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Quinta-feira, 12 de Outubro de 2000 I Série - Número 9

DIÁRIO da Assembleia da República

VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 11 DE OUTUBRO DE 2000

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Manuel Alves de Oliveira
António João Rodeia Machado
António José Carlos Pinho

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n.º 46/VIII, dos projectos de lei n.os 309 a 314/VIII, das apreciações parlamentares n.os 27 a 30/VIII e do projecto de deliberação n.º 13/VIII.
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, do projecto de lei n.º 62/VIII - Reforma dos impostos sobre o rendimento (PCP), da proposta de lei n.º 46/VIII - Reforma a tributação do rendimento e adopta medidas para combater a fraude e evasão fiscais, alterando o Código do IRS, o Código do IRC, o Estatuto dos Benefícios Fiscais, a Lei Geral Tributária, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o Código de Procedimento e Processo Tributário e legislação avulsa e dos projectos de lei n.os 306/VIII - Reforma dos impostos sobre o rendimento (CDS-PP), 54/VIII - Revê o regime de sigilo bancário (BE), 282/VIII - Altera o Estatuto dos Benefícios Fiscais (BE), 283/VIII - Altera o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) (BE), 285/VIII - Revê o regime de sigilo bancário nos casos de entidades patronais devedoras ao sistema de segurança social (BE), 286/VIII - Altera o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) (BE), 287/VIII - Revê o regime de sigilo bancário nos casos de entidades que se candidatam a subsídios públicos (BE), 291/VIII - Altera o regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras (Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro) (BE), 309/VIII - Altera o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) (CDS-PP) e 310/VIII - Enquadramento e fundamentos da reforma fiscal (PSD), que, no fim, foram aprovados.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães), do Sr. Ministro das Finanças (Pina Moura) e do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (Ricardo Sá Fernandes), os Srs. Deputados Octávio Teixeira (PCP), Maria Celeste Cardona (CDS-PP), Manuel dos Santos (PS), Francisco Louçã (BE), Rui Rio (PSD), Joel Hasse Ferreira (PS), Lino de Carvalho (PCP), Manuela Ferreira Leite (PSD) e Isabel Castro (Os Verdes).
A Câmara deu, ainda, assentimento à viagem de carácter oficial do Sr. Presidente da República a Madrid no próximo dia 31 de Outubro.
Foi aprovado um parecer da Comissão de Ética relativo à substituição de um Deputado do PSD e outro do BE.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carla Maria Nunes Tavares Gaspar
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos José Gonçalves Vieira de Matos
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Dinis Manuel Prata Costa
Eduardo Ribeiro Pereira
Emanuel Silva Martins
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco José Pinto Camilo
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco D'Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Isabel Maria Soares Pinto Zacarias
João Alberto Martins Sobral
João Cardona Gomes Cravinho
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Rodrigues Pereira dos Penedos
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António dos Santos
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Maria Diogo
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino
Maria José Vidal do Rosário Campos
Maria Luísa Silva Vasconcelos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Vítor Manuel Alves Peixoto
Vítor Manuel Caio Roque
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António de Carvalho Martins
António D'Orey Capucho
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
António Paulo Martins Pereira Coelho
Armando Manuel Dinis Vieira
Artur Ryder Torres Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins

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Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Carlos Manuel Marta Gonçalves
Domingos Duarte Lima
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Santos Pereira
Henrique José Monteiro Chaves
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Durão Barroso
José Manuel Macedo Abrantes
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rui Fernando da Silva Rio
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Cândido Capela Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Natália Gomes Filipe
Maria Odete dos Santos
Octávio Augusto Teixeira
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello Branco
António Herculano Gonçalves
António José Carlos Pinho
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da França
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
José Martins Pires da Silva
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Luís Pedro Mota Soares
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de lei n.º 46/VIII - Reforma a tributação do rendimento e adopta medidas para combater a fraude e a evasão fiscais, alterando o Código do IRS, o Código do IRC, o Estatuto dos Benefícios Fiscais, a Lei Geral Tributária, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o Código de Procedimento e Processo Tributário e legislação avulsa, que baixou à 5.ª Comissão; projectos de lei n.os 309/VIII - Altera o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CDS-PP), que baixou à 5.ª Comissão, 310/VIII - Enquadramento e fundamentos da reforma fiscal (PSD), que baixou à 5.º Comissão, 311/VIII - Elevação da povoação de Queijas, no município de Oeiras, à categoria de vila (PSD), que baixou à 4.ª Comissão, 312/VIII - Estabelece medidas de protecção das edificações realizadas com o recurso à pedra (PS), que baixou às 4.ª e 7.ª Comissões, 313/VIII - Da gravidez na adolescência (PSD), que baixou às 8.ª, 12.ª e 13.ª Comissões, e 314/VIII - Contracepção de emergência (PS), que baixou às 8.ª e 13.ª Comissões; apreciações parlamentares n.os 27/VIII (PSD) - Decreto-Lei n.º 227-B/2000, de 15 Setembro [Regulamenta a Lei n.º 173/99, de 21 de Setembro (Lei de Bases Gerais da Caça)], 28/VIII (PCP) - Decreto-Lei n.º 109/2000, de 30 de Junho (Altera o Decreto-Lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro, alterado pelas Leis n.os 7/95, de 29 de Março, e 118/99, de 11 de Agosto, que contém o regime de organização e funcionamento das actividades de segurança, higiene e saúde no trabalho), 29/VIII (PCP) - Decreto-Lei n.º 110/2000, de 30

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de Junho (Estabelece as condições de acesso e de exercício das profissões de técnico superior de segurança e higiene do trabalho e de técnico de segurança e higiene do trabalho), e 30/VIII (PCP) - Decreto-Lei n.º 205/2000, de 1 de Setembro (Altera o Decreto-Lei n.º 118/92, de 25 de Junho, que estabelece o regime de comparticipação do Estado no preço dos medicamentos); e projecto de deliberação n.º 13/VIII - Prorrogação do período de funcionamento da Comissão Eventual de Inquérito parlamentar à gestão da TAP desde o Plano Estratégico de Saneamento Económico e Financeiro (PESEF), bem como à organização do seu processo de privatização (Presidente da AR).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deram ainda entrada na Mesa três votos de pesar pelo falecimento do ex-Deputado José Gama, subscritos, respectivamente, por Deputados do PSD, do CDS-PP e da Comissão de Assuntos Europeus, tendo, ontem, a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares deliberado que se fizesse a fusão destes três votos num só e que este fosse discutido e votado na sessão de amanhã.
Deu também entrada na Mesa um voto sobre a situação no Médio Oriente, subscrito pelo PCP, que vai ser distribuído por todas as bancadas e que igualmente será discutido e votado amanhã.
Srs. Deputados, da ordem do dia de hoje consta a discussão conjunta, na generalidade, por agendamento potestativo do PCP, do projecto de lei n.º 62/VIII - Reforma dos impostos sobre o rendimento (PCP), e, conjuntamente, nos termos do n.º 4 do artigo 62.º do Regimento, da proposta de lei n.º 46/VIII - Reforma a tributação do rendimento e adopta medidas para combater a fraude e a evasão fiscais, alterando o Código do IRS, o Código do IRC, o Estatuto dos Benefícios Fiscais, a Lei Geral Tributária, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o Código do Procedimento e Processo Tributário e legislação avulsa, e dos projectos de lei n.os 306/VIII - Reforma dos impostos sobre o rendimento (CDS-PP), 54/VIII - Revê o regime de sigilo bancário (BE), 282/VIII - Altera o Estatuto dos Benefícios Fiscais (BE), 283/VIII - Altera o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) (BE), 285/VIII - Revê o regime de sigilo bancário nos casos de entidades patronais devedoras ao Sistema de Segurança Social (BE), 286/VIII - Altera o Código do Imposto sobre o Rendimento as Pessoas Colectivas (IRC) (BE), 287/VIII - Revê o regime de sigilo bancário nos casos de entidades que se candidatam a subsídios públicos (BE), 291/VIII - Altera o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro) (BE), 309/VIII - Altera o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) (CDS-PP) e 310/VIII - Enquadramento e fundamentos da reforma fiscal (PSD).
Para introduzir o debate do projecto de lei n.º 62/VIII, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O debate que agora se inicia releva da maior importância. Ele significa, afinal, que da aparente unanimidade sobre a necessidade da reforma, em que pareciam convergir todas as forças políticas, se passa agora a uma fase de concretização da reforma fiscal, em que ressaltam as muitas e profundas divergências de soluções apresentadas e defendidas por cada partido político.
E importa sublinhar, porque há quem o pretenda escamotear, que este novo patamar em que entramos tem origem no PCP. Ao fazer uso de um seu direito potestativo, agendando o seu projecto de lei sobre a reforma dos impostos sobre o rendimento, e ao autorizar que outros projectos sobre idêntica matéria pudessem ser discutidos e votados no mesmo momento, o Grupo Parlamentar do PCP conseguiu, desde já, dois resultados a assinalar: obrigou outros grupos parlamentares e o Governo a apresentarem as suas propostas concretas para esta reforma…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - …e impôs que, de uma vez por todas, se passe das palavras aos actos.

Aplausos do PCP.

E esperamos que a estes se venha somar um terceiro e decisivo resultado, o de, a curto prazo, o País e, em especial, os trabalhadores por conta de outrem, virem a dispor de um novo e mais justo regime de tributação dos rendimentos.
O início da reforma fiscal vem com muitos anos de atraso, cinco dos quais da responsabilidade do Partido Socialista. Não existe qualquer responsabilidade do PCP, que, há muitos anos, se bate por esta reforma, pelo contrário, foi o PCP que esteve na sua origem.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Há quem pretenda menorizar o significado do processo que hoje iniciamos, com o pretexto de que se não trata de uma reforma global do sistema fiscal. Não têm qualquer razão.
É evidente que a reforma fiscal de que o País necessita se não esgota nos impostos sobre o rendimento e que o processo que se vai iniciar deverá, desejável e necessariamente, ter continuidade noutras áreas do sistema fiscal. Pela parte do PCP, consideramos que à reforma dos impostos sobre o rendimento deve seguir-se de imediato a reforma dos impostos sobre o património, abrangendo o património mobiliário e, num terceiro passo, a reforma do sistema de financiamento da segurança social pública, sem esquecer o imposto automóvel e o imposto sobre os combustíveis.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas continuamos a pensar que a prioridade deve ser dada aos impostos sobre o rendimento, por ser nestes que mais gritantes são a actual política de «favores fiscais» e a inaceitável afectação dos princípios da igualdade e da justiça fiscais.

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os projectos e a proposta de lei hoje em discussão duplamente se podem dividir em dois grupos.
Em primeiro lugar, e atendendo à orientação política que os enforma, temos, de um lado, os projectos de lei do PSD e do CDS-PP, que visam uma tributação dos rendimentos de capital mais favorável que a dos rendimentos do trabalho, a pretexto do incentivo à poupança,

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omitindo que os rendimentos da maioria dos portugueses não permitem qualquer poupança e, do outro, encontram-se os projectos de lei do PCP, do BE e a proposta de lei do Governo - embora, quanto a esta, corra o risco de estar a ser demasiado benévolo, como veremos à frente -, que se inspiram numa perspectiva de maior equidade e justiça fiscais.
Em segundo lugar, estas iniciativas distinguem-se pela sua abrangência. De um lado, estão os projectos de lei do PSD, do CDS-PP e do BE, com propostas de natureza muito pontual, eventualmente subsidiárias da ideia de que não é necessária uma reforma fiscal ampla, mas tão-só algumas medidas mais ou menos desgarradas, nalguns casos moralizantes, e, do outro, o projecto de lei do PCP e a proposta de lei do Governo, que se inserem na perspectiva de uma reforma fiscal de maior fôlego, alterando substancialmente o regime de tributação dos rendimentos.
Daqui decorre que o processo de reforma que agora iniciamos terá, necessariamente, de assentar basicamente no nosso projecto de lei e na proposta de lei do Governo. Por isso, dediquemos agora a estes projectos a nossa atenção.
O conteúdo essencial do projecto de lei do PCP pode sintetizar-se da seguinte forma: tem por objectivo fundamental promover a justiça fiscal e acabar com os favores fiscais ao capital e aos altos rendimentos, por isso alarga as bases de tributação, fazendo pagar impostos a quem tem capacidade contributiva e deve pagar, mas, actualmente, não paga; combate frontalmente as principais fontes da fraude e da evasão fiscais que campeiam nas empresas e nos detentores de mais elevados rendimentos, incluindo a derrogação do sigilo bancário para efeitos fiscais; acaba com o regime de favor actualmente concedido aos bancos, às seguradoras, às mais-valias em acções e outros valores mobiliários, aos dividendos e elimina os benefícios fiscais ilegitimamente concedidos a rendimentos e operações financeiras; finalmente, quer através da alteração da tabela de taxas do IRS, quer pela via do aumento da dedução específica pelos rendimentos do trabalho - sintomaticamente é o único projecto de lei que o faz, sendo certo que esta é uma medida essencial para desagravar os rendimentos mais baixos -, promove uma acentuada diminuição da carga fiscal sobre os rendimentos dos trabalhadores e das suas famílias.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em relação à proposta de lei do Governo, não temos dúvidas em afirmar que, na generalidade, representa um avanço face à situação actual, na via de maior equidade e justiça fiscais, do alargamento da base tributária e do combate à evasão fiscal, mas, em alguns aspectos, esses avanços são tímidos e, noutros, que reputamos de importantes, não há qualquer avanço nenhum.
Julgamos necessário que o Governo vá mais longe na determinação e vontade política em atacar as fontes da injustiça fiscal.
Entendo que, na actual fase do processo, o que mais pode ajudar à concretização de uma boa reforma fiscal é sermos claros e directos.
Há múltiplas propostas do Governo que registamos positivamente, que convergem com muitas das soluções por nós apresentadas ou têm o nosso acordo de princípio, ainda que, em alguns casos, necessitando de discussão e aperfeiçoamentos em sede de especialidade. Sobre essas não vale a pena perdermos tempo. A título exemplificativo, refiro as matérias relativas aos preços de transferência, às medidas anti-abuso no domínio da subcapitalização das empresas, ao regime simplificado de tributação, às medidas tendentes a limitar as possibilidades de utilização indevida das zonas francas, a inversão do ónus da prova e o recurso à avaliação indirecta dos rendimentos em determinadas situações. Ou, ainda, as relativas às remunerações acessórias e as pagas em espécie, a mais consistente definição dos rendimentos de capitais, a abertura à tributação separada dos cônjuges e à tributação conjunta das uniões de facto, a introdução do conceito de residente fiscal nas regiões autónomas ou a criação de um processo especial, da competência dos tribunais tributários, a ser tramitado como processo urgente.
Mas não são os muitos pontos de convergência que aqui e agora importa enfatizar. Porque entendemos que é tempo de avançar na concretização, porque estamos firme e seriamente empenhados em conseguir uma reforma fiscal digna desse nome, julgo que o que mais importa neste momento é clarificar, desde já, as nossas principais dúvidas e as divergências mais significativas resultantes da compaginação do projecto de lei do PCP com a proposta de lei do Governo.
Em relação às dúvidas quero explicitar, desde já, algumas.
A junção, em IRS, das actuais categorias B, C e D numa única categoria de rendimentos empresariais, não nos suscita objecção de princípio, pois parece linear que deve haver tratamento fiscal igual para rendimentos de idêntica natureza. Importa, porém, ter presente que, na actual categoria B, se integram muitos trabalhadores que não exercem, de facto, uma actividade profissional independente sob a forma empresarial, pelo que, em nosso entender, a tributação dos falsos «recibos verdes» desejavelmente deverá ser equiparada à tributação dos trabalhadores por conta de outrem.
No que concerne às mais-valias de partes sociais e de outros valores mobiliários, o nosso entendimento é o de que o regime de tributação deve integrar-se no regime geral, visando a globalidade da declaração de rendimentos do contribuinte e a submissão da totalidade dos rendimentos à tabela de taxas única. Poderá ser tida em consideração a natureza não recorrente que estes rendimentos tendem a assumir, mas importa que, em sede de especialidade, analisemos soluções de menor favor fiscal que o proposto pelo Governo.
Porque, do nosso ponto de vista, se apresentam como tímidas as propostas do Governo, igualmente teremos de procurar uma solução mais adequada para a derrogação do sigilo bancário, designadamente no que concerne à previsão de recurso com efeitos suspensivos, e para a tributação do sistema bancário, no que respeita ao pretendido (pelo Governo) período de transição de «meio favor fiscal», durante dois anos, para as provisões relativas aos riscos gerais de crédito como também para outras componentes expressamente previstas no projecto de lei do PCP.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Tal como consideramos necessário analisar, em sede de especialidade, as matérias relativas à chamada dupla tributação económica, à fixação de um indexante para o limite máximo de juros de suprimentos considerados como custos para efeitos fiscais, de forma a

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evitar que, sob essa capa, sejam feitas efectivas distribuições de dividendos, à limitação do reporte de prejuízos a rendimentos da mesma natureza e à introdução do princípio da presunção de rendimentos para o exercício de cargos de administração e de gestão em empresas e instituições com fins lucrativos.
Em relação às divergências mais notórias entre o projecto de lei do PCP e a proposta de lei do Governo, considero imprescindível explicitá-las de forma muito clara. E ninguém, a começar pelo Governo, pode tentar responder-nos com a acusação de qualquer fundamentalismo por parte do PCP, nem sequer com o argumento de se tratar de propostas de cariz excessivamente ideológico. Fundamentalmente por duas razões: por um lado, porque estas matérias estão na essência das mais gritantes injustiça fiscal e política de favores fiscais que existem no sistema em vigor, e, por outro, porque as nossas propostas nessas matérias são sufragadas quer pelo Relatório da Comissão de Desenvolvimento da Reforma Fiscal, que o próprio Governo definiu como devendo ser a espinha dorsal da reforma, quer pelo Relatório sobre a Reavaliação dos Benefícios Fiscais, quer ainda pelo Relatório da Comissão de Revisão do IRS.

Aplausos do PCP.

Se há algumas propostas do Governo em relação às quais o Governo declaradamente não tem a certeza de serem as melhores, quero afirmar-lhe que, em relação a estas, o PCP tem a certeza de que as suas próprias propostas são as melhores,…

Aplausos do PCP.

… porque são elas que prosseguem a unidade do imposto, a equidade e a justiça fiscal.
Essas divergências de fundo são três.
A primeira refere-se à necessidade, que sustentamos, do englobamento pleno dos rendimentos provenientes de dividendos de acções, bem como dos juros de obrigações e de outros instrumentos financeiros similares. Só assim é possível concretizar o princípio fundamental de que cada um deve ser tributado de acordo com a sua capacidade contributiva. E se, em algumas situações, este princípio pode colidir com o objectivo do princípio da simplicidade, como é o caso dos juros dos depósitos, é para nós inequívoco que, sem prejuízo da procura do equilíbrio possível, deve prevalecer o objectivo primeiro da igualdade e da justiça. Tenha-se presente, aliás, que os reformados são fortemente lesados pela taxa liberatória que incide sobre os magros juros que recebem.

Aplausos do PCP.

A segunda divergência reporta-se aos benefícios fiscais de que actualmente gozam aplicações financeiras muito concretas. São eles os concedidos aos planos de poupança em acções, que, aliás, o Governo previa eliminar na proposta de autorização legislativa apresentada em Junho passado, aos dividendos de acções cotadas em Bolsa, aos dividendos de acções de empresas reprivatizadas e às aquisições de acções em ofertas públicas de venda realizadas pelo Estado. Para o PCP, e tal como consta do nosso projecto de lei, estes benefícios devem ser revogados. A sua manutenção, como propõe o Governo, viola flagrantemente o princípio da equidade fiscal e, por acréscimo, os da eficiência económica e da simplicidade. Não há, pois, razão alguma para que subsistam.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A terceira grande divergência tem a ver com a tabela de escalões e de taxas do IRS, ou melhor, com o facto de o Governo não apresentar qualquer alteração dessa tabela na sua proposta de reforma dos impostos sobre o rendimento.
O Sr. Primeiro-Ministro terá dito aos Deputados do Partido Socialista, segundo constam as crónicas, que «não podemos ser ingénuos ao ponto de dar aos outros a possibilidade de viabilizarem a reforma fiscal, mas depois chumbarem o Orçamento do Estado». Manifestamente, esta é a pior maneira de o Governo abordar a reforma fiscal. O Sr. Primeiro-Ministro e o seu Governo têm de entender e de assumir sem subterfúgios que a reforma fiscal vale por si mesma e que é uma reforma urgente e imprescindível para que outras reformas necessárias tenham lugar na sociedade portuguesa.

Aplausos do PCP.

Recusamo-nos a encarar a reforma fiscal, a que o próprio Governo do Partido Socialista se comprometeu há cinco anos, como um meio instrumental para o Governo fazer passar outras propostas suas, quaisquer que elas sejam.
Mas é, igualmente - permitam-me que vos diga -, o caminho mais armadilhado que o Governo pode escolher para defender a viabilização do seu Orçamento, porque esta atitude do Governo só pode querer significar a falta de confiança que ele próprio tem nos méritos intrínsecos da proposta de Orçamento do Estado que se prepara para apresentar à Assembleia da República na próxima semana. E se é ele o primeiro a manifestar dúvidas…

Aplausos do PCP.

Pela parte do PCP, quero ser muito claro: não é com atitudes que, numa linguagem mais rude, legitimamente podem ser encaradas como uma «chantagem» sobre os partidos da oposição, pior, sobre os trabalhadores por conta de outrem que suportam duramente a iniquidade fiscal que campeia em Portugal, que se pode servir o objectivo de uma reforma estruturante como é a reforma fiscal.

Aplausos do PCP.

A posição do PCP sobre esta matéria é cristalina: para nós, o processo parlamentar da reforma fiscal é totalmente autónomo do processo orçamental e empenhar-nos-emos para que o primeiro, o da reforma fiscal, inclua as tabelas do IRS. Posicionamo-nos e votaremos um e outro de acordo com os seus méritos próprios.
No que respeita à reforma dos impostos sobre o rendimento, defenderemos e bater-nos-emos por aquelas nossas propostas que se opõem às do Governo. Sem deixarmos de nos pautar, como sempre, pelo sentido da responsabilidade, mas com a certeza, que temos, de que o País necessita e exige uma reforma que, em aspectos importantes, não se fique por remendos e meias soluções ou alguns retoques em excepções e isenções que passem ao lado do essencial, isto é, da coerência e da justiça do sistema fiscal.

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Conhecidos que são os projectos do PCP e do Governo, julgo ser possível concretizar agora esta importante reforma. Espero que o Governo não venha a inviabilizá-la. A responsabilidade política seria sua, e só sua.

Aplausos do PCP, de pé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se a assistir à sessão vários grupos de alunos da Junta de Freguesia de Canhestros, da Escola Básica n.º 5 do Barreiro e da Licenciatura de Economia do ISEG, de Lisboa. Os alunos das nossas escolas querem saber que impostos vão pagar no futuro.
Para eles, peço a vossa habitual saudação.

Aplausos gerais, de pé.

Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona e o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, ouvi com muita atenção a sua intervenção e, antes de formular a minha pergunta, quero dizer-lhe que os trabalhadores por conta de outrem são também defendidos, do ponto de vista da injustiça do sistema fiscal, pela bancada do CDS-PP. Quero que isto fique devidamente registado.

O Sr. Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Mas a questão que quero colocar-lhe tem a ver com o seguinte: o Sr. Deputado sabe, porque é daqueles que nesta Casa também fala muito nos benefícios, na off-shore, na injustificação dos mesmos, na verificação do que acontece na Madeira. Mas há uma coisa, Sr. Deputado Octávio Teixeira, de que não oiço aqui falar, e particularmente o senhor: aquilo a que gosto de chamar o in pocket nos Açores, isto é, o dinheiro disponível nas mãos das famílias e das empresas nos Açores.
Como o Sr. Deputado sabe - com certeza, sabe-o, não tenho a menor dúvida -, nos Açores, houve uma verdadeira revolução fiscal, tendo os impostos baixado significativamente para as pessoas e para as empresas. Assim, relativamente ao IRC, as respectivas taxas baixaram em 30%. O Sr. Deputado sabe, creio que sabe, que, com isso, ao contrário daquilo que o governo dos Açores julgava, o nível das receitas fiscais não baixou; pelo contrário, a receita arrecadada aumentou também significativamente. Isso para nós tem uma única interpretação: a de que libertar recursos nas mãos de quem o ganha, nas mãos de quem trabalha, nas mãos de quem faz esforço, significa criação de riqueza e arrecadação de impostos.
O que gostava de perguntar-lhe, Sr. Deputado Octávio Teixeira, porque não vi no vosso projecto, é se são contra qualquer tipo de redução nas taxas de tributação para as empresas. Discorda da diminuição das taxas de tributação para as empresas, Sr. Deputado Octávio Teixeira?
Em segundo lugar, gostava de saber a vossa opinião sobre uma matéria que também é importante para nós, que é a da eventual existência de taxas diferenciadas de tributação para grandes, pequenas e médias empresas e microempresas. Gostava de saber, Sr. Deputado Octávio Teixeira, se os senhores entendem que uma pequena loja, um micromercado, por exemplo, deve ser tributado nos mesmos termos que um grande grupo empresarial, isto é, às mesmas taxas e nas mesmas condições. Gostava de ouvir a vossa opinião sobre esta matéria, porque, para além dos trabalhadores por conta de outrem, também achamos que criar riqueza gera arrecadação de receita.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona, vou começar pela sua segunda questão, sobre se aceitamos ou admitimos a hipótese de haver taxas diferenciadas, em sede de IRC, de acordo com determinada tipologia de empresas em termos de dimensão.
Sr.ª Deputada, não pomos qualquer objecção a isso. Aliás, no Orçamento do Estado para 2000, se a memória não me trai, aprovou-se um regime especial - julgo até que, num Orçamento anterior, essa matéria teria sido igualmente aprovada - de taxas mais baixas para pequenas empresas. Sobre isso, não temos a mínima dúvida.
Mas vou dizer-lhe mais: o problema das taxas do IRC, para nós, não é um problema tabu. Mas, Sr.ª Deputada, quando, nos últimos anos, a taxa de IRC baixou de 36% para 32%, não acha, pelo menos, que, agora, deve ser dada alguma prioridade aos outros, àqueles que trabalham por conta de outrem, para também terem uma baixazinha nos seus impostos?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ainda em relação ao IRC, quando, no preâmbulo de um diploma - e, sinceramente, não sei se é no projecto de lei do CDS-PP ou no do PSD - se referem algumas taxas comparativas do IRC em Portugal e noutros países e se dá como exemplo a Alemanha, convém, quando se fazem essas comparações, que se analise tudo. É que a taxa, na Alemanha, não é de 25%, ou melhor, a carga fiscal sobre os lucros na Alemanha não é de 25%, porque os Estados federados também cobram. Ora, se na Alemanha juntar as duas e aqui, em Portugal, os 32% com a derrama, conclui-se que elas estão equilibradas.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Quanto à sua questão sobre os Açores, a Sr.ª Deputada diz que a única explicação para a receita de impostos ter aumentado foi a baixa que se verificou nas taxas para a Região Autónoma dos Açores. Acho demasiado atrevido - perdoe-me a expressão - que a Sr.ª Deputada diga que essa é a única explicação. É que pode haver outras explicações. Pode haver, por exemplo, uma explicação que terá levado o Governo a propor - e bem, do nosso ponto de vista -, na sua proposta de lei, a definição clara do que são residentes nas regiões autónomas. É que pode ter havido a transferência de sedes ou de residências do continente para a Região Autónoma dos Açores para beneficiarem de taxas mais baixas, sem que, de facto, essas sedes e essas residências existam na Região Autónoma dos Açores.

