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Quinta-feira, 1 de Fevereiro de 2001 I Série - Número 43

DIÁRIO da Assembleia da República

VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 31 DE JANEIRO DE 2001

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
José de Almeida Cesário
António João Rodeia Machado
António José Carlos Pinho

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.os 354 a 360/VIII, do projectos de resolução n.os 102 e 103/VIII e do inquérito parlamentar n.º 7/VIII, da apresentação de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 83.º do Regimento, o Sr. Ministro da Administração Interna (Nuno Severiano Teixeira) deu conta das medidas a tomar pelo Governo para acorrer às situações de destruição causadas pelas intempéries que assolaram o país. Usaram também da palavra os Srs. Deputados Álvaro Amaro (PSD), Manuel Alegre (PS), Francisco Louçã (BE), Paulo Portas (CDS-PP), Lino de Carvalho (PCP), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Ricardo Castanheira (PS) e António Pinho (CDS-PP).
O Sr. Deputado Ricardo Castanheira (PS) falou acerca das situações dramáticas provocadas pelas cheias, nomeadamente na região centro, tendo louvado a intervenção de todas as entidades envolvidas nas acções de auxílio às vítimas e as medidas já anunciadas pelo Governo.
Foram aprovados os votos n.os 115/VIII - De pesar e de solidariedade para com as vítimas das cheias (CDS-PP), 117/VIII - De pesar pelas vítimas e pelos danos das intempéries que se abateram sobre o País nos recentes dias (PSD) e 118/VIII - De pesar pelas graves consequências das intempéries que afectaram o País (PS). Usaram da palavra, além do Sr. Presidente e do Sr. Ministro da Presidência (Guilherme d'Oliveira Martins), os Srs. Deputados António Pinho (CDS-PP), Ricardo Castanheira (PS), Helena Neves (BE), António Nazaré Pereira (PSD), Lino de Carvalho (PCP) e Heloísa Apolónia (Os Verdes), tendo, no final, sido guardado um minuto de silêncio.

Ordem do dia.- Procedeu-se à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 55/VIII - Altera o Estatuto da Ordem dos Advogados, tendo-se pronunciado, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (António Costa), os Srs. Deputados Narana Coissoró (CDS-PP), Odete Santos (PCP), António Montalvão Machado e Guilherme Silva (PSD), Helena Neves (BE), Cláudio Monteiro (PS) e Isabel Castro (Os Verdes).
Foram discutidos, na generalidade, os projectos de lei n.os 203/VIII - Medidas de redução de riscos para toxicodependentes: criação de salas de injecção assistida (BE) e 351/VIII - Altera a Lei n.º 170/99, de 18 de Setembro (Adopta medidas de combate à propagação de doenças infecto-contagiosas em meio prisional) (Os Verdes). Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Vitalino Canas), os Srs. Deputados Francisco Louçã (BE), Filipe Vital (PS), Isabel Castro (Os Verdes), Maria Antónia Almeida Santos (PS), Nuno Freitas (PSD), Pedro Mota Soares (CDS-PP), Paulo Pisco (PS) e Bernardino Soares (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 5 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carla Maria Nunes Tavares Gaspar
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Cláudio Ramos Monteiro
Dinis Manuel Prata Costa
Fernando Alberto Pereira Marques
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pinto Camilo
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Isabel Maria Soares Pinto Zacarias
Jamila Barbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António dos Santos
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Maria Diogo
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria José Vidal do Rosário Campos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Vítor Manuel Alves Peixoto
Vítor Manuel Caio Roque
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
Armando Manuel Dinis Vieira
Armindo Telmo Antunes Ferreira

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Artur Ryder Torres Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Carlos Parente Antunes
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Francisco Baptista Tavares
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
João Bosco Soares Mota Amaral
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José de Almeida Cesário
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Durão Barroso
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres Viegas C. da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Nuno Miguel Sancho Cruz Ramos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Manuel Cruz Roseta
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rui Fernando da Silva Rio
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Alexandrino Augusto Saldanha
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
Octávio Augusto Teixeira
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
António José Carlos Pinho
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Luís Pedro Mota Soares
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Paulo Sacadura Cabral Portas
Raul Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã
Maria Helena Augusto das Neves Gorjão

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa e foram aceites, as seguintes iniciativas legislativas: projectos de lei n.os 354/VIII -Alterações à Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, bem como à Lei n.º 29/87, de 30 de Junho, na parte relativa ao funcionamento das assembleias municipais (PCP), que baixou à 1.ª e 4.ª Comissões; 355/VIII - Torna público o crime de abuso sexual de crianças - Altera o artigo 178.º do Código Penal (Os Verdes), que baixou à 1.ª Comissão; n.º 356/VIII -Dignificação da função autárquica (PSD), que baixou à 1.ª e 4.ª Comissões; 357/VIII - Lei eleitoral para as autarquias locais (PSD), que baixou à 1.ª e 4.ª Comissões; 358/VIII - Altera o Estatuto dos Alunos dos Estabelecimentos Públicos do Ensino Básico e Secundário (CDS-PP), que baixou à 7.ª Comissão; 359/VIII - Cria o Observatório da Violência Escolar (CDS-PP), que baixou à 7.ª e 12.ª Comissões; 360/VIII - Reforma do Sistema Eleitoral Autárquico - Altera o Decreto-Lei n.º 701-B/76, de 29 de Setembro (BE), que baixou à 1.ª e 4.ª Comissões; projectos de resolução n.os 102/VIII - Recomenda ao Governo medidas sobre a implementação do projecto de um comboio de alta velo

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cidade (TGV) (CDS-PP); 103/VIII - Combate aos maus tratos e abuso sexual sobre menores - Reforço das medidas de apoio às comissões de protecção de crianças e jovens (BE); inquérito parlamentar n.º 7/VIII - Aos actos do Governo e da Administração no processo da Fundação para a Prevenção e Segurança (PSD).
Nas últimas reuniões plenárias foram apresentados à Mesa os requerimentos seguintes: na reunião plenária de 24 de Janeiro de 2001, ao Ministério do Equipamento Social, formulados pelos Srs. Deputados Barbosa de Oliveira e Isabel Barata; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Renato Sampaio; ao Ministério da Saúde e à Inspecção-Geral de Saúde, formulados pelo Sr. Deputado José António Silva; ao Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território, formulado pelo Sr. Deputado José Eduardo Martins; aos Ministérios da Administração Interna e dos Negócios Estrangeiros, formulados pela Sr.ª Deputada Maria Manuela Aguiar; ao Ministério da Justiça, formulado pela Sr.ª Deputada Maria Ofélia Moleiro; ao Ministério da Educação e à Secretaria de Estado da Comunicação Social, formulado pela Sr.ª Deputada Margarida Botelho; ao Ministério do Equipamento Social e das Finanças, formulados pelo Sr. Deputado Alves Pereira; ao Ministério da Economia, formulado pela Sr.ª Deputada Isabel Castro; à Presidência do Conselho de Ministros, aos Ministérios da Justiça e do Equipamento Social e à Secretaria de Estado dos Transportes, formulados pelo Sr. Deputado Francisco Louçã; a diversos Ministérios, formulados pela Sr.ª Deputada Helena Neves; às Câmaras Municipais da Maia e de Vila Nova de Gaia, formulados pelo Sr. Deputado José Saraiva; à Câmara Municipal de Cascais, formulado pelo Sr. Deputado António Capucho; à Câmara Municipal de Viana do Castelo, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Antunes.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: no dia 25 de Janeiro de 2001, Rodeia Machado, na sessão de 28 de Junho; Cândido Dias, na sessão de 11 de Outubro; Arménio Santos, na sessão de 14 de Dezembro; Telmo Correia, na sessão de 15 de Dezembro; António Nazaré Pereira, na sessão de 20 de Dezembro; no dia 26 de Janeiro de 2001, Natália Filipe, nas sessões de 11 e 16 de Maio; Francisco Louçã, na sessão de 1 de Junho; Manuela Ferreira Leite, na sessão de 29 de Junho; Agostinho Lopes, na sessão de 26 de Julho; Vicente Merendas, na sessão de 19 de Outubro; Rosado Fernandes, na sessão de 20 de Outubro; Honório Novo e Helena Neves, no dia 10 de Novembro; Miguel Ginestal, no dia 22 de Novembro; Francisco Amaral, na sessão de 6 de Dezembro; Telmo Correia, na sessão de 14 de Dezembro; Alexandrino Saldanha, na sessão de 4 de Janeiro.

O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, o Governo inscreveu-se para fazer uma intervenção no período antes da ordem do dia, ao abrigo do n.º 2 do artigo 83.º do Regimento; embora já tenha usado desse direito esta quinzena, todos os grupos parlamentares deram o seu assentimento a que a fizesse.
Como sabem há uma grelha própria para estas situação, que já está afixada no painel electrónico. Portanto, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna, que dispõe agora de 10 minutos e de mais 5 minutos no fim.

O Sr. Ministro da Administração Interna (Nuno Severiano Teixeira): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o País foi assolado, no último fim-de-semana, por uma intempérie que deixou marcas e efeitos profundos em algumas zonas do País.
Essa é uma situação que, seguramente, merece de todos nós preocupação e empenho. Afecta um largo número de portugueses e o Governo quer e vai dedicar-lhe um conjunto de medidas especiais, no sentido de minimizar os efeitos profundamente negativos da intempérie da última semana. Mas, mais do que isso, esta é uma questão de todos os portugueses e as medidas que referi só poderão ser concretizadas com a solidariedade de todos nós.
O que se passou já todos conhecemos: ocorreu uma situação meteorológica pouco frequente.O mês de Dezembro do ano passado foi, em algumas zonas do País, o mais pluvioso de sempre e o mês de Janeiro também foi, em algumas regiões do País, um dos mais chuvosos de sempre.
Esta situação meteorológica originou uma situação difícil do ponto de vista hidrológico. A elevada saturação dos solos em água, aliada, precisamente, a esses dois meses de pluviosidade intensa - Dezembro e Janeiro -, conduziu a uma situação em que a capacidade de infiltração nos solos ficou bastante reduzida. Como consequência, quase toda a precipitação que, a partir de uma certa altura, caía nas bacias transformava-se em acréscimo de caudal das linhas de água, com os efeitos que, infelizmente, se verificaram.
Estas duas situações, ao nível da meteorologia e da hidrologia, tiveram também consequências negativas, com particular incidência e gravidade ao nível da geologia, isto é, ocorreram fenómenos geológicos de deslizamento de terras e de movimentos de solos que provocaram o desabamento de habitações, com consequências até ao nível humano.
Está em curso, neste momento, a avaliação dos prejuízos e o valor apurado irá seguramente subir à medida que as águas forem descendo, sobretudo na bacia do Mondego.
Portanto, para fazer face a esta situação, o Governo quis tomar, desde já, um conjunto de medidas. Importa salientar, no entanto, que a prevenção, o planeamento e o controlo das acções de emergência foram accionados, com empenho e profissionalismo, pelas diferentes forças no terreno, ou seja, pela protecção civil, pelos bombeiros, pelo INAG, pelo Instituto de Meteorologia, pelas forças de segurança, nomeadamente através dos cães da GNR na busca de pessoas nos escombros, pelas Forças Armadas e, naturalmente, pelos governos civis e pelas autarquias.
Este problema tem uma dimensão nacional. Ele ultrapassa largamente não só o que é tradicional como também o Ministério da Administração Interna e, por isso mesmo, o Governo quer tomar um conjunto de medidas, tendo desenhado mesmo, diria, um plano global e integrado com o objectivo fundamental de repor, tão depressa quanto possível, as condições normais de vida das populações afectadas.

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Há, pois, um conjunto de medidas que o Governo está a colocar em prática - a partir de amanhã serão aprovadas em Conselho de Ministros - e que tocam várias áreas do País.
Em primeiro lugar e desde logo quanto à Administração Central, o Governo vai mobilizar um montante global de 12 milhões de contos para a reparação de equipamentos e infra-estruturas da Administração Central, montante este com normas de excepção, que, aliás, já estavam previstas na Resolução do Conselho de Ministros de 11 de Janeiro e que se estendem também agora.
Uma segunda área de preocupação são as autarquias, porque foram muitos os municípios afectados. Nesta matéria, há três medidas desenhadas pelo Governo.
A primeira é a abertura de uma linha de crédito, que tinha um valor de 10 milhões de contos na resolução anterior e que agora passa a 15 milhões de contos, para fazer face aos danos que se verificaram em algumas autarquias. Deve dizer-se que este é um plafond de referência, podendo vir a ser aumentado caso seja considerado necessário, que tem um juro bonificado de 3 pontos percentuais. E vale a pena aqui referir que, no que diz respeito ao ratio dos endividamentos das autarquias - e isto é importante, naturalmente, para as autarquias - estes montantes não vão contar.
Em segundo lugar, com o objectivo de desburocratizar os processos, de lhes dar maior celeridade, será aprovado um regime excepcional, que possibilitará a realização tão rápida quanto possível das obras necessárias à reposição dos equipamentos e à operacionalidade das infra-estruturas ao nível autárquico.
Se ainda assim isso não for possível, porque pode haver casos em que o volume financeiro necessário - portanto, não coberto - ultrapasse a capacidade de recurso exclusivo à linha de crédito, poderão vir a ser assinados contratos-programa para fazer face a essas situações.
Uma terceira área é, naturalmente, a dos particulares, daqueles que foram afectados pelas cheias. E aqui cabe uma palavra de solidariedade especial às famílias das vítimas e a todos os que tiveram prejuízos materiais.
Aqui poderá ser accionada a conta de emergência do Ministério da Administração Interna, em duas situações concretas: em primeiro lugar e desde já, mediante a atribuição de uma verba de sobrevivência aos agregados familiares com maiores carências e que tenham sido fortemente afectados por esta intempérie, com montantes que poderão ir, de acordo com o agregado familiar, de 4 a 10 salários mínimos nacionais; em segundo lugar, através da celebração de protocolos entre as autarquias afectadas, o INH e o Serviço Nacional e Protecção Civil, para a reconstrução das habitações permanentes que tenham sido destruídas por enxurrada ou derrocada, desde que, sendo necessário fazer essa reconstrução, haja carência de recursos manifesta por parte das famílias afectadas.
Estas medidas são uma extensão das que já tinham sido adoptadas, mas como agora a dimensão da intempérie se alargou houve necessidade de alargá-las também a outras áreas. Quais são essas áreas? São, nomeadamente, as actividades económicas afectadas, ou seja, o comércio e a agricultura.
No que diz respeito ao comércio, o Governo porá em vigor duas medidas fundamentais: em primeiro lugar, o IAPMEI disponibilizará uma linha de crédito de 1,5 milhões de contos, com total isenção de juros e encargos, para fazer face aos prejuízos na área do comércio; em segundo lugar, os investimentos feitos em bens e equipamentos na área do PROCOM poderão ser restituídos sem encargos suplementares.
Na agricultura - e nela muitos foram afectados - haverá três áreas de intervenção: nas infra-estruturas, cuja reconstrução o Governo, no quadro do QCA III, poderá priorizar; na perca de produção, em que poderão vir a ser accionados os mecanismos dos seguros de colheita, o CIPAC, e em alguns casos, naqueles em que o risco não estiver coberto e em que a perca for superior a 50%, poderá ser accionado o fundo de calamidade do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.
Há também medidas no âmbito do restabelecimento produtivo, seja para a reposição de animais, onde poderá haver ajudas nacionais a fundo perdido, …

O Sr. Presidente: - Esgotou o seu tempo, Sr. Ministro, agradeço que termine o mais rapidamente possível.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Dizia eu que há também medidas no âmbito do restabelecimento produtivo, seja para a reposição de animais, onde poderá haver ajudas nacionais a fundo perdido, seja no quadro da vinha, para a sua reparação, onde poderá ser accionado o programa Vitis, com apoios até 75% a fundo perdido, e também no restabelecimento do potencial produtivo ao nível dos cereais, com idênticos apoios.
Acresce ainda que, e com isto termino, também numa política de proximidade com as populações, vão ser criados grupos técnicos, com a coordenação dos governadores civis de Vila Real, de Coimbra e de Aveiro e integrando os serviços de protecção civil, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) e o Instituto da Água (INAG), para fazerem o acompanhamento técnico próximo das populações nestas situações.
Finalmente, o Governo aprovará amanhã, em Conselho de Ministros, uma resolução que cria uma comissão interministerial, presidida pelo Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, que fará o acompanhamento político de toda esta situação, no sentido de lhe poder dar maior celeridade e restabelecer a vida normal das populações.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para intervir no debate, dentro dos tempos que constam do painel, os Srs. Deputados Álvaro Amaro, Manuel Alegre, Francisco Louçã, Paulo Portas, Lino de Carvalho, Heloísa Apolónia, Ricardo Castanheira e António Pinho.
No fim, o Sr. Ministro da Administração Interna terá 5 minutos para responder a todas as intervenções que justifiquem a sua resposta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Amaro.

O Sr. Álvaro Amaro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna: Para além desse pacote de medidas que aqui apresentou, gostaríamos muito de o ter

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ouvido falar, porventura, de outras questões anteriores à desgraça que, de facto, muitas famílias viveram. Mas sobre isso terei oportunidade de falar na intervenção que farei daqui a pouco.
Para já, Sr. Ministro, quero dizer que é um facto que o País foi assolado por intempéries - não apenas neste fim-de-semana, como começou por dizer, tendo, depois, corrigido, porque, infelizmente, já vinha sendo assolado muito antes - e que há hoje, manifestamente, situações às quais é preciso acudir.
Neste momento, Sr. Ministro, não estão em causa todas as boas medidas e acções conducentes à reposição possível de situações anteriores. O que está aqui em causa é a credibilidade das medidas e da sua própria aplicação, pois os portugueses conhecem, hoje, os exemplos do passado, dos quais lhe recordo dois.
Em Novembro de 1999, portugueses residentes na Venezuela sofrerem uma desgraça, que é conhecida. O Governo, prontamente, disse: «Vamos resolver isto tudo!» Passou mais de um ano e a solução foi zero!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Dois anos!

O Orador: - No Inverno de 1999 e de 2000, em Arcos de Valdevez, houve deslocamento de terras, houve vítimas, houve cheias, houve inundações. O Governo, prontamente, disse: «Vamos resolver isto tudo, em nome de toda a solidariedade!» A solução, Sr. Ministro, foi zero!
Sr. Ministro, que fique claro que ninguém quer fazer política com a desgraça alheia. Estamos todos de acordo que são precisas essas e, porventura, outras medidas de reposição da situação anterior, da forma que for possível. A questão que se coloca agora é em termos de operacionalidade e de credibilidade para a repor.
O que queríamos ouvir hoje, aqui, por parte do Sr. Ministro, não era apenas quanto à constituição de mais uma comissão, de mais um grupo de trabalho ou de mais uma avaliação. Queríamos ouvi-lo dizer, com garantia, perante aqueles que estão prejudicados, quais as medidas que vão ser tomadas e quanto tempo é que falta, efectivamente, para eles próprios poderem salvar aquilo que ainda é possível salvar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho quase um certo pudor em intervir neste debate, porque considero que esta situação é incompatível com qualquer espécie de aproveitamento ou exploração política. Ainda por cima, sou também uma das vítimas das cheias de Águeda, porque a casa onde nasci, onde nasceu a minha mãe e onde viveram os meus avós foi duramente atingida e danificada, para já não falar nas casas de muitos outros particulares e na ruína em que ficaram os comerciantes da baixa de Águeda.
O que mais me dói é que, em 1994, apresentei um requerimento ao governo de então alertando para o que iria acontecer na baixa de Águeda em consequência das obras que estavam a ser feitas na Várzea de Águeda, designadamente a construção da chamada ponte dos Abadinhos. Foi-me respondido que estivesse tranquilo, que tinham sido feitos cálculos e que as águas não subiriam mais de 45cm.
Menos de um ano depois, no Natal de 1995, as águas subiram 1,8m, o que nunca tinha acontecido. Fiz, então, novos requerimentos, desta vez já ao Governo do PS, pedindo medidas, evidentemente, para auxiliar as vítimas mas também que fossem feitos estudos para evitar que as mesmas causas produzissem os mesmos efeitos. Agora, as águas subiram não 1,8m mas ainda mais meio metro e o problema está em saber quanto é que vão subir da próxima vez.
O que está em causa - e falo como uma pessoa que nasceu em Águeda - é a sobrevivência da parte histórica da baixa de Águeda. Portanto, não basta apenas o conjunto de medidas que o Governo está a tomar, e bem, para socorrer as vítimas destas cheias, trata-se de saber por que é que, a partir de um determinado momento, as cheias do rio Águeda passaram a ter estas consequências catastróficas.
Sempre houve cheias em Águeda - eram, até, motivo de alegria e de festa na minha infância -, mas nunca provocaram catástrofes. As águas subiam 20, 30cm, quanto muito; agora sobem 2m, 2,5m. A parte baixa e histórica da cidade não vai sobreviver, e não foi a natureza que mudou, foi a intervenção do homem no campo, nas margens, a ocupação dos campos por cimento, a construção de um aterro na Várzea de Águeda, etc. Por tudo isto, Sr. Ministro, fiz outro requerimento e vou-lhe fazer chegar todos os que tenho feito.
Infelizmente, em 1994, quase que fiz uma «profecia» sobre o que ia acontecer em Águeda e os factos deram-me razão, contra mim próprio e contra a quase destruição da casa em que nasci.
O que lhe quero perguntar, Sr. Ministro, é que medidas encara o Governo para impedir que, em Águeda e em Coimbra, em consequência das obras que foram feitas e de outras que deviam ter sido feitas e não foram, novas cheias produzam consequências igualmente catastróficas.
Sugiro, nomeadamente, uma peritagem, feita pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil e pelo Instituto da Água, para saber se há, ou não, em Águeda - sobre Coimbra falará o meu camarada Ricardo Castanheira -, uma relação directa entre esse aterro que foi construído na Várzea de Águeda e as cheias e para saber, também, que obras se poderá fazer agora para corrigir as que foram feitas e que estão a destruir a parte histórica da cidade.
Louvo as medidas que estão a ser tomadas para socorrer, no imediato, as vítimas e para permitir a muitos particulares e a muitos comerciantes refazerem as suas vidas. Mas o problema, Sr. Ministro, é que há aqui causas profundas e estruturais, que resultam de obras mal feitas, pelo que dentro de um ou dois anos as consequências poderão ser as mesmas. E, neste momento, os comerciantes e as pessoas da baixa da Águeda começam a pensar se vale a pena viver e investir ali, se vale a pena reconstruírem as suas casas, na certeza de que se não forem corrigidas as obras que foram feitas, as cheias terão sempre estas trágicas consequências.

