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Sexta-feira, 22 de Setembro de 2000 I Série - Número 2

DIÁRIO da Assembleia da República

VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 21 DE SETEMBRO DE 2000

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
José de Almeida Cesário
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.
Foi comunicada à Câmara a caducidade, nos termos do n.º 7 do artigo 208.º do Regimento, do processo de apreciação parlamentar n.º 19/VIII (PCP), relativa ao Decreto-Lei n.º 67/2000 (Institui a protecção no desemprego dos docentes contratados dos estabelecimentos de educação e ensino públicos), em virtude da rejeição, na especialidade, na Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, das propostas de alteração apresentadas por aquele partido.
Procedeu-se ao debate da interpelação n.º 5/VIII - Centrada na reforma tributária e nas políticas de combate à fraude fiscal (BE), tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Deputado Francisco Louçã (BE), do Sr. Ministro das Finanças (Pina Moura), que também proferiram intervenções na fase de abertura, e do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (Ricardo Sá Fernandes), os Srs. Deputados Joel Hasse Ferreira e Luísa Vasconcelos (PS), Hugo Velosa (PSD), Octávio Teixeira (PCP), Luís Fazenda (BE), Isabel Castro (Os Verdes), Menezes Rodrigues (PS), Lino de Carvalho (PCP), Maria José Campos (PS) e Maria Celeste Cardona e Paulo Portas (CDS-PP).
A encerrar o debate, proferiram intervenções o Sr. Deputado Francisco Louçã e o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 45 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carla Maria Nunes Tavares Gaspar
Carlos Alberto
Carlos José Gonçalves Vieira de Matos
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Cláudio Ramos Monteiro
Eduardo Ribeiro Pereira
Emanuel Silva Martins
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco José Pinto Camilo
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco D'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
Isabel Maria Soares Pinto Zacarias
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Cardona Gomes Cravinho
João Francisco Gomes Benavente
João Macedo Lourenço
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Rodrigues Pereira dos Penedos
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Maria Diogo
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custodia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino
Maria José Vidal do Rosário Campos
Maria Luísa Silva Vasconcelos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Vítor Manuel Alves Peixoto
Vítor Manuel Caio Roque
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António de Carvalho Martins
António D'Orey Capucho
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
António Paulo Martins Pereira Coelho
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Artur Ryder Torres Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Carlos Manuel Marta Gonçalves
Domingos Duarte Lima
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara

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Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Santos Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
João Bosco Soares Mota Amaral
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maças
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José de Almeida Cesário
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Durão Barroso
José Manuel Macedo Abrantes
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Manuel Cruz Roseta
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rui Fernando da Silva Rio
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Cândido Capela Dias
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Natália Gomes Filipe
Maria Odete dos Santos
Octávio Augusto Teixeira
Vicente José Rosado Merendas

Partido do Centro Democrático Social (CDS-PP):
Altino Bernardo Lemos Bessa
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello Branco
António Herculano Gonçalves
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
José Martins Pires da Silva
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Luís Pedro Mota Soares
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Paulo Sacadura Cabral Portas
Raúl Mário Carvalho Camelo de Almeida
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um relatório da Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório refere-se à apreciação parlamentar n.º 19/VIII (PCP), relativa ao Decreto-Lei n.º 67/2000, de 26 de Abril (Institui a protecção no desemprego dos docentes contratados dos estabelecimentos de educação e ensino públicos). Tendo sido apreciadas, na especialidade, naquela Comissão, as propostas de alteração, apresentadas pelo PCP, as mesmas foram rejeitadas, com votos contra do PS, votos a favor do PCP e abstenções do PSD e do CDS-PP, o que levou à caducidade do processo de apreciação parlamentar, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 208.º do Regimento.
O despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República é no sentido de que seja dado conhecimento disso a este Plenário.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, da ordem de trabalhos de hoje consta a interpelação n.º 5/VIII - Centrada na reforma tributária e nas políticas de combate à fraude fiscal (BE).
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Ontem, discutiu-se, com bastante detalhe, números e taxas; hoje, propomos que se discutam problemas concretos de uma das injustiças mais graves que se vive em Portugal, que é a injustiça fiscal.

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Disse, ontem, o Primeiro-Ministro, Eng.º António Guterres, que a reforma fiscal é sempre um momento de verdade, pressuposto com o qual quero manifestar o meu total acordo. Mas anunciou também que a sua bancada seria sempre a mais disponível para essa reforma e esse, Sr. Primeiro-Ministro, foi um momento de inverdade. A bancada do Governo não esteve disponível para medidas de reforma fiscal sensatas e necessárias no Orçamento do Estado para 2000, como não esteve depois, ao longo de toda a sessão legislativa, pois nenhuma medida foi proposta pelo Governo em condições de ser discutida e votada nesta Assembleia.
A reforma fiscal tem sido, até hoje, um penosíssimo processo de arrastamento, de adiamentos envergonhados, uma sucessão interminável de erros, de promessas e de faltas de cumprimento. Com medidas avulsas para contentar este ou aquele sector, mantém-se a obscuridade da fraude fiscal generalizada no nosso país. Promessas eleitorais triunfantes traduziram-se sempre em «saídas de sendeiro» e a resistência tenaz à pressão da opinião pública, favorável à justiça fiscal, que exige uma reforma fiscal, teve como conclusão nada ter sido discutido, nada ter sido decidido e nada ter sido preparado.
Este interminável processo de balanceamento entre a esquerda e a direita conduz à ausência de uma estratégia global e coerente, convidando-se uma comissão e desfazendo-se outra, despedindo-se uma e preparando-se outra - tudo se tem mantido, ao longo de cinco anos, numa situação de tabu! E nisto, Sr. Primeiro-Ministro, cometeram o Governo e a maioria desta Assembleia dois erros fundamentais: um primeiro, não cumprindo as promessas de 1995, repetidas depois nas eleições de 1999. Porém, um erro maior ainda foi o de manter uma situação de injustiça. O Governo escolheu não cumprir as promessas eleitorais, porque apelou a um pacto de justiça fiscal, convocou uma maioria, pediu confiança para uma reforma fiscal e, no entanto, quando devia ter cumprido aquilo que prometeu, o Estado colocou-se nessa situação extraordinária, que foi a de ser o caso único de um roubo em que a vítima é cúmplice do ladrão. E dou-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, quatro exemplos do facto de o ano passado ter sido um ano pior na fuga ao fisco do que todos os exercícios anteriores.
Primeiro exemplo: a dívida fiscal em execução era, recentemente, de 452,8 milhões de contos; no ano passado, perdeu-se metade - e vão 200 milhões de contos! Foi o momento da verdade para uma administração tributária que não tem os instrumentos e, muitas vezes, não tem vontade de cumprir as suas obrigações.
Segundo exemplo: ao longo deste ano, o Estado tem insistido em financiar-se rapidamente pela venda acelerada, como nos exercícios anteriores, do seu património. Em 1998 e em 1999, sendo este o último ano para o qual há dados completos, o Estado colocou na praça valores da ordem dos 14,6 milhões de contos, que vendeu, por ajuste directo ou por leilão, por 2,8 milhões de contos. Ou seja, em dois anos, o Estado perdeu 12 milhões de contos, se confrontado com a sua própria avaliação do património. Este também foi um momento de verdade.
Este ano, temos um exemplo, entre muitos, que ressaltou e tem sido discutido publicamente, que é o da Lanalgo. A Lanalgo são 1500 m2, na Rua da Prata, que foram avaliados pelo fisco, em função de uma dívida que transmitiu a propriedade para o Estado, em cerca de 1 milhão de contos. Foi, no entanto, vendida por 90 000 contos, por um ajuste directo que tem essa particularidade extraordinária de o Governo não saber sequer a quem vendeu. É que o Sr. Ministro das Finanças não está em condições de nos dizer quem é a Tayama Investments, com sede em Gibraltar. Não saberá, portanto, em função disso, qual é o percurso deste património e nem poderá, dessa forma, justificar a razão de um ajuste directo que fez o Estado perder quase 1 milhão de contos.
Terceiro exemplo: no off-shore da Madeira, segundo o Orçamento do Estado aprovado para o ano corrente, perderam-se, em benefícios fiscais, 234 milhões de contos. Esse é também um momento da verdade da nossa política, porque, desta forma, vulnerabilizámo-nos a pressões internacionais, fazendo aparecer o nosso país, como muitos outros, como uma das portas para a fuga ao fisco em países vizinhos ou com os quais temos as melhores relações. E não podemos, por isso, surpreender-nos se já quatro países, a Holanda, a Suíça, os Estados Unidos e o Brasil, excluíram as entidades registadas na zona franca da Madeira, no seu sector internacional e financeiro, do âmbito do acordo sobre dupla tributação que celebraram com Portugal. Não podemos, por isso, surpreender-nos que a Comissão Europeia, no dia 18 de Julho deste ano, ataque, como ajudas ilegais, os benefícios que são concedidos na zona franca da Madeira. A pressão internacional, que se multiplica, por não regulamentar, por não regular, por não impor a transparência, penaliza o nosso país e coloca-nos como réus de uma acusação de uma liberdade de circulação de capitais sem limites, sem regras, sem transparência e sem seriedade.
Mas o pior de tudo, Sr. Primeiro-Ministro e Sr. Ministro das Finanças, é que esta situação, em que não há reforma fiscal, em que se vende o património ao desbarato, em que não se cobram as dívidas fiscais e em que se permite que a pequena e a grande corrupção vão imperando para substituir as regras da transparência na Administração e na decisão fiscal, essa situação, repito, impõe um descontrolo absoluto dos deveres e das responsabilidades do Estado.
Diz a Inspecção-Geral de Finanças que, feitas as contas sobre a Expo 98, 19 em cada 100 milhões de contos, praticamente 20% da despesa, não têm justificação contabilística satisfatória.
Diz o Tribunal Constitucional sobre a Conta Geral do Estado de 1998 que a contabilização da receita não é fiável e que não há registo do destino de cheques em alguns dos bairros fiscais mais importantes de Lisboa, que é o exemplo citado pelo Tribunal Constitucional.
Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, o que temos a perguntar-lhe - e esse é o sentido desta interpelação - é qual é a obrigação de um governo decente. Em nossa opinião, um governo decente tem de avançar com uma reforma fiscal global, que, com sensatez e coragem, corrija todas estas distorções.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - Ora, isso foi o que o Governo não quis! No entanto, prometeu-o a esta Câmara… O Sr. Ministro Pina Moura, que agora vai dar conta da sua intervenção ao longo deste ano, prometeu-nos, no dia 23 de Dezembro passado, que, até Outubro, todas as iniciativas legislativas fundadoras da reforma fiscal estariam no Parlamento.
No dia 16 de Março, voltou ao Parlamento para nos garantir - e isso consta da pág. 1736 do Diário da

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Assembleia da República, de 16 de Março - que o Governo apresentaria propostas em cinco matérias - e teria sido bom que assim fosse, porque se tratava de matérias essenciais -, a saber: o IRS, o IRC e as infracções tributárias, que ele prometeu apresentar até ao fim da sessão legislativa, ou seja, até 15 de Junho, ao que acrescentava a reforma do património imobiliário e a reforma da tributação sobre a energia, que apresentaria até Outubro, ou seja, até daqui a cerca de uma semana.
Ora, até 15 de Junho, não recebemos a proposta sobre o IRC, nem a referente às infracções tributárias, mas tão-só uma proposta de autorização legislativa, com o apelo a que o Parlamento delegasse no Governo a capacidade legislativa fundadora do parlamentarismo, que é a decisão sobre os impostos, proposta essa, além do mais, incompleta, em estado de não poder subir a Plenário, porque até lhe faltava o decreto-lei que lhe desse substância.
Cometeu o Governo o erro de não começar, não desenvolver, não propor e não discutir a reforma fiscal - nem aquela que se comprometeu a fazer, nem aquela que prometeu aos portugueses, nem aquela com a qual pediu os votos aos eleitores, nem sequer aquela que garantiu ao Parlamento que faria!

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - Mas esse erro é talvez menor do que outros, porque o erro mais grave é que, ao perdermos cada dia que seja na resposta à exigência pública de uma reforma fiscal, estamos a manter as injustiças que são tão graves no nosso país.
A evasão fiscal, se nos basearmos em dados, porventura aproximados, do último relatório do Fundo Monetário Internacional que a isso se refere, que é de há seis anos, de 1994, andará na ordem dos 30% a 35% do total das receitas tributárias. Todos os anos, Sr. Primeiro-Ministro, segundo estas contas, estaremos a perder 1000 a 1500 milhões de contos em impostos que não são pagos: em dois terços das empresas que não pagam IRC, e em IRS, que é defraudado sistematicamente, perante uma administração fiscal que não tem os meios e que não sabe como combater esta evasão.
A evasão fiscal concentra-se em alguns impostos que não foram modernizados, que não foram transformados, ou na falta de medidas essenciais para intervir neste domínio.
Um primeiro exemplo são as taxas liberatórias e as taxas especiais, no IRS. Com as taxas liberatórias, mantém-se uma situação extraordinária, em que o imposto único sobre o rendimento não é único. A característica que ele tem e a modernidade que ele trouxe ao nosso sistema fiscal com a introdução do IRS e do IRC são viciadas pelo facto de uma parte importante dos rendimentos ser libertada nas taxas liberatórias das suas responsabilidades, continuando a não se aplicar e a ser recusado que se aplique o princípio do englobamento. O imposto único não é único: uma parte paga imposto e outra parte paga menos imposto, uma parte paga e outra não paga.
O Governo, na sua proposta sobre o IRS, continua a insistir que as taxas liberatórias, por exemplo, sobre os dividendos, não devam ser transformadas e abolidas. É por causa desta injustiça que o Estatuto dos Benefícios Fiscais deveria ser profundamente transformado. E os Planos de Poupança/Acções? E as sociedades de gestão e investimento imobiliário? E os empréstimos e rendas de locação, que continuam a ter um estatuto fiscal beneficiado? E os estabelecimentos de ensino particular, que não pagam, mesmo quando recebem verbas dos contratos-programa? Essa é a alteração que falta.
O segundo exemplo tem a ver com a banca, com a redefinição do regime de dedução das provisões, o controlo das operações em zona fiscal privilegiada e a imputação de custos em relação à zona franca da Madeira.
Tudo aquilo que o Governo recusou sistematicamente no debate, antes e durante o Orçamento do ano 2000, continua a sublinhar uma das injustiças mais importantes no nosso país.
Terceiro exemplo: a contribuição autárquica.
Ao longo deste ano, mantivemos o silêncio do Estado, a incapacidade do fisco e a irresponsabilidade pública sobre uma das injustiças mais gritantes.
E porque se fala em «Zés» e «Marias», vale a pena fazer a comparação: o Zé e a Maria que compram um T2 em Queluz, ao fim de alguns anos vão pagar 100 ou 150 contos de contribuição autárquica; mas a Xuxa Vasconcelos, que tem 200 m2 na Lapa, porque o seu prédio é suficientemente antigo para ainda estar registado no cadastro à escala dos 100 reis, vai pagar 5 contos por ano. E essa injustiça profundíssima, indignante, mantém-se, ano após ano, até se deveria dizer década após década, no nosso país.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - O quarto exemplo de injustiça fiscal que mantivemos, porque não houve coragem para o transformar, tem a ver com o imposto automóvel. Até Agosto deste ano, o Estado perdeu cerca de 40 milhões de contos com os veículos todo-o-terreno que têm uma cilindrada superior a 2000.
Na legislatura anterior, o Governo apresentou uma proposta de alteração legislativa para corrigir o imposto automóvel e retirou-a sem explicação. Mas no Orçamento para 2000 recusou subverter esta norma absolutamente injusta, que é a criação de um off-shore em relação aos veículos todo-o-terreno e a discriminação entre aquilo que o cidadão paga quando compra um automóvel e aquilo que paga quando compra um jipe, o qual, como o Presidente da Assembleia da República uma vez lembrou, já tem ar condicionado e uma cilindrada que nada tem a ver com a função original do veículo comercial ou do veículo para funções agrícolas.
Catorze Deputados do Partido Socialista fizeram uma declaração de voto recusando este princípio, que, contudo, se manteve no Orçamento: não votaram contra ele, não aprovaram a proposta que o Bloco de Esquerda e outros fizeram no sentido de acabar com o princípio, disseram, no entanto, que lamentavam que não se tivesse acabado ou atenuado uma distorção tão bem identificada, tanto mais que não vislumbravam qualquer justificação política ou técnica para a manutenção da actual situação, que acarreta elevados prejuízos ambientais e mesmo em receitas fiscais. O seu voto teria feito a diferença. A diferença foi que continuou a perda fiscal em 40 milhões de contos.
E esse, Sr. Primeiro-Ministro, foi mesmo um momento de verdade, como todos os outros! Os funcionários públicos reivindicavam 5 contos de aumento mínimo e o Governo deu-lhes 3 contos. A diferença entre um aumento e outro custava 10 milhões de contos. O Sr. Primeiro-Ministro recusou a 150 000 funcionários, que têm os salários mais baixos na função pública, ¼ daquilo que quis dar a 18433

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compradores de veículos todo-o-terreno. Por isso, desafio o Ministro das Finanças a explicar-nos porquê! Porque suponho que o porquê da recusa é tão vergonhoso que nunca será dito em público!
O Bloco de Esquerda apresentou uma proposta de reforma fiscal, com quatro grandes objectivos: reduzir os impostos em particular, porque quem tem menos deve pagar menos; impor a justiça fiscal, porque os que fogem aos impostos devem pagar mais; implementar a necessária simplificação e transparência fiscal, menos impostos e mais eficientes; combater a corrupção e defender os direitos dos contribuintes.
Por isso, propusemos: alterar as taxas do IRS e aplicar os 12% na taxa mais baixa; introduzir o quociente familiar; a isenção do IVA nos livros escolares; políticas de dedução em relação ao trabalho dependente e em relação aos juros com as compras de casa; o fim do sigilo bancário em situações bem tipificadas; o fim de benefícios fiscais injustificados; a alteração do regime dos cartões de crédito; e acabar com a sisa, com o imposto sucessório e com a contribuição autárquica, substituindo-os por um regime mais moderno e mais simples.
Mas, desta forma, o que colocámos ao Governo foi só um desafio, que é este: o Sr. Primeiro-Ministro deve dizer-nos se aceita, ou não, o momento da verdade de uma reforma fiscal de conjunto.
Não pode dizer-nos que um dia logo se verá, que em 2001, 2002 ou 2003 logo se verá, que mais uma comissão ou mais um relatório vão ser essenciais, porque o relatório está feito desde a proposta Silva Lopes, de há cinco anos atrás, e foi completado depois! Os estudos estão preparados e sabemos por onde podemos avançar, por isso é necessário este debate.
O Bloco de Esquerda está disponível para discutir as propostas de reforma do IRS, queremos essa redução de impostos, mas queremos que a reforma fiscal seja tão exigente que possa obrigar quem não paga a cumprir a sua obrigação.
Há um ano, Sr. Primeiro-Ministro, disse-lhe que se quisesse uma maioria para uma reforma fiscal séria essa maioria existia, seguramente, no Parlamento. Essa maioria tem dois Deputados, faltam-lhe os 115 do PS. E digo-lhe, porque este é o momento da verdade, que, se o Governo quiser abandonar a política de reverência em relação à direita tem uma maioria no Parlamento, se o Governo recusar uma reforma fiscal, terá oposição no Parlamento. E este é o desafio que espero seja respondido neste debate.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para intervir, ainda na fase de abertura do debate, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças (Pina Moura): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permita-me, Sr. Deputado Francisco Louçã, fazer, desde já, um brevíssimo comentário à sua intervenção - teremos ocasião de o desenvolver ao longo deste debate.
O conjunto de propostas e também de críticas que fez em relação ao nosso sistema fiscal e à necessidade de o transformar num sentido mais justo, mais global, mais coerente e mais simples, é, como o Sr. Deputado Francisco Louçã sabe perfeitamente, partilhado pelo Governo, faz parte da sua política e de iniciativas que este já apresentou e se prepara para apresentar nesta Assembleia, de acordo com um calendário que aqui tenho reafirmado e concretizado ao longo dos últimos meses.
Não me parece, portanto, Sr. Deputado Francisco Louçã, que seja justo e correcto vir aqui reescrever a história de um debate e de um combate político que temos travado ao longo dos últimos meses. Mas teremos ocasião de, no debate, e em concreto, falar sobre essas questões.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero saudar esta Assembleia e o facto de, no início da segunda sessão legislativa, a reforma fiscal, o seu aprofundamento e a sua operacionalização estarem no centro da agenda política do nosso Parlamento.
Esta prioridade coincide inteiramente com a opção e a acção do Governo, neste domínio. Na verdade, desde o debate da apresentação do Programa do Governo que ficou claro que o XIV Governo Constitucional iria passar, no domínio fiscal, a fazer debates que seriam indispensáveis aos actos e decisões que são inadiáveis.
Por isso, as iniciativas que aqui trouxe em 22 de Dezembro de 1999 e em 14 de Março de 2000.
Por isso, a apresentação, aqui feita, em 30 de Junho, pelo próprio Primeiro-Ministro, de uma proposta de lei de autorização legislativa visando alterar o Código do IRS, a Lei Geral Tributária, os Estatutos dos Benefícios Fiscais e dos Tribunais Administrativos e Fiscais e o Código do Processo Tributário.
Por isso também, o trabalho competentíssimo e intenso que, ao longo dos últimos meses, a Estrutura de Coordenação da Reforma Fiscal, presidida pelo anterior Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Prof. Manuel Baganha, e integrada pelo actual Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Dr. Ricardo Sá Fernandes, vem realizando, e continua a realizar, para concretizar, a breve prazo, novas iniciativas legislativas que completem o quadro que definimos para a reforma fiscal: a tributação directa (IRS e IRC); novos instrumentos de combate à fraude e evasão fiscais, nomeadamente no que respeita ao sigilo bancário; um quadro actualizado do sistema de infracções tributárias e de garantias dos contribuintes; a tributação do património e a tributação energética, nos vários e complexos domínios que envolve.
Esta foi, é e será, não só a nossa visão como a nossa prática da reforma fiscal.
Uma reforma que, como temos demonstrado e continuaremos a demonstrar, é global, coerente e tecnicamente bem fundamentada.
Uma reforma que é um processo exigente, determinada na rapidez da sua concretização, mas não sobredeterminada pela sua natureza proclamatória.
Uma reforma que deve induzir simplicidade, eficiência e confiança no sistema fiscal e na sua relação com os contribuintes.
Uma reforma que deve basear-se em amplos consensos sociais e políticos e promovê-los, mas que não pode sacrificar-lhes a coerência dos objectivos que temos, das opções que fizemos, do interesse geral face a interesses particulares que todos temos obrigação estrita de defender.
Uma reforma de valores, Sr. Deputado Francisco Louçã, mas não uma reforma sectária ou ideológica.
O País precisa e a grande maioria dos portugueses quer: justiça fiscal; combate à fraude e à evasão; melhor redistribuição da riqueza e justiça social; desagravamento fiscal para os trabalhadores por conta de outrem e das classes médias; inclusão, custe o custar, dos evasores;

