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Quinta-feira, 6 de maio de 1999 I Série, Número 81

VII LEGISLATURA 4ª SESSÃO LEGISLATIVA (1998-1999)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 5 DE MAIO DE 1999

Presidente: Exmo. Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Exmos. Srs. José Ernesto Figueira dos Reis
Maria Luísa Lourenço Ferreira
João Cerveira Corregedor da Fonseca

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.ºs 276 e 277/VII, de requerimentos e de respostas q alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado António José Seguro (PS) criticou declarações proferidas pelo Sr. Deputado Pacheco Pereira (PSD) relativas à lista de candidatos do PS às eleições para o Parlamento Europeu. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Carlos Encarnação (PSD), que escorçou também o direito de defesa da consideração da bancada.
A Sr.ª Deputada Manuela Aguiar'(PSD) defendeu a necessidade de criação de uma subcomissão ou de uma comissão parlamentar especializada no tratamento de questões relativas às comunidades portuguesas no estrangeiro, tendo, no final, respondido a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Carlos Luís (PS).
Ordem do dia. - Procedeu-se ao debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 241/VII- Regula a utilização de meios técnicos de controlo à distância para fiscalização do cumprimento da obrigação de permanência na habitação prevista no artigo 201.º do Código do Processo Penal. Intervieram, a diverso titulo, além do Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim), os Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), Francisco Peixoto (CDS-PP). António Filipe (PCP) e Cláudio Monteiro (PS).
Foi igualmente discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 256/VII - Altera o Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, que aprovou o regime jurídico de protecção às vítimas de crimes violentos. sobre a qual se pronunciaram, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Matos Fernandes), os Srs. Deputados António Brochado Pedras (CDS-PP), Odete Santos (PCP), Natalina Moura (PS) e Correia de Jesus (PSD).
A Câmara apreciou ainda, na generalidade, a proposta de lei n.º 225/VII - Autoriza o Governo a rever o Código de Processo do Trabalho, tendo intervindo no debate, além do mesmo Secretário de Estado, os Srs. Deputados Odete Santos (PCP), Moura e Silva (CDS--PP), Francisco José Martins (PSD) e Strecht Ribeiro (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 50 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos. Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto Remardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Cardoso.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António José Martins Seguro.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Armando Jorge Paulino Domingos.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Casimiro Francisco Ramos.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís António do Rosário Veríssimo.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Paulo Jorge Lúcio Arsénio.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.

Partido Social Democrata (PSD):

Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Alberto Queiroga Figueiredo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António d'0rey Capucho.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho.

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Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Carlos Eugênio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugênio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Póvoas.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.
Vasco Manuel Henriques Cunha.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Carlos Brochado de Sousa Pedras.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Pedro José Dei Negro Feist.
Rui Manuel Pereira Marques.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
António Luís Pimenta Dias.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputado independente:

José Mário de Lemos Damião.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do expediente que deu entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as propostas de lei n.º 276/VII - Altera a Lei n.º 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais), que baixa à 1.ª Comissão, e 277/VII - Autoriza o Governo a rever o regime jurídico dos revisores oficiais de contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 422-A/93, de 30 de Setembro, que baixa à 8.ª Comissão.
Foram apresentados na Mesa os seguintes requerimentos:
Na reunião de 29 de Abril de 1999: ao Ministro Adjunto do Sr. Primeiro-Ministro, formulado pelo Sr. Deputado Aires de Carvalho; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pela Sr.º Deputada Lourdes Lara; ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Jorge Roque Cunha e Luísa Mesquita; ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade, formulados pelos Srs. Deputados Bernardino Soares e Alexandrino Saldanha; aos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado .Rodeia Machado; e à Comissão Coordenadora Regional de Lisboa e Vale do Tejo, formulado pela Sr.ª Deputada Isabel Castro.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados:
No dia 30 de Abril de 1999: Ricardo Castanheira, na sessão de 30 de Junho; Manuela Aguiar, na sessão de 12

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de Novembro; Isabel Castro, nos dias 3 de Dezembro e 26 de Janeiro; António Saleiro, na sessão de 27 de Janeiro; Rui Pedrosa de Moura, na sessão de 28 de Janeiro; Luísa Mesquita, no dia 9 e na sessão de 17 de Fevereiro; Carlos Marta, na sessão de 25 de Fevereiro; Henrique Neto, na sessão de 11 de Março; e António Rodrigues, na sessão de 19 de Março.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado António José Seguro.

O Sr. António José Seguro (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Permitam-me que, ao usar, pela primeira vez, da palavra nesta legislatura, cumprimente V. Ex.ª, Sr. Presidente, bem como todas as Sr.ªs e Srs. Deputados, e lamente que a minha primeira intervenção tenha de ser feita nas circunstâncias que as Sr.ªs e os Srs. Deputados vão entender e compreender, mas não sem que antes informe a Câmara que, depois de ter decidido usar da palavra hoje, de imediato e por elegância parlamentar, telefonei ao líder da bancada do Grupo Parlamentar do PSD, que não estava, mas tive oportunidade de falar com o vice-presidente, o Sr. Deputado Azevedo Soares, dando-lhe informação de que ia hoje usar da palavra e solicitar que pudesse informar o Sr. Deputado Pacheco Pereira para estar presente nesta Sala. De resto, não era necessário fazê-lo, porque ele é Deputado.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - É Deputado mas não exerce!

O Sr. Arménio Santos (PSD): - Chama-se Mário Soares?!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados:
Desde que foi designado cabeça de lista do PSD às eleições europeias, o Sr. Deputado Pacheco Pereira não tem perdido uma oportunidade para tentar denegrir a lista do PS e insultar-me pessoalmente.
Fê-lo durante a apresentação da sua lista, repetiu-o em diversas entrevistas e levou o insulto ao extremo durante a sua intervenção no Congresso do PSD.
O Sr. Deputado Pacheco Pereira sabia perfeitamente que me podia insultar no Congresso do PSD sem que eu pudesse defender-me. Pelo contrário, ontem, aqui, nesta Assembleia e confrontado directamente, por duas vezes, pelo líder do meu grupo parlamentar, o Sr. Deputado Pacheco Pereira foi incapaz de negar os insultos à lista do PS e a mim próprio, não tendo, todavia, a coragem de os repetir.
Porque ontem sobre isso nada disse, hoje falo nesta Câmara.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E falo directamente para si, Sr. Deputado Pacheco Pereira, para lhe dizer que não conheço nenhum curriculum meu onde constem as actividades que o senhor disse em Coimbra, Mas falo principalmente para lhe afirmar que não me envergonho nada, mesmo nada, de ter sido responsável por qualquer uma das três iniciativas que referiu.
Fui responsável por elas todas e todas elas coroadas de êxito. E foram essas iniciativas que contribuíram decisivamente para a vitória do PS e do Eng.º António Guterres, em Outubro de 1995.

Aplausos do PS.

Se hoje fosse necessário voltar a coordená-las, voltava a fazer o mesmo, porque o fiz em nome de um projecto e de uma ideia em que acredito.
Voltava a fazer o mesmo porque considero que o trabalho partidário é tão digno como os artigos que o Sr. Deputado Pacheco Pereira escreve nos jornais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - São duas formas diferentes de participar civicamente, que devem merecer igual respeito e consideração, apesar de o seu trabalho ser pago e o meu ser feito por militância.

Aplausos do PS.

Aliás, a sua bancada tem distintos Deputados, por quem nutro estima e consideração, que desempenharam funções iguais às minhas, como são os casos do Sr. Comandante Azevedo Soares e do Sr. Dr. António Capucho - o primeiro no que diz respeito aos debates e o segundo no que diz respeito à coordenação de campanhas.
O Sr. Deputado Pacheco Pereira, ao dizer o que disse, não me insultou só a mim e aos meus camaradas de lista, insultou e tentou diminuir pessoas em todos os partidos políticos que desempenharam ou desempenham funções partidárias iguais às minhas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É que todos nós conhecemos o profundo desprezo que o Sr. Deputado Pacheco Pereira tem pela actividade dos partido políticos!

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mas não deixa de ser curioso que a primeira visita que fez como candidato foi ao Sr. Major Valentim Loureiro, que tanto criticou. Não me admira, por isso, Srs. Deputados, que ainda vejamos o Sr. Deputado Pacheco Pereira a cantar ao lado de Mendes Bota, no Algarve.

Risos do PS.

Mas o rol de incoerências e contradições do Sr. Deputado Pacheco Pereira não fica por aqui, e, por isso, é preciso avisar os portugueses.
Na apresentação da sua lista, anunciou que viria aí uma forma nova de fazer política, mas outra coisa não tem feito do que dirigir insultos e apresentar propostas sobre a organização dos debates da campanha.
Ontem mesmo acusou o Sr. Dr. Mário Soares de aproveitar o seu cargo de Presidente do Movimento Europeu para fazer campanha eleitoral. Foi de pronto desmentido. Mas o Sr. Deputado Pacheco Pereira não hesita em utilizar a sua página no Diário de Notícias para fazer a sua campanha eleitoral. É caso para perguntar se recebe como articulista ou como candidato ao Parlamento Europeu.

Aplausos do PS.

O Sr. Deputado Pacheco Pereira foi apresentado como o grande timoneiro das ideias europeias, mas ontem, aqui

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confrontado, produziu esta frase admirável: «A minha Europa não é a vossa». E mais não disse. Ficámos todos a conhecer o seu pensamento europeu!

Risos do PS.

O Sr. Deputado Pacheco Pereira acusou o Sr. Dr. Mário Soares dizendo que ele seria um mau eurodeputado, porque toda a gente sabe que ele não lê dossiers. Mas eu pergunto: alguém está a ver que o Sr. Deputado Pacheco Pereira a defender, em Bruxelas, a pêra rocha ou o trigo duro?!

Risos do PS.

Mas o Sr. Deputado Pacheco Pereira não se caracteriza só por ausência de ideias sobre a Europa e por incoerências sucessivas. No passado sábado, ficámos todos a saber que ele não sabia sequer quantos Deputados tem o Parlamento Europeu e, mais grave que isso, quantos Deputados elege Portugal!

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - A nós nada disto nos admira porque sabemos que o Sr. Deputado Pacheco Pereira tem um valor facial/multimédia superior ao valor real.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas é preciso avisar os portugueses! É preciso avisá-los de que só assim se compreende que, numa recente entrevista à Antena l, o Sr. Deputado Pacheco Pereira tenha dito esta coisa espantosa: que não tinha opinião sobre a Agenda 2000 porque não é economista.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Pergunto: como podem os portugueses votar num cabeça de lista que, sobre a negociação recente mais importante para o futuro do nosso País, não tem uma opinião ou não faz a mínima ideia do que está a falar?!
Para o Sr. Deputado Pacheco Pereira, os cerca 550 milhões de contos de fundos estruturais que o nosso País vai receber em cada ano, no período 2000 a 2006, é um assunto técnico, reservado a economistas.
Para o Sr. Deputado Pacheco Pereira as negociações das OCM do vinho, do gado bovino, dos cereais e do leite, bem como os fundos específicos para a nossa agricultura, é um assunto técnico, reservado a economistas.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Não se lhe exige que ele seja um especialista em agricultura ou em fundos estruturais, exige-se que tenha um conhecimento mínimo sobre o conteúdo da Agenda 2000 e das negociações efectuadas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É preciso avisar os portugueses que o Sr. Deputado Pacheco Pereira, para além da campanha do insulto pessoal, das suas contradições, das suas incoerências, da sua falta de informação sobre o número de Deputados portugueses no Parlamento Europeu, do seu desconhecimento sobre a Agenda 2000, não honra os seus compromissos políticos.
Não honrou os seus compromissos políticos em Loures, quando, em 1989, perdeu as eleições e só cumpriu 25% do mandato.

Aplausos do PS.

Não honrou os seus compromissos em Aveiro, quando, em 1995, foi eleito Deputado e nunca mais lá foi.

Aplausos do PS.

O ST. Deputado Pacheco Pereira bem pode escrever sobre a necessidade da aproximação entre eleitos e eleitores. Mas de que serve ele escrever, se faz precisamente o contrário do que diz?!
É por isso, Sr. Deputado Pacheco Pereira, que lhe sugiro: não torne a insultar as pessoas, tenha humildade democrática,...

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... porque isto de currículo, todos temos o nosso. Não sei qual era o seu aos 37 anos de idade, nem o senhor sabe qual será o meu quando eu tiver 50 anos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Carlos Encarnação. Porém, antes de lhe dar a palavra, quero informar a Câmara que se encontram a assistir à sessão um grupo de 30 alunos do Instituto Vasco da Gama, de Ansião, um grupo de 230 alunos da Escola Básica 2.º e 3.º Ciclos Visconde de Juromenha, de Mem Martins, e um grupo de 65 alunos da Escola Básica do 2.º e 3.º Ciclos das Caldas das Taipas, para quem peço a vossa saudação carinhosa.

Aplausos gerais, de pé.

Para o seu pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - O Sr. Deputado Pacheco Pereira mudou de cara!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Viram que ele não estava!... Viram que ele não estava!...

Protestos do PS e contraprotestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peco-lhes que façam silêncio! Gostava que o meu pedido fosse acatado! Não me obriguem a nomear aqueles que continuam a fazer barulho!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, há certas intervenções que necessitam sempre, como no teatro grego, de um coro. Foi isso que aconteceu agora com a bancada do Partido Socialista!
A intervenção foi tão fraca, tão fraca, tão fraca que não deu qualquer ideia daquilo que o Sr. Deputado António

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José Seguro queria contestar em relação à postura anterior.

Vozes do PS: - Ah!

O Orador: - Limitou-se a fazer um ataque pessoal, e um ataque pessoal próximo do ataque soez, em relação a um Deputado desta Casa...

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - ... e tentou encenar a sua intervenção da seguinte maneira, vejam bem: «Eu, ao fim da manhã de hoje, até avisei que ia falar sobre o Dr. Pacheco Pereira». Como se o Dr. Pacheco Pereira, que tem variadíssimas actividades de pré-campanha na sua agenda...

Protestos do PS.

Vozes do PS: Devia estar aqui! Devia estar aqui! É Deputado!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que façam silêncio.

O Orador: - Como se o Dr. Pacheco Pereira, que tem variadíssimos compromissos políticos na sua agenda, estivesse aqui obrigatoriamente para ouvir aquilo, que pouca importância tinha, que o Sr. Deputado António José Seguro tinha para lhe dizer!

O Sr. Deputado António José Seguro teria tido alguma justificação para dizer aquilo que disse se ontem não estivesse aqui.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Claro!

O Orador: - Ontem, o Sr. Deputado Pacheco Pereira falou aqui, esteve aqui. E onde é que estava o Sr. Deputado António José Seguro? Talvez perdido por ali, por aquela bancada!

Aplausos do PSD.

Certamente a pensar naquilo que hoje havia de dizer de mal sobre o Dr. Pacheco Pereira, entretido a pesquisar, em todos os seus documentos, argumentos para hoje aqui empregar!
Só que o Sr. Deputado António José Seguro ontem desapareceu, saiu pela esquerda baixa, não se viu! Fugiu àquilo que o Dr. Pacheco Pereira tem várias vezes proposto, que é o debate. Porque a grande ideia que o Dr. Pacheco Pereira tem aqui várias vezes salientado é que tudo é possível ser discutido, até, Sr. Deputado António José Seguro, o seu curriculum, em excesso ou em defeito. Tudo é susceptível de ser discutido, mas tem de ser discutido em frente dos portugueses.
É por isso que todos os debates, com o Partido Socialista e com todos os outros partidos concorrentes, com os cabeças de lista às eleições europeias, devem ser multiplicados. O Sr. Deputado tem de compreender que é assim que se deve fazer e não de outra maneira.
Sr. Deputado António José Seguro, compreendo bem que, como disse da outra vez, esteja cansado; compreendo bem que V. Ex.ª queira até - é legítimo - acabar o
seu curso; compreendo que V. Ex.ª queira descansar das imensas actividades que teve, designadamente as actividades que preenchem os seu curriculum, as quais não vou agora discutir, mas o que o Sr. Deputado António José Seguro não pode é vir aqui só com a ideia, pouco digna, de pretender apoucar uma pessoa. V. Ex.ª devia, em contrapartida, ter feito um discurso sobre a Europa. Era assim que ficava bem, porque era assim que V. Ex.ª tentava estabelecer um contraponto!
E, já agora, diga-me, Sr. Deputado António José Seguro, porque isto é algo de fundamental que gostaria de ouvir da sua boca: em relação aos debates com o Dr. Mário Soares, V. Ex.ª acha bem aquilo que o cabeça da sua lista, da lista do Partido Socialista, disse, isto é, que estava disposto a receber na sua fundação, a Fundação Mário Soares, o Dr. Pacheco Pereira? V. Ex.ª acha que uma fundação particular, que subsidia programas televisivos de projecção de um candidato, que subsidia - ou pelos vistos também está pronta para subsidiar - debates entre os dois candidatos, que é ela própria subsidiada com dinheiros públicos, é o sítio ideal para fazer debates deste género? Sr. Deputado António José Seguro diga se isto é ou não, do seu ponto de vista, um excesso manifesto e uma vergonha.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António José Seguro.

O Sr. António José Seguro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Carlos Encarnação: Gostava de o cumprimentar e de lhe dizer que tenho dificuldade em entender a maior parte do seu pedido de esclarecimento. Diferenciam-nos posturas políticas diferentes e, por isso, não leve a mal que a minha formação política me impeça de comentar, corrigir ou responder da mesma forma que o senhor fez em relação a mim.

Aplausos do PS.

Os Srs. Deputados do PSD, onde tenho amigos e muita gente que considero, não lamentam mais do que eu a ausência do Sr. Deputado Pacheco Pereira e não lamentam porque me conhecem e sabem que gosto do confronto e que não viro as costas.

Vozes do PSD: - Então, e ontem?

O Orador: - Ontem não tive possibilidade de participar no debate, porque o meu nome não foi invocado ...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Essa agora!

O Orador: - ... e eu não conheço nenhuma figura regimental que me permitisse tê-lo feito. Mas não entro em considerações de nenhuma outra espécie e a obrigação do Sr. Deputado Pacheco Pereira é estar nos trabalhos parlamentares. É por isso que recebe dinheiro, é por isso que os portugueses lhe pagam, é por isso que ele deveria estar aqui e na comissão de que faz parte.

Aplausos do PS.

Mas, mesmo assim, Sr. Deputado Carlos Encarnação, tive a elegância parlamentar de me dirigir à direcção do

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seu grupo parlamentar e de informar que ia falar, porque compreendo que, nesta altura agitada, o Sr. Deputado Pacheco Pereira pudesse não estar cá. Porém, é sintomático que ele tenha estado aqui todos os dias, desde a semana passada até ontem, e que hoje não esteja presente no Hemiciclo.
Mas digo-lhe uma coisa, Sr. Deputado Carlos Encarnação: estou disponível para voltar a repetir, nesta Sala, na frente do Deputado Pacheco Pereira, o mesmo discurso que acabei de fazer, para que possamos debater aquilo que lhe disse.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado Carlos Encarnação, podemos ter todas as diferenças, podemos ter divergências - e temo-las -, podemos ter debates, agora o que não é sério, nem é justo, é mentir e o Sr. Deputado Carlos Encarnação utilizou uma mentira para me ofender,...

