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Sábado, 30 de Setembro de 2000 I Série - Número 6

DIÁRIO da Assembleia da República

VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 29 DE SETEMBRO DE 2000

Presidente: Ex.mo Sr. Narana Sinai Coissoró

Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
José de Almeida Cesário
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação dos projectos de lei n.os 304 e 305/VIII, dos projectos de resolução n.os 76 a 78/VIII, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
A Mesa anunciou a retirada do projecto de resolução n.º 67/VIII (PS), em virtude da apresentação, pela Comissão de Assuntos Europeus, de idêntico diploma.
Procedeu-se a um debate de urgência, requerido pelo CDS-PP, sobre as quotas leiteiras para Portugal, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas (Capoulas Santos), os Srs. Deputados Paulo Portas (CDS-PP), Isabel Barata (PS), Fernando Penha Pereira (PSD), Lino de Carvalho (PCP), António Martinho (PS), Isabel Castro (Os Verdes), Luís Fazenda (BE), Joaquim Ponte (PSD) e Medeiros Ferreira (PS).
Foram discutidos os votos n.os 77/VIII - De saudação pela vontade de mudança expressa pelo povo jugoslavo em recente acto eleitoral (CDS-PP, PS e PSD), que foi aprovado, e 79/VIII - De saudação pela realização de eleições presidenciais, legislativas e municipais na República da Jugoslávia (BE), que foi rejeitado. Proferiram intervenções os Srs. Deputados Telmo Correia (CDS-PP), José Barros Moura (PS), António Filipe (PCP), José de Matos Correia (PSD), Francisco Louçã (BE) e Isabel Castro (Os Verdes).
A Câmara apreciou e aprovou ainda o voto n.º 78/VIII - De apoio à Marcha Mundial de Mulheres (BE, PS, CDS-PP e Os Verdes), tendo usado da palavra os Srs. Deputados Luís Fazenda (BE), Maria de Belém Roseira (PS), Margarida Botelho (PCP), Maria Ofélia Moleiro (PSD), Rosado Fernandes (CDS-PP) e Isabel Castro (Os Verdes).

Ordem do dia. - A Câmara aprovou n.os 76 a 89 do Diário.
Foram discutidos conjuntamente os projectos de resolução n.os 49/VIII - Por uma estratégia de promoção do transporte público (Os Verdes), 73/VIII - Uma alternativa para a política de transportes (BE) e 75/VIII - Promoção da utilização do transporte público (PS). Intervieram, a diverso título, para além do Ministro de Estado e do Equipamento Social (Jorge Coelho) e do Secretário de Estado dos Transportes (Guilhermino Rodrigues), os Srs. Deputados Isabel Castro (Os Verdes), José Manuel Epifânio (PS), Telmo Correia (CDS-PP), Francisco Louçã (BE), Miguel Coelho (PS), Castro de Almeida (PSD), Joaquim Matias (PCP) e José Macedo Abrantes (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 14 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Bernardes Costa
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carla Maria Nunes Tavares Gaspar
Carlos Alberto
Carlos José Gonçalves Vieira de Matos
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Cláudio Ramos Monteiro
Eduardo Ribeiro Pereira
Emanuel Silva Martins
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco José Pinto Camilo
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco D'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Isabel Maria Soares Pinto Zacarias
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Cardona Gomes Cravinho
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Rodrigues Pereira dos Penedos
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luísa Pinheiro Portugal
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António dos Santos
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custodia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino
Maria José Vidal do Rosário Campos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Vítor Manuel Alves Peixoto
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro dos Santos Amaro
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António de Carvalho Martins
António D'Orey Capucho
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
António Paulo Martins Pereira Coelho
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Artur Ryder Torres Pereira
Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Carlos Manuel Marta Gonçalves
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Santos Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva

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Henrique José Monteiro Chaves
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
João José da Silva Maças
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Durão Barroso
José Manuel Macedo Abrantes
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Manuel Cruz Roseta
Rui Fernando da Silva Rio
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva

Partido Comunista Português (PCP):
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Cândido Capela Dias
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Natália Gomes Filipe
Maria Odete dos Santos
Octávio Augusto Teixeira
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
Altino Bernardo Lemos Bessa
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello Branco
António Herculano Gonçalves
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
José Martins Pires da Silva
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Paulo Sacadura Cabral Portas
Raúl Mário Carvalho Camelo de Almeida
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai ler o expediente.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projectos de lei n.os 304/VIII - Pensões degradadas da Administração Pública (BE), que baixou à 9.ª Comissão, e 305/VIII - Criação da freguesia de Águas Vivas, no concelho de Miranda do Douro (PSD), que baixou à 4.ª Comissão; projectos de resolução n.os 76/VIII - Convocação do Conselho das Comunidades Portuguesas (PCP), 77/VIII - Aprova medidas de combate a factores de risco na adolescência e na juventude (PS) e 78/VIII - Sobre a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Comissão de Assuntos Europeus).
Entretanto, informo que o projecto de resolução n.º 67/VIII, da iniciativa do PS, foi retirado em virtude da apresentação, por parte da Comissão de Assuntos Europeus, de idêntico projecto de resolução.
Foram apresentados na Mesa os requerimentos seguintes: no dia 19 de Setembro, ao Ministério das Finanças, formulados pelos Srs. Deputados Casimiro Ramos, Manuela Ferreira Leite e Francisco Louçã; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado António Nazaré Pereira; ao Ministério do Equipamento Social, formulados pelos Srs. Deputados João Moura de Sá, Altino Bessa e João Rebelo; aos Ministérios das Finanças, da Economia e da Cultura, formulados pela Sr.a Deputada Maria Celeste Cardona; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Agostinho Lopes; à Câmara Municipal de Valongo, formulado pelo Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.
Na reunião plenária de 20 de Setembro: ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado José Cesário; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Nuno Freitas; ao Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; aos Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia, formulados pela Sr.a Deputada Luísa Mesquita; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado Vicente Merendas; ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade e ao Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de

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Trabalho - IDICT, formulados pelo Sr. Deputado Luís Fazenda.
Nas reuniões plenárias de 21 e 22 de Setembro: ao Conselho de Administração da TAP - Air Portugal, formulado pelo Sr. Deputado Caio Roque; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Paulo Pisco; ao Governo, formulado pela Sr.ª Deputada Natália Carrascalão Antunes; ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelo Sr. Deputado Castro de Almeida; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado José Cesário; a diversos Ministérios, formulados pela Sr.a Deputada Manuela Aguiar; aos Ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, do Equipamento Social, das Finanças e do Trabalho e da Solidariedade, formulados pelo Sr. Deputado Vicente Merendas; ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, formulados pelas Sr.as Deputadas Heloísa Apolónia e Isabel Castro; ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Nuno Freitas e Francisco Louçã; à Câmara Municipal de Loures e à Junta de Freguesia de S. João da Talha, formulados pelo Sr. Deputado João Rebelo.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados. No dia 25 de Setembro: Jovita Ladeira, na sessão de 6 de Janeiro; João Rebelo, na sessão de 29 de Março, no dia 9 de Maio e na Comissão Permanente de 5 de Setembro; Paulo Portas, na sessão de 5 de Abril; Margarida Botelho, na sessão de 6 de Abril; Natália Filipe, na sessão de 7 de Abril e na Comissão Permanente de l3 de Julho; Bernardino Soares, nas sessões de 12 de Abril e 4 de Maio; Pedro Mota Soares, na sessão de 26 de Abril e no dia 31 de Julho; João Maçãs, na sessão de 10 de Maio; Francisco Louçã, Machado Rodrigues, Luís Fazenda, Carlos Martins, Honório Novo e José Cesário, nas sessões de 11 e 31 de Maio, no dia 20 e nas sessões de 1 e 29 de Junho e no dia 12 de Julho; Barbosa de Oliveira, na sessão de 17 de Maio; João Amaral, António Nazaré Pereira, João Pedro Correia, David Justino, Agostinho Lopes e Rodeia Machado, nas sessões de 25 de Maio, 9, 21, 28 e 30 de Junho e 26 de Julho; Fátima Amaral, na sessão de 26 de Maio; Fernando Moreno e Luísa Mesquita, na sessão de 2 de Junho; Eugénio Marinho e Manuel Moreira, na sessão de 7 de Junho; Manuela Aguiar e Miguel Anacoreta Correia, na sessão de 5 de Julho; António Pinho e Heloísa Apolónia, na sessão de 6 de Julho; Artur Torres Pereira, no dia 28 de Julho; Dinis Costa, no dia 30 de Agosto.
No dia 26 de Setembro: António Filipe, na sessão de 9 de Dezembro; Joaquim Matias e João Rebelo, nas sessões de 13 e 26 de Abril; Luís Miguel Teixeira, na sessão de 4 de Maio; Nuno Freitas, no dia 9 de Maio; Natália Filipe, nas sessões de 11 e 12 de Maio; Bernardino Soares, na sessão de 25 de Maio e no dia 31 de Julho; Rodeia Machado, na sessão de 28 de Junho; João Amaral, na sessão de 30 de Junho; Fátima Amaral, na sessão de 5 de Julho; Carlos Marta, Rui Rio e Narana Coissoró, na sessão de 26 de Julho; José Eduardo Martins, no dia 30 de Agosto.
Em matéria de expediente é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, vamos dar início ao debate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP, sobre as quotas leiteiras de Portugal.
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O CDS-PP pediu este debate de urgência por duas razões fundamentais.
Em primeiro lugar, porque democraticamente queremos saber quem é responsável pelo ponto a que se chegou na situação das quotas leiteiras.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Ainda não sabem?!

O Orador: - Em segundo lugar, porque, positivamente, queremos saber qual a resposta que, de forma honesta, se pode dar aos produtores de leite do Continente e dos Açores.
O enquadramento da questão é simples. Em 10 anos, a produção nacional de leite aumentou 400 000 t, o número de produtores desceu, os efectivos decresceram e a produtividade subiu cerca de 42%. Daqui é possível retirar uma primeira conclusão: a culpa pode ser de todas as pessoas mas não é, com certeza, dos produtores de leite, seja do Continente, seja dos Açores.
Os produtores fizeram o que deviam, ou seja, produzir mais e melhor. Por isso mesmo, em nosso entender, os produtores de leite dos Açores e do Continente devem ser compensados e nunca multados. É absolutamente imoral, injusta e iníqua uma política agrícola que subsidia quem não produz e multa quem é capaz de produzir!
A culpa, Sr. Ministro, é em grande medida do Governo, por três razões fundamentais: em primeiro lugar, porque o Governo é o negociador da quota; em segundo lugar, porque o Governo é o gestor principal da quota; em terceiro lugar, porque o Governo se apresenta como o «pseudopagador» da multa. Sobre cada um destes aspectos direi o que pensamos.
Antes de mais, o Governo é o negociador, em Bruxelas, da quota portuguesa. Ora, o Governo sabia, ou devia saber, que o crescimento da produção, seja no Continente, seja nos Açores, era previsível, porque era sustentado. Em 1997, a produção já estava acima de 1,7 milhões de toneladas; em 1998, subia para 1,8 milhões toneladas; em 1999, acima de 1,9 milhões de toneladas.
Face a isto, entendemos que o Governo não preveniu, apenas reagiu. Tudo o que o Governo agora solicita à Comissão Europeia podia e devia ter sido solicitado há dois anos, porque já estávamos no limite da nossa possibilidade de produção.
Por outro lado, nas negociações comunitárias, o Sr. Ministro poderá ter dado prioridade a muita coisa mas, a nosso ver, abandonou o sector leiteiro.
Na Cimeira de Berlim, V. Ex.ª obteve, por junto, um ganho de 28 000 t, inferior ao ganho obtido pela Espanha, pela Grécia e pela Itália. Mais: as 28 000 t de suplemento de quota que conseguimos em Berlim, e que V. Ex.ª apresenta como uma vitória, só se aplicam a partir de 2005. Em 2005, mais 9000 t; em 2006, outras 9000 t; em 2007, as últimas 9000 t. Ou seja, quando, no ano 2000, já estamos 60 000 t acima da

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quota, a única coisa que o Governo conseguiu foi que, no ano de 2005, ganhemos 9000!
Prometem-nos um amanhã vagamente melhor quando não têm solução para o presente e para o dia de hoje que é extremamente difícil e penalizador para os nossos produtores!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, o Governo é o gestor principal da quota, o que estruturalmente terá de mudar no futuro.
O Governo é a única entidade que sabe de todos, porque cada produtor só sabe de si próprio. A quota leiteira é gerida pelo INGA e pelos compradores - no essencial, é assim que as coisas se passam. Ora, não consta que o Governo tenha informado devidamente os produtores sobre as quotas nacional, regional e individual, nem sobre a sua evolução ou a ultrapassagem dos números.
Não consta que o Governo tivesse avisado para os riscos. Mais, Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas: V. Ex.ª, em 15 de Outubro de 1999, uns dias depois das eleições, quando a imprensa já dizia que Bruxelas iria multar os produtores de leite, publicou um comunicado em que afirmava expressamente que «não tendo sido ultrapassada a quota, obviamente, sobre os produtores portugueses não incide qualquer penalização».
Sr. Ministro, nesta altura da campanha, V. Ex.ª já tinha dados mais do que suficientes para saber que a ultrapassagem da quota era inevitável, se nada fosse feito. Acresce que, no mesmo comunicado, V. Ex.ª afirmava que uma eventual ultrapassagem, no futuro, da quota seria da responsabilidade dos produtores e que sobre eles incidiriam penalizações.
Sr. Ministro, nós apreciamos a frontalidade quando há dificuldades. Do que não gostamos é de ver dois pesos e duas medidas. Antes dos votos, são só quotas; depois dos votos, são só multas! Isso é que não queremos, Sr. Ministro! A diferença entre o que o senhor diz hoje e o que disse há um ano é exactamente essa!
Finalmente, o Governo apresenta-se como o pagador da multa. V. Ex.ª sabe que há coisas que pode e até deve fazer, mas que não devia dizer - e todos nos entendemos nesta Câmara sobre isto. Porém, há perguntas que são inevitáveis, Sr. Ministro da Agricultura. Por exemplo, é ou não verdade que VV. Ex.as não aproveitaram a presidência portuguesa da União Europeia para melhorar uma situação previsivelmente difícil o interesse nacional, na quota leiteira?
É ou não verdade que, nos relatórios de Dezembro de 1999 e Fevereiro de 2000, sobre a aplicação do POSEIMA, VV. Ex.as não referem à Comissão Europeia uma vírgula que seja, quanto mais uma linha, sobre a evolução da produção leiteira nos Açores?
Sr. Ministro, responda-nos com clareza às seguintes questões: em primeiro lugar, quem vai pagar a multa por ultrapassagem de quota na campanha 1999/2000?
Em segundo lugar, o que farão os produtores na campanha 2000/2001? O que devem produzir? Como pode o Sr. Ministro dizer-lhes que tenham uma produção igual à do ano passado se a quota do ano passado foi ultrapassada, dando lugar a uma multa ainda hoje confirmada pela Comissão Europeia?
Em terceiro lugar, se houver multa este ano, quem a vai pagar?
Em quarto lugar, o que farão os produtores de leite nas campanhas de 2001, 2002, 2003, 2004 e 2005 se o Sr. Ministro entende que não pode haver uma revisão extraordinária de quotas, quando 12 países têm o mesmo problema que nós? O que vai V. Ex.ª dizer aos nossos produtores, sobretudo em face do III Quadro Comunitário de Apoio?
Sr. Ministro, o Governo não pode dizer aos produtores, com uma mão, que invistam para produzir e, com a outra, aceitar que eles sejam multados exactamente por terem produzido mais e melhor. Isto é insano, Sr. Ministro! Não é aceitável uma política deste teor!
Finalmente, Sr. Ministro, se entende pagar a multa, diga-me o seguinte: em todos os outros excedentes nacionais acima das quotas comunitárias, está V. Ex.ª disposto a aceitar a regra de que o Governo paga? Seria muito bom ouvir isso da sua parte, porque há outras situações comparáveis.
Sr. Ministro, dê-nos respostas e, sobretudo, aos produtores, pois, caso contrário, V. Ex.ª, que, por a política agrícola comum ser o que é, em grande medida já é um Ministro sem pasta, se não aproveitar a margem de manobra que aquela ainda lhe deixa, arrisca-se a ser, além de um Ministro sem pasta, um Ministro sem quota!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Barata.

A Sr.ª Isabel Barata (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas, atendendo a que o Governo Regional dos Açores e o Governo da República têm desenvolvido todos os esforços para a resolução do problema das quotas leiteiras dos Açores, nomeadamente algumas das questões que o senhor levantou e que o CDS-PP parece só ter descoberto recentemente,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Está enganada!

A Oradora: - … uma vez que essas diligências têm sido tomadas junto das entidades competentes da União Europeia, nomeadamente junto da presidência, e continuam a decorrer no âmbito do estatuto de ultraperifericidade reconhecido aos Açores ao abrigo do artigo 299.º do Tratado, que, com certeza, V. Ex.ª também conhece, gostaria de saber o seguinte: o debate de hoje e as recentes declarações que fez nos Açores têm o objectivo de contribuir positivamente para a resolução desta questão ou devem-se apenas a uma tentativa de manipulação demagógica das legítimas preocupações dos agricultores açoreanos em período pré-eleitoral?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, se o Governo, quer nacional,

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quer regional, queria tratar do assunto decente e eficazmente, teria começado a fazê-lo há dois anos. Ora, foi o Governo que reagiu aos acontecimentos em vez de os prevenir!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Penha.

O Sr. Fernando Penha Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Os produtores de leite portugueses defrontam-se, pela primeira vez, com a adversidade de não poderem aumentar a produtividade, de não poderem melhorar a competitividade.
A actual situação é fruto da incúria e da má gestão dos governos socialistas do Eng.º António Guterres, tendo por cúmulo o mau acordo para Portugal no dossier agrícola da Agenda 2000.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em 1990, a produção de leite em Portugal era de 1,3 milhões de toneladas. O governo português, então do PSD, negociou e conseguiu da Comunidade uma quota para o nosso país de cerca de 1,9 milhões de toneladas. Uma quota ampla, que permitia ao sector leiteiro modernizar-se, aumentar a produtividade e crescer 45%.
O governo do PSD conseguiu da Comunidade, em 1990, uma quota leiteira que serviu o País durante 10 anos e à sombra da qual os governos do Partido Socialista descansaram cinco anos.
De 1990 a 1999, os agricultores portugueses, as organizações da lavoura, a indústria de lacticínios e demais agentes a montante e a jusante do sector leiteiro cumpriram a sua missão: investiram, modernizaram, melhoraram a tecnologia, aumentaram a produção, a produtividade e a qualidade e ganharam competitividade. Beneficiaram as explorações produtivas e os pequenos agricultores, ao serviço dos quais foi constituída uma rede de salas de ordenha e de recolha colectiva para viabilizar a sua actividade.
O governo socialista falhou no essencial, falhou na negociação da quota leiteira na Agenda 2000 e não aproveitou a presidência portuguesa da União Europeia para corrigir o erro, apesar de alertado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Na negociação do dossier agrícola na Agenda 2000, o Governo foi incompetente na defesa das necessidades dos produtores de leite portugueses.
Aceitou a quota já existente e um aumento genérico, como para os demais países da União Europeia, de 1,5%, a entrar em vigor em 2005, enquanto a Irlanda obteve um aumento de 2,86%, a Itália mais 6%, a Espanha mais 9,9% e a Grécia mais 11,1%, a entrar já em vigor.
O Governo não salvaguardou o aumento da quota para Portugal de modo a suprir o eventual aumento de consumo interno até 2008, não salvaguardou o aumento de quota para permitir aos produtores de leite continuarem a aumentar a produtividade e competitividade de modo a esbater a descida de preços, já que a OCM do leite e produtos lácteos em vigor prevê uma descida do preço de mais de 10% até 2008, mesmo adicionando o pagamento de prémios directos à produção, a vigorar a partir de 2005.
Não foi defendida a continuação do progresso das explorações competitivas e não foram defendidos os pequenos produtores.
A quota leiteira que o Governo português aceitou na Agenda 2000 não serviu o País nem 10 minutos, porque quando o Sr. Primeiro-Ministro assinou o acordo ela já estava a ser ultrapassada.
O Eng.º António Guterres presidiu à União Europeia de 1 de Janeiro até 30 de Julho de 2000 e também aqui, nesta como em muitas outras matérias, nada alterou a bem dos agricultores portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O prémio da presidência portuguesa da União Europeia é a multa a pagar pelos produtores de leite, de 70$ por cada litro produzido além da quota.
Continua a valer como referência a quota de 1990, que, sendo já insuficiente, deveria ter sido aumentada em 1999. Bem haja a velha quota e o governo que a conseguiu, porque os governos socialistas que se seguiram até agora nada lhe acrescentaram.
Perante a gravidade da situação o Governo não tem tido solução credível. O Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas pôs em execução o resgate de 50 000 t de leite, dirigido sobretudo aos pequenos agricultores com menos de quatro vacas, com o pagamento de 60$ por litro de leite, a atribuição prioritária aos pequenos produtores de prémios de vacas aleitantes e para os mais idosos a reforma antecipada.
Esta medida não serve como garantia de futuro às explorações competitivas e está a aniquilar os pequenos produtores que acedem ao resgate, mais obrigados pelo encerramento das salas de ordenha e de recolha colectivas em que se apoiavam do que pelas contrapartidas oferecidas, porque não são suficientes para lhes garantir a subsistência.
O Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas está sem rumo: anuncia medidas contraditórias, promete o que não tem quadro legal para execução, antecipa conflitos com a Comissão Europeia e, de concreto, não tem solução viável para os produtores de leite portugueses.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Como é uso e hábito dos governos do Eng.º António Guterres, nestas circunstâncias nomeia-se uma comissão. E ela aí está! Em 4 de Setembro, o Governo criou uma comissão para gerir e acompanhar a produção leiteira.
Isto significa que os problemas do sector leiteiro ficam sem solução, adiados sine data, preparando-se o Governo para «lavar as mãos como Pilatos».
Em 1990, com o governo do PSD, Portugal conseguiu uma quota leiteira que serviu Portugal durante 10 anos. Na Agenda 2000, o Governo do PS aceitou uma quota leiteira que não serviu Portugal nem 10 minutos.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, eu pensava que quem cá vinha discutir as quotas era o Ministro Jaime Gama!

Risos.

Afinal, parece que me enganei...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É a garantia de que nada vai mudar!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Em 13 de Julho último, realizámos, na Comissão Permanente, uma discussão sobre o tema deste debate a partir de uma declaração feita pelo PCP.
De então para cá, tem-se assistido ao espectáculo de declarações hostis do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas em relação aos agricultores que se limitaram a produzir e a aumentar a produtividade leiteira nacional. Ao que se tem assistido é a muita propaganda e publicidade da parte do Ministro, à emissão de comunicados contra as organizações de agricultores que legitimamente protestam contra a gravidade da situação a que se chegou e à tomada de medidas de represálias em relação a essas organizações, afastando-as do Grupo de Acompanhamento para a Gestão das Quotas Leiteiras.
Nesta como noutras matérias, Sr. Presidente, o Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas de Portugal tem revelado uma gritante inépcia e incompetência no processo negocial com a Comissão Europeia.
Já ninguém ouve o Ministro e quando é preciso estabelecer pontes e procurar emendar as dificuldades do Ministro, lá vai a correr, armado em pronto-socorro, o Ministro Jaime Gama, como está a acontecer com as quotas leiteiras. Foi por isso que eu disse que esperava ver aqui o Ministro Jaime Gama, pois é ele quem está a discutir as quotas leiteiras com o Franz Fischler.
Como é sabido, o Governo português definiu uma errada estratégia, defensiva, nas negociações da reforma da PAC e da Agenda 2000, opondo-se, como consta do documento que o Sr. Ministro nos entregou, a «(…) qualquer tipo de aumentos (…)», quando já era previsível que a produção leiteira nacional iria, a curto prazo, ultrapassar os direitos de produção atribuídos a Portugal e quando os restantes países produtores, pelo contrário, já pressionavam para aumentos específicos de quota.
O resultado foi desastroso! Portugal, como já foi aqui dito, teve um aumento de 1,5% na sua quota - aumento linear para todos -, com efeitos a partir da campanha 2005/2006, e a Grécia, a Espanha, a Itália e a Irlanda obtiveram aumentos, respectivamente, de 11,1%, 9,9%, 6% e 2,86%m, com efeitos a partir já da campanha iniciada em Abril deste ano.
O Ministro tentou enganar os agricultores portugueses - e, porventura, os seus próprios colegas de Governo -, procurando transformar em vitória aquilo que foi uma clara derrota dos interesses portugueses.

O Sr. Bernardino Soares (PSP): - Muito bem!

