte.
Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Esta proposta de lei deverá integrar-se claramente no percurso, de início apontado, e por nós apoiado, como o caminho mais seguro para ser alcançada a suficiente transparência da Administração Pública e política.
O Sr. Moura e Silva CDS-PP): -Muito bem!
O Orador: - No entanto, pode, e deve, ir um pouco mais além, pelo que, em sede de especialidade, faremos essas propostas, sem embargo de concluirmos que esta iniciativa legislativa é claramente positiva e, por isso, votá-la-emos favoravelmente.
O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Ora aí está um excelente contributo!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Para nós, esta iniciativa legislativa é pacífica. Parece-nos que é, de facto, inteiramente justificado que quem esteja à frente de um instituto público com funções de regulação de um determinado sector de actividade económico-financeira não deve poder, logo após a cessação dessas funções, exercer cargos numa empresa sujeita a essa mesma regulação. Este princípio, destinado a evitar uma promiscuidade inaceitável, faz, de facto, todo o sentido. Daí que nos pareça que esta iniciativa tem justificação. Consideramos que ela é pertinente e, por isso, contará, seguramente, com a nossa concordância.
Relativamente ao artigo 2.º, poder-se-ia discutir se, havendo uma definição de titulares de altos cargos públicos, eles não estarão abrangidos já pelo artigo 9.º-A já existente, mas, enfim, a questão é sempre discutível, na medida em que as normas substantivas de direito não são susceptíveis de aplicação analógica e, portanto, há toda a vantagem em que haja segurança jurídica nesta matéria e que haja uma norma que expressamente faça aplicar o artigo 9.º-A a todos os titulares de altos cargos públicos.
Esta iniciativa legislativa não nos suscita dificuldades; no entanto, se houver propostas de alteração na especialidade, como já foi anunciado, discuti-las-emos, mas, à partida, parece-nos que ela parte de um bom princípio, que é a moralização do exercício de altos cargos públicos e, fundamentalmente, impedir que se criem situações de promiscuidade indesejável entre o exercício de funções públicas e, logo a seguir, o exercício de funções privadas.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís David Nobre.
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O Sr. Luís David Nobre (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: A proposta de lei hoje em discussão na generalidade, da iniciativa do Governo, visa, segundo a «Exposição de motivos» que a acompanha, sujeitar os titulares dos órgãos directivos das entidades ditas reguladoras de um suplemento de imparcialidade adequado às funções que lhe estão cometidas. Ou seja, pretende equiparar o regime de incompatibilidades e de impedimentos destes titulares aos demais titulares de altos cargos públicos.
Para acolher tal propósito, já no início da presente legislatura, apresentou o Governo a proposta de lei n.º 7/VII, que veio dar origem à Lei n.º 12/96, que a presente iniciativa visa complementar. Pena é que, então, não tenha legislado devidamente em matéria de incompatibilidades e impedimentos, de modo a que não fosse necessário, no decurso da mesma legislatura, encetar novo processo legislativo sobre a mesma matéria.
Conforme referimos aquando da discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 7/VII, a aplicação de um regime de exclusividade pura e dura aos mais altos cargos da Administração é opção que não rejeitamos.
Conforme assegurámos então, tal opção deveria ser equacionada em conjunto com o estatuto remuneratório dessas funções, sendo esta a posição expressa, desde 1996, por este grupo parlamentar. Trata-se de uma posição firme, acolhida desde então, e da qual não prescindimos, sendo certo que sobre incompatibilidades e impedimentos as constantes mudanças legislativas, entretanto operadas, apenas podem certificar que sobre esta matéria ainda não se acertou o devido passo. Recordo apenas as dificuldades com que esta Câmara se defrontou quando suscitada a necessidade de precisar os conceitos constantes de leis cuja remissão agora se pretende operar. Julgamos que estas matérias deverão ser objecto de um tratamento uniforme e constante e não sujeitas a intervenções de carácter casuístico.
Recordo que o PSD votou desfavoravelmente a mencionada iniciativa legislativa, atenta a declaração de voto então formulada. Importa, pois, recordar os fundamentos da mesma, porquanto o tempo nesta matéria, como, aliás, em muitas, veio confirmar e certificar que a posição então assumida por este grupo parlamentar estava correcta.