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - É. o normal!

O Orador: - ... porque disse que eu tinha dito que estava cansado. Ora, eu nunca me cansei, nem da actividade partidária, nem da actividade pública. É por isso que o Deputado Pacheco Pereira, tendo sido cabeça de lista em Aveiro e depois de ter sido eleito, foi lá zero vezes e eu, apesar de ser membro do Governo, fui mais de uma centena" de vezes ao meu distrito eleitoral, o distrito da Guarda. São estas as diferenças!

Aplausos do PS..

Não é preciso retórica mas, sim, mostrar factos concretos!
E já que o senhor fez de porta-voz do Sr. Deputado Pacheco Pereira, há um facto concreto que gostaria que lhe transmitisse - se não se importa ia tomando nota: a nossa Europa é uma Europa que nós queremos que venha a retomar a alma e o ânimo do projecto europeu. Queremos que esse projecto europeu assente numa base política e que essa construção seja uma construção a que se dê tanta força e tanto empenhamento na próxima legislatura como na anterior foi dada às políticas financeiras e ao euro, servindo agora para aperfeiçoar o modelo social europeu.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - No centro da construção europeia, queremos que sirva para verdadeiramente fazer uma união política, com uma voz única no contexto das nações mundiais, que tenha uma política comum de defesa em pé de igualdade, em termos políticos, com o outro pilar da Aliança Atlântica, porque só assim os valores civilizacionais que herdámos podem ser respeitados em cada conflito que exista no continente europeu.
Diga-lhe também - escreva, Sr. Deputado! -, que nós, candidatos pelo Partido Socialista ao Parlamento Europeu, defendemos a participação de Portugal no centro da construção europeia e não vamos só à política que nos interessa, porque são os interesses egoístas e os interesses de curto prazo, uma visão excessivamente nacionalista, que «matam» a construção europeia. É por esta Europa e por esta participação que queremos estar no Parlamento Europeu, para aproximar os cidadãos da construção europeia.

Aplausos do PS.

Os Sr. Presidente: - Para defender a honra da bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De uma maneira muito simples e muito directa, o Sr. Deputado António José Seguro fez aqui um exercício, que é um exercício lamentável, do meu ponto de vista, daquilo que se não deve fazer para ganhar a confiança das pessoas, a confiança dos políticos e a confiança nas instituições.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E esta foi a linha determinante no seu discurso, como foi a linha determinante na sua resposta.

Não tenho culpa que o Sr. Deputado António José Seguro, como disse, e bem, tenha diferenças em relação a mim no modo de exercer a política, escusava era de as mostrar dessa maneira!
Em último lugar, Sr. Deputado, quero dizer-lhe o seguinte: também não tenho qualquer problema, nem tenho culpa alguma das entrevistas que V. Ex.ª dá, porque quando V. Ex.ª diz que menti ao referir uma determinada opinião sua, um estado de alma exibido por si, esse estado de alma, essa sua opinião, essa vontade de se retirar durante um tempo das lides partidárias, portanto, de descansar da sua infrene actividade diária, foi feita com a intenção de dizer que V. Ex.ª estava cansado. Portanto, não tenho de me penitenciar pela falta de responsabilidade que V. Ex.ª exibiu ao fazer essas declarações. Se V. Ex.ª agora está ou não arrependido, não sou eu que tenho culpa, é V. Ex.ª. Redima-se agora, diga que vai por interesse particular, diga que vai para representar um determinado papel, diga o que vai fazer, mas não diga que as pessoas mentiram quando V. Ex.ª faz afirmações como as que fez.

Aplausos do PSD.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Você tem uma queda para o abismo que é uma coisa espantosa!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra 'o Sr. Deputado António José Seguro.

O Sr. António José Seguro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação: Há uma técnica, que algumas pessoas que fizeram determinado percurso político usam, que é agarrar numa mentira e repeti-la tantas vezes até que ela passe a ser verdade.
Compreendo agora porque é que o senhor fez este papel, neste momento: é que, de alguma forma, a «doença» já se está a espalhar e já chegou a si.
Nunca disse que queria ir descansar. Desmenti-o e tive oportunidade de o fazer há uma semana, em texto de jornal. Por isso, Sr. Deputado Carlos Encarnação, a defesa da consideração da sua bancada, se foi para voltar a insultar-me e a referir a mentira que disse, é tempo perdido, gasto aos trabalhos produtivos que esta Assembleia deve ter.
Sou contra a política dos recortes dos jornais e sou a favor do debate. Sobre esta matéria, quando lhe falei da Europa, o Sr. Deputado disse zero e talvez por isso não tenha sido escolhido para a nova comissão política do seu partido.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção de interesse político relevante, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Aguiar.

A Sr.ª Manuela Aguiar (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho repetidamente proposto que se reconstitua a subcomissão das comunidades portuguesas. Agora, em fim de legislatura, é tarde de mais para insistir, mas é sempre tempo de fazer o balanço da situação que resulta da sua não existência.
Foi decisão consensual dos partidos a de procurar seguir as políticas para os emigrantes e suas comunidades em plenário da Comissão de Negócios Estrangeiros. A aposta no seu empenhamento nesta área específica era arriscada, porque as suas competências são amplíssimas, abrangendo domínios que no Ministério do mesmo nome cabem a várias secretarias de Estado. Uma delas é mesmo acompanhada em São Bento por uma comissão parlamentar própria, a Comissão de Assuntos Europeus, e só para prestar esclarecimentos sobre a marcha de determinado processo, o respectivo Secretário de Estado esteve na Comissão 14 vezes, o que foi justamente apontado como excelente exemplo de relacionamento entre o Governo e o Parlamento.
No sector das comunidades portuguesas a média de audições é bem mais modesta e é, aliás, conseguida graças a uma primeira fase, que vai até ao fim de 1996, em que se pôde proceder ao desenvolvimento do processo de recriação do Conselho das Comunidades Portuguesas: estudos e pareceres sobre projectos de lei do PSD e do PCP e a sua apreciação conjunta com a proposta de lei governamental, após votação favorável de todos eles na generalidade, em Plenário; constituição de um grupo de trabalho que executou a tarefa de articular os três diplomas num prazo excepcionalmente curto e a aprovação do texto final, que mereceu unanimidade da Câmara.
O CCP acabou sendo, porventura, o que de mais notável, a Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros produziu, na sua veste de legislador, entre 1995 e 1999. Porém, compromissos para cumprimento da sua agenda em outras áreas das relações internacionais, não permitiram o tomar de iniciativas na esfera em que habitualmente se movia, nas várias legislaturas em que existiu, a subcomissão das comunidades portuguesas e, por isso, ficaram sem resposta todas aquelas múltiplas perguntas que nem sequer puderam ser formuladas.
Entre os debates temáticos que não houve, referirei apenas alguns dos que gostaríamos de ter sugerido:
A negociação ou renegociação de acordos de segurança social com a Austrália, Canadá, Venezuela, África do Sul e Brasil;
O repatriamento visto como um direito de emigrantes idosos ou, em alternativa, o direito a pensões e rendimento mínimo garantido, pagas lá fora;
As contradições do sistema de ensino do português no estrangeiro: o envolvimento directo do Governo na Europa e na África do Sul; a pura iniciativa privada, quase sempre do meio associativo e de paróquias católicas, em todas as outras comunidades transoceânicas; o ensino da nossa língua em crise nas Bermudas, onde a escola portuguesa corre o risco de fechar, em Harare, onde há anos falta um professor, ou em Maputo, onde duas das escolas de currículo português, ambas de nível pedagógico oficialmente reconhecido, a Verney e a Craveirinha, têm sido
discriminadas pela recusa de todo e qualquer subsídio por parte do Ministério da Educação;
A aplicação prática da chamada lei da dupla nacionalidade, que consagrámos, em 1981, sem abranger retroactivamente os casos de cidadania perdida até então, a inadiável restituição da nacionalidade, nestes casos, de modo célere, automático e o combate aos escandalosos atrasos burocráticos nos processos de naturalização;
A actual legislação alfandegária e fiscal, o regime de importação de veículos automóveis e o problema particular do retomo de emigrantes de países onde se conduz pela faixa esquerda. Caros colegas, não discriminemos esta esquerda, a do volante!
As opções da transportadora aérea nacional, que, mesmo antes de já não parecer - ou de já não ser - nacional, muitos emigrantes denunciavam e rejeitavam, com o abandono de destinos como Toronto e Montreal, onde há 0,5 milhão de portugueses, os preços exorbitantes cobrados onde não havia concorrência (como acontecia até há pouco na Venezuela), a escolha das rotas mais para turistas no Brasil, como Natal ou Fortaleza, em prejuízo das que seriam predominantemente para portugueses e luso descendentes, em Belém do Pará;
A programação da RTPI, da RDP Internacional e da RTP África e os meios hoje proporcionalmente crescentes para o esforço feito na vertente «cooperação», face à da «emigração»;
As condições de acolhimento aos jovens deportados dos EUA e do Canadá, contadas pelos próprios;
O sucesso ou insucesso escolar e a adaptação ou inadaptação ao novo meio das segundas gerações de emigrantes em caso de retorno, com audição dos interessados, dos professores e dos pais;
A avaliação do condicionalismo particular da reintegração de mulheres migrantes na terra de origem, sabendo-se que em muitos casos são elas as que mais perdem na mudança e por isso são, frequentemente, quem mais resiste à ideia de voltar;
O impacto do regresso de migrantes no Portugal do interior, com audição de autarcas, de ONG e de peritos;
Reunião com os membros do Conselho Permanente do CCP (Conselho das Comunidades Portuguesas) - o passado ou o próximo -, com políticos e com peritos para a reflexão sobre o seu estatuto ideal e sobre a possibilidade da sua «constitucionalização», que vem sendo defendida não só pelos próprios mas também por eminentes professores universitários, como Jorge Miranda;
A participação política na vida portuguesa, nas eleições autárquicas e regionais, nos referendos e nas escolhas para o Parlamento Europeu. Não esqueçamos que os grandes ausentes do processo eleitoral que vamos viver dentro de poucas semanas serão todos aqueles «cidadãos europeus» que vivem fora do espaço, da União, os portugueses, claro, que não os espanhóis, os franceses e outros nacionais de países membros da União Europeia com legislação menos discriminatória do que a nossa, que urge rever;
As remessas, que continuam acima dos 600 milhões de contos, sua composição, seu evoluir, seu significado;
A realidade dos movimentos migratórios hoje (emigração clandestina, sazonal, de jovens, de mulheres, de quadros);
Vantagens e inconvenientes do voto por correspondência e do voto presencial e comparação dos resultados das eleições para o CCP e para a Assembleia, com eventual auscultação de peritos nacionais e estrangeiros;

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O problema actual da multiplicação dos cadernos eleitorais (o primeiro para a eleição presidencial, o segundo para a eleição do Parlamento, o terceiro para os referendos, o quarto para as eleições europeias, o quinto para o CCP);
O recenseamento e o processo gradual de redução de inscritos no círculo de «Fora da Europa», iniciado - note-se - precisamente em 1996, perante o evidente desinteresse da maioria dos responsáveis consulares. A propósito desta questão, quero referir uma nota insólita. Em 1997, nos Estados Unidos da América, o máximo de novas inscrições era atingido em Filadélfia, área consular que não é de grande fixação de portugueses. O cônsul honorário Baldemiro Soares foi, pouco depois, ninguém sabe porquê, sumariamente despedido. Não houve, por certo, directa relação de causa/efeito entre os factos, mas, como é óbvio, houve o mais total descaso pela sua acção e valor;
A diminuição das competências dos consulados honorários com a imediata impossibilidade de assegurarem serviços públicos que vinham a prestar, em regra, com eficiência, o que equivaleu a drástica redução de facto da rede consular;
Balanço das acções de auxílio aos compatriotas atingidos por guerras civis da Guiné, do Congo ou do Lesoto, ou por situações de galopante aumento de criminalidade e insegurança geral (veja-se a República da África do Sul);
O quadro global dos subsídios atribuídos às associações portuguesas do estrangeiro, o qual, face à exiguidade dos orçamentos da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, nunca pode deixar de beneficiar só uns poucos, perante a grande maioria dos outros, sendo certo que a grande maioria dos esquecidos está agora, sempre, nas comunidades transoceânicas;
Audiências, audições, colóquios, encontros, como os que teríamos proposto numa subcomissão ou comissão especializada, são um instrumento insubstituível de conhecimento da realidade e de reflexão sobre ela. Para o comprovar citar-lhes-ei o debate sobre as chamadas quotas de participação política para mulheres: a audição prévia das ONG, de jornalistas, de líderes políticos e de personalidades foi um evento inesquecível, mas a discussão no Plenário foi o seu oposto, o cumprimento de uma obrigação com os discursos da praxe.
No domínio de que nos ocupamos, a escassez de meios próprios para o estabelecimento de um programa de actividades por falta de uma comissão específica é agravada pelo facto de as matérias em questão serem tão diversificadas, ultrapassando largamente o âmbito do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
É por evidentes razões estruturais que na comissão homóloga da Assembleia da República a tónica das comunidades portuguesas está de tal modo ausente que a Deputada representante das comunidades portuguesas residentes no estrangeiro, que entrou a substituir um colega em Janeiro de 1998, não a integra e nunca se viu na necessidade de nela comparecer. Não precisa, como se compreende dado o que vimos explanando. Sabem-no bem os que acompanham de perto tanto a problemática das migrações como a actividade parlamentar e, por isso, no XXII Congresso do PSD, as duas moções que os representantes dos emigrantes da Europa e de Toronto subscreveram defendem, por igual, a criação de uma comissão parlamentar para as comunidades portuguesas.
Aqui, na Câmara, os secundo, deixando aos Deputados da futura Assembleia a lição da experiência desta legislatura.
O papel das comissões é fundamental num parlamento moderno, pois por elas passam, em primeira linha, embora sem o grau de mediatização do Hemiciclo - e também graças a isso mesmo -, não só a actividade legiferante mas também o encontro com a sociedade civil e com o Governo, facilitado pela menor preocupação de defesa de posições partidárias, de um discurso feito para as massas e para os media.
Porém, o número de comissões parlamentares é necessariamente limitado e as que existem indiciam, com toda a segurança, as prioridades de cada conjuntura. Vamos ver qual é a real prioridade das comunidades portuguesas! A resposta será dada, sem equívocos, pela omissão ou pelo acto constituinte de um espaço institucional próprio de diálogo e de trabalho para as migrações portuguesas, a partir do fim deste ano.
(A Oradora reviu.)

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Luís.

O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Aguiar, em primeiro lugar, quero cumprimentá-la pela intervenção que acaba de proferir.
A leitura que fiz da sua intervenção foi de autocrítica à sua própria bancada, quando sabemos que a Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação foi presidida, desde o início da legislatura, nos primeiros dois anos, pelo Sr. Deputado Durão Barroso, pessoa que estimo e considero, e, depois, pelo Sr. Deputado Azevedo Soares, Vice-Presidente da bancada do PSD, pessoa que também considero e estimo.
V. Ex.ª fala na ausência de uma subcomissão para as comunidades portuguesas. Essa subcomissão já existiu noutras legislaturas, pelo que pergunto que trabalho é que a mesma desenvolveu.
Perguntou V. Ex.ª porque é que não existe, nesta legislatura, uma subcomissão com esse âmbito, quando sabe que, neste mesmo Plenário, foi aprovada uma proposta de resolução do CDS-PP para que fosse criada a subcomissão para a cooperação e que sempre o PSD, em sede de Comissão, se negou a criá-la.
Várias vezes foi levantado o mesmo problema em relação a uma subcomissão para emigração, a que o PSD também não quis dar seguimento. V. Ex.ª fez uma autocrítica à sua bancada!
No que diz respeito à ausência da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas em sede de comissão, tal não é verdade, porque foi o próprio Secretário de Estado que, por várias vezes, se disponibilizou e se ofereceu para vir à Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.
Repare bem que V. Ex.º - e quero reavivar-lhe a memória - pediu ao Sr. Presidente para convocar o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, há cerca de três semanas, e o Sr. Presidente assim fez: cumpriu a sua vontade e convocou o Sr. Secretário de Estado para vir à Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação. Conclusão: V. Ex.ª não compareceu a essa reunião onde o Sr. Secretário de Estado esteve a fazer a «radiografia» do trabalho desenvolvido nesta legislatura pela Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas.

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Mais: V. Ex.ª diz que, pela primeira vez desde há 23 anos, uma Deputada do PSD representante das comunidades portuguesas residentes no estrangeiro não faz parte da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação. É verdade, Sr.ª Deputada! A única leitura que posso fazer é que é essa a atenção e a responsabilidade que a bancada de V. Ex.ª dá às comunidades portuguesas residentes no estrangeiro, não permitindo que uma Deputada eleita por elas faça parte da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.
Mas talvez fosse bom que a Sr.ª Deputada Manuela Aguiar, em vez de elencar a ausência - que não é verdadeira - do Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas na Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, referisse as ausências dos Deputados do PSD a essa Comissão.
No que diz respeito à participação dos cidadãos nos diversos actos eleitorais, sabe qual é a minha opinião? Sou favorável a essa participação! Mas, caso curioso, foi quando V. Ex.ª esteve como Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas que o PSD levou ao extremo a redução da participação cívica dos emigrantes em actos eleitorais, precisamente para o Conselho das Comunidades Portuguesas, pois só podiam ser eleitos os eleitores membros do movimento associativo, o que corresponde a 1% dos emigrantes!
Depois, o PSD violou ainda mais a participação dos emigrantes. Até 1985, foi esta a atitude que o PSD perpetrou, mas, de. 1985 a 1990, não existiu o Conselho Mundial das Comunidades Portuguesas e, de 1990 a 1995, o Conselho das Comunidades Portuguesas que existiu foi um conselho governamentalizado, no sentido em que era o Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas que indicava quais os conselheiros que deviam fazer parte do Conselho, não havendo uma eleição directa e universal, como aconteceu agora.
Sr.ª Deputada Manuela Aguiar, gostaria que V. Ex.ª tivesse participado nesse debate com o Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas. Também sou Deputado no Conselho da Europa mas, quando tive conhecimento de que o Sr. Secretário de Estado vinha à Assembleia, não fui para Estrasburgo, fiquei em Portugal para ouvir e, eventualmente, para me esclarecer sobre a governação de quatro anos que o Sr. Secretário de Estado levou a cabo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Aguiar.

