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Quinta-feira, 19 de Outubro de 2000 I Série - Número 12
DIÁRIO da Assembleia da República
VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 18 DE OUTUBRO DE 2000
Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos
Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
José de Almeida Cesário
António João Rodeia Machado
António José Carlos Pinho
S U M Á R I O
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.os 47 a 49/VIII, das propostas de resolução n.os 44 e 45/VIII, dos projectos de lei n.os 315 e 316/VIII, do projecto de resolução n.º 80/VIII, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Medeiros Ferreira (PS) congratulou-se com a vitória do seu partido nas eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, tendo saudado o Presidente do Governo Regional, Carlos César. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Paulo Portas (CDS-PP), Octávio Teixeira (PCP) e António Capucho (PSD).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Guilherme Silva (PSD) saudou também a vitória do seu partido nas eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, bem como o Presidente do Governo Regional, Alberto João Jardim, tendo-se ainda referido à recuperação económica e social que a autonomia regional assegurou às regiões autónomas. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Medeiros Ferreira (PS).
Ainda em declaração política, a Sr.ª Deputada Odete Santos (PCP) assinalou a passagem do Dia Internacional da Eliminação da Pobreza.
O Sr. Deputado José Carlos Tavares (PS) salientou a importância da aprovação do III Quadro Comunitário de Apoio para o distrito de Viana do Castelo e respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Carvalho Martins (PSD).
Foram discutidos os votos n.os 80/VIII (PSD), que foi aprovado, 84/VIII (BE), que foi rejeitado, 90/VIII (PS), que foi aprovado, e 94/VIII (CDS-PP), que foi rejeitado, relativos à passagem do 10.º aniversário da unificação alemã. Proferiram intervenções, além do Sr. Ministro da Presidência (Guilherme d'Oliveira Martins), os Srs. Deputados Rosado Fernandes (CDS-PP), Henrique Rocha de Freitas (PSD), João Amaral (PCP), Strecht Ribeiro (PS) e Luís Fazenda (BE).
Ordem do dia. - Procedeu-se a nova apreciação do Decreto da Assembleia da República n.º 25/VIII - Define o regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, bem como a protecção sanitária e social das pessoas que consomem tais substâncias sem prescrição médica, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Vitalino Canas), os Srs. Deputados António Capucho (PSD), Telmo Correia (CDS-PP), Durão Barroso (PSD), Jorge Lacão (PS), Isabel Castro (Os Verdes), António Filipe (PCP) e Luís Fazenda (BE). A solicitação do Sr. Deputado António Capucho (PSD), e aceite pelo Sr. Presidente, a votação do referido Decreto passou para o dia seguinte, à hora regimental das votações, tendo-se pronunciado os Srs. Deputados Osvaldo Castro (PS), Octávio Teixeira (PCP), Telmo Correia (CDS-PP) e Guilherme Silva (PSD).
Foi também discutida a proposta de resolução n.º 36/VIII - Aprova, para ratificação, a Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina: Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina, aberta à assinatura em Oviedo, a 4 de Abril de 1997, e o Protocolo Adicional que Proíbe a Clonagem de Seres Humanos, aberto à assinatura em Paris, a 12 de Janeiro de 1998. Intervieram, além do Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação (Luís Amado), os Srs. Deputados Maria de Belém Roseira (PS), Pedro Roseta (PSD), Pedro Mota Soares (CDS-PP), Helena Neves (BE), Odete Santos (PCP) e Isabel Castro (Os Verdes).
Por fim, a Câmara aprovou um parecer da Comissão de Ética, não autorizando um Deputado do PS a depor em tribunal como testemunha.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 35 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 10 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos José Gonçalves Vieira de Matos
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Cláudio Ramos Monteiro
Dinis Manuel Prata Costa
Eduardo Ribeiro Pereira
Emanuel Silva Martins
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco José Pinto Camilo
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco D'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Isabel Maria Soares Pinto Zacarias
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Rodrigues Pereira dos Penedos
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António dos Santos
Manuel Maria Diogo
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino
Maria José Vidal do Rosário Campos
Maria Luísa Silva Vasconcelos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Vítor Manuel Alves Peixoto
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo
Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António de Carvalho Martins
António D'Orey Capucho
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Artur Ryder Torres Pereira
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Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel Marta Gonçalves
Domingos Duarte Lima
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Santos Pereira
Francisco Augusto Caimoto Amaral
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Durão Barroso
José Manuel Macedo Abrantes
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Rui Fernando da Silva Rio
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira
Partido Comunista Português (PCP):
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Cândido Capela Dias
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Natália Gomes Filipe
Maria Odete dos Santos
Octávio Augusto Teixeira
Vicente José Rosado Merendas
Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello Branco
António Herculano Gonçalves
António José Carlos Pinho
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da França
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
José Martins Pires da Silva
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Luís Pedro Mota Soares
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Paulo Sacadura Cabral Portas
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Isabel Maria de Almeida e Castro
Bloco de Esquerda (BE):
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Maria Helena Augusto das Neves Gorjão
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas, os requerimentos e as respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: propostas de lei n.os 47/VIII - Grandes Opções do Plano Nacional para 2001, que baixou à 5.ª Comissão, 48/VIII - Orçamento do Estado para 2001, que baixou à 5.ª Comissão, e 49/VIII - Altera os artigos 9.º, 10.º, 12.º, 14.º, 17.º, 18.º e 24.º e adita os artigos 10.º-A e 14.º-A à Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto (Lei das Finanças Locais), que baixou à 4.ª Comissão; propostas de resolução n.os 44/VIII - Aprova, para ratificação, a Convenção-Quadro para a protecção das minorias nacionais, aberta à assinatura dos Estados-membros do Conselho da Europa em Estrasburgo, a 1 de Fevereiro de 1995, que baixou às 2.ª e 13.ª Comissões, e 45/VIII - Aprova, para ratificação, a Convenção n.º 181 da Organização Internacional do Trabalho, sobre as agências de emprego privadas, adoptada pela Conferência Internacional do Trabalho em 19 de Junho de 1997, que baixou às 2.ª e 9.ª Comissões; projectos de lei n.os 315/VIII - Cria o projecto-piloto de prescrição médica de estupefacientes (BE), que baixou à 8.ª Comissão, e 316/VIII - Confirma o passe social intermodal como título nos transportes colectivos de passageiros e actualiza o âmbito geográfico das respectivas coroas (PCP). No
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que respeita a este projecto de lei, o Sr. Presidente da Assembleia da República emitiu o seguinte despacho de admissibilidade:
Partilho a opinião de que a Constituição assegura ao Governo uma área mínima de reserva política e administrativa, indispensável à plena assunção, perante a Assembleia da República, das suas responsabilidades como órgão de soberania, com competências na condução da política geral do País e na direcção da Administração Pública.
Entendo que, nessa área de reserva, o Executivo deve poder determinar, com total autonomia e responsabilidade, o sentido, o conteúdo e o alcance das medidas a tomar no exercício dessas suas competências constitucionais.
A intervenção legislativa parlamentar «nesse âmbito nuclear do poder executivo» poderá, nesta perspectiva, configurar violação do estatuto constitucional do Governo e do princípio da divisão de poderes.
Creio que, no caso concreto, as imposições constantes deste projecto de lei ilustram a hipótese de invasão daquele âmbito. Obrigado a cumprir as determinações vinculativas da Assembleia da República, em matéria de política de transportes colectivos de passageiros, o Governo verá, assim, frustrada a possibilidade de determinar, de forma auto-responsável, as suas competências constitucionais nesta matéria.
Com esta reserva, admito o presente projecto de lei, que baixa à 6.ª Comissão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, deu ainda entrada na Mesa, e foi admitido, o projecto de resolução n.º 80/VIII - Sobre a instalação de um sistema de controlo de tráfego marítimo (Os Verdes).
Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa vários requerimentos. Na reunião plenária de 3 de Outubro de 2000: ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Dinis Costa; a diversos ministérios, formulados pela Sr.a Deputada Maria Santos; aos Ministérios da Economia e do Ambiente e do Ordenamento do Território, formulado pelo Sr. Deputado Ricardo Castanheira; ao Sr. Primeiro-Ministro, formulado pelo Sr. Deputado António Capucho; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado João Maçãs; a diversos ministérios e à Secretaria de Estado dos Transportes, formulados pela Sr.a Deputada Manuela Aguiar; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Moreira; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Miguel Miranda Relvas e Altino Bessa; ao Ministério do Planeamento, formulado pelo Sr. Deputado Rui Rio; ao Governo e à Secretaria de Estado dos Transportes, formulados pelo Sr. Deputado Bernardino Soares; a diversos ministérios e à Secretaria de Estado da Defesa do Consumidor, formulados pela Sr.a Deputada Isabel Castro; aos Ministérios das Finanças, da Economia e do Trabalho e da Solidariedade, formulados pelo Sr. Deputado Francisco Louçã; aos Ministérios do Ambiente e do Ordenamento do Território, do Trabalho e da Solidariedade e ao IDICT, formulados pelo Sr. Deputado Luís Fazenda e à Câmara Municipal de Faro, formulado pelo Sr. Deputado João Rebelo.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: nos dias 9 a 11 de Outubro de 2000, José Barros Moura, na sessão de 5 de Abril; José Cesário, na sessão de 8 de Junho; Carlos Luís, na sessão de 27 de Junho; Vítor Moura, na sessão de 28 de Junho; Ricardo Fonseca de Almeida e Rodeia Machado, na sessão de 6 de Julho; Rosado Fernandes, no dia 12 de Julho; José Eduardo Martins, no dia 30 de Agosto e Sílvio Rui Cervan, no dia 19 de Setembro.
No dia 12 de Outubro de 2000: Bruno Vitorino, no dia 25 de Janeiro; Luís Fazenda, na sessão de 6 de Abril; Herculano Gonçalves, na sessão de l de Junho; Luísa Mesquita, na sessão de 2 de Junho; Hermínio Loureiro, Miguel Miranda Relvas e Rodeia Machado, na sessão de 7 de Junho; Agostinho Lopes, na sessão de 9 de Junho; Miguel Anacoreta Correia, na sessão de l5 de Junho; António Martinho, na sessão de 16 de Junho; Carlos Matos, na sessão de 28 de Junho e João Lourenço, na sessão de 6 de Julho.
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, queria apenas alertá-lo para o facto de a nossa bancada estar sem comunicação telefónica com a Mesa, o que perturba, obviamente, o andamento dos trabalhos naquilo que nos diz respeito.
Como tal, peço ao Sr. Presidente que solicite rapidamente aos serviços que resolvam o problema.
O Sr. Presidente: - Informam-me de que as providências já estão tomadas, Sr. Deputado.
Para declarações políticas, inscreveram-se os Srs. Deputados Medeiros Ferreira, Guilherme Silva e Odete Santos e para tratamento de assuntos de interesse político relevante o Sr. Deputado José Carlos Tavares.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista acaba de alcançar uma vitória retumbante nas eleições regionais da Região Autónoma dos Açores.
O Sr. José Barros Moura (PS): - Muito bem!
O Orador: - Uma vitória eleitoral em toda a linha: em termos de votos e em termos de mandatos para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. Com 49% dos votos expressos e com 30 Deputados, o PS alcançou, no dia 15 de Outubro, a sua primeira maioria absoluta para os órgãos de governo próprio da Região.
Desde 1995 que essa viragem se anunciava. As posteriores eleições para a Assembleia da República e para a Assembleia Legislativa Regional, em 1996, mostraram claramente uma forte tendência do eleitorado para acabar com o ciclo do PSD no arquipélago. E nas últimas eleições para a Assembleia da República o PS bateu claramente o PSD, conseguindo 52% dos votos. Foi, há um ano, a maior percentagem conseguida pelo Partido Socialista nas legislativas nacionais.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - A nossa também foi a maior!
O Orador: - E agora o PS, finalmente, governará a Região Autónoma dos Açores com maioria absoluta.
Parece uma história fácil, mas não foi. Durante 20 anos o Partido Socialista foi oposição castigada no arquipélago e muitos duvidaram da sua capacidade de alternância ou até da oportunidade desta. Foi Carlos César quem, a partir de 1993, definiu uma estratégia para a «Nova Autonomia»
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que lhe permitiu ganhar as eleições regionais de 1996, mas sem maioria absoluta de Deputados devido às particularidades da lei eleitoral.
Durante quatro anos as oposições tudo fizeram para travar a legítima vontade do Partido Socialista em governar segundo o seu programa. Aproveitaram mesmo vitórias históricas tornadas possíveis pela cooperação entre o Governo da República e o Governo Regional para se interporem. Foi o caso da adaptação fiscal permitida pela Lei de Finanças das Regiões Autónomas, que ficou à mercê da vontade dos partidos da oposição que talharam discricionariamente descidas de receitas própria à Região Autónoma. Outras medidas legislativas poderiam ter comprometido o equilíbrio financeiro do orçamento regional não fora a perícia política e técnica dos responsáveis do Governo presidido por Carlos César, assim como a aplicação substancial da Lei de Finanças das Regiões Autónomas por parte do Governo da República, presidido por António Guterres. Aliás, o equilíbrio financeiro conseguido nos últimos anos é uma das características do Governo socialista nos Açores, apesar das catástrofes naturais que se abateram sobre algumas ilhas nos últimos anos.
Os partidos da oposição da direita até tentaram derrubar o governo do Partido Socialista sufragado pelas eleições de 1996, numa manobra que custou a liderança ao PSD/Açores, tão impopular se tornou o estratagema. O resultado das eleições de Domingo último foi também uma resposta do eleitorado a essas manobras.
Quatro anos passados a governar cercado pelas oposições não impediram a tomada de medidas deveras positivas para as populações, como a baixa das tarifas da energia eléctrica, a baixa das tarifas dos transportes aéreos, a aplicação do rendimento mínimo garantido, o aumento do parque escolar e dos investimentos no equipamento social. Tudo no respeito pelo equilíbrio orçamental regional, componente que gostaria de acentuar. E, acima de tudo, a gestão de uma primeira experiência da alternância democrática numa região autónoma que até há quatro anos só tinha um canal de televisão e o mesmo partido no poder durante 20 anos. O clima de liberdade e de tolerância actuais só não é reconhecido pelos que não sabem o que isso é.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados: Estas eleições encerram várias lições. Em primeiro lugar, destaca-se a tendência ascendente do Partido Socialista sempre que há eleições e não apenas sondagens ou palpites de opinião.
O Sr. Francisco de Assis (PS): - Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, refira-se o papel de uma equipa coesa, coordenada por Carlos César na melhor tradição do Partido Socialista, com a participação de muitos elementos da sociedade civil.
Em terceiro lugar, elas consagraram exactamente o perfil de dirigente nacional do actual Presidente do Governo Regional dos Açores. Todos os líderes máximos dos partidos da oposição foram aos Açores medir forças com Carlos César: Durão Barroso, Paulo Portas, aqui presente, e Carlos Carvalhas. Todos perderam com o embate.
Em quarto lugar, o Partido Socialista demonstrou estar preparado para eleições, ocorram estas onde e quando ocorrerem. Espero que a bancada do PSD esteja de acordo com isto!
Risos do PSD.
Em quinto lugar, e este também é um ponto importante, destas eleições resulta uma subida geral da esquerda na Região Autónoma dos Açores que deve servir de aviso à direita nacional, esteja esta coligada ou não.
Em sexto lugar, destaco a modernização do Partido Socialista/Açores, um partido de militantes e resistentes, aberto à sociedade civil, a inovação e à juventude.
Em sétimo lugar, estes resultados eleitorais significam que os votantes sabem distinguir a diferença entre maiorias absolutas democráticas e projectos autoritários. O Partido Socialista saberá governar em partilha, em liberdade, respeitando as oposições e promovendo a autonomia dos cidadãos e da sociedade civil. Assim se faça em todo o lado. Autonomia é o conceito chave. Foi, aliás, a vitória das autonomias insulares que estas eleições também consagraram.
O Partido Socialista, com esta vitória na Região Autónoma dos Açores, recebeu a nível nacional um impulso decisivo para o seu espírito reformador.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Medeiros Ferreira, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, começo, naturalmente, por felicitar o seu partido pela vitória que obteve nos Açores. Quando se vence, não convém ficar demasiado convencido, sobretudo ao ponto de não querer perceber que o CDS-Partido Popular tinha pouco mais de 7% e atingiu, no último Domingo, quase 10%.O que significou uma subida de percentagem e de votos tanto mais importante quanto cresceu, e muito, a abstenção. No arquipélago dos Açores, aliás, a nossa subida verificou-se em todas as ilhas, à excepção de uma.
Dito isto, quero também referir que um dia pode acontecer a V. Ex.ª o que aconteceu connosco nos Açores, ou seja, por 125 votos, não termos mais quatro Deputados eleitos, o que, evidentemente, dói. Porque perder um Deputado por dois votos, nas Flores, ou perder um Deputado por dois votos, no Corvo, só nos pode dar ânimo para fazer melhor da próxima vez.
É uma situação que pode acontecer a qualquer um. Às vezes tem-se sorte, outras vezes azar, mas o que é indiscutível é que o nosso partido subiu e cresceu.
Em todo o caso, quero perguntar-lhe, a propósito da qualidade da democracia, se o Sr. Deputado Medeiros Ferreira considera normal ou saudável que um governo se esqueça de pagar o complemento da pensão durante dois meses, e que os cheques relativos a esse complemento da pensão cheguem aos seus destinatários a dois dias das eleições.
Faço-lhe esta pergunta de um ponto de vista estritamente objectivo: a qualidade da democracia. Ou seja, a partir de que momento é que todos saberemos concordar em que os direitos sociais das pessoas não são graça de um príncipe, mas direitos sociais a pagar todos os meses.
Em segundo lugar, quero perguntar a V. Ex.ª se já tem conhecimento de alguma resposta da Comissão Europeia relativamente ao pedido que o Governo fez - a nosso ver, bem, embora tarde -, para um isolamento da quota açoreana em matéria de produção leiteira, ao abrigo do Tratado de Amesterdão e do regime das regiões ultraperiféricas.
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Gostaria, pois, de saber se o Sr. Deputado tem conhecimento da concordância ou discordância da Comissão Europeia nessa matéria.
Deixo estas duas questões, fazendo a rectificação, quanto ao CDS-PP, de que a mera constatação dos dados objectivos merece que se faça.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, quero saudar o Sr. Deputado Paulo Portas pelo esforço político que fez durante esta campanha eleitoral nos Açores, esforço esse que reconheço e respeito.
Cruzámo-nos várias vezes no arquipélago e eu próprio me dei conta do empenho pessoal e político que o Sr. Deputado colocou nestas eleições; um empenho que não foi de todo reconhecido pelo eleitorado, embora tenha de concordar que o Partido Popular aumentou a sua percentagem de votos nos Açores. Mas, caro Deputado Paulo Portas, quem com «Corvo» mata, com «Corvo» morre. Não é verdade?
Risos do PS.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Regra que se aplicará para a próxima!
O Orador: - De maneira que o PP, que estava habituado a ganhar as eleições na ilha do Corvo, compreenderá agora melhor as especificidades insulares nessa matéria. Perde-se e ganha-se por um voto. A diferença na ilha do Corvo foi, para o Partido Socialista em relação ao Partido Popular, de quatro votos, Sr. Deputado Paulo Portas.
Quanto à qualidade da democracia, gostaria de lhe dizer que o que se vive nos Açores é uma democracia pluralista de tipo ocidental em pleno vigor, com as mesmas características que essas democracias têm em todos os territórios onde felizmente vigoram. Por isso, penso que o Sr. Deputado Paulo Portas não estaria à espera que o governo regional dos Açores sacrificasse, ainda por mais tempo, as famílias que foram abonadas com o suplemento de pensões só para que esse suplemento não chegasse mais cedo, embora só tenha chegado na véspera das eleições.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Mais tempo? E Agosto e Setembro? O Sr. Deputado não percebeu!
O Orador: - Por último, Sr. Deputado Paulo Portas, como sabe, a questão das quotas leiteiras está a ser negociada em vários registos. O registo da redistribuição da quota nacional, o registo da negociação das ultraperiferias, e dentro do conceito das ultraperiferias há várias modalidades possíveis, sendo uma delas a não consideração da quota leiteira no que diz respeito ao auto-abastecimento da Região Autónoma dos Açores.
Portanto, quaisquer que venham a ser as respostas iniciais da Comissão, estou suficientemente optimista quanto a uma resposta positiva sobre esta matéria, quer a nível nacional, quer a nível da União Europeia.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, pedi o uso da palavra para lhe prestar um esclarecimento, não para me debruçar sobre a análise dos resultados em geral na Região Autónoma dos Açores, nem para me pronunciar sobre os elogios que V. Ex.ª fez - com toda a legitimidade - ao Partido Socialista dos Açores nestas eleições, nem sequer, se me permite a expressão, pelas indirectas que deixou ao Partido Socialista nacional.
Risos do CDS-PP.
Solicitei o uso da palavra apenas, pela razão seguinte: é que V. Ex. ª, a determinada altura da sua intervenção, diz que os presidentes e secretários-gerais dos vários partidos foram todos aos Açores e que todos perderam.
Ora, como, clara e manifestamente, V. Ex.ª deve ter tido um lapso ou tem os resultados errados, o meu pedido de esclarecimento é para o elucidar quanto ao seguinte: o PCP aumentou em número de votos, aumentou em percentagem e passou de um para dois Deputados.
Se V. Ex.ª considera que isto é perder, gostaria de ter derrotas destas todos os dias. Posso garantir-lho!