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, depois de ouvirmos muito atentamente a sua interessante intervenção, quero dizer-lhe que pode ficar com a taça, pois o que interessa é resolver os problemas dos portugueses, é nisso que o Governo e o Partido Socialista, que o apoia, estão interessados. A taça fica-lhe, pois, muito bem, não há problemas quanto a isso.
O motivo da minha intervenção, independentemente das questões que irão ser colocadas durante o debate, tem a ver com a sua referência à ligação da, chamada por V. Ex.ª - e por algumas outras pessoas, até por alguns órgãos da comunicação social e, inclusivamente, reconheço-o, por militantes qualificados do Partido Socialista -, reforma fiscal com o Orçamento do Estado. Do ponto de vista técnico, não tenho dúvida alguma de que as receitas têm de ter a sua concretização no Orçamento do Estado, pelo que, por aí, estaria mais do que justificada esta ligação. Mas é evidente que também há razões de natureza política - não partidária, mas política.
Efectivamente, dentro de alguns dias, vamos estar perante uma proposta de lei de Orçamento do Estado, que, entre muitas outras características, tem uma forte componente de desagravamento fiscal. Ora, é dever do Partido Socialista e do Governo fazer tudo, a bem dos portugueses, para que essa proposta de lei de Orçamento do Estado seja aprovada, porque se trata de um Orçamento de desagravamento fiscal. E quem não a aprovar vai ficar com o ónus de não contribuir para esse desagravamento. Sejamos sobre isso muito claros!

Aplausos do PS.

O PS não tem medo das suas propostas orçamentais nem desconfia delas. Do que o PS tem medo é da imprevisibilidade das oposições, que não sabem o que querem, que põem o interesse partidário acima do interesse nacional, que «chumbam» por «chumbar» e criam as maiores dificuldades ao País.
O PSD, por exemplo, defendeu, várias vezes, que se pode governar, durante um ano, em duodécimos. Já se esqueceram disso? Ora, é exactamente porque somos responsáveis que queremos a proposta de lei de Orçamento do Estado aprovada e tudo faremos politicamente para que seja aprovada.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel dos Santos, o problema não é de taças, é de veracidade dos factos e de combater algumas inveracidades que por aí têm aparecido. Mas essa não é uma questão importante, de modo algum.
Quanto à questão de fundo que coloca, V. Ex.ª consegue ser ainda mais, permita-me a expressão, brutal que o Sr. Primeiro-Ministro quando refere essa questão.
Ora, reportando-me àquilo que há pouco lhe disse, julgo que é politicamente inaceitável que o Governo utilize uma reforma que ele próprio reputa de fundamental como um instrumento de troca para o que quer que seja. Isso não pode ser! Ou o Governo tem consciência de que a reforma fiscal é uma questão fundamental para o País e, então, avança com a reforma fiscal, clara e empenhadamente, ou, se a utiliza apenas como mero instrumento para fazer qualquer tipo eventual de negócios, está a dizer que não quer e não precisa da reforma fiscal e que só a faz devido à outra necessidade. Essa tese não é aceitável e, pela nossa parte, é claramente criticada e rejeitada.
E, sobre isto, quero dizer-lhe mais, Sr. Deputado Manuel dos Santos: há pouco, tive conhecimento de uma afirmação do Sr. Primeiro-Ministro, que dizia que, evidentemente, isto tinha de ser assim, que as tabelas e as taxas tinham de ser aprovadas no Orçamento, porque, sem Orçamento, perderíamos receita. Ora, isto não tem lógica alguma. O Governo tem dito que, com as suas propostas, perde 90 milhões de contos, num lado, e vai arrecadar 60 milhões de contos noutro. Por isso, o Governo tem dito «com a nossa proposta, incluindo a tal tabela que está guardada para o Orçamento, a receita do Estado, no próximo ano, vai perder 30 milhões de contos». E isso verificar-se-á se a tabela for aprovada agora, na reforma fiscal, verificar-se-á independentemente de haver ou não Orçamento do Estado. Não há aí problema algum. Por isso, o Sr. Primeiro-Ministro também está eventualmente a ser enganado ou ainda não percebeu bem o que se está aqui a passar.
A questão fundamental, Sr. Deputado Manuel dos Santos, é que VV. Ex.as, o Partido Socialista e o Governo, podem fazer tudo para tentar viabilizar o Orçamento do Estado;…

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Devem!

O Orador: - … o que não podem - e vou utilizar, mais uma vez, aquela palavra que utilizei há pouco, que é uma palavra dura - é, para isso, fazer chantagem sobre os trabalhadores por conta de outrem, que estão a ser penalizados pelo regime fiscal que, neste momento, temos. Isso é que não é admissível, nem suportável!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, em boa hora foi agendado este debate, devendo ser realçado o contributo do partido promotor do mesmo.
Ao longo destes dois anos, o Bloco de Esquerda insistiu na questão da reforma fiscal como uma questão decisiva para a política nacional e para o combate às injustiças. Muitas outras vozes se levantaram, desde sempre, dizendo que a injustiça fiscal é o núcleo que cruza todas as injustiças sociais no nosso país. Por isso, é por aqui que deve começar uma reforma e por isso mesmo essa reforma deve ser global. Ela deve atacar cada uma das injustiças fiscais, deve tornar transparente, modernizar e revolver o nosso sistema fiscal, de modo a que haja justiça e equidade.
Nesses termos, na primeira interpelação da sessão legislativa passada, insistimos em novas propostas sobre o sigilo bancário e sobre o off-shore da Madeira e, na primeira interpelação desta sessão legislativa, voltámos a insistir na necessidade de clarificar os rumos deste debate.

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Possa a votação que faremos hoje concluir ou avançar substancialmente esse processo.
Desse ponto de vista, chega-se aqui, ao dia de hoje, com dois progressos significativos, que não quero deixar de realçar. Em primeiro lugar - e muito bem -, o Governo abdicou da proposta de autorização legislativa e substitui-a por uma proposta de lei fundamental que vai ser discutida conjuntamente com as propostas da oposição.
Este Parlamento, naturalmente, não poderia, nem deveria, em circunstância alguma, aceitar que, sobre uma matéria essencial da sua autoridade e legitimidade, como a tributação, houvesse qualquer delegação de mandato e, portanto, qualquer autorização legislativa.
O segundo progresso que se regista é que no trabalho preparatório deste debate o Governo reconhece, assinala e até sublinha alguns elementos fundamentais da crise fiscal no nosso país - na nossa opinião, não é absolutamente coerente com esse ponto de vista.
Mas saber-se, hoje, os números exactos da diferença da tributação entre o trabalhador por conta de outrem e todos aqueles que em profissões liberais declaram rendimentos que são, em média, entre 1/5 e 1/7 abaixo dos rendimentos do trabalho, é muito importante e isso deve ser assinalado.
Sabe-se, hoje, que, em 1999, no que respeita ao IRC, a banca comercial portuguesa pagou 15,9% e que nos anos anteriores, de 1994 a 1998, tinha pago à volta de 20% - menos 10% ou 15% do que a indústria nacional.
Sabemos também que, em 1999, houve um banco, a Caixa Geral de Depósitos, que pagou 33,4% de IRC, mas o Banco Comercial Português pagou 13,4%, o Banco Mello 7,2% e o Banco Santander 0,5% - repito: 0,5%!
O reconhecimento desta situação, a que o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Ricardo Sá Fernandes, chamou, com alguma precisão, uma situação meio próxima da América Latina, merece todo o empenho na discussão que vamos ter.
Além disso, a proposta do Governo apresenta progressos importantes como a alteração de categorias, a tributação de rendimentos injustificados, a aplicação do regime da OCDE sobre preços de transferência e os avanços no reconhecimento das uniões de facto ou das famílias monoparentais. Esta proposta dá um contributo significativo para esta discussão em muitos pontos.
Vou concentrar-me, porque essa é a melhor forma de contribuir para este debate, sobre aquilo que nos parecem ser os erros fundamentais e as críticas que temos a fazer e que justificam a apresentação de alternativas.
Esta proposta não é coerente do ponto de vista do englobamento.
O imposto, em Portugal, devendo ser um imposto único, nunca o foi, porque, como lembrava Francisco Sarsfield Cabral há pouco tempo, mantém-se um preceito absolutamente inconstitucional de que as regras da tributação do capital e do trabalho são diferenciadas e contraditórias.
O princípio do englobamento é a forma de resolver esta diferença inconstitucional e, no entanto, as acções ainda não são sujeitas ao regime geral de tributação das mais-valias; mantém-se a taxa liberatória para os dividendos; mantêm-se benefícios fiscais injustificados, que têm uma incidência predominante nos ganhos de capital e mantém-se um regime de transição injustificado para o regime de tributação das provisões sobre os riscos gerais de crédito. Em todos este pontos, o Governo não cumpre aquilo que a Constituição da República Portuguesa, a lei, o bom senso e a boa prática fiscal recomendam.
É, no entanto, sobre três outras matérias que as diferenças entre as propostas do Bloco de Esquerda e as do Governo são mais importantes.
Começo por referir, muito brevemente, uma delas, que não está em discussão hoje e que, portanto, para o que nos interessa, aqui, na deliberação que vamos tomar, não é mais do que um sintoma das escolhas que são feitas.
O Governo rejeitou a proposta do Bloco de Esquerda relativa ao imposto sobre as grandes fortunas, dizendo que não podia sequer considerá-la e argumentou, aqui, numa interpelação, há cerca de 15 dias atrás, que essa proposta seria esquerdista, sectária. O Primeiro-Ministro garantiu aos Deputados socialistas, a considerar a boa fé das informações jornalísticas, que não queria «esquerdalhadas».
No entanto, uma lei com estas características, aliás, com uma incidência de taxa muito superior àquela que o Bloco de Esquerda propõe, visto que propomos um taxa de 1,2% no nível mais alto e em Espanha se pratica uma taxa 2,5%, existe em quase todos os países mais desenvolvidos do que o nosso.
E para informação do Sr. Ministro das Finanças, vou ler-lhe alguns dos parágrafos do preâmbulo da lei espanhola, o qual explica porque é que, em Espanha, um Governo socialista teve de impor esta lei e por que razão é que, hoje, um Governo conservador a mantém.
Diz o Decreto de 7 de Junho de 1991: «Aplicando um novo imposto sobre o património, pomos fim ao carácter excepcional e transitório que havia no regime actualmente vigente, dando cumprimento ao que devem ser os objectivos fundamentais da equidade, agravando a capacidade de pagamento adicional que a posse de património supõe e agravando a utilização produtiva de recursos da forma fiscalmente mais transparente, impondo uma melhor distribuição do rendimento e da riqueza.
Até agora o imposto sobre o património cumpriu, principalmente, uma função de caracter censitário e de controlo sobre o pagamento do I.R.P.F.» - que é o imposto sobre a renda das pessoas físicas, em Espanha.
O preâmbulo da lei espanhola diz ainda: «O novo imposto, sem esquecer estes objectivos tradicionais, assume outros fundamentais como a consequência de uma maior eficácia na utilização dos patrimónios, para a obtenção de uma maior justiça redistributiva, que é fundamental.».
Não se trata de uma medida de terceira via; trata-se de uma proposta que socialistas espanhóis fizeram aprovar, que conservadores mantiveram e que só pode ser rejeitada por quem não tenha qualquer via do ponto de vista da modernização e da transparência do sistema fiscal. E nisto, como se vê, tudo nos separa da proposta do Governo.
Separa-nos ainda uma outra matéria, que é a da tributação sobre os movimentos de capitais no off-shore da Madeira.
O Governo alegou aqui, na interpelação de há 15 dias atrás, que alguns misteriosos compromissos internacionais impediam que adoptássemos, em Portugal, em relação a off-shores, o mesmo tipo de regime que outros países, na OCDE e na União Europeia, já praticam com muito bons resultados fiscais.
Não sabemos quais são esses compromissos; suspeitamos até que eles não existem, porque em nenhum tratado se impõe à legislação portuguesa qualquer condicionamento sobre como deve determinar a regulação de um off-shore no território nacional.

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No entanto, limitámo-nos a propor uma medida de fundo, que é a que aparece do projecto de lei do Bloco de Esquerda, sobre IRC, que é, pura e simplesmente, a transposição da legislação que outros países com off-shores praticam em relação ao movimento dos capitais, isto é, deixarmos de ter uma taxa de IRC de 0% e passarmos a aplicar uma taxa sobre todos esses movimentos. Isto tem uma dupla virtude: em primeiro lugar, permite a obtenção de receitas fiscais e, em segundo lugar, e não menos importante, permite e obriga que se proceda ao registo, à clarificação e, portanto, à regulação de todos esses movimentos de capitais.
Disse-nos o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Ricardo Sá Fernandes, que o fim dos off-shores seria um bem para o mundo, e tem inteira razão. Mas Portugal não é obrigado a manter uma situação que, não tendo qualquer vantagem, só tem os inconvenientes da falta de transparência.
Em terceiro lugar, separa-nos uma diferença essencial sobre o conceito de sigilo bancário. E é sobre isso que quero falar com mais detalhe.
O Bloco de Esquerda apresentou um conjunto de propostas sobre o sigilo bancário; vou referir-me a algumas delas e, em particular, à que respeita ao regime sobre os cartões de crédito.
As Sr.as e os Srs. Deputados saberão que o problema que aqui colocamos não existe em nenhum país da OCDE, salvo os três únicos países que têm sigilo bancário com as características portuguesas, que são a Áustria, o Luxemburgo e Portugal, naturalmente. Em qualquer dos outros países tal problema jamais existe, pela simples razão de que as operações registadas com cartões de crédito são necessariamente conhecidas da administração tributária por um procedimento administrativo muito simples. No entanto, não é assim em Portugal.
E em Portugal (lembrava o Prof. Silva Lopes num artigo publicado no Jornal Público há pouco tempo atrás) aconteceu um facto extraordinário: por regra, até há pouco tempo, até esse incidente precisamente, as operações com cartões de crédito eram comunicadas à Direcção-Geral dos Impostos. No entanto, em função de um desses pedidos, que rotineiramente eram atendidos, a Procuradoria-Geral da República instaurou um processo ao gestor da Unicre, alegando que o fornecimento desses dados à administração tributária violava a intimidade dos comerciantes. Saber-se qual é o montante do pagamento num bar ou num restaurante através de cartão de crédito viola, espantemo-nos, a intimidade do comerciante!
Sabemos hoje também que 72% do total da facturação dos bares e dos restaurantes é pago por cartões de crédito, o que é um meio de pagamento normal, como é natural.
Pergunto como é que se pode fazer uma tributação séria do sector do comércio, em particular deste sector. Não há, nos outros países, qualquer outra resposta que não esta: saber-se a verdade sobre estas operações.
Não é preciso saber, e por isso não há sequer alegação da violação de intimidade, quem comprou o quê.
Não interessa à administração fiscal saber se o cavalheiro pagou champanhe numa casa de alterne ou se a senhora comprou um par de sapatos; interessa somente saber o total das operações que foram registadas, porque o que a administração fiscal descobriu, no caso de que vos estou a falar, e que o Prof. Silva Lopes tornou público, é que muitos desses bares e restaurantes têm facturações efectivas 10 vezes superiores àquilo que declaram ao fisco.
Como é que se pode saber a verdade de outra forma que não seja sabendo a verdade? Naturalmente, por isso, a proposta que fazemos de que o total da facturação com cartões de crédito seja conhecido e não protegido por um sigilo bancário absurdo é fundamental.
Mas, sobre isso, queria insistir no aspecto da intimidade, porque os partidos de direita, …

O Sr. António Capucho (PSD): - Quais partidos de direita?

O Orador: - … tradicionalmente, argumentam que não se pode mexer no sigilo bancário por uma questão de direito de intimidade, razão que não pesa para os Estados Unidos, para o Canadá, para a França, para a Inglaterra, para a Espanha, mas pesa para três países, as três «aldeiazinhas» fugidas no fim do mundo: Áustria, Luxemburgo e Portugal.
A jurisprudência sobre o direito de intimidade foi criada nos anos 20, por causa de um incidente, que ocorreu nos estados Unidos, no Estado de Massachussets, porque uma lei procurou impor a proibição da existência de contracepção num casal. A lei de Massachussets impunha que a contracepção fosse proibida entre um casal, homem e mulher casados. E alegou-se contra essa lei, absolutamente iníqua, que o direito de intimidade defendia o direito da escolha num espaço que não tinha de ser controlado publicamente.
Na altura, ainda o Prof. João César das Neves não escrevia os seus artigos no Diário de Notícias sobre o mesmo assunto.
O direito de intimidade nunca teve que ver com o problema do sigilo bancário. E, como questiona muitíssimo bem o Prof. Silva Lopes, que direito de intimidade é esse que defende a possibilidade de alguém não declarar a verdade perante a tributação? Então, o direito de intimidade deve ser tal que obrigue a um dever de sigilo que se opõe à obrigação de cumprir os deveres perante o Estado?
A contradição a este direito absurdo é a democracia, a transparência, a verdade e a regra verdadeira que tem de ser imposta. Por isso, Gomes Canotilho e Vital Moreira sempre separaram a esfera pessoal íntima, sobre a qual não deve haver qualquer interferência, e a esfera privada, que não pode ser o local de protecção da fraude fiscal.
O dever de declarar a verdade sobrepõe-se ao direito individual de ocultar o património, é por isso que o sigilo bancário tem de ser alterado em Portugal. Aliás, já é assim em algumas situações: o sigilo bancário não pesa, correctamente, quando estão em causa crimes de droga, isto é, quando há criminalidade o sigilo pode ser levantado.
O sigilo bancário pode também ser levantado, e correctamente, já hoje, quando há inside trading, podendo a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários verificar as contas bancárias.
Mais do que isso, há uma terceira regra em Portugal que viola o sigilo bancário e, extraordinariamente, já o fazia muito antes de o mesmo ser consagrado, o que só aconteceu de uma forma consistente juridicamente em 1963. Em 1967, e ainda agora, com o Decreto-Lei n.º 29/96, de 11 de Abril, mais concretamente o seu artigo 4.º, foi criado um Serviço de Centralização de Riscos de Crédito que permitia à banca comercial, portanto, a empresas privadas, obter informação sobre os clientes de outros bancos, ou seja, violar o sigilo bancário, em nome

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do argumento, que se compreende, da protecção dos seus empréstimos e das suas colocações de capital.
Então, o problema é o seguinte: se existem estas três regras tipificadas em que não ocorre sigilo bancário pela única razão de ser preciso eficiência para estes problemas, temos de nos perguntar porque é que para onde é preciso eficiência a violação do sigilo bancário é proibida por lei. Porque é que a administração tributária, que é quem deveria saber a verdade, não pode aceder a ela? Por isso mesmo é que o sigilo bancário deve ser profundamente alterado.
O Prof. Silva Lopes, no artigo a que já me referi, comentava que os trabalhos da Comissão de Desenvolvimento da Reforma Fiscal, que são a alegada base, distante, da proposta que hoje temos, tinham obtido um compromisso no qual ele já não se revia.
Devo dizer-vos, naturalmente, que a simples transposição para a lei do compromisso a que se referiu o relatório de Silva Lopes de 1996 seria um tremendo avanço para a administração fiscal. Mas argumenta o Professor Silva Lopes que as condições são tão limitativas que «com essas condições muito poucos seriam os delitos fiscais que poderiam ser detectados através do acesso da administração tributária a informações bancárias».
Por outras palavras, Sr.as e Srs. Deputados, se a proposta do Governo, que é muito anterior e mais recuada que a proposta da comissão presidida por Silva Gomes, vier a ser aplicada tal qual, daqui a um ano teremos cinco processos a arrastarem-se em tribunal e nenhuma mudança na eficiência da administração fiscal.
O que o Prof. Silva Lopes hoje propõe tem todo o sentido, por isso. O que ele diz é que não podemos abrir a possibilidade de recursos e de manobras dilatórias, que a consulta não deve depender da suspeita, deve, sim, proceder de uma forma rotineira, como acontece em Espanha ou nos Estados Unidos, detectando informaticamente um conjunto de operações tipificadas suspeitas.
Portanto, nenhum contribuinte terá de ser visto, pelo acesso da administração tributária à sua conta bancária, como vítima de uma perseguição fiscal, porque todos, sem nenhuma excepção, serão inquiridos sobre essas operações potencialmente suspeitas - por exemplo, um pagamento, numa profissão liberal, em que não haja dedução de IRS ou pagamento de IVA, para o qual não haja justificação de receita na sua conta bancária.
Esse controlo processual por busca automática, por um procedimento de rotina, dá justamente toda a garantia de que nenhum contribuinte é perseguido pelo sistema fiscal, por isso mesmo combatendo a noção de que o direito à privacidade impõe uma possibilidade do direito à fuga e garantido que respondemos dessa forma, e não de outras, à fuga dos capitais. É que sem haver o levantamento do sigilo bancário em Portugal nunca haverá a possibilidade de trocarmos informações com outros países, pela simples razão de que não temos qualquer informação a dar se não soubermos da verdade. Se, em contrapartida, a soubermos, a administração tributária poderá contribuir para a troca de informação com outros países e pode, portanto, porque sabe onde está o dinheiro, combater a fuga de capitais.
Por tudo isso, o Bloco de Esquerda apresenta uma proposta que incide nos pontos cruciais em que esta mudança tem de ser feita. Em alguma medida, aliás, recuperamos propostas que Deputados socialistas também aqui fizeram, como, por exemplo, o ex-Deputado João Carlos da Silva, que referiu que cada vez que um contribuinte requeira o acesso a determinados benefícios deverá abdicar do sigilo bancário como condição de acesso. Pois claro, se alguém acede a um regime fiscal privilegiado deve abdicar do sigilo bancário, porque tem um dever de prestação de contas! Se alguém tem um subsídio do Estado deve, naturalmente, abdicar do sigilo bancário!
Em todas estas condições temos de dar este sinal de modernidade, de transparência. Caso contrário, e para isso alertava Saldanha Sanches há já algum tempo, «a resistência contra a adopção dos métodos normais de controlo por meio da informação bancária não é apenas uma defesa da fraude fiscal, constitui também uma defesa da corrupção em que se está a atascar a sociedade portuguesa». É por isso que esta reforma, que hoje deverá começar com um sinal político claro, tem de ser o princípio de um corajoso ataque a todos os pontos da injustiça fiscal.
Não podemos aceitar qualquer chantagem ou limitação sobre esta reforma, porque ela vale por uma legislatura, vale por um Governo, vale pela política inteira. O que hoje temos de dizer aos portugueses é que há Deputadas e Deputados que estão dispostos a batalhar contra os interesses mais incrustados, poderosos e resistentes da sociedade portuguesa e a vencê-los em nome da verdade e da justiça fiscal.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Francisco Louçã, os Srs. Deputados Maria Celeste Cardona e Hugo Velosa.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, quero dizer-lhe, em primeiro lugar, que respeito muito as suas convicções, mas quero dizer-lhe também, com toda a clareza, que, nesta matéria, discordo frontalmente delas.
Gostaria de endereçar-lhe uma questão. O Sr. Deputado hoje falou muito do Prof. Silva Lopes, com quem tive ocasião de debater a questão do sigilo bancário - aliás, penso que o senhor se referiu a este debate. A certa altura, a ilustrar a minha intervenção, de que amavelmente acedeu ser o comentador, fiz referência ao texto constitucional português e à doutrina formulada pelo Tribunal Constitucional relativamente ao que deve entender-se por direito à privacidade, sendo a mesma clara no sentido de que se inclui o direito à intimidade da vida privada. Nessa ocasião, o Prof. Silva Lopes, como homem inteligente que é, disse que, se assim era, talvez fosse conveniente mudar a Constituição nessa matéria, dado que as convicções dele eram aquelas que o Sr. Deputado Francisco Louçã deixou expressas.
Sr. Deputado, o que gostaria de pergunta-lhe é o seguinte: concorda, está disponível para mudar o texto constitucional ou, ao invés, prefere importar para o nosso direito constitucional a tal doutrina americana dos anos 20?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona, agradeço-lhe a sua intervenção e até o reconhecimento de que discordamos

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frontalmente, o que é o melhor elogio que poderia esperar neste momento, nesta discussão.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - É um seguro de vida para os dois lados!

O Orador: - Devo dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que já houve tempo em que o CDS-PP tinha sobre esta matéria uma atitude mais prudente do que meramente a defesa dogmática do sigilo bancário. Lembro-lhe que o ex-Deputado António Lobo Xavier colaborou na regulamentação jurídica do Plano Mateus, que previa justamente que, como regra de acesso ao mesmo, houvesse o levantamento do sigilo bancário.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Portanto, entenda que deste ponto de vista não pode haver dogma algum, o que há é o verdadeiro princípio de ouro desta discussão, o princípio da seriedade e da transparência fiscal.
Ora, quando a Sr.ª Deputada me diz que a Constituição impede uma alteração sobre o sigilo bancário permito-me discordar de si e da interpretação da jurisprudência portuguesa. O único momento em que, na Constituição da República Portuguesa, aparecem os termos «intimidade» ou «privacidade» referidos a algo que se possa interpretar neste contexto é no artigo 26.º. Este artigo diz o seguinte: «A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar (…)».
Sr.ª Deputada, a reserva de intimidade na vida privada e familiar quer dizer que o senhor x pode esconder do fisco a verdade do seu património, a verdade dos seus rendimentos?!

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Não é nada disso!

O Orador: - De forma alguma! Não é preciso, por isso, nenhuma alteração da Constituição para se aplicar uma lei moderna, igual à dos países mais desenvolvidos, sobre a questão fiscal.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Nessa parte está em desacordo com Silva Lopes!