A Sr.ª Manuela Aguiar (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Luís, muito obrigada por todas as suas observações e pelos seus cumprimentos, que retribuo. É sempre um fiel ouvinte das minhas intervenções e dá-me a oportunidade de as desenvolver um pouco mais.
No que respeita à afirmação proferida por V. Ex.ª de que eu terei feito uma autocrítica à minha bancada, quero dizer que o Sr. Deputado Presidente da Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste não tem mais estima e consideração do que eu pelos meus colegas, os Deputados Durão Barroso, agora já o nosso Presidente do PSD, e também Azevedo Soares.
Aproveito para agradecer ao Sr. Deputado Durão Barroso toda a abertura e o apoio que nos deu na Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e
Cooperação nesse período inicial que destaquei na minha intervenção - V. Ex.ª terá ouvido atentamente? -, que nos permitiu concluir a legislação do Conselho das Comunidades Portuguesas. É a ele que o devemos, em primeira linha! Se não, Sr. Deputado Carlos Luís, aquele Conselho de que o seu Governo tanta gala faz, se calhar, ainda nem tinha começado a funcionar...
Quanto ao trabalho da anterior subcomissão, foi pena que o Sr. Deputado Carlos Luís não estivesse cá nessa altura para ver como ela funcionava. Mas eu estava cá, eu sei! E o que ela fazia está na linha daquilo que aqui, hoje, propus!
Com essa subcomissão podia fazer-se este acompanhamento, esta constante ligação à sociedade civil que nos tem sido totalmente impossível, não por culpa de qualquer partido ou de qualquer comissão, pois a Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação não tem estruturalmente possibilidade de trabalhar de outro modo e trabalha bem nas prioridades que são as suas! Por isso, é fundamental que tenhamos uma subcomissão ou até uma comissão para as comunidades portuguesas!
Sr. Deputado Carlos Luís, veja o exemplo da Polónia, que tem comissões parlamentares nas duas câmaras. É mais importante dispor de uma câmara com 25 ou 30 Deputados a tratar destas questões, atentamente, do que ter, eventualmente, quatro Deputados, como nós, que fazemos o que podemos mas que podemos muito pouco.
No que diz respeito à criação da subcomissão, propu-la ano após ano e nunca notei que tivesse o seu apoio e o do seu partido. Esta não é uma posição só do PSD, é de todos os partidos; o que fiz foi um alerta a todos os partidos para a próxima legislatura.
O Sr. Deputado Carlos Luís ouviu muito mal a minha intervenção se entende que eu fiz a mínima das mínimas críticas em relação à vinda, ou não, à Comissão, do Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas! Não o fiz! O Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas vem sempre que o chamamos, quando é possível a uma Comissão assoberbada como a dos Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.
Sr. Presidente, peço que a minha intervenção, a partir deste momento, não seja descontada no tempo de resposta, porque é uma matéria em que poderia dirigir uma legítima interpelação à Mesa.
É preciso respeitar o trabalho dos Deputados das delegações parlamentares da Assembleia da República! As deslocações à sessão plenária de Estrasburgo ficam caras. Não faço essas deslocações por um dia! Seriam apenas uma excursão ou um passeio. Faço deslocações para estar uma semana inteira a trabalhar! Posso demonstrar, nesta Câmara, que estive a fazer intervenções sobre o Kosovo, sobre a Croácia, sobre as quotas das mulheres, sobre as pensões dos emigrantes - sobre vários outros assuntos de actualidade -, do primeiro ao último dia, alguns como relatora de projectos que julgo importantes. Penso que é preciso atender à agenda dos Deputados quando se marcam as reuniões aqui. Era esta a observação que queria fazer à Mesa.
Queria pedir a boa colaboração de todas as comissões para não agendarem reuniões em semanas em que há sessão plenária do Conselho da Europa, uma vez que todos os Deputados eleitos em representação das comunidades portuguesas residentes no estrangeiro que integram a Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação também fazem parte do Conselho da

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Europa. Nem todos terão tido de fazer, relatórios como eu, esta semana. Cada qual sabe do seu trabalho.
Peço, pois, que não se façam agendamentos que forcem a tomada de opções em sentidos diferentes por uns e por outros, em função do que vão fazer a Estrasburgo...

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, agradeço que termine, pois já excedeu o seu tempo, mesmo descontado o da interpelação.

A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
Ainda no âmbito da interpelação à Mesa, quero agradecer ao Sr. Deputado Carlos Luís que, na sua qualidade de Presidente da Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste, me disse, em Estrasburgo, que estava marcada a reunião da Comissão de Negócios Estrangeiros para a passada segunda-feira. É que se não me tivesse dito, eu teria faltado a essa reunião porque não fui convocada para ela. Quem estava em Estrasburgo não tinha conhecimento do respectivo agendamento.
De igual modo, não sabia que, na Comissão de Negócios Estrangeiros, ia ter lugar a audição do Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas.
Não sabemos porque não nos informam! Eis a minha interpelação, Sr. Presidente. Não estou a culpar ninguém, estou a alertar para que, no futuro, os Deputados que estão fora do País em trabalho sejam informados, por fax, das reuniões que têm lugar nesta Assembleia, para poderem cumprir as suas obrigações.
De resto, o Sr. Deputado lamenta a minha ausência...

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, tem de terminar, pois já vai em 5 minutos!

A Oradora: - Sr. Presidente, fiz as interpelações...

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, de maneira nenhuma pode meter uma interpelação à Mesa no meio de um discurso!
Faça favor de concluir.

A Oradora: - Sr. Presidente, de qualquer maneira, peço a sua benevolência.

O Sr. Presidente: - Já a teve!

A Oradora: - Termino, dizendo que o PSD sempre defendeu o voto dos emigrantes, sempre proeurou fazer o recenseamento destes. Eu própria, em 1980, promovi um recenseamento de que resultaram 45 000 novos eleitores, quase tantos quantos existem actualmente no círculo eleitoral de fora da Europa.
Assim, Sr. Deputado, desculpe que lhe diga mas é de uma infinita demagogia vir dizer que o CCP era participado por um 1%... Em 1980, o CCP era associativo e, nessa altura, o seu partido não levantou qualquer objecção. Houve uma evolução natural,...

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, já gastou 6 minutos, que é o dobro do tempo de que dispunha! Não posso consentir que continue!

A Oradora: - ... como aconteceu em França, em Itália e em Espanha! (A Oradora reviu.)

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 25 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, vamos dar início à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 241/VII - Regula a utilização de meios técnicos de controlo à distância para fiscalização do cumprimento da obrigação de permanência na habitação prevista no artigo 201.º do Código de Processo Penal.
Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça, para uma intervenção.

O Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º241/VII, que o Governo apresenta à Assembleia da República, visa dar cumprimento à injunção do n.º 2 do artigo 201.º do Código de Processo Penal, que prevê a possibilidade de utilização de meios técnicos de controlo à distância para fiscalização do cumprimento da obrigação de permanência na habitação (vulgarmente conhecida por «prisão domiciliária»).
Trata-se de uma medida anunciada e proposta pelo Governo quando da revisão do Código de Processo Penal, em 1998, no sentido de alargar a aplicação de medidas não detentivas, aproveitando as possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias, que esta Assembleia aprovou por unanimidade, em votação, na especialidade, daquele diploma, a que, agora, cabe dar expressão legal.
Com esta medida, prossegue-se e aprofunda-se uma política moldada por princípios humanistas e de respeito pelos direitos do homem, em que a privação da liberdade surge como medida de último recurso, e vai-se ao encontro das recomendações mais recentes de instâncias, internacionais, como o Conselho da Europa, relativamente à utilização de novas tecnologias para fiscalização do cumprimento de obrigações ou de sanções de natureza penal.
O desenvolvimento das tecnologias de vigilância electrónica veio tomar possíveis novas soluções para prevenir ou evitar o recurso à prisão, satisfazendo, do mesmo modo, na maior parte dos casos, as necessidades de segurança, mas sem os gravosos custos que, reconhecidamente, a reclusão implica.
A observação das experiências estrangeiras levadas a efeito nos últimos anos tem revelado resultados encorajadores e confirmado expectativas positivas, nomeadamente em países como os Estados Unidos da América do Norte, onde começou por ser utilizada nos finais da década de oitenta, mas, também, já na Europa, no Reino Unido, na Suécia e na Holanda, enquanto, mais recentemente, a França aprovou legislação e a Alemanha também tem legislação em estudo.
Embora tenhamos um sistema moldado por princípios de socialização e reinserção, em que a privação da liberdade constitui medida de ultima ratio, a experiência demonstra que o recurso à prisão preventiva, no nosso país, tem atingido taxas elevadas, quando comparadas com as de sistemas que nos são próximos, e tem sido influenciado por dificuldades práticas de fiscalização e controlo de medidas menos gravosas previstas na lei. Isto, apesar de, nos últimos anos, ter-se verificado uma descida substancial nas taxas de prisão preventiva.

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As novas tecnologias de vigilância electrónica permitem criar condições para que possam ser aplicadas com mais frequência, e com mais garantias de êxito, medidas de coacção não detentivas, como a obrigação de permanência na habitação, em vez da prisão preventiva, com evidentes vantagens quer para uma efectiva realização do espirito e das finalidades no sistema, quer para os destinatários da medida.
Por um lado, permite-se que, de acordo com as circunstâncias do caso, o arguido possa permanecer no seu domicílio, inserido no seio da família e mantendo as suas actividades profissionais ou de formação; por outro lado, evitam-se os riscos de dessocialização inerentes à reclusão, resultantes da prisão preventiva.
Sendo uma medida que, pela sua natureza, se deve restringir a períodos limitados e levando em conta o elenco de penas alternativas à prisão de curta duração previstas no Código Penal, julga-se que o uso da vigilância electrónica para fiscalização da prisão domiciliária constitui, à partida, o campo paradigmático para introdução da vigilância electrónica no nosso país.
Tratando-se, como se trata, de uma medida nova, de aplicação recente e sobre a qual se fazem agora os primeiros estudos, parece particularmente importante agir, nesta matéria, com particular prudência, pelo que se estabelece um período experimental iniciai e a sua limitação às comarcas em que seja possível e mais evidente a sua execução e se encarrega uma comissão de fazer o acompanhamento e a avaliação da experiência de aplicação da medida.
Implicando um grau de restrição da liberdade e dos direitos fundamentais da pessoa humana que deve ser proporcional à defesa da ordem e da paz social e à protecção dos bens jurídicos em causa, coloca-se a necessária exigência na sua regulamentação.
Assim, por um lado, é, desde logo, absolutamente necessário o consentimento do arguido, estipulando-se que, na falta de consentimento, ou se este vier a faltar, a vigilância electrónica não só não pode ser aplicada como cessará de imediato logo que o arguido o requeira; por outro lado, no respeito por direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, estabelece-se que a colocação e o uso dos instrumentos de monitorização devem preservar a privacidade, a dignidade e a integridade pessoal do arguido e o seu direito à imagem e, naturalmente, que a decisão de aplicação da medida deverá caber sempre a um juiz.
A tarefa de vigilância é cometida ao Instituto de Reinserção Social, enquanto órgão auxiliar da administração da justiça, mas, pela tecnicidade envolvida, considera-se imprescindível o recurso a entidades privadas para a instalação e manutenção dos equipamentos, sempre com a supervisão daquele Instituto.
A proposta de lei prevê que o arguido fique sujeito a deveres específicos, que se justificam pela adesão voluntária à medida e pela necessidade de contacto por parte dos serviços do Instituto de Reinserção Social, no local e hora indicados. Destacam-se, nomeadamente, os deveres de permanecer nos locais em que é exercida a vigilância electrónica, de receber visitas e cumprir as orientações do técnico de reinserção social e responder aos contactos durante os períodos de vigilância, e de verificar e abster-se de qualquer acto que possa afectar o normal funcionamento do equipamento de vigilância electrónica.
Levando em conta os efeitos gravosos que a medida é susceptível de produzir, nomeadamente a nível psicológico, e a forte intromissão na esfera pessoal, a proposta de lei estabelece a obrigatoriedade de reexame oficioso, de três em três meses, pelo juiz, o qual deve ouvir o arguido e proceder à avaliação da situação, mantendo, alterando ou revogando a decisão de acordo com as necessidades e com as circunstâncias concretas do caso e da sua evolução.
Nesta conformidade, estabelece-se a obrigatoriedade de revogação da decisão que fixa a vigilância electrónica quando se tomar desnecessária a sua manutenção, quando o arguido revogar o consentimento e, ainda, quando o arguido danificar o equipamento de monitorização, ou, por qualquer forma, iludir os serviços de vigilância ou se eximir a esta, ou, ainda, quando o arguido violar gravemente os deveres a que fica sujeito.
Estes, em síntese, os aspectos fundamentais da proposta de lei que se apresenta à discussão nesta Assembleia.
Cremos que a sua aprovação representará mais um passo, inovador, no sentido do aperfeiçoamento e modernização de um sistema que justamente nos coloca num lugar de honra e que queremos, na sua prática, mais conforme aos princípios e aos valores que o enformam e mais eficaz na defesa e promoção da liberdade, da segurança, da justiça e dos direitos dos cidadãos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Guilherme Silva, Francisco Peixoto e António Filipe.

Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, quando lhe fazem perguntas acerca das reformas da justiça, V. Ex.ª tem respondido: «Mas o que são estas propostas de lei que têm vindo à Assembleia da República se não as reformas da justiça?». Naturalmente, pensa V. Ex.ª: «Cá está mais uma grande reforma da justiça!».
Ora, Sr. Ministro da Justiça, se, realmente, é esta a dimensão das reformas da justiça, estamos conversados sobre o que V. Ex.ª pensa e tem projectado para o País nesta matéria!
Mais uma vez, estamos perante um simples paliativo para uma doença crónica. Tudo anda à volta da sobre-lotação das cadeias e V. Ex.ª, através desta proposta de lei, quer encontrar mais um remendo para essas situações.
Desculpe que lhe diga, Sr. Ministro, mas anda a fazer o percurso ao contrário! V. Ex.ª sabe que há várias carências relativamente a medidas que são importantes para a diminuição da população prisional, designadamente no que diz respeito às medidas sucedâneas da prisão, como o trabalho a favor da comunidade, e sabe que os serviços que devem articular essa possibilidade com os tribunais não dão resposta e que, muitas vezes, os juizes não aplicam essas medidas sucedâneas, exactamente porque, da parte administrativa que deve articular esse trabalho com os tribunais, não há uma resposta adequada. É por todos sabido que assim é.
Ora, V. Ex.ª vem trazer-nos aqui esta proposta não obstante toda a problemática cuja existência tem sido reconhecida em todo o lado relativamente a este sistema electrónico inovatório no que diz respeito à dignidade do indiciado a quem esta medida é aplicada, não obstante toda a problemática que tem surgido, particularmente no que toca à aplicação desta medida em sede de medida sucedânea da prisão preventiva.

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Como sabe, as experiências efectuadas ao nível do Direito Comparado apontam para que a adopção desta solução da vigilância electrónica seja aplicada no caso das pequenas penas, da liberdade condicional. Como sabe, deram mau resultado as experiências feitas com este sistema em matéria de prisão preventiva, designadamente no País de Gales. Como também sabe, em França, não foi aprovada a adopção desta solução para os casos de prisão preventiva.
A este propósito, recordo-lhe o que foi dito, em França, pelo relator deste processo no Senado francês, palavras que V. Ex.ª deveria ter tido presente neste caso: «Seria lamentável que, na falta de trabalhos preparatórios suficientes, a medida se ficasse pelo seu anúncio e não fosse aplicada pelos magistrados por ser inaplicável. Inovação não deve rimar com improvisação ou precipitação». Mas, efectivamente, o que é regra na sua actuação é, exactamente, a improvisação, a precipitação e, mais uma vez, cá estamos perante uma medida que se reveste de todo esse cariz. V. Ex.ª sabe que, para a nossa cultura e a nossa sensibilidade, esta medida vai ser dificilmente aplicável.
Aliás, para além dos requisitos que são consagrados para a situação de manutenção no domicílio do indiciado, medida que o Código de Processo Penal já prevê, V. Ex.º, no fundo, traz mais um requisito, pensando que tal poderá constituir um engodo para os magistrados judiciais serem mais pródigos na aplicação desta medida.
O que deveria ser um aligeirar de exigências é um acentuar de exigências e até há o perigo de esta medida ser utilizada de uma forma perversa, para além do que é desejável, não tendo, pois, efectivamente, o alcance que se prevê.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar.

O Orador: - V. Ex.ª, Sr. Ministro, nada nos diz sobre os custos...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar! O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Desculpe, mas tem de terminar já, Sr. Deputado! Já gastou quase 5 minutos!

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente. Como dizia, V. Ex.ª nada nos diz sobre os custos desta medida e nós sabemos que ela é excessivamente onerosa,...

Protestos do Deputado do PS Nuno Baltazar Mendes.

... sabemos que os encargos que comporta a implementação de uma medida destas devem ser aplicados noutras medidas mais adequadas que também resolverão o problema da sobrelotação das cadeias.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro informou a Mesa de que responderá em conjunto a todos os pedidos de esclarecimento.
Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, esta proposta de lei que, hoje, traz à apreciação da Assembleia, relativa à utilização de meios técnicos de controlo à distância é, evidentemente, uma medida adjectiva que tem de ser apreciada e avaliada em função do que vai fazer especificamente.
Ora, pelo que entendi, contrariamente ao que V. Ex.º quis fazer crer a esta Câmara, não há grandes comparações entre o regime que V. Ex.ª pretende fazer aprovar aqui, hoje, e o regime francês, o sueco, o holandês, o dos Estados Unidos da América e o do próprio Canadá.
É que, claramente, pretende-se obviar à sobrelotação das nossas cadeias e, portanto, resolver desta forma menos frontal os problemas do nosso sistema prisional através desta medida que é proposta, a qual, na perspectiva do Sr. Ministro, vai criar os meios eficazes e materialmente possíveis para criar a alternativa à prisão preventiva.
A implementação desta medida poderá resultar em casos tão espantosos quanto, por exemplo, o de um arguido, preso preventivamente por um crime de consumo e tráfico de droga, estar no Casal Ventoso, calmamente, com pulseiras enfiadas no pulso, a continuar a delinquir. A questão é, pois, esta e, portanto, a nossa apreciação desta proposta de lei será feita neste sentido. Gostaria que, depois, o Sr. Ministro nos dissesse por que entende que não é assim, coisa que não costuma fazer.
Posto isto, dentro do espírito da intervenção que acabou de fazer, gostaria de perguntar-lhe qual é, de facto, o modelo que V. Ex.ª visa implementar por forma a salvaguardar a dignidade do arguido a quem seja imposta esta medida de coacção.
Por outro lado, pergunto-lhe se não entende que, de todo em todo, é conveniente que, no artigo 8.º desta proposta de lei, relativo à revogação desta medida de coacção, se especifique com mais profundidade o que se entende por violação grave dos deveres a que o arguido fica sujeito em virtude da aplicação desta medida de coacção.
Finalmente, pergunto-lhe se não considera que é sempre absolutamente necessária a assistência de um advogado aquando da aceitação desta medida de coacção por parte do arguido.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, eu iria lançar para a discussão algumas questões relacionadas com esta proposta de lei. Esta é uma medida que, como princípio, está prevista no Código de Processo Penal, na redacção em vigor, tal como está prevista a necessidade de ser regulada através de diploma legislativo específico - é isso e é nestes termos que estamos aqui a discutir.
Na recente interpelação que fizemos ao Governo sobre justiça, um dos aspectos que considerámos preocupante foi o excesso de prisão preventiva, e considerámos que seriam bem vindas medidas que viessem no sentido de encontrar alternativas credíveis para a substituição da prisão preventiva por outras medidas adequadas que não pusessem em causa a tranquilidade e a segurança dos cidadãos. Actualmente, é reconhecido - e é reconhecido também pelo Governo ao apresentar esta proposta de lei - que uma medida como esta, da detenção domiciliária e obrigação de permanência na habitação, não está regulada por forma que. permita a sua aplicação em termos considerados adequados, portanto, é-nos apresentada uma proposta com este objectivo. Se nós analisarmos o que existe nou-

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tros países nesta matéria, verificamos que há países onde esta experiência tem sido levada a efeito em termos cautelosos - aliás, a proposta do Governo também não deixa de ser cautelosa, como referirei na minha intervenção.
as gostaria de lançar ainda para discussão a seguinte questão: verificamos que, entre os vários países que utilizam a vigilância electrónica, são mais os que o fazem para encontrar uma forma de penas curtas de prisão ou a fase final de penas mais compridas do que propriamente os que o fazem como forma de encontrar uma alternativa credível à prisão preventiva. Creio que esta matéria não está suficientemente equacionada no preâmbulo da proposta de lei e, de facto, não encontrou ainda resposta. Ora, sendo uma questão muito debatida noutros países onde esta matéria tem sido equacionada, gostaria de, neste início de debate, ter a opinião do Governo acerca desta opção e como considera os termos em que, noutros países, tem sido criticada e não tem sido adoptada uma solução destas para os efeitos que o Governo aqui propõe que sejam consagrados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, vou responder àquilo que vale a pena responder, obviamente,...

