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Quinta-feira, 8 de Fevereiro de 2001 I Série - Número 46

DIÁRIO da Assembleia da República

VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 7 DE FEVEREIRO DE 2001

Presidente: Ex.mo Sr. Manuel Alegre de Melo Duarte

Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
José de Almeida Cesário
António João Rodeia Machado
António José Carlos Pinho

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de resolução n.º 53/VIII, do projecto de ei n.º 368/VIII, do projecto de resolução 105/VIII, das apreciações parlamentares n.os 33 e 34/VIII, de requerimentos e da resposta a alguns requerimentos.
Foi aprovado um parecer da Comissão de Ética relativo à retoma de mandato de um Deputados do BE e à substituição de outro.
Em declaração política, o Sr. Deputado Luís Fazenda (BE) deu conta de várias propostas saídas do Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre, como contraponto ao Fórum Económico Mundial, de Davos, tendo insistido na realização de um debate sobre a denominada taxa Tobin. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Manuel dos Santos (PS).
Também em declaração política, a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira (PS) abordou questões relativas ao trabalho infantil, tendo referido relatórios internacionais e estudos realizados em Portugal, congratulando-se pela política que tem sido levada a cabo pelo Governo para combate a este problema. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Vicente Merendas (PCP) e Luís Fazenda (BE).
O Sr. Deputado Virgílio Costa (PSD) falou acerca de diversos problemas do distrito de Braga, nomeadamente daqueles com que se debatem os pescadores do concelho de Esposende, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Ricardo Gonçalves (PS) e Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP).
O Sr. Deputado Miguel Ginestal (PS) referiu-se à criação do Instituto Universitário de Viseu, tendo, depois, respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Cesário (PSD), Basílio Horta (CDS-PP) e Joaquim Sarmento (PS).
A Câmara aprovou o voto n.º 122/VIII - De pesar pelo falecimento do ex-Deputado Francisco Marcelo Curto (PS), ao qual se associaram, além do Sr. Presidente em exercício e do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães), os Srs. Deputados António Reis (PS), António Capucho (PSD), Lino de Carvalho (PCP), Narana Coissoró (CDS-PP) e Helena Neves (BE), tendo, no final, sido guardado um minuto de silêncio.
Mereceu igualmente aprovação o voto n.º 123/VIII - De pesar pela morte do estudante Ricardo Duarte (CDS-PP), tendo usado da palavra, além do Sr. Presidente em exercício e do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães), os Srs. Deputados Paulo Portas (CDS-PP), David Justino (PSD), Helena Neves (BE), Jamila Madeira (PS) e Bernardino Soares (PCP). No final, foi guardado um minuto de silêncio.

Ordem do dia.- Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.os 32/VIII - Altera a Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, que estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos órgãos dos municípios e das freguesias, bem como a Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto, que regula o regime jurídico da tutela administrativa, e a Lei n.º 29/87, de 30 de Junho, que define o Estatuto dos Eleitos Locais e 34/VIII - Cria a lei orgânica que regula a eleição dos membros assim como a

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constituição dos órgãos das autarquias locais e dos projectos de lei n.os 354/VIII - Alterações à Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, bem como à Lei n.º 29/87, de 30 de Junho, na parte relativa ao funcionamento das assembleias municipais (PCP), 357/VIII - Lei eleitoral para as autarquias locais (PSD), 360/VIII - Reforma o sistema eleitoral autárquico (altera o Decreto-Lei n.º 701-B/76, de 29 de Setembro) (BE), 364/VIII - Cria o regime que regula a constituição das autarquias locais e respectiva eleição dos seus membros (CDS-PP), 365/VIII - Altera a Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, que regula o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias, bem como a Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto, que regula o regime jurídico da tutela administrativa (CDS-PP) e
370/VIII - Alteração à Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, em que se estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias (PS).
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública (Alberto Martins), os Srs. Deputados Octávio Teixeira (PCP), Telmo Correia (CDS-PP), Mário Albuquerque (PSD), Basílio Horta (CDS-PP), António Filipe (PCP), Jorge Lacão (PS), Luís Fazenda (BE), João Amaral (PCP), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), António Capucho e Luís Marques Guedes (PSD), José Egipto e Casimiro Ramos (PS) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Armando António Martins Vara
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carla Maria Nunes Tavares Gaspar
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Cláudio Ramos Monteiro
Emanuel Silva Martins
Fernando Alberto Pereira Marques
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco José Pinto Camilo
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Isabel Maria Soares Pinto Zacarias
Jamila Barbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Cardona Gomes Cravinho
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António dos Santos
Manuel Maria Diogo
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria José Vidal do Rosário Campos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Vítor Manuel Alves Peixoto
Vítor Manuel Caio Roque
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António d'Orey Capucho
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva

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António Manuel Santana Abelha
António Paulo Martins Pereira Coelho
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Armindo Telmo Antunes Ferreira
Artur Ryder Torres Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins
Carlos Parente Antunes
Domingos Duarte Lima
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Francisco Baptista Tavares
Henrique José Monteiro Chaves
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Jaime Carlos Marta Soares
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Monteiro da Mota e Silva
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Durão Barroso
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres Viegas C. da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Nuno Miguel Sancho Cruz Ramos
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Manuel Cruz Roseta
Rui Fernando da Silva Rio
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
Alexandrino Augusto Saldanha
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
Octávio Augusto Teixeira
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
António José Carlos Pinho
António Manuel Alves Pereira
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Mota Soares
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró
Narana Sinai Coissoró
Paulo Sacadura Cabral Portas
Raul Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Maria Helena Augusto das Neves Gorjão

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai ler o expediente.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram aceites, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de resolução n.º 53/VIII - Aprova, para ratificação a Convenção n.º 176, da Organização Internacional do Trabalho, relativa à segurança e saúde nas minas, adoptada pela Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, em Genebra, a 22 de Junho de 1995, que baixou às 2.ª e 9.ª Comissões; projecto de lei n.º 368/VIII - Altera o Decreto-Lei n.º 344-B/82, de 1 de Setembro, que estabelece os princípios gerais a que devem obedecer os contratos de concessão a favor da EDP quando a exploração não é feita pelos municípios, que baixou às 4.ª e 5.ª Comissões; projecto de resolução n.º 105/VIII - Adopta um plano de emergência no perímetro das minas da Urgeiriça (Os Verdes) e apreciações parlamentares n.os 33/VIII - Decreto-Lei n.º 6/2001, de 18 de Janeiro, que aprova a reorganização curricular do ensi

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no básico (PCP) e 34/VIII - Decreto-Lei n.º 7/2001, de 18 de Janeiro, que aprova a revisão curricular do ensino secundário(PCP).
Foram apresentados na Mesa os seguintes requerimentos:
Na reunião plenária de 25 de Janeiro: a diversos ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Francisco Torres; aos Ministérios do Ambiente e do Ordenamento do Território e da Cultura e às Câmaras Municipais de Vila Nova de Gaia e de Valongo, formulados pelo Sr. Deputado José Saraiva; ao Ministério do Equipamento Social, formulados pelos Srs. Deputados Maria do Céu Lourenço, Alves Pereira, Joaquim Matias e Manuel Moreira; ao Governo, ao Ministério da Justiça e à Secretaria de Estado do Turismo, formulados pelo Sr. Deputado Caio Roque; ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Ana Manso e Luís Cirilo; aos Ministérios da Administração Interna e dos Negócios Estrangeiros, formulado pela Sr.ª Deputada Maria Manuela Aguiar; ao Ministério da Justiça, formulado pela Sr.ª Deputada Maria Ofélia Moleiro; aos Ministérios do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelo Sr. Deputado Rui Rio; aos Ministérios do Equipamento Social e do Trabalho e da Solidariedade, formulado pelo Sr. Deputado João Rebelo; ao Ministério da Juventude e do Desporto e à Câmara Municipal de Lisboa, formulados pelo Sr. Deputado Pedro Mota Soares; ao Ministério da Educação e à Direcção Regional de Educação de Lisboa, formulados pelo Sr. Deputado Rosado Fernandes; aos Ministérios do Trabalho e da Solidariedade e da Economia, formulados pelos Srs. Deputados Agostinho Lopes e Francisco Louçã; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Alves Pereira; e ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, formulados pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
Na reunião plenária de 26 de Janeiro: ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, formulados pelo Sr. Deputado José Eduardo Martins e Manuel Queiró; ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelo Sr. Deputado Machado Rodrigues; ao Ministério da Administração Interna, formulados pelos Srs. Deputados Maria Manuela Aguiar e Telmo Correia; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Mota Amaral; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Alexandrino Saldanha; ao Ministério da Educação, formulado pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita; ao Ministério da Educação e ao Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores, formulados pela Sr.ª Deputada Helena Neves; e à Câmara Municipal de Lisboa, formulado pela Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia.
Nos dias 29 e 30 de Janeiro: ao Ministério da Economia, formulados pelo Sr. Deputado Vicente Merendas; à Secretaria Regional da Educação e Assuntos Sociais da Região Autónoma dos Açores, formulado pela Sr.ª Deputada Helena Neves; ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; e aos Ministérios do Ambiente e do Ordenamento do Território e das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Aires de Carvalho.
Na reunião plenária de 31 de Janeiro: ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Manuel Alegre e Carlos Encarnação; ao Governo e ao Ministério da Justiça, formulados pelo Sr. Deputado Caio Roque; ao Ministério do Equipamento Social, formulados pelos Srs. Deputados Isabel Barata e Durão Barroso; a diversos ministérios, formulados pelo Sr. Deputado José Barros Moura; ao Ministério das Finanças, formulados pelos Srs. Deputados Ana Catarina Mendonça, António Reis, Jorge Lacão, José Barros Moura, Maria Celeste Correia e Maria de Belém Roseira; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado João Amaral; aos Ministérios da Educação e da Juventude e do Desporto e ao Ministro da Presidência, formulados pela Sr.a Deputada Margarida Botelho; ao Ministério da Economia, formulados pelo Sr. Deputado Vicente Merendas; aos Ministérios da Economia e das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado António Pinho; à Secretaria de Estado da Habitação, formulado pelo Sr. Deputado João Rebelo; e à Presidência do Conselho de Ministros, formulado pelo Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados:
No dia 1 de Fevereiro: Pedro Mota Soares, apresentado no dia 9 de Março; Bernardino Soares, na sessão de 15 de Março; Paulo Portas, no dia 4 e na sessão de 23 de Maio; Natália Filipe, na sessão de 26 de Julho; Castro de Almeida, na sessão de 27 de Setembro e no dia 14 de Novembro; Ricardo Castanheira, na sessão de 3 de Outubro; João Rebelo, no dia 10 de Outubro; Lucília Ferra, na sessão de 11 de Outubro; Herculano Gonçalves, na sessão de 13 de Outubro; Afonso Lobão, na sessão de 19 de Outubro; Rosado Fernandes, no dia 31 de Outubro; Margarida Botelho, na sessão de 2 de Novembro; Isabel Castro, na sessão de 14 de Dezembro; Cândido Capela, na sessão de 20 de Dezembro; Luís Pedro Pimentel, na sessão de 5 de Janeiro; e Heloísa Apolónia, na sessão de 18 de Janeiro.
Srs. Presidente, Srs. Deputados, vou ainda dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Ética, referente à retoma de mandato do Sr. Deputado Luís Fazenda (BE), cessando a Sr.ª Deputada Helena Neves, a partir do dia 7 de Fevereiro, inclusive, e à substituição do Sr. Deputado Francisco Louçã (BE) pela Sr.ª Deputada Helena Neves, com início no dia 7 de Fevereiro, inclusive.
O parecer é no sentido de que a retoma de mandato e a substituição em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
Em matéria de expediente é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Sr. Deputados: Participei recentemente no Fórum Social Mundial, o Fórum de Porto Alegre. A iniciativa contou com o baptismo de fogo de centenas de organizações não governamentais de mais de cento e cinquenta países, do jornal Le Monde Diplomatique, de eleitos em parlamentos e autarquias de todos os continentes e da Conferência dos Bispos Brasileiros.