Conforme, então, afirmámos, não poderíamos viabilizar tal iniciativa legislativa - a Lei n.º 12/96 -, porquanto a mesma pretendia, apenas e somente, através do teor do seu artigo 5.º, sob a epígrafe «Aplicação», proceder a uma purga nos quadros principais da Administração Pública, mediante a aplicação de um regime de incompatibilidades novo no decurso do mandato dos seus titulares.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Ou seja, e como se afirmou comummente, a alteração das regras a meio do jogo. Alteração, essa, que se traduzia na obrigação de os dirigentes que, eventualmente, se encontrassem em situação de incompatibilidade nos termos das novas regras a adequarem as suas situações jurídicas no prazo de 60 dias.
Tratava-se, apenas e somente, e como então denunciámos, de arranjar um modo de obter mais lugares para os, então, ululantes boys, que, de acordo com o recorte de então, exigiam as suas merecidas tenças.
Volvidos três anos e após a generalizada satisfação dos, então, boys, mediante a sua nomeação abundante, exaustiva e exigida para os quadros da Administração Pública, os mesmos, agora já older boys, dotados dos cuidados e das minúcias que o exercício das merecidas funções denota, apresentam uma proposta de lei referente a incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos dirigentes de entidades reguladoras, cuja aplicabilidade apenas colherá os vindouros, atenta a disposição do artigo 4.º: «O disposto no presente diploma aplica-se aos mandatos dos titulares dos cargos abrangidos que se iniciem a partir da data da sua entrada em vigor.»
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Dois pesos e duas medidas!
O Orador: - Ou seja, na mesma legislatura, o mesmo Governo aplica sobre a mesma matéria dois pesos e duas medidas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: -A Lei n.º 12/96 obrigava os, então, dirigentes em situação de eventual incompatibilidade a regularizarem a sua situação no prazo de 60 dias, tendo, pois, em alguma situações, de renunciar ao seu exercício; a presente iniciativa legislativa permite que os actuais dirigentes não sejam por ela abrangidos, aplicando-se apenas aos vindouros.
Ou seja, volvidos três anos, os proponentes vieram a concordar com o, então, proposto pelo PSD, dispondo a aplicação da norma proposta apenas para as situações futuras.
Não cremos que tal disposição tenha sido incluída por questões de perfeição e conformidade jurídica, mas apenas por mera conveniência dos destinatários da norma.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Agora já lá estão os boys!
O Orador: -Assim, mais uma vez, verificamos que, nesta matéria, como, aliás, em muitas outras, os princípios e os valores para os proponentes cedem perante as meras conveniências dos interesses.
Por último, reiteramos a nossa posição: julgamos que cada governo tem o direito de arbitrar e de terminar com os impedimentos dos titulares de altos cargos públicos, o que não podemos concordar é com a manifesta desigualdade e discriminação com que o actual Governo trata a mesma matéria na mesma legislatura.
Gostávamos de perguntar ao Sr. Ministro por que é que, em 1996, como membro do Governo, pôs na lei um determinado quadro de incompatibilidades e, hoje, em matéria da sua regulamentação, manda que essas mesmas incompatibilidades só se apliquem para o futuro.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): -Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.
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O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Antes de mais. gostava, com toda a franqueza, de salientar neste momento a importância da proposta de lei que nos é apresentada, que merece, como já vimos, o consenso de praticamente todas as bancadas, à excepção de uma, o que não é de admirar.
De qualquer forma, Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostávamos, sobretudo, de salientar que estamos a falar de uma proposta de lei que tem um destinatário e esse destinatário, como é referido no próprio preâmbulo da proposta de lei, são as entidades reguladoras, tal como elas são expressamente definidas no texto da própria proposta de lei, concretamente no artigo 2.º-A, n.º 2, alínea d). E essa é uma situação que não estava efectivamente prevista.