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Exactamente!

O Orador: - ... porque há afirmações que são feitas, regular, sistematicamente, dentro daquela teoria de que a mentira, tantas vezes repetida, acaba por entrar nos ouvidos das pessoas.

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Tal e qual! Tal e qual, Sr. Ministro!

O Orador: - A essas, não vale a pena responder.

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Não vale a pena, Sr. Ministro!

O Orador: - Um dia, trago um elenco das dezenas de medidas que foram tomadas...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Isso é uma técnica de raiz socialista!

O Orador: - Sr. Presidente, eu agradecia que me fosse descontado este tempo dos remoques!

O Sr Presidente: - Faça favor de prosseguir, Sr. Ministro.

O Orador: - Quanto a esta ideia de que a reforma da justiça não se faz, cada vez quê o Governo apresenta aqui um diploma, os Srs. Deputados do PSD dizem que a reforma da justiça não se faz! É um hábito, é uma tradição, saudável certamente para VV. Ex.ªs, mas, para mim, um pouco infeliz. Enfim!...
Srs. Deputados, VV. Ex.ªs aprovaram, na especialidade, por unanimidade, isto que aqui está - ou seja, alguma coisa que apontava para isto. O que lá está, é isto:
«podem ser utilizados meios técnicos de controlo à distância para fiscalização do cumprimento da obrigação de permanência na habitação, nos termos da lei». Digam-me em que é que estavam então a pensar?! Em satélites? Estavam a pensar nas câmaras que existem em Inglaterra, por todo o lado? Se era nisso que estavam a pensar, não contem comigo - big brothers, não! Nós temos um problema - e com isto respondo a várias pessoas - que tem vindo, nos últimos anos, a desagravar-se e que é o problema da prisão preventiva. E assim é que, se, no início desta legislatura, tínhamos taxas na ordem dos 33%, que era das taxas mais altas da Europa, neste momento estamos nos 26%. Ou seja, mediante um esforço, aliás, feito até por esta Assembleia que introduziu alterações na revisão constitucional a este propósito...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Da nossa iniciativa!

O Orador: - ... e com todo o meu apoio. De facto, com um conjunto de discursos, de intervenções das mais variadas, até do Sr. Presidente da República, penso que se criou um clima contrário à mentalidade carcerária que algumas pessoas, nesta Assembleia, infelizmente, ainda têm. Esta mentalidade tem de acabar - vai custar, vai demorar alguns anos mas vai acabar.
Mas haja aqui algo dito de início: esta medida, como outras medidas tomadas já por este Governo... E permito-me chamar a atenção do Sr. Deputado Guilherme Silva, que devia estar equivocado ou esquecido, para o seguinte: é que os governos anteriores publicaram um Código Penal em que vinha a prestação de trabalho a favor da comunidade mas deixaram 15 anos - repito, 15 anos - sem regulamentar a medida! Resultado: quando nós chegámos ao Governo, fomos alertados pelo Presidente da comissão revisora do Código Penal que nos disse - «isto não funciona porque nem sequer está regulamentado! Puseram na lei mas não a regulamentaram». Nós já demos um passo em frente: regulamentámos! Mas vamos, dar outro: nas próximas semanas, o Sr. Deputado vai ver a assinatura de dezenas de protocolos - repito, dezenas de protocolos - por todo o País para a prestação de trabalho a favor da comunidade. Fique V. Ex.ª sossegado porque estamos a fazer, em três anos, aquilo que VV. Ex.ª não fizeram em 15 anos!

A Sr. Rosa Maria Albernaz (PS): - Ele sabe!

O Orador: - Mas, repito, esta medida, tal como a prestação de trabalho a favor da comunidade, não é panaceia alguma!

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Exactamente!

O Orador: - E a prestação de trabalho não é panaceia por uma razão muito simples que VV. Ex.ª deviam conhecer mas que eu recordo: é que as penas curtas de prisão, entre nós, felizmente, são muito poucas, muito poucas - são 2% das penas de prisão!

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Tal e qual, Sr. Ministro!

O Orador: - Porque há uma tradição portuguesa de não aplicar penas de prisão curtas. E ainda bem que assim é! Já não é a tradição da Suécia, por exemplo, ou dos países nórdicos em geral, ou mesmo da Inglaterra, em que estão hoje a vigorar teses de que a pena curta de prisão

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deve ser aplicada, muitas vezes como pedagogia para aquele que inicia uma carreira criminal. Não é a nossa tese e por isso elas se aplicam muito pouco. Mesmo a prestação de trabalho a favor da comunidade vai dar como resultados aqueles que pode dar!
Esta medida, como é evidente, não é panaceia alguma, nem é para pôr as pessoas fora das prisões às centenas! Não tenham medo aqueles Srs. Deputados que estão preocupados se a nossa taxa de encarceramento, que é 60% superior à média europeia, diminuir um pouco - não estejam preocupados com isso! Se nós tivéssemos o número da média europeia, tínhamos já, Srs. Deputados, neste momento, graças ao Governo PS, 3000 lugares a mais nas nossas prisões. Repito: 3000 lugares a mais se estivéssemos na média europeia de encarceramento! Mas não estamos, infelizmente!
Agora, VV. Ex.ªs, que estiveram 17 anos com a pasta da justiça e que, em 17 anos, fizeram baixar as prisões a um nível nunca visto quando nós lá chegámos...

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Por isso é que foi fácil aumentar!

O Orador: - VV. Ex.ªs, quando usam da palavra... Sr.ª Deputada, V. Ex.ª interessa-se sempre por estes problemas e acho muito bem que se interesse, mas disto, desculpar-me-á, percebe zero! Portanto, oiça porque tem alguma coisa a aprender com estes debates! Depois, far-se-á uma especialista, como é de finanças! Mas, a propósito de prisões, estamos conversados!
Srs. Deputados, isto não é panaceia nem o foi em nenhum país! A Inglaterra, que tem três experiências no terreno, tem dezenas de...

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, tem de condensar as suas respostas, por favor.

O Orador: - Se nós, daqui a três anos, tivermos 100 pessoas - repito, 100 pessoas - no sistema do controlo à distância, eu ficaria satisfeito com isso. Era uma experiência que poderia ter resultado, depende do resultado que der no cumprimento desta medida, naturalmente. Está explicado, para o Sr. Deputado António Filipe, por que é que não fomos para as penas curtais: é que, para as penas curtas, entre nós, vamos jogar no trabalho a favor da comunidade e pensamos que esta medida, para umas dezenas de casos - repito, para umas dezenas de casos -, porventura poucas centenas, poderá ser uma medida.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, tem de terminar.

O Orador: - Finalmente, Sr. Deputado Francisco Peixoto, porque o meu tempo é curto, digo-lhe apenas que, se ler com atenção, verá que eu não disse nada disso que me atribuiu, mas dar-lhe-ei o discurso para poder verificar. Já agora, peco-lhe que verifique que está lá escrito que o consentimento é sempre dado na presença do advogado - só por lapso, certamente, V. Ex.ª não ouviu!

Aplausos do PS.

O ST. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, como tive oportunidade de referir há pouco, consideramos que é importante que se encontrem', na ordem jurídica portuguesa, possibilidades credíveis e positivas de evitar o recurso à prisão preventiva em situações em que, sem pôr em causa, evidentemente, aquelas que são as suas funções, que é garantir a segurança dos cidadãos e prevenir a criminalidade, se encontrem soluções menos gravosas para os arguidos. Nesse sentido, é com receptividade que vemos quaisquer propostas que sejam seriamente apresentadas com esse objectivo. Reconhecemos que a vigilância electrónica é uma das possibilidades para conseguir atingir esse objectivo, sem deixarmos de entender, no entanto, que esta é uma matéria que deve ser tratada com todos os cuidados.
Cuidados esses que são exigidos pela necessidade de salvaguardar a dignidade das pessoas em causa. Esta é uma questão que interessaria que, em concreto, pudesse ser equacionada: em que é que se traduz, materialmente, esta vigilância electrónica? Isto é, será que é visível, que é perceptível para as outras pessoas por forma a que possa vir a estigmatizar publicamente uma pessoa que seja sujeita a uma medida de vigilância electrónica? Este é um aspecto que deveria salvaguardado. Evidentemente que o texto de um diploma legislativo, só por si, não é suficiente para o assegurar - é preciso ver, concretamente, se esse objectivo se consegue atingir ou não através de um meio suficientemente discreto para não provocar qualquer estigma nas pessoas.
Por outro lado, parece-nos também que é importante salvaguardar mais alguns aspectos, um dos quais tem a ver com a liberdade do consentimento dado pelo arguido, pela pessoa a quem esta medida seja aplicada, quer através da proposta do próprio quer através do consentimento de facto, dado na presença do advogado do próprio - parece-nos que isso é importante; assim como todas as possibilidades que sejam dadas de a pessoa, voluntariamente, renunciar a uma medida destas, que deve ser apresentada como uma faculdade a dar ao próprio destinada a evitar a aplicação de uma medida que, em princípio, será mais gravosa. Mas esta medida não deve significar, de forma nenhuma, uma violência a impor desde que a pessoa não a aceite. Evidentemente que, como nós sabemos, violência será sempre, tal como a aplicação de qualquer medida de coacção - isso é inevitável! - mas aqui, neste ponto concreto e dado que o espírito é precisamente o de encontrar uma medida menos gravosa, o consentimento livre do próprio é, para nós, um aspecto que interessa salvaguardar.
Um outro aspecto tem a ver com a necessidade de se avaliarem as medidas que venham a ser tomadas a este nível. Há que ser suficiente cautelosos, de facto; há que, tendo em conta mesmo o debate e a experiência já verificada noutros países, onde há pessoas com grandes conhecimentos nesta matéria que colocam reservas relativamente à aplicabilidade desta medida e consideram que ela não tem vindo a ser aplicada; há que acompanhar com muita atenção a aplicação destas medidas, não dar passos precipitados, mas verificar, em concreto, a partir do momento em que esta medida esteja em vigor e tenha condições práticas para começar a funcionar, se os aplicadores da justiça consideram que há condições práticas para a aplicar, se ela é aplicada e, caso o não seja, que medidas é necessário tomar para corrigir aquilo que eventualmente esteja mal. Parece-nos que tomar esta medida com suficiente cautela, com acompanhamento rigoroso desde o início da sua aplicação, é algo que importaria assegurar no diploma que venha a ser aprovado.

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De resto, tendo em conta todas estas cautelas e tendo em conta também a necessidade de verificar uma questão importante que aqui não é referida, que é o impacto desta medida, designadamente os seus custos: embora esteja. clarificado que os custos não vão ser suportados pelo próprio, seria uma informação com interesse para esta Câmara saber o que é que custa aplicar esta medida. Não gostaríamos de ver uma medida destas como algo destinado a aliviar pressões sobre o sistema prisional.
É evidente que a sua aplicação o fará, mas parece-me que seria importante salvaguardar que essa não fosse a primeira ratio de uma medida deste tipo e que esse alívio sobre o sistema prisional decorresse naturalmente da aplicação desta medida, como uma mera consequência.

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado, já esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Termino de imediato, Sr. Presidente. Essencialmente, o que deve ser visado é a substituição positiva da aplicação da prisão preventiva, em nome da protecção da própria sociedade e em nome da protecção do arguido.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: As explicações que o Sr. Ministro deu, na sequência dos pedidos de esclarecimento, não adiantaram nem puseram em causa as questões levantadas, por isso elas subsistem. E a essas questões acrescentarei algumas outras.
Desde logo, o preâmbulo do diploma salienta um aspecto que o Sr. Deputado António Filipe criticou, e bem. Refiro-me ao facto de aí se mencionar que a preocupação primeira ou, pelo menos, a mais saliente deste diploma é a de ter, eventualmente, uma repercussão sobre a pressão prisional. Ora, do meu ponto de vista, este aspecto desvirtua aquela que devia ser a inspiração desta medida - e que V. Ex.ª aqui lembrou -, que é a da acentuação da excepcionalidade da prisão preventiva, ponto que nós tornámos ainda mais evidente aquando da última revisão constitucional.
Portanto, do ponto de vista do PSD, esta postura que o Governo adopta no preâmbulo do diploma corresponde a uma subversão dos valores e das preocupações que deviam inspirar uma medida desta natureza, independentemente da discutibilidade dos seus contornos, designadamente em termos de direitos fundamentais.
Para além da questão do consentimento do próprio, que pretende dar resposta às implicações que essa medida tem enquanto «ferrete» relativamente aos portadores deste meio electrónico como condição de se manterem no domicílio, em vez de numa situação de prisão preventiva, também se põe o problema, não menos delicado, da necessidade do consentimento dos familiares, situação, aliás, que se vai traduzir - embora se trate de uma exigência compreensível e indispensável - num acréscimo de dificuldade na execução desta medida.
Para quem conhece o funcionamento dos tribunais e a forma como os juizes, infelizmente - naturalmente, por razões que se compreendem -, têm de decidir sob pressão muitas destas situações, pergunto como é possível reunir num tão curto espaço de tempo as autorizações e os consentimentos dos familiares, bem como as averiguações mínimas necessárias por parte do Instituto de Reinserção Social, entidade que não tem dado resposta às questões que há pouco referi - mas V. Ex.ª veio anunciar que tem uma previsão de soluções no que diz respeito ao trabalho a favor da comunidade.
Uma das questões que quero colocar a V. Ex.ª, Sr. Ministro da Justiça, diz respeito à presença de defensor no momento em que é prestado o consentimento pelo arguido para a aplicação desta medida. Sinceramente, não gosto desta fórmula, a do defensor, que se traduz, muitas vezes, na indicação de um funcionário ad-hoc para desempenhar esse papel e não na presença de um advogado.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Claro!

O Orador: - Também por imperativo constitucional, penso que deveríamos ter na formulação da lei a referência expressa à presença do advogado e não à presença do defensor, situação que vai permitir essas fórmulas perfeitamente decorativas de defesa que não têm qualquer tradução prática.
Uma outra questão que aqui se coloca, também com alguma apreensão, porque todos já reconhecemos, incluindo V. Ex.ª, Sr. Ministro, as implicações desta medida no domínio dos direitos fundamentais, tem a ver com o recurso à portaria - circunstância muito frequente nesta proposta de lei. Sabemos a comodidade que o recurso à portaria dá ao membro do Governo que tutela estas áreas, mas a verdade é que a própria implementação do sistema de vigilância electrónica e os requisitos técnicos a que ela deve obedecer têm implicações que não se compadecem com a forma legislativa prevista para a sua aprovação no artigo 9." da proposta de lei, a de portaria.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente. A sua aprovação deveria revestir-se, no mínimo, da forma de decreto-lei, designadamente para que esta Assembleia pudesse, em sede de apreciação parlamentar, verificar e fiscalizar os respectivos requisitos.
Para além dos obstáculos que referi na minha pergunta inicial, estas são as questões, entre outras, que VV. Ex.ªs terão de ponderar e que a Assembleia da República não deixará de analisar, em sede de especialidade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nesta fase do debate, e pese embora não terem sido feitas todas as intervenções, julgo que seria bom salientar a circunstância de que, até agora, verdadeiramente, ninguém questionou o princípio que está subjacente a esta proposta de lei, o que é bom sinal! Isto é, é sinal de que há, apesar de tudo, um consenso relativamente alargado sobre a introdução desta medida e que ela, na sua essência, é positiva.
É evidente que se trata de uma medida com algum grau de delicadeza e que merece uma ponderação e uma atenção especial, não só da parte do Governo como da parte desta Assembleia.