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repressão, doa a quem doer, dos infractores; competitividade fiscal, para atrair investimento e criar emprego e desenvolvimento ambiental sustentado, também na política fiscal.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Temos, conforme acabei de enunciar sinteticamente, uma visão, um projecto, um caminho e um calendário para a reforma fiscal.
Mas, justamente porque não temos da reforma fiscal uma visão sectária ou ideológica, não fomos nem somos insensíveis a outras visões, a outros projectos e a outros caminhos que, total ou parcialmente, se compaginem com a matriz identificadora do Pacto de Justiça Fiscal que a maioria parlamentar que apoia o Governo foi mandatada para concretizar pelos eleitores.
Por isso, aqui estamos hoje para anunciar duas novas decisões do Governo sobre a reforma fiscal.
Em primeiro lugar, o Governo decidiu substituir a proposta de lei de autorização legislativa apresentada em 30 de Junho e uma outra que se preparava para apresentar até ao final do mês sobre IRC, de acordo com o calendário por mim anunciado, por uma única proposta de lei material sobre a reforma da tributação directa e o combate à fraude e evasão fiscais.
Esta proposta será aprovada no Conselho de Ministros do próximo dia 4 de Outubro e poderá ser discutida com outros projectos de lei da mesma natureza, cujo agendamento o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português promoveu para o próximo dia 11 de Outubro.
Em segundo lugar, quero transmitir à Assembleia da República a proposta do Governo de que a apresentação simultânea para debate, na generalidade, dos diferentes projectos seja um primeiro momento privilegiado para apurar e verificar consensos, cujo aprofundamento pode e deve ser feito no debate na especialidade.
Pela parte do Governo, esta iniciativa, que se articula com a proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2001, será complementada e completada, ainda no decorrer do ano 2000, por outras propostas de lei, que se traduzem na actualização aos sistemas de infracções tributárias e de garantias para os contribuintes e numa nova arquitectura de tributação sobre o património imobiliário.
Reafirmamos, neste domínio, os compromissos constantes do Programa do Governo: queremos e vamos terminar com a sisa e o imposto sucessório; queremos e vamos promover, com mecanismos simples e exequíveis de actualização das matrizes prediais urbanas, uma redistribuição mais justa do esforço fiscal que hoje é exigido na contribuição autárquica, nomeadamente aos contribuintes mais jovens e a todos quantos adquiriram casas de construção mais recente; queremos e vamos reafirmar que, na nossa visão, a função fiscal do património, com excepção do imobiliário, deve ser concebida como um instrumento de controlo fiscal capaz de permitir verificar a verdade fiscal sobre as fontes e os fluxos de rendimento, tributados em sede de tributação directa.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A reforma fiscal e a sua aceleração pode e deve ser uma causa clarificadora na sociedade portuguesa.
Uma reforma que leve à separação de águas entre os que querem efectivamente mais justiça fiscal e aqueles que, por muito que o proclamem, querem que tudo fique na mesma.
Uma reforma que torne claro quem quer combater a fraude e a evasão fiscais e aqueles que, agora, querem deixar que os infractores impenitentes vistam «a pele de cordeiro», porque, há que dizer com toda a clareza, o infractor não é nem vai ser vítima de ninguém, mas é a causa principal de não haver mais justiça fiscal em Portugal.
Uma reforma fiscal que, pela sua natureza e dimensão, terá consequências estruturais, porque permitirá um desagravamento fiscal do trabalho, uma mais sólida consolidação das finanças públicas e uma maior competitividade empresarial e territorial para o nosso país na captação de investimento.
Há que dizer, com toda a clareza, que agora se vai ver quem quer passar da proclamação das reformas estruturais à sua efectiva concretização.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Já era tempo!

O Orador: - Dito o que, na nossa opinião, deve ser a reforma fiscal, é também importante afirmar aquilo em que, em nosso entender, a reforma fiscal não se deve transformar.
A reforma fiscal não será, para o Governo, terreno para retóricas afirmações ideológicas que diminuam a ampla base social de apoio que, na sociedade portuguesa, existe a uma autêntica e profunda reforma fiscal.
A reforma fiscal não constituirá, para o Governo, um exercício de maximalismo perfeccionista que, na sua exigência global, total e super rápida, se transformasse, ao fim ao cabo, num factor de conservação de tudo o que de mau e imperfeito ainda existe no nosso sistema fiscal.
A reforma fiscal pode e deve ter um lema nacional: haja moralidade. Para isso, é preciso combater a fraude e a evasão com uma nova eficácia; é preciso que todos paguem para que aqueles que já o fazem possam pagar menos; é preciso que o sistema fiscal funcione efectivamente de acordo com critérios de simplicidade, eficácia e justiça; é preciso reduzir os impostos sobre os trabalhadores por conta de outrem e sobre as classe médias já a partir do Orçamento do Estado para 2001.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Francisco Louçã, o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira e, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro das Finanças, os Srs. Deputados Francisco Louçã, Luísa Vasconcelos, Hugo Velosa, Octávio Teixeira e Luís Fazenda.
Tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, foi V. Ex.ª, como lhe compete (e estamos sempre à espera disso!), extremamente crítico em relação à actuação do Governo no domínio da reforma fiscal e menos claro nas suas propostas, o que, confesso-lhe, e é raro, me desiludiu um pouco. Mas fez o apelo e manifestou a intenção de que o Parlamento participe, forte e decididamente, nos debates da reforma fiscal.
Nesse sentido, formulo-lhe a seguinte questão: não considera que a atitude do Sr. Ministro das Finanças, ao anunciar a substituição da proposta de autorização legislativa sobre o IRS, que integra as medidas sobre o IRC num novo texto legal, tudo numa única proposta de lei material, a discutir nesta Assembleia, tem um importante significado no sentido de uma mais forte participação desta

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Assembleia no debate e na aprovação da nova legislação da tributação sobre o rendimento?
A segunda questão é relativa ao imposto sobre as grandes fortunas.
Sr. Deputado, gostaria de entender, com clareza, porque não incluir essa tributação, com mais precisão, nas alterações globais à tributação do rendimento escalonada e graduada quantitativamente. Trata-se de uma operação essencialmente de marketing político? Corresponde a uma rotura qualitativa descrita nas leis da dialéctica? Ou tem, para si, real sentido económico-financeiro?
Sabemos que a água ferve a 100 graus em condições de temperatura normal. Onde é que se deve fazer, efectivamente, esse salto? Na vossa proposta determina-se um ponto. Mas faz sentido esse ponto?
V. Ex.ª considera que, na verdade, o que se deve fazer é, independentemente do nome que se lhe dê, agravar os rendimentos mais elevados, sobretudo os improdutivos, no sentido de atingirmos o objectivo - que é o nosso, e espero que também seja o de V. Ex.ª - de utilizarmos os instrumentos fiscais como uma forma de redistribuição social da riqueza e de penalização dos recursos e da riqueza improdutiva?
São estas as questões que pretendo ver respondidas por V. Ex.ª.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, fez-me três perguntas, às quais responderei tão claramente quanto possível.
Em resposta à primeira questão, quero dizer-lhe que este deve ser um debate esclarecedor. O Bloco de Esquerda apresentou propostas sobre a reforma fiscal, estando disponível para a sua discussão no detalhe, aqui e agora, embora o essencial que deva resultar desta discussão é saber se há alguma reforma fiscal.
A esse respeito, queria citar-lhe parte de uma entrevista do líder da bancada do Grupo Parlamentar do PS, Francisco de Assis, publicada há duas semanas. O jornalista pergunta-lhe o seguinte: «Então, e o fim da sisa, do imposto sucessório e da contribuição autárquica? Além de tudo isso ser promessa eleitoral de 1995, Pina Moura disse que apresentaria a reforma fiscal em Junho e, depois, em Outubro». Responde Francisco de Assis: «Concordo consigo plenamente. Não custa ter este sentido crítico, e a pior coisa que pode acontecer a um responsável político é perder a lucidez e pensar que vai tudo bem. Tem razão, no sector da fiscalidade temos de andar mais depressa e temos de fazer uma coisa que não fomos capazes de fazer. É que o País, verdadeiramente, não compreendeu o que o PS preconiza em matéria fiscal. O País sabe qual é, verdadeiramente, a proposta de reforma fiscal do PS? Creio, sinceramente, que não sabe».
O Deputado Francisco de Assis tem razão: o País não sabe qual é a proposta de reforma fiscal do PS! Aliás, creio que não ficou a saber depois desta intervenção.
A segunda questão colocada pelo Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira refere-se à proposta de lei material sobre o IRS anunciada pelo Governo. Naturalmente, o Governo fez bem. Aliás, como já tinha sido anunciado na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares que assim faria, era natural, obrigatório e indispensável que assim fizesse!
Estava o Parlamento disponível para abdicar da sua capacidade de intervir sobre uma lei tão essencial como a dos impostos, traduzindo-a numa autorização legislativa? Penso que não! Qualquer autorização legislativa sobre uma matéria essencial como a dos impostos deve perder, deve sempre ser vencida na Assembleia, porque não pode haver imposição sem representação. Esse é o princípio do parlamentarismo! Isso permite um debate? Com certeza que sim, seja ele o mais esclarecedor possível, e já lá iremos.
No que se refere ao imposto das grandes fortunas, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, entendamo-nos bem: a proposta que o Bloco de Esquerda faz é baseada na legislação que existe em quase todos os países europeus, como, por exemplo, na Espanha, onde uma maioria conservadora do Governo Aznar mantém este imposto com critérios muito mais rigorosos do que os que propomos, incluindo a taxação dos visons e de muitas outras matérias que, certamente, horrorizariam uma grande parte desta Câmara, sendo tudo isso proposto com 36 000 contos de base de partida. E é assim em França, com um nível superior, é assim na Finlândia, na Suécia, no Luxemburgo, na Suíça e em muitos outros países europeus.
O que pretendemos com esta proposta é simplesmente responder a este problema: além dos impostos sobre o consumo e sobre o rendimento, deve ou não haver um imposto sobre as fortunas? A nossa resposta é «sim». Aliás, foi a proposta Medina Carreira, que retomamos de uma forma extremamente transformada, deste ponto de vista.
Sr. Deputado, parece-nos que o que não se pode aceitar é a sua solução, que não tem caminho, uma vez que implicaria uma taxação progressiva. Não me parece ser essa a vontade do Governo, que quer diminuir a progressividade. Devo lembrar-lhes, a este respeito, que a taxa máxima no IRS, em França, é de 56,8%, na Alemanha, é de 51% e, em Portugal, é de 40%.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS):- Sr. Deputado, peço desculpa por interrompê-lo, mas quero esclarecer que eu não disse qual era a minha solução; perguntei se não seria mais lógico, do seu ponto de vista, a solução que aventei.

O Orador: - Sr. Deputado, qualquer solução de progressividade, que inclua a grande acumulação de fortunas, mesmo quando as mesmas não determinam rendimentos, é uma solução aceitável, tratando-se, agora, de a encontrar.
Como sabe, a única coisa que o Governo fez sobre o imposto das grandes fortunas proposto pelo Bloco de Esquerda foi marcar uma conferência de imprensa, dois dias depois do regresso de férias do Ministro Pina Moura, para dizer que o mesmo não era muito praticável.

O Sr. Presidente: - Tem, de novo, a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, a sua intervenção surpreende por dois motivos: em primeiro lugar, não apresentou as propostas que dariam corpo à reforma fiscal que sugere. Qualificou-a, adjectivou-a amplamente (seria rápida e acelerada, teria rapidez na sua concretização), no entanto, não nos disse sequer o que vai propor em termos de IRC.

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Quero lembrar-lhe também que, em 16 de Março, veio dizer-nos, como citei, que até 15 de Junho teria proposto a reforma do IRS, do IRC e das infracções tributárias, o que não fez. Além disso, garantiu-nos, o que ainda pode cumprir, naturalmente, porque ainda não estamos em Outubro, que também incluiria energia e património imobiliário.
Face a isto, garantir, na sua intervenção, rapidez na concretização da reforma quando o Governo não está sequer a justificar-se do atraso face à sua promessa e ao calendário que o Ministério escolheu - ninguém o impôs - é surpreendente!
O segundo motivo da surpresa é a declaração de guerra sobre retóricas, afirmações ideológicas quanto a manter a ampla base de apoio do Governo. Sr. Ministro, é isso o que o Governo tem feito, ou seja, tem mantido uma ampla base de apoio satisfazendo uns e outros interesses, mas, como sabe, isso teve como efeito prático manter num tabu a reforma fiscal durante cinco anos, mesmo quando a lei era franca e absurdamente violada ou até contraditória.
Vou dar-lhe um exemplo: durante cinco anos, o Governo manteve o tabu do sigilo bancário, mas a lei permitia que uma instituição, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, pudesse agir e informar-se sobre as contas bancárias de contribuintes. Porquê? Por uma razão justificadíssima: para evitar o inside trading. Por uma questão de eficácia, para saber a verdade, para combater a fraude, uma instituição, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, podia superar os limites do sigilo bancário!
A pergunta que se coloca é a seguinte: por que podia esta instituição fazê-lo mas a administração tributária estava proibida de o fazer? Se a razão da eficácia justificava que assim acontecesse, por que o fisco não o podia fazer numa altura em que a fraude fiscal é tão generalizada?
Nessa matéria, não satisfaz querer manter a base social de apoio do Governo. Sr. Ministro, a base social de apoio têm sido as redes de manutenção de interesses e de privilégios que a reforma fiscal nunca quis questionar.
Há uma outra base social para onde o senhor tinha de olhar: aquela que quer uma reforma fiscal, que aceita que a contribuição autárquica não pode ser a aldrabice que é, que a sisa não pode ser uma forma de violação das regras de aquisição de imobiliário, que não aceita que se mantenham diferenças essenciais em todos os impostos, que não aceita taxas liberatórias, que não aceita o privilégio dos sectores bancários, que não aceita o rega-bofe dos sectores financeiros.
Sr. Ministro, essa é a diferença essencial e, para isso, não teve resposta.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, em primeiro lugar, entendamo-nos sobre a questão do calendário, pois a última coisa que espero de si é reescrever e reinterpretar o que foi dito várias vezes na Assembleia.
Sejamos precisos: em 22 de Dezembro, quando anunciei a constituição de um pequeno grupo de coordenação para fazer a síntese das sínteses de todos os trabalhos elaborados nos últimos anos, comprometi-me, na Assembleia, a apresentar, até Outubro - repito, até Outubro -, as primeiras propostas de orientação política de reforma.
Lembro-me perfeitamente que fui interpelado pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira na sessão de encerramento do debate do Orçamento do Estado para 2000 sobre se havia ou não disponibilidade do Governo para antecipar o calendário que aqui tinha anunciado, pelo menos em relação às questões da tributação directa, isto é, relativas ao IRS e ao IRC.
Em resposta, garanti que, em relação a essas duas componentes da reforma fiscal, estaríamos em condições de colocar na Assembleia diplomas que, de alguma forma, permitissem o início da sua discussão antes da reforma fiscal. Esse calendário foi aqui confirmado, no que respeita ao IRC, às alteração aos estatutos dos benefícios fiscais da Lei Geral Tributária, nomeadamente na sua relação com as questões de sigilo bancário e de outras formas de combate à fraude e à evasão, pelo Sr. Primeiro-Ministro, no dia 30 de Junho.
Nesse mesmo dia foi afirmado, sem qualquer contestação da sua parte, que, no que respeita ao IRC, o Governo faria ainda a apresentação de uma outra proposta de autorização legislativa antes da discussão do Orçamento do Estado.
Portanto, sejamos precisos. Não queira agora eliminar tudo o que foi sendo dito sem a sua contestação, e por vezes até com a sua valorização, ao longo destes meses num calendário de trabalho que foi, e está a ser, extremamente exigente.
Sr. Deputado Francisco Louçã, é evidente que, tal como qualquer Sr. Deputado ou Membro do Governo, posso chegar a esta Câmara e, sobre uma realidade complexa, que tem inúmeras distorções e injustiças que carecem de ser transformadas, elencar 10, 20, 100 ou mesmo 1000 exemplos e casos concretos que demonstram e até agravam o quadro actual. Mas essa não é toda a realidade do nosso sistema fiscal, nem o facto de, neste momento, o Governo estar a avançar com propostas de alteração mais globais na reforma da tributação significa que o caminho percorrido pelos Governo do Eng.º António Guterres no que respeita à reforma fiscal se iniciem só agora.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, agradeço-lhe que conclua, pois já esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Sr. Presidente, peço-lhe apenas mais 1 minuto.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, de maneira alguma posso dar-lhe 1 minuto. Terá de ser muitíssimo menos, alguns segundos apenas.

O Orador: - Nesse caso, Sr. Presidente, terminarei de responder ao Sr. Deputado Francisco Louça na minha próxima intervenção.

O Sr. Presidente: - Exactamente, Sr. Ministro, terá mais oportunidades para responder.
O Sr. Deputado Francisco Louçã pede a palavra para interpelar a Mesa. Peço-lhe que diga qual a questão da ordem dos trabalhos que está em causa.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, desejo solicitar à Mesa que faça distribuir às bancadas a cópia da página 1736 do Diário da Assembleia da República, que desmente rigorosamente o que o Sr. Ministro das Finanças disse.

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro das Finanças, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Vasconcelos.

A Sr.ª Luísa Vasconcelos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, foi anunciado ao País um novo ciclo de governação.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Foi só o anúncio!