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É isto que quero deixar aqui ao Sr. Ministro, com uma palavra de solidariedade a todos aqueles que, como eu, mas alguns com consequências muito mais graves, foram vítimas das cheias na terra onde nasci.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro: Depois de sete mortos e de centenas de famílias afectadas, naturalmente que desta Câmara não se pode esperar e exigir outra coisa que não a convergência sobre todas as iniciativas necessárias, sensatas e atempadas que permitam responder a estas tragédias e acautelar e evitar outras, no futuro. Por isso, o Bloco de Esquerda manifesta, naturalmente, toda a sua disponibilidade a esta Câmara para a convergência que venha a ser necessária.
No entanto, quero levantar dois problemas, porque creio que a resposta directa sobre eles nos ajuda a reflectir sobre o futuro. Temos hoje ecos de desentendimentos, de desavenças e de quezílias entre as várias instituições que deviam estar e actuar coordenadas neste âmbito. Bombeiros, serviços de Protecção Civil, Instituto da Água, Instituto de Meteorologia, EDP, são um conjunto de instituições que remetem a responsabilidade, em particular das cheias no vale do Mondego, de umas para outras, o que é intolerável.
É intolerável, em particular, que se possa admitir a possibilidade de um erro humano de graves consequências, que tenha mantido, nos 15 dias anteriores à cheia, a barragem da Aguieira a um nível que não era previdente em relação ao que mais tarde veio a acontecer. E, sobre isto, uma lição tem de ser extraída, que é a da melhor coordenação e solução que evite toda esta política desastrada, neste contexto.
Mas há uma segunda questão, Sr. Ministro, que é a da responsabilidade do Governo. O Governo actua junto das câmaras e aprova os planos directores municipais (PDM). Ora, temos hoje, em Lisboa, por exemplo, uma construção em leito de cheia, no vale de Alcântara, temos a impermeabilização generalizada dos solos urbanos e o corte de linhas de água em muitas partes do território nacional, que podem e devem ser acauteladas com regras distintas…

O Sr. Presidente: - Esgotou o seu tempo, Sr. Deputado. Faça o favor de concluir.

O Orador: - … na determinação dos princípios que regem os PDM. Sobre isso, o Governo deve ter uma palavra, porque é isso que nos vai precaver em relação ao futuro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo que temos a assistir aos nossos trabalhos, como é habitual, um grupo de 100 alunos da Escola Básica do 2.º e 3.º Ciclos Padre António Farinha, da Sertã, um grupo de 26 alunos das Escolas de Ensino Básico Mediatizado n.os 686, de S. Luís, e 1371, de Vale Bejinha, Odemira, e um grupo de 8 alunos do Colégio de São Teotónio, de Coimbra.
Uma saudação carinhosa para todos eles.

Aplausos gerais, de pé.

Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo: Uma tragédia como aquela que se abateu sobre as regiões de Trás-os-Montes, Beiras e Ribatejo, nomeadamente nos últimos dias, só pode convocar toda a solidariedade, seja da comunidade seja das instituições políticas, e não é certamente matéria onde se deva exercer qualquer espírito de facção.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Sabemos que uma parte da reparação dos danos é matéria da competência do ramo segurador; sabemos que há fundos comunitários a que se pode recorrer; sabemos, ainda, que há linhas de crédito que vão ser abertas, mas, da análise que os nossos autarcas e os nossos Deputados fizeram no terreno, temos a ideia de que os prejuízos ascendem a largos milhões de contos.
Essa operação de rescaldo está a ser feita pelo Governo e creio que só nos próximos dias ficará concluída. Porém, queríamos chamar a atenção para o facto de, em matéria de reparação de infra-estruturas, de fornecimento de serviços básicos, de recuperação da capacidade produtiva e, ainda, de apoio social extraordinário a famílias que ficaram na miséria, nos parecer que esta reconstrução tem um custo financeiro que pode não caber no Orçamento do Estado. Assim, queria que o Sr. Ministro soubesse, como disse ontem ao Sr. Primeiro-Ministro, que o CDS se disponibiliza para votar um orçamento suplementar para ajuda à reconstrução aos municípios atingidos e às famílias que, neste momento, vivem uma enorme carência, caso o Governo entenda que é necessário reforçar as dotações orçamentais.
Por fim, queria perguntar-lhe se já tem uma informação sobre o número de famílias a quem o Estado deve dar, nem que seja a título extraordinário, uma prestação social que lhes permita recomeçar a viver, partindo de uma situação como aquela em que muitos ficaram.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro: Em primeiro lugar, quero manifestar, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, a nossa solidariedade para com as populações que sofreram gravíssimos prejuízos, tendo-se registado, inclusivamente, perda de vidas, durante as intempéries que se abateram sobre zonas do País nos últimos dias.
De igual modo, quero manifestar a nossa solidariedade para com todos os que, no terreno - bombeiros e demais serviços integrantes da Protecção Civil -, deram o melhor de si próprios no apoio às populações.
Em segundo lugar, quero manifestar a disponibilidade do PCP para intervir em apoio de todas as medidas que contribuam para, em tempo útil, minimizar e resol

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ver as consequências desta brutal tragédia que, nos últimos dias, se abateu sobre um conjunto de populações e de regiões.
Nesse sentido, Sr. Ministro, não nos parece que baste uma reorganização de verbas dentro das que estão disponíveis no âmbito do Quadro Comunitário de Apoio. É preciso encontrar soluções no sentido de dispor de verbas acrescidas para que, de facto, se dê resposta às necessidades verificadas.
A este propósito, Sr. Ministro, voltamos a dizer que é preciso agir em tempo útil, porque ainda hoje muitos cidadãos, muitas populações e muitas autarquias estão à espera de ver cumpridas muitas das promessas que foram feitas quando, em outros momentos, também sobre elas se abateram intempéries, não com a dimensão da actual mas que justificaram intervenções idênticas à que o Sr. Ministro aqui fez.
Pensamos, por outro lado, que, tendo sido esta uma intempérie de dimensão excepcional, vale a pena tirar dela os ensinamentos que nos permitam reflectir sobre causas estruturais que estão na sua base e sobre a necessidade de melhorar a coordenação, no terreno, entre os vários serviços públicos que intervêm nesta matéria.
Aliás, Sr. Ministro, os Deputados do PCP ao Parlamento Europeu vão abordar os outros Eurodeputados portugueses para, junto da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu, procurarem encontrar soluções no sentido da disponibilização de verbas e de meios que, juntamente com iniciativas próprias do Governo português, permitam intervir com o máximo de meios financeiros para a solução dos problemas que estão sobre a mesa.
Por último, Sr. Ministro e Sr. Presidente - e isto é mais dirigido à Assembleia da República e ao Sr. Presidente -, penso que, no quadro das competências que temos, seria, porventura, de criar os meios para que, conjuntamente, Deputados das Comissões de Equipamento Social e de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas pudessem visitar os locais afectados e procurar inteirar-se da situação, por forma a formularmos as medidas que nos permitam intervir neste processo.
Deixamos, pois, esta proposta à Assembleia e aos Deputados que compõem as citadas comissões.

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado sabe, as comissões dispõem de poder de iniciativa própria. Apenas têm de apresentar-me uma proposta nesse sentido, a qual será automaticamente deferida. Mas penso que não é a mim que compete tomar essa iniciativa.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, para intervir no debate.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: Sendo importante remediar os efeitos destas intempéries, permita-me dizer-lhe, Sr. Ministro, que o que veio anunciar hoje, aqui, não chega de modo nenhum.
É que, como o Sr. Ministro sabe, naturalmente, calamidades destas têm tendência para ser cada vez mais frequentes. Aliás, é precisamente nesse sentido que aponta um estudo europeu sobre os efeitos das alterações climáticas, referindo que serão cada vez mais frequentes situações extremas de seca e situações em que se verificam níveis de precipitação profundamente exagerados. Portanto, é fundamental que reflictamos e que encontremos soluções efectivas para evitar situações destas e conseguir enfrentá-las.
Nesse sentido, na perspectiva de Os Verdes, é importante que nos questionemos e reconheçamos que, de facto, existem zonas de risco. É importante que nos questionemos sobre a lógica de ordenamento do território que se pratica em Portugal; é importante que nos questionemos sobre as intervenções levadas a efeito nas nossas zonas ribeirinhas; é importante que nos questionemos sobre a permanência da construção em leito de cheia, sobre a desarborização das margens dos nossos rios, sobre a contínua impermeabilização dos nossos solos que, naturalmente, agravam de forma significativa os efeitos de calamidades destas provocadas pela Natureza.
Sr. Ministro, na perspectiva de Os Verdes, é também importante que se reflicta, sob a lógica da intervenção, quanto à manutenção das nossas barragens e dos nossos diques e quanto a uma efectiva fiscalização do Estado sobre os mesmos. Naturalmente, também é importante que reflictamos sobre a insistência da «betonização» dos nossos cursos de água.
Sr. Ministro, não tenhamos dúvidas que, por mais que se tente domá-la, a Natureza é sempre imprevisível, pelo que é preciso enfrentar esta realidade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Castanheira.

O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: Seguramente, os portugueses não ficaram indiferentes às imagens que foram veiculadas nos últimos dias, a um cenário de destruição e múltipla dor: cidades e aldeias devastadas, famílias na penúria, um tecido comercial destruído, complexos agrícolas irremediavelmente danificados. Daí que, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, enderecemos a todas as vítimas a nossa mais profunda solidariedade e manifestemos a esperança firme na reconstrução. Assim, o Grupo Parlamentar do PS irá associar-se aos vários votos de pesar apresentadas nesta Câmara.
Não obstante, o primeiro sinal de solidariedade veio, de facto, do Governo, ao ter apresentado, com toda a prontidão e de forma global, um conjunto de medidas, que já aqui foram expostas pelo Sr. Ministro, no sentido de minimizar os danos verificados e de salvaguardar situações futuras.
Contudo e conforme evocou o meu camarada Manuel Alegre, houve situações de algum despudor no tratamento desta questão. Nomeadamente, eu próprio estive em Montemor-o-Velho durante estes últimos dias e tive oportunidade de escutar o Dr. Durão Barroso, que por lá passou, tecer um conjunto de críticas à Protecção Civil, à inoperância do Governo. Ora, tais críticas deixaram-nos, de alguma forma, perplexos, sendo, por um lado, inoportunas, porque, naquele preciso momento, estava o Primeiro-Ministro a apresentar as medidas que, amanhã, serão aprovadas em Conselho de Ministros, e, por outro lado, levianas, na medida em que nunca, no tempo dos seus governos, o PSD apresentou ou instituiu planos de emergência municipal de protecção civil, tendo sido o actual Governo a instigar as câmaras municipais a fazê-lo.

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No caso concreto do Baixo Mondego, em 1989, o PSD desprezou um estudo preliminar de ordenamento paisagístico da zona, o que, de alguma forma, poderia ter salvaguardado a situação dramática que se viveu em Montemor-o-Velho.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A culpa é sempre do PSD!… Impressionante!

O Orador: - Daí a nossa perplexidade perante as críticas tecidas e, sobretudo, perante a injustiça das mesmas, dado o labor e o empenhamento dos bombeiros, dos serviços de Protecção Civil, da GNR e da PSP. Na verdade, o actual momento é de análise, de balanço, de acção, não é, seguramente, um momento de crítica nem de análises mais despudoradas.
Assim, Sr. Ministro, parecer-nos-ia importante que, uma vez mais, salientasse o conjunto de medidas que, amanhã, será apresentado em Conselho de Ministros para fazer face à situação de excepção que o nosso país viveu.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Pinho, que apenas dispõe de 36 segundos.

O Sr. António Pinho (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Ministro: No curtíssimo tempo de que disponho, queria referir-me a uma situação concreta, a qual foi abordada pelo Sr. Presidente da República, que fez um apelo às seguradoras no sentido de resolverem estes problemas.
A este propósito, permito-me relembrar as palavras de uma comerciante de Águeda que, em 1995, infelizmente, se viu confrontada com uma situação parecida com a actual, ocasião em que as seguradoras não só não cobriram os estragos sofridos, porque o risco de inundação não estava previsto na apólice, como se recusaram a passar a incluí-lo, argumentando que se tratava de uma área de risco. Assim, perguntamos ao Governo o que resta a estas pessoas para resolverem os seus problemas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Amaro para intervir no debate pela segunda vez.

O Sr. Álvaro Amaro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro, muito rapidamente, quero deixar-lhe duas notas, a primeira das quais referente à intervenção do meu amigo Ricardo Castanheira: é que, quanto à bancada do PS, para que «a culpa não morra solteira», o culpado tem de ser o PSD!… Com o Sr. Ministro trataremos de coisas sérias em relação a informações e a acção.
Quanto à acção, de que falei há pouco, cá estaremos, nós próprios, como nos compete, em termos de Assembleia, e as populações, para julgar a capacidade do Governo para operacionalizar essas e outras medidas.
Mas, Sr. Ministro, para além da acção, há a manifesta questão da responsabilização. Assim, vou dar-lhe duas ou três informações verdadeiramente documentadas.
Em Portugal, construiu-se, há muitos anos, a barragem da Aguieira e quem gere o sistema é a EDP. Construiu-se a ponte-açude, em Coimbra, e era suposto que, continuando a dinâmica do que vinha sendo feito, se fizesse a regularização do leito periférico do Mondego.
Sr. Ministro, sabe que, tecnicamente, está provado que não poderia haver descargas superiores a 1800 m3/segundo para que o referido açude não causasse problemas nas margens do rio a jusante do mesmo?
Ora, desde 8 de Dezembro, foram alertadas as instituições para o facto de que ocorreria perigo, pois, como o Sr. Ministro saberá, as descargas havidas foram da ordem de 2000 m3/segundo. Assim, pergunto-lhe, Sr. Ministro, se pode apurar de quem é a responsabilidade. Quanto a nós, pode fazê-lo!
É que se se tivesse tido em conta aquele alerta, provavelmente, as populações não teriam sofrido o que sofreram.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Aliás, demonstrar-lhe-ei isto mesmo com as fotografias que vou deixar-lhe, tiradas ontem mesmo, Sr. Ministro.
As fotografias que refiro, e que tenho comigo, foram tiradas ontem e peço ao Sr. Presidente que providencie, se assim o entender, no sentido de as mesmas poderem ser vistas por todos. Nelas se verifica que, ontem, já após as tempestades ocorridas, o leito do Mondego estava cheio de árvores, o que significa que à parte todas as que já tinham sido arrastadas pelas águas, foi tal a intensidade do caudal que, mesmo assim, há outras que não foram arrastadas. Sabe o que significa isto, Sr. Ministro? Que não houve limpeza nem conservação, o que originou todo este mal-estar que agora todos sentimos.
Ora, é esta responsabilização que é preciso que V. Ex.ª peça às instituições, à EDP e ao INAG.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esgotados que estão os tempos, terminou o período de debate.
Assim, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna, para responder, dispondo de 5 minutos.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: São muitas, sérias e profundas, as questões que aqui foram levantadas. Em 5 minutos será difícil responder a todas com todo o detalhe, como gostaria, pelo que, se me permitem, responderei apenas a algumas das questões que me pareceram ser as mais importantes.
Começo por registar algo que me parece extraordinariamente importante, a onda de solidariedade que este Parlamento manifestou e que, de facto, exprime a dimensão desta tragédia e, ainda, aquele que é o sentimento de todos os portugueses relativamente às vítimas e a todas as pessoas que foram afectadas por esta catástrofe. Isso é algo que merece registo.
Em segundo lugar, nas múltiplas intervenções proferidas - e peço desculpa aos Srs. Deputados por não poder responder a todas em particular, como gostaria -, julgo que há algumas questões de carácter geral e outras que são específicas.

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No que diz respeito às questões de carácter geral, questões que atravessam, repito, em grande medida, muitas das intervenções aqui proferidas, salientaria dois tipos de medidas: as de carácter estrutural e as de carácter conjuntural, para fazer face a esta situação difícil que se está a viver em Portugal.
Como é óbvio, as medidas de carácter estrutural merecem a minha concordância e correspondem a preocupações comuns ao nível do ordenamento do território, do estudo das medidas ecológicas e de todo um conjunto de situações que é necessário estudar e pôr em prática, mas que não terão lugar sem o restabelecimento, natural e a curto prazo, da vida normal das populações.
Ora, o que acabei de referir conduz-me a um segundo conjunto de questões, as questões conjunturais, que tem a ver, precisamente, com o restabelecimento da vida normal das populações. A este propósito, foram colocadas várias questões, desde logo pelo Sr. Deputado Álvaro Amaro, que tocou o problema da credibilidade e da celeridade dos processos que estão em curso.
De facto, penso que a credibilidade dos processos vem das próprias medidas, das medidas concretas adoptadas em cada uma das áreas, e, em termos de celeridade, também é preciso dizer que o Governo teve a preocupação de desburocratizar e criar regimes de excepção que possam acelerar o processo de reconstrução das infra-estruturas e de concessão de subsídios a quem deles necessita.
Há ainda algumas questões às quais gostaria de responder em concreto, designadamente a que se refere ao problema de Arco de Valdevez. Estive em Arco de Valdevez quando se deu o problema, em Dezembro, e, neste momento, posso dizer que já decorreram várias conversas entre a autarquia e o Serviço Nacional de Protecção Civil…

Protestos do Deputado do PSD, Álvaro Amaro.

Dá-me licença, Sr. Deputado? Foi proposto pelo Serviço Nacional de Protecção Civil a concessão de casas pré-fabricadas, o que não foi considerado - e legitimamente! - como a melhor solução pela autarquia, porque o que pretendia era a reconstrução das habitações permanentes.
Também já foi estudada e conversada, entre o Serviço Nacional de Protecção Civil e as autarquias, qual a solução possível. Se a solução fosse a da transferência da conta de emergência para os particulares, o processo já poderia estar concluído, mas a autarquia entendeu que essa não era a melhor solução: a melhor solução seria celebrar contratos com o INH, com a autarquia e com o Serviço Nacional de Protecção Civil. Assim, neste momento, decorre a negociação dos protocolos, que espero que possa concretizar-se em breve.
Em relação à questão colocada pelo Sr. Deputado Manuel Alegre, que merece a minha solidariedade pessoal por também ter sido afectado por esta cheia, naturalmente, uma parte do que refere prende-se com medidas estruturais de ordenamento do território que são preocupação de todos nós.
No entanto, há algo que vale a pena aqui dizer relativamente a esta situação, que é o seguinte: esta cheia no vale do Mondego ultrapassou a cheia milenar! É uma situação de excepção, uma situação única, que toca a questão colocada pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia: será que as alterações climáticas e as alterações ao nível do próprio ordenamento do território exigem, para lá dos modelos segundo os quais estamos a trabalhar e que apontavam para valores abaixo dos registados, que era aquilo que era previsível, um estudo e uma reacção em termos de procurar novos modelos que dêem novas medidas de referência, para que não possamos ser enganados por situações anteriores? Eu penso que sim!

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, esgotou o tempo de que dispunha. Agradeço que termine tão depressa quanto possível.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Finalmente, em relação a questões aqui colocadas, nomeadamente acerca de uma possível descoordenação, essa é, com efeito, uma preocupação importante. Por exemplo, hoje, no Governo Civil de Coimbra, no sentido do prosseguimento de uma política de proximidade, juntaram-se, em reunião, as autoridades dos locais afectados pela situação, o Sr. Governador Civil e os técnicos dos diversos departamentos envolvidos, a fim de se procurar apurar, acompanhar e monitorar a situação daqui para o futuro.
Em relação aos números, eles estão a ser apurados e, por isso, ainda não dispomos de números definitivos, ou seja, neste momento, apenas sabemos que existem 400 pessoas deslocadas; dessas 400, a maioria já foi realojada em casas de familiares ou em centros sociais, restando 30 pessoas desalojadas, que estão a ser encaminhadas, quer pelos serviços de equipamentos sociais, quer pelo Serviço Nacional da Protecção Civil.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminado este debate, tem a palavra, para tratamento de assunto de interesse político relevante, o Sr. Deputado Ricardo Castanheira.

O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Ex.mo Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os portugueses não têm ficado, seguramente, indiferentes às imagens que, nos últimos dias, lhes têm sido proporcionadas pelos mais diversos órgãos de comunicação social.
Imagens de cidades, vilas e aldeias devastadas pela força incontrolável das águas; imagens de centenas de famílias que, num ápice, se vêem subtraídas dos seus lares, dos seus haveres e dos seus meios de subsistência; imagens banhadas por lágrimas de quem viu toda uma vida de trabalho ser arrastada pela corrente viva das águas. Enfim, imagens que tínhamos por habituais noutros cantos do mundo e com as quais nos sentíamos constrangidos. Desta feita, aconteceu realmente em Portugal.
Srs. Deputados, a Assembleia da República não pode deixar de, neste momento, acompanhar os gestos do Presidente da República e do Primeiro-Ministro, endereçando a todos os nossos concidadãos vítimas deste flagelo natural uma palavra muito sincera de solidariedade e de esperança num esforço colectivo de reconstrução.