Risos do PS.
Posso, eventualmente, é perceber que, quando fez essa afirmação, temia, no seu subconsciente, que nestas eleições a subida do PCP na Região Autónoma dos Açores fosse muito superior àquela que foi. Infelizmente, lamentavelmente, foi apenas esta: duplicámos o número de Deputados.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - 100%!
O Orador: - Já agora, aproveito esta oportunidade para daqui saudar muito fraternalmente o meu camarada Decq Mota, por ter sido eleito para a Assembleia Legislativa Regional dos Açores. Certamente que V. Ex.ª também o felicitará pelo mesmo resultado.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, devo dizer-lhe que, para um partido que já pensou transformar o mundo - ou, pelo menos, a sociedade portuguesa -, alcançar o objectivo de passar de um Deputado para dois parece-me verdadeiramente um sinal dos tempos.
Risos do PS.
Não quero, contudo, deixar de felicitar o Sr. Deputado Decq Mota, eleito pelo círculo eleitoral da ilha do Faial, porque todos os açoreanos têm por esse Deputado o maior dos apreços, independentemente, aliás, da ideologia que ele tão claramente professa.
Quando referi que todos os líderes nacionais foram à Região Autónoma dos Açores para travar um combate elei
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toral com o Partido Socialista, mais particularmente com o Presidente do Partido Socialista nos Açores, Carlos César, é porque julguei que todos eles iriam travar uma batalha para a vitória. Todavia, se se trata apenas de um aumento percentual, também não quero deixar de felicitar o Partido Comunista pelo aumento de um Deputado para dois.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, não sei se está prevista uma declaração política da vossa bancada sobre os resultados das eleições na Região Autónoma da Madeira, contudo teremos o cuidado de, nós próprios, proceder a essa declaração política e, nela, não omitir uma referência às eleições nos Açores.
De qualquer maneira, vou poupar a Câmara a uma análise dos resultados eleitorais nos Açores, como é óbvio, e vou, em nome da minha bancada, apresentar cordiais saudações ao PS/Açores e ao seu líder Carlos César pela vitória que obtiveram; formular votos de que possam governar os Açores em favor dos interesses do povo açoreano; dizer ao Partido Socialista que, necessariamente, o PSD, sem prejuízo de acatar os resultados eleitorais democraticamente, se constituirá em alternativa credível à governação socialista nos Açores, e fazer votos para que a alternância democrática tenha lugar dentro de quatro anos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Capucho, gostaria de referir-lhe que, como é óbvio, falei em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, mas não pude deixar de falar, sobretudo, como Deputado eleito pelo círculo eleitoral dos Açores, razão pela qual assentei a minha intervenção, basicamente, sobre essas eleições.
Mas a minha intervenção, bem lida, Sr. Deputado, também se refere à Região Autónoma da Madeira. No entanto, gostaria de dizer que sou dos que entendem que nem sempre se deve pôr em paralelo o que acontece nos Açores e na Madeira.
O Sr. António Capucho (PSD): - Estou de acordo!
O Orador: - São duas regiões autónomas distintas, diferentes, e que, possivelmente, terão um futuro institucional e político diferente. É uma previsão que faço nesta Câmara para dizer que só tomo para mim aquilo que posso louvar.
Ou seja, o meu esforço foi despendido na Região Autónoma dos Açores (embora eu também tenha estado na Madeira há cerca de um mês). E, pela obra visível e pela forma como o governo regional da Madeira conseguiu capturar investimentos da República para a Região Autónoma da Madeira, pude dar-me conta de que era fatal a vitória do PSD na Madeira, graças aos investimentos e graças à aplicação desses investimentos.
Como é evidente, aproveito para saudar o Partido Social Democrata pela sua vitória na Madeira, embora gostasse que o Partido Social Democrata não se louvasse só nas vitórias, mas também lutasse pelo aumento da qualidade democrática na Região Autónoma da Madeira.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é preciso!
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Tiveram lugar, no último domingo, nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, eleições para as Assembleias Legislativas Regionais.
Os açoreanos e os madeirenses foram chamados pela sétima vez a escolher os seus representantes nos parlamentos regionais e os governos de cada uma das regiões para os próximos quatro anos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, passados mais de 20 anos sobre a consagração constitucional das autonomias regionais, reforçadas na última revisão da nossa Lei Fundamental, é possível ter uma visão retrospectiva e fazer algum balanço do que já se tem designado por uma das mais bonitas flores da nossa democracia - a autonomia dos Açores e da Madeira.
A análise fria do texto constitucional de 1976 e a prática dos últimos 20 anos permitem concluir que houve alguma reserva mental centralista na institucionalização das Regiões Autónomas, permitindo-se, durante anos, que se tirasse com uma mão, na área financeira, aquilo que se tinha dado com a outra, na área política.
Na verdade, não obstante conhecer-se o atraso e o abandono a que as regiões insulares haviam sido sujeitas pelo Estado Novo e o grau acrescido de carências elementares das suas populações, não se curou, devidamente, então, da questão financeira.
Apesar disso, as autonomias regionais constituem uma experiência nova, da nossa democracia, embora com raízes profundas no sentir ancestral das populações insulares.
Experiência nova, vivida e implementada, em ambas as Regiões, predominantemente por gente jovem que, apesar disso, manteve um rumo certo e cuja governação, durante mais de 20 anos, assegurou às populações insulares sensíveis melhorias das suas condições de vida.
Alguns têm das autonomias uma visão do «deve» e do «haver», que sempre agitaram, visão que não respeita nem se identifica com a forma como os madeirenses sentem e vivem a autonomia, no quadro da Pátria que somos e que só engrandecemos quando nos pomos de acordo para encontrar as melhores soluções nacionais que reforcem as autonomias e consolidem a democracia.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando se constrói todo o edifício praticamente do nada, com muito esforço e empenho, com o apoio livre e consciente da maioria expressiva das populações, não se pode deixar de ser particularmente sensível aos obstáculos criados e às dificuldades sempre renovadamente levantadas.
É tempo, pois, de lembrar aqui um pouco da nossa História.
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A Região Autónoma da Madeira e a sua população, ao contrário do que, há pouco, insinuava o Sr. Deputado Medeiros Ferreira, têm dado mostras, ao longo da sua História, do seu apego à democracia em momentos dos mais difíceis da vida nacional.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Lembre-se que uma das primeiras e mais importantes sublevações contra a ditadura saída do 28 de Maio ocorreu na Madeira, em 1931, através de um movimento que ficou conhecido por «Revolta da Madeira», a que a população aderiu em massa e que se prolongou por cerca de um mês, período durante o qual a Região não aceitou subordinar-se ao Governo da República. Tal revolta só veio a ser dominada por forças militares deslocadas expressamente do continente para a reprimir.
E este apego à democracia custou caro às suas populações, a quem Salazar aplicou, durante longos anos, um imposto especial, alegadamente destinado a recuperar os custos do apaziguamento da rebelião.
E quando, em anos mais recentes, as liberdades voltaram a estar ameaçadas, e no continente se caminhava para novas soluções totalitárias, as populações insulares utilizaram todos os seus legítimos meios de resistência e não deixaram de fazer sentir que se não subordinariam a opções nacionais que pusessem em causa a democracia pluralista, que se pretendia instaurar, e que constituíra a razão principal do 25 de Abril, por que muitos se haviam batido.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Não admira, pois, que a luta das populações insulares pela autonomia regional tenha estado sempre associada à luta pelas liberdades e pela democracia, cientes de que não há democracia sem autonomia e de que não há, igualmente, autonomia sem democracia.
Compreender-se-á, assim, que as populações dos Açores e da Madeira sintam, de forma particularmente intensa, as eleições regionais, em que vivem e realizam, a um tempo, o Abril da democracia e o Abril da autonomia.
Daí que a minha primeira palavra seja para dirigir a mais sentida saudação às populações das regiões autónomas, a que me orgulho de pertencer, pelo profundo civismo e pela maturidade democrática que revelaram na sua livre e consciente participação em mais este acto eleitoral.
Uma palavra também de felicitação ao Partido Socialista e ao Presidente do PS/Açores, Carlos César, pela vitória obtida na Região Autónoma dos Açores.
Não posso, porém, nesta ocasião, esquecer os demais partidos que integram a oposição regional e, em particular, os meus companheiros do Partido Social Democrata, a quem faço um apelo para estarem atentos, para que se não importem e alarguem, nos Açores, os vícios hegemónicos dos socialistas no exercício do poder, confundindo o partido com a Administração Pública, posta ao serviço do clientelismo partidário.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não foi fácil fazer a recuperação económica e social que a autonomia regional assegurou às regiões insulares, particularmente em todos estes anos de governos sociais-democratas.
O atraso em que se encontravam as populações da Madeira, em 1974, que tinham na emigração a sua única e dolorosa saída, é hoje inimaginável. Foi possível, com a estabilidade política que a livre opção dos madeirenses tem garantido, mudar a face da Região em todos os domínios.
Instituiu-se um serviço regional de saúde que é apontado como exemplar e deu-se cobertura médico-sanitária a toda a ilha e a todos os concelhos; criaram-se escolas secundárias em todos os concelhos; extinguiu-se o odioso regime de colónia, fazendo uma autêntica e tranquila reforma agrária, sem ocupações, sem ódios e sem atropelos; rasgaram-se estradas; abriram-se e ampliaram-se instalações portuárias; electrificou-se todo o território insular; levaram-se os caminhos e a água aos sítios mais recônditos; encurtaram-se distâncias e abriram-se túneis, que constituem exemplares obras de engenharia e que venceram a hostilidade de uma morfologia basílica difícil; desenvolveram-se as mais elementares infra-estruturas básicas, que faltavam de todo; conseguiu-se assegurar, no âmbito da União Europeia, a necessária protecção à produção regional de banana, face à concorrência estrangeira; desenvolveu-se o turismo e outras indústrias complementares e modernizaram-se as telecomunicações; reconverteram-se e melhoraram-se culturas; mecanizou-se, na medida do possível, a agricultura; criaram-se estruturas de articulação da Região com as comunidades madeirenses espalhadas pelo mundo; criou-se, instalou-se e pôs-se em funcionamento a universidade; instalou-se um centro de congressos e criou-se o pólo tecnológico, que rasgou horizontes e nos põe a par das mais modernas tecnologias; dotou-se a Região de um aeroporto intercontinental, porta aberta à livre circulação de pessoas e bens, indispensável ao nosso desenvolvimento; ganhámos credibilidade interna e externa, que nos tem permitido obter ajudas comunitárias significativas, no âmbito especial de programas e incentivos destinados às regiões ultraperiféricas; criámos um centro internacional de negócios, que envolve a zona franca industrial, o off-shore e o registo de navios, que é necessário que o Governo da República defenda com firmeza junto das instituições da União Europeia; e dotou-se a Região do estatuto definitivo, revisto e aprovado, por unanimidade, nesta Assembleia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos consciência de que há muito para fazer, como temos perfeita consciência de que democracia não se esgota com o exercício do direito de votar e que a autonomia não se confina à escolha democrática dos membros dos órgãos de governo próprio. A democracia e a autonomia realizam-se, assegurando às populações maior bem-estar económico e social e melhor acesso à saúde, ao ensino, à cultura, aos tribunais e ao Direito.
Fizemos a consciente opção de nos integrarmos, de pleno, com o resto do País, na União Europeia, porque queremos garantir às populações da Madeira e do Porto Santo o acesso a padrões de vida similares aos dos países mais avançados da Europa.
É esse deficit, e só esse, e não qualquer outro, que nos distância dessas sociedades, que queremos continuar a combater em liberdade e em diálogo com todos os que sintam esta luta como sua, mas sem querelas inúteis, que a todos nos desgastam e nos desacreditam interna e externamente.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
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O Orador: - Penso que ninguém de boa fé pode deixar de reconhecer que a autonomia política insular constitui uma das mais conseguidas e realizadas conquistas da nossa democracia, como se me afigura indesmentível que o Partido Social Democrata, pelas responsabilidades de governo que teve nas regiões autónomas, nos últimos 20 anos, tem sido o principal obreiro da modernização ali levada a cabo, bem como da consolidação da autonomia regional e da afirmação dos seus órgãos de Governo próprio.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A boa fé em política e a autenticidade do empenho na defesa dos interesses regionais e das autonomias avalia-se não por via de declarações de pretensas boas intenções autonómicas, a autenticidade dessas preocupações avalia-se por actos concretos e esses são os expedientes,…
O Sr. Presidente: - Peço-lhe que termine, pois esgotou o tempo de que dispunha.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, a autenticidade dessas preocupações avalia-se por actos e esses são os expedientes, os protelamentos e a oposição que o PS, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, tem tido relativamente ao agendamento dos diplomas da Assembleia Legislativa Regional da Madeira.
Sr. Presidente, sabemos que há muitas tarefas que temos de concretizar: a primeira é a da revisão constitucional, em que queremos extinguir o cargo de Ministro da República e reforçar as prerrogativas da Assembleia Legislativa Regional. Queremos saber se o Partido Socialista está disponível para esse desafio.
O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Quanto à Madeira, estamos seguros de que a obra e o esforço que têm sido levados a cabo pelo PSD, nos últimos 25 anos, com o empenho das populações da Madeira e do Porto Santo, vai continuar, sob a merecida liderança do Dr. Alberto João Jardim, que sempre tem colocado a Madeira e Portugal acima de interesses partidários e de outros que não se identifiquem com o sentir colectivo da Região e com o interesse nacional.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, não quero deixar de felicitar, na pessoa de V. Ex.ª, o que há de melhor no PSD/Madeira,…
Risos do PS.
… as perspectivas que aqui abriu ao recordar a luta da população da Madeira e dos democratas portugueses contra a génese da ditadura nos anos 30. É, de facto, um ponto histórico importantíssimo. Acompanho-o, como sabe, nessa visão da legitimidade dos regimes políticos, mas, por isso mesmo, gostaria, depois de o felicitar a si e ao PSD/Madeira pela vitória eleitoral que acaba de alcançar, de lhe perguntar se não será também de agradecer ao PSD/Açores, na altura governo regional, por ter abdicado do Fundo de Coesão vindo da União Europeia no primeiro lustro dos anos 90, para que os investimentos necessários ao novo aeroporto do Funchal fossem canalizados para a Madeira. Acho que essa solidariedade insular mereceria ter sido aqui evocada, Sr. Deputado Guilherme Silva.
Gostaria também de lhe perguntar se será desta vez, depois desta nova maioria absoluta do PSD/Madeira, liderada por Alberto João Jardim, que haverá representação plural na Mesa da Assembleia Legislativa Regional da Madeira e presidências de comissões distribuídas pelos partidos da oposição, para que seja possível que a democracia pluralista seja ilustrada de uma maneira mais profunda e mais geral em toda a Região Autónoma da Madeira. Se estas perguntas tiverem resposta positiva, julgo que tive razão na minha alocução inicial ao dizer que estamos sempre a tempo de melhorar a qualidade da democracia.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, registo que, ao felicitar em mim o melhor do PSD/Madeira, felicitou todo o PSD/Madeira, porque todo ele é bom.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em relação à questão que colocou sobre a solidariedade dos Açores, quero dizer-lhe que essa solidariedade é recíproca entre as duas regiões e o PSD das duas regiões e que o Presidente do Governo Regional da Madeira teve ocasião de, publicamente, referir-se a esse facto aquando da inauguração da pista intercontinental do aeroporto da Madeira, designadamente em escrito que fez, referenciando o Dr. Mota Amaral como uma das pessoas a quem a Madeira tinha também de agradecer a solidariedade que permitiu a implementação desta obra.
Portanto, há um público reconhecimento da Região, pela mão do seu mais elevado representante, que é o Presidente do Governo Regional, e eu, obviamente, comungo inteiramente desse registo.
Quanto à questão que me colocou em relação à Mesa da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, é óbvio que o Sr. Deputado, naturalmente, comungará comigo o respeito pela sua soberania relativamente a essa matéria, mas quero dizer-lhe que o Sr. Deputado está desactualizado, porque o Dr. Emanuel Jardim Fernandes, neste momento, embora Deputado do Partido Socialista e representando um número de Deputados relativamente pequeno na Assembleia Legislativa Regional - 13 Deputados do PS para 41 do PSD -, tem assento na Mesa da Assembleia Legislativa Regional como vice-presidente. Portanto, a sua pergunta está desactualizada e ultrapassada.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
O Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Assinalou-se ontem, através do Dia Internacional da Eliminação da Pobreza, a necessidade, urgente para o futuro do ser humano, de dar um combate sem tréguas às causas da exclusão social.
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Duas grandes iniciativas a nível internacional evidenciaram os crescentes protestos populares contra a usurpação dos recursos do mundo, contra a globalização capitalista e contra a sacralização do reinado do mercado. E foi nestas duas grandes iniciativas que os pobres, os excluídos e os sem-abrigo foram verdadeiramente protagonistas, pela justeza das suas reivindicações e pela análise certeira das causas de exclusão.
No dia 12 de Outubro realizaram-se, em várias localidades, manifestações do «Grito dos excluídos», um movimento social que, com outras organizações, luta contra a globalização neoliberal, exigindo políticas económicas que realizem direitos humanos fundamentais.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - Ontem mesmo, a Marcha Mundial das Mulheres contra a Pobreza e a Violência teve o seu desfecho em Nova Iorque, na sede das Nações Unidas.
A representante do Secretário-Geral da ONU, Louise Frechette, na mensagem que dirigiu às mulheres que, em representação da Marcha, recebeu ontem mesmo na sede da ONU, afirmou: «Os números falam por si: 2,8 biliões de pessoas, ou seja, quase metade da população mundial, continuam a viver na miséria, com um rendimento de menos de 2 dólares por dia. Entre eles, 1,2 biliões de pessoas devem sobreviver com menos de 1 dólar por dia, 1 dólar para a alimentação, para o alojamento e para o vestuário».
Estes dados citados pela representante da ONU são dados estimados, mas os números reais podem ultrapassá-los, dada a dificuldade em construir estatísticas de muitos dos excluídos, os que não aparecem nos painéis dos rendimentos dos agregados familiares, porque não têm residência fixa - a sua casa é quantas vezes a soleira de uma porta disponível -, não têm lar e não estão sequer em asilo ou em centros para reformados
Dos dados conhecidos, sabe-se que a União Europeia conta com 18 milhões de desempregados, estatisticamente recenseados, e com 50 a 70 milhões de pessoas em situação de precaridade. E, segundo dados do próprio Eurostat, cerca de 25 milhões de pessoas vivem em situação de pobreza persistente. - a este respeito convirá salientar que Portugal aparece nesses dados em situação cimeira, com a taxa de 12% de pessoas em situação de pobreza crónica. A respeito ainda da pobreza, os últimos dados fornecidos, aliás divulgados pelo Ministério para a Qualificação e o Emprego, indicam que no continente anda por cerca de 20% a percentagem da pobreza.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!
A Oradora: - Sabe-se como é com os baixos salários, quantas vezes resultantes da precarização nas suas mais variadas formas, com a privação de emprego, que começa muitas vezes a marcha dolorosa para a pobreza, que continua com a consequente impossibilidade de aceder ao bem-estar, aos cuidados de saúde, com a privação de alojamento ou a sobrelotação dos alojamentos.
E a respeito do nível salarial, também as estatísticas do Eurostat nos relegam para a cauda da Europa, relativamente à remuneração do trabalho.
Os dados mundialmente conhecidos não deixam margem para dúvidas. O mundo chegou ao fim do século XX, com o triunfo das desigualdades, com uma mole imensa de excluídos, aqueles que, segundo definiu o Conselho da Europa, em 1994, se encontram parcial ou totalmente fora do campo de aplicação efectiva dos direitos do homem.
E, no entanto, contraditoriamente, o século assistiu a insistentes afirmações da necessidade de efectivar os direitos do homem, na sua indivisibilidade - os direitos políticos, económicas, sociais, culturais, ambientais -, como aconteceu na Conferência de Viena de 1993, em que essa indivisibilidade foi proclamada.
As conferências do Cairo e de Beijing debateram a pobreza e a necessidade de a erradicar. E já lá vão seis anos e cinco anos, respectivamente!
A Organização Internacional do Trabalho escutou, comovida, os testemunhos de crianças participantes na Marcha Mundial das Crianças contra o Trabalho Infantil.
O último Relatório do Desenvolvimento Humano, do PNUD, intitula-se Vencer a Pobreza Humana.
Tudo parece, à primeira vista, concertar-se para a eliminação da exclusão social, para o que não faltam os progressos científicos e tecnológicos.
O próprio FMI - pasme-se! - e o Banco Mundial dizem estar preocupados com a pobreza. E, no entanto, a realidade abate-se sobre nós, quando dos números passamos à visualização da miséria, através, por exemplo, da obra de Sebastião Salgado - os êxodos, o trabalho humano prestado em péssimas condições, a fome e o destaque para o sofrimento das crianças, a quem também o século XX deixa a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, sem as poupar ao sofrimento.
Bem longe nos encontramos da efectivação dos direitos humanos! E tal não é, de facto, possível com o neoliberalismo, que dá de barato a consagração formal de direitos, desde que seja preservado o seu direito fundamental: o direito de não respeitar quaisquer direitos. Esta é a forma do exercício da sua liberdade, porque para os «neoliberais», porque nada têm de neoliberais, as desigualdades sociais são inevitáveis. Elas, segundo eles, assentam no que chamam de ordem natural, porque querem preservar a sua ordem cultural.
