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Quinta-feira, 4 de Janeiro de 2001 I Série - Número 34

DIÁRIO da Assembleia da República

VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 3 DE JANEIRO DE 2001

Presidente: Ex.mo Sr. Manuel Alegre de Melo Duarte

Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
José de Almeida Cesário
António João Rodeia Machado
António José Carlos Pinho

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da apresentação do projecto de lei n.º 337/VIII, da proposta de resolução n.º 51/VIII, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Foi aprovado um parecer da Comissão de Ética relativo à substituição de Deputados do CDS-PP.
Os Srs. Deputados Francisco Louçã (BE), Carlos Encarnação (PSD), João Amaral (PCP) e Basílio Horta (CDS-PP) proferiram declarações políticas condenando a actuação do Governo relativamente ao caso que envolve a morte do cabo Hugo Paulino, após a sua vinda do Kosovo.
De seguida, procedeu-se a um debate de actualidade, com o Ministro da Defesa Nacional (Júlio Castro Caldas), sobre o mesmo assunto, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro e daqueles oradores, os Srs. Deputados Heloísa Apolónia (Os Verdes), António Reis (PS), Henrique Rocha de Freitas (PSD) e Eduardo Pereira e Medeiros Ferreira (PS).

Ordem do dia.- Foi apreciada a petição n.º 49/VII (1.ª) - Apresentada pela Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública, solicitando a adopção de medidas de política salarial e medidas legislativas que garantam a estabilidade do emprego, tendo usado da palavra, além do Sr. Secretário de Estado da Administração Pública e da Modernização Administrativa (Alexandre Rosa), os Srs. Deputados Arménio Santos (PSD), Afonso Lobão (PS), Pedro Mota Soares (CDS-PP) e Alexandrino Saldanha (PCP).
Foi também apreciada a petição n.º 79/VII (2.ª) - Apresentada pela Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses, pretendendo que sejam tomadas medidas tendentes a reduzir a sinistralidade laboral e a criar um novo quadro legal para a reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho. Intervieram, além do Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação (Paulo Pedroso), os Srs. Deputados Mafalda Troncho (PS), Odete Santos (PCP), Pedro da Vinha Costa (PSD) e Pedro Mota Soares (CDS-PP)
Foi ainda apreciada a petição n.º 91/VII (3.ª) - Apresentada por José Luís Diogo Presa e outros, pedindo que seja criado o município de Vila Praia de Âncora. Intervieram os Srs. Deputados Honório Novo (PCP), João Benavente (PS), Artur Torres Pereira (PSD) e Alves Pereira (CDS-PP).
A petição n.º 110/VII (3.ª) - Apresentada pela Junta de Freguesia de Alfezeirão e pela Associação de Defesa do Ambiente de São Martinho do Porto, chamando a atenção para os gravíssimos problemas da região da baía de São Martinho do Porto, foi também apreciada, tendo-se pronunciado, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães), os Srs. Deputados Vicente Merendas (PCP), José António Silva (PSD), João Pedro Correia (PS) - que também deu explicações ao Sr. Deputado Fernando Costa (PSD), que exerceu o direito regimental de defesa da honra -, Maria Celeste Cardona (CDS-PP) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
Procedeu-se à apreciação da petição n.º 138/VII (4.ª) - Apresentada pela CDU Madeira, solicitando que a Assembleia da República adopte as medidas legislativas adequadas e que sejam disponibilizados os meios financeiros para que os re

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sidentes na Região Autónoma da Madeira tenham acesso gratuito aos canais nacionais de televisão (RTP2, SIC e TVI), tendo intervindo, além do Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social (Arons de Carvalho), os Srs. Deputados António Filipe (PCP), Mota Torres (PS), Hugo
Velosa (PSD), Pedro Mota Soares (CDS-PP) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
A Câmara apreciou também a petição n.º 172/VII (4.ª) - Apresentada pelo Sr. António Martins Moreira e outros, solicitando a intervenção da Assembleia da República no sentido de se baixar o preço da água distribuída ao domicílio, no concelho de Torres Vedras. Usaram da palavra, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, os Srs. Deputados Rui Gomes da Silva (PSD), João Benavente /(PS), António Filipe (PCP) e João Rebelo (CDS-PP).
Finalmente, foi apreciada a petição n.º 173/VII (4.ª) - Apresentada pela Federação Nacional dos Professores/FENPROF, solicitando à Assembleia da República que tome as medidas necessárias que conduzam à elaboração de leis que permitam aos professores e educadores desempregados o acesso ao subsídio de desemprego e a assistência social. Intervieram, além da Sr.ª Secretária de Estado da Administração Educativa (Maria José Rau Vieira), os Srs. Deputados Manuel Oliveira (PSD), Luísa Mesquita (PCP), Rosalina Martins (PS) e Rosado Fernandes (CDS-PP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 45 minutos.

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O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Cláudio Ramos Monteiro
Eduardo Ribeiro Pereira
Fernando Alberto Pereira Marques
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pinto Camilo
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Isabel Maria Soares Pinto Zacarias
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Cardona Gomes Cravinho
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António dos Santos
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Joaquim Barbosa Ribeiro
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria José Vidal do Rosário Campos
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Vítor Manuel Alves Peixoto
Vítor Manuel Lontrão Carola
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro dos Santos Amaro
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António de Carvalho Martins
António d'Orey Capucho
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Artur Ryder Torres Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel Marta Gonçalves
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara

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Fernando José da Costa
Fernando Santos Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
João Bosco Soares Mota Amaral
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Durão Barroso
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rui Fernando da Silva Rio
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva

Partido Comunista Português (PCP):
Alexandrino Augusto Saldanha
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Cândido Capela Dias
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
Octávio Augusto Teixeira
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello Branco
António de Magalhães Pires de Lima
António José Carlos Pinho
António Manuel Alves Pereira
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Mota Soares
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, como esta é a primeira sessão não só do novo ano como do novo milénio, desejo a todos um bom ano e um bom trabalho.
De seguida, o Sr. Secretário vai dar conta do expediente.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram aceites, as seguintes iniciativas legislativas: projecto de lei n.º 337/VIII - Legitimação democrática do defensor do contribuinte (PSD), que baixou à 5.ª Comissão; proposta de resolução n.º 51/VIII - Aprova, para ratificação, o Acordo de Transporte Aéreo entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América, assinado em Lisboa, em 30 de Maio de 2000, que baixou à 2.ª Comissão.
Foram apresentados na Mesa os seguintes requerimentos: nas reuniões plenárias de 14 e 19 e no dia 18 de Dezembro - ao Ministério da Reforma do Estado e da Administração Pública, formulado pelo Sr. Deputado Telmo Correia; ao Ministério da Saúde, formulado pelas Sr.as Deputadas Isabel Castro e Ana Manso; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Arménio Santos; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Alves Pereira; ao Ministério do Equipamento Social e ao Instituto Nacional do Transporte Ferroviário, formulado pelo Sr. Deputado João Rebelo; à Câmara Municipal do Porto, formulado pelo Sr. Deputado Álvaro Castelo Branco.
Na reunião plenária de 20 de Dezembro: aos Ministérios da Economia e do Planeamento, formulados pelo Sr. Deputado António Nazaré Pereira; ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Oliveira; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Rosado Fernandes; aos Ministérios da Agricultura do Desenvolvimento Rural e das Pescas e do Ordenamento do Território, formulados pelo Sr. Deputado Cândido Capela; ao Ministério do Equipamento Social, formulados pelo Sr. Deputado Honório Novo e Lino de Carvalho e ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado João Amaral.
Nos dias 19, 20 e 27 de Dezembro, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Carlos Martins, na sessão de 6 de Julho; Natália Filipe e Francisco Torres, na sessão de 26 de Julho; Henrique de Freitas, no dia 30 de Agosto; Natália Carrascalão e Manuela Aguiar, na sessão de 21 de Setembro; Luís Fazenda, na sessão de 11 de Novembro; Cândido Capela, na sessão de 2 de Novembro; Bruno Vitorino, na sessão de 7 de Novembro; Sílvio Rui Cervan, no dia 21 de Novembro e João Rebelo, na sessão de 27 de Novembro.
Nos dias 19 e 27 de Dezembro, foram respondidos os requerimentos apresentados pelos seguintes

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Srs. Deputados: José Cesário, na sessão de 4 de Outubro, e António Filipe, na sessão de 6 de Dezembro.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai ainda dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Ética sobre substituição de Deputados.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o relatório refere-se à substituição dos Srs. Deputados Álvaro Ferrão Castello Branco (CDS-PP), por um período não inferior a 45 dias, a partir do dia 1 de Janeiro, e António Pires de Lima (CDS-PP), a partir de 3 de Janeiro, respectivamente pelos Srs. Deputados Henrique Jorge Campos Cunha e António Herculano Gonçalves.
O respectivo parecer é no sentido de que as substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, vamos votar o parecer da Comissão de Ética.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Srs. Deputados, estão inscritos quatro Srs. Deputados para proferirem declarações políticas.
Comunico, entretanto, que, logo de seguida, terá lugar um debate de actualidade com o Sr. Ministro da Defesa.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: Ao citar, ontem, o ex-Primeiro-Ministro inglês Curchill, afirmando que «a guerra é um assunto demasiado sério para ser deixado só aos militares», o Ministro Castro Caldas cometeu três erros graves. Assim, nesta intervenção e no debate que se lhe vai seguir, quero chamar o Governo à responsabilidade.
Em primeiro lugar, no momento em que eram necessárias palavras claras para responder à ansiedade do País, e em particular das famílias dos militares envolvidos, no momento em que era preciso encerrar um escândalo sem precedentes no nosso País, o Ministro quis refugiar-se num labirinto semântico para dizer, sem dizer o que não teve coragem para dizer, que o General Martins Barrento não tem competência para tratar dos assuntos que fazem a sua função.
Em segundo lugar, o Ministro remeteu a sua própria responsabilidade de propor a nomeação ou demissão das chefias militares para o Presidente da República, obrigando o Dr. Jorge Sampaio a corrigir imediatamente esta incongruência e este lapso da compreensão das normas constitucionais.
Numa palavra, e citando também Winston Churchill, o Ministro veio dizer que a nomeação das chefias militares é assunto demasiado sério para ser deixado a um Ministro que revela tanta leveza na compreensão dos preceitos constitucionais.
Em terceiro lugar, o Ministro decretou o silêncio do General Martins Barrento ao substituir as suas declarações por um regime de secos comunicados do Estado-Maior. Desautorizou o General, deixou clara a sua distância em relação à atitude deste, que, quando do pedido de investigação da família do cabo Paulino, respondeu trauliteiramente.
De facto, o General Barrento limitou-se a ressuscitar dos manuais da guerra fria algumas declarações em que a imputação doutrinária serve como prova de facto. Perguntado no Telejornal da RTP 1 sobre o que é que provava a conotação, a intervenção ou o financiamento, pela embaixada jugoslava, de uma campanha de desinformação no Ocidente, respondeu, como não podia deixar de ser, que a prova estava nos manuais da contrainformação e, por isso, tinha chegado a dizer que o embaixador da Jugoslávia estava por detrás da indignação, tão legítima, da família do cabo Paulino. É assim que vem nos manuais, portanto a realidade só se pode conformar ao que está escrito nos escritos da NATO.
Ora, depois do que disse, o Ministro e o Governo só podiam tomar uma posição: demitir o Chefe do Estado-Maior do Exército, porque o País não lhe reconhece humanidade para tratar com um pai que quer saber a verdade sobre a morte do filho; porque o Ministro, pelos vistos, não lhe reconhece competência para defender a vida dos soldados portugueses no Kosovo; e também porque o Presidente não reconhece a um cabo-de-guerra o direito de falar de assuntos desta importância. Deveria ter optado pela demissão e não optou.
Cabe agora ao General Martins Barrento tirar todas as consequências, que o Governo não soube ou não quis tirar, da atitude do Ministro, que nele não confia, mas que não quer decidir demiti-lo; cabe ao General Martins Barrento perceber que, nesta história, não há glória, mas talvez, também, nem sequer haja a honra de tomar uma decisão a seu próprio respeito; cabe ao General Martins Barrento perceber o sentido das palavras do Presidente, que lhe retira a confiança para a condução da investigação, sobre o risco da saúde dos militares portugueses que estiveram, ou que estão, no Kosovo.
Se o General tem esse sentido da honra, deve abandonar o cargo, para o qual não tem a confiança do Presidente, nem do Ministro, nem do País. Espero, portanto, que, ao longo do dia de hoje, ou o Presidente da República nos anuncie a convocação do Conselho de Defesa Nacional para deliberar, em última instância, sobre esta matéria, ou que se ouça da boca do General Martins Barrento a sua demissão.
Mas porque se trata de um problema de confiança e porque a Assembleia, neste debate, ao longo do dia de hoje, deve contribuir para estabelecer essa confiança que o País precisa e que o País merece, deve também a Assembleia reflectir sobre a situação que enfrentam os soldados portugueses no Kosovo.

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Os soldados têm uma situação dramática. Sabe-se hoje que, na primeira missão portuguesa, só os sargentos tinham dosímetros para medir as radiações e que os soldados não os possuíam, não tinham conhecimento nem das medições, nem sequer do risco que corriam.
Sabe-se agora que os instrumentos que o Sr. Ministro elogiou ontem, na sua intervenção, feita em directo nos canais da televisão, não são competentes para medir as dosagens de contaminações mais letais, que podem, eventualmente, afectar a saúde destes soldados.
Mas, naturalmente, não nos podemos limitar a discutir a saúde dos soldados, que é tão importante neste contexto.
É, assim, indispensável que a Assembleia da República fale hoje sobre aquilo que foi a decisão que afecta esses soldados e que afecta as populações civis do Iraque, do Kosovo e da Jugoslávia, que foram sujeitas à utilização de armas que, à luz de todos os preceitos internacionais, são proibidas e são condenadas.
Por isso mesmo, importa fazer um balanço desta decisão, isto é, o que é que leva os soldados portugueses à presença no terreno das operações militares já depois de, sem uma decisão do Parlamento e sem uma decisão de declaração de guerra, Portugal ter participado numa operação militar de bombardeamento de um país com o qual foi mantendo sempre relações diplomáticas normais. Uma guerra sem declaração que não deixou de ser uma guerra e que afecta estes soldados como afecta a população civil.
Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados, quero lembrar-vos que, na altura, personalidades tão diversas como Mário Soares, Boaventura Sousa Santos, Freitas do Amaral, Jorge Miranda ou o próprio Ministro que hoje está em funções no cargo da Defesa consideraram que esta actuação militar era ilegal, ilegítima e injustificada. Sabemos agora que não só isso é verdade como é dramaticamente mais verdade, porque a morte semeada para intuitos políticos, nessa altura, se prolonga por uma condenação à morte destas populações civis nos anos vindouros.
Assim, a única coisa que nos resta concluir é que desse crime, dessas mortes semeadas, desse risco para as populações civis, desse risco para os soldados que foram mandados por estes governos intervenientes para o teatro das operações, só fica uma certeza: a de que quem decidiu a utilização destas armas, quem avalizou a utilização destas armas, quem usou estas armas, esses criminosos de guerra nunca se sentarão no banco dos réus!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, encontra-se a assistir à reunião plenária um grupo de 45 alunos da Escola Gonçalves Zarco, de Matosinhos, para quem peço a habitual saudação.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Também para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O que se passou nas últimas semanas, no País, foi, pura e simplesmente, inacreditável.
O Governo colocou em causa, ao mesmo tempo, a relação de confiança com instituições internacionais, o cumprimento das suas obrigações de informar, o princípio da colaboração entre órgãos de soberania e, finalmente, o esclarecimento da verdade dos factos perante os normais cidadãos.
O Governo permitiu que, durante estes atribulados dias, se instalasse a dúvida sobre se a NATO lhe transmitira, e o que lhe transmitira, quanto ao problema das consequências dos bombardeamentos com munições compostas por urânio empobrecido.
Mais, permitiu que todos nos interrogássemos sobre o modo como foram colocados os contingentes militares no Kosovo e se haviam sido os portugueses especialmente prejudicados na localização correspondente.
As dúvidas sobre os efeitos perniciosos dos bombardeamentos avolumaram-se e os factos entretanto verificados encarregaram-se de estabelecer relações. Sabia-se que o Governo não informou a Assembleia da República de especiais perigos de intervenção quando a decisão foi tomada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Soube-se que o Sr. Presidente da República deu a conhecer que o Governo lhe não havia também prestado informações sobre os potenciais perigos a que se encontravam sujeitos os militares portugueses estacionados no Kosovo. O Sr. Presidente da República, que é, note-se bem, o Comandante Supremo das Forças Armadas, de acordo com a Constituição!
Mais, ouvidos sobre tal matéria, Presidente e Primeiro-Ministro declararam surpreendentemente que queriam conhecer toda a verdade.
Afinal, levantada a dúvida sobre causas e efeitos de doenças e mortes, conviria saber o que, de facto, tinha acontecido.
Estranhamente, o Presidente desconhecia aquilo que o Primeiro-Ministro devia ter-lhe transmitido. Mais estranhamente ainda, o Primeiro-Ministro ignorava o que devia transmitir. A história não registou, sequer, qualquer iniciativa da parte do Sr. Presidente para convocar e ouvir o Conselho Superior de Defesa Nacional.

O Sr. António Capucho (PSD): - Incrível!

O Orador: - Ganhava peso esta interrogação simples: a NATO informara o Ministro Jaime Gama, ao tempo Ministro cumulativo dos Negócios Estrangeiros e da Defesa, sobre o assunto? O Ministro Jaime Gama passou o transmitido ao Ministro Castro Caldas?
Se a NATO não havia prestado as informações, criara-se um facto político de excepcional gravidade: a NATO não fornecera a um País aliado, partícipe na intervenção militar realizada sob a sua égide, acesso ao conhecimento de dados de natureza vital.
Se as informações foram transmitidas, sobrava a interrogação sobre a razão pela qual não foi comunicada aos demais órgãos de soberania. Constituiria isto um misto de irresponsabilidade política e grave omissão.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - E porque é que estas e outras perguntas e perturbadoras conclusões ganharam espaço? Porque, pura e simplesmente, quando começaram a circular as notícias que davam conta das complicações surgidas com militares envolvidos no Kosovo, a reacção do Governo foi a mais titubeante e inexplicável. Por isso mesmo, no dia 21 de Dezembro, redigi um requerimento ao Governo no qual solicitava a disponibilização dos relatórios da ONU e da NATO e a indicação das medidas tomadas e a tomar para evitar o pior e tranquilizar os portugueses, assim como declarei publicamente, no dia seguinte, que não exigia sequer que a resposta me fosse dada directamente. Pedia, em nome da confiança nas instituições, que o Governo desse a conhecer aos portugueses o que verdadeiramente se passava. Pedi, sem resultado.
O Governo estava, então, na fase de ignorar, de tergiversar, de «varrer para debaixo do tapete» a realidade que o incomodava.
A partir daí foi uma sucessão de episódios grotescos, qual deles o mais difícil de explicar.
Soube-se que um militar português falecera e que nem a família nem o seu advogado tinham obtido permissão de acesso ao relatório da autópsia. A primeira reacção do Governo foi achar isto natural. A subsequente foi anunciar a futura divulgação do relatório. O que mudou entretanto? O conhecimento público que se fez do facto.
Perante a questão geral, perigo e consequências do urânio empobrecido, o Sr. Ministro da Defesa Nacional afirmou não haver motivo para preocupações. Logo a seguir recuou e admitiu a incerteza.
Sobre a necessidade de efectuar novas medições quanto a emissões radioactivas, o Sr. Ministro da Defesa Nacional recusou-a. Logo depois, decidiu promover o envio de uma equipa de peritos e especialistas do Ministério da Ciência e Tecnologia especialmente preparada para o efeito.
Quanto aos exames médicos aos militares portugueses, o Sr. Ministro da Defesa Nacional declarou-os injustificados. Guardou para o dia seguinte a publicitação da decisão de realizar tais exames.
Estávamos, já, num tempo de reconsideração da teimosia autista do Governo. Percebia-se, porém, que a capacidade de decisão do mesmo Governo não existia, flutuava ao sabor das várias circunstâncias.
Tudo o que acabámos de descrever sabem os portugueses bem que foi, sem tirar nem pôr, a conduta exemplar do Governo. Isto é, se o problema ganhou os contornos que acabou por ganhar, foi exactamente por culpa da inércia, da incerteza, das contradições em que o próprio Governo se enredou.
Foi preciso todo este tempo de avanços e de recuos, do secretismo feito política, para o Ministro da Defesa Nacional vir dar, ontem, uma conferência de imprensa sobre este tema.
Foi preciso tudo isto para, finalmente, reunir o Conselho Superior Militar.
Foi preciso o Chefe do Estado-Maior do Exército, apanhado num momento de recuo nos avanços do Governo, vir contrariar aquilo que parecia ser a política finalmente aceite do reconhecimento da relevância do assunto em declarações inaceitáveis para se criar um facto suficiente para desviar as atenções.
Foi preciso concluir, através do «jogo do empurra» entre o Ministro da Defesa e o Presidente da República sobre o poder de demissão de um Chefe do Estado Maior, que não existe Primeiro-Ministro.
Foi preciso recorrer a esta situação «bolorenta» e à pressão das circunstâncias para desfazer as nossas primeiras dúvidas. Afinal, o Governo sempre soube de tudo. Escondeu-o de todos nós. Não o sabia o Sr. Presidente da República. Não o sabia o Parlamento. Não se enchesse a opinião pública de motivos de receio, não tivessem morrido militares belgas e militares e polícias italianos, não tivessem holandeses e alemães tomado especiais medidas de protecção, não houvessem os espanhóis decidido realizar o rastreio a todos os seus militares que passaram pelo Kosovo, ainda hoje saberíamos o mesmo!
Os portugueses ouviram a conferência de imprensa do Sr. Ministro da Defesa Nacional com um ar de perfeita incredulidade. Agora, que a confiança e a credibilidade estão de tal modo afectadas, só agora, o Sr. Ministro resolveu falar para confessar, atabalhoadamente, que o problema afinal sempre existiu, que algumas medidas foram tomadas mas que outras, indispensáveis, se impõem. O Governo escreveu mais uma página negra da sua actuação.
Para nós, a intervenção militar no Kosovo foi feita para impedir uma limpeza étnica. Acreditamos que assim terá sido e por isso devemos ser mais exigentes. A nossa posição é clara. Não pode haver princípios fundamentais defendidos justamente através da sua violação, sob pena de inquinar toda a relação de confiança que é condição sine qua non, é preciso que ao Governo se exija transparência e responsabilidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Participar escondendo questões essenciais é iludir a boa fé de todos.
Submeter militares portugueses a perigos outros cujo conhecimento é reservado ao Governo é viciar os dados.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não pode haver aqui lugar à reserva mental nem ao segredo. Apetece-me parafrasear uma frase exemplar, proferida ontem pelo Sr. Ministro da Defesa Nacional, citando Churchill, em que o mesmo dizia que a guerra é uma coisa demasiado séria para ser confiada apenas a este Governo, mesmo se ele existisse.
Neste início atribulado de ano, já não desejo aos portugueses um bom ou um novo Governo, limito-me a desejar que tenham um Governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Ainda para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Afinal, como muitos por todo o mundo avisaram e denunciaram (incluindo em Portugal, e até aqui, na Assembleia da República), a guerra da NATO contra a Jugoslá

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via não foi cirúrgica, não foi humanitária, não preveniu as consequências danosas sobre as populações civis, nem sequer - por cúmulo! - consegue, neste momento, ainda afirmar uma inequívoca garantia de que essas consequências danosas não recaíram também sobre os militares da força da NATO invasora do território jugoslavo, incluindo sobre os militares portugueses que o Governo para lá enviou.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O caso do uso do urânio empobrecido não foi um caso isolado no uso de material bélico, cujas consequências danosas para o ser humano - e, já agora, para o meio ambiente - não estão devidamente identificadas. Por exemplo: o que é que o Governo português aqui pode dizer - mas com rigor, meus Senhores! - sobre as consequências das bombas de grafite? E o que é que o Governo português sabe, realmente, sobre as doenças, verificadas, dos militares americanos que participaram na Guerra do Golfo em acções no terreno, no deserto?
O exercício de cinismo e hipocrisia que rodeou a guerra movida pelos países da NATO (particularmente pelos Estados Unidos) contra a Jugoslávia está agora mais à vista.
Há uma coisa que o Governo já não consegue apagar. Diga agora o que disser, o Governo já provou que não tem meios para garantir à opinião pública nacional que o uso militar do urânio empobrecido não pode provocar situações de doença e lesões capazes de, inclusivamente, causar a morte. O Governo não tem meios para garantir que isso não pode suceder.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Se o Governo não o consegue fazer sequer em relação à situação que se vive hoje nas áreas bombardeadas com o urânio empobrecido, como o pode fazer em relação à situação encontrada no terreno no momento em que as tropas portuguesas entraram no Kosovo?
Se o Governo não conseguiu responder aos angustiados apelos da família do malogrado cabo Hugo Paulino, como é que o conseguirá fazer quando a opinião pública perguntar quais as consequências desse material bélico radioactivo sobre a população kosovar, seja a de origem sérvia ou de origem albanesa, sejam militares/combatentes ou população civil, incluindo mulheres, idosos ou crianças?

Aplausos do PCP.

Das duas, uma: ou o Governo sabia destes riscos e, então, incorreu numa gravíssima responsabilidade que terá de pagar por inteiro, por não ter informado esta Assembleia e o País e, pior ainda, por não ter informado os militares que mandou para o Kosovo, ou o Governo não sabia, isto é, a NATO reservou essa informação e então cabe perguntar que tipo organização é essa e que triste papel faz então nela um país como Portugal, que se quer soberano e digno de respeito!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - No processo que se abriu no País com o falecimento do cabo Paulino, as responsabilidades fulcrais são do poder político, a começar pelo Governo, continuando pelo Conselho Superior de Defesa Nacional, presidido pelo Presidente da República, e terminando em todas as forças políticas que deram um cheque em branco para que Portugal interviesse naquela guerra.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Chefe do Estado-Maior do Exército resolveu meter-se na questão com afirmações inadequadas e inaceitáveis que o põem em cheque. Embora deva dizer-se que é de assinalar que o Sr. General venha lembrar os manuais da guerra psicológica e comunicacional, porque foi precisamente com o uso desses meios que foi preparada, montada, justificada e executada pela NATO, pela CNN e órgãos do género, a guerra contra a Jugoslávia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas, depois das declarações que fez o Sr. General, a família e o País não entenderiam que uma alta figura militar, com os preconceitos e ideias feitas que o Sr. General Martins Barrento demonstrou, pudesse continuar a manter as altas responsabilidades que detém, incluindo as de condução do processo relativo à análise da situação dos militares portugueses no Kosovo. Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, haja modos! A responsabilidade política é do Governo, particularmente do Primeiro-Ministro e do Ministro da Defesa Nacional. Não pensem transformar o Chefe do Estado-Maior do Exército no bode expiatório das suas próprias culpas!
Foi o Dr. Castro Caldas quem disse, respondendo ao pai do cabo Paulino, que não havia nada, isto é, não havia aquilo que agora ele manda investigar. Foi preciso que viessem os alertas da Bélgica e da Itália para o Ministro que nos calhou ter finalmente um baque de alma. Foi preciso a Espanha ter mandado fazer o rastreio da situação de todos os militares espanhóis para que o Governo percebesse que não podia adiar isso muito mais tempo.
Ao alertas sobre o urânio empobrecido (que, por ser «pobre», não deixa de ser radioactivo) foram dados há muito tempo, não são de agora. Vieram nos jornais e foram objecto de vivas chamadas de atenção nomeadamente por parte de associações de militares.
Que fez o Governo? Absolutamente nada! Mas houve quem fizesse. É ou não um facto que os militares holandeses tinham protecção contra radioactividade? Perante essa informação, que fez o Governo? Ignorou-a ou escondeu-a? Qual é a real responsabilidade do Governo na ausência de medidas de protecção das tropas portuguesas contra estes riscos, mesmo que eles sejam só de concretização eventual?
O espectáculo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que agora os órgãos do Estado dão sobre a questão da demissão do General Barrento é degradante e desprestigiante para o visado e para as Forças Armadas. O Ministro da Defesa Nacional teve o desplante de usar, à saída do máximo órgão da estrutura político-militar, o Conselho Superior Militar, uma frase do baixo jargão anti-militarista.