Por isso dizemos que é lamentável que, numa questão tão vital e tão importante para o regime democrático como é aquela que se prende com a questão das incompatibilidades e dos impedimentos, tendo nós absoluta consciência de que este não é o regime perfeito, que há situações que ainda não conseguimos resolver e que os procedimentos, sobretudo àqueles que foram utilizados e adoptados no passado - e os Srs. Deputados do PSD saberão perfeitamente a que é que estou a referir-me - tiveram o resultado que tiveram, se venha introduzir a famosa questão que o PSD gosta de utilizar, só porque o Partido Socialista e este Governo tiveram a coragem de assumir com frontalidade uma posição muito clara no que diz respeito aos concursos para as chefias da Administração Pública, nomeadamente ao nível dos quadros dirigentes. Só porque nós tivemos essa coragem! Não porque os senhores concordem ou deixem de concordar! É só porque o PS teve a coragem de levar uma promessa sua até às últimas consequências, como tivemos oportunidade de demonstrar aquando da aprovação, ainda recente, da lei sobre os quadros dirigentes da função pública. Isso é que é absolutamente lamentável!
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Quantos concursos é que foram feitos?!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É importante que tenhamos consciência daquilo que de fundamental estamos aqui a abordar com esta proposta de lei. Tentar, de alguma forma, fazer esquecer que a proposta que aqui é feita... Aliás, desafio o Grupo Parlamentar do PSD a dizer que é contra esta proposta, porque estivemos a ouvir o Sr. Deputado Luís David Nobre e eu pergunto: algum dos Srs. Deputados, nesta Câmara, percebeu qual é a posição do PSD sobre esta matéria?
O Sr. Luís David Nobre (PSD): - Ela está aqui!
O Orador: - Alguém percebeu?
O Sr. Luís David Nobre (PSD): - Eu já lhe explico!
O Orador: - O Sr. Deputado Luís David Nobre falou não sei quanto tempo, mas algum dos Srs. Deputados percebeu o que é que ele queria dizer?
O Sr. José Junqueiro (PS): - Não!
O Orador: - Com toda a sinceridade, o que o Sr. Deputado Luís David Nobre quis dizer foi uma coisa completamente diferente, quis vir com um discurso do passado, não quis analisar a situação concreta. Não quis dizer que o Governo agiu bem, como disse o Grupo Parlamentar do CDS-PP e, de alguma forma, também o Grupo Parlamentar do PCP. E isso é que é lamentável! E, Srs. Deputados, tenho de o dizer, com a franqueza que, aliás, os senhores sabem que eu tenho nestas matérias.
Vozes do PSD: - E a resposta à nossa questão?!
O Orador: - Por conseguinte, relativamente a esta questão, Sr. Ministro, o Grupo Parlamentar do PS, naturalmente, quer saudar esta iniciativa, apoia-a e entende que, nomeadamente a proposta que aqui é feita quanto à impossibilidade de, nos três anos imediatamente subsequentes à cessação das funções dos dirigentes que tenham responsabilidades ao nível destas entidades, desempenharem qualquer cargo, qualquer .que ele seja, em empresas que, de alguma forma, foram objecto e se relacionaram com estas entidades reguladoras. É uma medida extremamente positiva, moralizadora e clarificadora do regime que entendemos como mais conveniente e como mais adequada à defesa clara da transparência, porque é sempre isso que está no nosso objectivo. Esta é a questão fundamental!
Eu bem sei, e o Sr. Ministro também sabe, que a transparência não se consegue só por decreto-lei, não se consegue só por lei! É um sofisma! Eu sei isso e todos os Srs. Deputados o sabem, mas temos obrigação de, nesta Câmara, criar e adoptar os instrumentos legislativos que permitam afirmar e comprovar a transparência no dia-a-dia.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Luís David Nobre.
O Sr. Luís David Nobre (PSD): - Sr. Presidente, suscitei, sobretudo ao Governo, uma questão que ainda não foi respondida, mas que era importante que o fosse, até para esclarecermos a nossa posição.
A pergunta é muito clara e muito simples.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Mas a pergunta é dirigida a quem?
O Orador: - O que é que levou o mesmo Governo, no âmbito da mesma matéria,...
O Sr. José Junqueiro (PS): - Está a perguntar a quem?
O Orador: -... incompatibilidades e impedimentos, na mesma legislatura, a apresentar uma norma de aplicação diversa, enquanto, em 1996, diziam: «Todos os dirigentes da Administração Pública que, eventualmente, estejam em situação de incompatibilidade têm um período de 60 dias para a regularizar»?