Quando muito, o capitalismo neoliberal, confrontado com as movimentações dos pobres, admite, por se sentir ameaçado, alguma atenção às políticas sociais, desde que não belisquem o seu poder, a sua riqueza e a sua consideração.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!
A Oradora: - E chega-se até ao despudor de responsabilizar os excluídos pela sua própria exclusão. Até podemos ver isso no Relatório do PNUD, embora disfarçado. A ideia de que podem superar por eles mesmos a pobreza está bem expressa no uso e abuso, nos textos internacionais, da noção de enpowerment - e os excluídos não sabem o que isto quer dizer! -, sem se ter em conta a precaridade intelectual e psicológica das pessoas que vivem na pobreza, como acentuou o Prémio Nobel de Economia Amartya Sem.
Mas não se atiram para o caixote do lixo da História, que é onde irão parar as políticas que causam a exclusão e que cavam um imenso fosso entre pobres e ricos - a sacralização do mercado, os programas de ajustamentos estruturais do FMI e também do Banco Mundial, a dívida sempre crescente dos países mais pobres, os paraísos fiscais. Os pobres e excluídos, que se manifestam contra a pobreza, exigem outras políticas que combatam verdadeiramente as desigualdades, porque a pobreza não radica em
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- apenas a marcha dos seres humanos para um outro mundo, porque um outro mundo é possível.
Aplausos do PCP e do BE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Tavares para tratamento de assunto de interesse político relevante.
O Sr. José Carlos Tavares (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Euro não é um instrumento meramente tecnocrático, mas antes um factor de construção de uma Europa politicamente forte, social e progressista, onde a economia sirva o cidadão. O que é importante é prosseguir uma política de reformas graduais nos domínios da segurança social, da saúde, do ambiente, da Administração Pública, da justiça, da reforma fiscal, com continuado investimento na educação, que fomentem maior igualdade de oportunidades, maior justiça social e o crescimento sustentado do emprego. Teremos sem demoras de nos empenhar na correcção das assimetrias e desigualdades regionais, lutar contra o agravamento das condições das regiões periféricas.
O valor das populações mede-se pela sua capacidade de realização e esta depende das infra-estruturas sociais propositoras e definidoras da aplicação prática das suas vontades. Além de serem necessárias como premissas indispensáveis as ideias e os projectos, são substancialmente os meios e instrumentos de realização que farão com que a capacidade de mobilização das populações não fique diminuída. Será com certeza um meio privilegiado, quanto a este desiderato, a aplicação do III Quadro Comunitário, na sua vertente local, regional e nacional, numa optimização de recursos através de uma efectiva aplicação e execução regionalizada, cuja descentralização será assegurada através de unidades de gestão de programas nas vertentes do ensino formação, criação de empresas, infra-estruturas, novas tecnologias, ambiente, agricultura, comércio tradicional, turismo cultural arquitectónico, zonas industriais com preocupações ambientais Rede Natura 2000 - potenciando-a com roteiros turísticos, mundo rural.
Com este III Quadro Comunitário de Apoio, o distrito de Viana do Castelo irá ter o maior apoio financeiro desde a pré-adesão, o que terá consequências notáveis em áreas essenciais para o bem-estar das populações, como será o caso da saúde, educação, velhice, infância, mundo rural, acessibilidades, emprego, etc.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para contrariar, em certo modo, o que não foi feito durante tantos e tantos anos pelo governo anterior, não quero deixar de referir algumas intervenções, sem exaurir, que certamente estão a fazer mudar os comportamentos, o modo e qualidade de vida dos cidadãos do meu distrito. Neste sentido, temos o Plano Nacional de Emprego, com aplicação directa ao Alto Minho e Alto Lima, contribuindo para a valorização dos recursos humanos e para implementar sustentadamente o desenvolvimento sócio-económico; em relação aos ainda não integrados na sociedade produtora, temos como princípio norteador a solidariedade social cuja expressão é manifesta através do Rendimento Mínimo Garantido e dos programas de Luta Contra a Pobreza.
O Programa de Requalificação Urbana e Ambiental das Cidades - POLIS - implicará em Viana do Castelo um investimento de cerca de 18 milhões de contos, tendo todas estas acções como principal objectivo a valorização ambiental e a reestruturação urbana, cujas intervenções serão nomeadamente dirigidas ao mercado municipal, aos centros históricos e frente ribeirinha, melhoramentos estes que poderão permitir a Viana do Castelo ambicionar ao tratamento de Cidade Património da Humanidade.
Constituiu-se a Sociedade Águas Minho Lima S.A. para a resolução definitiva e sustentada do abastecimento de água e saneamento básico dos dez concelhos do nosso distrito, no valor de 30 milhões de contos. Não é demais lembrar que a construção de dois aterros sanitários possibilitaram o desaparecimento de todas as lixeiras no distrito.
Em relação às acessibilidades, o IC28 foi adjudicado na semana passada; a ligação Viana do Castelo/Ponte de Lima (através do programa de SCUT); o IC1 até Caminha e o seu prolongamento, em estudo, até Valença; quanto ao nó de Sapardos, impõe-se a sua célere concretização uma vez que é de crucial importância para a ligação da A3 à sede do concelho de Paredes de Coura e Vila Nova de Cerveira, assim como a melhoria generalizada das estradas de ligação ao concelho de Paredes de Coura.
Como obras também de grande interesse são o centro de estágio em Melgaço (em relação ao desporto), a ponte internacional Goyan/Cerveira, a reconstrução do teatro e termas de Monção, a escola superior de ciências empresariais em Valença e a futura zona industrial neste concelho; a electrificação e modernização da ferrovia e estações da Linha do Minho para potenciar a sua ligação internacional Porto/Viana e Valença/Vigo, possibilitando maior velocidade e mais conforto. É imperativo para uma maior rentabilidade e eficácia do porto de mar de Viana do Castelo que a concretização do acesso rodo-ferroviário a este se faça o mais urgentemente possível. Neste sentido, e aproveitando o projecto de investimento para a modernização e electrificação da linha do Minho, parece ser de grande interesse considerar a hipótese do rebaixamento da via férrea no centro urbano da cidade de Viana do Castelo, em conjugação com o Programa POLIS, facilitando desse modo o reencontro da cidade consigo própria, pondo termo à quebra da continuidade que o atravessamento da linha férrea pelo centro da cidade inevitavelmente nos impõe.
É urgente o lançamento da obra do portinho de Vila Praia de Âncora, cujo propósito de realização foi realçado por Sua Excelência, o Primeiro-Ministro, aquando da sua visita a esta vila piscatória. Não obstante existirem verbas em PIDDAC e terem sido desenvolvidos estudos pelo Instituto Marítimo Portuário no sentido da sua realização, será de grande importância ter como pressuposto para a concretização das obras do portinho preocupações não apenas de mera ordem economicista mas, sobretudo, considerar os aspectos eminentemente sociais que respeitam aos pescadores e suas famílias.
No que concerne ao rio Minho, a entrada e saída de embarcações de pesca é difícil e extremamente complexa, colocando muitas vezes em risco a vida dos tripulantes e a segurança das embarcações, devido ao assoreamento e a situações do ecossistema, pelo que é preciso tratar do desassoreamento da barra e leito do rio, proceder à ampliação do cais da rua e limpeza do canal/cais da vila. Será certamente necessário convocar uma conferência internacional que resolva os problemas normativos e concretos nomeadamente quanto ao assoreamento e captura das espécies.
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No que respeita à saúde, temos a construção de novos centros de saúde em Caminha e Paredes de Coura, a renovação do Hospital Conde de Bertiandos em Ponte de Lima e do Hospital Distrital em Viana do Castelo. Tanto os hospitais como os centros de saúde têm realizado um trabalho cruzado, cujo resultado está à vista de todos com a diminuição das listas de espera e da melhoria significativa do atendimento nas urgências. Temos também o processo avançado para constituir os centros de saúde da terceira geração - agrupamentos dos centros de saúde com autonomia administrativa e financeira, pretendendo-se obter decisões muito mais fáceis e atempadas com notórios benefícios para os utentes.
No respeitante à educação, é de salientar a extensão significativa do pré-primário, a cobertura do ensino secundário e profissional e, nomeadamente, do superior com escolas em Viana do Castelo, Ponte de Lima e Valença.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As Bienais de Arte de Vila Nova de Cerveira assumiram, ao longo de vinte anos de existência, tanto um aspecto de contemporaneidade como intensa ligação à terra. São um acontecimento com criatividade, inventos continuados e de expressão exponencialmente cada vez mais válidos que transformam mentalidades e vivências culturais. Vila Nova de Cerveira cumpre um papel matriz de pluritendências estéticas, com perspectivas de abertura para o devir da arte e da cultura no cruzamento geográfico entre o Norte de Portugal e da Galiza.
A vida cultural do nosso país terá que passar a uma prática constante e, consequentemente, de projectos que, promovidos ao longo de todo o território, congregam a atenção dos cidadãos, aproximando-os dos fenómenos de cultura e da arte, estimulando e melhorando a qualidade de vida nos seus múltiplos aspectos. A descentralização cultural revela-se nestas bienais com exposições, instalações, intervenções, espectáculos e ateliers de arte ao vivo, tornando-se Cerveira num centro descentralizador e do diálogo internacional das artes. Preservá-lo é obrigação de quem julga que os valores culturais no nosso país democrático, quer na explicitação social, ideológica, estética ou artística, são um bem inquestionável para a nossa identidade como povo.
Uma política cultural autêntica e eficaz só se concretiza quando os elementos qualidade e quantidade são perenizados pelo factor continuidade e, neste aspecto, a Bienal de Cerveira é, efectivamente, uma excepção exemplar na cultura. Vila Nova de Cerveira já possui o projecto para um centro de artes e cultura contemporânea, cujo valor ascende a várias centenas de milhares de contos. As dez Bienais de Arte, por tudo o que representam no contexto português, parece que indubitavelmente terão direito a um edifício que sirva, em definitivo, como local por excelência para realizar tal acontecimento nesta tão mecenática «Vila das Artes», que foi pioneira e percursora da descentralização das artes em Portugal, cujo objectivo essencial foi a diversidade das actividades e o vanguardismo das manifestações artísticas.
Em vez de um edifício de raiz para tão prestimosa manifestação da cultura, sobejamente conhecida quer em Portugal quer em Espanha, permito-me solicitar a esta Assembleia da República que seja ponderada a hipótese de ser oferecida à «Vila das Artes» o pavilhão português que nos representou na Expo 2000, em Hannover, para nele ser instalado com toda a dignidade, e certamente com muito menores custos, o futuro centro de artes e cultura de Vila Nova de Cerveira, tornando-se, assim, numa permanente mostra de arte e cultura contemporânea no Portugal descentralizado. Este seria um modelo de comportamento de subsidiariedade do Estado em relação a um município cuja actual presidência, apesar dos fracos recursos financeiros, muito tem contribuído para perpetuar e dignificar tão eminente evento cultural.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Será, com certeza, no âmbito do Plano de Desenvolvimento Integrado do Alto Minho que iremos estruturar as linhas de força para o desenvolvimento sustentado do distrito. Será, pois, este o caminho que, de modo efectivo, irá permitir majorar o envelope financeiro disponível do III Quadro Comunitário de Apoio, o que proporcionará a defesa dos recursos naturais, a promoção do turismo, o desenvolvimento industrial com preocupações ambientais, uma melhor saúde, mais e melhor ensino em todos os níveis e um apoio inestimável à formação profissional e à criação de emprego.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carvalho Martins.
O Sr. Carvalho Martins (PSD): - Sr. Presidente, provavelmente, o Sr. Deputado José Carlos Tavares está enganado no tempo. Lembra-se da primeira intervenção que fez nesta Assembleia, em 1996? Nessa intervenção, falou no portinho de Vila Praia de Âncora, nas estradas que iam fazer, nos centros de saúde que iriam construir, nos palácios de justiça que iriam acabar, etc. Mas, Sr. Deputado José Carlos Tavares, estamos em Outubro de 2000 - já lá vão cinco anos!
Sr. Deputado, em 1995, prometeram que as obras do portinho de Vila Praia de Âncora iriam começar imediatamente, mas cinco anos depois está tudo na mesma, pergunto: quando é que vai começar a obra do portinho de Vila Praia de Âncora?
Vozes do PSD: - Promessas!
O Orador: - O Sr. Deputado referiu-se aos quilómetros de estrada construídos pelo Governo socialista no meu distrito, no distrito de Viana do Castelo, pergunto: quantos foram os quilómetros de estrada construídos pelo Governo socialista - e quando digo «construídos» refiro-me a lançados e construídos pelo Governo socialista - que já se encontram ao serviço das populações, ao fim destes cinco anos, ou seja, desde 1995 a 2000? Quantos quilómetros de estrada foram construídos pelos governos socialistas desde 1995, altura em que foram eleitos?
Provavelmente, o Sr. Deputado não vai aos hospitais, nem ao de Ponte de Lima, nem ao de Viana do Castelo, porque, se fosse lá - e eu estive lá há oito dias -, ouviria os médicos, os enfermeiros e todos os utentes do hospital dizerem que, hoje, a saúde está pior do que ontem. Pergunto-lhe: onde estão os investimentos? Onde está a melhoria? Vá aos tribunais, ouça os advogados, os funcionários! Ainda há dias os ilustres advogados do distrito de Viana do Castelo diziam que as instalações prometidas em 1996 estão exactamente na mesma, e fizeram até uma reunião para contestar o Governo.
Portanto, V. Ex.ª falou, falou, falou, continuou a prometer, prometer, prometer, tal como fez em 1995! E eu pergunto: quando é que VV. Ex.as vão fazer de facto?
Aplausos do PSD.
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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Tavares.
O Sr. José Carlos Tavares (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carvalho Martins, é óbvio que… - e o que é óbvio, é obvio! -…
Risos.
… Viana do Castelo não tem comparação, em termos de crescimento e de desenvolvimento destes últimos cinco anos com o que se passou antes.
Protestos do PSD.
O meu colega e amigo Carvalho Martins deve ter-se esquecido dos problemas extraordinários que havia na área da saúde daquele distrito, com manifestações e camionetas em protestos sucessivos, num bloqueio absoluto em termos da administração da saúde. Hoje, absolutamente nada disso existe;…
Vozes do PS: - É verdade!
O Orador: - … hoje, temos um investimento avultado nos diferentes hospitais, uma ligação cruzada com os centros de saúde, não havendo já praticamente listas de espera, as urgências são feitas em tempo de grande oportunidade, sendo tudo isto muito mais célere - isto no âmbito da administração. Mas isto também foi possível pelas vias de comunicação que lançámos - os senhores nunca tinham sequer pensado no IC28 ou no IP9, que estão a ser concretizados, e brevemente teremos também a concretização da obra Viana do Castelo/Ponte de Lima. O IC28 foi adjudicado, como sabe, na passada sexta-feira, pelo Sr. Ministro Jorge Coelho; a adjudicação do IC1, até Caminha, vai agora ser lançado e o lanço até Valença está em fase de estudo prévio. Concretizámos, em tempo oportuno, aquilo que os senhores não fizeram e tinham suspendido, a A3, de Braga/Valença, para permitir a ligação rápida entre a Galiza e Lisboa, nomeadamente por causa da EXPO.
Quanto à ferrovia, temos o projecto de electrificação. Queremos a ligação ao porto de mar.
Em relação ao portinho de Vila Praia de Âncora, que os senhores sempre protelaram, não tínhamos sequer esta obra prevista no nosso programa, mas o Sr. Primeiro-Ministro, aquando da sua visita, inteirou-se da situação e entendeu ser uma necessidade absoluta fazermos a obra. Porém, a demora que se verifica é por causa do estudo de impacte ambiental, porque, como sabe, havia três opções e nós escolhemos aquela que poderá satisfazer melhor as pessoas. Foi por esta razão que demorou um pouco mais. Mas a obra será lançada ainda no decorrer do ano 2000, início de 2001.
No que diz respeito aos hospitais, ao portinho de Vila Praia de Âncora e às acessibilidades, está praticamente tudo dito. Tudo o que hoje se vê no distrito não tem comparação…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o seu tempo. Faça o favor de concluir.
O Orador: - É verdade que precisamos de muito mais, por isso a minha intervenção foi apelativa, foi para pedir mais solidariedade nacional. Mas a situação do distrito hoje não tem comparação possível, como os senhores sabem, com aquela em que se encontrava. Basta ver!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos, nada mais, nada menos, do que nove votos, para discutir e votar hoje, o que me parece muito. Assim, tendo em conta que a reunião plenária de amanhã tem uma agenda um pouco mais folgada em termos de período de antes da ordem do dia, uma vez que só poderá haver, excepcionalmente, uma declaração política, não mais do que uma - e mesma essa poderá não haver -, sugiro que, nos 5 ou 10 minutos que restam para terminar o período de antes da ordem do dia, se discuta e vote apenas os votos relativos ao aniversário da unificação alemã, ficando os restantes para amanhã. Até porque dois deles, os votos n.os 91/VIII - De saudação ao povo da Sérvia (PS e CDS-PP) e 93/VIII - De saudação ao povo da Jugoslávia (PCP), são praticamente sobre o mesmo, enfim, não são bem a mesma coisa, mas quase.
Portanto, Srs. Deputados, se estiverem de acordo, vamos dar início à discussão dos votos n.os 80/VIII - De congratulação pela passagem do 10.º aniversário da unificação alemã (PSD), 84/VIII - De saudação pela passagem do 10.º aniversário da unificação alemã (BE), 90/VIII - De congratulação pela passagem do 10.º aniversário da unificação alemã (PS) e 94/VIII - De congratulação pela passagem do 10.º aniversário da unificação alemã (CDS-PP), dispondo cada grupo parlamentar, para o efeito, de 3 minutos.
Pausa.
Visto não haver objecções, tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Fernandes.
O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com um pouco de atraso que vamos celebrar a chamada Wiedervereinigung - a reunificação alemã.
Há dias, por curiosidade, fui buscar um atlas de Julius Perthes, de Gota, de 1894, que tenho em minha casa, e estive a ver qual era a extensão do Império Teutónico, que, nessa altura, chegava de Estrasburgo a Könisgberg. Könisgberg, a cidade de Kant, como todos sabem, era na Prússia oriental; Danzig, agora Gdanz, era na Prússia Ocidental. E depois de Yalta, ficou a Alemanha dividida pela linha Oder-Neisse, ali com uma cidadezinha pequenina mas bem conhecida, Cottbus.
Houve várias interpretações pessimistas a que não fugiram a Sr.ª Thatcher e o Presidente Mitterrand. E não foi a História - queria dizer isto aos meus colegas do PSD, nomeadamente ao Sr. Deputado António Capucho - que fez a reunificação mas, sim, a vontade casmurra (parecia um homem da Westfália!) de Helmut Kohl. A verdade é que os Wessis, os ocidentais, não queriam sacrificar-se pelos Ossis, os orientais, e nem uns nem outros se entendiam bem. A meu ver, é importante verificarmos como dois regimes conseguem fazer dois países - não foi como no caso dos chineses, em que há um país e dois regimes; ali, havia dois regimes e dois países diferentes! Vi discussões entre Wessis e Ossis, entre ocidentais e orientais, onde se acusavam mutuamente, uns, de serem desprezados e, outros, de serem explorados. É o que se tem passado na Alemanha.
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É evidente que todos podemos dizer: que coisa magnífica a reunificação! Eu tenho a certeza de que foi coisa magnífica, pelo menos para mim foi, porque, além dos laços sentimentais que me unem à Alemanha, nem todos muito felizes, mas, enfim (a minha primeira mulher era alemã, tenho uma filha meia alemã), a verdade é que não posso negar que tive a Alemanha, durante algum tempo, como a minha pátria espiritual. Gostava de Goethe, dos poetas alemães, da prosa alemã, enfim, da Alemanha. E, sobretudo, gostava dos funcionários alemães, que costumavam estar a horas, quando se comprometiam a receber-me.
Portanto, fiquei contente, embora soubesse do que ia acontecer, do que ia custar, do que ia significar todo aquele trabalho de pôr o marco na paridade e unir dois povos, já profundamente diferentes, devido aos regimes que os tinham moldado durante 45 anos. A verdade é que, repito, fiquei contente e, hoje, apraz-me estar aqui a celebrar o dia 3 de Outubro de 1990, o dia em que houve a reunificação.
A Alemanha, neste momento, tem um peso grande, mas já não é aquela que conheci: trabalha-se menos, já é um país onde há um pouco mais de dolce fare niente e onde também há, na zona leste - e o Bloco de Esquerda aponta-o -, afloramentos nazis.
O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.
O Orador: - Só faço aqui votos para que a Alemanha que conhecemos desperte um pouco de alguma parte da sua História e que entre na História da maneira que todos nós desejamos.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Rocha de Freitas.
O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quem, um dia, afirmou que o século XX seria o século das guerras pela dominação do mundo, em nome de princípios filosóficos, não se admiraria certamente de ver a cidade de Berlim dividida e, por essa via, também a Alemanha e a Europa divididas. Uma divisão política artificial, é certo, mas que colocou à Europa a «questão alemã». «Questão alemã» essa que se manteve em aberto, enquanto se mantinha fechada a Porta de Brandenburgo, encerrada pela existência de um regime comunista. E foi na resistência a esse regime comunista, o regime de Erich Honnecker, que pudemos encontrar movimentos cívicos como o Novo Fórum ou a Renovação Democrática, a própria Igreja Evangélica e as emblemáticas manifestações de segunda-feira à noite, em Leipzig - Leipzig, berço da «revolução tranquila», que, em 1989, eclodiu na RDA. Uma «revolução tranquila», volto a dizê-lo, que derrubou o Muro e o regime e que abriu, assim, as portas à unificação alemã, de 3 de Outubro de 1990.