O Orador: - E, agora, o País e os produtores leiteiros nacionais aí estão a sofrer as consequências da incompetência e da «charlatanice» ministerial.
As multas aos agricultores já aí estão. Multas absurdas, quando se sabe que a nossa produção corresponde somente a 1,5% da produção total da União Europeia e a nossa produtividade média é de cerca de 6% menos, multas que o Ministro, em relação à campanha terminada em Abril passado, assumiu que o Governo iria pagar.
Muito bem, esperemos, então, pelo fim deste «filme», só explicável, obviamente, por estarmos em ano de eleições regionais nos Açores, onde os produtores leiteiros são os mais penalizados. Esperemos que o Ministro Jaime Gama convença o Comissário Fischler.
Entretanto, a distribuição de 54 000 t da reserva nacional não resolve a questão de fundo que se coloca já na próxima campanha de 2000/2001, iniciada em Abril e em relação à qual, Sr. Deputado Paulo Portas, não vale a pena estar a fazer perguntas ao Governo, porque os produtores já estão a receber circulares das entidades compradoras dizendo que, a partir da campanha iniciada em Abril deste ano, vão ter de pagar a multa e vai ficar retida uma importância equivalente a 50% do valor do leite que o produtor tem a receber mensalmente. Já estão a receber essas circulares para esta campanha!
Vai ser o desastre total, que seguramente terá pela frente o legítimo protesto e revolta de quem vive do magro rendimento mensal que recebe pela sua produção.
E não vale a pena, Sr. Ministro, desdobrar-se em explicações e críticas aos agricultores e à oposição frente às câmaras da televisão. Aliás, nesse domínio, temos assistido a actuações insólitas. Sempre que alguém da oposição ou dos agricultores crítica o Ministro, os seus assessores de imprensa - honra lhes seja feita! - correm a convocar o canal público de televisão para que o seu Ministro, em cima da hora e às vezes até antes da hora, responda aos que o criticam.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É verdade!

O Orador: - Tenho esperança, Sr. Presidente, que um dia a televisão venha ouvir a oposição sempre que o Ministro fala.
Só que nada disto responde ao absurdo da situação para que foram atirados os produtores leiteiros nacionais, 64 000 dos quais - 70% dos que existiam em 1991/1992 - tiveram de abandonar a produção na última década, passando de 94 000 para 30 000, contribuindo assim, de modo decisivo, para a desvitalização de muitas zonas rurais. Absurdo porque a PAC impede que Portugal aumente as suas produção e produtividade para os níveis médios comunitários - e esta é a questão de fundo -, absurdo porque, tendo respondido aos apelos para investirem e modernizarem as suas explorações, os agricultores são agora penalizados por terem feito exactamente isso mesmo, absurdo por estarem nas mãos de um Governo e, em particular, de um Ministro incapazes de defenderem os seus interesses e os interesses nacionais.

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Sr. Presidente e Srs. Deputados, ou se consegue reequacionar e pôr em causa esta PAC irracional ou, sem dúvida, a agricultura e os agricultores têm pela frente um futuro bem pouco risonho. Mas isso não o conseguiremos certamente com este Governo e com este Ministro!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado Lino de Carvalho, não quis interromper a sua intervenção, mas gostaria de dizer-lhe amigavelmente que a palavra «charlatanice» não faz parte do léxico parlamentar.

Vozes do PS e do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, eu não quero, naturalmente, estabelecer qualquer polémica com V. Ex.ª e este foi apenas um apontamento. Mas se deseja responder, tem a palavra.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, segui exactamente as orientações do Sr. Presidente Almeida Santos, que um certo dia disse, nesta Casa, durante um debate, que não se devia chamar mentiroso a ninguém mas que podia dizer-se que certas pessoas faltam à verdade, mentem quando falam.
Aliás, eu não chamei charlatão ao Sr. Ministro, disse apenas que as suas declarações são fruto de charlatanice, como se demonstrava. Mas, se não quiser assim, Sr. Presidente, podemos substituir essa palavra por um sinónimo, porque o que temos pela frente é de facto propaganda, publicidade, engano dos agricultores e da opinião pública nacional.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Independentemente da bondade, ainda que aparente, das intenções do partido que propôs o agendamento deste debate, não podemos esquecer que este assunto das quotas leiteiras foi objecto de debate ainda não há muito tempo nesta Câmara, através de duas intervenções, uma minha e outra de um Deputado de um outro grupo parlamentar, enquanto o Sr. Deputado Paulo Portas se preparava para ir aos Açores tentar incendiar os agricultores e os produtores de leite daquela região autónoma.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Já estavam em fogo!

O Orador: - E o que é que pode constituir objecto de debate? Exactamente isto: Portugal viveu, pela primeira vez, na campanha de 1999/2000 uma situação de produção de leite além da quota que lhe foi atribuída na União Europeia. Produziram-se mais 63 000 t.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Óptimo!

O Orador: - O Sr. Deputado Paulo Portas considera, porventura, que isso é negativo para Portugal.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Não, não! Pelo contrário!

O Orador: - É importante ter presente que esta situação se verifica pela primeira vez, não só para não haver demagogia mas também para que se possa avaliar as intervenções do Governo levadas a cabo para solucionar os problemas decorrentes desta situação.
Hoje, há aqui Srs. Deputados que criticam o Governo por este se ter visto confrontado com o facto de produzirmos a mais…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Por produzirmos a mais? Nunca de mim o ouviu!…

O Orador: - … e há Srs. Deputados que o criticaram, há tempos, por não produzirmos a quota que a União Europeia nos atribuiu.
Relativamente ao sistema de quotas no sector do leite, julgo que há consonância quanto às suas vantagens no caso português. E era bom que, hoje, se dissesse também aqui se todos somos, ou não, a favor de quotas no sector do leite.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Do aumento de quotas!

O Orador: - Como estamos convencidos que isso é bom para Portugal, o Governo opôs-se, no ano passado, à tentativa de abolição do regime, em Bruxelas. Se essa opção tivesse obtido vencimento, os efeitos, devastadores a nível dos preços, teriam sido graves para Portugal.
Mas quando se perspectivou a situação que se vive hoje, o Governo não se limitou a ver correr as coisas, Sr. Deputado Paulo Portas. Desencadeou um conjunto de acções de sensibilização dos produtores, dos compradores e das associações respectivas, alertando-os para o problema e para a necessidade de ajustamento das quotas individuais às respectivas produções, tendo feito algo semelhante junto das autoridades dos Açores.
Além disso, o Governo aprovou um resgate, tendo procedido, em sequência, a uma distribuição gratuita de 54 000 t adquiridas aos produtores. Foram também atribuídos direitos de vacas aleitantes aos produtores que abandonaram a produção e procedeu-se à distribuição de 30 000 t existentes na reserva nacional, privilegiando os produtores que estavam a exceder a quota individual.
Mas, mais: foi ainda decidido proceder à retirada compulsiva das quotas, na campanha seguinte, aos produtores que não as tivessem utilizado na campanha anterior em pelo menos 70%, fazendo a sua redistribuição gratuita pelos que estivessem a produzir acima da quota.
Foi ainda criada uma página na Internet, uma espécie de «bolsa de quotas», para facilitar o contacto entre compradores e vendedores. É que, na prática, nós estamos na modernização.
Além destas medidas de âmbito nacional, fez-se também uma intervenção em Bruxelas, solicitando o aumen

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to da quota com destino aos Açores, tendo em conta a sua realidade de região ultraperiférica.
Como vêem, Srs. Deputados, tomaram-se medidas a nível interno, porque há uma política agrícola nacional, e desencadearam-se mecanismos negociais em Bruxelas, porque não escamoteamos que a nossa realidade é a de integração num espaço mais vasto, onde existe uma política agrícola comum.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Este debate permite-nos analisar uma realidade, a ultrapassagem, pela primeira vez, da quota de produção de leite atribuída a Portugal, mas permite-nos também avaliar as medidas tomadas pelo Governo para resolver ou atenuar o problema e, convenhamos, tais medidas levam-nos, numa análise serena e objectiva, a concluir por uma avaliação positiva.
Não deixarei, no entanto, de referir que a existência de quotas poderá contribuir para um efectivo desenvolvimento rural, caso se tornem instrumento de discriminação positiva. Também por isso, a defesa pelo Governo, no quadro negocial comunitário, da manutenção deste sistema, no caso vertente relativamente à produção de leite, afigura-se-me positiva e perfeitamente enquadrada nos compromissos que decorrem dos programas eleitoral e de Governo, sufragado em eleições ou aprovado nesta Assembleia. Efectivamente, o regime de quotas, como factor regulador, pode potenciar decisões de discriminação positiva em beneficio de zonas desfavorecidas, constituindo, assim, instrumento de desenvolvimento do mundo rural. É que as quotas e as garantias de preços mínimos asseguram - podem assegurar - a actividade produtiva em zonas débeis ou desfavorecidas.
Agiu em conformidade com este espírito o Governo quando decidiu atribuir 50% das quotas resgatadas às regiões agrárias onde se verificou esse resgate, mas agiu também correctamente o Governo quando decidiu atribuir metade das 54 000 t à Região Autónoma dos Açores. Tal decisão vem também ao encontro da exigência, junto da Comissão, de um tratamento especial para Açores como região ultraperiférica.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Paulo Portas, o Governo, que tem um Ministério da Agricultura, tem uma política agrícola nacional, sabe definir a suas metas, tem sabido negociar,…

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - … tem sabido gerir e tem sabido criar condições de forma a que,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Então, também sabe pagar!

O Orador: - …também na agricultura, Portugal se possa equiparar a outros países europeus.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - O Sr. Deputado Paulo Portas pede a palavra para que efeito?

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado do Partido Socialista acusou-me de, em nome do CDS-PP, ter ido incendiar o povo agrícola dos Açores. Como incendiar, seguindo a lógica dos dicionários, deve querer insinuar…

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Mas para que efeito é que quer a palavra, Sr. Deputado Paulo Portas?

O Sr Paulo Portas (CDS-PP): - Para defender a honra da minha bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Considera que a palavra incendiar ofende a sua honra?

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, com o sentido que o Sr. Deputado António Martinho usou, com certeza que sim.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Pelo ruído que ouço na Sala, parece que, efectivamente, era esse o sentido.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

Risos do CDS-PP.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Martinho, queria dizer-lhe que V. Ex.ª está a ficar parecido com as pessoas que são incapazes de ouvir os argumentos dos outros.
Cumpri o meu dever quando, tendo ouvido, em particular, as queixas dos produtores de leite na Terceira e em São Jorge, me comprometi a colocar o problema deles na sede da soberania, que é aqui.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado António Martinho, que vários produtores de São Jorge e da Terceira me disseram - e não lhe digo em que estado - que tinham deixado de ordenhar as vacas porque tinham medo de pagar a multa do ano passado, visto que não acreditavam na palavra do Governo, e de a voltar a pagar este ano, visto que já estavam a produzir tanto como no ano passado.
É isso que está aqui em causa, Sr. Deputado, não é uma querela entre a oposição e o Governo.
Depois, o Sr. Deputado trouxe um discurso escrito, em que julgou pensar o que eu pensava, mas enganou-se. Eu defendo o aumento da produção, considero que é bom que se produza mais e que quem produz mais tem de ser compensado, não pode ser multado nem castigado. Portanto, não tente poluir o debate com intenções não confirmadas.
Sr. Deputado, eu disse aqui, abertamente, que ainda bem que produzimos mais, que era bom que isso acontecesse em todos os sectores e que o Governo português tem obrigação de defender quem produziu mais em vez de consentir, de uma forma ou de outra, que esse aumento da produção - que foi, aliás, incentivado, destacado, solicitado e para o qual existiram fundos - venha a ser objecto de uma multa.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

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O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra, para dar explicações, se quiser, o Sr. Deputado António Martinho.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, vou usar essa prerrogativa para, mais uma vez, afirmar que estou de consciência tranquila no que se refere a ofender a honra do Sr. Deputado Paulo Portas,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Da bancada!

O Orador: - … ou da bancada, e que, relativamente ao compromisso que o Sr. Deputado Paulo Portas assumiu de dar voz às preocupações dos produtores de leite, em frase alguma minha se pode admitir que isso foi posto em causa.
Sr. Deputado, estamos perante um problema nacional,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Com certeza!

O Orador: - … que o Governo da República tentou resolver encontrando soluções internamente e nas instâncias comunitárias.
Não podemos vir para um debate destes com frases feitas,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Frases feitas?!

O Orador: - … frases bombásticas, frases que pretendem, apenas, objectivos mediáticos.
Sr. Deputado Paulo Portas, o debate tem de ter conteúdo. A minha intervenção tem conteúdo; as outras, porventura, têm-no também, na sua perspectiva, mas o Sr. Deputado teve apenas a preocupação de se virar para as objectivas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O que eu disse em 13 de Julho, volto a repeti-lo e lamento ter de constatar, mais uma vez, isso mesmo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Estão a ficar como a União Nacional! Só vos falta chamar-nos subversivos!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, depois de «objectivas» e «objectivos», tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A discussão que hoje a Assembleia da República, uma vez mais, está a fazer é, seguramente, sobre uma questão extremamente importante e extremamente sentida numa parte significativa do País, é, naturalmente, uma questão que atinge, condiciona e preocupa, de forma acrescida, os cidadãos das regiões em que a produção leiteira é vital para a economia.
Este é um problema que, como é natural, não pode deixar de ser abordado, evidenciando aquilo que julgo que até agora ninguém deixou de conseguir sublinhar: a irresponsabilidade e a incompetência do Governo em gerir esta questão, que não pode ser desligada do quadro mais amplo da falta de capacidade do Governo português em negociar uma política agrícola comum menos penalizadora para Portugal do que a que nos atinge, de forma particularmente grave. Este é um dossier que evidencia uma irresponsabilidade política do Governo e uma falta de visão prospectiva perante um problema de que agora se fala mais mas que, naturalmente, não é novo, porque desde a década de 90 que o IFADAP tomou medidas, definiu objectivos e financiou, anualmente - porque é disso que se trata -, o aumento da produção leiteira no nosso país.
Assim, sendo esse aumento previsível, pelas melhorias significativas introduzidas, e sendo ele, do ponto de vista de Os Verdes, importante, visto que é também o aumento do rendimento para uma parte significativa da população portuguesa, não se entende por que é que não se esperava que ele se viesse a traduzir na situação que hoje temos de pretensa ultrapassagem de uma quota que nos foi atribuída.
Ora, se são conhecidas as causas e as intenções da Comissão Europeia de penalizar os produtores nacionais, que mais não fizeram do que corresponder ao apelo de investimento que, durante anos, lhes foi feito, a pergunta que se coloca é: porquê o desaire total do Governo do Partido Socialista e, particularmente, do Ministro da Agricultura ao lidar com este dossier?
As contradições, ao longo deste processo, são múltiplas, somam-se e evidenciam a enorme confusão, demagogia e falta de rigor com que o Governo lidou com este dossier.
Em primeiro lugar, quando o problema foi constatado e publicamente denunciado, o Governo tentou contrariá-lo, fugindo-lhe e negando-o, o que é, aliás, uma atitude típica do Governo do Partido Socialista; depois, alegou que havia uma quota nacional suficiente, e, por fim, voltou, de novo, perante a evidência da insustentabilidade de lidar com o dossier, a assustar com as penalizações.
A questão que se coloca e a estranheza que, naturalmente, surge quanto a este dossier é como é que Portugal nem foi capaz de utilizar a presidência portuguesa para fazer sair da reunião das Furnas algo de positivo no sentido de resolver o problema, cuja responsabilidade exclusiva é do Governo e cujos resultados, hoje vividos por uma parte significativa da população e que são preocupantes, eram esperados.
No entanto, há uma questão concreta que gostaria de colocar ao Sr. Ministro da Agricultura, desde já. Considerando que o desaire do Governo, nesta matéria, é evidente e que a responsabilidade pelo pagamento das multas cabe, a nosso ver, exclusivamente ao poder político e às entidades por si tuteladas, que, durante anos, promoveram este aumento de produção, gostaria de saber porque é que Portugal ainda não fez uso do que está previsto no n.º 2 do artigo 269.º do Tratado da União Europeia, no que toca ao estatuto da ultraperiferia, para evocar - e bem, como é de direito - que a produção leiteira e a produção de carne são vitais para a economia, designadamente da Região Autónoma dos Açores? É essa inoperância, incapacidade e falta de resposta que, hoje, aqui e agora, gostaríamos que o Governo, de forma clara, permitisse identificar.

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A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Mas o Governo já o fez!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Agricultura, Sr.as e Srs. Deputados: Não restam dúvidas de que os produtores foram enganados pelo Governo. Creio que poderemos começar o debate a partir daqui, porque disso não se livrará o Governo do Partido Socialista.
Também não colherá muito tentarmos aqui fazer o inventário das recriminações mútuas entre o Partido Socialista e o Partido Social Democrata, porque foram ambos responsáveis pelos principais instrumentos de negociação da política agrícola no âmbito da União Europeia.

O Sr. Fernando Penha Pereira (PSD):- 10 anos de quota!

O Orador: - Provavelmente, este debate convoca-nos para uma reflexão sobre a União Europeia, os evidentes mal-estares que vamos tendo aqui e além e em várias áreas. Curiosamente, o que menos servirá o debate será discutir se o PSD foi o aluno bem comportado ou se o PS é o partido que marca golos no último minuto.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Na própria baliza!

O Orador: - Isso não nos traz para a realidade dos problemas nem para as soluções que são necessárias.
Curiosamente, neste debate emergiu a posição do Partido Socialista, verdadeiro calcanhar de Aquiles e que muito vai prejudicar o Sr. Ministro da Agricultura na intervenção que vai proferir a seguir. É que foi notório e evidente, pela boca dos dois Deputados do Partido Socialista que falaram, que se preocuparam muito pouco com o leite e muitíssimo com as eleições dos Açores.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Essa, também, é outra evidência deste debate, até ao momento.
E fizeram mal, porque, realmente, acerca dos Açores, há não apenas a situação de uma penalização dos produtores mas também a questão - que gostava de dirigir, desde logo, ao Sr. Ministro - de saber se o Governo da República quer ou não discutir com os órgãos de governo da Região Autónoma dos Açores não só as dificuldades conjunturais acerca da produção do leite mas, sobretudo, a diversificação da base industrial e da base agrícola.
É que temos para nós que o modelo de crescimento da Região Autónoma dos Açores, sustentado na monocultura da vaca, tem os seus dias contados. E, como tal, haverá que abrir incentivos à diversificação agrícola e agro-industrial porque, para além dos efeitos nefastos do ponto de vista ambiental que já se verificam devido ao uso intensivo desse modelo de crescimento, como se vê, estamos numa espécie de «tecto económico» nos Açores. Não valerá de muito reclamar quotas sobre quotas, mais além, para os Açores, se não se diversificar a base produtiva dos Açores. E esse seria um debate bem mais importante e bem mais interessante do que a barganha da quota, já que a impunidade da multa aí está.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Tem havido esse debate nos Açores!

O Orador: - E isso preocupa-me, também, de sobremaneira, porque o Governo decide chamar a si as penalizações, decide chamar a si as multas, mas, pergunto: será que isso vai ser uma política recorrente? Se for, é inaceitável que seja um mero acto de gestão do Governo, tem de estar em lei, tem de estar num debate neste Parlamento. E daí poderemos tirar analogias para uma série de outras transferências do Orçamento do Estado e para as quais o Bloco de Esquerda não passa qualquer «cheque em branco». Creio mesmo que esta Câmara também não o deverá fazer.
A pergunta suscitada é legítima e é reforçada ainda mais pelas intervenções dos Deputados do Partido Socialista: será que se não houvesse eleições o Governo chamaria a si o pagamento das multas? Será que para o próximo ano acontecerá o mesmo? Que política? Que Europa? Que alternativas?

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma última intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Ponte.

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A questão das quotas leiteiras, sendo de indiscutível importância nacional, assume especial relevância na Região Autónoma dos Açores. Com efeito, a agro-pecuária ocupa, nos Açores, 18% da população activa, representa 50% da actividade económica regional e é responsável por cerca de 30% da produção nacional de leite. É o que desde sempre sabemos fazer, é o que temos melhores condições naturais para fazer e é onde, verdadeiramente, podemos aumentar a nossa riqueza.
Em 1996, em vésperas de eleições regionais, o Sr. Ministro da Agricultura, então Secretário de Estado, foi aos Açores dizer que muito se admirava de o problema da quota leiteira não estar ainda resolvido, dado que se tratava de uma decisão administrativa que tomaria de imediato, mal regressasse a Lisboa.
Passaram 1996, 1997 e 1998 sem que nada acontecesse e, em Fevereiro de 1998, de novo nos Açores para visitar explorações agrícolas, o Sr. Ministro da Agricultura, ainda Secretário de Estado, reafirma que vai proceder ao «alargamento da quota à região» - são palavras suas que a comunicação social da altura veiculou.
Mais uma vez, passaram 1998 e 1999 e nada voltou a acontecer, a não ser, já neste ano de 2000, a transferência de 12 500 t, que nada resolvem em relação às 72 000 t que os produtores açorianos ultrapassaram relativamente à quota, na campanha de 1999/2000.
As negociações da Agenda 2000 terminaram em Maio de 1999 e as taxas de crescimento anual da produção de leite nos Açores foram de 8% a 10%, de onde

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facilmente se percebia a necessidade de um aumento substancial da quota leiteira, visto que estava a ser negociado um novo regime até à campanha leiteira de 2007/2008.
Ao contrário do que seria de esperar, Portugal não apresentou qualquer pedido de aumento da quota durante o período negocial, alegando que havia quota disponível na reserva nacional.
O Governo Regional dos Açores acompanhou as negociações através do Secretário Regional da Agricultura, que, em Abril de 1999, num colóquio com agricultores, técnicos e organizações do sector, realizado nos Açores, afirmou: «produzam mais que o problema não está na quota».
Surge, então, a promessa de que a resolução do problema ocorreria durante a presidência portuguesa da União Europeia e o Ministro Jaime Gama, durante a cimeira informal de ministros, realizada em São Miguel, informa que será encontrada uma solução para o assunto, ao abrigo da ultraperiferia. De engano em engano, de promessa em promessa, a verdade é que a presidência portuguesa da União Europeia terminou e a discussão do dossier das medidas específicas para as regiões ultraperiféricas transitou, agora, para a presidência francesa.
Assim, chegamos à dura realidade com que nos vemos confrontados de, incentivados pelos governos, termos produzido 72 000 t acima da quota, o que significa dizer «5 milhões de contos de multas para pagar». Os lavradores não podem pagar e seria injusto que o fizessem. A responsabilidade é claramente dos governos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Governo toma a espantosa posição de dizer, num Estado de direito democrático como aquele em que vivemos, que não cumpre as normas nem os regulamentos que também aprovou e que se vai substituir aos agricultores, pagando as multas da campanha de 1999/2000. E por aqui se fica, até às eleições.
Convém, todavia, saber, antes das eleições regionais, pelo menos alguns aspectos.
Está o Sr. Ministro da Agricultura disposto a ir aos Açores, antes das eleições, à semelhança do que fez em 1996, dizer agora aos lavradores e à população dos Açores que futuro reserva para este sector?
Vai ou não haver aumento de quota? Quando? As 503 000 t da campanha de 1999/2000 passarão a constituir, de futuro, a quota dos Açores? Os investimentos que se fizeram em infra-estruturas (água, luz e caminhos), no melhoramento dos rebanhos, da pastagem e do maneio, em modernas unidades de transformação, utilizando fundos comunitários e dinheiros da região e do País, que proporcionam um considerável potencial de crescimento do sector, ao ponto de um dirigente associativo ter afirmado recentemente que facilmente se atingirão as 700 000 t/ano, são para deitar para o lixo ou vai haver quota para esta produção?
Como vai o Governo pagar as multas da campanha de 1999/2000, dada a posição já publicamente assumida pela Comissão Europeia?

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, já esgotou o seu tempo. Agradeço-lhe que termine.

O Orador: - Sr. Presidente, peço-lhe que me dê mais uns segundos, pois estou mesmo a terminar.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Está bem, dou-lhe mais uns segundos.

O Orador: - Peço-lhe que compreenda a minha ultraperificidade e a importância que este assunto tem para a minha região.

Aplausos do PSD.

No caso de persistirem as multas, quem as vai pagar até à campanha leiteira de 2007/2008, data em que termina o acordo em vigor?
Será que o facto de os Açores terem cerca de 30% da produção nacional de leite condiciona a decisão deste Governo em atribuir-nos a quota de que necessitamos para viabilizarmos as nossas explorações, as indústrias transformadores e melhorarmos a nossa economia?
O assunto é sério e não se compadece com mais…

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, peço-lhe que resuma.

O Orador: - É só mais um segundo, Sr. Presidente.
Como dizia, o assunto é sério e não se compadece com mais adiamentos, mais enganos, mais incompetência e mais silêncio. Exige, por isso, resposta pronta e verdadeira para que a gente daquelas ilhas saiba com que futuro pode contar.
Espero, e esperam os açorianos, que o Governo responda no mais curto espaço de tempo possível e que, sobretudo, não nos engane mais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Barata, dispondo de 2,39 minutos…

A Sr.ª Isabel Barata (PS): - Sr. Presidente, deve haver engano!

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, gostaria de pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado Joaquim Ponte. É possível?

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Certamente, Sr. Deputado, desde que não exceda o tempo disponível para o seu partido e, ainda assim, terá de ceder metade ao Sr. Deputado para que ele possa responder-lhe.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Cedo-lhe 30 segundos, Sr. Presidente.
Sr. Deputado, a pergunta é muito simples…

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Mas, Sr. Deputado, não haverá mais intervenções da sua bancada?

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Há a intervenção da Sr.ª Deputada Isabel Barata.

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O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Então, fica esgotado o tempo. É que Sr.ª Deputada apenas dispõe de 2 minutos para fazer a intervenção e se V. Ex.ª gasta tempo a fazer o seu pedido de esclarecimento e ainda pretende ceder algum ao Sr. Deputado Joaquim Ponte…

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, a minha pergunta é muito rápida!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Então, faça favor.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Muito obrigado.
Sr. Deputado Joaquim Ponte, a pergunta é a seguinte: é ou não verdade que, no tempo em que o PSD era governo regional, presidido pelo Dr. Mota Amaral, aceitou restringir para 392 000 t as quotas leiteiras para os Açores, nos anos 90?
Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Ponte, dispondo de 30 segundos.