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Tentou entalar o Presidente da República naquilo que são as responsabilidades dele Ministro. Ou todos os Srs. Deputados que estão envolvidos nesta questão já se esqueceram das alterações governamentalizadoras que foram feitas à Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas e ao processo de nomeação das chefias militares para recolherem para o Governo aquelas competências de indicação e propositura dos chefes militares que pertenciam às Forças Armadas?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - O decoro, o interesse nacional, a defesa da saúde dos militares portugueses e a resposta devida ao pai do cabo Paulino exigem que acabe esta indigna discussão pública e este vergonhoso esquema de passa-culpas.
Verdadeiramente essenciais e urgentes são duas medidas.
A primeira é o completo apuramento, por entidades independentes - e sublinho que, dentro do quadro das entidades que vão investigar, devem estar também os representantes das associações de militares; a Euro 1000 fez uma proposta concreta para estar representada na comissão que vai fazer essa investigação, sendo bom que o Governo a ela responda positivamente, para não ser acusado de querer esconder o que se passa na comissão -, de tudo o que diz respeito às munições de urânio empobrecido e suas consequências imediatas e a médio e longo prazo, assim como o conhecimento de tudo o que se passou no terreno, não só agora, mas desde o início dos bombardeamentos e desde o momento em que os portugueses entraram no Kosovo.
A segunda medida é a saída imediata dos militares portugueses do Kosovo, não só em relação ao conteúdo político dessa presença e ao papel da NATO, mas fundamentalmente como a única medida de precaução, insubstituível para garantir que não haverá mais danos para a saúde para além daqueles que já tenham sofrido.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Para concluir, Sr. Presidente e Srs. Deputados, devo dizer que, se há quem deva ser demitido, que se comece pelo Ministro da Defesa Nacional, porque não cumpriu o que se exige de um Ministro de um Governo de Portugal.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Finalmente, para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Para o CDS-Partido Popular, este tristíssimo caso que se está a desenrolar não deve ser confundido com duas situações que, a nosso ver, são situações maiores.
Em primeiro lugar, este caso não deve ser confundido com o papel da NATO na defesa da democracia e da liberdade nos termos em que nós as entendemos.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Não se deve, portanto, confundir o que se está a passar em Portugal e noutros países com o papel da NATO no contexto internacional, papel que é essencial e insubstituível na defesa do ocidente.
Em segundo lugar - e esta será, porventura, a situação mais importante -, não devemos aproveitar mais esta situação para continuar o processo de degenerescência das instituições que tem vindo a caracterizar os últimos dias e os últimos meses da nossa acidentada democracia. É necessário respeitar as instituições na pessoa dos seus responsáveis e é necessário respeitar o Chefe do Estado-Maior do Exército, não por ser o General Martins Barrento, ou seja, a pessoa a, b ou c, mas por ser o Chefe do Estado-Maior do Exército, que tem de ser tratado com o respeito e a discrição de Estado que os altos dignatários merecem, não devendo ser enxovalhado e posto na praça pública de uma maneira leviana e imprópria de uma democracia estabilizada, com instituições credíveis e respeitadas!

Aplausos do CDS-PP.

Estas são duas situações maiores que o CDS-Partido Popular entende dever defender.
O resto está à vista. O resto é mais um episódio de descoordenação, de falta de sentido de organização e de falta de responsabilização do Governo! E é triste, mesmo para a oposição, constatar o jogo de «empurra-responsabilidades», já não entre membros do Governo, mas entre o Ministro da Defesa e o Comandante Supremo das Forças Armadas, o Sr. Presidente da República!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É uma tristeza para a democracia vermos o Sr. Presidente da República a dar «puxões de orelhas» ao Ministro da Defesa, o que é tanto mais grave quando esse Ministro é uma pessoa que lhe é, ao que julgo saber, próxima. É grave que isso aconteça, não em termos das personalidades envolvidas, mas, sim, em termos do relacionamento entre duas das maiores instituições do Estado, que não devem dar este exemplo de falta de credibilidade, de consistência e de articulação ao País e aos cidadãos. É grave a posição do Sr. Primeiro-Ministro, já que num dia não diz nada e no outro desautoriza o Sr. Ministro da Defesa. Afinal de contas, quem fala pelo Governo?!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ninguém!

O Orador: - Afinal, quem coordena, quem tem a última palavra em matéria de política de defesa e de disciplina das Forças Armadas?! Não foi, seguramente, para isto que os constituintes de 1976 lutaram tanto no sentido de fazer com que as Forças Armadas ficassem na dependência política do poder civil! Para nós, o poder civil era um poder responsável, discreto e consistente e não um poder que lava a roupa suja das Forças Armadas perante um País cada vez mais atónito com aquilo que se está a passar!

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Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É este outro aspecto que temos de sublinhar e com o qual temos de nos indignar.
E depois? Depois, há o resultante da guerra! Como dizia Erasmo, «a guerra só é doce para quem nunca a fez». E este é mais um exemplo das vicissitudes de uma guerra em que, pelos vistos, não se matam apenas adversários, mas em que se semeiam bombas que matam os próprios aliados. O Governo não sabia o que estava a acontecer?! O Governo não foi avisado para este facto uma e outra vez, nomeadamente na Assembleia Parlamentar de Berlim, em que os Deputados russos disseram que existia um risco sério de radioactividade?! O Sr. Presidente da República - pasme-se sobre este aspecto! - não veio dizer ontem que tinha na sua posse elementos que indicavam que os níveis de radioactividade a que estavam sujeitos os militares ultrapassavam em muito o admissível?! E o que é que se fez?! Que medidas tomou o Governo?! O Sr. Presidente da República fez ontem estas afirmações e os jornais de hoje, pelo menos até agora, não desmentiram esse facto! A não ser que, entretanto, a existência destas afirmações tenha sido desmentida, mas nunca se sabe, já que isto é um happening permanente, passe o «galicismo»!…
O Governo não sabia que isto podia acontecer?! O Governo não sabia - e este é também um aspecto importantíssimo do funcionamento das instituições e da respeitabilidade do eleitorado - que estavam a ser utilizadas armas com uma perigosidade diferente da das armas convencionais, com urânio enriquecido e com níveis de radioactividade altamente discutíveis?

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Urânio empobrecido, Sr. Deputado!

O Orador: - Não sabia o Governo que isso iria acontecer? E, se sabia, não preveniu a Comissão de Defesa Nacional?!
Nós temos conhecimento da existência de estudos que entendem que esses níveis de radioactividade não são superiores a níveis de radioactividade normais. Há mesmo quem entenda, por exemplo, que esses níveis não são superiores àqueles que se verificam em certas regiões do distrito da Guarda. Tínhamos conhecimento disso mesmo antes do relatório chegar às nossas mãos, mas o problema não está aí. Não é estranho que Deputados e associações tenham dito uma e outra vez que isso podia acontecer? Não deviam estar os interessados plenamente conscientes do risco que corriam e, por isso, não se deviam ter prevenido? Ou, mais uma vez, foi necessário morrer alguém para levantar outra vez este problema? É que, se é assim, temos umas instituições cuja credibilidade anda extremamente diminuída.
Depois, há um outro aspecto essencial que já aqui foi referido mas que repetimos. É necessário fazer um apuramento completo, não apenas a nível interno mas a nível internacional, do que realmente se passou. Sabemos que a Itália tinha 30 000 soldados, dos quais 6 já morreram - e aí não há dúvidas - por ligação directa ao que se passou no Kosovo, enquanto 20 outros estão a fazer quimioterapia. Se é assim, é necessário que este inquérito se alargue e é necessário que Portugal colabore com a Itália, com a Alemanha e com a Suécia, participando no inquérito que apurará responsabilidades.
Isto porque, Sr. Ministro, não pode valer tudo! Em nosso entender, há guerras que se justificam, mas guerras justas dificilmente poderemos encarar. No entanto, o que nós, democratas-cristãos, não podemos encarar de forma alguma é que se utilizem sem conhecimento, sem prevenção e sem cuidado armas com uma perigosidade que vai muito para além dos efeitos nefastos imediatos que causam, criando sequelas gravíssimas. Os portugueses têm o direito de estar informados. Os nossos soldados e as nossas forças militarizadas têm o direito de estar prevenidos e nós temos o direito de ser informados sobre o que se passou. É importante, não apenas pela dignidade das Forças Armadas mas também pela dignidade das instituições, que este caso seja apurado até às suas últimas consequências. Não é o Chefe do Estado-Maior que está em causa, não são as Forças Armadas que estão em causa, mas, sim, o Governo e a política no seu sentido mais nobre, Sr. Ministro.
Como dizia, não Churchill, mas, segundo creio, Clemenceau, «a guerra é demasiado importante para ser feita apenas por militares». É também, seguramente, demasiado importante para ser feita por políticos que não têm a noção das suas responsabilidades!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, terminado o período das declarações políticas, passaremos ao debate de actualidade com o Sr. Ministro da Defesa Nacional, que tem, desde já, a palavra.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional (Júlio Castro Caldas): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com uma total transparência, disponibilidade de espírito e serenidade que o Ministro da Defesa vem, perante a Câmara, prestar os esclarecimentos que esta exige.
Não pretendo referir aquilo que considero ser a coerência do meu entendimento e do meu comportamento passado no que respeita à guerra do Kosovo. Quero apenas lembrar que, estando nós num ambiente de debate no domínio das emoções, será muito difícil que os argumentos da razoabilidade possam tonificar os argumentos da emoção. No entanto, é com os argumentos da razoabilidade e da serenidade que quero informar VV. Ex.as.
Em primeiro lugar, queria dizer que foi este Governo, e sobretudo este Ministro da Defesa, que recomendou a saída das forças portuguesas do Kosovo! Muito atacado fui eu nesta Câmara por ter feito tal!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade!

O Orador: - Muito atacado fui na imprensa por dizer que essa era a melhor atitude! E não se diga que quando recomendei ao Governo essa decisão estratégica, fora ela já dominada por informação classificada que não fosse do conhecimento do Governo! Não é verdade, porquanto o entendimento que expendi da necessidade da retirada do Kosovo tinha razões de carácter económico, logístico e estava ligado às possibilidades e ao dimensionamento dos dispositivos de forças portuguesas. Não era do meu conhecimento qualquer outra matéria como aquela que hoje

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estamos aqui a debater, e, portanto, ela não pode ter servido de fundamento para essa decisão.
Devo dizer que, ao contrário do que os Srs. Deputados entendem, a minha referência a uma citação de Clemenceau feita por Churchill não constitui uma imputação de carácter humilhante. O que ela quer dizer é que numa situação deste domínio não é possível que a Nação não esteja toda empenhada nas decisões de carácter militar que tenham sido tomadas. Aliás, foi esse o entendimento de Churchill quando se referiu a Clemenceau!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Esta é uma nova visão histórica!

O Orador: - Não! É até muito simples!
Devo dizer que o problema que afecta o nosso debate é uma questão emocional, uma questão de medo e de temor que as pessoas têm sobre o desconhecido.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - E bem!

O Orador: - No entanto, esse facto, que é determinante para o debate, faz esquecer que não é possível afirmar de forma simplista, como hoje aqui se fez, que a utilização de blindagens de urânio empobrecido ocasiona danos para a saúde pública. Todas as blindagens de carros de combate, designadamente dos carros de combate Abrahams, são feitas com urânio empobrecido. Todas as recomendações de aquisição de munições de diversos tipos constantes do catálogo de necessidades da NATO para todas as nações que fazem parte desta organização são de urânio empobrecido. A maioria dos dispositivos e projécteis que, infelizmente, são utilizados nas guerras de todo o mundo por parte de heli-canhões têm munições de urânio empobrecido. As lições - que, porventura, já são hoje do domínio público - retiradas das ocorrências daquilo a que se chamou o «Síndroma do Golfo» indicam muitos tipos de imputação de responsabilidades, designadamente de natureza química, não estando directamente relacionadas com o urânio empobrecido.
Certo é que a inspecção efectuada à unidade COE que se aprontava para sair para o Kosovo recomendou a necessidade de esta unidade ser portadora de equipamento de guerra nuclear, biológica e química. Assim, foram as nossas forças equipadas com esses dispositivos, foram efectuadas as medições e nos primeiros briefings que o General Klaus Rainhart deu ao dispositivo militar português que integrava o contingente italiano foi referido especificamente que havia determinados sítios, designadamente onde houvesse blindados atacados por munições de urânio empobrecido, que deviam ser evitados. Em todos os desenhos de operações foi escrupulosamente respeitada essa disciplina de prevenção e deve dizer-se que nos briefings militares da própria NATO e nos briefings militares do dispositivo de comando italiano feito às forças portuguesas a existência da eventualidade de contaminação nuclear nunca foi menosprezada, como se isso pudesse constituir um grau de ameaça a tomar a consideração.
É neste ambiente militar que nenhuma recriminação pode ser feita às Forças Armadas Portuguesas e ao seu exército, não só na instrução que deu aos seus militares como nas recomendações e briefings operacionais que fez no próprio Kosovo, que eu, como Ministro da Defesa, tolerarei que sejam feitos ataques ou recriminações ao grau de competência, diligência ou proficiência que as forças desempenharam no teatro de guerra.
Surgem, porém - e, no tempo, os Srs. Deputados terão, porventura, interesse em conhecer isso -, nas Nações Unidas, por parte da Federação Jugoslava, queixas de que os bombardeamentos feitos pela NATO causaram às populações lesões de natureza de contaminação nuclear e química. Isto porque alguns dos bombardeamentos que foram feitos em dispositivos industriais provocaram contaminação química na própria Sérvia. Ora, por iniciativa das Nações Unidas, foi solicitada à NATO a identificação dos locais em que existiram vestígios de disparos com munições de urânio empobrecido, pelo que, a 12 de Outubro, a NATO informou as Nações Unidas dos locais, fornecendo os mapas do Kosovo. Assim, as Nações Unidas desencadearam uma missão de monitorização que esteve de 6 a 19 de Novembro do ano 2000 no Kosovo e na Sérvia a efectuar os exames que considerava mais adequados e, em resultado disso, VV. Ex.as têm hoje, distribuída por mim, cópia de toda essa documentação.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Agora!…

O Orador: - Estou a falar de Outubro de 2000, Sr. Deputado.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Pois. Só agora!

O Orador: - Esta documentação está na Internet, Sr. Deputado. Foi difundida pelas Nações Unidas, pelo que poderiam ter consultado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Então não era preciso trazê-la!

O Orador: - Deste modo, podem facilmente consultá-la, verificando que as Nações Unidas já produziram um relatório, que é este. No entanto, devo dizer que ainda não foi produzido o relatório proveniente de uma investigação conduzida por 14 peritos, que estará porventura terminado em finais de Fevereiro.
Verificam, portanto, VV. Ex.as que a confirmação dos locais de contaminação feita às Nações Unidas foi manifestada. Nós não o sabíamos. Aliás, só o vim a saber quando ontem o ministro italiano me comunicou que também tinha havido bombardeamentos de urânio empobrecido na Bósnia. E, ao contrário do que os Srs. Deputados dizem, não há soldados ou polícias italianos falecidos com leucemia ou cancro, provenientes do Kosovo mas, sim, da Bósnia.
Quanto às iniciativas que tomei, são as do conhecimento público. Designadamente, entendo que se deve governar com transparência: se erros houve, então erros terão de ser corrigidos; torna-se também necessário apurar cientificamente, ao nível interno, com celeridade, aquilo que o nosso saber científico possa apurar, e há que proceder ao rastreio de todos os militares e civis que estiveram na Bósnia e no Kosovo, operação essa que já teve o seu início.

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Quanto a este aspecto, quero sublinhar que, ao contrário do que diz o Sr. Deputado Basílio Horta, a Espanha não faz um rastreio como os portugueses estão a fazer, mas, sim, um rastreio aleatório; a Bélgica não faz um rastreio como os portugueses estão a fazer, mas, sim, um rastreio por convite; a Itália não faz um rastreio da totalidade dos seus militares, porquanto não tem possibilidade de o fazer imediatamente, visto que a Itália tem mais de 120 000 cidadãos italianos envolvidos na operação, pelo que vai fazendo o rastreio à medida das suas possibilidades.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não é isso que está na Internet!

O Orador: - Em concertação com os ministros da defesa mais envolvidos por esta polémica, tomei a iniciativa de solicitar uma reunião de representantes militares da NATO, para que os procedimentos sejam harmonizados.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Terminou o seu tempo, Sr. Ministro. Faça favor de concluir.

O Orador: - Concluo, Sr. Presidente, dizendo que essa harmonização de procedimentos militares da NATO é, a nosso ver, sobremaneira importante. Ou seja, se há que tomar decisões que levem à eliminação da utilização de munições e blindagens de urânio empobrecido, é uma discussão técnica que deve ser encetada e conduzida no seio das Nações Unidas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Francisco Louçã, Carlos Encarnação, João Amaral, Heloísa Apolónia e Basílio Horta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, há poucos minutos atrás distribuiu-nos dois dossiers que refutam grande parte daquilo que nos afirmou aqui.
Primeira refutação categórica: o Sr. Ministro disse-nos que quando tomou a decisão de propor a retirada das tropas do Kosovo não tinha informação sobre problemas de saúde, tendo tomado a sua decisão por razões logísticas, políticas e militares, portanto de outra natureza.
Contudo, o relatório das Nações Unidas que nos entregou é de 1999, ou seja, foi publicado cerca de mais de um ano antes da sua decisão. E nesse relatório refere-se, nas páginas 77 e 78, que deve ser a Organização Mundial da Saúde a monitorizar os efeitos do urânio enfraquecido a longo e médio prazo e sugere a proibição absoluta do acesso a todas as zonas de contaminação. Além disso, nos documentos da NATO também por si distribuídos é dito que deve ser obrigatória a utilização de protecção respiratória em todas as zonas.
Compilando dois dos documentos da NATO que o Sr. Ministro nos entregou, verifica-se que houve 12 000 bombas utilizando urânio enfraquecido em relação às quais as fontes da NATO calculam que tenham sido gerados 3500 kg de poeira e que cada uma destas bombas, só na hipótese de terem totalmente pulverizado em 4000 desses casos, representaria raios de acção na ordem dos 300 m, ou seja, cerca de 2000 m2, o que, se não houver sobreposição, significa cerca de 8 milhões de metros quadrados afectados por estes bombardeamentos.
Além disso, dizem-nos também estes documentos que o Sr. Ministro nos entregou - curiosamente, nenhum deles tem data -, o seguinte: por exemplo, o texto do Instituto Sueco da Protecção da Radiação, na página 3, refere que há um potencial risco de cancro envolvido na utilização destas armas; que a incidência de diversos cancros aumentou na experiência da sua utilização no Iraque, incluindo a leucemia no caso de crianças, malformações congénitas e doenças do sistema imunológico, que vieram a aumentar.
Portanto, toda esta documentação, Sr. Ministro, desmente a sua falta de atenção e critica o Governo por não ter sabido aquilo de que agora nos dá conta, que já era conhecido das Nações Unidas e na NATO.
Mas quero citar-lhe mais, Sr. Ministro, porque o seu comunicado de ontem faz esta afirmação extraordinária: «A leitura efectuada por alvos atingidos por munições, utilizando projécteis de urânio empobrecido, revelam valores abaixo dos considerados de radiação normal».
Não sei se o Governo alguma vez recomendará que seja utilizado algum procedimento turístico para estas zonas devido à sua afabilidade do ponto de vista da saúde pública.
E, Sr. Ministro, chamo-lhe a atenção para o que disse, hoje mesmo, o Sr. Fernando Carvalho, do Departamento de Protecção Radiológica e Segurança Nuclear do Instituto de Tecnológica Nuclear, que vai dirigir a operação.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado. Tem de concluir.

O Orador: - Concluo, citando o que ele diz, Sr. Presidente. É o seguinte: «A maioria dos detectores portáteis que as tropas portuguesas tinha é sensível a radiações beta e gama, mas não a radiação alfa, e são exactamente essas as mais perniciosas, porque é particularmente insidioso para a saúde pública na medida da sua inalação e ingestão».
Sr. Ministro, os soldados portugueses cumpriram estas regras de protecção respiratória, ou não?

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, vou ter de ser muito rigoroso quanto à administração dos tempos, porque temos uma sessão muito longa.
O Sr. Ministro irá responder a grupos de três pedidos de esclarecimentos, pelo que tem agora a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, vou tentar ser sintético nas questões que lhe vou colocar.
A primeira questão é a seguinte: V. Ex.ª oscilou durante muito tempo entre o reconhecimento dos perigos e a ausência dos perigos. Ora, é absolutamente impossível V. Ex.ª manter essa posição, justamente depois de V. Ex.ª nos ter

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entregue isto, que vem na Internet. O que vem na Internet já nós conhecíamos, estávamos era à espera que V. Ex.ª fizesse, eventualmente, alguma reunião com a Comissão de Defesa Nacional, para explicar em pormenor aquilo que não vem na Internet.
Além disso, aquilo que V. Ex.ª já devia ter feito, não hoje, não ontem, mas há muito tempo atrás, assim que começaram a levantar-se as dúvidas, V. Ex.ª não o fez. Portanto, o que V. Ex.ª entregou hoje tem pouco ou quase nenhum valor. O que V. Ex.ª devia ter feito era coisa de muito valor.
Quero recordar-lhe um outro aspecto, Sr. Ministro: tenho o cuidado de trazer os documentos comigo e tenho o cuidado de trazer os documentos que nos deram quando da intervenção feita e anunciada. E sabe quais eram os perigos que eram anunciados nessa altura, Sr. Ministro, e que constam de documento distribuído na Assembleia da República aos Deputados? Eram estes: ressentimento contra força russa, minas e explosivos não despoletados, crime organizado, violência contra sérvios e ciganos e vinganças entre as etnias. Estes eram os perigos, Sr. Ministro.
É por isso que volto a salientar-lhe a principal das questões que porventura o traz hoje aqui, de consciência amordaçada, que é esta: o Governo não informou a tempo a Assembleia da República dos perigos que os soldados portugueses iriam correr. O Governo não deu à Assembleia da República os elementos necessários para esta se pronunciar com a profundidade também necessária sobre os efeitos e as consequências daquilo que aconteceria aos soldados portugueses com a intervenção no Kosovo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É isto que V. Ex.ª já não consegue - porque nunca conseguirá - tapar.
O que V. Ex.ª podia e devia, tendo sido nomeado Ministro, era ter-se dado conta daquilo que era a falha do Governo, e então, imediatamente, por sua própria iniciativa, ter vindo dar a informação que nós não tínhamos.
Não é agora, Sr. Ministro! Não é agora, que V. Ex.ª está com a sua credibilidade em causa perante o País, assim como está em causa a confiança do País neste Governo. Não é depois de deixar arrastar este processo, desgraçadamente, durante todo este tempo, que V. Ex.ª pode vir à Assembleia exibir essa cara de satisfação! Não pode ser, Sr. Ministro!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, três questões muito rápidas e sucintas.
A primeira é a seguinte: os militares e as forças militarizadas que foram para o Kosovo tinham consciência e sabiam do risco que corriam?
É que o relatório que vem na Internet não o diz, no comunicado que V. Ex.ª entregou hoje é que isso é realmente dito. Mas é tarde, como se imagina. Portanto, gostaríamos de saber se as forças militares tinham conhecimento deste risco.
A segunda pergunta tem a ver com aquilo que V. Ex.ª disse em relação aos militares italianos. V. Ex.ª disse que não estavam no Kosovo, mas na Bósnia. Eles estavam nos Balcãs, não se sabe se no Kosovo se na Bósnia. Mas isso não tem importância.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Tem!

O Orador: - Desculpe, mas não tem! Porque, na Bósnia, foram lançadas 10 000 bombas com 300 g de urânio empobrecido cada uma; no Kosovo, foram lançadas 30 000 bombas com 300 g de urânio empobrecido. Num lado e noutro os efeitos foram os mesmos, portanto o que é importante é saber a causalidade e o nexo de ligação entre o que aconteceu a 26 soldados, dos quais 6 já morreram e 20 estão a fazer quimioterapia, e esses efeitos.
V. Ex.ª acha que isto não tem nada a ver, ou tem tudo a ver? Esta é uma questão importante.
Finalmente, uma questão política: reparei que, na sua intervenção, V. Ex.ª não disse uma única palavra sobre o Chefe do Estado-Maior do Exército. Gostaria de saber se V. Ex.ª mantém a confiança no Chefe do Estado-Maior do Exército ou se entende que ele deve ser substituído.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional. Dispõe de 5 minutos.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, em relação à disciplina de combate NBQ, digo ao Sr. Deputado do Bloco de Esquerda que, efectivamente, os militares foram treinados nessa disciplina de combate, dispunham dos equipamentos adequados e, tanto quanto a informação me é fornecida nos briefings militares, não é considerada ameaça a contaminação por urânio empobrecido em todos os dispositivos militares da NATO naquele teatro de operações.
Em relação ao Sr. Deputado Carlos Encarnação, devo dizer que é extraordinário que o Sr. Deputado me diga que eu também seria responsável por aquilo que aconteceu na Bósnia. Não sei quem é que tomou a iniciativa de intervir também na Bósnia, quando hoje se sabe que as consequências dos bombardeamentos feitos na zona de protecção de Sarajevo, a 22 km da cidade, são, porventura, muito mais perigosos do que os bombardeamentos que foram feitos na fronteira do sul da Albânia, em território que não está ocupado nem habitado.
As intervenções humanitárias são feitas para proteger as populações.
Julgo que V. Ex.ª participou também nessa decisão de enviar militares para a Bósnia, …

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A culpa tinha de ser nossa!