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E por que é que se atribui aos institutos ditos reguladores, sobre esta matéria, um âmbito excepcional em relação a todos os demais, ou seja, que estas normas não se aplicam agora mas só quando se iniciar o próximo mandato?
Portanto, a preocupação de transparência que o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes tanto elogiou não se aplica hoje, aplicar-se-á daqui a quatro ou cinco anos.
O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, isto é que é uma interpelação?!
O Orador: - É só esta a questão que eu queria suscitar. Por que é que quem está tão preocupado com a transparência, como agora foi dito, apresenta uma norma que só se pode aplicar aos vindouros e não aos actuais dirigentes?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): -Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Luís David Nobre, qualifico esta sua interpelação como uma intervenção em nome do PSD.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro.
O Sr. Ministro Adjunto dó Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Peço para usar da palavra porque o Sr. Deputado Luís David Nobre não usou a figura que devia ter usado, ou seja, devia ter usado da palavra numa sessão de perguntas ao Governo; teria sido mais fácil e eu ter-lhe-ia respondido com imenso gosto.
No entanto, Sr. Deputado Luís David Nobre, deixe-me notar que compreendo o embaraço do PSD. A poucos meses das eleições, nunca fica bem a um partido da oposição bater palmas ao Governo,...
O Sr. José Junqueira (PS): -Exactamente!
O Orador: -... há sempre um certo embaraço e uma certa vergonha em aplaudir o Governo. Mas, com franqueza, numa matéria destas não fica nada mal reconhecer que o Governo andou bem com esta proposta!
O Sr. Deputado Luís David Nobre faz, à partida, uma confusão. Não pode ver as coisas dessa forma, pela simples razão de que o que estamos a propor é algo que vai para além daquilo que já existia na lei.
Estamos a dizer o quê? Que os dirigentes das entidades reguladoras, os que já existem...
Vozes do PSD:- São só os próximos!
O Orador: - Já percebi! E por que é que são só os próximos? Porque os que lá estão agora, até terminarem o seu mandato, não foram nomeados com base neste regime de incompatibilidades.
Vozes do PSD: - O problema é esse!
O Orador: - O regime de 1996 nada tem a ver com esta questão! Peço desculpa, mas esta é uma questão factual e não se discutem os factos!
Em 1996, o que estava proposto é que estas pessoas caíssem no regime de incompatibilidades dos altos cargos públicos, que nada previa quanto à sua cessação de funções. Isto é uma coisa objectiva e factual! Os factos não se discutem, discutem-se as opiniões! Peço desculpa, Sr. Deputado, mas tem de olhar com mais cuidado para os papéis.
Propomos, agora, algo que vai mais além: no momento da cessação das funções, os dirigentes das entidades reguladoras não poderão nem deter interesses nem exercer cargos nas empresas de capital privado que era suposto regularem anteriormente. Como os actuais, os que lá estão, quando foram recrutados para essas tarefas, não tinham este regime de incompatibilidades, não é justo aplicar-lhes, com efeitos retroactivos, a lei.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Os outros foram!
O Orador: -O Sr. Deputado pode dizer: «Bom, em 1995 já era preciso ter normas destas!», mas eu poderia dizer que em 1990 já era preciso ter normas destas, porque, como sabe, o movimento de privatização na sociedade portuguesa, o movimento de abertura e de consideração de que o Estado não deve desempenhar um modelo de Estado proprietário mas, sim, de Estado regulador já é muito anterior.
A única observação que o Sr. Deputado Luís David Nobre pode fazer é a de que esta lei era necessária há mais tempo!
Vozes do PSD:- Não, não!
O Orador: - Mas o que, apesar de tudo, me causa estranheza é que não se ouviu ainda a posição do PSD. Não há, ainda, posição do PSD! O que é que o Sr. Deputado tem a dizer em relação a esta matéria em concreto? Acha bem ou acha mal que as entidades reguladoras tenham um regime de incompatibilidades?
O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Não acha nada!
O Orador: - Esse é o ponto!
Quero chamar a sua atenção para o facto de estarmos a falar de algo muito importante, pois as entidades reguladoras, hoje, decidem sobre questões essenciais para a defesa dos direitos dos consumidores, nomeadamente sobre as matérias que dizem respeito às tarifas e à qualidade de serviços,...