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, os governos regionais do PSD negociaram uma quota de 400 000 t, como sabe, que não só foi suficiente durante 10 anos como o tem sido até agora. Na altura, essa quota que foi negociada e acordada correspondia ao dobro da produção dos Açores naquela época. Havia, pois, uma folga muito grande a ser preenchida.

Aplausos do PSD.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - É o que se chama falta de previsão!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr.ª Deputada Isabel Barata, agora, sim, vou dar-lhe a palavra para uma intervenção, mas pergunto-lhe se consegue fazê-la em 1,12 minutos.

A Sr.ª Isabel Barata (PS): - Perfeitamente, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando o Executivo socialista chegou ao poder, nos Açores estava esgotada a quota leiteira negociada para aquela região autónoma que não tinha acesso à reserva nacional. Ora, nessa matéria, tem havido uma grande solidariedade por parte do Governo central, que, na campanha de 1997/1998, atribuiu aos Açores mais 11 000 t, retiradas da reserva leiteira nacional; na campanha de 1999/2000, mais 22 500 t e, agora, para a próxima campanha, vai atribuir mais 25 000 t Acresce que o Executivo da República tomou a posição de que os Açores não serão penalizados em relação à campanha de 1999/2000.
Assim, atendendo a tudo isso, na sequência do que tenho estado a dizer - esta é uma pergunta que coloco ao Sr. Ministro -, e, ainda, a que o dossier das quotas leiteiras está a ser negociado à margem da política agrícola comum, sendo, aliás, a região dos Açores a única, de entre as dos Quinze, relativamente à qual isso se verifica, existindo várias hipóteses sobre a mesa para a resolução deste problema, gostaria de saber qual é exactamente o ponto da situação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.

O Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas (Capoulas Santos): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero começar por agradecer ao Dr. Paulo Portas, pessoa por quem tenho muito apreço, a iniciativa deste debate e por felicitá-lo, bem como ao Sr. Deputado Lino de Carvalho e à Sr.ª Deputada Isabel Castro, que se destacaram de uma forma clara no plano da demagogia. Quero felicitá-los pelo facto de a demagogia política não estar sujeita a um regime de quotas. É que se assim não fosse, Srs. Deputados, estariam a sofrer mesadas multas neste momento.

Aplausos do PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Está a ver-se ao espelho!

O Orador: - Em particular, quero agradecer ao Dr. Paulo Portas o elogio que fez à política agrícola nacional quando disse que, há poucos anos, havia 90 000 produtores e que, agora, apenas há 30 000 que produzem mais 70%. Ou seja, reduzimos o número de produtores para três vezes menos e aumentámos a produção em 70%.
Uma vaca leiteira portuguesa produzia 3000 kg de leite por ano; quando o Partido Socialista chegou ao governo,…

Risos.

… uma vaca leiteira portuguesa produz agora 5,1 t de leite!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Graças ao PS!

O Orador: - Há cinco anos atrás, a média comunitária era de 5,1 t e, agora, é de 5,5 t. Ou seja, os produtores portugueses do sector do leite, em consonância com a política agrícola nacional,…

Risos.

… fizeram um esforço gigantesco de modernização, como aconteceu também no sector do vinho e, igualmente, no do azeite, no da fruticultura, no da horticultura e no da pecuária extensiva. É porque, hoje, existe uma política agrícola nacional no contexto da política agrícola comum.

O Sr. António Martinho (PS): - Muito bem!

O Orador: - Queria ainda dizer ao Sr. Deputado Lino de Carvalho, que sempre é de uma extrema agressividade e de uma tremenda falta de educação quando se me dirige,…

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Vozes do PSD: - Eh!

O Orador: - … que o desculpo, porque sei que o Sr. Deputado jamais perdoará o facto de eu próprio, tal como ele, cabeça de lista pelo distrito de Évora mas em oposição, ter reduzido o Partido Comunista à ínfima expressão, tendo-lhe retirado um Deputado. O Sr. Deputado Lino de Carvalho levará para a cova esta suprema amargura!

Risos do PS e do PCP.

Vamos ao que interessa.
Gostaria de questionar os Srs. Deputados dos partidos da oposição, pois estou extremamente curioso em saber como é que o PP num 1 minuto, o PCP em 1,24 minutos, Os Verdes em 38 segundos e o Bloco de Esquerda em 0 segundos, vão explicar qual é a respectiva proposta de solução para o problema. É que usaram todo o tempo de que dispunham para dizerem mal do Governo, dos produtores, do sector leiteiro, mas não apresentaram uma única solução para o problema e, portanto, vão dar-me oportunidade de eu próprio explicitar qual é a solução do Governo e, depois, naquele tempo que vos resta, ouvirei as vossas propostas que, para poderem ser ditas em tão pouco tempo, certamente serão bastante piores do que as do Governo. Mas não vos perdoarei nem deixarei de exigir-vos tal esclarecimento.
Qual é o problema? O problema é o de que, pela primeira vez, Portugal ultrapassou a respectiva quota leiteira, sendo, até agora, o único Estado membro que o não tinha feito, e isto num ano em que 12 Estados membros a ultrapassaram, em que, por exemplo, a Alemanha vai pagar quase 13 milhões de contos de multa, em que a Espanha vai pagar mais de 6 milhões e em que apenas dois ou três países não atingiram a respectiva quota durante esta campanha.
Os Srs. Deputados vão ter de dizer se são ou não a favor de um regime de quotas.

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - É que se disserem que são a favor de um tal regime e que querem discutir quotas leiteiras na União Europeia, em OCM de leite, eu responsabilizá-los-ei desde já pela destruição do sector em Portugal e pela redução dos preços que, inevitavelmente, ocorrerá.
É muito importante que diga aos produtores se querem negociar leite em Bruxelas, se querem uma nova negociação, sabendo, antecipadamente - e não acredito que não saibam, seria extremamente grave que não soubessem! -, que, neste momento, uma discussão sobre o leite acabará, inevitavelmente, com o regime de quotas. É que o regime de quotas esteve preso por um fio aquando da discussão da Agenda 2000 e foi devido à minha própria intervenção e dos meus homólogos francês e irlandês que se conseguiu manter este regime até 2007, tendo havido contrapartidas para que tal se verificasse.
Como todos sabem, só faz sentido existir um regime de quotas para limitar a produção, para manter os preços elevados. Se se acaba com o regime de quotas ou se se aumentam quotas para todos, o resultado inevitável será o aumento da produção. Ora, numa União Europeia sem fronteiras, tal equivalerá à invasão do mercado português e a uma descida brutal e drástica nos preços do leite.
Portanto, o Sr. Deputado Paulo Portas deveria ter a coragem de dizer aqui, hoje, se quer uma nova negociação sobre o leite e os Srs. Deputados da oposição devem dizer exactamente o mesmo.
É muito estranho que, agora, o Sr. Deputado Paulo Portas seja de opinião que deveria ter-se pedido um aumento de quotas durante a negociação da Agenda 2000, como se para o único Estado membro que as não preenchia fosse fácil pedir para si próprio aumentos de quotas superiores às dos outros que as ultrapassavam há muito!
Aliás, naquela altura, eu próprio reuni com todas as bancadas parlamentares, mas nem o Sr. Deputado do PP, nem o PSD - que nem sequer compareceu nessa reunião -, nem o PCP, que esteve presente, contestaram a estratégia do Governo e todos reafirmaram a necessidade de não mexer na quota leiteira porque tinham consciência deste problema.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Falso!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Só vocês é que têm a informação!

O Orador: - Só nós é que temos informação?! Sr. Deputado, refere-se ao regime de quotas, que está estabelecido desde 1992, em que cada produtor sabe desde essa altura qual é a quota a que tem direito?!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - A dele!

O Orador: - A dele?! Então, e se ele cumprir a quota a que tem direito sujeita-se a alguma multa?
Sr. Deputado, se um produtor não ultrapassar a sua quota individual tem multa?
Diga, Sr. Deputado! Autorizo-o a interromper-me!

Protestos do Deputado do CDS-PP Paulo Portas.

O senhor sabe perfeitamente - se não sabe é gravíssimo! - que as quotas estão atribuídas individualmente, que cada produtor conhece, desde 1992, qual é quota a que tem direito e, portanto, se a ultrapassar, sabe quais são as regras do jogo.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Então, qual é a regra do jogo? É pagar?!

O Orador: - Srs. Deputados, qual foi a estratégia do Governo português? Este é que é o problema!
A estratégia do Governo português foi a de não negociar a quota em sede de discussão agrícola. É por isso que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama, interveio neste processo - e mais uma vez, o Sr. Deputado Lino de Carvalho revelou uma tremenda ignorância porque não sabe que as ultraperiferias são do pelouro do Presidente Prodi e não do pelouro do Comissário Fischler. Ora, não sendo eu próprio Ministro dos Negócios Estrangeiros, é óbvio que quem trata de matérias relativas às ultraperiferias é aquele Ministro, o que, aliás, revela

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a interligação existente no seio do Governo na busca de uma solução.
Portanto, propusemos, pura e simplesmente, que se aplicasse a Portugal o mesmo princípio que a União Europeia já aceitou aplicar a França, ou seja, o leite produzido nos territórios ultramarinos franceses, os DOM, não conta para a quota francesa.
Assim, no que toca a Portugal, pretendemos que o leite produzido nos Açores, até ao limite do seu auto-abastecimento, de 74 000 t, não seja incluído na quota portuguesa. Se assim for, como apenas ultrapassámos a quota em 63 000 t, não haverá qualquer penalização para os produtores portugueses.
É esta a estratégia do Governo, que tem vindo a ser seguida com muita intensidade. Ainda ontem houve uma reunião, no gabinete de Prodi, que se revelou muito conclusiva e penso que há uma solução para o problema açoreano.
Perguntam os Srs. Deputados: «E se esta solução falhar?», ao que responderei «E se houver um terramoto e a Assembleia se desmoronar no minuto seguinte? O mundo certamente não acabará!»

Protestos do PSD.

Se, porventura, for necessário recorrer a uma ajuda de Estado, por que não fazê-lo? A Itália tem, desde 1991, um processo de excesso de quota com os consequentes milhões de contos de multa para pagar!
Se for necessário, invoca-se uma ajuda de Estado, em sede do Conselho ou da própria Comissão, tendo em conta a situação excepcional de Portugal, este ano, uma vez que, embora sabendo que estavam sujeitos a um regime de quotas, de limites de produção, os produtores podem ter tido algum descuido - admito-o! -, pois, até agora, nunca tinha havido uma situação deste tipo. Assim sendo, por que não recorrer, em sede do Conselho, à autorização para uma compatível ajuda de Estado? Aliás, verificou-se uma situação semelhante durante a presidência portuguesa relativamente aos produtores de açúcar de Itália, processo que eu próprio intermediei e que livrou a Itália do pagamento de uma multa.
Há muitas soluções! Uma coisa é certa, Srs. Deputados: os produtores portugueses, na campanha de 1999/2000, não pagarão multas. O problema solucionar-se-á certamente, de acordo com a estratégia que o Governo definiu e, no futuro, obviamente, teremos de acomodar-nos…

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Ministro, não posso ceder-lhe mais tempo.

O Orador: - Sr. Presidente, solicito-lhe uma benevolência idêntica à que concedeu ao Sr. Deputado do PSD…

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - V. Ex.ª já contou os tempos de que dispõem as oposições e, por isso, não é possível!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Para defesa da honra da bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Qual é a ofensa?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, a ofensa do Sr. Ministro foi clara para toda a bancada, ao acusá-la de demagogia e ao dizer que é por causa dele ter não sei quantos votos em Évora que o debate está a correr nestes termos... Enfim, tudo isso é falso.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Mas o facto de o Sr. Ministro ter falado em demagogia e de ter votos representa alguma ofensa, Sr. Deputado?

Risos.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não, Sr. Presidente. Mas o que foi dito merece uma reacção por parte da nossa bancada!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - O Sr. Deputado, ao menos, podia invocar a expressão «cova», porque o facto de o Sr. Ministro dizer que teve mais votos do que o Sr. Deputado não é uma ofensa em democracia!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas é o Sr. Presidente que agora define o que é ou não ofensa?!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sim, Sr. Deputado, o Regimento dá-me poderes para o fazer. Se V. Ex.ª alega que a ofensa do Sr. Ministro se prende com o facto de este ter afirmado que teve mais votos nas eleições do que o Sr. Deputado, não posso dar-lhe a palavra! E a Câmara compreende que assim seja.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro acusou a bancada do PCP, e a mim próprio, de demagogia, de falsidade e estar a mentir! Isso é ofensa da honra.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado Lino de Carvalho, o Sr. Ministro acusou-o de má educação, por isso dou-lhe a palavra. Não é por causa do número de votos!
Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas já nos habituou a este tipo de debates, ou seja, quando não dispõe de argumentos substanciais para responder às críticas da oposição, entra na ofensa gratuita - a cassette - e tenta desviar os problemas do debate fundamental. Aliás, a reacção intempestiva do Sr. Ministro é a melhor confirmação da incapacidade do próprio e do Governo para resolver os problemas da agricultura nacional e dos produtores leiteiros.

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Primeiro, Sr. Presidente, é falso que o PCP nunca se tenha oposto a esta estratégia do Governo para a PAC - dispomos, aliás, de variadíssimos documentos sobre essa matéria, em conferência de imprensa.
Segundo, o Sr. Ministro disse que ia apresentar soluções, mas não apresentou nenhuma, nem respondeu à seguinte questão central: por que razão, na discussão da reforma da PAC e da Agenda 2000, Portugal foi o único país produtor de leite que saiu sem aumento de quotas, quando todos os países produtores de leite da bacia Mediterrânica tiveram aumentos entre 6% e 11%?

Protestos do PS.

Por último, Sr. Presidente, é falso que o Sr. Ministro Jaime Gama apenas discuta a questão das quotas com o Comissário Prodi por se tratar de um problema de ultraperiferia. Com efeito, em 11 de Julho, o Sr. Ministro Jaime Gama reuniu com o Comissário Europeu da Agricultura, substituindo o Ministro português, para procurar harmonizar as multas que estavam a ser decididas para os produtores açoreanos.

Vozes do PCP e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.

O Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas: - Sr. Presidente, faço-o com muita satisfação, mas não posso esconder a minha estupefacção - apesar de ter passado alguns anos nesta Câmara - pelo facto de, pela primeira vez, ver aquele que ofende transformar-se em ofendido.
O Sr. Deputado Lino de Carvalho produziu uma série de declarações inqualificáveis e insistiu nelas, mas eu reinsisto na minha: o Dr. Jaime Gama reuniu com o Comissário Fischler e também eu já reuni com o Presidente Prodi!
O Governo está empenhado em concretizar a estratégia que delineou para o problema e eu gostava agora de saber qual é a estratégia do Sr. Deputado, qual é a solução que preconiza.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A solução, repito, é negociar a OCM do leite? É provocar a liberalização do mercado, o abaixamento dos preços e a destruição do sector em Portugal? Até agora, quanto à solução do problema, o Sr. Deputado disse nada!
Por fim, Sr. Deputado, contra factos não há argumentos. Compreendo a sua profunda amargura mas tenho sinceras esperanças de que, da próxima vez, os resultados do PCP em Évora sejam piores.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - O Sr. Deputado Lino de Carvalho inscreveu-se para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro, mas como o Governo já não dispõe de tempo para responder, o PS concede-lhe os 47 segundos que lhe restam.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, depois de ouvir o Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas falar dos litros de leite que davam as vacas portuguesas antes de o Partido Socialista ir para o Governo, só me compete dizer: valham-nos as vacas leiteiras socialistas, Sr. Presidente!

Risos.

A nossa proposta é conhecida, Sr. Ministro: é preciso rediscutir com a Comissão Europeia a quantidade máxima garantida que está atribuída a Portugal.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Com certeza!

O Orador: - Essa é a questão central, questão que o Sr. Ministro não discutiu na Agenda 2000 e que agora o Governo se recusa a discutir, recorrendo a «remendos» que não vão resolver os problemas estruturantes da agricultura portuguesa e da produção leiteira nacional. Porque enquanto somos impedidos de produzir mais, Sr. Ministro, entre outros aspectos, continuamos a importar leite, designadamente o chamado «leite negro» ou leite ilegal espanhol, em relação ao qual o Governo não toma quaisquer medidas.
Por outro lado, Sr. Ministro, queria que comentasse o que dizem outros colegas seus, porque o Sr. Ministro e o Governo têm falado muito nas negociações, tendo em conta a ultraperiferia dos Açores, para resolver o problema dos Açores, mas o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Seixas da Costa, em Julho deste ano, na Comissão de Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas, afirmou que a ligação desta questão ao conceito de ultraperiferia é complexa.
Todas estas questões situam-se a montante da entrada em vigor do Tratado de Amsterdão e, portanto, é muito difícil conseguir qualquer solução neste aspecto.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Queira abreviar, Sr. Deputado.

O Orador: - A pergunta é esta: quais são as soluções estruturais que o Governo apresenta para o futuro da agricultura e da produção leiteira nacional? É o Governo que tem de responder a esta questão e não a oposição.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Ministro, havendo mais dois oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas, que dispõe de 1 minuto para o efeito.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, queria concluir o seguinte: primeiro, V. Ex.ª não trouxe solução nem para o problema do pagamento

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das multas nem para o problema do aumento de produção leiteira; segundo, entrou em contradição, na medida em que, em Outubro de 1999, após as eleições, V. Ex.ª dizia que «não ultrapassámos as quotas e se, um dia, ultrapassarmos são os produtores que pagam» e, mais tarde, em 2000, a quinze dias das eleições nos Açores, afirmou: «Ultrapassámos as quotas e os produtores não pagam»; terceiro, V. Ex.ª não soube explicar o erro que cometeu na Agenda 2000, uma vez que fomos o único país que saiu com um acréscimo mínimo de quotas e, sobretudo, a receber nas calendas, a partir de 2005! E V. Ex.ª não é capaz de dizer aos produtores o que devem fazer nos anos 2001, 2002, 2003, 2004 e 2005.
No entanto, o Sr. Ministro disse uma frase que o traiu: «Se ultrapassarmos a quota, temos de nos acomodar. Conhecem as regras». As regras, segundo os tratados, é que os agricultores pagam e, por isso, pergunto-lhe: como é que vai manter a «sua» regra de que o Governo paga, de que deve fazê-lo porque é o responsável pelo erro?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, há uma conclusão que manifestamente se retira deste debate: o Sr. Ministro irritou-se muito, agrediu e, naturalmente, a sua agressão é uma forma de defesa, porque não conseguiu garantir a salvaguarda do interesse nacional nem o Governo teve uma visão prospectiva para responder a este problema.
Em relação às questões que colocou às oposições, se não houve capacidade de previsão, por exemplo, na Região Autónoma dos Açores, a pergunta que ficou por responder é se o Governo entende ou não, a partir do momento em que tem um quadro mais aproximado da realidade, colocá-la como termo de referência para o futuro. Essa resposta não foi dada e gostaria que fosse capaz de aqui a esclarecer.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas. Peço-lhe que tenha em mente o pouco tempo de que dispõe.

O Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas: - Sr. Presidente, o Sr. Dr. Paulo Portas revelou aqui, mais uma vez, que fala - e fala bem - de assuntos que não conhece. Sr. Dr. Paulo Portas, sabe quando termina a campanha leiteira?

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sei, sim, Sr. Ministro, a 31 de Março!

O Orador: - Exactamente. E sabe qual foi a data do comunicado que citou, no qual se refere que a quota não estava ultrapassada? Outubro, Sr. Deputado!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Mas já se sabia!

O Orador: - Ainda não era possível adivinhar!
Quanto a uma eventual proposta de solução, o Sr. Deputado Lino de Carvalho disse nada! E a Sr.ª Deputada Isabel Castro idem. Tal significa que este debate revelou que há uma estratégia para resolver o problema, que essa estratégia acomodará o excedente da quota deste ano, que os produtores de leite portugueses não pagarão multas e isso deve-se à forma adequada como o Governo geriu este problema perante a incapacidade de apresentação de propostas alternativas por parte de qualquer partido da oposição.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, terminado o debate de urgência sobre as quotas leiteiras de Portugal, requerido pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP, segue-se a apreciação de dois votos de saudação pela realização de eleições na Jugoslávia e um voto de saudação relativo à marcha mundial de mulheres.
Srs. Deputados, sugiro que se discutam conjuntamente os votos n.os 77/VIII - De saudação pela vontade de mudança expressa pelo povo jugoslavo em recente acto eleitoral (CDS-PP, PS e PSD) e 79/VIII - De saudação pela realização de eleições presidenciais, legislativas e municipais na República da Jugoslávia (BE).
Seguindo a ordem de entrada dos votos, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia para uma intervenção.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS-PP apresenta um voto sobre as recentes eleições na Jugoslávia começando por considerar a importância que esta região, os Balcãs, tem no contexto europeu e no contexto da própria segurança europeia e o facto de, desde a dissolução da ex-Jugoslávia, esta ser uma região martirizada por conflitos constantes e por um enorme sofrimento do seu povo.
Estas eleições representam um sinal claro de mudança na ex-Jugoslávia. A vitória expressiva dos partidos da oposição abre o caminho para a democracia, para o respeito dos direitos dos cidadãos e dos direitos humanos naquele mesmo país.
Estas eleições marcam, ainda, o fim do regime autoritário de Slobodan Milosevic, um regime que controlou policialmente, com o exército e com os meios de comunicação, o povo e a capacidade de liberdade de expressão, perseguindo os seus opositores.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O sinal destas eleições é claro: o regime que infligiu a morte, a destruição e o genocídio no Kosovo está a chegar ao fim. No entanto, existem ainda, e perante as eleições do passado domingo, sérios riscos.
O primeiro risco, que é denunciado por aqueles que as acompanharam, designadamente pela OSCE - e apesar de terem sido impedidos de estar presentes muitos observadores internacionais -, é o de manipulação e de fraude em relação a estas mesmas eleições. Há o perigo de os principais responsáveis do regime procurarem, falseando os números, manter-se no poder a qualquer

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custo e criar, novamente, uma situação de violência em relação ao povo da Jugoslávia.
O que pretendemos com este voto é, no fundo, juntar a nossa voz, juntar a voz desta Câmara aos responsáveis políticos que, designadamente na Europa e na União Europeia, desde o responsável dos negócios estrangeiros francês - França que ocupa hoje a presidência da União - ao comissário responsável, o Sr. Chris Patten, têm pedido e exigido insistentemente o respeito pelo resultado destas eleições, bem como a vontade de que a União Europeia pratique actos e não meras declarações de intenção em relação à Jugoslávia e, sobretudo, o desejo maior de que seja possível o respeito pela democracia e trazer a Jugoslávia como nação democrática ao convívio salutar e normal das nações europeias.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Este é também um voto de solidariedade para com um povo que, nestas circunstâncias e nestas condições, ao ir às urnas com valores de participação superiores a 70% e, em muitos casos, próximos dos 80%, demonstra uma enorme coragem, porque não é fácil, perante um regime desta natureza, ir às urnas, expressar a sua vontade e reunir, como aconteceu recentemente, 200 000 pessoas na Praça da República, em Belgrado, exigindo o respeito pelo resultado eleitoral.
É no apoio a este desejo de mudança e de democracia que juntamos a nossa voz aos que, na Europa, defendem este anseio de liberdade.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, já ultrapassou claramente o seu tempo.

O Orador: - Para terminar, e numa frase, gostaria de saudar a mudança num caso de fronteira, dessa ténue fronteira entre a tirania e a liberdade, dizendo que estaremos sempre do lado da liberdade.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Barros Moura.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero dizer que o Partido Socialista vai votar favoravelmente o voto cuja apresentação acabámos de ouvir, e que, de resto, fiz questão de subscrever depois de lhe propor uma pequena alteração que tem apenas a ver com a menção ao facto de o regime de Belgrado ter impedido a entrada de observadores internacionais, entre os quais parlamentares de países da União Europeia, incluindo, segundo julgo saber, um Deputado deste Parlamento.
Sobre os aspectos fundamentais do voto que estamos a discutir, julgo que há duas questões a realçar. Em primeiro lugar, o povo pôde exprimir-se e a democracia funcionou, nas condições existentes, com uma clara e expressiva vitória das aspirações populares da democracia e de mudança política na Jugoslávia. Em segundo lugar, há riscos sérios de que o regime de Milosevic não queira aceitar os resultados destas eleições. É, portanto, necessário que prossigam as pressões da comunidade internacional, nomeadamente da União Europeia, a fim de que a vontade popular seja respeitada, com o afastamento do poder deste regime que tão profundo sofrimento causou ao povo da Jugoslávia e dos outros povos dos Balcãs, e que, com o acesso de democratas sufragados pelo voto popular, se abra, finalmente, o caminho para uma transição democrática na Jugoslávia, que também interessa à paz no continente europeu.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos na presença de dois votos diferenciados sobre uma mesma realidade que merecem da nossa parte uma diferenciada consideração pelos termos em que são formulados.
Recordaria, a propósito do voto apresentado pelo CDS-PP, que não há muito tempo foi aqui apresentado, na altura pelo Partido Socialista, um voto de saudação à vitória eleitoral do actual presidente do Chile, Ricardo Lagos. Ora, esse voto mereceu da parte do CDS-PP uma violenta reacção, pois consideravam que era um precedente gravíssimo a Assembleia da República aprovar um voto sobre um processo eleitoral ocorrido noutro país. Era uma coisa nunca vista e a Assembleia da República não deveria imiscuir-se, dessa forma, na vontade expressa nas urnas pelo povo do Chile, na altura.
Anoto que, ao apresentar agora este voto, o CDS-PP revela que, afinal, na altura não estava preocupado com o precedente, estava era preocupado com a vitória de um democrata no Chile. Ficamos agora a perceber isso claramente.
Parece-nos que o voto que é apresentado é um voto que exprime uma vontade de ingerência absolutamente acintosa relativamente a um povo, como o jugoslavo, martirizado, como já foi dito, e que merece o nosso respeito. Ora, no momento em que o povo jusgoslavo decide o seu destino democraticamente nas urnas de voto, vem um voto apresentado pelo CDS-PP a Portugal arrogar-se o direito de ser ele a ditar os resultados eleitorais e, mais, apelar a instâncias internacionais, europeias e nacionais para exercerem pressão relativamente ao reconhecimento dos resultados que o CDS-PP tem «no bolso», e que, eventualmente, já tinha há umas semanas atrás.
Para concluir, Sr. Presidente e Srs. Deputados, entendemos que o destino da Jugoslávia só pode ser definido pelos próprios jugoslavos e que o povo jugoslavo dispensa muito bem as pressões e as catilinárias do CDS-PP.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Relativamente ao voto que é apresentado pelo Bloco de Esquerda sobre esta matéria, ou seja, as eleições na Jugoslávia, parece-nos que tem uma formulação bem mais equilibrada, que é muito mais correcto nas formulações utilizadas e nas preocupações manifestadas, pelo que merecerá o nosso voto favorável.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José de Matos Correia.