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Nesse sentido, diria que a proposta de lei n.º 241/VII é particularmente cautelosa não só no sentido de que propõe implementar a medida a título experimental e, portanto, sem avançar depressa demais no «eseuro», pelo menos no que diz respeito à nossa própria experiência, como, sobretudo, no sentido em que rodeia a aplicação desta medida de um conjunto de garantias mais do que suficientes para permitir que ela, de facto, não possa ser desvirtuada, nem causar o prejuízo que, frequentemente, lhe é imputado, o de atentar contra os direitos fundamentais dos cidadãos e, em particular, o de atentar contra a dignidade dos arguidos.
Em matéria criminal, seja ela relativa a penas de prisão seja ela relativa a medidas de coacção, julgo que é importante ter sempre presente que não há imposição de pena ou de medida de coacção que não seja uma restrição de direitos fundamentais. Portanto, esta, tal como qualquer outra, forçosa e necessariamente, também é uma restrição de direitos fundamentais. O que é preciso dizer é que esta é uma restrição menor do que aquela que seria a solução alternativa: a solução da detenção ou da prisão preventiva.
Neste sentido, se esta medida, de alguma forma, restringe os direitos fundamentais do arguido e afecta a sua dignidade ou a dignidade daqueles que com ele convivem, seguramente, ela restringe muito menos do que a prisão e afecta muito menos a dignidade do arguido do que a prisão, nomeadamente em matéria de privacidade. Como é bom de imaginar, há muito menor privacidade numa prisão do que, apesar de tudo, na sua residência, ainda que sob vigilância!
Portanto, nesta fase do debate, chegamos à conclusão de que o que há a fazer é limar algumas arestas em sede de especialidade e, eventualmente, ponderar alguns aspectos da proposta de lei com maior atenção.
Algumas das questões que foram levantadas não me parecem que procedam ou tenham pertinência - não será o caso de todas, seguramente! Refiro-me, em particular, ao que é, de alguma forma, imputado como sendo um objectivo velado desta medida: o de desafogar as prisões. Isso não é verdade, pelo seguinte: o que se pretende, efectivamente, é uma solução que não mande para a prisão quem não tenha de lá estar - e se isso é contribuir para diminuir a sobrecarga do sistema prisional, então trata-se de algo positivo! O que está em questão é saber se a sobrecarga do sistema prisional de hoje corresponde, ou não, a uma necessidade de tutelar valores importantes para a sociedade, como é o caso dos valores protegidos pelas normas criminais, ou se ela é fruto de uma prática que se vinha desenvolvendo ao longo dos últimos anos e que, de alguma forma, banalizava a medida da prisão preventiva e mandava para as prisões, porventura, muito mais pessoas do que aquelas que lá deveriam estar.
Tem havido uma evolução positiva nesse sentido; aliás, já vimos que a estatística demonstra que, nos últimos anos, essa prisão preventiva deixou de ocupar o espaço que ocupa hoje no sistema prisional, mas há que continuar nesse caminho, como é óbvio.
De resto, outra questão aqui suscitada, designadamente pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, foi a da obrigatoriedade ou não de que o defensor a que se refere a proposta de lei seja um advogado. Nessa matéria, julgo que o Sr. Deputado Guilherme Silva se esqueceu do Código de Processo Penal, nomeadamente que os conceitos vagos e indeterminados quando são previstos na lei ora são integrados por quem aplica a lei, ora são integrados pela própria lei. Neste caso concreto, são integrados pela própria lei, nomeadamente no Código de Processo Penal, no qual defensor significa advogado ou advogado estagiário.
Fica, pois, salvaguardada a preocupação que o Sr. Deputado tem de, ao contrário daquilo que era a prática na legislação vigente ao tempo do seu governo, defensor poder ser outra coisa que não seja advogado ou advogado estagiário!
Quanto a essa matéria, julgo que estamos entendidos no sentido de que não estava no espírito de quem propôs essa norma, tal como não está, em qualquer caso, no teor literal do que é o direito vigente, outra solução que não seja aquela que se pretende e que é a da maior salvaguarda possível dos direitos dos arguidos, designadamente o de ser acompanhado por advogado ou advogado estagiário no momento em que é determinada esta medida.
Posto isto, resulta que esta matéria não pode ser limitada a um problema de eficácia ou de eficiência, isto é, esta medida é proposta a título experimental, precisamente para que se possa avaliar da eficácia ou da eficiência da sua aplicação e da bondade da solução que é encontrada.
Razão pela qual, aliás, se teve a cuidada preocupação de não estender esta medida à execução de penas e de a limitar às medidas de coacção, designadamente como medida alternativa à prisão preventiva, não só porque há, de facto, uma menor tradição em Portugal da aplicação de penas de curta duração, o que significaria que a aplicação prática ou útil desta medida seria menor se ela fosse experimentada aí, como por existir, obviamente, uma diferença fundamental, do ponto de vista dos direitos fundamentais e da tutela que eles merecem, entre o arguido que não está condenado e aquele que já não é arguido, porque é um condenado e está preso, seja por uma prisão de curta duração, seja por uma prisão de longa duração.
É, pois, preferível experimentar esta medida, sobretudo, fazendo-a incidir naquele grupo de cidadãos que não estando condenados merecem uma tutela maior da ordem jurídica e, portanto, merecem que a sua dignidade seja salvaguardada, dando-lhes a possibilidade de, ao contrário do que eventualmente poderia acontecer, aguardar o respectivo julgamento em relativa liberdade, mas, seguramente, em muito mais liberdade do que aquela que teriam, em qualquer caso, se tivessem de o aguardar em prisão preventiva.
Posto isto, julgo que haverá, da parte do Grupo Parlamentar do PS, como, aliás, da parte do Governo, total disponibilidade para, porventura, melhorar alguns aspectos e clarificar certas questões menos claras da proposta de lei, porque sempre as há, como em qualquer lei.
Por fim, no essencial, também pode retirar-se deste debate a conclusão de que há um grande consenso sobre a oportunidade e a necessidade da introdução desta medida. Pelo menos do que me foi dado a perceber das intervenções que foram sendo produzidas, não temos a menor dúvida de que esta proposta de lei será aprovada.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, gostaria de fazer uma brevíssima intervenção apenas para felicitar e saudar a intervenção do Sr. Deputado Cláudio Monteiro que, de facto, disse o que eu

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esperava ouvir do Sr. Ministro da Justiça. Lamento também que o Sr. Ministro não tenha respondido a todas as perguntas que lhe coloquei, porque penso que seria interessante ter respondido.
Gostaria ainda de frisar que não somos, de forma alguma, contrários à introdução, no nosso sistema legislativo e na prática, deste tipo de mecanismos.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Logo, são a favor.

O Orador: - Não é isso!
Só que sustentamos que é absolutamente diferente aplicar isto na sequência da prisão preventiva ou de uma medida de coacção alternativa à prisão preventiva ou como, por exemplo, fazem - e do nosso ponto de vista mais acertadamente - os outros países e outros sistemas jurídicos que referi, que os aplicam em casos especialíssimos de cumprimento de pena, não a arguidos e, sobretudo, naquela fase última de cumprimento de pena na adaptação natural e sensata à reentrada na vida social. É isso que acontece, e não teríamos qualquer embargo em apoiar, com toda a clareza, uma medida que tivesse a montante este tipo de situações e não aquela que este projecto tem. É que a questão essencial é a que está a montante e não esta medida que é, como eu já disse, adjectiva.
Gostaria de frisar esta questão, para que, pelo menos, ficasse a constar da acta.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro da Justiça pede a palavra para que efeito?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Para uma interpelação.

O Sr. Ministro da Justiça: - Não, Sr. Deputado, não vale muito a pena interpelar V. Ex.ª, como deve verificar.

Sr. Presidente, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista concede-me 51 segundos, tempo de que ainda disponho para intervir.

O Sr. Presidente: - Não, o Sr. Ministro ainda tem 2 minutos e 21 segundos. É um ror de tempo!
Tem, então, a palavra, para uma intervenção, Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Só tenho 51 segundos, mas o que tenho para dizer diz-se neste tempo.
Srs. Deputados, respondi ao que era possível responder, mas quero deixar bem claro que o tempo é muito pouco, aliás, tenho pena que tenha sido dispensado tão pouco tempo para um projecto destes, embora a culpa não seja minha.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É culpa do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Orador: - É porque, como sabem, noutros parlamentos discutiram-se os assuntos mais a fundo, e eu gostaria de tê-lo feito, mas isso não pressupõe que não tenhamos ocasião para discutir mais a fundo. E estou na disposição, naturalmente, de vir aqui as vezes que forem necessárias, como, aliás, é meu hábito, para discutir na especialidade, de forma a resolver todas estas questões que não me parecem impeditivas - como aliás, foi visível - da aprovação deste projecto, mas que poderão ser melhoradas.
Quero apenas dar um esclarecimento técnico, porque, porventura, a vigilância electrónica à distância pode levantar dúvidas.
A vigilância electrónica à distância, embora possa invadir a privacidade - e nós mandámos há dois anos uma equipa fazer uma visita à Inglaterra, cujos resultados estarão à disposição de W. Ex.ª -, não estamos a pensar na colocação de câmaras, nem em nada desse género mas, sim, num pequeno dispositivo de que serão portadoras as pessoas, que, aliás, nem, sequer, será visível para o exterior. O que eu posso referir é aquilo que estudámos. Mas a evolução técnica e tecnológica tem sido tão rápida que pode ser que dentro de uns meses já tenhamos até mecanismos mais aperfeiçoados, porque já há uns mais aperfeiçoados do que os que existiam há dois anos.
De qualquer forma, posso dizer que este mecanismo se limita a um controlo feito, geralmente, pela linha telefónica, através do qual a pessoa que está sob vigilância electrónica terá apenas de responder ao telefone, colocando em determinado mecanismo, de que o telefone será possuidor, um pequeno instrumento de que será portador. É a isto que se chama no vulgo «pulseira electrónica», pulseira esta que se pode levar ou no tornozelo ou no braço e que não será visível, na maior parte dos casos.
Só para tirar alguma dúvida que possa haver, esclareço que, quando se fala em vigilância electrónica - aliás, não tenho mais do que um exemplar para VV. Ex.ªs estudarem in loco, obviamente, se não ofereceria aos Deputados do PSD, com muito gosto -, não se trata de vigilância electrónica por câmaras.

Risos do PS.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Era conhecido como «Ministro pulso», agora vai ser conhecido como «Ministro pulseira».

O Orador: - O que V. Ex.ª está a dizer deve ter muita graça, como de costume, mas penso que vamos ocupar-nos com questões, apesar de tudo, mais sérias...!
Era esta a dúvida que gostaria de esclarecer, ou seja, não se trata de um big brother com câmaras a vigiar as pessoas em casa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 2567 VII - Altera, o Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, que aprovou o regime jurídico de protecção às vítimas de crimes violentos.
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Matos Fernandes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, os meus respeitosos cumprimentos.
Esta proposta de lei é como que a antecipação, o preâmbulo de uma proposta de lei mais importante, cuja discussão está agendada para o próximo dia 12, que aprova o regime aplicável ao adiantamento, pelo Estado, da indemnização devida às vítimas de violência conjugal.
O que desta vez o Governo traz à Assembleia da República é apenas a eliminação do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, o qual, em regulamentação do então artigo 129.º do Código Penal,

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hoje artigo 130.º, veio dispor no sentido de que legislação especial fixasse as condições em que o Estado poderia assegurar a indemnização devida em consequência da prática de actos criminalmente tipificados, sempre que não poder ser satisfeita pelo agente a reparação do dano causado.
No preâmbulo do diploma de 1991, optou-se, até por razões económicas, materiais, por uma interpretação minimalista do artigo 130.º do Código Penal, de acordo, aliás, com as recomendações da convenção europeia relativa ao ressarcimento das vítimas de infracções violentas, adoptando disposições mínimas dessa convenção.
A certa altura, diz-se no preâmbulo o seguinte: «(...) questão problemática é saber se a lei deve fazer expressa referência às agressões no seio de um agregado familiar, parentes ou pessoas que coabitem, prevenindo conluios ou que o agressor venha a aproveitar indirectamente da agressão (...)». E acrescenta-se: «(...) Provavelmente seria a melhor solução, como em Inglaterra, mas deve admitir-se a reserva, 'salvo circunstâncias excepcionais a justificarem', que se retira da legislação norueguesa».
Nesse sentido, o legislador de 1991, consagrando a intervenção do Estado na reparação do dano às vítimas de lesões corporais graves resultantes directamente de actos intencionais de violência, excluiu do direito à indemnização as vítimas que sejam membros do agregado familiar do agressor ou as pessoas que com ele coabitem em condições análogas.
É esse n.º 2 do actual artigo 3.º do Decreto-Lei n." 423/91, de 30 de Outubro, que gostaríamos de ver extirpado deste diploma, porque não vemos razão - como, aliás, a não via o legislador de 1991, de jure condendo, no preâmbulo do decreto-lei - para a circunstância de não ter direito à reparação do dano, numa intervenção supletiva do Estado, uma vítima só porque o acto violento, grave, foi cometido no seio do agregado familiar ou em situações equiparáveis a união de facto.
De resto, perceber-se-ia mal que esta disposição subsistisse quando, para a semana, esta Assembleia vai apreciar, em regulamentação de uma lei de 1991, a possibilidade do adiantamento de indemnização, pelo Estado, às vítimas de violência no seio conjugal. Seria desarmónica a subsistência do n.º 2 do artigo 3.º deste diploma de 1991 com o avanço manifesto que vai representar a regulamentação de uma norma que tem estado sem regulamentar e que data já de 1991.
Aproveito os escassos minutos disponíveis para, neste contexto, prestar rápidas contas - e penso que é útil fazê-lo, salvo melhor opinião - sobre o que tem sido a actividade prática resultante do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, que funciona através de uma comissão, no âmbito do Ministério da Justiça.
Tendo sido apenas regulamentado em 1993 - e chamo a atenção para a circunstância de só 10 anos depois de o artigo 129.º do Código Penal ter sido editado a norma deste mesmo artigo ter actuação por ter produzido efeitos com a regulamentação do diploma de 1991 -, em 1993, deram entrada 62 pedidos de indemnização a que corresponderam indemnizações globais de 11,4 mil contos; em 1994, deram entrada 52 pedidos, com indemnizações globais de 65,3 mil contos; em 1995, deram entrada 42 pedidos, com indemnizações globais de 76,4 mil contos; em 1996, 59 pedidos, com indemnizações globais de 57,3 contos e em 1997 - permito-me sublinhar -, deram entrada 118 pedidos, com indemnizações globais de 233,5 mil contos. Passámos de 57,3 mil contos para 233,5 mil contos de 1996 para 1997 e, em 1998, os números mantiveram-se mais ou menos equivalentes.
Poder-se-ia observar que este salto notável, de 1996 para 1997, teve a ver com as indemnizações concedidas pela lei da amnistia n.º 10/96, relativa às vítimas de crimes violentos das organizações terroristas. Mas não é verdade porque, em 1997, desses 233,5 mil contos só 24,8 mil contos foram atribuídos às vítimas de crimes violentos ocorridos largos anos antes, do mesmo modo que, em 1998 - esse processo deve estar encerrado -, foram atribuídas às restantes vítimas 42,5 mil contos.
Esta é a prova de como um organismo souple, não burocratizado, presidido por um magistrado judicial e por um membro designado pela Ordem dos Advogados e um outro jurista do Ministério da Justiça, pode, efectivamente, contribuir, na medida do possível, para que os cidadãos, vítimas de crimes violentos, que não consigam a reparação dos danos que lhe são causados por parte dos agentes dessas infracções, possam ver, razoavelmente, os danos patrimoniais, não os danos não patrimoniais - a tanto se não pode ir -, reparados pelo Estado, cumprindo, aliás, o conjunto dos cidadãos uma obrigação de natureza claramente social, expressão de um seguro social, que foi trazido ao Código Penal pelo seu artigo 129.º
É esta questão que venho expor a VV. Ex.ªs, na expectativa de que a Assembleia não tenha hesitações em revogar o n.º 2 do artigo 3.º do referido diploma legal, por forma a que, em consonância com o que se vai passar na próxima semana, possamos dar mais um passo no sentido da solidariedade para com os nossos concidadãos mais necessitados e vítimas de actos violentos contra eles perpetrados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado António Brochado Pedras.

O Sr. António Brochado Pedras (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, não tenho qualquer dúvida sobre a bondade e a racionalidade da proposta de lei do Governo. Quero apenas pedir a V. Ex.ª um esclarecimento para satisfação de uma curiosidade minha.
V. Ex.ª afirmou que a Lei n.º 61/91, que concede garantia às mulheres vítimas de crimes violentos, nunca chegou a ser regulamentada, mas penso que, apesar disso, as mulheres que tenham sido vítimas de crimes violentos, designadamente no lar, por parte do marido, do companheiro ou por parte de qualquer outra pessoa pertencente ao agregado familiar, não estavam inibidas de beneficiar do regime do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, desde que pudessem apresentar circunstâncias especiais que justificassem esse pedido de indemnização.
Pergunto o seguinte: alguma vez foi sujeito ao Sr. Ministro da Justiça um pedido formulado por uma mulher vítima de maus tratos, praticados pelo seu marido ou pelo seu companheiro, nestes oito anos de vigência da lei?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Adjunto do Ministro da Justiça...

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro de Justiça: - Sr. Presidente, tenho competência delegada neste domínio e devo dizer que considero urgente o despacho destes processos, porque, de facto, é mesmo urgen-

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te que se atribua a reparação do dano que às vezes ocorreu já há bastante tempo.
Não tenho de memória, desde que estou no Governo - para trás não conheço o que se passou - de que alguma vez se tenha utilizado a ressalva da lei norueguesa transposta para a lei portuguesa, no sentido de que, concorrendo circunstâncias excepcionais, um conjugue tenha obtido indemnização por acto violento praticado contra ele. Indo de encontro ao que subliminarmente entendo da intervenção do Sr. Deputado António Brochado Pedras, esta é mais uma razão para que o n.º 2 do artigo 3.º do referido diploma deva ser rapidamente erradicado do nosso ordenamento jurídico.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, em relação a conjugue, também não sei se houve essa indemnização. No entanto, essa ressalva foi usada pelo menos num caso que correu num Tribunal de Setúbal, já há muitos anos - antes de 1996 -, de um filho que tinha direito a indemnização por danos não patrimoniais em relação ao pai que havia morto a mãe.
Apesar de tudo, sempre me admirei de a lei fazer essa excepção relativamente às pessoas em que houvesse relações familiares, porque, sinceramente - aliás, tal como refere o relatório do Sr. Deputado António Brochado Pedras, presente na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias -, não se perspectiva que, numa família, combinem «tu vais atacar-me violentamente e provocar-me gravíssimos danos físicos, para que eu tenha direito à indemnização». Penso que isso seria próprio de mentes muito retorcidas! Não sei se a vítima estaria disposta a isso, pois embora vejamos coisas desse género nos filmes americanos, na realidade portuguesa isso, de facto, não se perspectiva.
Além disso, a excepção, ainda por cima concedendo poderes discricionários à Comissão para apreciar essa questão, penso que poderia colocar em difícil situação algumas vítimas, como aquela criança que referi, que tinha deficiências mentais, era pobre e, portanto, precisava de um seguro apoio para continuar a ter um nível de vida mais ou menos digno.
Por conseguinte, da nossa parte, como é óbvio, nada temos a opor à alteração, consideramo-la justíssima, tanto mais que se confronta, de facto, com a lei de 1991 e isso, de certa maneira, supõe que se poderá dizer que a lei de 1991 é uma lei especial. Mas, enfim, de qualquer forma, esta alteração entra em contradição com essa lei, não oferece problemas de maior, pelo que deve, efectivamente, ser feita.
As vítimas de crimes violentos durante muito tempo, no nosso País, não tiveram a devida protecção, mas pensamos que ainda é possível melhorar o sistema, porque se trata de um sistema que exclui muita gente e também não me agrada muito.
Para além disso, parece-me que o próprio processo que corre na Comissão, pela experiência que tive em relação a essa criança, em que me fartei de receber notificações para coisas que não me pareciam muito importantes, ainda é um processo muito burocratizado e deveria ser analisado no sentido da sua desburocratização.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem agora a palavra o Sr. Deputado António Brochado Pedras.