O Orador: - Até lhe digo mais, Sr.ª Deputada: actualmente, não será verdade que a declaração de IRS é uma violação da nossa intimidade? Declaramos as nossas despesas sobre saúde e a administração tributária pode obrigar-nos, com todo o direito, a esclarecer se é verdade aqueles 200, 300 ou 500 contos que gastámos em saúde.
Todas as facturas de médicos e de medicamentos que tenham a ver com qualquer doença do contribuinte são públicas perante a administração fiscal. Não há outra violação de intimidade mais profunda que esta. E o que é que deve predominar? É o direito de a administração tributária saber a verdade, o direito de o público não ser enganado, o direito e o dever de o País, como um todo, não tolerar a fraude fiscal! Por isso, no caso da saúde, tem de se saber detalhes sobre a vida privada das pessoas e, com certeza, o CDS-PP não vai propor que isso seja abolido.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Hugo Velosa desistiu de formular o seu pedido de esclarecimento. Assim, tem de novo a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona, agora para uma intervenção.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Antes de mais, quero saudar todas as bancadas desta Casa pela apresentação de propostas de revisão do actual modelo de tributação sobre o rendimento, e, naturalmente, também a minha bancada.
Este debate centra-se num tema sério, sobre o qual devemos todos - Governo e Assembleia - reflectir e decidir seriamente. Isto é de sobremaneira assim porque as opções que vierem a ser tomadas no âmbito da reforma do sistema fiscal terão um reflexo directo e praticamente imediato no nível de rendimentos e da poupança que, depois de impostos, ficam disponíveis para os cidadãos e para as famílias portuguesas.
Não é por acaso que os impostos e a sua tributação são constitucionalmente matéria da competência reservada da Assembleia da República. É o respeito pelo princípio da autotributação que impõe esta reserva legislativa. Só o povo, através dos seus representantes eleitos, pode impor a si próprio o pagamento de impostos.
Recordo que tributar é «agredir» o património e o rendimento dos cidadãos, é retirar da disponibilidade das famílias e das empresas uma parte significativa dos seus recursos, os quais resultam do trabalho, do investimento, da poupança e da boa e sã gestão do seu dinheiro.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Tributar é transferir para o Estado muitos milhões de contos para serem geridos e administrados pelo Governo.
Os cidadãos querem saber como são geridos e gastos esses milhões de contos, os cidadãos querem saber quais as contrapartidas do dinheiro que lhes é retirado pelos impostos que pagam. São poucas: os contribuintes não têm os cuidados de saúde que na média dos países comunitários lhes assiste, os doentes têm o pior serviço de saúde da Europa.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Cerca de 2 milhões de portugueses contribuíram para a riqueza do País, trabalhando duro e, não raro, descontando, mas a pensão a que os reformados têm direito é a mais baixa da Europa.
O que agora se anuncia é que a despesa social desce, mas aqui ao lado, em Espanha, cresce. Ao invés, sobe a despesa improdutiva, mas aqui ao lado é essa despesa que diminui.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Este é um debate sobre como é que o Estado cobrará os impostos. Não esqueçamos que o debate principal é o de saber como é que o Estado gasta o produto dos impostos.
Por outro lado, com as novidades que se anunciam, o Estado vai passar a presumir rendimento para ser tributado. Seria bom que o Estado percebesse que, paralelamente, deveria exigir uma presunção de responsabilidade pela

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gestão do dinheiro dos contribuintes. Também aqui a inversão do ónus da prova é uma exigência de moralidade e de responsabilidade.
Ao Estado devia caber a prova de que o que gasta é bem gasto, que o que gasta está devidamente evidenciado, que justifica as despesas que realiza, tantas delas supérfluas e sumptuárias.
À transparência que, em nome da justiça fiscal, se vem pedir aos cidadãos deve corresponder a transparência e o rigor das contas públicas. Um dia será proibida a desorçamentação. À cidadania fiscal, que se traduz pelo correcto e adequado pagamento de impostos, deve corresponder um Estado «pessoa de bem».
Todos nos preocupamos com o contribuinte pagador. Na nossa bancada também nos preocupamos com um Estado cumpridor.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, realizar uma verdadeira reforma fiscal é uma necessidade que não carece de demonstração. Em todo o caso, sempre direi, porque sempre o disse, que o actual sistema carece de ser reformado, pois é social, económica e moralmente injusto.
Sr. Ministro das Finanças, um sistema fiscal que se mostra incapaz de diminuir os impostos para as classes médias não cumpre uma das suas principais finalidades, ou seja, não é socialmente justo.
Reportando-nos aos últimos dados que se conhecem, relativos a 1998, verificamos que a maior fatia da receita fiscal se encontra nos escalões intermédios, ou seja, naqueles que auferem rendimentos médios e que pagam taxas de tributação entre os 20% e os 40%. Foram estes que, em média, contribuíram para os cofres do Estado com cerca de 400 milhões de contos, ou seja, quase metade do valor total da arrecadação.
Denunciamos que um casal, com dois filhos, que aufira cerca de 500 contos/mês seja considerado rico. O que verdadeiramente se passa é que um casal da classe média paga taxas de rico, ou seja, a taxa máxima de 40%.
O actual sistema fiscal é ainda economicamente injusto. As taxas, quer do IRS, quer do IRC, são demasiado elevadas e não correspondem, nem em qualidade, nem em quantidade, ao serviço público prestado aos cidadãos.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Só para dar alguns exemplos, o sistema judicial está em «falência», até passa a dar incentivos a quem retirar dos tribunais as suas pretensões. O sistema de saúde gasta, gasta, gasta, mas não trata decentemente as pessoas.
Em suma, Portugal não terá a carga fiscal mais pesada da Europa, mas tem a mais injusta carga fiscal da Europa, porque a tributação em IRS é bem superior à retribuição em serviços de qualidade.
O actual sistema é também moralmente injusto: há os que pagam porque não podem fugir; há os que pagam e podem fugir; e há os que não pagam devendo pagar.
Mas, Sr. Ministro das Finanças, não vá por aquilo a que alguém já chamou «populismo fiscal deste Governo». Quando divulgar dados estatísticos não se esqueça do velho adágio popular que nos ensina que havendo um frango para duas pessoas não é necessariamente verdade que cada um dos pretendentes ao mesmo fique com meio frango. Às vezes, o frango é só para um!

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Exactamente!

A Oradora: - A estatística relativa aos rendimentos de profissionais independentes aponta para uma média de 800 contos. Pensa o Governo que estão mentir? Uns sim, outros nem tanto!
Recordo-lhe os milhares de jovens licenciados que estão em dificuldade para arranjar emprego e os que, em início de carreira, não conseguem, ainda que se esforcem, ganhar tanto quanto seria seu desejo.
Mas em todo o caso, faço-lhe uma sugestão: mande verificar; separe o «trigo do joio»!
O actual sistema também não é competitivo, Sr. Ministro das Finanças. O senhor sabe e eu sei que assim é. As recentes recomendações da União Europeia e as reformas fiscais que se lhe seguiram vão todas no mesmo sentido: baixar os impostos. Refiro apenas os casos da Alemanha, da Itália, da Espanha, da França e da Irlanda. Na Irlanda, é a carga fiscal baixa que permite crescer 8%, 9%, 10% ao ano.
Para quando um crescimento destes na nossa economia, que nos permita avançar, não recuar, nos difíceis caminhos da convergência real?
Mas há aqui duas lições a retirar. A primeira é doutrinária: quando a direita pediu a redução dos impostos, tinha razão. A segunda é técnica: quando todos os impostos baixam na Europa, em Portugal temos de acompanhar o ciclo, a menos queiramos permanecer como «um inferno fiscal», rodeados de países fiscalmente simpáticos, que dispõem, aliás, de paraísos fiscais a granel.
Por fim, o actual sistema não observa a Constituição. Diz o texto fundamental que as empresas devem ser tributadas pelo rendimento real. Onde pára esse princípio?
Diz também o texto constitucional que a tributação deve ter em conta os rendimentos do agregado familiar. Onde está o coeficiente familiar e onde está uma tributação justa e equilibrada e que tenha em conta a família? Digo com toda a convicção que o conceito de família é nuclear no Direito Constitucional, mas praticamente desconhecido no sistema fiscal. Isto, que não incomoda à esquerda, incomoda-me a mim, porque sou democrata-cristã.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: É conhecida a posição do meu partido sobre a necessidade de serem realizadas reformas de fundo na sociedade portuguesa. Sem elas não avançaremos no caminho do crescimento, do desenvolvimento e da convergência real. É o que nos está a acontecer.
Para isso, e por isso mesmo, desde sempre identificámos as grandes áreas que carecem de ser reformadas: a segurança social, a saúde, a administração pública e o sistema fiscal.
Também conhecem o método que propomos para alcançar estes objectivos: uma cultura de pacto, baseada na procura de consensos, visando a obtenção de fortes apoios políticos e sociais, como, aliás, acontece em todos os países da Europa, que fizeram reformas estruturais.
É também conhecido o motivo e o fundamento da nossa forma de estar na vida e na política. Uma oposição que quer ser Governo deve participar activamente nas grandes reformas.

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As reformas não são conjunturais. Quando são estruturais atravessam várias legislaturas, vários governos e, até, várias gerações.
A perenidade, a certeza e a segurança exigidas pelos cidadãos no que toca às suas aspirações e exigências devem ser valores a preservar e a manter, e não se compadecem com processos eleitoralistas, pontuais ou com prazos de validade limitados.
Para mim, é evidente que quem não propõe alternativas ao actual sistema fiscal, aceita ou é cúmplice de um sistema perfeitamente injusto.
Estamos convictos de que quem não procura consensos para esta reforma, falha um dever de mudança.

Vozes do CDS-PP: - Claro!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP):- Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo tardou na apresentação destas propostas; demorou quase seis anos a apresentar as propostas em causa.
Quero, aliás, fazer aqui um reparo e uma correcção. Nenhuma das propostas, mesmo as do Governo, em matéria de impostos sobre o rendimento, são susceptíveis de serem qualificadas como uma reforma global. Deixemo-nos de artifícios!
Do que se trata é de medidas complementares de revisão, de modificação e de substituição de algumas regras em vigor. Claro que, da parte da oposição, muito dificilmente poderia ser de outra maneira. Os meios, os dados, os serviços são do Estado, mas para uso exclusivo do Governo.
Do lado do Ministério das Finanças a obrigação era outra: para além do mais, dispõe de um conjunto de mais de 14 000 funcionários altamente qualificados e com profundo conhecimento do sistema, bem como das formas de o modificar. Também por isso, seria de esperar mais; seria de esperar uma verdadeira reforma global do sistema fiscal.
Dou apenas três exemplos do que falta.
Uma reforma do sistema deve incluir a reforma da organização e do funcionamento dos órgãos aplicadores do Direito, quer sejam administrativos quer judiciais. Não faz sentido que a justiça tributária se consubstancie, ainda hoje, quase exclusivamente, no privilégio de execução prévia, ou seja, o contribuinte apresenta a sua reclamação ou impugnação, mas tem de pagar ou garantir o imposto que lhe está a ser exigido. Isto é assim, ainda que o tal imposto seja ilegal! Segundo dados recentemente divulgados, a pendência média de uma decisão ronda sete anos - digo bem, sete anos! As mais das vezes, ao fim desses anos, em cerca de 70% dos casos, para decidir que o contribuinte tem razão.
A estes costumes, o Governo nada diz.
E quanto à sisa? O tal imposto mais «estúpido do mundo», no dizer dos próprios responsáveis governamentais, continua estupidamente à espera de reforma. A famosa resolução do Conselho de Ministros de 1997 prometia, aliás, a sua extinção. Também, quanto a esta promessa, o Governo nada diz.
E quanto ao regime das infracções tributárias? Se a evasão se pode combater com a densificação e a clarificação das normas de incidência, a infracção fiscal pode e deve ser prevenida e reprimida com sanções de natureza contra-ordenacional e penal. O Governo, sobre esta matéria, continua mudo.
E quanto à própria reforma do IRC, no que se refere à aplicação do chamado regime de simplificação? Fica-se, apenas, por uma autorização legislativa.
Pela nossa parte, deixo claro o que deve ser uma reforma fiscal, da qual vou destacar os pontos que considero principais.
Em primeiro lugar, um pacto de justiça fiscal para 20 anos. Não se pode mudar o sistema fiscal em função de meras necessidades de arrecadação de receita. O sistema deve ser certo, seguro, previsível e estável, e quando o contribuinte tem razão, não pode esperar anos para ver reconhecida a sua petição.
Em segundo lugar, saliento que é necessário celebrar um pacto de redução gradual dos impostos. Não é difícil, basta aplicar correctamente a lei, pondo a pagar quem foge e permitindo a quem paga pagar menos.
Uma reforma fiscal deve ser também um instrumento de protecção da família. Não estamos a inventar nada. É sabido que muitos responsáveis defendem este modelo; é sabido que alguns países, por exemplo a Espanha, a França e a Irlanda, adoptam sistemas fiscais onde a família está primeiro. É só copiar e saber adaptar.
Uma reforma fiscal é, também, uma ferramenta de crescimento económico.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Isso é verdade!

A Oradora: - O sistema fiscal pode e deve ser manipulado em favor da nossa economia - é, aliás, dos poucos instrumentos que Portugal ainda dispõe -, deve adoptar-se taxas, medidas e incentivos que possam tornar competitivas as nossas empresas. Pense-se no actual mercado comunitário e nas consequências do alargamento.
Para esta reforma podem os portugueses contar com o CDS-PP.
Quero também evidenciar, para que fique claro, o que para nós não pode ser uma reforma fiscal.
Em primeiro lugar, uma reforma é uma reforma; um orçamento é um orçamento.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Há, no Governo, quem afirme que não haverá desagravamento fiscal se não houver Orçamento do Estado. Que conversa é esta?! O Orçamento é um documento de despesas e receitas anuais; é uma lei de meios.
Uma reforma fiscal é, nomeadamente, um conjunto de diplomas devidamente articulados, entre si, que garantam uma adequada arrecadação de receitas e reforcem os direitos dos contribuintes, face à máquina administrativa e ao próprio poder judicial.
Uma coisa de cada vez!
O que estamos a discutir é uma reforma fiscal para 20 anos. Não estamos a discutir um Orçamento para 12 meses.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - A reforma, se for boa, poderá ser aplicada por este Governo e pelo próximo, a bem do País. O Governo, ou, melhor, o Orçamento - às vezes, foge-me a boca para a verdade -, se for mau, é mera responsabilidade deste Governo.

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Em segundo lugar, não se pode pretender, através da reforma fiscal, criar um novo dogma ideológico. Tal dogma só acentua a servidão dos contribuintes. É o que temos hoje.
O contribuinte que paga é tratado como «servo» por uma administração que gasta; o contribuinte que tem razão, é tratado como número, e não como pessoa, por uma administração que cobra, mesmo quando erra, mas não paga pelos seus erros.
O princípio do desagravamento fiscal é nosso, há muitos anos. O Governo aceita a redução dos impostos? Bem-vindos ao clube! O combate à fraude e à evasão não é de esquerda nem de direita, é uma questão de seriedade e de cidadania fiscal. As presunções e as inversões do ónus da prova, como acima já disse, devem ser acompanhadas do reforço dos direitos dos contribuintes.
Em terceiro lugar, a reforma fiscal não deve ser uma «trituradora fiscal», sempre à procura de taxar cada tostão ganho pelo esforço de quem trabalha. A poupança, a criação de riqueza e o desenvolvimento não devem ser penalizados.
Liquide-se o imposto devido, mas liberte-se o contribuinte. Como dizia um velho director-geral dos impostos, que tive a honra de conhecer e de com ele trabalhar, o contribuinte é um cliente, há que tratá-lo bem.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Como é bem de ver analisei cuidadosamente os diversos documentos aqui em debate, neles se incluindo, naturalmente, as propostas apresentadas pelo Governo. Há matérias de consenso entre a nossa proposta e a do Governo.
Vou dar exemplos: o objectivo de redução das taxas do IRS (até que enfim!); a consagração da dedução para creches e jardins de infância; um primeiro passo na consagração da regra da comunicabilidade dos custos suportados pelos sujeitos passivos de IRS; a eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos; o preenchimento, densificação e clarificação das actuais regras legais de preços de transferência, subcapitalização e regimes fiscais mais privilegiados.
Como sempre dissemos, o combate à evasão deve ser feito por esta via. Vão neste sentido, aliás, algumas das propostas por nós apresentadas a este debate.
Também a consagração de taxas diferenciadas para contribuintes de IRC é idêntica à proposta que apresentámos nos nossos próprios projectos de lei.
Por outro lado, para além destas matérias, não devo nem posso deixar de chamar a atenção para algumas outras que me causam alguma perplexidade.
Em primeiro lugar, o Governo vem propor a tributação dos subsídios ao abate de efectivos e ao abandono de actividade e arranque de plantações, no âmbito das actividades agrícolas, silvícolas, pecuárias e pesca. O que é isto?! Então, subsidiam quem deixa a agricultura e agora querem tributar os subsídios?! Então, mandam abater os barcos, e agora tributam o abate?!
O segundo ponto de profunda perplexidade, e vem tratado na proposta do Governo, é o de manter a tributação em taxa liberatória dos dividendos, mas propor o respectivo englobamento para efeitos de determinação da taxa fiscal aplicável.
Na verdade, através desta regra de englobamento, depois de pago o imposto, ainda se vai permitir arrecadar mais imposto, apenas pelo mecanismo da mudança de escalão e de taxa. É esperto, mas não é justo!
Em terceiro lugar, na política de deduções à colecta, nada se prevê quanto a um aumento significativo dos juros pagos pela aquisição de habitação própria. É esta a consciência social do Governo, quando sabe que as famílias, que foram incentivadas a adquirir casa, viram aumentar os juros e diminuir as bonificações?!
Mas os juros vão continuam a aumentar, Srs. Membros do Governo!
O último aspecto que me parece importante salientar tem a ver com o facto de o Governo aparentar, no contexto destas propostas, consagrar uma filosofia curiosa. A par da definição de métodos indirectos para a determinação do rendimento, isto é, fixando a matéria colectável por presunções, pretende também quebrar o sigilo bancário.
De duas, uma: querem ver ou querem presumir?! Se vão à conta bancária é para saberem o rendimento real; se sabem qual é o rendimento real, para que se vão pôr a presumir?! Ver, é confirmar! Presumir, pode ser mentir! A conta é objectiva; a presunção é subjectiva! Escolham um caminho, mas não queiram fazer do nosso sistema fiscal uma «tributação a olho», que varie de cidade para cidade, de repartição para repartição, deixando o cidadão à mercê não da lei mas da boa vontade dos agentes.
Para além destas críticas e da identificação de alguns pontos de convergência, o CDS-PP considera que uma das principais reformas estruturais, sem a qual, aliás, as outras falham ou falharão, deve conformar-se com um conjunto de princípios que constam das nossas propostas, pelas quais nos bateremos e que nos parece ser importante elencar. Sem estes princípios a reforma não terá o nosso voto.
O primeiro deles, é o princípio da defesa das classes médias. Ao que parece, o Governo pretende desagravar a carga fiscal sobre os que pagam. Já acima o disse, e repito, bem-vindos ao nosso clube!
O Governo anuncia - mas na proposta não consta! - que quer que mais de 500 000 contribuintes deixem de pagar o imposto. São os mais pobres. Concordamos! Trata-se de desonerar os que menos ganham sem perda significativa de receita. Recordo que esta receita, em 1998, se cifrava em menos de 3 milhões de contos.
Mas, Sr. Ministro das Finanças, e os contribuintes que mais participam na arrecadação de impostos, os cerca de 1,3 milhões de contribuintes que, em 1998, só por rendimento de trabalho dependente contribuíram com cerca de 245 milhões de contos para a receita? E a classe média que está nos escalões intermédios?
Estes são também os que mais sentiram o aumento das taxas de juro, os que mais sofreram com a diminuição da bonificação, os que mais atingidos são pelo aumento dos combustíveis. A não ser que o vosso desagravamento seja apenas o que custa pouco!
Pela nossa parte, como é sabido, defendemos uma maior redução das taxas intermédias do IRS, porque só desta maneira é possível desagravar os impostos de quem já muito paga e quase nada recebe. Fica claro: para nós, as taxas da classe média devem descer mais. A taxa de 25% deve descer para 23%; a taxa de 35% deve descer para 33% - é mais do que o Governo dá, mas é o mínimo para podermos dar o nosso voto.
O segundo princípio é o da integração progressiva no sistema do mínimo de existência pessoal e familiar.
Este modelo, a nosso ver, assume várias vantagens: a da simplicidade do sistema; a da maior justiça redistributiva; a da consagração de um mínimo de rendimento que não é sujeito a imposto; a do tratamento mais favorável

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para as categorias de rendimento de trabalho dependente; bem como a da consagração do princípio da tributação segundo a capacidade contributiva.
Entendemos que, tal como existe um salário mínimo e até um rendimento mínimo garantido, deve ser criado um rendimento mínimo fiscal, aquela parte do rendimento familiar sem a qual a família não vive. Em vez do que acontece com as deduções à colecta, o nosso sistema dispensa facturas, justificativos e recibos, e a carga de trabalhos que isso supõe. Em vez do que sucede com as deduções à colecta, o nosso sistema é para todos. Hoje, só deduz quem ganha o suficiente para gastar e, depois, deduzir. Connosco, haverá, para todos, um mínimo em que o Estado, simplesmente, não toca.
O terceiro princípio é o da promoção do crescimento e desenvolvimento económico.
Para dissipar quaisquer dúvidas sobre esta matéria devo dizer que a criação de riqueza é, para nós, um bem. Permite desenvolver a economia, criar postos de trabalho, aumentar a competitividade das nossas empresas, gerar mais rendimento e, desta forma, arrecadar mais receita.
Neste contexto, por conseguinte, defendemos que as taxas do IRC devem baixar; defendemos, também, taxas diferenciadas em razão da natureza, do volume de negócios e da integração territorial das nossas empresas.
É uma solução europeia, não é, manifestamente, uma solução americana. Não me consta, aliás, que a Irlanda, que adopta este modelo de taxas diferenciadas para certo tipo de actividades económicas inseridas em determinadas áreas territoriais, possa ser qualificada como um país da América do Sul.
O que queremos é simples: um IRC a baixar, já, para 28%; um IRC para pequenas e médias empresas de 25%, e de 20% para as microempresas.
Um quarto princípio que gostaria de enunciar é o da produtividade. Também aqui procuramos ser inovadores.
No IRS, se um trabalhador ganha prémios de produtividade, isso não pode ser um castigo fiscal!
No IRC, se uma empresa ganha mercado, aumenta a produtividade e melhora salários, deve ter créditos fiscais, para fazer mais e melhor no ano seguinte. Prefiro incentivar os resultados do que subsidiar às cegas!
Um quinto e último princípio é o do equilíbrio entre o reforço dos poderes da administração fiscal e dos direitos dos contribuintes.
O Governo vem propor a esta Casa o reforço dos poderes da administração fiscal em certos domínios, de que destaco: o da determinação indirecta do rendimento; o da tributação por presunções fundadas em rendimentos padrão; o da inversão do ónus da prova; bem como do acesso directo à informação protegida pelo sigilo bancário em certas condições.
Esta proposta, curiosamente, nada diz quanto ao reforço dos direitos dos contribuintes. Não diz, mas sobre os mesmos não falta retórica nem faltam proclamações.
Mas, Sr. Ministro das Finanças, não é disto que se trata. Ao fim de seis anos já era de exigir que a reforma fiscal fosse global, mas não é.
Centremo-nos na questão do acesso à informação protegida pelo sigilo bancário.
Muito se tem dito e escrito sobre esta matéria. Há quem defenda o acesso total e livre a tais informações - respeito este entendimento, mas discordo frontalmente. Há quem sustente que o levantamento do sigilo deve ser realizado gradualmente e em obediência a mecanismos internacionais de troca de informações. Há quem sublinhe que a questão do segredo bancário não é um problema no nosso país; e, não sendo um problema que careça de solução, qualquer proposta de resolução, será, ela mesma, um problema e não uma solução.
Para além de questões de natureza constitucional portuguesa suscitadas por esta questão (e relembro a interpretação que o Tribunal Constitucional já deu aos direitos de privacidade, neles se incluindo os da intimidade da vida privada), é preciso voltar a relembrar que a generalidade dos pedidos formulados ao Tribunal, para acesso a informações bancárias, foram deferidos.
Pela nossa parte, entendemos ser necessário equilibrar os poderes da administração e os direitos dos contribuintes. Nesta medida, os contribuintes faltosos e incumpridores devem ser, naturalmente, inspeccionados e fiscalizados, com o objectivo de combater fenómenos de evasão fiscal.
Por seu turno, sustentamos que, nesta fase, e para eliminar quaisquer erros, qualquer pretensão de acesso à informação bancária deve ser objecto de consentimento pelo interessado ou, pelo menos, de possibilidade de interposição de recurso para o tribunal com efeito suspensivo.
A nossa posição é equilibrada: a regra é o sigilo, o levantamento será possível em certas condições. Somos contra a evasão, mas também somos contra o erro! Se a administração fiscal tiver razão na sua suspeita, o juiz dar-lhe-á razão; se não tiver, o juiz protege o contribuinte. O evasor será fiscalizado; mas a administração também terá um fiscal.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Visto não haver inscrições para pedidos de esclarecimento, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Após o nascimento da Moeda Única, a política orçamental é o principal instrumento que o Governo detém para alcançar a estabilidade macroeconómica. Por isso, as opções orçamentais são verdadeiramente determinantes na política económica de qualquer governo da União Europeia. Falhar nesta área é condicionar o desenvolvimento.

O Sr. Manuel dos Santos (PSD): - Até aqui, tudo bem!

O Orador: - Uma reforma fiscal que ignore os principais constrangimentos económicos e sociais de um país ou não é uma verdadeira reforma ou, então, estará mal feita, pois o seu impacto sobre o conjunto da economia nunca pode ser desprezado.
Se não se aproveitar a política orçamental e, no seu âmbito, a política fiscal para se conseguir o equilíbrio macroeconómico, então, como é que se vai conseguir?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O modelo de crescimento que tivemos nos últimos anos assentou, erradamente, num excesso de crescimento do consumo. Do consumo público e do consumo privado. O País tem vivido acima das suas possibilidades. Temos consumido mais do que aquilo que produzimos e temos gasto bem mais do que aquilo que poupamos.

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Éramos um país com saudáveis hábitos de poupança. Tradicionalmente, consumíamos de forma moderada e cautelosa, aumentando, assim, o potencial de crescimento da nossa economia. Não é, por isso, compreensível e constitui um grave factor de desequilíbrio económico e social ter aceite, passivamente, que o crescimento do consumo tivesse atingido os níveis que atingiu.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Para isso muito contribuiu o exemplo dado pelo Governo, um Governo despesista que fez, irresponsavelmente, a pedagogia do consumo e a pedagogia do desperdício.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O resultado está à vista: um nível de endividamento das famílias preocupante e um endividamento público que o próprio Governo desconhece tantas são as operações de engenharia financeira e de ocultação de despesa a que tem recorrido.
Não é de admirar que, associado a esta negativa evolução da nossa economia, surja, de imediato, um défice externo monstruoso. Se gastamos mais do que produzimos é obvio que estamos a consumir o que os outros produzem. A derrapagem da nossa Balança de Pagamentos é uma consequência lógica do caminho errado que temos estado a trilhar.
Assistimos também, como, aliás, não podia deixar de ser, a um enorme agravamento do endividamento externo. Como não temos poupança suficiente para suportar a expansão da procura interna e as altas taxas de crescimento do crédito bancário, é lógico que também tenha aumentado o endividamento do País face ao exterior.
Não admira que a inflação esteja em crescendo; a pressão da procura sobre a oferta tem como óbvia consequência o aumento dos preços.
Esse aumento de preços, associado a uma muito baixa produtividade, afecta fortemente a competitividade das nossas empresas e ajuda, ainda mais, à degradação da nossa relação com o exterior; ajuda, ainda mais, ao nosso empobrecimento.
Como se tudo isto não bastasse, temos, ainda, um nível de despesa pública incomportável que já ultrapassou os 50% do Produto Interno, sem que o nível de serviço prestado pelas entidades públicas tenha melhorado em conformidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O resultado lógico de toda esta política económica e orçamental desastrada é que Portugal, em vez de convergir com a União Europeia, está a afastar-se ainda mais dos seus parceiros europeus.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não temos dúvidas em defender que uma verdadeira reforma fiscal terá de atender a todos estes constrangimentos. Uma verdadeira reforma fiscal terá de contribuir para aumentar a justiça fiscal, reduzindo a carga tributária dos cumpridores, mas também terá de contribuir para incentivar a poupança, para travar drasticamente os gastos do Estado, para defender a competitividade das empresas, para apoiar o reforço da produtividade, para lutar contra a evasão, para incentivar a educação e a formação profissional e colmatar a ausência de reformas no âmbito da segurança social.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro das Finanças: VV. Ex.as jamais conseguirão captar a simpatia e a anuência dos portugueses para quaisquer medidas fiscais se não impuserem rigor nos vossos próprios gastos. Como pode este Governo pedir mais impostos e mais moral na receita se, do lado da despesa, moral é coisa que não existe?