O Orador: - … portanto, devo dizer que nenhuma outra alteração pode ter existido, devendo V. Ex.ª também meter a mão na consciência, porque, quando propus que

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se abandonasse o «teatro» do Kosovo, V. Ex.ª foi um dos que mais vibrantemente disse que não se podia abandonar.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Exactamente, Sr. Ministro! Mas são coisas absolutamente distintas!

O Orador: - Respondendo ao Sr. Deputado Basílio Horta, devo dizer o seguinte: se há declaração bem feita é a do candidato a Presidente da República apoiado pelo PSD e que é sufragada pelo candidato apoiado pelo Partido Socialista.
Decisões com a gravidade daquela que, pelos vistos, os partidos da esquerda parlamentar sufragam como sendo necessária… As decisões sobre essa matéria não são tomadas sob clima emocional, antes têm de ser tomadas quando, porventura, se vier a verificar, através dos dispositivos de inquérito, que houve ou não a tomada de medidas preventivas necessárias ou o conhecimento científico adequado, porque pode acontecer que, talvez daqui a seis meses, se venha a verificar que todo este debate não passou, efectivamente, de um debate emocional.
V. Ex.ª perguntou-me ainda se eu mantinha a confiança no Chefe do Estado-Maior do Exército. Devo dizer que não é por umas declarações notoriamente infelizes, produzidas por um chefe militar, num clima emocional como este, que não é bom para a ponderação,…

O Sr. António Capucho (PSD): - Agora todas as declarações são feitas em clima emocional! É o Chefe do Estado-Maior do Exército, é a Edite Estrela…

O Orador: - … que se ajuíza todo um comportamento de fidelidade e de serviço à Pátria. Portanto, toda e qualquer iniciativa desse tipo teria sempre um conteúdo que a História julgaria como um conteúdo de injustiça.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É claro!

O Orador: - Assim sendo, o Governo entende que não é de propor a Sua Ex.ª o Presidente da República a demissão do Sr. General, e isto já foi comunicado pelo Sr. Primeiro-Ministro. Posso, aliás, informar a Câmara de que também se encontra convocada uma reunião do Conselho Superior de Defesa Nacional para que todas estas questões sejam também examinadas.
Devo ainda dizer que a situação de haver tropas portuguesas em várias áreas de «teatro» recomenda que não se introduzam factores de desestabilização como aqueles que a opinião pública sentiu que se estavam a introduzir, visto que, em áreas de «teatro» de guerra, é necessário haver estabilidade e sobretudo confiança do povo português no desempenho das forças militares.
V. Ex.ª não ouviu da minha boca qualquer censura nesse domínio e só quem não fez a guerra é que não sabe o conteúdo aleatório da acção de guerra. E só quem consegue, comodamente em casa, ouvir falar da angústia das famílias dos militares que estão colocados em acção de guerra é que não tem coração para compreender que isso que V.Ex.ª está a fazer incute sofrimento, é injusto e não deve ser feito.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Não disse uma palavra sobre o Chefe do Estado-Maior do Exército!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, as palavras que V. Ex.ª acaba de proferir, em resposta às perguntas que lhe foram feitas, são palavras de uma grande crueza e de uma grande falta de sentido do que é a emoção em que vivem as famílias dos militares portugueses que estão no Kosovo. O Sr. Ministro consegue ser particularmente cru e desadequado…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Deselegante!

O Orador: - … à situação concreta que é vivida por aqueles militares, porque o que eles lhe pedem, e que o Sr. Ministro não é capaz, sequer, de dar aqui, é rigor! O Sr. Ministro não tem ponta de rigor naquilo que diz. E eu provo-o!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Isso é demagogia pura!

O Orador: - O Sr. Ministro diz que tudo isto está na Internet?! Está! Está na Internet! E diz esta coisa muito simples: que é preciso obter informação da NATO confirmando se como e quando foi usado urânio empobrecido no Kosovo. Isto é, o que está aqui não tem qualquer informação sobre a matéria. O que está aqui nesta papelada que o Sr. Ministro enviou diz que esta pesquisa está a ser feita no terreno, começou na semana de 16 a 19 de Novembro e durará quatro meses, não havendo, neste momento, qualquer informação segura, fiável e científica que permita ao Sr. Ministro andar a fazer as afirmações que fez.
O Sr. Ministro não tem rigor, não tem competência política, não tem capacidade e mostra que não está à altura de tranquilizar os portugueses e de dar segurança aos militares portugueses, porque não sabe assumir as responsabilidades que teve em enviar militares para uma situação cuja conjuntura e efeitos ignorava.
O Sr. Ministro deixa sem resposta as questões fundamentais que estão colocadas neste processo. E deixa-as sem resposta porque não a tem. A papelada, cuja importância o Sr. Ministro quis encenar entregando-a, antes deste debate, à Assembleia da República numa reunião fechada, vem justamente mostrar que V. Ex.ª não pode garantir - e foi aquilo que afirmei daquela tribuna - que a aplicação de urânio empobrecido neste equipamento militar não possa ter causado lesões na população civil e na população militar que se encontra neste momento no Kosovo ou que foi para lá logo a seguir à situação de guerra.
Finalmente, no plano político, o Sr. Ministro é, pela sua posição dentro do Governo, o responsável pelas Forças Armadas e devia ter percebido aquilo que é um ensinamento militar básico, ou seja, que o responsável defende os seus próprios subordinados, porque o que fez ao chefe militar do Exército é absolutamente inqualificável no plano ético.

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Não sei se o chefe militar do Exército tem condições para permanecer no seu lugar depois do que disse, admito que não tenha, mas o Sr. Ministro, então, enfrente com clareza a questão, não lhe retire o tapete, não o envergonhe, não o achincalhe, como fez com a frase que lhe disse.

Aplausos do PCP.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, se me permite, desejaria responder imediatamente ao Sr. Deputado.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Então, faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, não é pelo facto de V. Ex.ª elevar a voz que adquire razão!

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Ministro, responda, não perca tempo!

O Orador: - Não, Sr. Deputado! Não estou a perder tempo!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Não entrem em diálogo!
Faça favor de responder, Sr. Ministro.

O Orador: - O Sr. Deputado não adquire razão porque V. Ex.ª acabou de dizer que lhe entreguei uma papelada, ou uma «papelosa», não percebi bem, onde ficou perfeitamente demonstrado que nesse relatório da Internet se dizia que a NATO devia fornecer os elementos e eu indiquei-lhe o documento em que a NATO diz que forneceu os elementos e entreguei-lhe o documento…

O Sr. João Amaral (PCP): - Está dito que demora quatro meses a fazer!

O Orador: - Leia bem, Sr. Deputado!
E, se V. Ex.ª, porventura, pretende fazer chicana política desta matéria, desculpe que lhe diga, mas forneci a documentação que genuinamente está à minha disposição e essa documentação evidencia as dificuldades em que nos encontramos.
Você - Sr. Deputado, desculpe-me o você e a minha franqueza - pede-me que eu garanta às famílias que não há perigo de urânio empobrecido para a saúde.

O Sr. João Amaral (PCP): - Peço-lhe rigor!

O Orador: - E eu peço a V. Ex.ª que faça favor de dizer às famílias que há perigo! Estamos na mesma, Sr. Deputado! O que é necessário é rigor científico e esse rigor deve ser apurado pelas instâncias internacionais, e é o que elas estão a fazer!
Portanto, Sr. Deputado, não venha aqui com uma voz de vestal dizer que eu deveria garantir… quando fiz tudo o que estava ao meu alcance para…

O Sr. João Amaral (PCP): - Voz de quê?

O Orador: - De vestal, desculpe lá!

O Sr. João Amaral (PCP): - Isso é insultuoso!

O Orador: - Não foi insultuoso, desculpe, Sr. Deputado João Amaral! Não foi insultuoso!

Protestos do Deputado do PCP João Amaral.

E não vale a pena usar da palavra para se defender, porque eu não o quis ofender!

O Sr. João Amaral (PCP): - O Sr. Ministro fala baixinho para ver se a gente não percebe o que diz!

O Orador: - Não, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Peço-lhes que não entrem em diálogo.
Faça favor de prosseguir, Sr. Ministro.

O Orador: - Quero concluir dizendo que fizemos tudo o que era cientificamente correcto e que estava ao alcance de Portugal e das Forças Armadas portuguesas para indagar, que o continuaremos a fazer de forma independente com as nossas capacidades científicas e que estaremos com a comunidade internacional no sentido de promover essa investigação, e, se alguma coisa for apurada, teremos de actuar em conformidade, não me peçam é decisões emocionais.

Aplausos do PS.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da consideração da minha bancada.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, em que é que se fundamenta?

O Sr. João Amaral (PCP): - No uso da palavra «chicana», Sr. Presidente, que, para a minha bancada, é ofensiva.

Vozes do PS: - Ah!…

O Sr. João Amaral (PCP): - Se o Sr. Presidente achar que não é, faça favor de o dizer!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra para o efeito, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, invoquei a figura regimental da defesa da consideração da minha bancada pelo uso da palavra «chicana», porque na bancada do PCP, em relação a esta matéria, não há qualquer espécie de chicana, e, por isso, essa palavra é ofensiva.
Digo, e repito, ao Sr. Ministro que no documento, de 10 de Novembro de 2000, que nos fez distribuir, está escrito que os trabalhos de campo começaram na semana de

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16 a 19 de Novembro, que estão a ser feitas as medições, etc., e que o relatório sobre o urânio estará completo daqui a quatro meses, aproximadamente. Aliás, o Sr. Ministro já disse que, daqui a quatro meses, saberá o que se passa.
O que o Sr. Ministro, com rigor, deveria dizer às famílias era uma coisa muito simples, era que não sabe, porque não foi estudado, o que é que se passa no Kosovo em matéria de efeitos do urânio empobrecido e que não pode dizer mais nada senão que isso está a ser estudado por um grupo de 14 peritos das Nações Unidas e que, daqui a cerca de três meses, eles terão um relatório e, nessa altura, falar-lhes-á. Se o Sr. Ministro dissesse isto, dizia alguma coisa com rigor e não fazia, como está a fazer, chicana política neste caso.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Ah! «Chicana» para o Sr. Ministro já serve!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado João Amaral devolveu-me a palavra chicana e, portanto, no fundo, cometeu a mesma infracção deontológica.

O Sr. João Amaral (PCP): - Exactamente! É para o ofender!

O Orador: - Se é dito com intenção de ofender, é mais grave!
Sr. Deputado, sobre esta matéria, o que devo dizer-lhe é que convinha que lesse o documento que entreguei até ao fim, porque nele está dito que irá ser efectuado um relatório preliminar e que tudo indica que os resultados não são de alarmar as consciências. É o que está aí dito!

O Sr. João Amaral (PCP): - Já disse isso às famílias?!

O Orador: - Sr. Deputado, fizemos tudo o que era possível. Informámos e dissemos tudo o que se tornava necessário e era possível fazer, com grande onerosidade financeira.
Sr. Deputado, quando me diz que enxovalhei o Chefe do Estado-Maior do Exército, pergunto-lhe: que maior enxovalho terá sido cometido que o pedido que V. Ex.ª fez para que ele fosse demitido?!

O Sr. João Amaral (PCP): - Não percebi! Já sei que diz essas partes entre dentes para eu não perceber!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, gostava de colocar-lhe quatro questões muito concretas.
Primeira questão: na guerra do Kosovo, concretamente, quando é que o Governo teve conhecimento de que os soldados portugueses estiveram sujeitos a efeitos de alto risco decorrentes do facto de estarem numa zona sujeita a bombardeamentos com armas de urânio empobrecido? Esta é uma questão concreta que gostava de ver respondida.
Segunda questão: o Sr. Ministro afirma peremptoriamente que continua a não ter certezas sobre os efeitos do urânio empobrecido, mas também não é capaz de, nesta Câmara, afirmar que não existem relações directas entre o estado de saúde e as mortes causadas a alguns soldados que participaram nesta guerra e nesta missão militar e o próprio urânio empobrecido. Mas, Sr. Ministro, o princípio da precaução deveria ter sido usado neste campo. Não considera que, ao mínimo sinal de dúvida, se deveria logo ter tomado medidas, nomeadamente em termos de rastreio a todos os militares e de retirada imediata dos soldados portugueses do terreno?
Terceira questão: por que é que o Governo só agora procedeu ao rastreio dos militares envolvidos nesta operação de guerra? Afinal, Sr. Ministro, esta medida foi, única e exclusivamente, tomada porque se tornou matéria pública, uma matéria que causa, naturalmente, angústia pela gravidade da situação? O motor do Governo, afinal, é a publicidade das matérias ou o Governo assume, de uma vez por todas, a sua passividade e a sua irresponsabilidade nesta matéria em concreto?
Quarta questão: com a morte do cabo Paulino, o Chefe do Estado-Maior do Exército classifica de inventona toda esta situação e, de imediato, se inicia o jogo do empurra sobre a demissão do dito general em causa, que se mantém ainda em funções. O Governo, neste jogo do empurra, vai, naturalmente, escondendo a sua responsabilidade directa nesta matéria, e é bom que fique clara a grande irresponsabilidade do Governo nesta questão, naturalmente até por aquilo que já aqui referi. Quando, Sr. Ministro, termina este jogo do empurra?

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia mais do que perguntas fez afirmações e às afirmações não respondo.
Sobre se os militares actuaram numa zona de «teatro» considerada uma ameaça, já disse a V. Ex.ª que, sob o ponto de vista da doutrina militar, aquela zona não foi considerada de ameaça; e, portanto, se o não foi, não foi de alto risco. V. Ex.ª diz que é de alto risco, eu não sei se é.
V. Ex.ª pede-me que eu demonstre aquilo que também não consegue demonstrar. Estamos num jogo de sombras. E, portanto, como estamos num jogo de sombras, não adianto mais, porque todos os argumentos de racionalidade e bom senso que pudesse dar-lhe não convenceriam ninguém.
Devo dizer que existem dispositivos médicos que acompanham diariamente os militares no terreno e que, obviamente, manterão o nível de sanidade e de apreciação sanitária do dispositivo militar e de todos os militares.
O problema é com aqueles que saíram. Por essa razão estamos hoje a convocar muitos dos jovens que, porventura, já não são militares, até já são civis.

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O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem, em relação à questão aqui em debate, uma posição clara: defendemos o triplo princípio da máxima transparência, do máximo rigor e da máxima determinação na investigação necessária para apurar as causas da morte de um militar português que prestou serviço no Kosovo e igualmente na tomada de medidas necessárias, como já vem sendo feito, para prevenir eventuais situações futuras.
Felicitamo-nos, por isso, pelas decisões tomadas ontem pelo Conselho Superior Militar e pelas declarações ponderadas e responsáveis do Sr. Ministro da Defesa Nacional, hoje aqui feitas no decurso deste debate.
Espantamo-nos, porém, com as certezas, que, ao arrepio de qualquer espírito científico, aqui vimos propaladas por alguns porta-vozes de alguns grupos parlamentares da oposição.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Consideramos absolutamente inadmissível, precipitado e inaceitável que se tomem aqui posições políticas com base em certezas que estão longe de poder ser consideradas como tais antes de qualquer investigação séria sobre as questões que a todos justamente nos preocupam.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E opomo-nos, também e consequentemente, a qualquer exploração demagógica, no plano político, de uma questão tão séria e delicada como esta que estamos aqui a debater nesta Câmara - a qualquer exploração demagógica, seja em que sentido for.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Consideramos que é demagógico procurar utilizar esta questão - e não contem connosco para isso - para crucificar a decisão tomada pelo Governo português, em devido tempo, de enviar tropas para a operação militar da NATO no Kosovo, decisão essa, na altura, sufragada pela esmagadora maioria desta Câmara…

Vozes do PS: - Verdade!

O Orador: - … e que foi a resposta necessária para conter as acções criminosas do criminoso de guerra Slobodan Milosevic - convém não esquecer isso! Slobodan Milosevic, felizmente, já apeado do poder no passado dia 5 de Outubro, mas que é o principal responsável por tudo aquilo que se passou no Kosovo (e não vamos colaborar em qualquer operação de branqueamento das responsabilidades do governo sérvio da altura e do presidente Milosevic nas operações no Kosovo) - convém não esquecer isso!

Aplausos do PS.

Mas também não contem connosco, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para uma exploração demagógica noutro sentido, ou seja, não vamos também demonizar, a partir desta questão, todos aqueles que se sentem justamente preocupados com as consequências que pode ter tido para a saúde dos militares portugueses a sua participação nas operações militares no Kosovo, a começar pelas próprias famílias das eventuais vítimas que possam ainda vir a haver. Não contem connosco, nesse aspecto, para considerar aqueles que se sentem justamente preocupados com essa questão, pura e simplesmente, instrumentos de propaganda sérvia - não contem connosco também para isto.
E não contem também connosco, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para utilizar uma questão tão séria e delicada como esta, uma questão verdadeiramente nacional, como arma de arremesso contra o Governo e contra o Sr. Presidente da República.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. João Amaral (PCP): - É contra o Ministro!

O Orador: - Esta questão também é demasiado séria para ser deixada à oposição como forma de castigar, primária, simplista e demagogicamente, o Governo ou o Sr. Presidente da República.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. João Amaral (PCP): - Sustenta, então, aquele sentido degradante da frase! Fica confirmado o sentido degradante da frase!

O Orador: - Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, contem, sim, com o nosso grupo parlamentar para recomendar ao Governo a máxima celeridade e o máximo empenho na execução das medidas já anunciadas para levar a cabo todas as investigações necessárias até ao fim e para prevenir situações futuras, em cooperação com os restantes países aliados da NATO.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Henrique Rocha de Freitas e Basílio Horta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Rocha de Freitas.

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Reis, o Governo tem, nestes últimos dias, posto em causa o prestígio da instituição militar e o relacionamento que deve ter com o povo português, designadamente no esclarecimento cabal da morte do 1.º Cabo Hugo Paulino. Não queira V. Ex.ª, Sr. Deputado, pôr em causa a honra e o prestígio desta Assembleia!
O que quero perguntar-lhe, muito claramente, Sr. Deputado, é por que é que, nos vários debates realizados com o Governo sobre esta matéria, desde 1999, nesta Assembleia - a saber: em Janeiro de 1999, um briefing sobre o

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Kosovo; em Abril de 1999, um debate mensal com o Primeiro-Ministro; em Maio de 1999, um debate mensal com o Primeiro-Ministro; em Janeiro de 2000, com o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas; em Outubro de 2000, uma reunião da Comissão de Defesa Nacional com o Sr. Ministro da Defesa Nacional; reuniões sucessivas com o Conselho Superior de Defesa Nacional -, em momento algum, esta Assembleia, esta Câmara ou a Comissão de Defesa Nacional, foi informada daquilo que, segundo parece, o Governo sabia desde o ano de 1999.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Desde 1999?!

O Orador: - Pergunto-lhe, Sr. Deputado, se não acha inadmissível e inaceitável esta actuação por parte do Ministro da Defesa Nacional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado António Reis, há mais um orador inscrito para pedir esclarecimentos. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. António Reis (PS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Reis, registamos o enorme esforço que faz - e, se bem o conheço, fez algum esforço -, para tentar «pôr a mão por baixo» do Governo, compreende-se que seja assim, mas gostaria de colocar-lhe duas questões.
O Sr. Deputado congratula-se com as medidas tomadas ontem. Mas como, se, conforme foi dito, desde 1999 que sabia isto!

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Desde 1999?!

O Orador: - Pelo menos! Até antes!
Quer dizer: congratula-se e não critica?! Não acha que se deviam ter tomado medidas antes?! Não se devia ter prevenido?!
Um outro aspecto tem a ver com o seguinte: o Sr. Ministro falou aqui de calma e nada de emoções - está bem, sabemos tudo isso - e disse que «daqui a seis meses, vamos ver». Então, se efectivamente houver um relacionamento estreito entre as bombas de urânio empobrecido e as mortes, daqui a seis meses, quando outros soldados morrerem, é que vamos ver?! Isso não toca a sua consciência, a nossa, mesmo que não estejamos aqui?! Com franqueza, arrepiou-me ouvir isto! É que não compreendo… Então «daqui a seis meses, vamos ver»?! E depois? O que é que vai acontecer se houver uma ligação e se se verificar que é realmente uma ligação directa e há um nexo causal? Qual é a nossa responsabilidade? E já nem digo como políticos, mas como cidadãos. Por isso, fiquei um pouco chocado com a maneira como tudo isto está a ser tratado. Ao Sr. Deputado, que foi constituinte, isto tem necessariamente de chocá-lo! Há regras para tudo, sabemo-lo, mas há valores que ultrapassam as regras parlamentares e um deles é o valor da vida de concidadãos nossos. Este é, com clareza, um valor que supera os outros.
Depois, há um outro aspecto para o qual chamo a atenção de V. Ex.ª. O Sr. Deputado falou de exploração política e em arma de arremesso contra o Sr. Presidente da República. Mas quem é que arremessou fosse o que fosse contra o Sr. Presidente da República?

Vozes do CDS-PP: - O Sr. Ministro é que arremessou!

O Orador: - A questão foi entre o Sr. Ministro e o Presidente da República! Não é verdade?

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - A questão?!

O Orador: - A questão levou o Sr. Presidente da República a dizer (e passo a citar aqui), de uma maneira incomodada, arrojando a sua responsabilidade (até é a expressão que é dada pela comunicação social): «eu não tenho nada a ver com isso, o Governo que assuma as suas responsabilidades». Quer dizer, isto não teve nada a ver com os partidos da oposição. V. Ex.ª tem de olhar para dentro de si - e já não digo para dentro do seu partido, porque isso não está agora em causa - e para dentro dos órgãos que apoia, porque eles é que estão em conflito. Aliás, é um sintoma claro da degenerescência que vai afectando tudo aquilo que cheira, de perto ou de longe, a socialismo.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Henrique Rocha de Freitas, quero dizer-lhe que, embora não faça parte da Comissão de Defesa Nacional, tenho a informação de que, em nenhum momento, o PSD ou o PP pediram informações ou debates sobre este tema na Comissão.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Depois, estranho a afirmação feita de que este Governo tenha atentado contra o prestígio da instituição militar, pois não a vejo estribada em qualquer facto relevante.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É só demagogia!

O Orador: - Quanto ao referido pelo Sr. Deputado Basílio Horta, estranho a sua afirmação, de que, desde 1999, se tinha conhecimento de toda esta situação. O próprio plano de operações da NATO para o Kosovo, na avaliação de riscos, segundo o comunicado ontem difundido pelo Conselho Superior Militar, não prevê qualquer ameaça NBQ.
Por outro lado, todos sabemos que, só agora, os restantes governos dos países da NATO começaram a tomar medidas sobre esta questão.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Essa é que é a verdade!

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O Orador: - Portanto, não percebo como é que o Governo português deveria ter uma presciência tal que se deveria antecipar a todos os restantes países da NATO para começar a enfrentar esta questão. Francamente, nós podemos ser bons em muita coisa, mas nesta não seremos decerto melhores do que os restantes países da NATO.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de começar, até porque tenho à mão o comunicado que foi ontem lido, por chamar a atenção do Sr. Deputado António Reis para o facto de haver, pelo menos, algo estranho. Relativamente ao que vem aqui dito sobre a operação «Joint Guardian», é verdade que não havia lá prevenção de ameaça NBQ, mas as nossas tropas, diz o Sr. Ministro no comunicado, tinham prevenção NBQ.

Vozes do CDS-PP: - Exactamente!

O Orador: - O que significava o quê? Significava que o risco existia e que as pessoas estavam conscientes disso. Mas aquilo que quero demonstrar-lhe, desde o princípio, é que, havendo esse risco e a consciência dele, esse risco não podia ser sonegado à Assembleia da República, nem ao Presidente da República, e foi. Foi exactamente aquilo que acabei de dizer.
V. Ex.ª diz, agora: «Está bem, mas eu tenho aqui um sistema de tripla protecção!». Mas - com mil diabos! - o sistema de tripla protecção é anunciado no dia 3 de Janeiro de 2001 e esta questão é, pelo menos, desde há um ano, do conhecimento público «internético»! Portanto, V. Ex.ª já deveria ter pressionado o seu governo, aquele Ministro que ali está, em concreto, para tomar medidas.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … e para vir à Assembleia dizer: «meus caros amigos, há problemas, temos de fazer novos exames e temos de fazer novas medições, isto não nos satisfaz, os nossos militares estão em perigo». É que o «estarem em perigo» não significa que realmente estejam contaminados. Não! Temos é de verificar se estão ou não, temos de tranquilizar as pessoas, temos de lhes dar garantias de segurança. E é para isto que existe o Governo.
É que nós não estamos aqui a verificar as responsabilidades militares. Não tenho nada a ver com a questão da demissão ou não demissão do Chefe do Estado-Maior do Exército; esse é um problema que o Sr. Ministro e o Sr. Presidente da República - e talvez o Sr. Primeiro-Ministro, porque é ele a cabeça, segundo dizem, do Governo -,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é! Não é!

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): - Finge que é!

O Orador: - … têm de resolver. Agora, eu não tenho de resolver isso. Eu tenho é de pedir ao Sr. Ministro, ao Governo que ele representa aqui, as responsabilidades políticas que estiveram sempre ausentes, desde o princípio, deste processo. E eu tenho o direito de dizê-lo talvez de uma forma mais clara ainda, Sr. Deputado António Reis.
Não tenho qualquer dúvida em dizer que, do ponto de vista dos princípios, apoiei a intervenção no Kosovo, pelas mesmas razões que V. Ex.ª acabou de referir e que, curiosamente, o Sr. Ministro não apoiou. Mas exactamente por isso, não gosto que me enganem, não gosto que me ocultem coisas, não gosto de segredos. Acho que a Assembleia da República tem o direito a ser informada na devida altura sobre aquilo que pode ou não acontecer.
E isto é o que, desde o princípio, estou aqui a dizer. Não estou a fazer chicana ou demagogia com isto, estou a dirigir-me da maneira mais séria a este Governo!
A minha intervenção, que V. Ex.ª ouviu, foi séria e cuidada, que não quer assustar ninguém, mas quer representar (por aquilo que represento na Assembleia da República, que são os meus eleitores) que o Governo não cumpriu as obrigações para as quais existe! Portanto, o Governo, neste pormenor, que é importante, não existiu!
Sr. Deputado António Reis, sei que V. Ex.ª tem uma grande dificuldade. É natural que V. Ex.ª apoie o Governo, mas conheço-o muito bem, e conheço muito bem a sua especial sensibilidade para este tipo de problema, e nunca admitirei que V. Ex.ª defenda o Governo para além daquilo que é razoável e exigível!

O Sr. José Barros Moura (PS): - Essa agora!

O Orador: - Isso brigará com a sua própria consciência!
Por isso, também reconheci na sua intervenção aquilo que o Sr. Deputado Basílio Horta e toda a Assembleia que o conhece reconheceram: o senhor, muitas pessoas da sua bancada e mesmo pessoas que não estão na sua bancada têm o mesmo problema de consciência, certamente.
Ninguém pode defender a actuação deste Governo como V. Ex.ª tentou defender. E, devo dizer, Sr. Deputado, como V. Ex.ª não conseguiu defender, porque isso é absolutamente impossível. É possível fazer e dizer tudo, só não é possível defender o Governo desta questão.
Está V. Ex.ª interessado (eu também estou interessado) em que esta questão não «caia» na praça pública,…

Vozes do PS: - Oh!