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Sem querer fugir ao debate, de que a Assembleia da República deve ser o rosto privilegiado, a mensagem mais relevante para as famílias enlutadas e para as centenas de cidadãos sobre os quais recaiu esta tragédia é a de uma profunda solidariedade nacional na preparação do «dia de amanhã».
Srs. Deputados, a extensa e desoladora destruição que assolou o nosso país merece igual tratamento nos seus efeitos, independentemente de se ter verificado nos distritos de Aveiro, de Vila Real, de Viseu, do Porto, de Santarém ou de Coimbra.
Permitam-me, contudo, que, por força das circunstâncias de ser Deputado pelo círculo eleitoral de Coimbra e de ter podido observar no local as cheias e seus efeitos nos concelhos de Coimbra e de Montemor-o-Velho, dispense a estes casos maior atenção.
Nos últimos 100 anos de memórias, não há quaisquer registos de tanta chuva na região Centro, o que, não isentando alguns de responsabilidades, justificará, em grande parte, todo o drama vivido. Desses «alguns», de que vos falo, fazemos todos nós parte, porquanto o Baixo Mondego pode servir de paradigma para a excessiva intervenção do homem na natureza e da tentação permanente para moldar o meio às suas necessidades, custe o que custar. A factura apareceu agora!
Percorrer, então, nestes últimos dias, o curso do maior rio português, o Mondego, foi o mesmo que acompanhar um imenso caudal de destruição e de dor. Por entre as localidades de Ceira, Ribeira de Frades, Pereira do Campo, Ereira e Montemor-o-Velho, entre outras, distribuem-se várias centenas de famílias desalojadas.
Há inúmeras obras municipais, muitas delas em fase de conclusão, de ETAR a mercados municipais, passando por sedes de associações culturais e lares de idosos, que ficaram completamente destruídos. Há pontes que caíram, barreiras que ruíram, electricidade cortada, escolas fechadas e vias de comunicação irremediavelmente intransitáveis, já para não falar nos anos e anos de investigação e de preservação histórica (por exemplo, no Convento de Santa Clara-a-Velha e no Teatro Esther de Carvalho) que foram, literalmente, «por água abaixo».
São seguramente muitos os milhares de contos de danos causados a um extenso tecido comercial, bem como ainda de difícil avaliação os prejuízos agrícolas submersos nos amplos campos do Mondego. Para se ter uma ideia aproximada do que falo, bastará dizer que cerca de 11 000 ha de propriedades ficaram inundados no Baixo Mondego, o equivalente a 2/3 do Baixo Mondego!
A todo este cenário de desolação tive a infeliz oportunidade de assistir. Mas vi também, e não foi apenas em 30 ou 60 céleres minutos, de passagem, como alguns dirigentes partidários, o Presidente da República atento, diversos membros do Governo empenhados, um Governador Civil sempre presente. Vi, igualmente, presidentes de câmara actuantes, inúmeras corporações de bombeiros exaustas, forças de segurança e exército a prestar um enorme apoio e agentes da Protecção Civil interventivos.
Aqueles eram, Srs. Deputados, momentos de crise e não de crítica, de acção e não de subversão, sobretudo de salvaguarda de vidas humanas, o que, apesar de tudo, se verificou. Agora, sim, começa o balanço e a necessária assistência material às populações afectadas, com vista à normalização das suas vidas.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, é certo que a causa primeira deste desastre nacional são as chuvas intensas, isto é, este fenómeno tem uma componente natural que dificilmente se impede (vejam-se os mais de 2000 m3/segundo a passar no açude de Coimbra, quando o normal é três ou quatro vezes menos). Contudo, devemos observar atentamente o que se passou para gerar todas as condições científicas, instituir os meios técnicos e definir as dotações orçamentais necessárias à prevenção futura de tais situações.
No imediato e porque estamos perante intempéries que causaram prejuízos extraordinários no território nacional, creio ser fundamental e justificada a consideração pelo Estado - Governo, Assembleia da República e autarquias, desde logo - de medidas igualmente excepcionais; a instituição de uma comissão interministerial que coordene todo o processo de reconstrução; a criação de um regime de excepção para as obras de reconstrução concedido às autarquias mais flageladas, agilizando todo o processo de obras, habitualmente burocrático, assim como o alargamento da linha de crédito bonificado para além dos 10 milhões de contos.
Estes são passos, de facto, muito relevantes, assim como, e ainda no que aos municípios diz respeito, a possibilidade de celebrar contratos-programa com a administração central, sempre que a dimensão dos custos e a necessidade das medidas ultrapassem a capacidade financeira das câmaras, o que é da maior pertinência.
Esperar uma resposta financeira da União Europeia para auxiliar o Estado português parece-nos, hoje, uma expectativa de solidariedade razoável, em face de situações idênticas ocorridas noutros países. Mas, Srs. Deputados, o sofrimento e o sentimento de perda total que hoje estão instalados em muitos portugueses impõem que lhes seja destinada a tal conta de emergência, com as verbas necessárias para fazer imediatamente face às exigências mínimas de sobrevivência. Estes casos mais gravosos não podem, de forma alguma, dispensar uma atenção imediata de todas as autoridades.
O Governo, é certo, demonstrou estar atento, quer pelos comentários imediatos e oportunos do Sr. Primeiro-Ministro quer pelas diversas medidas que amanhã serão aprovadas em Conselho de Ministros.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a considerável dimensão do rio Mondego, a sua importância ambiental, social e económica, associadas ao seu grau de imprevisibilidade natural, que agora testemunhamos, implicam uma atenção redobrada quanto à fiscalização e conservação do leito e das margens respectivas, que o mesmo é dizer um urgente e estruturado plano hidráulico da sua bacia.
As obras de regularização hidrográfica do Baixo Mondego têm dezenas de anos e absorvido muitos milhões de contos sem que existam garantias, conforme ficou provado, que o ordenamento do território está acautelado e a segurança das populações é preservada.
A responsabilidade política de tal facto não é apenas de governos vários como também de regimes e, por isso, impõe-se a sua avaliação e redefinição imediata.
Como os factos bem demonstram, regressámos, porventura, à «estaca zero», por isso e mesmo antes de apresentar para consulta pública um completo plano da bacia do

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Mondego, deve fazer-se o balanço dos recentes fenómenos, ponderar-se todas as possíveis soluções técnicas, ambientais e científicas, confrontar opiniões de peritos e observar similares experiências internacionais, acautelando, assim, ao máximo, situações futuras.
É verdade que muitos consideram estas cheias «milenares», de carácter extraordinariamente excepcional, mas se - conforme é agora referido por alguns técnicos e especialistas - a existência de mecanismos de vigilância e segurança civil hidráulica são determinantes para a manutenção da normalidade do caudal do rio e, por consequência, para evitar desastres como aquele a que assistimos, então, devem começar a ser imediatamente projectados.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, há no nosso país uma ausência clara de cultura de segurança e prevenção, que a todos nós diz respeito e cujo responsável primeiro não é possível identificar. Atentemos, então, nestes fenómenos para mudar e encontre agora a Assembleia da República, desde logo, a unidade política para preparar o futuro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Não havendo pedidos de esclarecimento, vamos passar ao ponto seguinte, com a discussão de três dos cinco votos que, entretanto, deram entrada na Mesa. Três deles - os votos n.os 115/VIII (CDS-PP), 117/VIII (PSD) e 118/VIII (PS) - têm o mesmo objecto, sendo votos de pesar pelas calamidades que se abateram sobre o nosso país; outro voto, o voto n.º 114/VIII, é também de pesar, pelas consequências do sismo ocorrido nas Repúblicas da Índia e do Paquistão, e o último, o voto n.º 116/VIII, é igualmente de pesar pelo assassinato de um agente da Polícia Judiciária e o ferimento de um agente da GNR.
Apenas há consenso da Câmara no sentido de se discutirem e votarem, hoje, os votos n.os 115/VIII - De pesar e de solidariedade para com as vítimas das cheias (CDS-PP), 117/VIII - De pesar pelas vítimas e pelos danos das intempéries que se abateram sobre o País nos recentes dias (PSD) e 118/VIII - De pesar pelas graves consequências das intempéries que afectaram o País (PS). Uma vez que tratam a mesma matéria, penso poder contar com o acordo de todos os grupos parlamentares para que façamos a sua discussão conjunta, sendo depois votados separadamente, como é próprio.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró, que disporá de 3 minutos para o efeito.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Depois das tragédias na Venezuela e em El Salvador, parece que o eixo da desgraça deslocou-se para o subcontinente indiano.
Embora aquela zona da Índia e do Paquistão seja sujeita…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, deixe-me adverti-lo do seguinte: de acordo com o anunciado, apenas houve consenso da Câmara para se proceder, hoje, à discussão conjunta dos três votos relativos às calamidades que se abateram sobre o nosso país.
Tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço imensa desculpa, mas sobre esse tema usará da palavra o Sr. Deputado António Pinho.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado António Pinho.

O Sr. António Pinho (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O CDS-PP apresentou um voto de pesar pelos acontecimentos dos últimos dias no nosso país - não podíamos deixar de o fazer -, começando por lamentar, acima de tudo, a perda de vidas humanas e deixando aqui as nossas sentidas condolências às famílias enlutadas e às comunidades destas pessoas que, infelizmente, morreram na tragédia. A perda de vidas humanas serviu para agravar ainda mais este saldo extremamente negativo.
Obviamente, as imagens que entraram pelas nossas casas e as que foram fruto das visitas que fizemos e dos contactos que mantivemos com as pessoas, não podem deixar de nos marcar muito negativamente, pois são momentos de grande dor, de grande tragédia e de destruição que vão deixar marcas nestas populações.
O distrito de Aveiro, que é o meu distrito, onde vários concelhos foram atingidos, com especial destaque para o martirizado concelho de Águeda, que agora se viu atingido, uma vez mais, por cheias gravíssimas - em Março foi atingido por um violentíssimo incêndio -, tem sido, de facto, um concelho bastante martirizado. É como Deputado por esse círculo eleitoral que aqui deixo uma palavra de pesar pelo que aconteceu no concelho de Águeda, no distrito de Aveiro, apesar de, infelizmente, muitos outros distritos do norte e centro do País terem sido atingidos pelas calamidades dos últimos dias.
Hoje, já assistimos aqui a algumas trocas de acusações, a algumas críticas e contra-críticas, mas este não é, obviamente, o momento para entrarmos nesse tipo de considerações.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O CDS-PP, tal como já aqui referiu o Dr. Paulo Portas, pretende dar todo o contributo para que os problemas das pessoas sejam minorados e resolvidos o mais rapidamente possível. Estaremos, obviamente, atentos à implementação das medidas que visem a resolução desses problemas, para o que poderão contar com a nossa contribuição e colaboração.
O povo português e esta Assembleia têm demonstrado, noutras ocasiões - e hoje já aqui foram anunciados votos de pesar por calamidades que se passaram noutros países -, que sabem ser solidários com outros povos. Infelizmente, também chegou a nossa hora e a altura de sermos solidários com o nosso povo, com os nossos compatriotas e com os nossos amigos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Castanheira.

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O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista, ao apresentar este voto de pesar, pretende, conforme já aqui foi dito e reiterado, associar-se neste lamento pelo sucedido e, sobretudo, endereçar às vítimas, de forma extraordinariamente solidária, uma mensagem de esperança.
Contudo, ao fazê-lo, estamos em crer que interpretamos da forma mais correcta o sentimento generalizado dos cidadãos portugueses que não foram directamente afectados por este tipo de situação. Por outro lado, o tempo que a Assembleia da República, hoje, nesta sua sessão plenária, está a dispensar a esta discussão, assim como a presença do Governo e a intervenção do Sr. Ministro, apresentando e explanando as diversas medidas que, amanhã, serão aprovadas em Conselho de Ministros, é a prova evidente e factual de que os órgãos de soberania estão atentos a este tipo de circunstâncias e estão, para além de solidários, com vontade de intervir no sentido de minorar os danos existentes e, sobretudo, de acautelar situações futuras.
Por último, queria referir que estes votos de pesar não podem ser fins em si mesmos, não podem ficar apenas e só por aqui. Daí que o acompanhamento da Assembleia da República e a intervenção do Governo sejam decisivos para minorar os danos e fazer regressar à normalidade a vida de muitos concidadãos portugueses que, neste momento, se vêm despojados de todos os seus bens e haveres.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda associa-se aos votos de pesar para com as vítimas das intempéries, aos votos de pesar e de solidariedade para com as suas famílias e para com as populações tão violentamente atingidas e apelamos à mobilização de todos, de toda a sociedade civil, particularmente, do Governo, das autarquias e da instituições. Destacamos aqui o papel da comunicação social, que, na maioria dos casos, tem constituído por si mesma um incentivo a esta mobilização. Todavia, acentuamos a urgência de medidas de fundo baseadas no estudo das variáveis climáticas, e não só, para que se desenvolva aquilo que já hoje foi aqui chamado uma efectiva cultura de segurança.
É preciso prevenir para que não fiquemos condenados a reagir.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Nazaré Pereira.

O Sr. António Nazaré Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata solidariza-se e apoia igualmente os votos de pesar e de solidariedade apresentados pelos restantes partidos a esta Câmara e manifesta, através do seu voto de pesar, a sua preocupação pelos acidentes que enlutaram o País, nomeadamente durante este fim-de-semana, durante este rigoroso Inverno de 2000/2001.
Em particular, está na nossa mente a solidariedade que é devida e que expressamos às famílias das vítimas, quatro das quais na região de Vila Real, nos concelhos de Peso da Régua, Santa Marta de Penaguião e Mesão Frio.
A forte destruição que abrangeu essas zonas e que igualmente abrangeu - felizmente, nessas situações, sem outros danos senão prejuízos materiais - a zona do Baixo Mondego, em particular Montemor-o-Velho e Águeda, são, para nós, um motivo para manifestarmos preocupação no sentido de as medidas de apoio às populações serem céleres e eficazes.
Entendemos que há uma obrigação moral de toda a Nação em dar o apoio que as populações afectadas merecem, e solicitamos - e expressamos isso no nosso voto - uma mobilização de todos os portugueses, do Governo, das autarquias locais e das demais instituições públicas, no sentido de minorar o sofrimento das populações afectadas, evitando de todas as formas possíveis que aqueles prejuízos que se fazem sentir ao nível das pessoas e dos danos materiais sejam prolongados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, na sequência do debate que há pouco aqui teve lugar, só nos resta reiterar a nossa manifestação de pesar e de solidariedade para com as populações atingidas, para com as famílias daqueles que perderam as vidas, para com as autarquias prejudicadas, para com os comerciantes e os agricultores, mas também - não é demais reafirmá-lo - para com todos aqueles que, no terreno, têm procurado dar o melhor de si próprio no apoio às populações.
Com a nossa solidariedade vai também este apelo: tanto quanto possível, é preferível prevenir que remediar. Sem prejuízo de todos termos a noção de que a dimensão da tragédia é excepcional, a verdade é que muitas das consequências desta tragédia poderiam ter sido minimizadas se algumas das questões que as provocaram tivessem sido prevenidas e se os próprios serviços que intervieram no terreno tivessem meios e uma cultura de coordenação e de intervenção conjunta, que, infelizmente, ainda falta muito no nosso país.
É com esta manifestação de pesar e de solidariedade que intervimos, sendo, pois, favoráveis a todos os votos apresentados.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, queria, em nome do Grupo Parlamentar de Os Verdes, subscrever os votos de pesar apresentados e manifestar o nosso pesar às famílias das vítimas mortais e toda a nossa solidariedade para com aqueles que foram igualmente vítimas destas intempéries e que vêem toda uma vida construída profundamente afectada, sendo muito difícil retomarem-na com normalidade. Aliás, basta ver o que aconteceu, em 1997, no Alente

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jo, onde, hoje, muitas pessoas não conseguiram ainda retomar a sua vida com normalidade.
Gostaria de reafirmar, apenas, que, nesta lógica de crescimento, aquilo que hoje se denomina como uma excepção tem tendência a ser muito mais frequente e muito mais intenso. É preciso ter noção dessa realidade, havendo estudos concretos que apontam precisamente nesse sentido e para as graves consequências de que Portugal pode ser vítima, nos próximos anos, quer das muito profundas secas quer dos exagerados níveis de precipitação. É preciso ter consciência desse facto, indo o apelo para uma lógica de desenvolvimento completamente diferente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência (Guilherme d'Oliveira Martins): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, há momentos em que mais importante do que as palavras é agir.
Não podemos deixar de nos associar aos votos de pesar e de solidariedade em debate, de pesar pelas vítimas das intempéries, mas de solidariedade relativamente para com todos quantos sofrem hoje na carne a tragédia que se abateu sobre as suas regiões, sobre as suas localidades.
Por outro lado, queremos registar com grande apreço o trabalho que tem sido desenvolvido por todos quantos procuram minorar os efeitos da tragédia.
O consenso construtivo formado nesta Assembleia no debate que fizemos é a demonstração de que as instituições não esquecem a situação trágica vivida em Portugal.

O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, também quero associar-me às vossas palavras e aos vossos sentimentos, e até à vossa vontade de que sejam encontradas medidas para minorar o sofrimento dos portugueses que foram directamente vítimas das inundações que se abateram sobre o País.
Para além das causas próximas, penso que temos de ir pensando um pouco mais nas causas remotas. Temos de levar mais a sério o problema das alterações climáticas, porque cada vez que isso se discute nos areópagos internacionais o resultado é nulo. Não se leva a sério que parece estarmos prisioneiros das causas dessas alterações climáticas. Ora, isto previne-se, porque a natureza parece zangada connosco, e não lhe faltam razões para isso.
Srs. Deputados, vamos votar os votos pela ordem de entrada na Mesa, começando pelo voto n.º 115/VIII - De pesar e de solidariedade para com as vítimas das cheias (CDS-PP).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

Voto n.º 115/VIII
De pesar e de solidariedade para com as vítimas das cheias

Face aos desastres humanos fruto das intempéries do último fim-de-semana que assolaram o Norte e Centro do País e que provocaram sete mortes e o desalojamento de centenas de famílias portuguesas, a Assembleia da República exprime os seus sentimentos de pesar e a sua solidariedade para com as famílias das vítimas e com as sacrificadas populações desalojadas, manifestando a sua convicção de que o Governo proporcionará os meios adequados à reparação dos danos pessoais e patrimoniais que se verificaram.

O Sr. Presidente: - Vamos agora votar o voto n.º 117/VIII - De pesar pelas vítimas e pelos danos das intempéries que se abateram sobre o País nos recentes dias (PSD).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

Voto n.º 117/VIII
De pesar pelas vítimas e pelos danos das intempéries que se abateram sobre o País nos recentes dias.

Atendendo aos níveis de precipitação anormalmente elevados, bem como aos ventos fortes ocorridos nos últimos dias no nosso país, os quais propagaram uma vaga de destruição causadora de danos pessoais e de avultados prejuízos materiais, sobretudo nas zonas Norte e Centro;
Considerando que a dimensão de tais intempéries afectou infra-estruturas e equipamentos colectivos e privados, nomeadamente edifícios, pontes, estradas, muralhas e muros de suporte de terras, para além das próprias culturas agrícolas;
Julgando, por isso, imprescindível a mobilização de toda a sociedade civil, e em especial do Governo, das autarquias e das demais instituições públicas, entende o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata apresentar ao Plenário da Assembleia da República um voto de pesar pelas vítimas da intempérie que se abateu sobre o País e apelar à mobilização de todos os portugueses, do Governo, das autarquias locais e das demais instituições públicas no sentido de minorar o sofrimento das populações afectadas e renovar a esperança na restituição da vida dos cidadãos à normalidade.

O Sr. Presidente: - Por fim, vamos votar o voto n.º 118/VIII - De pesar pelas graves consequências das intempéries que afectaram o País (PS).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

Voto n.º 118/VIII
De pesar pelas graves consequências das intempéries que afectaram o País

Considerando a extrema gravidade das intempéries que afectaram várias regiões do País, nomeadamente as Beiras, Trás-os-Montes, Douro e centro do País, com enormes prejuízos materiais e humanos, a Assembleia da República exprime o seu pesar e solidariedade com os familiares das vítimas e todos os que sofreram prejuízos de qualquer tipo;

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confia em que o Governo tomará todas as medidas adequadas para minorar os danos e prevenir catástrofes futuras.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos guardar um minuto de silêncio pela memória de sete portugueses vítimas das intempéries que acabámos de referir.

Entretanto, a Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.

Os votos serão endereçados às famílias enlutadas.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 30 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 55/VIII - Altera o Estatuto da Ordem dos Advogados.
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (António Costa): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que hoje trazemos à Assembleia da República resulta, no essencial, de uma iniciativa da Ordem dos Advogados para a promoção da revisão parcelar do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Há quatro domínios fundamentais de alteração. Um dos domínios tem a ver com uma ligeira alteração legislativa quanto aos órgãos da Ordem dos Advogados. O segundo domínio tem a ver com a transposição de uma directiva sobre a liberdade de estabelecimento e de prestação de serviços de advogados oriundos da União Europeia. Os outros dois domínios têm maior relevância: um diz respeito a matéria disciplinar dos advogados; o outro respeita à discussão em público das questões pendentes em juízo.
Em matéria disciplinar, o Estatuto corresponde àquilo que tem sido a posição pública da direcção da Ordem, em particular do Sr. Bastonário, no sentido de a dotar de melhores condições e mais eficazes para tutelar a disciplina do exercício da profissão de advogado.
Nesse sentido, há uma primeira alteração importante, que se prende com a criação de um novo órgão em cada um dos distritos judiciais - o Conselho Deontológico -, autonomizando assim o tratamento da matéria disciplinar, até agora confiado aos Conselhos Distritais, para um órgão especifica e exclusivamente dedicado a cuidar da disciplina profissional dos advogados.
A segunda alteração importante tem a ver com as alterações ao próprio processo disciplinar, compatibilizando-o com algumas das garantias próprias do processo sancionatório. Mas é sobretudo do ponto de vista sancionatório que as alterações são mais significativas.
Por um lado, há um agravamento duro das penas de multa, cujo montante máximo se cifra, neste momento, nos 350 contos e é aumentado para os 3000 contos. Por outro lado, há a reintrodução da pena mais dura que pode ser aplicada em processo disciplinar: a pena de expulsão. A Ordem, e em particular o seu Bastonário, têm-nos informado de que, tendo em conta o crescimento no exercício da profissão de advogado, se têm multiplicado algumas ocorrências que, pela sua gravidade, exigem o agravamento da moldura sancionatória aplicável em processo disciplinar. É, pois, nesse sentido que esta proposta de lei vem permitir o agravamento da pena de multa e reintroduzir a pena de expulsão.
Evidentemente, é discutível, e creio que, em sede de especialidade, a Assembleia deverá cuidar da matéria (julgo até que há iniciativas nesse sentido de pelo menos um conselho distrital) de procurar compatibilizar de uma forma mais clara a reintrodução da pena de expulsão com o quadro constitucional, eventualmente admitindo a possibilidade de uma reapreciação necessária do processo, independentemente de o Estatuto já prever a revisão como processo especial que, em qualquer caso, pode sempre ocorrer.
O quarto e último domínio importante prende-se com a matéria da discussão em público de questões pendentes em juízo. Nesta proposta de lei, mantém-se aquela que, em meu entender, deve ser a regra de ouro para todos os profissionais do foro, sem excepção: a não discussão em público de questões pendentes em juízo. Aliás, creio que um caminho perigoso que tem vindo a ser percorrido no sentido de generalizar a discussão pública de questões pendentes no foro deve merecer profunda reflexão de todos.
Não podemos ter os órgãos de comunicação social como instâncias de recurso das decisões judiciais. Como eu tenho dito, considero que essa é uma nova forma, tecnologicamente sofisticada, do velho julgamento popular. Creio que é inaceitável e perigosa e que é preciso combater estas práticas. Seja da parte de magistrados, de funcionários ou de advogados, é necessário contrariar esta prática.
Contudo, não podemos ignorar que esta prática existe e que, existindo, ela introduz uma insuportável desigualdade das partes. O regime actualmente vigente permite que um advogado se pronuncie em público depois de previamente ter sido autorizado para o efeito por parte do respectivo conselho distrital. Muitas vezes, isto inviabiliza uma resposta pronta para a reposição da verdade, para a reposição da igualdade das partes, para a defesa dos interesses do seu cliente, quando, ou o advogado da parte contrária ou, por via de uma fuga de informação anónima, é transmitida à opinião pública matéria informativa que o não deveria ter sido e relativamente à qual se tem de reagir.
É exclusivamente neste quadro que admitimos aqui que, em circunstâncias de urgência (o que exige que, assim que possível, haja comunicação ao conselho distrital), o advogado possa, num exercício responsável desta faculdade, responder em público sempre que tal seja necessário para repor a igualdade das partes e para defender o seu cliente perante a opinião pública.
São, pois, estas as quatro alterações fundamentais: no processo electivo de alguns órgãos da Ordem, em matéria da transposição da directiva, na questão da disciplina no exercício da profissão e, finalmente, neste aspecto da discussão pública de questões do foro.

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Em síntese, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, é esta a matéria que consta desta proposta de lei.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, é, naturalmente, por dever de ofício que é o porta-voz nesta Casa do Bastonário da Ordem dos Advogados!

O Sr. Ministro da Justiça: - Mas trouxe substabelecimento!

O Orador: - Julguei que tivesse procuração!…

Risos.