Aplausos do PSD.

Inunda-se a administração pública com militantes socialistas; continua-se a atirar com milhões para cima da RTP; criam-se institutos públicos como quem muda de camisa; abrem-se «buracos» financeiros na EXPO 98 que deviam fazer corar quem tem um mínimo de vergonha;…

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - … vende-se o património do Estado ao desbarato; despejam-se milhões na TAP sem que esta se viabilize; entregam-se as licenças para a terceira geração de telemóveis abaixo dos preços de saldo; esconde-se a dívida pública e desorçamenta-se a despesa a níveis verdadeiramente irresponsáveis.
Como pode este Governo convocar os portugueses para o seu dever cívico sem, primeiro, dar o exemplo?! Também aqui, como é por demais evidente, o exemplo tem de vir de cima!

Aplausos do PSD.

Por isso, o PSD entende que a primeira grande medida prévia a qualquer reforma fiscal tem de ser a prometida alteração à Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado que acabe de vez com a desorçamentação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A segunda medida prévia tem de ser o compromisso sério de que, a partir de agora, a despesa corrente do Estado crescerá abaixo do PIB nominal.
Sem estas medidas no âmbito da despesa pública qualquer reforma fiscal terá fracas ou nenhumas probabilidades de êxito, pois não conquistará a confiança dos contribuintes.
Em segundo lugar, e em obediência à análise que a maioria faz da economia portuguesa, a começar pelo próprio Banco de Portugal, seria fundamental que a política fiscal cumprisse os desideratos que a realidade nos impõe.
É, pois, em obediência a este princípio que o PSD apresentou as linhas que uma verdadeira reforma fiscal deve seguir.
Propomos uma forte redução do IRS através da redução das taxas e do aumento das deduções com descendentes e ascendentes. Com isto, reduzimos a carga fiscal e caminhamos para mais justiça tributária.
Propomos uma redução acelerada do IRC. Com isto, apoiamos a competitividade das nossas empresas face aos seus concorrentes externos, porque os custos baixam e a capacidade de autofinanciamento aumenta numa conjuntura de crescimento das taxas de juro.
Propomos uma redução da Taxa Social Única paga pela entidade patronal. Com isto, voltamos a defender a

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competitividade das empresas e o seu potencial de autofinanciamento, lutamos contra o trabalho precário e ajudamos a colmatar a ausência de reforma da segurança social, já que a receita deverá ser compensada em sede de IVA social.
Apostamos num significativo aumento do benefício fiscal em sede de PPR. Com isto, contribuímos para o incentivo à poupança e para o abrandamento do consumo. Em paralelo, voltamos a compensar o vazio da nova Lei de Bases da Segurança Social, que esta Assembleia recentemente aprovou com os votos do PS e do PCP.
Reforçamos em 45% as despesas com a educação fiscalmente dedutíveis. Desta forma, apoiamos mais quem, em vez de gastar, investe na educação dos seus filhos. É justo e é estrategicamente correcto que a política fiscal apoie quem ajuda a preparar o futuro dos seus e do País, através da educação e da formação. Estando, aliás, aqui a principal razão para o nosso défice de produtividade, esta medida tem, também, como objectivo ajudar a colmatar esse constrangimento.
Propomos, ainda, entre outras medidas de efeito análogo, a eliminação da dupla tributação dos dividendos, sujeitando-os à taxa máxima de IRS no cômputo global da tributação. É mais uma medida de reforço do incentivo à poupança e da capitalização das empresas. Com o nível de tributação existente poucos apostam em investir no reforço dos capitais próprios da sua sociedade. Acresce que as recentes subidas das taxas de juro ainda mais reforçam a necessidade desta opção.
Só que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o maior partido da oposição não pode deixar de dizer como se financiam estas reduções de receita. É isto que o PSD faz quando aponta para três vertentes essenciais.
Em primeiro lugar, uma redução significativa da exagerada despesa pública que tem sido feita, ou seja, exactamente o contrário do que tem feito o Governo do Partido Socialista.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, uma subida da taxa normal do IVA. Esta medida, ao não mexer na tributação dos bens de primeira necessidade, que apenas pagam a taxa reduzida, permite, quando conjugada com a descida do IRS, um significativo aumento do poder de compra das classes mais desfavorecidas. Em paralelo, ao tributar um pouco mais o consumo, penaliza quem gasta e protege quem poupa através da redução da carga fiscal em sede de IRS.
Finalmente, em terceiro lugar, uma intensificação do combate à evasão fiscal. No fundo, propomos que poupar seja fiscalmente mais barato e gastar seja fiscalmente mais caro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao fim de cinco anos, o Governo propõe finalmente qualquer coisa em matéria fiscal. Num Governo que tudo adia, qualquer esboço de decisão tem um óbvio efeito surpresa.
Só que, passada esta euforia inicial, é tempo de analisarmos com mais calma aquilo que é proposto aos portugueses. Impõe-se, pois, fazer algumas perguntas.
Quais são as medidas que o Governo nos propõe para travar a despesa pública? A resposta é, dramaticamente: nenhumas!
Quais são as medidas que o Governo nos propõe para acabar com a desorçamentação e com a dívida oculta? A resposta é, dramaticamente: nenhumas!
A conclusão não pode, pois, ser outra: desta forma, a confiança do contribuinte não vai ser conquistada. Desta forma, as medidas fiscais propostas visam, essencialmente, conseguir mais receita para pagar o despesismo. Desta forma, o PSD não pode apoiar.

Aplausos do PSD.

Quais são as medidas fiscais que o Governo nos propõe para incentivar a poupança? A resposta é, dramaticamente: nenhumas ou, pior, até haverá algumas de sentido contrário! Desta forma, não se caminha no sentido que a realidade nos impõe. Desta forma, o PSD não pode apoiar.
Quais são as medidas fiscais que o Governo nos propõe para atenuar o crescimento do consumo? A resposta continua a ser: nenhumas! Assim, o PSD não pode apoiar.
Quais são as medidas fiscais que o Governo nos propõe para ajudar a competitividade das empresas e apoiar a sua capitalização em época de forte endividamento e de subida das taxas de juro? A resposta é: apenas a promessa de uma redução do IRC que nem sequer figura nos textos em apreciação.
Quais são as medidas fiscais que o Governo nos propõe para reduzir a carga fiscal dos trabalhadores por conta de outrem? A resposta volta a ser: apenas a promessa de uma redução do IRS que também não figura nos textos em apreciação.
Por que razão é que tal acontece? A resposta só pode ser uma: apesar de, sistematicamente, repetir que uma reforma fiscal, pelo seu carácter estrutural, não deve ser ligada a um Orçamento em concreto, o Governo contradiz-se ao apelidar a sua proposta de lei de reforma estrutural e, simultaneamente, fazê-la depender do Orçamento do Estado para 2001.

Aplausos do PSD.

O que se pretende é exercer uma pressão inadmissível sobre a oposição. Srs. Deputados, isto tem de ser dito! Esta contradição e esta incoerência não podem passar em claro.
Quais são as medidas fiscais que o Governo nos propõe para incentivar o investimento na educação? Em boa verdade, nenhumas!
Quais são as medidas fiscais que o Governo nos propõe para colmatar o facto de não fazer a reforma da segurança social? Na prática, nenhumas!
Sr. Presidente, a proposta de lei do Governo não tem qualquer articulação com a política económica nem tem qualquer vertente estratégica. A proposta de lei do Governo não é uma reforma fiscal! A proposta de lei do Governo é constituída, essencialmente, por medidas de combate à evasão fiscal! Desta forma, o PSD não pode apoiar! O País precisa de uma verdadeira reforma fiscal e não apenas de algumas medidas concretas.
Acresce que, no que toca, por exemplo, à quebra do sigilo bancário, que é a medida mais emblemática que nos é proposta, a sua eficácia é muito duvidosa. É verdade que o Governo garantiu o efeito suspensivo, aquando do recurso para o juiz. Só que, ao anunciar-se publicamente a medida como uma assinalável quebra de sigilo bancário - facto que, aliás, nem sequer corresponde integralmente à

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verdade -, o Governo arrisca-se a contribuir ainda mais para a saída de capitais que se tem registado entre nós sem que haja qualquer certeza bem fundamentada de que a medida irá atingir o seu principal objectivo.
Outra medida emblemática de combate à evasão consiste na criação do regime simplificado de tributação. A implementação de um tal regime optativo até poderá ser equacionada. Só que a forma como está desenhado na proposta governativa leva a que um contribuinte atento a ela não adira, pois as taxas propostas são um exagero face à realidade existente. Se é o próprio Governo que admite que se trata de agentes que estão fora do sistema, como é que os quer captar com taxas tão elevadas? Não é crível que alguém se proponha entregar mais de um mês da sua facturação ao fisco, quando, neste momento, pouco ou nada paga.
As principais medidas de combate à evasão que nos são propostas poderão ser populares, poderão conquistar a simpatia dos media, mas são, objectivamente, questionáveis em termos de eficácia real.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este é um Governo que sempre se disse do diálogo e da transparência. Como é possível, em democracia, um tal governo tentar aprovar algo que apelida pomposamente de reforma fiscal, quando não permite que haja um mínimo de debate parlamentar?
Por mais incrível que pareça, a proposta que, hoje, aqui estamos a discutir ainda não foi distribuída aos Deputados, nem sequer aos Deputados da Comissão de Economia, Finanças e Plano!

Vozes do PSD: - É uma vergonha!

O Orador: - Nada! Nada, tal como em tempos políticos que já lá vão!
Srs. Deputados, é uma vergonha!
Estamos todos recordados do que o PS dizia dos governos do PSD, em matéria de diálogo e de relações com o Parlamento. Pois bem, o governo do PSD entregou a sua proposta de reforma fiscal - aliás, uma verdadeira reforma fiscal -, em 1988, seis meses antes do debate na generalidade. Foi criada, na Comissão de Economia, Finanças e Plano, uma subcomissão especial para o efeito, de que fez parte o Sr. Deputado Octávio Teixeira, e foram endereçados convites a dezenas de personalidades e de entidades para participarem no debate.
Sr. Presidente, que vergonha este comportamento do Governo socialista e que incoerência face a tudo aquilo que disse e defendeu. «Olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço», é bem a máxima popular que deve ser aplicada a este PS.

O Sr. António Capucho (PSD): - É tudo feito em cima do joelho!

O Orador: - Simplesmente lamentável!

Aplausos do PSD.

Srs. Deputados, as medidas que o Governo quer fazer aprovar não respondem às necessidades do País. Não contribuem para incentivar a poupança! Não contribuem para a moralização e para a redução da despesa pública! Não contribuem para travar o crescimento da inflação! Não contribuem para reduzir o endividamento externo e para a captação de capitais! Não contribuem para a redução do défice externo! Não contribuem suficientemente para o reforço da competitividade e da capitalização das empresas! Não contribuem para uma política de crescimento da produtividade, nem, tão-pouco, contribuem para colmatar a inexistência de uma ampla reforma da segurança social!
As medidas que o PS nos propõe, ao não emendar erros estratégicos da nossa economia, apontam-nos o caminho da divergência e do afastamento dos padrões de vida da União Europeia. Isso nós não queremos! Por isso, tem de ser um imperativo do PSD tentar evitá-lo a qualquer custo!
Está o Governo disposto a correcções substantivas a esta sua proposta inicial e a transformá-la no primeiro passo de uma verdadeira reforma fiscal?
O PSD, numa atitude responsável, está disponível para viabilizar a discussão na especialidade da proposta governativa,…

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito obrigado!

O Orador: - … no pressuposto de que, da parte do PS, há idêntica atitude em relação ao nosso projecto de lei.
Fazemo-lo na convicção de que as profundas injustiças e distorções a que o sistema fiscal chegou exigem que exploremos, até ao limite das nossas possibilidades, todas as hipóteses da sua melhoria.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Fazemo-lo, não só em defesa do contribuinte como, fundamentalmente, em nome do interesse nacional. Porque, para nós, Sr. Presidente, em primeiro lugar, tem de estar sempre o interesse nacional.

Aplausos do PSD.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, agradeço-lhe que identifique a matéria da ordem de trabalhos que põe em causa.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Certamente, Sr. Presidente.
O Sr. Deputado Rui Rio acaba de mencionar, na sua intervenção, que teria havido «défice de comunicação» da proposta governamental de reforma fiscal a Deputados e a bancadas. Assim, Sr. Presidente, gostaria de interpelar a Mesa sobre este aspecto.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, gostaria de dizer que fui colhido de surpresa por esta observação do Sr. Deputado Rui Rio que o Governo, pura e simplesmente, não compreende. E não compreende porque, se os meus dados estão certos - e está-lo-ão seguramente numa parte -, não só os Srs. Ministros das Finanças e da Presidência entregaram

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ao Sr. Vice-Presidente em exercício a proposta de lei que mandou de imediato distribuir a todas as bancadas como eu próprio, e isto posso garantir, enviei, para entrega em mão própria, uma cópia autêntica com um cartão dirigido aos presidentes dos grupos parlamentares no exacto momento em que o Governo a entregava na Mesa.

O Sr. António Capucho (PSD): - Em que data?

O Orador: - Na quarta-feira, dia 4, dia em que foi entregue o texto da proposta de lei.

O Sr. António Capucho (PSD): - Dia 4?! Está a gozar comigo?

O Orador: - Por outro lado, os serviços terão colocado essa proposta de lei na Intranet da Assembleia e feito outras distribuições.
Portanto, gostaria que a Mesa não deixasse qualquer dúvida sobre este aspecto, porque é uma questão de lisura procedimental.

O Sr. Presidente: - A Mesa só pode confirmar que tem conhecimento daquilo que o Sr. Secretário de Estado acaba de informar.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, é para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que identifique a matéria, embora ela deva ser a mesma.

O Sr. Rui Rio (PSD): - É sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, efectivamente o que o Sr. Secretário de Estado disse é verdade, e V. Ex.ª poderá confirmar.
Na quarta-feira ao fim do dia, foi, efectivamente, distribuída uma fotocópia à direcção do grupo parlamentar. Porém, gostaria que o Sr. Presidente me desse a sua opinião, e também faço, indirectamente, a pergunta ao Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, sobre esta matéria, que tem a ver com a condução dos trabalhos.
O Sr. Presidente acha normal que, ontem, na reunião da Comissão de Economia, Finanças e Plano, eu tenha pedido o diploma para ser distribuído aos Deputados e me tenham dito que à Comissão nada havia chegado?! Ou seja, oficialmente, nem aos Deputados da Comissão de Economia, Finanças e Plano chegou no dia anterior à realização deste debate.

Vozes do PS: - O que é que o Governo tem a ver com isso?

O Orador: - V. Ex.ª, Sr. Presidente, que é uma figura da democracia portuguesa, poderá dizer-me se acha bem que isto tenha acontecido e se para a transparência e qualidade do debate isto é normal em democracia.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, também sobre a mesma matéria, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputados Rui Rio, posteriormente, pronunciar-me-ei sobre a sua interpelação.
Tem a palavra, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, a minha interpelação não é para fazer a necessária defesa da Sr.ª Presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano, aqui injustamente atacada,…

Risos do PSD.

… mas, sim, perguntar à Mesa e ao Sr. Presidente, tendo dado entrada no dia 4, como foi dito, a proposta de lei, em que dia terá entrado o projecto de lei do PSD?

Vozes do PS: - Exactamente!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o que posso informar, até porque não estive cá, mas o Sr. Vice-Presidente deu-me conhecimento do que se passou, é que o dia 4 foi o último dia em que, por arrastamento, podiam ser apresentados os diplomas sobre a mesma matéria do agendamento potestativo do PCP.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Exacto!

O Sr. Presidente: - Assim, no dia 4, deram entrada a proposta de lei e os projectos de lei do CDS-PP e do PSD. É claro que, para lá disto, só posso dizer que é conveniente que, na medida do possível, se evite a surpresa nestas matérias, mas que as regras regimentais foram cumpridas, isso foram, não há qualquer dúvida.
Informo a Câmara que se encontram inscritos, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Rui Rio, os Srs. Deputados Lino de Carvalho, Joel Hasse Ferreira e Francisco Louçã.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, há um ponto, na sua intervenção, em que estamos de acordo, aliás, já referido longamente na intervenção inicial do meu camarada Octávio Teixeira.
A ligação que o Governo tem feito entre o processo da reforma fiscal e a aprovação do Orçamento do Estado constitui obviamente uma pressão, para não usar expressões mais pesadas, inaceitável sobre esta Assembleia e simultaneamente pode significar - e significa - que põe em causa a verdadeira vontade política do Governo em fazer esta reforma fiscal, em autonomizá-la, em tratá-la com a importância que ela tem.
Mas, Sr. Deputado, o nosso ponto de acordo termina aqui, porque para nós a intervenção do PSD, neste processo, importante para o país, da reforma fiscal é, para nós, insólita e surpreendente. Digo insólita e surpreendente, Sr. Deputado, porque, não estando à espera que a intervenção do PSD nesta matéria se aproximasse, por exemplo, dos nossos pontos de vista, embora respeitando as vossas orientações, os vossos pensamentos sobre o modelo de sociedade, pensávamos, contudo, que o PSD, até porque se afirma como partido de alternância, apresentasse uma proposta da reforma fiscal ao nível dos impostos

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sobre o rendimento, sustentada, sólida. Mas, afinal, o que temos na frente é um projecto de lei que se limita a tocar em algumas taxas, em meia dúzia de artigos, e que, portanto, não aborda as questões de fundo que hoje estão em debate em matéria de reforma fiscal.
Portanto, para mim, é surpreendente a fragilidade da intervenção do PSD neste processo, sem prejuízo das nossas diferenças de fundo sobre estas questões.
Sr. Deputado, um terço do vosso projecto de lei é de preâmbulos, abordando, aliás, questões que, depois, não concretizam no articulado, como é o caso do IVA. E grande parte da intervenção do Sr. Deputado Rui Rio foi sobre esta questão permanente, esta ideia fixa do PSD - que já é quase do foro médico -, da redução da despesa pública, da questão do défice. Por isso, Sr. Deputado, esperávamos mais do PSD, independentemente das nossas diferenças de fundo sobre as soluções.
Mais, Sr. Deputado, há aqui uma contradição de fundo na vossa proposta e é sobre ela que quero questionar-vos. O PSD diz que o vosso projecto de lei propõe-se reduzir a injustiça do actual sistema fiscal, mas avançam para uma solução que é claramente um retrocesso em relação ao quadro actual. Ou seja, VV. Ex.as propõem diminuições nos impostos directos,…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faça favor de terminar.

O Orador: - … nos impostos sobre o rendimento, e propõem agravamento nos impostos indirectos, nos impostos sobre o consumo, no IVA, o qual, como sabe, é o elemento substancial que define o desequilíbrio do sistema e da justiça fiscal.
Portanto, é sobre esta questão que gostaria de ouvir o PSD.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Rui Rio, deseja responder já ou no fim?

O Sr. Rui Rio (PSD): - Se for possível, respondo já.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para responder, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, vou começar por responder às coisas mais simpáticas e também por retribuir-lhe a vénia, como adicional para a sua argumentação naquilo que consiste a nossa convergência em matéria de não apresentação das taxas do IRS.
Tenho à minha frente aquilo que é o relatório da reforma fiscal parlamentar - na altura, Sr. Presidente, houve um relatório, para hoje não houve tempo para tal, porque ainda ontem não havia a proposta de lei - de 1988, que diz o seguinte: «O Grupo Parlamentar do PS considera como pontos negativos nesta proposta de lei, entre outros, os seguintes:…» - o Sr. Deputado sabe o que vem à cabeça? - «… a falta de apresentação das tabelas do IRS (…)». O que quer dizer que o PS que, na altura, estava a criticar, agora, fez igual; mas havia uma diferença: essa proposta do governo do PSD de então entrou em Outubro de 1987, veio a ser aprovada em Julho de 1988, entrando em vigor em 1989, pelo que, como é natural, não podia ter as tabelas. Esta proposta é diferente, está aqui junto ao novo Orçamento do Estado; portanto, obviamente, não faz qualquer sentido e é incoerente aquilo que o PS está a fazer ao não apresentar as taxas.
Quanto à questão de o nosso projecto de lei não ser tão detalhado quanto aquilo que o Sr. Deputado Lino de Carvalho gostaria que fosse, tenho a dizer-lhe muito sinceramente: não é, nem deve ser! Em minha opinião, não deve ser e já é mais detalhado do que foi em 1988, porque nessa altura o PS nada apresentou, havia a proposta do governo e nada mais.
No entanto, entendemos que um partido da oposição não tem de apresentar um novo Código do IRS, um novo Código do IRC… Não pode, não tem meios, nem os deve ter,…

O Sr. António Capucho (PSD): - Eles sabem!

O Orador: - … porque isso seria uma despesa incalculável e sem qualquer sentido, senão apresentaríamos aqui cinco códigos, dos quais quatro não tinham qualquer interesse. Não! Aquilo que um partido de oposição deve fazer é apresentar as grandes linhas. O partido de oposição apresente, em sede de articulado, aquilo que tem de mais emblemático - é esta a razão do articulado - e a seguir discute, naturalmente, as grandes linhas sobre o que será uma proposta do novo código, que tem sempre de ser apresentada pelo Executivo, e daí a nossa crítica de não poder ser apresentada no dia anterior - e, neste caso, nem sequer foi no dia anterior, porque os Deputados ainda a não têm!
Sr. Deputado, ainda me restam alguns segundos para lhe falar das questões do IRS e do IVA.
Já sabíamos, porque já discutimos isto aqui várias vezes, que o Partido Comunista Português não concorda com esta oposição. Mas, Sr. Deputado, devo dizer-lhe o seguinte: V. Ex.ª sabe perfeitamente que, por mais medidas que o Governo proponha em sede de evasão e de combate à fraude fiscais, são os quadros das empresas - os mais bem pagos - que têm diversos benefícios que não são tributados em sede de IRS, e, portanto, essa progressividade que VV. Ex.as apregoam, na prática, não é assim.
Portanto, é socialmente muito mais justo desagravar-se esse imposto e, depois, em sede de IVA manter-se a taxa reduzida, que representa o cabaz de compras dos mais desfavorecidos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faça favor de terminar.

O Orador: - Por isso, e vou terminar, Sr. Presidente, a nossa proposta é socialmente muito mais correcta e muito mais justa do que a apresentada pelo PCP.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, em primeiro lugar, o senhor na primeira parte da sua intervenção, que nada tinha a ver com este debate, disse que queria uma lei de enquadramento orçamental.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Não sei qual é, porque a sua não quer, visto já ter sido chumbada; a do CDS-PP, o senhor está a tentar levá-la para caminhos ínvios;…

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - O que é que eu faço?

O Orador: - … está a tentar obstaculizar a discussão das outras… Será que o senhor não quer qualquer lei de enquadramento orçamental, para continuar a fazer o seu discurso vazio sobre a desorçamentação?!
Em segundo lugar, enquanto o Sr. Deputado Durão Barroso lhe dá a táctica, pergunto: quanto à questão das despesas e do despesismo, que autoridade moral é que tem se o senhor apoiou um governo que num conjunto de áreas fez despesas espantosas? Não vou referir a ponte do Freixo, nem uma série de outras coisas, mas o senhor não tem qualquer autoridade moral para criticar - concorde comigo que não tem qualquer autoridade moral.
Em terceiro lugar, então o senhor vem aqui dizer que vimos propor aumentos de impostos, quando todas as propostas, do Governo e dos outros grupos parlamentares que trabalharam seriamente na questão - parece que não é o caso do seu - propõem a redução dos impostos ?! Perante isto o senhor vem falar de aumento de impostos?! Terei ouvido bem?! Parece-me um pouco absurdo!
Em quarto lugar, o senhor está obcecado pela questão do aumento do consumo. É claro que em algumas áreas o consumo aumentou, mas o senhor está a escamotear que um gasto significativo que se verificou nestes últimos cinco anos foi o aumento da aquisição de habitação que a vossa ausência de política nesta matéria nunca tinha facilitado. Então, o que é que o senhor quer agora?! Aumentar o IVA num conjunto de produtos para reduzir o consumo?! É esta a obsessão?! É este o seu objectivo?! Não consigo entender! É para aumentar a competitividade das empresas? Se não se importa, gostaria que explicasse.

Protestos do PSD e contraprotestos do PS.

Em quinto lugar, durante os primeiros 7 minutos da sua intervenção, pensei que o senhor estava enganado no debate. Pareceu-me que estava a pensar que estava a fazer um debate sobre a questão do Orçamento esquecendo-se que o debate era sobre a reforma fiscal, talvez porque não teve os tais sete dias, teve um pouco menos de tempo, veio falar de outros assuntos. Seria isto ou o senhor já juntou os dois discursos de facto?
Em sexto lugar, realmente os senhores não têm uma proposta de reforma fiscal e, como não quiseram perder por falta de comparência, entregaram um documento sem valor.
Srs. Deputados, não teria sido preferível não terem comparecido no debate do que apresentarem uma proposta como a que apresentaram e fazerem uma defesa como a feita pelo Sr. Deputado Rui Rio?

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Foi como aquela que vocês fizeram!

O Orador: - A nossa foi bem preparada.

Risos do PSD.

Em sétimo lugar, quanto à despesa pública, o Sr. Deputado Rui Rio esqueceu-se de que a despesa pública durante os últimos cinco anos do governo do PSD, 1990/95, cresceu mais dois pontos percentuais por ano do que de 1996 a 2000 ou quer simplesmente escamotear isto e fazer de todos nós parvos?
Em oitavo lugar, «poupar é bom, gastar é mau», é o seu slogan. Porém, eu estava à espera que, a seguir, propusesse às pessoas que passassem a guardar o dinheiro no colchão em vez de o depositarem no banco. A que tipo de concepções, a que tipo de matriz ideológica vai o senhor buscar as suas opções políticas?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, acabou o seu tempo, agradeço-lhe que termine.

O Orador: - Para terminar, devo dizer que é uma completa falsidade dizer-se que é a primeira proposta que se apresenta, porque, no conjunto destes anos, apresentou-se um grupo de propostas. Esta é significativa, os outros partidos corresponderam, o senhor nem tanto.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, que legitimidade tem o Partido Socialista para dizer que mais valia o PSD não comparecer no debate?

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Eu só perguntei!

O Orador: - Que legitimidade tem para perguntar uma coisa destas, perdendo uma excelente oportunidade de estar calado e arriscando-se a levar uma resposta muito simples: os senhores, em 1988, não apresentaram rigorosamente nada! Portanto, os senhores têm de estar calados sobre esta matéria, porque, repito, em 1988 os senhores não apresentaram rigorosamente nada.
Em segundo lugar, embora com duas ou três horas de antecedência, apesar de tudo, a nossa proposta entrou primeiro do que a do Governo, quando o Governo já a deveria ter entregue há, pelo menos, quatro anos, isto para lhe dar um ano para preparar essa reforma, pois já governa há cinco anos.

Protestos do PS.

O Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira diz que aquilo que foi o princípio da minha intervenção nada tem a nada ver com o debate que se está aqui a fazer?! Sr. Deputado, o início do meu discurso consiste em explicar que a economia portuguesa tem determinados constrangimentos - aliás, tem sempre e neste momento muito graves, normalmente serão menos graves, mas tem sempre constrangimentos -, que a política orçamental é aquilo que nos resta para o equilíbrio macroeconómico, que a política fiscal é fundamental no âmbito da política orçamental, e o senhor vem dizer-me que a situação da economia portuguesa não tem rigorosamente nada a ver com a política fiscal e que a política fiscal com a situação da economia?

Vozes do PSD: - Ele não entende nada!

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O Orador: - Sr. Deputado, com o devido respeito, V. Ex.ª não está a perceber nada do que se está a passar!

Protestos do PS.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não foi nada disso que eu disse! Não misture as coisas!

O Orador: - Sr. Deputado, quanto à questão da lei de enquadramento orçamental, alguém neste País tem dúvidas de que o PSD foi a primeira entidade, se assim se pode chamar, a falar na desorçamentação, a lutar contra a desorçamentação, a conseguir um documento escrito e assinado pelos senhores, que não cumpriram - repito, que não cumpriram -,…

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não é verdade!

O Orador: - … assinado pelo Governo e pelo Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira…

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não é verdade!

O Orador: - Não é verdade?! Dou-lhe a fotocópia assinada por si!

Protestos do PS.

Os senhores assinaram-no mas não o cumpriram, repito, e chegou-se ao ponto de até já a Ordem dos Economistas fazer debates - e bem! - sobre a desorçamentação!
Aliás, no âmbito da discussão da reforma fiscal de 1988, foram ouvidas aqui, entre outras pessoas, o Dr. Rogério Fernandes Ferreira (agora não podia ser, pois está contra o que o Governo está a fazer ou é crítico relativamente a isso), o Dr. Medina Carreira (também não podia ser, pois está crítico), a Associação Portuguesa de Economistas, hoje Ordem dos Economistas, faz conferências sobre desorçamentação… É evidente que dá muito mais jeito apresentar a proposta e não ouvir as propostas.

Protestos do PS e contraprotestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço-vos que não entrem em diálogo directo.

O Orador: - Para terminar, Sr. Presidente, relativamente à despesa pública - e ainda há pouco o Sr. Ministro deu uma telefonadela ao Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, parece que convergem muito, já hoje de manhã conversámos sobre isto -, acho fantástico o Partido Socialista e o Governo falarem sobre o nível da despesa! Mas os senhores sabem qual é o nível de despesa pública?!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sabemos!

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sabem, mas não dizem!

O Orador: - Com tanta desorçamentação, os senhores fazem uma ideia do que é dívida pública e do que é despesa pública?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, ouvi com atenção a sua intervenção sobre a Lei do Enquadramento Orçamental e também sobre o tema hoje em debate e registo que o PSD tem uma proposta que é contraditória em relação à apresentada pelo Bloco de Esquerda, entre outras visões que aqui se confrontam, e que insiste na necessidade de recuperar receita tributária por via do aumento do IVA. Esta estratégia é contraditória com a que apresentamos, mas, enfim, o debate ir-se-á fazendo.
No entanto, o objectivo deste pedido de esclarecimento incide apenas sobre a matéria que aflorou na sua intervenção.
O Sr. Deputado afirmou que uma alteração do sigilo bancário poderia suscitar muitos abusos. O Sr. Deputado Rui Rio sabe que hoje já há abusos e que a lei em vigor é a que tem de vigorar, através da qual há desvios absolutamente inaceitáveis, dou-lhe até um exemplo que o Sr. Deputado conseguirá comentar, seguramente, com toda a propriedade. Nas eleições autárquicas de 1997, o candidato pelo PSD à Câmara Municipal de Vagos, que também era presidente da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Vagos, utilizou a listagem dos clientes da Caixa para fazer o seu mailing pessoal de candidatura. O que não se dirá, evidentemente, é que é uma violação de sigilo bancário. Mas é uma violação das regras elementares da condução de uma instituição com estas características. Trata-se de um abuso inacreditável! E sobre isto, seguramente, estará de acordo comigo.
Contudo, quero confrontá-lo com um segundo problema, ainda mais importante. Disse-nos que não deveríamos alterar as regras de sigilo pela fuga de capitais. Bom, a isto contra-argumentarei: a fuga de capitais existe quando nada se sabe do que se passa e deixa de existir quando se sabe o que está registado na banca, quando se pode perceber para onde vão os capitais, sobretudo quando temos regimes de troca de informações e de transparência fiscal, através de acordos com outros países. Mas o meu problema ainda é mais preciso, Sr. Deputado.
O Sr. Deputado Rui Rio é contra a fuga de capitais que pode ser suscitada pela transparência tributária, pela alteração da regra de sigilo bancário, mas é a favor da fuga de capitais que hoje existe, legalizada por via do off-shore da Madeira? Tenho aqui um documento, para o qual quero chamar a sua atenção, que é a lista das 48 empresas financeiras registadas no off-shore da Madeira. Sr. Deputado, quatro destas empresas apresentam uma característica absolutamente notável para qualquer fiscalista ou economista que se encontre nesta Sala: são bancos unipessoais, são bancos que só existem na Madeira; são sociedades anónimas mas unipessoais, ou seja, um banco de uma pessoa! É o caso do Banco Madesan, Sociedade Unipessoal, S.A., do Banco Rural Europa, do S. Paulo Imibank Internacional (S.A.) e do Banco Boston Latino-Americano - este banco tem 21 milhões de contos de lucro! Sr. Deputado, 700 milhões de contos que saem da Madeira para as ilhas Cayman não será fuga de capitais?! Isto não o preocupa?!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

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O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, aproveito a oportunidade de, mais uma vez, me falarem na questão do IVA para dizer que não é exactamente como o Sr. Deputado referiu - e isto é muito importante. O Sr. Deputado diz: o PSD quer aumentar a taxa normal do IVA para ir buscar receita. Não, Sr. Deputado! Não é isso! O que o PSD defende é: faça-se alterações ao sistema fiscal e pode-se reduzir o IRS e, em parte, o IRC. Mas o PSD também propõe outra coisa, que é: já agora, aumentem 1% a taxa normal do IVA e baixem ainda mais o IRS, o IRC e a taxa social única. Atenção, isto não é para captar mais receita! O que dizemos é que preferimos receita angariada desta forma do que da outra forma, por todas as razões apontadas e, inclusive, por uma razão de justiça social.
No que toca a este debate que aqui estamos a travar, Sr. Deputado Francisco Louçã, Sr. Deputado Lino de Carvalho e os outros Srs. Deputados do PCP, que eu sei terem esta posição, penso que é uma questão de tempo para VV. Ex.as acabarem por me dar razão, mesmo do ponto de vista social, quanto ao que estou a dizer.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Olhe que não!

O Orador: - Srs. Deputados, no vosso projecto de lei conseguem baixar o IRS; aumentem em mais 1% o IVA e baixam ainda mais o IRS e o IRC! Todos ganhamos com isto, de certeza.
Sr. Deputado Francisco Louçã, no que concerne ao sigilo bancário, eu não tenho uma posição fundamentalista, que fique claro. E da tribuna não fiz um ataque cerrado ao Governo nesta matéria, porque o Governo foi, efectivamente, prudente nesta área - V. Ex.ª tem razão quando diz que o Governo é prudente, porque foi efectivamente prudente! Mas, mesmo sendo prudente, temos dúvidas sobre se os custos da medida não serão superiores aos benefícios da mesma. E, ligando esta questão à do off-shore, uma vez que o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais diz que vai controlar estas situações, permitam-me que dê o seguinte exemplo: Sr. Secretário de Estado, suponha que nós, nesta vida parlamentar que agora iniciou, ficávamos amigos, formávamos, os dois, a sociedade Rio & Fernandes, em Badajoz, e abríamos uma conta no off-shore da Madeira - aliás, a amizade tinha de ser entre nós os dois, pois é certo que não poderia ser entre dois do Partido Socialista porque quando os senhores saem do Governo zangam-se todos uns com os outros!

Risos do PSD.

Sr. Deputado Francisco Louçã, como é que o Sr. Secretário de Estado tem possibilidade de tributar esta sociedade, se, verdadeiramente, apesar de sermos residentes em Portugal, criámos a sociedade em Espanha?! Ou, melhor ainda, não vamos para o off-shore da Madeira mas directos para um outro a partir daqui!
Sr. Deputado, se acabassem todos os off-shore do mundo, esta medida estaria correctíssima; se fossemos capazes disto, eu acharia correcto. Mas, a partir do momento em que eles existem, vamos nós prejudicar um ou dois que existem cá em benefício de quê? Em benefício de capitais que, não estando lá, não vêm para cá, vão para outros off-shore?! Esta é a questão que colocamos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças (Pina Moura): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Exactamente um ano depois das eleições de Outubro de 1999 vai dar-se hoje um passo decisivo na reforma fiscal. O XIV Governo cumpriu o que assumiu perante os portugueses e esta Câmara no debate de apresentação do Programa do Governo, no dia 5 de Novembro de 1999: dar prioridade absoluta a esta grande mudança, tão necessária quanto desejada pela sociedade portuguesa.
Clarifique-se desde já que, para nós (e julgamos que para toda a Assembleia da República), reforma fiscal quer dizer um conjunto de alterações globais, coerentes e articuladas entre si, das nossas leis e do nosso sistema tributário, conjugado com medidas de mudança e modernização da administração tributária e dos tribunais fiscais.
Só assim se tornarão exequíveis as alterações desejáveis e muitas das alterações propostas. Não há outra forma de estarmos em condições de concretizar o exigente calendário que nos propusemos e que importa cumprir. Não vale a pena que sobre isto se estabeleça qualquer equívoco ou polémica!
Um segundo ponto em que não vale a pena lavrar em equívocos, é que este dia é um ponto de chegada de um trabalho aprofundado, iniciado no XII Governo Constitucional, que nomeou a comissão presidida pelo Professor Silva Lopes, e desenvolvido pelo XIII Governo Constitucional, que enriqueceu o conceito dessa reforma, condensada na Resolução do Conselho de Ministros n.º 119/97, de 14 de Julho. Mas também é necessário dizer que, no domínio da reforma fiscal, entramos hoje num novo ciclo, o ciclo em que acabou o tempo das análises e dos debates preliminares e se começou o tempo das opções e das acções inadiáveis.
Foi com esta missão e com esta ambição que, em 12 de Janeiro de 2000, empossei a Estrutura de Coordenação da Reforma Fiscal, integrada por cinco reconhecidos especialistas, um dos quais é, aliás, hoje, Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Tratava-se e trata-se de baixar os impostos de quem paga, de combater a fraude e a evasão, de fazer da reforma e do sistema fiscal instrumentos de inclusão da economia paralela, que, infelizmente, tem uma dimensão indesejável na economia real portuguesa, de modernizar a administração tributária e melhorar a sua relação com o contribuinte.
Chegamos ao dia de hoje com um salutar debate público sobre as propostas que apresentámos à Assembleia da República. O que a sociedade nos pergunta, a todos nós, é se, anunciados tais propósitos (generalizadamente saudados como positivos), somos ou não capazes, temos ou não coragem, de passar das palavras aos actos. É esta a questão decisiva.
Por isso mesmo, nesta ocasião, vale a pena discutir três aspectos centrais para o êxito e a operacionalização da reforma.
O primeiro aspecto é exactamente o de saber se estamos perante uma reforma fiscal ou medidas pontuais, se estamos perante uma reforma global ou acções parcelares. A minha resposta, a resposta do Governo é inequívoca: o que vale a pena fazer e o que propomos à Assembleia da República fazer é uma reforma fiscal global, coerente e articulada, baseada em quatro pilares, com calendário exigente e concreto.

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O primeiro pilar, cuja discussão hoje iniciamos, diz respeito à reforma da tributação do rendimento, juntamente com os novos mecanismos de combate à fraude e à evasão fiscais; o segundo pilar diz respeito à reforma dos sistemas de infracções tributárias e de garantias dos contribuintes, que será presente à Assembleia da República até ao final do presente mês; o terceiro pilar diz respeito à reforma da tributação do património imobiliário, a submeter à aprovação e discussão desta Assembleia até ao final do ano 2000, portanto até dentro de menos de três meses; o quarto pilar diz respeito às propostas relativas à «nova fiscalidade», à chamada «reforma fiscal ecológica», vista em toda a sua plenitude, cujas propostas e debate traremos a esta assembleia no 1.º trimestre de 2001.
O que fizemos para o primeiro pilar desta reforma faremos para os restantes; isto é, eles basear-se-ão na vontade firme de baixar os impostos para quem paga e de obrigar quem foge ou paga menos do que o devido a pagar o imposto justo e também na disponibilidade permanente do Governo para ir ao encontro das reclamações, das críticas, das sugestões e dos contributos de todos os grupos parlamentares desta Câmara, como se demonstra pelo facto de este debate hoje se fazer com base em propostas de lei material e não numa proposta de lei de autorização legislativa, como, inicialmente, o Governo tinha previsto e proposto.
Também não posso deixar de sublinhar que esta vai ser, no que respeita à tributação do rendimento, a primeira reforma que introduz importantes alterações de fundo, desde que foi criado o novo formato da tributação do rendimento, em 1988, pelo então Ministro das Finanças Dr. Miguel Cadilhe.
Este conjunto de alterações de fundo que agora se propõe diz respeito ao IRS, onde queremos alterar a incidência pessoal e real do imposto, reduzindo as categorias e precisando a sua qualificação, onde queremos diminuir as taxas liberatórias, nomeadamente as mais-valias, iniciando-se o caminho do englobamento obrigatório de todas as fontes na declaração de rendimento e no cálculo da respectiva taxa de tributação, onde requeremos reformular o sistema de deduções e abatimentos dos benefícios fiscais, tendo como objectivos essenciais melhorar a protecção à família, nomeadamente nas despesas com a educação e com a saúde, onde queremos modificar, global e coerentemente, o sistema de taxas e escalões.
Quanto às taxas, propomos uma baixa geral para todos os escalões até 10 000 contos do rendimento bruto. Quanto aos escalões, visamos uma actualização por 5% para todos esses escalões e por 10% para o mais baixo, além da criação de um novo escalão para rendimentos entre 6900 e 10 000 contos, este tributado a uma nova taxa de 38%.
As consequências em termos de diminuição de impostos para os rendimentos do trabalho deste conjunto de medidas serão inequívocas: diminuição do esforço fiscal em cerca de 100 milhões de contos, no ano fiscal de 2001, para todos os trabalhadores por conta de outrem; redução do imposto num intervalo entre 6%, para um casal com dois filhos e com 800 contos de rendimento por mês, e 25%, para um casal com um filho com 200 contos de rendimento por mês.
Destaco também que esta proposta consolida e amplia para mais de 1,5 milhão de agregados contributivos o número dos beneficiários de um efectivo e concreto rendimento fiscal mínimo, isto é, de um rendimento abaixo do qual os agregados com rendimentos exclusivos de trabalho dependente deixam de pagar IRS.
Em síntese: 1,546 milhões agregados contributivos, cujo rendimento vá até 2100 contos por ano, desde que esse rendimento seja exclusivamente oriundo de trabalho dependente, vão deixar de pagar IRS.
Também no domínio do IRC as alterações são globais e sistémicas. Em primeiro lugar, propomos o conceito dos preços de transferência e o reforço de medidas antiabuso no domínio da subcapitalização. Queremos assegurar, desta forma, que nas relações entre os grandes grupos económicos multinacionais sejam contratados, aceites e praticados preços e condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes.
Em segundo lugar, deve evoluir-se quanto ao método de apuramento do imposto dos grupos de sociedade do regime de tributação consolidada para o regime de tributação integrada.
Em terceiro lugar, há que alterar o regime de dedutibilidade de custos e provisões, particularmente em relação ao sistema financeiro, que deve ver o seu perfil de tributação mais conforme com o conjunto das outras empresas.
Em quarto lugar, é essencial, também, criar e implementar, já em 2001, o novo regime simplificado de tributação para pessoas colectivas, empresários em nome individual e profissionais liberais, cujo volume de negócios vá até 30 000 contos por ano.
Em quinto lugar, vamos, com esta reforma, eliminar a dupla tributação económica dos dividendos.
Em sexto lugar, propomos uma nova orientação, mais selectiva, para os benefícios fiscais, ligada a um regime de crédito fiscal ao investimento e à verificação efectiva do seu sucesso, bem como ao estímulo à investigação, ao desenvolvimento tecnológico e ao desenvolvimento regional.
Merece referência a clarificação proposta quanto à utilização de benefícios fiscais e regras de imputação de custos e proveitos nas zonas francas da Madeira e dos Açores, no sentido da sua moralização e da actuação de todos os agentes que aí intervêm no estrito respeito da lei dos benefícios fiscais e no estrito respeito dos próprios condicionalismos em que essas zonas francas podem funcionar.
Queremos também permitir às empresas a redução gradual das taxas de IRC para valores mais competitivos e atractivos para o investimento em território português. E, Sr. Deputado Rui Rio, permita-me que lhe faça a seguinte observação: desde a criação do IRC até 1996, a taxa de tributação do IRC baixou 0,5%, isto é, de 36,5% baixou para 36%. De 1996 até ao exercício de 2000 baixou de 36% para 32%, e no exercício de 2002 baixará para 30%. Não se trata, portanto, de virmos aqui fazer promessas mas de verificar decisões que estão em curso ou de nos comprometermos com decisões que serão tomadas durante o período de vida deste Governo.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - No domínio do combate à fraude e à evasão fiscais asseguram-se novos e importantes instrumentos de combate à fraude fiscal e da sua dissuasão, como seja a derrogação, em condições, tipificadas do sigilo bancário, a definição rigorosa de critérios para a inversão, em certos casos bem delimitados, do ónus da prova e também os critérios para a presunção de rendimento a tributar.

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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A segunda questão central a debater, e que tem sido intensamente colocada, tem a ver com quem, quando e como se vai fazer politicamente esta reforma fiscal.
A reforma fiscal que o Governo propõe tem uma marca política e ideológica clara, a marca política e ideológica do Programa do Governo e da identidade do partido que apoia o Governo nesta Assembleia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Isto não quer nem vai querer dizer que vamos fazer dessa identidade política e ideológica um factor de querela ideológica no desenvolvimento desta reforma fiscal.
O nível das distorções que todos conhecemos no nosso sistema fiscal é de tal dimensão que as correcções necessárias alcançaram, e felizmente, numerosos pontos de consenso em toda a sociedade portuguesa e nos vários campos do espectro político português. Seria, por isso, absurdo transformar a questão fiscal numa querela ideológica da direita contra a esquerda ou da esquerda contra a direita, o que não significa, como já disse, que esta reforma não tenha, porque tem, uma clara marca política e ideológica.
Precisamos de um grande esforço nacional para abrir um capítulo novo em matéria de justiça e de sistema tributários. Vale a pena, também, neste domínio, e no que respeita às condições políticas de aprovação desta reforma fiscal, encarar de frente a questão da ligação da reforma fiscal com a aprovação do Orçamento do Estado para 2001.
É evidente que a reforma fiscal, ainda para mais com esta dimensão e com esta natureza estruturante, tem consequências para além deste Orçamento do Estado e de qualquer outro. Mas também é evidente que sem a aprovação do Orçamento do Estado a sua concretização em 2001 seria prejudicada e inviabilizada por duas razões essenciais.
Primeiro, a reprovação do Orçamento do Estado para 2001 geraria uma situação de crise e de instabilidade política, que diminuiria a capacidade política de qualquer Governo para implementar e concretizar uma reforma estrutural desta dimensão e com esta ambição. Segundo, o «chumbo» do Orçamento do Estado para 2001, nas condições concretas políticas e sociais em que se verificaria, geraria na economia e na sociedade portuguesa imprevisibilidade económica, com consequências difíceis de avaliar no funcionamento da nossa economia mas algumas das quais são evidentes. A principal seria o funcionamento, durante cerca de 10 meses, do Orçamento do Estado num regime duodecimal, o que não deixaria de ter pesadas consequências para o funcionamento e o crescimento da nossa economia e, portanto, também para a capacidade de colectar receita fiscal ao longo desse mesmo ano.
Não é legítimo dizer-se que o Governo chantageia com esta ligação. Essa crítica só seria legítima se o Governo aparecesse, com o Orçamento do Estado para 2001, perante esta Câmara dizendo que era «pegar ou largar». Ora, o passado deste Governo, o passado dos governos do Eng.º António Guterres, tanto no XIII como no XIV Governo e nos respectivos debates orçamentais, fundamentam e dão toda a credibilidade a uma postura contrária. Apresentaremos a esta Assembleia o Orçamento do Estado para 2001 - um Orçamento do Estado de desagravamento fiscal, de maior rigor no lado da despesa e de impulso ao investimento público - com toda a disponibilidade para, com a Câmara e com todos os grupos parlamentares nesta Câmara, lhe introduzir os aperfeiçoamentos que tornem possível a sua viabilização.
Não é, pois, politicamente legítimo dizer que o Governo chantageia a oposição ou a Assembleia da República ao fazer esta necessária e indispensável ligação política entre a aprovação da reforma fiscal e a aprovação do Orçamento do Estado para 2001.
A reforma fiscal, Sr. Deputado Octávio Teixeira, estou de acordo consigo, é extremamente importante. Não há mais tempo a perder para a sua concretização e implementação, mas, precisamente porque não há mais tempo a perder, não podemos perder o tempo a que nos conduziria uma crise política cuja solução precisaria, pelo menos, de 10 meses para ser superada.
A terceira questão relevante sobre a reforma fiscal é a resposta à pergunta «com que administração fiscal vamos fazer esta reforma?» Também aqui a resposta deve ser curta e clara: com esta administração fiscal que temos, Srs. Deputados, que tem vindo a modernizar-se, que tem vindo a qualificar-se e que tem vindo a racionalizar-se. Na verdade, e aqui reconheço alguma debilidade do Governo na política de comunicação, este tema da modernização, da qualificação e da racionalização da nossa administração fiscal é, porventura, pouco conhecido da Assembleia, é, porventura, pouco conhecido da opinião pública. Mas nem esse desconhecimento, nem essa falha, significam que não tenham sido verificados enormes progressos no que respeita, por exemplo, à formação, à qualificação e à admissão de novos funcionários, tanto na administração tributária como na inspecção tributária.
Foram admitidos na administração fiscal, nos últimos dois anos, 2500 novos funcionários, 60% dos quais são licenciados, estando 1800 a concluir estágios de formação que lhes permitirão entrar em pleno funcionamento nos próximos meses.
É também conhecida e reconhecida a utilização crescente e generalizada das novas tecnologias no domínio da informação aos contribuintes e da relação dos contribuintes com a administração fiscal. Isto, aliás, explica o ritmo mais rápido de reembolsos a todos os contribuintes em IRS este ano e no ano que passou e também quanto à intensificação da inspecção posso dizer que, de Janeiro até final de Junho, foram feitas e desenvolvidas 100 000 acções de inspecção tributária. Também foi criada a Administração-Geral Tributária, cujo arranque efectivo vos terá passado despercebido mas que nem por isso deixa de representar um novo modelo, mais flexível, mais integrado e mais racional de toda a nossa máquina fiscal.
Esclarecido que é com esta administração fiscal que contamos para fazer a reforma, é importante, finalmente, responder à questão «como vamos preparar a administração fiscal para a rápida implementação desta reforma?». Através de cinco medidas essenciais, sendo a primeira o lançamento de um programa intensivo de três meses, a começar no dia 4 de Novembro, de preparação e qualificação de todos os sectores significativos da administração para absorverem os elementos novos desta reforma fiscal, nomeadamente os novos instrumentos de tributação, assim como os novos instrumentos de combate à fraude e à evasão fiscal.
A segunda é orientarmos, de uma forma mais selectiva, os esforços e os meios para a fiscalização efectiva. A terceira é a criação de uma nova relação entre a justiça

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tributária com a administração fiscal. A quarta é o reforço da administração tributária em matéria do seu próprio autocontrole e avaliação. Finalmente, a quinta é a criação de uma nova política de relação e de comunicação entre a administração tributária, visando criar uma relação de confiança e de colaboração com os contribuintes.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este é o nosso programa de trabalho com a administração fiscal, com esta administração fiscal, para construirmos e implementarmos, em 2001, a reforma fiscal da tributação do rendimento, que, estou certo, esta Assembleia não deixará de aprovar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro das Finanças, os Srs. Deputados Francisco Louçã, Maria Celeste Cardona, Manuela Ferreira Leite, Octávio Teixeira e Isabel Castro.
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, disse-nos aqui que o Governo não estava errado ao fazer a relação entre a reforma fiscal e o Orçamento. Não tem razão.
O Governo, aceitando o desafio - o que fez bem - de um debate conclusivo sobre a reforma fiscal antes do Orçamento, aceitou a ideia essencial de que a reforma fiscal tem um âmbito que ultrapassa a conjuntura, por mais importante que ela seja, do próprio Orçamento. Determina uma política social, estrutura uma política fiscal e invade o terreno até hoje nunca ultrapassado de privilégios, de corrupções, de faltas de transparência.
É claro que, do ponto de vista técnico, muita da incidência da reforma fiscal que viéssemos a aprovar e que fizesse esse combate tinha de ter implicação orçamental - não poderia deixar de ser assim. Entre o dia de hoje, 11 de Outubro, e o dia 23 de Outubro, em que começa o debate, na especialidade, do Orçamento, não haveria condições para concluir todo o processo da lei na especialidade. Mas uma coisa é este debate ter as suas conclusões orçamentais, outra é limitá-lo em função do jogo político próprio do Orçamento, que, tenha a importância que tiver - e tem, certamente -, não pode determinar uma política de longo prazo.
A credibilidade, a força política, a seriedade de uma política de longo prazo mede-se também pelo carácter completo e exigente que a reforma tinha de ter e que o Governo amputou, ao fazer disto uma reserva de pressão sobre a Assembleia.
Por isso, Sr. Ministro - e esta é a opinião do Bloco de Esquerda e, porventura, de muito mais gente -, creio que a decisão que o Governo tomou a este respeito limita, desvaloriza, enfraquece esta proposta de reforma fiscal e tende a dizer aos portugueses que a deixa no limbo das indefinições, no labiríntico corredor de negociações políticas, quando hoje tínhamos de dizer que, em todas as matérias essenciais que estão aqui a ser tratadas, começou, começa e tem de começar uma alteração essencial.
O Governo perdeu essa capacidade, recusou-se a aceitar esse desafio essencial e, desse ponto de vista, tem a nossa crítica e a nossa oposição.
Por todas estas razões, a alteração das tabelas do IRS e as outras consequências que decorrem deste processo eram indispensáveis.
Finalmente, Sr. Ministro, quero dizer-lhe que as medidas propostas pelo Governo devem ser bem ponderadas. O Governo diz que, se a proposta relativa ao IRS vier a ser aplicada, perde-se cerca de 80 milhões de contos em receitas, o que é, seguramente, verdade. Sr. Ministro, neste momento, há um bairro fiscal da zona da Grande Lisboa que tem 101,817 milhões de contos em execuções fiscais, sobretudo em deduções de IRS não pagas. Creio que é preciso ponderar os dois valores para percebermos a importância inapelável de uma reforma da administração tributária.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, permita que responda com toda a clareza e frontalidade às questões que colocou.
É evidente, e eu disse-o na intervenção que fiz, que esta reforma fiscal, com a dimensão e a ambição que tem, e que sei ser partilhada pelo Bloco de Esquerda e por outros partidos desta Assembleia, vai muito para além deste Orçamento ou de qualquer Orçamento. Mas o argumento da amputação joga ao contrário: é que a ausência da aprovação de um Orçamento do Estado para 2001 é que produz uma amputação na capacidade de os portugueses começarem já a sentir, na sua vida, em concreto, a execução desta reforma fiscal em 2001, por razões que já referi, operacionais e políticas, a que o Bloco de Esquerda também não pode fugir.
É evidente que, para um Governo concretizar uma reforma desta dimensão, que fere interesses, não pode estar ferido por uma crise política, cuja solução é complexa, dada a aproximação das eleições presidenciais, e o Bloco de Esquerda, bem como os partidos que desenvolvem esta argumentação, tem também a obrigação de responder a esta questão.
Permita que lhe diga, sem qualquer hipocrisia e com toda a sinceridade, que as razões por que não o fazem têm também a ver com aquilo de que o Deputado Francisco Louçã acusa o Governo: um jogo político em torno do próprio Orçamento. Portanto, sejamos justos. Se há jogos políticos em torno do Orçamento, não poderá ser só o Governo a ser acusado desse comportamento. E cá estaremos, na próxima semana, com o Orçamento, para discutir, para aprovar e para se ver como cada agrupamento se posiciona: se se posiciona face ao Orçamento como um instrumento essencial de política económica ou se quer transformar o Orçamento numa espécie de moção de confiança para derrubar o Governo. É esse jogo político com que o Bloco de Esquerda e todos os partidos da oposição estão confrontados e é essa clarificação que têm de fazer!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, disse há pouco, e bem, que os portugueses estão a falar de impostos. É verdade que estão a falar de impostos, em alguns casos, para se queixarem do muito que pagam e verificarem o muito pouco que recebem em termos dos serviços públicos que o Estado lhes presta, e falam também das dificuldades que

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têm em suportar o dia-a-dia e chegar ao final do mês e pagar, ao banco, a prestação da casa própria que adquiriram, muitas vezes por incentivo do próprio Governo.
O Sr. Ministro das Finanças concordará comigo que demorou oito meses a reconhecer que errou no que respeita à diminuição das bonificações para aquisição de casa própria. O que lhe quero perguntar é se está disponível para, antes de errar, reconhecer alguma coisa nesta matéria. Isto é, tendo alterado, como alterou, alguns regimes de deduções, nomeadamente as deduções pessoalizantes, constantes do artigo 80.º, alterando, por exemplo, os critérios da respectiva quantificação, gostaria de saber o que é que se passa para que nada seja mencionado no que respeita às deduções com juros para aquisição de habitação própria e permanente.
Sr. Ministro das Finanças, V. Ex.ª sabe, com certeza - eu sei que sabe! -, que as taxas de juro aumentaram 30 vezes mais do que a própria taxa de inflação. Isto é, as taxas de juro subiram significativamente. Gostaria de saber se esta actualização da dedução que vai fazer vai ser ao nível da taxa esperada - esperemos que seja! - ou se vai, apesar de tudo, potenciar e incentivar, de alguma forma, as famílias portuguesas nesse domínio.
Já agora, diga-me, por favor, porque é, para mim, um mistério, algo que está conexionado com este aparente segredo na política de deduções. Por que é que as taxas não constam da vossa reforma? Sr. Ministro das Finanças, não me diga que as taxas são matéria orçamental, porque eu não acredito que V. Ex.ª acredite que assim seja!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona, serei rápido a responder às suas questões.
Entre esta proposta de lei do Governo e a proposta de autorização legislativa apresentada no final de Junho, há uma alteração favorável a quem compra ou comprou casa.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Está a falar da amortização?

