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0450 | I Série - Número 12 | 19 De Outubro De 2000

de ser um princípio. Tem o grande mérito de tomar opções, o que nem sempre é fácil neste mundo do «politicamente correcto».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: De fundamental importância é o Protocolo Adicional à Convenção, que proíbe a clonagem dos seres humanos. A proibição, sem espécie alguma de derrogações, da criação de um ser humano copiando o património genético de outro ser humano, vivo ou já falecido, com qualquer espécie de finalidade, é uma ofensa profunda à dignidade humana, é algo de eticamente deplorável e atenta contra os nossos valores civilizacionais.
Citando o Prof. Daniel Serrão a este propósito, «tudo o que concorra para anular a diversidade humana é perigoso no campo da sobrevivência da espécie e ofende a dignidade humana».
Termino, reafirmando o que é aqui mais importante. Volto a dizer que esta Convenção não é um fim, nem sequer é uma resposta global, mas tem uma grande vantagem: a de ser o início de uma resposta aos novos problemas de um mundo que é admirável sem ser, certamente, novo.
Por tudo isto, esta Convenção merece a nossa total concordância.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As Convenções apresentadas a esta Assembleia inserem-se em problemáticas de grande actualidade e de extrema complexidade que, a partir da ciência, questionam o próprio processo democrático.
Algumas reflexões apenas.
O persistente mito da neutralidade da ciência mascarou, durante séculos, o facto de a actividade científica não ser separável do contexto social. A ciência e a técnica têm legitimado e contribuído para a reprodução do sistema político e social, desde a fundamentação aristotélica da escravatura até a actuais correntes sociobiologistas que pretendem legitimar geneticamente a desigualdade social de etnias, de classes e de sexo.
Mas hoje sabemos que a ciência deixou a inocência no berço e perdeu pelo caminho o encantamento das suas promessas. Sabemos que, bastas vezes na História, o triunfo da razão científica deu ao irracional uma aparência de racionalidade.
O que esta nossa consciência coloca não é, de modo algum, a «diabolização» da ciência. Historicamente, a ciência foi essencial na humanização do ser humano, libertando-o da fragilidade natural e fazendo da natureza humana também um processo cultural. E a ciência e a técnica que, depois da revolução industrial, modelam cada vez mais profundamente a sociedade, abrem amplos horizontes de qualidade de vida.
As potencialidades da ciência como terreno de extensão da qualidade de vida e dos direitos humanos não permitem, só por si, certezas eufóricas. Entre o catastrofismo e o discurso optimizante só há lugar para retóricas! A questão não pode colocar-se somente no que a ciência pode fazer pela humanidade mas também, e inequivocamente, no que a humanidade pode fazer pela ciência. Trata-se de colocar no lugar dos cidadãos, dos movimentos sociais, numa palavra, da praxis uma questão fundamental: que tipo de intervenção social pode incentivar ou, pelo contrário, confiscar o poder libertador da ciência e da técnica?
Note-se que uma forma de confiscação do poder científico reside no facto de o eleger como solução para todos os problemas, como alerta o Prof. Boaventura Sousa Santos.
A democratização científica impõe-se face à ciência como apropriação do conhecimento científico pelo poder e pelos poderes. Hoje, a investigação em genética apresenta enormes implicações económicas, suscita vários conflitos de poder, quer visando créditos para o financiamento, quer através do monopólio das descobertas científicas. É o caso das patentes, ou seja, do registo de propriedade de determinadas sequências genéticas descobertas por empresas privadas que reservam essa informação, inflacionando até conclusões precipitadas e subordinando a importância da descoberta à corrida concorrencial para a obtenção de lucros.
Um exemplo, entre vários, é o de testes realizados há anos sobre genes que se sabe que predispõem as mulheres ao cancro de mama e sobre uma mutação genética que favorece doenças de coração; embora não se saiba ainda qual o grau desta predisposição, a empresa americana Myriad Genetics realiza já estes testes ao preço de 2400 dólares (mais de 570 contos).
O jogo de poderes sobre a investigação genética é também atravessado por pressupostos ideológicos expressos em pretensos determinismos genéticos que marcariam o comportamento humano. Um dos maiores fantasmas da ideologia determinista seria a concepção de crianças submetidas totalmente à apreciação do seu capital genético, tipo O Melhor dos Mundos, de Huxley.
A democratização da ciência implica um debate público, plural, contínuo, aliás recomendado no artigo 28.º da Convenção sobre os Direitos do Ser Humano e da Biomedicina. A emergência da discussão pública verificou-se nos anos 60, no contexto da guerra do Vietname, com o imperialismo americano a utilizar ao máximo os recursos da técnica no processo de armamento atómico e químico, e desenvolveu-se nos anos 70 face à corrida aos armamentos e ao desenvolvimento da energia nuclear.
A partir da catástrofe de Tchernobyl, assistimos a um lento mas contínuo envolvimento do cidadão comum nesta discussão. Para tal, contribuíram decisivamente, pela positiva, os movimentos ecologistas e, pela negativa, a questão do sangue contaminado e a questão chamada das «vacas loucas». A opinião pública teve a percepção de que os riscos não foram bem geridos pelos aparelhos científico e político. Esta percepção impulsionou um protagonismo de prevenção, expresso em movimentos sociais, por vezes locais, como sucedeu no caso da co-incineração nos distritos de Aveiro e de Coimbra.
É neste contexto que, sem precisar de recomendações, o debate se insinua, embora timidamente. Novas formas de democracia participativa estão a ser experimentadas através da discussão de cidadãos com cientistas, nomeadamente na Dinamarca e em França.
Mas não há debate democrático quando subsistem enormes défices de comunicação, de informação, de divulgação. Quando uma questão científica tem uma boa cobertura mediática, o público fica sensibilizado mas o seu conhecimento não se altera. A comunicação social tem aqui um papel fundamental a aprofundar, através da convoca

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