Em todo o caso, tivemos o prazer de ouvir o próprio Bastonário e os seus colaboradores mais directos, em sede de comissão, sendo que alguns dos pontos que V. Ex.ª hoje aqui trouxe já foram objecto de perguntas e respostas dos responsáveis pela Ordem.
Gostaria de sublinhar aquilo que V. Ex.ª disse no sentido de concordância com o mesmo, tendo em conta os tempos em que vivemos. V. Ex.ª dedicou algum do tempo da sua intervenção à questão das relações entre os profissionais do foro e a comunicação social. De facto, este é um aspecto extremamente delicado e importante na vida actual, na medida em que, em virtude da mediatização, tudo o que sucede na sociedade e na vida das pessoas é transmitido ao País em tempo real e o País gosta de se pronunciar, de ouvir e de avaliar o que se passa nos tribunais.
Já acabou a época em que os tribunais eram todos de marfim, alheios ao bulício e ao ruído da sociedade. Hoje, os microfones e as câmaras de televisão entram nas salas de audiência, fazem perguntas aos próprios arguidos e às testemunhas, e, no meio de todo este bulício e da guerra das notícias e das audiências, muitas vezes sucede que quem não responde, perde!
Muitas vezes, o cliente não fica muito satisfeito perante as hesitações e o silêncio do advogado porque julga que a sua causa não foi suficientemente explicada ao País. Por outro lado, os advogados, com o seu saber deontológico e a sua firme convicção de que a justiça não se discute à frente das câmaras de televisão, têm de seguir a norma de não fazer declarações, custe o que custar. Então, eu pergunto-lhe simplesmente o seguinte: não haverá maneira de, sem cair na censura, pedir, pelo menos, ao conselho deontológico dos profissionais dos órgãos da comunicação social que trate deste assunto? E, na verdade, V. Ex.ª já tem mostrado vontade de diálogo e de intervir nesta matéria através dos próprios órgãos de comunicação social.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, do Programa do Governo consta a necessidade de encontrar um canal de diálogo e de reflexão entre os órgãos de comunicação social e a comunidade judiciária e nós temos tomado algumas iniciativas nesse sentido. Designadamente, apoiámos este ano a realização de um primeiro curso de pós-graduação em jornalismo judiciário, em que o nosso apoio consistiu não só na realização do curso como também no patrocínio da inscrição de quatro magistrados, dois judiciais e dois do Ministério Público, porque somos sensíveis à necessidade de a comunidade judiciária também conhecer e perceber bem os códigos da comunicação social, assim como é fundamental que esta conheça os do mundo judiciário.
Há algumas incompatibilidades estruturais - desde logo, de conceitos, de código de comunicação. O código da comunicação social tem de ser simples e compreensível pelo comum dos cidadãos, ao passo que o mundo do Direito se faz, necessariamente, de termos e conceitos precisos. Amnistia e prescrição nunca serão, para o Direito, a mesma coisa, sendo que, na comunicação social, facilmente o são.
Uma outra incompatibilidade tem a ver com o tempo. Por muito célere que a justiça seja, o tempo da justiça e o da comunicação social serão sempre, necessariamente, diferentes.
Há ainda uma incompatibilidade fundamental: não é por acaso que a justiça é sempre representada com uma venda. A justiça tem de ser cega porque tem de ser fria e a comunicação social é, necessariamente, também um jogo de emoções. A introdução desse jogo de emoções na administração da justiça é, obviamente, um dos caminhos mais perigosos.
Mas o Sr. Deputado Narana Coissoró pôs o dedo na ferida quanto a um dos grandes perigos que, em meu entender, existe neste caminho que temos vindo a percorrer. Não é só o do julgamento popular, mas tem a ver com o facto de, hoje em dia, o tribunal já não estar, de facto, nessa torre de marfim. Como já não está nessa torre de marfim, o tribunal é composto por mulheres e homens que, como todos nós, são influenciáveis pelo que vêem, pelo que ouvem, pelo que lêem. Assim, será cada vez mais difícil ao tribunal garantir a sua independência relativamente à própria comunicação que lhe vem do exterior.
Se hoje já todos temos consciência de como tem sido penalizador para a vida política uma excessiva valoração, por exemplo, das sondagens, por parte dos políticos, imaginar que, um dia, a justiça possa também ser administrada ao sabor da sondagem é um cenário de terror. Esse é um risco que existe porque, como disse, hoje os tribunais já não torres de marfim, o que tem uma dimensão positiva…

O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Ministro.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Como dizia, isso tem uma dimensão positiva porque a justiça deve estar próxima das pessoas, deve ser compreendida pelas pessoas e deve compreendê-las. Mas temos de saber regular isso com inteligência e não com normas imperativas e impositivas, pois há aqui uma lógica de mer

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cado que tem, necessariamente, de ser gerida de uma forma inteligente por todos.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Minsitro, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Minsitro da Justiça, receei que, no decurso do debate, falássemos mais de magistrados judiciais do que de advogados, pois acabou por se falar sobre os problemas de relacionamento dos tribunais com a comunicação social. Neste aspecto, penso que não adquirimos o ponto crítico que a França atingiu, aqui há uns anos, com uma grave crise neste sector.
A pergunta que quero colocar a V. Ex.ª tem a ver com o seguinte: nesta questão do tratamento do regime de uma associação pública - a Ordem dos Advogados -, há uma matéria que é propriamente estatutária, a qual consideramos até que deveria ser aprovada pela própria Ordem e não determinada pelo poder político, e há outra parte em que, obviamente, uma vez que se trata de uma associação pública, é o Estado que deve aprovar as regras a que a Ordem tem de se submeter.
Uma dessas questões é a do acesso ao direito. Nessa matéria, vejo que continua muito indefinida uma estrutura de acesso ao direito que verdadeiramente garanta aos cidadãos em Portugal a realização desse direito fundamental.
Fala-se aqui na consulta jurídica gratuita, há a defesa oficiosa, que, pelo menos em teoria, foi alterada e melhorada, mas pergunto se não era possível ter avançado mais para saber de que forma é que a Ordem dos Advogados tem intervenção numa estrutura com pés e cabeça, que creio não estar definida e que não existe, para garantir o acesso ao direito.
Não houve possibilidades de avançar mais? O que pensa a Ordem dos Advogados a esse respeito? Como se deve garantir este acesso ao direito em acções cíveis, por exemplo? É com o sistema actual de nomeação de patrono? Este sistema satisfaz, de facto, as exigências da Constituição? Mesmo em relação ao processo crime, será a situação que temos a adequada?
Sr. Ministro, o meu pedido de esclarecimento é no sentido de saber em que pé estão todas estas questões, se nos bastamos com o que temos e porque não se avançou mais numa matéria cujas regras não é da competência da Ordem dos Advogados aprovar mas, sim, nossa.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, como sabe, o acesso ao direito e aos tribunais é regulado em diploma próprio. Definimos com a Ordem dos Advogados uma primeira prioridade, a qual, aliás, teve tratamento legislativo através da Assembleia da República muito recentemente, tendo o diploma entrado em vigor no passado dia 1 de Janeiro, que tratou da componente mais sensível do acesso ao direito, ou seja, o patrocínio oficioso.
Neste âmbito, foi possível à Ordem dos Advogados, ao Governo e à Assembleia da República dar, no ano passado, um passo gigantesco. Pela primeira vez, assegurou-se legalmente que todo o patrocínio oficioso é prestado com as mesmas exigências de competência que o patrocínio no mercado.
A Sr.ª Deputada Odete Santos falou no processo penal. Como sabe, até ao dia 31 de Dezembro de 2000, a defesa oficiosa em processo penal, no limite, poderia ser assegurada até por alguém que nem era licenciado em Direito; agora, tem de ser necessariamente assegurada por um advogado. Acabou aquela triste situação, em que vivemos durante épocas, de o patrocínio oficioso ser essencialmente assegurado por advogados estagiários.
Foi possível dar esse passo gigantesco - permita-me que lhe diga -, que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro, com a reformulação integral das tabelas de honorários, que tiveram, em algumas das acções, aumentos muito significativos.
Creio - pelo menos é esse o plano de trabalho que temos com a Ordem dos Advogados - que, neste ano de 2001, poderemos dar tratamento a um segundo domínio, que tem a ver com a consulta jurídica. Em 10 anos, tinham sido abertos 17 gabinetes de consulta jurídica, na semana passada, foi possível abrir mais dois, no Barreiro e em Albufeira, em cooperação, aliás, com as autarquias locais do Barreiro e com a Câmara Municipal de Albufeira. Neste momento, temos já programado com a Ordem dos Advogados que nos próximos meses seja possível abrir mais sete gabinetes.
Temos tido contactos com a Associação Nacional de Municípios Portugueses e com a Associação Nacional de Freguesias no sentido de estabelecer parcerias com as autarquias para acelerar e criar uma verdadeira rede de gabinetes de consulta jurídica em todo o País. É esse o nosso objectivo, sabemos que é esse o objectivo da Ordem dos Advogados e sabemos que, durante este ano, vamos conseguir concretizar passos importantes para a generalização de uma rede de gabinetes de consulta jurídica.
Neste aspecto, é importante o esforço das autarquias locais mas também o das ONG e do movimento sindical, porque - não tenho dúvidas em dizê-lo - o melhor sistema de consulta jurídica existente em Portugal é o assegurado pelo movimento sindical.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É verdade!

O Orador: - Sim, é verdade!
Temos manifestado às duas centrais sindicais o nosso entendimento de que a responsabilidade do Estado na promoção do acesso ao Direito…

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, peço-lhe que conclua, pois já esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Como eu estava a dizer, temos dito às duas centrais sindicais que entendemos que a responsabilidade do Estado na garantia do acesso ao Direito passa também pela colaboração e pelo trabalho com as associações sindicais nesta matéria.

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, em primeiro lugar, apraz-me registar que o Governo, ao menos de vez em quando, ainda que em pouca parte, quer ouvir os anseios e as preocupações dos advogados.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Parece-me que os ouve demais!

O Orador: - Fez o trabalho de alteração do Estatuto da Ordem dos Advogados ouvindo essa entidade, o pior é que nem sempre tem sido assim ou, para ser mais correcto - se me permite, Sr. Ministro -, nunca tem sido assim. Desta forma, a minha obrigação como Deputado é ir dando conta ao Governo, já que ele não toma conta disso, dos resultados desses anseios, dos resultados ocorridos nos tribunais.
Sr. Ministro, são duas as questões que quero colocar-lhe muito seriamente.
Passado um mês das medidas anunciadas, entre as quais a entrada em vigor do novo diploma relativo ao apoio judiciário e do Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, o Governo já reflectiu minimamente - V. Ex.ª disse, há 18 dias, que tinha passado pouco tempo, porém, hoje já faz um mês - sobre os resultados positivos e negativos? Se sim, qual foi o resultado? Se não, qual é a explicação?
VV. Ex.as invocaram como grande argumento para as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, que assim se evitavam as funções burocráticas das secretarias, que ficavam mais vocacionadas para efectivar funções realmente judiciais, como, por exemplo, as penhoras.
Sr. Ministro, passo a referir duas notificações de dois tribunais realizadas já ao abrigo do novo diploma, notificando-me uma delas para uma penhora no dia 23 de Janeiro. Pensei: «Que eficácia!». Depois, verifiquei que dizia respeito ao dia 23 de Janeiro de 2002!
A outra notificação referia-se a uma penhora marcada para o dia 18 de Janeiro. Eu disse: «Que eficácia»!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Isso vem em que artigo do Estatuto?

O Orador: - Não se enerve, Sr. Deputado!
Outra vez, referia-se ao ano de 2002! Não quis acreditar e liguei para o tribunal, mas confirmava-se a data!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É esperar só um aninho!

O Orador: - Sim, é uma pequena minudência temporal!
A propósito da eficácia da citação por via postal simples, quero dizer-lhe que recebi uma ainda mais curiosa. Dizia o seguinte: «Não pude proceder à entrega da carta por não haver "reciple"» (penso que querer-se-á dizer "receptáculo").
Está o Governo a envidar esforços junto dos CTT no sentido de se evitar estas situações, de modo a prestigiar e a tornar credível a acção da justiça ou vamos continuar a ter marcações de penhoras para mais de um ano de distância?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Entretanto, já venderam tudo!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Montalvão Machado, fico satisfeito que V. Ex.ª vá alternando a sua opinião consoante venho à Câmara nas semanas ímpares ou nas semanas pares: nas semanas ímpares, é de opinião que nunca ouço a Ordem dos Advogados; nas semanas pares, é de opinião que vou dando ouvidos à Ordem dos Advogados. Dir-lhe-ei que faço todas as semanas a mesma coisa: ouço sempre a Ordem dos Advogados!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Ouve sempre, mas «faz ouvidos de mercador»!

O Orador: - Há matérias em que dou razão à Ordem dos Advogados, há matérias em que não dou razão à Ordem dos Advogados, acontece, porém, que estamos desencontrados, Sr. Deputado! Mas não desespere, pode ser que nos encontremos!
O Sr. Deputado não fez qualquer pergunta sobre a proposta de lei em apreço, portanto, sobre esta nada mais vou referir. De qualquer forma, quero dizer-lhe que temos tido a preocupação de ir acompanhando, quase dia-a-dia, o que está a acontecer com as novas medidas, porque sabemos que quando ocorre um conjunto de alterações legislativas há, durante um certo período, dúvidas de interpretação, informações que não chegaram, coisas que deviam funcionar e não funcionam, sendo necessário ir fazendo correcções.
De tudo o que me disse e dos dois exemplos mais gritantes que deu a única conclusão que retiro é que estas medidas só pecaram por tardias, pois se já tivessem ocorrido há dois anos possivelmente a penhora já estava feita e não estava a ser notificado para qualquer acto processual daqui a dois anos.
O Sr. Deputado questionou-me relativamente às notificações. Hoje de manhã tive oportunidade de realizar uma reunião, que vai acontecer todos os meses, com os CTT, com a SIBS, com a Caixa Geral de Depósitos e com a Segurança Social - aliás, ainda ontem tive oportunidade de reunir também com a Ordem dos Advogados e com as associações sindicais dos magistrados e dos oficiais de justiça - para recolher informação. Assim sendo, tenho os números dos CTT relativamente ao primeiro mês da entrada em vigor do diploma sobre as notificações judiciais.
Agora que o Sr. Deputado já teve oportunidade de fazer uma leitura mais atenta do diploma que tanto criticou, pôde certamente verificar que a lei não permite, como não permitiríamos, que seja feita a notificação judicial simples em casos como o que referiu, em que não há receptáculo. Por isso, nesses casos, a lei proíbe que se considere feita a citação e obriga à devolução da carta.

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Sr. Deputado, como já tenho os números dos CTT, posso dizer-lhe que, durante o mês de Janeiro, de 23 958 citações por via postal simples, só se frustraram 351 citações. Como se recorda, o paradigma da frustração da citação era de 40%. Se me pergunta se estou satisfeito, não estou! Se me pergunta se tiro conclusões definitivas, não tiro, porque tenho insistido em dizer que é cedo para tirar conclusões definitivas! Portanto, sendo cedo, não tiro nem as más, nem as boas conclusões!

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, peço-lhe que conclua, pois já esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
A única coisa que eu gostaria é que o Sr. Deputado acreditasse que temos procurado acompanhar a par e passo estas medidas para ver o que corre mal e o que corre bem. Repito o que já disse: no dia em que me convencer que é necessário corrigir alguns dos passos que demos virei aqui, darei a mão à palmatória e pedirei à Assembleia da República autorização para os corrigir.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Vai ser outro governo e outro ministro!

O Orador: - A terminar, reafirmo aqui a minha total disponibilidade para informar a 1.ª Comissão, quando esta assim o entender, sobre todos os pontos que detectámos e sobre o que temos feito para os corrigir. Porém, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que o balanço é francamente positivo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Justificam-se, na exposição de motivos da proposta de lei que ora discutimos, as alterações apresentadas por serem várias as inadequações em relação à realidade presente, designadamente no que concerne à discussão pública de questões profissionais, à acção disciplinar e ao exercício da advocacia por advogados provenientes de Estados membros da União Europeia, pelo que se impunha a sua revisão.
A livre prestação de serviços e a liberdade de estabelecimento no espaço da União Europeia no tocante à profissão de advogado começou por ser reconhecida, já em 1977, pelo Tribunal das Comunidades, em sede de recurso prejudicial do artigo 177.º do Tratado de Roma, por aplicação directa do Direito Comunitário institucional, ou seja, por aplicação directa dos próprios tratados.
Ficou famoso o «caso Reyners» que, em 1977, opôs um cidadão holandês ao Estado belga. Como ficou conhecido, no mesmo ano, o «caso Van Binsberger», relativo ao cidadão holandês, advogado, que havia transferido a sua residência dos Países Baixos para a Bélgica. Em 1989, voltou o Tribunal das Comunidade a pronunciar-se no mesmo sentido no «caso Onoklopf», que oponha um advogado alemão à ordem de advogados de Paris.
Porém, o Direito Comunitário derivado evoluiu e, já em 1986, pelo Decreto-Lei n.º 119/86, de 28 de Maio, aprovado ao abrigo de autorização legislativa concedida pela Lei n.º 6/86, de 26 de Março, Portugal transpôs para a ordem interna a Directiva 77/249/CEE, de 2 de Março, do Conselho, referente à livre prestação de serviços de advogados da União Europeia.
Através do Decreto-Lei n.º 289/91, de 10 de Agosto, transpôs-se a Directiva n.º 89/48/CEE, do Conselho, respeitante à mesma matéria. Pela Lei n.º 13/94, de 11 de Maio, alterou-se o Estatuto da Ordem dos Advogados, que passou a prever expressamente a possibilidade de inscrição dos advogados de Estados membros da União Europeia. Importava, porém, regulamentar essa inscrição, o que se faz agora.
Estamos perante aquilo a que já se designou por advogado europeu e a que o Dr. Mário Raposo, já em 1985, então Ministro da Justiça, aludia em intervenção no Parlamento.
O advogado europeu que se divisa terá de agir com adequada aptidão e competitividade. Todos teremos de estar atentos aos problemas acrescidos que se colocam com a concretização da liberdade de estabelecimento no âmbito da profissão de advogado na União Europeia, para além da liberdade de prestação de serviços já há muito reconhecida. Estamos, pois, na hora da crescente concretização dessa liberdade de estabelecimento, com todas as suas implicações, que não podemos nem devemos ignorar e devemos ter presente, também, a liberdade de estabelecimento de advogados portugueses nos demais países da União Europeia.
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: A Ordem dos Advogados é uma instituição com uma história ímpar ao longo da sua existência. Constituía, já nos anos negros do fascismo, uma consciência atenta às discriminações e à preterição de direitos fundamentais, que, apesar das dificuldades da época, não deixava de corajosamente denunciar. E voltou, já depois do 25 de Abril, quando se desenhavam novas tentativas de soluções totalitárias, a ter um papel importante na defesa dos direitos, das liberdades e da própria democracia.
Não foi por acaso que presidiram aos seus destinos, entre outros, homens como Pedro Pitta, Adelino da Palma Carlos, Almeida Ribeiro e Mário Raposo, cujo exemplo de democratas e intransigentes defensores dos direitos e liberdades fundamentais marcaram muitas gerações e tanto dignificaram os seus mandatos como bastonários da Ordem dos Advogados.
Como não foi por acaso que homens como Francisco Sá Carneiro e Mário Soares, a quem o País tanto ficou a dever na restauração das liberdades e na implantação da democracia, vieram desse constante e efectivo exercício da defesa do direito e da dignidade da pessoa humana, que é a advocacia.
Igualmente significativa é a circunstância de a Ordem dos Advogados, quando, em plena democracia, pôde fazer expressar na letra do seu Estatuto aquilo que sempre constituíra a mais fundamental das suas preocupações, ter incluído, como a primeira das suas atribuições «defender o Estado de direito e os direitos e garantias individuais e colaborar na administração da justiça».

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Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Com particular orgulho para todos nós, o Direito Constitucional Comparado refere a nossa Constituição, entre todas as do mundo, como a que mais ampla e mais profundamente consagra os direitos, liberdades e garantias fundamentais do cidadão. Mas o certo é que a ciência política também revela que não bastam os textos constitucionais para ser assegurado o efectivo exercício e respeito por tais direitos.
Sem uma Ordem dos Advogados livre e independente e sem advogados igualmente livres e independentes não haverá, mesmo nas sociedades democraticamente organizadas, na extensão desejável, e que a todos os cidadãos deve caber, a garantia da efectiva observância dos direitos e liberdades fundamentais. Esta questão é ainda mais saliente quanto é certo que os direitos fundamentais evoluíram para os chamados «direitos de segunda geração», que incluem os direitos na área económico-social, e já também para os «direitos de terceira geração», de que se realça a defesa do ambiente.
Por isso, pesem embora a complexidade e a vastidão dos problemas que à Ordem se colocam, as soluções que lhe cabe encontrar não podem, nem devem, ser estatais, nem estatizantes. Por certo que é de todo desejável e mesmo indispensável que haja recíproca cooperação entre a Ordem e o Ministério da Justiça, mas com mútuo respeito dos espaços próprios, de forma a que se continue a salvaguardar a independência da Ordem, que o Estado e a Administração sempre souberam respeitar, mas que, em soluções mais recentes, tem-se, lamentavelmente e em alguma medida, posto em causa.
Refiro-me ao alijar de responsabilidades por parte do Estado em tarefas que são da sua exclusiva competência e encargo, quando incumbe aos advogados notificações processuais entre si, além do mais com consequências que, a breve trecho, se vão mostrar graves e impraticáveis.
O futuro dos advogados, como o futuro do País, está, por irreversível e benéfico ciclo de gerações, na mão dos jovens, neste caso daqueles que ora ingressam na advocacia. A profunda mutação que o mundo de hoje vem registando e as transformações a que assistimos, também em Portugal, não podem deixar de influenciar, fortemente, o modo de estar de toda uma profissão, que, por natureza, intervém no conflito e cada vez deverá mais, e de preferência, intervir na sua prevenção.
A degradação e o desfasamento entre as opções no âmbito do ensino superior e as carreiras profissionais sectoriais, que sucessivos Governos têm irresponsavelmente criado, também se reflecte, e de forma grave, no exercício da advocacia e no grau de exigência que a Ordem tem de introduzir na avaliação para efeitos de inscrição.
A não tomada em consideração e em devida conta, pelo Governo, e mais propriamente pelo Ministério da Justiça, das opiniões da Ordem dos Advogados, tem levado à subversão de regras elementares do Estado de direito. Refiro-me, em particular, ao regime das notificações e citações, com a anómala citação postal simples presumida, que confere menos garantias que a própria citação edital.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Queremos celeridade processual, mas não queremos atropelo de direitos.
Saudamos as alterações que se pretendem agora introduzir no Estatuto da Ordem dos Advogados, em primeiro lugar os conselhos de deontologia, área extremamente sensível, em que é importante a inovação e a descentralização. Como saudamos alguma flexibilização, ditada pela mediatização da justiça, relativamente às intervenções públicas dos advogados sobre processos que lhes estão confiados, sem prejuízo de alguma parcimónia e rigor que a sua delicadeza exige.
Relativamente ao procedimento disciplinar, as alterações parecem-nos globalmente positivas, pese embora alguma reserva à pena de expulsão por questões de constitucionalidade que devemos aprofundar na especialidade.
Indispensável era, também, a aprovação de um regulamento de inscrição dos advogados dos Estados-membros da União Europeia, por força da liberdade de estabelecimento.
Reforçámos, na última revisão constitucional, as garantias de acesso ao Direito e dignificámos a profissão do advogado, ao conferirmos, no artigo 20.º, o direito de todo o cidadão a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
Igualmente, no artigo 208.º da Constituição, estabelecemos que «A lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça».
Talvez esta fosse a oportunidade para regulamentar, em sede de estatuto, estas matérias, o que podemos ainda ponderar na especialidade, em diálogo com a Ordem.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Uma associação pública como a Ordem dos Advogados, baluarte da defesa da legalidade e que tem as suas raízes cimentadas nos valores do diálogo e da tolerância, naturalmente empenhada na defesa da dignificação dos profissionais que representa, e preocupada com a garantia de que os direitos e interesses dos que recorrem aos profissionais do foro sejam acautelados por uma qualificação e uma formação profissionais sólidas, saberá, por certo, no quadro da observância das regras do Direito, a que todos devemos obediência, encontrar as soluções que conciliem a legítima esperança dos seus futuros membros, com a salvaguarda de que a Ordem e os advogados continuem, perante todos, a ser respeitados como exemplares defensores e garantes do direito e da justiça.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há pedidos de esclarecimento, tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: A evolução dos fenómenos sociais, por vezes, antecede e acaba por constituir um fortíssimo elemento de dinamização do direito positivo, que, não tendo acompanhado o processo de mudança social, impõe, então, actualizar.