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O propósito era simples: trazer aos media globais o contraponto ao Fórum Económico Mundial, de Davos. A repercussão obtida justifica o êxito.
Olhemos para Davos e constatamos o impasse mundial.
Em Davos, a alta finança preocupou-se com a previsível recessão da economia dos Estados Unidos, com a estagnação do Japão, com a bolha especulativa dos mercados de capitais e tomou nota das fracturas produzidas pela exclusão digital e pela exclusão social.
Nada que se assemelhe a soluções saiu de Davos, mas apenas ortodoxia monetária, apelos piedosos à consciência social e o fetiche da nova economia como algo a que o mercado induzirá para incluir no emprego 1600 milhões de desempregados em idade activa.
Davos, com muitas sombras negras, segue o receituário neoliberal e os seus dogmas de privatização, Estado mínimo e «desregulação».
Por contraste, o Fórum Social Mundial de Porto Alegre reclama uma globalização diferente, não a globalização selvagem mas, sim, a das solidariedades e da sustentação.
Qualquer lucidez sobre a realidade contemporânea indica que o mundo não aguenta a política dominante: quase metade da humanidade tem um dólar per capita/dia como rendimento; a fome, a subalimentação e as doenças endémicas são o quotidiano de largas zonas do globo; a relação de potencial económico entre o grupo de países mais ricos e o grupo de países mais pobres atingiu já o termo de 70 para 1; o combate ao efeito estufa e a protecção da biodiversidade são letra morta, apesar das Conferências do Rio e de Quioto, e a insipiência dos sistemas de solidariedade social e dos direitos sexuais e reprodutivos não atenuam a bomba demográfica.
A concentração de capitais num restrito núcleo de grupos financeiros e económicos, praticamente um núcleo bunker, esvazia os povos e periga o equilíbrio da natureza.
Mas Porto Alegre apresentou propostas que passarei a expor.
É incontornável que a dívida externa dos países do Terceiro Mundo tem de ser abolida; são somas gigantescas, de dívidas várias vezes pagas, que sugam os meios de desenvolvimento. Por exemplo, e não é o caso pior, mais de metade do orçamento do Brasil é para a dívida. Esta proposta é tão esquerdista que tem a benção espiritual de João Paulo II.
É urgente a constituição de um fundo alimentar e sanitário mundial, produto de uma taxa quase marginal a cobrar nas transacções financeiras, a consabida taxa Tobin, na modalidade prevista pelo autor, ou num modelo próximo. A proposta é tão esquerdista que tem o apoio dos governos do Canadá e da Finlândia. A Food and Agriculture Organisation (FAO) estaria pronta a entrar em cena na administração do fundo.
Porto Alegre reclama também o encerramento dos paraísos fiscais que inibem os Estados de cobrar as receitas necessárias para as suas políticas públicas e que trouxeram os movimento de capitais para o chamado imposto negativo, tudo em nome da competitividade. A proposta é tão esquerdista que hoje já vários trusts financeiros a consideram.
Porto Alegre exigiu respeito pelas conferências internacionais sob a égide das Nações Unidas (as Conferências do Rio ou de Quioto, em matéria ambiental), como um mínimo «regulatório», e pelas realizações de Copenhaga, em matéria social, de Pequim, sobre direitos das mulheres, ou do Cairo, sobre direitos, sexuais e reprodutivos, o que tem incidência no planeamento demográfico. Esta exigência é tão esquerdista que foi assinada por quase todos os governos do mundo, mas genericamente não cumprida pelas potências, com os Estados Unidos da América à cabeça.
E esta questão traz-nos ao âmago do problema político imediato da globalização: que instituições internacionais?
Porto Alegre pronunciou-se pela democratização das Nações Unidas e pela democratização e reorientação do Fundo Monetário Internacional e da Organização Mundial de Comércio, numa agenda pela paz e pelo desenvolvimento, que tem de ter no centro a redistribuição do rendimento.
Sr.as e Srs. Deputados: Como podem conferir, de Porto Alegre saiu uma aproximação moderada às contradições do mundo de hoje, muito aquém daquilo que será, e terá o seu tempo, uma abordagem mais à esquerda, pondo em causa o imperialismo e revertendo em transformações sociais em vários países mais centrais ou periféricos.
Só pela cegueira e dogmatização do pensamento ultraliberal e dos interesses da hegemonia americana se pode considerar que a Carta de Porto Alegre é extravagante.
Só por completa submissão ao «pensamento único» se pode entender que se juntaram em Porto Alegre uns milhares de pessoas exóticas que estão aborrecidas com a globalização e que detestam os satélites da comunicação.
A Carta de Porto Alegre foi tomada em assembleia de 400 parlamentares de muitos países, entre os quais representantes de partidos governamentais da França e da África do Sul.
Aqueles que se divertem com as diatribes em torno dos estabelecimentos MacDonalds tornariam menos pitorescas as notícias de jornal se soubessem a lista verdadeiramente impressionante de académicos de renome que abraçaram a esperança num outro mundo possível. Dessa lista destaco o português Boaventura de Sousa Santos e das ONG de reconhecimento e referência a portuguesa AMI.
Sr.as e Srs. Deputados: Quis o Partido Socialista congelar numa comissão o debate da taxa Tobin e aí hiberna. De duas, uma: ou Portugal e o seu Parlamento são demasiado pequenos para discutir a globalização e os seus caminhos, e assumimos o localismo e a inércia da política europeia, ou este Parlamento tem uma palavra a dizer, recomendando posições e atitudes ao Governo da República.
Desse debate motivado pela taxa Tobin, ou por outras das chamadas políticas de regulação, depende alguma coisa da nossa consciência como Estado. Da visão daí resultante clarificam-se escolhas sobre o que entendemos em matérias tão diversas como a elasticidade do sistema fiscal e da harmonização fiscal europeia; o comercio; os direitos de preferência; a reforma do orçamento comunitário; o financiamento da PAC; uma eventual nova ronda da Organização Mundial de Comércio; decisões acerca das patentes de código genético e da implantação das indústrias da biotecnologia, ou até, e mais singelamente, as vantagens comparativas de Portugal que não sejam só sol, trabalho barato e boa disposição.

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Engana-se quem julga que, por aqui, no canto português, não batem os ventos do mundo, porque quando menos se espera há sempre um urânio empobrecido que cai na sopa da nossa cidadania.
Dirijo mais uma vez a solicitação ao PS e à Câmara para que abram o debate sobre a taxa Tobin, a que todos se comprometeram, e remeto a todos os Deputados e Deputadas um exemplar da singela, mas esperançosa, Carta de Porto Alegre, de 400 parlamentares.
Sr.as e Srs. Deputados: Embora numa missão particular, fiz o relatório destas «viagens na minha terra», uma terra que é hoje cada vez mais global.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Além de querer pedir esclarecimentos, quero também prestar um esclarecimento.
Em primeiro lugar, quero dizer que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista acompanhou com interesse a reunião de Porto Alegre, teve conhecimento das suas conclusões, reflectiu sobre elas e não deixará, naturalmente, de considerar no seu comportamento político todos os ensinamentos que se podem recolher dessa importante manifestação de solidariedade e de discussão internacional de problemas que afectam muitas e muitas pessoas no planeta.
Respondendo à questão que V. Ex.ª levantou, digo-lhe que não há da parte do Partido Socialista qualquer obstáculo a que se faça uma ampla discussão sobre a taxa Tobin. O que sucedeu, como V. Ex.ª se recordará, foi o seguinte: esse assunto foi trazido ao Plenário e entendeu-se que a melhor forma de o accionar e agilizar era levá-lo a duas Comissões, a de Assuntos Europeus e a de Economia Finanças e Plano, com o objectivo de fazer um conjunto de audições que preparassem o Plenário para tomar uma deliberação sobre a matéria, a qual é complexa, embora, felizmente, mobilize cada vez mais o interesse político de várias pessoas, até de pessoas insuspeitas, que à partida não teriam esse tipo de interesses.
Portanto, da parte do Partido Socialista, não existe qualquer comportamento político no sentido de criar obstáculos à discussão dessa matéria e VV. Ex.as também ainda não fizeram, e fazem parte de Comissão de Economia, Finanças e Plano, qualquer diligência no sentido de que este assunto pudesse ser tratado com maior rapidez.
Todas as pessoas sabem quais foram os trabalhos que as Comissões de Economia, Finanças e Plano e de Assuntos Europeus tiveram. Por conseguinte, quero sublinhar a V. Ex.ª, ao Bloco de Esquerda, em especial, e ao Sr. Deputado Francisco Louçã (o qual não está agora na vossa bancada, mas seguramente voltaremos a vê-lo brevemente), que foi o autor, ou pelo menos foi a pessoa que apresentou essa iniciativa no Parlamento, que não haverá qualquer obstáculo à discussão dessa matéria e que tomaremos, quer institucionalmente quer enquanto grupo parlamentar, as medidas adequadas para que esse debate se inicie.
V. Ex.ª sabe que também sou Presidente da Comissão de Assuntos Europeus e comprometo-me, perante si e perante a Câmara, a agendar a discussão desse assunto para uma das próximas reuniões. Logo, não há, repito, da parte do Partido Socialista e do ponto de vista político, qualquer obstrução a que essa matéria seja discutida.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, se assim entender, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel dos Santos, quero agradecer a suas palavras e dizer-lhe que entendemos a luz verde do PS para que se abra este debate, não só sobre a taxa Tobin mas também sobre as chamadas políticas de regulação.
Gostaria de frisar, pois o Parlamento é o sítio adequado e certo para o fazer, que não foi muito bem tratada na comunicação social portuguesa toda a vasta arquitectura da conferência de Porto Alegre quando, ao invés, alguns aspectos mais ou menos folclóricos tiveram aqui larga difusão.
Tratou-se de uma conferência de enorme amplitude, de grande intensidade académica, científica, política e cívica, dela resultando propostas. Dela não resultaram, certamente, fórmulas de alquimia, mas resultaram propostas, que nem tão-pouco podem ser consideradas de esquerda pura, reflectindo a confluência de muitas correntes que, no mundo, se opõem à hegemonia do pensamento único e da política neoliberal.
Bem andaremos, neste Parlamento, no trabalho doméstico e no trabalho internacional português, se debatermos os caminhos da globalização. Ninguém, hoje, pode ser contra a globalização, mas há globalizações a escolher. Aí está, seguramente, a luta e o alvo da decisão democrática dos povos a que a Câmara não poderá furtar-se.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Muito bem!