O Orador: - … na loucura do «diz-que-diz».
Mas, Sr. Deputado António Reis, se isso é verdade, então V. Ex.ª deveria ter alertado o Governo para que não o fizesse, porque foi exactamente a ausência do Governo durante este tempo todo, foi aquilo que são os pronunciamentos extraordinários do Sr. Ministro, que tenho aqui, coligidos: num dia dizia uma coisa, no outro dizia outra; num dia dizia que não havia problemas, no outro dizia que havia; num dia dizia que não eram precisos exames, no outro dia dizia que eram precisos; num dia dizia que não era preciso medir as radiações, no outro dia que era preci

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so medir-se as radiações. Então o que é isto, Sr. Ministro? V. Ex.ª não tem consciência daquilo que fez?! V. Ex.ª não tem consciência de que não deve esconder-se atrás do Chefe do Estado-Maior do Exército?!
Não invente problemas! V. Ex.ª, afinal, queria sair do Kosovo porquê? Por causa dos problemas que agora, existem? Porque já sabia, porque tinha presciência em relação a isso? Ou era por uma questão económica?
Na altura, na Comissão, V. Ex.ª referiu isso e eu interpelei-o perguntando-lhe por que é que o senhor queria abandonar o Kosovo, e o senhor adiantou-me razões económicas. Na altura, até o Sr. Presidente da Comissão, que nos está a ouvir, depois de a reunião ter acabado, concluiu que o Sr. Ministro tinha de vir outra vez à Comissão, porque manifestou uma intenção de abandonar o Kosovo, não declarou que o Governo o ia abandonar.
Então, é agora que V. Ex.ª vem «atirar-me à cara» que eu não queria abandonar o Kosovo?! Sr. Ministro, vamos a ter termos. Nas suas próprias afirmações, V. Ex.ª tem de ter profundidade e seriedade! É isso que os portugueses esperam de si!
Aquilo que quero dizer, Sr. Ministro, para acabar, é que V. Ex.ª, nesta altura e em relação a este problema, mais uma vez, não esteve à altura das circunstâncias! V. Ex.ª, Sr. Ministro, em relação a este problema, não existiu, ou existiu mais tarde do que aquilo que era permitido relativamente à sua relação de confiança com os portugueses!

Aplausos do PSD.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Para pedir esclarecimentos.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Se é para pedir esclarecimentos, tem a palavra, mas devia ter-se inscrito um pouco antes.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, quero pedir-lhe esclarecimentos sobre o seguinte: creio, pela forma como trabalha uma comissão, neste caso a Comissão de Defesa Nacional, que os assuntos a debater são levados pelo Governo ou pelos grupos parlamentares.
Portanto, o Presidente da Comissão de Defesa Nacional entende que não tem qualquer responsabilidade em não ter posto em debate algo que ele não conhecia ou que não foi transportado para a Comissão pelo Governo ou pelos grupos parlamentares. Gostava de saber se este também é o seu entendimento.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É esse! Exactamente!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, a resposta é tão fácil e rápida que não irei sequer consumir os 36 segundos que ainda tenho.
Sr. Deputado Eduardo Pereira, a minha resposta é «sim», com um esclarecimento adicional: este problema deveria ter sido introduzido pelo Governo sempre que este foi à Comissão, e nunca o foi.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Inscreveu-se também, ainda que tardiamente, o Sr. Ministro da Defesa Nacional, para pedir esclarecimentos, mas o Sr. Deputado Carlos Encarnação não tem tempo.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - O CDS-PP cede 1 minuto ao PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sendo assim, tem a palavra, Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, não entende V. Ex.ª que a intervenção que fez, há pouco, é um exercício de hipocrisia?
Então, eu não pedi que a Comissão de Defesa Nacional se reunisse, para que eu pudesse prestar este esclarecimento, porventura sem ter de haver este debate em Plenário?! Mas, pelos vistos, isso não foi possível?!
V. Ex.ª atreve-se a dizer…

O Sr. António Capucho (PSD): - Atreve-se?!

O Orador: - … que eu, em 1999, tinha conhecimento de factos sobre o quais as Nações Unidas não tinham? Os senhores já perceberam o que estão a dizer?! Estão a dizer que eu tinha conhecimento de factos que as Nações Unidas não tinha, sobre os quais precisaram de pedir informações à NATO! Por amor de Deus!
Sr. Deputado, pergunto-lhe, em consciência: não considera que se excedeu?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, terei de dar outra resposta muito simples.
Não me excedi e V. Ex.ª tem a prova disso neste relatório da ONU - estão aqui outras declarações, mas não vale a pena mencioná-las -, que é de 1999; as dúvidas existiam ainda antes disso e foram corporizadas neste relatório. Vê, Sr. Ministro, como V. Ex.ª agiu precipitadamente?

O Sr. José Magalhães (Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares): - Não!

O Orador: - Quero dizer-lhe ainda outra coisa, Sr. Ministro, que é o que digo sempre desde o princípio.

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V. Ex.ª perdoe-me, mas se há alguém que está a fazer um exercício de hipocrisia não sou eu, Sr. Ministro. Vou ter a urbanidade de não lhe dizer que é V. Ex.ª, mas digo-lhe o seguinte: V. Ex.ª, de facto, pediu, hoje ou ontem, atabalhoadamente, uma reunião com a Comissão de Defesa Nacional. Pelos vistos, não era necessário, Sr. Ministro, porque V. Ex.ª vinha entregar à Comissão de Defesa Nacional comunicados e relatórios tirados da Internet e aquilo que queremos não é isso. O que queremos não é no dia 4 de Janeiro de 2001; aquilo a que a Assembleia da República tem direito é qualquer coisa que V. Ex.ª e o seu Governo não deram, e não foi hoje, nem ontem, nem amanhã mas, sim, desde o princípio da intervenção no Kosovo e dos problemas que foram levantados!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para intervir, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: o Sr. Ministro da Defesa Nacional, há pouco, perdeu a oportunidade de dar algumas respostas que esta Câmara merece e que, creio, o País exige.
Mas não vou deixar passar uma frase da sua intervenção em que refere aos «jogos de sombras». E referiu-se a isto várias vezes, apelando a uma espécie de consenso entres todos os fautores da guerra da Jugoslávia, para suportar a sua posição.
Disse, Sr. Ministro, e está registado, que partilhava a opinião do candidato do PSD, que teria sido sufragada pelo candidato apoiado pelo Partido Socialista. Quero dizer-lhe, Sr. Ministro, que com amigos assim o Dr. Jorge Sampaio não precisa de inimigos.
Vários Deputados apelaram a que este assunto não caia na praça pública, que não haja exposição demagógica, no plano político, deste debate. Mas há um facto incontornável: há 900 famílias que exigem a verdade e há uma família que foi insultada em público por algo que não são declarações notoriamente infelizes - foi a expressão que, aqui, utilizou a propósito da intervenção do General Martins Barrento - mas são muito mais do que isso, são declarações insultuosas sobre a memória de um homem morto que transformaram o seu pai num putativo agente do embaixador sérvio, em Lisboa, numa parte de uma operação paga por interesses internacionais e numa operação de contra-informação contra o País.
Essas declarações não são notoriamente infelizes, são um verdadeiro escândalo de que ninguém se pode orgulhar e ninguém tem o direito de encobrir! Ninguém tem o direito de encobrir!
Isto não pode ser dito e foi dito para criar um incidente diplomático, para insultar uma família, para fazer uma intervenção política, estritamente política, de um general que exorbitou os seus direitos e os seus deveres e por isso tem de responder! E não é uma questão de oportunidade mas, sim, de democracia, de seriedade e de responsabilidade!
Se se permite que uma chefia militar se comporte perante um caso destes desprezando e insultando uma família, insultando a verdade, encobrindo a verdade, impedindo um esclarecimento fundamental, então tudo passa a ser possível! E é sobre isso que o Sr. Ministro tem de tomar uma posição!
Não há factores de desestabilização, nem praça pública externa que sobre isto tenham levantado obstáculos ao Governo! Só o Governo tem a responsabilidade de responder perante um facto que foi desencadeado do nada por este general e por este chefe militar!
Posto isto, Sr. Ministro, devo dizer-lhe que o dossier, com o qual nos respondeu, é o caixão de toda a sua argumentação, porque desmente, ponto por ponto, aquilo que nos disse!
As Nações Unidas há mais de um ano que sabiam e alertavam para a existência de perigos para a saúde pública!
Diz o comunicado do Estado-Maior-General das Forças Armadas, de 22 de Dezembro, que as medições são muito baixas, repetido ontem, por si, em 2 de Janeiro de 2001: «as medições são muito baixas»!
Veja o Relatório do Tenente Coronel Cummings, do corpo médico dos Estados Unidos, que detectou, em 1 de Abril de 2000, radiações particularmente elevadas!
Veja os documentos da NATO, sem data, justamente os que indicam que há cerca de 3500 Kg de urânio empobrecido, que foram semeados nas bombas por todo o território jugoslavo, e que dizem que a inalação dessa partícula é particularmente perigosa!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado, faça o favor de concluir.

O Orador: - Deste perigo é que é preciso saber a verdade! E a democracia, não a demagogia mas a democracia, é a verdade!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que apreciamos, em sede de Plenário - e com razão, porque o Plenário é o sítio adequado para debater uma questão que preocupa os portugueses -, é a possibilidade de a aplicação de um determinado material bélico causar efeitos danosos sobre as populações que foram afectadas por ele e, no caso concreto, porque isso nos toca directamente, sobre os militares portugueses. Este é o tema do debate.
Podemos, evidentemente, fazer umas apreciações sobre Milosevic, sobre o 5 de Outubro ou, por exemplo, considerar que Kostunica, que o substitui na presidência da República, condena a operação militar desenvolvida no Kosovo, como, aliás, foi condenada por muitos dos Deputados aqui presentes, de todas as bancadas da Assembleia da República, não só da minha, e por outras pessoas, que subscreveram documentos condenando aquela operação! Mas não é isto que está em discussão!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É evidente!

O Orador: - O que está em discussão agora é uma questão de rigor! E no que respeita a rigor, a questão é muito simples: o relatório disponível na Internet diz que houve sonegação de informação por parte da NATO; isto

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é, a NATO não deu informação suficiente para se saber quando, como e onde foi usado o urânio empobrecido, etc., pelo que o relatório não pode concluir.
O que foi feito posteriormente - e imagino as pressões que deve ter havido para isto ter acontecido - foi o desenvolvimento desse relatório, também sob a égide das Nações Unidas (chamava a atenção dos Srs. Deputados para este facto, pois interessa-nos a todos), e a constituição de um grupo de peritos que está a averiguar o que se passa.
O documento mais recente dos que nos foram entregues pelo Sr. Ministro é uma nota dirigida ao Secretário-Geral das Nações Unidas elaborada no âmbito do Programa das Nações Unidas para o Ambiente, datada de 10 de Novembro de 2000, que diz que vai demorar vários meses a fazer um relatório sobre a matéria. Nada diz, absolutamente nada, sobre o nível de risco, diz é que, há medida que souber o que se passa, comunicará imediatamente às populações, às Nações Unidas e à KFOR. Trata-se de um documento que mostra preocupação! É o que temos aqui, Sr. Ministro!
Começo a considerar que a única pessoa que não está preocupada é aquela que mais deveria preocupar-se, é aquela que tem por responsabilidade, no conjunto dos órgãos de Estado, assumir a preocupação que todos temos com esta questão!
O problema é que sabemos, de fonte segura, que agora não é possível responder às perguntas se a utilização de urânio empobrecido no Kosovo afectou as populações, se as pode afectar, se pode ou não afectar os militares que lá estão. Agora, sabemos que não é possível responder a estas perguntas, mas, então, alguma coisa tem de ser feita em relação aos militares portugueses!
Pergunto: por que é que os militares portugueses não usam material de protecção, como estão a usar, por exemplo, os militares holandeses? Repito, por que é que os militares portugueses não estão a usar o adequado equipamento de protecção, como estão a usar, há bastante tempo, os militares holandeses?
Por que é que, ao contrário do que aqui é dito, a alimentação e o consumo de água dos militares portugueses daquela zona não são feitos só com produtos que vão de Portugal mas também com produtos locais? Pergunto à Assembleia se isto não é um factor de preocupação - estou a falar alto, porque penso que há-de haver alguma emoção, aliás, já li António Damásio e sei que as emoções é que constroem a razão - e se não devemos politicamente recomendar que sejam tomadas medidas, o que ainda não aconteceu, para garantir a segurança e a saúde dos militares portugueses no Kosovo!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Inscreveu-se para pedir esclarecimentos o Sr. Deputado Henrique Rocha de Freitas, que dispõe apenas do tempo concedido pelo PCP.

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): - Sr. Presidente, tenho muito gosto em colocar uma questão ao Sr. Deputado João Amaral, já que isso permite-me estabelecer contacto com um colega da Comissão de Defesa Nacional, coisa que não pude fazer relativamente à bancada do Partido Socialista.
A questão que se coloca quanto a esta matéria é a falta de preocupação e o grau de conhecimento do Governo. Ora, a verdade é que o Estado-Maior do Exército referiu ter conhecimento, desde o ano passado - e este «desde o ano passado» significa que se reporta a 1999 -, da existência de bombardeamentos com urânio empobrecido na zona que iria ficar sob responsabilidade dos militares portugueses. Tal assim é que o assunto levou a que houvesse uma alteração do destacamento orgânico português, ou seja, uma alteração da forma como estavam dispostas no terreno as tropas portuguesas.
Sr. Deputado João Amaral, a pergunta que coloco é a seguinte: se o Estado-Maior do Exército tinha conhecimento do facto que referi, considera possível que o Governo não tivesse?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral, que dispõe apenas de 1 minuto, caso não haja um «bom samaritano» a conceder tempo ao PCP.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, não preciso de mais tempo, pois responderei de uma forma muito simples, louvando-me daquilo que diz o próprio Governo.
O Governo já confessou que conhecia a situação! O Governo já disse, na Assembleia, que sabe desta situação há muito tempo!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Esse é que é o problema!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção não se destina particularmente a defender o Governo, embora este mereça ser defendido.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não sei se merece, mas lá que precisa, precisa!

O Orador: - Não se destina particularmente a defender o Presidente da República, embora este mereça ser apoiado!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não se destina também a fazer reparos especiais às oposições, embora estas mereçam alguns reparos.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E o PS também!

O Orador: - Em relação ao PS terei tempo de me ocupar mais tarde!

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O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Assim, sim!

O Orador: - Em termos de reparos à oposição, o primeiro deles tem a ver com o facto de esta não ter permitido que este primeiro debate tivesse tido lugar na sede apropriada em minha opinião, ou seja, na Comissão de Defesa Nacional.
A própria leitura da documentação aqui distribuída, o debate aprofundado sobre as matérias delicadas, sensíveis e com várias vertentes teriam merecido, talvez, uma reunião e uma discussão prévia na Comissão de Defesa Nacional. Tenho a certeza de que, quer o Sr. Ministro da Defesa Nacional, quer o Presidente da Comissão de Defesa Nacional, estariam preparados, aptos e interessados em tal reunião.
Também gostaria de acentuar que aquilo que está a discutir-se tem, obviamente, uma componente interna delicada e preciosa, relacionada com a saúde, a vida e o futuro dos soldados portugueses que serviram e irão servir no Kosovo.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não vamos sair!

O Orador: - É precisamente por isso que eu disse «serviram e irão servir no Kosovo»!
As medidas tomadas em relação ao rastreio daqueles que já serviram e estão a servir deve ser exponenciada relativamente aos soldados que futuramente irão servir o bom nome de Portugal nessa missão, que creio ser muito importante.
Passo à minha última observação neste debate, que tem a ver exactamente com a evolução da situação internacional. Creio que o que estamos a fazer no Kosovo é em nome de ideais, desde logo, cobertos pelas Nações Unidas, decorrentes da nossa posição de aliados na Aliança Atlântica, e que, neste momento, também têm a cobertura da Organização de Segurança e Cooperação Europeia - e, ao referir esta organização, viro-me para a esquerda desta bancada, que sei mais sensível à Organização de Segurança e Cooperação Europeia do que à própria NATO. Estamos a defender o bom nome de Portugal, o prestígio e a existência de uma política externa portuguesa com esses soldados.
Srs. Deputados, gostaria de dizer que não podemos ser joguete de transições internacionais que estão a acontecer, desde logo, nos Estados Unidos da América, com a mudança da administração democrata para a administração republicana.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - É bem possível que muitas notícias que venham a circular em breve tenham a ver com essa mudança de administração,…

O Sr. José Barros Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - … mas também com a própria mudança da situação interna na Sérvia, que, creio, irá jogar no sentido de novas revelações e até de novas adaptações políticas da Sérvia em relação à presença de tropas aliadas sob a cobertura de mandato das Nações Unidas, sobre a densidade organizacional da NATO, mas também com a cobertura da Organização de Segurança e Cooperação Europeia e, sabe-se lá, com um empenhamento mais profundo da Rússia do que aquele que nos transmite neste momento.
Por tudo isto considero que este debate foi útil, aliás, Sr. Presidente, ele merece uma referência especial a uma força da democracia, a força da opinião pública. A opinião pública obrigou a Assembleia a ter este debate, e ainda bem que assim foi. Creio que o Governo português sai deste debate mais apetrechado para tomar as medidas que tem vindo a tomar e outras que também se impõem.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também entendemos que este debate foi muito útil. Congratulamo-nos pela circunstância de o CDS-PP ter proposto um debate de urgência sobre este tema, o qual acabou por estar ultrapassado neste mesmo debate.
Por isso, temos de concordar com o Sr. Deputado Medeiros Ferreira, que diz que o Governo merece apoio, embora a sua intervenção tenha sido de um apoio muito sui generis. A verdade é que acaba por dizer, o que é um facto,…

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Mas não é esse o papel dos Deputados?

O Orador: - É, com certeza, Sr. Deputado!

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - É uma atitude responsável!

O Orador: - Por isso estou a louvar essa atitude responsável, que não é uma atitude de apoio acrítico mas, sim, louvável.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Deputado Basílio Horta, se mo permitir, gostava de dizer que essa atitude também esteve bem presente na intervenção do meu colega de bancada António Reis.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado Medeiros Ferreira, com toda a simpatia e amizade, tenho de chamar-lhe a atenção para o facto de não lhe ter dado a palavra.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Peço desculpa, Sr. Presidente.

O Orador: - Sr. Presidente, deixei o Sr. Deputado Medeiros Ferreira interromper-me porque as minhas intervenções só se enriquecem com os seus apartes. Por isso, tenho muito gosto em que me interrompam, desde que não sejam muitas as interrupções, pois, nesse caso, a minha intervenção perde o sentido.

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Como eu estava a dizer, este foi um debate importante, que levará o Governo - e também vai fazê-lo - a reconhecer dois erros importantes: primeiro, sabia o que estava a acontecer, aliás, já sabia que este risco existia; e, segundo, sabia que errou quando criticou ou deu a ideia de que iria pedir a exoneração do Chefe do Estado-Maior do Exército e, hoje, vem aqui dizer que mantém a confiança no General Martins Barrento, o que creio ser uma atitude desestabilizadora para as Forças Armadas. Portanto, é de realçar estes dois aspectos no fim deste debate.
Quanto ao resto, e mais importante, em primeiro lugar, temos de concluir - e penso tratar-se de uma conclusão importante - que, se não fosse este incidente, não teríamos estado aqui a discutir esta matéria, o que é grave para as nossas instituições e para a segurança das nossas forças militares e militarizadas.
Em segundo lugar, temos de estar atentos ao futuro, aos militares que lá estiveram, aos que lá estão e aos que, eventualmente, irão para teatros onde é possível correr esses riscos.
Há um outro aspecto que não foi aqui focado mas que rapidamente afloro: o papel de Portugal na NATO. A NATO não é uma entidade estranha ao nosso país, nós também somos a NATO! As decisões políticas que se tomam na NATO não podem ser só tomadas ao nível militar, porque os militares, entrosam-se, conhecem-se, os políticos, por vezes, é que parecem estar excessivamente afastados!
Devíamos ter tido conhecimento da opção de utilizar armas com urânio empobrecido e não ter concordado com isso, porque Portugal, na NATO ou em qualquer outra instância internacional, não pode dar o seu acordo à utilização de armas com uma perigosidade destas, que põem em risco não apenas os inimigos mas a própria humanidade! Não podemos concordar com isso!

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: Portugal deve estar atento e ter uma voz autónoma e independente nesses areópagos para que casos destes não venham mais a acontecer, nem com portugueses, nem com quaisquer outros soldados.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para que efeito?

O Sr. João Amaral (PCP): - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Basílio Horta, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra, Sr. Deputado, embora disponha de muito pouco tempo.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta, no que toca à última parte da sua intervenção, gostaria de perguntar-lhe como comenta, então, as afirmações feitas pelo Primeiro-Ministro de Itália, que, face a esta situação em concreto, comunicou ao seu país, à Itália, e ao mundo que iria perguntar à NATO o que se passava, isto é, iria exigir explicações da NATO sobre o que se passava.
Não é de facto uma situação absolutamente anómala que os países que fazem parte da organização não saibam o que a organização está a fazer?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, eu não sei se não sabem ou se, souberam, não deram importância. Esta é a grave questão!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Porque, se não souberam, o erro é da NATO; mas, se souberam e não deram importância, o erro e a insensibilidade é dos governos que olham para isso sem emoção, como diria o Sr. Ministro.

Risos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para encerrar o debate, suponho eu, inscreveu-se o Sr. Ministro da Defesa.
Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A encerrar o debate permitam-me que vos diga que a comparência do Governo nesta oportunidade significa quanto são importantes as instituições parlamentares, e isso significa a servidão deste Ministro e deste Governo à fiscalização parlamentar e ao debate. Por vezes poderemos ter atitudes um pouco mais crispadas e agrestes, mas o sentido que nos une aqui é o de procurar encontrar aquilo que é efectivamente o interesse da Nação.
Podia dizer-vos, como Ministro da Defesa de umas Forças Armadas debilitadas financeiramente, que mesmo assim, com essa debilidade financeira, foi possível fazer uma inspecção, em Junho de 2000, ao equipamento COE que seria levado com dispositivos de combate NBQ, fazer a recomendação de que esses equipamentos fossem levados e dotar o dispositivo de forças do batalhão com instrumentos, melhorados e aperfeiçoados modernamente, de medição radiológica e dosímetros, equipamento standard recomendado pela NATO.
Diz-se que os militares holandeses no Kosovo - disse-o o Sr. Deputado João Amaral - utilizam equipamento NBQ. Que equipamento NBQ?! - primeira pergunta. Depois, Sr. Deputado, militares holandeses no Kosovo já não há; há militares holandeses na Bósnia, onde a situação de hipotética contaminação também pode existir e não há militares holandeses em operações na Bósnia com equipamento NBQ. Este é um assunto que tem de ter a preocupação militar, tem de ter preocupação política, e por isso não recuso nada daquilo que disse. E se o Sr. Deputado Carlos Encarnação utiliza, para guiar aquilo que eu disse, a

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opinião comunicada, porventura terei de dizer-lhe que a opinião comunicada nem sempre corresponde à opinião que comuniquei.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Esse é um problema que acontece muitas vezes.

O Orador: - O que devo dizer aos Srs. Deputados é que a intervenção do Sr. Deputado Medeiros Ferreira abre uma chave determinante neste debate, abre uma chave importantíssima, que é a das preocupações do Ministro da Defesa na condução da política de segurança e defesa da Europa. E esta chave foi tocada pelo Sr. Deputado, meu caro amigo, que há pouco referiu a questão de saber se efectivamente as nações europeias tinham tido conhecimento das decisões de carácter táctico no momento de utilização daquele tipo de equipamento. E esta é a questão-chave na formatação das alianças militares e da construção da identidade europeia de segurança e defesa. Comigo, no desempenho do cargo de Ministro da Defesa, não haverá participação de Portugal em organizações de forças militares onde os dispositivos de comando e de Estado-Maior não possam dizer quais serão os meios e a estratégia utilizados numa determinada operação.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Claro!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Uma das razões por que sempre me revoltei, para além do carácter jurídico que me levou à crítica à formação da operação Joint Guardian no Kosovo, foi precisamente por as decisões que foram tomadas sobre a utilização dos meios tácticos não terem sido nem atempadas nem suficientemente comunicadas aos responsáveis militares que participaram nessas operações. E é isto que leva hoje o primeiro-ministro de Itália a colocar a questão.
Mas disse - e muito bem - o Sr. Deputado Medeiros Ferreira que «odor do mundo» está a mudar, e está a mudar de uma maneira perigosa para as pequenas nações. Daí necessitarmos urgentemente que as Forças Armadas portuguesas disponham de dispositivos militares e de equipamento que lhes permita uma autonomia estratégica suficiente para poderem dizer: nessa operação não participamos. E não participam por razões que terão de ser políticas, mas também por razões de um juízo de carácter ético-civilizacional sobre os meios que se utilizam na guerra, a sua desproporção, a sua desadequação para os fins a que são destinados.
É comum, neste tipo de situações, perguntar-se: quais são as lições que aprendemos? Eu julgo que, deste debate, a lição que se aprende é: a orientação política que o Ministro da Defesa tem de levar desta Câmara é a de que na estrutura do próximo dispositivo de forças que se possam criar na identidade europeia de defesa e segurança não poderá haver mecanismos em que os comandos militares e os representantes militares possam ser arredados da decisão e da co-responsabilização da utilização e dos meios estratégicos.
Esta é a verdadeira questão e eu só tenho de agradecer ao Deputado Medeiros Ferreira ter podido dar a chave para eu poder dizer qual é, efectivamente, a preocupação do Ministro da Defesa neste momento.
O resto, Srs. Deputados - e esta crítica faço-a sentidamente e do coração -, utilizar este tipo de questões para efeitos de agenda política, do quotidiano, como arma de arremesso do debate político, é - considero-o eu - uma grave ofensa aos interesses da Nação.
Portanto, só posso pedir-vos, genuinamente, que as matérias da defesa sejam tratadas com o grau de reserva e de discrição que a elas dizem respeito, que sobre elas seja obtido o máximo consenso, que os senhores decisores políticos que estão aqui sentados, representantes da Nação, não digam que é a opinião publicada que faz a agenda, porque não é ela que faz a agenda, porque a opinião publicada é, também ela, um instrumento de degradação das instituições quando não tem uma servidão à verdade. Isso é muito importante.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Bem me parecia!

O Orador: - Sr. Deputado, se, sobre esta matéria, não tem consciência disso, perdoe-me a crítica.
E termino dizendo à Câmara que todas as informações que forem sendo recolhidas, de iniciativa nacional autónoma interna, serão quotidianamente transferidas e transmitidas à Comissão de Defesa Nacional, sede própria onde estas questões devem ser apresentadas e este debate deve ocorrer. Todas as iniciativa conjuntas que iremos ter ao nível de intervenção em organizações internacionais e militares serão também oportunamente transmitidas a esta Câmara.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia, consagrado a um debate sobre a actualidade.