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É o caso presente, em que estamos confrontados com a necessidade de adequação da jurisprudência, no seio do seu próprio terreno. Trata-se do Estatuto da Ordem dos Advogados, cuja regulamentação data de 1984, e, portanto, está naturalmente desactualizada em várias vertentes, quer no aspecto adjectivo, quer no substantivo.
A proposta de lei em análise visa, efectivamente, corrigir as inadequações do Estatuto da Ordem dos Advogados à realidade presente, designadamente quanto à discussão pública de questões profissionais, à acção disciplinar e ao exercício da advocacia por advogados provenientes de Estados-membros da União Europeia.
Relativamente à discussão pública de questões profissionais, na actual legislação, mesmo quando se impõe a necessidade de uma explicação pública, por parte do advogado, esta depende do acordo do conselho distrital que estipula os precisos termos autorizados. Ora, o esbatimento conceptual das fronteiras entre o espaço privado e o espaço público, que se observa na modernidade, a intervenção e o crescente protagonismo dos media têm imposto uma prática de discussão pública, no interesse do próprio constituinte, já reclamada pela generalidade da classe nos últimos anos. A alteração agora proposta confere licitude a esta prática que se vem observando, com manifesta violação do disposto no artigo 82.º, n.º 1, do actual Estatuto. Confere, também, maior liberdade ao advogado, deixando ao seu critério responsável a decisão de intervir publicamente em casos de urgência e circunstanciais, o que previne a banalização destas práticas. Faz, portanto, mais sentido.
No âmbito da acção disciplinar, parece-nos que a proposta regulamenta, por forma mais completa, os procedimentos disciplinares, colmatando várias lacunas no actual Estatuto.
No aspecto substantivo do ilícito disciplinar surge uma pena nova mais gravosa do que as existentes. Assim, enquanto a pena mais grave do Estatuto actual é a suspensão até 15 anos, propõe-se agora a pena de expulsão. Pensamos que tal se justifica face ao processo de massificação da profissão, no qual têm vindo a inscrever-se alguns problemas de desprestígio social, provocados por actuações e procedimentos graves, por parte de alguns profissionais, o que se projecta no bom nome da classe. Daí que uma pena mais gravosa possa constituir um factor de moralização, porque reprime, com a severidade adequada e necessária, alguns excessos verificados que são do domínio público.
Já quanto à definição do ilícito disciplinar, manifestamos as maiores reservas pela proposta de alteração ao texto do artigo 91.º, segundo a qual passaria a constituir infracção disciplinar a acção ou omissão culposa dos deveres decorrentes do Estatuto. A supressão da palavra «dolosa», neste texto, afigura-se-nos carecer de sentido.
No mesmo sentido de defesa do bom nome da classe, é meritória a criação dos conselhos de deontologia como um órgão autónomo e inteiramente dedicado aos problemas de ética da advocacia. Para eles passa competência disciplinar em primeira instância, sendo-lhes também cometida a atribuição de velar pelo cumprimento das normas de deontologia profissional, assumindo, assim, um vector de fiscalização do cumprimento das regras éticas por que devem reger-se os advogados. Dada a natureza jurisdicional destes novos concelhos, é de acolher a sua eleição pelo método de Hondt, pois ele permite que a sua composição reflicta a representatividade das diferentes sensibilidades da classe.
Quanto à terceira grande vertente de inovação, relativa ao reconhecimento do título profissional a advogados provenientes de Estados-membros da União Europeia, tal decorre da lógica da adesão de Portugal e dos respectivos tratados firmados.
Em síntese, a proposta de lei n.º 55/VIII, que favorece o Estatuto da Ordem dos Advogados, parece-nos positiva, porque reconhecemos nela a intencionalidade e a objectividade de adequação à mudança social, num sentido de dignificação da classe dos advogados.

O Sr. Fernando Seara (PSD): - Sem coerência!

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, peço ao Sr. Presidente e aos meus colegas que não me levem a mal por começar por fazer uma declaração, por assim dizer, para cumprir, aliás, o Regimento da Assembleia, e declarar que sou eu próprio advogado e que, portanto, estou a intervir numa causa em que, de forma directa ou indirecta, tenho algum interesse. Sendo certo que também estou a intervir a propósito de uma proposta de lei, agora apresentada pelo Governo, que, aparentemente, também não suscita da Câmara grandes reservas, nem um debate aceso, do ponto de vista político, como se poderia esperar, em matérias relacionadas com a justiça. E não o suscita porque, como também já foi salientado pelo Sr. Deputado relator, o Sr. Deputado Guilherme Silva, esta proposta de lei - que não é da inteira responsabilidade do Governo, no sentido de que foi feita sobre proposta da Ordem dos Advogados, partilhando a própria Ordem, de alguma forma, da responsabilidade do seu conteúdo - não visa fazer uma revisão global e profunda do Estatuto dos Advogados. Trata-se não só de uma revisão do Estatuto enquanto corporação mas também na sua relação com a justiça e com os tribunais - questão, aliás, já incidentalmente suscitada nesta sessão -, visando sobretudo resolver alguns problemas concretos, designadamente o problema mais premente, que é o da transposição da directiva comunitária sobre liberdade de estabelecimento dos advogados nos países da União Europeia. Por esta razão, esta proposta incide, fundamentalmente, por um lado, sobre matéria disciplinar e, por outro, sobre matéria da liberdade de estabelecimento.
Não é, pois, por acaso que são poucas as incursões que a proposta de lei faz sobre matéria que tem que ver com o estatuto do advogado, isto é, com a definição daquilo que são os actos próprios da profissão, com a definição das relações entre o advogado e os demais operadores da justiça, designadamente os tribunais. Estas são as matérias que suscitam um pouco mais de polémica, nomeadamente a que foi referida pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, a propósito da discussão pública de questões profissionais e, designadamente, do relacionamento dos advogados com os tribunais.

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É também incidental a incursão que esta proposta faz a propósito da definição daquilo que são os actos próprios da profissão, ao fazer uma precisão sobre os impedimentos, ou as incompatibilidades, ou a forma como eles devem ser tratados, nomeadamente a propósito do exercício de funções de consulta jurídica sem necessidade de inscrição na Ordem, particularmente, até, no que se refere aos funcionários públicos e aos funcionários de empresas privadas.
Portanto, não obstante haver, de facto, um ou outro ponto da proposta que entra por essas matérias, esse não é o objecto principal deste diploma. O seu objecto principal consiste em assegurar, por um lado, a transposição da directiva comunitária, evitando o que já acontecia, que era o incumprimento do Estado português em relação aos prazos estabelecidos na directiva e, por outro lado, fazer uma revisão do estatuto disciplinar dos advogados, porque esse, sim, estava de tal forma desactualizado que era necessário compatibilizá-lo e adequá-lo com as mais elementares regras nesse domínio.
A esse respeito, aliás, também já se percebeu que a inovação mais importante e que suscita uma ponderação maior da nossa parte é a que visa introduzir a pena de expulsão no quadro disciplinar da Ordem dos Advogados, que, como se sabe, apenas prevê, como pena máxima, a suspensão com limite temporal, que, salvo erro, vai, no máximo, até aos 15 anos.
De acordo com esta proposta de lei, a possibilidade agora prevista é bem-vinda, no sentido de ser manifesta, em situações extremas de exercício indigno da profissão, a necessidade de impedir um determinado cidadão do exercício da profissão, não apenas por um período de tempo relativamente curto, mas de forma definitiva. Porém, também é preciso, simultaneamente, ter em conta as delicadas questões que se colocam a esse propósito.
A primeira dessas questões tem a ver com um aspecto para o qual já alertou o Sr. Deputado Guilherme Silva no relatório que elaborou no âmbito da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias: tem a ver com o problema da tipificação das infracções que podem permitir a punição com a pena de expulsão.
De facto, há uma regra geral no Direito Criminal, de alguma forma matriz do Direito Disciplinar, segundo a qual não há infracção ou não há crime - no caso concreto, trata-se de infracção disciplinar - sem lei que tipifique os factos que consubstanciam a infracção. E o recurso a conceitos vagos e indeterminados, sendo lícito nalgumas circunstâncias, é, no entanto, algo que deve ser pesado e ponderado com particular cuidado.
Por outro lado, coloca-se o problema, suscitado em várias instâncias e, designadamente, também pelo seu relator, do carácter definitivo da pena naquilo em que possa contender com direitos liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, nomeadamente em matéria de exercício de uma determinada profissão.
Nesse sentido, o Sr. Ministro já salientou existir uma proposta interessante de um concelho distrital, no sentido de se prever a figura da reabilitação, isto é, prever-se um mecanismo que permita, em determinadas circunstâncias, obviamente excepcionais, a readmissão de um advogado expulso. Esta pode ser uma forma de compatitibilizar, isto é, de não tornar definitiva a pena e de não criar um ónus de tal forma pesado que coloque questões, nomeadamente de compatibilidade com o Direito Constitucional, e de, simultaneamente, salvaguardar o objectivo da proposta, que é o de evitar um exercício da profissão pouco conforme, ou totalmente desconforme, às mais elementares regras deontológicas, e mesmo indigno, a ponto de inviabilizar a manutenção do título de exercício da profissão.
Em matéria disciplinar, considero, de facto, esta questão a mais importante a debater, sendo de saudar, naturalmente, aquilo que a proposta contém de clarificação do regime e, até, do processo disciplinar, mas, sobretudo, da relação estabelecida, por forma mais clara, neste Estatuto, com os próprios princípios e disposições de aplicação subsidiária, nomeadamente em matéria penal e processual penal.
A outra grande componente desta proposta de lei reside no problema da liberdade de estabelecimento, matéria em que, sendo certo que a liberdade do legislador português está, de alguma forma, condicionada pela necessidade de transpor uma directiva comunitária e, portanto, de cumprir as obrigações assumidas internacionalmente nesta matéria pelo Estado português - desse ponto de vista, a proposta não faz mais do que isso mesmo, isto é, transpor, nos seus limites, a directiva comunitária para o direito interno português -, percebe-se haver uma série de questões laterais a merecerem, porventura, reflexão numa fase posterior. A propósito da definição das regras de exercício da profissão por cidadãos de outros países da União Europeia em Portugal, percebe-se que há um conjunto de questões muito relevante a merecer reflexão e tratamento posterior, nomeadamente no que diz respeito às relações entre o exercício da profissão em regime liberal e o exercício da profissão em regime de sociedade, ao próprio estatuto das sociedades e à forma como essas sociedades se vão estabelecer e exercer a sua actividade em Portugal.
Ninguém ignora as transformações profundas ocorridas no espaço do mercado europeu e que elas acarretam uma transformação profunda no próprio mercado da advocacia. Naturalmente, também a advocacia vai sofrendo as consequências da globalização e se vai globalizando. Como é evidente, há um peso cada vez maior das grandes sociedades de advogados no exercício da profissão e que isso tem uma implicação profunda no exercício da profissão, no sentido que tem uma implicação profunda na forma como os advogados se comportam e exercem a sua actividade, por comparação com o que faziam há 5, 10, 15 ou 20 anos atrás, nomeadamente naquilo que é a dicotomia exercício de profissão liberal/exercício de trabalho dependente. Isto é, há um cada vez maior número de advogados que não exercem, de facto, a profissão como uma profissão liberal, porque a exercem no quadro de uma estrutura empresarial e, portanto, de forma muito semelhante àquela que é exercida pelos trabalhadores por conta de outrem nas empresas em geral, e isso implica uma reflexão da nossa parte e também da parte dos advogados, naturalmente, no sentido de se perceber até que ponto é que o Estatuto actual, ou seja, a definição daqueles que são os actos próprios da profissão e da forma como ela deve ser exercida, é ou não adequado à profunda transformação da realidade económica e, com isso, também, à profun

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da transformação da realidade social em que o exercício da advocacia se insere.
Como disse no início, o objecto desta proposta de lei não é esse, ou seja, não foi objectivo do Governo, nem da Ordem dos Advogados, que sugeriu esta revisão ao Governo, fazer uma reflexão e uma revisão profunda do estatuto da profissão, do estatuto do advogado, mas também não é possível realizar esta discussão sem deixar a nota de que essa reflexão está por fazer. Aliás, o Sr. Deputado Guilherme Silva, no final do relatório, salientou algumas das matérias que, no seu entender, merecerão, no futuro, ponderação adequada da nossa parte. Haveria outras a acrescentar, como as que referi, ou seja, o exercício da profissão em regime de sociedade, a matéria da publicidade dos advogados e o problema da mediatização da justiça, que vai, cada vez mais, implicar com o problema da publicitação dos actos próprios da profissão e do exercício da actividade profissional.
Sr. Presidente, terminaria fazendo um apelo a que, resolvidas as questões parcelares de que agora estamos a tratar, comecemos também nós a fazer a reflexão profunda que se torna necessária nesta matéria, para que, num futuro, espero que não muito distante, possamos, então, fazer uma revisão global e profunda do estatuto dos advogados.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Quando eu já estiver reformada!

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, devo fazer uma declaração de interesses, porque estou a intervir em causa própria, na medida em que, sendo advogado inscrito na Ordem dos Advogados, não posso manter a distância que seria suposto manter como Deputado e, por isso mesmo, algumas das observações que vou fazer em relação a esta revisão do Estatuto dizem-me ou podem dizer-me directamente respeito, como podem dizer respeito aos meus colegas, e é bom que os Deputados, quando intervêm, declarem publicamente se intervêm com independência e isenção.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Eu até vou dizer o número da minha cédula profissional!

O Orador: - Tudo farei para intervir com independência e isenção mas é bom que fique registado na Acta que estou inscrito na Ordem dos Advogados.
A proposta de lei que estamos a apreciar é muito mais elaborada do que aquela que foi originalmente apresentada à Ordem dos Advogados para apreciação e que se resumia à alteração dos artigos 42.º, 173.º-A e 173.º-G, respeitantes ao exercício da advocacia por advogados provenientes de outros países da União Europeia.
A exposição de motivos da proposta de lei n.º 55/VIII é, certamente, a mais resumida que o Governo até hoje apresentou à Assembleia da República. Nela, o Governo limita-se a enunciar as inadequações do Estatuto da Ordem dos Advogados à realidade presente em matérias como as seguintes: discussão pública de questões profissionais; acção disciplinar; exercício da advocacia por advogados provenientes de Estados-membros da União Europeia; fundamentação da análise do articulado.
Em relação à mediatização da justiça, já tive oportunidade de dizer aquilo que entendemos, no pedido de esclarecimentos que formulei ao Sr. Ministro. Na nossa opinião, não pode haver censura à comunicação social, mas a comunicação social, muitas vezes, pretende substituir-se aos agentes da justiça para dar a sua própria versão da causa ou dos factos e o que é certo é que esta intromissão ou intervenção da comunicação social no julgamento das causas perturba a serenidade, a isenção, a boa aplicação do direito pelos juízes, o bom exercício da profissão de advogado e a boa decisão da causa. E, como o Sr. Ministro da Justiça disse, ai de nós, no dia em que os tribunais e os advogados forem regulados ou influenciados por sondagens sobre as causas e por sondagens das próprias opiniões populares quanto ao que deve ser feito!
Até hoje, o que temos verificado é que os julgamentos populares são fruto da emoção. Aliás, ontem, vimos o presumível autor dos disparos feitos sobre dois jovens nas Caldas da Rainha ser esperado à porta do tribunal e, antes que prestasse declarações perante o juiz competente, o próprio povo querer linchá-lo. Se não fossem as forças de segurança a levá-lo à audiência, com certeza, não teríamos qualquer julgamento. E a comunicação social transmitiu em directo! Transmitiu as opiniões dos populares que queriam linchá-lo, as declarações da Polícia Judiciária, que se adiantou em relação àquilo que o arguido poderia ou não dizer perante o juiz, a sua própria opinião, disse-se que se estaria perante uma seita, disse-se que as vítimas dos crimes eram, porventura, devedores desse arguido, enfim, tudo o que não é, etica e legalmente, permitido dizer.
O que o país ouviu não foi o arguido; o que o País ouviu não foi o Ministério Público; o que o País ouviu não foi o interrogatório dos juízes de instrução, foi o interrogatório da comunicação social à Polícia Judiciária, um interrogatório que, aliás, falhou, e ao próprio arguido, antes de ele ser investigado, perguntado ou prestado declarações aos magistrados competentes. Este problema tem de ser resolvido, segundo me parece, através do próprio conselho deontológico da comunicação social, em parceria com o Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados, de modo a que os próprios agentes da comunicação social se autolimitem, para que a justiça seja serena, mais justa e mais comedida e para que não haja os tais chamados julgamentos populares.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à acção disciplinar, em sede de alterações concernentes, optou-se explicitamente por determinadas formas de processo disciplinar. O processo disciplinar agora é comum ou especial, constituindo processo disciplinar especial a revisão. É eliminado o processo de inquérito, cuja abertura é determinada sempre que não seja concretizada a infracção ou não seja conhecido o infractor

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e ainda que se torne necessário proceder a averiguações destinadas ao esclarecimento dos factos. Este processo regula-se pelas normas aplicáveis ao processo disciplinar em tudo o que não seja especialmente previsto.
Aparentemente, as funções que estavam confiadas ao instrutor do processo de inquérito passam a ser confiadas, quando esteja em causa iniciativa particular ou de entidade externa à Ordem dos Advogados, a um dos membros do conselho competente em razão do território, para efeitos de apreciação liminar. Mas esta apreciação liminar parece limitar-se a um parecer não enquadrado em qualquer forma de processo e sem obrigatoriedade de discussão com seus pares em colégio, antes de o autor do parecer elaborar a proposta de remessa do processo disciplinar para instância competente. A apreciação liminar destina-se apenas à aferição da possibilidade de a conduta de advogado participado poder constituir infracção disciplinar na versão relatada pela participação, caso em que este deverá, obrigatoriamente, propor a instauração de processo disciplinar. Esta apreciação liminar não comporta quaisquer decisões instrutórias, regra que comporta uma excepção, logo no número seguinte da mesma disposição, quando se permite a diligência instrutória de apuramento de identidade do participado, quando este não seja claramente identificado na participação.
Disponho apenas de mais 1 minuto, mas quero dizer uma coisa que me parece muito importante: considero muito incoerente que, no artigo 156.º, se mantenha a previsão de que a falta de idoneidade moral seja objecto de processo próprio, o qual seguirá os termos do processo disciplinar com as necessárias adaptações. Que processo é este? Não é o processo disciplinar comum nem o processo disciplinar especial. Será um processo disciplinar especialíssimo? Convém precisar esta previsão, dada a gravidade da infracção «falta de idoneidade moral para exercício da profissão», e que o Estatuto preveja a competente tipificação. Pensamos que para a verificação da falta de idoneidade moral deve ser considerada uma forma de processo especial, com garantias próprias para aplicar a pena mais grave possível.
Outra coisa que me parece ser de referir é o acolhimento da denúncia anónima, bastando, para isso, que o Conselho Deontológico…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Sr. Presidente, se me permite, usarei apenas meio minuto.

O Sr. Presidente: - Meio minuto é muito, Sr. Deputado, dentro das regras que o senhor próprio ajudou a estabelecer, uma vez que já ultrapassou o tempo de que dispunha em 30 segundos.

O Orador: - Muito bem, Sr. Presidente. Então, no debate em sede de especialidade falarei sobre estas denúncias anónimas que aparecem expressamente consignadas.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado pela sua compreensão, Sr. Deputado.
A Mesa não registou mais pedidos de palavra, mas parece que a Sr.ª Deputada Odete Santos se inscreveu e ninguém registou a sua inscrição.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Se me inscrevi, é que é mais duvidoso!…

O Sr. Presidente: - Não tentámos marginalizá-la, Sr.ª Deputada!
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas esqueci-me de proceder à minha inscrição.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado por reconhecer isso, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: Porque meio minuto é muito tempo, poupem-me de referenciar o número da minha cédula profissional.

Risos.

Mas, para que fique tudo esclarecido, até aqui só interveio, creio eu, uma pessoa que não é advogada, que é a Deputada Helena Neves.
Em 1984, tivemos uma discussão que, perdoem-me, foi muito mais interessante do que a de hoje. É certo que os tempos estavam revoltos, estávamos em período de eleições para a Ordem dos Advogados, as quais não eram muito pacíficas, mas devo dizer que se realizou um debate sobre questões muito interessantes, a uma das quais eu já aqui me referi e quero retomá-la, ainda que brevemente, para reafirmar que me parece que, de facto, é uma intromissão do Estado estar a aprovar matéria que é propriamente estatutária, que é a forma como a Ordem dos Advogados se organiza. E isto porque a Ordem dos Advogados é uma associação, é pública mas é uma associação, não é uma não associação! Por isso, nada temos de saber se há um conselho geral, se há um conselho superior ou como é que é! A Ordem, os advogados é que podem definir estas matérias!
Por outro lado, e porque, de facto, a Ordem e os advogados exercem uma função social, que é a de colocar ao serviço dos cidadãos os meios técnicos necessários para que eles exerçam os seus direitos, há toda uma série de questões, onde estão incluídas as questões disciplinares e as da inscrição e do registo, em que, efectivamente, é o Estado que tem de estabelecer as suas regras e a Ordem deve mover-se dentro delas.
Lembro, a respeito daquilo que acabo de recordar, que no I Congresso da Ordem dos Advogados, que se realizou ainda durante o fascismo, até houve pessoas como Salgado Zenha que defenderam que era, de facto, autoritarismo o Estado intrometer-se em matéria puramente estatutária e definir regras que só os associados da Ordem, os advogados, podiam definir.
Ora, não há qualquer dúvida de que, segundo parece, o que vem aqui para discussão é pacífico, a Ordem dos Advogados está de acordo, há, efectivamente, pontos positivos nesta proposta de lei que já foram aqui

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salientados. Todavia, penso que não se evoluiu o suficiente e, como creio que na Ordem dos Advogados deve haver um cuidado necessário em relação a certos normativos, custa-me muito que sejam aqui propostas normas que são, na minha opinião e na de mais pessoas, manifestamente inconstitucionais. Não começo, sequer, por referir-me à pena de expulsão, mas pergunto onde é que é democrático haver voto obrigatório. Isto é democracia?! É democracia os advogados serem obrigados a votar e estarem sujeitos a multas se não votarem?! É que isto vem do regime fascista e continua aqui no ano 2001! Na minha opinião, esta obrigatoriedade não serve a Ordem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É para combater a abstenção!