O Orador: - Creio com sinceridade e convicção que, se algum efeito teve a conferência de Porto Alegre, foi o de ali ter acontecido uma machadada no que tem sido o pensamento único e a ortodoxia ultraliberal.
No mundo sopram novos ventos intelectuais, novas possibilidades de escolhas políticas, e foi isso que o Bloco de Esquerda quis acentuar.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A problemática do trabalho infantil assume uma dimensão planetária. Assim, é reconhecido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), que, nas suas estimativas mais recentes, datadas de 1998, aponta para um número de cerca de 400 milhões de crianças trabalhadoras no mundo, das quais 250 milhões estão nos países em desenvolvimento, em que crianças com idades compreendidas entre os 5 e os 14 anos exercem uma actividade económica.
Sr. Presidente, presumo que esta temática não suscite muito a atenção da Câmara, designadamente daquele conjunto de Sr.as e Srs. Deputados que consideraram que este

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problema não existia em Portugal. A bancada do PS manifesta firme convicção em combater este problema, no apoio às políticas que consistentemente têm vindo a ser desenvolvidas.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Muito bem!

A Oradora: - De entre estas centenas de milhões de crianças que exercem uma actividade económica, conforma específica a OIT, metade trabalha a tempo inteiro, metade frequenta a escola e, ao mesmo tempo, trabalha. Nestes números não estão incluídas as crianças ocupadas em trabalhos considerados de natureza não económica, designadamente os trabalhos domésticos, que abrangerão entre 15 a 20% da população com as mesmas idades.
Face ao que este fenómeno significa de violação dos direitos das crianças, vários são os instrumentos produzidos por várias organizações internacionais, de que destaco os emanados pela OIT, nomeadamente a Convenção n.º 138 e a Recomendação n.º 148, de 1973, a resolução da conferência internacional de trabalho relativa à eliminação de trabalho infantil, de 1996, a Convenção n.º 182 e a Recomendação n.º 190, sobre as piores formas do trabalho das crianças, de 1999. Dos instrumentos emanados das Nações Unidas destaco a Convenção sobre os Direitos da Criança.
Este fenómeno manifesta-se também nos países desenvolvidos, daí a atenção que lhe é dedicada, quer pelo Conselho da Europa, na sua Carta Social, quer pela União Europeia, em instrumentos vários, desde a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, de 1989, à Directiva n.º 94/33/CE, do Conselho, de 22 de Junho de 1994, e a programas de acção vários.
As principais questões que levam à profunda preocupação com este fenómeno ligam-se, sobretudo, à protecção das crianças como seres especialmente vulneráveis, à necessidade de assegurar o seu adequado desenvolvimento e ao que significa o trabalho das crianças enquanto fenómeno que eterniza as principais causas que lhe dão origem.
Portugal foi apontado, durante muitos anos, como País em que este problema, no contexto geográfico em que se situa, assumia proporções mais alarmantes, apontando-se para números da ordem das 200 000 crianças sujeitas à exploração do trabalho infantil.
A negação da existência deste problema foi a pior opção para que ele pudesse ser combatido nas suas causas, nos seus efeitos perversos e na sua verdadeira dimensão. Esta postura foi radicalmente alterada na anterior legislatura, tendo o Governo considerado o combate ao trabalho infantil como uma prioridade estratégica, com base no que ele significa de afronto à cidadania e ao respeito dos direitos fundamentais.
Só no reconhecimento da existência deste problema se pode definir uma política eficaz que o reduza e o elimine progressivamente. A delimitação do conceito é complexa. Se é simples identificar as formas mais intoleráveis da exploração das crianças, como o trabalho forçado, a servidão, a escravatura, a prostituição infantil, a sua utilização na pornografia, como correios de droga ou soldados, que não são o que caracteriza o fenómeno nos países do mundo em que Portugal se integra, há que fazer apelo às orientações da OIT, que, de forma não cumulativa, classifica como trabalho infantil o que é desenvolvido por menores que não tenham atingido uma determinada idade, o que prejudica a saúde e o desenvolvimento físico, mental e intelectual, social e moral, o que prejudica a sua educação escolar.
Evidentemente, estas formulações genéricas exigem adaptação país a país, mas não deixam de constituir a matriz avaliadora e identificadora.
O reconhecimento político deste fenómeno e a criação de uma estrutura de projecto, o Plano para Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil, PEETI, e do Conselho Nacional Contra a Exploração do Trabalho Infantil permitiu desenvolver uma acção de delimitação do problema, sua caracterização e adopção de medidas ao seu combate.
Saliento, pela sua importância, o trabalho desenvolvido em articulação com o IPET (Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil), da OIT, relativo à caracterização social dos agregados familiares portugueses com menores em idade escolar, cujos resultados foram já objecto de publicação, e menciono algumas das principais conclusões por ser importante a sua ampla divulgação.
Considera-se trabalho infantil aquele que prejudique o desenvolvimento da criança, aqui se enquadrando situações desde as mais intoleráveis àquelas que de uma forma mais benigna são exercidas na esfera familiar.
Diz-se o seguinte: «O estudo realizado em Portugal, mais do que apurar as diferentes actividades das crianças, a sua intensidade e condições de exercício, procurou fazer o enquadramento num conceito global e, ao mesmo tempo, identificar o contexto familiar e económico onde os menores se inserem, permitindo, assim, identificar as causas da sua ocorrência.
Foram, assim, abordadas diferentes perspectivas em torno do trabalho infantil, tais como as actividades de natureza económica ou de ajuda familiar, a escolaridade, a família, a caracterização dos responsáveis pelos menores, as atitudes e percepção sobre o trabalho das crianças e outros aspectos envolventes, como a ocupação dos tempos livres, as férias, a relação com a escola, etc.».
Aplicado que foi este inquérito a um adulto responsável pelo agregado familiar e às crianças com idades entre os 6 e os 15 anos, inclusive, foi possível apurar que o universo do trabalho infantil, em Portugal, será, na versão dos pais inquiridos, de cerca de 19 000 crianças e, na versão das crianças, de cerca de 43 000, longe, portanto, da estimativa realizada de cerca de 200 000 crianças, quando o problema não era reconhecido, mas esta dimensão numérica mais baixa não retira qualquer importância ao problema.
Alguns dos apuramentos mais significativos decorrentes do inquérito são os seguintes: a quase totalidade dos menores, ou seja, 98,1%, encontram-se a frequentar a escola, no entanto, alguns valores revelam a existência de um grau elevado de insucesso escolar; dos menores que exercem actividade económica, 79,1% fazem-no na empresa ou exploração agrícola da própria família e 20,9% como trabalhadores por conta de outrem; a agricultura é o sector onde há mais menores a trabalhar, na maioria em explorações familiares.
Decorre ainda do inquérito que, dos menores que exercem actividade económica, 78,1% estão simultaneamente a

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frequentar a escola e 13,1% cumpriram a escolaridade obrigatória.
Existe uma clara divisão norte/sul quanto à incidência de trabalho infantil: é na região do norte que existe maior número de casos, mas é na região centro que tem mais importância relativa.
As famílias às quais pertencem os menores são as mais pobres. Os responsáveis pelos menores que trabalham ganham menos, têm menor nível de habilitações e têm uma história laboral iniciada mais cedo que o conjunto dos responsáveis dos menores.
Para além dos que têm actividade económica, 7,7% dos menores ocupavam-se em tarefas domésticas, em acumulação ou não com o exercício da respectiva actividade.
A maior parte dos menores que trabalham são rapazes, reunindo 66% do total dos casos observados, mas quanto ao exercício de tarefas domésticas as raparigas representam 71,2% do total de menores que o fazem.
Conclui-se ainda que 80,1% dos rapazes que trabalham continuam a frequentar a escola, mas esse valor desce para 74,2% no caso das raparigas, sendo que estas, quando trabalham em actividade económica, ganham menos do que os rapazes, prolongando-se, assim, o estereotipo de género.
A forma como Portugal agarrou este problema e o abordou, além da a firme vontade que demonstra de o combater, levou a que fosse escolhido para a realização de uma conferência internacional na semana passada, em cuja sessão de abertura o Secretário-Geral do Conselho da Europa afirmou «que a experiência de Portugal na luta contra a exploração de trabalho infantil demonstra que, quando a vontade política existe, um país melhora a situação consideravelmente».

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr.ª Deputada, peço-lhe que conclua, pois já esgotou o tempo de que dispunha.

A Oradora: - Termino rapidamente, Sr. Presidente.
Para concluir, diria que a política de combate à exploração de trabalho infantil, hoje e em Portugal, tem de combater as suas causas identificadas: a pobreza, as razões socioculturais, as razões que determinam a procura de trabalho infantil, eficácia na atracção à escola e medidas positivas de igualdade de oportunidades.
Aliás, na sequência da intervenção anterior, o combate aos efeitos perversos da globalização é um dos objectivos políticos prioritários na criação de condições de exercício dos direitos fundamentais hoje reconhecidos por todos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Vicente Merendas e Luís Fazenda.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vicente Merendas.