O Sr. António Brochado Pedras (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Em face da simplicidade e da clareza da proposta, limito-me também a oferecer o mérito do meu próprio relatório e a dizer que só me admiro de ter decorrido um lapso tão grande de tempo até que alguém se tivesse lembrado de que, efectivamente, havia uma falha grave que teria de ser colmatada. De modo que presto homenagem ao Governo, porque, embora tarde, teve, realmente, o rasgo de emendar a mão e de trazer aqui uma proposta oportuna.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natalina Moura.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Permita-se que as minhas primeiras palavras sejam dirigidas a todas as mulheres que, no silêncio, sufocaram mágoas, medos, raiva e lágrimas, resultantes das injúrias da agressão física e psicológica de que foram vítimas e que a sociedade silenciou ao longo dos tempos, por hipocrisia, por falta de coragem para enfrentar um problema que ninguém, que se diga civilizado, poderá deixar de sentir.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Permita-se-me, ainda, por ser da mais elementar justiça, uma saudação às organizações não governamentais de mulheres que têm no seu currículo um trabalho de monta no que concerne ao apoio às mulheres vítimas de violência. Destacam-se a Associação O Ninho, a Associação para o Planeamento da Família (APF), a Associação das Mulheres Contra a Violência, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) e o Soroptmist International. A ordem de apresentação, tal como na matemática e na multiplicação, é perfeitamente arbitrária. E enumerei estas organizações, pois segui, e sigo, de perto o trabalho por elas desenvolvido, mas reconheço que todas as ONG de mulheres têm dado, e deram, contributos significativos, em termos de luta ideológica, trazendo à tona de água esta temática em vários encontros e congressos.
A Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres não poderia deixar de ser aqui lembrada, pois o Gabinete de Apoio Jurídico às Mulheres Vítimas de Violência conta, nos seus quadros, com mulheres que têm dedicado a esta causa o melhor do seu saber e o melhor do seu apoio, quer acompanhando quer encaminhando as mulheres que requisitam os seus serviços.
A CIDM distribui, em larga escala, um folheto informativo, onde, entre outros aspectos, apresenta um elenco de procedimentos a ter, no caso de a mulher ser vítima de maus tratos.
A Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres tem ainda em funcionamento uma Linha SÓS que recolhe os depoimentos das mulheres vítimas de violência, com vista à prestação de informação sobre medidas a tomar, face a situações que lhe são apresentadas.
O Alto Comissariado para as Questões da Promoção da Igualdade e a Família, também neste campo, tem desenvolvido uma tarefa que merece o nosso apreço e o reco-

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nhecimento público. Sabemos que vai ser apresentado em 12 de Maio o plano nacional contra a violência doméstica e pretende-se que este plano seja o primeiro grande arranque para encetar uma luta contra a violência doméstica, englobando mulheres, crianças e idosos.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O facto de ter o privilégio de, hoje, usar da palavra neste órgão de soberania, obriga-me a manifestar, publicamente, a confiança na pujança do nosso sistema político.
Não podeis imaginar a emoção que senti quando soube que hoje estaria a defender esta proposta de lei.
Faço questão de vos dizer que, quando integrei este Parlamento, na qualidade de Deputada, era meu firme propósito dar voz às mulheres vítimas de violência. O porquê resulta tão-só do facto de ter estado e continuar a integrar ONG que se preocupam com esta causa.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A violência contra as mulheres, no nosso país, ocorre em várias vertentes, desde a prostituição ao assédio sexual e violação, desde a violência doméstica ao homicídio. Todos os aspectos da violência têm merecido, da nossa parte, um olhar atento, sempre crítico, e uma postura de inconformismo constante.
Sabemos que estamos a lidar com uma realidade que não diz apenas respeito à sociedade portuguesa. Também por força do percurso que fizemos, sabemos, infelizmente, que esta realidade é um denominador comum de todas as sociedades.
Num estudo recentemente apresentado, elaborado no âmbito do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), revela-se que, a nível mundial, a percentagem de mulheres agredidas pela pessoa com quem vivem ou com quem têm uma relação preferencial, varia entre 16% e 52%.
O estudo lembra, ainda, o Relatório de 1997 que provoca a nossa indignação quando nos mostra o quadro negro dos países em vias de desenvolvimento, onde 1/3 das mulheres casadas é fisicamente agredida pelo marido ou companheiro.
Abordar esta questão às portas do novo milénio obrigar-nos-ia, desde logo, a uma longa e profunda reflexão sobre o percurso percorrido, mas tal não cabe no curto tempo que nos está distribuído. Limitar-nos-emos, assim, a fazer uma visita guiada a dois momentos da História e em passo acelerado.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Quando, na antiga Grécia, se falava em democracia, admitia-se, como facto natural, a escravatura e que a mulher se circunscrevesse ao gineceu.
Só no nosso século, após ter sido outorgado à mulher o direito político de participação no sufrágio universal, foi possível começar a mostrar-se a ponta de um iceberg que está longe de que se lhe veja a base.
Com a aprovação, que se espera, desta proposta de lei, estaremos a dar um contributo que não se pode desbaratar.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Porque os direitos humanos estão indiscutivelmente liga-

dos à igualdade e à democracia é no quadro desta triangulação que a temática tem sido analisada e discutida a nível mundial.

Em 1985, na Conferência de Nairobi, admitiu-se existir, desde há muito, um fenómeno generalizado, a nível mundial, conhecido mas pouco combatido, que dá pelo nome de violência contra as mulheres. Tal fenómeno, que engloba todas as classes sociais, resulta, no entanto, mais visível nas classes em situação social mais desfavorecida. Nesta conferência foram definidas as estratégias prospectivas para o progresso das mulheres.
A II Conferência Mundial dos Direitos Humanos, que teve lugar em Viena em 1993, permitiu a aquisição do primeiro instrumento universal de carácter legal com o objectivo de combater a violência contra a mulher. Estamos, naturalmente, a falar da Declaração sobre Violência contra a Mulher.
Também a Conferência Europeia de Mulheres Governantes, que ocorreu em Bruxelas em Março de 1994, abordou esta temática, tendo sido subscrita uma Declaração de Princípios. Nesta declaração reafirmou-se a necessidade de toda a forma de violência ser prevenida e combatida quer apelando-se à sensibilização e educação dos homens e jovens quer apelando-se à imperiosa necessidade de se proceder ao acolhimento das vítimas de violência.
A problemática da violência contra as mulheres foi, ainda, amplamente debatida na IV Conferência das Nações Unidas sobre as Mulheres, que teve lugar em Setembro de 1995, em Pequim, onde tive oportunidade de estar presente, integrando a delegação governamental enquanto representante das ONG de mulheres do Conselho Consultivo da Comissão para a Igualdade e Direitos das Mulheres. Nesta conferência foi aprovada a Declaração de Pequim que, no ponto 29, reza o seguinte: há que prevenir e eliminar todas as formas de violência contra as mulheres e raparigas.
Dada a dimensão internacional destas questões, quer a ONU, quer o Conselho da Europa e a União Europeia, têm vindo a debruçar-se crescentemente sobre a violência contra as mulheres, sendo muitos os documentos internacionais aprovados pelos Estados-membros, entre os quais Portugal, que consideram este tipo de violência um atentado aos direitos humanos e, como tal, questão pública e política.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

A Oradora: - A questão da violência é abrangente, complexa e multifacetada. Refiro três dessas facetas: a cultural, a legislativa e a faceta que se prende com a aplicação da lei.
Ao determo-nos nas facetas que, neste círculo, estão em apreço - a legislativa e a da aplicação da lei - não significa que se esqueça a cultural.
O edifício legislativo que antecedeu e serve de suporte à presente proposta mostrou-se insuficiente, nomeadamente no que respeita ao apoio que deve ser dispensado às vítimas de violência quer sejam do sexo feminino quer sejam do sexo masculino.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - A proposta de lei agora em apreço visa conciliar a Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto, com o Decreto--Lei n.º 423/91, o qual, por força do seu actual artigo 3.º,

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n.º 2, impossibilitava a indemnização quando a vítima fosse membro do agregado familiar do autor ou pessoa que com ele coabitasse, salvo concorrendo circunstâncias excepcionais.
Com esta medida legislativa, efectiva-se, assim, o direito de reposição efectiva por parte das mulheres vítimas de violência, o qual se complementa e reforça com outra iniciativa legislativa que aprova o regime aplicável ao adiantamento, pelo Estado, das indemnizações devidas às vítimas de violência conjugal, nomeadamente nas situações previstas no artigo 14.º da Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto.
Cumpre-se, assim, o previsto no Programa do Governo para esta área, bem como um dos itens do Plano Global para a Igualdade de Oportunidades.
Esta iniciativa vem ainda ao encontro da Resolução da Assembleia da República n.º 31/99, de 14 de Abril, regulamentação da legislação que garante a protecção às mulheres vítimas de violência.
Com a ablação do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, é agora socialmente visível, espelhando-se bem, a matriz humanista e social que este Governo adjudica em cada proposta de lei que traz à discussão.
O Ministério da Administração Interna deu contas, em 8 de Março do ano em curso, do resultado do trabalho que tem vindo a desenvolver. Do relatório ressalta um número devastador que põe a nu as nossas consciências: 2889 casos de violência doméstica teriam sido registados na GNR e na PSP em apenas quatro meses - entre Outubro de 1998 e Janeiro de 1999. O número fala por si, sendo as cidades de Lisboa, Porto, Setúbal e Braga as que registaram um maior número de casos.
Neste universo, a percentagem de mulheres vítimas de violência é de 81%, sendo a dos homens de 19%.
O número de suspeitos é distribuído do seguinte modo: 84% de homens e 16% de mulheres.
Os chamados «contratos de proximidade - violência doméstica», que começaram a ser celebrados por este Governo, são, a par de outras medidas, respostas que ajudam a enfrentar o problema que, na sua verdadeira dimensão, seguramente transcende o número de casos registados.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Não é todos os dias que a valorização social se fortalece e enobrece.
O gesto que, hoje, aqui toma forma de lei é motivo de orgulho para todas e todos aqueles que não apagaram, nem apagam, do seu ideário a ajuda humanitária que a todo o ser humano é devida.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus.

O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados: Há pouco mais de uma semana, a Assembleia da República aprovou uma lei de perdão e amnistia. Fomos, então, movidos por sentimentos de compreensão e tolerância para com os autores de certas condutas ilegais, e fizemo-lo a propósito das comemorações do 25.º Aniversário do 25 de Abril.
É positivo que hoje a Assembleia da República, movida por sentimentos de solidariedade e de justiça, esteja a apreciar um projecto de diploma que respeita à protecção devida às vítimas de crimes violentos.
Apesar da sua extrema simplicidade, a proposta de lei em discussão merece alguma reflexão, antes de mais, por razões de segurança jurídica. É que, estando unicamente em causa a revogação do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, nada justifica que o Governo nos proponha uma revogação tácita, com as inerentes dificuldades de interpretação. Embora parecendo uma questão meramente formal, de especialidade, ela relaciona-se com valores fundamentais da ordem jurídica e, por isso, deve ser abordada nesta sede. Se a intenção é revogar o n.º 2 do artigo 3º do Decreto-Lei n." 423/91, então, o que deverá dizer-se, antes de mais, é que esse preceito fica revogado, acrescentando-se, depois, que o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 423/91 passará a ter a redacção correspondente ao seu actual n.º l. E, assim, se dissipam quaisquer dúvidas, para além de esta solução me parecer preferível do ponto de vista técnico-legislativo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me agora uma nota de natureza meramente política.
Ao longo desta legislatura, que se aproxima do fim, sempre tenho ouvido o Governo e os Srs. Deputados socialistas afirmarem que os governos de liderança social-democrata não fizeram nada de bom, que não tomaram as medidas adequadas. Porém, ao manterem o Decreto-Lei n.º 423/91 em vigor na sua quase totalidade, revogando apenas o n.º 2 do seu artigo 3.º, o Governo e o Partido Socialista acabam, afinal, por reconhecer o mérito e a bondade da legislação produzida por um governo social-democrata. É tão raro isso acontecer que me parece justificado assinalar o facto. O mesmo se diga da referência que, no preâmbulo da proposta, o Governo faz à Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto, que garante protecção adequada às mulheres vítimas de violência.
Srs. Deputados: Há um ponto em que, de algum modo, me permito discordar da posição que foi aqui expressa pelo Sr. Deputado António Pedras e que, aliás, consta do relatório da 1.ª Comissão. Entendo que a norma revoganda tinha a sua razão de ser. O legislador de então não fugiu ao problema e, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 423/91, enfrenta-o expressamente, ao afirmar aquilo que já foi aqui referido pelo Sr. Secretário de Estado Adjunto e que, naturalmente, me dispenso de repetir.
Por aqui se vê que as preocupações manifestadas pelo Governo, ao justificar a presente proposta de lei, existiam também na mente do legislador de 1991 e, a seu modo, ficaram salvaguardadas na norma que ora se pretende revogar. A solução ainda em vigor não deixa de ser cautelosa e toma na devida conta a complexa realidade que pode estar por detrás da chamada criminalidade doméstica, sobretudo quando se trata do pagamento de uma indemnização de que o agente do crime pode vir a ser beneficiário. Daí que não se deva falar de contradição entre o Decreto-Lei n.º 423/91 e a Lei n.º 61/91. A ressalva da lei dinamarquesa acautela suficientemente estes aspectos.
Por último, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, a referência que na «Exposição de motivos» se faz à Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto, que concede uma protecção especial às mulheres vítimas de violência, não pode, em circunstância alguma, ser invocada para restringir o âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 423/91. Com efeito, vítimas da criminalidade doméstica podem ser as mulheres - e sê-lo-ão certamente, no maior número de casos - mas poderão ser também os homens e as crianças. Daí que não seja legítima qualquer leitura reducionista da lei, com base em chavões que cada vez fazem menos sentido, embora deva reconhecer que este meu receio está atenuado ou até mesmo excluído a partir do momento em que ouvi o Sr. Secretário de Estado Adjunto afirmar que, na regulamentação que aí vem,

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se considerarão, em geral, todas as vítimas de violência no seio da sociedade familiar.
É neste contexto que o Partido Social Democrata considera pertinente a revogação que o Governo ora propõe ao Parlamento.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, apesar de não estar presente na Sala, com certeza que a pergunta feita pela Sr.ª Deputada Odete Santos é formulada em nome de toda a Câmara e eu gostaria de dizer que, nestes quase quatro anos de experiência que tenho no Ministério da Justiça, a comissão incumbida de instruir estes pedidos de indemnização tem respeitado escrupulosamente o prazo legal de três meses para instruir os processos e, repito, é-lhe devido um elogio e um agradecimento pela maneira rápida e ágil como que tem funcionado.
Quanto à observação do Sr. Deputado António Brochado Pedras, concordo, e disse-o, que vale mais tarde do que nunca. Está posto cobro àquilo que seria uma desarmonia do sistema e, de facto, o Código Penal está em vigor desde 1983, o artigo 129.º foi, oito anos depois, objecto de um decreto-lei, o qual foi regulamentado dois anos depois. É tempo de recuperarmos algum atraso.
No que concerne à intervenção do Sr. Deputado Correia de Jesus, tenho o maior prazer em reconhecer nele o notável jurista que sempre reconheci e que surpreendi e adivinhei quando, mais velho do que ele, infelizmente para mim, o conheci como caloiro na Faculdade de Direito de Lisboa. De resto, é a ele que devo a interpretação do complexo artigo 563.º do Código Civil sobre o que deve entender-se pelo nexo de causalidade adequada, numa notabilíssima monografia que publicou, há muitos, muitos anos, na Revista da Ordem dos Advogados. Citei-o várias vezes, mas pagando direitos de autor, pois usei as respectivas aspas!
O Governo está inteiramente de acordo com a ênfase da revogação do n.º 2 do artigo 3.º, aceitando perfeitamente que, em comissão, esta Câmara revogue expressamente esse número e, como V. Ex.ª sugere, que o artigo passe a ter essa redacção. Quero apenas dizer que o risco de conluios, previsto no preâmbulo do diploma, era já evitável, salvo melhor opinião, pelo próprio n.º l do artigo 3.º que, fora das vítimas do âmbito do contexto familiar, diz que a indemnização não será concedida quando, durante ou após a prática dos factos, face às relações da vítima com o autor ou o seu meio, a atribuição de uma indemnização se mostrar contrária ao sentimento de justiça e ordem pública.

Há situações que não são meramente platónicas de actiones libere in causa e, ou de, continuando em latim, que dá jeito nestas ocasiões, provocatio ad agendum, para se obter a indemnização. Esta situação não é tão teórica, tão especulativa como isso e o próprio artigo 3.º, tal como ficará, no seu n.º l, que deixará de o ser, já previne razoavelmente as fraudes que se possam, porventura, tentar cometer, com vista à obtenção de benefícios.
Muito obrigado pelo seu contributo e, repito, é com o maior prazer que veremos a expressa revogação do n.º 2 do artigo 3.º, que atinge o mesmo objectivo e toma mais enfática a medida que se vai tomar.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ªs e Srs. Deputados, a lista dos oradores está esgotada, pelo que declaro encerrado o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 256/VII. Esta proposta de lei será submetida à votação, nos termos regimentais, já amanhã.
Passamos ao ponto seguinte da ordem de trabalhos que prevê a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º225/VII - Autoriza o Governo a rever o Código de Processo do Trabalho.
Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mudando completamente de registo, e continuando nas reformas do Ministério da Justiça, cuja dimensão não quantifico - se grandes, pequenas ou médias -, devo dizer que esta proposta de lei tem a ver com o pedido de autorização legislativa para a revisão do Código de Processo do Trabalho. Decorre do Acordo de Concertação Estratégica para o período de 1996/99, em que se previu a criação pelo Governo de uma comissão de revisão do Código de Processo do Trabalho, visando a definição de condições de celeridade e eficiência, que são inerentes à justiça laborai.
Em consequência do Acordo de Concertação Estratégica, trabalhou-se no sentido de elaborar um projecto de Código de Processo do Trabalho que, tendo normas claramente da competência legislativa do Governo, mas nas quais é necessária a intervenção da Assembleia da República, fez-se, nessa área, e numa interpretação maximalista da Constituição, como deve ser, in dúbio, a autorização legislativa que é submetida à apreciação de VV. Ex.ªs.
Preambularmente, gostaria de referir que, na área da justiça em geral, é a justiça laborai a que tem sofrido, apesar de tudo, consequências menos danosas em relação à situação que se atravessa e que se vive, como, de resto, tem sido sublinhado e foi sublinhado no trabalho da equipa do Prof. Boaventura Sousa Santos.
Para não maçar VV. Ex.ªs com números, posso dizer que, em 1998 - números estatísticos provisórios -, entraram nos tribunais do trabalho portugueses 61 086 processos e findaram 59 190. Os números têm tido um crescimento controlado: 40000, em 1992; 42000, em 1993; 46000, em 1994; uma baixa para 40000, em 1995;
46000, em 1996; 51000, em 1997; 53600 e qualquer coisa, em 1998.
Posso dizer ainda que, no capítulo da organização judiciária, desde 15 de Setembro do ano passado, estão a funcionar os tribunais do trabalho de Águeda e de Abrantes, que estavam criados há cerca de 10 anos, que o Regulamento da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, já aprovado pelo Governo, criou o 2.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Loures, o 3.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Penafiel e o 2.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Viseu.
Posso dizer ainda que, para a cobertura integral do País com tribunais de competência especializada do trabalho, falta apenas instalar os já criados tribunais da Póvoa do Varzim, de Santiago do Cacem e da Amadora. Quanto a Santiago do Cacem, temos possibilidades de o colocar no terreno em 15 de Setembro próximo, na reabertura do ano