A Oradora: - Permito-me destacar uma frase dita pelo Sr. Primeiro-Ministro, na Assembleia, ainda ontem. É a seguinte: «Modernizar Portugal com equidade e consciência social, ou seja, modernizar, aumentar a produtividade no sentido de garantir a competitividade, continuar a convergência com os nossos parceiros europeus, corrigir o nosso saldo comercial e tentar dar o salto qualitativo para uma sociedade de informação».
Assim, modernizar e aumentar a produtividade é-nos apresentado como um desígnio, como um esforço nacional, cujos resultados devem ser partilhados também a nível nacional.
Sr. Ministro, os cidadãos que vivem em Bragança, em Elvas, na Guarda ou em Castelo Branco também participarão no esforço de aumento de produtividade, porém, sabemos que não beneficiarão de igual forma dos resultados que esses aumentos trarão pelos simples facto de viverem algo a que chamamos interioridade.
Aguardamos, a todo o momento, que o Executivo informe a Assembleia da República sobre a definição da tipologia das zonas beneficiárias dos incentivos fiscais de combate à interioridade, mas sabemos também que esse é apenas um contributo de um ciclo vicioso.
Sr. Ministro, estando nós a viver um novo ciclo, a pergunta que lhe deixo é a seguinte: na reforma tributária, qual o contributo da fiscalidade para a correcção das assimetrias regionais?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Luísa Vasconcelos, quanto à questão que me colocou sobre a competitividade e o contributo que a política fiscal pode dar, nomeadamente no combate às assimetrias com vista ao desenvolvimento económico e social, esclareço-a de que na proposta de lei que o Conselho de Ministros aprovará no próximo dia 4 de Outubro estarão contempladas alterações ao Estatuto dos Benefícios Fiscais, fixando majorações, no que respeita ao IRC, para investimentos que, de alguma forma, respondam a essa questão.
Mas quero aproveitar a sua pergunta para abordar dois outros aspectos, muito importantes, da acção do Governo no domínio tributário.
Começarei pelo desagravamento do esforço fiscal dos trabalhadores por conta de outrem. Há um número que diz tudo sobre o caminho já feito e que vai ser acelerado com a proposta e a metodologia que hoje aqui anunciei. Em 1997, os trabalhadores por conta de outrem e outros contribuintes que tiveram de apresentar declarações de IRS tiveram devoluções de 145 milhões de contos; em 2000, essas devoluções vão ser de 271 milhões de contos, o que representa uma taxa de crescimento de 128%.
Isto é significativo de que - e é, de alguma forma, o completar da minha resposta anterior -, havendo caminho, havendo espaço e havendo necessidade, continuaremos a desagravar o trabalho por conta de outrem. Esse é um caminho que já vimos percorrendo nos últimos anos e que iremos ampliar.
O mesmo se passa no que respeita ao combate à fraude e à evasão fiscais. Também aí há muito caminho a percorrer, mas não nos esqueçamos de que, nos últimos cinco anos, 300 000 contribuintes que estavam foram do sistema passaram para dentro dele e, por virtude da legislação e das medidas tomadas pelo Governo, 253 milhões de receita fiscal em falta foram recuperados neste período.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Isso é bom!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Velosa.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, ouvi a sua intervenção e, sinceramente, pareceu-me estar a ouvir o mesmo que sempre temos ouvido sobre matéria fiscal. Desde 1995, estamos a ouvir praticamente as mesmas promessas sobre as alterações no sistema da fiscalidade e o Sr. Ministro veio de novo à Assembleia dizer que já apresentou uma série de propostas - que não sabemos quais são - tendo, sobretudo, deixado no ar a ideia de que tudo vai continuar na mesma. Ou seja, desde 1995 ouvimos dizer várias vezes que vai haver uma reforma, uma alteração profunda nos impostos sobre o património, e o Sr. Ministro hoje, no Parlamento, continuou a deixar todas as dúvidas sobre essa matéria. Este Governo tomou posse há cerca de um ano e nós continuamos à espera que essa reforma global, como o Sr. Ministro aqui lhe chamou, seja feita.
Aliás, na sua intervenção, o Sr. Ministro disse que tinha apresentado uma proposta há algum tempo e que agora a substituiu por nova proposta, com outros aspectos a considerar.
Realmente, assim, parece que não se está a fazer uma reforma fiscal, que apenas se está a trazer ao Parlamento propostas avulsas sobre várias áreas da fiscalidade e não uma reforma global em parcelas, como lhe chamou o Sr. Ministro.
Portanto, a minha pergunta concreta é a seguinte: quando é que o Governo pensa fazer essa reforma global, principalmente no que diz respeito à tributação sobre o património, que é fundamental?
A segunda questão que queria colocar ao Sr. Ministro tem a ver com o off-shore da Madeira, um assunto que o Sr. Deputado Francisco Louçã tem levado à comunicação social e trazido à Assembleia da República. E a minha pergunta tem a ver com a seguinte afirmação que o Sr. Ministro fez na Comissão de Economia, Finanças e Plano, em Junho: «A nossa política, no que respeita ao off-shore da Madeira, terá também em conta e desenvolverá as conclusões que, a nível europeu, venham a poder ser definidas em conjunto para esse tipo de situações.»
Sr. Ministro, a confirmar-se o que consta dessa acta da Comissão de Economia, Finanças e Plano, do mês de Junho, não estará minimamente de acordo com a bandeira que o Bloco de Esquerda tem agitado e que,

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objectivamente, é contra os interesse de Portugal e da Região Autónoma da Madeira!?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Deputado Hugo Velosa, muito obrigado pelas questões que me colocou.
Em relação à reforma fiscal e às diferentes iniciativas que a concretizam, creio que sobre o assunto fui extremamente claro, tanto hoje como das variadíssimas vezes que delas falei no Parlamento. Ainda há pouco tive o cuidado de referir que o que vamos alterar é uma proposta de lei de autorização legislativa que deveria, depois, ser concretizada em diplomas e transformá-la numa proposta de lei material, que permita a discussão aqui, no dia 11 de Outubro, de toda a reforma da tributação directa, em conjunto com as propostas que os diferentes partidos tenham para apresentar sobre essa matéria, permitindo as transformações necessárias na tributação directa, que, é bom não esquecer, constituem o bolo principal da receita fiscal. É sobre esse bolo que têm de ser tomadas medidas de redistribuição e de combate à fraude e à evasão fiscais, para termos, rapidamente, mais justiça fiscal em Portugal.
Sr. Deputado, o relatório e a proposta de lei de autorização legislativa são públicos, estão ao dispor dos Srs. Deputados, são bastante detalhados em todos os domínios, e a proposta de lei que aqui apresentaremos não deixará de traduzir, ainda mais concretamente, essa orientação.
No que respeita ao off-shore da Madeira, a posição do Governo, que foi expressa no discurso do Sr. Primeiro-Ministro quando do debate sobre o Estado da Nação e por mim próprio em declarações públicas que fiz, centra-se na resposta a três questões: a necessidade de ser tipificada, de uma forma rigorosa, a verificação da situação de residente de todos os que têm contas no off-shore da Madeira, para que esse não seja um veículo de fuga às obrigações fiscais; a necessidade de serem criadas regras claras da imputação de custos das sociedades financeiras no exterior às suas casas-mãe no Continente; a necessidade de serem efectivamente controlados todos os pagamentos que sociedades ou pessoas singulares fazem através de sociedades sediadas no off-shore da Madeira.
São para estas três situações que iremos encontrar respostas e instrumentos que diminuam os abusos e todos os fenómenos de fraude e de evasão susceptíveis de serem feitos a coberto do off-shore da Madeira e que levam a que, nomeadamente a nível europeu, se inclua o off-shore da Madeira numa lista de comportamentos fiscais não recomendáveis.
É esta, concretamente, a minha resposta.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente e Sr. Ministro, em primeiro lugar, independentemente de, neste momento, discutirmos a questão com mais ou menos profundidade, há uma coisa que o Governo tem de reconhecer e de aceitar: é que houve, de facto, por parte dos governos do Partido Socialista, um atraso de cinco anos no processo da reforma fiscal.

O Sr. António Capucho (PSD): - No mínimo!

O Orador: - Durante cinco anos não fizeram o que prometeram fazer e que constava do programa do primeiro governo do Partido Socialista. Foram cinco anos perdidos, quer porque o Governo não apresentou quaisquer propostas de lei, quer porque o Grupo Parlamentar do Partido Socialista sempre rejeitou todas as propostas que foram apresentadas nos vários Orçamentos.
O Parlamento não esteve à espera desta Legislatura para ter sobre a Mesa propostas de alteração fiscais que, no seu conjunto, constituíam uma boa base ou uma boa parcela de uma reforma fiscal! Não foi preciso estar à espera do final do ano de 1999 ou do ano 2000 para que aparecessem essas propostas! Elas vêm sendo apresentadas há cinco anos!
A segunda questão tem a ver com a afirmação feita pelo Sr. Ministro de que o Governo não quer uma reforma sectária ou ideológica.
Sr. Ministro, gostaria de lhe dizer que uma reforma sectária nós também não queremos, pois achamos que não deve haver sectarismo em matérias nenhumas. Agora, cuidado!, uma reforma destas tem de ser ideológica, tem de ter princípios ideológicos que a enformam! Na sua substância, tem de ser ideológica!
Sr. Ministro, ao ouvi-lo fazer essa afirmação fiquei um bocado preocupado, pois pensei que pudesse haver uma alteração substancial das propostas substantivas que vão apresentar, das propostas materiais, em relação à autorização legislativa que estava cá, porque aí há, de facto, uma certa ideologia. Mas talvez isso vá mais no sentido daquela confusão que parece existir no Governo sobre questões ideológicas, porque também o Sr. Primeiro-Ministro, durante muitos anos, disse que ideologia já não existia, que já não fazia sentido falar em esquerdas e em direitas, e agora, quando lhe recusaram a viabilização do Orçamento do Estado para 2001, desatou a dizer publicamente: «a esquerda, onde está a esquerda? A esquerda vai permitir?»
Há aqui, de facto, questões ideológicas.
Em terceiro lugar, o Grupo Parlamentar do PCP pensa - e regista - que o Governo foi sensato em fazer a substituição da proposta de autorização legislativa por propostas materiais, porque seria impensável - como, aliás, logo na altura foi dito ao Governo - que pudesse haver consenso para aprovar o que quer que fosse em termos de reforma fiscal com base em autorizações legislativas, porque os partidos que tinham propostas não iriam abdicar de discutir as suas propostas até ao fim.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - V. Ex.ª tem toda a razão, Sr. Presidente, mas de facto estou com a determinação na rapidez da conclusão da reforma fiscal e espero que a seguir ao dia 11 de Outubro passemos a trabalhar na Comissão.

O Sr. Presidente: - Boa conclusão.
Pare responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, obrigado pelas questões que me colocou.

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Em primeiro lugar, perguntou-me se reconheço que o Governo está atrasado cinco anos no que respeita à reforma fiscal. Não, não reconheço. O Governo trabalhou, nomeadamente o meu antecessor, o Prof. Sousa Franco, no domínio da reforma fiscal, fazendo um trabalho indispensável de estudo e de aprofundamento das questões da fiscalidade nas várias áreas, que está materializado num conjunto de trabalhos que temos vindo a sintetizar, que deram origem à primeira iniciativa, apresentada em Junho, e que estarão na base, também, da proposta de lei que apresentaremos aqui, para discussão, no dia 11 de Outubro.
Como é evidente, podemos sempre andar mais depressa. Com certeza que o PCP, que tem, desde sempre, a reforma fiscal e a tributação directa como um dos objectivos da sua própria orientação - e um objectivo cardeal, até! -, só em Fevereiro de 2000…

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Cardeal?!…Não!…

Risos.

O Orador: - Cardeal, no sentido de ponto cardeal.
Como dizia, só em Fevereiro de 2000 apresentou o diploma que será submetido a discussão no dia 11 de Outubro.
Portanto, nesse sentido - e exactamente no mesmo sentido em que o PCP se terá atrasado -, não me custa também reconhecer que o Governo o terá feito.
Quanto ao facto de eu ter referido que, no nosso entender, a reforma fiscal não deve ser uma proposta ideológica, fique V. Ex.ª tranquilo que tudo o que consta da proposta de lei de autorização legislativa de Junho no que respeita ao IRS, e que, de alguma forma, ideologicamente o tranquiliza quanto às intenções do Governo nessa matéria, manter-se-á e será desenvolvido na proposta de lei material que apresentaremos para o debate de 11 de Outubro.
A questão da ideologia é simples, e o Sr. Deputado Octávio Teixeira sabe isto tão bem ou melhor do que eu. Quando se é firme nos valores e nas convicções ideológica não precisamos de, permanentemente, estar a explicitá-la como se de um breviário se tratasse.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente! Estamos todos de acordo!…

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, registo, para todos os efeitos, que na resposta que deu à pergunta formulada pelo Sr. Deputado Hugo Velosa, do PSD, eleito pelo círculo eleitoral da Madeira, faltou referir-se à conclusão final da pergunta, pelo que me permito aqui fazê-lo: é que as propostas do Governo em matéria de off-shore da Madeira não são as do Bloco de Esquerda, como muito bem se verá na discussão que se vai seguir. Desse ponto de vista, o PSD/Madeira estará mais tranquilo em relação às intenções do Governo.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Valha-nos isso!

O Orador:- Mas retomo aqui a matéria da reforma fiscal proclamatória, sectária ou ideológica, uma cassete a que o Sr. Ministro das Finanças já não nos deveria habituar, porque é, desde logo, hiper adjectivada. Já percebi que houve aqui avanços e recuos nas suas avaliações, porque, por um lado, não recusa que se tenham perdido cinco anos e, por outro, acusa aqueles que apresentam propostas em concreto, e que, inclusivamente, desafiaram o Governo para que se encontrasse um amplo consenso para uma reforma fiscal, de quererem uma reforma fiscal super-rápida. Portanto, há aqui alguma contradição entre os anos em que se estudou, em que se fizeram as sínteses - e, agora, a síntese das sínteses - e as considerações do Sr. Ministro das Finanças sobre aqueles eventuais detractores que querem uma reforma fiscal super-rápida.
Não é o caso do Sr. Primeiro-Ministro António Guterres, que, enquanto líder da oposição, reprovou os últimos orçamentos do governo do Prof. Cavaco Silva, tendo como grande argumento de fundo a inexistência de uma reforma fiscal para a qual se comprometia, caso o Partido Socialista ganhasse as eleições legislativas, num prazo de tempo muito mais curto do que aquele que o Sr. Ministro das Finanças aqui hoje nos evidencia.
Mas regresso à questão da ideologia e do sectarismo. Em primeiro lugar, porque não se pode, umas vezes, dizer umas coisas e, outras vezes, dizer exactamente o seu oposto. Quando o Sr. Primeiro-Ministro nos apresentou aqui o Orçamento do Estado para 2000, disse-nos que era um Orçamento com conceito ideológico. Nada temos contra isso. Há que fazer escolhas. As ideias devem presidir às políticas que se aplicam. E agora, de algum modo - apesar de esta última resposta do Sr. Ministro das Finanças ao Sr. Deputado Octávio Teixeira ser um pouco envergonhada -, já admitiu que sim, que num determinado sentido ideológico poderíamos ficar tranquilos. Em que ficamos, Sr. Ministro das Finanças? A ideologia é boa ou má? Serve umas vezes, não serve outras? Mas isso talvez seja a menor das questões.
O que é que o Sr. Ministro das Finanças entende por propostas sectárias? Quererá dizer-nos que algumas das propostas que o Bloco de Esquerda apresenta para a reforma fiscal são sectárias, designadamente a do imposto sobre as grandes fortunas, a nossa concepção particular de como quebrar o sigilo bancário para efeitos fiscais e outras?
Gostaria que o Sr. Ministro das Finanças tipificasse e não deixasse ficar no abstracto o que é que considera intenções sectárias, se é que…

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: -… isso tem a ver com as propostas do Bloco de Esquerda.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, no que respeita à rapidez, estranho o comportamento do Bloco de Esquerda. Não percebo por que é que o Bloco de Esquerda estando, como diz estar, empenhado numa reforma fiscal rápida, que produza maior simplicidade, eficiência e justiça para o sistema fiscal, desvaloriza os passos que o Governo deu nos últimos meses! E sublinho, a propósito do atraso, Sr. Deputado Luís Fazenda, que se é tão fácil elaborar essas

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propostas e se têm ideias tão claras sobre como as elaborar, porque demorou o Bloco de Esquerda, até ao dia 7 ou 8 de Agosto, a apresentar um conjunto de 14 propostas que autodefine como uma reforma global, coerente e justa do sistema fiscal?! Convém sermos consequentes nas críticas que fazemos, incluindo com o comportamento de cada um de nós.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Há uma diferença: é que não é o Bloco de Esquerda que está a governar!

O Orador:- Mas essa não é a questão principal. A questão principal é que o Bloco de Esquerda, tal como todos os partidos nesta Assembleia, vão ter oportunidade, com as iniciativas tomadas pelo Governo, designadamente com a nova iniciativa hoje avançada e anunciada pelo Governo, de confrontar connosco o que é e o que deve ser, em concreto, a reforma fiscal para que diminuam os impostos sobre os trabalhadores por conta de outrem, aumente o combate à fraude e à evasão fiscais e seja mais competitivo e ambientalmente mais sustentado o nosso território e o nosso desenvolvimento económico.
Quanto à questão da ideologia e do sectarismo, Sr. Deputado Luís Fazenda, limito-me a citar um fiscalista de grande qualidade na nossa sociedade e que, sobre essas questões, diz o seguinte: «Qualquer maximalismo em matéria de reforma fiscal só vai fornecer razões adicionais para manter tudo como está».

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro das Finanças, a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, a sua intervenção introduz, pelo menos para Os Verdes, alguma perplexidade, porque refere duas coisas que me parecem estranhas e não consequentes.
Falou da urgência em implementar a reforma fiscal, o que me parece de elementar bom senso quando temos uma situação que é, hoje, insultuosa para os cidadãos e insustentável politicamente. Falou, também, da necessidade de apressar e de aprofundar. Parece-me elementar apressar, visto que o Partido Socialista perdeu cinco anos numa reforma fiscal que, enquanto oposição, considerava prioritária. Quanto a aprofundar, independentemente de Os Verdes e de o partido do poder terem concepções diferentes sobre o gradualismo das reformas, é difícil encontrar uma explicação, porque o termo «aprofundar» pressupõe que se começou alguma coisa. E aquilo a que temos assistido nos últimos anos, e sistematicamente em termos da discussão do orçamento do Estado, é à recusa do Governo em querer modificar coisas tão simples e tão escandalosas quanto são os benefícios fiscais em relação, por exemplo, aos automóveis e aos veículos todo-o-terreno. Era importante dar sinais de querer modificar, mas nem isso o Governo fez.
Em todo o caso, parece-me importante clarificar o pensamento do Governo quanto à tributação energética, na preocupação, que finalmente o Governo acolhe, do desenvolvimento sustentável. Considerando que a tributação energética pode ser importante para modificar comportamentos, ou, pura e simplesmente, ser uma forma de aumentar as receitas do Estado, e que, por exemplo, num país como o nosso, a energia solar tem menos expressão do que em qualquer pequeno Estado alemão - o que, seguramente, é uma situação bizarra -, gostaria que o Sr. Ministro das Finanças explicitasse exactamente o sentido do que é tributação energética. Sabendo que ela pode ser feita através dos incentivos ou da penalização, nós, Os Verdes, entendemos que ela não pode penalizar os trabalhadores e que, a acontecer, deve reduzir a carga sobre o emprego, designadamente sobre a tributação do trabalho. Para ter algum sentido ou alguma credibilidade, a tributação energética tem de significar que há preocupações de eficiência energética, que em Portugal não existem, que há políticas de transporte, que em Portugal não existem, que há apoio às energias complementares, que em Portugal não existe, que há um conjunto de coisas que, manifestamente, têm sido esquecidas.
Sr. Ministro, gostaria, pois, que precisasse, independentemente de uma clarificação na proposta de lei, o sentido da tributação energética.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, quanto às suas questões relativas à tributação energética, tive o cuidado de referir, tanto na intervenção de hoje como em outras, que se trata - e neste ponto concordo consigo - de uma matéria com numerosas vertentes, e levantou algumas. Temos já, no domínio do Ministério das Finanças e do Ministério da Economia, um trabalho bastante profundo feito pelo Centro de Investigação na Área da Energia do Instituto Superior de Economia e Gestão.
De acordo - insisto uma vez mais - com o cronograma e o organograma que anunciei aqui em Março, de desenvolvimento das várias componentes da reforma fiscal, comprometi-me a fazer convosco aqui, na Assembleia, uma primeira abordagem dessa matéria até ao final deste ano. Sublinhando, e estou a ler, que «apontamos para o biénio 2002 e 2003 as acções essenciais no domínio da tributação do património imobiliário urbano, por um lado, e da tributação energética, por outro».
Portanto, essa será a ocasião para o fazer e terei todo o prazer, nessa altura, em discutir essa questão consigo, de uma forma mais aprofundada.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Velosa.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Em 1995, o Programa do XIII Governo Constitucional da chamada «nova maioria» continha várias promessas em matéria de política fiscal, sendo de realçar o «não» ao aumento dos impostos, a maior justiça na repartição da carga tributária, o desagravamento dos impostos sobre os rendimentos do trabalho em desfavor dos outros, e como se propunha actuar. O PS prometeu que melhoraria a eficácia da administração fiscal e combateria a evasão fiscal, as quais seriam conseguidas, entre outras medidas prometidas, através da despolitização das nomeações dos cargos de chefia.
Quanto a isto, penso que os portugueses não têm dúvidas que o Governo do PS não cumpriu o prometido em 1995. Perguntamos: houve despolitização dos cargos de chefia na administração fiscal? Face ao que se passa em