O Sr. Vicente Merendas (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira, combater o trabalho infantil e assegurar o desenvolvimento das crianças são palavras bonitas. De facto, todos estamos de acordo que é necessário fazer algo mais do que aquilo que se tem feito nos últimos anos.
A questão que se levanta, Sr.ª Deputada, é a de como combater o trabalho infantil. Há passos importantes que é necessário dar, como, por exemplo, termos escolas preparadas para detectar o absentismo das crianças, saber como elas são desviadas para o trabalho infantil, dar apoio especial a estas crianças e à sua reinserção.
Como a Sr.ª Deputada sabe e acabou de afirmar na sua intervenção, a questão do trabalho infantil está fundamentalmente centralizada na região norte, no distrito de Braga.
Ora, há dias, recebemos precisamente uma delegação do sector têxtil da região norte. A Sr.ª Deputada sabe que mais de 50% dos trabalhadores têxteis têm salários equiparados ao salário mínimo nacional? A Sr.ª Deputada sabe que, neste momento, está bloqueada a contratação colectiva?
Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira, deixo-lhe uma questão concreta: como é possível combater o trabalho infantil existindo famílias com estes salários de miséria?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra, para responder, a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vicente Merendas, como o senhor sabe, conheço bem essa realidade, mas infelizmente fiz uma má gestão do tempo, pelo que não fui mais explicita naquilo que considero serem os eixos fundamentais de combate a este flagelo.
No entanto, se este flagelo assenta fundamentalmente na pobreza das famílias, se é nos agregados familiares mais pobres que efectivamente se verifica esse trabalho, é cada vez mais importante que Portugal possa progredir na efectiva remuneração das pessoas em termos que consigam permitir a sua subsistência.
Em relação ao sector têxtil, como o Sr. Deputado sabe, ele é caracterizado por uma forte intensidade de mão-de-obra feminina, que é tradicionalmente remunerada abaixo da mão-de-obra masculina, mas no ano passado foi possível chegar a um acordo que permitiu valorizar, em temos percentuais elevados - o que não significa elevado em termos de expressão prática -, remunerações que há muito tempo não eram mexidas por falta de entendimento entre os sindicatos e as entidades patronais, tendo havido uma intervenção do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, através de um Secretário de Estado, que foi considerada positiva na inversão de um fenómeno de total paralisação de revisão salarial. Obviamente que o objectivo é progredir nesse caminho de dignificação do trabalho e de revalorização da remuneração das pessoas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra, para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira, queria sublinhar a sua intervenção, porque abordou um tema de grande impor

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tância, com conteúdo, e fê-lo com a seriedade a que as suas intervenções já nos habituaram, aqui, nesta Assembleia.
Quero, no entanto, deixar-lhe três reflexões. A primeira tem a ver com a Confederação Nacional de Acção sobre Trabalho Infantil (CNASTI), organização que, desde há longo tempo, tem funcionado como observatório, acompanhamento e levantamento de situações, mas que se queixa, hoje, em relação à actividade governamental, de marginalização nos novos planos de combate ao trabalho infantil. Creio que seria necessário realizar o mais amplo consenso entre organizações civis e outras para que possa haver uma junção de esforços de forma a debelar esta tragédia do trabalho infantil.
Em segundo lugar, não considera a Sr.ª Deputada que o reforço da acção social escolar e, inclusivamente, a previsão de políticas e de mecanismos diferenciados face às famílias de maiores carências ajudará muito mais à diminuição do trabalho infantil do que outro tipo de políticas?
A terceira e última reflexão tem a ver com o facto de existir algum optimismo, mesmo que moderado da parte da Sr.ª Deputada, em relação à diminuição dos números do trabalho infantil em Portugal. Não será isso uma ilusão? Todos sabemos a debilidade dessas estatísticas e, por outro lado, vamos conhecendo um outro fenómeno, que é a transferência de muito trabalho que se fazia em empresas de vão de escada, particularmente no norte do País, para trabalho domiciliário clandestino. Talvez aí os números não sejam, exactamente, aqueles com que estamos aqui, neste momento, a lidar.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra, para responder, a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, penso que é indispensável que todos unamos as mãos para combater este problema.
Li, também, que efectivamente a CNASTI se queixava de alguma marginalização, mas penso que não é essa a razão. Aliás, o concelho nacional, com vista a este combate, deve integrar todas as organizações que, de uma forma determinada e séria, queiram efectivamente contribuir e a CNASTI fez já um trabalho importante nesta matéria.
Queria afirmar que a conjugação de esforços é indispensável. Estes problemas são transversais, têm múltiplas causas e o Sr. Deputado apontou, também, uma delas: a questão da escola e a dificuldade que algumas famílias têm em entender a sua importância para retirar e anular a perpetuação deste fenómeno, a dificuldade que têm em abdicar de angariação destes proveitos para sustentar a família. Realmente, precisa-se de reforço da associação social escolar, mas precisa-se também de programas escolares amigáveis, que sejam atraentes, porque muitos dos menores que se afastam da escola fazem-no por não conseguirem encontrar interesse nos programas que lhes são oferecidos.
Portanto, cada vez mais, precisamos de uma escola que seja capaz de despertar interesse e adesão nas crianças, para o que também tem de se fazer um esforço considerável, porque o único trabalho que é permitido às crianças, e que tem de ser enorme, é o de estudar para investirem nelas próprias e poderem ser cidadãos autónomos e capazes de implementar o seu projecto de vida.
Quanto aos números, eles podem ser uma ilusão. Quando tratamos de questões clandestinas, de questões que tem a ver com algo de proibido, é sempre difícil termos a certeza dos números. Mas estes números são, de certa forma, confirmados pelas inspecções que têm sido sucessivamente realizadas e que têm encontrado, de forma progressiva, um menor número de casos. Pode haver alguma falibilidade nesses resultados face àquilo que é o trabalho no domicílio, muitas vezes escondido e difícil de detectar.
De qualquer das maneiras, fiz questão de frisar que, independentemente do número, qualquer que ele seja, o problema é grande, é profundo e exige uma articulação transversal de políticas que o combata nas suas múltiplas causas. Hoje em dia, identificadas que estão algumas das causas que caracterizam este problema, é necessária uma actuação concertada, na qual todas as denúncias e ajudas são importantes para o combatermos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, tenho o gosto de anunciar que assistem hoje à reunião plenária um grupo de 50 alunos da Escola EB 2, 3 de Duarte Lopes, de Benavente, e um grupo de 43 alunos da Escola Secundária do Bombarral.
Para todos eles, peço a tradicional saudação da Assembleia.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção sobre assunto de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Virgílio Costa.

O Sr. Virgílio Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No concelho de Esposende, perante os representantes dos 250 pescadores profissionais inscritos na Associação de Pescadores Profissionais do Concelho de Esposende, assumi o compromisso desta intervenção.
Prometi que traria ao conhecimento desta Câmara os problemas do concelho, na mesma altura em que abordasse outros problemas do distrito de Braga, e cumpro hoje a palavra dada, com o máximo de rigor, de empenho e de seriedade.
Vale a pena lembrar que o concelho de Esposende preenche, no distrito de Braga, a única faixa costeira e marítima que o distrito possui; que em Esposende estão devidamente qualificados 250 trabalhadores profissionais da pesca, os quais são percentagem significativa dos 6 441 profissionais inscritos em toda a zona norte do País, dividindo-se por outras barras.
É importante lembrar também que Braga é o distrito onde os investimentos do Estado, por exemplo no PIDDAC do ano de 1999, corresponderam a 33.1 contos por habitante quando a média nacional foi de 76.7 contos por habitante e, no de 2000, de 69.3 contos por habitante, quando a média nacional foi de 92.5 contos por habitante.
É de lembrar que o mesmo plano de investimentos do Estado favorece ostensivamente as câmaras afectas ao partido do poder, em detrimento de outras câmaras dirigidas por autarcas do PSD.