O Sr. Luís David Nobre (PSD): -Nós sabemos, mas não é isso o que está em causa!
O Orador: - ... e a credibilidade e o prestígio que essas entidades reguladoras devem ter na sociedade portuguesa dependem muito da forma como a opinião pública vir a independência das mesmas. Portanto, considero que esta medida é essencial à prossecução de uma política de defesa dos consumidores consequente.
Registo, com muito agrado, o facto de, quer o CDS-PP quer o Partido Comunista, terem uma visão muito positiva desta legislação e de compreenderem a importância da mesma para o futuro da sociedade portuguesa e para o futuro
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económico da nossa economia de mercado Já que, como disse, colocando-se a questão da regulação em sectores vitais da nossa economia, como são os sectores que fornecem bens e serviços essenciais à vida moderna, é fundamental que a população portuguesa olhe para essas entidades reguladoras reconhecendo-lhes independência.
Ora, essa independência afirma-se recrutando pessoas que, quando trabalham nessas entidades reguladoras, não trabalharão, no futuro, nas entidades que tutelam, como se passa ainda hoje em dia em que muitos dirigentes das entidades reguladoras transitam para as empresas reguladas, e vice-versa.
Isso não é bom! É preciso pôr termo a esta situação! E, sinceramente, não ficaria nada mal ao PSD, numa matéria destas, aplaudir a proposta de lei do Governo, porque é isso também que dá credibilidade à actuação política dos partidos.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro, Srs. Deputados:
Estou particularmente à vontade para dizer o que vou dizer porque sei que não foi o Sr. Ministro quem participou, em nome do Governo, no debate realizado aquando da aprovação da Lei n.º 12/96, de 18 de Abril; da parte da bancada do Partido Social Democrata, mi eu que intervim e, da parte do Governo, foi o, então. Ministro da pasta, Dr. Jorge Coelho. De facto, o Sr. Ministro, como não participou nesse debate, pode não estar totalmente sintonizado com a discussão política grande que se gerou nesse debate.
Deixo claro perante o Sr. Ministro, porque percebi agora, pela sua segunda intervenção, que, aparentemente, teria algumas dúvidas, qual é a posição do PSD relativamente a esta matéria de fundo, o que já foi dito na intervenção do meu colega Dr. Luís David Nobre.
Porventura, a bancada do Partido Socialista esteve pouco atenta e o Sr. Ministro talvez não tenha ouvido com o interesse necessário essa intervenção, mas o meu colega Luís David Nobre clarificou que já nesse debate o PSD tinha deixado claro que entendia que a opção pela exclusividade do exercício de determinado tipo de funções públicas e o regime de incompatibilidade e de impedimentos - porque esta matéria da inibição, antes ou depois, é assunto de impedimentos - é uma matéria que o PSD não rejeita e que considera perfeitamente legítima de ser assumida por qualquer governo.
Assim - e o Sr. Ministro convirá -, o Governo nem sequer inova, apenas transporta para esta realidade autónoma, que o Governo explica na «Exposição de motivos» que deve ser entendida como uma realidade com alguma autonomia, e que o é, um regime de impedimentos já existente para outro tipo de funções de natureza pública, nomeadamente no que se refere aos órgãos de soberania, onde assim já é, como o Sr. Ministro sabe.
O problema é que já nesse debate o PSD tinha colocado, com clareza, a questão de o Governo ter avançado para um regime, que não questionávamos nos seus princípios e nos seus fundamentos, com um perfil perfeitamente injusto, porque tinha claramente - e denunciámo-lo nesse debate - um objectivo: alterar as regras a meio do jogo para se ver livre de nomeações de pessoas que legitimamente tinham sido nomeadas para cargos que estavam a exercer ao abrigo de regras definidas anteriormente.
O Governo fez orelhas moucas à nossa critica e aprovou a lei tal qual a propôs na Assembleia da República, pelo que, nos últimos três anos, assistimos ao vendaval de saneamentos políticos que este Governo empreendeu na Administração e em outros cargos públicos.