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todas as áreas do Estado, podemos ter sérias dúvidas que essa despolitização tenha acontecido. A despolitização dos cargos de chefia é fundamental para que haja uma verdadeira reforma fiscal e um combate efectivo à fraude e à evasão fiscais.
Mas prometeu mais. Prometeu, em concreto, apresentar propostas de correcção ao IRS e ao IRC, bem como sobre o conjunto contribuição autárquica e imposto sucessório.
Quanto ao IRS e aos benefícios fiscais, os mesmos sofreriam uma revisão global.
Prometeu, ainda, em 1995, uma reapreciação da contribuição autárquica e do imposto sucessório e da relevância do imposto de sisa no quadro de uma reforma progressiva do sistema de avaliação de bens imóveis. E que fez este Governo do Partido Socialista? Pouco ou nada do que havia prometido. Não há dúvida que, em relação à reforma da tributação do património, nada fez esse Governo.
Para além da aprovação de leis referentes ao procedimento e processo tributário e de pequenas alterações no funcionamento da administração tributária, só foram aprovadas alterações de «cosmética fiscal» no Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo e em alguns aspectos parcelares dos Códigos do IRS, IRC e IVA. E a Reforma Fiscal? Onde está a reforma fiscal? Que aconteceu às prometidas alterações à contribuição autárquica, ao imposto sucessório e à sisa? Foram totalmente esquecidos.
Mesmo as leis adjectivas de procedimento e processo tributário não resultaram, pois os processos fiscais estão moribundos nos tribunais, com graves prejuízos para os contribuintes. E, hoje, ouvimos o Sr. Ministro das Finanças anunciar que vêm aí novas alterações a estes códigos processuais, mas, face ao que se passou a partir de 1995, temos, naturalmente, sérias dúvidas de que algo se faça na moralização do sistema processual tributário.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As injustiças do sistema agravaram-se e os impostos sobre o património (contribuição autárquica, sisa e imposto sucessório) continuaram a penalizar injustamente os portugueses.
O único código mais relevante aprovado por proposta do Governo do PS, com a viabilização parlamentar do Partido Comunista Português, foi o Código do Imposto de Selo, que, em vez de ser eliminado, foi alterado em termos de provocar graves injustiças na tributação de alguns actos, com o único objectivo evidente de manter o imposto por razões exclusivas de receita fiscal.
Nada fez o primeiro governo do Partido Socialista no âmbito daquilo a que se poderia chamar a «reforma fiscal global», terminologia, aliás, muito usada pelo então Ministro das Finanças, Prof. Sousa Franco e hoje aqui, neste Hemiciclo, pelo actual Ministro das Finanças.
Ficamos a saber que o Governo fala de reforma fiscal global e não de reformas fiscais estruturais, que é aquilo que é necessário fazer, nomeadamente no que diz respeito à tributação sobre o património.
Após tão fraca prestação daquele Governo, os portugueses já não esperavam muito do actual Governo do PS em matéria fiscal.
Em Novembro de 1999, este Governo apresentou no seu Programa novas promessas fiscais, como sejam: alargamento da base tributável para cobrir contribuintes que se têm mantido à margem do sistema; medidas administrativas para o combate contra a evasão e fraude fiscais; unificação dos Códigos do IRS e do IRC a partir de uma lei de bases sobre a tributação do rendimento; aprovação e progressiva operacionalização de uma lei de bases sobre a tributação do património com o objectivo da substituição da sisa, da contribuição autárquica e do imposto sucessório por um único imposto geral sobre o património, sem diminuição da receita fiscal.
Estas promessas de reforma fiscal mais profunda ainda não passaram disso, apesar de ouvirmos aqui novas promessas para a concretização destes objectivos que constavam do Programa do Governo. Acresce que é preciso que se diga que, perante o que se passou até agora, podemos duvidar que as mesmas alguma vez sejam concretizadas.
Face ao que se tem passado nesta matéria ao longo destes cinco anos de governo do PS, não é, portanto, crível que se concretize o esboço de reforma fiscal prometida, nomeadamente quanto aos impostos sobre o património.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: É oportuna esta interpelação, não pelos fundamentos invocados pelo Bloco de Esquerda mas porque os portugueses precisam de saber o que vai o Governo fazer nas áreas em que não cumpriu, ou seja, para conseguir uma maior justiça fiscal e um mais efectivo combate à fraude e evasão fiscais.
É evidente que tal só se conseguirá se se operar uma verdadeira e real reforma fiscal estrutural, com alterações profundas na tipologia dos impostos, quer os directos (sobre o rendimento ou sobre o património), quer os indirectos. Infelizmente, este Governo não parece ter condições para levar por diante tais objectivos, pelo menos se tivermos em atenção os cinco anos de governação anteriores.
É ao Governo que compete propor e ter a iniciativa em relação àquilo que prometeu em matéria fiscal.
O PSD, há mais de 10 anos, fez a última verdadeira reforma fiscal estrutural em relação aos impostos sobre o rendimento. É, por isso, um partido que não teme as reformas e as faz quando necessárias.
Assim, o PSD está naturalmente disponível para, empenhadamente, colaborar nesta reforma estrutural, que é a necessária, como, aliás, constava do seu programa eleitoral de 1999, nas seguintes áreas: alterações no IRS, baixando a taxa aplicável através de um alargamento de escalões; alterações no IRC de forma a desagravar os impostos sobre as empresas; reforma da contribuição autárquica e abolição da sisa e do imposto sobre as sucessões e doações; abolição do imposto de selo na generalidade das operações, incluindo as bancárias.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD não tem dúvidas de que este Governo não conseguirá concretizar a reforma fiscal nem o seu Programa. Pensamos que se limitará, como até agora, a apresentar um conjunto desgarrado de medidas fiscais, com a agravante de só conseguir aquilo que tem acontecido: os contribuintes são prejudicados nos seus direitos e garantias e tem sido a classe média a ser prejudicada pelas medidas avulsas tomadas pelo Governo na área fiscal.
A mera assunção de medidas fiscais avulsas é economicamente contraproducente, porque põe em causa a poupança e o mercado de capitais.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Se o Governo apresentar orçamentos que não respeitam a verdade orçamental, não é possível a reforma fiscal sem uma auditoria externa prévia e independente ao estado da administração fiscal, nomeadamente em relação aos seus agentes.

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O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Só a partir desse momento é possível avançar com uma reforma fiscal global que viabilize uma situação em que as receitas fiscais previstas se concretizem e em que não aconteça como tem acontecido, ficando sempre muito aquém do previsto.
O Governo do PS tem a tendência para sobreavaliar a receita fiscal. É o que está a acontecer agora, pois a execução orçamental do 1.º semestre de 2000 já demonstra que as receitas fiscais cresceram somente 3,2% em relação ao período homólogo de 1999, quando a meta estabelecida no Orçamento do Estado para 2000 pressupõe um crescimento de 9,7%. Daí que as previsões de cobrança fiscal no final de 2000 sejam inferiores ao previsto em muitos milhões de contos.
É verdade que o Governo não promoveu a necessária reforma tributária nem conseguiu combater com eficácia a fraude e a evasão fiscais. No entanto, não é com a apresentação de projectos ou de propostas dispersas, que tocam, sem critérios de unidade do sistema, todos os impostos, que se criará um sistema fiscal justo.
Compreende-se a necessidade que o Bloco de Esquerda tem de utilizar certas «bandeiras» no seu combate político, mas é ao Governo que compete assumir políticas que, de forma consistente, alterem, para melhor, o sistema fiscal, incluindo a área de combate à fraude fiscal. Infelizmente, o Governo tem demonstrado ser incapaz de o fazer.
E, agora, algo de preocupante começou a acontecer. É com a reforma proposta pelo PCP ou pelo Bloco de Esquerda que o Governo vai tentar conseguir a reforma tributária e adoptar medidas de combate à fraude fiscal?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente! É a única hipótese!

O Orador: - Face aos múltiplos projectos de tais partidos nesta área, temos de esperar, no mínimo, que o Governo não aceite, a troco não se sabe bem de quê, uma reforma fiscal sem unidade, sem coerência e dispersa.
O País não perdoaria tal atitude ao Governo, mas há atitudes e precedentes que começam a demonstrar que existe o perigo de o Governo aceitar uma reforma fiscal que não é a sua e que não é capaz de fazer.
O País aguarda para ver se o PS e o Governo caem nas armadilhas fiscais apresentadas pelo Bloco de Esquerda e pelo Partido Comunista Português, desvirtuando as suas promessas e a política fiscal que nunca conseguiu concretizar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Informo a Câmara que, para pedir esclarecimentos, se inscreveram os Srs. Deputados Menezes Rodrigues e Francisco Louçã.
Tem a palavra o Sr. Deputado Menezes Rodrigues.

O Sr. Menezes Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Hugo Velosa, este tema que nos traz aqui, hoje, será provavelmente um dos momentos mais nobres desta Câmara, porquanto falamos de impostos.
Não gostaria de ver-me na situação de ser apelidado «cobrador de impostos» - não é esta exactamente a minha, nem a vossa função! -, mas é importante que esta Câmara decida e consiga influenciar as soluções de equilíbrio relativamente ao que é básico na justiça fiscal e, também, o que contribui equilibradamente para o desenvolvimento socioeconómico.
Todos temos observado que alguns agentes políticos, utilizando o palco dos meios de comunicação social, quais Savonarola do mundo fiscal, clamam sobre matérias muito específicas com óbvios intuitos de capitalizar a simpatia do público, dos eleitores.
Posto isto, Sr. Deputado Hugo Velosa, passo à questão que queria colocar-lhe.
Enquanto alguns partidos, como, por exemplo, o Bloco de Esquerda, dão uma colaboração para a reforma do sistema fiscal, o seu partido, partido com vocação de poder e que o exerceu durante muitos anos, umas vezes mal, outras vezes bem, não apresentou qualquer espécie de proposta…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Essa agora!

O Orador: - Não conhecemos qualquer proposta vossa!

Protestos do PSD.

Não conhecemos!
Ora, dada a vossa experiência nesta matéria, acho que devem ter uma boa proposta a fazer!
Pela nossa parte, obviamente, não dispensamos qualquer contributo…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Já vimos que não paga IRS!

O Orador: - Sr. Deputado…! Se quiser ajudar-me a pagá-lo…!? Eu sou dos que pagam, quanto a si, não sei!
Continuando, Sr. Deputado Hugo Velosa, de facto, até agora, o vosso contributo para a reforma fiscal não passou de críticas.
Já agora, e uma vez que, na sessão de ontem, ouvimos falar acerca da tributação sobre os produtos petrolíferos, gostaria de saber que nível consideram razoável no que toca à tributação destes produtos? A sua manutenção, a sua baixa?
Gostaria de obter resposta a esta minha pergunta, já que, em breve, estaremos sob esse «calor» dos petróleos.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Velosa.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Menezes Rodrigues, antes deste debate já tinha pensado que uma das questões que iria ser colocada ao Grupo Parlamentar do PSD seria a de que não colaborava em qualquer destas coisas.
Ora, em matéria fiscal, o PSD, naturalmente, não pode aceitar essa acusação. Na verdade, quando foi governo, o PSD actuou profundamente em matéria fiscal e, desde que está na oposição, também tem dado o seu contributo. É evidente que uns darão mais contributo em quantidade, mas outros procuram dar um contributo em qualidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, o Sr. Deputado Menezes Rodrigues, que integra a Comissão de Economia, Finanças e Plano, sabe que o PSD já apresentou propostas na área fiscal.

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De qualquer modo, o PSD não quer actuar como outros grupos parlamentares, embora respeite esse tipo de actuação, que apresentam projectos de lei na área fiscal sobre várias matérias - e que, como disse na minha intervenção, considero avulsos e dispersos -, quando não é essa a questão de fundo em relação à matéria fiscal.
Respondendo concretamente à sua pergunta, quero dizer-lhe que, tal como eu próprio afirmei, o PSD está disponível para colaborar nessas matérias. No entanto, quero lembrar algo que se passou nesta sede, aquando da discussão da lei de enquadramento orçamental - e permita que lhe diga que pensamos que a mesma estava formalmente bem feita -, a qual, mesmo podendo ser alterada em sede de especialidade, veio a ser inviabilizada pelo Partido Socialista por considerar que a matéria do enquadramento orçamental era da competência do Governo.
Portanto, em coerência com isso e tendo já sido afirmado que foi o Governo que prometeu ao País uma reforma fiscal, consideramos que quem deve apresentar as propostas de fundo na matéria é o Governo, que foi eleito para isso mesmo, para governar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Hugo Velosa, ao contrário do orador anterior, creio que o senhor deu um contributo muito importante para esta discussão e certamente dará mais ainda. Aliás, a bancada do PSD fica de parabéns por ter feito a intervenção que fez.
O Sr. Deputado é um especialista em tributação e, como defensor acérrimo do estatuto fiscal da Madeira, certamente poder-nos-ia esclarecer imenso sobre como é possível desenvolver a tributação em Portugal com taxas de IRC a 0%…! É uma especialidade única em que o senhor brilha e, portanto, é de compreender que, com essa base, possa alertar o Governo para as «armadilhas» que a oposição de esquerda suscita ao levantar estes problemas.
Tem, no entanto, um problema, Sr. Deputado: não tem razão quanto ao que diz acerca da Madeira.
O interesse nacional, e o da Madeira, não está a ser defendido com um regime vulnerabilizado na crítica internacional, nos tratados que assinamos, que faz de nós mira nos relatórios da OCDE acerca do «estatuto fiscal privilegiado» e que não tem sequer vantagem significativa em termos práticos.
Temos de distinguir duas situações.
O senhor conhece, tal como eu próprio, a zona franca, no Caniçal, onde estão instaladas 28 empresas que representam cerca de 800 postos de trabalho, três quartos dos quais já existiam na Madeira antes de as respectivas empresas passarem a ter uma taxa de 0% no IRC. Foram criadas poucas centenas de empregos com o estabelecimento dessa zona franca. Justifica-se, no entanto, pela situação particular de insularidade e pela situação economicamente deprimida, que haja benefícios e incentivos fiscais nesse contexto. Mas estende-se isso, Sr. Deputado, às cercas de 5000 empresas com uma presença virtual sobre algumas das quais, não cumprindo sequer a legislação nacional, o Banco de Portugal não exerce fiscalização?! Estende-se isso a empresas como o Bank of Boston and Latin America, que declara 21 milhões de contos de lucros líquidos e que faz perder ao Estado português 8 milhões de contos de IRC, e a muitas outras na mesma situação?! Tem algum sentido, do ponto de vista económico ou da seriedade fiscal, uma escolha destas?! A minha resposta é «não», Sr. Deputado!
Tem de esclarecer-me, ainda, sobre uma outra matéria, que é a do combate à fraude. O que é, para si, o combate à fraude?
Segundo o Professor Cavaco Silva, num artigo em que sugere ao PSD uma proposta de combate à fraude, chegou o momento de aprovar uma medida que, pela experiência de outros países, pode ser muito eficaz: a quebra do sigilo bancário para efeitos fiscais. Ainda segundo ele, com as devidas precauções, é uma medida controversa que pode suscitar oposição de grupos importantes da nossa sociedade e que, no domínio do IRS, atinge principalmente contribuintes que estariam sujeitos à taxa máxima de 40%.
Repare bem: os que mais têm são os que mais fogem. Por isso mesmo é que é preciso quebrar o sigilo bancário. Quanto a isto o PSD continuará silencioso, continuará envergonhado, ou tem, hoje, alguma coisa a dizer?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Velosa.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, tenho seguido, ao longo destes meses, a sua batalha em relação às operações financeiras na zona franca da Madeira. Deixe que lhe diga que a sua posição, radical, no sentido de «tudo ou nada», ou seja, de não haver nada, é que está mal.
Se foram detectadas algumas irregularidades, se existem situações que têm de ser corrigidas em relação aos interesses de Portugal e da Região Autónoma da Madeira, o que está mal - e deixe que lho diga muito claramente - é a posição de «tudo ou nada».
Aliás, hoje, perante uma pergunta que lhe dirigi, o Sr. Ministro Finanças não me respondeu «tudo ou nada» mas, sim, que há correcções a fazer. E essas correcções a fazer devem ser determinadas pela própria União Europeia ou, pelo menos, no essencial, pelo que for determinado por esta - que eu saiba, Portugal está inserido na União Europeia! Portanto, não podemos enveredar, como o Sr. Deputado tem feito, por situações radicais de «tudo ou nada», pura e simplesmente.
Naturalmente, o tempo de que disponho não me permite falar-lhe sobre os vários equívocos que existem quanto a essa posição de «tudo ou nada», mas terei muito gosto em fazê-lo noutra oportunidade.
É que, quanto às operações financeiras, a zona franca da Madeira até é diferente das outras zonas francas existentes na União Europeia, até é menos benéfica para os contribuintes do que as outras. Portanto, o que poderá acontecer é que os contribuintes desse tipo, os quais, segundo o Sr. Deputado, são altamente beneficiados nesta matéria, em vez de investirem em Portugal iriam fazê-lo nas ilhas do Canal, na ilha de Man, territórios que não são postos em causa nesta matéria. Nesta matéria, os interesses de Portugal seriam sempre prejudicados se fossemos pelo caminho de «tudo ou nada».

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Onde é que está o investimento feito em Portugal?

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O Orador: - Quanto à segunda pergunta, devo começar por dizer-lhe que teria imenso gosto em ser, mas não sou, o Professor Cavaco Silva.
O PSD, em matéria do sigilo bancário, obviamente, também está aberto a algumas soluções que possam surgir que não ponham em causa - isto é que é fundamental! - o actual regime do sigilo bancário. É que existe um relatório, já de há vários anos, que considera Portugal como um dos países que está mais avançado em matéria de sigilo bancário.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Essa contaram só para si!

O Orador: - O que é preciso é defender os direitos dos cidadãos no que toca a essa matéria.
Por outro lado, parece-me, também, que não é com a apresentação de propostas dispersas sobre a matéria que vai resolver-se o problema do sigilo bancário.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Interpela-nos hoje o Bloco de Esquerda sobre matéria fiscal. É um assunto de extrema actualidade, sobre o qual gostaria de deixar bem claro um conjunto de posições e de avaliações, e é de actualidade não só em Portugal como em toda a União Europeia: na França, na Bélgica. Num conjunto de países da União Europeia discute-se sobre as transformações dos sistemas fiscais, surgem e entrecruzam-se propostas - num sistema original, como o belga, vários dos partidos do Governo apresentam, aliás, em público, propostas diferenciadas.
Abordemos então as questões da reforma fiscal na sua extensão e nas diferentes vertentes que a integram, sem procurar ser exaustivo, mas sem esquecer a história recente, bem como a actual conjuntura nacional e europeia, procurando ter uma perspectiva global sobre o assunto, com um olhar mais preciso possível e algumas indicações para o futuro.
As diferentes vertentes incluem os impostos sobre o rendimento das pessoas e famílias, a tributação sobre as empresas, o imposto sobre o valor acrescentado, os impostos sobre o património, a tributação sobre os automóveis, os combustíveis e a energia em geral, bem como o imposto de selo e outro tipo de impostos. Mas incluem também as medidas diferenciadoras, privilegiando a melhoria das condições ambientais e o desenvolvimento das regiões do interior e, em geral, das excluídas do desenvolvimento económico.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A questão da fiscalidade dos combustíveis tornou-se um debate incontornável na actualidade. O problema já não é só de fórmulas e de regras, embora as fórmulas sejam importantes e as regras interessem muito.
Estamos hoje confrontados com uma situação em que os aumentos moderados dos lançamentos de crude no mercado não têm sido suficientes para fazer descer de maneira significativa os preços para os compradores nos mercados internacionais - alguns vendedores começam a dizer que também tem a ver com a fiscalidade dos países compradores, nomeadamente europeus. E, se é certo o nosso ponto de vista, de que a não resolução do arrastado diferendo com o Iraque diminui as possibilidades de aumento da oferta no mercado internacional, é claro que a subida ao poder de Hugo Chávez, na Venezuela, trouxe à OPEP um novo defensor de preços altos para o petróleo, precisado como está de verbas que financiem o desenvolvimento da depauperada e carenciada economia venezuelana.
Por outro lado, a evolução da cotação do euro face ao dólar agrava a situação. E, enquanto não existirem mecanismos de mais eficaz coordenação económica à escala da União Europeia, uma negociação político-económica forte com a OPEP torna-se difícil; a menos que se criasse entretanto, o que também não se afigura fácil nem pacífico, um conselho de segurança para os assuntos económicos.
A prazo, sabemos (ou julgamos saber) que tudo deveria passar por uma nova forma de concertação internacional. Tal não impede que, tendo em vista a necessidade de renovar a frota automóvel e proteger o ambiente, bem como a de enquadrar, de maneira flexível e realista, a tributação dos combustíveis, se tenha de avançar neste domínio, o que só foi possível pontualmente na anterior legislatura.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Falemos do IRS. No domínio deste imposto, interessa relembrar, de forma sintética, o que programaticamente pretendemos e na realidade fizemos. Diminuímos a sua incidência sobre os grupos sociais mais desfavorecidos, por diversas vezes, em orçamentos sucessivos. Para além disto, corrigimos os desequilíbrios relativos às deduções com as despesas sociais, o que fizemos, com a salvaguarda dos casos em que, por via desta mudança de critério, os impostos de alguns contribuintes (aliás, clarissimamente minoritários) pudessem aumentar.
Sr. Presidente, concentremo-nos agora nos impostos sobre o rendimento das empresas.
A taxa de IRC, em cinco anos, diminuiu a um ritmo que nunca o PSD foi capaz de imprimir. Os socialistas, partidários do desenvolvimento, defensores dos direitos e do bem-estar dos trabalhadores, apoiam ainda assim melhor as empresas do que os liberais/conservadores que governaram o País - e parece que pretendem voltar! -, porque sem as boas condições de desenvolvimento das empresas, as remunerações de trabalho não crescem, a riqueza do País não progride.
O que temos pretendido é que cada vez mais empresas paguem, para que se possa reduzir os impostos que sobre elas incidem, com o objectivo de que mais empresas sejam cada vez mais capazes de promover o desenvolvimento global, o crescimento económico e o emprego qualificado.
Todavia, nesta perspectiva global de desenvolvimento solidário, interessa sofisticar mais a repartição de impostos nas regiões, de forma a privilegiar as áreas menos desenvolvidas economicamente, facilitando a inserção de empresas nessas zonas e regiões, seja qual for o nome que se lhes dê. É a chamada questão da interioridade ou das zonas de localização prioritária, a qual já deu origem a várias propostas e diversas alterações orçamentais, conduzidas pelo ou com o apoio do Grupo Parlamentar do PS. Aliás, a resposta hoje dada pelo Sr. Ministro das Finanças à minha camarada Luísa Vasconcelos já constitui uma tranquilização e uma confirmação da orientação do PS e do Governo neste domínio.