O Orador: - Estou a falar da amortização. O Governo abandonou a ideia da não dedução das amortizações.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Bem-vindo!

O Orador: - Houve uma alteração que teve a ver com a nossa própria sensibilidade social à evolução dos custos com a aquisição de habitação por parte dos portugueses.
No que respeita à actualização do valor das deduções, ela será feita no Orçamento do Estado. Quanto à não inscrição das novas taxas de IRS na proposta de lei, penso que fui absolutamente claro, Sr. Deputada, e penso que, em nome da dignidade e da seriedade deste debate, não devemos estar aqui a fazer a rábula - perdoe-me a expressão - da ingenuidade. A Sr.ª Deputada sabe, e sabe que eu sei, os motivos por que o Governo não incluiu as taxas na proposta de lei, e eu também sei os motivos por que a Sr.ª Deputada gostaria que o Governo as tivesse incluído na proposta de lei!

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Então, por que é que não as incluiu?!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, não tenho dúvidas, de acordo com o que todas as bancadas já disseram e eu vou reafirmar, que, de tudo o que V. Ex.ª disse e de tudo o que lhe foi dito, aquilo que merece mais reflexão é saber qual é o verdadeiro objectivo da apresentação desta proposta.
É que se o objectivo fosse, efectivamente, o de introduzir alterações sérias e profundas no sistema fiscal português, de certeza absoluta que o último momento em que V. Ex.ª teria decidido fazer essa apresentação seria este! Por isso, é o momento escolhido por V. Ex.ª que reduz a importância daquilo que poderia vir a ser importante. Mas não é, exactamente porque V. Ex.ª escolheu o momento errado. Nunca poderia ser este o momento! E porquê? Porque, inevitavelmente, o Sr. Ministro e todos os partidos aqui presentes ligam estas propostas ao Orçamento! E não conseguem deixar de o fazer!

Vozes do PS: - E bem!

A Oradora: - E mal, do meu ponto de vista! Esta ligação é fatal para a importância que estes aspectos deveriam ter.
Sr. Ministro, V. Ex.ª disse agora que a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona percebe por que é que as taxas não estão referidas e V. Ex.ª também diz que percebe. Mas há uma pessoa que não percebe: sou eu!

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Eu também não!

A Oradora: - E não percebo porque é evidente que, ao fazer uma alteração aos códigos, o Sr. Ministro poderia lá ter incluído as novas taxas e os novos escalões. Ninguém o impedia! Só que ficava sem o argumento de dizer que, se o Orçamento não fosse aprovado, então, já não poderia haver a redução de impostos. Quer utilizar esse elemento como chantagem sobre a oposição!
Sr. Ministro, V. Ex.ª não precisa nem de duodécimos para executar a receita nem, muito menos, de força política para reduzir os impostos. V. Ex.ª só precisa de força política para aumentar os impostos. V. Ex.ª anuncia que vai reduzir os impostos e, depois, diz que precisa de força política para o fazer! Sr. Ministro, pode ser que V. Ex.ª perceba, que a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona perceba, mas eu não percebo, de certeza absoluta!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Como tal, esta sua escolha deste momento revela, do meu ponto de vista, duas coisas. Em primeiro lugar, revela uma enorme falta de convicção na importância destas alterações, e essa falta de convicção é o primeiro passo para que V. Ex.ª recue à primeira dificuldade. Em segundo lugar, revela uma enorme fraqueza por parte do Governo, porque só um Governo muito fraco é que precisa, para fazer passar um Orçamento, para se manter no poder a qualquer custo, de utilizar um instrumento tão importante quanto os impostos.

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O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
Quero só dizer ao Sr. Ministro que fique absolutamente ciente de que o PSD dará toda a colaboração, como, de resto, já deu, na alteração de aspectos negativos da reforma fiscal, mas também que não altero um milímetro na minha crítica à desastrosa política orçamental que V. Ex.ª tem seguido.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, colocou três questões. Quanto ao momento, ele até poderia ter sido escolhido só pelo Governo, mas sucede que não o foi,...

Vozes do PS: - Exactamente!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O Governo não tem iniciativa!

O Orador: - ... porque, como VV. Ex.as se recordarão, na primeira intervenção que fiz nesta Assembleia, a nossa ideia e o nosso projecto inicial era no sentido da apresentação dos primeiros diplomas sobre a reforma fiscal depois da apresentação do Orçamento do Estado.

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - Ora, foi respondendo a sugestões e a críticas de vários partidos da oposição que resolvemos fazer esta antecipação. Isto foi anunciado nesta Assembleia, em Março, e foi respondendo a sugestões e a críticas de partidos da oposição que alterámos a metodologia…

Protestos da Deputada do PSD Manuela Ferreira Leite.

Sr.ª Deputada, agradeço que me dê licença que termine, pois eu também não a interrompi!
Como dizia, foi respondendo a críticas e sugestões de partidos da oposição nesta Assembleia que alterámos a metodologia, os instrumentos legislativos, para a reforma da tributação de rendimento por forma a ela poder ser discutida agora.
E quanto ao momento, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, o que considero fatal é alguém com a sua responsabilidade e com o seu conhecimento da realidade económica portuguesa vir, de alguma forma, sugerir que o momento é mau e que, portanto, devia ser mais tarde. Isso é completamente errado!

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Eu não disse isso! Devia ter sido mais cedo!

O Orador: - É óbvio que está a sugerir que fosse mais tarde, porque o momento antes deste momento já não existe, já passou. Portanto, este foi o momento.
Quanto à segunda questão, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, já deixei perfeitamente esclarecido que o Governo, nem pelo facto de apresentar e ligar a concretização da reforma fiscal à aprovação do Orçamento, nem pela maneira como se vai colocar perante esta Assembleia na sua discussão, não está a fazer qualquer chantagem sobre a Assembleia.
Contudo, há uma coisa que é preciso não confundirmos, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, é a necessidade da estabilidade política e económica do País com as supostas necessidades de estabilidade interna em cada um dos nossos agrupamentos políticos ou partidários. Sugeria-lhe que houvesse o esforço de não ser feita esta confusão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A terceira questão é a da força política para…

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Ministro. Terminou o seu tempo.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
É evidente que qualquer reforma estrutural, como é esta reforma fiscal, exige um Governo em plenitude de funções. A Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite sabe isto perfeitamente e isto não requer aqui demonstração.

O Sr. Presidente: - Para formular o seu pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, digo com toda a sinceridade que quando comecei a ouvir a sua intervenção, a dada altura, quase logo no início, pensei «vá lá, o Governo parece que reconheceu o erro que cometeu e vai introduzir, na sua proposta, a tabela dos escalões…

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - E as taxas!

O Orador: - … e das taxas. É que, quando o Sr. Ministro começou a divulgar a, b, c, d, os escalões, as taxas, etc., julguei que ia introduzi-los. É que não os introduzir na tabela, sinceramente… O Sr. Ministro ainda há pouco referiu que estamos aqui, hoje, a discutir os projectos e a proposta de reforma dos impostos sobre o rendimento e, por isso, não tinha cabimento apresentá-los neste momento se não tenciona inclui-los na sua proposta.
De qualquer modo, espero que ainda haja tempo e o Sr. Ministro e o Governo, na sua globalidade, ou pelo menos o Sr. Ministro e o Sr. Primeiro-Ministro possam reflectir e alterar o posicionamento que tomaram e estão a tomar neste momento, em relação à questão da inclusão da tabela na proposta do Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Até por isto, Sr. Ministro, e retomando uma questão que V. Ex.ª há pouco referiu, aqui, em resposta à Deputada Manuela Ferreira Leite, desafio o Governo - desafio, com toda a sinceridade, e acompanhamos o Governo nisso - a mostrar ao PSD e a toda a gente que este é um momento tão oportuno como qualquer outro para fazer a reforma fiscal.

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Mas, ao fazer este desafio, o Sr. Ministro tem de assumir, por parte do Governo, as condições necessárias para que se possa provar que este é um momento tão oportuno como qualquer outro para fazer a reforma fiscal, que só peca por atraso.
Por outro lado, o Sr. Ministro referiu que a proposta do Governo tem uma clara marca político-ideológica.

O Sr. Strecht Monteiro (PS): - É isso mesmo!

A Dr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - E mal!

O Orador: - Mas, quando o Sr. Ministro faz esta afirmação, fica para mim incompreensível como é que V. Ex.ª diz, tendo ele uma clara marca político-ideológica, que «estamos aqui para a aprovar com qualquer grupo desta Câmara»! Isto não pode ser, não é possível, porque ou tem, ou não tem!

O Sr. João Amaral (PCP): - É um produto branco!

Risos.

O Orador: - Há pouco, na minha intervenção, referi o que entendo que tem e, por conseguinte, não pode tentar fazer a «quadratura do círculo».
Quanto à ligação com o Orçamento do Estado para 2001, Sr. Ministro, fiquei muito preocupado com o aprofundamento que o Sr. Ministro fez na sua intervenção e, depois, nas respostas a esta questão da ligação da proposta da reforma fiscal, dos impostos sobre o rendimento com o Orçamento do Estado. É que, de facto, fiquei com esta dúvida e ponho-lhe a questão, muito clara e muito concreta, porque, como disse há pouco, na minha intervenção, convém que hoje fique tudo claro.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Onde é que está a dúvida?!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Isso é que vai ser difícil!

O Orador: - Sr. Ministro, com tudo aquilo que disse sobre a ligação, quer isso também significar que, mesmo sem a tabela do IRS, se não houver Orçamento não há reforma fiscal?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informando que o Sr. Ministro responde conjuntamente aos dois últimos pedidos de esclarecimento, dou a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro fez a sua intervenção enfatizando a questão de esta ser uma reforma importante e de não haver tempo a perder. Os Verdes estão inteiramente de acordo, porque nos parece que o desperdício de tempo de cinco anos é por demais grave para que a celeridade não exista.
Julgo que a celeridade é tão grande - e esse é o primeiro esclarecimento - que recordo que, no dia 21 de Setembro, o Sr. Ministro, ao elencar a calendarização do Governo e a prioridade que dava à abordagem dos diferentes aspectos da política fiscal, falava da tributação do património e falava da tributação energética no final das suas prioridades. E quando nós questionámos, claramente, qual era o sentido e o modelo dessa tributação - porque, sublinho, para Os Verdes, a tributação energética é importante desde que não signifique outra coisa se não a penalização de determinadas formas de funcionamento e de determinados produtos, significando isso que a carga fiscal sobre os trabalhadores é claramente reduzida -, essa clareza não existe. De qualquer modo, recordo que o Sr. Ministro atirava essa reforma para depois de 2002 e hoje anuncia-a para 2001.
Mas parece-nos que só tem qualquer significado falar da importância desta reforma e ela não ser uma coisa abstracta, se houver políticas que dêem suporte a esta chamada tributação energética que, agora, o Sr. Ministro já chamou «reforma ecológica». O sentido é mais amplo, mas aquilo que vimos há poucos dias, quando se debateu, aqui, uma questão-chave, a promoção do transporte público e o investimento no transporte público, o que se percebeu por parte da bancada do Partido Socialista foi que o Partido Socialista não está disposto a entender essa promoção se não à custa da penalização dos utentes.
Mais: continua-se a falar abstractamente de tributação energética sem que tenhamos uma coisa elementar que é o plano energético, ou seja, uma concepção de como é que entendemos o uso da energia, como é que estamos a poupá-la, e, neste momento, estamos a desperdiçá-la numa percentagem extremamente elevada.
Portanto, pergunto o que é que moveu o Governo para antecipar o prazo da chamada tributação energética ou «reforma ecológica», como quiser, e, do ponto de vista político, quais são as enormes novidades que podem antecipar ou justificar que isto não seja mais do que uma abstracção.

O Sr. Presidente: - Para responder tem a palavra o Sr. Ministro.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, em relação à questão da ligação entre o Orçamento e a reforma fiscal, já dei em vários argumentos que sustentam perfeitamente a posição do Governo. O Sr. Deputado desenvolveu os seus próprios argumentos, fez-me um desafio e, a esse desafio, respondo com outro desafio: está o PCP apto a discutir, em concreto, as condições para viabilizar a estabilidade política na sequência do debate orçamental para 2001? Essa é uma questão…

O Sr. Strecht Monteiro (PS): - É isso mesmo!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - O que é que isso tem a ver com a reforma?

O Orador: - Tem, tem tudo a ver com a reforma! O Sr. Deputado Octávio Teixeira precisa também de responder a esta questão. Aliás, faço-lhe uma observação de ordem genérica, semelhante à que fiz ao PSD, sobre a necessidade de não se confundir as condições de estabilidade do País com as condições de estabilidade interna de cada um dos nossos próprios agrupamentos políticos.

O Sr. Strecht Monteiro (PS): - Evidentemente!

O Orador: - Além do mais, é preciso dizer-se que, nos termos constitucionais, o Orçamento dá a autorização para

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a cobrança de receitas e para a realização de despesas. Portanto, havendo uma alteração das regras, em sede das taxas de tributação de IRC, tanto por via das taxas, como por via dos escalões, é absolutamente necessário, do ponto de vista constitucional, que o Orçamento dê esse enquadramento para um novo tipo de cobrança. Portanto, conforme eu disse na minha intervenção inicial, a estabilidade política e económica do País, materializadas na aprovação do Orçamento do Estado para 2001, é essencial para a concretização da reforma fiscal.
Pergunta-me se o prosseguimento da discussão da reforma fiscal na Assembleia da República fica dependente da eventual aprovação do Orçamento. A partir de hoje, a reforma fiscal, na área da tributação do rendimento, está nas mãos da Assembleia da República. Não é ao Governo que cabe dar essa resposta.

O Sr. Strecht Monteiro (PS): - É evidente!

O Orador: - Em relação às questões da Sr.ª Deputada Isabel Castro, queria apenas fazer uma precisão, para não entrarmos aqui num jogo de datas: o calendário que anunciei hoje, no que respeita às várias componentes da reforma fiscal, foi exactamente igual àquele que anunciei há três semanas e exactamente igual àquele que anunciei em Março, no encerramento do debate do Orçamento do Estado.
A Sr.ª Deputada, porventura, estará a confundir o período de discussão e de eventual aprovação de diplomas com a sua concretização num exercício orçamental, mas é evidente que um debate da reforma tributária, a ser desenvolvido durante o primeiro trimestre 2001, não poderá ter outra concretização que não seja no exercício de 2002. Isto é evidente!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Governo do Partido Socialista tem procurado cumprir os diferentes pontos e propostas contemplados nos seus dois Programas Eleitorais e do Governo, concretizando-os de acordo com o ritmo que o estado da sociedade permite, que a evolução da economia internacional e nacional aconselha e tendo por base os necessários estudos disponíveis.
Assim foi com alguns dos mais emblemáticos e significativos pontos nos programas governamentais e eleitorais socialistas: o rendimento mínimo garantido, que foi uma das medidas essenciais no domínio de uma política integrada de solidariedade social; a entrada no euro, moeda europeia, a qual, apesar dos problemas que tem tido a sua implementação, se mantém como um dos importantes pilares da União Económica e Monetária europeia, a par da criação do sistema europeu de bancos centrais; um forte esforço de reintrodução de centenas de milhares de cidadãos portugueses e de dezenas de milhares de empresas portuguesas no sistema fiscal.
Na área fiscal, diversos aspectos e actuações foram concretizadas ao longo dos últimos anos. A lei geral tributária, um dos mais relevantes textos fiscais aprovados nos últimos anos, que estabeleceu um equilíbrio saudável entre as garantias dos cidadãos e os deveres da administração fiscal; a reforma do imposto de selo; diversas alterações no IRS verificadas ao longo dos últimos cinco anos, nomeadamente a modificação do quociente conjugal, a diminuição da carga fiscal, em termos de IRS, sobre os sectores sociais mais desfavorecidos e a alteração do sistema de deduções na área social tornando-o mais justo e equitativo; algumas modificações no IRC que hoje se aprofundam, integrando o apoio à interioridade bem como às regiões mais carenciadas de investimento.
E sublinhemos que foi o alargamento da base tributária que permitiu, e permite, que se venham a diminuir as taxas e a aumentar as isenções para os mais carenciados.
Feito o debate de hoje, fica prevista para breve a reforma dos impostos sobre o património, que o Governo declarou apresentar até ao final deste ano. Entretanto, tem de se aperfeiçoar e desenvolver a linha de tributação nas áreas ambiental e energética, sendo muito importante ainda o aperfeiçoamento da máquina fiscal.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O combate à evasão fiscal assume um carácter central em toda a estratégia governamental e do PS, até porque muita e qualificada gente, no Parlamento, na comunicação social, na sociedade civil e nas empresas se interroga: será que esta administração fiscal tem condições para vencer este combate? Interessará, entretanto, reflectir sobre os esforços que já foram feitos ao longo dos últimos cinco anos sobre as novas perspectivas que se abrem e sobre os boicotes sofridos neste combate à fraude e à evasão fiscal, combate desencadeado pelo Governo socialista.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje pode ser dado - será, certamente, dado - um passo muito significativo no avanço do processo de reforma fiscal em Portugal. A reforma dos impostos sobre o rendimento não é uma peça isolada, insere-se num processo mais vasto e desenvolvido e que, se a Assembleia o permitir, será completado, mais cedo do que tarde, nesta legislatura.
As soluções propostas têm em si uma coerência intrínseca, mas a necessidade de o País vir a adoptar uma reforma coerente não nos pode fazer esquecer o sentido de diálogo com as outras forças políticas, o sentido de atenção às sugestões de organizações sociais e económicas e o sentido de convergência de soluções que, sem serem necessariamente nossas, podem dar um bom contributo para uma solução equilibrada e global.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A questão central na alteração do sistema de tributação do rendimento é a de eliminar as injustiças ainda existentes, a de lutar com mais eficácia contra a fraude e a evasão fiscal e a de utilizar o próprio sistema fiscal como um instrumento de correcção das desigualdades sociais e de redistribuição económica, para além de o fazer contribuir para uma maior eficácia de todo o sistema económico de forma mais drástica.
Não vem de ontem esta luta do Governo socialista. Durante quatro anos produziram-se vários estudos, adoptaram-se alterações nos sistemas existentes, preparou-se caminho para esta legislatura. Depois das eleições de 1999, deu-se um novo impulso e a criação da ECORFI veio permitir elaborar a síntese que permitirá concretizar, nas diversas áreas fiscais, as propostas de reforma.
Refiramos, neste contexto, a controversa questão dos off-shore. No quadro de um processo de coordenação e harmonização fiscal no seio da União Europeia, ou até de negociações mais alargadas no plano mundial, todo o sistema existente poderia ou deveria ser revisto. No plano em que se encontram as coisas hoje em dia, o que parece prudente é combater ou prevenir situações de abuso e

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tentar impedir manobras financeiras que utilizem a configuração de diversos off-shore para um sinuoso «planeamento fiscal» que se aproveite das falhas reais da regulamentação legal existente e das distinções entre a legislação fiscal dos diversos países.
Sr. Presidente, interessa sublinhar que os métodos eficazes e correctos de detecção e prevenção das fraudes e da evasão na área empresarial podem, caso esta reforma dos impostos sobre o rendimento seja aprovada, fazer com que a contribuição das empresas para o funcionamento do Estado e para a solidariedade e coesão nacional sejam reforçadas. Isto porque o que se tem verificado, e a execução orçamental até Setembro de 2000 evidencia, é que, por si, os impostos sobre o rendimento das pessoas continuam a crescer de forma mais rápida do que a tributação sobre as empresas. E se muitas delas reentraram no circuito fiscal nos últimos anos, há que sofisticar e melhorar os métodos, para garantir a igualdade na concorrência, moralizar a economia e garantir a equidade dos instrumentos tributários. E nós, socialistas, estamos dispostos a aprofundar e a debater, no detalhe e na especialidade, algumas das propostas que Deputados da oposição apresentam neste domínio.
Sr. Presidente, relativamente à chamada questão do sigilo bancário, interessa fazer o ponto da situação actual. A proposta apresentada pelo Governo relativamente ao sigilo bancário aparece como extremamente equilibrada para a generalidade dos casos, já que permite a intervenção, solicitada, dos tribunais. A proposta que o Bloco de Esquerda faz, no que concerne, nomeadamente, à adopção da sugestão de João Carlos Silva relativamente às entidades que solicitam subsídios, merece pelo menos a nossa consideração - refiro-me especificamente ao projecto de lei n.º 287/VIII.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A descida do peso da tributação relativa em sede de IRS parece um dado adquirido nas diferentes propostas e projectos apresentados, em coerência com o que o PS vem defendendo e o Governo vem praticando. Há, essencialmente, que reflectir sobre a compatibilização entre a evolução da perspectiva da receita cobrada e as obrigações do Estado, nomeadamente nas áreas sociais, no que concerne ao investimento público e no apoio ao desenvolvimento. Isto porque o que se pretende é um sistema mais justo, com a integração de forma mais equitativa da parte dos profissionais liberais e empresários que distorcem a concorrência e defraudam o fisco (cuja extensão é estimada mas não rigorosamente conhecida) e para que os rendimentos dos trabalhadores por conta de outrem, especialmente nos estratos sociais mais desfavorecidos, possam, efectivamente, ser mais aliviados.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Voltemos à magna questão da reorganização e rejuvenescimento da administração fiscal. Esta questão também é central quando se projecta e se decide uma reformulação do sistema tributário. Alguns esforços se têm feito nos últimos anos e algumas medidas se têm tomado, apesar do boicote de diversos sectores da oposição, que se opuseram, entre outras, à modificação dos sistemas de incentivo aos trabalhadores da administração fiscal.
Entretanto, como o Sr. Ministro Pina Moura hoje e aqui já referiu, mais de dois milhares de novos funcionários escolarmente qualificados entraram para a administração fiscal, o que aumenta a sua qualificação média e a rejuvenesce. A modificação e o aperfeiçoamento dos sistemas informáticos é outra das vertentes da transformação da administração fiscal, havendo ainda e no entanto um significativo caminho a fazer. A adopção destes diversos instrumentos de reforma fiscal aumentará as obrigações e as responsabilidades do Governo e da Administração nesta área.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Refiramos, com brevidade, alguns aspectos dos projectos dos grupos parlamentares da oposição.
O Governo, na prática, com as medidas que adoptou e propõe, garante um rendimento mínimo fiscal. Ora, pretendeu o CDS-PP contribuir para a reforma do sistema fiscal com propostas pretensamente originais, nomeadamente englobando o que chamaram de sistema verdadeiramente novo: um mínimo de isenção pessoal e familiar, ou seja, um rendimento mínimo fiscal. Ora aqui está como o CDS-PP, que se bateu contra o rendimento mínimo garantido, vem, anos depois, apresentar uma proposta com a qual julgam poder recuperar a mesma ideia num outro plano. Só que o próprio Governo, como o Ministro Pina Moura já explicou e nós próprios referimos, tem aplicado esse conceito. No fundo, aqui, sejamos claros, o que o CDS-PP apresenta de novo é o slogan, não é o conceito económico e fiscal. Procura reproduzir aqui o mesmo método eleitoralista que aplicou quando do aumento das pensões, aprovado no quadro do Orçamento do Estado para 2000.
Saudamos, entretanto, a explicitação que o CDS-PP faz do recurso aos diversos métodos de avaliação do rendimento, no âmbito do desenvolvimento dos princípios fundamentais previstos na lei geral tributária. Já merece também alguma reflexão e ponderação a alteração das taxas previstas relativas ao artigo 69.º do Código do IRC, nomeadamente no que se refere à protecção e apoio aos sectores de interesse estratégico e estruturante a nível nacional. Essa não é, de forma alguma, uma proposta liberal e este carácter intervencionista da medida proposta, permitindo - que digo eu?! Obrigando! - o Governo definir esses sectores, implica um reforço da possibilidade de utilizações do instrumento fiscal como uma das formas de concretizar uma política económica.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, quanto ao PSD, na exposição de motivos do seu projecto de lei procede a uma análise quase exaustiva de alguns aspectos que considera importantes no que respeita à evolução das finanças públicas portuguesas, sem nada inovar no seu discurso e batendo a já gasta «tecla» da desorçamentação.
Apesar de tudo, estarão ultrapassados os tempos negros da campanha subordinada ao slogan «pena máxima para a colecta mínima», a qual ultrapassou, do meu ponto de vista, os limites do bom senso e do bom gosto.
Já nos parece também altamente discutível o proposto aumento do IVA, pelos efeitos económicos que poderia acarretar. Aqui o que se exige, do nosso ponto de vista, é caminhar no sentido da harmonização fiscal e não a marcha inversa.
O PSD perdeu nesta meia dúzia de anos três líderes, todos diferentes mas todos de elevada qualidade intelectual e política. O que não queremos é que perca a face e a sofisticação das medidas apresentadas pelo Governo no que concerne à tributação sobre as empresas poderá, eventualmente, permitir a evolução da posição do PSD sem perder a face e associando-se esse partido, se o quiser, ao combate à fraude e à evasão fiscal. Mas se as «teses-Rio» predominares, o PSD poderá assumir-se como uma