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judicial. Quanto à Póvoa do Varzim, estamos em negociações, que estão a correr bem, para obter instalações para o tribunal. Mais difícil é a situação da Amadora, para a qual temos de arranjar, previamente, e estamos a tentar fazê-lo, um edifício para instalação do tribunal de comarca.
Postas estas considerações preambulares e utilizando a expressão do Sr. Deputado António Brochado Pedras, no sentido de que quase ofereceria o merecimento dos autos quanto à «Exposição de motivos» da autorização legislativa, a qual dou por reproduzida e que está na presença de VV. Ex.ªs, eu aproveitaria para salientar que o actual Código de Processo do Trabalho iniciou a sua vigência em 1982, sem que, entretanto, tenha sido objecto das alterações que o evoluir dos tempos reclama.
A reforma do processo laborai, integrando-se nos planos de concertação estratégica, justifica-se quer porque foram substanciais as modificações entretanto introduzidas na legislação processual civil quer porque há um novo contexto das relações jurídico-laborais.
Assim, para além de desarmonias com a nova legislação processual civil, em que nem sempre se torna fácil estabelecer a distinção entre a subsidiariedade da sua aplicação ou a especialidade do direito processual do trabalho, entretanto imodifícado, houve todo um percurso social e legislativo com incidências no mundo jus-laboral, que arcaizou, tomou inidóneos os meios ou menos apropriadas algumas previsões normativas, reclamando-se, por isso mesmo, a introdução de preceitos de compatibilização com as novas realidades.
O que nos propomos, se, como esperamos, a autorização legislativa for concedida ao Governo, é, designadamente: compatibilizar a terminologia do Código de Processo do Trabalho com a do Código de Processo Civil; eliminar do actual Código de Processo do Trabalho que, aliás, pouco mais é do que o remake do Código de Processo do Trabalho de 1963, expressões que ainda aludem a linguagem do Estado corporativo, vigente à data do Código de Processo do Trabalho de 1963 - estou a lembrar-me, designadamente, da repetida utilização de expressões que hoje se utilizam, de organismos sindicais. De resto, o preâmbulo do Código de 1981 refere que é uma pequena alteração ao Código de 1963, isto é, foi uma pequena mexida a esse código.
Além disso, espera poder proceder-se - isto, contando que a autorização legislativa seja concedida - à expressa e inequívoca equiparação dos sinistrados em centros de trabalho e dos doentes profissionais com respectivos beneficiários legais, quando, no caso de uns e de outros, do evento lesivo tenha sobrevindo a morte do trabalhador.
Eliminam-se alguns preceitos do actual Código, cujas previsões normativas, não sendo específicas do foro laborai, foram já expressamente contempladas na revisão do Código de Processo Civil.
Fixa-se, em matéria de capacidade judiciária, em 16 anos a idade para os menores poderem estar, por si, em juízo, harmonizando-se, deste modo, a norma adjectiva com a actual previsão substantiva quanto à idade mínima de admissão ao trabalho.
Quanto à legitimidade, condensa-se num único normativo processual a disciplina da legitimidade nas acções respeitantes à anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho, esclarecendo-se e ampliando-se os termos do exercício do direito de acção das associações sindicais em representação e substituição dos trabalhadores, assim se concretizando compromissos assumidos em sede de concertação social, indo-se ao encontro das preocupações de superação das crescentes dificuldades dos trabalhadores em fazerem valer individualmente os seus direitos. No entanto, este alargamento deve ficar condicionado à prévia autorização dos trabalhadores representados ou substituídos, à sua qualidade de associados da estrutura sindical interveniente e ao carácter genérico dos direitos individuais em causa, por forma a que se respeite o princípio constitucional da liberdade sindical.
Quanto à representação e patrocínio judiciário pelo Ministério Público, destrinçam-se as situações em que a intervenção é feita a título de representação daquelas que se revestem da natureza de verdadeiro patrocínio.
Em matéria de diligências deprecadas pelos tribunais de trabalho, e por uma questão de melhoria da qualidade da instrução dos processos, opta-se pela distinção entre diligências que, no critério do juiz da causa, exijam conhecimentos especializados em matéria laborai, caso em que serão deprecadas a outro tribunal de trabalho, e aquelas que o não exijam, por forma a que possam ser, pela sua banalidade, pela sua trivialidade, cumpridas pelo respectivo tribunal de comarca.
Concentra-se numa única disposição a definição das acções com natureza urgente, em que se incluem as relativas ao despedimento de representantes dos trabalhadores, assim se incorporando no Código o que já era imposição da lei substantiva.
Suprime-se o princípio da obrigatoriedade da cumulação inicial dos pedidos, consagrado no Código de 1981, que não mereceu o agrado da generalidade dos juristas da área do direito laborai.
Quanto aos procedimentos cautelares, resolvendo-se dúvidas que se têm levantado, estatui-se inequivocamente no sentido de que, no foro laborai, é admissível o recurso a procedimentos não especificados e afirma-se expressamente, mutatis mutandis, como é óbvio, a aplicação no foro laborai dos procedimentos especificados regulados no Código de Processo Civil que se compatibilizem com o direito do trabalho.
No domínio cautelar, permito-me sublinhar, reflectindo as preocupações crescentes do ordenamento jurídico-laboral português e do próprio direito comunitário em matéria de higiene, segurança e saúde no trabalho, e tendo em conta a incidência preocupante de acidentes de trabalho e doenças profissionais, com enormes custos humanos e económicos, directos e indirectos, a criação ex novo de um procedimento especificado dirigido à protecção daqueles valores - higiene, saúde e trabalho.
Relativamente ao processo declarativo comum, numa preocupação de dar resposta a velhos anseios de grande parte dos cultores do direito do trabalho, suprimem-se as duas formas de processo até agora previstas, com distinção fundada exclusivamente no critério do valor da causa, instituindo-se uma única forma de processo, com tramitação simplificada, que é a simbiose das antigas, e ainda em vigor, formas ordinária e sumária.
Reforça-se a tendência, já expressa no Código em vigor, quanto à primazia do julgamento pelo tribunal singular, ao mesmo tempo que se garante às partes o recurso à gravação da audiência, em termos consentâneos com os que vigoram no processo civil.
Seguindo a orientação do Código de Processo Civil, eliminam-se os casos de cominação plena, impondo-se uma decisão, ainda que sucinta, nos casos das acções não contestadas.

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Em matéria de recursos, e sem prejuízo dos casos em que, por força da natureza dos valores em discussão, o recurso até à Relação é sempre admissível, acrescenta-se a esse elenco o relativo às causas respeitantes à determinação da categoria profissional.
No que respeita ao processo executivo, as alterações visam a sua simplificação, reunindo-se num único acto posterior à efectivação da penhora a notificação ao executado do requerimento executivo do despacho determinativo da penhora e da realização desta, alteração que é válida tanto para a execução baseada em sentença de condenação em quantia certa como para a baseada em qualquer outro título.
Além disso e à semelhança do processo civil, o leque de títulos executivos é ampliado precisamente através de remissão para aquele código e para lei especial em que sejam previstos, sem esquecer os específicos do foro laboral, os autos de conciliação, quando obtidos em audiência.
Quanto ao processo especial emergente de acidentes de trabalho e de doença profissional e respectivos incidentes, regula-se mais actualizadamente o modo de exercício de funções do Ministério Público, a quem incumbe o importante papel de direcção do processo na fase conciliatória.
Além disso, inserem-se no código normas que tinham sido aditadas ao actual Código - e topograficamente, agora, no que supomos ser uma localização mais adequada -, tais como as normas respeitantes ao processo especial de impugnação do despedimento colectivo e, no reconhecimento ex lege da complexidade de tais casos, estabelece-se como trâmite necessário a realização de uma audiência preliminar, tal como a prevê o artigo 508.º-A do Código de Processo Civil, ou seja, no processo especial de impugnação de despedimento colectivo não fica ad libitum, não fica à disposição do juiz marcar ou não uma audiência preliminar.
Quanto ao processo especial de impugnação de decisão disciplinar, modificam-se os actuais poderes do tribunal: o juiz passa a desempenhar uma função não normativa, como a que hoje desempenha, de duvidosa e discutível legalidade e passa a desempenhar a sua verdadeira função de controlo no processo disciplinar, por forma a que, garante da legalidade que é, mantenha ou anule a respectiva decisão disciplinar.
Isto não significa, obviamente, que se não aproveite do código em vigor tudo aquilo - e muito é'- cuja actualidade e pertinência se mantêm. Assim como os governos se recebem pura e simplesmente e não a benefício de inventário, deixem-nos que aproveitemos também da legislação anterior, de 1981 - que, por seu turno, não teve pejo em ir buscar normas à legislação de 1963, porque as considerou actuais e pertinentes -, e mantenhamos muitas das normas do Código actualmente em vigor. De resto, não deixaremos de o dizer, se houver oportunidade para o fazer, no preâmbulo do Código de Processo do Trabalho, por uma questão elementar de honestidade intelectual.
Tanto assim que a minha explicação - e terminando esta minha intervenção - para que se faça um novo Código de Processo do Trabalho e não se enxertem 10, 20, 30, 50, 60 ou 70 artigos no actual, é, por um lado, a de uma questão óbvia de comodidade e, por outro, o facto de a regulamentação de certas matérias ter feito deslocar topograficamente, na sistematização do Código actual, este, aquele ou aqueloutro artigo. Seria de mais difícil consulta e lá virá o tempo, com as alterações que, mais tarde, a vida se encarregará de fazer, do artigo 50.º-A ou 49.º-B ou 55.º-C. Por ora, ficaremos com um código corrido, que, esperamos, preste um bom serviço na área importantíssima do direito laboral.
Quero apenas, em post scriptum e usando da generosidade com que VV. Ex.ªs, ao longo deste tempo, me têm tratado, recordar que não iremos certamente aproveitar - e, a meu ver, ainda bem - parte do articulado do pedido de autorização legislativa por inutilidade superveniente da causa. É que, entretanto, já passou por esta Câmara uma proposta de lei, que, no tempo, foi posterior à proposta de lei de autorização legislativa que aqui estamos a debater, que converte - e, a meu ver, muito bem - as contravenções laborais em contra-ordenações, naquela tendência moderna de eliminarmos essa figura híbrida da contravenção ou transgressão - começamos, desde logo, por não saber como havemos de chamar-lhe - em infracções de delito de mera ordenação social.
Assim sendo, o Título II do Código de Processo do Trabalho, que trata da acção penal em sentido amplo, designadamente, não só as normas procedimentais relativas ao exercício da acção penal - entenda-se contravencional - mas também o pedido cível conexo, vai necessariamente desaparecer do Código de Processo do Trabalho, pela simples razão de que desaparece a base habilitante da existência, num Código de Processo do Trabalho, de uma área de natureza criminal.
Na expectativa de que, entretanto, esta Assembleia conclua os trabalhos relativos às contra-ordenações do âmbito do direito laborai, nós ficaremos com um prazo razoável para elaborar o Código de Processo do Trabalho que, aliás, está praticamente pronto. Portanto, não deixaremos de tomar isso em consideração, não aproveitando, designadamente, aquilo que, ao tempo, de jure condito, figura nos artigos 10.º e 11.º da proposta de lei n.º 225/VII.
É isto que, com a observação de que nunca exerci jurisdição em tribunais de trabalho e de que no meu tempo, lamentavelmente, o direito de trabalho se chamava direito corporativo, me é possível dizer não por mérito próprio mas com o auxílio dos ilustres juristas que ajudaram o Ministério da Justiça a elaborar não só este pedido de autorização legislativa mas, ainda, o projecto do Código de Processo do Trabalho.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, desejo formular-lhe dois esclarecimentos quanto a este pedido de autorização legislativa, mas, como temos igualmente presente o projecto de decreto-lei, vou também a ele referir-me, na medida em que uma das dúvidas que me surge tem a ver com a redacção da alínea c) do artigo 5.º do projecto de decreto-lei.
Este artigo é o que estabelece a legitimidade de as associações sindicais intervirem em juízo e a alínea c) diz:
«Nas acções respeitantes à violação, com carácter de generalidade, de direitos individuais, de idêntica natureza de trabalhadores seus associados;». Sr. Secretário de Estado, «de idêntica natureza» a quais? São direitos idênticos a quais? Salvo má interpretação minha, esta alínea não me parece muito clara. Assim, gostava de um esclarecimento, porque, há meses, foi aprovado pela Assembleia um projecto de lei do PCP que alarga a legitimidade das associações sindicais, que tem praticamente estado à espera do

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projecto de Código de Processo do Trabalho, para verificarmos o alcance do que aqui vem. E, salvo o devido respeito, parece-me que o alcance do que aqui vem é mais estreito do que o contido no projecto de lei aprovado na generalidade.
A segunda pergunta que quero colocar a V. Ex.ª tem a ver com uma matéria que foi alvo de uma das minhas primeiras intervenções nesta Casa, salvo erro em 1982, já há muitos anos, quando requeremos a ratificação (que hoje se chama apreciação parlamentar) desse Código de Processo do Trabalho de 1981 - o que está em vigor -, por acharmos que ele era muito mau.
Ora, uma das disposições criticadas tinha a ver com o efeito do recurso da suspensão do despedimento e eu constato, lamentavelmente, que o Governo, embora estabelecendo que tem efeito devolutivo, mantém depois a possibilidade de o efeito devolutivo se transformar em efeito suspensivo se o recorrente, a entidade patronal, prestar uma caução de seis meses. Eu discordo absolutamente disto! Aliás, não só discordo como me admiro que tenha sido mantido, porque se uma pessoa pede a suspensão de um despedimento é porque quer trabalhar e o direito ao trabalho envolve o direito à ocupação efectiva e não o direito a estar em casa e a receber os ordenados.
Além de mais, com a morosidade da justiça nestes recursos, que não vão para tribunais de trabalho nem para uma hierarquia dos tribunais de trabalho mas, sim, para a hierarquia dos tribunais seguintes, os da Relação, pergunto-lhe se, de facto, esses seis meses chegarão para pagar o tempo que, depois, a pessoa está à espera para receber a sentença.
Mas a questão fundamental é outra. Quem pede a suspensão do despedimento quer trabalhar, quer estar ocupado. Por isso gostava que me explicasse por que é que o Governo manteve esta disposição.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, vou decepcioná-la com a resposta que vou dar porque, de facto, tive o cuidado de dizer (e ainda bem que o fiz) que foi uma comissão de peritos que elaborou este diploma. E não custa nada citar os nomes que a constituíam: o Conselheiro Cruz de Carvalho foi o presidente da comissão, que era ainda constituída pelo Dr. Pereira Baptista, pelo Dr. Ferreira Marques, que é juiz de Direito, pelo Dr. João Correia, que é advogado, pelo Dr. João Rato, que é magistrado do Ministério Público e, ainda, por um jurista do Ministério do Trabalho e da Solidariedade.
Quero também dizer-lhe que reconheço, quanto à alínea c) do n.º 2 do artigo 5.º, que a sua redacção pode ser equívoca, mas eu penso que não se deve ser drástico ao ponto de dizer que ela não se percebe.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Eu não percebo!...

O Orador: - Admito que a interpretação que daqui resulte seja a da possibilidade de violação de direitos individuais, mas que atinjam vários trabalhadores associados da mesma entidade e que a respectiva associação, a respectiva representante sindical, possa ter legitimidade para propor a devida acção.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Se assim for, é muito pouco!

O Orador: - Mas eu prometo a V. Ex.ª que irá ser reflectida a oportunidade ou inoportunidade da manutenção desta alínea c) do n.º 2 deste artigo 5.º para, se for caso disso, se concluirmos que a sua redacção pode dar lugar a dúvidas, pensarmos na sua própria erradicação.
Quanto ao recurso da suspensão do despedimento, a opção tomada foi no sentido de lhe atribuir um efeito meramente devolutivo e, por conseguinte, a regra é a de que, decretada a suspensão do despedimento, o trabalhador se mantém no seu posto de trabalho, com a contrapartida que V. Ex.ª referiu. Não tenho agora presente a disposição do decreto-lei, mas também não vale a pena porque tenho-a de memória, e digo-lhe o mesmo que referi em relação à alínea c) do n.º 2 do artigo 5.º: tomo nota cuidadosamente dessa observação, levo-a comigo para o grupo de trabalho que ajudou o Ministério da Justiça, não deixaremos de reflectir sobre ela e, se for caso disso, procuraremos uma solução mais equilibrada ou mais ajustada aos interesses em jogo.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, para assegurar o tempo de intervenção do Governo, o Partido Socialista cedeu algum tempo ao Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: O conjunto das disposições que constituirão, ou que o Governo propõe que venham a constituir, o Código de Processo do Trabalho são positivas e contém alguma e grande alteração em relação à filosofia do actual Código de Processo do Trabalho, que, desde 1989, dizemos apresentar uma visão privatística do direito do trabalho e não proteger os interesses dos trabalhadores. Portanto, nós daremos o nosso voto favorável à proposta de lei n.º 225/VII.
Aliás, as pessoas que constituíram a comissão que procedeu à sua redacção são todas minhas conhecidas. Um deles foi ilustre juiz no Tribunal de Trabalho em Setúbal, pessoa com quem eu muito aprendi sobre direito do trabalho, já que apenas tinha estudado direito corporativo e, portanto, sabia quase nada de direito do trabalho. Foi, portanto, com o Dr. José Augusto Cruz de Carvalho, que, aliás, é autor de um livro sobre acidentes de trabalho e doenças profissionais, que eu, de facto, muito aprendi, como aconteceu com muitos advogados em Setúbal. Por essa razão, não fico admirada pelo facto de a filosofia global das disposições ter um sentido positivo.
Gostaria de, para além daquelas duas críticas que fiz e que não atingem o Código na sua globalidade, dizer que, entre o Código de Processo do Trabalho e o que vem proposto, surgiram alterações no Código de Processo Civil, alterações importantes que admitem, mesmo no processo civil, uma tendência para atingir a verdade material e não apenas a verdade formal, como acontecia com o Código de Processo Civil anterior às alterações.
Por isso, uma vez que hoje o próprio Código de Processo Civil já se encaminha para a admissão de determinadas regras, entre as quais está, por exemplo, a possibi-