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Sr. Presidente, o que se passa quanto aos impostos sobre o património? Como avaliá-lo? Como tributá-lo, nas áreas urbanas e nas zonas rurais? Sabemos que os impostos sobre o património têm subjacentes as questões de valor e do usos dos bens.
Quando o Governo do PSD teve essa longuíssima oportunidade, encravou na questão e no método das avaliações, «varrendo» este problema para «debaixo do tapete»! Nós não o ignorámos, pelo contrário, foram produzidos por incumbência do Governo, sucessivamente os relatórios de Sidónio Pardal e de Medina Carreira, diagnosticando os problemas e propondo soluções que merecem ponderação e avaliação e cujos contributos válidos não serão certamente esquecidos numa reforma fiscal digna desse nome.
Aliás, a extinção da sisa e a reformulação da contribuição autárquica, bem como do imposto sucessório, integram-se neste processo de reestruturação global da tributação sobre o património.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A luta contra a evasão e a fraude fiscais tem sido um dos aspectos centrais da actividade do Governo durante os cinco últimos anos.
Durante anos, nomeadamente a seguir à apresentação dos primeiros orçamentos do Estado pelo PS, os Deputados do PSD, com particular relevo para Manuela Ferreira Leite, Rui Rio e Luís Marques Mendes, consideravam impossível atingir os níveis propostos de receita fiscal, sem subir drasticamente alguns impostos. Enganaram-se sempre! Também por isso, fomos deixando da chamar à Dr.ª Ferreira Leite «Cassandra», porque se enganou sempre nas suas previsões, enquanto a verdadeira «Cassandra», a helénica, de vez em quando, acertava, ao menos na tendência!

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Está a insultar o Ministro das Finanças!

O Orador: - O que se tem passado então nestes cinco anos? A reentrada no circuito fiscal de centenas de milhares de cidadãos e famílias contribuintes, a recuperação para a actual receita fiscal de parte da riqueza gerada por milhares e milhares de empresas.
Houve medidas de recuperação e de encorajamento, é certo. O talvez impropriamente chamado «Plano Mateus» conseguiu uma enorme recuperação dos atrasos dos cidadãos e de empresas nos seus deveres perante o fisco, reintroduzindo-os no sistema fiscal - divertiram-se, gozaram mesmo alguns responsáveis do PSD quando essas medidas foram anunciadas pelo Governo socialista!
O balanço final é que, pelo conjunto dos processos envolvidos, a recuperação de dívidas ao fisco foi muito elevada e, apesar de todos os atrasos, dificuldades e parciais incumprimentos, essa foi mais uma das formas pelas quais, ao longo destes cinco anos, se conseguiu proceder a um significativo aumento da eficácia fiscal. Aliás, contrariamente ao que aqui disse o Sr. Deputado Hugo Velosa, as receitas fiscais em todas as contas do Estado já aprovadas em governos da presidência do Sr. Eng.º António Guterres, foram superiores às orçamentadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há, portanto, todo um esforço que tem vindo a ser feito no domínio do combate à fraude e à evasão fiscais, no sentido da melhor operacionalização da máquina da administração fiscal, mas também no sentido de defender, de forma equilibrada e sensata, as garantias dos contribuintes.
A Lei Geral Tributária, em boa hora aprovada por esta Assembleia - já aqui a tratei por «magnífica», com alguma crítica do Sr. Deputado Paulo Portas, mas como a já foi ler já sabe que ela é magnífica -, é um exemplo de equilíbrio entre os deveres e direitos dos contribuintes face ao Estado e à administração fiscal.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Tudo isto se processa num quadro de internacionalização das economias, da consolidação de uma União mais monetária do que económica, dispondo de uma moeda única e de um Sistema Europeu de Bancos Centrais, mas com uma pouco eficaz coordenação de políticas económicas - ainda há três dias, em Bruxelas, perante uma comissão do Parlamento Europeu, Delors apelava a que se avançasse no sentido do reforço da coordenação das políticas económicas. E aqui, é justo reconhecê-lo, num país onde alguma oposição tão injustamente tratou a presidência portuguesa da União, a actual equipa das finanças levou a cabo um enorme esforço no domínio da harmonização fiscal europeia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todas as medidas de controle e tributação dos rendimentos improdutivos aos chamados e propostos impostos sobre as grandes fortunas, hoje já aqui analisados, têm de ter em conta as condições que facilitam ou dificultam o investimento e provocam ou dificultam fluxos financeiros reais, os quais podem fortalecer ou depauperar as economias. E uma Europa unida tem condições de, gradualmente, avançar no controlo à criminalidade financeira e ao branqueamento de capitais, melhorando as regras sobre o chamado sigilo bancário e esforçando-se no sentido da harmonização fiscal.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: É claro que qualquer grupo parlamentar tem não só o direito como o dever de apresentar propostas e contributos para a melhoria e aperfeiçoamento do sistema fiscal.
O PCP colaborou nas mais significativas medidas introduzidas no IRS nos últimos anos, quer no âmbito da diminuição da carga fiscal, incidindo sobre os estratos sociais mais desfavorecidos, quer no âmbito da adopção de mais justos critérios de deduções das despesas sociais.
O PS conduziu, a partir do Governo e do grupo parlamentar, um conjunto significativo de alterações que permitem arrecadar mais receita, diminuir as fraudes, criar métodos e sistemas para as impedirem, combater a evasão fiscal e tornar o sistema gradualmente mais justo e mais equilibrado, bem como potenciador de um desenvolvimento económico mais solidário e harmonioso. E foi também o PS que alterou o sistema de tributação familiar, modificando de forma justa o denominado quociente familiar.
Há ainda todo um campo de actuação neste domínio que visa proteger a família, apoiar os idosos, beneficiar os apoios à educação. Alguma coisa se fez e alterou neste domínio; e, para isso, o PP colaborou com propostas e sugestões pontuais, nomeadamente no âmbito de alguns debates orçamentais, tendo algumas das suas propostas merecido, aliás, acolhimento oportuno por parte do Governo da República e do Grupo Parlamentar do PS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos tempos mais recentes, já nesta legislatura, o novel Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Dr. Ricardo Sá Fernandes, dinamizou um processo global, visando, sob a égide do Sr. Secretário de Estado Manuel Baganha e do Sr. Ministro Pina Moura e enquadrado nas orientações governamentais, a concretização gradual das medidas de reforma fiscal nas

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diferentes áreas, tendo em conta também e aproveitando todo o vasto arsenal de estudos e relatórios já disponíveis. Porque é oportuno, é bom que, neste domínio, se diga e sublinhe que a linha de actuação já apresentada pelo Governo, relativamente à reforma do IRS, merece o nosso acordo quanto ao conteúdo. Saudamos hoje, aqui, calorosamente, a passagem a lei material da proposta de autorização legislativa, integrando também a reforma do IRC, que abrirá um espaço muito mais amplo e participativo para a intervenção dos Deputados de todos os grupos parlamentares.
Srs. Deputados, em todo este processo, nunca se viu o PSD apresentar propostas equilibradas e exequíveis, como ainda há pouco lembrava o meu colega e camarada Menezes Rodrigues.

Vozes do PSD: - Outra vez?!

O Orador: - Foi um «deserto» de ideias, um vazio de propostas, possivelmente com raríssimas excepções, das quais nem os próprios autores já se lembrarão, aliás, há pouco foi patente a dificuldade do Sr. Deputado Hugo Velosa em responder a este assunto. Isto faz lembrar uma história de um militar português que, nas vésperas da tomada do poder, interrogado por um dirigente de um partido de esquerda sobre quais as suas intenções - estejam tranquilos, porque isto passou-se na década de 20 -, o seu programa político, respondeu o seguinte: «Passem-me a guitarra para as mãos que logo verão como eu toco»! Esta foi a resposta do General Gomes da Costa ao Dr. Lopes de Oliveira.
Esteja o PSD tranquilo porque, como eles não vão dizer como «tocam», ninguém lhes vai passar a «guitarra» para as mãos!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Interessa, nesta altura do debate, interrogarmo-nos verdadeiramente sobre qual é a posição global do Bloco de Esquerda neste processo, e, apesar dos esclarecimentos prestados pelos Srs. Deputados Francisco Louçã e Luís Fazenda, eu gostaria de formular uma pergunta final de forma sintética.
Quer o Bloco de Esquerda colaborar no desenvolvimento de uma reforma fiscal séria e equilibrada, prescindindo para tal de aspectos utópicos, radicais, inexequíveis ou, eventualmente, contraproducentes de algumas das suas propostas, ou quer apenas fazer propaganda pretensamente moralizadora e de efeitos eleitoralistas? E esta pergunta não é tanto minha mas de muita gente que se interroga sobre isto. Esta opção compete aos Deputados e aos dirigentes do Bloco de Esquerda.
Nós, Deputados socialistas, estamos obviamente abertos ao diálogo, a um diálogo sério e frontal, que confronte propostas, a bem da melhoria da eficácia e da equidade do sistema fiscal, numa óptica de solidariedade social, que é a nossa. Solidários politicamente com o Governo, mas sem prescindirmos, quando necessário e oportuno, de apresentar as nossas próprias iniciativas ou alterações, coerentes com o programa eleitoral pelo qual fomos eleitos e com o Programa do Governo que esta Assembleia viabilizou.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A urgência do prosseguimento da reforma fiscal sente-se em Portugal e noutras sociedades europeias. O nosso processo está em curso e numa fase em que poderá receber um novo e significativo impulso. A sociedade necessita dele, a economia exige-o, o novo quadro monetário e financeiro europeu impõe-no. O novo ciclo político beneficiará desse impulso!
Confiamos em que, digo mesmo, esperamos que o Governo tenha todas as condições para desenvolver este processo de reforma fiscal com o apoio da Assembleia da República, nas mais variadas áreas, algumas delas focadas nesta intervenção.
É com gosto que ponderamos os contributos de outros grupos parlamentares e das mais diversas organizações económicas e sociais. É com firmeza, lucidez e determinação que nos empenhamos para que todo o processo de reforma fiscal avance como um indispensável instrumento de desenvolvimento de uma sociedade mais justa e mais solidária. Como Deputados socialistas, como parlamentares da República, continuaremos a participar neste processo como parte do indeclinável mandato que os eleitores nos confiaram!

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, não me leve a mal, mas, apesar das «guitarras» e das polifonias diversas que exprimiu na sua intervenção, devo lembrá-lo de que, se é verdade que estão em curso alterações às taxas dos impostos directos em vários países europeus - na Alemanha e em França, por exemplo -, as comparações não podem ser directas, porque, em geral, a média dessas taxas acaba por ser superior à média das taxas em Portugal. Além do mais, há muitos anos que esses países desenvolvem um combate muito mais acentuado à fraude fiscal, enquanto que Portugal parte muito mais detrás, do ponto de vista da necessidade de receitas para as suas obrigações de desenvolvimento e de solidariedade por parte do Estado. Por outro lado, não entendi bem mas creio que o PS ainda não avançou com o quociente familiar em termos de IRS. Em todo o caso, não era exactamente sobre isto que eu gostaria de interpelar o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.
Disse o Sr. Deputado que o Bloco de Esquerda terá propostas muito radicais, maximalistas, na versão do Sr. Ministro das Finanças, mas não as tipificou, não disse quais eram. Deixou-nos um desafio, ao qual, obviamente, responderemos.
Divulgamos as nossas posições e continuaremos a fazê-lo, pois queremos que elas sejam «proposta», «acção», «vida». Portanto, não nos apanhará nessa dicotomia da propaganda ou da proposta exequível. A nosso ver, as nossas propostas são exequíveis, estão apresentadas e serão debatidas.
O Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira é que se escusou, aliás, como o Sr. Ministro das Finanças, a indicar as propostas, quando não sectárias, que serão radicais ou maximalistas. Gostaria de o ouvir, Sr. Deputado, acerca disto.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, compreendo que no Bloco de

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Esquerda haja uma atitude de fundo no sentido de que, globalmente, os impostos e as receitas fiscais devem ser aumentados.
Quanto à ideia de que Portugal partiu mais detrás do que muitos países, estou de acordo consigo, e é exactamente por isso que queremos avançar com algum cuidado. Pensamos que o PSD, dos 10 anos em que esteve no poder, perdeu 7 anos, grosso modo, verificaram-se mesmo alguns atrasos no sistema fiscal e um grande laxismo.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - O PSD não fez reforma fiscal antes?!

O Orador: - Foram feitos alguns esforços, mas houve uma estratégia em ziguezague, compatível, aliás, com os quatro sucessivos ministros das Finanças…

Protestos da Deputada do PSD Manuela Ferreira Leite.

Parece-me ouvir a antiga «Cassandra», mas, neste momento, não ouço bem do lado esquerdo!

Risos do PS.

Em relação ao quociente familiar, referia-me tecnicamente ao chamado quociente familiar…

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Quociente familiar ou conjugal?!

O Orador: - Desculpem, quociente conjugal.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - São coisas diferentes!

O Orador: - A questão do quociente conjugal foi logo resolvida no início da anterior legislatura, por uma proposta apresentada pelo PS. Quanto ao quociente familiar e a outras medidas relativas à família, estamos disponíveis para apresentar e aceitar propostas e discuti-las, mas não como algumas das propostas apresentadas pelo PSD e que foram, e bem, recusadas por esta Câmara.
Estamos disponíveis para discutir projecto a projecto, mas a minha pergunta tinha a ver, de facto, com a vossa atitude de fundo, pois, numa intervenção desta natureza, que já foi relativamente longa, não cabia uma análise projecto a projecto, mas iremos fazê-la! Estamos disponíveis para discutir essas propostas. Aliás, tanto o Governo como o Grupo Parlamentar do PS estão a apresentar propostas e, como é óbvio, do confronto de todas as propostas apresentadas sairá a solução.
O que hoje quero questionar - e o Sr. Deputado Luís Fazenda deu um esboço de resposta, dizendo que apresentaram propostas - é se, neste domínio, a vossa atitude de fundo (mas iremos ver isto ao longo das próximas semanas) vai mais no sentido de obter alguns símbolos ou de trabalhar seriamente para uma reforma fiscal, estando conscientes de que o partido que apoia o Governo, o PS, podendo partilhar algumas das vossas preocupações, em termos das orientações políticas e do programa eleitoral, é claramente diferenciado. Ou seja, a questão é saber, tendo em conta que desta Assembleia sairão reformas progressistas mas moderadas, se o Bloco de Esquerda está ou não disponível para prescindir de atitudes radicais ou se defenderá a tese do «quanto pior melhor». É esta a questão. Já entendi um princípio de resposta e ao longo das próximas semanas veremos a continuação.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Devemos confessar uma dificuldade no início desta intervenção: tudo o que precisa de ser dito em matéria de reforma fiscal e combate à fraude e evasão fiscais está dito. Estudos, relatórios, diagnósticos, grupos de trabalho, debates, colóquios, interpelações, nomeações, demissões, de tudo tem sido preenchido o longo «romance» da discussão sobre a reforma fiscal.
O próprio Sr. Ministro das Finanças veio hoje aqui afirmar que partilha das preocupações, das críticas e dos diagnósticos ao actual sistema fiscal em Portugal. Saudamos a chegada do Sr. Ministro a esta reflexão e a este consenso. Mas, convenhamos, Sr. Ministro, ao fim de cinco anos o PS chega tarde de mais!
A verdade é que os portugueses, sobretudo os mais prejudicados por uma política fiscal injusta, estão seguramente saturados de tanta conversa para tão-pouca obra.
É por isso que o PCP decidiu, depois de esperar até ao último minuto pelo cumprimento das promessas do Governo, exercer os seus direitos regimentais, agendando para o próximo dia 11 de Outubro as nossas propostas substantivas da reforma do IRS, do IRC, de redução dos benefícios fiscais, social e economicamente não justificáveis, de luta contra a fraude e evasão fiscais, designadamente em matéria de alteração das regras do sigilo bancário, de alteração do regime fiscal no offshore da Madeira, de tributação efectiva das instituições bancárias e seguradoras, entre outras.
Este agendamento teve, pelo menos, já uma virtude: o Governo decidiu finalmente acelerar as suas propostas e propô-las igualmente a debate e votação na marcação do dia agendado pelo PCP.
Muito bem! Esperemos agora que, a partir do próximo dia 11 de Outubro, estejam criadas as condições para que todos os contributos válidos para uma política fiscal justa passem à fase da especialidade e da Assembleia da República saiam leis materiais, como o PCP sempre tem exigido, em matéria de alteração dos impostos sobre o rendimento e de combate à fraude e evasão fiscais.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Ministro anunciou, hoje, aqui no seu discurso que o Governo decidiu transformar a sua proposta de autorização legislativa em leis materiais. Saudamos essa mudança de atitude do Governo em reacção ao agendamento do PCP; falta agora conhecer os conteúdos concretos das propostas de lei.
O que se vai passar no dia 11 de Outubro é, de facto, o mais importante, depois de tantos andarem durante tantos anos a falar de reforma fiscal, mas sem a concretizarem. E dito isto, poderíamos ficar por aqui ou repetir os diagnósticos, as críticas e as propostas já tantas vezes avançados.
Por respeito pela Assembleia da República e em particular pelo partido interpelante procuraremos avançar

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um pouco mais. Sobretudo para dizer que as análises feitas nos últimos anos em matéria de políticas fiscais se mantêm válidas; mais do que válidas se agravaram.
Vou dar um só exemplo concreto, Srs. Deputados. Um dos princípios escandalosos do nosso sistema tributário é o facto de pagarem impostos sobretudo os que menos podem, enquanto os grandes grupos económicos e, sobretudo, os rendimentos das instituições financeiras pouco contribuem, em termos relativos, para as receitas fiscais do Estado. E o exemplo único que queremos dar hoje, Sr. Ministro, em relação às instituições financeiras é o seguinte: o IRC tem uma taxa nominal de 34%, mas é sabido que a média da tributação efectiva das instituições bancárias, nos últimos anos, não tem ultrapassado os 20%, depois de usarem todos os mecanismos que, em muitos casos, a própria lei prevê, para fugirem ao pagamento de impostos. Pois bem, esta tributação efectiva de 20%, que já era um escândalo, agravou-se no ano passado, em 1999, ano em que baixou para 16%, enquanto, Srs. Deputados, os lucros desses mesmos bancos aumentaram, desde o primeiro ano de governação socialista, 71%, passando de 197 milhões de contos, em 1995, para 336,8 milhões de contos, em 1999! Mais, neste mesmo período as margens financeiras dos bancos cresceram 20%, enquanto que, por exemplo, em 1998, obtiveram 321 milhões de contos de lucros antes de impostos e pagaram 67,5 milhões de contos de impostos e no ano passado, em 1999, para 336,8 milhões de contos de lucros, isto é, mais 15 milhões de contos do que no ano anterior, pagaram 54 milhões de contos de impostos, isto é, menos 13 milhões de contos do que no ano transacto. Isto enquanto as margens de intermediação no nosso País (2,49%) se mantêm como das mais elevadas, se não a mais elevada, da União Europeia e da zona euro.
Sabemos todos - sabe o Governo perfeitamente - por que é que isto é assim. É a utilização das benesses que usufruem em matéria de criação de provisões, de amortizações do património e, em particular, de uma questão que já hoje atravessou largamente o nosso debate, as transferência de lucros para as sucursais sediadas no offshore da Madeira, onde estão isentos de IRC.
Sr. Deputado Hugo Velosa e Srs. Deputados do PSD, não confundam os apoios ou incentivos à zona franca industrial da Madeira, que admitimos, com o escândalo que constitui a aplicação do mesmo regime, ainda por cima eivado de ilegalidades e de irregularidades, às operações financeiras.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Hugo Velosa trouxe aqui o exemplo da fuga dos capitais, se viesse acontecer, para outros paraísos fiscais. Mas, Srs. Deputados do PSD, qual é a vantagem que o País tem nessa passagem de milhões de branqueamento de capitais para a região de offshore da Madeira?! São estas as questões concretas que devem ser abordadas e resolvidas neste país.
Só por si, Srs. Deputados, este exemplo impressivo sobre a tributação efectiva das instituições financeiras, que procurámos trazer ao debate, constitui o maior libelo acusatório que se pode fazer ao Governo, a este Governo, ao seu responsável máximo Engenheiro Guterres, a este Ministro das Finanças, Dr. Pina Moura, porque tudo isto se passa, tudo isto se tem passado, Srs. Deputados, ao longo destes cinco anos do Governo do Partido Socialista.
Claro que poderíamos voltar a falar do IRS, que, no essencial, é pago pelos trabalhadores por conta de outrem, dos dois terços das empresas que não são colectadas, da despesa fiscal do Estado em matéria de benefícios, que só com o Partido Socialista, passou de 132,6 milhões de contos, em 1995, para quase 300 milhões de contos, em 1999, da evasão fiscal em matéria de impostos especiais de consumo, de um imposto automóvel que tributa fortemente as viaturas de trabalho, mas que isenta, em 80%, os jeeps - escândalo que só agora alguns Deputados do Partido Socialista descobriram, depois de terem votado contra as propostas apresentadas pelo PCP para esta matéria aquando do debate do último Orçamento do Estado -, da ausência de um imposto único sobre o património que o Governo parece ter posto na gaveta, da ausência de uma reforma séria da administração fiscal que a modernize e dote o seu pessoal de mais meios especializados e de recursos.
Poderíamos também acusar o Governo de tolerar e conviver bem, ao que parece, com a fraude e a evasão fiscal.
Tudo isto está dito e redito, o que é preciso agora é passar das palavras aos actos. É por isso que cá esperamos o Governo, no próximo dia 11 de Outubro, e, Sr. Ministro Pina Moura, sem cedências de última hora, aos «lobos que vestem a pele de cordeiro».