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minoria absoluta e considerar que as reformas devem ser do Governo e dos outros partidos da oposição. Faço-lhes, portanto, um apelo para que se mantenham vivamente neste debate.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Quanto ao PCP, apresenta, na formulação do Código do IRS, uma bem sistematizada proposta de alteração. Aliás, as convergências já verificadas no quadro do debate e da votação do Orçamento do Estado para 1999 relativas às melhorias então introduzidas no IRS poderão, eventualmente, ser mais bem apreciadas e debatidas no trabalho em comissão.
No debate da interpelação sobre o sistema fiscal apresentado pelo Bloco de Esquerda já nos posicionámos globalmente sobre a filosofia que os contributos do BE partido representam. Sem esquecer ainda as concepções divergentes, que nos fazem supor haver muito caminho para andar, há, no entanto, diversos aspectos que favorecem o diálogo na busca de convergência de soluções, nomeadamente se o Bloco de Esquerda prescindir de alguns dos pontos mais radicais das suas propostas.
Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Como poderá avançar este importante processo da reforma dos impostos sobre o rendimento? Apesar de ser diverso o mérito (e o demérito) dos diferentes projectos, julgamos que poderia ser positivo que todos os projectos (e, obviamente, a proposta governamental) viessem a ser viabilizados em Plenário, de forma a que, em meados de Novembro, pudéssemos, novamente em Plenário, aprovar um texto final, global, integrador e reformador que obtenha, se não o consenso, pelo menos a maioria dos votos desta Câmara.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Assembleia prestigiar-se-á certamente se o Plenário der hoje o importante passo de viabilizar a proposta de lei governamental e os projectos de lei que os diferentes grupos parlamentares apresentaram. Em Comissão de Economia, Finanças e Plano, julgo que haverá condições para num prazo limitado, trabalhando-se com eficácia, se vir a adoptar um texto, se não consensual, pelo menos maioritário, que permita concretizar esta reforma dos impostos sobre o rendimento.
E é isso que pretendemos, ou seja, que antes da votação final global do Orçamento do Estado para 2001 exista nesta Assembleia o entendimento que permita a aplicação de regras tributárias mais justas, mais eficazes, mais equitativas no domínio dos impostos sobre o rendimento. É isso que queremos! Que se avance no sentido de um sistema fiscal mais equilibrado e eficaz, que contribua para uma maior coesão nacional, uma maior justiça social e seja, ele próprio, também uma alavanca de um desenvolvimento económico e social, harmonizado e equilibrado.
Muito obrigado pela vossa atenção!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, V. Ex.ª insistiu numa questão que reúne consenso ou que, pelo menos, tem, seguramente o nosso acordo. Refiro-me à importância de que esta reforma fiscal e de que estes projectos e esta proposta de lei em discussão tenham uma concretização a breve prazo, dando, portanto, lugar a uma alteração de fundo do sistema fiscal em Portugal, para já em matéria de impostos sobre o rendimento.
No entanto, temos também insistido em dizer que, sendo isso verdade, é incompreensível - e isso já foi aqui glosado em vários tons - que um elemento fundamental ou, no mínimo, muito importante desta reforma fiscal, como é a tabela de taxas, não esteja englobado nas propostas do Governo. Devo dizer que é incompreensível que assim seja.
Já foi aqui demonstrado à saciedade que isto não tem qualquer relação com o Orçamento e, como tal, a questão e o desafio que aqui se colocam hoje ao Partido Socialista, a partir do momento em que estes projectos e esta proposta passam para o seio da Assembleia e passa a estar no nosso poder de decisão a definição do formato e do texto final do projecto, são os seguintes: está o Partido Socialista em condições de, em sede de comissão, se disponibilizar para incluir no texto final da proposta de reforma fiscal que vier a ser definida na Assembleia da República as tabelas de taxas? Recordo que, assim, o Governo retiraria a reforma fiscal desta polémica relativa ao Orçamento do Estado em que ele mesmo a introduziu durante o debate, prejudicando-o e prejudicando a seriedade com que ele devia ser encarado. Com isso, avançaríamos, efectivamente, para uma reforma de fundo que a todos os portugueses diz respeito e que os portugueses de menores rendimentos esperam desta Assembleia, já que conduziria a um sistema mais justo e equilibrado.
Está o PS em condições de responder favoravelmente a este desafio do PCP? Esta é a questão que queríamos deixar ao Partido Socialista.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, agradeço a clareza com que colocou a questão. Há um aqui um aspecto essencial, que é a matriz e a estrutura da reforma dos impostos sobre o rendimento que queremos fazer e há um aspecto ligado a esse que é a primeira tabela de taxas que existe.
A Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona falou de um pacto para 20 anos,…

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - E valia bem a pena!

O Orador: - … mas suponho que esse pacto fosse apenas para 12, 10 ou 8 anos. Quero crer que num determinado tipo de estrutura de impostos sobre o rendimento, mexendo, eventualmente, noutras cláusulas que são evolutivas, como o sigilo bancário e outras, é extremamente difícil que uma tabela de taxas se mantenha. Isto porque uma tabela de taxas tem em si uma estrutura diferente e é mesmo um documento diferente de uma reforma dos impostos sobre o rendimento.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Para isso vem o Orçamento!

O Orador: - Em qualquer caso, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista está em condições de discutir aprofundadamente este aspecto em sede da Comissão de Economia, Finanças e Plano, sem limite de tempo.

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Todavia, gostaria que no final de todo este processo da reforma dos impostos sobre o rendimento e da discussão do Orçamento do Estado para 2001 tivéssemos os impostos sobre o rendimento reformados, tivéssemos, portanto, novos impostos sobre o rendimento e uma tabela de taxas votada, podendo ou não vir a ser alterada em anos futuros, no quadro desses 10 ou 15 anos do pacto fiscal, que não têm de ser sempre do Governo do Partido Socialista, embora eu, obviamente, preferisse que fossem.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

O Sr, Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (Ricardo Sá Fernandes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este debate tem dois méritos fundamentais, sendo o primeiro o de demonstrar - do que, suponho, já ninguém duvida - que a proposta de lei que o Governo apresentou em matéria de tributação do rendimento é global, é coerente e é sistemática. As medidas introduzidas no que diz respeito ao reforço da justiça tributária, ao combate à evasão e à fraude fiscal, ao combate ao planeamento fiscal abusivo, a medidas de simplificação do sistema tributário e a uma nova política de benefícios fiscais atravessam, indiscutivelmente, todo o sistema da tributação do rendimento, alteram substancialmente todos os códigos (o Código do IRS, do IRC e o Estatuto dos Benefícios Fiscais) de uma forma coerente e séria e suponho, portanto, que a discussão que pretende saber se esta reforma é global ou é apenas uma «reformazinha» está ultrapassada, porque a verdade impõe-se com toda a evidência.
Mas há uma segunda conclusão que é muito importante e que me apraz registar. É que não há, efectivamente, divergências significativas nas matérias essenciais entre o Governo e os partidos da oposição. Tive o cuidado de analisar detalhadamente as propostas que os diferentes partidos apresentaram e ainda de ouvir as intervenções dos Srs. Deputados, quer sublinhando os méritos das suas propostas, quer criticando as propostas do Governo, e vejo que a margem de divergência é perfeitamente secundária e, por isso, estamos em condições de ter uma reforma fiscal global do rendimento, em Portugal, a que se seguirão outras, como a do património e a do sector energético, acompanhadas, também, de uma reforma do regime das infracções tributárias e das garantias dos contribuintes.
Mas como gosto de justificar aquilo que digo, vamos, então, analisar a posição de cada um dos partidos relativamente a estas matérias, permitindo os Srs. Deputados que não perca tempo a fazer apreciações de natureza genérica e extrafiscal e me circunscreva àquilo que efectivamente é o debate da reforma fiscal.
Portanto, não encontrarão na minha intervenção referências a enquadramentos globais, que têm interesse mas que neste momento, perante outros elementos prioritários da minha intervenção, considero secundários, porque o que me interessa debater e esclarecer com os Srs. Deputados é a posição do Governo relativamente às dúvidas que têm quanto à proposta que este apresenta.
Comecemos pelo PCP, que elencou um conjunto de matérias relativamente às quais, no essencial, não havia divergência. Apraz-me sublinhar que são matérias, muitas delas, que não estavam contempladas nas propostas do Partido Comunista mas que este reconhece que, efectivamente, constituem um contributo importante para a tal reforma global e sistemática que o Partido Comunista também entende, certamente.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira circunscreveu as divergências a quatro matérias fundamentais, referindo, primeiro, que gostaria que a tabela fosse mais exigente, de modo a implicar uma maior redução de taxas. Devo dizer, Sr. Deputado, que não vou debater essa matéria. Entendo que uma tabela de taxas como a que o Governo anunciou que incluiria no orçamento é um esforço muito grande que o Governo se compromete a assumir no sentido de reduzir a carga fiscal dos trabalhadores, sobretudo os trabalhadores por conta de outrem. Portanto, nesta matéria, julgo que não vale a pena estar a discutir se o abaixamento é maior ou menor, porque isso tem a ver com uma preocupação global daquilo que é possível fazer. Ora, muitas vezes, aquilo que é possível fazer, no que diz respeito a abaixamento de impostos, não é aquilo que idealmente se desejaria fazer.
Assim, do ponto de vista técnico, o Sr. Deputado Octávio Teixeira expressou três divergências fundamentais: a primeira é relativa ao problema do englobamento, apresentando uma divergência comum àquela que o Sr. Deputado Francisco Louça apontou; a segunda é relativa à política em matéria de benefícios fiscais, naquilo que tem a ver com matérias que concernem ao mercado de capitais; e a terceira é relativa às propostas do Governo em matéria de provisões, que considerou tímidas.
Relativamente à primeira questão, que é um assunto que separa a proposta do Governo das propostas do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda, julgo que se trata de saber se englobamos ou não englobamos tudo. Referiu o Sr. Deputado, certamente reportando-se a declarações que prestei noutra sede, que o Partido Comunista tem a certeza de que em relação a este ponto as suas propostas são as melhores.
Devo dizer que tenho a convicção de que a proposta do Governo, nesta matéria, é a mais equilibrada, mas com toda a certeza, com toda a convicção e com toda a clareza lhe digo que não tenho a certeza absoluta de que a proposta do Governo nesta matéria seja a melhor. Passo a explicar por que é que não tenho essa certeza.
O objectivo, o ideal que todos os partidos certamente gostariam de atingir, seria o de ter o englobamento total. Mas por que é que o Governo, que aceita dar um passo decisivo no englobamento das mais-valias, não dá o passo para englobar o restante? A explicação é esta: é porque todos os relatórios apontam para a circunstância que seria altamente inconveniente implicar o englobamento dos juros dos depósitos a prazo, por razões de simplificação e por razões de temor social.
Por isso, partindo do pressuposto de que seria inconveniente o englobamento dos juros dos depósitos a prazo, pode concluir-se que isso tem um efeito de arrastamento das outras categorias. Isto é, se nós não englobamos os depósitos a prazo, dificilmente encontraremos justificação técnica para englobar os juros das obrigações e de outras aplicações semelhantes. Ora, se damos este passo, chegamos aos dividendos e também não encontramos uma solução muito diferente, porque estávamos a usar soluções muito diferentes para aplicação aos produtos que dão origem aos dividendos e às obrigações e não podemos ir para essas soluções muito diferentes.
Foi por isso que o Governo entendeu que a solução mais equilibrada seria a de manter as taxas liberatórias nas

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obrigações e nos depósitos a prazo e, relativamente aos dividendos, dar um passo de compromisso, aceitando o seu englobamento para efeitos de determinação da taxa mas continuando a aplicar uma taxa liberatória.
Portanto, esta solução, que parte do problema das taxas dos depósitos a prazo, parece-me ser uma solução mais equilibrada do que aquelas que os senhores apresentam. No entanto, trata-se de uma matéria relativamente à qual o Governo não tem uma posição fechada, porque, em termos de princípio, estamos de acordo com esse rumo, só que entendemos que deve ser seguido com prudência. Queremos uma reforma eficaz e, para esta reforma ser eficaz, nalguns aspectos, temos de ser prudentes, sob pena de não se conseguir esse objectivo.
Quanto ao primeiro ponto, está explicada a divergência e a razão da opção do Governo.
Quanto à questão dos PPA e das outras aplicações, entendo que o Sr. Deputado não tem razão. É que os benefícios que existem em matéria de dividendos e de mercados de capitais vão acabar para o ano. Já estão calendarizados, pelo que não vale a pena «matá-los» antes de tempo. Deixemo-los, pois, terminar de acordo com aquilo que estava previsto. E as obrigações em PPA deixaram de ter isenção. A única coisa que se mantém é o regime dos fundos, mas por uma questão de neutralidade, ou seja, para não os distinguir dos fundos de pensões e dos fundos de investimento. Portanto, aí não me parece que a divergência seja significativa.
No que diz respeito às provisões, Srs. Deputados Octávio Teixeira e Francisco Louçã - porque quanto a este ponto têm posições muito semelhantes -, quem foi tímido não foi o Governo, mas os senhores, porque continuam aceitar nas vossas propostas a possibilidade de haver provisões para riscos gerais. Nas vossas propostas, os senhores falam de limitações às provisões para riscos gerais. E quem dá o passo que se impunha, de efectivamente terminar com as provisões para os riscos gerais de crédito, é o Governo. Admite, é certo, uma solução transitória em dois anos, mas, do ponto de vista de princípios, quem dá o passo ousado, quem dá o passo certo, é o Governo, sendo portanto tímidas as propostas do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda no passo que se propõem dar, uma vez que, nessa matéria, me parecem recuadas, não dando o passo que o Governo tem a coragem de dar.
Portanto, como vê, Sr. Deputado Octávio Teixeira, falar neste contexto reduzindo as nossas divergências a coisas tão pequenas, dizendo que a reforma é tímida…, francamente! Então também é tímida a posição do Partido Comunista nesta matéria!
Temos de ser objectivos e, efectivamente, as divergências que os senhores apresentam não são fundamentais, pelo que, nesta matéria, não há razão para termos grande sarilho.
Relativamente ao Bloco de Esquerda, sobre englobamento e provisões, a resposta é a mesma. Quanto à questão das grandes fortunas, está a mesma esclarecida noutra sede. No que toca ao sigilo bancário, o Sr. Deputado Francisco Louçã tem razão quando esclarece qual é a fronteira, isto é, onde é que nos separamos. E nós separamo-nos porque a proposta do Bloco de Esquerda entende que deve haver acesso às informações bancárias em quaisquer circunstâncias, enquanto que nós pensamos que tal só deve suceder quando existir motivo justificado. Portanto, a razão da divergência entre a proposta do Bloco de Esquerda e a do Governo é que nós entendemos que a derrogação do sigilo bancário tem de ter uma justificação, o Bloco de Esquerda entende que não tem de ter uma justificação. Mantemos essa divergência. Entendemos que a nossa proposta é mais prudente e mais razoável.
Relativamente ao problema dos cartões de crédito, não há divergência, Sr. Deputado. Essa não é matéria coberta pelo sigilo bancário. Na nossa perspectiva - isso irá ficar muito claro -, tal matéria está dentro do campo daquilo que a fiscalização pode reclamar das empresas. Assim, nesse aspecto, não temos grande divergência.
Passando às propostas apresentadas pelo PP, este partido diz que esperava mais, mas tudo o que diz que esperava a mais está fora da tributação do rendimento e não no quadro da tributação do rendimento. Por isso, as divergências que apresenta dizem respeito a aspectos perfeitamente secundários.
A Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona falou do problema do subsídio de abate dos efectivos. Sr.ª Deputada, veja a redacção anterior! O que se está a dar é qualquer coisa que não se dava antes! Portanto, nesse caso, não tem razão.
No que concerne aos receios que tem em matéria de sigilo bancário, já respondi que a nossa proposta é equilibrada, cria um mínimo de isenção geral. Também gostaríamos de ter esse mínimo de isenção geral, mas neste momento, em que existe grande evasão fora das categorias do trabalho dependente, consideramos que seria um erro estabelecer uma isenção geral. Se conseguirmos captar para o sistema fiscal aquele quarto dos contribuintes que está fora do circuito, então poderemos caminhar para um sistema do mínimo de isenção pessoal, tal como refere. No entanto, neste momento parece-me prematuro, ainda que a ideia, como objectivo, seja boa.
Relativamente ao PSD, suponho que não há, praticamente, divergências. Estamos, portanto, de acordo. Poderá haver uma discussão sobre se as taxas são menos ou mais, mas suponho que o PSD vai ser o partido com quem vai ser mais fácil entendermo-nos. Excluindo o problema dos montantes das taxas - e aqui o Sr. Deputado Rui Rio terá de reconhecer que o Governo tem uma responsabilidade especial -, penso que só formulou essas duas únicas críticas, porque, com certeza, ainda não tinha lido a proposta. Penso que quando ler a proposta elas desvanecem-se. É a questão da poupança, em relação à qual temos medidas muito importantes e inovadoras para o seu reforço…

Risos do Deputado do PSD Rui Rio.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Vamos ver!

O Orador: - Temos, Sr. Deputado! Nas suas propostas, o senhor nada adianta em matéria de poupança. Nós é que adiantamos, com a criação de instrumentos gerais em matéria de poupança.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Secretário de Estado.

O Orador: - Só para terminar, Sr. Presidente, quero dizer, quanto à competitividade das empresas, que também há medidas: crédito fiscal ao investimento majorado em matéria de interioridade, apoio à tecnologia... Portanto, as dúvidas não existem. Ou seja, com o PSD, nesta matéria concreta, não há divergência.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, inscreveram-se os Srs. Deputados Francisco Louçã, Octávio Teixeira e Lino de Carvalho. Todavia, o Sr. Secretário de Estado não dispõe de tempo para responder, a menos que os partidos dividam com ele o tempo de que dispõem.

Pausa.

Recebi a informação de que o PS cede 5 minutos ao Sr. Secretário de Estado.
Tem a palavra, Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, devo dizer que também tenho todo o gosto em conceder o tempo que o Sr. Secretário de Estado precisa para me responder.

O Sr. Presidente: - Fica registada essa sua doação, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, registei a atitude de abertura da sua intervenção, confirmando, aliás, a atitude de abertura do Grupo Parlamentar do PS, que, em relação a uma proposta vinda do próprio PS, chegou ao ponto extremamente generoso de dizer: pelo menos, isto merece a nossa consideração - o que é, sem dúvida, uma prova de extrema flexibilidade neste debate.
Percebi também que disse que a questão do imposto das grandes fortunas está esclarecida. Quero só dizer-lhe a esse respeito que vale a pena isentar o Governo de uma culpa que não tem. O Governo tem sido acusado por más-línguas de governar segundo as sondagens. Quero dar o meu testemunho de que não é assim, de que para o Governo há uma entidade acima das sondagens. Sabendo que há uma sondagem da RTP, Antena1 e Público que revela que 80% da população portuguesa é favorável ao imposto sobre grandes fortunas, percebe-se que o Governo, acima das sondagens, põe as fortunas!

Risos do PSD.

Sr. Secretário de Estado, queria colocar-lhe duas questões concretas.
A primeira diz respeito à sua resposta sobre o englobamento que, na minha opinião, não é conclusiva sobre o essencial. O Sr. Secretário de Estado apresentou-nos uma teoria dominó: a de que os dividendos não, porque o juros dos depósitos a prazo não... Mas qual é a justificação, para além da justificação um pouco rebuscada da simplicidade, para não incluir os juros?
Ora, o princípio do englobamento é o princípio do imposto único. Sem englobamento nunca haverá imposto único em Portugal, independentemente da forma como, depois, se determina a incidência da taxa e as políticas fiscais diferenciadas. Agora, o englobamento é o princípio da transparência e da convergência de todos os rendimentos. Por isso é que o Governo - aliás, o Bloco de Esquerda já o tinha proposto - adiantou uma proposta extremamente interessante, que é a seguinte: os rendimentos de origem não justificada devem ser também tributados. A razão pela qual se prendeu Al Capone foi justamente essa.
Mas porque não, então, o englobamento completo?! Porquê, ainda, este princípio da obscuridade parcial, por um motivo ainda não explicado aqui?!
A segunda questão tem a ver com o sigilo bancário. Sr. Secretário de Estado, há de facto, nessa matéria, uma diferença entre a proposta do Bloco de Esquerda e a proposta do Governo. Mas, do ponto de vista dessa diferença, creio que o Governo não tem razão.
Repare no que diz o Prof. Silva Lopes em resposta a este problema: «Um dos limites que não podemos aceitar é que se recomende que o levantamento do sigilo perante a Administração só tenha lugar quando se dispõe de elementos que permitam concluir que o contribuinte teve rendimentos ou transações que não foram declarados. Com condições tão limitativas, muito poucos delitos seriam identificados».
Porquê? E ele dá a resposta óbvia para qualquer um de nós: «É que só essas informações, cobertas e protegidas pelo sigilo, é que permitem ter os elementos reveladores da falta de verdade».
O problema é exactamente o contrário! É por isso que não queremos a excepção mas, sim, a regra! A perseguição é a excepção; a clareza e a rotina é a regra! E, desse ponto de vista, a administração fiscal, com as suas limitações de hoje, está muito melhor preparada para fazer essa rotina do que um método que vá pesquisar um, dois ou três. É que 100 000 evasores não se controlam e 50 000 também não! Os princípios de controlo de toda a contabilidade bancária, essa pode fazer-se por métodos simples.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Dispõe de 3 minutos que lhe foram cedidos pelo Bloco de Esquerda.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: - Sr. Presidente, Sr. Deputado, sinceramente, insistir aqui no imposto sobre as grandes fortunas, que tem como referência o património das pessoas, numa altura em que não existe reforma do património, em relação ao qual, no ano que vem, se a proposta de lei do Governo for aprovada, vamos ter de fazer um esforço enorme de reavaliação e de consideração de valores, pode ser muito popular e dar 80%, mas, do ponto de vista técnico, não me parece razoável e nem sequer sério.
No que diz respeito à questão do englobamento, existe, efectivamente, o problema do dominó. É isso mesmo! Se a premissa de que partimos - que está, aliás, no relatório do Dr. Silva Lopes - é a questão dos depósitos a prazo, entendemos que há duas razões: uma, de simplificação, porque há muitos milhões de contos em depósitos a prazo de muitos milhares de pessoas, e isso seria, efectivamente, um problema de complicação do sistema; outra, de receio, porque as pessoas estão habituadas aos depósitos a prazo, às taxas liberatórias, e há uma questão social neste campo.
Mas, como lhe digo, se estas duas dificuldades forem ultrapassadas ou se o Governo for convencido de que há condições para ultrapassar estas duas dificuldades em matéria de depósitos a prazo, o problema do dominó desfaz-se, como é evidente. Mas o problema é exactamente este, é o problema do dominó.
Quanto aos incrementos patrimoniais, chamo-lhe a atenção de que o Governo tem, efectivamente, na sua proposta, uma categoria de incrementos patrimoniais que permite cobrir essas situações que referiu, pelo que, nesse caso, não há divergência.
No que se refere ao sigilo bancário, aí sim, há uma divergência assumida. Entendemos, com todo o respeito

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pela sua opinião e pela actual opinião do Dr. Silva Lopes, porque no relatório a sua opinião não era essa, que há uma intromissão quando se tem um acesso automático à conta bancária de alguém e que o desejável é que a localização da capacidade contributiva da pessoa seja feita sem essa intromissão.
Portanto, a linha de separação entre as nossas propostas é, naturalmente, uma linha de concepção, ou seja, nós entendemos que o acesso à informação bancária tem de ter uma justificação, enquanto que os senhores querem o acesso à informação bancária a eito, sempre. E entendemos que tem de haver uma justificação porquê? Porque esse acesso é uma intromissão, seja qual for a sua interpretação - e não entro aqui numa discussão constitucional. É uma intromissão, é um excesso e, para que ele exista, tem da haver uma justificação, mas os senhores acham que não! Neste aspecto queriam uma sociedade transparente, «uma casa com paredes de vidro». Eu, sinceramente, acho que, nesta matéria, há um excesso, há uma intromissão, e por isso tem de haver uma justificação.
Os termos em que a justificação está formulada na nossa proposta são razoáveis e, portanto, suponho que os senhores, embora divergindo, compreenderão que faz sentido e que é razoável o limite que pomos, porque ele é prudente. E, como disse há pouco, se queremos uma reforma fiscal eficaz, também temos de ser prudentes em muitas matérias, e esta é uma daquelas em que se impõe prudência.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como já devem saber, mas volto a repetir, o Partido Comunista Português, no exercício de um direito que lhe assiste, requereu a votação no fim do debate.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, começaria pela questão do sistema bancário e das provisões. Certamente que o Sr. Secretário de Estado leu bem o artigo 5.º do nosso projecto de lei e, de facto, o que está no seu n.º 2 é que «As provisões relativas a riscos gerais de crédito, dedutíveis para efeito de cálculo do lucro tributável, serão limitadas a níveis fixados na lei», e, logo a seguir, exceptua uma série delas, exceptua não apenas as provisões para riscos gerais, mas também as provisões para riscos específicos. Por conseguinte, em sede de especialidade, podemos ver se VV. Ex.as estarão dispostos a trocar a vossa proposta pela nossa. Podemos ver isso em termos de especialidade.
De qualquer modo, gostaria de registar aquilo que o Sr. Secretário de Estado referiu sobre a posição não fechada em relação à problemática do englobamento ou não englobamento dos dividendos de acções e dos juros das obrigações. Ó Sr. Secretário de Estado, eu, neste momento, não tenho dúvidas, embora não tenho aqui os elementos, de que, quer no relatório do Dr. Silva Lopes, quer no relatório de reavaliação do IRS - não me recordo se o título é esse -, vem analisada essa questão do dominó, mas a conclusão não é aquela que o Governo tira.
Mas ainda mais do que isso, Sr. Secretário de Estado - aliás, em termos da nossa posição, fui claro na intervenção que fiz -, é que, mesmo admitindo essa hipótese para os juros de depósitos, devido ao problema da simplicidade, se não se conseguir chegar a uma situação de equilíbrio, dizemos que o que deve prevalecer é a justiça fiscal e a equidade e não a questão da simplicidade, porque a questão da simplicidade não se põe tanto para o fisco como para a banca, mas a banca pode suportar mais umas informações que dá anualmente ao fisco através de meios informáticos.
Agora, há uma questão que paira na sua tese de dominó, Sr. Secretário de Estado. V. Ex.ª diz, através da tese de dominó, que, quando estamos em presença de rendimentos de natureza idêntica, se tributarmos um, temos de tributar os outros. Então, porque é que mantém a tributação com englobamento dos lucros das sociedades por quotas e não faz a tributação com englobamento dos dividendos das acções das sociedade anónimas? Porquê a diferença entre as sociedades anónimas e as sociedades por quotas, quando a natureza dos rendimentos é exactamente a mesma, são lucros?