O Sr. José de Matos Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, e em nome do Partido Social Democrata, que também é subscritor deste voto de congratulação pelas eleições jugoslavas, gostava de prestar um pequeno esclarecimento ao Sr. Deputado António Filipe.
Na altura em que foi aqui discutido um voto sobre a questão das eleições no Chile, também acompanhámos a crítica que foi feita relativamente ao facto de a Assembleia da República não querer estar a imiscuir-se naquilo que é o normal funcionamento da democracia num país e a normal realização de actos eleitorais. Convém não confundirmos o que não pode ser objecto de confusão.
O que esteve em causa nas eleições da Jugoslávia foi de facto o exercício da democracia que, até agora, era proibido, por um regime que oprime o povo jugoslavo.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Não há comparação entre a realização normal de um acto democrático, como aconteceu no Chile, com aquilo que está a acontecer na Jugoslávia, pela primeira vez, a um povo a quem, até agora, não foi permitido, por um regime que o oprime, manifestar livremente a sua vontade. Não é, portanto, comparável, porque não são de facto coisas similares.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Pegando também numa expressão utilizada pelo Sr. Deputado António Filipe, gostava de dizer à Câmara o seguinte: o que, certamente, o povo jugoslavo dispensa são as pressões do Sr. Slobodan Milosevic e de todos os responsáveis políticos por aquele regime que insistiram em tentar criar condições na Jugoslávia para que o povo não pudesse manifestar aquilo que julgamos ser verdadeiramente a sua vontade. Isto porque quem não tem medo da vontade popular deixa aparecer na televisão os seus opositores. Quem não tem medo da vontade popular deixa que os observadores internacionais verifiquem aquilo que se está a passar nos actos eleitorais. Quem não tem medo da vontade popular não gere «cirurgicamente» a apresentação dos resultados, para criar condições para aquilo que julga ser mais ou menos aceitável por parte da opinião pública interna e internacional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Consideramos, portanto, que este voto deve ser aprovado aqui por razões várias. Em primeiro lugar, por razões de ordem interna, no que se prende com a democracia na Jugoslávia, porque, de facto, o povo jugoslavo, está e continua a dar-nos, pelas manifestações de júbilo que tem feito por aquilo que se passou com o acto eleitoral, indícios da sua verdadeira vontade de transição democrática. Em segundo lugar, por as eleições jugoslavas também serem importante para a situação na Europa. A Jugoslávia, infelizmente, foi foco de importantes conflitos e distúrbios da situação da paz europeia, e cremos que o facto de a Jugoslávia estar a dar mostras claras de que quer seguir um caminho completamente diferente, de democratização e de normalização, são também boas notícias para a Europa, são, porventura, o apagar de uma marca negra que a Europa viveu durante muitos anos e que, em grande medida, se devem ao comportamento do Sr. Slobodan Milosevic.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A democracia é incontornável e a possibilidade dos povos exprimirem as suas opções políticas de fundo e de escolherem livremente os seus representantes não pode ser substituída por qualquer outra forma. É por isso que temos, hoje, lições importantes na Dinamarca, como temos lições importantes na Jugoslávia, representando, de formas distintas e em contextos também tão distintos, a vontade de os povos escolherem os seus caminhos.
No entanto, quero lembrar que quando a Dinamarca votou pela primeira vez, em referendo, o «não» ao Tratado de Maastricht foram instituições internacionais que apelaram, exigiram e obrigaram a uma segunda volta, contra os resultados da primeira, de tal forma a obterem o «não». Temos agora a terceira volta, e isto também nos dá algumas lições.
Sobre a Jugoslávia creio que é preciso que o debate seja suficientemente esclarecedor nesta Câmara e, em alguma medida, as escolhas feitas já indicam as opções. A oposição ganhou as eleições na Jugoslávia e, deste ponto de vista, é um resultado que deve ser respeitado, reafirmado e que tem um grande sentido político, não só pela vontade de acabar com uma fase de conflito permanente, de pressão internacional permanente, de ingerência e de intervenção de várias forças políticas e de várias forças internacionais, como um sentido inapelável de um desejo de paz.
É por isso que este debate não pode fingir que não existiu uma guerra na Jugoslávia; não pode e não merece fingir que não houve uma intervenção da NATO, que foi ilegal face às Nações Unidas. Não vale a pena fingirmos que esta Câmara e o País não se dividiu entre uma maioria belicista e aqueles que se opunham a uma guerra, que tinha a particularidade, única, de não ser declarada e, por isso, ter tido a oposição de personalidades tão diversas como Mário Soares, Freitas do Amaral, Jorge Miranda e muito sectores da opinião pública portuguesa, que não quiseram aceitar que essa guerra impusesse uma norma política contra um país com o qual continuámos a manter relações diplomáticas normais, com uma Embaixada aberta em Lisboa, ao mesmo que metralhávamos a sua capital e contribuíamos para um esforço de guerra, que «plantava de bombas» qualquer solução de negociação e de paz, que era a opção alternativa possível.
É por isso que esta moção que o PP apresentou, sucessivamente emendada pelo PSD e pelo PS, nada mais

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representa do que o sentido dessa maioria belicista e a sua reafirmação. Não é uma atitude sensata pensar que, em relação a um país que sofreu o que sofreu a Jugoslávia, basta esta reafirmação imperial para contribuirmos para compreender o esforço deste povo e o seu sentido de paz, razão pela qual é vencedor ser um candidato que se opõe à NATO, que levanta a sua palavra contra a NATO. Talvez este sinal mereça ser percebido por esta Assembleia. Por isso, devemos ter a prudência e a cautela de uma atitude respeitadora que reafirma a nossa atenção, preocupação e apoio a todos os princípios democráticos na Jugoslávia, como em outros países. Mas isto deve ser feito noutros termos, que não os de uma maioria que faz a declaração de guerra.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos, hoje, em discussão dois votos totalmente distintos sobre, aparentemente, a mesma coisa, as eleições na Jugoslávia. Dizemos «aparentemente» porque as ópticas a partir das quais os posicionamentos são feitos são radicalmente distintos.
Os Verdes consideram que ninguém pode ignorar a importância que tem o facto de, finalmente, as eleições terem ocorrido na Jugoslávia e os povos da Jugoslávia terem podido livremente expressar-se. Todavia, ninguém pode alhear-se do facto de a Jugoslávia ter sido o «palco» de uma das intervenções mais cruéis, mais desumanas e mais violentas que ocorreu na Europa depois da Guerra.
Para nós, o exacto sentido do nosso voto é saudar a possibilidade de um povo ter podido livremente realizar eleições; é saudar a possibilidade de, finalmente, poder escolher o seu caminho; mas é saudar, igualmente, a possibilidade de um País deixar de estar sob a alçada de interesses economicistas, que outra coisa não visam que não sejam ingerências num território para nós demasiado sofrido para continuar a ser ignorado.
É este o sentido do nosso apoio ao voto apresentado pelo Bloco de Esquerda, um sinal de esperança, um sinal de paz na Europa, um sinal de liberdade, de que este povo, durante muitos anos, esteve privado.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 77/VIII - De saudação pela vontade de mudança expressa pelo povo jugoslavo em recente acto eleitoral, apresentado pelo CDS-PP, PS e PSD.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP, de Os Verdes e do BE.

É o seguinte:

Considerando que os Balcãs constituem, historicamente, um dos territórios europeus de maior conflitualidade política;
Considerando que, na última década, a dissolução da antiga Jugoslávia e a libertação das várias nações enquadradas nesse território foram um processo extremamente violento, com enormes custos do ponto de vista dos direitos humanos e da destruição material;
Considerando que o regime personificado por Slobodan Milosevic tem acumulado gravíssimas responsabilidades do ponto de vista da conflitualidade étnica e da eclosão de conflitos armados e também da perseguição dos adversários políticos e falta de respeito pelos direitos humanos;
Considerando que as eleições presidenciais legislativas e municipais, ocorridas no domingo passado, revelaram, de acordo com as próprias fontes oficiais, uma vontade clara de transição para uma democracia política, económica e social que ponha termo ao regime autoritário de Slobodan Milosevic;
Considerando que a maioria do povo jugoslavo pretende, também, normalizar as relações com a União Europeia, num quadro de defesa da soberania da Sérvia;
Considerando que o regime autoritário de Slobodan Milosevic continua a revelar uma enorme resistência em relação à divulgação dos resultados eleitorais, é acrescido de manipulação e fraude eleitoral de modo a minorar a dimensão da sua derrota e não dá sinais de disponibilidade para aceitar, com todas as consequências, as regras eleitorais democráticas;
Considerando que o regime recusou vistos a observadores internacionais, incluindo de parlamentares de países da União Europeia;
Considerando, por fim, o resultado do sufrágio obtido em circunstâncias institucionais completamente adversas e a forte mobilização popular, reivindicando um regime de democracia e liberdade;
A Assembleia da República, decide, ao abrigo do Regimento, aprovar o seguinte voto:
1. Saudar o claro sinal da vontade de mudança expresso pelo povo jugoslavo face a um regime autoritário que não respeita os direitos humanos.
2. Apelar a todas as instâncias nacionais, europeias e internacionais para exercerem pressão junto do poder político de Belgrado para que aceite os resultados eleitorais e contribua, assim, para uma transição pacífica para a democracia.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, vamos passar à votação do voto n.º 79/VIII - De saudação pela realização de eleições presidenciais, legislativas e municipais na República da Jugoslávia (BE).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP, de Os Verdes e do BE.

Era o seguinte:

Considerando que se realizaram eleições presidenciais, legislativas e municipais na República da Jugoslávia, que têm sido dilaceradas por conflitos graves,
A Assembleia da República:
1. Saúda a realização destas eleições, que permitem à população escolher os seus representantes e fazer opções políticas fundamentais;
2. Manifesta a sua atenção e preocupação em relação ao apuramento correcto dos resultados, de modo que os eleitos representem a vontade afirmada nas urnas;

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3. Apela ao fim das sanções contra a República da Jugoslávia e à normalização das relações da União Europeia com o país;
4. Apela ao fim dos conflitos militares e étnicos na região balcânica.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, vamos proceder ao debate do voto n.º 78/VIII - De apoio à Marcha Mundial de Mulheres, apresentado pelo BE, PS, PCP, CDS-PP e Os Verdes.
Para o apresentar, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A divisa da modernidade, da liberdade, da igualdade e da fraternidade, quer nos direitos cívicos, quer nos direitos sociais, não estará completa sem que, verdadeiramente, as mulheres em todo o mundo, o género que tem sido prejudicado, venham a ter uma referência, um patamar de paridade em todos os direitos fundamentais.
A ocorrência da Marcha Mundial das Mulheres é uma oportunidade de sensibilização, de movimentação e de luta por essa divisa de modernidade, por ser algo do quotidiano, algo que se possa respirar e ter, quer para homens, quer para mulheres. Daí o sentido desta manifestação de solidariedade da Câmara à Marcha Mundial das Mulheres.
Quero ainda sublinhar que não é, de todo, despiciendo que a mesma tenha tido o apoio de variadíssimas bancadas, o que mostra a força e a generosidade desta luta, que é verdadeiramente uma luta de civilização.

Aplausos da Deputada do PS Maria Santos.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira, dispondo de 2 minutos.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero também aproveitar esta ocasião para sublinhar a importância da visibilidade de um movimento como este, que se iniciará com a Marcha Mundial das Mulheres.
Esta é uma Marcha contra a pobreza e a violência. E é preciso não esquecermos que pobreza e violência estão associadas, porque é a subalternidade e a subjugação induzidas pela pobreza que geram fenómenos de violência que são, em si, cada vez mais graves e ferozes, quanto menor é a capacidade de defesa da vítima.
Como tal, esta Marcha vai servir para alertar o mundo inteiro para a iniquidade existente nos comportamentos, a nível privado e a nível social, que consideram uma parte da humanidade inferior à outra, muitas vezes com base na riqueza social que é a maternidade.
Os indicadores da pobreza são sempre piores em relação às mulheres; os indicadores do analfabetismo são sempre piores em relação às mulheres; a desigualdade salarial, a precaridade no emprego são sempre piores e mais graves para as mulheres - e, quando digo «piores», refiro-me a taxas em dobro das relativas aos homens. Tudo isto induz situações de vulnerabilidade social que impedem que metade da humanidade tenha acesso ao pleno exercício dos seus direitos fundamentais.
Trata-se, pois, da defesa dos direitos humanos, na qual é extraordinariamente importante que esta Câmara tenha uma voz unânime. Como tal, penso que o apoio dado por esta Câmara, desta forma pública, à Marcha Mundial das Mulheres não só dignifica esta Assembleia como também traduz o empenhamento colectivo na alteração de um estado de coisas que é indigno dos valores em que se funda a nossa civilização.

Aplausos do PS, do PCP e do BE.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Igualmente para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Botelho.

A Sr.ª Margarida Botelho (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: «Queremos iniciar o próximo milénio com a certeza de que podemos mudar o mundo, pacificá-lo e humanizá-lo. Marcharemos de forma pacífica para que o ser humano esteja no centro das nossas preocupações (…)». Este é, em síntese, o objectivo do Marcha Mundial das Mulheres, que culminará, a 17 de Outubro, numa concentração mundial em Nova Iorque, frente à ONU. Um objectivo desassombrado de quem tem, pelo menos, 2000 boas razões para marchar, como diz o lema escolhido para o evento.
Esta Marcha afirma que as mulheres estão em luta para que os seus direitos fundamentais sejam devidamente reconhecidos como inseparáveis dos direitos humanos universais. É através da luta organizada das mulheres em cada país e no mundo que se podem combater as políticas neoliberais, responsáveis pelo crescente aumento e pela feminização da pobreza, que atiram muitos milhões de seres humanos para um quotidiano cruel e para uma crescente regressão nos direitos políticos, sociais, económicos e culturais conquistados pelas mulheres, pelos trabalhadores e pelos povos neste século.
Esta Marcha é uma acção que une, de forma séria, combativa e generosa, todos os homens e mulheres que estão conscientes de que as discriminações sexistas a que as mulheres estão sujeitas, no trabalho e na sociedade, estão inseridas numa teia de exploração e de limitação dos direitos que a todos afecta.
A Plataforma Nacional da Marcha, constituída por cerca de 100 organizações, nas quais se incluem à Organização das Mulheres Comunistas e a Juventude Comunista Portuguesa, tem levado a cabo um trabalho muito interessante de debate, de construção de cadernos reivindicativos comuns, de preparação da Marcha nacional, que se realiza no próximo dia 7 de Outubro, aqui em Lisboa, sob o lema «Transformar a vida. Construir a igualdade.»
O facto de a Assembleia da República manifestar desta forma o seu apoio à Marcha Mundial das Mulheres constitui um contributo importante para a visibilidade da luta das mulheres e para o prestígio desta Assembleia junto de todos os que lutam pelo aprofundamento da democracia em todas as suas componentes.

Aplausos do PCP e do BE.

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O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Ofélia Moleiro para uma intervenção.

A Sr.ª Maria Ofélia Moleiro (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este voto de apoio à Marcha Mundial das Mulheres contra a pobreza e a violência surge motivado pela proposta de resolução n.º 38/VIII, apresentada em 27 de Setembro.
Com efeito, quando foi discutida a aprovação, para adesão, do Protocolo de Emenda à Convenção para supressão do tráfego de mulheres e crianças e à Convenção para a supressão do tráfego de mulheres maiores, todos os grupos parlamentares reflectiram acerca da temática desta forma de violação dos direitos humanos.
A esse propósito, o PSD manifestou o seu repúdio por estes crimes que se abatem sobre mulheres e crianças em todo o mundo, sendo Portugal um dos seus palcos privilegiados. Apelou à aplicação eficaz dos tratados e convenções internacionais e da legislação nacional. Denunciou causas deste problema, de que se destaca a feminização da pobreza.
Quatro meses volvidos sobre a aprovação da lei que torna a violência doméstica um crime público, somos confrontados diariamente com novos casos de extrema gravidade, algumas vezes relatados pela imprensa. Ainda na semana passada, no distrito de Leiria, duas mulheres foram selvaticamente assassinadas pelos maridos. São dois crimes domésticos que colocam na ordem do dia o negro panorama nacional da violência doméstica, uma situação que oprime as vítimas durante anos, em silêncio, sob ameaças, sofrendo torturas físicas e psicológicas.
O PSD sempre defendeu os direitos das mulheres. O PSD é contra as desigualdades, a violência e a discriminação social. O PSD repudia todas as formas de violação dos direitos humanos. O PSD não duvida da bondade intencional do voto proposto. Porém, entende que a Assembleia da República, como órgão de soberania do Estado português, não se deve associar institucionalmente a manifestações desta natureza.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Podemos apoiar individualmente, como cidadãos empenhados na igualdade e justiça social, e estou certa de que cada um dos Deputados, em consciência, o fará.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Fernandes.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu e o Sr. Deputado Narana Coissoró assinámos o voto, o que fizemos pensando, não em Margaret Thatcher nem na Sr.ª Hillary Clinton, mas nas mulheres que não têm poder e que são maltratadas.
Não ligo o maltrato das mulheres somente à pobreza, pois mesmo nas sociedades ricas elas são maltratadas. Como tal, esta é, muitas vezes, uma falsa questão, porque é a violência do ser humano que leva a tratar mal e a eclodir cenas de violência no próprio seio da família.
Vivendo numa sociedade patriarcal, e não numa sociedade matriarcal (que não conheço), é evidente que conheço os riscos que uma mulher corre na mesma.
Em todo o caso, quero dizer que assinei o voto, porque me parece justo, na medida em que, em grande parte do terceiro mundo, as mulheres são tratadas de forma absolutamente indigna.

A Sr.ª Natalina de Moura (PS): - No terceiro mundo?! E aqui?!

O Orador: - Mas também o são nos países ricos! Como também os homens o são, pelo que não vale a fazer eu fazer aqui grandes dissertações. Assinei o voto, porque o considero importante e para dar um sinal…

Protestos do PS.

Não vale a pena fazerem remoques! Assinei, dou a cara! Se me quiserem «chatear», «chateiem» - não me faz diferença alguma!
Está lá a minha assinatura, e isso é que conta! Dou a cara por ela, e isso é que conta! O resto não conta!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, aproveito para lhe dizer que nas sociedades matriarcais as mulheres também «levam»!

Risos.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro para uma intervenção.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão em debate, que a apresentação deste voto suscita, é, para Os Verdes, de extrema importância. Não é uma questão folclórica, nem de adesão individual ou não, porque o domínio da intervenção cívica individual de cada um não se coloca no Parlamento.
Entendemos que o facto de o Parlamento aderir e manifestar a sua solidariedade com esta Marcha tem um significado político. Mostra que este é um Parlamento que não aceita, que não se resigna e considera insultuoso que uma parte da humanidade permaneça em situação de desigualdade, que não aceita que uma parte da humanidade viva em situação de pobreza, que não aceita que uma parte da humanidade seja em maior grau analfabeta, que seja discriminada, que seja objecto preferencial de violência.
Para nós, Os Verdes, esta é uma questão de direitos de humanos, trata-se do combate sério à discriminação, do inconformismo perante esta chocante desigualdade. Esta é a atitude de quem considera, como nós, que não haverá desenvolvimento enquanto mulheres e homens não forem parceiros em igualdade e não forem, como parte integrante da humanidade que são, parceiros em sintonia e aliados na transformação da sociedade em que vivemos e na garantia e preservação do futuro desta humanidade.

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É este o sentido que atribuímos a este voto e é assim que pensamos que a Câmara, ao votá-lo, dá o sinal claro de que não toma medidas por serem simpáticas, por parecer bem, por ser politicamente correcto, mas assume uma posição política, porque entende estar a agir de modo a criar condições para um desenvolvimento sustentável.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, vamos votar o voto n.º 78/VIII - De apoio à Marcha Mundial de Mulheres, apresentado pelo BE, PS, PCP, CDS-PP e Os Verdes.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, do CDS-PP, do BE e de Os Verdes e a abstenção do PSD.

É o seguinte:

Considerando as enormes desigualdades existentes entre mulheres e homens expressas, de forma tão evidente, nos últimos Relatórios do Desenvolvimento Humano e do Fundo das Nações Unidas para a população.
Considerando que tais desigualdades são causa de profundo sofrimento, são verdadeiro obstáculo ao desenvolvimento e constituem atentados aos Direitos Humanos.
Considerando que, neste ano 2000, mulheres de 155 países estão unidas em realizações diversas por todo o mundo numa iniciativa inédita: a Marcha Mundial de Mulheres contra a pobreza e a violência, que culmina no dia 17 de Outubro, em Nova Iorque, com a entrega de milhares de assinaturas ao Secretário-Geral das Nações Unidas.
Considerando que, em Portugal, a Marcha tem a sua expressão no dia 7 de Outubro, em Lisboa.
A Assembleia da República manifesta o seu apoio à Marcha Mundial de Mulheres contra a pobreza e a violência, como expressão dos anseios de mulheres de todo o mundo, por um mundo de partilha, de respeito recíproco e de solidariedades entre homens e mulheres.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, embora não seja da praxe, quero associar-me aos votos a favor.

Aplausos do PS.

Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 12 horas e 10 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos Diários que estão em aprovação.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, estão em aprovação os n.os 76 a 89 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias de 8, 9, 14, 15, 16, 21, 27, 28, 29 e 30 de Junho e 5, 7, 14 e 26 de Julho.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, estão em apreciação.

Pausa.

Não havendo objecções, vamos votar.

Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos passar à discussão conjunta dos projectos de resolução n.os 49/VIII - Por uma estratégia de promoção do transporte público (Os Verdes), 73/VIII - Uma alternativa para a política de transportes (BE) e 75/VIII - Promoção da utilização do transporte público (PS).
Para introduzir o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O transporte público é hoje, em qualquer sociedade moderna, uma questão-chave a ponderar para dar corpo a um desenvolvimento sadio e ecologicamente equilibrado. A adopção de medidas para a sua promoção - aliás, insistentemente reclamada por Os Verdes - é, particularmente desde a conferência de Quioto, uma prioridade política que não pode continuar a ser adiada pelo Governo. É, desde logo, uma prioridade política para garantir a todas as pessoas, sem excepção, o direito a uma mobilidade em condições de que hoje estão privadas - condições de qualidade, de conforto, de segurança, de rapidez e regularidade na oferta e de preços preferencialmente atractivos face ao transporte individual. São, em suma, condições que não existem no nosso país, o qual - sublinhe-se -, comparativamente com os demais da União Europeia, tem os transportes mais caros e de pior qualidade.
Em segundo lugar, no entender de Os Verdes, é uma prioridade política para a promoção do transporte público, a fim de melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, favorecer o desenvolvimento e a sustentabilidade das nossas cidades, muito em especial nas grandes áreas metropolitanas. Aliás, a Conferência Urbano 21 chamou a atenção para este desenvolvimento sustentável e recomendou novas directivas, propondo a diversificação de oferta de transportes, o incentivo a modalidades não poluentes, a articulação entre os diferentes operadores; propondo, no fundo, um conjunto de condições que, aliadas a preços e tarifários compatíveis, permitem renunciar gradualmente ao automóvel, libertar a cidade da sua pressão, devolvendo progressivamente o espaço público aos seus legítimos detentores, os peões, e, assim, reduzir igualmente a poluição, o ruído, os engarrafamentos, ou seja, permitir melhor ambiente e melhor saúde.
Em terceiro lugar, reclamamos ainda uma prioridade política para o transporte público na óptica da saúde pública, por forma a reduzir as emissões de gases que a omnipresença do transporte rodoviário causa - muito em particular o transporte individual, reduzindo-o, para o qual, no essencial, toda a atenção tem sido vol

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tada -, que é hoje responsável em grande medida pela maioria das emissões de CO2. As emissões de CO2 têm, hoje, como causas directas identificadas o aumento, preocupante, de doenças nas vias respiratórias e a multiplicação de alergias que atingem muito em especial os grupos mais fragilizados da população, ou seja, as crianças e os idosos.
A promoção do transporte público é ainda um elemento estratégico no combate às alterações climáticas, que é um problema grave, sentido, no nosso país, com os seus 850 km de costa, que importa preservar. O maior desafio do nosso futuro é criar condições de bem-estar e de sobrevivência em termos ambientalmente aceitáveis, uma responsabilidade de que Portugal tem estado alheado e que, em Quioto, ignorou mas que continua a ser uma parte integrante e estruturante da estratégia nacional no combate às alterações climáticas. Este combate implica desde já, porque, de modo preocupante, neste últimos três anos, a quota de 40% da emissão de gases reivindicada para Portugal está prestes a ser atingida, precisamente com a responsabilidade do transporte rodoviário, a implementação de medidas de emergência diversificadas, definidas no tempo, claramente financiadas.
Ainda entendemos a prioridade política para a promoção do transporte público numa perspectiva de racionalidade energética e de desenvolvimento económico do próprio País, uma estratégia que propicia uma drástica redução da factura energética, já que é gasto 1 milhão de contos/dia na importação de crude.
Estas são razões que levam agora e cada vez mais a ter de identificar os que têm de ser os nossos aliados nesta intervenção, que implica seguramente mudanças nas formas de mobilidade e em muitos dos hábitos instalados. Uma mudança que exige não só identificar e ter a maioria dos nossos cidadãos a ser sensíveis a esta questão mas também, e fundamentalmente, o assumir, por parte do poder político, de responsabilidades, com expressão orçamental, legislativa e institucional, por forma a animar estas mudanças. Estas mudanças implicam naturalmente um envolvimento dos diferentes níveis da administração, a contratualização com os operadores, pois a resolução que não pode, não deve nem poderá deixar de ser devidamente discutida, vivida e participada.
A prioridade política na promoção do transporte público reclama necessariamente o repensar de toda a lógica de desenvolvimento até agora seguida nas cidades e do desenvolvimento em geral; implica a redefinição de uma hierarquia de prioridades, totalmente diversa, no investimento dos transportes e das acessibilidades que a eles estão ligadas - até agora, tende tão-só a privilegiar o transporte rodoviário. Uma intervenção que implica a internalização dos custos dos diferentes meios de transporte, que permita não continuar a esconder os prejuízos sociais e ambientais provenientes da poluição atmosférica, da poluição sonora, dos acidentes e dos congestionamentos sem fim. Mudanças que implicam ainda que o aumento do preço dos combustíveis, que acabará por verificar-se, se traduza não numa fonte de receita directa para o Estado mas no cumprimento do seu papel social, o de ser canalizado para um investimento a sério no transporte público em benefício dos cidadãos, da comunidade, e não na sua penalização.
Este é um projecto de deliberação e de recomendação que, entendemos, deve traduzir-se numa melhoria e incentivo do transporte público, orientados para o não aumento do preço dos transportes públicos, para a criação de sistemas multimodais, para o efectivo direito a passes gratuitos pelos estudantes em fase de escolaridade obrigatória, do qual, neste momento, estão privados, para a possibilidade de livre acesso a todos os serviços de transporte pelos utentes portadores de passe social, dentro da área a que os mesmos correspondem. Estas medidas devem passar pela articulação e pôr em diálogo os diferentes operadores, que hoje vivem de costas viradas, por forma a fazerem da autoridade de transportes, prevista na lei para as áreas metropolitanas e anunciada, não uma intenção mas uma efectiva realidade que permita uma gestão integrada dos transportes e uma articulação e utilização racional dos meios disponíveis entre os diferentes operadores.
Dever-se-á criar um sistema novo de financiamento para os transportes que, à semelhança, aliás, do que acontece em outros países da Europa, se baseie nos encargos fiscais que incidem sobre os combustíveis utilizados pelos veículos rodoviários, nas receitas de estacionamento e na própria contribuição das empresas empregadoras da região, naturais beneficiárias de um boa mobilidade para os trabalhadores que empregam.
Estas são algumas das propostas para a promoção do transporte público e que não esgotam todas as questões que se colocam. São questões que implicam, ao nível da administração local, a crescente consolidação de zonas pedonais, a redução da velocidade do transporte privado, o aumento da velocidade de circulação dos transportes públicos, com maiores e melhores corredores que permitam maior rapidez e conforto; no fundo, todo um investimento, todo um repensar das cidades, do desenvolvimento e do futuro de que Portugal tem estado alheado e que, no entender de Os Verdes, não pode continuar. Portugal precisa de medidas concretas.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Epifânio.

O Sr. José Manuel Epifânio (PS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero manifestar a minha concordância em relação ao discurso global e, de um ponto de vista ambiental, politicamente correcto produzido pela Sr.ª Deputada Isabel Castro. Mas, permita-me que diga, Sr.ª Deputada, o que está em análise são as propostas contidas no projecto de resolução apresentado por Os Verdes.
Ora, o Partido Ecologista «Os Verdes» traz aqui, à Assembleia da República, um projecto de resolução para uma estratégia de promoção dos transportes públicos que tem por base não um projecto estruturado, não um projecto estudado, assente, digamos, em bases sólidas e profundas, mas um panfleto que foi produzido no momento em que, por força das circunstâncias, como todos sabemos, houve necessidade de se produzir um aumento do preço dos combustíveis em Portugal.
Toda a estruturação do projecto do Partido Ecologista «Os Verdes» assenta fundamentalmente num dos componentes do transporte público, que é o preço.

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Exige o não aumento do preço dos transportes públicos; exige os passes gratuitos para os jovens estudantes em fase de escolaridade obrigatória, desconhecendo um programa de transportes escolares que já cobre uma boa parte desta exigência,…

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Oh!

O Orador: - … e também algumas das situação existentes no que respeita aos passes, nomeadamente os 25% de desconto nos passes para jovens.
Todos estamos de acordo em que o custo do transporte individual privado é substancialmente maior do que o custo do transporte público e que o transporte individual tem sofrido um acréscimo significativo em detrimento do transporte público. Sabendo isto teremos de interrogar-nos - e é esta a pergunta que quero fazer-lhe: o preço é o problema central da promoção do transporte público?

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Também é!

O Orador: - Há factores, como o conforto, a segurança, o tempo de trajecto e o tempo de espera, que constituem hoje preocupações maiores por parte dos que utilizam os transportes públicos e dos que potencialmente poderiam vir a utilizá-los.
Há ainda um outro aspecto que estranhámos no seu projecto de resolução: a exigência ao Governo da criação de passes multimodais. A Sr.ª Deputada, certamente, tem andado distraída, porque esses passes já existem há muito tempo!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr.ª Deputada Isabel Castro, há ainda outros pedidos de esclarecimentos. Deseja responder já, ou no fim?

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Gostaria de responder já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sendo assim, tem a palavra para responder, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Manuel Epifânio, a apreciação crítica que faz ao nosso projecto de resolução dá a entender que, para o Partido Socialista, o preço deve ser uma questão secundária quando se fala na promoção do transporte público. No entanto, não é esse o nosso entendimento, porque há seguramente algo de estranho numa sociedade quando é mais barato para uma pessoa atravessar a ponte de transporte individual do que fazê-lo na ferrovia - repito, se assim é, há algo que não vai bem - e quando, por exemplo, para uma família com filhos é menos penalizador fazer o seu transporte de carro do que utilizar os transportes públicos. Logo, há, seguramente, um problema que tem a ver com o custo do transporte. E é por isso que consideramos que o preço tem uma importância grande no incentivo ou não do transporte público.
Mas é evidente que esta não é a única questão. Se toda a cidade, se todo o espaço está orientado, não nas zonas suburbanas, para favorecer a rodovia; se todo o debate se faz em torno das vias de acesso, das estradas - discutindo-se, aliás, de uma forma apaixonada, quantos metros ou quilómetros mais um governo fez do que o outro; se a velocidade de circulação em superfície é baixa, por todo o espaço público não estar orientado para os transportes públicos, não havendo por isso vias de circulação em contínuo que permitam que eles façam o seu percurso com rapidez, o que faz com que o transporte público de superfície acabe por ser mais lento do que o transporte individual; se ao nível do estacionamento se adoptam medidas contraditórias ao se construírem, por um lado, grandes estacionamentos na periferia e, por outro, um outro, atractivo, no centro da cidade; se não há articulação, como o Sr. Deputado bem sabe, entre os diferentes operadores, se não há conjugação e articulação de horários num país como o nosso, que, quer se goste ou não, tem problemas gravíssimos de ordenamento de território, onde a vida das pessoas se desenvolve, seja para trabalhar, seja para estudar, normalmente bem longe do sítio onde residem; se é penosa a utilização do transporte público, seguramente ninguém espera que ele seja a escolha da maioria dos cidadãos, que ou por hábito, que vão adquirindo, ou por impossibilidade efectiva de se deslocarem de outro modo são empurrados para o uso do transporte individual.
Por outro lado, Sr. Deputado, o transporte escolar não é uma questão menor para as famílias. Não é um problema, no entendimento de Os Verdes, que tenha sido resolvido cabalmente pelo Governo e pela administração local, a qual, aliás, não tem, neste momento, meios para o resolver diferentemente.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, realmente, creio que os considerandos deste vosso projecto de resolução são um conjunto de boas intenções, mas, como sabemos, «de boas intenções está o inferno cheio»! E creio que a governação que temos tido - e esperava que tivesse sido mais clara e mais veemente nesta matéria - em relação a estas questões não será só um «inferno» mas, sim, um vasto «cemitério» de boas intenções, pelas quais se encontram em resposta utopias várias como aquela que a Sr.ª Deputada aqui apresentou e que só encontra paralelo naquela ideia que o seu Grupo Parlamentar tão veemente defendeu, de que íamos todos andar de bicicleta e ser muito felizes! Ideia que é fácil de demonstrar que não será forçosamente assim numa cidade como Lisboa. Basta, ao sairmos da Assembleia, começarmos a subir a Rua de São Bento e virarmos para qualquer das calçadas que nos leva ao Príncipe Real para percebermos que, se calhar, não é a melhor solução.
Em relação ao vosso projecto de resolução, quero colocar-lhe, em concreto, uma ou duas questões. Em primeiro lugar, Sr.ª Deputada, perante um conjunto tão vasto de boas intenções, não considera curto ou redutor reduzir a solução deste problema a uma questão fis

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cal, de encargos fiscais e de preço? Parece-me curto e redutor, perante tantas coisas que haveria para fazer.
Em segundo lugar, Sr.ª Deputada, sobrecarregar as empresas não será um erro? As empresas já estão, hoje em dia, sobrecarregadas! Por exemplo, e vamos apenas para o plano autárquico - e, por acaso, tive conhecimento disto há um dia -, a Câmara Municipal de Lisboa aprovou a derrama pela taxa máxima, em relação às empresas. Ora, mais encargos para as empresas parece-me um erro claro; a não ser que a ideia seja a de esgotar as empresas, a de levar as empresas à falência, para retomar a tal ideia peregrina: sem pessoas também não há carros, sem produtividade é mais fácil circular, e, portanto, com menos empresas, com empresas falidas,…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

… certamente que a situação melhorará.
Parece-me curto e pouco aquilo que propõe nesta matéria e, neste caso concreto das empresas, errado.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, a questão da produtividade parece-me extremamente importante, tanto mais quando não se considera, por exemplo, política e economicamente, relevante que um país tenha um gasto energético tão grande como aquele que se verifica hoje em dia e que esse gasto energético tenha a ver com um combustíveis, que são em grande medida para satisfazer direitos de mobilidade, que são de todas as pessoas.
Portanto, para mim, esta é, politicamente, uma questão relevante como parece que deve ser para toda a comunidade importante que se garantam condições de satisfação deste direito de mobilidade, que não pode ser exclusivo de alguns, que tem de ser, do nosso ponto de vista, garantido a todos.
Por outro lado, penso que é tempo de toda a sociedade e do poder político deixarem de fazer as contas nos termos em que as têm feito, porque a produtividade, que é algo que preocupa as empresas, também preocupa as empresas quando estas têm um número, que é cada vez maior, de trabalhadores doentes, porque nas grandes cidades há, embora mal estudado, um aumento significativo de problemas de saúde como consequência directa da poluição, que, nas cidades, é, em grande medida, provocada - como imagina! - não pelas indústrias nelas existentes mas pela circulação automóvel.
Portanto, enquanto a sociedade não internalizar os custos que têm de ser ponderados do ponto de vista ambiental e do ponto de vista da saúde, resultantes de tudo isto, parece-me que continuamos a fazer batota nas contas, e, seguramente, não vamos a lado algum.
Em relação às pistas de velocípedes, devo dizer que as defendemos porque entendemos - aliás, a Organização Mundial de Saúde também o recomendou e não é tão engraçado quanto isso - que a solução de um dos grandes problemas das cidades passa, para além da promoção do transporte público, pela criação de condições e de formas alternativas de mobilidade, entre as quais está a circulação em bicicleta. É neste quadro que as defendemos e não isoladamente, até porque nem todas as pessoas são felizes por o fazerem nem todas as pessoas têm bicicleta, como o Sr. Deputado, presumo, não terá ilusões sobre isso.
Porém, é evidente que, para nós, o direito de as pessoas circularem de bicicleta em condições de segurança, sem serem um alvo preferencial de qualquer automobilista, no nosso país é um direito não questionável - não o será para o CDS-PP, mas enfim…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Eu não disse isso!

A Oradora: - Quanto ao vasto «cemitério» de, enfim, utopias, não sei se temos propriamente um governo com utopias, mas penso que o problema dos governos que temos tido é exactamente a ausência delas.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social, Sr.as e Srs. Deputados: Este debate é bem-vindo e tem todo o interesse e toda a actualidade na medida em que faz uma ponte entre dois debates importantes: o debate que preparou o Dia Europeu Sem Carros, que ainda não teve expressão nesta Assembleia, a não ser através de algumas alusões indirectas, mas que merecia alguma reflexão, porque, juntamente, questiona o problema central dos transportes públicos e do seu enquadramento na estrutura e na democracia urbana; e um outro debate, que é inadiável e importantíssimo, sobre os preços dos combustíveis, e, portanto, sobre a política energética em geral, com os sinais que ela dá para os transportes privado e público.
Creio que o Dia Europeu Sem Carros, que foi vivido de forma diferente, de uma forma mais consistente e mais planeada em Lisboa, porventura, do que em outras cidades, mas, enfim, com algumas iniciativas muito importantes em Évora e em Aveiro, onde, por exemplo, a utilização de bicicletas ou algumas outras inovações deixam história para a reflexão sobre os transportes públicos, deu um sinal fundamental sobre um debate que já não é de agora.
Lembro que o Livro Verde sobre os Transportes, da Comissão Europeia e que é de 1995, fazia um cálculo, com o que isso tem, enfim, de aproximado, sobre os custos da ineficiência dos transportes na União Europeia e calculava que esse custo das externalidades negativas dos transportes (em congestionamento, em atrasos, em ruído, em poluição, enfim, em todos os níveis que interferem na nossa vida concreta), andaria à volta dos 4% do Produto, ou seja, em cerca de 50 000 milhões de contos, o que é duas vezes e meia o total do produto nacional português. Não é, portanto, uma pequena coisa, atendendo, sobretudo, a que essas externalidades negativas, esses custos, são imputadas à ineficiência, não propriamente à existência, que é incontornável, do transporte público como do transporte privado. Como lembrava um editorialista de um jornal português de referência, o automóvel privado é uma conquista e é

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uma parte importante da nossa vida quotidiana, e não deixará de ser assim!
No entanto, o debate está e deve ser situado sobre a opção de qualidade, de conforto, de adequação dos transportes públicos em contrapartida aos transportes privados, tanto mais que, em Portugal, temos uma taxa de motorização que é ainda 35% inferior à da média da União Europeia. E crescendo ela em função das pressões da evolução do modo de vida, num contexto em que as nossas cidades não estão preparadas para responder a esse aumento de utilização dos transportes privados, pode-se temer, deve-se temer e tem de se temer que venha a acontecer o pior.
Aliás, esta é a tendência dos últimos anos. Desde 1987 até hoje a taxa de utilização comparativa entre o transporte público e o transporte privado evoluiu de tal modo que 40% das pessoas na Área Metropolitana de Lisboa utilizavam o transporte privado e, agora, já são 55%. Portanto, o crescimento vai neste sentido, e é isto que exige medidas de fundo.
Deste ponto de vista, quero dizer que me parece - e o projecto de resolução do Bloco de Esquerda sublinha esta interpretação - que os governos em geral, em particular este Governo que tem de responder, hoje, aqui, têm tomado ou têm consolidado opções que são discutíveis e, porventura, erradas, sendo uma delas a nova ponte sobre o Tejo, que, certamente, vem lançada de antes, mas que conduziu, como todos os estudos davam a entender, a uma alteração marginal, a um desvio marginal, do tráfego sobre a Ponte 25 de Abril, que foi o resultado líquido da construção da Ponte Vasco da Gama. Claro que compreendemos que, do ponto de vista de uma estratégia de obras públicas e de utilização de obras públicas, era necessário começar pela Ponte Vasco da Gama, pela muito simples razão de que a ponte no eixo central, Chelas/Barreiro, se tornava, à mesma, inadiável e incontornável, tendo, portanto, de ser feita. Assim, teríamos não duas pontes úteis mas três pontes, das quais duas são úteis. E isto permitiu todas as oportunidades de negócio!
Vejam bem, o Grupo Barraqueiro, hoje em dia, não só eliminou 30% - 30%! - das carreiras suburbanas de rebatimento aos barcos como pratica preços de tal modo elevados que não desincentivam o atravessamento da ponte por transporte privado. Neste momento, continua a ser mais económico, na maior parte das condições familiares, a utilização de transporte automóvel privado do que a utilização dos meios alternativos, que deveriam ser dissuasores e que não o são.
Pelo predomínio crescente que tem vindo a ter o automóvel e os grandes eixos rodoviários, isto conduz a uma situação de desequilíbrio do ponto de vista económico, que é tão grave como o que se manifesta, por exemplo, no volume de negócios da Brisa, que, como se tornou público recentemente, tem 53% do lucro sobre o volume bruto de negócios, o que quer dizer um desequilíbrio extraordinário em relação às prioridades que deviam ser impostas.
Mas a função deste debate, além da identificação e da discussão desses princípios - já houve aqui um esboço dessa discussão de princípios, nomeadamente nas perguntas e nas respostas à intervenção anterior -, deve ser a de apresentar soluções. Creio que é este o contributo mais importante deste debate.
Começo por duas propostas que, até à intervenção do Sr. Deputado José Manuel Epifânio, do Partido Socialista, me pareciam consensuais - e quero justamente saudar como consensuais, pelo menos, os três projectos de resolução aqui apresentados -, mas fiquei sem ter a certeza se assim é, depois de ouvir a sua intervenção, e já direi porquê.
A primeira é a mais óbvia. Os três projectos de resolução sublinham a importância de se cumprir uma lei de bases dos transportes terrestres, no sentido de criar instrumentos de coordenação intermunicipal e, nomeadamente, nas áreas metropolitanas para a coordenação dos serviços de transportes nestas áreas. É desejável que assim seja; é prioritário que assim seja! Só é extraordinário que isto esteja na lei desde 1990, seja faculdade prevista na lei desde 1990 e não esteja determinado, não esteja aplicado, por inércia ou incompetência dos municípios.
Se esta proposta aparece nos três projectos de resolução é um sinal de alguma vontade, que vai para além das bancadas da oposição, de que, pelo menos isto, se concretize, o que já seria muito importante.
O segundo ponto comum às três propostas é a ideia de um bilhete, de um passe, de um título de transporte, multimodal. O Sr. Deputado José Manuel Epifânio perguntou à Sr.ª Deputada Isabel Castro se ela não sabia já que isto estava em prática.

O Sr. José Manuel Epifânio (PS): - Não, não! É o passe! São coisas diferentes!

O Orador: - Ora bem, eu leio o vosso projecto de resolução, Sr. Deputado!

O Sr. José Manuel Epifânio (PS): - O passe é diferente!

O Orador: - O vosso projecto de resolução refere-se a títulos de transportes, desculpe! Trata-se de fazer escolhas, que têm de ser flexíveis e adequadas, que podem ser passes, podem ser bilhetes, mas têm de organizar a transferência de modos distintos de transporte.
Se o vosso projecto de resolução diz que deve haver um incentivo à criação de títulos de transporte multimodais e à introdução de novas tecnologias da «bilhética», o que é certamente verdade, então, o sinal está dado e tem de se saber se é ou não fundamental para o Governo e para as bancadas desta Assembleia dar-se um passo cuja importância é justamente revelada pelo Dia Europeu Sem Carros.
Ora, nesse dia, presumo que não por demagogia mas por uma estratégia sincera, houve um bilhete multimodal de 300$, que provou ser possível fazer esta utilização múltipla de meios de transporte através de um regime economicamente integrado e, portanto, racionalizado. Assim, se mantivéssemos uma situação deste tipo e uma estratégia com estas características, como deveríamos fazer, ela conduziria a um passe multimodal que, ao longo do mês, permitiria utilizar, com um valor entre 5000$ ou 6000$, atendendo aos 300$/dia, num dia útil a transferência possível entre vários meios de transporte.
Ora, só na Área Metropolitana de Lisboa temos mais de 200 títulos de transporte distintos, a maior parte dos

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quais não tem qualquer transferência possível, e quando ela existe é através de passes multimodais ou de passes limitadamente multimodais que atingem preços muito superiores àquele que os 300$/dia indicariam. Por exemplo, o passe L123 custa 7200$; o passe combinado da Fertagus/Carris/Metro/TST custa, a partir do Pragal, 7850$, mas, se for a partir do Fogueteiro, custa 10 910$. É ou não correcto, na gestão racional desta estrutura de transportes públicos, ter uma integração que também permita ter, por exemplo, um sistema de park and ride, por forma a dissuadir a entrada de automóveis no centro da cidade através do bilhete combinado entre o passe multimodal e o bilhete de acesso ao parqueamento nestes parques dissuasores? São estas estratégias suficientemente experimentadas para nos darem boas indicações a este respeito.
Em terceiro lugar, faz-nos falta, Sr. Ministro, um plano integrado dos transportes ferroviários, e não o temos em Portugal. Temos, aliás, um documento interno da CP, mas não temos um documento com o valor legítimo de um debate nacional e de uma resolução tomada em instâncias próprias sobre o planeamento do transporte ferroviário e, em geral, do transporte pesado de superfície. Esse plano deveria incluir, na colaboração com as áreas metropolitanas, as redes circulares de eléctricos rápidos de superfície, que podem, com vantagem sobre o metropolitano, do ponto de vista do custo, da acessibilidade, da rapidez e até do conforto, responder a procuras muito importantes, nomeadamente na zona de Lisboa.
Em quarto lugar, parece-nos essencial responder também a um problema de controlo da procura nos transportes privados. A ideia da intervenção por via do preço continua a ser fundamental deste ponto de vista. Aliás, nem percebo muito bem por que é que se argumenta contra ela. É certo que se pode dizer que há outros factores que são importantíssimos e que para algumas populações são ainda mais importantes, mas o argumento do preço é incontornável. A ideia de uma majoração do imposto automóvel e do imposto de circulação em função do volume e da qualidade das emissões parece óbvia e foi, aliás, discutida e testada em alguns outros países. Tem, portanto, todo o sentido intervir do ponto de vista do preço e do ponto de vista fiscal em relação a problemas essenciais da sustentabilidade ambiental e do grau de congestionamento e de utilização de transportes públicos. Há, aliás, outros sinais de preço que já estão experimentados noutros países, onde, por exemplo, nas portagens das vias radiais de acesso à cidade, se pratica uma isenção de portagem quando o carro tem, pelo menos, três ocupantes. É um sinal de preço, de um privilégio a um transporte privado, mas utilizado colectivamente diminui, portanto, o congestionamento de uma forma prática. Lembro que, em algumas vias de acesso a Madrid, está a ser experimentado este tipo de política de tarifas de portagens e que tem dado um resultado absolutamente conclusivo. Logo, é também uma experiência que se pode fazer.
Termino dizendo que me parece indispensável que desta discussão possa resultar uma ideia de conjunto sobre os transportes que assente em escolhas estratégicas da prioridade do transporte público sobre o transporte privado e da garantia das condições para que o transporte público tenha uma oferta capaz de responder à procura, em termos das necessidades, de conforto, de horários e de preços. Parece-me ainda necessário que essa estratégia assente nesse vector essencial de transportes, porque é isto que pode mudar a face das nossas cidades. E, em alguma medida, apesar dos particularismos, apesar dos interesses específicos de alguns sectores, o que o Dia Europeu Sem Carros provou é que esta exigência é fundamental e é, hoje em dia, parte do debate do cidadão e do debate democrático.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Epifânio.