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Campos.

A Sr.ª Maria José Campos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, estive a escutá-lo com muita atenção e, se considero que de alguma maneira posso dar-lhe razão quanto a muita coisa estar dita e redita, também é verdade, segundo o ditado popular, que «depressa e bem há pouco quem»! Por esta razão, reflectindo e com os contributos de todos, talvez consigamos fazer a tão desejada e imprescindível reforma fiscal que, no fundo, todos consideramos que deve ser feita.
Relembro-lhe, todavia, que, sendo certo que cinco anos é algum tempo, também é verdade que muito trabalho tem sido desenvolvido nesta área, muita reflexão tem sido feita, muitos contributos têm sido solicitados e também muitos contributos têm sido dados. Julgo, portanto, que, nesta perspectiva, o Partido Socialista e o Governo têm procurado encontrar os caminhos que conduzam a uma reforma fiscal que efectivamente atinja dois grandes objectivos, e aqui é que está a sua complexidade: em primeiro lugar, promova a equidade e uma maior justiça fiscal e social, e, em segundo lugar, promova o investimento que conduza a um desenvolvimento económico equilibrado e sustentado. Esta é a questão de fundo. Portanto, mais vale ir com passos lentos mas seguros do que ir muito rapidamente e «quebrar o nariz», como se costuma dizer. Esta é a questão fundamental.
A toda a intervenção do Sr. Deputado, que transformou, segundo diz, num libelo acusatório ao Governo e ao Sr. Ministro, contrapunha uma proposta, que era a de o PCP, na linha da preocupação que tem manifestado para que se faça uma boa reforma fiscal, estar disponível para colaborar com o Partido Socialista e com o Governo, a fim de se conseguir levar à prática a elaboração e a execução de uma

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verdadeira política económica e fiscal que assegure os pressupostos que há pouco referi.
Portanto, a pergunta é: está o PCP disponível para dar esse contributo, nomeadamente em termos de IRS? Está disponível para colaborar de uma forma que torne rápida, mas sobretudo séria, responsável e não demagógica, a verdadeira reforma fiscal? Durante todo este período de tempo, temos estado a trabalhar e não temos deixado «cair os braços», pois esta é uma preocupação geral e comum a todos nós.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Campos, começo por agradecer as questões que me colocou e por dizer que, quanto ao ditado «depressa e bem há pouco quem», em tese, posso estar de acordo consigo, Sr.ª Deputada.
Mas, Sr.ª Deputada, não acha que, ao fim de cinco anos, durante os quais houve 49 estudos de grupos de trabalho, para além do relatório do Dr. Silva Lopes, o qual disse praticamente tudo logo na altura, já é tempo a mais para o Governo cumprir as promessas?! Não é depressa e bem, Sr.ª Deputada, é devagar, devagarinho! É parado!
Se o Governo veio agora, de uma forma acelerada, apresentar propostas de lei a alterar os impostos sobre o rendimento e outras matérias que dão corpo ao início de uma reforma fiscal, tenha a Sr.ª Deputada a hombridade de reconhecer que isso resultou das iniciativas apresentadas pelo PCP e do agendamento que o PCP fez para o dia 11 de Outubro. Foi isto que obrigou o Governo a acelerar a apresentação de propostas por forma a cumprir as promessas, embora tardiamente, que aqui tinha feito.
A Sr.ª Deputada pergunta se o PCP aceita colaborar neste processo. Sr.ª Deputada, eu poria a questão em termos diferentes, perguntando se o Governo e o Partido Socialista estão disponíveis para, com as suas propostas e os projectos de lei aqui apresentados pelo PCP, se juntarem ao PCP, por forma a, finalmente, se dar início e corpo a uma reforma fiscal não sectária, Sr. Ministro, mas socialmente justa, que, de uma vez por todas, faça pagar impostos a quem deve pagar e não só àqueles que trabalham. Esta é a questão central, que está em cima da mesa.
No dia 11 e a partir desse dia veremos qual será a disposição do PS e do Governo nesta matéria. Da nossa parte estamos disponíveis, desde que se aponte no sentido que é verdadeiramente necessário, isto é, no de uma reforma fiscal socialmente justa, que acabe com os escândalos, como o exemplo concreto que aqui trouxe, sobre o qual a Sr.ª Deputada nada disse, mas penso que foi por estar de acordo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro das Finanças, Sr.as e Srs. Deputados: Farei uma breve intervenção porque é óbvia, até quase imediata, a constatação de que o Governo vem aqui retomar a bandeira da reforma fiscal, proferir algumas análises sobre o tempo decorrido das promessas à realização, extremamente preocupado com aquilo que da História se escreve ou se rescreve e com a estabilidade dos calendários anunciados como se não houvesse responsabilidade política anterior. Este é um debate que, manifestamente, não interessa aos cidadãos e às cidadãs, o que nos interessa é a justiça fiscal promotora do desenvolvimento e da equidade.
Hoje, instámos aqui o Governo e o Partido Socialista para que nos dissessem que propostas do Bloco de Esquerda são, supostamente, sectárias, proclamatórias, maximalistas, radicais. Não obtivemos resposta, nem do Sr. Ministro das Finanças, nem dos Srs. Deputados do Partido Socialista. A acusação ou a crítica, se preferirem, ficou por fundamentar.
É por isso que nesta breve intervenção venho situar uma acusação que ouvimos vagamente numa conferência de imprensa do Partido Socialista, conduzida pelos Srs. Ministros Jorge Coelho e Pina Moura, onde se disse que a proposta apresentada pelo Bloco de Esquerda para um imposto sobre as grandes fortunas, um imposto de solidariedade, seria maximalista e, além disso, ineficaz.
Na altura, o Governo apressou-se a afastar esta hipótese e nós gostaríamos, se possível ainda hoje, nesta interpelação, de obter uma resposta sobre essa não eficácia do imposto sobre as grandes fortunas proposto pelo Bloco de Esquerda, não num conjunto avulso e disperso de propostas mas num conjunto, que, podendo não ser totalizante, é já global da reforma fiscal que pretendemos e que temos em discussão com todos os grupos parlamentares.
Mas não se entende, Srs. Membros do Governo e Sr.as e Srs. Deputados, por que é que não é eficaz. Não é eficaz por quê? Hoje, os conceitos modernos de fiscalidade dizem-nos que não devem ser tributados apenas o rendimento e o consumo mas também o património. Será assim ou não? Esse imposto incidente sobre o registo de propriedades não poderia ser uma forma de combate à fraude fiscal? Esse imposto não será eficaz em França, em Espanha, na Finlândia, no Luxemburgo, na Holanda, na Áustria, na Suíça e na Suécia? Lá não é eficaz? Será que descobrimos a eficácia na tributação das grandes fortunas? Onde, como e em que sede?
O actual Chanceler da Alemanha, Schröder, prometeu, na campanha eleitoral, a introdução deste imposto, mas parece que tem estado hesitante e não o quer introduzir. Nisto, acompanhará certamente o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, que não o quer introduzir. Não sei se há algum horror a algumas interpretações de carácter ideológico sobre estas opções e escolhas, mas dir-se-ia que há, manifestamente, vias diferentes que são seguidas por partidos da Internacional Socialista. Enfim, não sei se daqui podemos deduzir que há escolha de algum lado, mas parece-me óbvio que há, pelo menos, uma coincidência de posição entre aquilo que o Partido Socialista em Portugal escolhe e aquilo que os seus parceiros escolhem ou não, em termos europeus.
Não será certo que esse imposto ajudaria a uma eficácia da redistribuição, tão cara às temáticas socialistas e sociais-democratas?! Em França, esse imposto tem vindo, de uma forma ou de outra, a ser considerado afecto ao pagamento do sistema congénere do rendimento mínimo garantido. Sei que em Portugal a tradição, e até a lei, não é muito favorável à consignação de receitas fiscais, mas, enfim, do ponto de vista político, seria importante e até uma marca de alguma diferença que esse imposto de solidariedade sobre as

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grandes fortunas estivesse afectado à construção do Estado providência, que ainda não temos sequer em Portugal e que alguns querem desmantelar dados os baixíssimos níveis de protecção do sistema público de segurança social.
Ao que se sabe, e apesar de alguma imprensa ter titulado e de um ou outro Deputado do Partido Socialista ter deixado sair a inconfidência de que um imposto de solidariedade sobre as grandes fortunas seria uma forma de aplicação da célebre consigne «os ricos que paguem a crise», não consta que o primeiro-ministro Aznar seja um esfuziante militante desse slogan, nem sequer desse tipo de políticas. E em Espanha vigora um imposto muito mais radical, muito mais maximalista, muito mais sectário e muito mais proclamatório do que o proposto aqui pelo Bloco de Esquerda para o Estado português.
É até uma lição interessante para os Grupos Parlamentares do Partido Social Democrata e do Partido Popular, que a diversos títulos e em várias ocasiões têm suscitado analogias entre o que poderia ser uma política em Portugal e o que se pratica no Estado espanhol, quer em termos económicos, quer noutras áreas, olharem para o imposto de solidariedade sobre as grandes fortunas existente em Espanha e que, pelos vistos, não causa a algazarra nem os receios aqui várias vezes confessados e abertamente sublinhados de que isso produziria uma fuga de capitais ou uma tremenda e vil devassa da vida e dos patrimónios dos contribuintes.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto do Bloco de Esquerda, nesta área, não é radical nem sectário. As comparações sustentam-se, inclusivamente defendemos valores moderados e propomos um conjunto de isenções que permitem mostrar que o perfil do imposto que propomos é perfeitamente adaptado e actual.
Ontem, quando o Sr. Primeiro-Ministro António Guterres aqui respondeu ao Bloco de Esquerda, dizendo que até compreendia que o Bloco de Esquerda pudesse ter um discurso deste tipo mas que, na memória política da democracia portuguesa, o seu Governo é que tinha trazido as verdadeiras e fundadoras políticas sociais, deixámos a resposta para o debate de hoje e para aqueles que se irão seguir, porque, promessas, temo-las já para Outubro.
No entanto, há algo que queremos deixar aqui muito claro. O Partido Socialista interpela-nos sobre a possibilidade de aceitarmos debater as propostas. Porém, neste momento, o Partido Socialista adjectiva as nossas propostas sem lhes fazer qualquer análise substantiva, o que não é um bom começo! Contudo, não vai o Partido Socialista sem resposta.
Quando o Sr. Primeiro-Ministro, desde Esposende até toda uma série de outras situações, tem dito que, se os partidos à sua esquerda não viabilizarem o Orçamento do Estado, isto significará que um conjunto de famílias irá ver o seu IRS aumentado, etc., etc.! Chama-se a isto o quê? Propaganda ou propostas exequíveis, concretas, negociáveis, apenas fundadas no bem-estar da Nação e no bem comum de todos os portugueses?!
Não façamos demagogia com isso, porque uns e outros temos propostas, uns e outros estamos submetidos ao escrutínio do eleitorado e estamos aqui para as debater, assim queira o Partido Socialista debatê-las!

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de começar esta minha primeira intervenção nesta matéria dizendo, a si e ao Parlamento, o seguinte: o CDS-Partido Popular faz o trabalho de casa e, por conseguinte, considera que era o que mais faltava - e peço imenso desculpa por vos estragar a festa! - que os democrata-cristãos não estivessem presentes num debate que interessa a todos os portugueses!
Hoje, entregámos na Assembleia da República uma proposta de reforma dos impostos sobre o rendimento, designadamente em matéria de IRS. Isto significa, pois, Sr. Ministro das Finanças e Srs. Deputados, que o CDS se apresenta ao debate com propostas, com inovação, com imaginação (que é algo que, em minha opinião, já está a faltar a este Governo) e também com soluções para os problemas concretos que se abatem sobre todos os que pagam, e demais, permitam que o diga, impostos.
Sr. Ministro das Finanças, passo a referir as linhas essenciais do nosso projecto, até para lhe permitir, tal como a nós, fazer o trabalho de casa. No essencial, as linhas do nosso projecto são as seguintes: baixámos a carga fiscal sobre os rendimentos dos trabalhadores e da classe média em um ponto percentual, não só nos primeiros escalões de rendimento como no último, e em dois pontos percentuais, nos escalões médios; actualizámos também os escalões em 10% e 5%, respectivamente.
No contexto do nosso projecto, procurámos também alargar a base tributável. Como é que isto se faz, Sr Ministro das Finanças? Entre outras vias possíveis de o fazer, a nossa é a de exigir que o conjunto de todos os rendimentos, mesmo os isentos, mesmo os sujeitos a taxas liberatórias, sejam objecto de obrigações declarativas.
Mas temos outra proposta, que, para nós, é bastante inovadora e que consideramos ir contribuir eficazmente para baixar a carga fiscal sobre as famílias - essas com que os senhores não se preocupam, mas a bancada do CDS-Partido Popular se preocupa e para as quais procura, em conformidade, as respectivas soluções. Estou a falar da opção que o meu partido fez por aquilo que designámos, e, aliás, gostamos de designar, por mínimo de existência pessoal e familiar.
Isto significa, pois, Sr. Ministro das Finanças, que consideramos que há um volume de rendimento relativamente ao qual o Estado não tem de tributar. Ou seja, entendemos que, para minorar a carga fiscal, para tornar mais simples e mais eficaz o próprio sistema, deve estar consagrado na lei um princípio de que há um valor de rendimento mínimo. Tal como existe o salário mínimo nacional ou o rendimento mínimo garantido, também entendemos dever existir um mínimo de existência que supra, que seja capaz de resolver, no mínimo, as condições de vida de todos os que a têm de enfrentar, e às vezes com que dificuldade.
Portanto, a nosso ver, esta é uma solução inovadora, é uma boa solução e é uma solução que pode e deve constar do novo sistema fiscal, se é que se quer um novo sistema fiscal!
Procurámos também dar um primeiro passo na introdução do coeficiente familiar, numa primeira fase, alargando os valores do mínimo de existência, quer para filhos menores, quer para deficientes ou ascendentes a cargo, para depois, moderadamente, introduzirmos o sistema do coeficiente familiar.

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Sr. Ministro das Finanças, o nosso projecto também tem como objectivo combater a fraude e a evasão fiscais. Não aceito, e quero dizê-lo aqui veementemente, que o combate à fraude e à evasão fiscais seja monopólio de quem quer que seja!

Aplausos do CDS-PP.

Eu e o meu partido consideramos que quem não paga deve pagar. A questão que se coloca, Sr. Ministro, é a de saber por que é que não estão a pagar. A questão é esta, Sr. Primeiro-Ministro!
É bom que fique claro, de uma vez por todas, que queremos que aqueles que nada ou pouco pagam, podendo fazê-lo, passem a pagar. Sendo certo que - e não quero deixar de o referir, porque isto, para nós, é importante -, como se diz na minha terra, e vão perdoar-me a expressão, a criação de riqueza não tem bicho, a criação de riqueza significa que o meu país se desenvolve,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - … que cresce, que é possível arrecadar mais receita. Sr. Ministro das Finanças, por que não se está a arrecadar?
Como eu dizia, o nosso projecto também se refere a este objectivo de combater a fraude e a evasão fiscais, e não vou fugir à questão do sigilo, pois, como todos os Srs. Deputados já perceberam, não sou mulher para fugir ao que quer que seja! Nós também temos propostas sobre a questão do sigilo bancário. Porém, há uma coisa que não compreendemos e vou deixá-la aqui expressa: não compreendemos por que é que se há-de derrogar o princípio fundamental de que é o tribunal que tem de declarar que se pode aceder à informação protegida pelo sigilo bancário!

Aplausos do CDS-PP.

Aceito, e consta do nosso projecto, um processo urgente; aceito, e constam do nosso projecto, condições de suspensão do acesso à informação bancária. O que não aceito, até porque, a meu ver, o poder judicial não é merecedor disso, é que se lance uma capa de suspeição à celeridade, à rigidez e à seriedade do nosso poder judicial.
Como tal, deste ponto de vista, as posições ficam devidamente clarificadas. Desde que objectivamente tipificado na lei, como procurámos fazer, aceitamos a quebra do sigilo bancário, sempre subordinado ao princípio geral acolhido na Lei Geral Tributária, que ainda hoje aqui foi tão elogiada, como um princípio reforçado do nosso direito.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Ministro, passemos agora à questão da fraude e da evasão fiscais, que é uma matéria sempre interessante e, curiosamente, sempre actual. Todos os diplomas, códigos e demais legislação contêm expressamente este objectivo, e, em todo o caso, a questão mantém-se actual.
Julgo, portanto, que me compete abordar esta matéria de forma rigorosa e procurando ser cientificamente correcta.
Sr. Ministro das Finanças, Sr.as e Srs. Deputados: A que nos estamos a referir quando se fala de fraude e de evasão fiscais? Não são uma e mesma coisa, Sr. Ministro das Finanças?! Por isso mesmo não se combatem da mesma forma e pelos mesmos meios?! Por conseguinte, temos de distinguir entre fraude, evasão ilícita, e evasão fiscal. Como dizia um ilustre mestre, que, segundo penso, a ilustre equipa do Ministério das Finanças conhece, «a evasão é não estar na relação fiscal». A fraude ou a evasão ilícita é sair da relação fiscal, dolosa e fraudulentamente.

Aplausos do CDS-PP.

Julgo, portanto, depois desta explicação, que estamos conversados quanto à natureza e aos contornos dos dois conceitos em apreço. Depois disto, segue-se a discussão e a análise das diferentes formas de lidar e de combater este fenómeno.
Comecemos pela fraude. A fraude, como há pouco eu disse, traduz-se numa conduta dolosa e destinada a obter uma vantagem fiscal ilícita e combate-se por diversas vias, de entras elas a mais utilizada é a da criminalização da infracção fiscal. Pergunto: dispõe o nosso ordenamento jurídico de tal instrumento normativo? A resposta é afirmativa. Portanto, a questão é saber, Sr. Ministro das Finanças, se tem sido aplicado. Com que frequência? Com que resultado? Têm sido postos em prática os mecanismos de troca de informações, consagrados nas convenções? É que, Sr. Ministro das Finanças, sabemos nós e o Sr. Ministro, que, por via de um recente inquérito feito aos países da OCDE, se constata que, apesar de tudo, nesses países, os referidos mecanismos têm funcionado em termos de prevenção dos ilícitos fiscais. E em Portugal, Sr. Ministro das Finanças, quais são os resultados da aplicação desta legislação?
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro das Finanças: Quanto à evasão ou, como os fiscalistas gostam de dizer, quanto à elisão fiscal, relembro que este fenómeno impossibilita a arrecadação da maior receita mas não pode ser qualificado como uma conduta ilícita e violadora das normas de incidência tributária. É necessário, portanto, conhecer este fenómeno para melhor o resolver. O Sr. Ministro conhece-o? Sabe em que sectores de actividade ele se verifica mais? Tem uma quantificação aproximada dos valores não liquidados por força da elisão? Se «sim», Sr. Ministro das Finanças, peço-lhe que os partilhe connosco, porque, como eu já disse, só conhecendo podemos tomar medidas para eliminar esta situação.
Deixe-me confessar-lhe alguma perplexidade nesta matéria. Do ponto de vista normativo, existem medidas que combatem este fenómeno, e, Sr. Ministro das Finanças, relembro-lhe algumas: as cláusulas antiabuso, previstas na Lei Geral Tributária, os preços de transferência, as regras sobre capitalização, as regras sobre imputação de lucros aos sócios residentes de sociedades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado, os métodos indiciários, a racionalidade e a operacionalidade nos serviços de inspecção e fiscalização recentemente aprovadas e julgo que introduzidas. Todas estas medidas, Sr. Ministro das Finanças, estão, naturalmente, subordinadas ao princípio constitucional da legalidade na vertente da tipicidade fechada, mas isto é a Constituição que o impõe e, deixe-me que o confesse, ainda bem!
Então, o que nos falta? Mais instrumentos de combate a uma realidade que parece ser imprecisa e vaga? Trata-se de tornar ainda mais complexo e burocrático o sistema? Apesar de tudo estou disposta a acreditar que não. Se assim é, Sr. Ministro das Finanças, desafio-o a trazer a esta

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Casa os dados actuais e relevantes que nos digam os valores da evasão lícita, os sectores em que ela se verifica, os valores da fraude fiscal - relembro que estamos perante fenómenos diferentes -, os sectores em que ela se verifica, os números das acções de fiscalização efectuadas e os seus resultados.
Em suma, desafio-o a dar-nos a conhecer o que é a fraude e o que é a evasão. É que, Sr. Ministro das Finanças, os últimos dados que se dispõem sobre esta matéria remontam a 1993, através de um estudo do Banco Mundial. Nessa ocasião, o nível de evasão, em Portugal, situava-se nos 30%; no conjunto dos países comunitários situava-se entre os 30% e os 40%; nos Estados Unidos da América e nos países nórdicos se centrava entre os 10% e os 20%. Desde essa data até agora os números pululam, as cifras são ditas a gosto, os valores são encontrados com critérios indecifráveis, não se distingue a fraude da evasão.
Sr. Ministro das Finanças, vou terminar como comecei: a que nos estamos a referir quando falamos em fraude e em evasão fiscais?