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Vale a pena lembrar que, por exemplo, enquanto em Barcelos, Esposende e Terras do Bouro o investimento público em PIDDAC foi de 13.1, 11.3 e 8.3 contos por habitante, respectivamente, em câmaras como a de Braga, de Vieira do Minho e de Vila Nova de Famalicão, em igual período, o investimento foi, respectivamente, de 35, 16 e 18.4 contos por habitante. Assim vem sendo ano após ano, acentuando e cavando sempre mais a diferença de infra-estruturas e de desenvolvimento realmente existentes em cada um deste concelhos.
É importante também lembrar que este é um distrito onde o programa Polis, as Expo e as capitais da cultura não existem, não estão previstas, nem provocaram qualquer impacto positivo.
É de lembrar, ainda, o critério que decide a escolha dos locais onde o investimento público ganha dimensão, atende os problemas e se materializa em tempo útil e da forma prevista. Precisamente ao contrário do que acontece, por exemplo, com a variante nascente que não está feita em Vila Nova de Famalicão, com as obras do hospital de São João de Deus, o novo palácio da justiça, os centros de saúde e os postos da GNR que também não estão feitos e são essenciais à qualidade de vida das populações, apesar de estarem desde há muito prometidos, coarctando direitos fundamentais, como no Gerês, onde uma guarnição da GNR se encontra instalada numa casa sem quaisquer condições de segurança, de operacionalidade e, até, de salubridade, ou como em Vizela, onde o inaceitável estado do hospital há anos que espera pelas obras prometidas.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não quero, porém, perder o objectivo essencial desta intervenção, pelo que vou, embora sumariamente, falar dos problemas de Esposende e, mais concretamente, dos pescadores de Esposende, que não vão ao mar há mais de três meses; que ganham o seu pão noutras docas e noutras barras, porque o mar - o seu mar ali tão perto - lhes nega o pão sem risco da própria vida; que não querem o disfarce de uma reciclagem como único meio de garantirem o subsídio de subsistência; que querem ganhar o seu sustento de forma digna mas com normais condições de segurança.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Mas, afinal, o que se passa em Esposende? Que obra importante falta fazer para que esta população veja assegurada a sua subsistência e para que esta terra se desenvolva e se complete como pólo de atracção turística e de desenvolvimento económico?
Vale a pena reproduzir os factos no tempo e na forma como aconteceram.
Em 17 de Outubro de 1992, a Câmara Municipal de Esposende celebrou um protocolo com o então Ministério do Mar que visava a recuperação da zona ribeirinha da foz do Cávado, no âmbito do qual se construíram as docas de pesca e de recreio de Esposende.
Em 27 de Maio de 1995, a mesma câmara assinou um adicional a este referido protocolo que, para além de clarificar competências, previa o lançamento a concurso da obra de regularização da barra do Cávado, obra esta, já nessa altura, essencial à manutenção e boa gestão das docas de pesca e de recreio. Porém, estes investimentos, acordados em 1995, não foram concretizados, apesar de, ano após ano, sempre terem sido incluídos em PIDDAC, com as respectivas dotações para o ano seguinte.
Por causa disso, assiste-se à progressiva e irreversível destruição do investimento feito nas docas.
Por outro lado, nem a doca de pesca nem a doca de recreio foram ou estão a ser convenientemente geridas. Inclusive, nos armazéns de aprestos que foram entregues aos pescadores, salvo raras excepções, existem já instaladas sapatarias, oficinas, lojas de tintas, etc.
Em 28 de Abril de 2000, o Sr. Secretário de Estado da Administração Marítima e Portuária de então reiterou, perante a Associação dos Pescadores Profissionais do Concelho de Esposende, que a obra da barra seria posta a concurso ainda durante o ano 2000 e que seria aberto um canal de navegabilidade no rio Cávado. Prometeu, mas não cumpriu. Enganou os pescadores e enganou também aqueles que, de boa fé, deram crédito à sua palavra.
Em 2001, inexplicavelmente, o projecto da barra do Cávado e das docas de Esposende desapareceu do PIDDAC.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esposende e Braga não são, obviamente, Lisboa, Porto ou qualquer dos outros concelhos e distritos onde o Partido Socialista ou, melhor, o Governo que o Partido Socialista apoia sempre, mostrando-se interessado e disponível para realizar, prometer e, às vezes, até gastar demais.
Pelo contrário, Esposende é um pequeno concelho do distrito de Braga, dirigido por um autarca do Partido Social Democrata, para quem a palavra, o compromisso e a honra fazem parte do mesmo código de comprometimento - e, por isso, fácil de enganar quando se abusa da sua boa fé -, que hoje exige do Governo o cumprimento das responsabilidades assumidas que, na circunstância, correspondem a elementares direitos das populações e dos seus legítimos representantes.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quando penso nos 95 milhões das derrapagens na Expo, nos 100 milhões de prejuízos da televisão pública, nos milhões da TAP e nos milhões, ainda não contados, que o Euro 2004 há-de absorver, não compreendo por que razão esta obra, que é igual a tantas outras obras de tantos outros concelhos e de tantos outros distritos, não foi ainda realizada, sobretudo porque, tratando-se de uma obra essencial, representa um pequeno investimento de aproximadamente um milhão de contos.
Num País onde se contam por dezenas ou, até, por centenas de milhar os contos gastos em comemorações nem sempre úteis ou necessárias, ninguém compreende que o desenvolvimento, a qualidade de vida e a felicidade de toda uma comunidade estejam cativas ou mesmo impedidas pela incapacidade ou pela má vontade em realizar um pequeno investimento.
Como eu, também os pescadores de Esposende e as pessoas do distrito de Braga não compreendem esta discriminação inaceitável.
Por isso, esperam que o Governo cumpra o prometido. Por isso, esperam que esta Assembleia exija do Governo que honre os seus compromissos e proteja o investimento público, dignificando assim o Estado e todos os que, em qualquer lugar ou circunstância, o representam, como é dever de todos.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Ricardo Gonçalves e Nuno Teixeira de Melo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Gonçalves.

O Sr. Ricardo Gonçalves (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Virgílio Costa, é curioso vir agora com todas essas reivindicações quando, no tempo do PSD, o distrito de Braga ficava muitas vezes abaixo do décimo lugar em termos de PIDDAC e, afinal, é o terceiro maior distrito do País em termos de população, tendo mais 20 000 eleitores do que o distrito de Setúbal. Ora, nessa altura, nunca os Deputados do PSD fizeram grande barulho por causa disso.
Inclusive, em relação à cidade de Braga, que é capital do distrito, o PS tinha um slogan autárquico que dizia «É bom viver em Braga!» Ora, no tempo do PSD, não se construiu nenhum acesso à cidade de Braga, embora tal fosse da competência do governo, pelo que, naquela altura, deveria ter havido um slogan a dizer «É bom viver em Braga! Difícil é entrar e sair de Braga!»
Portanto, como era difícil entrar e sair de Braga, o que ainda é hoje, foi preciso este Governo fazer um forte investimento em acessos à cidade. Daí que o PIDDAC esteja distorcido, porque beneficia a capital do distrito, cuja edilidade é, realmente, socialista, mas tal distorção justifica-se porque beneficia todo o distrito.
Repare que a Câmara Municipal de Famalicão tem os seus problemas e as suas dificuldades, embora também seja uma câmara socialista, aspecto que foi referido por si próprio. O Sr. Deputado falou, ainda, de outros concelhos que também têm dificuldades, de entre os quais há alguns geridos igualmente pelo Partido Socialista, como é o caso de Guimarães. Portanto, o poder socialista não olha à «cor política» das câmaras.
Não se esqueça que quem lançou as chamadas «brisinhas», que poderão abrir o distrito de lés a lés, foi, efectivamente, o actual Governo, pelo que, finalmente, iremos ter auto-estradas a atravessar todo o distrito, que, aliás, é o pior servido do País em termos de vias de comunicação.
Quanto ao porto de Esposende, ainda não começou a ser construído devido aos estudos de impacte ambiental que têm de ser feitos, os quais, como o Sr. Deputado certamente já se apercebeu, este Governo leva em consideração. Assim, por ainda não estarem concluídos aqueles estudos, tem havido algum atraso. No entanto, a construção do porto de Esposende está novamente inscrita no PIDDAC para este ano, por proposta dos Deputados do Partido Socialista, e a obra vai ser iniciada.
Em relação ao problema dos pescadores, devo dizer que nunca ninguém se importou com eles a não ser o Governo do Partido Socialista. No ano passado, conseguimos, inclusive, que lhes fosse pago um subsídio de desemprego durante todo o Inverno e, este ano, conseguimos que a pesca da lampreia fosse considerada como exclusiva para os pescadores profissionais, a fim de que estes usufruam de rendimentos através da pesca da lampreia, no rio Cávado.
O Sr. Deputado, que também gosta de lampreia, sabe bem que toda a gente quer ir à pesca da lampreia, mas, este ano, a mesma fica reservada exclusivamente a pescadores profissionais, precisamente para os ajudar a sobreviver.
Ainda relativamente aos pescadores e ao respectivo apoio social, nunca nenhum governo, como o actual, concedeu tanto apoio social às famílias dos pescadores e não só.
Quanto à globalidade de desenvolvimento do distrito, o Sr. Deputado sabe perfeitamente que, no PIDDAC para este ano, o distrito de Braga foi contemplado com o quarto ou quinto lugar em termos de financiamento e, de facto, conseguimos obter o maior aumento de sempre em investimentos para o distrito.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mas não se esqueça que, mesmo assim, ainda não estamos satisfeitos!
No entanto, o que se nota é que, desde que o Partido Socialista é Governo, os investimentos para o distrito de Braga têm aumentado consideravelmente. De facto, connosco, a situação tem melhorado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Deputado Virgílio Costa, para responder.

O Sr. Virgílio Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Gonçalves, muito obrigado pelas questões que colocou. Levo a crédito da minha intervenção a gentileza do seu comentário, porque de comentário se trata.
Compreendo a sua dificuldade em falar, simultaneamente, de Braga e do Partido Socialista e, também, a dificuldade com que se debateu para argumentar contra a denúncia que aqui fiz. Por isso, compreendo que tenha citado alguns slogans do seu partido. Aliás, o vosso Governo vive essencialmente de publicidade e V. Ex.ª, designadamente, é um bom exemplo desse método de fazer política.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Falei de coisas concretas, que reitero, que se passam no distrito de Braga e correspondem à realidade que merece ser discutida com seriedade.
Registo também que V. Ex.ª tenha assumido aqui, no Parlamento, creio que em nome da sua bancada, que, no PIDDAC para este ano, foi feita uma distorção a favor da Câmara Municipal de Braga para proteger esta última e o respectivo executivo socialista. É importante que este aspecto fique reiterado para que nós, os representantes da oposição, sejamos melhor compreendidos lá no distrito quando falamos disto.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Virgílio Costa, em jeito de introdução, conviria tentar saber, desde logo, por que razão se deu prioridade à opção de construção de uma marina em Esposende e não de um porto de mar. Tendo aflorado esta questão muito ao de leve, julgo que há muitos outros pro

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blemas que afectam o concelho de Esposende e que é de toda a conveniência referir agora.
Em primeiro lugar e tanto quanto sei, foi já autorizada a instalação, no concelho de Esposende, de uma fábrica de tubos de cobre, denominada Volvarém Tubos, Lda.; tratando-se de uma actividade altamente poluente que, obviamente, irá prejudicar em muito o concelho em termos ambientais.
Refiro, por outro lado, a exploração de caulino que tem sido levada a cabo com grande intensidade, por força de uma autorização governamental, exploração esta que tem esventrado completamente - e contra a vontade das populações - o concelho de Esposende.
Há ainda a questão da má execução do IC1 e, desde logo, das águas que, por via das deficiências verificadas na construção dessa rede viária essencial, tudo destroem à sua passagem, porquanto não são passíveis de um escoamento capaz, o que implica, necessariamente, a ausência de uma fiscalização eficiente por parte de quem, em representação do Governo, deveria tê-la exercido.
Mas, infelizmente, o distrito de Braga não é constituído apenas pelo concelho de Esposende - e não deixo de notar o facto de o Sr. Deputado do Partido Socialista, Ricardo Gonçalves, ter resistido à tentação de nos falar de Terras de Bouro -,…

Risos do Deputado do PSD Virgílio Costa.

… mas também não vou constrangê-lo quanto a isso e passo já a referir-me a Celorico de Basto.
De acordo com o Instituto Nacional de Estatística, o concelho de Celorico de Basto é, neste momento, o que apresenta menor poder de compra per capita em todo o continente e, curiosamente, verifica-se que, no PIDDAC, este é o concelho para o qual está inscrita a menor verba, apenas 37 000 contos.
Como é óbvio, muito mais haveria a dizer sobre o distrito de Braga, mas, infelizmente, só disponho de 3 minutos para o fazer, pelo que V. Ex.ª certamente complementará, referindo muitas outras deficiências.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Virgílio Costa.

O Sr. Virgílio Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, hoje é, para mim, um dia de felicidade, pois também tenho de creditar à minha intervenção as considerações que fez o favor de fazer.
De facto, estas e outras questões estão em apreço sempre que falamos de concelhos como o de Esposende, e outros que referi, cuja situação será objecto de preocupação e de denúncia sempre que necessário.
Hoje, porém, como enunciei, o meu objectivo foi o de trazer a esta Câmara a questão relacionada com os pescadores de Esposende e os problemas que vivem neste momento, que, de facto, são graves mas fáceis de resolver.
Creio que o Sr. Deputado não formulou uma pergunta concreta, tendo-se limitado a tecer considerações, que subscrevo e acolho, pelo que lhe agradeço a gentileza.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Ginestal.