Passados 10 anos, o Partido Social Democrata, aqui nesta Assembleia, saúda a Alemanha europeia, de que tanto falava Thomas Mann, saúda a Alemanha que vive em paz com os seus vizinhos e que se tem afirmado na cena internacional. E, neste particular, permitam-me que discorde do voto apresentado pelo Bloco de Esquerda, porque entendemos que a afirmação, na cena internacional, da Alemanha leva e contribui para a estabilidade e segurança na região euro-atlântica. Evocando as palavras de Heine, podemos, hoje, dizer que, quando pensamos na Alemanha, já não temos razões para perder o sono.
Estes são os motivos que levaram o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata a apresentar este voto de congratulação, que encerra em si uma saudação amiga ao povo alemão.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP, na ocasião destes votos, quer saudar os cidadãos alemães, desejando-lhes os caminhos da paz e do progresso, no quadro de uma Europa de paz, coesão e desenvolvimento.
Quanto aos votos situados na linha dos chamados «votos ideológicos», eles têm os problemas que resultam necessariamente de um debate dessa natureza. Os posicionamentos ideológicos não se votam, assumem-se.
Por exemplo, um dos votos diz que «(…) a reunificação (…)» marca o «(…) reencontro de todo o povo alemão com (…) os direitos (…) fundamentais e a plena cidadania». Isto, quando, nos anos 90, a Alemanha foi marcada por um brutal avanço do racismo e da xenofobia, que não pode ser desligado da profunda divisão de condições de vida e de trabalho que marca as partes ocidental e oriental da Alemanha.
Outro voto aplaude Helmut Kohl, o que, nas condições actuais, é, no mínimo, problemático.
Outro voto assume o Volk e a Heimat como valores, esquecendo aquilo a que conduziram.
Outro voto fala de repressão e censura, esquecendo a repressão e discriminação a que os comunistas e outras forças de esquerda foram sujeitos na República Federal da Alemanha (RFA).
O problema que os votos ideológicos sobre a Alemanha levantam está na História desta, associada ao melhor mas também ao pior da História da Europa e da Humanidade.
A divisão da Alemanha não foi um puro reflexo isolado da política de blocos; foi o resultado da ocupação da potência nazi, derrotada após ter cometido as maiores atrocidades, como potência expansionista, militarista, racista e xenófoba.
A defesa da unidade da Alemanha não esteve sempre contida na área das duas Alemanhas. Em mapas de entidades oficiais da RFA, até à Conferência de Helsínquia de 1975, a grande Alemanha mantinha fronteiras para além dessa área. E, nos anos 90, algumas atitudes das autoridades alemãs, como o reconhecimento unilateral, em 1992, da Croácia e da Eslovénia, contra as posições da União Europeia e da comunidade internacional, mostram que a grande potência da Europa Central não enterrou de vez a vontade de hegemonizar a área. E quando se vê tropa alemã nos Balcãs, temos o direito de perguntar se não é demasiado cedo para esse regresso às armas.
Estes votos não podem substituir-se ao debate necessário em torno dos acontecimentos de há 10 anos. E não podem apagar que o processo jurídico-político não foi o de uma reunificação mas o de uma anexação, como se houvesse alemães vencedores e alemães vencidos. Hoje, depois do desmantelamento e saque da economia da parte
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oriental, em vez da sua recuperação e desenvolvimento, o que temos são duas Alemanhas, divididas por outros muros, no emprego, no poder de compra e na expectativa de futuro.
A verdade é que o fim da «guerra fria» foi o começo de outras guerras, a queda do Muro construiu outras divisões e a unidade europeia não é, hoje, solidária, nem justa, nem coesa.
O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo. Agradeço-lhe que termine, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino, Sr. Presidente, dizendo que apoiamos os votos, na parte em que desejam desenvolvimento, justiça e paz à Alemanha e aos seus cidadãos e se pronunciam por relações justas e solidárias dentro da Europa entre todas as nações.
Porém, não os podemos apoiar, na parte em que é seu pressuposto ideologicamente marcado de que houve uma reunificação justa e de que, agora, tudo está bem e no bom caminho. Nada disso é verdade. Por isso, o PCP vai abster-se.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista não saúda a reunificação alemã pelo simples facto de ter havido uma reunificação. Sabemos que, no século XIX, os povos alemães se unificaram, mas sabemos também que o nacionalismo romântico, libertário, inicial tombou num chauvinismo total e duas guerras sucederam no solo europeu.
Portanto, não é a Weltanschauung alemã que nos leva aqui a saudar a queda do Muro de Berlim. Saudamos, e só, a queda do Muro de Berlim, porque é o encontro de todos os povos alemães com a liberdade: dos que a tinham obtido com a queda do nazismo e dos que, agora, a obtiveram com a queda do Muro de Berlim.
É no pressuposto de que esta Alemanha democrática, independentemente das dificuldades que ela possa ter - porque qualquer um dos outros povos ou nações têm os seus próprios problemas -, terá um contributo decisivo no concerto dos povos europeus e na defesa dos ideais democráticos da comunidade europeia que saudamos a queda do Muro de Berlim e a reunificação do povo alemão.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A unificação alemã, consequência do derrube do Muro de Berlim, é aqui saudada nesta Câmara, 10 anos depois.
Saudamos, inequivocamente, esse facto, independentemente das condições da unificação alemã, dos processos próximos que lhe deram origem e mesmo até de vários entorses àquilo que tinham sido as iniciais expectativas.
No entanto, queremos também dizer muito claramente que, se condenamos o regime anterior que vigorou na República Democrática Alemã, particularmente a ausência da democracia política, teremos de estudar, no fio da História da Alemanha, as razões mais profundas dessa divisão. E, desde logo, aí, denoto uma insuficiência no voto apresentado pelo Partido Socialista, quer na descrição histórica quer na motivação política acerca dos factos prévios ao regime nazista e de tudo aquilo que esse próprio regime veio a encadear.
O Sr. José Barros Moura (PS): - Falamos é da vitória sobre o nazismo!
O Orador: - Gostaria de demarcar-me dos votos aqui apresentados pelo Partido Social Democrata e pelo Partido Popular, porque ambos, não sei por que velocidade da História, tomam já a Alemanha como uma potência, talvez com alguma imprudência. Todos reconhecemos o peso que a Alemanha tem, mas não será pacífico e talvez não seja muito prudente, até para o nosso país, encarar algumas das vontades geo-estratégicas da Alemanha. E o papel que tem desempenhado nos Balcãs é exactamente o exemplo desse facto - a começar pelo reconhecimento unilateral da Croácia e da Eslovénia, que, como se sabe, não foi pacífico, sequer na comunidade europeia, e que, inclusivamente, Srs. Deputados do PSD, mereceu, na altura, a reprovação dos Estados Unidos da América. Portanto, estar aqui a fazer, em letra de forma, quase que um reconhecimento dessa intervenção da Alemanha nos Balcãs e do papel que lhe tem agora assistido nas forças multinacionais, no Kosovo e na Bósnia, parece-nos exagerado, não conduzindo essa posição a uma expectativa de cooperação e de paz duradoura, nem a uma concertação de interesses no seio da União Europeia ou, mais alargadamente, no mapa europeu.
Assim, distanciamo-nos das litanias, quer do CDS-PP quer do PSD, em relação ao papel de potência da Alemanha.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Faz muito bem!
O Orador: - O nosso voto procura conter-se - no limite do que ele pode ser, porque os votos são os votos, mais ou menos marcados ideologicamente - no limite de uma certa descrição histórica. E pomos o dedo numa expectativa e numa esperança: que os fenómenos de recrudescimento do racismo e da xenofobia e aspectos lesivos dos direitos humanos,…
O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado. Agradeço-lhe que remate.
O Orador: - … que, inclusivamente, têm tocado nos imigrantes e na cidadania portuguesa, sejam rapidamente superados na Alemanha. Esse é o melhor voto que podemos fazer, 10 anos após a unificação.
Vozes do BE: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.
O Sr. Ministro da Presidência (Guilherme d' Oliveira Martins): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Duas palavras apenas para me associar, em nome do Governo, à saudação pela passagem do 10.º aniversário da unificação alemã.
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Trata-se, sobretudo, de saudar, neste acto, a causa da paz e da liberdade, causa da paz e da liberdade na Europa, que não pode deixar de ser devidamente realçada neste momento.
Depois de 1989, alteraram-se as circunstâncias na Europa: os cidadãos europeus são responsáveis por todo o destino da Europa. Ora, é isto que, naturalmente, não pode deixar de ser saudado neste momento, a propósito do 10.º aniversário da unificação alemã.
Alguém disse que, em 1989, tinha terminado a II Guerra Mundial e que faltava terminar a I Grande Guerra. Esperamos que, no dia 5 de Outubro de 2000, com os acontecimentos de Belgrado, tenha também terminado a I Grande Guerra e tenhamos iniciado uma nova fase de paz e de liberdade para a Europa.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É esta, fundamentalmente, a nossa preocupação e a nossa orientação.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais pedidos de palavra, vamos votar.
Pausa.
O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, dado que há vários votos, originários de vários grupos parlamentares, gostaria de saber qual deles vamos votar.
O Sr. Presidente: - Tem toda a razão Sr. Deputado, eles foram discutidos conjuntamente, mas têm de ser votados separadamente.
Srs. Deputados, vamos, então, começar por votar o voto n.º 80/VIII - De congratulação pela passagem do 10.º aniversário da unificação alemã (PSD).
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP, votos contra do BE e a abstenção do PCP.
É o seguinte:
Durante a «guerra fria» a concretização da unidade do povo alemão era inseparável do destino político do continente europeu. A divisão da Alemanha ilustrava a divisão da Europa nascida em Yalta consagrando, assim, a confrontação ideológica do mundo bipolar.
Foi o «Outono dos Povos» de 1989 que realizou o sonho daqueles que, durante décadas, defenderam uma Europa unida e uma Alemanha unificada, convictos de que a História encontraria uma via e um meio de eliminar o que era contra natura.
Sede de liberdade e de democracia e uma inabalável vontade de viver em conjunto foram factores decisivos nas mudanças políticas que culminaram com a queda do Muro de Berlim.
Foi uma «revolução tranquila» em que se multiplicaram os movimentos cívicos de dissidência e se formou, no simbolismo das manifestações de Leipzig, a vontade de se ser um povo e se ter uma só Pátria. Em Berlim, desce a Cortina de Ferro e, mais tarde, abrem-se as Portas de Brandenburgo, na presença de Hans Modrow e de Helmut Kohl. O ano de 1990 nasce com as primeiras eleições livres na RDA, favoráveis a uma unificação rápida. Aceite por Gorbatchov o princípio da unificação e a consequente retirada das tropas soviéticas da RDA; integrada a Alemanha na NATO e com o beneplácito dos quatro vencedores da II Guerra Mundial, é fixada para 3 de Outubro a data da unificação.
Terminava o período do pós-guerra e, ao mesmo tempo, ruía a concepção segundo a qual as ideologias nascidas no século XIX resolveriam os problemas do nosso final de Século. Agora, depois de lutas fratricidas, a Europa podia contar com um tempo de esperança.
Empenhada no processo de construção europeia, a Alemanha assume o seu lugar no coração da Europa, participando também nas forças multinacionais presentes na Bósnia e no Kosovo.
Dez anos depois da unificação, a Assembleia da República congratula-se pelo esforço de reunificação social e económica de duas sociedades tão diferenciadas e pelo decorrente reforço do clima de segurança e estabilidade na Europa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o voto n.º 84/VIII - De saudação pela passagem do 10.º aniversário da unificação alemã (BE).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP, votos a favor do BE e a abstenção do PCP.
Era o seguinte:
Ao longo do século XX, foi na Europa que se travaram os conflitos fundamentais, que vieram a estender-se e a dilacerar todo o mundo. O mais grave de todos eles, a II Guerra Mundial, teve origem no nazismo que governou a Alemanha e que já ensaiara as suas armas no levantamento fascista de Francisco Franco contra a República espanhola. Depois da derrota do nazismo e com os acordos de Yalta, institucionalizou-se um sistema bipolar cujas fronteiras atravessaram e dividiram a Alemanha.
A reunificação alemã foi, desde então, reivindicada nos textos constitucionais de ambas as partes, e correspondia a um sentimento generalizado da população.
Mas só mais de 40 anos depois se concretiza a reunificação. A repressão violenta contra movimentos populares na RDA e a persistência de um regime baseado na censura, na polícia política, no partido único e nos sindicatos oficiais, conjugadas com a crise geral do sistema político de Leste, enfraqueceram este regime e conduziram, em 1989, à sua desagregação e ao derrube do Muro de Berlim, abrindo caminho para a integração da ex-RDA na Alemanha Federal.
A reunificação, no entanto, suscitou novos problemas que estão longe da resolução. No plano interno, vagas de xenofobia e atentados de extrema-direita contra imigrantes, a manutenção de desemprego estrutural e a marginalização de população das zonas da ex-RDA e, no plano externo, a intervenção da Alemanha, precipitando a independência da Croácia e acentuando os primeiros conflitos que destruíram a Federação Jugoslava, bem como mais tarde a sua
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intervenção no bombardeamento de Belgrado, merecem atenção. O contributo da Alemanha para a segurança na Europa, que é essencial, requer uma orientação para uma política de cooperação, assente no fim da xenofobia, no respeito dos direitos humanos e na paz.
A Assembleia da República saúda o 10.º aniversário da reunificação alemã em consequência do derrube do Muro de Berlim e exprime o seu voto de que a paz e cooperação na Europa seja reforçada pelo contributo de todas as suas nações.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o voto n.º 90/VIII - De congratulação pela passagem do 10.º aniversário da unificação alemã (PS).
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e do BE.
É o seguinte:
No 10.º aniversário da reunificação alemã, ocorrida por pressão dos cidadãos da antiga RDA que se manifestaram nas ruas e forçaram a queda do Muro de Berlim quando a situação internacional propiciou o fim da divisão da Europa em blocos e da «guerra fria», conduzindo à queda do regime comunista;
Considerando que a reunificação, desde sempre reivindicada nos textos constitucionais de ambos os Estados alemães, correspondeu ao sentimento generalizado da população;
Considerando que a reunificação pôs fim ao interregno histórico do nazismo, derrubado em 8 de Maio de 1945, e do comunismo e deve significar a ruptura definitiva com o totalitarismo através do reencontro de todo o povo alemão com os princípios do Estado de direito, os direitos e liberdades fundamentais e a plena cidadania;
Desejando que a República Federal corresponda às aspirações de igualdade de oportunidades, bem-estar e liberdade de todos os seus cidadãos e que a Alemanha unificado contribua para a paz na Europa e apoie a transição dos países de Leste para a democracia, no quadro de uma União Europeia alargada;
A Assembleia da República saúda o povo da República Federal da Alemanha e faz votos pelo reforço da paz e da democracia em toda a Europa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o voto n.º 94/VIII - De congratulação pela passagem do 10.º aniversário da unificação alemã (CDS-PP).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e do BE, votos a favor do PSD e do CDS-PP e a abstenção do PCP.
Era o seguinte:
A unificação alemã, cujo 10.º aniversário ocorreu no dia 3 de Outubro de 2000, constitui a importante vitória do povo alemão, separado por vicissitudes da História europeia e universal e do mapa político traçado na Conferência de Yalta pelas potências aliadas e URSS, vencedoras da II Guerra Mundial.
A unificação alemã abriu a todos os alemães, antes separados pelo Muro de Berlim, hoje derrubado, o seu reencontro histórico com a liberdade, a democracia e o desenvolvimento económico e social a que hoje se assiste, apesar de muitos constrangimentos herdados do passado recente.
Com a passagem do testemunho da geração dos políticos que arquitectaram e construíram a unidade alemã, em que sobressai a grande figura de Helmut Kohl, à nova geração de políticos que hoje dirigem a grande potência em que se transformou o Estado alemão com as suas novas fronteiras, a União Europeia viu a Alemanha transformar-se numa potência, hoje reconhecida como parceiro decisivo para o futuro da União Europeia.
A Assembleia da República congratula-se com o aniversário desta vitória do povo alemão, que soube encontrar, há 10 anos, o seu projecto nacional de sempre, desejando-lhe um futuro próspero no seio da União Europeia.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, os votos que foram aprovados serão levados ao conhecimento do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, com destino ao Sr. Embaixador da Alemanha.
Amanhã, então, Srs. Deputados, discutiremos e votaremos os restantes votos que, oportunamente, foram apresentados na Mesa. Aliás, já ultrapassámos o tempo-limite para o período de antes da ordem do dia.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Eram 16 horas e 45 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a apreciação do Decreto da Assembleia da República n.º 25/VIII - Define o regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, bem como a protecção sanitária e social das pessoas que consomem tais substâncias sem prescrição médica.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço-lhe que identifique a matéria da ordem de trabalhos em causa.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, é a propósito de um ofício que lhe foi dirigido pelo Movimento Droga Todos Pelo Referendo.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, gostaria apenas de perguntar a V. Ex.ª se já deu resposta ao ofício que referi, já que o Movimento Droga Todos Pelo Referendo considera que a aprovação do diploma em debate pode ser interpretada como uma forma de impedir um amplo debate e consulta aos cidadãos portugueses, e, por essa razão, pede uma audiência a V. Ex.ª para esclarecer os motivos que levam o movimento a pedir que seja concedido ao povo português um prazo razoável para se manifestar.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, recebi essa carta 10 minutos antes de me dirigir para o Plenário.
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Vou, necessariamente, conceder a audiência que me é pedida, mas, com o tempo que tinha disponível, nada mais pude fazer senão dirigir-me ao meu posto para presidir aos trabalhos.
De qualquer modo, um referendo pode incidir sobre uma lei que esteja a ser feita, até ao momento da sua publicação.
Vou receber os signatários dessa carta, mas, neste momento, não posso fazer mais do que isso.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.
O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Vitalino Canas): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Assembleia da República tem, hoje, oportunidade de introduzir uma mudança muito importante na política da droga e da toxicodependência deste país.
É certo que não se trata de uma mudança radical, desde logo porque preservámos aquilo que entendemos ser um consenso nacional, que ainda existe entre nós: um consenso no sentido de que consumir drogas é mau, mau para a saúde do próprio, mau para a saúde pública, em certos casos, e mau também para as questões de inserção social; um consenso no sentido de que consumir drogas deve ser proibido; e um consenso no sentido de que, quando essa proibição é quebrada, deve haver a possibilidade de uma punição.
É óbvio também que esta mudança não é o pilar essencial de uma política; é uma medida importante, mas não é a mais importante dentro da política de combate à droga e à toxicodependência. Mas é um pilar importante pelo seu simbolismo, pela mudança de mentalidade que representa e também pelo sinal, que através dela se dá, de que não nos conformamos com a situação que temos, que queremos mudar. Obviamente, seria fácil manter tudo como está. Não é esta a intenção do Governo e suponho que não será esta também a intenção da Assembleia da República.
Com este passo, além disso, colocar-nos-emos de par com aquilo que está a acontecer na Europa.
No recentemente divulgado relatório do Observatório Europeu das Drogas e Toxicodependência refere-se, explicitamente, que, hoje em dia, na Europa, já não há qualquer país em que os consumidores de droga sejam condenados a pena prisão só pelo simples facto de consumirem e que todos os países caminham para uma situação em que os consumidores são sobretudo observados como doentes e não como criminosos. Isto está explícito no relatório do Observatório Europeu das Drogas e Toxicodependência, recentemente divulgado, em Lisboa.
É importante também pelo impacto prático que a aprovação deste diploma terá, ao nível da situação no terreno, porque dará um novo estímulo, será indutor de novos investimentos e permitirá tirar toxicodependentes das ruas, uma vez que possibilitará também a existência de uma atitude activa no sentido de, ao ir buscá-los, lhes oferecer situações e possibilidades de tratamento.
Este diploma não é facilitista, ao contrário do que alguns têm dito quando procuram contrariá-lo sem querer, ou sem poder, contrariar a sua substância. Este diploma não facilitará o aumento do tráfico; este diploma não facilitará o aumento o consumo! Nada no diploma permite esse aumento; nada no nosso discurso autoriza esse aumento; nada, na nossa prática, sustenta esse aumento! Pelo contrário, o diploma acrescenta responsabilidade «sobre os ombros» de todos nós, do Governo, de outras entidades públicas e da própria comunidade. Este diploma implica uma atitude mais activa da parte de todos nós em relação ao fenómeno da toxicodependência.
Aliás, devo dizer que a alegação de que o diploma é facilitista pode ter um efeito contraproducente, porque uma falácia repetida muitas vezes pode tender a ser considerada como verdade pelas pessoas menos informadas, pelas pessoas mais frágeis. Portanto, dizer que este diploma facilita o consumo pode ser entendido por algumas pessoas, por jovens nomeadamente, como uma mensagem de que estamos a banalizar o consumo. Não é isso que está na proposta, aqui, em reapreciação; não é isso que está na nossa mente.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não está na vossa mente, mas está na vossa boca!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio poder dizer que o consenso em torno deste diploma é mais amplo do que aquele que verificámos existir, nesta Assembleia da República, na primeira vez que a proposta de lei foi aqui apreciada.