Aplausos do CDS-PP.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Almeida Santos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (Ricardo Sá Fernandes): - Esta é a minha estreia e parece que é da praxe saudar o Sr. Presidente da Assembleia da República e os Srs. Deputados, o que faço desde já.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Secretário de Estado, e desejo-lhe boa sorte.

Risos do CDS-PP.

O Orador: - Precisamos todos de boa sorte.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Uns mais do que outros!

O Orador: - Começo por focar fundamentalmente três pontos.
Em primeiro lugar, a definição do calendário, para que não se suscitem mais dúvidas sobre o que o Governo vai fazer nesta matéria até ao final do ano, o que aliás corresponde àquilo que, no despacho publicado no Diário da República, foi definido aquando da criação da estrutura da coordenação da reforma fiscal, que integro desde Janeiro e que integrei até ao momento em que tomei posse como Secretário de Estado. De facto, nesse despacho está, clarissimamente, definido que o mês de Outubro seria aquele em que se tomariam decisões fundamentais, de natureza política, em matéria fiscal, e o trabalho a desenvolver seria feito até Outubro.
Em qualquer dos casos, julgo que o importante neste momento é definir e esclarecer, de uma vez por todas, qual é o calendário com que o Governo se compromete.
Até ao dia 4 de Outubro será aprovada em Conselho de Ministro uma proposta de lei, substituindo-se a lei de autorização por uma lei material, que abarcará as matérias do IRS, do IRC e ainda medidas de combate à evasão e à fraude fiscais - a distinção entre evasão e fraude fiscais foi muito bem feita, pelo que não preciso de repetir o que a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona disse -, onde se encaixam designadamente as medidas relativas ao sigilo bancário e às novas regras sobre o ónus da prova. Portanto, até ao dia 4 de Outubro, em condições de ser discutida a 11 de Outubro, será apresentada uma proposta de lei de revisão da tributação do rendimento e da adopção de medidas de combate à evasão e à fraude fiscais.
Até ao dia 31 de Outubro, também será apresentada ao Parlamento uma proposta de lei de revisão do regime das infracções tributárias e de revisão do processo tributário, sendo este, repito, também um compromisso firme que o Governo assume até o dia 31 de Outubro.
Por último, até ao final do ano, o Governo também assume o compromisso firme de apresentar uma proposta de lei de revisão da tributação sobre o património.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Isso é que é sempre pior!

O Orador: - Acham que está bem?! Acham que a tributação do património - e já aqui foram dados vários exemplos - está bem?!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Mas um código das avaliações é sempre pior!

O Orador: - Vamos ver!
Portanto, será apresentada, até 4 de Outubro, uma proposta de lei sobre a tributação do rendimento, até ao fim de Outubro, uma proposta de lei sobre as infracções e o processo tributário e, até 31 de Dezembro, uma outra proposta de lei sobre a tributação do património. Podem ter a certeza de que estas propostas de lei serão apresentadas, que serão globais e espero que sejam eficientes e justas.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Esperamos que passem de propostas!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Esperamos que esses meses se refiram a este ano!

O Orador: - São com certeza deste ano!
Em segundo lugar, dirijo-me directamente ao Bloco de Esquerda, que é o partido interpelante, quanto ao conjunto de propostas que apresentou, onde há, naturalmente, pontos a considerar, a integrar no debate que irá ser feito, e há, como é óbvio, muitas propostas, apresentadas pelo Bloco de Esquerda e por outros partidos, que serão ponderadas e que poderão ser compatibilizadas com as propostas do Governo. Em qualquer dos casos, por uma questão de seriedade intelectual, não posso deixar de dizer que não podemos aceitar que se chame às propostas apresentadas pelo Bloco de Esquerda propostas globais de reforma fiscal. Este conjunto de propostas não representam a reforma global do sistema. Basta dizer que, por exemplo, relativamente ao IRC, que é uma matéria importantíssima, existem umas alterações avulsas sobre provisões e pouco mais.
Ora, a matéria do IRC é uma matéria importantíssima. Temos um preocupantíssimo grau de evasão ou de fraude, em matéria de IRS: 64% das empresas portuguesas são responsáveis por 4% da receita do IRC e 5 empresas

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portuguesas são responsáveis por 30% da receita do IRC - este é número preocupantíssimo!

Vozes do CDS-PP: - É verdade!

O Orador: - Portanto, esta é uma matéria muito preocupante, onde o Bloco de Esquerda, que diz ter apresentado uma reforma global, apresenta umas alterações perfeitamente avulsas e inócuas para combater esta situação. O Bloco de Esquerda nada apresenta sobre preços de transferência, sobre o problema da subcapitalização, sobre a tributação das mais-valias, sobre a tributação consolidada, e vem dizer que se trata de uma reforma global?! Não, Srs. Deputados, não é uma reforma global!
Diz o Bloco de Esquerda que se trata de uma reforma global, porque vem apresentar um projecto sobre a reforma sobre o património. Deus nos livre se a reforma sobre o património pudesse ser o diploma de vinte e poucos artigos apresentados pelo Bloco de Esquerda, de entre os quais apenas um define critérios gerais vaguíssimos sobre como se fará a avaliação!
O Governo apresentará até ao final do ano uma proposta de revisão da tributação sobre o património, que não será a proposta vaga, ambígua, completamente por densificar, apresentada pelo Bloco de Esquerda.
O Bloco de Esquerda fala de simplicidade. Não apresenta qualquer medida relativa à adopção de regimes de tributação simplificada e vem falar de simplicidade?!
O Bloco de Esquerda pediu para lhe indicarmos algumas medidas radicais ou excessivas. Posso indicar-lhe algumas, que, tanto eu como o Governo, assim consideramos, como sejam, pura e simplesmente, eliminar o offshore da Madeira, no que diz respeito à matéria financeira, é efectivamente excessivo, comprometeria os compromissos que, internacionalmente, Portugal adoptou. E nós entendemos ser possível combater algo de errado que se passa no offshore da Madeira com a apresentação de medidas antiabuso. É isto que, no dia 11 de Outubro, iremos discutir aqui, medidas antiabuso, e não eliminar o offshore da Madeira como o BE propõe. Isto é excessivo, é radical e não nos parece que seja conveniente.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Se é preciso alterar o regime do sigilo bancário, é, sim senhor! Mas não tanto, como o Bloco de Esquerda quer. O BE quer a derrogação do sigilo bancário, automática, sempre que o ónus da prova seja da administração fiscal. Não pode ser, porque essa é a regra! Passaria a ser sempre derrogável o sigilo bancário!
Em nosso entender, o sigilo bancário deve ser derrogado sempre que exista um conjunto de circunstâncias que vamos tipificar na lei - indícios de fraude ou de evasão fiscal. Portanto, entendemos que a proposta do BE, com toda a franqueza, é excessiva e radical, como, por outro lado, é reducionista a proposta do CDS-PP, que a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona apresentou. Não nos parece que seja necessário, em todas as circunstâncias, exigir uma prévia intervenção do tribunal, para decidir a derrogação do sigilo tributário. Mas vamos garantir, como está na proposta de lei, que os cidadãos, quando entendam que está em causa os seus direitos, possam recorrer e que esse recurso tenha efeito suspensivo.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - É o que consta na proposta de lei.
Agora, a Sr.ª Deputada propõe sempre a prévia intervenção do tribunal, o que nos parece um excesso. E, devo dizer-lhe, neste momento, na Europa e no quadro dos países da OCDE, apenas o Luxemburgo e a Áustria…

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - E a Irlanda!

O Orador: - … têm soluções desse género.
Por outro lado, considero excessiva, radical e desnecessária a proposta do BE no que toca ao imposto sobre as grandes fortunas. O que temos de fazer é tributar as grandes fortunas no quadro da tributação geral sobre o rendimento, melhorando as condições de combate à evasão e à fraude - este é que tem de ser o combate prioritário!
Criar, agora, um novo imposto, também não tem muito a ver com a simplicidade. Aliás, nas propostas do BE há, até do ponto de vista técnico, algumas coisas que não percebo. Por exemplo, em relação a uma matéria, que já não é das grandes fortunas mas do património imobiliário, fala-se em eliminação da contribuição autárquica, mas também se propõe alterações à contribuição autárquica. Fiquei um pouco confuso…

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Não, não!

O Orador: - Fazem, fazem!
De qualquer modo, essa é uma questão de somenos, porque o que aqui está em causa é saber se é do interesse nacional, se, neste momento, é prioritário estar a trabalhar num imposto sobre as grandes fortunas e se isso efectivamente é uma prioridade. E, para nós, Governo, não é efectivamente uma prioridade.
Portanto, tem três casos bem identificados em que as vossas propostas são, na nossa perspectiva, excessivas, que são: o imposto sobre as grandes fortunas; as medidas radicais em matéria de offshore e em matéria de sigilo bancário.
Em terceiro lugar, há o problema ideológico da reforma. É evidente que, na matéria fiscal, hão-de repercutir-se as diferenças ideológicas entre os grupos parlamentares, entre os Deputados e os cidadãos, mas, certamente, não é isto o mais importante na reforma fiscal em causa.
Em matéria fiscal, temos uma situação tão preocupante que temos de fazer um grande esforço para nos entendermos naquilo que é essencial alterar radicalmente. É um problema de cidadania! Tal como não discutimos a democracia entre nós, porque todos a aceitamos, em matéria tributária temos todos de nos entender, porque não pode haver divergência entre as pessoas. Aliás, analisando os estudos feitos, onde participaram pessoas das mais diferentes orientações, há um grande consenso sobre um núcleo essencial de matérias.
Portanto, se, em matéria da especialidade, admito poder existirem efectivamente divergências que traduzam essas diferentes perspectivas ideológicas, no essencial é um problema de cidadania; é um problema de disciplina que, infelizmente, os portugueses não têm. Temos de passar a pagar impostos, pura e simplesmente porque temos, por uma questão de disciplina! E isto exige um grande esforço e um grande consenso nacional.
Por isso, faço, sinceramente, votos para que estas medidas de natureza legislativa, para além das divergências que em sede de especialidade possam surgir, sejam objecto

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de um consenso nesta Assembleia, na generalidade. Porque se o conseguirmos, será o primeiro passo para que os portugueses em geral percebam que mudou o estado de coisas e que efectivamente podemos, em matéria de fiscalidade, tratar das questões com normalidade, como são as regras da democracia, e estas têm de ser comuns a todos, quer sejam da direita ou da esquerda.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Lino de Carvalho, Paulo Portas e Francisco Louçã.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, tomámos boa nota dos novos calendários que aqui nos anunciou - não vamos, como é óbvio, antecipar o debate do dia 11 de Outubro - e, em particular, da apresentação de uma proposta de lei sobre o património até ao final do ano, para além do facto de ter reafirmado aquilo que o Sr. Ministro das Finanças disse quanto às propostas de lei materiais acerca dos impostos sobre o rendimento. Cá estaremos para o debate dessas propostas de lei mas também dos projectos de lei que apresentaremos nessa matéria. Até podemos admitir que a reforma fiscal tenha de ser pensada de forma global, mas esta pode eventualmente ter de ser concretizada em momentos faseados para evitar um excesso, que eu chamaria «de estabilização», no sistema, para além de poder ser materialmente difícil executar tudo ao mesmo tempo.
Mas, dito isto, é preciso perguntar, se é que o Governo já tem ideias sobre isto: o que significa dizer que vai apresentar uma proposta de lei sobre o património até ao final do ano? Mantém as ideias iniciais que deram corpo ao despacho do Ministro Sousa Franco e à equipa presidida pelo Professor Medina Carreira sobre o imposto sobre o património, abrangendo o património imobiliário ou mobiliário? Ou decaiu na tributação sobre o património mobiliário, tal como a direita exigia,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Ter ideologia não tem mal!

O Orador: - … fixando-se unicamente no património imobiliário, porventura, no imobiliário urbano? Esta é uma questão seguramente central e ideológica, Sr. Ministro, porque, nesta matéria, convenhamos, as palavras são lançadas para o ar, mas se há matéria onde as diferenciações do modelo de sociedade que queremos são mais vincadas entre os vários sectores de pensamento das sociedades é, obviamente, a matéria fiscal. Enfim, não vale a pena fazer-se este debate aqui, mas esta é uma questão que queríamos ver esclarecida.
O Sr. Secretário de Estado trouxe-nos aqui números, o número das empresas que praticam a evasão fiscal. Nós temos este condão: sempre que muda um ministro ou um secretário de Estado, ele vem fazer o discurso como se trouxesse novidades! Sr. Secretário de Estado, estes números já aqui foram apresentados, variadíssimas vezes, pela nossa bancada e por outras bancadas! Agora, é o Governo que os traz! Óptimo! Porém, repito a si aquilo que o Sr. Ministro diz: bem-vindo a esta equipa, bem-vindo a esta reflexão, bem-vindo a este consenso sobre a necessidade de alterar aquilo que é um escândalo nacional!
Mas, Sr. Secretário de Estado, aqui que ninguém nos ouve, diga-me: não lhe parece tarde demais que cinco anos depois, só cinco anos depois, de o PS estar no Governo é que o PS reconheceu isto?!

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, há ainda outros pedidos de esclarecimentos. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: - Sr. Presidente, respondo no fim, em conjunto.

O Sr. Presidente: - Muito bem, mas, em todo o caso, informo-o de que só disporá de 5 minutos para responder ao conjunto dos pedidos de esclarecimentos, enquanto que, se respondesse um a um, teria no total 9 minutos, visto o tempo de resposta ser, regimentalmente, de 3 minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, aparte as divergências, apreciando a frontalidade da sua intervenção, quero, em primeiro lugar, dizer-lhe que, para nós, não tem razão quanto à importância do tribunal na decisão sobre o sigilo bancário. E a razão é lógica e fácil de explicar. Quem foge deve ter um controlador: a administração fiscal. Por sua vez, a administração fiscal deve ter um controlador: o tribunal. Somos contra a evasão fiscal, mas também somos contra o erro do fisco. Se a administração fiscal tiver razão, o juiz dá-lha; se a administração fiscal não tiver razão, protege o contribuinte.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É a interferência do tribunal nesta decisão.
E, como sabe, nem em todos os casos na vossa proposta, tal qual a conhecíamos no pedido de autorização, o recurso tinha efeito suspensivo.
Em segundo lugar, acerca da interessante questão e da novidade que nos trouxe sobre o património - e até para esclarecermos aquele aparte de há uns minutos atrás -, a dúvida que eu tenho tem a ver com a fundamentação filosófica e moral da tributação do património, onde realmente pode haver um separador ideológico profundo.
Sr. Secretário de Estado, para mim, o acesso à propriedade privada é um factor de mobilidade social; para mim, a herança é um direito das famílias,…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: -… seja pequena, média ou grande.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - E é neste quadro de respeito pelos princípios da propriedade e da família e, sobretudo, por conhecer a realidade, ou seja, tudo aquilo que se pretende tributar em imposto já está, em grande medida, a ser pago em taxas e tarifas, todas as utilidades que às vezes justificam os impostos patrimoniais já as pagamos, como a água, os esgotos, a rua, os serviços, em impostos ou em taxas! Por isso dizemos: atenção à tributação do património! E é com esta noção que quero fazer-lhe uma pergunta muito simples: Sr. Secretário de Estado, está mais próximo

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daquele Código das Avaliações do tempo do PSD, felizmente inutilizado…

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Ah!…

O Orador: - … ou do projecto Medina Carreira, ou do projecto Sidónio Pardal, em matéria de tributação do património? Estas são as três versões que conhecemos nos últimos anos. Sr. Secretário de Estado, de entre estes três projectos, de qual está mais próximo, de qual está mais longe?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, ainda bem que fez a intervenção que fez agora, porque ficou reservado para o final do debate o esclarecimento das divergências existentes entre o Governo e as propostas apresentadas pelo BE. Ouvimos oradores do PS e o Sr. Ministro referirem-se em termos gerais, falando em maximalismo, sectarismo… Muitos carimbos e carimbadelas foram distribuídos. Porém, ouvimos agora uma argumentação sustentada.
No entanto, o Sr. Secretário de Estado não tem razão em quatro pontos concretos.
Não tem razão sobre o aspecto da reforma global. Uma reforma global deve procurar abranger um conjunto de matérias, sendo certo que aquilo que o BE propõe não é exaustivo, nem será qualquer das que vier aqui a ser apresentada. No entanto, o exemplo que escolheu é muito mau, que é o do IRC. De facto, aqui, concentrámo-nos em aspectos cruciais que fazem a diferença entre a esquerda e a direita, entre a seriedade e esta obscuridade fiscal, tendo conhecimento de outras propostas, que nos parecem muito interessantes, sobre preços de transferência e muitas outras matérias. Mas o Governo não tem o direito de desqualificar propostas, porque isso dá um «efeito de galeria» mas não permite um debate sério, Sr. Secretário de Estado!
Segundo ponto, a proposta sobre o imobiliário tem vinte e poucos artigos. No entanto, foi tão importante que o Governo entendeu por bem convidar para um dos autores do relatório que vai inspirar a sua proposta um dos co-autores desta proposta. Não tem razão, porque a proposta apresenta, na substituição da sisa por um regime simplificado de IVA, num regime simplificado de avaliação baseado na proposta Sidónio Pardal, que evolua para um sistema de auto-avaliação com critérios uniformes e objectivos, em tudo isto, as grandes opções, tratando-se, naturalmente, de as trabalhar e desenvolver. Não tem razão, Sr. Secretário de Estado!
Não tem razão no que diz sobre a proposta do Bloco de Esquerda acerca do offshore, porque ela prevê, no artigo 11.º, a suspensão no caso de haver interposição de recurso por parte do contribuinte e, no 12.º, estabelece os mecanismos eficientes para que, em tribunal, esse efeito suspensivo da reclamação possa vir a ser dirimido, segundo o princípio correcto. Veja os artigos 11.º e 12.º e reconhecerá que errou.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: - Sr. Deputado, os artigos 11.º e 12.º referem-se ao sigilo bancário!

O Orador: - Exactamente.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: - Mas estava a falar do offshore da Madeira!

O Orador: - Peço desculpa, mas queria referir-me ao sigilo bancário, Sr. Secretário de Estado.
Por último, e este é o quarto erro que comete, não tem razão sobre o offshore da Madeira, porque o Bloco de Esquerda propõe um princípio geral de alteração das normas que presidem a estes benefícios fiscais e acrescenta uma proposta, que vigora em Espanha - também para grande desgosto das bancadas da direita -, que é a de serem tributados, à cabeça, em IRC, com uma taxa uniforme, os movimentos de investimento e de mobilização de capitais nesses contextos.
O Sr. Secretário de Estado deve conhecer esta proposta. Ela é realizável. Existe num país em relação às Ilhas Canárias, é aplicada noutros contextos e tem um enorme contributo,…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que termine.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Esta proposta tem um enorme contributo: o de esclarecer quem, como, onde, para quê e quando. Isto é a transparência fiscal!
Portanto, nestas quatro matérias enganou-se, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Presidente: - Para responder aos três pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: - Sr. Presidente, a primeira questão que me foi colocada é sobre o que é que vai incidir a reforma sobre o património. A reforma vai incidir sobre a tributação do património imobiliário. Extinguirá a sisa, substituindo-a por uma solução que pode ser a solução do IVA, proposta pelo Bloco de Esquerda, ou outra, mas será uma reforma sobre a tributação do património imobiliário. Como o Governo tem dito, não está em causa, neste momento, a tributação do património mobiliário.
Com isto penso que respondo ao PCP e ao PP com toda a clareza.
A segunda pergunta tem a ver com o ser ou não tarde demais para se fazer a reforma. Nunca é tarde demais, Sr. Deputado; é a altura própria para a fazermos.
A terceira questão está ligada ao tribunal. Um dos princípios fundamentais é o da simplicidade. Exigir sempre a intervenção do tribunal é, para além de, em termos de Direito Comparado, ser uma situação perfeitamente excepcional, um princípio que poucos países seguem; por exemplo, Espanha, França, Inglaterra, Itália, Estados Unidos da América, a grande maioria dos países da OCDE, não a exigem. O que efectivamente garantimos é que o recurso tenha efeito suspensivo quando o contribuinte entenda que deve utilizar este mecanismo.
Sendo assim, está salvaguardado aquilo que o Sr. Deputado quer salvaguardar e não prejudica a eficiência, e temos de ter mecanismos eficientes e céleres para resolver estas questões.
Sr. Presidente, em 3 minutos não vou ter oportunidade de responder ao Sr. Deputado Francisco Louçã.