Eram 17 horas e 35 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão, da petição n.º 49/VII (1.ª) - Apresentada pela Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública, solicitando a adopção de medidas de política salarial e legislativas que garantam a estabilidade do emprego.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Santos.

O Sr. Arménio Santos (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: A petição n.º 49/VII (1.ª), da iniciativa da Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública e datada de Janeiro de 1996, pretende respostas para reivindicações salariais e políticas de emprego.
O nosso primeiro registo reporta-se aos cinco anos que já decorreram e que seriam motivo para que a petição tivesse perdido actualidade se o Governo socialista fizesse alguma coisa. Mas não. O objectivo dos peticionantes

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mantém-se actual, os problemas persistem e a forma prepotente como o Executivo vem tratando as questões salariais e as carreiras profissionais dos funcionários públicos não ajuda a resolver, pela via negocial, esses mesmos problemas.
Pretende a petição que o salário mínimo da Administração Pública, índice 100, seja equiparado ao salário mínimo nacional. Este objectivo, de resto, esteve mesmo presente na introdução do novo sistema remuneratório da função pública, ao atribuir, na altura, ao índice 100 do regime geral um valor ligeiramente acima do salário mínimo nacional ao momento.
Porém, a natureza indiciária do regime salarial da Administração Pública apenas permite o aumento anual desse índice 100 do regime geral na percentagem aplicada ao sector, ao passo que o salário mínimo nacional tem todos os anos um aumento normalmente superior à média dos restantes salários. Daí a sua progressiva valorização face ao índice 100 dos funcionários públicos.
Acresce também que a par do índice 100 do regime geral há outros, para carreiras específicas da Administração Pública, que tornam a situação ainda mais complexa e difícil de harmonizar nos termos pretendidos.
Quanto à estabilidade do emprego na função pública, a que preferimos chamar qualidade do emprego, lembramos que este foi um dos compromissos assumidos pelo Governo no Acordo de Concertação Estratégica de 1996.
O Governo socialista, para levar o movimento sindical a subscrever esse acordo, prometeu acabar com os recibos verdes e com o emprego precário e temporário ilegal na Administração Pública. Só que, apesar de todas as promessas, o Governo mentiu aos trabalhadores e aqueles atropelos subsistem, agravados hoje com o esquema dos boys no âmbito da função pública.
Esta situação é escandalosa, porque transmite uma mensagem altamente negativa para as restantes entidades empregadoras e fragiliza e desautoriza a acção da Inspecção-Geral do Trabalho nesses sectores de actividade.
Por estas razões, Sr. Presidente, o Partido Social Democrata partilha das preocupações da petição n.º 49/VII (1.ª), responsabiliza o Governo por alimentar uma situação inaceitável e exige-lhe uma postura negocial que permita a abordagem séria destes problemas, com a participação responsável dos trabalhadores do sector.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Afonso Lobão.

O Sr. Afonso Lobão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Programa do XIV Governo Constitucional e as Grandes Opções do Plano para os anos de 2000 e 2001 vêm demonstrando a preocupação constante deste Governo na reforma da Administração Pública.
Considera-se mesmo que esta só é possível com a modernização da máquina administrativa do Estado e envolvendo nela o corpo de funcionários que a integram.
Passos importantes têm sido dados neste sentido. A preocupação de estabilizar o quadro de funcionários sem causar despedimentos, o rejuvenescimento dos quadros e a adopção de novos mecanismos de formação, visando novas metodologias de trabalho - tudo isto -, consubstanciam uma nova política de gestão de recursos humanos que este Governo adoptou e que tem necessariamente reflexos ao nível da motivação dos funcionários e da relação com o cidadão.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, em Julho de 1996, a então Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social admitiu a petição apresentada pela Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública, onde se reclama a adopção de medidas de política salarial e de medidas legislativas que garantam a estabilidade do emprego.
Decorrido todo este tempo e sem por em causa o mérito da iniciativa dos peticionantes, entende o Grupo Parlamentar do Partido Socialista que as questões então colocadas estão hoje, e por acção deste Governo, esvaziadas de conteúdo, como de seguida tentarei demonstrar.
Em primeiro lugar, a questão salarial. A concretização, através de medida reguladora específica, da equiparação do salário mínimo na Administração Pública - índice 100 - ao salário mínimo nacional é uma questão hoje ultrapassada, pois o índice 100 das escalas salariais das carreiras da Administração Pública é actualmente um mero factor multiplicador, a partir do qual se calculam os diversos índices atribuídos aos escalões de cada categoria. Refira-se que actualmente não se encontra posicionado neste índice qualquer funcionário e que, a partir de 1 de Janeiro deste ano, o vencimento mais modesto das carreiras da Administração Pública terá o valor de 70 300$, correspondente ao índice 116.
É, pois, hoje falsa a questão colocada, porquanto o valor do salário mínimo na Administração Pública é superior ao salário mínimo nacional.
Satisfazer hoje, a pretensão dos peticionantes provocaria, seguramente, um aumento da despesa pública, não suportável em termos orçamentais e do deficit do sector público administrativo.
Quanto à integração do adicional de 2% no índice 100 dos corpos especiais, sabe-se ser matéria constante do acordo salarial para 2001, onde é garantida a actualização anual daquele adicional em percentagem idêntica à fixada para o índice 100 da escala salarial dos referidos corpos especiais.
Aliás, o Governo comprometeu-se a apresentar aos sindicatos, no decorrer do primeiro trimestre deste ano, as propostas de solução para esta questão, que carecem de uma análise casuística após o levantamento das situações existentes.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Afonso Lobão, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Finalmente, quanto à adopção de medidas legislativas que garantam a estabilidade do emprego, é justo sublinhar o facto de o Governo ter vindo, nos últimos anos, a tomar medidas destinadas a regularizar as situações laborais «precárias», constituídas para a satisfação de necessidades

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permanentes, através da integração nos quadros de pessoal da Administração Pública, de todos os trabalhadores nessas condições. Desta forma, foram integrados nos quadros cerca de 40 000 trabalhadores.
Por último, importa salientar que o Governo tem em discussão um projecto de resolução sobre emprego público que, entre outros objectivos, pretende disciplinar as contratações de pessoal a termo certo e impedir a sua utilização para crescimento dos efectivos na Administração Pública.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Peço a todos os Srs. Deputados que vão intervir para se situarem dentro do limite de 3 minutos fixados regimentalmente.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Presidente, aproveito esta oportunidade para desejar a V. Ex.ª e a toda a Câmara um Feliz Ano de 2001.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Obrigado, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A presente petição apresentada pela Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública pugna pela adopção de algumas medidas, designadamente a equiparação do salário mínimo da função pública (índice 100) ao salário mínimo nacional, a integração do adicional de 2% no índice 100 dos corpos especiais e a manutenção das paridades existentes.
Além destas medidas concretas, os peticionantes reclamam também a implementação de algumas medidas legislativas concretas e adequadas que garantam a estabilidade no emprego, no seguimento do princípio constitucional da segurança no emprego. Na realidade, são inúmeras as situações de «falsos recibos verdes» registadas na Administração Pública, sendo que o Estado, através dos seus organismos, deveria ser o paradigma da observância e cumprimento das leis que ele próprio produz e das garantias que confere aos trabalhadores através das mesmas. No entanto, o que se verifica é justamente um desvio a essa condição, sendo o Estado, através dos seus múltiplos organismos, um dos muitos faltosos no cumprimento da legislação laboral vigente. O Estado devia aqui dar o exemplo, mas, infelizmente, é o primeiro a dar o exemplo do que não se deve fazer.
Por outro lado, apregoam-se frequentemente as reduzidas taxas de desemprego registadas, assumindo-se o seu combate como um desígnio nacional. E bem! No entanto, seria conveniente que se abandonasse a perspectiva restrita dos números e dos gráficos e se tomasse igualmente em conta a realidade social hodierna. Com efeito, é notório e manifesto que nesses estudos relativos ao reduzido desemprego verificado não se integra o trabalho precário e se destaca, mais uma vez pela sua proliferação e pela situação gritante que é, «os falsos recibos verdes da Administração Pública». Na verdade, deles emergem verdadeiras obrigações idênticas às de um verdadeiro contrato de trabalho, mas sem as garantias que, obviamente, lhes são inerentes.
Quanto à equiparação do índice 100 ao salário mínimo nacional, ainda que o mesmo sirva apenas de referência para efeitos de cálculo da remuneração base, a verdade é que poderá sempre invocar-se o princípio constitucional e jus laboralista «para trabalho igual, salário igual». Com efeito, por que razão as funções desempenhadas na função pública serão retribuídas segundo critérios diferenciados das mesmas desempenhadas por outra entidade patronal, por vezes até no mesmo espaço físico? Todavia, uma medida legislativa desta natureza teria repercussões em todas as escalas salariais da Administração Pública.
Assim, parecia-nos de elementar justeza que uma medida deste teor, a ser tomada, o fosse sempre com base num estudo prévio que pudesse fazer rigorosamente uma análise das diferentes situações que se podem gerar.
Quanto à integração adicional de 2% no índice 100 dos corpos especiais, há que ter em conta que cada um deles reflecte uma realidade específica e concreta. Assim sendo, esse mundo próprio tem, inexoravelmente…

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Pedro Mota Soares, o seu tempo esgotou-se. Tem de concluir.

O Orador: - Sr. Presidente, termino, dizendo que também esta reflexão deveria ser feita numa lógica global das várias situações de injustiça relativa que se podem criar.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandrino Saldanha.

O Sr. Alexandrino Saldanha (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O facto de o objecto desta petição, apresentada em Julho de 1996 (há mais de 4 anos), manter actualidade, como se diz no relatório final da Comissão, é, só por si, um claro libelo acusatório à acção do Governo do PS na política remunerativa e na gestão dos recursos humanos na Administração Pública.
De facto, o sistema retributivo criado em 1989 baseia-se, para cerca de dois terços dos trabalhadores da função pública, num índice 100, que, nessa altura, estava 12% acima do salário mínimo nacional, mas que hoje está cerca de 11% abaixo desse salário.
Ora, para que não haja salários abaixo do mínimo ou aumentos inferiores a determinados valores (3000$ em 2000 e 3500$ em 2001), esta evolução tem como consequência que os escalões e índices mais baixos de algumas carreiras sejam adaptados ad hoc, com distorção e subversão da lógica da evolução das carreiras e do seu equilíbrio relativo. Pois, havendo índices que, por força do aumento mínimo ou porque têm de ultrapassar o salário mínimo nacional, são estabelecidos ad hoc e superiores ao previsto, as paridades existentes são contrariadas e alteradas, com subversão e inerente descredibilização do sistema retributivo criado em 1989.
E o desajustamento deste sistema, a desvalorização de toda a grelha salarial, face a outros sectores de activida

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de - em especial, a degradação salarial de algumas profissões -, leva a que se abram concursos e que não haja concorrentes, por exemplo, para a categoria de electricista ou para a carreira de informática.
Daí a justeza da reivindicação, no sentido de o valor do índice de referência (100) ser, pelo menos, igual ao do salário mínimo nacional, o que implica uma adaptação do actual sistema retributivo - que poderá ser faseada no tempo - ou a criação de um novo sistema retributivo.
Por idênticas razões de justiça, clareza e transparência se justifica a integração do adicional de 2% no índice 100 dos corpos especiais.
Quanto à precariedade e à instabilidade de emprego, refira-se que, em 1996 - ano da publicação do Decreto-Lei n.º 81-A, com o objectivo expresso «de repor a legalidade num Estado de direito democrático e de tornar mais saudável a política de pessoal na função pública» -, foram recenseados cerca de 39 000 trabalhadores em situação precária.
Quatro anos após - hoje -, há mais de 30 000 trabalhadores em idêntica situação na função pública, com especial incidência na educação e na saúde.
Na saúde, o Governo constatou, faz agora um ano, a existência de mais de 15 000 trabalhadores em situação precária, o que o obrigou a publicar um diploma para prorrogar excepcionalmente os contratos a prazo até Fevereiro do corrente ano. Mas até agora não foi aberto concurso, nem sequer para metade desses trabalhadores. Que solução irá agora o Governo adoptar? Nova prorrogação? O despedimento?
Também nesta questão o Governo do PS não tem vontade política nem capacidade para resolver o escândalo social que é a precariedade e a insegurança de quem trabalha, sem o que não pode existir uma administração moderna, competente e eficaz ao serviço dos cidadãos.
A posição assumida por mais 6 dezenas de milhar de peticionantes sobre estas questões representa, por isso, um contributo sério em defesa da justiça social e contra a precarização…

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe para concluir.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, a posição assumida por mais 6 dezenas de milhar de peticionantes sobre estas questões representa, por isso, um contributo sério em defesa da justiça social e contra a precarização e a instabilidade nas relações laborais na Administração Pública.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Pública e da Modernização Administrativa.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Pública e da Modernização Administrativa (Alexandre Rosa): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me que aproveite esta oportunidade para endereçar à Câmara votos de um Ano Novo de 2001 cheio dos maiores sucessos e felicidades.
Permitam-me que, de forma breve, reflicta um pouco à volta das três questões que aqui foram colocadas a propósito desta petição, que, como já foi dito, data de 1996, pelo que, com alguma probabilidade e contrariamente ao que o Sr. Deputado do Partido Comunista referiu, poderá estar desactualizada.
Gostava de dizer que a questão do índice 100 e do salário mínimo nacional, com todo o respeito por quem pensa o contrário, é, do nosso ponto de vista, uma falsa questão. Apetecia-me perguntar qual índice 100, já que há 18 índices 100 na Administração Pública portuguesa. Penso que se estão a referir, com certeza, não ao índice 100 do pessoal dirigente, não ao índice 100 dos professores, não ao índice 100 dos magistrados, não ao índice 100 dos diplomatas, mas, provavelmente, ao índice 100 das carreiras do regime geral. Deve ser a esse que se referem.

Vozes do PCP: - Não só! Não só!

O Orador: - Contudo, gostaria de dizer que o índice 100, como já aqui foi dito pelo Sr. Deputado do Partido Socialista, é o factor multiplicador e não é nenhum ordenado. As pessoas não ganham índices, mas um salário. E o que o trabalhador mais baixo da Administração Pública, a partir do dia 1 de Janeiro de 2001, ganha efectivamente são 70 300$, que compara com 67 000$ do salário mínimo nacional. Esta é a realidade, pelo que discutir a questão do índice 100 nos parece uma falsa questão.
Relativamente à integração do adicional de 2% nos índices 100 dos corpos especiais, gostava de dizer que vale a pena que tenhamos em conta a história do adicional de 2% à remuneração. Trata-se de uma decisão de 1992 que visou garantir, nessa altura, que nenhum trabalhador da Administração Pública tivesse um aumento inferior a 10% nesse ano. Naturalmente que esse adicional foi fixado nessa época, pelo que à medida que se foram alterando algumas carreiras, se foi integrando e acabando com esse adicional.
É o que pensamos continuar a fazer, mas há, neste momento, dois grupos profissionais que têm ainda este problema de forma viva, que são os bombeiros e os técnicos de diagnóstico e de terapêutica. Para esses dois grupos profissionais estamos a estudar o problema e temos o compromisso de apresentar aos sindicatos, até ao dia 31 de Março deste ano, medidas concretas para o resolver.
Contudo, para que não se continue a degradar o valor desse adicional, garantimos este ano, no acordo salarial de 2001, que esse valor do diferencial de 2% é também actualizado na mesma percentagem que são os aumentos salariais anuais.
Para finalizar, gostava de dizer que, quando o Partido Socialista chegou ao Governo, como, aliás, já foi dito pelo Sr. Deputado do Partido Comunista Português, foram recenseados cerca de 40 000 trabalhadores com trabalho precário.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Secretário de Estado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe para concluir.

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O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Foram regularizadas cerca de 40 000 situações. Neste momento, continua a haver contratados a termo certo na Administração Pública. É verdade! É legal! A lei permite-o! Há, neste momento, cerca de 10 000 trabalhadores contratados a termo certo - e não 30 000, como se costuma dizer - na Administração Pública portuguesa, sendo que cerca de 7000 são da administração central e cerca de 3000 da administração local. Esta é a realidade dos números.
Naturalmente que não somos contra os contratos a termo certo, mas contra o trabalho ilegal. E não há trabalho ilegal na Administração Pública. Os contratos que existem estão regulados na lei, que esta Assembleia aprovou, quanto mais não seja por alteração legislativa quando ela foi aprovada. Naturalmente que ninguém gosta de trabalho precário, mas não é de trabalho precário que se trata. Trata-se de recorrer à contratação a termo certo para a resolução de situações pontuais tipificadas na lei.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, como não há mais oradores inscritos, dou por encerrada a apreciação da petição n.º 49/VII (1.ª).
Vamos passar à apreciação da petição n.º 79/VII (2.ª) - Apresentada pela Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses, pretendendo que sejam tomadas medidas tendentes a reduzir a sinistralidade laboral e a criar um novo quadro legal para a reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mafalda Troncho.

A Sr.ª Mafalda Troncho (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Estamos perante uma petição cujo conteúdo extraordinariamente importante já foi, por diversas vezes, abordado nesta Casa.
A ausência de condições de higiene, saúde e segurança no trabalho afecta gravemente os trabalhadores, as empresas e o Estado. Falamos de danos físicos quantas vezes irreparáveis ou mortais. Por ano, contabilizam-se entre 204 000 a 234 000 acidentes, donde resultam 270 a 320 vítimas mortais. Por outro lado, uma empresa que se desresponsabilize deste problema é uma empresa não competitiva, pois não motiva os trabalhadores, é incapaz de fazer uma correcta gestão dos recursos humanos e incorre em custos com formação, equipamentos e perdas de produtividade. Por seu lado, o Estado arrisca-se a elevados custos sociais e económicos.
Na verdade, e até à data da entrega desta petição, o panorama legal sobre esta matéria apresentava diversas lacunas. No entanto, de 1997 a 2000, foram produzidos cerca de 16 diplomas que conseguem, de uma forma geral, dar resposta às justas reivindicações dos peticionantes.
Assim, quanto à solicitação de um regime jurídico de reparação dos acidentes de trabalho, foram produzidos cinco decretos-leis, uma lei e uma portaria, visando, entre outras alterações, um novo regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, a reparação de danos, a criação do Fundo de Acidentes de Trabalho, a regulamentação do seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores independentes e a reformulação da regulamentação das doenças profissionais.
Quanto à solicitação do estabelecimento de mecanismos adequados para a violação das normas sobre a prevenção de acidentes de trabalho, produziram-se dois decretos-leis e quatro leis, que, por exemplo, transpõem directivas comunitárias, aprovam o Estatuto da Inspecção-Geral do Trabalho e o novo regime geral das contra-ordenações laborais.
Muitos destes normativos dão também resposta à solicitação da melhoria do funcionamento dos tribunais de trabalho.
Finalmente, e quanto à primeira das solicitações - a organização de um plano nacional de emergência contra a sinistralidade no trabalho -, refira-se que, no âmbito da concertação social, está em discussão uma proposta de acordo sobre as condições de trabalho, higiene e segurança no trabalho e combate à sinistralidade.
Este acordo abarca todas os vertentes inerentes a este assunto e, caso o consenso que se prevê e deseja seja possível, estaremos, na prática, perante um plano de emergência, que, estamos convictos, contribuirá decisivamente para uma redução da sinistralidade laboral no nosso país.
Outros marcos importantes nesta batalha contra a sinistralidade laboral foram o Acordo de Concertação Estratégica de 1996, o Livro Branco dos Serviços de Prevenção das Empresas, de 1999, o Programa Trabalho Seguro e a exigência de certificação de técnicos de segurança e higiene do trabalho.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe para concluir.

A Oradora: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Quer a Assembleia da República quer o Governo têm procurado ir ao encontro das exigências, antigas e novas, que garantam quer a prevenção da sinistralidade quer a garantia de uma reparação justa e célere, quando o pior acontece.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição apresentada pela CGTP foi entregue nesta Assembleia na sequência de um movimento de solidariedade, também lançado por aquela central sindical, relativamente às vítimas de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
Enquanto decorriam as iniciativas que conduziram a esta petição, o Governo veio apresentar uma proposta de lei, juntando-se às iniciativas legislativas do PCP sobre a matéria, que, pela quarta vez, foram então apresentadas e, finalmente, aprovadas na generalidade.
Pese embora o facto de, entretanto, ter sido aprovada a nova Lei n.º 100/97 e posterior regulamentação, a verdade é que, ao contrário do que disse a Sr.ª Deputada do Partido Socialista, muitas das questões suscitadas pela petição

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continuam válidas. E a nova legislação, cuja matriz base teve o voto contra do PCP, necessita de uma revisão, por forma a reparar as injustiças que se abatem sobre as vítimas do trabalho. Isto porque a nova legislação continua a ser inadequada, privilegiando os interesses das seguradoras sobre o direito que cada trabalhador tem a ser considerado como um ser humano, cuja dignidade não pode ser espartilhada dentro dos interesses privados, os interesses das seguradoras que, na sua actividade, se alimentam, sobretudo, do sub-ramo «trabalho».
Insistentemente, na altura, as seguradoras, sentindo-se ameaçadas pelos projectos do PCP, afirmaram publicamente que o ramo «trabalho» lhes dava prejuízo, sem que, com tal afirmação, se conseguisse, aliás, perceber por que é que lutavam tanto pela manutenção da reparação dos acidentes de trabalho na sua alçada, repudiando a solução - que é a solução justa - da sua transferência para a segurança social, porque o sofrimento dos trabalhadores e das suas famílias não pode e não deve alimentar interesses privados. E foi esta a opção do Governo.
A desmentir a afirmação então feita pelas seguradoras, a Associação Portuguesa de Seguradoras divulgou, recentemente, dados, revelados pelo Diário Económico, em 25 de Outubro passado, segundo os quais, nos primeiros 9 meses de 2000, o ramo não vida, sobretudo o sub-ramo de acidentes de trabalho, foi o que principalmente alimentou o mercado segurador nacional. Este sub-ramo registou uma produção de 92,5 milhões de contos, 32,8% acima dos 69,7 milhões de 1999.
Irónico é que isto tenha tido a contribuição, por negligência, do Governo, porque aos diplomas que vêm mencionados no relatório da Comissão de Trabalho falta juntar um outro muito importante,…

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ª Deputada, agradeço que conclua, pois já excedeu o seu tempo.

A Oradora: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Como dizia, trata-se de um diploma segundo o qual o Governo dilatou para 1 de Janeiro de 2000 a aplicação da nova lei, cuja aplicação deveria ter tido início em 1998, seis meses após 13 de Setembro. Com isto, o Governo meteu muito dinheiro nos bolsos das seguradoras e poupou também muito dinheiro às entidades patronais que pagam os prémios de seguros.
Por fim, devo dizer que 3 minutos é tempo escasso para falar daqueles trabalhadores que nunca viram, nem vêem agora, com a legislação deste Governo, as suas pensões actualizadas.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ª Deputada, peço-lhe o favor de concluir mesmo, se não, terei de cortar-lhe a cabeça, perdão, a palavra,…

Risos.

A Oradora: - A cabeça?! Ó Sr. Presidente, cortar-me a cabeça é muito complicado porque só tenho uma!

Risos.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Enganei-me, Sr.ª Deputada, mas rectifiquei imediatamente!

A Oradora: - E porque 3 minutos também é um tempo muito escasso para me cortarem a cabeça,…

Risos.

… terminarei, dizendo que 3 minutos é bem pouco para falar de um ser humano: o trabalhador.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Peço desculpa à Sr.ª Deputada Odete Santos porque, de facto, foi um lapsus linguae, pois referia-me a cortar-lhe a palavra. É que esse poder é-me conferido por um aparelho que existe aqui na Mesa desde há tempo!

Risos.

Para uma intervenção, tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Na realidade, esta petição tem já alguns anos e versa sobre uma matéria da maior importância.
De facto, o problema da falta de segurança no trabalho reflecte-se em custos elevadíssimos, desde logo e em primeiro lugar, para as próprias vítimas, mas também para as empresas e, inevitavelmente, para o País.
Desde a data em que esta petição deu entrada nesta Assembleia até hoje, deram-se alguns passos importantes no sentido de resolver alguns dos problemas que aqui são suscitados, mas outros há que permanecem numa situação de não resolução. Importa, por isso, do nosso ponto de vista, prosseguir um caminho, que foi iniciado, de busca de soluções para a resolução deste gravíssimo problema. Mas importa também que não desperdicemos a oportunidade gerada pela apreciação desta petição para chamar a atenção para dois aspectos.
O primeiro é o de que é necessário que haja uma alteração de mentalidades para que as coisas possam funcionar melhor neste campo. Nesta matéria, o Estado tem um papel fundamental e determinante.
A Sr.ª Deputada Mafalda Troncho lembrou legislação que saiu nos últimos anos. Ora, importa dizer, com toda a frontalidade, que uma boa parte dessa legislação não é cumprida, desde logo pelo próprio Estado. Portanto, é o Estado que não cumpre e, desse modo, está a dar um péssimo exemplo aos privados que, evidentemente, também não se sentem seduzidos no sentido de cumprirem a legislação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esta é, pois, a primeira questão que consideramos importante.
Evidentemente, é fundamental que haja um quadro legal que permita dar resposta a este conjunto de problemas, mas, por muito bonito que seja, o quadro legal nada é se, por parte do Estado, não houver vontade de o cumprir. Ora, neste momento, verificam-se inúmeras situações em que o Estado não cumpre, fe

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cha os olhos ao seu próprio incumprimento da legislação que está em vigor.
A segunda questão é a do problema da fiscalização. Também neste domínio podemos ter um quadro legal muito bonito mas, se a fiscalização não operar, tal quadro será completamente ineficiente. É que se se avançou em termos de quadro legal, não se avançou em termos de fiscalização e os números aí estão para demonstrá-lo.
Portanto, do nosso ponto de vista, vale a pena aproveitar o momento criado pela apreciação desta petição para chamar a atenção do Governo para a necessidade de o próprio Estado cumprir a lei que está em vigor e para, em segundo lugar, a fazer cumprir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta petição que hoje apreciamos versa um dos temas que me é mais caro e refere-se a um problema que, de facto, é cadente e muito importante em Portugal. Falamos, obviamente do direito ao trabalho, mas, mais do que isso, falamos de um conjunto muito significativo de portugueses que arrisca a vida quotidianamente para poder exercer tal direito, o que, de facto, não faz sentido que aconteça num país da Europa, em 2001.
Ouvi atentamente as intervenções dos Srs. Deputados que me precederam, principalmente a da Sr.ª Deputada Mafalda Troncho, a qual aproveito para felicitar pelo relatório que fez e que considero muito bem feito, nessas intervenções, falou-se do quadro legal e das medidas que foram aplicadas, mas, por mim, considero, muito sinceramente, que, muitas vezes, o problema não se coloca em termos de legislação, muito ou pouco avançada, mas, sim, em sermos capazes de cumprir a legislação que já existe.
Ora, o que temos é um quadro legal que até é avançado em comparação com os de outros países da Europa, mas que, acima de tudo, falha em termos da sua aplicação. Falha em termos da sensibilização dos respectivos agentes em proceder à aplicação da legislação, falha em termos das respectivas condições materiais - aliás, basta ir ao Tribunal de Trabalho, em Lisboa, ver o que se passa em relação às juntas médicas, para verificar o que é, de facto, a real falta de condições para encarar este problema -, falha num domínio muito importante que é o da fiscalização, falha, frequentemente, do ponto de vista de quem deveria dar o exemplo e falha, ainda, ao nível dos próprios organismos do Estado, falha onde não podia falhar.
Considero que todos nós temos de ter a noção de que o que falta não é esta Assembleia fazer mais um enquadramento jurídico sobre esta matéria, o que falta, acima de tudo, é conseguirmos aplicar as leis que já existem.
A este propósito, penso que, embora a Assembleia se tenha debruçado sobre esta petição num prazo não tão curto quanto gostaríamos, há aqui um pormenor que é sintomático do que falha quando falamos do direito ao trabalho e dos acidentes laborais.
É curioso que, ao debruçar-se sobre esta matéria, esta Assembleia, no quadro das suas competências, pediu a dois ministérios que se pronunciassem, mas, infelizmente, nenhum dos dois o fez em tempo útil, pelo que, eventualmente, faltam-nos alguns dados que seriam muito importantes para a nossa apreciação.
Esta atitude não é algo novo, não é sequer um acto singular, pois, muitas vezes, quando se trata da apreciação de petições, defrontamo-nos com este mesmo problema, que é o de os organismos do Estado não se pronunciarem apesar dos pedidos da Assembleia nesse sentido. No entanto, é algo que a minha bancada não quer deixar de denunciar.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem, agora, a palavra o Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação para uma intervenção.

O Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação (Paulo Pedroso): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Espero que o facto de o Governo estar presente a intervir a propósito desta petição seja devidamente avaliado pelo CDS-PP em termos da respectiva congratulação pelo facto…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Se calhar, preferíamos que tivesse intervindo em tempo útil!

O Orador: - Aqui estamos para debater esta questão que não é tão cadente como gostaríamos que fosse, ainda é demasiado candente para o que deveria ser!
Esta petição reporta-se a um problema que é sério e que merece a nossa preocupação convergente: há, em Portugal, sinistralidade laboral em excesso. Aliás, poderia dizer-se que toda a sinistralidade laboral é em excesso, pois o que é desejável é que haja uma sinistralidade laboral zero. Não obstante, mesmo se tomarmos por referência o que poderíamos considerar padrões aceitáveis, temos, ainda assim, um nível de sinistralidade laboral elevado.
O Governo tem consciência disto que digo e pôde verificar-se que, para além dos peticionários, o conjunto das bancadas parlamentares também tem consciência disso. Perante isto - e é um dilema que não é tanto do PP mas também de outras áreas políticas -, a questão que se coloca é a de saber o que fazer.
Ora, o que fazer passou, como aqui foi dito, por um conjunto de legislação, que é referido no relatório e que foi recordado pela Sr.ª Deputada Mafalda Troncho, uma produção legislativa que continua. Já depois da produção deste relatório, foram introduzidas normas no sentido da eficácia dos serviços de prevenção de higiene e segurança no trabalho nas empresas, as quais vieram ordenar o edifício legislativo já existente.
Dizem os Srs. Deputados que, agora, a questão é de efectividade de direito. Por mim, não podia estar mais de acordo. É que, connosco, tem havido uma preocupação no sentido de os regulamentos serem feitos e, agora, Srs. Deputados, estão todos feitos! Havia algumas leis que estavam por regulamentar desde há 10 anos!
Temos a preocupação de intensificar a fiscalização. A este propósito, posso dizer-lhe, Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa, que, de um ano para outro, duplica a actividade da Inspecção-Geral do Trabalho nestas matérias, o que constitui sinal da intensificação da actividade de fiscalização. Ora, isto não poderá deixar de ter efeitos a curto prazo.

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Srs. Deputados, devo dizer-vos que quis a coincidência do calendário parlamentar que esta petição seja apreciada num momento em que estamos a uma semana de algo que penso poder ser um momento histórico para a higiene e segurança no trabalho em Portugal.
Na verdade, há já um anteprojecto, que mereceu concordância genérica dos parceiros sociais, para um acordo de concertação social que, a concretizar-se, será histórico por reunir o conjunto dos parceiros sociais, pela primeira vez, em 10 anos, no sentido da tomada de compromissos concretos que visam reduzir a sinistralidade laboral em Portugal.
Um desses compromissos concretos é um plano de acção a médio prazo para a redução da sinistralidade, que, como muito bem disse o Sr. Deputado Mota Soares, apenas terá a sua total eficácia se for acompanhada de uma sensibilização dos agentes para os riscos que ocorrem.
É nossa convicção que, felizmente, de 1995 até hoje, muito mudou nesta matéria. Felizmente, há, hoje, um consenso quanto ao facto de que este é um problema de todos nós. Felizmente, uma parte da legislação pôde ser aprovada nesta Assembleia com ampla maioria. Felizmente, há um alargado consenso, em termos dos parceiros sociais, sobre esta matéria. Felizmente, daqui a algum tempo, esta petição já não terá significado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Não há mais inscrições, pelo que está encerrado o debate da petição n.º 79/VII (2.ª).
Srs. Deputados, passamos à apreciação da petição n.º 91/VII (3.ª) - Apresentada por José Luís Diogo Presa e outros, pedindo que seja criado o município de Vila Praia de Âncora.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Durante anos e anos, é sabido que nunca o PCP utilizou, de forma oportunista, as pretensões dos cidadãos e das populações que aspiram à constituição de novos municípios.
Nunca o PCP fez promessas ou assumiu compromissos quando fala com as populações para os quebrar no dia seguinte, seja na hora da verdade das votações ou através de subterfúgios para fugir às responsabilidades.
Sabem-no bem, por exemplo, as populações de Odivelas, da Trofa ou de Vizela que, na última legislatura, viram aprovadas as leis que determinaram a constituição dos respectivos municípios. Sabem bem que puderam contar, sem oportunismos, com o apoio e o voto do PCP. Sabem-no igualmente bem as populações das localidades que, um pouco por todo o País, desejam constituir-se em novos municípios.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A petição que foi dirigida à Assembleia da República por quase 5000 pessoas e que visa a criação do concelho de Vila Praia de Âncora foi alvo de um parecer aprovado por unanimidade na Comissão de Administração e Ordenamento do Território, Poder Local e Ambiente.
Por se aplicar a esta petição e por se justificar em abstracto, importa reafirmar, hoje e aqui, o que o PCP tem dito sobre esta matéria.
O PCP tem defendido a necessidade de alterar a Lei-Quadro de Criação de Municípios. Como é sabido, e ao contrário de outros nesta Casa, dispusemo-nos a rediscuti-la (ainda o fizemos há menos de dois anos), consideramos que ela deve ser modificada por forma a albergar critérios de natureza técnico-administrativa, independentes de conjunturas, por forma a permitir contemplar, de forma adequada - se assim for o caso, e o PCP assim o deseja -, não só as aspirações de Vila Praia de Âncora como as de outros municípios ao longo do País.
O PCP considera que o que Âncora e as gentes do vale do rio com o mesmo nome necessitam é, sobretudo, mas também, maior justiça na distribuição dos investimentos municipais, é a concretização de obras há muito prometidas e sucessivamente adiadas - como é o caso do portinho de Âncora -, é que as suas populações não continuem votadas ao desprezo, como aconteceu no ano passado com o encerramento de vários serviços públicos na estação ferroviária da CP.
As populações de Âncora sabem que, nestas questões concretas, o PCP, ao contrário de outros, tem sabido honrar os seus compromissos.
Por isso, sabem que o que o PCP não promete, em relação a Âncora e às suas populações, é apresentar projectos de lei que a actual Lei-Quadro de Criação de Municípios não contempla integralmente para depois deixar esses projectos de lei a apodrecer nas gavetas.
Se outros o fazem, ou farão, a história e as populações de Âncora os julgarão pelo seu notório oportunismo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Benavente.

O Sr. João Benavente (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Sobe a Plenário para apreciação e discussão a petição n.º 91/VII (2.ª), em que os peticionantes solicitam a criação do município de Vila Praia de Âncora.
A criação de tal circunscrição administrativa foi já objecto de duas iniciativas legislativas no decurso da VII Legislatura, que receberam os n.os 467 e 477, que, por não terem sido convertidas em lei, acabaram por cair com o termo da legislatura, de acordo com o que está consagrado constitucionalmente, não tendo sido retomada a iniciativa de lei por parte dos seus subscritores já na presente legislatura.
Sendo certo que a presente petição será a expressão pública da enorme vontade da população em transformar Vila Praia de Âncora em concelho e que a circunscrição a abranger na nova realidade administrativa reúne a maioria dos requisitos legalmente exigidos, não é menos verdade que, ainda assim, não se consegue compaginar esta vontade popular com as exigências legais.
Na verdade, algumas freguesias dos dois concelhos abrangidos na petição não aprovam a sua integração no novo concelho a criar, o que contraria o disposto no artigo 5.º da Lei-Quadro de Criação de Municípios, o que

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constitui, de momento, uma dificuldade cuja solução escapa à Assembleia da República.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Pelo que se expôs não restam dúvidas de que o actual quadro legal se ergue contra a pretensão das populações. Mas não é menos verdade que o legislador começa a formar a sua vontade de em futuro próximo, encarar a alteração ao regime jurídico da criação de municípios, uma vez que alguns Deputados entendem que, a manter-se como está, tal regime é limitativo da iniciativa e do querer das populações, que se vêem confrontadas com uma divisão administrativa do século XIX. Isto é, uma divisão administrativa que não adere à realidade que evoluiu muito rapidamente nos últimos 25 anos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos perante uma realidade que é, de momento, incontornável e que contraria os anseios da população de Vila Praia de Âncora. Porém, é de nosso parecer que a petição e a pretensão nela contida deverá ser reavaliada face à previsível reforma do regime jurídico da criação de novas realidades administrativas de cariz municipal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Torres Pereira.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD é, em princípio, favorável à criação do município de Vila Praia de Âncora - já, de resto, no passado, apresentou iniciativas legislativas nesse sentido -, no entanto, não é de qualquer forma nem a qualquer preço.
Em primeiro lugar, o processo de criação do novo município deverá ser feito em paz, sem que isso cause a zizania nas populações ou nas autarquias envolvidas, que, como sabemos, são duas - Viana de Castelo e Caminha. Para zizania já basta aquela que grassa por aí, causada ininterruptamente pelo Governo socialista desde que chegou ao poder e que, de resto, assistimos hoje aos últimos episódios na presença do Ministro da Defesa!…
É preciso que sejam ouvidas as juntas de freguesia envolvidas, as câmaras municipais e as assembleias municipais interessadas.
Em segundo lugar, estamos de acordo com a criação do município, desde que isso represente melhorar os serviços prestados às populações e responder melhor às carências das pessoas e não para sobrecarregar as administrações, para aumentar a despesa pública ou dar jobs aos amigos. Para isto já basta o escândalo que, desde 1995, grassa em Portugal desde que o Governo socialista chegou ao poder e o prejuízo que os boys e as fundações têm causado aos portugueses desde que o PS também chegou ao poder!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, em terceiro lugar, daremos o nosso aval, desde que a criação deste município, como de outros, possa ser um contributo para a reorganização político-administrativa e para a descentralização do País e não para avalizarmos o ensurdecedor silêncio a que o Governo do PS se remeteu, desde que foi derrotado no referendo sobre a regionalização, ou darmos um aval ao Governo para que fique quieto, tal como, de forma escandalosa, tem ficado, desde que, repito, foi derrotado no referendo sobre a regionalização, em relação à necessidade de olhar para a realidade e ver que hoje, ao contrário do que se passava há 10 ou 20 anos, as freguesias e os municípios têm dimensões diversas, têm realidades diversas e exigem respostas diversas por parte do Governo, sob pena de, daqui a pouco tempo, porventura, virmos a ter não os 308 municípios que a dimensão do País comporta mas os 3000 municípios de que a Europa gostaria de se ver livre e não consegue pela reorganização que, felizmente, tivemos ocasião de ter no século passado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Criar concelhos por concelhos «não»! Levar a cabo reformas de fundo «sim», desde logo começando pela lei-quadro de criação de novos concelhos.
E por falar em reformas de fundo, e para concluir, salvo raríssimas excepções, pergunto: onde é que anda o PS em relação às reformas de fundo que prometeu desde 1995?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alves Pereira.

O Sr. Alves Pereira (CDS-PP): - Sr. Presidente, antes de mais, quero desejar a todos VV. Ex.as, Sr. Presidente, Srs. e Sr.as Deputados, um bom Ano Novo.
Sobre a petição formulada por um grupo de residentes de Vila Praia de Âncora, oferece-nos dizer o seguinte: este desejo dos habitantes de Âncora é, como todos sabemos, ancestral, mas, para além dessa pretensão que eles têm, também nos parece que há outras razões que merecem a nossa concordância.
Assim, desde que estejam reunidas as condições legais que, nomeadamente, o Decreto-Lei n.º 142/85 exige, entende o PP que não há motivo para que esta pretensão não seja satisfeita.
Quem conhece Vila Praia de Âncora sabe que esta pretensão é justa por vários motivos, entre outros, os de ordem histórica e cultural.
Em relação ao concelho de Caminha, tem sido sempre considerado como o parente pobre. Todos sabemos que se trata de uma população essencialmente piscatória e que complementa a sua economia com a época balnear, que normalmente se processa durante três meses por ano.
Também todos sabemos, porque isso tem vindo na comunicação social, que todos os anos a praia tem estado poluída devido a descargas sistemáticas do rio Âncora e a esgotos da própria vila e daí resulta o afastamento dos turistas e dos veraneantes, que poderiam ajudar a colmatar a economia desta gente.
Por todas estas razões, e por outras que poderão ser apreciadas em projecto próprio para o efeito, o nosso partido é a favor de que se analise e se dê seguimento a esta aspiração das gentes de Vila Praia de Âncora.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

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O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, está encerrado o debate da petição n.º 91/VII (3.ª).
Vamos passar à apreciação da petição n.º 110/VII (3.ª) - Apresentada pela Junta de Freguesia de Alfeizerão e pela Associação de Defesa do Ambiente de São Martinho do Porto, chamando a atenção para os gravíssimos problemas da região da baía de S. Martinho do Porto.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vicente Merendas.

O Sr. Vicente Merendas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A despoluição da baía de S. Martinho do Porto é um projecto esperado que acarreta consigo o desassoreamento da concha azul. As causas do assoreamento há muito que estão identificadas e ao longo dos anos têm sido realizados estudos e projectos com o objectivo de pôr fim a este problema. Porém, nenhum foi concretizado. A agravar este facto, a qualidade da água está cada vez mais poluída, pois há muito que a baía se tornou na fossa onde vão parar os dejectos, com consequências nefastas em termos de poluição que afecta não só o ar que se respira como os próprios lençóis de água.
O Grupo Parlamentar do PCP, em Abril de 1991, questionou o governo de então sobre a situação e medidas necessárias a combater a poluição na área da baía de São Martinho do Porto. Em resposta, o governo informou das soluções para a «concha de São Martinho do Porto», baseadas em estudos técnicos realizados: «desvio do Rio Salir/Tornada para a zona costeira adjacente, através quer da construção de drenagens para correcção torrencial quer de outras obras hidráulicas; complementação com novos sistemas tecnológicos de tratamento aplicado a afluentes de suinicultura.»
Sete anos depois, em Junho de 1998, o Grupo Parlamentar do PCP voltou a questionar o governo, e denunciou que nenhuma das medidas anunciadas em 1991 foram efectivamente tomadas e que a situação da baía de São Martinho do Porto se tornava crescentemente preocupante.
A resposta do então Secretário de Estado Adjunto da Ministra do Ambiente foi a seguinte: «Foi criado por despacho um grupo de trabalho que, no prazo de nove meses, deve proceder à reapreciação dos estudos existentes e apresentar uma solução técnica que permita a despoluição efectiva da baía hidrográfica, englobando o tratamento dos afluentes de origem pecuária, doméstica e industrial.»
Estamos em 2001 e o que podemos constatar é que a baía de São Martinho, com um enquadramento natural de características excepcionais para o turismo, que deveria constituir um pólo importante para o desenvolvimento de toda a região, não passa de promessas e mais promessas não cumpridas, planos e mais planos, com algumas empresas a ganharem dinheiro na elaboração de planos sem qualquer utilidade.
Os projectos de despoluição e dragagem foram concluídos em 1995. As obras previstas deveriam estar concluídas no ano de 1996. Foram, inclusive, colocadas placas informativas das obras a realizar, criando enormes expectativas em toda a região.
O PCP manifesta o seu firme apoio a todas as acções que venham a ser desenvolvidas e apela a uma intervenção célere da parte do Governo para salvar a baía de S. Martinho do Porto.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José António Silva.

O Sr. José António Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A baía de São Martinho do Porto tornou-se, ao longo do últimos séculos, uma das praias mais concorridas do centro do País, especialmente pela suavidade das suas águas e por se prestar a todas as espécies de desportos náuticos.
Outrora, com uma intensa actividade portuária e piscatória, hoje a população de S. Martinho vive essencialmente do turismo, tal como a de Salir do Porto e, em parte, a de Alfeizerão.
Reunindo condições excepcionalmente favoráveis para o turismo, nos últimos anos, tem existido uma degradação ambiental a todos os níveis a um ritmo tão acelerado que, se não for contrariado, caminha rápida e irremediavelmente para uma situação de rotura da estrutura económica existente.
É cada vez mais preocupante a má qualidade das águas da bacia poluída pelo rio Salir com os efluentes transportados pelo rio Tornada e pela ribeira de Alfeizerão, devido, sobretudo, às suiniculturas que, acompanhado pelo assoreamento acumulado ao longo dos anos, tornam as duas praias, a de Salir e a de São Martinho do Porto, impróprias para a actividade balnear.
A poluição afecta, igualmente, não só o ar que se respira como os próprios lençóis de água, tornando perigosa a sua utilização para fins domésticos.
Apesar da importância vital destes problemas e das diligências efectuadas pelas autarquias envolvidas, eles continuam a subsistir e a agravar-se perante a completa indiferença das entidades responsáveis.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Existiram soluções e foram aprovados projectos, como, aliás, já foi aqui confirmado pelo Sr. Deputado do Partido Comunista, relativamente ao assoreamento e à despoluição da baía no tempo do governo do Partido Social Democrata.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os especialistas avançaram e estudaram o assunto concluindo da necessidade de desviar a foz do rio Salir depois da despoluição e do desassoreamento, prevendo o lançamento do seu caudal em mar aberto. Infelizmente, o Partido Socialista entendeu que todos estes projectos não passavam de uma situação de absurdo e, até hoje, nada fez para substituir aquilo que existia.
Quanto à poluição, o Ministério do Ambiente tem conhecimento das mais de 1500 explorações suinículas existentes nos concelhos de Alcobaça e Caldas da Rainha - a maior parte sem as mínimas condições - e sabe que os seus efluentes acabam por ser despejados na baía através do rio Salir. E o que é que tem sido feito para resolver esta situação? Por parte do Governo, nada! O que tem feito, ultimamente, é acarretado esta responsabilidade para as autarquias locais!

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Por fim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, temos vindo a assistir também à destruição progressiva da beleza da paisagem envolvente da baía com a descaracterização e a quebra do equilíbrio urbanístico através de construções selvagens e desordenadas, muitas delas atingindo património natural de grande valor paisagístico e até património histórico.
Por tudo isto, pelo estado de abandono a que têm sido votadas, por parte do Governo, as populações das três freguesias, os peticionantes exigem a resolução dos problemas que ameaçam a sua própria sobrevivência e põem em causa o futuro da baía de S. Martinho do Porto e de toda a região adjacente. O PSD comunga das mesmas exigências.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pedro Correia.

O Sr. João Pedro Correia (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A petição n.º 110/VII (3.ª), apresentada a esta Assembleia pelas Juntas de Freguesia de Alfeizerão, São Martinho do Porto, Salir do Porto e pela Associação de Defesa do Ambiente de São Martinho do Porto, alerta para os gravíssimos problemas ambientais da baía de São Martinho do Porto e da praia de Salir do Porto.
Os 7147 peticionantes estão preocupados com a degradação ambiental crescente, que se constata em três vertentes: o assoreamento, a poluição e a construção nas arribas e na marginal da baía.
Se o seu agravamento só se verificou enquanto consciência colectiva nos últimos 25 anos, é sabido que a questão do assoreamento leva-nos a tempos já longínquos e advém da própria natureza.
No respeitante à poluição, a baía de São Martinho é fortemente penalizada, considerando a poluição produzida pelas inúmeras suiniculturas instaladas na bacia hidrográfica do rio Tornada.
Dos problemas atinentes à construção, perante os instrumentos legais existentes, a competência para a correcta aplicação e fiscalização dos mesmos é da responsabilidade do município.
Perante a pertinência da petição, pelo que já foi dito, não podemos deixar de indicar uma dúvida igualmente pertinente, suscitada pela forma menos correcta, ao indicar-se uma solução que todos já sabemos não ser a adequada: o desvio do rio Salir, fazendo-o desaguar directamente no mar.
Se é para mim um privilégio estar aqui hoje a debater a baía de São Martinho do Porto, é privilégio maior constatar que um conjunto de medidas estão hoje a ser preconizadas, com resultados práticos a muito curto prazo.
Em relação à problemática das construções, competência dos municípios, existem hoje um conjunto de instrumentos legais de gestão territorial mais apertados, logo mais eficazes, como é o caso do Plano de Ordenamento da Orla Costeira, em fase final de elaboração, que considera uma «Área Urbana em Faixa de Risco», sujeita a factores erosivos, e um «Espaço Natural», que efectuam a reclassificação do PDM, aumentando a faixa de protecção.
Do assoreamento, é de constatar que, mais do que as obras de desassoreamento a iniciar neste primeiro trimestre, serão feitas de forma monitorizada avaliações das quotas de profundidade, significando, deste modo, que o acompanhamento será feito a todo o tempo.
Para o problema da poluição, a solução preconizada é idêntica à obra do emissário submarino da Lagoa de Óbidos, em fase final de construção, com o mesmo princípio de gestão, estando em projecto a construção de estações de tratamento junto das fontes poluidoras, estações de tratamento secundário na zona da foz do rio e descarga no mar, com os efluentes a serem transportados por um emissário submarino, sendo desejável que todos, nomeadamente os autarcas e os suinicultores, colaborem neste processo e assumam a sua quota de responsabilidade.
Congratulamo-nos, hoje, pelo facto de o Governo do PS ter apresentado soluções e estar a avançar com projectos realistas e exequíveis, dando voz à consciência colectiva que surgiu há 25 anos.
Felizmente, Sr. Presidente, longe vão os tempos dos processos contranatura e da colocação de tabuletas com aviso de obra sem existir obra alguma!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por reiterar os cumprimentos de um bom ano, já dados pelo meu colega de bancada.
Sr. Presidente, caros Colegas: Palavras para quê? Sugiro-vos que passem por Alfeizerão e provem o seu belíssimo pão-de-ló - que é muito bom e que, graças a Deus, ainda só depende das pessoas que o fabricam! - e, depois, sugiro-vos também que dêem uma voltinha pela baía de São Martinho do Porto. Nas palavras de um homem profundo conhecedor da região, não se encontra em toda a Península um recanto tão pitoresco, tão geograficamente perfeito e tão simetricamente delineado pela natureza. Mas isso era noutros tempos, não agora! Agora, ouvimos aqui, e não vou repetir, aquilo que todos sabemos pelo conjunto de informação que recolhemos a este propósito.
Só queria dizer-vos o seguinte: estas pessoas, as pessoas que ali moram, trabalham e vivem e cuja economia familiar muito depende da região, estão preocupadas com este assunto desde 1996 - que se saiba, Sr. Presidente! - , quando começaram a tomar iniciativas nesta matéria.
Hoje é dia 3 de Janeiro de 2001 e vem o nosso colega Deputado do Partido Socialista dizer-nos que não há problema algum. Diz-nos que está tudo previsto quanto a novos assoreamentos; que não há problema algum no que toca a questões de poluição, pois daqui a três meses estarão lá umas maquinetas que resolverão todo esse problema; que, no que se refere às questões do planeamento urbanístico, da qualidade de vida das pessoas - pois é das pessoas, dos nossos eleitores, que estamos a falar! -, também não há problema algum, pois está tudo resolvido!
Apetece-me dizer que esta petição está desactualizada, que as pessoas que apresentaram - estou certa de que

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com muito esforço - este pedido a todas as autoridades, incluindo a Assembleia da República, podem estar descansadas. Aliás, sugiro que se mande dizer que estejam descansadas porque este problema está resolvido! Mas, Sr. Presidente e caros Colegas, não está! Basta ir lá - o pretexto até pode ser o tal pão-de-ló de Alfeizerão - para ver!
Para terminar, quero dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, a bancada do CDS-PP considera (no que julgo sermos acompanhados por todos os restantes Deputados eleitos por Leiria, que são 10) que, por respeito para com estas populações, temos o dever de saber exactamente o que se passa, de acompanhar este problema e de pressionar os órgãos governamentais para que tomem uma decisão. Por amor de Deus, já lá vão cinco anos!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os subscritores desta petição estão preocupados com o desenvolvimento da região da baía de São Martinho do Porto, nomeadamente no que toca às grandes potencialidades turísticas que esta região apresenta.
São vários os factores que põem em causa este desenvolvimento: desde logo, a poluição da baía de São Martinho do Porto, decorrente, nomeadamente, das descargas de suiniculturas para este património natural; o assoreamento; e também, em termos de enquadramento geral, as grandes edificações construídas na área envolvente desta baía.
Estas preocupações decorrentes da progressiva degradação ambiental da baía de São Martinho do Porto manifestam-se há muitos anos, como já aqui foi referido, e várias foram as iniciativas parlamentares tomadas na Assembleia da República no sentido da pressão sobre o Governo para a resolução deste problema e do conhecimento real desta situação.
Por isso, vários Srs. Deputados dirigiram já vários requerimentos ao Governo, em sucessivas sessões legislativas e até legislaturas. A Comissão de Administração e Ordenamento do Território, Poder Local e Ambiente fez, em 1998, uma deslocação à baía de São Martinho do Porto e tomou também a iniciativa de ouvir as entidades que, na passada legislatura, dirigiram esta petição à Assembleia da República.
Dirigindo-me agora ao Sr. Deputado do Partido Socialista, devo dizer que, por parte do Governo, não têm faltado promessas de realização a curto prazo. O Sr. Deputado vai permitir-me desconfiar profundamente das grandes soluções que hoje aqui anunciou, pois o certo é que, desde grupos de trabalho a propostas eficazes de intervenção, nada tem faltado, em termos de promessas, mas, em termos de realização prática e concretização dessas promessas, nada há, até à data, infelizmente! Por isso, a situação agrava-se. As soluções técnicas continuam por encontrar e os adiamentos são sucessivos.
O que é que o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes» se propõe fazer face a esta situação? Para já, a elaboração de um novo requerimento no sentido de nos dirigirmos directamente ao Governo para que possamos ter informação sobre o estado concreto da situação e no sentido de fazer uma nova pressão sobre o Governo para a resolução desta situação. Ao nível da Assembleia da República, cremos que a Comissão de Administração e Ordenamento do Território, Poder Local e Ambiente não deveria alhear-se desta questão e deveria, enquanto comissão parlamentar, fazer pressão para a solução do problema da baía de São Martinho do Porto e para o desenvolvimento daquela região.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uso da palavra tão-só para dar conta à Câmara de que, na previsão deste debate e na impossibilidade da inicialmente prevista presença dos responsáveis pela área do ambiente, não deixei de pedir ao departamento que me fornecesse informação sobre esta matéria, que vou transmitir à Câmara e a qual peço que conste em anexo à acta desta reunião plenária.
Desta informação, consta, entre outras coisas - de resto, pude aperceber-me de uma troca cruzada de opiniões -, uma que não deve ser subestimada e que contraria a ideia que me parece fatalista ou exagerada de uma espécie de omissão ou de desprezo pela relevância das questões. Não há omissão nem desprezo. O elenco de iniciativas já vazadas pela boca do Sr. Deputado João Pedro Correia é incontestável, podendo ser medido, verificado.
Mas a nota a que aludo chama a atenção para um outro instrumento de trabalho. Não é uma vara mágica nem um instrumento miraculoso, mas o Plano Estratégico de Abastecimento de Água e de Saneamento de Águas Residuais (2000/2006) é um instrumento que gerou já a criação do sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do Oeste - trata-se do Decreto-Lei n.º 305-A/2000, de 24 de Novembro, que os Srs. Deputados conhecem - que abrange precisamente a área onde se situa esta tão importante baía de São Martinho do Porto.
Este Plano não se preocupa só com as chamadas «águas residuais urbanas» mas também com o saneamento das águas residuais das suiniculturas que, como aqui foi referido, são um factor que perturba a sanidade e o nível de poluição aceitável das bacias hidrográficas que drenam para a baía.
O que o Governo transmite, formalmente, à Câmara é que o sistema mutimunicipal e a entidade gestora criada vão, de imediato, dar continuidade aos estudos e obras em curso e iniciar novos estudos para o seu lançamento a toda a área abrangida. Não se despreze este passo, pois trata-se de um passo sem o qual nada é possível fazer seriamente.
No que se refere concretamente ao rio Tornada, que, como sabem, desagua na baía, os estudos para a despoluição estão, neste momento, já em desenvolvimento.
Eu convidaria a Câmara e, designadamente, a comissão competente, a submeter a exame, com os membros do Governo competentes, este Plano Estratégico de Abaste

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cimento de Água e de Saneamento de Águas Residuais e cada um dos sistemas multimunicipais que visam resolver um problema que vem muito de trás mas que, sem dúvida alguma, é preciso resolver e que, aliás, está em resolução e merece toda a atenção da Câmara.
Neste sentido, esta petição tem, entre outros, o mérito de chamar redobradamente a atenção para necessidades existentes. Mas permitam-me que, em defesa da minha «dama», sublinhe as acções que estão em curso e que conclua com uma ideia de determinação, de confiança e de apelo ao envolvimento parlamentar na apreciação das medidas em curso.