Tenho visto, por esse País fora, um amplo consenso em torno deste diploma. Amplo consenso esse que, aliás, não é apenas dos membros da comunidade mas também de algumas forças político-partidárias que, aqui, nesta Assembleia, votaram contra a proposta de lei, mas que no terreno, muitas vezes, não estão contra ela.
Noto, aliás, com especial gosto, que o próprio parecer da Região Autónoma dos Açores denota que há um consenso mais alargado, que ultrapassa largamente o consenso obtido nesta Assembleia. Isto é, obviamente, importante!
O Governo sempre disse que deveria haver um amplo consenso sobre a política da droga e da toxicodependência e sobre esta mudança que agora está a ser introduzida. Portanto, a existência desse amplo consenso, mais alargado fora da Assembleia do que dentro dela, é muitíssimo importante para a futura implementação da lei.
Espero que no terreno, após a sua aprovação, se consigam gerar novos consensos para a sua aplicação.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, vou fazer, muito rapidamente, um primeiro pedido de esclarecimento.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, não posso interromper o orador…
O Sr. Jorge Lacão (PS): - O Sr. Presidente não pode conceder a palavra para pedidos de esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Mas já concedi, Sr. Deputado. De facto, não devia ter-lha concedido, mas já o fiz.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - E agora?
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O Sr. Presidente: - Agora não posso retirar-lhe a palavra.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Registo das suas palavras, Sr. Secretário de Estado, que V. Ex.ª entende que esta lei não facilitará o consumo. É outra a leitura que nós temos, porque, ao liberalizar ou despenalizar, facilitamos o consumo e, obviamente, o tráfico.
Mas a questão que quero colocar-lhe tem a ver com o facto de o Sr. Secretário de Estado falar em pessoas menos informadas e, a seguir, num amplo consenso. Sr. Secretário de Estado, se há, por um lado, pessoas menos informadas e, por outro, como diz, um amplo consenso no País, então por que é não informamos essas pessoas? Por que é que o Governo e o Partido Socialista têm medo do referendo?
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Por que é que o senhor não está disposto a demonstrar esse grande consenso, aceitando fazer um referendo nacional, como sempre dissemos?
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Telmo Correia, constatei que não deveria ter-lhe dado a palavra para pedir esclarecimentos na medida em que cada grupo parlamentar só pode fazer uma intervenção, e, com certeza, o vosso grupo parlamentar quererá fazer uma intervenção na altura em que se inscrever para o efeito.
Vozes do PS e do PCP: - Já fez a intervenção!
O Sr. Presidente: - Mas, já que lha dei, tem, agora, a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros para responder.
O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, este diploma não procede à liberalização nem à despenalização do consumo das drogas.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Mas ajuda!
O Orador: - Continuamos, eternamente, a discutir isto.
Esta diploma limita-se a fazer a descriminalização do consumo das drogas, mantendo a proibição, embora em sede de Direito Administrativo. E esta é, porventura, uma das razões porque não podemos aceitar um referendo.
Primeiro, porque não estamos a fazer uma alteração radical, não estamos a revolucionar - sentimos, aliás, que não podemos introduzir revoluções nesta área onde existem muitos receios, onde existem muitas ideias feitas. Estamos a promover uma mudança, que é sensata mas não é radical, e esta é, desde logo, uma primeira razão para não se fazer um referendo sobre esta matéria.
Uma segunda razão, que aliás, a sua intervenção me suscita, tem a ver com o facto de ainda nem sequer termos conseguido perceber sobre o que é o referendo, porque, quando o Partido de V. Ex.ª lançou a ideia do referendo, este era sobre a liberalização, que não estava em discussão ou, pelo menos, não estava pela maior parte desta Casa.
Depois, o PSD lançou também a ideia do referendo e pôs uns cartazes por esse País fora, mas agora o referendo já era sobre as drogas. Droga, exija o referendo, era aquilo que estava nos cartazes. O referendo já não era sobre a despenalização ou a descriminalização mas, sim, sobre quem era ou não a favor das drogas. Era isto que estava nos cartazes!
Entretanto, tenho assistido a algumas intervenções de pessoas que defendem a realização do referendo, e, ainda há pouco, vi uma entrevista de uma dessas pessoas, que, muito legitimamente, faz a sua defesa, que dizia que o referendo era sobre a despenalização das drogas leves.
Sr. Deputado, a despenalização das drogas leves não está em causa, não é isto que está em discussão mas, sim, a descriminalização das drogas, ponto final!
Portanto, nem os senhores que defendem o referendo sabem para que ele é; até ao momento, não conseguiram explicar para que era. É por isso, para começar, que não aceitamos o referendo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Durão Barroso.
O Sr. Durão Barroso (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Srs. Deputados: Ignorando todos os avisos que chamaram à atenção para o facto de a denominada lei de descriminalização do consumo de droga ser inconstitucional, a maioria de esquerda que a aprovou insistiu e o decreto seguiu para promulgação.
O Sr. Presidente da República solicitou à Assembleia da República, nos termos constitucionais, uma nova apreciação parlamentar do diploma, que aqui se encontra, hoje, para reapreciação.
Mais uma vez, a maioria de esquerda, não aproveitando a oportunidade de esta legislação nos ter sido devolvida, pretende aprovar a descriminalização do consumo de droga de modo apressado, tendo, inclusivamente, confinado a sua discussão ao limite mínimo, procurando tratar de modo mais expedito tão grave e sensível matéria!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A verdade é que as diferentes forças políticas proclamam, tradicionalmente, um consenso na luta contra a droga e o PSD tem feito tudo para evitar a quebra desse consenso.
Entendemos que seria muito útil que todas as forças políticas dessem sinais concretos, no que diz respeito à luta contra a toxicodependência! Seria muito positivo que a sociedade portuguesa, e em especial os jovens, não tivesse qualquer dúvida quanto à opção essencial dos responsáveis políticos relativamente a este assunto: lutar contra a toxicodependência, porque a droga é má para a saúde e para a vida das pessoas, bem como para a segurança e para o equilíbrio da nossa sociedade! Já agora também, porque a droga, de acordo com as últimas estatísticas divulgadas pelo Observatório Europeu das Drogas e Toxicodependência, sediado em Lisboa, é a primeira responsável pelo aumento da doença da SIDA, em Portugal!
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!
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O Orador: - Mas o consenso foi interrompido quando o Governo se juntou ao PCP e ao Bloco de Esquerda e apresentou como elemento nuclear da sua política uma proposta de lei que descriminaliza o consumo, uma proposta de lei que, ao fim ao cabo, não é mais do que uma rendição no combate à toxicodependência.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Objectivamente, é uma lei que facilita e não uma lei que dificulta o consumo de drogas; é uma lei que vai, na nossa maneira de ver, exactamente no sentido errado!
Pedi a intervenção do Sr. Presidente da República sobre esta matéria. Não duvido das diligências que este terá feito junto do Governo, todavia, está à vista que essas diligências não tiveram qualquer êxito.
Em carta dirigida ao Sr. Primeiro-Ministro propus-lhe que, antes de avançar com a aprovação de legislação descriminalizadora, nos concentrássemos e uníssemos em torno de princípios que fossem pacíficos, de princípios que merecessem um apoio tão generalizado quanto possível nesta Câmara e na sociedade.
Hoje, o facto de o Governo e o Partido Socialista estarem a forçar a aprovação deste diploma mais uma vez demonstra que o Primeiro-Ministro, que tanto fala de diálogo e de consenso, pretende frustrar esses objectivos!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sendo assim, não sendo possível o consenso e encontrando-nos nós perante uma legislação que divide a sociedade portuguesa, deve dar-se voz ao povo para que ele diga o que pensa!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Se é como diz o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, que tem constatado, ao longo do País, um amplo consenso na matéria, por que razão tem ele medo de ouvir directamente o povo português, para, dessa forma, o mesmo mostrar o consenso sobre este assunto?
Aplausos do PSD.
Se todos reconhecemos - por uma questão de honestidade intelectual penso que todos o reconhecemos - que este assunto é, pelo menos, polémico e que encontra divergências de opiniões dentro dos próprios partidos, então, por que não consultar directamente os portugueses? Afinal, quem tem medo de ouvir os portugueses?
Pela nossa parte, esgotámos todas as vias na procura de um consenso parlamentar sobre esta questão. O PSD tem uma proposta alternativa em matéria de combate ao consumo de droga, sendo que já por diversas vezes a apresentou publicamente, a última das quais ocorreu no debate da nossa moção de censura ao Governo.
O PSD acaba de entregar na Mesa um projecto de resolução que se concentra nas medidas que, a nosso ver, deveriam merecer o acordo desta Câmara e que, uma vez aprovadas, constituirão um claro sinal do empenhamento e da determinação da Assembleia da República na luta contra a toxicodependência.
A este propósito quero dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que considero vergonhoso e escandaloso que um instituto público, directamente dependente do Governo, esteja a gastar o dinheiro dos contribuintes numa campanha de publicidade, que já inundou parte das nossas ruas, na defesa de uma posição que, pelo menos, não é ainda a posição legal sobre esta matéria, porque esta legislação ainda não foi aprovada. Mas esse instituto público, directamente dependente do Governo, já está a fazer campanha,…
O Sr. António Capucho (PSD): - É um escândalo!
O Orador: - … dizendo que o essencial não é a repressão mas a prevenção.
Pergunto: desde quando os institutos públicos e a Administração Pública podem fazer campanha directamente a favor de uma posição do Governo e do partido que o apoia que, não tendo sido ainda sufragada pela Assembleia da República, não é ainda a orientação legislativa do nosso país?
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É uma vergonha!
O Orador: - Um desafio excepcional como a droga exige a concentração e a mobilização de recursos também excepcionais. Por isso, o essencial não está na descriminalização, passa por investir na prevenção, por apostar nas equipas de rua e nas estratégias de resolução de danos, por criar mais meios de tratamento, por facilitar a reinserção e estabilizar estilos de vida de quem se libertou do flagelo da droga.
Protestos do PS.
É nesta matéria que deveríamos exigir medidas do Governo, mas a verdade é que, ao fim de cinco anos de governação socialista, não se registaram progressos; bem pelo contrário, registou-se retrocesso na luta contra a droga e a toxicodependência. E o Governo, para mascarar este insucesso, quer desviar as atenções com uma lei pretensamente progressista, em vez de continuar a procurar a unidade de Portugal e dos portugueses naquilo que é o essencial da luta contra a toxicodependência.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sendo esta uma questão que, pela sua própria natureza, deve ser despartidarizada, o PSD aguardou pelo surgimento dos movimentos cívicos. Uma vez apresentado o movimento pró-referendo, que tanto comporta personalidades que se opõem à descriminalização como outras que admitem a liberalização do consumo de drogas, estando, contudo, unidas pela convicção muito forte da necessidade de se realizar um referendo, o PSD decidiu colaborar com esse movimento de modo a recolher as assinaturas necessárias à efectivação da consulta popular. Ontem mesmo encontrei-me com responsáveis do movimento pró-referendo e declarei-lhe, em nome do meu partido, todo o nosso apoio.
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A diferença entre nós e a esquerda é que não queremos impor a nossa opinião à força, nem queremos impor soluções que dizem directamente respeito à vida das pessoas sem que, pelo menos, sobre elas se produza um debate suficientemente alargado.
A Assembleia, sabendo que a sociedade civil está a movimentar-se na recolha de assinaturas para a realização de um referendo sobre a droga, deveria esperar ou dar algum tempo para que essa recolha se concretizasse.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Caso assim não aconteça, o Sr. Presidente da República não deverá promulgar a lei antes de verificar se existem ou não condições para a realização de um referendo.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - O PSD, aqui, na Assembleia, e lá fora, na sociedade civil, tudo fará para que às pessoas possa ser dada voz num dos problemas que mais as atormenta.
A democracia directa não serve apenas para ornamentar alguns discursos, deve ser accionada em circunstâncias como esta, em que as divergências político-partidárias deveriam ceder perante as preocupações essenciais da vida das pessoas.
Numa matéria em que pode estar em causa a vida e a morte de tantos dos nossos jovens não é aceitável que uma conjuntural maioria da Assembleia não queira ouvir o que pensam os portugueses! Nós, PSD, pela nossa parte, não temos medo da vontade popular!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Sempre tenho entendido que o rigor do que afirmamos não deve ser incompatível com a liberdade de opinião, de pontos de vista diferentes que possamos sustentar.
É em nome do rigor que conviria dizer que não está demonstrada a afirmação, já feita no Plenário, de que estávamos, agora, a reapreciar um diploma pela circunstância de o mesmo se ter revelado inconstitucional.
Vozes do PS: - Exactamente!
O Orador: - Que eu saiba, não houve veto algum ao decreto aprovado na Assembleia da República em resultado de qualquer pronúncia de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional sobre a matéria.
O que houve foi uma devolução da parte do Sr. Presidente da República, na base de um veto político, chamando a atenção para que o melhor seria que a Assembleia da República pudesse ouvir os órgãos de competência própria das regiões autónomas, desde logo até para se evitar o que pareciam ser vozes que procuravam aplicar uma atitude de não cumprimento futuro das disposições legais. Acontece que isto foi feito! Já sabemos, aliás, que os órgãos de competência própria, quer dos Açores, quer da Madeira, se pronunciaram, afinal, favoravelmente à disposição que, no decreto ora em apreciação, devolve justamente poderes de adaptação das suas normais gerais para as matérias de competência própria dos órgãos de governo regional. Estabeleceu-se, portanto, uma boa base de consenso entre a disposição da lei geral aprovada na Assembleia da República e os pareceres dos órgãos das regiões autónomas.
No entanto, Srs. Deputados, nesta ocasião, talvez valha a pena lembrar que há outras normas com a natureza de leis gerais da República que contêm disposições similares à que consta do decreto em apreciação, ou seja, que sem legislarem, sob o ponto de vista material, em matérias que digam respeito às regiões devolvem para os órgãos das regiões competência para o fazerem - estou a lembrar-me, por exemplo, de legislação em matéria de arrendamento e de uma lei recentemente aqui aprovada relativa ao regime de contra-ordenação social no domínio laboral, não se tendo posto, até ao momento, em causa que este tipo de soluções possa estar ferido de inconstitucionalidade.
É uma questão a acompanhar com atenção da nossa parte, mas vale a pena sinalizar este aspecto para que não se fique com a ideia de que se criou agora um precedente relativamente a uma regra de consulta dos órgãos regionais, tal como ficou configurado neste diploma.
Vamos à questão fundamental. Não é verdade, Srs. Deputados, que a alternativa colocada por este diploma seja entre a descriminalização e a liberalização! Todos aqueles que têm insistido neste ponto, como ainda agora foi feito pelo Sr. Deputado Durão Barroso, mais não estão a fazer do que a continuar a lançar um factor de confusão perante a opinião portuguesa.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Do que estamos aqui a cuidar é de uma alternativa entre uma certa descriminalização por se ter demonstrado que a intervenção dos tribunais nesta matéria, tratando o toxicodependente como criminoso só por isso, não resolve problema algum da reintegração social indispensável e do esforço que a sociedade, no seu conjunto, tem de fazer para debelar o que verdadeiramente é uma chaga social, que é o problema da droga.
A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!
O Orador: - A alternativa, portanto, é entre o recurso a uma certa criminalização, que não resolveu o problema, e outras medidas de penalização, estas, sim, social e medicamente acompanhadas, com o objectivo de permitir a recuperação e a reintegração social do toxicodependente. Esta é a verdadeira questão suscitada por este diploma!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Essa lei nada tem a ver com isto!
O Orador: - Por isso, quando alguns dos senhores invocam a questão do referendo para bipolarizar, em termos de descriminalização ou liberalização, estão justamente a introduzir dois termos de alternativa que não são válidos face ao diploma ora em apreciação.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sejamos, portanto, Srs. Deputados, rigorosos naquilo que aqui queremos assumir. E o que aqui queremos assumir não é um baixar dos braços nem um
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capitular perante o flagelo do consumo da droga, o que aqui queremos assumir, muito claramente, é uma atitude de reforço da solidariedade nacional em torno dos objectivos de recuperação daqueles que, um dia, para sua própria infelicidade e a das suas famílias, caíram no flagelo da toxicodependência. É assumir, como há pouco disse o Sr. Secretário de Estado, que este é um problema de nós todos, o qual não se resolve na barra do tribunal mas, sim, com um esforço empenhado da sociedade civil e das instituições para procurarmos todos, na medida das nossas possibilidades, criar soluções para a ressocialização e a recuperação, que não se faz promovendo a irresponsabilidade; pelo contrário, Srs. Deputados, faz-se criando-se factores de responsabilização e de acompanhamento das medidas de penalização ligadas a essa mesma responsabilização. Porém, isto é feito não decretando, de uma vez por todas, uma certa pena para um certo crime mas, sim, decretando determinadas medidas e acompanhando, a par e passo, o processo de recuperação do toxicodependente ou daquele que, um dia, incorreu em práticas de consumo de droga.
É isto, Srs. Deputados, que, ao fim e ao cabo, singelamente, está em causa! E porque é isto que está em causa, queremos aproveitar esta oportunidade para sinalizar à Câmara o nosso propósito de introduzir uma alteração na especialidade relativamente ao regime da entrada em vigor do diploma.
Como se sabe, na versão originária admitia-se um certo prazo para se estabelecerem as normas regulamentares da sua concretização e só depois da aprovação dessas normas regulamentares é que a lei entraria em vigor, 45 dias depois. Tudo visto e ponderado, não deixámos de reflectir sobre o seguinte: algumas vezes, porventura vezes demais, o que não é propriamente positivo, mas tem acontecido, alguns dos prazos estabelecidos em lei para a aprovação de normas regulamentares são entendidos como meramente ordenadores e não como peremptórios.
Criando uma solução em que a lei só viesse a entrar em vigor com a entrada em vigor do último regulamento poderíamos, sem ter sido esta a intenção do legislador, estar a criar a um pressuposto que arrastasse tempo demais a possibilidade da entrada efectiva em vigor do diploma que agora queremos que entre em vigor, justamente para podermos ter os instrumentos eficazes de combate positivo ao problema da toxicodependência.
Por isso, preferimos introduzir um prazo peremptório de 180 dias ou, melhor, preferimos fixar o dia 1 de Julho de 2001 para a entrada em vigor do presente diploma, sendo que os vários regulamentos que o concretizam devem estar, nos termos do artigo 29.º que agora propomos, necessariamente aprovados até esta data, a qual é peremptória para a entrada em vigor do diploma e para a sua aplicação a todo o território nacional, sem excepção. Srs. Deputados, esta também é, nesta fase, uma contribuição para dar plena efectividade à aplicação integral do diploma.
Não se diga - e com isto desejo concluir - que há algum receio relativamente a qualquer tipo de veredicto popular. É que estamos numa Câmara representativa e dá-se mesmo esta circunstância extraordinária: o Governo que propôs o diploma, para além de outros projectos de lei entretanto também apresentados, manifestou a sua concordância originária com a solução; a Assembleia da República, que maioritariamente o aprova com legitimidade democrática plena, manifesta a sua concordância com a solução; e o Sr. Presidente da República, na mensagem dirigida à Assembleia da República, congratula-se com a circunstância de este diploma ser uma resposta indispensável ao problema da toxicodependência.
Vozes do PSD: - É tudo a mesma coisa!
O Orador: - Ou seja, todos os órgãos de soberania legítimos e representativos convergem na avaliação da utilidade e da oportunidade do diploma.
Quem tem medo da legitimidade democrática, Srs. Deputados?
Aplausos do PS.
O Sr. António Capucho (PSD): - Quem tem medo do povo?
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, utilizando o tempo de que ainda dispõe, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, penso que os 6 minutos de que disponho são suficientes.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Parece estarmos a discutir duas questões, sendo uma delas essencialmente processual e a outra de fundo. E, a meu ver, a última intervenção referiu-se muito à questão processual e menos do que eu esperava à questão de fundo.
Em relação à questão processual, gostávamos de dizer que a aprovação deste diploma e o facto de ainda hoje o estarmos a discutir é uma enorme trapalhada que resulta de algo muito simples: a pressa com que os partidos da esquerda quiseram aprovar esta matéria na Assembleia;…
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - … uma pressa total e absoluta; uma pressa de cedência ao mais puro vanguardismo; uma pressa que fez com que a Assembleia… Eu sou Deputado há cerca de um ano, respeito a Assembleia, gosto da Assembleia e gosto de aqui estar, mas devo dizer que, pela forma como esta lei foi discutida e aprovada em Comissão, esse foi um dos momentos menos prestigiantes a que pude assistir desde que sou Deputado. Em três ou quatro horas de reunião, esta lei foi discutida e aprovada à pressa, com pessoas a saírem dos seus lugares e a irem ao canto da sala para mais umas cedências…
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É uma vergonha!
Foi o pior momento parlamentar a que eu, pessoalmente, pude assistir!
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É uma vergonha! Foi um cambalacho!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É isso mesmo!
O Orador: - A Assembleia também não quis ouvir os órgãos das regiões autónomas. Não quis ouvi-los ao princípio, quando aqui levantámos a questão, porque era uma formalidade, e houve até um Sr. Deputado da bancada do PS que se levantou para dizer: isso de ter de ouvir as regiões autónomas não é da Constituição, é uma mera ha
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bilidade! O próprio Presidente da República, socialista entre os socialistas, veio dizer que era preciso ouvir os órgãos das regiões autónomas, mas os senhores não queriam ouvi-los sequer, como não ouviram especialistas, a Comissão de Saúde e Toxicodependência não reuniu… Diz-me o meu colega Deputado que há uma Subcomissão de Toxicodependência, da qual ele faz parte, que não reuniu uma única vez. Srs. Deputados, para aprovar a lei da droga, a Subcomissão de Toxicodependência não reuniu uma única vez.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É uma vergonha!