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O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado dispõe de 5 minutos!

O Orador: - Tenho 5 minutos?

O Sr. Presidente: - Tem mais dois.

O Orador: - Então, quero dizer-lhe, Sr. Deputado Francisco Louçã, que ainda bem que o Sr. Deputado aceita que a proposta do Bloco de Esquerda não é tão global quanto a quis apresentar.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Não foi isso que eu disse!

O Orador: - Foi.
Quem foi acusado de não ter propostas globais foi o Governo, e não é verdade, porque esta proposta foi calendarizada! Relativamente ao IRS, analise com seriedade aquilo que apresentaram e aquilo que está em matéria de autorização legislativa e veja que, em matéria de globalidade, não se pode comparar uma com a outra, Sr. Deputado.
Portanto, a reforma do Bloco de Esquerda não me parece que seja global, o que não quer dizer que, em muitos pontos, não seja boa. No entanto, parece-me que essa discussão é relativamente irrelevante para o que se vai seguir, porque iremos ter aqui propostas globais apresentadas pelo Governo para discutir e, portanto, vamos poder discutir tudo.
Agora, vir dizer, como, nas últimas semanas, vi na comunicação social, que o Governo não apresentava nada global e que o Bloco de Esquerda é que apresentava estas 14 propostas, que eram as propostas da reforma global, um partido ainda por cima de esquerda, cheio de preocupação de perseguir os ricos e que, em matérias como as do IRC, nem sequer fala dos preços de transferência, da subcapitalização, da tributação das mais-valias… Francamente, isto não é, efectivamente, uma reforma global!

Aplausos do PS.

Depois, o Sr. Deputado disse que eu não disse… Eu medi bem as palavras que disse, Sr. Deputado! A vossa proposta diz, no artigo 19.º, em matéria de sigilo, que «Independentemente da finalidade do combate às evasões fiscais, a Administração Fiscal tem o direito de acesso às informações previstas no artigo 2.º, sem necessidade de recurso aos procedimentos anteriormente previstos, nos seguintes casos: a) Quando tenha o ónus da prova (…)». Isto quer dizer que, quando tenha o ónus da prova, não precisa de recorrer aos procedimentos. É assim que leio esta proposta.
Mas, Sr. Deputado, se não é assim, se estou a ler mal e se o senhor está de acordo com aquilo que eu disse, também não há razão para mantermos esta divergência, porque ela está ultrapassada. Se está de acordo com isto, se estou a ler mal - mas parece-me que não -, a divergência está ultrapassada, e, portanto, nesta matéria do sigilo bancária não vamos ter, com certeza, grandes divergências.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por terminada a fase do debate, pelo que vamos dar início à fase do encerramento.
Para usar da palavra, por 10 minutos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo teve um comportamento estranho nesta interpelação, começou com um nível muito elevado de agressividade, traduzida exclusivamente na adjectivação - sectarismo, maximalismo -, e agora deu-lhe um conteúdo concreto, a que vou procurar responder, porque é nos conteúdos que temos de nos entender, ou desentender quando é necessário.
Começo por dizer-lhe, Sr. Secretário de Estado, que uma reforma global é global se procurar criar raízes de um debate político nacional acerca de todas as matérias em que há razão para reformar. Uma reforma estrutural é isto! E do que acusamos o Governo, não tanto desde a sua entrada no Governo, tão recente, mas desde o início do Governo do Engenheiro Guterres, é de não ter tido coragem estruturante para fazer este debate, porque, durante quatro anos, teve o tabu do sigilo bancário, porque, durante quatro anos, não mexeu no IRC. E é extraordinário que o seu argumento seja colocar-se em paridade com um grupo parlamentar de dois Deputados e dizer, puxando dos galões: «Nós fizemos melhor o trabalho de casa numa proposta de IRS!» Extraordinário! Cinco anos depois de estar no Governo, de fazer o que quer em matéria fiscal, o que o Governo vem fazer é pesar na balança o número de artigos que o Bloco de Esquerda propõe em relação ao IRS - sendo certo que apresenta propostas para outras matérias, em relação às quais o Governo nada faz - e dizer: «Estamos com vantagem!» Que grande vitória, Sr. Secretário de Estado! Que grande vitória!
Devo dizer-lhe que é extraordinário que o Governo não reconheça - e o Sr. Ministro Pina Moura insistiu em desmenti-lo - que tem cinco anos de atraso, porque, nesta medida, é «preso por ter cão e preso por não ter cão», com muita franqueza. Se diz que não tem qualquer atraso e que está perfeitamente a tempo, tudo foi feito segundo o que era necessário; no entanto, não houve reforma fiscal até agora. Se, em contrapartida, continua a insistir nisso, também, naturalmente, não nos pode vir dizer que é um novo ciclo político, porque está a dizer que está na continuidade do antigo ciclo político, nada mudou, tudo é contínuo, tudo é exactamente na sequência do que foi preparado nestes cinco anos. Mas se nos diz que é preciso um novo ciclo político - e nós somos os primeiros a dizê-lo, porque é preciso uma nova política social, uma nova política fiscal, e é isto que procuramos discutir em sede própria, que, neste contexto, é o Parlamento -, então é porque, durante cinco anos, não foi feito o que era necessário por este Governo.
Mas, repare, Sr. Ministro, quando nos diz que já avançou cinco anos, depois, diz-nos algo mais, diz-nos, por exemplo, que precisa de oito anos, até 2002 ou 2003, para fazer a reforma do sector energético, uma reforma tão essencial, que, hoje, é uma das questões políticas essenciais e sê-lo-á amanhã com os transportes públicos e em Janeiro com os preços dos combustíveis, quando o Governo os aumentar. Esta reforma será sempre decisiva, porque é um dos aspectos da tal reforma global para a qual o Governo precisa, no mínimo, de oito anos.
A boutade do Sr. Ministro, que estranha que o Bloco de Esquerda tenha esperado por Agosto para apresentar

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as suas propostas, é extraordinária. O Bloco de Esquerda é penalizado por ter demorado oito meses a apresentar as suas propostas, quando o Governo argumenta para si próprio que precisa de oito anos para apresentar o conjunto das propostas alternativas. Não pode ter os dois argumentos ao mesmo tempo, Sr. Ministro!
Mas quero concentrar-me sobre os aspectos substanciais, que são «sectarismo» e «maximalismo». Se este debate é necessário, como foi a interpelação que o Bloco de Esquerda provocou na Assembleia da República em Dezembro do ano passado, se continua a ser necessário e se, em certa medida, é tão necessário que chegou aqui a ser dito, e com razão, que é uma questão democrática crucial, a desigualdade nos impostos é uma raiz da falta de democracia no nosso país, da falta de transparência da Administração Pública, da falta de seriedade da coisa pública e da sua capacidade de relacionamento com os cidadãos e da falta de cultura democrática de prática e de controlo democrático.
Ora, se assim é, é porque tem havido sectarismo. Mas o sectarismo não está em propostas que pretendem inovar, não está em propostas que se baseiam naquilo que é feito em outros países, e todas as propostas do Bloco de Esquerda, sem qualquer excepção, baseiam-se em experiências fiscais verificadas, até a das grandes fortunas, baseiam-se no Relatório Pierre Joxe, do Conselho Central de Impostos em França, que apreende as lições que foram trazidas pela experiência concreta da forma de controlo e autoverificação que este imposto mantém. Mas, se assim é, o sectarismo não está aí, o sectarismo nunca está no esforço da inovação, no esforço da reflexão, no debate democrático sobre as diferenças e na tentativa de encontrar soluções. Sectarismo tem havido na política fiscal. Há um sectarismo nos veículos de todo-o-terreno, de que o Sr. Ministro não falou e, seria capaz de apostar, voltará a não falar e até de temer que, envergonhadamente, algures no Orçamento do Estado para o próximo ano talvez venha, finalmente, a tal proposta de alteração. Mas há aí sectarismo!
Há sectarismo na contribuição autárquica, há sectarismo na banca. O relatório do Banco de Portugal, apresentado pelo Dr. Vítor Constâncio a esta Casa, diz-nos que, no exercício passado, os resultados extraordinários da banca subiram 79,8%, mas a tributação sobre os seus lucros desceu 19,8%, reduziu-se 19,8%, consequência do offshore da Madeira, naturalmente, consequência sistemática de práticas de evasão fiscal. Isto é sectarismo! Isto é o sectarismo social enraizado, institucionalizado, determinado, aquele que os governos não souberam combater e que levaram cinco anos a aperceber.
Disse o Sr. Secretário de Estado que dois terços das empresas não pagam IRC. É absolutamente verdade! Isto é o sectarismo! Isto é a prática sectária, a discriminação, a divisão, a impossibilidade de estabelecer o princípio da igualdade! Sectarismo é isto!
Criticamos o Governo por, nestas matérias, ter tido uma política de «toca e foge»; de anunciar problemas, mas fugir da sua solução; de identificar, muitas vezes correctamente - leiam-se todos os relatórios acerca destas matérias, pois todos eles têm contributos muito significativos, terminando neste último e começando pelo primeiro -,…
Por isso são propostas radicais, ou inexequíveis ou maximalistas?! Veja bem: é o Professor Silva Lopes, que, seis anos depois do seu relatório, nos diz agora que o sigilo bancário devia ser, pura e simplesmente, substituído por um regime administrativo. Maximalista é o regime americano, é o regime do Canadá, é um regime muito próximo do regime alemão ou do regime espanhol. Maximalismo aqui?!
É claro que podemos ter soluções distintas, mas saibam as Sr.as e os Srs. Deputados que estamos somente a entreabrir a porta de um enorme iceberg, que é a fuga organizada ao fisco, e que este tipo de mecanismos, conjugado, naturalmente, com uma reforma da administração fiscal, que é tão urgente para o tornar possível, é por norma praticado administrativamente, com todas as garantias, para todos os contribuintes em países muito mais desenvolvidos do que o nosso.
Há algum crime de lesa-majestade nisto? A nossa resposta é que não, que temos de avançar neste sentido, e esta é a diferença que temos em relação ao Governo: o que é que devemos fazer, até onde devemos ir. Mas não há qualquer crime de lesa-majestade, porque a única coisa que lesa os direitos do contribuinte é a sua desigualdade perante o fisco. Sempre que houver igualdade de direitos, igualdade no acesso à informação, igualdade de deveres, então, temos um regime transparente, e este não existe hoje em Portugal.
Ainda sobre o maximalismo, diz-nos que o imposto sobre as grandes fortunas não é uma prioridade nacional. A terminologia que o Governo tem escolhido a este respeito é sempre extremamente cautelosa, a saber «não é prioridade», «há outras formas mais eficazes», mas o certo é que, se não houver um imposto com estas características, nunca responderemos a duas situações: em primeiro lugar, não tributamos a riqueza mobiliária - e percebo a irritação do Governo em relação à proposta Medina Carreira, porque ela introduzia justamente esse princípio. E esta é uma das diferenças que separa a esquerda e a direita nesta Casa.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - Deve só ser tributado o património imobiliário, as casas e os terrenos, ou, pelo contrário, também deve ser tributada a fortuna quando é acumulada em valores de participações sociais? A nossa resposta é que sim, a partir somente de um certo nível, e esta é a diferença que temos relativamente ao Relatório Medina Carreira.
Mas, para sermos práticos, dou-lhe um exemplo (e se não tivermos este imposto, não resolvemos nem o primeiro problema da tributação da fortuna mobiliária, nem este segundo): há uma fortuna em Portugal, que são 450 milhões de contos. Imaginemos que o Sr. Champalimaud - longa vida tenha pela sua frente! - se retira dos negócios - naturalmente, tem a sua casa paga - e decide dedicar 500 contos/mês à compra de charutos e, enfim, àquilo que ocupe os seus ócios. Se ele viver durante 100 000 anos, sem qualquer benefício patrimonial, entretanto, pode utilizar tranquilamente, durante 100 000 anos, os seus 500 contos. Mas, durante 100 000 anos, não pagará imposto.

O Sr. Presidente. - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
O problema é saber se também o património deve ser tributado, de uma forma razoável, sensata e responsável, mas se deve ou não ser tributado. E esta é uma diferença entre transparência e obscuridade, entre a democracia e o regabofe fiscal.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero saudar a iniciativa do Bloco de Esquerda, ao promover esta interpelação ao Governo sobre matéria fiscal.
Foi, realmente, uma ocasião importante para, uma vez mais e de uma forma que envolveu todas as bancadas, discutirmos, aprofundarmos e precisarmos objectivos e orientações, confrontarmos opiniões, vermos aquilo que nos une - e, quando digo «nos une», quero dizer à Câmara no seu conjunto -, aquilo que nos divide e em que matérias há disponibilidade e zonas de intercepção entre os diferentes projectos de reforma fiscal.
Creio que, deste ponto de vista, a vossa iniciativa, com a contribuição que todos demos, incluindo o Governo, foi uma iniciativa positiva e uma iniciativa que pré-anuncia que o debate do próximo dia 11 de Outubro ficará registado, do meu ponto de vista, nos anais deste Parlamento e do relacionamento do Governo com este Parlamento, como um marco muito importante na aceleração da reforma fiscal.
Esta primeira nota positiva e de cumprimento pela vossa iniciativa não me leva, no entanto, a poder fugir, ainda que brevemente, a um comentário que, agora, desenvolveu, reagindo a críticas de sectarismo e de maximalismo que, no decorrer do debate, tanto eu como o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, fizemos a algumas das vossas propostas e a parte da sua intervenção inicial.
Sr. Deputado Francisco Louçã, entendamo-nos: o sectarismo não está na inovação das propostas de quem quer que seja, incluindo nas do Bloco de Esquerda. Mesmo que não estejamos de acordo com elas ou com parte delas, o sectarismo esteve - e espero que seja superado -numa tentativa de mistificação da parte do Bloco de Esquerda e na sua intervenção inicial, nomeadamente em relação ao empenho, à determinação e à clareza com que o Governo, desde 23 de Dezembro de 1999, se comprometeu e tem vindo a desenvolver um calendário coerente, global, articulado e concreto da reforma fiscal, vista no seu conjunto e em relação às suas componentes principais.
É muito importante, Sr. Deputado Francisco Louçã, sublinhar uma ideia, que, porventura, partilhará (e se não partilhar diga-o, mas é a nossa concepção): a reforma fiscal não é um momento nem uma proposta; a reforma fiscal é um processo e um conjunto de propostas que, conforme aqui foi sublinhado, tem de ter uma matriz integradora e um conjunto de valores e de convicções que a suportam, mas pode e deve ser apresentada, discutida e implementada faseadamente no tempo.
Este ponto é muito importante para que não se crie a ideia, que, do meu ponto de vista, o Bloco de Esquerda tentou criar nas últimas semanas, de que a sua proposta - os 14 diplomas de reforma fiscal - era global, coerente e de que o Governo não tinha mais do que vagas ideias e propostas por concretizar.
Sabemos, e por isso demos o passo que demos hoje e que aqui anunciei, que é muito importante criar condições políticas, até para que o debate seja clarificador e eficaz e para que todo o Parlamento possa contribuir para esse debate que é extremamente importante para todo o País, e que a técnica legislativa que tínhamos desenvolvido não permitia que esse debate, a 11 de Outubro, pudesse ser tão frutuoso e que se pudesse concentrar nas questões essenciais da reforma fiscal, em relação às quais penso não estarmos muito divididos.
Por isso mesmo, tomámos esta iniciativa, que é de abertura e que dá um contributo efectivo para que, no próximo dia 11 de Outubro, possamos acelerar o processo de concretização da reforma fiscal numa área absolutamente essencial, a da tributação directa.
Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, não viemos aqui para reivindicar vitórias mas, sim, para prosseguir o caminho e o trabalho que temos desenvolvido, criando condições para que o debate de 11 de Outubro seja substantivo e permita abrir, à Câmara, em trabalho com o Governo, a discussão, na especialidade, sobre a reforma fiscal no domínio da tributação directa, num primeiro momento, e sobre todas as áreas relevantes da reforma fiscal e das alterações a introduzir na tributação, nos outros momentos, segundo o calendário já anunciado.
Em relação a todos os outros partidos que intervieram neste debate, quero acentuar o espírito construtivo que houve, nomeadamente da parte do PCP, no que respeita ao seu gesto de disponibilidade para um ajustamento, no calendário, do debate inicialmente previsto para o dia 27 de Setembro, o que, realmente, vai permitir, conforme foi sublinhado, que não nos concentremos na discussão sobre eventuais divergências de método mas, sim, sobre a substância da reforma fiscal.
Também chamo a atenção para o desenvolvimento que o Sr. Deputado Lino de Carvalho acaba de fazer, sublinhando que o faseamento da reforma fiscal, das suas várias componentes e da sua aplicação, não retira significado à natureza de conjunto e global que os módulos já apresentados pelo Governo para a reforma fiscal evidenciam.
No que respeita ao PSD, apesar de todo o cepticismo manifestado pelo Sr. Deputado, tenho ainda a esperança de que, até ao dia 11 de Outubro, possamos contar com a sua contribuição específica para discutir, na generalidade e na especialidade, a reforma fiscal. O mesmo digo no que respeita aos outros partidos, ao CDS-PP e aos Os Verdes, que já apresentaram ou vão apresentar, conforme anunciado, contributos para essa mesma discussão.
Portanto, é com esta mensagem de alegria e de enorme satisfação, por parte do Governo, por estarmos em condições para, no dia 11 de Outubro, iniciar, também na reforma fiscal, um novo ciclo político, que quero terminar a minha intervenção.
Mas não queria terminar sem antes sublinhar - e essa verdade deve ser reposta face a algumas críticas que foram feitas, nomeadamente na última intervenção - que este novo ciclo político, também no que respeita ao desenvolvimento da reforma fiscal, se baseia, por parte do XIV Governo, no trabalho feito pelo XIII Governo, nomeadamente no que respeita aos desagravamentos fiscais, ao aumento do peso relativo do IRC face ao conjunto da tributação directa e à diminuição relativa do peso do IRS, que ainda é excessivo, apesar de ter diminuído nos últimos anos, a um aumento da despesa fiscal em favor dos trabalhadores e a processos expeditos e estruturais de modernização da administração fiscal, nomeadamente a admissão de 2500 novos funcionários.
Este processo da reforma fiscal, que vai sofrer um novo impulso e uma nova aceleração da parte dos governos

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do Engenheiro António Guterres, também se estrutura no trabalho feito na última Legislatura. E é por isto que não posso concordar com a interpretação de que o Governo e o Partido Socialista perderam cinco anos para o desenvolvimento da reforma fiscal.
Vamos entrar num novo ciclo, vamos entrar numa aceleração da reforma fiscal, mas ela funda-se no trabalho sério, profundo e extenso que foi feito, nomeadamente no XIII Governo Constitucional, pela equipa liderada pelo Professor Sousa Franco.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, terminámos a nossa ordem de trabalhos de hoje.
A próxima reunião plenária, realizar-se-á amanhã, sexta-feira, dia 22, às 10 horas, e terá como ordem do dia a discussão das propostas de resolução n.os 31/VIII, 42/VIII, 9/VIII, 17/VIII, 20/VIII e 32/VIII e as petições n.os 16/VII (1.ª) e 56/VII (1.ª).
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 45 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
António Fernando Menezes Rodrigues
Jorge Lacão Costa
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António dos Santos
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira

Partido Social Democrata (PSD):
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Henrique José Monteiro Chaves

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
António Bento da Silva Galamba
António José Gavino Paixão
Carlos Alberto Dias dos Santos
Dinis Manuel Prata Costa
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Manuel de Medeiros Ferreira
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Rui Manuel Leal Marqueiro

Partido Social Democrata (PSD):
Ana Maria Martins Narciso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
David Jorge Mascarenhas dos Santos
Feliciano José Barreiras Duarte
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Mário Patinha Antão

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
José Honório Faria Gonçalves Novo

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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