A Oradora: - Não me diga que, então, vamos aplicar esta obrigatoriedade aos portugueses! Pôr os portugueses a votarem obrigatoriamente, a meu ver, não melhoraria a democracia! Creio, portanto, que esta regra, na especialidade, deve ser alterada.
Por outro lado, o Sr. Deputado Guilherme Silva, no seu relatório, debruçou-se sobre estes problemas e tem reflexões bem fundamentadas sobre a questão da pena de expulsão e sobre o que, quanto a esta matéria, o Tribunal Constitucional disse num acórdão. Nele se diz que quando a pena de expulsão põe em causa a sobrevivência da pessoa, afecta o direito à vida, poderá ser inconstitucional. Penso que devemos reflectir sobre isto e encontrar uma outra solução, não sei se será a reabilitação, como refere a proposta que o Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados apresentou e que tenho comigo. De qualquer modo, penso que este problema deve ser bem analisado, já que em 1984 a proposta de lei também continha esta solução e o então Ministro da Justiça, o Professor Rui Machete, depois de ouvir o debate, admitiu retirar, e fê-lo, a pena de expulsão.
Creio que alguns cuidados deve merecer também a questão da idoneidade moral e a formulação muito indeterminada do crime desonroso, como o Sr. Deputado Guilherme Silva analisa, muito bem, no seu relatório. Na audição, perguntei aos representantes da Ordem o que era isso de idoneidade moral. É preciso que se aclare bem isto, apesar de hoje o conceito de idoneidade moral não ser, seguramente, o mesmo dos tempos em que me inscrevi na Ordem. Nessa altura, tive de apresentar um atestado de bom comportamento moral e civil passado pela junta de freguesia para me aceitarem a inscrição.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - E havia outra declaração!

A Oradora: - A outra não era necessária para a inscrição na Ordem! Caso contrário, teria sido uma desgraça!

Risos.

Já agora, aproveito para prestar uma homenagem ao papel que teve um bastonário da Ordem dos Advogados no tempo do fascismo, uma pessoa que, neste aspecto, era bastante aberta e nunca pôs esse problema aos advogados que se inscreviam e que não podiam ser funcionários públicos, conservadores, notários, etc. Por isso, a advocacia serviu para muita gente sobreviver nessas circunstâncias.
Finalmente, quero dizer que penso que ainda é possível melhorar este Estatuto, se calhar, não agora mas talvez mais tarde, quando eu já estiver reformada, como disse o Sr. Deputado Cláudio Monteiro. Penso, de facto, que é muito importante melhorar este estatuto e as condições de trabalho dos advogados portugueses. Para além disso, creio que a Ordem dos Advogados tem tido uma função muito importante que se tem acentuado ao longo dos anos e que se traduz na sua participação nos processos legislativos que lhe dizem respeito e que, portanto, dizem respeito aos cidadãos.
Aliás, há ainda uma coisa que quero dizer ao Sr. Ministro da Justiça, que no outro dia não tive oportunidade de dizer. Aquando das alterações ao Código de Processo Civil, o Sr. Ministro da Justiça disse que o que estava em causa não eram interesses corporativos mas, sim, os cidadãos. É verdade, são os cidadãos! No entanto, os advogados, quando, outrora, se levantaram contra o aumento brutal das custas judiciais e, agora, reclamam por causa do sistema de citação e de notificação e das notificações às testemunhas, não o fazem por causa dos seus interesses. O Sr. Ministro da Justiça saberá, porque, apesar de agora não exercer advocacia, já a exerceu, como é difícil levar uma testemunha a tribunal, mesmo quando notificada por meio de registo, e que quem tem maior dificuldade de levar as testemunhas a tribunal são as pessoas carenciadas. Por isso, a Ordem, quando reclama nesta matéria, fá-lo no interesse dos cidadãos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, dou por terminado o debate…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, para, sob a forma de interpelação, perguntar à Sr.ª Deputada Isabel Castro se cede ao CDS-PP 2 minutos, dos 6 minutos que ainda dispõe, para eu ainda poder fazer uma intervenção.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Cedo os 2 minutos ao CDS-PP, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, sob a forma de brevíssima intervenção, gostaria de saber se V. Ex.ª deu alguma atenção a um assunto que é muito importante hoje em dia: a especialização dos advogados. Tanto mais que no último congresso da Ordem dos Advogados foi deliberado que poderia e deveria consagrar-se a faculdade de advogados especializados, ao contrário do que acontece actualmente.
Em segundo lugar, refiro-me à força executiva do laudo de honorários. De facto, se se atribuísse força executiva

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aos laudos de honorários, evitar-se-iam as acções decorrentes da falta de pagamento aos advogados.
Em terceiro lugar, quero saber se estes problemas que se levantam pela possibilidade de se expulsarem os advogados da Ordem têm razão de ser. Alguns dizem que esta é uma pena perpétua, que é inconstitucional, etc., e gostaria de saber o que V. Ex.ª pensa disto. Tanto quanto sei, há uma pena de expulsão dos funcionários públicos que é pacificamente aceite. Como tal, se há uma pena de expulsão para infracções disciplinares gravíssimas dos funcionários públicos, não vejo por que é que se levanta esta celeuma quando se pretende aplicar esta pena para os advogados a quem provadamente falta idoneidade moral para o exercício da profissão, como acontece com aqueles que raptam as mulheres, que roubam os clientes em largas centenas de milhares de contos e que, assim, apenas conseguem denegrir a imagem de advogado, contribuindo para a crença geral de que os advogados se aproveitam dos clientes para os enganar. Há casos, que vêm todos os dias nos jornais, de advogados que raptam pessoas e que ficam com os dinheiros que lhes foram confiados, sem lhes dar contas, e que, portanto, não têm idoneidade moral para qualquer profissão, muito menos para a de advogado. Pergunto, portanto, por que é que existe esta celeuma sobre a possibilidade da expulsão de um advogado da Ordem.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro da Justiça, se pretender dar os esclarecimentos solicitados, ainda dispõe de tempo. Basta inscrever-se…

O Sr. Ministro da Justiça: - Sendo assim, uso da palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, quanto à primeira questão, posso dizer-lhe que sei que a Ordem tem trabalhado na ideia da especialização e o que o Governo lhe tem dito é que não contrariará, muito pelo contrário, qualquer iniciativa no sentido da consagração legal da especialização do advogado. Parece-nos, aliás, essencial à reflexão não só a necessidade da diversificação das profissões jurídicas mas também a diversificação da própria profissão de advogado. Sei que esta é uma matéria que a Ordem tem em estudo, mas cremos que, nesta fase, não nos devemos substituir à Ordem em qualquer reflexão sobre a matéria.
Em segundo lugar, devo dizer que estou de acordo consigo quanto à aplicação pena de expulsão; penso que não há qualquer drama de inconstitucionalidade. No entanto, como eu disse na minha intervenção inicial, sei que pelo menos o Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados terá transmitido à Assembleia uma outra forma que impõe uma revisão obrigatória da pena de expulsão depois de decorrido algum tempo e verificado um conjunto de condições, o que atenuaria algumas das dúvidas suscitadas por algumas pessoas em relação à aplicação da pena de expulsão.
Portanto, na essência é isto que eu gostaria de dizer; já não se encontra na Sala a Sr.ª Deputada Odete Santos, a quem gostaria de dizer alguma coisa…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - E quanto aos laudos?

O Orador: - Quanto aos laudos de honorários, não tenho uma posição definida. Mas, sendo a Ordem uma associação pública a quem o Estado delega um conjunto de funções, não me repugna que os laudos tenham natureza de título executivo. Não me repugna que assim seja.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, dou por terminada a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 55/VIII.
Vamos, então, proceder à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 203/VIII - Medidas de redução de riscos para toxicodependentes: criação de salas de injecção assistida (BE) e 351/VIII - Altera a Lei n.º 170/99, de 18 de Setembro (Adopta medidas de combate à propagação de doenças infecto-contagiosas em meio prisional) (Os Verdes).
Para introduzir apresentar o projecto de lei oriundo do seu grupo parlamentar, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda propôs o agendamento deste projecto de lei porque ele nos permite e obriga a uma discussão que é urgente e necessária. É necessário que, na sequência de uma medida sensata de descriminalização que iniciou uma nova política quanto ao combate à droga e à intervenção junto da comunidade toxicodependente, se alargue essa medida num capítulo novo que é o da redução de riscos e de danos.
Hoje em dia, em países como a Áustria, a Bélgica, a Croácia, a Alemanha, a Holanda, a Grécia, a Itália, a Espanha, a Eslovénia, a Suíça e também o Reino Unido desenvolvem-se medidas no sentido daquela que hoje vamos discutir. Vamos discutir e pronunciarmo-nos por voto sobre se este Parlamento considera necessário para o País uma política de redução de riscos que tem como pilar fundamental a criação de salas de injecção assistida ou de salas de injecção asséptica ou como se quiser chamar. Tal é necessário, porventura mais ainda em Portugal do que em outros países, porque em Portugal, mais do que noutros países, a comunidade toxicodependente sofre pela infecção de doenças infecto-contagiosas, nomeadamente a SIDA ou as hepatites, e talvez mais em Lisboa do que em outras cidades que já iniciaram estas políticas. Por isso, os exemplos e as experiências de cidades como Frankfurt, Amesterdão, Roterdão, Barcelona, Zurique, Berna, Basileia, Madrid, Sevilha, Hamburgo ou Hanôver servem-nos como referência de uma política consolidada, recomendada por organizações internacionais e de que hoje se conhecem riscos, problemas e resultados.
O início destas experiências de salas de injecção assistida responde a dois objectivos que são irrecusáveis por esta Assembleia. Permitem diminuir ou controlar situações de overdose e permitem evitar situações de contaminação por seringas usadas. Por isso, e só por isso, elas são necessárias. Só por pura desumanidade e in

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consciência política e sanitária se podem recusar medidas elementares e urgentes como estas, de que conhecemos resultados em países que as aplicaram conscienciosamente.
Por isso é necessário que se confirme, na afirmação política do resultado deste voto, a maioria que esta Câmara defende consequentemente, coerente e conscientemente: uma política de redução de riscos assentes neste pilar e que responda a outras necessidades que se nos colocam, como os programas que já existem em Portugal de troca de seringas, de centros de motivação, de enfermagem nos bairros e de proximidade de equipas de rua coordenadas a nível nacional junto dos toxicodependentes.
Tudo isto pode e deve ser desenvolvido, e é urgente que assim aconteça; tudo isto depende de uma decisão desta Assembleia da República e do Governo, naturalmente, porque o grande sinal que importa dar - e é sobre isto que votaremos - é saber se existe ou não e se se confirma ou não uma maioria que quer uma política corajosa de redução de riscos.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Vital.

O Sr. Filipe Vital (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, não temos dúvidas da importância da criação das salas de injecção assistida, mas também não temos dúvidas de que estas salas, por si só, não chegam para resolver o problema. Só faz sentido discutirmos esta medida se conseguirmos englobar as salas de injecção assistida com outro tipo de medidas, tais como o reforço dos programas de metadona, de troca de seringas, etc.
Sr. Deputado Francisco Louçã, deixe-me citá-lo num debate que ocorreu nesta Casa há cerca de 15 dias, em que esteve presente também o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, e em que o Sr. Deputado, a propósito da dispersão dos toxicodependentes no bairro do Casal Ventoso, disse: «Sobre isso, a pior política, a pior conselheira é a política da precipitação».
Deixe-me dizer-lhe, Sr. Deputado, que concordo consigo. Penso que, se calhar, neste caso, o Sr. Deputado Francisco Louçã e o Bloco de Esquerda se precipitaram, porque apresentaram um diploma relativo às casas de injecção assistida, sem que estas sejam englobadas num conjunto de medidas mais concretas e mais globais, para resolver o problema da minimização de riscos e da redução de danos.
Quero colocar-lhe uma pergunta muito concreta, Sr. Deputado. Para si, qual deve ser o papel dos «actores» que estão no terreno, os «actores locais», isto é, as autarquias e as equipas de rua, porque o seu projecto de lei, neste campo, é omisso.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Filipe Vital, de facto, o nosso projecto de lei não trata de equipas de rua - não é essa a matéria - mas de um pilar essencial da política de redução de riscos, que é a criação de salas de injecção assistida. Outros programas são importantes para a redução de riscos; alguns já existem, outros importa criar no futuro.
Portanto, o que vamos saber através do voto é se esta alteração substancial tem maioria política, porque ela já tem maioria na comunidade dos técnicos que tratam destas doenças e da toxicodependência. E é sobre isso que devemos agir, sem precipitação.
Este projecto de lei foi apresentado há cerca de um ano atrás! Mas quando da sua bancada, Sr. Deputado, ouço críticas ao timing reconheço que o facto de o agendar numa quarta-feira, que, sendo véspera de um Conselho de Ministros, leva a um Conselho de Ministros extraordinário na terça-feira seguinte, tem certamente uma grande diferença de timing.
Mas o que temos de reconhecer - e reconhecemo-lo - é que essa maioria existente na comunidade científica e técnica existe neste Parlamento. Devemos, pois, assumir a coragem de votar uma alteração fundamental, porque esta é fundamental, ela apela e convoca outras medidas complementares, com certeza. E esta é toda a diferença entre a bancada do Bloco de Esquerda e, pelo menos, parte da bancada do Partido Socialista.
Perante propostas consistentes, como aquelas que o Governo «deu a lume» ontem, nós votamos a favor, porque entendemos ser indispensável a aplicação das mesmas. Porém, perante medidas que confirmam a decisão essencial que elas contêm, há quem, por razões de política relativamente rasteira, entenda que deve votar contra, e contra a sua própria consciência.
Pela nossa parte, conte com uma coisa, Sr. Deputado: quando houver um projecto de lei com o qual concordamos, votaremos sempre a favor dele!

O Sr. Presidente: - Para justificar a apresentação do projecto de lei n.º 351/VIII, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A incidência de doenças infecto-contagiosas em meio prisional é extremamente elevada no nosso País. A evolução dos seus números é alarmante, assim o afirma o Provedor de Justiça, no seu último relatório. Por sua vez, a incidência de toxicodependência na população reclusa é também elevada, com uma taxa média a atingir, de modo preocupante, 60% dos reclusos.
Dois dados de uma realidade que tem de ser interpretada em conjunto, o que, por sua vez, tendo presente a grande mobilidade nos reclusos e a facilidade de transmissão de doenças infecto-contagiosas, exige uma tomada de decisão política responsável face a esta realidade.
Uma realidade preocupante do ponto de vista de saúde que é reconhecida por todos e que o próprio Governo não desmente, e que requer a adopção de novos passos, que hoje vos propomos. Passos, é bom sublinhar, que não são isolados nem pretendem ser medidas redutoras; são, antes, parte integrante de uma estratégia global de redução de danos e de prevenção de riscos, sem a qual o problema de saúde nas nossas pri

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sões corre o risco de se tornar insustentável a prazo. Novos passos de uma estratégia de prevenção que nasceu precisamente nesta Assembleia, há mais de dois anos, a partir de uma iniciativa legislativa de Os Verdes, que foi aprovada por unanimidade e que veio definir um conjunto de medidas para a prevenção de doenças infecto-contagiosas. Medidas positivas que se têm revelado, contudo, limitadas, restritivas e insuficientes na sua aplicação, nomeadamente ao nível dos programas de substituição com metadona; medidas de prevenção que, no entanto, não admitiram a troca de seringas em meio prisional, como então pretendíamos adoptar e agora propomo-nos retomar. Pretende-se, assim, dar uma resposta institucional e complementar que previna os riscos que advêm da partilha de seringas contaminadas pelos toxicodependentes reclusos.
Reconhece-se, deste modo, que o problema da droga existe e é um dos mais delicados com que os sistemas prisionais se confrontam em todo o mundo.
Assume-se que, em Portugal, como acontece, aliás, na generalidade dos países, circula e consome-se droga dentro das prisões.
Confronta-se, sem hipocrisia e com sentido de responsabilidade, um alarmante problema de saúde que marca, de forma particularmente dramática, gente muito jovem.
O que propomos é a adopção de uma medida, a da troca de seringas em meio prisional, há muito constante nas recomendações do Provedor da Justiça, da Comissão Nacional de Luta Contra a SIDA e que o Relatório Anual Sobre a Evolução do Fenómeno da Droga na União Europeia identifica como experiência adoptada em países como a Alemanha ou a Espanha com resultados positivos.
Uma medida que pode revelar-se um contributo determinante se concebida e concretizada como parte de uma estratégia global de redução de danos.
O que Os Verdes vos propõem, em concreto, é que aos reclusos que formularem esse pedido seja facultado o acesso a compartimentos e a seringas, de modo a poderem, em caso de necessidade e sempre que esteja em causa a redução de danos e a prevenção de riscos, consumir por via endovenosa um estupefaciente.
O que propomos é que para esse efeito sejam instalados compartimentos específicos dentro do próprio estabelecimento prisional, onde sejam garantidas condições de higiene e de segurança ao recluso. Trata-se de uma medida que envolve os serviços médicos prisionais e que é garantida sempre que se coloque a necessidade de redução de riscos e prevenção de danos.
Esta é uma proposta que não dispensa o acompanhamento clínico do toxicodependente, antes o favorece, permitindo, com todas as vantagens que daí advêm, o melhor tratamento, reabilitação e futura reinserção social do recluso.
Por último, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, esta é uma medida que procura lidar com a única reserva séria que tem sido colocada à troca de seringas: a questão da segurança. Esta é uma reserva sistematicamente evocada, apesar de se basear num equívoco, o de que actualmente não circulam seringas nas prisões - e toda a gente sabe que assim não é, recordo que só em Ponta Delgada foram, em 1998, apreendidas 25 - e de que a partilha de seringas não é, ela própria, um risco. A possibilidade e a ponderação de um risco não deve ser inibidora da ponderação de soluções sempre que, como é comprovadamente o caso, elas possam revelar-se positivas e propiciar a disseminação de doenças infecto-contagiosas.
Uma reserva, contudo, que, mesmo assim, ponderámos, daí propormos que o toxicodependente recluso, após a utilização da seringa no espaço próprio, a deva restituir à saída, ficando assim ressalvada a questão da segurança.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei que vos apresentamos é claro nos seus propósitos, ao pretender combater as doenças infecto-contagiosas e prevenir riscos, ou seja ao pretender defender a saúde. Coincide, assim, nos seus propósitos com os objectivos que o Partido Socialista e o Governo têm traçado na sua abordagem globalmente positiva. Difere, contudo, o projecto de Os Verdes, quer do projecto do Bloco de Esquerda, hoje em discussão, quer das propostas do Governo ontem anunciadas, no meio sobre o qual centra a sua intervenção; no nosso caso, no meio prisional. Trata-se de uma opção que resulta do facto de entendermos que, pela especificidade deste território, pela vulnerabilidade própria da sua população e por este ser um espaço onde os problemas de saúde tendem a ampliar-se, há que ter, desde já, uma atenção acrescida.
É para esta realidade, que até agora tem sido secundarizada e que nem sequer foi contemplada pelas medidas ontem anunciadas como hipótese pelo Governo, que Os Verdes apelam ao vosso apoio. Um apelo perante uma realidade tendencialmente esquecida, porque não obriga ao confronto do olhar, silenciada pelos muros das prisões que a cercam; um apelo a uma realidade que, pelas suas características, requer ser compreendida como uma prioridade política para dar frutos a prazo.
Daí que, porque não queremos que cada recluso devolvido à liberdade se transforme num potencial condenado à morte, apelemos hoje à viabilização deste projecto de lei.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, a iniciativa legislativa de Os Verdes revela naturais preocupações com os problemas respeitantes à segurança, relativamente às quais nada tenho a objectar. As minhas dúvidas situam-se num outro campo.
Sr.ª Deputada, de que forma é que acha que o projecto de lei salvaguarda a privacidade dos reclusos no que respeita à reserva mínima da intimidade e no tratamento de dados pessoais. A sua omissão no projecto de lei é constitucionalmente relevante, tanto mais que estamos a falar de um meio fechado, onde essas garantias são mais vulneráveis e, como tal, precisam de um tratamento legislativo mais cuidado e exigente.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos, obrigada pela questão que me coloca.
Começo por dizer que, sendo certo, para nós Os Verdes, que a Lei n.º 170/99 é muito clara na preservação dos direitos fundamentais dos reclusos, designadamente os toxicodependentes, no tocante à não discriminação, o facto de se assumir a qualidade de toxicodependente não implica qualquer discriminação, aliás essa não discriminação é uma recomendação e tem sido assumida pelos serviços prisionais, que a têm levado à prática. Portanto, está na lei e entendemos que assim deve ser.
Mas eu coloco uma outra questão, que, a meu ver, é importante que a Câmara reflicta sobre ela, que é esta: que privacidade é que hoje existe, ou seja, em que medida é que o facto de as condições em que está a ser consumida a droga favorece, ou não, não só a contaminação mas também a iniciação, que acontece nas prisões, de muitos dos reclusos? Julgo que esta é uma questão que também tem de ser reflectida aqui.

Vozes de Os Verdes: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Freitas.