O Sr. Miguel Ginestal (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo aprovou, na reunião do Conselho de Ministros da última quinta feira, o decreto-lei que cria o Instituto Universitário de Viseu, no espírito da nova Lei de Organização e Ordenamento do Ensino Superior. Esse instituto é uma escola universitária não integrada, tem autonomia financeira, administrativa, científica e pedagógica. Não se trata de mais uma obra de betão, trata-se, do nosso ponto de vista, da mais importante conquista de Viseu e da região, pois é a aposta nas pessoas, na investigação, na formação, nos saberes e nas competências.
O Governo soube lançar o desafio à Universidade de Aveiro, a quem queremos cumprimentar calorosamente por ter abraçado convictamente o repto lançado e por ter disponibilizado a excelência e a capacidade inovadora do conhecimento adquirido pelo seu corpo docente, permitindo, através de uma unidade orgânica, o arranque do Instituto Universitário de Viseu.
Está, assim, cumprida a promessa do Sr. Primeiro-Ministro, Eng.º António Guterres, e o compromisso do PS: criar o ensino universitário público, de raiz, em Viseu.
O instituto tem agora de fazer o seu caminho no calendário estabelecido, com os saberes assegurados, e é nossa convicção que saberá fortalecer-se e afirmar-se para, no termo do período de instalação, poder seguir o seu próprio caminho. É esse o desafio que está colocado a todos. O nosso empenho será, como sempre, determinado e positivo. Aliás, os viseenses sabem-no bem, pois a nossa posição tem sido clara nesta matéria, não andamos com tácticas nem hesitações, sempre dissemos o que queríamos e sempre soubemos como e com quem o conseguir.
Quando o Governo lançou o desafio à Universidade de Aveiro, não hesitámos um segundo. Muitos outros apoucaram essa proposta, mandaram-na até para Penedono, não se dando conta que estavam a insultar as boas gentes deste pequeno concelho do nosso distrito; disseram que era uma subalternização de Viseu, que era um pólo, uma extensão, uma delegação; enfim, não sabiam do que estavam a falar, limitaram-se a dizer mal.
Fizemos caminho e sensibilizámos muitos viseenses, líderes de opinião, dirigentes das associações de estudantes do ensino secundário, presidentes dos conselhos directivos das escolas, dirigentes de associações representativas de profissões e de sectores de actividade, enfim, mobilizámos vontades para afirmar, junto do Governo e da Universidade de Aveiro, que esse era o caminho a seguir.
O tempo do «orgulhosamente sós» já lá vai há muito. Hoje, tudo se constrói com muita gente, com muitas vontades e parcerias, aproveitando conhecimentos, sinergias e mais-valias que outros estão disponíveis para partilhar. No fundo, o Instituto Universitário é de Viseu mas serve a região e o País.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A criação do Instituto Universitário de Viseu constitui a maior derrota do PSD.

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O PSD teve 10 anos e duas maiorias absolutas para criar em Viseu o ensino universitário público e o que fez? Nada! Silenciaram, pactuaram e nada fizeram!
Assim que se viram na oposição, em 1995, o seu comportamento modificou-se radicalmente. Logo apresentaram um projecto de lei, passaram a fazer conferências de imprensa, manifestações, petições, declarações, enfim, pensando o PSD que, nesta matéria, o PS faria o mesmo que os governos do Prof. Cavaco Silva, ou seja, nada, o que interessava era mobilizar os viseenses para contestar o Governo e o PS. Enganaram-se!
Querem conhecer melhor o projecto porque andaram desatentos e porque até desconhecem a forma como o Conselho de Ministros torna públicas as suas decisões.
Pela nossa parte, nunca andámos distraídos. Fizemos a tempo e horas o nosso trabalho. Assumimos de corpo inteiro a responsabilidade do voto que nos foi atribuído pelos cidadãos do distrito de Viseu e, com essa legitimidade e essa responsabilidade, participámos de alma e coração num projecto que agora vê a luz do dia.
Fizemo-lo porque faltava o vértice do projecto de desenvolvimento regional que traçámos para Viseu: satisfação de necessidades essenciais nos concelhos vizinhos, novas escolas, novos centros de saúde e um hospital com real capacidade, boas condições para a infância e os idosos, requalificação dos serviços públicos como a Loja do Cidadão, boas condições para o investimento, com as auto-estradas, IP3 e IP5, e a rede de gás natural, capacidade de fruir cultura, ambiente e património paisagístico e histórico, fomentando o comércio e o lazer. Enfim, óptimas condições para afirmar uma cidade média no quadro de uma constelação urbana com cerca de 250 000 habitantes, num raio de 25 km da cidade de Viseu.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria terminar, reiterando o nosso empenho em prosseguir a consolidação do ensino superior existente na região, seja o Instituto Politécnico, a Universidade Católica e o Instituto Piaget, na observância dos princípios da qualidade e da excelência que sabemos estar no espírito dos seus dirigentes.
O futuro está, pois, mas mãos de cada um dos viseenses. Cada um é determinante para conseguirmos chegar onde queremos. Esse futuro não está mais ao alcance da nossa mão, está já na nossa mão. Saibamos agarrá-lo com força e determinação.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados José Cesário, Basílio Horta e Joaquim Sarmento.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Cesário.

O Sr. José Cesário (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Ginestal, depois de tê-lo visto e ao seu partido ziguezaguear, ao longo dos últimos anos, pela opção entre escola autónoma e instituto, instituto e unidade orgânica, unidade orgânica e universidade, finalmente, V. Ex.ª vem aqui defender esta solução adoptada pelo Governo no quadro de uma lei de organização do ensino superior que não serve - V. Ex.ª bem sabe que se trata de uma lei contestada por todo o universo universitário e do ensino superior nacional!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª vem, pois, defender uma solução que diz que é de Viseu mas é de Aveiro, que serve Viseu mas, afinal, serve Aveiro, uma solução que julgo que se arrisca a ser aquilo de que V. Ex.as bem gostam, uma «solução de meias-tintas».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O PSD, Sr. Deputado, assumiu um compromisso público num determinado sentido, que está consubstanciado no programa eleitoral que colocámos à apreciação dos portugueses e que foi subscrito pelo nosso candidato a Primeiro-Ministro. O PSD defende a criação de uma universidade pública, em Viseu, construída de raiz.

Aplausos do PSD.

Face a isto, o Partido Socialista, adopta, então, esta posição de indefinição, as tais meias-tintas.
Ora, o que cumpre saber hoje, aqui, Sr. Deputado, é para onde querem os senhores levar isto que agora criaram. Se isto visa a posterior criação de uma universidade em Viseu, o Sr. Deputado pode ter a certeza que tem o nosso inteiro aplauso. O problema é que os senhores são os primeiros a não o dizer, porque o ignoram! De facto, os senhores não sabem exactamente com que orçamento este instituto vai contar; os senhores não sabem exactamente que tipo de autonomia este instituto vai ter; os senhores não sabem exactamente o que este instituto vai ser e em que é que ele pode ou não colidir com o ensino superior que já existe em Viseu. São só palavras, nada de concreto, nada de visível, nada que os viseenses possam realmente apreciar.
Nós, a isto, às «meias-tintas», dizemos não! E só esperamos, Sr. Deputado Miguel Ginestal, que o instituto não fique como está o IP5: cortado e abandonado pelo Governo socialista há já cerca de um mês!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Ginestal.

O Sr. Miguel Ginestal (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Cesário, de facto, a memória dos homens do PSD é muito curta. O Sr. Deputado afirmou aqui, nesta Casa, que o PSD apresentou aos viseenses um compromisso eleitoral, nas últimas eleições legislativas, assumido pelo candidato a Primeiro-Ministro, Dr. Durão Barroso, de criar em Viseu uma universidade pública.
Sr. Deputado, tenho de avivar-lhe a memória: o Sr. Dr. Durão Barroso esteve 10 anos no Governo do Prof. Cavaco Silva e não mexeu «uma palha» para criar a universidade de Viseu!

Aplausos do PS.

O Orador: - Sr. Deputado José Cesário, é claro, para nós, que os senhores nem sequer sabem do que estão a falar. Os senhores andaram desatentos e desconhecem, de facto, o que foi aprovado na passada quinta-feira, em

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Conselho de Ministros, e não é porque essa informação não esteja disponível a todos, inclusive na Internet!
O Sr. Deputado sabe bem que o calendário, os saberes e o período de instalação do instituto estão perfeitamente definidos no decreto-lei que o Governo aprovou na passada quinta-feira, por isso esperava ver aqui hoje, com clareza, da parte do PSD, a demonstração inequívoca de que apoiam esta solução, solução que corresponde ao que todos queremos, ou seja, ensino universitário público, de raiz e autónomo em Viseu, mas certamente com uma visão muito mais global, porque entendemos que o instituto não é apenas para a «nossa casa», é para a região e para o País.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Ginestal, antes de mais, queria dizer-lhe o seguinte: V. Ex.ª referiu que a criação do Instituto Superior em Viseu, pólo da Universidade de Aveiro, era uma derrota para os partidos ou políticos que o não tinham defendido. Todavia, em nossa opinião, a criação do Instituto Superior, desde que constituído seriamente e correspondendo a reais necessidades sentidas, nunca é uma derrota para ninguém. É sempre uma vitória para todos.

Aplausos do CDS-PP.

É nessa perspectiva que encaramos esta problemática.
Aquando das eleições, tive ocasião de defender posições que não eram iminentemente populares. Creio que uma universidade não é nem pode ser um «galão» seja para quem for, nem pode constituir uma forma de promoção seja de quem for.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Uma universidade é algo de sério, que corresponde a necessidades sentidas e serve não apenas um distrito ou um concelho mas o País, os jovens e uma certa noção de desenvolvimento que defendemos. Nesse sentido, tínhamos um critério de exigência em relação a essa escola e afirmámos que Viseu já tinha ensino superior: um politécnico do melhor que há, o Instituto Piaget e a Universidade Católica, que tem prestado altíssimos serviços a Viseu, bem como ao País,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … mas que, ultimamente, deixe-me dizer-lhe, Sr. Deputado, tão mal tratada e tão incompreendida tem sido!

Aplausos do CDS-PP.