O Sr. Fernando Costa (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Peço-lhe que identifique a ofensa, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Costa (PSD): - Sr. Presidente, a intervenção do Sr. Deputado João Pedro Correia é ofensiva para a consciência de todos os Deputados que se prezam de representar a população daquela região e é também ofensiva para as autarquias. E porque foi aqui dado um quadro perfeitamente inusitado…

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, com toda a franqueza, não me pareceu que houvesse qualquer ofensa, mas, tratando-se de uma questão de honra, não quero de forma alguma recusar-lhe a palavra.
Tem, então, a palavra, Sr. Deputado Fernando Costa, mas peço-lhe que seja muito breve.

O Sr. Fernando Costa (PSD): - Sr. Presidente, muito rapidamente, quero solidarizar-me, como Deputado e como autarca de parte da baía de São Martinho do Porto, com as questões aqui trazidas. Depois, quero chamar a atenção da Câmara para o facto de este ser um problema antigo, onde tem havido muito desleixo, muita incompetência, do governo anterior e, por certo e ainda mais, deste Governo.
Não posso deixar de aqui denunciar este clima criado pelo Sr. Deputado João Pedro Correia no sentido de dar toda esta situação como resolvida. A população de São Martinho do Porto e de toda esta região luta por projectos há mais de 10 anos e o Sr. Deputado João Pedro Correia vem aqui dizer que está tudo resolvido!
Mas mais grave é o facto de dar a impressão de que as autarquias é que são responsáveis por tudo! De facto, o Governo, muito mal, a meu modo de ver, lavou as mãos deste processo, criou uma empresa chamada «Águas do Oeste, S. A.», onde os municípios é que têm de entrar com o capital, onde os municípios, apesar de alguma ajuda de fundos comunitários, são o grande contribuinte financeiro para a obra.
Mais grave ainda é o facto de que este empreendimento vai obrigar a população a pagar mais de 75$ pelo tratamento de cada metro cúbico de água quando, noutras circunstâncias, e se o Governo estivesse solidário, o assunto já teria sido resolvido.
Finalmente, o problema do assoreamento não passa pela empresa Águas do Oeste nem por estes projectos…

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, desculpe que lhe diga que isso nada tem a ver com defesa da honra!
Em todo o caso, dado que invocou esta figura, tenho de dar a palavra ao Sr. Deputado João Pedro Correia, para dar explicações, para o que disporá de 1 minuto e 30 segundos.

O Sr. Fernando Costa (PSD): - Sr. Presidente, termino, dizendo que, mais do que a minha honra, estou aqui para defender o saneamento da baía de São Martinho do Porto, e era isso que não podia deixar de fazer hoje, aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, fê-lo por um processo impróprio e, nessas condições, tenho de chamar a sua atenção e censurá-lo!
Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado João Pedro Correia.

O Sr. João Pedro Correia (PS): - Sr. Presidente, antes de mais, quero dizer que esta minha intervenção seria escusada, pois creio que não se trata de uma questão de honra. E vou tentar não ofender a honra do Sr. Deputado, porque, se hoje há câmara que não tem PDM devidamente ratificado, é a Câmara Municipal das Caldas da Rainha!

O Sr. Fernando Costa (PSD): - Por causa do PS!

O Orador: - Quem admite construções em zonas de arribas e quem admite situações sem regras de construção é a Câmara Municipal das Caldas da Rainha!
Como tal, sobre essa matéria estamos falados! Não vejamos a floresta de municípios pelo todo, mas há partes, alguns municípios, que não podemos deixar de trazer ao debate.
Por outro lado, ainda em relação às águas do Oeste, deixe-me dizer, Sr. Presidente, que o problema existe, pelo menos há 25 anos. As suiniculturas foram crescendo, um conjunto de autarquias foi admitindo a construção de suiniculturas em sítios impróprios, com a impossibilidade de serem construídos outros equipamentos sociais necessários, como é o caso de Caldas da Rainha, e como não houve até hoje outra solução a empresa Águas do Oeste é, efectivamente, uma solução. O saneamento vai ser feito, o que não era solução era não nos preocuparmos com a poluição na sua origem e desviarmos o rio para desaguar no mar, indo a poluição, de uma forma directa, para o mar. Isso é que não é solução!
É óbvio que as parcerias dos municípios têm de ser efectuadas, é óbvio que todos temos de colaborar nestes processos, inclusive os suinicultores.
Há quem tenha estações de tratamento de águas residuais que não funcionam, mas o juízo fica com quem as tem, se elas não funcionam mesmo.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Estamos, então, em condições de passar à petição n.º 138/VIII - Apresentada pela CDU-Madeira, solicitando que a Assembleia da

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República adopte as medidas legislativas adequadas e que sejam disponibilizados os meios financeiros para que os residentes na Região Autónoma da Madeira tenham acesso gratuito aos canais nacionais de televisão (RTP2, SIC e TVI).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Ainda bem que se encontra presente o Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social, porque é ele o verdadeiro destinatário do objecto desta petição. Até é pena que o Sr. Secretário de Estado não fale já, porque poupávamo-nos à forma de desenvolvimento deste mecanismo da discussão das petições que consiste no facto de todos os Srs. Deputados falarem e depois, no fim, haver um membro do Governo que dita a sentença. Provavelmente, se o Sr. Secretário de Estado falasse antes de alguns Deputados, depois até poderíamos ter a possibilidade de exercer alguma contradita relativamente à sentença que o Sr. Secretário de Estado irá ler.
A questão é a seguinte: a Assembleia da República correspondeu à iniciativa tomada pela CDU-Madeira, mediante uma petição, que, em boa hora, foi apresentada por um número muito significativo de cidadãos da Madeira, mais de 10 000, reivindicando condições de igualdade dos cidadãos da Madeira quando à recepção dos canais nacionais de televisão. Como se sabe, na Madeira recebe-se a RTP-Madeira, como não podia deixar de ser, recebe-se a RTP1, segundo creio, e não se recebe, a não ser pela televisão por cabo, os outros canais nacionais de televisão, estando a televisão por cabo muito longe de abranger a generalidade dos cidadãos da região autónoma.
Portanto, os cidadãos da Madeira reivindicam, desde há vários anos, que sejam criadas condições para que eles possam ter acesso a outros canais nacionais e, aquando da discussão da lei da televisão, essa questão foi atendida pela Assembleia da República, tendo sido aprovada uma disposição. Aliás, já na sequência de uma lei própria que existia desde 1996, relativa à emissão televisiva nas regiões autónomas, foi consagrado, por esta Assembleia, o princípio da igualdade de acesso dos cidadãos das regiões autónomas aos canais de televisão de âmbito nacional. Naturalmente, há procedimentos técnicos que têm de ser adoptados e, inclusive, na medida em que também estão em causa operadores privados, há condições negociais que têm de ser evidentemente acordadas, mas não tivemos mais notícia de que como é que o Governo conduziu este processo, ou se o conduziu de alguma maneira.
Portanto, consideramos plenamente justificada esta petição, saudamo-la, e dizemos que a Assembleia correspondeu, na medida das suas competências, legislando sobre esta matéria e consagrando um princípio legal, que nos parece ser justo e adequado. Mas o Governo está em falta, na medida que, até à data, não deu passos significativos no sentido da concretização deste objectivo que foi estabelecido por lei.
Portanto, seria bom aproveitarmos a presença do Sr. Secretário de Estado para obter um esclarecimento cabal do Governo sobre esta matéria.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Torres.

O Sr. Mota Torres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Tem sido longo e penoso o percurso que visa conduzir o sinal de televisão de todos os canais nacionais e torná-lo acessível às populações da Madeira e do Porto Santo. Consideramos, de há muitos anos a esta parte, que esta é uma reivindicação mais que legítima e que, como tal, devia ser por nós estimulada e potenciada em cada momento do nosso percurso político. Daí que, mesmo na Região Autónoma da Madeira, tenhamos sido nós, socialistas, os primeiros a levantar o problema da necessidade de, satisfazendo o princípio da continuidade territorial, levar à Região Autónoma da Madeira os canais nacionais de televisão.
Apesar da nossa insistência ainda no tempo dos governos do PSD, foi já com o primeiro Governo do Partido Socialista que o Canal 1 chegou à Região Autónoma da Madeira, cobrindo, hoje, praticamente a totalidade do território e tendo um acesso gratuito por parte de todos os madeirenses e porto-santenses. E não desistimos do propósito, que inscrevemos no Programa do Governo, de ao longo desta Legislatura dar à Região Autónoma da Madeira, como à dos Açores, os mecanismos indispensáveis para que todos os cidadãos tenham condições de acesso aos canais de televisão nacional iguais às dos cidadãos do continente. É uma obrigação legal mas é também uma obrigação moral.
Daí que uma questão que se nos afigurou, desde início, de alguma complexidade não era o encarar o serviço público e a RTP como passíveis de uma apreciação específica por parte do Governo para o sinal fosse emitido nas duas regiões autónomas, era, sim, o modo de relacionamento do Estado com os canais privados de televisão no sentido de criar condições económicas apetecíveis aos privados para que esses canais nacionais chegassem também às regiões autónomas.
De modo que, estando todo este processo em curso por parte do Governo, por parte dos representantes da Região Autónoma da Madeira nesta Assembleia e da própria Assembleia Legislativa Regional da Madeira de forma que pensamos ser atenta, parece-nos que esta iniciativa junto da população, legítima e moralmente aceitável, por parte da CDU na Região Autónoma da Madeira, é um pouco, como dizia um amigo meu, como tentar arrombar uma porta aberta.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, está a esgotado o seu tempo, pelo que peço que conclua.

O Orador: - Vou já concluir, Sr. Presidente.
A porta está aberta e tenho a certeza que, correspondendo ao apelo feito pelo Sr. Deputado António Filipe, o Sr. Secretário de Estado, até ao final deste debate, dará à Câmara as informações que as populações da Madeira e do Porto Santo esperam, como todos nós, de um modo geral.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Velosa.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Como disse o Sr. Deputado Mota Torres, esta questão já leva muitos anos. Houve várias iniciativas, não só de elementos ligados ao Partido Socialista mas também de outros partidos, e recordo-me que, em Dezembro de 1995, eu próprio tive uma intervenção, em representação do PSD, como Deputado eleito pela Madeira, sobre esta matéria, quanto a um conjunto de diplomas de que viria a ser publicada a Lei n.º 31/96, de 14 de Agosto de 1996, que regulamentava a televisão e rádio nas regiões autónomas.
O PSD também tem defendido sempre esta justa, lógica, constitucional e legal pretensão das populações da Madeira, do Porto Santo e dos Açores e, portanto, saúda esta iniciativa as CDU-Madeira, apesar de haver divergências conhecidas, porque os anos vão passando e esta questão não se resolve.
Em representação do PSD, e neste caso do PSD-Madeira, também fico satisfeito por ver aqui o Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social, para ver se - não sei se com algum milagre ou sem milagre - nos diz se esta justa pretensão vai ser finalmente concretizada, porque desde há longos anos que ela não tem passado do papel. Até diria que esta petição da CDU-Madeira deveria também ter sido dirigida ao Governo, porque a Assembleia da República, desde a primeira hora, tem aceite esta pretensão, como disse, legítima e inquestionável.
Portanto, a Assembleia da República tem aprovado, normalmente até por unanimidade, que é preciso, dentro do princípio da coesão nacional, da continuidade territorial e do não tratamento desigual dos cidadãos em todo o País, que todos tenham acesso às televisões do mesmo modo, em termos gratuitos e não pela TV Cabo, ou pagando, e, portanto, em termos de desigualdade de tratamento.
Naturalmente, haverá questões técnicas, todos nós o sabemos. Há canais que são privados, há problemas que se levantam, mas as leis estão aprovadas e, portanto, neste momento, passados todos estes anos, nós esperamos que o Governo dê uma explicação, até porque no decurso da petição, tanto quanto sei, em Março de 2000, foi perguntado ao Governo por que é que isto se mantém, por que é que as populações das regiões autónomas não têm acesso a esses canais nas mesmas condições das do continente.
Portanto, para terminar, gostaria de dizer que o PSD, mas uma vez, acolhe esta pretensão e aguarda que o Governo dê uma explicação a esta matéria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Também, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Foi já há muito tempo que o CDS-PP da Madeira denunciou e pediu a resolução desta discriminação injustificável de que são alvo os portugueses da Madeira - e já agora, cumpre-nos também lembrar os portugueses dos Açores.
O acesso à cultura e à informação é um direito constitucionalmente protegido e, por isso mesmo, não faz sentido algum que os portugueses insulares paguem caro aquilo que para os portugueses do continente é gratuito.
As populações da Madeira e dos Açores estão limitadas ao serviço público da RTP1 e às emissões dos respectivos centros regionais. Para terem acesso a outros canais, nomeadamente aos canais generalistas a que os portugueses do continente têm acesso de forma gratuita, recebendo em sinal aberto, têm de subscrever a TV Cabo, pagando uma taxa que é superior à praticada no continente.
Como é óbvio, cabe ao Estado fazer cumprir este direito constitucional à informação e à cultura, uma vez que ele é tecnicamente possível e é financeiramente sustentável fazer chegar estes canais em sinal aberto aos portugueses insulares.
Nesse sentido, o CDS-PP apresentou, nesta legislatura, o projecto de resolução n.º 30/VIII, visando exactamente recomendar ao Governo que efectivasse a resolução deste problema, o qual, por outro lado, tinha um outro ponto, que é muito importante lembrarmos, neste momento, à Câmara, que era exactamente o de o Estado, como detentor da RTP e como accionista da Portugal Telecom, que é uma das proprietárias da empresa TV Cabo, poder introduzir na rede da emissão da TV Cabo no continente as próprias emissões dos centros regionais da RTP-Madeira e da RTP-Açores, permitindo, assim, aos portugueses insulares que se encontram no continente terem uma ligação mais estreita com as notícias e com a informação do que se passa nas suas ilhas. Esse diploma, que nos parece ser uma medida eficaz e efectiva para tentar resolver o problema, aguarda agendamento.
Cumpre-me também lembrar um aspecto e denunciar, mais uma vez, uma situação que, confesso, não me agrada.
Antes de mais, gostaria, como é óbvio, de felicitar o Sr. Secretário de Estado por estar presente nesta discussão, mas, da mesma forma franca e aberta com que o felicito por participar desta discussão, não posso deixar de fazer uma veemente crítica ao Governo, a quem, em tempo útil, foi solicitada informação sobre este problema pela 1.ª Comissão e o mesmo Governo, de que V. Ex.ª faz parte, nada respondeu.
O Deputado António Filipe falava há pouco da sentença que todos esperamos ouvir da sua boca. Infelizmente é assim, mas não devia ser, porque o Governo, em tempo útil, devia ter feito chegar a esta Câmara e, em particular, à 1.ª Comissão, informação detalhada sobre a pergunta que foi feita, o que, infelizmente, não aconteceu.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, aquilo que a CDU-Madeira pretende, através da petição n.º 138/VII (4.ª), é solicitar à Assembleia da República que tome medidas para a concretização de uma

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pretensão de longa data dos cidadãos da Madeira, que se resume ao facto de poderem ter acesso em igualdade de circunstâncias aos restantes canais de televisão, nomeadamente à RTP2, à SIC e à TVI.
Creio que depois da medida legislativa que a Assembleia da República adoptou, aprovando o princípio de que os canais de televisão de âmbito nacional abrangerão obrigatoriamente as regiões autónomas, aquilo que, neste momento, compete à Assembleia da República é pressionar o Governo para a resolução desta questão em concreto e questionar o Governo sobre esta matéria. Isto porque, de facto, parece unânime, pelo menos, o princípio de que não faz qualquer sentido que os cidadãos da Madeira sejam discriminados em termos de acesso a outros canais televisivos. O direito está, portanto, conferido por lei e aquilo que aproveito para fazer, estando presente o Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social, é perguntar que diligências tem o Governo feito no sentido de concretizar o desejo legítimo destes cidadãos da Madeira.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social.

O Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social (Arons de Carvalho): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, creio que não está aqui em causa qualquer divergência sobre o fundo da questão. Todos estamos de acordo - inclusivamente o PSD, que, enquanto foi governo, não mexeu um dedo para concretizar esta medida -…

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Estávamos ocupados a fazer outras coisas!

O Orador: - … em afirmar que o sinal dos diferentes operadores deve chegar às regiões autónomas. Resta debater a forma mais adequada para fazer chegar esse sinal. Queria referir, em primeiro lugar, que este tema já foi objecto de esclarecimentos, quer nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira, quer na própria Assembleia da República, visto que já debati este tema na 1.ª Comissão.
Indo à questão concreta, há quatro soluções técnicas teoricamente possíveis para fazer a cobertura das regiões autónomas. A primeira passa por utilizar a difusão terrestre analógica; a segunda é a difusão por satélite digital; a terceira é a difusão através de microcoberturas complementares da rede de televisão por cabo e a quarta é a difusão terrestre digital. Os critérios de apuramento da melhor solução são, a meu ver, os seguintes: vantagens e inconvenientes para o utilizador final, viabilidade técnica, custos de investimento e exploração, prazo de implementação e outras questões de natureza legal e operacional.
Analisemos, então, uma a uma, as quatro possibilidades teoricamente possíveis para verificar qual é a mais aconselhável. A primeira que citei é a difusão terrestre analógica, que, a ser implementada, teria um encargo anual de 3 milhões de contos. No entanto, trata-se de uma tecnologia que está obsoleta e que a breve trecho deixará de ser utilizada em todo o mundo. Em segundo lugar, esta é uma solução tecnicamente complexa, que envolveria negociações a nível internacional para a disponibilização das frequências necessárias. Em terceiro lugar, não permitiria acesso aos serviços associados à televisão digital e, em quarto lugar, desde o momento em que fosse decidida a sua implementação, a sua concretização envolveria um prazo de dois anos e meio a três anos para surtir efeito. Creio, portanto, que esta solução da difusão terrestre analógica deve ser abandonada.
Depois, põe-se a possibilidade da difusão por satélite digital, que teria óbvios impactos negativos, como seriam, desde logo, os impactos decorrentes da obrigatoriedade de instalar uma antena parabólica em todas as habitações nas regiões autónomas. Esta solução teria, portanto, custos ambientais e impactos visuais necessariamente negativos. Para além disto, seria necessário um investimento de 10 milhões de contos em parabólicas e em conversores, as chamadas set-up boxes.
A terceira solução passa pelas microcoberturas complementares da rede de televisão por cabo, o que apresenta óbvias dificuldades técnicas de implantação. Como tal, a solução que está a ser implementada é, neste caso, a quarta, ou seja, a difusão terrestre digital. Estamos perante uma tecnologia de futuro, temos acesso às vantagens da tecnologia digital e o prazo de implantação é curto, o que quer dizer que no final do próximo ano estará, certamente, implantada.
Para terminar, posso dizer aos Srs. Deputados que o Governo, quando, a muito curto prazo, anunciar o concurso público para o operador de rede de televisão digital, anunciará também como condição para os operadores dessa rede a cobertura prioritária das regiões autónomas, de forma a que, como disse, ainda no próximo ano as regiões autónomas dos Açores e da Madeira tenham acesso aos quatro canais actualmente com cobertura nacional no nosso país, bem como ao conjunto de serviços disponibilizados através da tecnologia digital.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, estamos em condições de passar à apreciação da petição n.º 172/VII (4.ª) - Apresentada pelo Sr. António Martins Moreira e outros, solicitando a intervenção da Assembleia da República no sentido de se baixar o preço da água distribuída ao domicílio de Torres Vedras.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O tema que nos é trazido por estes quase 5000 cidadãos de Torres Vedras retrata, infelizmente, mais uma situação concreta de iniquidade no tratamento dos cidadãos nacionais relativamente a água para consumo público. São, na verdade, chocantes as disparidades e desproporções que ainda hoje se verificam entre os tarifários aplicáveis, sobretudo se tivermos em conta - como ocorre no caso presente - não só a proximidade geográfica entre Lisboa e Torres Vedras e Cascais como, para mais, a origem comum do fornecedor deste recurso.
No quadro de uma adequada política de rigor, a gestão deste recurso deveria ser conduzida de modo a fazer reflectir nos respectivos tarifários os verdadeiros custos da sua disponibilização e gestão, mas aquilo a que continuamos a assistir, infelizmente, hoje em dia, no nosso país, é

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a um Governo que privilegia, com a sua actuação, uma lógica monopolista e concentracionária ao nível dos segmentos da captação e do serviço de distribuição, sem cuidar, ao fim e ao cabo, do mais importante, ou seja, de uma verdadeira gestão sustentável do recurso água.
Em termos gerais, o recente Plano Estratégico de Abastecimento de Agua e de Saneamento de Águas Residuais (PEAASAR), aprovado pelo Governo, apenas se aplica às águas urbanas, deixando de fora nada mais nada menos do que cerca de 90% do universo do abastecimento e do potencial de saneamento nacional, já que quer as águas agrícolas quer as industriais se encontram excluídas deste universo. É uma gestão imediatista e irresponsável, mas, infelizmente, outro não pode ser o resultado face à bizarra situação de traçar mal o quadro da gestão da água de consumo urbano, sem que esteja concluído o Plano Nacional da Água ou, sequer, os Planos de Bacia Hidrográfica.
Por outro lado, todas as orientações actualmente adoptadas a nível internacional e, sobretudo, comunitário vão no sentido de privilegiar as captações de águas subterrâneas para consumo humano, pois são estas que, na verdade, não só melhor salvaguardam interesses ambientais como a saúde dos consumidores, constituindo ainda um modo de gestão mais sustentável do recurso. Contudo, no nosso país está a passar-se exactamente o inverso: as águas subterrâneas, estando sujeitas ao regime do direito privado, são captadas pelas indústrias a custo «zero». Em contrapartida, promove-se, para o abastecimento público, a construção de albufeiras em série, com os riscos conhecidos.
Regressando, agora, à questão central dos tarifários, é evidente que, face às opções políticas descritas, os cidadãos nacionais acabam por ser duplamente penalizados: primeiro, enquanto contribuintes fiscais, para financiar as obras, e depois, na qualidade de consumidores, neste caso, da água. É no quadro deste plano que a Câmara Municipal de Torres Vedras (co-responsável pela actual situação), deixando de fora Sobral de Monte Agraço e Arruda dos Vinhos - será por não serem socialistas?! -, anuncia a baixa do preço em consequência da futura criação do sistema multimunicipal, que, à semelhança dos outros, é controlado pelo IPE - Águas de Portugal, o que suscita a maior das perplexidades por não haver notícia de baixa de preços em nenhum dos novos sistemas já criados.
De facto, em termos comparativos, sempre se poderá olhar para o lado, onde, no município das Caldas da Rainha, o primeiro escalão é pago a 65$, quando, em Torres Vedras, o mesmo escalão é pago a 100$.
De todo o exposto se conclui que casos como o que é ora denunciado pela petição em apreço derivam, apenas e tão-só, da ausência de uma verdadeira estratégia de gestão da água no nosso país. O Governo continua, pois, tranquila e impavidamente, a «assobiar para o ar» e, ao que tudo indica, a «engordar» as empresas deste sector para - quem sabe? - um destes dias, as vender todas no mercado, a quem «mais por elas oferecer»...

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Benavente.