O Sr. Nuno Freitas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A questão maior neste debate diz verdadeiramente respeito ao bem comum. Bem sabemos que o bem comum, esse ente querido da política, se encontra diametralmente oposto ao consumo e abuso de estupefacientes. Daí que tenhamos gerado esta intuição colectiva, humana e solidária de defesa de uma vida livre de drogas. A força desta convicção é inabalável. Não se apaga sequer, antes se reforça, no testemunho vivido e sofrido dos toxicodependentes, ou dos pais, familiares e amigos. A integridade desse bem reclama, pois, a integridade das respostas de combate à toxicodependência. O desvalor da droga não pode, assim, ser matizado, arredondado ou esquecido.
Mas o sofrimento humano das piores realidades da toxicodependência ensinou-nos a proteger mais do que estas verdades auto-evidentes. Como recusar a sobrevivência de quem perdeu graus fundamentais de autonomia e responsabilidade? Que valor superior ou concorrente destina àquele indivíduo concreto a indignidade, a infra-humanidade e a exclusão mortífera? Se todo o homem é recuperável, como não tentar tudo na possibilidade de tratamento, cura e reabilitação de quem fracamente foi apanhado nas malhas infernais da droga?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Portugal precisa, tanto ou mais do que alguns parceiros europeus que já se adiantaram nessas medidas, de uma política global, integrada e coerente de redução de riscos e danos na área da toxicodependência. A danosidade colectiva e individual do abuso de drogas, o aumento do número total de toxicodependentes, designadamente dos consumidores de drogas duras, como a heroína, envolvidos na criminalidade, na transmissão de doenças transmissíveis e noutros comportamentos de desresponsabilização perante a sociedade, e bem assim a necessidade de estabelecer laços de proximidade e confiança que visem a sobrevivência, o tratamento e a reabilitação dos mais difíceis dependentes de drogas impõe uma nova abordagem, ainda que parcelar e limitada, de redução de riscos e danos relativos à toxicodependência.
A diminuição do sofrimento humano, a solidariedade de não desistir da possibilidade de desintoxicação, cura e recuperação de milhares de jovens e cidadãos, que perderam - repito - graus fundamentais de autonomia e responsabilidade, e a diminuição dos fenómenos associados de tráfico e criminalidade ou transmissão de doenças como a SIDA, as hepatites B e C ou a tuberculose, deverão ser objectivos primeiros dessa nova abordagem.
Assente num princípio humanista de defesa da dignidade humana, num princípio pragmático de análise concreta das piores realidades da toxicodependência e num princípio de solidariedade que garanta acesso a cuidados sanitários e a acompanhamento médico e técnico especializado, esta política de redução de riscos e danos não pode nem deve subverter a mensagem essencial de completa recusa de vidas dependentes de drogas ou o reforço do combate nacional ao tráfico e consumo de estupefacientes,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … antes se deve pretender integrar estes novos meios e medidas nas soluções sociais, criminais, policiais, de saúde pública e de prevenção e educação mais vastas. Só um sistema verdadeiramente integrado de respostas e soluções, de acompanhamento dinâmico por todas as autoridades e entidades envolvidas e com mecanismos, internos e externos, de avaliação credíveis pode alcançar resultados positivos a médio prazo nas nossas comunidades.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em Portugal, vive-se hoje, de facto, uma realidade particularmente alarmante na fronteira da droga com a saúde pública. Os danos associados ao consumo de drogas atingem consequências e proporções verdadeiramente dramáticas, que exigem medidas especiais, algumas de emergência.
Segundo a OMS, registamos a maior taxa de infecção por HIV da União Europeia e a maior taxa de crescimento da doença. As últimas estimativas falam mesmo em 36 000 infectados no nosso país. Note-se ainda que não existem dados globais, por insuficiência de rastreios, quanto ao número de reclusos infectados nas cadeias portuguesas, calculando-se serem, pelo menos, 20 % dos reclusos, também aqui a maior incidência da Europa.
Assinale-se que todos os estudos e dados apontam para os toxicodependentes como principal grupo de ris

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co na infecção e na transmissão da SIDA. Paralelamente, não pode ser esquecida a incidência de outras patologias na população toxicodependente. Observe-se a não menos preocupante propagação dos casos de tuberculose, com uma taxa recorde na União Europeia, sendo de destacar o incremento das formas graves e da multirresistência, e a situação não é mais animadora no que concerne a outras doenças infecciosas, como as hepatites B e C.
Por outro lado, deve ser especialmente destacado o facto de o número de mortes directamente associadas ao consumo de drogas - mortes por overdose - ter aumentado 221% entre o ano de 1993 e o ano de 1999, segundo dados do IPDT, sendo a mera adulteração das substâncias consumidas a causa principal dessas mortes.
A situação real portuguesa é, com efeito, muito grave. Parece, assim, de elementar e urgente humanidade prevenir riscos e combater danos associados ao consumo de drogas. Por isso estamos tão abertamente, tão frontal e vivamente contra o projecto de lei sobre salas de injecção assistida hoje presente na Câmara.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A subversão política que encerra está bem espelhada no articulado proposto. Para marcar a oportunidade política e mediática, tão criticada numa certa esquerda coquette, redige-se um projecto de lei de «um artigo e três quartos» - três quartos de injecção assistida! -, onde tudo o que verdadeiramente interessa fica para regulamentação posterior. Que integração com outras medidas de redução de riscos ou de tratamento dos toxicodependentes? Que condições técnicas e formativas são exigíveis? Que contrapartidas de segurança, de saúde e de acompanhamento estão garantidas aos bairros que acolhem essas salas? Que prejuízos e riscos, porque também os há e estão documentados internacionalmente, estão prevenidos? Que avaliação é proposta?
Mas, mais grave, é a subversão de apresentar a invenção da roda da toxicodependência por lei, de cima para baixo, sem debate público, e, portanto, sem causa e compreensão públicas, sem o gradualismo que se exige a medidas polémicas em todo o mundo desenvolvido, como tão bem atestam todos, repito, todos os exemplos de países que avançaram com algum tipo de locais protegidos fora do espaço público.
A nossa frontal oposição radica, pois, na crença no processo contrário, vindo de baixo para cima, isto é, por iniciativa de projectos locais em áreas problemáticas, por iniciativa das autarquias locais, com obrigatória consulta pública e com contrapartidas negociais para os bairros envolvidos, com claro envolvimento das estruturas de saúde, das forças de segurança, de meios médicos e técnicos para apoio e acompanhamento dos toxicodependentes, de respostas sociais, em regime experimental e com mecanismos credíveis de avaliação externa.
E, ainda assim, não obteria a prioridade sobre uma rede nacional de equipas de rua, ou sobre a criação de centros de abrigo, de equipas móveis de prevenção para eventos juvenis, ou sobre o reforço dos programas de substituição opiácea e de troca de seringas, ou ainda mesmo sobre medidas emergentes para as cadeias portuguesas.
A redução de riscos e danos é sempre parcelar e limitada. Goza da nossa abertura em virtude de nos caracterizarmos como partido humanista e reformista, atento à incapacidade volitiva óbvia do toxicodependente, esse doente irresponsável.
A contra-indicação absoluta para medidas avulsas justifica-se tão simplesmente pela nossa procura inesgotável de consensos nacionais amplos sobre a prevenção, o tratamento e a reabilitação dos toxicodependentes, num processo pedagógico, público, democrático e moderno de partilha e comunhão dos novos passos. Sem estes valores e referências, condenamo-nos a processos políticos tácticos, de oportunismo e condicionamento e de divórcio público, e condenamos os elos mais fracos - os toxicodependentes e as suas famílias - ao desespero de confundir o mal e o bem, o bem próprio e o bem comum.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Permitam-me que comece com uma citação. O Professor Carlos Amaral Dias costuma dizer, com alguma piada, mas, acima de tudo, com muita razão, que «todos os programas têm uma solução simples, rápida e errada», e isto é, infelizmente, o que se passa com o projecto de lei do Bloco de Esquerda.
Trata-se de um projecto de lei tecnicamente errado e fruto de um estudo pouco cuidado, e, a nosso ver, isso é uma pena, porque, de facto, este assunto muito concreto merece que todos nós consigamos fazer uma reflexão profunda e cuidada sobre ele.
Vou dizer-vos a razão por que digo que me parece que este projecto de lei é fruto de pouco estudo. Este projecto de lei entrou na Assembleia no dia 10 de Maio do ano passado - e quantas vezes ouvimos o Sr. Deputado Francisco Louçã citar o exemplo espanhol -, exactamente no mesmo mês em que começou o exemplo espanhol de Madrid, de Marranquillas.
Acho que o que o Bloco de Esquerda quer fazer, mais uma vez, é, em quatro artigos, mudar o mundo. Ora, sabemos que nestas matérias não é possível mudar o mundo em quatro artigos.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Também vos quero dizer, de uma forma muito frontal e muito directa, que, na bancada do CDS-PP, não temos qualquer espécie de dogmas, de ideias feitas, nem sequer de preconceitos ao abordarmos estas matérias.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Queremos uma política integrada de redução de riscos e uma política integrada de menorização

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de danos e estamos dispostos a discutir tudo, mas, acima de tudo, com um e só um objectivo: levar os toxicodependentes ao tratamento. É que nós, nesta bancada, acreditamos que todos os toxicodependentes podem ser tratados, se lhes derem para isso o estímulo e o incentivo necessário.
É por isso que balizamos esta discussão em cinco critérios que, a nosso ver, são fundamentais.
O primeiro é o de termos uma política integrada de redução de riscos e de menorização de danos, onde é fundamental integrarmos as equipas de rua; os centros de dia, que dão a alimentação e a higiene; os centros de noite, que servem, acima de tudo, para que os toxicodependentes possam pernoitar; e a possibilidade de se fazer o rastreio das doenças e de se criarem bases de dados de informação, que tão importante é.
Aqui insere-se, como é óbvio, a problemática das «salas de chuto». E, Srs. Deputados, deixem-me não cair na linguagem politicamente correcta e chamar a isto as «salas de chuto». Estamos disponíveis para discutir esta medida, desde - e esta é a nossa condição - que estas salas visem o tratamento.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - E isso, infelizmente, não está no projecto de lei do Bloco de Esquerda e aguardamos para ver se estará nos projectos do Governo.
O que queremos são salas de recuperação, não salas de demissão, onde o Estado «encolhe os braços» e diz que nada mais pode fazer.
No projecto de lei do Bloco de Esquerda que hoje estamos aqui a discutir, o que se diz é que aos toxicodependentes é dada informação se eles a desejarem. Não pode ser assim. E não pode ser assim, porque, infelizmente, todos nós sabemos a esfera de vontade que um toxicodependente tem. O que tem de existir é um assistente social, um técnico social, que possa chamar e integrar essas pessoas num centro e numa lógica de tratamento. Isto, de facto, é que é uma política séria e é o estímulo de que eu, há pouco, vos falava.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - O resto é irresponsabilidade!

O Orador: - O segundo critério que me parece muito importante para balizarmos esta discussão é a avaliação de outros modelos que existam e uma discussão profunda e global desta política. E aqui há uma coisa que não percebo: não percebo por que é que, por exemplo, tantas vezes é citado - e bem! - o caso espanhol, que terá, certamente, alguns benefícios, e não esperamos, todos nós, esta Assembleia, 20 dias, até ao dia 23 de Fevereiro, data em que a ONU vai lançar um relatório de avaliação sobre as «casas de chuto» em Madrid. Qual é a pressa? Faltam apenas 20 dias para termos um instrumento de trabalho, que reputo ser fundamental para esta discussão.
O terceiro ponto é, em nosso entender, muito importante; é um ponto simbólico, mas de um simbolismo fundamental: estas casas não podem ser criadas e mantidas pelo Estado, não pode haver salas legais do Estado para o consumo de drogas que são ilegais.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É possível, eventualmente, estudar e discutir - e estamos dispostos a fazê-lo - que salas como estas funcionem na esfera de associações privadas, na esfera de IPSS. Isso poderá ser possível e estamos dispostos a discuti-lo, mas «salas de chuto» criadas e mantidas pelo Estado não.
Quarto ponto: estas salas nunca, por nunca, possam ser colocadas em zonas residenciais ou em zonas comerciais. Quando se fala de uma medida como esta, têm de existir, evidentemente, estudos de impacto social sobre a comunidade onde elas poderão ser inseridas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - É uma coisa fundamental e é uma coisa de seriedade política.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Quinto e último critério para nós muito importante: a fiscalização do tráfico. Infelizmente, sabemos que onde existem estas casas há um fenómeno de aumento de tráfico nos sítios circundantes, sabemos até que existe muitas vezes um fenómeno que não aceitamos, é que sejam criados paraísos de tráfico nas zonas circundantes e, nomeadamente, apartamentos criados e mantidos por traficantes. Isto a bancada do CDS-PP não aceita e não pode tolerar.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Mas, acima de tudo, numa discussão como esta, não podemos esquecer o que é mais importante. E o que é importante é a prevenção; o que é importante é o tratamento; o que é importante é a reinserção social dos toxicodependentes; e o que é importante e fundamental também é o combate ao tráfico.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, uma vez que é tão citado o exemplo espanhol, gostava de terminar este debate com uma frase do Presidente do Executivo espanhol. O Sr. José Maria Aznar costuma dizer que o único sítio onde o êxito vem antes do trabalho é no dicionário. E, de facto, nesta matéria, se queremos ter alguma espécie de êxito, exige-se de todos nós muito e muito trabalho.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Pisco.

O Sr. Paulo Pisco (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A discussão de um projecto de lei sobre a redução de danos e riscos na toxicodependência é um bom ponto de partida para uma reflexão, que se pretende esclarecedora, sobre os caminhos que neste domínio devem ser seguidos.
Importa, acima de tudo, atenuar as consequências dramáticas que o consumo de drogas injectáveis provoca

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a nível humano, social, familiar e económico. E esta discussão deve servir para esclarecer a opinião pública e não para a deixar mais confusa.
É preciso agir, sem preconceitos, nem paternalismos, com sentido de responsabilidade, para evitar mais mortes, mais contaminações, mais degradação humana e social, mas é preciso também fazê-lo com humanismo e tolerância, numa abordagem que compreenda a dimensão múltipla deste drama que arrasta milhares de pessoas para as margens da vida e da sociedade, pessoas que acabam por ser consideradas por muitos uma espécie de não gente, um foco potencial de doenças, inaptos para o desempenho de qualquer tarefa social.
Só que, muitas vezes, esquecemos que eles podem ser nossos familiares, amigos ou conhecidos. E de vez em quando lá vamos ouvindo dizer que fulano de tal morreu com uma overdose, já totalmente impotentes para fazer algo. E, infelizmente, as mortes relacionadas com o consumo de droga têm aumentado de forma preocupante nos últimos anos.
Muitas vezes optamos também por ignorar que essas pessoas lutam desesperadamente para regressar à vida, para poderem estar junto da família e dos filhos, para saírem da sordidez e dos ambientes viciosos em que se encontram, e desejam, mais do que ninguém, voltar a ter um projecto de vida e uma perspectiva de futuro.
É esta a mensagem central do princípio do humanismo, que inspirou a elaboração da «Estratégia Nacional de Luta Contra a Droga», importante e exaustivo documento aprovado pelo Governo na anterior Legislatura e que, gradualmente, tem vindo a ser posto em prática. Uma verdadeira estratégia global e integrada, que apresenta caminhos para as diversas vertentes do problema das drogas, como o diploma que o Governo vai agora apresentar para discussão pública no âmbito da redução de danos e riscos, em que as salas de injecção segura são uma entre as muitas medidas previstas.
Mas é também preciso compreender que a abordagem humanista do problema da toxicodependência exige pragmatismo, isto é, uma atitude sem a interferência de preconceitos, tantas vezes paralisadores da acção.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este projecto de lei é, assim, um bom meio para promover uma discussão pública alargada, porque, apesar da urgente necessidade de se apresentarem medidas inovadoras para a redução de danos e riscos na toxicodependência, é aconselhável que uma matéria que tem gerado alguma controvérsia seja apresentada de forma pedagógica e se criem consensos, já que é necessário envolver outros parceiros e instituições neste combate. A urgência de se encontrarem soluções que reduzam os danos não nos deve fazer avançar de tal forma que um passo em frente possa dar origem a dois para trás, mesmo que as experiências que existem com salas de injecção segura apresentem resultados bastante encorajadores.
Com efeito, não se deve ignorar que as experiências holandesa, suíça, alemã e espanhola proporcionaram a recuperação a muitos toxicodependentes, uma melhoria das suas condições de vida, a diminuição do número de mortes por overdose e de contaminações com doenças infecto-contagiosas, que a segurança e a aprazibilidade regressou a algumas zonas e que a criminalidade baixou. Isto não pode nem deve ser ignorado. Mas também é legítimo considerar que uma medida deste género não pode ser apresentada de forma isolada e desenquadrada, como o faz agora o Bloco de Esquerda. Para além das paredes das salas de injecção assistida, não é aqui considerada qualquer política global e integrada de redução de danos e riscos, qualquer estratégia de prevenção, apoio e tratamento ou coordenação das actividades e funções dos diversos intervenientes. Como afirma o responsável pela política de drogas da cidade de Frankfurt, «as salas de injecção segura sozinhas não fazem sentido, mas integradas num sistema de ajuda a toxicodependentes são muito úteis».
Pretender criar isoladamente salas de injecção segura sem deixar claro que o tratamento e a reintegração social são o horizonte final de todas as políticas de redução de danos e riscos pode levar a incompreensões, a aproveitamentos políticos capazes de prejudicar o processo, dificultando assim a adopção de medidas inovadoras e pragmáticas. Não queremos que a criação de salas de injecção segura fique associada a uma facilitação ou banalização do consumo, ou a uma pré-liberalização das drogas, como gostam de argumentar muitos partidos da direita, tanto em Portugal como em outros países da Europa. Em definitivo, não é nada disto que se trata. Trata-se, antes, de uma necessidade imperiosa de apresentar soluções inovadoras, sem perder de vista que o problema da droga é mundial e praticamente impossível de erradicar.
É que, apesar dos esforços sempre maiores para combater o tráfico, a droga continua a existir e os traficantes a descobrir novos e sofisticados meios de iludir as autoridades. Por exemplo: proibiu-se o ópio, surgiu a heroína; combateram-se as drogas leves, surgiram as duras; combateram-se as drogas duras, apareceram as de síntese; eliminaram-se plantações de ópio na Tailândia, surgiram com mais força no Afeganistão; desmantelou-se o cartel de Medelin, surgiu o de Cali, ainda mais violento; elimina-se um barão da droga, já está outro no seu lugar; e assim sucessivamente perante a impotência das autoridades nacionais e internacionais que, de boa fé, lutam contra este flagelo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em Portugal, já há um importante trabalho na redução de danos e riscos. Os programas de troca de seringas funcionam bem e já permitiram uma desaceleração da contaminação por doenças infecto-contagiosas, apesar de Portugal registar ainda uma das maiores taxas de incidência da União Europeia. Dados do Instituto Português da Droga e da Toxicodependência, referentes a 1999, indicam que os programas de substituição de opiáceos abrangeram cerca de 6000 pessoas, 80% das quais com metadona, tomadas nos CAT, Centros de Saúde e farmácias. A experiência integrada do Casal Ventoso constitui uma referência indiscutível. As equipas de rua e os projectos de redução de riscos em Lisboa, Porto, Coimbra, Algarve e em outros sítios do País têm feito um importante trabalho de aproximação aos toxicodependentes, contribuindo decisivamente para os conhecer melhor e os orientar para os centros de tratamento.
Mas importa ir mais longe, mais fundo e de outra forma e o projecto de lei do Bloco de Esquerda é claramente insuficiente e fica muito aquém desses objectivos. É por isso que não podemos dar o nosso assentimento.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As medidas de redução de danos constituem inegavelmente um aspecto importante de uma política de combate à toxicodependência. Num país onde a incidência da SIDA atinge os níveis mais elevados da Europa, sabendo-se que uma parte significativa dos portadores do HIV serão toxicodependentes, onde se constata o regresso em força da tuberculose, designadamente com características de especial resistência aos tratamentos mais usuais, onde outras doenças infecto-contagiosas fazem também o seu caminho, assume especial importância a consideração de medidas de redução de danos no consumo de drogas em situação de dependência.
A aplicação e o sucesso de medidas nesta área permitem, entre outras coisas, a diminuição da vulnerabilidade dos toxicodependentes a determinadas doenças, a restrição dos riscos para a saúde pública associados a esta área e a criação de condições para um tratamento ou recuperação do toxicodependente. E aqui está precisamente um aspecto fundamental da questão da redução de danos e de qualquer medida adoptada nesta perspectiva. A redução de danos, tendo por si só um impacto directo na vida e em aspectos da saúde dos toxicodependentes, não pode nunca estar desligada de uma perspectiva permanente de encaminhamento para o tratamento e a recuperação. É este o objectivo final que deve ser a característica estruturante de toda a intervenção nesta área e que deve influenciar todas as medidas adoptadas. Não podemos nesta matéria admitir qualquer risco de sobrepor à perspectiva da recuperação e reinserção social a vontade de diminuir a visibilidade pública do fenómeno.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Dentro destes princípios, queremos dizer que não temos qualquer oposição de princípio em relação às medidas propostas e hoje aqui em discussão. Consideramos que elas devem ser enquadradas quer numa perspectiva mais ampla e coordenada de redução de riscos quer numa perspectiva de encaminhamento para o tratamento.
A proposta do Bloco de Esquerda deve, portanto, na nossa opinião, ser considerada no seio de uma planificação global e não como medida isolada. Por outro lado, deveria talvez ter mais vincada a filosofia de encaminhamento para o tratamento, que não deve estar reduzida à mera prestação de informações aos toxicodependentes sobre os locais de tratamento. É preciso um comprometimento mais profundo destas iniciativas e dos técnicos que nelas trabalham com o objectivo final do tratamento.
Em relação às propostas de implantação de salas de injecção assistida, julgamos que seria avisado que elas tivessem, numa primeira fase, um carácter experimental, que uma iniciativa completamente inovadora entre nós - como é esta - merece, e que permitisse uma avaliação e eventual correcção daqui a algum tempo.
A proposta de Os Verdes merece também a melhor atenção, dado que incide sobre uma temática de manifesta importância e em relação à qual vigora uma certa indefinição na política do Governo. Os problemas de saúde que se vivem nas prisões não podem ser ignorados. De resto, é preciso lembrar que há uma lei desta Assembleia, aprovada, aliás, por proposta de Os Verdes, que prevê a troca de seringas nas prisões e que o Governo preferiu ignorar. É verdade que é preciso considerar as questões de segurança que eventuais medidas desta natureza podem vir a levantar, mas também é verdade que o problema de saúde, que continua a existir nas prisões, tem de merecer uma resposta que não pode ser indefinidamente adiada. O projecto de Os Verdes apresenta de facto uma solução para a questão da segurança, embora introduza, com a solução prevista, um problema de identificabilidade dos toxicodependentes, que deve também ser tomado em consideração. O projecto de Os Verdes dá um contributo nesta matéria, que é uma base de partida mas que também deve ser enquadrado numa perspectiva integrada e, porventura, merecedora de uma fase experimental.
Esta é, portanto, uma matéria de importância decisiva mas que não ganha com abordagens isoladas. Para esta concepção global, que, evidentemente, se tem de concretizar em medidas concretas, como algumas do tipo das que hoje são apresentadas, em que se podem incluir as que hoje aqui se discutem, o PCP está disponível para contribuir.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Vitalino Canas): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Francisco Louçã, primeiro, aquilo onde coincidimos: é óbvio - e este ponto de encontro parece-me, aliás, comum a todas as bancadas desta Assembleia e também ao Governo - que entendemos que deve haver uma política de prevenção e de redução de riscos e danos em Portugal. Disseram alguns dos Srs. Deputados que, porventura, em Portugal, mais do que em outros países, tendo em conta algumas cifras negras que nós temos. Estamos de acordo em relação a isso e, naturalmente, procuraremos aprofundar a política de prevenção e de redução de riscos e danos, sempre na perspectiva do tratamento. Isto é, obviamente, a política de redução de riscos e danos tem de ter um carácter instrumental em relação a patamares mais ambiciosos - patamares relacionados com a sensibilização, a informação e a possibilidade de os toxicodependentes se submeterem, depois dessa sensibilização, a terapêuticas de tratamento. Penso que aí também haverá uma grande dose de coincidência nesta Assembleia e também com o Governo.
Contudo, o projecto que o BE apresenta não é, em rigor, um projecto sobre política de prevenção e redução de riscos e danos, é um projecto sobre um aspecto parcelar