O Orador: - Tudo foi feito à pressa! O mais depressa possível, cedendo a um consenso entre um Partido Socialista, que esperávamos razoável e moderado, e a extrema esquerda vanguardista, cada vez mais caviar e cannabis e disposta a aprovar todo este tipo de matérias.
Risos do PS, do PCP e de Os Verdes.
Quanto à questão de fundo, os senhores têm certezas, nós temos dúvidas! Por isso a vossa posição é extremamente arrogante. Temos dúvidas, como têm as famílias portuguesas, porque o consumo da droga aniquila a pessoa humana e destrói as famílias.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Srs. Deputados, temos uma convicção: se houver maior consumo…
Sr. Presidente, quereria não ter de levantar sucessivamente o tom de voz para me fazer ouvir na Sala.
O Sr. Presidente: - Também eu, Sr. Deputado. Essa é uma das minhas ambições.
O Orador: - Choca-me até um pouco, devo dizer, Sr. Presidente, o tom divertido com que alguns membros desta Assembleia ouvem falar em destruição de vidas humanas e em destruição de famílias.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é verdade, mas de vez em quando…
O Orador: - Isto não é divertido, é muito sério!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Telmo Correia, comungo das suas preocupações, mas tenho de reconhecer que de vez em quando os sentimentos mudam de bancada.
Faça favor de prosseguir.
O Orador: - Sr. Presidente, isto é muito sério.
Dizia eu que, segundo as nossas convicções, um maior consumo aumenta forçosamente o tráfico e o problema é que no consumidor podemos passar a ter um toxicodependente. Este é o problema! Se o consumo for mais fácil, teremos mais consumidores e com mais consumidores poderemos ter mais toxicodependentes; se tivermos mais toxicodependentes teremos mais doenças e se tivermos mais doenças teremos mais mortes. Este é o problema, e é aquilo que preocupa as famílias portuguesas e que nos leva a dizer que as soluções liberalizadoras adoptadas pela Holanda, por exemplo - ao contrário do que é dito, que é uma enorme hipocrisia -, não resolveram coisa alguma, já que houve mais consumo, mais tráfico, mais toxicodependentes e mais doenças.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é verdade!
O Orador: - Por outro lado, é um erro - um erro para o qual as próprias Nações Unidas já alertaram - tornar esta matéria permissiva.
Por último, é uma enorme arrogância e, simultaneamente, uma enorme cobardia. Uma arrogância pelas certezas que os senhores têm nesta matéria. As famílias, as mães, os que passaram pela droga, os técnicos, os médicos, todos eles, têm dúvidas, enquanto que os senhores têm certezas, de que será assim que irão resolver o problema. Mas esta arrogância mistura-se, curiosamente, com uma enorme cobardia.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não é arrogância, é ignorância.
O Orador: - Por quê? Porque os senhores não querem fazer o referendo. Se falta informação, se há dúvidas, se esta é uma matéria sensível e complicada - diz o Professor Jorge Miranda: nada como os assuntos de interesse nacional e de relevância nacional para serem objecto de referendo -, então por que é que os senhores fogem do referendo? Por que é que não o aceitam? Por que é que não aceitam que os portugueses, as mães de famílias, os jovens, os que passaram pelo problema, possam esclarecer, que possamos todos esclarecer e tomar uma decisão? A única forma de prestigiar a democracia seria dar a palavra aos pais, aos jovens, ter a humildade de ouvir o País.
Também creio que, nesta matéria, não deveria haver esquerda ou direita, porque há certamente em todas as bancadas pessoas com dúvidas, que acham que esta solução pode não ser a melhor. Mas se há algo que aprecio ou que tendencialmente me habituei a apreciar nos partidos de esquerda, pelo menos nos democráticos, é precisamente uma certa humildade e uma certa cultura democrática.
Nesta matéria falhou-vos completamente a humildade e a cultura democrática! O que esta Assembleia deveria estar a discutir hoje era como desenvolver uma cultura de repulsa e de recusa da droga junto dos nossos jovens; o que esta Assembleia deveria estar a discutir hoje era como reforçar os meios de combater o tráfico; o que esta Assembleia deveria estar a discutir hoje era como desenvolver os meios de tratamento que estão na lei desde 1993 e que os senhores não puseram em prática.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - A discussão que estamos a ter não faz sentido e por isso deixo-vos um último apelo: aceitem - não aceitaram a semana passada na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, mas aceitem agora - que os projectos de resolução que pedem a realização do referendo sejam agendados para poderem ser discutidos por esta Câmara, porque o referendo é indispensável.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero, em primeiro lugar, dizer que, para Os Verdes, o importante e fundamental é o combate à toxicodependência. E o combate à toxicodependência não passa por intervenções com o sentido das que estão aqui a ser feitas, que mantêm equívocos junto da opinião pública, que mentem, que faltam à verdade e que pretendem criar a ilusão de que aquilo que esteve em causa e foi objecto de uma deliberação da Assembleia da República foi uma lei que conduziu à liberalização da droga, pois não é disso que se trata.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Diga isso ao Governo.
A Oradora: - O que, para Os Verdes, está em causa - e apoiámos os diplomas que estiveram em discussão - é, perante a constatação de que a via da criminalização não resolve um problema e de que é manifestamente o caminho errado, encontrar soluções alternativas. É disto que se trata e é isto que esta segunda apreciação parlamentar, a segunda leitura do decreto que saiu da Assembleia da República, suscita e sugere, e ela surge, naturalmente - e nisto estamos de acordo -, porque os órgãos legislativos das assembleias regionais da Madeira e dos Açores não foram na altura consultados. Pena é que o Partido Popular, que notou esta falha, não tivesse, em devido tempo, feito a devida chamada de atenção, para que a mesma pudesse ter sido colmatada.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Fez! Fez aqui, no Plenário. Se calhar a Sr.ª Deputada faltou nesse dia.
A Oradora: - Sr. Deputado, não sei se faltei ou não, o que sei é que o Partido Popular não moveu esforços para que a apreciação se fizesse.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Moveu sim senhor, dirigiu-se ao Presidente!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, agradeço que faça silêncio.
Faça favor de prosseguir, Sr.ª Deputada.
A Oradora: - Sr. Deputado, não a fez, seguramente, em sede de Comissão, aquando da especialidade, porque, se a tivesse feito, essa falha poderia, provavelmente, ter sido resolvida.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Fizemos sim senhor!
A Oradora: - Mas não é pelo facto de as assembleias legislativas regionais não terem, do ponto de vista processual, sido ouvidas e só agora isso acontecer que se modifica o conteúdo e o sentido político da lei aprovada, que é seguramente uma sobre uma questão importante, séria e não um motivo de brincadeira, do cannabis ou do caviar, como disse o Sr. Deputado Telmo Correia.
Em segundo lugar, é óbvio que caminhar no sentido da despenalização, como esta lei propõe, não impede que haja uma sanção, que haja, do ponto de vista social, a compreensão de que o consumo de drogas pode ser perigoso - falo do consumo de drogas, porque, insisto, estamos a falar de droga e não de outros consumos, que são simultaneamente graves e que, aparentemente, não preocupam o Partido Popular -, não invalida que a questão essencial não se mantenha: a informação, a prevenção, o investir fortemente nesta componente.
É fundamental aumentar a capacidade de apoio aos toxicodependentes, é fundamental aumentar o esclarecimento nas escolas, desde a mais tenra idade, é fundamental utilizar os grandes meios de comunicação social para chamar a atenção para este problema, é fundamental criminalizar o grande tráfico, os crimes de «colarinho branco», os quais, do nosso ponto de vista, não têm merecido grande atenção do poder político.
Mas esses são outros combates, essas são outras componentes de uma intervenção grande, de uma intervenção integrada, para combater um problema que é sério e que tem de ser seriamente tratado. E não vale a pena iludi-lo, não vale a pena lançar equívocos, não vale a pena alimentar fantasmas, que não existem, para agir seriamente.
Se o problema é sério, como todos aparentemente reconhecemos, se seriamente queremos agir sobre ele, não é lançando mentiras que com ele se lida correctamente.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O debate que hoje realizamos faz-se na sequência de um veto presidencial sobre um decreto da Assembleia, veto que, nos seus fundamentos, não oferece contestação.
A preterição da audição das Assembleias Legislativas Regionais está neste momento sanada, a Assembleia procedeu, como devia, à audição das referidas Assembleias, temos os pareceres na nossa posse. O Sr. Presidente da República chamou a atenção para a disposição da entrada em vigor, que poderia conduzir à paralisação da aplicação da lei, apesar de aprovada, e nesse sentido também subscrevemos uma proposta de alteração desse ponto concreto.
Trata-se de uma matéria que foi já discutida na passada sessão legislativa e que tem sido amplamente debatida na sociedade portuguesa. Não houve, nas últimas eleições legislativas, nenhum partido político que não tivesse apresentado no seu programa eleitoral o que pensava sobre essa matéria. Aliás, tudo o que o PCP aqui apresentou sobre este assunto corresponde escrupulosamente àquilo que propôs aos eleitores. De qualquer modo, esta tem sido uma matéria muito discutida - e ainda bem que é assim - e todos nós teremos de continuar a discuti-la em todas as suas vertentes.
No entanto, como pensamos que o País também não pode parar para discutir e que, portanto, a discussão não pode ser paralisante, criou-se nesta Assembleia o consenso necessário para tomar uma medida que reputamos muito importante no combate à toxicodependência e é indispensável, do nosso ponto de vista, que essa medida seja efectivamente tomada.
Nesse sentido, tomámos a iniciativa, aprovámo-la e participámos com todos os partidos na discussão, na especialidade, desta matéria e, portanto, ninguém pode considerar que foi limitado nos seus direitos, enquanto Deputado ou grupo parlamentar, na discussão que tivemos nesta Assembleia.
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Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Há algumas falsificações sobre esta matéria que importa desfazer devidamente.
A questão central da lei que vamos aprovar tem que ver com a necessidade de o mero consumo de drogas deixar de ser considerado um crime, como acontece actualmente.
O Sr. Ministro da Justiça informou-nos aqui, aquando do debate que aqui travámos na passada sessão legislativa, que é falsa a ideia de que não há pessoas presas exclusivamente por consumo de droga. O Sr. Ministro disse-nos aqui, se a memória não me trai, que eram 52 as pessoas presas naquele momento exclusivamente por consumo de drogas e isso é, para nós, algo absolutamente inaceitável. Se toda a gente reconhece que a toxicodependência é uma doença e que não é nas prisões que essa doença deve ser tratada, há que tirar consequências disso e não permitir que haja pessoas a penar nas prisões portuguesas exclusivamente por serem toxicodependentes.
Vozes do PCP: - É verdade!
O Orador: - De resto, esta lei não conduz a qualquer liberalização. É completamente falsa essa ideia. Continua a ser proibido o consumo de drogas - ele só não é criminalizado - e, portanto, os toxicodependentes não são sujeitos, só pelo facto de consumirem, à aplicação de penas de prisão.
Não há qualquer legalização nem de drogas leves nem de drogas duras, não se descriminalizam outros crimes, não se descriminaliza a criminalidade associada ou outro tipo de criminalidade que seja praticado, ainda que por toxicodependentes. Não há qualquer descriminalização nessa matéria e, portanto, importa ser muito claro aqui, para desfazer confusões que intencionalmente têm sido criadas na opinião pública. O que está em causa é tratar os toxicodependentes como doentes que são e isso não é na cadeia que se faz.
Quero dizer ao Sr. Deputado Telmo Correia que nem ele nem o seu partido têm o monopólio da preocupação com o consumo de drogas. Aliás, os Srs. Deputados afirmam a vossa preocupação mas não propõem nada; nós preocupamo-nos e apresentamos propostas concretas, tanto em matéria de descriminalização do consumo como noutras.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Nós propomos o referendo!
O Orador: - O Sr. Deputado referiu a necessidade de debater outras matérias e nós vamos fazê-lo. O PCP apresentou projectos de lei sobre o branqueamento de capitais, sobre o alargamento da rede, sobre mecanismos de prevenção e nós vamos discuti-los. Nós preocupamo-nos, mas, mais do que isso, propomos iniciativas concretas, em coerência com essa preocupação.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta lei não é «facilitista», ao contrário do que por vezes se afirma. Pelo contrário, é uma lei muito exigente: exige uma regulamentação, que tem de ser feita, sob pena de conduzir à sua absoluta paralisia, e implica, obrigatoriamente, a criação atempada de estruturas para acompanhar os toxicodependentes. Não queremos que se crie uma situação em que os toxicodependentes não sejam acompanhados e sejam, enfim, deixados à sua vida. Queremos que sejam criadas as estruturas necessárias para os poder encaminhar para o tratamento e que esse tratamento seja acessível e efectivamente acompanhado.
Pensamos, igualmente, que é indispensável que a rede pública de atendimento e tratamento de toxicodependentes seja alargada por forma a permitir que todos os toxicodependentes tenham acesso ao tratamento que, inquestionavelmente, necessitam.
Por outro lado, é ainda fundamental dizer que entendemos que a Assembleia da República, aprovada esta lei, não deve ficar por aqui. Há muitas outras matérias sobre as quais é importante legislar, tais como o combate ao branqueamento de capitais, a prevenção, o alargamento da rede pública de tratamento. Temos iniciativas legislativas sobre essas matérias em relação às quais também é importante legislar.
E é importante também que a Assembleia da República acompanhe a aplicação da lei que vamos aprovar. Pensamos que isso é fundamental para que se verifique, daqui por algum tempo, quais são os efeitos desta lei - que esperamos que sejam positivos - de forma a que, atempadamente, sejam introduzidas as alterações que se revelem necessárias.
Entendemos que o País não pode fechar os olhos a esta realidade que é a toxicodependência e, portanto, impõe-se que haja o acompanhamento, cada vez mais permanente, desta matéria, após a aprovação desta lei.
Congratulamo-nos não só por termos tomado a iniciativa nesta matéria mas também por esta Assembleia da República ir aprovar, finalmente, uma lei de descriminalização do consumo de drogas, que nos parece que é um passo muito importante no combate que é necessário travar contra a toxicodependência.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda regista, com muita satisfação, o facto de se reconfirmar aqui uma lei sobre a descriminalização do consumo de drogas. É um acto positivo e absolutamente necessário para uma nova política de combate à toxicodependência. Esta lei é um elemento verdadeiramente estruturante para uma nova política.
Sem as habituais mistificações da direita, que tende a confundir este acto legislativo com uma pseudo-liberalização do consumo das drogas, devo dizer que, ao sinalizar a descriminalização, os seus diversos mecanismos e aquilo que será feito na administração desta lei, o Bloco de Esquerda crê que ela fica na fronteira da despenalização que pretendia e continua a pretender, sem que, com isso, possa haver lugar a especulações sobre qualquer tipo de liberalização sobre a qual nos opomos e nos oporemos.
Pensamos que este sinal que é dado de que o toxicodependente não é um criminoso mas, sim, um doente é um sinal absolutamente essencial, inovador e por ele nos ba
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temos largamente. Pensamos, também, que é apenas a primeira pedra de uma nova política integrada de combate à toxicodependência.
Não queremos com isto fazer tábua rasa do que se tem vindo a fazer no domínio das políticas contra a toxicodependência, mas queremos dar passos mais ousados, mais corajosos, porventura mais radicais.
Digo isto a pensar naquilo que, para nós, continua a ser essencial, que é a legalização das drogas leves, a separação dos mercados e a administração de drogas de substituição, vistas caso a caso, situação a situação, no Serviço Nacional de Saúde. Estes são debates absolutamente essenciais e necessários que reputamos urgentes.
Também é necessário que se avance num conjunto de mecanismos de prevenção e bem assim que nos venhamos a entender, com uma maioria suficiente para o efeito, em relação a programas de redução de riscos, de redução de danos, quer nos estabelecimentos de reclusão quer, em geral, na sociedade.
Para nós, este é um bom ponto de partida, mas não pode ser um ponto de chegada, sob pena de, dentro de algum tempo, a insuficiência de medidas que levem mais adiante este passo que foi dado venha a ser um «pasto» fácil das críticas que, à direita, dizem que isto não resolve muito mais do que está agora a resolver. Não podemos ficar a meio caminho nesta política. Teremos de ir muito mais adiante.
Sobre o eco que poderá ter a proposta do referendo, verifica-se que os partidos que aqui batalham por ela nem sequer usaram do direito ao agendamento. Certamente porque têm dificuldade em fixar qual a norma a referendar e terão enorme dificuldade em formular, até, uma pergunta credível para esse referendo. Todos recordamos as perguntas «disparatadas» - não me levem a mal - que o Partido Popular aqui tentou introduzir no debate sobre a toxicodependência, mas a verdade é que este «amor» pelo referendo não chegou nem sequer à ordem de trabalhos da Assembleia da República.
O facto de o Sr. Presidente da República ter reenviado o diploma para apreciação aqui, no Parlamento, permitiu uma dilação de 3 meses e, com uma enorme campanha mediática, não vemos as assinaturas da iniciativa popular para o referendo. Vemos, agora, esta manobra política de última hora - digo-o também sem acrimónia - em que o referendo foi transferido para as organizações da sociedade civil.
No entanto, recordo-me de ter lido, em tempos, páginas inteiras de um apelo do Sr. Presidente do Partido Social Democrata, que, ao que vemos, não teve, até ao momento, grande eco! Não critico a legitimidade e o mérito da iniciativa, mas, Sr. Presidente do Partido Social Democrata, mais uma vez, está associado a uma causa falhada. O próprio Partido Social Democrata é refém dessas divisões: não vejo um único Deputado da Juventude Social Democrata hoje, aqui; verifico que o Partido Social Democrata na Madeira e nos Açores vai diferindo da posição oficial do partido!
Neste debate que se quer sério - muito sério, porque há muita gente que sofre e é necessário uma nova política de combate à toxicodependência -, na catilinária do Sr. Deputado Telmo Correia, verificámos que se dedicou, aliás, de uma forma refulgente, a novas qualidades de culinária e não exactamente aos problemas que diz ter (e eu respeito que sim) em relação às pessoas que sofrem. Não gostaria de retribuir que talvez V. Ex.ª tenha descoberto que, na matriz da democracia-cristã, agora está «o bacalhau e o copo de três»…! Não é exactamente isso que estamos aqui a discutir. No entanto, não gostaria de deixar sem reparo a forma, essa sim, arrogante com que se dirigiu aos partidos que estão aqui a viabilizar esta lei descriminalizadora do consumo das drogas.
Em resumo, Sr. Presidente, vamos ter ocasião, certamente, de continuar, com diferentes opiniões, uma luta por uma nova política de combate à toxicodependência.
É disso que aqui se trata e é disso que se vai continuar a tratar!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que estamos em condições de votar…
O Sr. António Capucho (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, será, porventura, ignorância minha e confesso que não tenho comigo o Regimento, mas estava à espera que a votação do Decreto da Assembleia da República n.º 25/VIII se realizasse amanhã, à hora regimental.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Capucho, tanto pode ser amanhã como hoje.
O problema é que o Regimento não é conclusivo a esse respeito, na medida em que o artigo 169.º diz que só intervém um Deputado por cada grupo parlamentar, que a votação na generalidade versa sobre a confirmação do decreto da Assembleia da República, que só há discussão na especialidade se até ao termo do debate da generalidade forem apresentadas propostas de alteração, incidindo a votação apenas sobre os artigos objecto das propostas, que não carece de voltar à comissão, para efeito de redacção final, o texto que na segunda deliberação não alterações, mas parece estar imbuído no espírito do Regimento, não na letra, que a votação se faça de imediato. Contudo, se entenderem que a votação se deve fazer amanhã, não me oponho a isso. Porém, dá-me a ideia de que, de facto, do espírito do Regimento, não directamente da lei, decorre um princípio de imediação.
De qualquer modo, agradecia que se pronunciassem, porque para mim, como calculam, é indiferente que a votação se realize hoje ou amanhã.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, confesso que a nossa interpretação foi no sentido de que o Decreto seria votado amanhã, à hora regimental, uma vez que não vejo nada no Regimento que imponha que a votação se faça hoje. Não são 24 horas que vão atrasar e penso que é um acto salutar.
O Sr. Presidente: - Gostaria de ouvir os outros grupos parlamentares.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, o nosso entendimento é no sentido de que é claro que o artigo 169.º do Regimento diz que a votação deve ser feita hoje.
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O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não diz nada!
O Orador: - Aliás, os Srs. Deputados do PSD tinham a possibilidade, 10 deles, de requerer que a votação não se processasse hoje. E não o fizeram até agora.
Assim, repito, do nosso ponto de vista, o espírito e a letra do artigo 169.º do Regimento vão no sentido de que a votação deve ser feita hoje.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Na letra?!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, o PCP entende que a votação deve ser feita hoje, porque a leitura do artigo 169.º do Regimento conduz, necessariamente, a que a votação seja sequencial à discussão.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, parece-nos que da letra do Regimento não está certamente que a votação tenha de ser feita hoje e do espírito temos alguma dúvida. Por isso, inclinar-nos-íamos para que a votação fosse feita amanhã, à hora regimental.