Por isso, Sr. Deputado, quando aparece agora, em Viseu, o pólo da Universidade de Aveiro, como se se tratasse de uma «mão longa», um departamento, uma célula da Universidade de Aveiro em Viseu - penso que é essa a configuração prevista, a de uma extensão da Universidade de Aveiro em Viseu, mas, se assim não for, o Sr. Deputado logo me esclarecerá -, dependendo dela organicamente, em vários momentos, no que respeita ao quadro de pessoal, ao quadro de professores, etc., a minha primeira pergunta é esta: porquê? Se há condições para criar um instituto universitário em Viseu, por que não um instituto universitário sem qualquer dependência em relação a Aveiro? Então, por que é que Aveiro é para aqui chamada? Qual é o motivo? De duas, uma: ou existem condições para uma universidade em Viseu, e é natural e normal que ela seja uma universidade de Viseu, ou bem que não existem ainda essas condições e, neste caso, a solução deveria ou poderia ser outra!
Realmente, em relação ao distrito de Viseu, e esta não é nenhuma visão regionalista - não é vergonha nenhuma tê-la, mas não partilho dela -, temos assistido à saída de muitos centros de decisão do distrito e visto o mesmo relegado, independentemente de saber quem são os responsáveis, para uma posição secundária. Ora, se se entende que estão criadas condições para uma universidade em Viseu, seria perfeitamente natural que ela fosse a universidade de Viseu.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Terminou o tempo de que dispunha, queira concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino, Sr. Presidente, formulando a seguinte pergunta muito concreta: criado esse instituto, qual é o papel da Universidade Católica? Qual é o seu estatuto e em que medida vai ser atingido? Este é um aspecto extremamente importante.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Ginestal.

O Sr. Miguel Ginestal (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta, queria agradecer-lhe as perguntas que formulou, pois dão-me oportunidade de esclarecer o que foi criado em decreto-lei. Vejamos, então.
Artigo 1.º (Criação): «É criado o Instituto Universitário de Viseu.»; artigo 2.º (Natureza): «O Instituto é uma escola universitária não integrada, nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 26/2000.», que, como sabem, é a lei de organização e ordenamento do ensino superior;…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Que diz?

O Orador: - … artigo 3.º: «O Instituto fica sediado na cidade de Viseu.».

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Claro, obviamente!

O Orador: - O artigo 4.º refere-se à integração na Universidade de Aveiro, que é a questão que o Sr. Deputado Basílio Horta coloca. E o que lá se estipula é que a Universidade de Aveiro é que é autorizada a integrar o instituto, como sua unidade orgânica.

Risos do CDS-PP e de alguns Deputados do PSD.

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O Sr. Deputado Basílio Horta não está esclarecido e creio que não defende a solução de criar no papel uma instituição sem saberes nem competências. Os saberes e competências são necessários e o Sr. Deputado concordará comigo em que, no período de instalação, uma universidade de ponta, como é, de facto, a Universidade de Aveiro, é garantia essencial de que o que vai ser feito é algo de muito importante e que o instituto, findo o período de instalação - período esse que também está previsto no decreto-lei -, saberá, por si só, caminhar e traçar os seus objectivos.
Relativamente à Universidade Católica, queria dizer-lhe o seguinte: as preocupações da interioridade em relação ao Centro Regional das Beiras da Universidade Católica mereceram, da parte do Governo, um contrato-programa que permite aos alunos da Universidade Católica de Viseu frequentarem os cursos em igualdade de circunstâncias com os do ensino superior público.

Vozes do CDS-PP: - E bem!

O Orador: - O Sr. Deputado concorda com essa iniciativa deste Governo?
Repetindo o que já afirmei do alto da tribuna, queria ainda dizer-lhe que, do nosso ponto de vista, instituições que desempenharam na região um papel de «substituto» do Estado devem merecer, da parte do Estado, a manutenção dos apoios e a consolidação dos seus projectos educativos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O que aqui estou a dizer não é novo, pois é essa a nossa posição de princípio.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Mas a posição do Governo não é essa!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Sarmento.

O Sr. Joaquim Sarmento (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Ginestal, quero dizer-lhe que há momentos em que a vida dos Deputados é gratificante, não no sentido mercantilista, naturalmente, mas no plano da complementarização de combate político e cívico travado em condições difíceis, parlamentares que somos e não tendo, sublinhe-se, um papel executivo, necessitamos, apesar disso, de responder à carta reivindicativa dos eleitores que nos elegeram.
O combate dos Deputados do PS do círculo eleitoral de Viseu em torno da implementação do ensino universitário público nesta cidade teve eco no Governo central na criação deste Instituto Universitário. Não vou dissecar aqui sobre os méritos de tão importante infra-estrutura para o futuro dos viseenses, como aliás poderia referir a criação da Escola de Tecnologia e Gestão de Lamego para o futuro dos lamecenses e durienses.
Mas parece-me ser um acto de justiça relevar e felicitar o Sr. Deputado Miguel Ginestal e o ex-Deputado José Junqueiro, actual membro do Governo, pelo empenhamento corajoso com que defenderam este projecto, tendo que ultrapassar múltiplas vicissitudes resultantes da sua peculiar complexidade e de uma campanha de descrença e de reivindicações irrealistas e irrealizáveis para mais facilmente bloquearem o realizável, como é expressão eloquente o Sr. Deputado José Cesário.
Nessa determinação, saúdo todos os Deputados do interior profundo, que têm mais dificuldades em fazer chegar a sua voz a quem tem o poder decisório.
Trata-se de um acto de justiça e VV. Ex.as estão profundamente ligados à perduração deste projecto que, por se tratar de um projecto em prol da causa pública, certamente vai ter o reconhecimento dos viseenses.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Não se tratou, propriamente, de um pedido de esclarecimento, uma vez que o Sr. Deputado está esclarecidíssimo! Foi mais uma intervenção, mas não sei se o Sr. Deputado Miguel Ginestal quer acrescentar algo.
Tem a palavra.

O Sr. Miguel Ginestal (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joaquim Sarmento, queria apenas agradecer-lhe as palavras que só a amizade permite e dizer que a nossa determinação para a concretização deste projecto é inabalável. O que gostaríamos de ver, da parte dos outros partidos, mas que, de facto, não vemos (em particular do PSD), é também a afirmação positiva do que está no terreno, do que está concretizado, do que é o futuro assegurado dos viseenses e do que é muito importante que possa acontecer.
No passado como no presente, o PSD não sabe o que quer. Nós sabemos, damos passos concretos e os viseenses sabem disso. Vamos seguir em frente, com todos, porque é o interesse de Viseu e da região que está em causa, mas também é o interesse nacional que vai ser concretizado através da criação do Instituto Universitário de Viseu.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa dois votos de pesar, havendo consenso para que sejam apreciados hoje.
Começamos por apreciar o voto n.º 122/VIII - De pesar pelo falecimento do ex-Deputado Francisco Marcelo Curto (PS), de que é primeiro subscritor o Sr. Deputado António Reis, que passo a ler:
«Morreu Francisco Marcelo Curto, antigo Deputado à Assembleia Constituinte, Secretário de Estado do Trabalho no VI Governo Provisório e Ministro do Trabalho no I Governo Constitucional.
Morreu um dos mais abnegados construtores do nosso actual regime democrático. E que já se distinguira antes na luta contra a ditadura. No movimento estudantil, na oposição democrática, pela qual se candidatou a Deputado nas 'eleições farsa' de 1969 a 1973, na movimentação sindical que daria origem em 1970 à Intersindical, na fundação do PS em 1973, nos livros e nos artigos publicados, que conseguiram passar o crivo da censura, Francisco Marcelo Curto revelara já a sua coragem polí

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tica, a natureza dos seus ideais, a firme determinação em tudo fazer para que a luz da liberdade viesse a vencer as trevas da ditadura.
Com o advento do regime democrático, empenhou-se a fundo, e em especial, na defesa dos direitos dos trabalhadores. Responsável pelo sector do trabalho, na direcção do PS, promoveu a constituição de inúmeras comissões de trabalhadores nas empresas e distinguiu-se, na Constituinte, pelos contributos dados aos artigos da Constituição que consagram os direitos dos trabalhadores.
Regressado à vida profissional, depois de assumir responsabilidades governativas e parlamentares nas instituições da nossa 2.ª República, continuou ligado ao mundo sindical e do trabalho como advogado especializado no direito laboral, fiel, até ao último dia da sua vida, aos ideais da liberdade, da igualdade e da fraternidade.
A Assembleia da República exprime a sua profunda mágoa pelo falecimento de Francisco Marcelo Curto, inclinando-se perante a sua memória e prestando-lhe sentidamente uma derradeira homenagem».
O voto está em apreciação.
Para uma primeira intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como escreve hoje Mário Soares no Diário de Notícias, num belo e sentido artigo de homenagem à memória de Francisco Marcelo Curto, na morte de um amigo a memória reacende-se.
Também a minha memória se reacendeu com a morte de Francisco Marcelo Curto, com quem partilhei tantos momentos, tantas lutas, tantos combates, antes como depois do 25 de Abril, na sua candidatura, pelas listas da oposição democrática, às «eleições farsa» de 1969 e 1973, na fundação do Partido Socialista - como esquecer as reuniões que tivemos em Paris com os exilados do Partido Socialista Mário Soares, Jorge Campinos, Ramos da Costa, Tito de Morais, debatendo o que viria a ser o primeiro programa do Partido Socialista?
Curiosamente, poucos saberão que Francisco Marcelo Curto, nessa altura, publicava também na Seara Nova alguns artigos sobre a obra de Franz Kafka. Com efeito, a ditadura tinha, em Portugal também, em muitos aspectos, contornos kafkianos, e ele servia-se igualmente de Kafka para denunciar a nossa ditadura.
Depois do 25 de Abril, como esquecer o empenhamento de Francisco Marcelo Curto na Assembleia Constituinte? Como esquecer o empenhamento de Francisco Marcelo Curto na luta por aquilo que se afigurou logo, a muitos de nós, como a utopia auto-espionária, mas em que ele acreditou firmemente com convicção? Como esquecer o empenho de Francisco Marcelo Curto, como dirigente do Partido Socialista, na luta pela liberdade, sem dúvida, mas também na luta pela defesa dos trabalhadores?
Como advogado, dedicou às causas laborais o melhor do seu esforço profissional, aliando ao seu profissionalismo o culto de interesses espirituais e culturais, até ao final da sua vida.
Homem livre, homem bom e generoso, homem coerente com os seus ideais ao longo de toda uma vida, homem com quem se podia divergir, mas de quem não se podia ser inimigo, é ele, Francisco Marcelo Curto, que hoje aqui comovidamente invocamos, convidando todas as bancadas desta Casa a associarem-se a este último acto de homenagem à sua memória.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a bancada do PSD quer associar-se a este voto de pesar, reconhecendo todo o trabalho político desenvolvido por Francisco Marcelo Curto no pós-25 de Abril, mas não apenas.
Depois do 25 de Abril é do domínio público a prestação que ele teve não apenas como Deputado constituinte, também como governante, mas, essencialmente, como homem ligado ao mundo sindical, na defesa dos direitos dos trabalhadores. Deixa aí uma marca indelével na construção do regime democrático que hoje vivemos.
Tive o privilégio e a honra de o conhecer mesmo antes do 25 de Abril, e, imaginem, de com ele conviver quando, em conjunto com outros opositores ao regime, designadamente com Júlio Castro Caldas, fizemos o serviço militar durante três longos anos no mesmo estabelecimento militar. Nessa ocasião, durante a prestação do serviço militar, pude testemunhar a forma como, abnegadamente, com uma enorme coragem política, pôde, de dentro do regime, construir a oposição ao regime, que já se desfazia.
É por todas estas razões que junto a minha voz à da minha bancada para me associar a este voto, manifestando a nossa sentida homenagem a Francisco Marcelo Curto e endereçando à sua família e também ao Partido Socialista, partido a que sempre pertenceu, os nossos sentidos de pêsames.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, também o PCP quer associar-se a este voto de pesar pelo falecimento de Francisco Marcelo Curto.
A morte de Marcelo Curto marca-nos a todos, particularmente aqueles que, por uma razão ou por outra, com ele conviveram, que é, se me permitem este testemunho, também o meu caso. Merece, sem dúvida, um momento de recolhimento e de profundo pesar da Câmara.
Marcelo Curto foi um «companheiro de estrada» na luta contra a ditadura, comigo e com outros Deputados que estão nesta Sala, como é o caso de António Reis. Convivemos e lutámos juntos num movimento de oposição, que construímos, em particular a partir de 1969 até ao 25 de Abril, nas eleições de 1969 e de 1973, no terceiro congresso da oposição democrática e em todas as movimentações sociais e sindicais a que Marcelo Curto deu o seu melhor, estando, por isso mesmo, na fundação da Intersindical nacional.
Nesse sentido, Sr. Presidente, e sem prejuízo dos diversos percursos políticos e ideológicos que entretanto tivemos - nalguns casos opostos -, não posso deixar de recordar todo este seu percurso político, esta sua dedicação à causa da democracia e da liberdade e também o seu