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isolado e até pouco importante, em minha opinião, dessa política de redução de riscos e danos.
Quanto a esse projecto, temos, basicamente, quatro pontos de divergência: sobre a sua oportunidade; sobre a metodologia proposta para a sua aprovação; sobre a filosofia directora que o enforma; e sobre aspectos de substância.
Comecemos pela oportunidade. O Sr. Deputado procurou dar aqui a entender que o Governo fez precipitadamente o agendamento do seu próprio diploma para Conselho de Ministros - creio que isto revela, porventura, alguma desatenção em relação a calendários que o Governo tem há vários meses apresentado publicamente, porque, há menos de um mês, o Governo disse que até ao fim do mês de Janeiro iria fazer a apresentação pública deste diploma, e é isto que estamos a fazer. Estamos a cumprir um calendário fixado há muito tempo e que não foi precipitadamente definido.
Quanto à divergência sobre a metodologia proposta para a sua aprovação, sempre dissemos e continuamos a dizer que este tipo de política, pelos aspectos de inovação e de necessidade de consenso público, requer uma ampla discussão pública - estes diplomas, estas políticas, acções, iniciativas, não podem ser aprovadas sem, previamente, serem discutidas publicamente, com ampla base. Fazer a aprovação do projecto de lei do BE neste momento, sem ser precedido de uma ampla discussão pública, seria, em meu entender, profundamente errado e impossibilitador de conseguirmos aplicar essa medida, mesmo que reduzida, no terreno.
No que toca à divergência sobre a filosofia directora que o enforma, entendemos que tem de haver uma política integrada, completa e global de redução de riscos e danos. O Sr. Deputado sabe que, em Portugal, já existem algumas experiências nesta área, já existem, aliás, medidas com muito sucesso; sabe também que, em Portugal, não há ainda qualquer enquadramento legal para a distribuição e troca de seringas, para as equipas de rua, para os gabinetes de apoio, para os centros de acolhimento e para outras medidas de redução de riscos e danos que, esses sim, são verdadeiramente importantes, mas que, aparentemente, na perspectiva do BE, devem ficar para mais tarde. Não é esta, naturalmente, a nossa perspectiva. As salas de injecção assistida, ou de consumo assistido, ou de consumo asséptico, como se queira, são uma medida que pode ter interesse num contexto bastante mais amplo, em que haja equipas de rua, gabinetes de apoio, metadona de baixo limiar, em que haja outras medidas de acompanhamento e, sobretudo, num contexto em que haja articulação entre essas salas e os meios de tratamento. E isto não está garantido no projecto de lei do BE.
Finalmente, divergimos sobre os aspectos de substância, porque também aquilo que o BE pretende fazer é uma estatização deste tipo de iniciativas, e não é isto que encontramos no direito comparado, na experiência comparada. Na maior parte dos casos, o que encontramos é a iniciativa particular e é, eventualmente, enquadramento ao nível das autarquias locais. Divergimos, portanto, radicalmente, da filosofia e da substância que está subjacente ao projecto de lei do BE.
Quanto ao projecto apresentado pelo Partido Ecologista «Os Verdes», devo dizer que também tenho divergências no que diz respeito à oportunidade, à metodologia de aprovação, à filosofia e à substância. Tenho dúvidas em relação à oportunidade porque entendo não estarem ainda preenchidas as condições necessárias para se tomarem medidas no que diz respeito à redução de danos em meio prisional. E por isso o projecto de diploma que o Governo apresentará não contém qualquer medida nesse âmbito.
Entendemos que, antes de tomar qualquer tipo de decisão sobre uma política integrada que, eventualmente, contenha também a distribuição ou troca de seringas nas prisões, temos de conhecer bem a realidade. É óbvio que, de vez em quando, saltam para a opinião pública números, tais como tantos por cento de toxicodependentes nas cadeias, tantos por cento contaminados com o HIV, com o vírus da hepatite ou da tuberculose, tantos por cento a partilharem seringas, mas todos estes números são perfeitamente ilusórios, não têm uma base científica, nunca se fez qualquer estudo sobre esta matéria. Nós pretendemos conhecer a realidade e só depois disso tomaremos medidas integradas em âmbito prisional.
Tanto eu como o Sr. Ministro da Justiça temos também aí um timing, um calendário. Já visitámos uma cadeia em Espanha, estamos prestes a visitar uma cadeia na Suíça, que tem uma metodologia diferente no que diz respeito à redução de danos; e, logo que isto suceder, iremos tomar e apresentar decisões neste campo, como é óbvio.
Quanto à questão da metodologia, pretendemos também garantir que a aprovação de quaisquer medidas para o meio prisional seja perfeitamente discutida dentro do meio prisional, sobretudo com aqueles que vão aplicar no terreno, sem isto não há qualquer garantia de que estas medidas tenham resultados positivos.
No que toca à filosofia e à substância, tenho também muitas dúvidas sobre a possibilidade da criação, dentro das cadeias, de salas de injecção assistida - pois, no fundo, é disto que se trata. Não tenho uma posição definitiva, não estou neste momento em condições de dar o meu acordo, em nome do Governo, a essa possibilidade e, portanto, suponho que este também é um projecto de lei que não colhe, da nossa parte, inteira concordância.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Governo irá colocar à discussão pública um projecto que, a nosso ver, contempla uma política integrada, visando em última análise o tratamento, mas cuidando, enquanto não há tratamento, dos toxicodependentes, sobretudo daqueles que têm problemas mais graves de saúde e de exclusão. Espero que todas as bancadas deste Parlamento, tal como pude verificar pelas intervenções feitas, possam ter uma participação muito positiva nesse debate público.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Bernardino Soares e Isabel Castro. Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, com as declarações feitas nesta intervenção

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de V. Ex.ª fico mais satisfeito em relação à perspectiva de tratamento que deve estar presente, porque, de alguma forma - e ainda bem! -, contradizem uma certa ideia que pareceu perpassar em algumas declarações à comunicação social, na operação mediática que o Governo montou nos últimos dias, e que, porventura, valorizariam mais uma certa menor visibilidade do fenómeno da toxicodependência, o que me parecia ser um caminho um pouco perigoso.
Em primeiro lugar, e para além disto, quero perguntar-lhe, Sr. Secretário de Estado, algo que tem a ver com o seguinte: foi anunciado pelo Governo e dito, agora, pelo Sr. Secretário de Estado que esta questão das salas de injecção assistida terá, do vosso ponto de vista, muito mais sentido como iniciativa municipal ou privada, ao referirem que não perfilham uma visão estatizante. Ora, julgo que é extremamente redutor, numa matéria como esta, em que, do nosso ponto de vista, é preciso algum carácter experimental, nos primeiros tempos, para vermos como é que à nossa realidade se adequam soluções deste tipo, o Governo ter já decidido que um organismo como o Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência, prestigiado e conhecedor como é, não deve ter mais do que uma intervenção reguladora e não pode ter um papel mais importante nisto. Esta parece-me uma visão redutora e alicerçada nesse jargão de «não temos uma visão estatizante», que não serve para muitas coisas e que, para esta, manifestamente não serve.
A minha outra questão tem a ver com a forma como este debate vai decorrer. Acho muito bem que haja uma ampla base de discussão nesta matéria - esteja o Sr. Secretário de Estado certo que, da nossa parte e certamente da de outros grupos parlamentares, queremos ter uma participação muito positiva nesse debate (nas suas palavras) -, mas é preciso que, para isso, o Governo assuma definitivamente que vai apresentar uma proposta de lei à Assembleia e não vai legislar de per si, ignorando este debate alargado, que aqui também se pode fazer.

A Sr. Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Secretário de Estado, há mais um orador inscrito para pedir esclarecimentos. Pretende responder já ou no fim?

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Então, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, gostaria de me remeter a uma parte do debate que não reteve muita atenção por parte do Sr. Secretário de Estado - e espero que essa pouca atenção não signifique que considera os reclusos cidadãos de 2.ª, porque, a nós, é isso que parece.
Julgo que não deixa de ser surpreendente que o Governo diga que desconhece - acho gravíssimo que o Governo o diga - qual é a situação em meio prisional. É que se há dados, números e percentagens, se se sabe que, em média, 60% da população prisional é toxicodependente, se se diz, por exemplo, que, no estabelecimento prisional de Setúbal, são 90% os toxicodependentes, se se define percentagens e se quem o faz é o Provedor de Justiça, com base nos dados da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, penso que, sobre esta matéria, ninguém estará a brincar, ou seja, não se facultaram dados errados.
Ora, é perante essa realidade concreta - que, muito provavelmente, em rigor, dificilmente poderá existir (aliás, o próprio Provedor de Justiça assume que há dificuldade em obter dados rigorosos, por razões que nos parecem evidentes) - que, para nós, é muito grave que não se assuma a questão da troca das seringas.
Nós, Os Verdes, estamos perfeitamente de acordo que a troca de seringas é um instrumento que, de qualquer modo, se concebido e posto em prática como parte integrante de um outro processo de intervenção global, tem seguramente eficácia. Aliás, o relatório europeu sobre o combate à toxicodependência, na pág. 34, é muito claro ao dizer que a troca de seringas consegue ainda ser mais eficaz num meio fechado do que no exterior.
Portanto, a nossa pergunta, Sr. Secretário de Estado, é esta: como é concebível que os reclusos toxicodependentes continuem na situação em que estão, isto é, sejam condenados, a prazo, à doença e à morte? São cidadãos de 2.ª? Qual é o medo do Governo e quais são as questões que tem medo de enfrentar dentro das prisões?
Era aqui que gostaríamos que o Sr. Secretário de Estado pudesse chegar.

O Sr. Presidente (João Amaral): - A Sr.ª Deputada Isabel Castro concluiu a pergunta em tempo cedido pelo PCP.
O Sr. Secretário de Estado tem 1 minuto para responder, mas a Mesa conceder-lhe-á mais algum tempo para poder desenvolver as respostas de forma completa.
Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: - Muito obrigado, Sr. Presidente, pelo tempo concedido.
Sr.ª Deputada Isabel Castro, não tenho qualquer dúvida de que os reclusos não são cidadãos de 2.ª e de que têm direito a ter acesso aos mesmos mecanismos e acções de redução de riscos que os cidadãos em meio livre. Também não tenho qualquer dúvida sobre a eficácia da troca de seringas, quer em meio livre quer em meio prisional.
Mas não é isso que está em causa, nem é isso que o Governo discute ou contesta. O que o Governo diz é que precisa de conhecer melhor. Aliás, mesmo a Sr.ª Deputada, quando citou os números, referiu várias vezes «diz-se». Há, de facto, números que constam do relatório do Provedor de Justiça, mas, se o leu com atenção, verificará que é também um relatório parcelar, que não toma co

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nhecimento - nem pode tomar, porque não foi feito um estudo com essa base científica - de toda a situação. Por exemplo, a Sr.ª Deputada sabe seguramente que, mesmo nos países onde existe a troca de seringas nas cadeias (na Suiça, na Alemanha e, agora, também em Espanha), mesmo aí, essas medidas têm um sentido experimental. Assim, não são aplicadas em todas as cadeias, mas em cadeias escolhidas de acordo com a sua situação específica.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Comece por aí!

O Orador: - E nós, neste momento, se quiséssemos avançar com esta medida, nem sequer poderíamos ainda escolher quais as cadeias onde ela se deveria aplicar.
Obviamente, estou também disponível para tratar de quais os melhores mecanismos. Será a distribuição automática, como se faz na Suiça? Será a distribuição manual? Também, nesse aspecto, não sabemos se deveremos seguir uma ou outra orientação e estamos a estudá-lo.
Quanto à primeira pergunta formulada pelo Sr. Deputado Bernardino Soares, devo dizer-lhe o seguinte: eu não disse que deveria ser de iniciativa privada, mas, utilizando uma outra expressão, a que atribuo significado diferente, que teria de ser de iniciativa particular. Isto é, tem de ser de iniciativa de entidades, obviamente sem qualquer fim lucrativo, que tenham uma presença no terreno e o conhecimento do terreno, nomeadamente instituições particulares de solidariedade social. Mas também se abre a possibilidade de poderem ser autarquias locais, como acontece, por exemplo, na Alemanha e noutros sítios.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - E o SPTT?

O Orador: - Quanto à questão da eventual apresentação de uma proposta à Assembleia da República, o que tenho dito é que esta discussão pública indicará sobre o sentido geral e sobre se deveremos fazer um decreto-lei ou apresentar uma proposta de lei. Tomaremos uma decisão, naturalmente com a colaboração das várias bancadas parlamentares, sobre isso.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Tivemos, até agora, uma discussão interessante, sobre a qual me pronunciarei brevemente para me concentrar sobre argumentos que o Governo apresentou.
Sr. Deputado Nuno Freitas, quero felicitá-lo. Apresentou um acto de prestidigitação magnífico, porque concordou com a importância da redução de riscos - não esperaria outra coisa -, insistiu nela e passou imediatamente ao ataque a este projecto de lei, com as razões que são as suas. Fosse o Sr. Deputado interventor em nome da sua própria posição, da sua própria resolução, que defende, tanto quanto é público, a criação de salas de injecção assistida, e teríamos, então, o voto contra da sua bancada e um debate muito mais claro. Por isso, deixe-me manifestar-lhe toda a minha solidariedade com as suas palavras.

O Sr. Nuno Freitas (PSD): - Muito obrigado.

O Orador: - O Governo e o Partido Socialista apresentaram aqui alguns argumentos que, parece-me, desvalorizam o debate e desviam-no do central.
Disse o Sr. Secretário de Estado que havia quatro divergências: oportunidade, metodologia, filosofia e substância.
Oportunidade: o debate é pouco importante. A questão é relevante, mas esta matéria, em si, é pouco importante. Sr. Secretário de Estado, é tão pouco importante que mereceu uma viagem sua à Alemanha, para estudar in loco, e bem, esta experiência, tão pouco importante que mereceu uma viagem do Sr. Ministro da Justiça a Espanha, para estudar in loco casas de chuto nas prisões, tão pouco importante que mereceu um Conselho de Ministros extraordinário. Sempre que continuar a ser assim pouco importante, Sr. Secretário de Estado, e sempre que houver um Conselho de Ministros extraordinário para responder a um debate público tão relevante como este, então, posso ficar com a etiqueta, mas fico contente com a pouca importância.
Metodologia: deve haver um debate público. Pois, com certeza, Sr. Secretário de Estado! Mas desde quando é que meses de debate suscitado por uma bancada que seja e que tem a dignidade de subir a Plenário não é suficientemente relevante para dar o sinal ao País da clarificação política que é necessária? Mais do que isso: o Bloco de Esquerda promoveu uma audição parlamentar, tendo estado presentes, neste Parlamento, o Dr. José Goulão, do SPTT, as equipas de rua do Casal Ventoso, representantes de todos os CAT e técnicos com várias opiniões, entre essa comunidade, com convite a todos os Deputados, para se discutir publicamente esta matéria. Naturalmente, é indispensável um debate público e é isso que pretendemos.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Ah, agora já querem!

O Orador: - Mas talvez o mais surpreendente seja a diferença de filosofia. É que, como todas as diferenças de filosofia, ela é suficientemente adjectivada e obscura para não se perceber do que se trata. A escolha que temos - e é de responsabilidade política nossa e do Governo - é saber se, na matéria de redução de riscos, primeiro, há hoje capacidade para avançar com uma nova política e se essa política tem, de novo, as salas de injecção assistida. É que todas as outras matérias complementares, importantes e decisivas que o Governo apontou ontem e que muitos técnicos defenderam no passado, e bem, já existem ou já temos delas indicações suficientes. Temos equipas de rua, temos programas de metadona, temos programas de distribuição de substitutos, temos programas de informação, temos programas de

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prevenção e, naturalmente, temos programas de substituição de seringas. E dar coerência a este sistema não pode iludir a responsabilidade fundamental que temos, que é a de assumir perante o País que o que é novo, o que é preciso, agora, porque é urgente, porque responsável, porque é sensato, é uma política de redução de riscos que passa por esta alteração essencial. É que ela permite salvar vidas, ela é humana, evitando que a contaminação por seringas usadas continue a ser a praga da comunidade toxicodependente, das pessoas que estão tão vulneráveis que não se podem defender. Sobre isso é que é preciso saber qual a escolha que fazemos.
Pode dizer-nos que não é uma política integrada. Daqui a uma semana, discutiremos o projecto de lei n.º 347/VIII, sobre o abuso sexual de menores, apresentado pelo Partido Socialista. Ora, esse projecto de lei trata de uma matéria importantíssima - e, por isso, vamos aprová-lo -, mas não trata do acompanhamento das vítimas, não trata do combate aos criminosos, não trata da inserção social, não trata do conjunto integrado. Desde quando? Porque essa total irracionalidade do debate político é introduzido, estamos de acordo; não é integrado, votamos contra. Deixou de haver regras neste Parlamento, porque a regra não é a da dignidade do voto de cada Deputado ou de cada bancada, que se pronuncia sobre aquilo que acha fundamental, mas é a da oportunidade política, das facturas do Queijo Limiano e de todas as outras matérias que nada têm a ver com aquilo sobre o que se deveria pronunciar uma maioria, uma convergência e a consciência desta Câmara, que são políticas consistentes e sérias a respeito da redução de riscos. Sobre isso é que vamos votar e sobre isso é que temos de nos pronunciar a favor ou contra.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Pisco. O Sr. Deputado dispõe de pouco tempo, mas sei que o seu poder de síntese vai permitir-lhe fazer uma boa intervenção.
Tem a palavra.

O Sr. Paulo Pisco (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgo que até existem alguns pontos de convergência com o Bloco de Esquerda. O problema aqui é que o Bloco de Esquerda provavelmente não quer aceitar que não é possível aprovar o projecto de lei apresentado tal qual queria. É necessário que uma medida tão polémica seja submetida a um debate bastante mais alargado que o debate feito pelo próprio Bloco de Esquerda, é preciso esclarecer a opinião pública de uma maneira muito mais alargada. É que mesmo em países como a Holanda, onde, há muitos anos, existe esta experiência de salas de injecção assistida, há locais, como, por exemplo, Haia, em que não há salas de injecção assistida. Portanto, não se pode avançar, pura e simplesmente, com uma medida deste género e pretender que ela vingue, tal qual o Bloco de Esquerda quer.
O Bloco de Esquerda não existe sozinho na sociedade portuguesa; há outras forças e outras vontades.
No nosso caso, julgamos que o projecto de lei do Bloco de Esquerda é claramente insuficiente e transmite à sociedade portuguesa sinais negativos. Por isso, nunca poderíamos aprová-lo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Freitas.

O Sr. Nuno Freitas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Deputado Francisco Louçã, depois de ter chamado, nesta Câmara, a todos os Deputados que não subscrevessem o seu projecto de lei inconscientes sanitários e autores da política rasteira, o Sr. Deputado tenta ainda confundir, dizendo que um projecto de resolução por mim assinado não tem cabimento com a intervenção que acabei de fazer.
Que grande «tiro na água», Sr. Deputado Francisco Louçã! É que a minha intervenção tem por base exactamente os considerandos desse anteprojecto que foi discutido no Grupo Parlamentar do PSD, senão não seria possível eu fazer a intervenção que fiz.
São exactamente os mesmos considerandos do projecto de resolução que estão escritos na minha intervenção (cabalmente escritos), o que não quer dizer que nós, Partido Social Democrata, andemos atrás do Bloco de Esquerda, condicionados pela vossa agenda política! Condicionados, como fazem com parte da bancada do Partido Socialista e, provavelmente, com o próprio Governo, com uma agenda política que ainda para mais, em relação à questão da toxicodependência, revelou, aqui, todas as suas fragilidades!
É uma medida avulsa, sem qualquer ligação com estruturas de saúde, com métodos de tratamento, com centros de abrigo, com equipas de rua e com outras medidas muito mais importantes que, se estivessem todas no terreno, fariam, provavelmente, com que nem precisássemos de salas de injecção assistida!
Se tivermos uma política integrada e coerente de redução de danos e riscos, até poderemos vir a prescindir de salas de injecção assistida, porque repare que há outros países de União Europeia que têm políticas de redução de danos e riscos na área de toxicodependência, mas não têm salas de injecção assistida! Não é obrigatório. Portanto não nos tente condicionar.
Nós não temos a sua agenda política. Nós não vamos atrás dos vossos projectos de lei, sobretudo quando eles são compostos por um artigo para regulamentação posterior e por três artigos de generalidades.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - É nisto que se resume o vosso projecto de lei. Ele está mal fundamentado tecnicamente e não previne muitos dos perigos, porque também há perigos nas salas de injecção assistida, aliás, alertei para isso na minha intervenção. Há fenómenos de politoxicomanias, de tráficos associados às salas de injecção assistida, há diversas vertentes em relação ao tipo de acompanhamento médico e de respostas sociais, etc. Como sabe, os alemães fizeram-nas junto de centros de abrigo, mas os holandeses não as fizeram.
Há muitas matérias que têm de ser pensadas, quando se fala de salas de injecção assistida, e, seguramente, há

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uma matéria que o Sr. Deputado sabe que nunca levará o nosso voto favorável: é que não tomaremos medidas na área da toxicodependência, quebrando consensos nacionais e sem ter a compreensão e a causa públicas!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para nós, a droga é uma causa pública!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, tem de concluir.

Vozes do PS: - Já devia ter concluído! Já ultrapassou o tempo!

O Orador: - O que nós queremos é comunhão nos novos passos a dar na área da toxicodependência, para os quais estamos completamente abertos!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, tem mesmo de concluir.

Vozes do PS: - Já devia ter concluído!

O Orador: - Nós queremos a comunhão das nossas comunidades, das famílias, dos pais, dos professores, dos toxicodependentes!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, hoje, a Mesa foi muito tolerante, mas não só com o PSD. Para a próxima, também não deixarei o Sr. Secretário de Estado falar mais do que o tempo devido, a pedido da bancada do Partido Socialista!
Srs. Deputados, para felicidade de todos, não há mais intervenções, pelo que mais ninguém vai exceder o tempo.
Resta-me informar que a próxima reunião plenária se realiza amanhã, quinta-feira, com início às 15 horas, constando da ordem de trabalhos, além de período de antes da ordem do dia, no período da ordem do dia, a discussão conjunta dos projectos de resolução n.os 92, 93 e 98/VIII e a apreciação do inquérito parlamentar n.º 6/VIII, requerido pelo CDS-PP.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 5 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Fernando Manuel dos Santos Gomes
João Cardona Gomes Cravinho
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro

Partido Social Democrata (PSD):
António d'Orey Capucho
António Paulo Martins Pereira Coelho
Arménio dos Santos
Domingos Duarte Lima
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Joaquim Monteiro da Mota e Silva
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
Manuel Castro de Almeida
Maria do Céu Baptista Ramos

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Eduardo Ribeiro Pereira
Emanuel Silva Martins
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Rosalina Maria Barbosa Martins

Partido Social Democrata (PSD):
Jaime Carlos Marta Soares
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas

Partido Popular (CDS-PP):
António Manuel Alves Pereira
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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