No entanto, nesta matéria, não se aproveita nenhuma oportunidade e a pressa é tanta que era de surpreender que não quisessem que a votação fosse feita, até, antes da discussão! Isso não nos admira, porque a pressa tem sido sempre tanta… Agora que esteja na letra ou no espírito do Regimento, não está de certeza.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, parece-me óbvio que o Regimento não prevê que a votação seja feita de imediato. Há um dia normal para votações e, para se contrariar essa regra supletiva da votação à quinta-feira, tem de haver uma norma expressa que o diga. Este artigo não diz que se procede à votação de imediato, apenas diz sobre o que versa a votação na generalidade.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É um processo especial!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Se é especial, não está previsto!
O Orador: - Não decorre nem do espírito nem da letra do Regimento. Pelo contrário.
Para contrariar a regra do dia especial de votações, que é uma regra supletiva, tem de haver uma norma que explicitamente a contrarie. Isso parece-me óbvio.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a decisão do Presidente da Mesa, sempre discutível e susceptível de recurso, é a de que da letra não decorre a obrigatoriedade da votação hoje, mas do espírito sim. No entanto, como nem o PSD nem o CDS partiram do princípio de que deviam ter aqui todos os seus Deputados para votarem hoje o diploma, entendo que devo eliminar o factor surpresa e, por decisão minha, vota-se amanhã. Se alguém quiser recorrer da decisão da Mesa, faça favor.
Aliás, a minha decisão é só pela razão que acabei de indicar e não por outra, até porque também entendo que do espírito do Regimento decorre, de facto, que a votação se faça hoje, mas, como não há uma norma expressa e como esses dois partidos não se prepararam para que a votação se fizesse hoje, penso que devo eliminar a surpresa de uma votação com esta importância. Portanto, é assim que me pronuncio.
Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, não vamos, obviamente, recorrer e entendemos perfeitamente a decisão.
No entanto, V. Ex.ª recorda-se com certeza que, na penúltima conferência de líderes, nos foi solicitado que evitássemos o factor surpresa distribuindo previamente as propostas de alteração. Ontem, distribuímos a todos os grupos parlamentares as alterações, o que implicava que hoje havia discussão na especialidade, bem como o processo sequencial que lhe segue.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Osvaldo Castro, é verdade o que disse, mas os outros grupos parlamentares também podem ter entendido que a eliminação do factor surpresa se referia ao conhecimento das propostas para as discutir e não para as votar. De modo que, apenas pela razão que indiquei e não por outra, não altero a minha decisão. Se não há recurso, o Decreto será votado amanhã.
Agora, seguia-se, segundo o guião, a discussão da proposta de resolução n.º 27/VIII - Aprova, para ratificação, a Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba, aberta para assinatura, em Nova Iorque, a 12 de Janeiro de 1998, mas a 1.ª Comissão propôs, com conhecimento e aprovação de todos, incluindo, creio, o Governo, que se postecipe a sua discussão.
Em relação à proposta de resolução n.º 28/VIII - Aprova, para adesão, a Emenda ao artigo 8.º da Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, aberta para adesão a 1 de Março de 1993, que também estava agendada para hoje, foi convencionado, em conferência de líderes, que seja votada sem discussão. Portanto, não darei a palavra a nenhum Sr. Deputado e amanhã votá-la-emos.
Vamos, então, passar à discussão da proposta de resolução n.º 36/VIII - Aprova, para ratificação, a Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina: Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina, aberta à assinatura em Oviedo, a 4 de Abril de 1997, e o Protocolo Adicional que Proíbe a Clonagem de Seres Humanos, aberto à assinatura em Paris, a 12 de Janeiro de 1998.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação.
O Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação (Luís Amado): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os instrumentos jurídicos que se apresentam para ratificação são a resposta do Conselho de Europa aos rápidos desenvolvimentos da biologia e da medicina que, podendo ser fonte de progresso extraordinário da condição humana, poderão, contudo, em alguns domínios, pôr em causa direitos do homem e liberdades fundamentais já consagrados.
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O nosso século viu aprofundar-se o movimento universal que reconhece ao ser humano, a cada ser humano, o respeito que advém da sua qualidade de indivíduo e da sua condição de pertença à espécie humana e sabemos que a medicina e a biologia, como todas as áreas do saber científico e técnico e das suas aplicações, não podem mediante o seu uso indevido pôr em causa a dignidade e a integridade da vida humana.
A cooperação internacional no sentido de toda a humanidade poder beneficiar dos progressos da biologia e da medicina, bem como da promoção do debate público em torno das questões que decorrem da sua aplicação, tornam-se, por isso, indispensáveis.
Aberta à assinatura dos Estados-membros do Conselho da Europa em Oviedo, a 4 de Abril de 1997, a Convenção sobre os Direitos do Homem e da Biomedicina obriga os Estados-membros, que dela se tornem partes, a proteger o ser humano na sua dignidade e identidade, garantindo o respeito pela sua integridade e pelos seus direitos e liberdades fundamentais face às aplicações da biologia e da medicina.
A Convenção está enquadrada nos diversos instrumentos internacionais mencionados no seu preâmbulo, nos quais o Estado português é parte contratante, designadamente: a Declaração Universal dos Direitos do Homem; a Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais; a Convenção para a Protecção das Pessoas Relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados de Carácter Pessoal e a Convenção sobre os Direitos da Criança.
No que respeita às matérias da Convenção propriamente dita o consentimento está tratado no Código Penal e as transplantações de órgãos estão reguladas em lei própria. Também a experimentação em seres humanos foi objecto de uma directiva da União Europeia, já acolhida na legislação nacional, e a criação do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) deu satisfação à necessidade de haver debate interno sobre as questões de bioética, tendo-se este Conselho, aliás, pronunciado no sentido da ratificação da Convenção em causa pelo Estado português.
Trata-se, por conseguinte, de uma importante Convenção que, não pondo em causa o pleno desenvolvimento da investigação científica no domínio da biomedicina, garante, por outro lado, o integral respeito pela pessoa humana abrindo um novo domínio de iniciativa legislativa em relação ao futuro.
O outro instrumento jurídico em apreciação, o Protocolo Adicional à Convenção sobre os Direitos do Homem e da Biomedicina, proibindo a clonagem de seres humanos, foi aberto à assinatura dos Estados-membros do Conselho da Europa, em Paris, a 1 de Janeiro de 1998, e estabelece a proibição de todas as intervenções que tenham por fim criar um ser humano geneticamente idêntico a outro ser humano vivo ou morto.
É igualmente a resposta do Conselho de Europa aos desenvolvimentos científicos em matéria de clonagem de mamíferos e, neste caso, tiveram-se presentes os progressos que determinadas técnicas de clonagem, em si mesmas, poderiam trazer, quer ao conhecimento científico, quer às suas aplicações.
Considerou-se que a clonagem de seres humanos poderia tornar-se uma possibilidade técnica; constatou-se que a divisão embrionária poderia produzir-se naturalmente e dar por vezes lugar ao nascimento de gémeos geneticamente idênticos; considerou-se, apesar disso, que a instrumentalização do ser humano através da criação deliberada de seres humanos geneticamente idênticos era contrária à dignidade do Homem, constituindo um uso indevido da biologia e da medicina. Considera-se que tal prática biomédica, usada deliberadamente, acarretaria problemas de ordem ética, psicológica e social.
Tendo em conta o objectivo da Convenção sobre os Direitos do Homem e da Biomedicina, anunciado no seu artigo 1.º - «Protecção do ser humano tanto na sua dignidade como na sua identidade», o objectivo do Protocolo Adicional é o de evitar que os cientistas que trabalham na área da embriologia humana iniciem intervenções que conduzam à criação de seres humanos por clonagem como tem sido conseguido em várias espécies de animais. A ratificação do presente Protocolo implica uma adequada legislação, se vier a ser publicada, sobre procriação medicamente assistida.
Como nota final, sublinhe-se que a articulação da Convenção com as políticas comunitárias está assegurada pela representação em Portugal no Grupo Europeu de Ética na Ciência e nas Novas Tecnologias, da União Europeia, e pela participação de representantes do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, em reuniões internacionais promovidas pela União Europeia e outras instâncias.
Toda a política da União Europeia, nomeadamente do mencionado Grupo, vai no sentido de proteger o ser humano em relação a eventual ameaça de novas tecnologias.
Sublinhe-se, ainda, que foi recebido um parecer do Ministério da Saúde, elaborado pelo Prof. Daniel Serrão, na qualidade de perito representante nacional do Comité Director para a Biotécnica do Conselho da Europa, que considera urgente a ratificação da Convenção em causa, tendo ainda sido pedido parecer ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, que igualmente se pronunciou no sentido de que esta Convenção viesse a ser ratificada pelo Estado português.
Nestes termos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Governo solicita à Assembleia a ratificação dos dois instrumentos jurídicos em apreciação.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.
A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Os documentos que hoje sobem a esta Câmara para efeitos de ratificação, pela sua importância, são credores de uma apresentação que sublinhe os aspectos essenciais que rodearam a sua elaboração.
Desde logo, e no que respeita à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina, ao facto de se tratar de uma emanação do Conselho da Europa no cumprimento dos seus objectivos fundacionais de salvaguarda e desenvolvimento dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.
Depois, também, o facto de a evolução do conhecimento científico nos domínios da biologia e da medicina vir colocar questões novas, de difícil resposta, mas cuja utilização sem critérios pode envolver riscos que poriam em causa o edifício jurídico fundacional da Europa.
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Ainda, a noção de que a rapidez dos avanços atrás referidos pode não dar tempo àquilo para que o tempo é essencial na sedimentação do conhecimento.
Finalmente, a sensibilidade das matérias em causa, a diferença nas legislações nacionais que as regulam, quando existem, e em relação às quais foi necessário encontrar os denominadores comuns.
Portugal participou activamente no processo de gestação da Convenção ao longo de sete anos.
O período que demorou a sua elaboração ilustra bem, por um lado, a sensibilidade da matéria e a dificuldade de encontrar consensos e, por outro, que o tempo a isso destinado não foi demasiado apressado. Foi um tempo sem pressa! O facto de as questões em causa serem de importância enorme e emergentes não pode, na verdade, dispensar uma adequada ponderação em matérias de tão grande complexidade.
A intensidade do debate nos diferentes fora que obrigatoriamente o projecto percorreu, designadamente a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, na qual participaram membros desta Câmara, demonstra bem que estamos em presença de matérias complexas, de implicações em grande parte desconhecidas, sobre as quais não existem muitas vezes conceitos e ideias precisas, mas que se encaixam no conjunto de temas que, pela sua nobreza, carecem de, pelo menos, grandes enquadramentos, à luz de princípios gerais que limitem o livre arbítrio, pese embora a noção de que a investigação e o conhecimento não conhecem limitação para além da que lhe é inerente.
Por isso, a presente Convenção de certa forma emana de instrumentos jurídicos fundamentais dos quais o primeiro de entre todos, é certo, é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas também todos aqueles que têm vindo a ser produzidos ao longo dos últimos 50 anos e que visam fundamentalmente reforçar os direitos fundamentais à igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana através da regulamentação específica, designadamente de algumas potencialidades das novas tecnologias que podem pôr em causa esses direitos fundamentais.
O documento ora em apreço visa essencialmente definir balizas próprias que, na sua essência, garantam que as aplicações da biologia e da medicina sirvam a pessoa humana sem ofender a sua dignidade e a sua identidade e que, sem qualquer discriminação, garantam a toda a pessoa o respeito pela sua integridade e pelos seus outros direitos e liberdades fundamentais, na afirmação do primado do interesse e do bem-estar humano face ao interesse único da sociedade ou da ciência.
O estabelecimento da obrigatoriedade do consentimento informado, a regulação do suprimento desse consentimento em caso de incapacidade, as situações de urgência e a salvaguarda da vida privada e do direito de qualquer pessoa à informação ou à não informação relativa à sua saúde definem um caminho claro no sentido do reforço da capacidade individual de decisão sobre matérias que pertencem à sua esfera privada numa inversão do caminho tradicional de paternalismo no exercício profissional.
O capítulo afecto ao genoma humano é, a meu ver, de importância fundamental. A proibição da discriminação de qualquer pessoa em virtude do seu património genético, no mesmo consagrada, toca a essência das coisas. Na verdade, as potencialidades abertas pela descodificação do mapa genético são enormes, diria mesmo inimagináveis e extremamente virtuosas se postas ao serviço das pessoas!
Mas os riscos que a mesma encerra pela sua capacidade predictiva têm que ser acautelados de forma veemente e afirmativa porque não falta quem dela pretenda retirar os seu efeitos mais perniciosos contra as pessoas, ao serviço dos negócios.
E nesta, como nas matérias relativas à colheita de órgãos e tecidos em dadores vivos para efeitos de transplante e à proibição de obtenção de lucros e utilização de partes do corpo humano, o que a Convenção afirma e estabelece é que o «corpo humano» deve e tem que estar fora do «negócio» (entenda-se «comércio»).
Mas sejamos claros: não se pense que os riscos que a evolução do conhecimento encerra justificam a adopção de limites para além dos inerentes à protecção do ser humano.
A Convenção é inequívoca relativamente ao livre exercício da investigação científica no domínios da biologia e da medicina. Assim deve ser! E as pessoas devem colaborar com a investigação científica, porque esta tem como objectivo final servi-las, mas têm também que ser protegidos para evitar que, em vez de fim último, dela se transformem em seu instrumento.
Conscientes de que todos temos que estar de que nos encontramos no limiar de uma nova era de conhecimento, de que a rapidez da sua obsolescência corre o risco de nos deixar sem resposta para aspectos ou questões novas que ele traga, a Convenção prevê, para além da realização de debates públicos nos países subscritores sobre as matérias reguladas, a sua própria revisão no prazo máximo de cinco anos, após a sua entrada em vigor, o que significa que já em 2001/2002 esse processo venha a ter início.
Por último, no que à Convenção respeita, gostaria de sublinhar o papel consultivo atribuído ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, para além de qualquer litígio concreto que esteja a decorrer perante a sua jurisdição.
A ratificação por Portugal desta Convenção enquadra-se perfeitamente nos parâmetros constitucionalmente estabelecidos, designadamente na revisão de 1997. A verificar-se, obrigará a conformação em termos de legislação ordinária. No entanto, essa conformação não colide nem com a prática já seguida, mais exigente com frequência do que a própria letra da lei, nem com aquilo que, creio, será pacificamente aceite.
No que se refere ao Protocolo Adicional, que proíbe a clonagem de seres humanos, importa referir que é o primeiro de uma série de outros que visam desenvolver aspectos específicos da Convenção, designadamente os relativos a transplantações e experimentação, que se encontram já em fase de elaboração. Visa este Protocolo Adicional afirmar fundamentalmente aquilo que já a nossa Constituição estabelece, o direito à identidade.
Finalmente, saliento que os documentos ora em análise, nos seus princípios enquadradores, estão contidos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que, embora ainda não aprovada, tem vindo a permitir durante o processo da sua elaboração uma ampla e profunda discussão sobre estas matérias.
Reconheça-se que aquilo que hoje temos perante nós é um «consenso de mínimos», cuja sedimentação é ainda incipiente, que obriga a ampla reflexão e debate alargado, que afirma com humildade a nossa ignorância cujo reconhecimento compromete e disponibiliza à partida para trabalhar com consciência e bom senso no sentido de caminhar, caminhando, no seu aprofundamento, mas também que afirma que a pessoa humana está primeiro, que tem
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de ser protegida e salvaguardada na sua dignidade e na sua identidade, sem que sejam aceitáveis quaisquer discriminações assentes na desigualdade das condições iniciais.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Por tudo isto, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista votará favoravelmente a ratificação destes instrumentos e compromete-se a ser parte proponente nos debates públicos e alargados que permitam aprofundar o nosso conhecimento, e a evolução do nosso pensamento, sobre as matérias nos mesmos versadas.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Poucos anos depois da II Guerra Mundial, foi elaborada no âmbito do Conselho da Europa a Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Esta Convenção tinha por objectivos principais bem conhecidos obrigar os Estados a reconhecer e a garantir os direitos civis e políticos.
Em 1961, foi assinada em Turim a Carta Social Europeia, que visava o reconhecimento e a protecção dos direitos sociais.
Os avanços vertiginosos e imparáveis das ciências e tecnologias nas últimas décadas transformaram profundamente as condições de vida, permitiram a melhoria dos cuidados de saúde e um maior acesso ao bem-estar. Facilitaram, de modo antes inimaginável, as comunicações entre todos os pontos do Globo. Tiveram, no entanto, crescentes implicações na vida e nos direitos da pessoa humana, bem como no ambiente, as quais levaram o Conselho da Europa a preparar textos que contemplam as mudanças verificadas e a realidade mutável que delas resultou.
A Assembleia Parlamentar e o Comité de Ministros do Conselho da Europa adoptaram, desde 1976, sucessivas recomendações em matéria de saúde e de medicina, com vista a dar resposta a vários avanços científicos que poderiam pôr em causa direitos da pessoa humana.
Em 1990, os Ministros da Justiça, reunidos em conferência, recomendaram ao Comité ad hoc de Bioética, constituído no seio do Conselho, o exame da possibilidade de elaboração de uma Convenção que enunciasse normas para a protecção da pessoa humana no contexto do desenvolvimento das ciências bioéticas.
Por seu lado, a Assembleia Parlamentar recomendou ao Comité de Ministros a preparação de uma Convenção contendo um texto principal estabelecendo princípios gerais e protocolos adicionais sobre aspectos específicos.
Em 1991, o Comité de Ministros encarregou o Comité ad hoc, já referido, de elaborar a Convenção estabelecendo princípios gerais para protecção da pessoa humana no contexto das ciências biomédicas.
Não é possível em apenas nove minutos resumir sequer o trabalho desenvolvido ao longo de cerca de nove anos.
O Comité Director para a Bioética, entretanto criado, conseguiu, em diálogo com a Assembleia Parlamentar, levar a cabo o seu mandato, sendo de destacar o contributo muito relevante do representante de Portugal, Prof. Daniel Serrão, que contribuiu decisivamente para o texto acordado.
No decorrer dos debates na Assembleia Parlamentar foi clara a grande diversidade de opiniões, que transcendeu em muito as habituais clivagens entre os grupos políticos. A elas se sobrepuseram as sensibilidades e as experiências nacionais, produto de tradições e percursos históricos diversos, e, mesmo, as opções pessoais de cada parlamentar.
O parecer final da Assembleia, n.º 198, de 1996, foi em grande parte acolhido pelo Comité de Ministros, o qual adoptou formalmente a Convenção em 19 de Novembro desse ano e a abriu à assinatura em Oviedo em 1997.
Verificaram-se algumas abstenções, designadamente da Alemanha e da Bélgica, mas o facto de ter sido possível que ministros, parlamentares e delegados de cerca de 40 países tão diversos, tenham conseguido aprovar um texto que trata questões tão controversas, mostra que há entre todos os europeus valores comuns e também, como muito bem sublinhou o Prof. Luís Archer, Presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, cito: «o poder de um diálogo persistente, franco e honesto, cujo resultado é um exemplo marcante e extraordinariamente útil para a sociedade de como um debate ético bem orientado pode conduzir, sem monolitismos dogmáticos, da dispersão opinativa a um consensualismo unitário.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Convenção reconhece implicitamente a extraordinária importância dos avanços verificados na biologia e na medicina e adopta como objectivo a protecção da dignidade e identidade de todos os seres humanos e a garantia a todas as pessoas do respeito pela sua integridade e outros direitos fundamentais face às aplicações da biologia e da medicina.
Trata a Convenção de assuntos tão relevantes como o consentimento livre e informado, exigível antes de qualquer intervenção; o respeito pela vida privada, em especial pelas informações genéticas de cada pessoa; a igualdade no acesso aos cuidados de saúde; as condições de utilização de testes genéticos preditivos de doenças; a proibição de intervenções com vista à escolha do sexo de uma criança a nascer, salvo quando se pretenda evitar uma doença hereditária grave relacionada com o sexo; as condições de colheita de órgãos e de tecidos de dadores vivos para transplantes; a interdição da criação de embriões humanos para fins de investigação, bem como de intervenções que tenham por objecto modificar o genoma humano, excepto para fins de prevenção, diagnóstico ou terapia; etc.
A Convenção protege, assim, a identidade da espécie humana, rejeitando a introdução de modificações no genoma que se transmitam aos descendentes.
Importa sublinhar, finalmente, a consagração de três princípios fundamentais: a prevalência dos interesses e do bem-estar do ser humano sobre o interesse único da sociedade ou da ciência, a liberdade da investigação científica nos domínios da biologia e da medicina, que deve ter por único limite os direitos humanos protegidos por esta Convenção e outras disposições que assegurem a protecção do ser humano e, por último, a proibição de qualquer discriminação com base no património genético.
Os êxitos obtidos, entretanto, na criação de alguns animais geneticamente idênticos a outros da mesma espécie abriram as portas à possibilidade, ainda que remota, de ser tentada a reprodução de seres humanos pela técnica
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da clonagem. Daí a razão do primeiro Protocolo Adicional à Convenção - ao qual outros, já em preparação, se seguirão -, preparado e aberto à assinatura em 1998.
No Protocolo hoje em apreciação considera-se a criação artificial de seres humanos geneticamente idênticos a outros, vivos ou mortos, contrária à dignidade e aos direitos humanos, ficando por isso interdita. Deve sublinhar-se que o Protocolo não se aplica a outras utilizações das técnicas de clonagem, designadamente para criação de células ou tecidos com fins terapêuticos.