O Sr. José Manuel Epifânio (PS): - Sr. Presidente, aproveito para esclarecer o Sr. Deputado Francisco Louçã, até pelo facto de eu ser um dos subscritores do projecto de resolução apresentado pelo Partido Socialista, de que não pus em causa a necessidade da implementação de títulos multimodais. O que fiz foi chamar a atenção da Sr.ª Deputada Isabel Castro para o facto de já há muitos anos existirem passes multimodais, coisa que ela agora, no seu projecto de resolução, exige que se implemente. Se essa situação já está implementada há tantos anos, talvez não valha a pena formular agora uma exigência de forma tão veemente. Aliás, penso que o Sr. Deputado, ao chamar-me a atenção para essa situação, revela ter estado pouco atento.
Por outro lado, penso que o projecto de resolução apresentado pelo Bloco de Esquerda, que posso subdividir em três grandes blocos, também revela pouca atenção. O primeiro desses blocos exige a implementação de um conjunto de obras e de um conjunto de situações que estão a ser implementadas no terreno - e o Governo, estando aqui presente, pode dar esclarecimentos a esse respeito -, o que quer dizer que os senhores têm andado, no mínimo, pouco atentos àquilo que se vai passando.
Depois existe um segundo bloco de propostas que não cabem num projecto de resolução de medidas a propor ao Governo, já que estas são para um outro patamar do poder que é o poder municipal, ou seja, as autarquias locais.
Por último, há um terceiro bloco de propostas politicamente correctas, bonitas de se defenderem e de se ouvirem, mas que, de facto, revelam alguma impossibilidade de concretização e mesmo alguma demagogia. Obviamente, concordo que se deve incentivar, se calhar de forma cultural, a utilização do transporte individual por mais de uma pessoa, mas torna-se, porventura, extremamente difícil compatibilizar, em termos tecnológicos, as situações existentes nas portagens com a proposta do car-pooling que VV. Ex.as apresentam. Gostava de saber como é que isso funciona com a Via Verde. Como é que a Via Verde distingue o carro que transporta três pessoas daquele que transporta apenas uma pessoa. Se for pelo peso, penso que estarei beneficiado, porque, certamente, passarei sempre sem pagar portagem; se não for pelo peso, é difícil definir essa situação.
Por último, pergunto: como é que o Sr. Deputado compatibiliza a penalização dos automóveis mais poluentes e menos seguros através da maior incidên

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cia no imposto automóvel e no imposto de circulação? Estará V. Ex.ª, porventura, a dizer que se devem despenalizar os carros topo de gama e penalizar os carros de gama mais baixa?!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - É um incentivo ao Jaguar! É um topo de gama!

O Orador: - Como vê, são situações extraordinariamente difíceis de pôr em prática e que têm de ser cuidadas, pelo que não podem ser feitas propostas assim tão fáceis e tão politicamente correctas.

A Sr.ª Natalina de Moura (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder ao «topo de gama», tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã!

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, responderei ao topo e ao baixo de gama, porque, às vezes, estas discussões não se elevam muito alto.
Sr. Deputado José Manuel Epifânio, ao ouvi-lo confirmei a razão por que nunca me sentiria bem numa bancada da maioria. Estar na maioria, em muitos debates, é muito desconfortável.

A Sr.ª Natalina de Moura (PS): - Ainda não experimentou, Sr. Deputado!

O Orador: - O Sr. Deputado, com uma vertente de grande educador a que nunca resiste, concebe o mundo somente em duas categorias: aquilo que está a ser feito pelo Governo, e, portanto, bem feito; e aquilo que, não estando a ser feito pelo Governo, não merece ser feito, e, portanto, está mal. Logo, com esta grelha de leitura, qualquer projecto de resolução da oposição, mesmo que tecnicamente consistente, mesmo que preparado, mesmo que contenha propostas consistentes, mesmo com propostas que o Governo deveria sempre estudar e, seguramente, discutir, está desclassificado, não vale nada! É por isto, naturalmente, que o Sr. Deputado alude, num requebro da sua intervenção, ao seu específico peso político, e compreendo bem por que razão o faz.

O Sr. José Manuel Epifânio (PS): - Referi-me ao meu peso físico e não político!

O Orador: - O Sr. Deputado chega aqui a apresentar-me questões que são de lana-caprina, com franqueza! Como é que se resolve o car-pooling com a Via Verde?! Sr. Deputado, é uma questão dificílima! Basta que todos os carros que querem aceder ao car-pooling passem por uma via onde haja esse controlo, não acedendo à Via Verde. Não se podem ter as duas coisas ao mesmo tempo! Não se podem ter todos os benefícios!
No entanto, Sr. Deputado, estou convencido de que para essa até V. Ex.ª era capaz de saber a resposta!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, começo por dizer-lhe que no seu projecto de resolução há uma frase que não desenvolveu excessivamente mas de que gosto particularmente, que é esta: «A política do Governo em matéria de mobilidade e de transportes tem constituído um verdadeiro zero à esquerda (…)».

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Gosto desta ideia, gosto de o ouvir sublinhar esta ideia e, portanto, esta é a primeira palavra de apreço que lhe deixo, até porque ser V. Ex.ª a sublinhá-la acrescenta valor à tal esquerda ou, pelo menos, à sua esquerda, pelo que me parece útil.
O Sr. Deputado centrou um pouco, quer este projecto de resolução, quer toda a sua intervenção, no chamado Dia Europeu Sem Carros. Ao referir-me a este Dia, designadamente em Lisboa, quero dizer-lhe uma coisa muito clara: em nosso entender, dissémo-lo desde o princípio e mantemos, a iniciativa foi um fracasso e foi um erro! Serviu, certamente, para o Sr. Ministro Jorge Coelho, aqui presente, declarar com quanta alegria tinha regressado aos seus tempos antigos ou qualquer coisa assim (estou a citar de cor uma declaração sua reproduzida pelo Expresso) e para recordar o percurso entre Oeiras e Lisboa; serviu para o Sr. Presidente da República se referir à leveza que havia no ar, à simpatia das pessoas e a outras coisas deste género, mais ou menos utópicas e demagógicas, mas serviu para muito pouco para além disso.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Serviu para dar gazeta às aulas!

O Orador: - E serviu para muito pouco, porque os números são claros. Nos infantários a redução foi de 50%, nas escolas o índice de faltas subiu 25% e o comércio, segundo as declarações feitas pelas uniões de comerciantes em Lisboa e no Porto, baixou 40% e 60%, respectivamente.

O Sr. Casimiro Ramos (PS): - Só vêem cifrões!

O Orador: - Tivemos, portanto, um feriado e, eventualmente por isso, o Governo já anunciou que não dará o dia 6 de Outubro para fazer a ponte no feriado. Deve ser por isso que não vamos ter mais uma ponte aquando do feriado de 5 de Outubro. Certamente, será essa a explicação, porque o que tivemos foi um dia sem carros, sem pessoas e sem produtividade!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Quanto às experiências, Sr. Deputado, estas têm de ser feitas mas em condições reais, caso contrário não vale a pena. Dizem que os níveis de dióxido de carbono baixaram no Dia Europeu Sem Carros… Ora bolas! Pois se tiraram os carros, tiraram os emissores, logo baixou o dióxido de carbono! Para além de uma certa renovação na fé do método experimental - e eu gosto de renovar a nossa fé no método experimental -, é evidente que isso me parece demasiado óbvio e bastava terem ligado os medidores a um domingo. Deu para verificar que, apesar de os senhores estarem no poder, os medidores ainda funcionam. Já não é mau! Mas, como digo, bastava terem

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ligado os medidores a um domingo para chegarmos à mesma conclusão.
Portanto, Sr. Deputado, partilhando algumas das suas ideias em relação a esta matéria, devo dizer-lhe que não é assim que o problema se vai resolver. O problema é que estamos há muito tempo a saber o que é preciso fazer nesta área. Aliás, qualquer programa político de qualquer partido que tenha concorrido - e não é o caso do Bloco de Esquerda - a eleições, mesmo autárquicas, há 5 ou há 10 anos diz exactamente estas coisas. O que se passa é que quem está no poder desde então, por exemplo, em Lisboa ou no Porto, é o Partido Socialista (em Lisboa, em coligação), quem está no Governo há este tempo todo é o Partido Socialista e agora, de repente, fruto de um dia que foi um feriado, descobriram todas as soluções. Não é aceitável, do meu ponto de vista!
Quanto à sua proposta em concreto, deixo-lhe uma questão para sua reflexão e, se puder, para me esclarecer. De tudo isto decorre que temos de ter menos carros mas mais produtividade, mas a sua proposta de parar com toda a construção de estacionamento nos centros da cidade parece-me um erro, designadamente pela experiência e conhecimento que tenho de Lisboa, onde ainda falta muito estacionamento, para além de ser contraditória com a vontade de dinamizar zonas históricas como a do Chiado ou com a vontade de dinamizar a baixa de Lisboa. Querer recuperar essas zonas sem ter algum espaço de estacionamento e sem reforçar o estacionamento parece-me um erro. A maior parte das capitais europeias, que têm melhor circulação do que Lisboa, têm estacionamento em altura, às vezes no subsolo, em várias condições, mas têm-no nas zonas onde querem atrair pessoas. Lisboa não tem, e, portanto, não podemos ir tão longe nem ser tão radicais ao ponto de querer parar toda a construção de estacionamento no centro da cidade. O que é preciso é uma política não demagógica e realista, progressiva, de redução do número de carros, que, como o Sr. Deputado do Partido Socialista há pouco reconheceu, não foi levada a cabo, porque, ao longo de todos estes anos, o número de carros tem vindo sempre a aumentar.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, responder-lhe-ei à sua questão geral e à sua questão mais particular.
Tenho uma divergência óbvia, que explicitei na minha intervenção, acerca da interpretação que o PP faz sobre o Dia Europeu Sem Carros. Creio que o Dia Europeu Sem Carros foi um grande sucesso, sendo verdade que muitas pessoas de fora de Lisboa não vieram para a cidade, mas não se pode aplicar a expressão «um dia sem pessoas» por ser um excesso de retórica rocambolesco; pelo contrário, houve muitas pessoas na rua, talvez, até, muito mais pessoas, mas não houve todas as pessoas que, da Área Metropolitana de Lisboa, costumam acorrer ao trabalho. Isto é indiscutível. No entanto, o sucesso desse dia não tem a ver com essa medida mas com a possibilidade de um debate público sobre a contracorrente desta tendência, inevitável, de aumento do congestionamento urbano, que coloca problemas centrais. Portanto, coragem é discutir, e discutir com grande tranquilidade e grande seriedade, que foi o que ocorreu durante o dia 22 de Setembro passado. Este é o aspecto decisivo. O CDS-PP não percebeu isso, não resistiu e, se permite a expressão, «fugiu-lhe o pé para o chinelo» com muita facilidade.
O debate verdadeiro, que foi criado a este respeito, é o de saber qual é a alternativa de futuro. Se esta alternativa for a de manter esta lógica de congestionamento numa cidade com menos de 600 000 habitantes mas com mais de 750 000 automóveis, então trata-se de um absurdo completo!
É claro que isto implica uma política urbana muito mais reconsiderada. Barcelona, por exemplo, que tem a mesma dimensão de Lisboa, tem três vezes a população de Lisboa e muito melhor qualidade de vida. Mas esta reorganização da estrutura urbana, que passa pela criação de políticas de habitação, de colocação de emprego e de acessibilidade, deve valorizar uma política que incentiva um transporte público de qualidade. E este foi, talvez, o ganho desse Dia.
Portanto, parece-me que não perdemos ao haver menos automóveis; pelo contrário, ganhámos ao haver uma discussão sobre esses transportes públicos, cujo desenvolvimento é absolutamente fundamental. E este é o desafio que fazemos.
Em resumo, Sr. Deputado, é por esta razão que a alternativa que sugerimos não é exactamente a de não construir parqueamentos no centro da cidade, porque, é evidente, devem continuar a ser criados estacionamentos do género dos que já existem (embora a Emel tenha criado parqueamentos em condições de legalidade muito duvidosa), mas a da aplicação do princípio da tarifação do parqueamento, que, a nosso ver, é indispensável, é fundamental, é correcto e já está a ser implementado, devendo, portanto, ser concluído.
Há já alguns parques no centro da cidade, mas o problema é saber o que é prioritário. Temos de saber se é prioritário - e esta é a nossa opinião - um parqueamento dissuasor nas coroas de acesso à cidade e nas vias radiais. Isto é decisivo.
Em minha opinião, estão a ser construídos parqueamentos extraordinariamente complicados - às vezes até com implicações, interferindo com resíduos arqueológicos de grande importância, como sucede no Martim Moniz - e, em contrapartida, não se está a fazer aquilo que é essencial: o parqueamento dissuasor.
Creio que esta é a melhor resposta que posso dar-lhe, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho.

O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de começar a intervenção, permitam-me que refira que o Partido Socialista saúda as iniciativas de Os Verdes e do Bloco de Esquerda no sentido de apresentarem também uma proposta de resolução sobre o transporte público, pois trata-se de um problema sério que carece de discussão e merece análise, mas rejeita, à partida, a teoria do caos que me pareceu resultar do preâmbulo do projecto de resolução apresentado pelo Bloco de Esquerda e também de algumas intervenções que aqui ouvi.

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Em matéria de transporte público, nomeadamente do sector ferroviário, ignorar o que era o investimento antes dos governos do Partido Socialista e o que é agora é ignorar que, se não tivesse havido esse investimento, a situação seria, essa sim, muito pior do que aquela que é hoje em dia.
Portanto, gostaria de dizer a todos os Srs. Deputados que, neste campo específico, como também nos outros, qualquer Deputado do Partido Socialista - eu próprio incluído - tem muito orgulho em defender a obra já realizada pelos governos do PS; e, Sr. Deputado, pode crer que, em meu entender, não é por aqui que as coisas nos correm mal!
Quero também salientar e felicitar, o que, aliás, foi reconhecido em certa medida pela intervenção do Sr. Deputado Telmo Correia, o trabalho que nesta matéria foi feito pela Câmara Municipal de Lisboa, o qual permite que hoje em dia se respire um outro ambiente dentro da cidade, não obstante existirem algumas situações que ainda nos chocam, como, por exemplo, vermos os carros em cima dos passeios - talvez porque tenha sido feita…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Está perfeito! Não podia estar melhor!

O Orador: - Não está perfeito, Sr. Deputado! Mas a pior maneira que temos de contribuir para que as coisas não corram bem é dizer mal de tudo aquilo que já foi feito. E eu não tenho quaisquer dúvidas de que, em matéria de estacionamento e de acesso à cidade, a situação hoje está muito melhor do que a que tínhamos há uns anos atrás, nomeadamente quando os senhores dirigiam a Câmara Municipal de Lisboa.

Aplausos do PS.

Aliás, gostaria ainda de acrescentar que não vejo qualquer ilegalidade na promoção do estacionamento, como foi aqui sugerido pelo Sr. Deputado Francisco Louçã, no que diz respeito à Emel, porque a mesma foi decidida em assembleia municipal.
Portanto, Caro Deputado Francisco Louçã, penso que não devemos contribuir para prejudicar e dificultar uma iniciativa que é meritória e está a beneficiar os cidadãos. E, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que tenho muita pena de que, neste momento, na minha rua, a Emel não leve a cabo a fiscalização que já teve, porque nessa altura não havia carros em cima dos passeios e agora já começa a haver. Isto porque está a pegar a ideia: «Isto é ilegal, portanto vamos por os carros de qualquer maneira»! Ora, este é o melhor caminho para que as coisas voltem à situação anterior, que era mais desumana do que aquela que é hoje em dia, apesar de continuar ainda a ser muito desumana naquilo que diz respeito à vida dentro da nossa cidade.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Um dos méritos da jornada realizada no passado dia 22 de Setembro, da promoção do Dia Europeu Sem Carros, é que a mesma evidenciou que a qualidade dos serviços de transporte público pode, efectivamente, ser melhor, correspondendo a uma maior eficácia, principalmente no que se refere à comodidade e rapidez dos serviços, assim como nos demonstrou que está ao nosso alcance uma outra qualidade de vida ambiental para as grandes cidades, com menos poluição e maior partilha do espaço urbano.
Aproveitamos, pois, para, desde já, saudar a decisão tomada na hora, como ilação extraída da experiência vivida com esta realização, a de se criar um bilhete único para os serviços do metropolitano de Lisboa e Carris. Aqui está uma verdadeira medida de promoção de transporte público.
Mas, se esta medida representa um claro sinal de que o Governo está disposto a privilegiar e a promover o transporte público, todos temos consciência de que a batalha entre o transporte individual e o transporte colectivo, não obstante os avultados investimentos já realizados, tem vindo a ser progressivamente ganha pelo primeiro.
O crescimento económico continuado que se tem registado no nosso país permitiu um aumento do rendimento das famílias que, naturalmente, incrementou a utilização do automóvel particular nas deslocações diárias em detrimento da utilização dos diferentes modos de transporte colectivo, com prejuízo para a qualidade de vida dos cidadãos e para as condições ambientais, principalmente nos grandes centros urbanos.
Esta situação coloca o nosso país em posição de incumprimento quanto às metas previstas no Protocolo de Quioto, em que o crescimento dos níveis de CO2, entre 1990 e 1995, foi de cerca de 19%, sendo que o peso dos transportes reflecte, em 1995, 77% do total dos níveis de CO2.
É, pois, cada vez mais urgente definir um conjunto de objectivos que visem reforçar os mecanismos de incentivo à utilização dos transportes públicos e, de entre estes, promover especialmente os menos poluentes, designadamente os ferroviários e os fluviais.
Temos consciência de que para que se verifiquem condições de uma maior procura do transporte colectivo em detrimento do transporte individual estas só serão alcançadas se os transportes colectivos se afirmarem nitidamente como uma alternativa ao individual, nomeadamente se corresponderem às necessidades de mobilidade das pessoas. Ora, esta situação só será tida em conta se se incrementar a qualidade dos serviços prestados paralelamente com a modernização das suas infra-estruturas.
Podemos, assim, apontar como condições essenciais para a promoção do transporte público a verificação das seguintes premissas: maior qualidade dos serviços prestados; melhores infra-estruturas e material circulante; e maior mobilidade, que corresponda às necessidades reais das pessoas. Só verificando-se estas condições se obterão maiores índices de segurança, redução dos tempos de percurso e melhoria dos padrões de conforto.
Menos carros e mais transportes colectivos representa uma efectiva melhoria da qualidade de vida ambiental, mas também neste domínio torna-se necessário reforçar os modos de transporte ferroviário e fluvial, porque, em termos de política ambiental e energética, apresentam vantagens comparativas com o rodoviário.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para que à promoção do transporte público corresponda

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uma efectiva procura por parte dos cidadãos é também indispensável que se verifiquem boas condições de coordenação entre todas as entidades intervenientes no sistema - governo, autarquias e empresas públicas e privadas de transportes -, com o objectivo de se assegurar uma boa articulação entre os vários modos de transporte, garantindo o funcionamento de um bom sistema de interfaces intermodais e uma correcta política de integração do sistema tarifário.
Das recomendações e propostas de medidas apresentadas pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista no seu projecto de resolução gostaria de salientar as seguintes: criação das comissões metropolitanas de transporte, com a finalidade de se promoverem os mecanismos de coordenação do sistema e a sua articulação entre os vários modos, promovendo assim a melhoria da mobilidade e acessibilidades dos cidadãos; incentivo à criação de títulos de transporte, integrando a utilização do transporte colectivo e do transporte individual; reforço do investimento nos modos de transporte colectivo de qualidade, em termos de regularidade, fiabilidade dos serviços e conforto e com menores custos ambientais, designadamente os modos ferroviário e fluvial; incremento da construção de um sistema de interfaces que articule os vários modos de transporte colectivo; criação de sistemas de incentivo à melhoria da segurança nos transportes colectivos; criação de medidas de incentivo à utilização de energias alternativas menos poluentes, nomeadamente nos centros urbanos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A questão do automóvel e da sua utilização massiva e indiscriminada é também uma questão cultural.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não ignoramos que o cada vez maior grau de exigência - e ainda bem que assim é! - dos cidadãos perante a coisa pública e, por consequência, perante os transportes públicos tem justificado a opção pelo transporte individual em detrimento do transporte colectivo, mas também não ignoramos que, se houvesse uma maior consciencialização de todos os cidadãos de que a batalha pelo ambiente e qualidade de vida também passa por cada um de nós, poderíamos estar bem melhor.
Quanto menos carros circularem pelas cidades e estradas e quanto maior for a procura pelos transportes públicos, procura acompanhada por uma exigência de qualidade no que toca aos serviços prestados, melhor serão os transportes públicos.
Foi este o ensinamento que nos trouxe o passado dia 22 de Setembro, não obstante os inconvenientes que seguramente também provocou.

A Sr.ª Natalina de Moura (PS): - Exactamente!

O Orador: - Foi possível demonstrar que, com a cedência de todos, com bom senso, se pode alcançar uma melhor qualidade de vida ambiental, sobretudo nos grandes centros urbanos. E todos temos a consciência de que o actual estado das coisas não pode continuar, sob pena de estarmos a hipotecar o nosso futuro colectivo, no que se refere ao ambiente, qualidade de vida e vivência social.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, serei muito breve, mas não quero deixar passar em branco uma afirmação do Sr. Deputado Miguel Coelho em relação a Lisboa.
Sr. Deputado, não faço comparações dessas com o passado, até porque, nessa altura, não tinha idade para ter responsabilidades autárquicas. Se calhar, era diferente! Também havia menos carros. No século passado, então, devia ser a felicidade total, pois podia-se andar de bicicleta, de burro, do que os senhores quisessem.

Protestos do PS.

Mas vamos falar de hoje, vamos falar das vossas responsabilidades e de coisas que interessam.
Em toda esta matéria, o que é lamentável é que em Lisboa, ao longo de todo este tempo - e já lá vão muitos anos de responsabilidade socialista -, o número de carros tenha aumentado sempre. Aumentou sempre! Sempre mais carros, sempre mais trânsito, sempre mais congestionamento, e os senhores não resolveram o problema.
Também é lamentável que, a propósito do Dia Europeu Sem Carros, o Sr. Presidente da Câmara de Lisboa tenha acabado o dia - para usar a expressão correcta, como lembrava há pouco o Sr. Deputado Lino de Carvalho, e sugerida pelo Presidente da Assembleia da República - a faltar à verdade despudoradamente, dizendo que nem um único comerciando foi prejudicado, estão aí os números, e que a cidade tinha funcionado em pleno.
Os senhores não saem desta contradição. Se a cidade funcionou em pleno, então queremos um dia sem carros, já para amanhã! E para sempre! Pois, se andámos todos melhor, se andámos todos à larga, se funcionou tudo em pleno, se todas as empresas estiveram em actividade, se nenhum comerciante foi prejudicado, então não sei por que é que essa medida não é para todos os dias.
Sr. Deputado, mais em concreto, e penso que esta pergunta resume tudo, pergunto: perante um texto deste tipo, com intenções tão vagas e com coisas que sabemos que são precisas há tantos anos - como, por exemplo, os interfaces, os bilhetes multimodais -, o Sr. Deputado tem, por acaso, memória ou consciência de há quantos dias o Partido Socialista está no poder? Se não tiver, eu lembro-o: são mais de 1800 dias, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho.

O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Temo Correia, gostava de lhe dizer, com toda a

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sinceridade, que já estava na vida política nos tempos em que a Câmara Municipal de Lisboa tinha uma outra liderança. Respeito muito a memória do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa Engenheiro Abecasis,…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … a quem aprendi a admirar ainda mais quando ele foi meu colega aqui, no Parlamento.
Portanto, acho de mau tom que o Sr. Deputado tenha dito: «Não tenho nada a ver com isso! Naquele tempo eu…».

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Entendeu mal!

O Orador: - Foi assim que eu entendi.
Como estava a dizer, acho de mau tom que V. Ex.ª tenha dito que nada tem a ver com isso, porque não estava cá, não era autarca ou qualquer coisa assim.
Mas isto tem a ver com as políticas e com as opções! E, de facto, a opção política da anterior gestão da Câmara Municipal de Lisboa era, em matéria de estacionamento na cidade de Lisboa, zero. Sabe quantos parques de estacionamento foram construídos no tempo da coligação CDS/PSD? Zero!

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Mas como é que faz essa comparação? Uma coisa nada tem a ver com a outra!

O Orador: - Nessa altura, já entravam mais de 300 000 em Lisboa, Sr.ª Deputada! Já entravam mais de 300 000 carros! Aliás, esse estudo foi feito logo no primeiro ano do mandato do anterior Presidente da Câmara, Jorge Sampaio!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Os senhores não ganharam as eleições?!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - E no tempo do Marquês do Pombal?!

O Orador: - Se se pusessem todos os carros que entravam em Lisboa uns atrás dos outros, eles ocupavam a auto-estrada em fila indiana daqui até Braga. E, portanto, a vossa política foi direccionada noutros sentidos, enquanto que a nossa não!
Também lhe quero dizer que, hoje em dia, a situação em Lisboa, evidentemente, está cheia de falhas. Fui o primeiro a apontar situações que, evidentemente, ofendem o nosso sentido de humanidade. Quando vejo carros em cima dos passeios, pessoas idosas a andarem no meio das ruas por não poderem andar nos passeios, cegos a chocarem com os «pilaretes» que se põem no meio dos passeios por causa dos automóveis, evidentemente que me sinto indignado e tenho consciência de que é sempre possível fazer mais e melhor.
Mas garanto-lhe, Sr. Deputado, que, se não tivéssemos feito o que fizemos até aqui, se não houvesse a política de promoção do estacionamento que houve na autarquia de Lisboa, se não tivéssemos feito os investimentos e as infra-estrutruras que fizemos e se não tivéssemos dado o arranque que demos ao eixo Norte/Sul, estávamos muito pior e, se calhar, andávamos todos - desculpe a expressão - na rua, e não aqui dentro, como é evidente, à «estalada» uns aos outros, porque a situação estava incomportável e insuportável. Devo dizer-lhe isto com toda a sinceridade. Portanto, esta é uma das matérias em que tenho grande orgulho em dizer: fez-se bastante, mas falta ainda fazer muito mais.
É nesse sentido também que lhe devo dizer que não tenho qualquer problema em afirmar - e ainda bem que fez essa contabilidade -… No seu caso não se poderá dizer «ó tempo volta para trás», porque não estava no Governo anteriormente!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Mas vamos estar depois!