O problema é que, nesta proposta que o Sr. Ministro aqui está a defender, o Governo vem dizer - agora bem, do nosso ponto vista - que esta alteração de regras se aplica para a frente e não para as pessoas que já estão a exercer funções tendo sido nomeadas ao abrigo de regras diferentes.
O problema que se coloca - e a este o Sr. Ministro não responde porque o Governo, de facto, não tem resposta a dar - é o porquê de o mesmo Governo, na mesma legislatura, ter, sobre matéria idêntica, dois pesos e duas medidas.
O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Não é verdade!
O Orador: - A conclusão é nossa - permita-nos, Sr. Ministro, tirar uma conclusão política: na altura, os senhores precisavam de engendrar um regime político para fazer saneamentos na Administração Pública; agora, querem fazer um regime jurídico que proteja as pessoas que lá estão.
O Sr. Ministro não o quer admitir, mas essa é a conclusão política que o PSD, com clareza, na intervenção anterior proferiu e que, agora, nesta segunda intervenção, explicito melhor porque o Sr. Ministro o pediu.
Deixo claro que essa é a leitura do PSD, ou seja, concordamos com o regime, não podemos é concordar com a dualidade de critérios de que os senhores dão mostra.
O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Não lia qualquer dualidade!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro, dispondo de 4 minutos que lhe foram cedidos pela bancada do Partido Socialista.
O Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, há um pequeno equívoco no que V. Ex.ª disse. O que propomos não é exactamente o mesmo regime do dos altos cargos políticos, vai mais além.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É o dos órgãos de soberania!
O Orador: - Não, não, Sr. Deputado, vai mais além! A incompatibilidade não depende agora de a empresa ter recebido qualquer benefício concreto: é para todas as empresas que tenham sido reguladas por aquele sector. Vai mais além!
É justamente por esta medida ser de grande alcance que não me parece razoável nem justo aplicar este regime de incompatibilidades aos actuais dirigentes, far-se-á para o futuro.
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29 DE ABRIL DE 1999
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas em 1997 não foi isso que fizeram!
O Orador: - Aqueles que vierem a ser nomeados saberão, no momento em que aceitarem esta funções e estas responsabilidades, que não poderão exercer funções de direcção nas empresas nem deter qualquer interesse.
Reparei que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes especializou-se na interpretação autêntica dos seus colegas de bancada, mas registo com satisfação que, afinal de contas, quanto à matéria substantiva que está em discussão, o Sr. Deputado e a bancada do PSD estão de acordo. Registo com satisfação porque, finalmente, percebemos que, apesar da vergonha que por aí vai, o PSD está concordante com a proposta de lei apresentada.
Aplausos do PS.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É porque os senhores fizeram um acto de contrição!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que o debate está encerrado. A votação desta proposta de lei será amanhã, à hora regimental das votações.
A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, a partir das 15 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: período de antes da ordem do dia, com declarações políticas, seguido do período da ordem do dia, do qual consta a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 625/VII - Pronúncia, acompanhamento e apreciação pela Assembleia da República da participação de Portugal no processo de construção da União Europeia (CDS-PP), a discussão, também na generalidade, do projecto de lei 644/VII - Altera o artigo 1906.º do Código Civil (Exercício do poder paternal em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento) (PS) e a discussão conjunta, na generalidade, do projecto de lei n.º 661/VII - Garante aos jovens menores o livre exercício do direito de associação e simplifica o processo de constituição das associações juvenis (PCP) e da proposta de lei n.º 274/VII - Regula o direito de associações de menores.
Nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos. Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
José Manuel Niza Antunes Mendes. Nelson Madeira Baltazar.
Partido Social Democrata (PSD):
Arménio dos Santos.
Eduardo Eugênio Castro de Azevedo Soares.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
João Carlos Barreiras Duarte.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Partido do Centro Democrático Social - Pai Popular (CDS-PP):
António Almeida Figueiredo Barbosa Pombeiro.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Partido Comunista Português (PCP):
Bernardino José Torrão Soares.
Maria Odete dos Santos.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Carlos Manuel Luís.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Partido Social Democrata (PSD):
João Bosco Soares Mota Amaral.
José Manuel Durão Barroso.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Lino António Marques de Carvalho.
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2830 I SÉRIE - NÚMERO 78
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