O Sr. João Benavente (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de iniciar a minha intervenção, quero dizer que foi com muito agrado que ouvi a intervenção do Sr. Deputado Rui Gomes da Silva. O PSD tem única e exclusiva responsabilidade neste contrato leonino que foi feito com as câmaras de Mafra, Arruda dos Vinhos, Sobral de Monte Agraço e Torres Vedras e foi o Governo do Partido Socialista que resolveu o problema.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Ora ainda bem! Até que enfim!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Sobe a Plenário, por força do estabelecido na alínea a), do n.º 1, do artigo 20.º da lei que estabelece o Regime do Exercício do Direito de Petição, a Petição n.º 172/VII (4.ª), subscrita por 4347 cidadãos, na qual é pedida a intervenção da Assembleia da República no sentido de baixar o preço da água distribuída ao domicílio no concelho de Torres Vedras.
Fundamentam os cidadãos subscritores o seu pedido no facto de o concelho de Torres Vedras ter a água mais cara de todo o País, chegando a ser cinco vezes e meia mais cara do que a água paga, por exemplo, no concelho de Lisboa, diferença essa que se faz sentir mais intensamente no escalão de consumo mais baixo, isto é, o de consumos até 5m3.
Esta situação apresentava-se gravosa para os consumidores e também para o município de Torres Vedras. Tanto assim que o município celebrou já um protocolo com o IPE - Águas de Portugal, S.A. através do qual é possível encontrar um modelo institucional que permite a distribuição de água ao domicílio a preços mais baixos e um novo modelo para o tratamento das águas residuais do conjunto de municípios que agora se associam no Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e Saneamento de Águas Residuais do Oeste, o que deu já os seus resultados.
Em 4 de Maio, o município de Torres Vedras, através do Edital n.º 64/00, veio publicar os novos preços da água, com efeitos a partir de Junho de 2000, constatando-se que o preço, que era 129$ por m3 para o 1.º escalão, passa a ser 100$ e que o preço para as instituições sem fins lucrativos, que era 136$, passa a ser de 130$, em escalão único.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, sublinhe-se a iniciativa dos cidadãos do município de Torres Vedras, não sem antes referir que a competência para a fixação das tarifas do preço da água é dos municípios, de acordo com o articulado da Lei das Finanças Locais, nada podendo fazer a Assembleia da República nesta matéria, a não ser tomar conhecimento e debater a questão de acordo com o estabelecido no regime jurídico do exercício do direito de petição.
Contudo, é também de sublinhar a intervenção do município, que procurou, através de uma solução de cariz empresarial, encontrar uma fórmula que proporciona um melhor serviço às populações, porque mais barato, que proporciona melhores condições de competitividade económica à autarquia, tendo em vista a fixação de investimentos na área da sua circunscrição.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Face ao exposto, o Grupo Parlamentar do Partido

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Socialista não vê necessidade de, sobre a presente petição, ser desenvolvida qualquer iniciativa, conforme previsto na lei do exercício do direito de petição, até porque a situação se encontra resolvida pela Câmara Municipal de Torres Vedras.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é uma questão que tem a ver, sobretudo, com uma matéria no âmbito autárquico. Não está, pois, em causa o direito dos peticionantes em fazerem chegar uma petição desta natureza à Assembleia da República, é seu legítimo direito fazê-lo, seguramente porque entendem que têm razões para tal. Contudo, a Assembleia da República tem uma limitação evidente, que tem a ver com o seu âmbito de competências, na medida em que as autarquias não respondem politicamente perante a Assembleia, mas perante as respectivas assembleias municipais.
De qualquer forma, trata-se de uma questão que tem relevância. Compreendemos a incomodidade e a incompreensão dos cidadãos de Torres Vedras pelo dispêndio que têm de fazer com os custos da água, como lhes é exigido.
Registamos, da instrução que é feita nesta petição, o facto de haver um compromisso que tinha sido assumido pela Câmara Municipal de Torres Vedras no sentido de baixar os custos da água. Devo, aliás, dizer que tivemos a informação que, de facto, isso se verificou e que a Câmara Municipal de Torres Vedras está a fazer um esforço para que os respectivos cidadãos sejam prejudicados o menos possível pelos custos da água que têm de suportar.
Naturalmente, consideramos que esse custo é, ainda assim, bastante elevado, mesmo em termos comparativos. Sabemos também que há razões que conduziram a que a situação fosse esta, mas não podemos deixar de registar, manifestando a nossa compreensão relativamente à pretensão dos cidadãos signatários desta petição, o esforço que tem vindo a ser feito por parte da autarquia no sentido de reduzir esses custos o mais possível, bem como o compromisso que tem assumido de tudo fazer para que esses custos não sejam agravados no futuro e que a tendência seja, pelo contrário, para que sejam, tanto quanto possível, diminuídos.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Rebelo.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, S.as e Srs. Deputados: Antes de mais, como já foi manifestado por vários colegas meus, quero desejar um óptimo novo ano a todos e que o ano 2001 traga tudo de bom a V. Ex.ª, aos Srs. Deputados e ao Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
Em primeiro lugar, gostaria de salientar a importância e a justiça da pretensão trazida pelos peticionantes. Aliás, o caso de Torres Vedras não é único, uma vez que já foram referidos outros concelhos onde o preço da água é manifestamente superior, atingindo níveis vergonhosos, tendo em conta o nível de impostos que as pessoas têm de pagar e as despesas que vão suportando. Isto porque, como já referi, à semelhança do que acontece noutras localidades, o preço da água pago pelos consumidores é exorbitante, nomeadamente quanto à qualidade da prestação do serviço público em causa. Para não ir mais longe, dou o exemplo de Cascais, que também já foi referido pelo Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, onde o preço da água é 10, 15 ou 20 vezes superior a alguns locais, o que de facto é uma vergonha.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Um escândalo!

O Orador: - Assim sendo, esta petição, que foi apresentada (e o número é importante) por 4347 cidadãos que residem no concelho de Torres Vedras, tem a virtualidade de chamar a atenção desta Casa para uma realidade incontornável, que urge resolver de modo uniforme em todo o território nacional. De facto, não se entende esta disparidade de preços no País, porque os direitos devem ser iguais para todos, não devendo ser praticados nuns casos preços aceitáveis e noutros casos preços elevados.
Em segundo lugar, a justiça da pretensão em causa traduz uma preocupação sincera e séria dos peticionantes, que resulta, para além do exposto, do facto não despiciente de a mesma ser subscrita por quase 5000 cidadãos, o que traduz também a capacidade do executivo da Câmara Municipal de Torres Vedras para vir a ter este problema solucionado.
Contudo - e porque mais vale tarde do que nunca -, a situação que esteve na base da petição ora em apreço já foi parcialmente alterada. Com efeito, através da criação do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e Saneamento de Águas Residuais do Oeste, em que participam 14 municípios, bem como através do IPE - Águas de Portugal e na sequência de um protocolo celebrado com esta empresa no dia 4 de Maio de 2000, que entrou em vigor no dia 1 de Junho de 2000, foi possível reduzir o preço da água distribuída nos domicílios no concelho de Torres Vedras. Assim, o 1.º escalão, como já foi referido pelo Sr. Deputado do Partido Socialista, passou de 129$ para 100$ e no mesmo escalão da área industrial e comércio passou-se de 284$ para 274$, sendo certo que para o ano 2001 não foram aumentados esses preços. Deste modo, esta redução dos preços vem reparar parcialmente uma injustiça e dar satisfação a uma justa reivindicação dos munícipes do concelho de Torres Vedras.
Em suma, quanto ao preço da água em Torres Vedras, é o que se me oferece dizer, mas quero lançar o alerta para um problema muito mais importante que é o não haver preços uniformizados em todo o País, em relação a esta matéria.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uso da palavra tão-só para comunicar à Câmara que a informação pedida ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território

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sobre esta matéria corrobora inteiramente os dados que já foram vazados para debate, pelo que não vou sequer entregar o documento.
Contudo, se me permitem, farei uma observação em relação a esta matéria.
Fazemos este debate num contexto muitíssimo diferente daquele que marcou a apresentação da petição. Esta petição correu os seus trâmites na Assembleia da República em condições que, julgo, são de sublinhar, e desembocou num relatório, o qual foi submetido ao Governo e está hoje a ser debatido. Ora, julgo que o facto de fazermos este debate num contexto de redução de preços, no quadro de uma negociação que foi feita nos termos que já ficaram muitíssimo bem descritos, é em si mesmo um facto positivo.
Foi também colocada a questão de saber o que é que a Assembleia da República pode fazer num domínio como este. Evidentemente, foi dito - e bem dito - que se trata de uma medida que não é da competência parlamentar, aliás, nem sequer é da competência do Governo. Contudo, julgo que ficou deste debate (nos termos em que pude acompanhá-lo e avaliá-lo) uma interrogação e uma derrogação que é muito interessante e que convida ao trabalho ulterior, que é um trabalho da competência do Parlamento e para o qual haverá toda a colaboração institucional do Governo.
O mapa dos preços da água é alguma coisa cuja feitura existe em departamentos vários mas cuja conglobação parlamentar, que eu saiba, não está feita. Mas a análise desse mapa, na sua diversidade, revelará também uma colecção infindável de histórias, de soluções organizativas, de memórias e de razões que explicam as disparidades, que não resultam, seguramente, de qualquer teoria conspirativa nem de qualquer mão invisível, ou visível, geradora dessas disfunções. É uma história muito sedimentada que gera esse efeito.
Julgo que se o Parlamento contribuir para o rastreio dessa gama de soluções e para a sua avaliação, como este Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e Saneamento de Águas Residuais do Oeste, plasmado no Decreto-Lei n.º 305-A/2000, e outros, poderá ajudar seriamente a corrigir desigualdades não justificadas, porque, certamente, há outras explicadas pelas diferenças, e poderá também, ela própria, contribuir para que este tipo de petições se torne ele mesmo desnecessário. Suponho eu, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que é esse o nosso desejo mais profundo, qualquer que seja o sítio do Hemiciclo onde possamos estar.
Portanto, julgo que este é um debate numa boa conjuntura, mas convida a um trabalho para o qual o Governo também está no terreno e aqui inteiramente disponível.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, vamos iniciar o debate da petição n.º 173/VII (4.ª) - Apresentada pela Federação Nacional dos Professores/FENPROF, solicitando à Assembleia da República que tome as medidas necessárias que conduzam à elaboração de leis que permitam aos professores e educadores desempregados o acesso ao subsídio de desemprego e a assistência social.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Oliveira.

O Sr. Manuel Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos a petição n.º 173/VII (4.ª), apresentada pela Federação Nacional dos Professores e entrada na Assembleia a 25 de Maio de 1999.
Esta petição é subscrita por 35 000 cidadãos e faz um apelo para que a Assembleia da República debata a grave situação de injustiça que atinge os educadores de infância e professores contratados que não beneficiam de qualquer apoio social específico quando na situação de desempregados. Mais: apela à adopção de medidas adequadas no sentido da sua urgente resolução.
Sobre esta matéria, o PSD entende que se trata do reconhecimento de um direito que importa e deve ser respeitado. Porém, devemos reflectir na génese do problema que está na base desta iniciativa dos cidadãos.
Não se tratará de uma situação conjuntural mas, sim, de um fenómeno que o sistema educativo português tem de considerar com redobrada atenção. Temos de reconhecer que o problema existe e, a não serem adoptadas reformas de fundo para o estancar, tender-se-á a agravar.
Dir-se-á que foi aprovado e está a ser aplicado o Decreto-Lei n.º 67/2000. Este diploma não é, contudo, remédio para todos os males. Importará fazer um levantamento e encontrar as soluções para as causas que conduzem aos níveis de desemprego entre os diplomados por estabelecimentos de ensino superior, com especial enfoque para aqueles que optaram pela profissão docente.
É conhecido de todos a negativa evolução demográfica da população portuguesa, conduzindo a que menos alunos entrem no sistema educativo.
A taxa de abandono escolar, o insucesso escolar e a autorização de funcionamento de novos cursos de formação de professores são factores que, seguramente, contribuem para o desemprego docente.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Torna-se necessário repensar a política educativa, torna-se necessária uma reforma verdadeira e profunda do sistema educativo. Se tal não acontecer, vão continuar a verificar-se enormes desperdícios de capital humano, mantendo milhares de professores no desemprego; continuaremos a gerar falsas expectativas nos jovens, proporcionando-lhes oportunidades de formação para a docência mas, simultaneamente, recusando-lhes a legítima oportunidade de exercerem a profissão que escolheram; continuaremos a assistir ao erguer da «árvore da precaridade», como aconteceu no Natal passado, e continuaremos a assistir a que professores com vários anos de serviço tenham sempre presentes os fantasmas da instabilidade familiar e do desemprego.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, achamos que será necessário adoptar medidas que conduzam à verdadeira reforma educativa para que estes casos não aconteçam.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputado Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A petição n.º 173/VII (4.ª), da iniciativa da Federação Nacional dos Professores, «apela ao Plenário da Assembleia da República para que discuta a grave situa

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ção de injustiça que atinge os educadores e professores contratados, os quais não beneficiam de qualquer apoio específico quando se encontram desempregados, e tome as medidas adequadas à sua urgente resolução».
O Partido Comunista Português, em Janeiro de 2000, apresentou um projecto de lei que garantiria, se aprovado, aos educadores de infância e aos professores do ensino básico e secundário e também aos professores do ensino superior universitário e politécnico, a atribuição do direito a assistência médica e social e a subsídio de desemprego. Apesar de aprovado na generalidade, o Partido Socialista inviabilizou esta iniciativa quando da discussão na especialidade.
Entretanto, em Abril, e depois de inúmeras manifestações de professores e educadores, o Governo do Partido Socialista aprovou um novo regime jurídico de protecção no desemprego dos educadores contratados dos estabelecimentos de educação e ensino públicos, que não corresponde aos compromissos assumidos.
O diploma ignora as especificidades da função docente, exclui os docentes do ensino superior universitário politécnico e define prazos de garantia que limitam muito o direito que se pretende consagrar.
Por tudo isto, o PCP solicitou a apreciação parlamentar deste decreto-lei governamental, com o objectivo de minimizar as insuficiências já referidas.
Incompreensivelmente, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista reconheceu o reduzido número de educadores e professores abrangidos pelo diploma governamental, mas votou contra todas as propostas de alteração que apresentámos em Comissão.
Estas são as razões que continuam a justificar a petição hoje em discussão: este ano lectivo são muitos os docentes que não tiveram um horário, que estão no desemprego e que não têm acesso ao subsídio do Governo, exclusivamente pelo seu carácter limitativo; há cerca de 15 000 professores e educadores com contratos precários de um ano ou de apenas alguns meses; muitos professores e educadores assinam vários contratos com o Ministério da Educação num só ano lectivo, por vezes com a duração de um mês; a maioria dos docentes contratados tem mais de três anos de serviço e assinou três ou mais contratos sucessivos, sem direito ao ingresso nos quadros do Ministério da Educação; milhares de professores e educadores mudam de residência todos os anos, porque são professores contratados ou, então, deslocam-se diariamente muitos quilómetros para as escolas onde estão colocados, quantas vezes com horários reduzidos, que não dão para sobreviver; e milhares de professores com largos anos de serviço e jovens licenciados em ensino continuam desempregados.
No entanto e apesar desta realidade que todos conhecem, e ao contrário do que se poderia julgar, as escolas continuam a funcionar por turnos e com um número excessivo de alunos por turma e com orientações expressas do Ministério da Educação neste sentido, como ainda aconteceu neste ano lectivo.
A Lei Geral do Trabalho, que estabelece que «caso se trate de contrato a prazo sujeito a renovação, este não poderá efectuar-se para além de duas vezes e a duração do contrato terá por limite, em tal situação, três anos consecutivos», é letra morta para o Governo do Partido Socialista.
E se o presente é este, o amanhã não parece, efectivamente, melhor, e o Orçamento do Estado para 2001 é deveras preocupante, pois o Governo optou pelo enfraquecimento do sistema público, entregando ao sector privado quase 40 milhões de contos para os ensinos básico e secundário, desresponsabilizando-se das suas obrigações, e, simultaneamente, diminuiu em cerca de 5% as verbas para o investimento.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ª Deputada, peço-lhe que termine, pois esgotou o seu tempo.

A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
Por outro lado, o Governo do PS não entende a defesa da escola pública como factor de desenvolvimento do País; a legislação que, neste momento, é dada a conhecer acerca da vinculação dos professores contratados é perfeitamente inaceitável; o Governo quer legitimar a precariedade do trabalho docente e desregulamentar as leis laborais no que se refere ao recrutamento e gestão de recursos humanos; o Governo do PS ignora a instabilidade pessoal, familiar e profissional dos professores contratados e desempregados, que são cerca de 40 000, e o reflexo desta situação no funcionamento das escolas públicas e na qualidade da educação e ensino prestados; e estamos a assistir a uma grave ofensiva ao sector da educação com objectivos de total clareza: degradação da escola pública, elitização do ensino e redução de custos na contratação de professores e educadores.
Estes são, em suma, os pressupostos do Partido Socialista.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rosalina Martins.

A Sr.ª Rosalina Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: A petição n.º 173/VII (4.ª), da iniciativa da Federação Nacional dos Professores - FENPROF, subscrita por 35 000 peticionantes, «apela ao Plenário da Assembleia da República para que discuta a grave situação de injustiça que atinge os educadores e professores contratados, os quais não beneficiam de qualquer apoio específico quando se encontram desempregados, e tome as medidas adequadas a sua urgente resolução».
A supra mencionada petição foi apresentada em 25 de Maio de 1999, tendo transitado para a presente legislatura por dificuldades de agendamento.
Durante o primeiro Governo do Partido Socialista, o sector da educação foi assumido como prioritário, tendo sido concretizadas medidas políticas específicas conducentes a uma significativa melhoria dos constrangimentos do sistema.
Atento às situações de injustiça verificadas no processo de contratação do pessoal docente, o Governo aprovou, em 26 de Abril de 2000, o Decreto-Lei n.º 67/2000, que «Define o Enquadramento do Pessoal Contratado para o Exercício de Funções Docentes nos Estabelecimentos de Educação e Ensino Públicos no Âmbito do Regime Geral de Segurança Social dos Trabalhadores por Conta de Outrem, Relativamente a Eventualidade de Desemprego»

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Assim, o Decreto-Lei n.º 67/2000, de 26 de Abril, vem contemplar o previsto no n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 119/99, de 14 de Abril, garantindo a possibilidade de aplicação do novo regime jurídico de protecção no desemprego a trabalhadores cujo sistema de protecção social não integre a eventualidade do desemprego, como era o caso dos indivíduos contratados em regime de contrato administrativo pelo Ministério da Educação.
Desta forma, o Decreto-Lei n.º 67/2000, de 26 de Abril, vem instituir, através do enquadramento de situações tipificadas, a protecção no desemprego aos docentes contratados dos estabelecimentos de educação e de ensino públicos, respondendo ao objecto da presente petição.
Cumpre-se, desta forma, o imperativo constitucional definido na alínea e) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa, que consigna a todos os trabalhadores o direito a assistência material quando, involuntariamente, se encontrem numa situação de desemprego.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em 2000, foi instituída a atribuição de subsídio de desemprego aos professores contratados e definida a metodologia de trabalho com os diversos parceiros sociais, tendo em vista a revisão dos processos de colocação e recrutamento do pessoal docente.
Pelo exposto, o objecto da presente petição já encontrou resposta por parte do Governo do Partido Socialista no ano transacto, à luz da continuidade de uma política consistente e concertada no sector da educação, que continua a merecer um aumento de despesa orçamental, num quadro de redução do aumento da despesa pública.
O sucesso do sistema educativo depende em muito da mobilização dos professores, educadores e todos os agentes educativos. A implementação de medidas que venham colmatar as situações de desemprego, que contribuam para a estabilização do corpo docente e promovam os necessários incentivos de fixação de professores e educadores em zonas carenciadas, em muito contribuirão para o aumento progressivo da qualidade que perseguimos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Fernandes.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Presidente, há aqui um ambiente de «aquecimento empobrecido», agora que falámos de átomos empobrecidos, mas, agora, já está um bocadinho mais quente. Fiquei para último lugar, mas não com muito gosto, porque, de facto, o único gosto que tenho é o de saudar a minha colega e amiga Maria José Rau, da minha faculdade, que há tantos anos conheço, desde o tempo… enfim, é bom nem recordar.
De qualquer maneira, quero falar de uma população - como hei-de chamar-lhe… - nómada, transumante, de umas dezenas de milhar de professores, que, por falta de se saber gerir o sistema, se encontra com emprego precário, muitas vezes sem receber, o que nem aquela habilidade utilizada no Decreto-Lei n.º 67/2000, de 26 de Abril, de passar de 540 dias em dois anos para 540 dias em três anos, conseguiu resolver. A verdade é que ele não abrange muita gente...
Ora, tendo eu conhecimento que há muitas crianças que têm muitos «furos» nas aulas, por exemplo, de professoras que estão de licença de parto ou de professores que faltam ou metem baixa, havendo imensos «furos» em todo o nosso sistema de ensino, até mesmo no privado, onde se paga mais caro, a verdade é que nunca há ninguém para substituir esses professores.
Tão-pouco se sabe o número exacto de «transumantes», de «nómadas», que ainda existe e era bom saber. Diz-se que são 20 000, mas pergunto: serão 20 000? Serão 30 000? Não sabemos! Sabemos é que continua a haver esta população, que chamaria, usando a terminologia orwelliana, de não-professores, de não-pessoas, non persons, que, de facto, me aflige, quando nós temos tanta necessidade - e ali a minha colega Luísa Mesquita frisou isso - de preencher muitos lugares, de promover o ensino com regularidade, porque, com franqueza, ensino sem regularidade tem o resultado que vemos aí, em muitos lugares importantes, de pessoas que sabem pouco ou quase nada.
Então, o que era necessário fazer? Em primeiro lugar, tentar encontrar uma solução de gestão, se é que ela é possível, para que, de facto, este manancial de força de trabalho fosse utilizado, para que as pessoas não ficassem em situação económica difícil e para preencher as lacunas que há em todo o sistema do ensino. É uma tarefa difícil, reconheço-o, que o Ministério da 5 de Outubro nunca conseguiu resolver - como o 5 de Outubro não conseguiu resolver o problema político, em Portugal. Não há dúvida que o 5 de Outubro tem qualquer coisa de anómalo, de esquisito, que não conseguiu resolver até hoje...

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.

O Orador: - De maneira que pedia à Sr.ª Secretária de Estado que nos desse uma ideia do que pretende fazer para resolver o problema dos nómadas, nossos amigos, como diz o título do velho livro de poemas do Ruy Cinatti.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Administração Educativa.

A Sr.ª Secretária de Estado da Administração Educativa (Maria José Rau Vieira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não sei se a 5 de Outubro vai dar a resposta desejada… Penso que já foi aqui referido por um Deputado o facto real que é a progressiva menor necessidade de professores ou de indivíduos que exerçam funções docentes.
Por outro lado, também já foi aqui referido, em sessões anteriores, o aumento progressivo da vinculação, e o Sr. Ministro, numa reunião em que aqui estivemos presentes, referiu que, de facto, o aumento de vinculação, ou seja, a maior estabilidade de professores, é outro factor importante.
Digamos que, neste momento, a 5 de Outubro se depara com uma situação de uma maior estabilização do sistema. De facto, se houve uma resposta muito grande de vários governos quando houve um grande crescimento do

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sistema educativo, neste momento a situação está mais ou menos estável. Digo mais ou menos estável porque, com os dados que também vos foram distribuídos no início do ano, vemos que, em relação ao 1.º ciclo, há uma certa estabilidade, tendo parado um pouco o decréscimo que houve nos últimos anos, verificando-se, neste momento, a redução essencialmente nos 2.º e 3.º ciclos, estando a chegar ao secundário. Portanto, há condições para uma melhor gestão, como aqui foi referido, havendo menor necessidade - e julgo que esse é um problema que a 5 de Outubro nunca poderá resolver - de recorrer a contratação de indivíduos ou de agentes para o exercício de funções docentes.
Penso que este é um problema que todos conhecem, todos temos dados sobre isto, que é a razão real desta situação.
Relativamente à questão colocada nesta petição, julgamos que, essencialmente, apesar de saber que há algumas discordâncias, o Decreto-Lei n.º 67/2000, de 26 de Abril, responde à situação, inclusivamente em relação às pessoas que não são profissionais - e há muitas situações de pessoas que nem sequer são especialmente formadas para serem docentes -, que vêem resolvido o problema social relativamente ao seu desemprego.
No âmbito das negociações em curso com os sindicatos - e não se trata de qualquer legislação feita ou proposta pelo Ministério da Educação -, numa perspectiva essencialmente de estabilidade do corpo docente, permite-se mais uma outra forma de aumento da vinculação. Portanto, se é uma negociação, a proposta do Ministério é um dos dados do problema, mas nessa proposta, quer quanto às pessoas com formação profissional, que são mesmo professores, quer quanto às que não tenham formação profissional mas tenham formação suficiente, há em condições de se lhes oferecer uma maior estabilidade e possibilidade de vinculação. A discussão entre os vários parceiros está, naturalmente, no número de anos de função docente anterior a que isso obriga.
Quanto a uma outra questão aqui referida, sobre a expectativa dos cursos de formação de professores, também já foi dito aqui, numa sessão plenária, pelo Sr. Ministro da Educação que não é intenção do Governo determinar, fixar ou cortar a possibilidade de as pessoas serem formadas para serem docentes.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ª Secretária de Estado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.

A Oradora: - Por último e em relação à última intervenção do Sr. Deputado Rosado Fernandes, penso que nas discussões com o sindicato a questão das bolsas de professores para as substituições está prevista. Provavelmente, não como quadro de escola mas como quadro de uma zona mais alargada, que possa responder a várias necessidades.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.as e Srs. Deputados, não há mais oradores inscritos para discutir esta petição.
Assinalo que, em face do debate hoje realizado, será feito o processamento previsto relativamente a todas as petições incluídas na ordem do dia, ou seja, será dado conhecimento aos seus primeiros signatários do facto de ter sido feito este debate.
Sr.as e Srs. Deputados, a ordem do dia está concluída. A próxima reunião plenária terá lugar amanhã, pelas 15 horas, constando de um período de antes da ordem do dia e de um período da ordem do dia com a discussão, na generalidade, dos projectos de lei n.os 257/VIII e 316/VIII e da proposta de lei n.º 37/VIII.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 45 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
António Alves Martinho
José Carlos Lourenço Tavares Pereira

Partido Social Democrata (PSD):
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Paulo Martins Pereira Coelho
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
António de Almeida Santos
Carla Maria Nunes Tavares Gaspar
Dinis Manuel Prata Costa
Emanuel Silva Martins
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Rodrigues Pereira dos Penedos
Luísa Pinheiro Portugal
Manuel Maria Diogo
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Vítor Manuel Caio Roque

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Domingos Duarte Lima
Henrique José Monteiro Chaves
Jaime Carlos Marta Soares
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José Frederico de Lemos Salter Cid
Luís Manuel Machado Rodrigues
Manuel Castro de Almeida
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes

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Mário Patinha Antão
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Nuno Miguel Sancho Cruz Ramos
Pedro Manuel Cruz Roseta
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Bernardino José Torrão Soares
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas

Partido Popular (CDS-PP):
Paulo Sacadura Cabral Portas
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Bloco de Esquerda (BE):
Maria Helena Augusto das Neves Gorjão

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