O Orador: - Ainda têm de provar isso, e é capaz de ser complicado!

O Sr. José Barros de Moura (PS). - É preciso ir a eleições!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Já faltou mais!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, peço-lhe que termine.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Devo dizer-lhe que o investimento feito, desde que o PS é Governo, em matéria de transportes, não tem comparação com o que tinha sido feito até aí. A obra está à vista, Sr. Deputado!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social.

O Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social (Jorge Coelho): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria, em primeiro lugar, de felicitar e de saudar esta iniciativa que um conjunto de grupos parlamentares - o Partido Socialista, o Partido Ecologista Os Verdes e o Bloco de Esquerda - tiveram de forma a ser aqui discutido um tema tremendamente importante para milhões de portugueses e, muito em particular, para os milhões de portugueses que, quer na Área Metropolitana de Lisboa, quer na Área Metropolitana do Porto, todos os dias, têm este problema complicado nas suas vidas, que é terem de se deslocar da sua casa para o seu emprego, o que, como é sabido,…

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - No Dia Europeu sem Carros não!

O Orador: - Sr. Deputado, este é um assunto muito sério, que tem a ver com a vida de milhões de pessoas! Esse tipo de apartes pode e deve ser dito quando se estão a discutir temas de luta política, mas hoje estamos aqui a tratar de coisas que têm a ver com a vida concreta das pessoas e com a vida de pessoas que não têm… Não é o caso do Sr. Deputado nem o meu, que temos outras facilidades para poder ter uma vida melhor do que a generalidade dos portugueses nestas áreas!

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Portanto, Sr. Deputado, gostaria de lhe dizer que, como é óbvio, estas são questões que têm de ser discutidas com seriedade, são questões em que têm de ser tidas em conta as posições, as opiniões e os estudos técnicos que todos nós podemos fazer, e todos nós temos a obrigação, nomeadamente o Governo, de ouvir, de discutir e de dialogar com toda esta grande comunidade que, nesta área dos transportes e da requalificação em geral, deve ser tida em conta, para encontrarmos melhores soluções em termos da qualidade de vida dos nossos concidadãos.
O Sr. Secretário de Estado dos Transportes encontra-se inscrito e irá fazer, em momento oportuno, uma intervenção mais detalhada sobre as questões mais concretas que aqui foram colocadas no debate de hoje. Por isso, irei centrar esta minha intervenção numa lógica que vai ao encontro de algo que, como foi dito há pouco pelo Sr. Deputado Francisco Louçã, é uma característica de comum acordo, pelo menos de todos os partidos que apresentaram as propostas de resolução que estão hoje aqui a ser discutidas, e que tem a ver com as comissões metropolitanas de transportes, previstas na Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres.
Participei, há bem pouco tempo, aliás como alguns dos Srs. Deputados, numa iniciativa, que o Sr. Presidente da República entendeu por bem tomar, de discutir o problema das acessibilidades na Área Metropolitana de Lisboa, sob o tema «Da vida nas cidades», em que um conjunto de técnicos, muito credenciados nesta área, se pronunciaram sobre aquilo que era necessário fazer relativamente a esta matéria.
Gostava de dar conta à Assembleia da República que tive a honra e o privilégio de concretizar ontem, a nível do Governo, a criação das comissões metropolitanas de transportes, que está por efectuar há 10 anos, e de a remeter quer para a Associação Nacional dos Municípios Portugueses, quer para as Juntas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, o que quer dizer que chegou ao fim este processo de elaboração deste instrumento fundamental da criação de condições para melhorar a vida das pessoas que vivem e trabalham nestas áreas. Como penso que é algo de importante, gostaria disso informar os Srs. Deputados.
É um facto que, ao fim destes anos, foi possível concretizar esta medida, depois de muito trabalho e também de muita luta, porque não é por acaso que não estava aprovado o decreto-lei de criação das comissões metropolitanas de transportes.
Gostaria, portanto, de lhes dizer que estas comissões metropolitanas de transportes, criadas em Lisboa e no Porto pelo decreto-lei que acabo de referir, irão ter como atribuições: promover a elaboração e a actualização permanente dos planos de transporte das regiões, de acordo com os princípios estabelecidos na lei que, entretanto, está em vigor; coordenar a execução dos investimentos e das medidas previstas nos planos, compatibilizando as actuações dos organismos públicos e das empresas transportadoras envolvidas; realizar os investimentos que, a título excepcional, lhe venham a ser atribuídos, nos termos dos planos de transportes, em que uma das primeiras medidas a tomar pode ser, por exemplo, a elaboração e a concretização de um plano rigoroso de interfaces nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, de forma a criarem-se condições para que os investimentos que estão a ser feitos nos transportes pesados possam ser potenciados com a devida coordenação dos transportes rodoviários a rebater sobre esses mesmos transportes ferroviários; conceder, autorizar ou contratar a exploração de transportes regulares nas respectivas regiões.
Estas comissões metropolitanas de transportes irão ter um conselho geral e um conselho executivo. O conselho executivo irá ter três elementos, sendo que um deles deverá ser, obrigatoriamente, nomeado pelas Juntas Metropolitanas de Lisboa ou do Porto, e o conselho geral, que é aquele conceito que, muitas vezes, as pessoas que discutem estes temas há bastante tempo colocam, que, pelo menos, se juntássemos todas estas pessoas à volta de uma mesa a discutir as questões, já era um passo importante para encontrar soluções melhores.
Este conselho geral vai ter pessoas, como é óbvio, da administração central, dos ministérios que estão envolvidos nestas áreas, das câmaras municipais, das juntas metropolitanas, das empresas transportadoras, quer sejam públicas, quer sejam privadas, das centrais sindicais, das associações de utentes que se dedicam, e que algumas também têm, actividades concretas nesta área.
Penso que, com este trabalho que foi possível fazer, com muitos contributos, e com muitos contributos que não tiveram só a ver com pessoas que são da área do Governo mas também com pessoas que têm dedicado os seus estudos, a sua investigação e o seu saber a estas matérias há muito tempo e que eu me habituei a respeitar e a ouvir sempre que é necessário tratar de questões desta natureza.
Julgo que é um bom passo para aquilo que temos de fazer no futuro e para nos organizarmos melhor relativamente àquilo que estamos a fazer de investimentos - e são muitos os que estão a ser feitos - em termos de potenciar e melhorar a condição de vida dos portugueses nas áreas que estou a referir, mas julgo que é um passo extremamente importante relativamente àquilo que todos nós sentimos que é preciso melhorar e que é preciso potenciar em termos de futuro.
Por isso, fiquei satisfeito por ter podido concretizar ontem este mesmo decreto-lei e mais satisfeito ainda por poder hoje participar aqui num debate no Parlamento, em que é possível discutir este tipo de questões, procurando também trazer aqui algo que, como foi aqui reconhecido, é extremamente importante que tivesse sido concretizado e aprovado neste momento.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró). - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, ouvi-o com atenção e registei a abertura que o Governo tem nesta matéria - possa ela traduzir-se em iniciativas múltiplas, no que diz respeito às grandes opções do transporte, que sejam, naturalmente, discutidas nesta Câmara!
Compreendo e conheço a sua preocupação, como Secretário-Geral da Carris, com funções suspensas, uma vez que conhece bem o transporte público e tem, se

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guramente, por ele algum apreço. Enfim, ele representa, com certeza, algum valor elevado na sua lista de prioridades.
Referiu-se a uma matéria de grande importância, a dos conselhos coordenadores - e ainda bem que há avanços nesse sentido -, mas queria pedir-lhe que se referisse a outra, que é a dos tais passes multimodais.
Foi aqui dito - e foi um pequeno instrumento de polémica, talvez desnecessário - que os passes multimodais actualmente coordenam a transferência entre vários modos de transporte, mas não são gerais, e a experiência do bilhete de 300$, no dia sem carros, apontou para uma preocupação, que é a da universalidade de um título de transporte, porventura associado até ao «park and ride» para a dissuasão da utilização do transporte privado.
O que pretendo saber, Sr. Ministro, é se o Governo está aberto a acolher a proposta que fazemos, nomeadamente no nosso projecto de resolução, que sei que é partilhada por outros sectores da sociedade portuguesa, de dar sinais e de criar os instrumentos para que seja possível conjugar os vários operadores de transportes num instrumento único de referência, que possa ser mais barato do que alguns dos passes multimodais que existem hoje e que possa ser generalizador de uma comodidade de transferência de transporte, como também não existe, particularmente na Área Metropolitana de Lisboa, onde, como lhe disse, há mais de 200 títulos de transporte, a maior parte dos quais inutilizáveis de um para outro meio de transporte.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social.

O Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, em primeiro lugar, temos muito orgulho, enquanto Governo apoiado por um partido como o Partido Socialista, de ter sido um governo do Partido Socialista e uma pessoa que faz parte da minha equipa no Ministério do Equipamento Social, que é a actual Secretária de Estado da Habitação, Dr.ª Leonor Coutinho, quem esteve na base da criação do passe social em Portugal. Se existem hoje passes sociais em Portugal, isso deve-se ao Partido Socialista, a um governo do Partido Socialista e a uma pessoa que é uma distinta dirigente do Partido Socialista e membro deste Governo. Portanto, temos muito orgulho nisso!
Temos também consciência de que o modelo que existe actualmente exige discussão e algumas alterações para ter potencialidades maiores do que tem hoje. Penso que a discussão no âmbito das comissões metropolitanas de transportes vai ser importante relativamente a essa matéria porque, como é óbvio, temos consciência de que é preciso encontrar aqui soluções tarifárias diferentes daquelas que existem hoje. Por exemplo, no caminho-de-ferro, nas linhas suburbanas de Lisboa, está em discussão, no âmbito do Ministério, com os operadores, uma nova forma de encontrar outras coroas para dar mais lógica e mais organização àquilo que existe hoje.
Gostaria ainda de lhe dar conta de algo que é importante e que vai ao encontro do que disse: não é por acaso que nós, este mês, demos orientações claras à Carris e ao Metro para a criação de um bilhete único - e já está concretizado! Foi um bom passo e que também teve a ver com o Dia Europeu sem Carros, que estimulou as tecno-estruturas, os próprios responsáveis das empresas, a também, entre si, encontrarem outras soluções para melhorar a qualidade de vida das pessoas e a possibilidade de se utilizarem os meios de transporte de outra maneira. Este mês já foi criado um bilhete único entre a Carris e o Metropolitano porque, por mais espantoso que pareça, sendo duas empresas a operar na zona de Lisboa, pertencendo a 100% ao Estado e tuteladas pelo mesmo Ministério, nunca tinha havido capacidade de, entre as empresas, resolver uma situação que parece - e é - tão fácil.
Por isso, decidimos que - e vamos concretizá-lo - a Carris e o Metropolitano passarão a ter uma articulação permanente em áreas como o planeamento e investimentos, em áreas como a gestão dos locais onde é preciso dirigirem-se, para ir ao encontro das pessoas que precisam de ser transportadas. Haverá uma articulação conjunta entre as duas empresas, como faz sentido que assim seja.
Mas é preciso ir mais longe: isto tem de se articular com todos os transportes que aqui operam, sob pena de continuar a existir muita da confusão que ainda existe hoje.
Vamos, pois, por esse caminho, o da sua preocupação, Sr. Deputado. Pensamos que as comissões metropolitanas de transportes podem ter um papel fundamental na discussão séria desta questão e haveremos de chegar à resolução das questões que foram colocadas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Castro de Almeida.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, para quem o conhece, o tom comedido e algo contristado com que iniciou a sua intervenção quer dizer que o Sr. Ministro tem má consciência da acção do seu Governo em matéria de transportes. Quem o conhece sabe bem que o que esteve aqui a fazer foi uma confissão de culpa da acção do PS nesta matéria, o que é, convenhamos, meio caminho andado! É meio caminho andado que o PS reconheça que não tem dado prioridade à questão dos transportes públicos!
A prova disso está nos números, e há números para tudo. Hoje circula-se menos em transportes públicos na Área Metropolitana de Lisboa, a CP transporta hoje menos passageiros do que transportava quando este Governo tomou posse. Ora, como o povo não é masoquista, se tivesse bons transportes públicos, usava-os! Se o povo está a abandonar os transportes públicos em favor do transporte individual, é porque o transporte público é cada vez pior, é cada vez mais ineficiente! Esta é a melhor prova da inacção do Governo nesta matéria. Isto quer dizer que o Governo, nos últimos anos, não deu passos em frente, deu passos atrás! Se o Governo tivesse feito os investimentos que disse no passado que haveria de fazer, os portugueses estariam a usar transporte público mais do que o fazem.
Se comparar os dados de 1994 com os de 1998, a CP transporta menos 10% de passageiros, mas a Carris

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também transporta menos passageiros nesse mesmo período, de acordo com os números que o próprio Governo, a Carris e a CP fornecem. Portanto, assentemos nisto: hoje utiliza-se menos transporte público, o que quer dizer que o transporte público é uma opção menos boa para os portugueses.
É bom que o Governo reconheça as suas culpas, mas deixe-me dizer-lhe que não acredito que o Governo, que em cinco anos não deu prioridade ao transporte público, vá fazê-lo a partir de agora! Eu não acredito! E não acredito, além do mais, porque era preciso coragem para isso, e coragem é algo que este Governo não tem! Era preciso que o Governo se dedicasse a pensar nas pessoas e não apenas no show off, nas imagens, na comunicação social.
E há aqui um problema dramático, Srs. Deputados: é que não há prática neste país de inaugurar comboios! Nem se inauguram carruagens! Inauguram-se estradas, mas não se inauguram comboios! É este o drama do Ministro, que, provavelmente, até gostaria de inaugurar mais autocarros e mais comboios! Mas como não se inauguram comboios nem autocarros, o Ministro dedica-se às estradas! Mas acredito que este Governo passará a dar importância ao transporte público a partir do momento em que se inaugurem comboios e autocarros.
E falta coragem a este Governo como se demonstra - já aqui foi referido - com o que se passa na Ponte 25 de Abril: então, um Governo que diz que dá prioridade ao transporte público aceita que se pague mais caro por um transporte de comboio do que o que paga de portagem um cidadão que se mete no seu carro e atravessa a ponte? Isto não é dar prioridade ao transporte público, é falta de coragem da parte do Governo! Aquilo que quero saber é quando é que o Sr. Ministro está na disposição de mudar este estado de coisas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social.

O Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social: - Sr. Presidente, Sr. Deputado, irei responder de forma muito rápida, porque hoje estamos aqui a tratar de coisas sérias. Estas questões de natureza mais médica que o Sr. Deputado coloca ficam para si porque não vale a pena tratar disso.
Mais uma vez, estudou mal a lição - ainda não está bem adaptado a esta área mas, por este andar, vai lá!
Quero apenas dizer-lhe que, em 1995, foram transportados na ferrovia, no total de transportes da região de Lisboa, 924 milhões de passageiros e, em 1999, 965 milhões. Portanto, o senhor está enganado, não aprendeu a lição, mas isso é uma questão secundária. Tenho aqui os números oficiais, a menos que os senhores tenham uma administração pública paralela - do que também são capazes…!
Segunda constatação: fica aqui também demonstrado que o PSD, mais uma vez, vem aqui lutar pelo aumento das portagens na Ponte 25 de Abril. Tenho mais uma vez de lhe dizer que não vamos por esse caminho, não vamos aumentar as portagens. Até lhe sugeria: porque é que não fazem uma petição para pedir o aumento das portagens na Ponte 25 de Abril? Porque não propõem um referendo?

Risos do PS.

O Sr. António Capucho (PSD): - Isto é de tão fraco nível para um Ministro!

O Orador: - Os senhores querem que se aumentem os combustíveis? Os senhores querem que se aumentem as portagens? Estão no vosso direito! Digam-no alto, assumam-no!
Foi bom ouvi-los hoje para as pessoas poderem ficar cientes de que aquilo que os senhores querem é que se aumentem as portagens na Ponte 25 de Abril, como querem que se aumentem os combustíveis no País! É a vossa política, estão no direito de a ter!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado Castro de Almeida, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra para defesa da consideração.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, solicito-lhe que esclareça a Mesa qual a razão que o leva a pedir a palavra para esse efeito.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro atribuiu-me a circunstância de ter fornecido dados enganosos à Câmara.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Ó Sr. Deputado...

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Ó Sr. Presidente, eu não engano a Câmara! Tenho de me defender! Em caso nenhum forneço dados enganosos à Câmara!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Dar-lhe-ei a palavra no final do debate.
Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, de facto, este é um debate sério e há uma questão que seriamente nos preocupa e que gostaríamos de colocar.
Julgo que a virtualidade, pelo menos até agora, da nossa proposta de agendamento para hoje foi permitir que aquilo que era um diploma que tem tido dificuldade em nascer pudesse ser hoje aqui anunciado. Naturalmente que ele vai permitir resolver e equacionar diferentemente algumas das questões que este debate suscita, mas há dois aspectos que, em todo o caso, gostaria de ver esclarecidos.
Parece-nos que o problema que se coloca nas cidades de hoje não é só o de suster e organizar o caos - esse é um problema que não é fácil -, mas, mais do que isso, importa saber como é que se conseguem tomar medidas para o prevenir e para o evitar. Nesse sentido, parece-me evidente que a política de preços que colocámos, e que o PS entendeu excessiva na

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abordagem do problema da promoção do transporte público, tem todo o cabimento.
Sr. Ministro, há, na utilização de alguns transportes públicos, uma quebra de procura por parte dos cidadãos. Naturalmente que isso tem a ver com a lentidão de circulação em superfície, com o mau funcionamento de horários, com deficiente oferta, com falta de segurança, falta de conforto, falta de qualidade, com problemas de sinalização, com a própria velocidade que é permitida ao transporte individual dentro da cidade e que, manifestamente, o transporte público, neste momento, não tem possibilidades de ter. Mas julgo que não vale a pena meter a cabeça na areia. O problema do preço do transporte é uma questão que qualquer família tem de equacionar quando faz escolhas.
Pergunto-lhe, pois, Sr. Ministro: admitindo que temos de encontrar formas de financiamento para o transporte público, como é que o Governo encara esta situação?
Em segundo lugar, gostaria que o Sr. Ministro esclarecesse - sendo esta uma questão lateral neste debate - como é que a inversão das políticas e uma clara prioridade ao transporte ferroviário são encaradas, não só na perspectiva do transporte de passageiros mas também de mercadorias.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social.

O Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, na nossa divisão de trabalho, será o Sr. Secretário de Estado a abordar essas duas questões. Mas não gostaria de deixar de lhe dizer o seguinte: como vai ter oportunidade de constatar, a questão do preço, como é evidente, terá de ser colocada. Mas como também vai ter oportunidade de verificar, comparativamente ao que se passa na União Europeia, a realidade não é bem a que está a referir. Infelizmente para os cidadãos de toda a Europa, em termos de transportes públicos, os preços em toda a União Europeia são superiores aos praticados em Portugal.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Mas também ganham mais!

O Orador: - Não, não! Corrigidos pelo produto interno bruto, Sr. Deputado! Tenho aqui o respectivo estudo!
É muito difícil apanharem-me hoje nalgum deslize, desde já vos digo!
Relativamente à prioridade do transporte ferroviário, é evidente que temos uma prioridade clara nessa matéria. Como a Sr.ª Deputada sabe, mesmo na discussão dos fundos comunitários, a necessidade de haver investimentos fortes nessa área é sempre uma matéria tremendamente discutida com a União Europeia. E estamos a fazê-los, nomeadamente nas zonas suburbanas, quer na zona de Sintra, da Azambuja, de Cascais, na zona suburbana do Porto, onde estão a ser feitas transformações brutais, investimentos de muitos milhões de contos para criar condições para que as pessoas possam ter uma vida melhor. Com certeza que o Sr. Secretário de Estado dos Transportes irá ter oportunidade de o dizer.
Relativamente às mercadorias, estamos também a provocar uma reorganização total do sector no caminho-de-ferro, ou seja, temos preocupações idênticas. Porém, como é evidente, apesar de termos consciência dos problemas, também não estamos numa situação de grande optimismo nessa matéria. Temos, no entanto, projectos e realizações em curso para melhorar esta área, no País.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social, realmente, será difícil apanhá-lo, hoje, em algum deslize nos planos e nas projecções que têm. O que é difícil explicar é por que é que, em termos de mobilidade e de resolução, como perguntei, há pouco, ao Sr. Deputado do Partido Socialista que veio apresentar este projecto de resolução - extraordinário para quem está no poder há tanto tempo! -, é por que é que, repito, isto andou tudo tão devagar durante este tempo todo. Essa é a grande questão a que o Sr. Ministro, hoje, devia responder.
Por que é que, ao fim de mais de 1800 dias de governo do Partido Socialista - e, já que o Sr. Deputado Miguel Coelho gosta de falar de mandatos, de há três, quatro ou cinco mandatos (se possível e necessário, recuaria ao tempo de Duarte Pacheco ou a outro qualquer), podemos também citar o caso da Câmara Municipal de Lisboa, que tem mais de 3500 dias de mandato (o Sr. Ministro, é claro, não responderá por isso, estou somente a lembrá-lo ao seu colega) -, as coisas andaram tão devagar?
Sr. Ministro, todos sabemos o que é preciso fazer. Todos sabemos que os grandes parques dissuasores, à entrada das cidades, deviam estar feitos, devia ter-se avançado mais, devia ter-se ido mais rápido. Todos sabemos que os interfaces teriam de estar completados e teriam de ser mais eficazes - pensemos, por exemplo, no caso do do Cais do Sodré. Todos sabemos que, nas cidades, era importante existirem redes de eléctricos rápidos, que permitissem fluir e maior circulação de trânsito - penso que, no caso de Lisboa, também. Todos sabemos que é fundamental concluir a rede do metropolitano.
Aliás, estava aqui a ouvi-lo e a lembrar-me daquela exemplar corrida que o seu colega de partido e, hoje, de Governo e meu amigo pessoal, António Costa, fez - há quantos anos? Há oito anos?! - entre o Ferrari parado no trânsito e o burro. Pois, hoje em dia, nem Ferrari, nem burro, nem metro!

Protestos do PS.

Foi há quantos anos? Há oito anos!

O Sr. José Manuel Epifânio (PS): - Mau exemplo!

Vozes do PS: - O metro está a ser construído!

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O Orador: - Mas ainda não está…! Quanto tempo é preciso mais?!

Protestos do PS.

E quanto tempo demorou?! Tudo tem avançado muito devagar, lentamente, e é isso que o Sr. Ministro não consegue explicar.
Todos sabemos que há outras soluções. Por que é que demorou tanto tempo esta coordenação metropolitana? Por que é que não se avançou numa maior concorrência entre as empresas transportadoras? Por que é que não se avançou para soluções como a municipalização dos transportes, onde ela é necessária e possível?
Esta é a grande questão e a ela o Sr. Ministro não respondeu.
Sei que agora lhe deu também para se assumir como o «Ministro do betão» e, de vez em quando, chegar com «pacotes de betão» a esta Assembleia. Mas não há explicação para muitas questões, que não são sequer de betão, mas de opção e de estratégia, como era, por exemplo, além de todas aquelas que referiu, o incentivo às duas rodas, enfim, inúmeras questões, que, todos sabemos, estão há anos escritas e pensadas, não sendo preciso qualquer técnico iluminado para fazê-lo. Porém, os senhores também não o fizeram! Portanto, o que, hoje, é difícil explicar é por que é que tudo isto andou tão devagar e esteve parado tanto tempo.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Ministro, há mais um orador inscrito para pedir explicações. Responde já ou no fim?

Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social, o modelo de transportes da Área Metropolitana de Lisboa é para todos nós desadequado - ainda é o mesmo modelo de quando a população se concentrava na cidade e havia pequenos núcleos populacionais à beira do caminho-de-ferro, nas estações, ou dos principais eixos viários. Hoje, isso não é assim.
E, no dia 22 de Setembro, com todas as virtudes e defeitos que veio a ter mas que foi significativo como demonstração de vontade de alterar, verificou-se que as pessoas preferiram vir de transportes públicos desde o seu local de residência, isto é, as pessoas apontaram claramente que é necessário sair desta situação pela via da utilização dos transportes públicos.
Ora, como primeira questão, gostaria que o Sr. Ministro referisse uma medida que o Governo do Partido Socialista tenha tomado, no sentido de promover o transporte nas periferias, onde há grandes aglomerados populacionais - são cerca de 2 milhões de habitantes da Área Metropolitana de Lisboa -, sem ser, naturalmente, o Metro Sul do Tejo, que, por acaso, é da iniciativa das câmaras e que o Governo atrasou, pelo menos durante uma legislatura.
Uma outra questão que quero colocar-lhe, Sr. Ministro - e regozijamo-nos com a criação da comissão metropolitana de transportes -, diz respeito ao seguinte: como o Sr. Ministro certamente saberá, da simples repartição de receitas do passe intermodal, as empresas privadas estão a retirar verba de «passageiros» que não transportam, de acordo com os números oficiais que o Ministério tem em seu poder, e continuam a exigir essa verba e ela continua a ser-lhes dada - era, em 1997 (não disponho de números actuais, porque esses números não são públicos), cerca de 800 000 contos. O Governo vai ou não exigir…
Por outro lado, qual é a política de financiamento às empresas públicas do sector, designadamente à Carris, ao Metro e à CP, que continuam impedidas de renovar as suas frotas, de ter uma oferta de qualidade, e que, mais, se vêem forçadas a suprimir carreiras, a desincentivar o uso do transporte público, porque não têm capacidade de oferta para o investimento?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social.

O Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social: - Sr. Presidente, o Sr. Secretário de Estado dos Transportes, na sua intervenção, irá responder às questões colocadas pelos Srs. Deputados, porque eu já não disponho de tempo para o efeito.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As acessibilidades e os transportes têm sempre de ser analisados no quadro de um modelo de desenvolvimento e de ordenamento do território. Desenvolvimento só faz sentido para o PCP quando entendido como uma forma de promover o bem-estar e a qualidade de vida das populações. A caótica situação actual é consequência directa da política neoliberal para o sector que este Governo teima em prosseguir, na sequência, aliás, do que sucessivos governos têm vindo a praticar ao longo dos últimos 20 anos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A prioridade, na lógica do sistema, é dada exclusivamente ao transporte individual, incentivando e promovendo o uso do automóvel em todas as circunstâncias, incluindo as deslocações pendulares, quando, em todo o mundo, já é consensual que, nas grandes cidades e, particularmente, nas áreas metropolitanas, só uma rede de transportes públicos adequada permite dar resposta à mobilidade requerida pelas necessidades das populações.
Como consequência desta política, os espaços urbanos foram invadidos por automóveis, degradando, até os limites do insuportável, a qualidade de vida das populações.

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A produção de gases, contribuindo para o efeito de estufa, não pára de aumentar e o peso das emissões produzidas pelos escapes dos automóveis continua a crescer, rondando já os 80%, no sentido contrário aos compromissos internacionais assumidos pelo Estado português nesta matéria.
As classes mais desfavorecidas são também aqui as mais prejudicadas. Na Área Metropolitana de Lisboa, em péssimas condições de conforto, com quatro ou cinco transferências, geralmente mal coordenas, por viagem, chega-se a gastar quatro horas por dia e ainda mais nas deslocações diárias para o trabalho ou para a escola, com custos de transporte incomportáveis para os orçamentos familiares, porque os transportes públicos desajustados são igualmente caros.
Portugal é o país da União Europeia onde, na receita total das empresas de transportes, é maior a percentagem dos resultados da venda de bilhetes e passes.
O Partido Socialista incluiu no seu programa de governo o desenvolvimento dos transportes públicos e o seu grupo parlamentar até apresentou um projecto de resolução para a promoção da utilização do transporte público. Só que as acções do Governo vão num sentido precisamente oposto. A privatização de empresas públicas de transportes, ou o seu desmembramento, com vista à criação de sectores rentáveis para os entregar posteriormente à exploração privada, proporcionaram chorudos negócios e nem sequer foi garantida a obrigatoriedade de prestação de serviços públicos mínimos.
Vejamos alguns exemplos: a Rodoviária de Lisboa e os Transportes Sul do Tejo acabaram, pura e simplesmente, com todas as carreiras que, na sua óptica, não davam a rentabilidade pretendida e, assim, ficaram isolados, totalmente ou em grande parte do dia, importantes aglomerados populacionais, que só podem mesmo recorrer ao transporte individual.
Com a criação do comboio na ponte 25 de Abril, do mesmo grupo dos Transportes Sul do Tejo, foram reduzidas, ou mesmo totalmente suprimidas, muitas das carreiras rodoviárias sobre a ponte 25 de Abril e a ligação aos terminais fluviais foi anulada, criando a empresa um novo serviço exclusivo para as estações ferroviárias.
Haverá ainda quem não perceba por que é que este comboio, com viagens extremamente caras, não teve repercussões significativas nos engarrafamentos da ponte 25 de Abril?
Estas empresas fizeram renovações de frotas essencialmente com autocarros adquiridos em segunda mão na Alemanha e na Holanda, após terem, nesses países, atingido o fim do seu período de vida útil. Mais: em muitas carreiras deixaram, pura e simplesmente, de aceitar o passe social intermodal como título de transporte, que a Rodoviária Nacional antes aceitava, passando a título próprio, mas exigem receber a percentagem de receitas do passe, a que, em 1981 - 1981! -, a Rodoviária Nacional tinha direito, mesmo depois de, em 1996, a Direcção-Geral dos Transportes Terrestres (DGTT) ter procedido à contagem de passageiros e verificado que 800 000 contos estavam a ser transferidos de empresas públicas para as privadas, verba que, neste momento, é certamente bastante superior. Continuaram a exigir esta verba e recebem-na! É um escândalo, Sr. Ministro!
As empresas públicas, por outro lado, não conseguem contratualizar com o Governo indemnizações compensatórias para assegurar níveis mínimos de prestação de serviços públicos, nem têm investimentos de renovação da frota. São, assim, pressionadas por critérios de rentabilidade duvidosa, onde só a receita dos passageiros conta, a suprimir percursos e a acabar serviços, como é o caso escandaloso da Carris com as carreiras dos eléctricos, meio de transporte mais adequado à topografia das colinas de Lisboa.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao material circulante, a degradação é evidente: há percursos ferroviários e fluviais que levam, hoje, o mesmo tempo - e, por vezes, mais - do que levavam há 50 anos, com máquinas a carvão.
Isto é: a política do Governo é uma política contrária ao desenvolvimento dos transportes públicos e a opção pelo transporte individual não é voluntária, Sr. Ministro. Ao contrário, as pessoas são forçadas a usar automóvel nas deslocações diárias, porque simplesmente os transportes públicos não oferecem alternativa.
A adesão de Portugal ao Dia Europeu Sem Carros teve significado no campo das posições de princípio sobre acessibilidades, mobilidade e qualidade de vida. Mas não significou, infelizmente, a assunção pelo Governo de uma política clara de opção pelos transportes públicos, nem a tomada de medidas tendentes a resolver os problemas das pessoas.
Uma política de prioridade aos transportes públicos implica a adopção de medidas que visam melhorar o sistema de transportes colectivos, por forma a torná-los mais atractivos e competitivos com o transporte individual.
Estas medidas nas áreas metropolitanas implicarão: assegurar por transporte público uma ligação eficaz entre as principais áreas residenciais de emprego e de estudo, o que significa criar ligações directas, ou com transbordo pouco penalizante, e em tempo comparativamente melhor do que o proporcionado pelo transporte individual; oferecer boas condições de conforto nas deslocações, não apenas na qualidade e ajustamento da oferta como nos terminais e pontes de correspondência; assegurar um bom nível de serviço, o que pressupõe frequências ajustadas e regularidade; oferecer um sistema tarifário justo, com taxas de comparticipação mais próximas da média europeia, e títulos de transporte práticos e flexíveis, que permitam optar pelo percurso alternativo que melhor o sirva e, simultaneamente, satisfazer outras necessidades complementares ou ocasionais, as quais não têm normalmente custos adicionais para o sistema.
Registe-se ainda que a adopção de uma tal política não é possível sem a colaboração institucionalizada do poder central e do poder local e a participação empenhada dos sindicatos.
Para o PCP, é possível, no curto prazo, introduzir melhorias significativas nos transportes colectivos nas áreas metropolitanas, aproveitando as infra-estruturas existentes, apesar da falta de algumas infra-estruturas importantes, como uma nova ponte rodo-ferroviária sobre o Tejo, a expansão do Metro de Lisboa, o Metro do Porto ou o Metro Sul do Tejo.

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Assim, de entre as propostas que temos feito, e continuaremos a fazer, e as iniciativas legislativas que iremos tomar, apontamos como prioridade sete medidas urgentes. A primeira é a criação da autoridade metropolitana dos transportes, que o Sr. Ministro, felizmente, vai criar, saindo desta posição do «nem faz, nem deixa fazer» que o Governo tem tido até agora, mas é necessário verificar se ela vai ter autonomia financeira e poderes efectivos no planeamento do sistema e nas opções de investimento. A segunda é a criação pela DGTT de bancos de dados, permanentemente actualizados, com matriz origem-destino. A terceira é parar com o desmembramento e as privatizações das empresas e actividades do sector dos transportes, promover o saneamento financeiro das empresas públicas, contratualizando a prestação de serviço público de qualidade, e o investimento em material circulante e equipamento. A quarta é assegurar a complementaridade entre os diversos modos de transporte…

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, peço-lhe que resuma as últimas três medidas rapidamente.

O Orador: - Vou acabar, Sr. Presidente, dizendo que a quinta medida é desenvolver as interfaces intermodais, a sexta é criar um título de transporte intermodal e a última é a revisão do passe social intermodal da Área Metropolitana de Lisboa e a criação, na Área Metropolitana do Porto, de um título de transporte semelhante.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Macedo Abrantes.

O Sr. José Macedo Abrantes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A actual situação das acessibilidades do País é um dos mais preocupantes problemas, afectando as pessoas e as empresas e condicionando o seu dia-a-dia, com graves repercussões na economia, nas condições ambientais e na qualidade de vida dos cidadãos.
As iniciativas legislativas de Os Verdes e do Bloco de Esquerda, embora quase só dirigidas às Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto e algo desconcertadas de uma realidade global, apresentam um conjunto de medidas que tendem a reduzir ou mesmo a inverter os efeitos perniciosos desta cada vez mais alarmante situação.
Em boa verdade, os diagnósticos e as medidas propostas fazem parte do senso comum e inserem-se no conteúdo da Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres, de 1990, e ainda na Lei n.º 44/91, que criou as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto. Estes diplomas, da iniciativa do PSD, representam atitudes verdadeiramente globalizantes e estruturantes, das quais decorre aliás a maioria das propostas actuais.
A Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres já previa planos de transportes articulados com os planos de urbanização e de ordenamento do território e a instituição de comissões metropolitanas de transporte com personalidade jurídica, com autonomia jurídica e financeira e com atribuições bem definidas. Por sua vez, a Lei n.º 44/91 atribui às áreas metropolitanas toda a articulação de serviços de transporte de âmbito supra municipal e ainda o acompanhamento, a elaboração e a execução dos planos de ordenamento do território.
Também o Plano de Desenvolvimento Regional (PDR) aponta desafios alegadamente sustentáveis e exequíveis e o próprio Programa do XIV Governo promete uma reforma profunda que prevê um Sistema Urbano Nacional.
O Partido Socialista aparece-nos agora muito preocupado com este problema, a reboque, aliás, das iniciativas legislativas alheias…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … e não faz mais do que reconhecer que o Governo, em cinco anos, afinal, pouco ou nada fez para inverter esta alarmante situação. Reconhece, no fundo, que o Governo não cumpriu também mais esta promessa. No seu Programa prometia: «melhorar significativamente a oferta de transportes públicos e suburbanos de modo a assegurar uma alternativa competitiva que diminua a dependência do transporte individual(…)». Ora, como nada disto foi conseguido nem medidas concretas foram tomadas,…

Vozes do PS: - Nada! Não se tem visto nada! Por exemplo, não há comboio na ponte!

O Orador: - … o PS lembra-nos aquele ex-Ministro da Agricultura que se apressou a incorporar uma manifestação de agricultores contra o próprio Ministro da Agricultura.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O PS vem também descobrir agora que o rendimento das famílias aumentou e que por isso elas têm maior acesso às viaturas particulares. Acontece que as famílias portuguesas não partilharão desta opinião, sentem, sim, que tiveram grandes facilidades de acesso a um sistema «sem entrada e sem juros» e estão a pagar por isso, incentivadas, irresponsavelmente, pelo Governo, como aliás reconheceu há dias o próprio Ministro Ferro Rodrigues.
O Partido Socialista descobre também agora que é necessário reforçar a atenção do Governo para os impactes ambientais e para a qualidade de vida das pessoas e, face ao aumento dos preços dos combustíveis, pretende que os cidadãos optem pelo transporte público, e só agora vislumbra a necessidade de informar os cidadãos para as opções de transporte oferecidas. Mas que opções? Será que o Partido Socialista sonha que há opções de transporte e que com mais uma dose de diálogo convence os cidadãos a optar por sistemas colectivos desarticulados, a maior parte das vezes caducos, incómodos, inseguros e sem fiabilidade?
Pensa o PS que os portugueses ainda acreditam que um Dia Sem Carros (virtual) ou uma dúzia de medidas pontuais e isoladas resolvem os seus problemas de transporte?
Os portugueses sabem bem que o Governo é incapaz de levar a efeito qualquer reforma estruturante,

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porque para tal é preciso competência e coragem, e os portugueses sabem que este Governo não decide e não tem coragem.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, já nem levam a sério as suas promessas. Podem anunciar grandiosas obras e reformas que os portugueses já nem ouvem ou, então, sorriem. Sorriem quando lhes anunciam estacionamentos periféricos de rebatimento, interfaces, títulos multimodais, telemáticas, tecnologias de bilhética, comissões milagrosas, sustentabilidades, etc. E, ao contrário do que o PS pensa, os portugueses têm memória: sabem quem é o responsável pelos atrasos de concretização da CRIL, dos metropolitanos de Lisboa, do Sul do Tejo, de Coimbra e do Porto, da Via do Infante, da auto-estrada para o Algarve ou ainda do plano ferroviário.
Os portugueses sorriem quando o PS invoca ainda a pesada herança cavaquista, porque já comparam os desempenhos de ambos os governos e recordam quem promoveu, não só anunciou ou prometeu, a Gare do Oriente com aplicação pioneira em Portugal dos conceitos de verdadeiro interface e de intermodalidade. Recordam ainda o brilho das inaugurações socialistas, que são das obras e empreendimentos da tal pesada herança cavaquista.
Os portugueses sabem que o Governo não governa, antes navega à vista, receando «buzinões» e interesses corporativos, a reboque das sondagens de popularidade e almejando uns minutos nos noticiários diários.
Os portugueses sabem que ao Governo pouco interessam já as pessoas mas, sim, a sua própria sobrevivência no poder. Mesmo quando não aumentam combustíveis ou portagens os cidadãos sabem que não o fazem pelas pessoas mas pela manutenção da máquina socialista no poder e, por este andar de coisas, Sr. Ministro, não nos podemos admirar muito que, a breve trecho, as associações cívicas até lhe venham requisitar aumentos, inclusivamente de portagens, para poder baixar os transportes públicos, dividir o trânsito pelas duas pontes, facilitar o estacionamento, etc.

O Sr. José Manuel Epifânio (PS): - Afinal, sempre quer aumentar as portagens!

O Orador: - A cidade não é apenas um local de trabalho, tem de ser por excelência um lugar de residência. A periferia deve, tendencialmente, usufruir dos mesmos níveis de qualidade e acesso aos serviços existentes na cidade, é pois necessária e urgente uma descentralização equilibrada dos serviços e dos equipamentos, para que estes fiquem mais perto das pessoas, porque elas não desejam deslocar-se, foram, sim, compelidas a fugir da cidade para a periferia.
Com este Governo, ninguém acredita em soluções justas e em estratégias globais que melhorem as suas vidas, porque o Governo não tem coragem para enfrentar grandes desafios e não exerce nem sabe usar a autoridade democrática que lhe foi conferida nas urnas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Transportes.

O Sr. Secretário de Estado dos Transportes (Guilhermino Rodrigues): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de, em breves palavras, no tempo que me resta, referir que muitas das preocupações que foram aqui manifestadas também são do Governo. Aliás, o Governo já tem em prática muitas das propostas presentes nos projectos de resolução apresentados. Contudo, haverá outras propostas que o Governo não pôs em prática na medida em poderá discordar delas - há questões de opção que cabe ao Governo tomar - e também há muitas coisas que estão nos respectivos projectos de resolução que não são da competência do Governo mas, sim, dos municípios, tais como as questões do estacionamento, da gestão da via pública, do sistema de prioridades aos transportes públicos (isto são, nitidamente, competências das autarquias, como se sabe).
Há outras questões que gostaria de referir que, de facto, não correspondem minimamente à verdade.
Por exemplo, foi referido aqui que Lisboa ou Portugal têm os transportes públicos mais caros da Europa. Pelo contrário, se quiser forneço-vos a síntese de um estudo da União de Bancos Suíços onde se faz a comparação do preço dos transportes públicos em 60 cidades mundiais e se concluiu, mesmo com a correcção da paridade do poder de compra, que os transportes públicos em Lisboa são os mais baratos da Europa. Mas, depois, cedo-lhe as conclusões do estudo.
Comparando os preços dos transportes públicos de Lisboa com os de outras cidades posso dizer-vos, por exemplo, que Atenas, que é a segunda cidade com os preços mais baixos, tem preços superiores em 40% e que Madrid, que é a terceira cidade, tem preços que são quase o dobro. Isto só para dizer que, de facto, há muitas coisas que aqui são ditas sem qualquer fundamento.
Outra questão que gostaria de referir é de que as medidas de política muitas vezes vêem-se pelos seus resultados e não por aquilo que os senhores pensam! E agora vamos ver os resultados!
No que diz respeito aos transportes colectivos, deixe-me dizer-lhe o seguinte: em 1991, o sistema de transportes colectivos da Região de Lisboa transportava 1100 milhões de passageiros/ano; em 1995, transportava 924 milhões de passageiros/ano, ou seja, houve um decréscimo na taxa média anual de 4%; em 1999, transportava 965 milhões de passageiros/ano, ou seja, mais 4% do que em 1995, o que equivale a um aumento de 1,1% /ano. Há aqui, nitidamente, uma inversão da tendência e isto - este aumento do número de passageiros dos transportes colectivos - dá-se num período em que, de facto, o desenvolvimento do País e o aumento do poder de compra das populações permitiu um aumento substancial da taxa de motorização, e os transportes público, mesmo assim, neste período, felizmente, transportaram mais passageiros.
Mas há mais uma coisa: se forem ver as estatísticas, em termos de repartição de quota de mercado, concluímos que, em 1995, o caminho-de-ferro, o metropolitano e os transportes fluviais tinham uma quota de

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mercado de 32% e que com este Governo, em 1999, têm uma quota de mercado de 36%. Não é por acaso que isto acontece! Os senhores podem desejar que a realidade seja diferente, mas não é, esta é que realidade.
Portanto, de facto, isto vem na sequência de uma política de transportes em que muitas das medidas que foram aqui propostas estão em marcha, nomeadamente a promoção do transporte ferroviário, a expansão da rede do metropolitano para Odivelas e para o Sul do Tejo, o qual está agora a dar os primeiros passos, estando na fase de concurso, e a melhoria dos transportes fluviais, com os catamarans e a renovação da frota. Ou seja, há aqui medidas de política! E, mais, também posso dizer, no que diz respeito à intermodalidade, que nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, nos últimos quatro anos, o número de interfaces duplicou e que o número de lugares de estacionamento, nesses mesmos interfaces, quadruplicou. Ou seja, há aqui, efectivamente, uma política que se vê pelos seus resultados, e eles estão à vista.
Agora, também penso que há outras apostas que estão a ser feitas, e já agora posso…

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Secretário de Estado dos Transportes, peço desculpa por o interromper, mas quero informá-lo de que já dispõe de tempo, a não ser que algum grupo parlamentar lhe ceda tempo por forma a poder continuar.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, nós cedemos 1 minuto ao Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Nós também, Sr. Presidente.

Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sendo assim, Sr. Secretário de Estado, tem mais 2 minutos e 30 segundos, uma vez que o PSD e Os Verdes lhe cedem 1minuto cada e a Mesa 30 segundos.
Faça favor de prosseguir, Sr. Secretário de Estado.

O Orador: - Sr. Presidente, também gostaria de dar alguns dados sobre uma questão que foi aqui referida, que é a do Eixo Ferroviário Norte-Sul.
O Eixo Ferroviário Norte-Sul é um caso que é estudado ao nível da Europa. Sou constantemente solicitado para enviar documentação para fora sobre o funcionamento desta linha e para ir lá fazer exposições sobre este modelo.
Posso ainda dizer-vos que a avaliação feito sobre o serviço prestado pelo Eixo Ferroviário Norte-Sul, através de um inquérito às pessoas, em notas de 1 a 10, teve os seguintes resultados: rapidez, 9,3; pontualidade, 9,8; higiene, 8,8; atendimento, 8,7; e comodidade, 8,2.

Vozes do PCP, de Os Verdes e do BE: - E o preço?

O Orador: - Em todos os estudos que temos feito na política de transportes, nas opções das pessoas - e estamos aqui a falar em transferir pessoas do transporte individual para o transporte colectivo, estamos a falar da promoção do transporte colectivo -, aparece como evidente que as pessoas valorizam fundamentalmente, como factores de transferência, a qualidade, a regularidade, a velocidade e a comodidade.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Então, por que é que não transfere as pessoas? Elas continuam a vir de carro!

O Orador: - Normalmente, o preço aparece como um dos factores e é importante para muitas pessoas! Agora, quando falamos no objectivo da promoção do transporte colectivo, temos de saber o que é que as pessoas valorizam e o que elas valorizam são, de facto, estes factores! E é com base nestes factores e nas apostas que temos vindo a fazer de transportes colectivos de qualidade, em termos de pontualidade, velocidade e conforto, que conseguimos estagnar a diminuição da quota de mercado dos transportes colectivos e até inverter essa tendência!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para exercer o direito regimental da defesa da honra, caso mantenha a sua intenção, tem a palavra o Sr. Deputado Castro de Almeida.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, mantenho-a o mais possível, porque o Sr. Ministro de Estado e do Equipamento Social disse à Câmara que eu estudei mal a lição e que forneci números errados e voltou a insistir nisso.
O que eu disse à Câmara, Sr. Ministro, foi o seguinte: a CP, na Área Metropolitana de Lisboa, entre 1994 e 1998, teve uma redução de 10% do número de passageiros e também a Carris, entre 1994 e 1998, teve uma redução do número de passageiros. Foi exactamente isto que eu disse, todos são testemunhas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Está gravado!

O Orador: - Está gravado! É muito fácil de ver!
Estes números, Sr. Ministro, foram retirados de um relatório da Direcção-Geral dos Transportes Terrestres, que é um documento do Governo, e são absolutamente rigorosos. Tenho-os aqui e posso dar-lhe uma cópia, mas o Sr. Ministro também os tem, com certeza! Não tenho qualquer documento que o Sr. Ministro também não tenha!
Portanto, Sr. Ministro, se não sabe devia saber! E devia saber outra coisa: nunca na vida me apanhará a dar-lhe um número errado, a não ser que me engane, porque sou humano e posso enganar-me! Mas nunca me acuse de querer dar qualquer número errado à Câmara! Até podia ter-me enganado, mas não me enganei! Os números estão neste documento e são absolutamente rigorosos!
Agora, como os números são estes e revelam uma realidade que o Sr. Ministro prefere ignorar, compreendo que o Sr. Ministro,… O Sr. Ministro fez-me lembrar um defesa da minha equipa de futebol, o Feirense, que era conhecido por «ferro e aço», e que dizia: se passava a bola não passava o homem!

Risos do PCP e do BE.

Aplausos do PSD.

O Sr. Ministro é igual: se passa o argumento não passa o homem! Portanto, como não podia ir ao argumento, veio à pessoa!

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Sr. Ministro, o «ferro e aço» não deu nada no futebol, mas o Sr. Ministro tem um percurso político radioso à sua frente e, portanto, não pode praticar as mesmas técnicas que o «ferro e aço» praticava no Feirense.
«Não venha o homem, venha o argumento! Se a bola passar deixe o homem ir com ela também»!

Aplausos do PSD.

Risos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Ministro do Estado e do Equipamento Social.

O Sr Ministro do Estado e do Equipamento Social: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Castro de Almeida, de forma muito rápida, quero dizer-lhe que, como é evidente, também lhe auguro um futuro político radioso. Com sinceridade, desejo-lhe as maiores felicidades, pois tenho uma grande estima e consideração pessoal por si.
Sr. Deputado, os dados que mencionei referiam-se a uma questão diferente. O que o Sr. Deputado disse é verdade, relativamente…

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Isso já me chega!

O Orador: - Nestas coisas, não é apenas isso que está em causa!
Referi-me ao total de passageiros em todos os meios de transporte públicos, enquanto o Sr. Deputado se referiu apenas a dois meios de transporte.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - É o que aqui está, nesta documento!

O Orador: - Também tenho aqui os números, Sr. Deputado!
Referi-me aos números globais, os quais apontam, posso salientar novamente, para um total de 924 milhões de passageiros, em 1995, e de 965 milhões, em 1999, o que quer dizer que o número de passageiros subiu 4%.
Portanto, o Sr. Deputado tem razão, mas eu também tenho.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, dou por terminado o debate, conjunto, dos projectos de resolução n.os 49/VIII, 73/VIII e 75/VIII.
Srs. Deputados, tínhamos ainda um outro ponto da agenda de trabalhos, que era a discussão do projecto de resolução n.º 78/VIII - Sobre a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, da iniciativa da Comissão de Assuntos Europeus, porém, há consenso para esta matéria ser transferida para a reunião plenária de quarta-feira, e assim se fará.
Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realizar-se-á terça-feira, dia 3 de Outubro, às 15 horas, e terá como ordem de trabalhos a discussão do projecto de resolução n.º 74/VIII, agendamento potestativo requerido pelo CDS-PP.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 14 horas e 15 minutos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
António Bento da Silva Galamba
Carlos Alberto Dias dos Santos
Dinis Manuel Prata Costa
Fernando Manuel dos Santos Gomes
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Maria Diogo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Luísa Silva Vasconcelos
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Vítor Manuel Caio Roque

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
Bruno Jorge Viegas Vitorino
David Jorge Mascarenhas dos Santos
Domingos Duarte Lima
Feliciano José Barreiras Duarte
João Bosco Soares Mota Amaral
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Mário Patinha Antão
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
João António Gonçalves do Amaral

Partido Popular (CDS-PP):
Luís Pedro Mota Soares

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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