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado, nos 5 minutos de que dispõe, responderá conjuntamente a este pedido de esclarecimento e ao próximo.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª, em declarações que fez há dias, repetindo números e afirmações sobre a evasão fiscal, que o PCP, há muito, vem tornando públicos nesta matéria, afirmava: «São números impressionantes, a situação é grave e exige uma mudança radical e firme». Depois, dava como exemplo desta mudança que o Governo está a propor o início do processo de derrogação do sigilo bancário, como um dos instrumentos de combate à evasão e à fraude fiscais. Muito bem, Sr. Secretário de Estado! Só que, convenhamos, a vossa proposta nesta matéria, que tem sido hoje aqui também largamente discutida, é extremamente tímida e, em alguns aspectos, incompreensível.
O Governo elenca cinco situações em relação às quais pode haver derrogação do sigilo bancário, duas das quais por acção directa da administração tributária - e, naturalmente, estamos todos de acordo com a defesa dos direitos dos contribuintes, damos isso como adquirido - e as restantes três por efeitos de uma decisão judicial, com efeitos suspensivos, se o contribuinte assim o requerer.
Sr. Secretário de Estado, vou dar-lhe um exemplo concreto, que tem até alguns foros anedóticos, mas que fez história na vida pública, no «teatro» nacional, para ilustrar o carácter pouco lógico e coerente de uma das condições, para não citar outras, em que a administração tributária só pode ter acesso à derrogação do sigilo bancário através da acção judicial, com efeito suspensivo: aqui há tempos, houve um prestigiado e conhecido cidadão público que, nas suas férias, se deslocava de helicóptero para a praia. Isso fez história, como o Sr. Secretário de Estado é capaz de se lembrar. Depois, verificou-se que, na declaração de rendimentos, esse cidadão declarava o salário mínimo nacional. Havia, portanto, aqui uma divergência fundamental entre o rendimento declarado em sede de IRS e a sua manifestação exterior de riqueza. Pois esse é precisamente um dos aspectos em que, para a administração tributária intervir, o Governo entende que tem de haver um processo judicial, podendo o contribuinte pedir o efeito suspensivo.

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Sr. Secretário de Estado, acha que isto tem lógica? Não acha que esta e outras matérias deveriam, em sede de especialidade, ser repensadas, para dar alguma coerência e alguma efectiva justiça a este processo de acção da administração tributária em matéria de derrogação de sigilo bancário? Não acha, Sr. Secretário de Estado, que há incoerência e excessiva timidez, para não dizer outra coisa, na proposta de lei do Governo? Está o Governo em condições de, em sede de especialidade, se abrir ao aprofundamento e a uma maior correcção destas propostas, para que haja decisões efectivas e não surjam estas situações verdadeiramente incompreensíveis?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra, por 5 minutos, o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, quanto à questão das provisões gerais, de facto, quem dá o passo de eliminá-las somos nós, os senhores falam de outras. Se, tecnicamente, nos convencerem de que o caminho é melhor, com certeza que podemos mudar de opinião. Agora, com toda a sinceridade, não vejo como é que tecnicamente me podem explicar isso. É que o que não faz sentido é existirem provisões gerais na banca, porque elas não existem para as outras actividades como custo. Agora, provisões específicas para riscos específicos, aí, com certeza que se justifica que existam.
Portanto, não temos questão fechada nessa matéria, mas, com toda a sinceridade, achamos que, tecnicamente, a vossa proposta está mal apresentada e a nossa está bem apresentada. Esperemos, pois, que, nessa matéria, sejam os senhores a vir ao encontro da proposta do Governo e não o contrário, pela simples razão de que, do ponto de vista técnico, nem sequer percebo bem o que os senhores querem com essa proposta e como é que, em termos razoáveis, a justificam. Já a do Governo é muito simples: provisões para riscos gerais não, porque eles não existem para as outras actividades; provisões para riscos específicos, sim senhor, nos termos daquilo que está legislado.
Relativamente à questão da teoria do dominó, ela existe mesmo. Se se recordar do relatório do Dr. Silva Lopes, das pessoas que lá depuseram e das instituições que foram ouvidas, o sentido geral foi o de que não se devia mudar o regime dos depósitos a prazo. E é exactamente porque não se deve mudar o regime dos depósitos a prazo que, em cascata, tem este efeito. Tem toda a razão quando diz que, no entanto, as sociedades por quotas e as sociedades anónimas têm um regime diferente. Não há qualquer coerência em terem-no. Essa é uma situação que já existe, que herdámos, e, evidentemente, existe uma divergência, porque este é um sistema distorcido, já que parte de um pressuposto que, do ponto de vista técnico, vos tem sido dito que não deve ser ultrapassado.
Agora, a resposta que o Governo tem, nesta matéria, é a seguinte: se nós formos convencidos e se concluirmos que não há inconveniente em englobar os juros dos depósitos a prazo, não teremos também inconveniente em avançar relativamente ao englobamento das outras matérias.
Porém, neste momento, não estamos convencidos disso; neste momento, os estudos que temos apontam para que existe um inconveniente no englobamento dos depósitos a prazo.
Relativamente à questão do sigilo e do caso que referiu, olhe, Sr. Deputado Lino de Carvalho, com esta reforma, esse caso que surgiu dificilmente poderia existir outra vez, pelo seguinte: é que, segundo a actual legislação, não sabemos se essa pessoa tinha mais-valias ou dividendos que não tinha de declarar em sede IRS. De maneira que tenho de admitir - porque, enfim, estamos num Estado de direito e as pessoas têm de se presumir inocentes até prova em contrário - que esse senhor em concreto declarava lá esse…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Tinha em leasing!…

O Orador: - Não sei… Agora, com o outro sistema que vamos introduzir, se isso não era assim, o problema vai ficar ultrapassado, porque as pessoas vão ter de passar a declarar esses rendimentos, vão ter de passar a integrar o seu património na sua declaração, e, portanto, o problema não se põe.
Diz, porém, o senhor: «Põe-se, porque a Administração notifica-o e ele pode recorrer para o tribunal». Com certeza que pode recorrer para o tribunal; simplesmente, nós introduzimos na legislação um procedimento especial, que corre como uma providência cautelar e que estabelecemos que deve resolver essa matéria em dois meses. Portanto, no caso que refere, se houver razões para isso, haverá uma dilação de dois meses, mas nós aceitamos que essa dilação de dois meses, para quem queira recorrer, é uma garantia que devemos dar às pessoas. É que nós queremos mais eficácia, mas não queremos mais eficácia a todo o custo; queremos eficácia num quadro de compatibilização com o respeito de certos princípios e de certas garantias dos contribuintes. E nós achamos que se pode esperar dois meses para tirar essas coisas a limpo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A intervenção que fiz há pouco, em nome do PSD, versou naturalmente as grandes linhas que entendemos devem presidir à reforma fiscal.
Depois, entrou-se aqui em pormenores, principalmente agora por ocasião do debate com o Sr. Secretário de Estado. Ora, a esse propósito, gostaria também de fazer uma breve intervenção sobre pormenores. E pelo seguinte: o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, o novo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, é um cidadão, agora na política, que apresenta indiscutivelmente uma força que este Governo não tem.

Protestos do PS.

E essa força que apresenta, ao defender as propostas, naturalmente que leva a que pareça que vem com um efeito moralizador e que vai…

O Sr. Osvaldo de Castro (PS): - Estão rendidos! Renderam-se!

O Orador: - Sr. Presidente, peço-lhe que desconte no meu tempo estas interrupções.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço-lhes que não estabeleçam diálogo directo, porque isso dificulta o exercício do direito de falar. Também não gosto de ser interrompido quando falo. E só se pode interromper alguém com o seu consentimento.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Dizia eu que essa força que apresenta - e essa não negamos - parece que vai moralizar e que todas as medidas vão ser implementadas e vão resolver o problema.
No que toca à força, permita-me, Sr. Secretário de Estado, que lhe diga uma coisa: adivinho que todo esse ritmo vai «gerar» mais alguém que se vai zangar, no âmbito do Governo, porque isso é ritmo a mais para este Governo.

Risos do PSD.

Mas, Sr. Secretário de Estado, vamos também analisar medida a medida, de algumas de que falou aqui, e desmistificar um pouco, porque estão aqui medidas tão fantásticas que parece que se descobriu a pólvora ao fim de tantos anos.
Antes disso, relativamente à poupança, quero dizer o seguinte: o Governo, na sua proposta, aumenta a tributação dos dividendos, porque passa a englobar os dividendos para efeitos da matéria colectável; acaba com os planos de poupança em acções (PPA); aumenta a tributação do IRS, no que concerne aos fundos de investimento; acaba com as contas poupança-condomínio; e, agora, até admite o englobamento dos juros dos depósitos a prazo, o que, isso sim, seria a desgraça final, porque se, já hoje, quem põe o dinheiro a prazo perde dinheiro, imagine o que aconteceria se realmente se fizesse aquilo que o PCP diz e que o Governo até admite, eventualmente, fazer.
O PSD, de tudo isto, só propõe o fim das contas poupança-condomínio e, depois, ainda tem medidas adicionais, como os PPR, a eliminação da dupla tributação… Enfim, medidas adicionais no que concerne à poupança. Portanto, há efectivamente uma grande diferença.
Agora, quanto às medidas previstas, o Governo diz, por exemplo, o seguinte: se alguém tiver um carro em leasing, de uma empresa, e, depois, no fim, a empresa oferecer o carro a esse seu funcionário, esse ganho do funcionário tem de ser tributado. Isto é popular! Isto passa bem na comunicação social! Vamos tributar! Nem que o carro seja para o filho, nem que o carro seja para a mulher, nós vamos tributar! Só que, Sr. Secretário de Estado, pode fazer-se assim: o carro vende-se a um terceiro, o valor residual é contabilizado e o resto é entregue ao funcionário da empresa. Como é que, então, tributa? Não tributa nada, Sr. Secretário de Estado! Portanto, a medida é moralizadora, mas, quanto à eficácia, vamos ver…
Em relação à tributação simplificada, o Governo diz o seguinte: há uma série de empresas que não pagam nada. Então, como não pagam nada, podem optar por uma tributação simplificada: pagarão, a saber, 5% das vendas, no caso de transaccionarem mercadorias, e 9% sobre prestação de serviços. Mas, Sr. Secretário de Estado, haverá alguém que, não pagando nada neste momento, vai optar por um regime que o obriga, em alguns casos, a entregar mais de um mês da sua facturação ao fisco?! É evidente que a medida é moralizadora - há quem não pague, mas tem de pagar! -, só que, depois, temos de questionar se aquilo que é proposto tem alguma eficácia. Qualquer contribuinte que saiba fazer contas, nestas circunstâncias, não adere. Assim, ou se baixam muito estas taxas, ou não se consegue obviamente captar o contribuinte e, em paralelo, tem de haver uma fiscalização. É uma medida boa? É uma medida que passa bem na comunicação social? Passa. É moralizadora, é de alguém que vem com força com vontade. E a eficácia, Sr. Secretário de Estado? O que é que isto, depois, na prática, vai representar?
Quanto ao sigilo bancário e à questão das off-shores, já fiz há pouco a pergunta, em jeito de brincadeira: nós os dois fazemos uma sociedade em Badajoz,…

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Outra vez? Outra sociedade?

O Orador: - … e registamos no off-shore da Madeira. Ora, se não há lá nenhum residente, como é que se tributa isso? É evidente que se pode vender, vamos tributar, temos medidas…

Protestos do Deputado do PS Manuel dos Santos.

O Sr. Deputado Manuel dos Santos está agitado. É melhor eu esperar que ele se agite por completo e, depois, continuo.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Eu?!

O Orador: - Outra medida emblemática é a questão dos preços de transferência. Bom, se eu não consolidar o balanço da empresa A e da empresa B, naturalmente que, na empresa B, aparecem lá as facturas de todas e mais alguma empresas. Como é que se vai conseguir distinguir, num universo que é a economia portuguesa, que ali há preços de favor e que, com isso, se estão a transferir lucros de uma empresas para as outras? Gostava de saber como é que isso se faz!
Como é que se evita, por exemplo, que uma empresa passe a outra uma nota de crédito por um produto estar defeituoso, quando este, efectivamente, não o está?! Como é que isto, por exemplo, resolve a questão dos preços de transferência?
Quanto aos cartões de crédito, sim senhor, vamos tributá-los, é uma medida eficaz, moralizadora, passa bem na comunicação social! Pois bem, deixo de usar o cartão de crédito e começo a pagar com dinheiro: chego à empresa, entrego a nota de crédito e recebo em dinheiro. Como é que tributa isto, Sr. Secretário e Estado dos Assuntos Fiscais? Não tributa nada!
Portanto, vamos lá ver se nos entendemos! A intervenção que fiz no início foi enquadradora daquilo que deve ser uma reforma fiscal! Não foi uma intervenção medida a medida, que deve ser vista na especialidade. Agora, também não quero contribuir, estando calado neste debate, para aquilo que é proposto pelo Governo parecer que tem uma alta eficácia! Conseguiram descobrir a «pólvora» e vão fazer aquilo que nunca se fez quando quase todas as propostas, menos estas mais emblemáticas, têm «buracos» por onde, obviamente, tudo pode continuar na mesma como até aqui!
A meu ver é importante que este debate não termine sem que se perceba exactamente que a eficácia das medidas propostas, embora com boa vontade, é, obviamente, muito questionável!

Aplausos do PSD.

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0330 | I Série - Número 09 | 12 De Outubro De 2000

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por dirigir-me ao Sr. Deputado Rui Rio para lhe dizer que estou muito calmo, até porque, com intervenções e posições deste género, tendo em conta o pacto de justiça fiscal proposto pela Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona e que vai ser partilhado pelo Governo do PS durante 20 anos, não há qualquer hipótese de «roubarem» o Governo nos próximos 20 anos!
Aliás, o que o Sr. Deputado Rui Rio aqui fez foi um exercício notável, uma lição notável, de evasão e fraude fiscais! O senhor tentou ensinar-nos a todos como é que se pode evadir e fugir ao fisco! Não é, propriamente, o tema do debate de hoje. Pessoalmente, não estou interessado nesse debate e V. Ex.ª, no plano pessoal, também não está, tenho a certeza! Mas, realmente, isso nada tem a ver com o que está, aqui, a ser discutido!
Voltando um pouco atrás, Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona, não posso deixar de fazer referência a três ou quatro notas da sua intervenção, que, aliás, ouvi muito atentamente.
Em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada afirmou, embora isto nada tenha a ver com o tema em debate, mas, como o disse, tenho de comentar, que as despesas sociais vão diminuir no próximo Orçamento do Estado. Só contaram à senhora! Sr.ª Deputada, pode ficar descansada porque as despesas sociais vão aumentar no próximo Orçamento, o que não vão é continuar a crescer ao mesmo ritmo a que estavam a crescer nos orçamentos anteriores. É uma pequena diferença, mas vão aumentar, esteja sossegada! E vão aumentar não apenas nos sectores tradicionais, da educação, da saúde, da ciência, etc., mas também em sectores muito importantes como, por exemplo, da segurança interna e da justiça.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Vão pagar os subsídios de piquete e de turno?

O Orador: - Portanto, não se preocupe com isso! Quando discutirmos o Orçamento verá que vai dar a mão à palmatória, porque as despesas sociais vão aumentar!
A Sr.ª Deputada também disse que a reforma fiscal, ou a política fiscal, dever ser um instrumento para, digamos, caracterizar, condicionar e promover o desenvolvimento económico. Estou inteiramente de acordo consigo! Só que a utilização deste instrumento, que é um dos poucos que resta, evidentemente, como a Sr.ª Deputada também disse, às soberanias nacionais, no contexto da integração em que estamos envolvidos, será, seguramente, feita por nós de forma diferente da que seria feita por V. Ex.a. Aliás, o Sr. Ministro disse que a reforma fiscal deve ter uma profunda caracterização em termos ideológicos e programáticos, com o que estou inteiramente de acordo.
Há muitas outras coisas que gostaria de dizer-lhe, Sr.ª Deputada, mas, como não tenho tempo, ficarão para uma próxima oportunidade.
Sr. Deputado Rui Rio, a sua obsessão pela desorçamentação é algo de verdadeiramente notável! O senhor só sabe falar em desorçamentação!
Sabe por que é que «chumbámos» o seu projecto de lei de enquadramento orçamental? Porque valia nada!

Risos do Deputado do PSD Rui Rio.

Era zero! Foi só por isso!
A lei de enquadramento orçamental tem de ter um amplo consenso nesta Câmara, só que os senhores não contribuíram para ele. Tecnicamente, está mal feita; politicamente, é incorrecta; e foi por isto, e só por isto, que «chumbámos» a vossa lei de enquadramento orçamental.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Ainda não foi votada!

O Orador: - Não «chumbaremos» a do PCP, que tem aspectos muito positivos, que serão, naturalmente, integrados na proposta de lei; não «chumbaremos» a do CDS-PP! Não as «chumbaremos» exactamente porque são propostas correctas, honestas, enquanto que a vossa não é, Srs. Deputados, e é por isso que a «chumbaremos»!
Agora, o senhor passa a vida a falar da desorçamentação! Na altura da discussão do Orçamento do Estado falaremos sobre isso e o senhor verá como as coisas serão resolvidas na altura própria.
A outra nota tem a ver com o nosso sentido de voto de hoje, Srs. Deputados.
Ficou claro, eu próprio, em nome da minha bancada, o anunciei ontem à comunicação social, que a posição do Partido Socialista, na linha aliás, do que o Governo disse, é de viabilização de todas as iniciativas de reforma fiscal presentes a debate, incluindo a sua não iniciativa, Sr. Deputado Rui Rio! Porque, sejamos claros - e eu não tenho a bondade do Sr. Secretário de Estado -, só podemos concordar com a vossa iniciativa, porque ela também é «zero», só por isto!

Risos do PSD

A vossa iniciativa não tem qualquer sentido e a sua intervenção deu-lhe um sentido que nos levaria, se não tivéssemos sentido de Estado, a «chumbá-la» liminarmente. Mas não o faremos, iremos viabilizar todos os diplomas que, hoje, foram aqui apresentados…

O Sr. António Capucho (PSD): - Está a contradizer-se, Sr. Deputado!

O Orador: - … e fá-lo-emos pela forma de votação que for necessária.
O Sr. Deputado Durão Barroso, amanhã - estou a adivinhar -, vai fazer uma conferência de imprensa para dizer que o PS, à semelhança do que fez com a Lei de Bases da Segurança Social, aprovou uma proposta de reforma fiscal com o PCP e o Bloco de Esquerda. Mas, Sr. Deputado, não entro nessa, porque a única razão pela qual iremos votar favoravelmente os projectos de lei do Bloco de Esquerda e do PCP é exactamente a de os viabilizar!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Só que o senhor vai ser ultrapassado, porque, antes de fazer a tal conferência de imprensa, amanhã, já hoje o Deputado Paulo Portas, nos Açores, vai dizer a mesma coisa!

Risos do PS.

Mais uma vez vai ser ultrapassado, Sr. Deputado!

Aplausos do PS.

Página 331

0331 | I Série - Número 09 | 12 De Outubro De 2000

Portanto, não tenham qualquer dúvida de que a nossa posição é construtiva, é séria, é uma posição de Estado, que tem a ver com aquilo que está hoje e aqui a ser discutido, que é algo muito importante e que nada tem a ver com esses jogos malabares de interesses partidários, de equilíbrios no interior de cada partido! Não tem rigorosamente nada a ver com isso!
Não precisamos desse tipo de truques, e, portanto, não iremos utilizá-los!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Naturalmente, não posso deixar de voltar à questão política, apesar de o Sr. Ministro já a ter referido de uma forma evidente e muito clara - e é de política que aqui estamos a tratar -, que aqui se colocou quanto à ligação entre política orçamental e política fiscal.
Tenho a certeza de que todas pessoas, a começar pela Deputada Manuela Ferreira Leite, entendem que esta ligação é inequívoca, necessária e fundamental! Não tenho quaisquer dúvidas sobre isto! A senhora tem de fazer o seu «número», mas sabe que é assim mesmo!

Protestos da Deputada do PSD Manuela Ferreira Leite.

A senhora sabe que é assim mesmo e que não pode ser de outra maneira!
Portanto, para que fique muito claro, porque não tenho mais tempo, vou referir o que hoje mesmo o Sr. Primeiro-Ministro…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Manuel dos Santos, peço desculpa por o interromper, mas quero informá-lo de que ainda dispõe de 1 minuto e 28 segundos, tempo cedido, a título de devolução, pelo Governo…

O Orador: - Coisa espantosa, Sr. Presidente! O Governo sabe gerir muito bem o tempo, melhor do que eu! Por isso é que eles são Governo e não apenas parlamentares!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não é uma coisa espantosa mas um acto de justiça, na medida em que tinha sido o PS a ceder-lhe tempo.

O Orador: - Obrigado, Sr. Presidente.
Infelizmente, ficou por comentar a observação da Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona sobre a classe média, que, manifestamente, não teve tempo para ler a proposta de lei! Porque se há acções dirigidas à defesa do rendimento das famílias pertencentes à classe média são exactamente as da proposta de lei, e poderia dar-lhe vários exemplos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Afinal, a proposta é fantástica!

O Orador: - Portanto, a Sr.ª Deputada também não leu adequadamente essa proposta, e também julgava que vinha aqui com a história do rendimento fiscal mínimo, que é uma palavra, que, agora, o seu líder encontrou, que é muito interessante, mas esqueceu-se que fomos nós, que foi o Governo, que conseguiu passar de 900 000 para 1,6 milhões o conjunto de cidadãos que não vai ter qualquer tipo de ónus fiscal. Veja lá!

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Mas olhe que o PCP não concorda com o princípio! Veja lá!

O Orador: - Mas, dizia eu, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a questão política que inicialmente se colocou tem de ter uma resposta.
O Sr. Primeiro-Ministro foi muito claro, e estou de acordo com ele - e os senhores também estarão, de certeza, de acordo com ele, embora não o possam dizer -, quando disse basicamente isto: «É impossível baixar os impostos se não houver Orçamento»! Isto é claro como água! Os senhores têm de o assumir! Se não houver Orçamento do Estado será impossível ao Governo baixar significativamente os impostos!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, dou por encerrado o debate da proposta de lei n.º 46/VIII e dos projectos de lei n.os 62/VIII, 306/VIII, 54/VIII, 282/VIII, 283/VIII, 285/VIII, 286/VIII, 287/VIII, 291/VIII, 309/VIII e 310/VIII, a cuja votação vamos proceder de imediato.
Assim, Srs. Deputados, vamos votar o projecto de lei n.º 62/VIII - Reforma dos impostos sobre o rendimento (PCP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e do BE, votos contra do PSD e a abstenção do CDS-PP.

Vamos proceder à votação da proposta de lei n.º 46/VIII - Reforma a tributação do rendimento e adopta medidas para combater a fraude e evasão fiscais, alterando o Código do IRS, o Código do IRC, o Estatuto dos Benefícios Fiscais, a Lei Geral Tributária, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o Código de Procedimento e Processo Tributário e legislação avulsa.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e do BE e abstenções do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, passamos, agora, à votação do projecto de lei n.º 54/VIII - Revê o regime de sigilo bancário (BE).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e do BE e votos contra do PSD e do CDS-PP.

Agora, vamos votar o projecto de lei n.º 282/VIII - Altera o Estatuto dos Benefícios Fiscais (BE).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e do BE e votos contra do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação do projecto de lei n.º 283/VIII - Altera o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) (BE).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e do BE e votos contra do PSD e do CDS-PP.

Página 332

0332 | I Série - Número 09 | 12 De Outubro De 2000

Srs. Deputados, agora, vamos votar o projecto de lei n.º 285/VIII - Revê o regime de sigilo bancário nos casos de entidades patronais devedoras ao sistema de segurança social (BE).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e do BE e votos contra do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, vamos passar à votação do projecto de lei n.º 286/VIII - Altera o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) (BE).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e do BE e votos contra do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, passamos à votação do projecto de lei n.º 287/VIII - Revê o regime de sigilo bancário nos casos de entidades que se candidatam a subsídios públicos (BE).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e do BE e votos contra do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, vamos votar o projecto de lei n.º 291/VIII - Altera o regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras (Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro) (BE).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e do BE e votos contra do PSD e do CDS-PP.

Passamos à votação do projecto de lei n.º 306/VIII - Reforma dos impostos sobre o rendimento (CDS-PP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do CDS-PP, votos contra do BE e abstenções do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação do projecto de lei n.º 309/VIII - Altera o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) (CDS-PP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do CDS-PP, votos contra do BE e abstenções do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes.

Por último, vamos votar o projecto de lei n.º 310/VIII - Enquadramento e fundamentos da reforma fiscal (PSD).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, votos contra do PCP, de Os Verdes e do BE e abstenções do PS e do CDS-PP.

Srs. Deputados, informo que todos estes diplomas baixam à 5.ª Comissão, visto terem sido aprovados.
Srs. Deputados, temos para votar um parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação relativo à deslocação de Sua Excelência o Presidente da República a Madrid, no próximo dia 31 de Outubro, que é do seguinte teor: «A Assembleia da República, de acordo com as disposições constitucionais aplicáveis, dá o assentimento nos termos em que é requerido».

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Ética.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório refere-se às substituições, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea c), do Estatuto dos Deputados, dos Srs. Deputados David Santos, do PSD (círculo eleitoral de Faro) por Francisco Augusto Caimoto Amaral, com início em 9 de Outubro corrente, inclusive, e do Deputado Francisco Louçã, do BE (círculo eleitoral de Lisboa) por Maria Helena Augusto das Neves Gorjão, com início em 12 de Outubro corrente, inclusive.
O parecer da Comissão de Ética é no sentido de admitir as substituições em causa, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.

Pausa.

Visto não haver pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, terminámos os nossos trabalhos de hoje.
A nossa próxima reunião plenária terá lugar amanhã, quinta-feira, às 15 horas, e terá um período de antes da ordem do dia e como ordem do dia a discussão, conjunta, do projecto de lei n.o 307/VIII (PS, PSD, PCP, CDS-PP, Os Verdes e BE) e do projecto de resolução n.º 79/VIII (PS, PSD, PCP, CDS-PP, Os Verdes e BE) e ainda a discussão da proposta de lei n.º 41/VIII e do projecto de lei n.º 156/VIII (PCP).
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego

Partido Social Democrata (PSD):
Arménio dos Santos
Francisco Augusto Caimoto Amaral
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes

Partido Popular (CDS-PP):
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
António Bento da Silva Galamba
Cláudio Ramos Monteiro
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres

Página 333

0333 | I Série - Número 09 | 12 De Outubro De 2000

Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Isabel Maria dos Santos Barata
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José Manuel de Medeiros Ferreira
Luísa Pinheiro Portugal
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

Partido Social Democrata (PSD):
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
João Bosco Soares Mota Amaral
José Frederico de Lemos Salter Cid
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Pedro Manuel Cruz Roseta
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva

Partido Popular (CDS-PP):
Paulo Sacadura Cabral Portas
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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