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lidade de alterar o rol de testemunhas e a possibilidade de o próprio juiz ter alguma iniciativa para atingir essa verdade material, aquilo que vem no preâmbulo da autorização legislativa, justificando que haja a necessidade de aproximação do Código de Processo Civil depois das alterações, já não me repugna como me repugnava em 1981, quando se afirmava que, de facto, o processo de trabalho devia ter também o carácter civilista do processo civil, já que nessa altura se justificava um Código de Processo de Trabalho com uma visão completamente diferente do espartilho constituído pelas regras processuais civis, que dificultavam, muitas vezes, que se atingisse a verdade material. Bastaria um advogado errar um articulado, não atingindo bem todas as questões, para se perder a acção, por muito que ele depois trabalhasse, e bem, durante todo o processo.
Nós daremos, portanto, o nosso voto favorável, embora nos pareça que há um ou outro ponto a acertar, tendo sido feitos, nesse sentido, os pedidos de esclarecimento que apresentei em relação a determinadas questões. De facto, há aqui questões que são clarificadas com esta autorização legislativa, mas, por acaso, nunca tive dúvidas de que podiam ser apresentadas em processo de trabalho as providências cautelares não especificadas. Em certo processo, depois de muito ter matutado e puxado pela cabeça, pensei que se aplicava uma dessas providências cautelares, pelo que a requeri, tendo sido o Dr. José Augusto Cruz de Carvalho que despachou, deferindo a providência cautelar não especificada.
Dizia, portanto, que há aqui clarificações que me parecem importantes, se bem que tenha ainda dúvidas sobre uma questão. De facto, já em tempos ouvi defender esta opinião e até cheguei a pensar que seria essa a solução. Estou a referir-me ao facto de, havendo gravação da audiência, não ser necessária a intervenção do tribunal colectivo. Hoje, ponho em causa esta conclusão que ressalta de um dos artigos que é proposto. Neste artigo, condiciona-se a intervenção do tribunal colectivo a duas coisas e uma delas é que não seja requerida a gravação da audiência. Percebendo que o raciocínio que está por trás disto se baseia no facto de, existindo a gravação da audiência, haver a possibilidade de um recurso em matéria de facto, não havendo, portanto; a necessidade de serem três juizes a apreciar a prova, penso, apesar de tudo, que a gravação da audiência em matérias de grande repercussão, como aquelas que determinam a intervenção do tribunal colectivo, não garante uma maior possibilidade de melhor apreciação da prova, como faz a intervenção do tribunal colectivo. Por isso, também recomendaria que esta matéria fosse alterada, no sentido de se manter a intervenção do tribunal colectivo sem esse requisito de não ser gravada a audiência.
Por último, Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados, faço duas considerações finais, que já não serão tão técnicas. V. Ex.ª relatou números sobre os tribunais de trabalho que indicam que, na justiça do trabalho, as coisas andam mais ou menos em ordem, o que sei que é verdade. Contudo, gostaria de lhe dizer que isso foi feito, em grande parte, à custa dos direitos dos trabalhadores, porque o que explica o menor volume de processos e de pendências nos tribunais de trabalho é a precariedade das relações laborais. São os «recibos verdes», é o trabalho à hora, à tarefa, etc., e não pode dizer-se que os trabalhadores têm a satisfação dos seus direitos a tempo e horas através da justiça do trabalho, porque muitos deles não são sequer exercidos. E não são exercidos por causa do enfraquecimento do direito substantivo do trabalho.
Finalmente, Sr. Secretário de Estado, penso que as pessoas que elaboraram este Código são, de facto, pessoas muito sensíveis para esta área dos acidentes do trabalho. Reparei que havia uma providência cautelar relativa a essa matéria dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais e aplaudo a sua inclusão. Apenas espero que o Governo siga esta lição da atenção que a comissão dedicou a isto e resolva o problema das doenças profissionais das trabalhadoras da Ford Electrónica, que há anos contraem tendinites, enquanto os governos, o outro e este, nada fizeram!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moura e Silva.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados: Somos hoje chamados a apreciar a proposta de lei n.º 225/VII, que autoriza o Governo a rever o Código de Processo do Trabalho. A revisão do Código de Processo do Trabalho era tarefa que se desenhava inadiável já no início da presente legislatura, pelo que é para nós incompreensível que a presente iniciativa do Governo só agora conheça a luz do dia. Considerando que o objectivo primeiro de quem legisla deverá ser sempre o de dar resposta às necessidades sentidas pelos cidadãos, mal se compreendia a atitude do legislador, ou seja, no caso vertente, a ausência dela.
Mas, como mais vale tarde que nunca, analisemos, então, se a substância desta proposta de lei se adequa à sua oportunidade.
Paradigma da desadequação entre as normas processuais e a realidade que estas se destinam a enquadrar, o Código de Processo do Trabalho há muito que vinha sendo alvo das mais duras críticas por parte de todos quantos dele necessitam enquanto agentes de uma relação jurídico-laboral ou intervenientes no processo enquanto advogados ou magistrados. De facto, a evolução, nestes últimos anos, da realidade laborai portuguesa e a complexidade crescente das relações laborais, a par das implicações da integração na União Europeia, implicaram a completa desadequação das normas processuais laborais ainda em vigor.
Concomitantemente, o facto de se ter procedido a uma reforma relativamente profunda da legislação processual civil e a existência de diversos diplomas avulsos, alguns dos quais resultam da transposição de directivas comunitárias com implicações nesta área, faziam com que a revisão do Código do Processo de Trabalho se tomasse ainda mais imperativa.
Esta é, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, uma área particularmente sensível. Tratamos aqui de questões essenciais para a vida dos cidadãos enquanto trabalhadores e empregadores. Este é um domínio onde se exige segurança, rapidez, é um domínio onde conceitos como a celeridade e a economia processuais assumem particular relevância, é um domínio em que o efeito útil da decisão pode ser facilmente prejudicado, pelo que nos cabe a nós zelar para que assim não aconteça.
Este é, hoje, um cenário quase pungente de processos que se arrastam durante anos pelos tribunais, de dias de trabalho perdidos por partes e testemunhas, de juizes e

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funcionários que exasperam sem condições mínimas de trabalho. É um cenário de cidadãos que não recorrem aos tribunais para dirimirem os seus conflitos, sob pena de, para resolverem o seu problema, criarem muitos e muitos outros. Estamos em crer que muitas destas questões são de índole processual.
A proposta que hoje analisamos complica substancialmente uma tarefa já de si complexa pela natureza da matéria em análise. Isto porque a não apresentação de uma proposta de articulado permite unicamente que nos pronunciemos sobre aquilo que o Executivo apresenta como sendo os seus propósitos e objectivos.
Não pode o CDS-Partido Popular deixar hoje de relembrar a esta Câmara uma realidade para a qual temos vindo a chamar a atenção dos Srs. Deputados. Com efeito, já não é a primeira vez que este Governo desmente, nas soluções consagradas nos articulados, as intenções enunciadas nas exposições de motivos.
No que às intenções divulgadas na apresentação desta proposta concerne, diremos que, no essencial, nos parecem positivas, se bem que algumas das soluções encontradas merecessem ser objecto de um debate mais profundo, sediado na análise de propostas concretas.
Detenhamo-nos, a título de exemplo, na questão da legitimidade das associações sindicais e patronais nas acções intentadas em representação e substituição de trabalhadores. A proposta consagrada na alínea b) do artigo 5.º da proposta de lei, em que se presume a autorização do trabalhador a quem a associação sindical tenha comunicado por escrito a intenção de exercer o direito de acção em sua representação e substituição, com indicação do objecto respectivo, se aquele, no prazo fixado, nada declarar por escrito em contrário, é, para nós, uma medida - inaceitável.
A atribuição de valor declarativo ao silêncio do trabalhador, num cenário ainda preocupante de alguma falta de preparação de alguns trabalhadores, a par de algum alheamento da defesa dos seus próprios interesses de determinados outros, faz-nos temer - diria mesmo faz-nos tremer -, quando antevemos o aproveitamento a todos os níveis que esta abertura da lei pode permitir. Efectivamente, parece-nos ser preferível a consagração legal da obrigatoriedade da declaração, também por escrito, do trabalhador e, na ausência desta, então, sim, a presunção de que o trabalhador não concorda com a intenção da associação sindical de exercer o direito de acção em sua representação ou substituição.
Este é um exemplo, mas outros poderiam ser apresentados.
Por fim, o CDS-Partido Popular vai esperar pela tradução deste conjunto de intenções em diploma legal, não podendo, desde já, deixar de tomar pública a intenção de pedir a apreciação parlamentar de um diploma que venha a materializar algumas das propostas apresentadas através desta iniciativa legislativa e com as quais estamos em completo desacordo.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados: Está hoje em discussão uma proposta de lei com a qual o
Governo pretende obter uma autorização legislativa tendente a proceder à revisão do Código de Processo do Trabalho. Trata-se de medida prevista nos Acordos de Concertação Estratégica, negociados com os parceiros sociais no ano de 1996, e que só agora, em fim de legislatura, o Governo entendeu avançar, para tanto pedindo a esta Assembleia da República autorização para legislar sobre a matéria.
Mas o propósito e a necessidade de rever o Código de Processo de Trabalho não pode ser dissociado da circunstância de ter ocorrido em 1995/1996 uma profunda reforma da legislação processual civil, sobretudo através dos Decretos-Leis n.ºs 329-A/95, de 12 de Dezembro e 180/96, de 25 de Setembro, com implicações significativas no processo laboral.
Na verdade, a reforma do Código de Processo Civil teve agora, tal como ao longo dos últimos 60 anos, a virtualidade de provocar, bem ou mal, a reforma do Código de Processo do Trabalho. Assim sucedeu com o primeiro Código de Processo do Trabalho, que surgiu em 1940/1941, tendo como razão próxima a revisão, sistematização e actualização do Código de Processo Civil, o que conduziu à estatização da jurisdição do trabalho, continuou em 1963, cuja revisão veio a emergir da revisão do Código de Processo Civil de 1961, passou pelo Código de Processo do Trabalho actual, aprovado em 1981, e leva-nos à grande inovação do direito adjectivo em Portugal, decorrente da reforma do Código de Processo Civil de 1995/1996, que, necessariamente, provoca a revisão do actual Código de Processo do Trabalho, para cujo processo o Governo vem, com a proposta de lei em discussão, pedir autorização.
Por outro lado, o moderno e futuro direito substantivo do trabalho vai receber achegas oriundas dos direitos de personalidade, sendo que o enriquecimento do feixe jurídico dos trabalhadores irá advir, sobretudo, do revigorar da posição e pretensão destes enquanto cidadãos, mesmo antes de serem trabalhadores. Ao mesmo tempo que se é trabalhador também se é cidadão, e é-se mais cidadão, cada vez mais.
É assim evidente que o actual Código de Processo do Trabalho, impregnado das especificidades e dos ingredientes típicos da visão da figura jurídica do trabalhador como a parte mais frágil, não é susceptível de. a prazo, absorver estas preocupações. Ao legislador compete acompanhar as mudanças sem deixar de garantir os equilíbrios. fundamentais.
Por isso, sendo pertinente, a iniciativa do Governo peca por tardia, pois há muito que é urgente a revisão do Código de Processo do Trabalho, e o compromisso que assumiu com os parceiros sociais, em sede de Acordos de Concertação Estratégica, foi celebrado em 1996.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados: No que concerne ao conteúdo da proposta de lei n.º 225/VII, hoje em apreciação, permitam-me que aluda a três questões que, na nossa opinião, justificam uma séria ponderação.
Relativamente à nova tramitação do processo laborai, importa consagrar uma filosofia assente nos princípios da verdade material, da igualdade das partes, da celeridade, simplicidade, da valorização do acto conciliatório, da cooperação e da motivação das decisões, como pressupostos para dotar o processo de uma maior eficácia e funcionalidade.
Quanto à competência territorial, a proposta de lei pretende alargar o seu âmbito. Neste particular, a competên-

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cia para a propositura da acção, sem prejuízo do tribunal do domicílio do autor, deve, preferencialmente, salvaguardar o lugar da prestação do trabalho, mas com carácter de regularidade.
Em relação à legitimidade processual das associações sindicais para exercerem o direito de acção em representação e substituição de trabalhadores, não é aceitável que tal possa ser feito à revelia da vontade do próprio trabalhador, ou seja, como mera presunção decorrente da falta de manifestação expressa do interessado.
No que concerne à matéria de recursos, há que respeitar a crescente importância das relações entre empresas e trabalhadores, à luz dos direitos e deveres que lhes assistem, até pela circunstância de, por inúmeras vezes, estarem em causa direitos constitucionais.
Assim sendo, o âmbito da admissibilidade de recurso para as relações deve ser abrangente, no sentido de essa possibilidade abarcar quaisquer questões cuja matéria respeite a direitos e/ou deveres dos trabalhadores que se reflictam na prestação ou organização do trabalho. E, em matéria de providências cautelares, é grato verificar o propósito de alargar e inovar o seu âmbito, de que é referência a criação desta figura na defesa de interesses relacionados com a segurança, higiene e saúde no trabalho.
É sabido quanto o Partido Social Democrata tem lutado a fim de ser garantido um efectivo direito à segurança, higiene e saúde no trabalho, sendo certo que esta providência traduz, antes de mais, uma questão de civilização. A sinistralidade laborai em Portugal é manifestamente grave, traduzindo um custo elevado nas pessoas, nos trabalhadores, nas famílias, às empresas e ao Estado, significando verdadeiramente um empobrecimento dos recursos humanos, bem nobre em qualquer país.
Neste particular, sublinhamos, aqui e agora, as palavras do Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais, Dr. Fernando Ribeiro Mendes, que, em recente debate nesta Câmara e em resposta a mim próprio, enalteceu a importância desta matéria, embora assumindo o vazio legislativo sobre aspectos essenciais que há muito urge regulamentar neste âmbito.
De resto, o Governo, ao pedir a autorização legislativa objecto da proposta de lei, vem aludir à Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro - diploma que criou um novo normativo para a reparação dos acidentes de trabalho -, cuja regulamentação, pressuposto da sua entrada em vigor, só agora, em 30 de Abril passado, foi publicada. Trata-se de mais um exemplo negativo por parte do Governo que, alheio à obrigação de regulamentar aquela lei no prazo fixado de seis meses, veio a fazê-lo após o decurso de 20 meses. E essa falha governativa é tanto mais grave quanto é sabido como a diminuição da sinistralidade laborai pode ser obtida mediante a aposta na prevenção, sendo que, à luz da nova lei, tal matéria encontra plena expressão, face às obrigações estabelecidas em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho.
A criação de uma providência cautelar no âmbito desta matéria é, assim, uma mais-valia, que pode ser dada em sede do novo Código de Processo do Trabalho.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados: Como disse no início desta minha intervenção, a reforma de fundo que envolveu o Código de Processo Civil teria de produzir mudanças sobre o Processo do Trabalho. Por outro lado, as normas existentes já têm pouco a ver com a realidade que hoje se vive no campo das relações laborais, de que são exemplo os problemas decorrentes da retribuição e contratação, o local de prestação do trabalho ou o esvaziamento de funções. A utilização de novas tecnologias em quase todos os sectores de actividade e a explosão do sector de serviços vêm alterando de forma profunda a relação entre empresas e trabalhadores.
Assim sendo, e dado que se trata de um imperativo que há muito devia ter sido satisfeito, esperamos e desejamos que o Governo, finalmente, seja capaz, com a autorização pretendida na proposta de lei em debate, de exercer o papel de legislador, a quem compete acompanhar as mudanças sem deixar de garantir os equilíbrios fundamentais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados: Penso que esta iniciativa do Governo é, dada a unanimidade dos grupos parlamentares, uma iniciativa louvável. Diria, no entanto, que não sei se foi o Código de Processo Civil que se adaptou a alguns dos princípios já em vigor no actual Código de Processo do Trabalho ou se foi o inverso, porque o princípio da descoberta da verdade material e, portanto, uma justiça material e não processual - o Sr. Secretário de Estado também o disse - já vigorava no Código de Processo do Trabalho. Ou seja, fez-se, e bem, um aproveitamento daquilo que era positivo no Código de Processo do Trabalho existente.
Quanto às melhorias, são as que se prendem com a funcionalidade, a operacionalidade, a eficácia, a rapidez, porque - e penso que, certamente, estamos todos de acordo - se a justiça não for rápida nunca é justiça. Donde, com eventuais correcções - estou convencido de que o Governo estará atento a isso -, numa ou noutra disposição do Código de Processo do Trabalho, esta iniciativa é, a meu ver, salutar, e o acordo essencial das bancadas aqui presentes é inequívoco nesse sentido.
Não me resta, pois, mais do que aplaudir a iniciativa e esperar que o Código de Processo do Trabalho se ultime o mais rapidamente possível e que tenhamos oportunidade de o ver entrar em vigor.
Mas queria ainda dizer o seguinte: o facto de o legislador ter reconhecido o carácter especial do direito laborai, isto é, o reconhecimento de que não traduz uma regulação jurídica de interesses privados, nos exactos termos em que isso acontece noutros domínios da vida, é, a meu ver, a continuação de um bom caminho. E a adequação processual ao direito substantivo laborai vai também na boa senda.
Donde, e mais uma vez felicitando o Sr. Secretário de Estado e, na sua pessoa, o Governo, por esta iniciativa, a posição da minha bancada será a de aprovação desta autorização legislativa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça pretende ainda usar da palavra.
Tem a palavra para uma intervenção.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, quero apenas agradecer aos Srs. Deputados os contributos que deram para aquilo que vai ser,

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certamente, uma reflexão mais amadurecida ainda sobre o que venha a ser o Código de Processo do Trabalho.
Registo a sintonia que existe quanto às preocupações sobre o problema da presunção da autorização do trabalhador para fazer intervir em sua representação a associação sindical, muito embora a intenção manifesta seja a de proteger o trabalhador através da sua associação sindical e não a de prejudicá-lo, vigorando, como vigora entre nós, o princípio da liberdade sindical. Só a inércia do trabalhador é que faz com que a associação sindical intervenha supletivamente.
Muito embora compreenda que também faz parte de um ritual, a que me fui habituando ao longo destes três anos e meio, queria ainda responder ao Sr. Deputado Francisco José Martins, cuja intervenção ouvi com muita atenção e com a qual concordo na sua globalidade. No entanto, quando comenta que só agora, no fim da legislatura, é que fazemos isto, Sr. Deputado, vejamos: é verdade que a proposta de autorização legislativa entrou na Assembleia da República em Dezembro do ano passado, mas só agora foi oportuno apreciá-la. Porém, V. Ex.ª sabe que a grande reforma do Processo Civil, feita pelo governo do PSD, foi promulgada já depois das eleições de 1995, entrou em vigor na vigência do Governo do Partido Socialista, e nós não a enjeitámos, não a rejeitámos, não a repudiámos, e não tivemos outro remédio senão «arrancar do zero» e prepararmo-nos para a «pôr no terreno».
V. Ex.ª sabe que estivemos um ano a testar, sozinhos, contra tudo e contra todos, perante um silêncio da vossa parte, que continuo a não entender. Não houve ninguém da equipa que interveio na reforma do Processo Civil, repito, promulgada já depois das eleições, portanto, posta cá fora à última da hora, que viesse em nosso socorro defender a reforma que tinha feito o anterior governo e que o actual defendeu como se fosse sua! Não houve ninguém, nos vários colóquios e nas várias sessões de esclarecimento que fizemos, nas várias saídas que efectuámos pelo País! Ficámos sozinhos! É uma mágoa que me fica e para a qual não encontro qualquer explicação.
Tivemos de testar, durante mais de um ano, V. Ex.ª sabe em que condições adversas, os remoques, as críticas, inclusive de que a vossa reforma, que nós adoptámos, até punha em causa a independência dos juizes! Até esse dislate, injustíssimo, foi proferido contra o diploma de 1995. Não havia clima para, enquanto «a poeira não assentasse» e não víssemos em que resultariam as inovações, se arrancar «a cem à hora» para um novo Código de Processo do Trabalho, que está desactualizado desde o dia em que foi feito, desde 1981, porque este é o código corporativo de 1964, com uma pequena «operação de cosmética», como V. Ex.ª reconhece.
É tarde?! Eu acho que ainda haverá tempo, se VV. Ex.ªs assim concordarem, para dotarmos o País de um Código de Processo do Trabalho, e não marcarmos estas coisas em termos de etapas de legislaturas. Não nos obriguem a parar de trabalhar, reconheçam que, afinal, eles até estavam a trabalhar contra o que certas pessoas supunham que estaria a acontecer. Só que, evidentemente, um diploma destes não se faz de .um momento para o outro. Ele exige muita discussão, algum estudo e alguma reflexão, e convém efectivamente que não nos precipitemos.
De qualquer modo, registo a colaboração extremamente positiva que a Câmara deu, para procurarmos introduzir as benfeitorias necessárias no decreto-lei, na certeza de que - e nisso comprometemos a nossa honra - não iremos um milímetro para além da autorização legislativa que nos vier a ser concedida nesse domínio. E assim tranquilizo o Sr. Deputado Moura e Silva neste domínio.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, esgotada que está a lista de oradores, dou por terminado o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 225/VII, que autoriza o Governo a rever o Código de Processo do Trabalho.
Sr.ªs e Srs. Deputados, a próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 15 horas. Do período da ordem do dia consta a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.ºs 579, 581 e 582/VII, todos da iniciativa do PCP.
Sr.ªs e Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 50 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Fernando Garcia dos Santos.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.

Partido Social Democrata (PSD):

António Paulo Martins Pereira Coelho.
João Calvão da Silva. Luís Carlos David Nobre.
Pedro Augusto Cunha Pinto.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Almeida Figueiredo Barbosa Pombeiro.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.

Partido Comunista Português (PCP):

Bernardino José Torrão Soares.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
José Manuel Santos de Magalhães.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.

Partido Social Democrata (PSD):

Fernando Santos Pereira.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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