Em conclusão, o Grupo Parlamentar do PSD vai votar favoravelmente a aprovação, para ratificação, da proposta de resolução n.º 36/VIII por entender que os textos da Convenção e do Protocolo incorporam e explicitam valores e princípios caros aos portugueses.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - O ser humano é um fim em si mesmo, é o sujeito da História que não pode nunca ser considerado como instrumento ou objecto, designadamente pela ciência. Esta tem de ser livre, mas tem de ter sempre como limite, como já referi, os direitos e a dignidade humanos, sob pena de se cair num novo transpersonalismo, que rejeitamos tal como os anteriores.
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Esta perspectiva de um novo humanismo personalista consolidado e alargado faz sobressair o primado da pessoa humana e o respeito dos seus direitos consagrados na nossa Constituição.
Antes de terminar, queria agradecer o apoio que recebi de todos os colegas, em especial do meu grupo parlamentar e dos Presidentes desta Assembleia, o nosso antigo colega Prof. António Barbosa de Melo e o Sr. Presidente Almeida Santos. Foi esse apoio que me permitiu, em representação vossa e do povo português, participar, ainda que modestamente, nos trabalhos que levaram à conclusão desta Convenção.
Tal como todos os sociais democratas, olho com esperança para o futuro, para as novas realidades, que encaro à luz dos nossos valores; congratulo-me com os imensos horizontes que a ciência abre para as mulheres e os homens de hoje e de amanhã,…
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!
O Orador: - … para a sua saúde, o seu bem-estar e a qualidade das suas vidas. Penso que não há que ter medo do que aí vem, mas nós, e todos os que querem afirmar o primado da pessoa, hoje em todo o continente Europeu, amanhã, por certo, em todo o mundo, teremos de agir com atenção e persistência para evitar possíveis derrapagens, que poderiam deitar tudo a perder. Tal não acontecerá, e para tanto contamos com os cientistas portugueses e com todos aqueles que, seja qual for a sua actividade, queiram contribuir para um Portugal, uma Europa, um mundo melhores. Melhores para todos os seres humanos, a quem nos sentimos fraterna e indissociavelmente ligados.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Convenção que hoje somos chamados a ratificar versa uma das discussões mais cadentes e importantes do nosso tempo. O admirável mundo está aqui, mas já não é novo.
O século que agora termina passará certamente à história como o século dos direitos humanos, em que se fez o reconhecimento, a defesa e a apologia dos direitos inalienáveis de todos os seres humanos, não obstante a sua raça, sexo, cor, credo religioso, idade ou localização geográfica.
Passámos, como País e como civilização, os últimos 50 anos a tentar fazer esta apologia e hoje ainda não conseguimos que estes direitos básicos sejam uma realidade para todos.
No limiar de um novo século, os desafios que se colocam são, obviamente, diferentes. O que hoje somos chamados a discutir já não são só os direitos dos seres humanos, mas também o que são os seus interesses e, acima de tudo, as suas responsabilidades. À Carta dos Direitos, estou certo, vai juntar-se, em breve, a Carta das Responsabilidades.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O princípio básico e fundamental desta Convenção é para esta bancada, a bancada da democracia-cristã, personalista e humanista, o princípio básico e fundamental da vida em sociedade, o princípio do primado do ser humano, da defesa da vida humana, desse fenómeno tão único, tão inimitável e tão irrepetível. E o primado deste princípio, como se refere claramente no texto desta Convenção, «deve prevalecer sobre o interesse único da sociedade ou da ciência». Este é o espírito e a matriz da Convenção que está hoje em análise.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O rápido desenvolvimento da biologia e da medicina coloca problemas éticos e sociais complicados de resolver. Esta Convenção estabelece limites, traça linhas, separa o que é útil e necessário do que é eticamente condenável.
Esta Convenção versa sobre matérias tão importantes como as da privacidade e informação das pessoas face à sua saúde; da não discriminação das pessoas em virtude do seu património genético; da proibição da modificação do genoma humano; das investigações científicas e das restrições que as mesmas têm de ter; da proibição da venda de órgãos humanos; da interdição da criação de embriões humanos para pesquisa científica ou, ainda, por exemplo, do acesso equitativo aos cuidados de saúde.
É certo que algumas matérias ficaram de fora, como, por exemplo, as de colheita de órgãos em cadáveres, tema cadente de resolução difícil entre nós, mas que exige de todos nós a responsabilização de, a breve prazo, podermos alargar o âmbito desta Convenção, eventualmente através de um outro protocolo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As questões da bioética, dos avanços da medicina, das novas aplicações da biologia são, certamente, matérias civilizacionais. Saber onde se traça a linha e quais são os limites ao avanço das ciências são imperativos morais categóricos. Sabemos e compreendemos o que é o interesse do avanço da ciência, mas não o sobrepomos à ética e à moral. E também não somos ingénuos ao ponto de esquecer que muitas vezes, detrás de um interesse científico velado, encontram-se interesses económicos confessos.
Esta Convenção não é uma resposta global ou final aos problemas que hoje se levantam, mas tem o grande mérito
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de ser um princípio. Tem o grande mérito de tomar opções, o que nem sempre é fácil neste mundo do «politicamente correcto».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: De fundamental importância é o Protocolo Adicional à Convenção, que proíbe a clonagem dos seres humanos. A proibição, sem espécie alguma de derrogações, da criação de um ser humano copiando o património genético de outro ser humano, vivo ou já falecido, com qualquer espécie de finalidade, é uma ofensa profunda à dignidade humana, é algo de eticamente deplorável e atenta contra os nossos valores civilizacionais.
Citando o Prof. Daniel Serrão a este propósito, «tudo o que concorra para anular a diversidade humana é perigoso no campo da sobrevivência da espécie e ofende a dignidade humana».
Termino, reafirmando o que é aqui mais importante. Volto a dizer que esta Convenção não é um fim, nem sequer é uma resposta global, mas tem uma grande vantagem: a de ser o início de uma resposta aos novos problemas de um mundo que é admirável sem ser, certamente, novo.
Por tudo isto, esta Convenção merece a nossa total concordância.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.
A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As Convenções apresentadas a esta Assembleia inserem-se em problemáticas de grande actualidade e de extrema complexidade que, a partir da ciência, questionam o próprio processo democrático.
Algumas reflexões apenas.
O persistente mito da neutralidade da ciência mascarou, durante séculos, o facto de a actividade científica não ser separável do contexto social. A ciência e a técnica têm legitimado e contribuído para a reprodução do sistema político e social, desde a fundamentação aristotélica da escravatura até a actuais correntes sociobiologistas que pretendem legitimar geneticamente a desigualdade social de etnias, de classes e de sexo.
Mas hoje sabemos que a ciência deixou a inocência no berço e perdeu pelo caminho o encantamento das suas promessas. Sabemos que, bastas vezes na História, o triunfo da razão científica deu ao irracional uma aparência de racionalidade.
O que esta nossa consciência coloca não é, de modo algum, a «diabolização» da ciência. Historicamente, a ciência foi essencial na humanização do ser humano, libertando-o da fragilidade natural e fazendo da natureza humana também um processo cultural. E a ciência e a técnica que, depois da revolução industrial, modelam cada vez mais profundamente a sociedade, abrem amplos horizontes de qualidade de vida.
As potencialidades da ciência como terreno de extensão da qualidade de vida e dos direitos humanos não permitem, só por si, certezas eufóricas. Entre o catastrofismo e o discurso optimizante só há lugar para retóricas! A questão não pode colocar-se somente no que a ciência pode fazer pela humanidade mas também, e inequivocamente, no que a humanidade pode fazer pela ciência. Trata-se de colocar no lugar dos cidadãos, dos movimentos sociais, numa palavra, da praxis uma questão fundamental: que tipo de intervenção social pode incentivar ou, pelo contrário, confiscar o poder libertador da ciência e da técnica?
Note-se que uma forma de confiscação do poder científico reside no facto de o eleger como solução para todos os problemas, como alerta o Prof. Boaventura Sousa Santos.
A democratização científica impõe-se face à ciência como apropriação do conhecimento científico pelo poder e pelos poderes. Hoje, a investigação em genética apresenta enormes implicações económicas, suscita vários conflitos de poder, quer visando créditos para o financiamento, quer através do monopólio das descobertas científicas. É o caso das patentes, ou seja, do registo de propriedade de determinadas sequências genéticas descobertas por empresas privadas que reservam essa informação, inflacionando até conclusões precipitadas e subordinando a importância da descoberta à corrida concorrencial para a obtenção de lucros.
Um exemplo, entre vários, é o de testes realizados há anos sobre genes que se sabe que predispõem as mulheres ao cancro de mama e sobre uma mutação genética que favorece doenças de coração; embora não se saiba ainda qual o grau desta predisposição, a empresa americana Myriad Genetics realiza já estes testes ao preço de 2400 dólares (mais de 570 contos).
O jogo de poderes sobre a investigação genética é também atravessado por pressupostos ideológicos expressos em pretensos determinismos genéticos que marcariam o comportamento humano. Um dos maiores fantasmas da ideologia determinista seria a concepção de crianças submetidas totalmente à apreciação do seu capital genético, tipo O Melhor dos Mundos, de Huxley.
A democratização da ciência implica um debate público, plural, contínuo, aliás recomendado no artigo 28.º da Convenção sobre os Direitos do Ser Humano e da Biomedicina. A emergência da discussão pública verificou-se nos anos 60, no contexto da guerra do Vietname, com o imperialismo americano a utilizar ao máximo os recursos da técnica no processo de armamento atómico e químico, e desenvolveu-se nos anos 70 face à corrida aos armamentos e ao desenvolvimento da energia nuclear.
A partir da catástrofe de Tchernobyl, assistimos a um lento mas contínuo envolvimento do cidadão comum nesta discussão. Para tal, contribuíram decisivamente, pela positiva, os movimentos ecologistas e, pela negativa, a questão do sangue contaminado e a questão chamada das «vacas loucas». A opinião pública teve a percepção de que os riscos não foram bem geridos pelos aparelhos científico e político. Esta percepção impulsionou um protagonismo de prevenção, expresso em movimentos sociais, por vezes locais, como sucedeu no caso da co-incineração nos distritos de Aveiro e de Coimbra.
É neste contexto que, sem precisar de recomendações, o debate se insinua, embora timidamente. Novas formas de democracia participativa estão a ser experimentadas através da discussão de cidadãos com cientistas, nomeadamente na Dinamarca e em França.
Mas não há debate democrático quando subsistem enormes défices de comunicação, de informação, de divulgação. Quando uma questão científica tem uma boa cobertura mediática, o público fica sensibilizado mas o seu conhecimento não se altera. A comunicação social tem aqui um papel fundamental a aprofundar, através da convoca
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ção da palavra científica qualificada e da não cedência ao populismo que caracteriza o discurso catastrófico sobre a ciência com uma intencionalidade política bem definida. Repare-se que o populismo se alimenta da vitimização tão cara ao sensacionalismo e tão rentável. Como salienta o Prof. Alexandre Quintanilha, já existiram «sistemas que sem clonagem nenhuma escravizaram populações inteiras. Isto tem a ver com escolhas sociais.»
Além do risco de populismo, é de acautelar no debate uma perversidade que consiste em despojar da sua palavra legítima os cientistas, substituindo-os por gente política que, assumindo-se como «especialistas de problemas da sociedade», se autoproclamam especialistas em biomedicina.
A democratização da ciência implica a ampliação do sistema representativo tradicional. Não se trata de o substituir mas de considerá-lo não suficiente.
O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr.ª Deputada.
A Oradora: - Trata-se de incentivar e reconhecer os espaços da prática social como espaços de prática política, porque só assim é possível o processo de democratização emancipatória.
Nesta perspectiva, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda vota favoravelmente a ratificação da Convenção.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se o que aqui vem proposto conduzisse a O Admirável Mundo Novo, de Alduous Huxley, eu votaria contra, porque não é esse o entendimento que tenho do progresso da ciência e da maneira como ela pode servir a humanidade.
Estamos de acordo com a maior parte das disposições do diploma, estamos absolutamente de acordo com a grande maioria, mesmo - de resto, já algumas soluções vigoram entre nós -, mas, em relação à questão da clonagem para fins reprodutivos, creio que não há ninguém que deseje que se comece a fazer uma série de pessoas todas iguais umas às outras. Aliás, a Clara Pinto Correia ridicularizou um bocadinho os políticos no seu livro Crescei e Multiplicai-vos, quando diz que os políticos não percebem nada disto, pois imaginem quantas mulheres não seriam precisas para a gestação dos embriões criados in vitro para fazer um povo com pessoas todas iguais umas às outras!
Ora, eu, depois de ler o livro de Clara Pinto Correia, fiquei com muito medo de me aproximar destas questões em termos de debate, porque corremos sempre o risco… Aliás, como diz o Prémio Nobel da Medicina, Levi Montalcini, numa entrevista a um jornal italiano, os políticos estão impreparados para discutir estas coisas… Houve, até, um triste exemplo, um péssimo exemplo, muito recente, dado pelo Parlamento Europeu em relação à proibição da clonagem para fins terapêuticos.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - Quero, com isto, dizer que há uma disposição da Convenção, que, aliás, não vai alterar o nosso voto, em que sinceramente penso que o Conselho da Europa teve, por um lado, receio (mas já é bom que não nos tenha vindo aqui propor a proibição da clonagem para fins terapêuticos! Descansei muito!) e, por outro, não teve em conta o princípio ético de que a ciência está sempre em evolução e que não devem existir peias à investigação científica quando essas peias possam prejudicar o bem-estar da humanidade e o progresso do ser humano.
Digo isto, porque a legislação, na União Europeia, sobre esta matéria é uniforme, na medida em que se proíbe a investigação científica em embriões in vitro, excepto, talvez, na Bélgica. Não sei, mas gostaria de saber, por que é que a Bélgica se absteve nesta votação, quando na Bélgica há uma lei que torna possível essa investigação científica! O artigo 18.º da Convenção diz que, quando a pesquisa em embriões in vitro é admitida por lei, esta garantirá uma protecção adequada do embrião.
Ora, eu penso que o Conselho da Europa devia ser muito mais arrojado nestas coisas. É certo que, proximamente, a Convenção vai ser revista. Só lamento é que essa revisão se venha a fazer, no sentido que ambiciono e que seja correcto, por motivos puramente económicos. Isto é, só lamento que isso se venha a fazer quando começarem a ver os cientistas da Europa ir para os Estados Unidos da América por causa das alterações e da permissão que lá existe em relação à investigação científica, que aqui, na Europa, não se faz.
Penso, assim, que o artigo 18.º da Convenção, tanto no n.º 1 como no n.º 2, tem uma ideia que, para mim, é errada nestas questões da ciência. Isto é, a ideia de sacralizar e despir a ética das suas características laicas, que deve ter - e quando se fala em laico não é anti-religioso -, para possibilitar, como laica, a convivência de todos, independentemente das suas ideias religiosas.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - Ora, esse artigo 18.º tem uma concepção que não é a concepção da grande maioria dos cientistas. Por exemplo, o Prémio Nobel da Medicina que acabei de referir pronuncia-se em relação a esta questão, dizendo que não há um ser humano mas uma acumulação de células, e nada mais do que isso.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Por isso mesmo, espero que, na próxima revisão, o Conselho da Europa seja mais arrojado e que não coloque as peias que ainda coloca à investigação científica nesse artigo 18.º, porque todos nós nos lembramos - e eu, apesar da minha provecta idade, ainda me lembro -…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não apoiado!
A Oradora: - Apoiado, porque eu sou mais velha do que o Sr. Deputado.
Risos.
Como eu estava a dizer, todos nos lembramos dos impedimentos que foram colocados à investigação científica, bem como dos cientistas que, às escondidas, iam aos cemitérios desenterrar cadáveres para fazer investigação. Todos nos lembramos disso!
Ora, nos momentos dos avanços da ciência, justifica-se muito mais que caiam peias inadmissíveis à investiga
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ção científica, porque esta nova revolução científica toca muito mais profundamente a natureza do homem do que aquela que deu origem à idade moderna. Por isso mesmo, os preconceitos ideológicos aqui podem ser ainda muito mais prejudiciais para o futuro da humanidade, para o progresso, para a evolução do ser humano.
É por isso que, embora votando a favor, não poderíamos deixar de fazer os reparos que acabámos de fazer em relação a uma questão que consideramos fundamental, porque servirá para que muitas doenças sejam combatidas e exterminadas.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Como a Sr.ª Deputada calcula, tenho toda a conveniência em que se considere ainda uma jovem!
Risos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O Sr. Presidente tem sempre umas observações muito finas!
O Sr. Presidente: - Essa crueldade para com os mais velhos tem que acabar, um dia, por ser proibida por lei da Assembleia da República!
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A possibilidade de redesenhar a natureza existe verdadeiramente hoje em dia. A era da biotecnologia chegou. É perante uma realidade que tem, necessariamente, dois lados de observação, ou seja, por um lado, perante o maravilhoso mundo novo mas, por outro, perante a emergência de um pesadelo, que a discussão se coloca e que, necessariamente, a compreensão da importância da ratificação desta Convenção se põe, do ponto de vista de Os Verdes.
É evidente que as profundas modificações que têm ocorrido e o alucinante ritmo a que as novas fronteiras do conhecimento são ultrapassadas alteram, de um modo radical, aquilo que eram os quadros tradicionais, dentro dos quais, durante muitos anos, se processou o destino biológico da espécie humana e, portanto, as condições de reprodução, de nascimento, da vida e da morte. Essa mudança grande que aconteceu implica, hoje, repensar e rediscutir os limites que a revolução técnico-científica envolve.
Porque a ciência não é neutra, porque, independentemente de a ciência poder ter uma função libertadora - e tem-na seguramente! - na perspectiva da libertação dos indivíduos, da afirmação dos seus direitos, da sua liberdade, da afirmação da sua dignidade, do desenvolvimento e do progresso da humanidade, existe a possibilidade de apropriação para fins perversos, na medida em que, em torno dela, se movem interesses economicistas, pensamos que é nesse quadro que a questão deve ser colocada.
Independentemente de considerarmos que há questões éticas que, necessariamente, têm de ser ponderadas numa discussão desta natureza, não somos partidários do facto de a ciência e a técnica serem em si mesmas um fetiche e não recusamos a utilização da ciência como um factor de progresso, bem como a possibilidade de ela alcançar patamares substancialmente diferentes e melhores numa perspectiva de progresso, isto é, numa perspectiva de maior qualidade de vida para as pessoas.
É neste sentido que nos parece que o texto hoje em discussão se coloca e é importante. Estamos a falar do respeito pelo património genético de cada um e pela liberdade da sua transmissão a descendentes; estamos a falar da recusa da discriminação fundada nas características genéticas de seres humanos; estamos a falar da confidencialidade de dados e do livre consentimento.
Julgo, pois, que para nós esta discussão em torno destas matérias é muito importante, independentemente de ser uma discussão que não é linear. Aliás, a leitura das actas dos sucessivos debates havidos no Conselho da Europa sobre esta matéria provam que não foi uma discussão linear e que algumas coisas extremamente importantes saíram daqui, designadamente a menção clara à não utilização para fins militares do património genético. No entanto, independentemente de estarmos a falar de matérias complexas, de questões que não são lineares, de questões que tradicionalmente, e erradamente, do nosso ponto de vista, têm sido circunscritas ao domínio dos técnicos, ao domínio dos peritos, esta é para nós uma questão que tem de ser do domínio público, que tem de ter uma discussão pública e que, cada vez mais, deve envolver os cidadãos.
Porém, não envolve esta Câmara, como, aliás, se vê neste Plenário vazio, não suscita grandes paixões por parte dos jornalistas, mas tem de suscitar e cada vez mais tem de ter significado.
Esperemos que, no futuro, a revisão deste texto signifique um outro patamar da maturidade da discussão política e do envolvimento cívico. Este é para nós um domínio público, e não privado, e implica o direito à informação, o envolvimento dos cidadãos e a ponte entre os peritos e todos os sectores da sociedade e todos os cidadãos, que têm o direito de se fazerem ouvir e de se envolverem em questões que, no fundo, têm a ver com o seu próprio destino.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegados ao fim da discussão da proposta de resolução n.º 36/VIII, o Sr. Secretário da Mesa vai dar conta de um parecer da Comissão de Ética.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 1.º Juízo Criminal do Tribunal do Funchal, no âmbito do processo n.º 140/99, o parecer da Comissão de Ética vai no sentido de não autorizar o Sr. Deputado Mota Torres (PS) a prestar depoimento, na qualidade de testemunha, em audiência marcada para o próximo dia 19 de Outubro, pelas 14 horas e 30 minutos, no âmbito dos referidos autos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Pausa.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o referido parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, a próxima sessão plenária realiza-se amanhã, quinta-feira, dia 19, a partir das 15 horas, e, além do período de antes da ordem do dia, a ordem do dia será
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preenchida com a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 238/VIII, apresentado pelo PSD, e a discussão, também na generalidade, do projecto de lei n.º 297/VIII, apresentado pelo Partido Ecologista «Os Verdes».
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 35 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social Democrata (PSD):
António Paulo Martins Pereira Coelho
Pedro Manuel Cruz Roseta
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa
António Alves Martinho
Carla Maria Nunes Tavares Gaspar
João Cardona Gomes Cravinho
José Carlos Correia Mota de Andrade
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Manuel Francisco dos Santos Valente
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Vítor Manuel Caio Roque
Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
João Bosco Soares Mota Amaral
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Manuel Joaquim Barata Frexes
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Partido Comunista Português (PCP):
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Partido Popular (CDS-PP):
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
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