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empenhamento na fundação daquilo que seria o grande movimento sindical unitário em Portugal.
Por isso nos associamos ao voto de pesar, expressando ao Partido Socialista e à família de Marcelo Curto o nosso mais profundo sentimento de pesar e de solidariedade.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, foi com mágoa que tomei conhecimento, no último fim-de-semana, da notícia da morte de um bom amigo, Marcelo Curto.
Conheci Marcelo Curto nos princípios dos anos 60, quando ele era advogado do Sindicato dos Electricistas, tendo-nos encontrado frequentemente no Tribunal de Trabalho, a propósito de questões laborais relacionadas com as trabalhadoras do ramo de centrais telefónicas e semi-condutores, que, em Portugal, eram as mais mal pagas de todo o País, principalmente as empregadas das chamadas multinacionais estrangeiras que para aqui mantinha deslocalizadas algumas das suas fábricas para tirarem o maior proveito possível não só da docilidade como da arte da mão-de-obra feminina portuguesa, que então trabalhava nos trabalhos quase de bordado de fios nos chamados semicondutores sem grande formação e também prestava trabalho na construção das centrais telefónicas.
Devo dizer que, independentemente da sua ideologia, que todos conheciam ser socialista, o empenhamento de Marcelo Curto, como advogado, como político e como humanista, ao tratar dos assuntos dos trabalhadores com as entidades patronais era sempre para melhorar a vida dos trabalhadores, mesmo dentro do quadro de então, e foi notável o seu próprio labor.
Lembro-me de que, quando eu era director de serviços de pessoal na Standard Eléctrica, foi por acção e empenho dele que, pela primeira vez, e após a aprovação, pela administração desta empresa, foi introduzido o pequeno-almoço gratuito a todos os trabalhadores que entravam às 8 horas na fábrica. O trabalho começava às 8 horas e 20 minutos, porque os 20 minutos eram destinados à primeira refeição, pois as empregadas e os empregados chegavam dos arredores de Lisboa, de onde saíam às 6.30 horas, trazidos em camionetas, quase sempre em jejum.
Esta pequena nota de humanidade de servir o que directamente interessava fazer e sem grandes estardalhaços, com a clara noção de que isso se faz por dever da humanidade e por exigência das convicções profundas, foi o que sempre marcou Marcelo Curto.
Ao contrário do que agora se diz, de que ele era um grande idealista e um grande utópico, Marcelo Curto soube sempre lutar, ser realista e sabia obter aquilo que queria.
Conheci-o depois como Ministro do Trabalho, convivi com ele aqui nesta Casa como Deputado, depois como um político já desgarrado da política activa - não sei porquê -, vi nele sempre um amigo. Depois, como enfermo, visitei-o algumas vezes, pela solidariedade de muitos anos que a ele me ligava e pela admiração que por ele tinha e, por isso mesmo, sinto a sua morte como também a de um grande colaborador nas causas de direito laboral, políticas e humanistas.
Um grande humanista laico acaba de nos deixar. O minuto de silêncio que V. Ex.ª pedirá à Câmara será, naturalmente, da nossa parte, o tempo de oração.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, a morte de Francisco Marcelo Curto constitui uma perda lamentável, não só para o Partido Socialista, para cuja emergência a sua acção foi fundamental, mas também para todos os democratas. Quer os democratas que o acompanharam na luta unitária antifascista, como foi o meu caso a partir de 1970, quer aqueles que, em diferentes configurações partidárias, se empenham no processo de democratização no pós-25 de Abril.
O Bloco de Esquerda apresenta, pois, o seu sentido de pesar à mulher, aos filhos e à restante família, assim como à direcção do PS e a todos os seus militantes.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Governo associa-se com pesar a este voto e à homenagem que a Assembleia da República presta hoje a Francisco Marcelo Curto.
Destacou-se não só como eminente juslaborista, que sem dúvida foi, mas como um eminente lutador por uma outra concepção do trabalho, uma concepção de trabalho inserido em sociedades libertas de exploração. Bateu-se por esse ideal ao longo de toda a sua vida. Sabemos que levantou a sua voz bem alto nas mais diversas tribunas das instituições da República democrática que ajudou a criar e a fundar, como membro do governo, como destacado parlamentar, como cidadão ilustre que sempre foi.
O seu precioso arquivo, que quis doar à Fundação Mário Soares, revelará até que ponto foi persistente, constante e rico este empenhamento cívico de Marcelo Curto e como nunca desistiu, em qualquer circunstância, de batalhar por ideais que ajudou a delimitar entre nós.
Muitos dos que aqui se sentam foram, em diversas circunstâncias, testemunhas da sua invulgar coragem, que manifestou do princípio até ao fim.
A mágoa que hoje aqui é expressa, também pelo Governo, é uma mágoa genuína e partilhada. Privados que fomos da sua presença, não fomos nem seremos privados da sua memória, e estamos constituídos no dever de a honrar condignamente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, como Presidente em exercício, é com muita emoção que me associo a este voto de pesar pelo falecimento do meu grande amigo pessoal que foi Francisco Marcelo Curto, companheiro de muitos e decisivos combates antes do 25 de Abril, no movimento estudantil, na oposição democrática à ditadura e, depois, na construção do Partido Socialista e da democracia.
Recordo especialmente um momento que seria decisivo, quer para o Partido Socialista quer para o futuro da demo

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cracia portuguesa: o primeiro congresso do Partido Socialista na legalidade. Mário Soares escolheu para defender a sua moção Francisco Marcelo Curto, António Lopes Cardoso e eu.
Esse foi um momento que, independentemente de divergências pontuais, para sempre nos uniu, porque a vitória dessa moção garantiu a autonomia do Partido Socialista e criou condições para a construção da democracia portuguesa.
Francisco Marcelo Curto está indelevelmente ligado à história do movimento sindical português, às comissões de trabalhadores, à consagração constitucional dos direitos dos trabalhadores. Está indissoluvelmente ligado à história do Partido Socialista, à história da democracia portuguesa e também à história da Assembleia Constituinte e da Assembleia da República.
Vamos, então, votar o voto n.º 122/VIII - De pesar pelo falecimento do ex-Deputado Francisco Marcelo Curto (PS).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, este voto será enviado à família de Francisco Marcelo Curto.
É com muita emoção e muita saudade que proponho um minuto de silêncio em sua memória.

Entretanto, a Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.

Srs. Deputados, passamos à apreciação de outro voto, que, não por menos consideração, vou pedir ao Sr. Secretário José Reis o favor de ler.

O Sr. Secretário (José Reis): - É o seguinte:

Voto n.º 123/VIII
De pesar pela morte do estudante Ricardo Duarte (CDS-PP).

Considerando que o assassinato do estudante Ricardo Duarte comoveu toda a sociedade portuguesa e provocou a indignação da comunidade académica;
Considerando que o Instituto Superior Técnico decretou luto académico, medida excepcional que visa sensibilizar todos os órgãos de soberania para a necessidade de garantir o direito à segurança, constitucionalmente garantido;
A Assembleia da República, nos termos regimentais, declara o seu pesar pela morte do estudante Ricardo Duarte, solidariza-se com a sua família e colegas e acompanha a luta da comunidade académica por mais segurança, condição essencial para o exercício da liberdade.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao apresentar este voto de pesar, o CDS quer, em primeiro lugar, associar a Assembleia da República à tristeza e à revolta que a morte do estudante Ricardo Duarte causou na sociedade portuguesa.
As circunstâncias de qualquer morte e da perda de qualquer vida merecem a solidariedade de todos os humanistas. As circunstâncias desta morte em especial não podem deixar de, além de merecer a nossa solidariedade, causar a nossa preocupação. Trata-se de um estudante que ia, em pleno dia, estudar com um colega para os exames e que foi, primeiro, assaltado e depois, por não ter dinheiro para dar ao assaltante, assassinado - degolado, para ser exacto.
Este não é um tipo de criminalidade a que a sociedade portuguesa esteja habituada, mas é, infelizmente, um tipo de criminalidade que está a chegar à nossa sociedade.
Este facto causou a maior indignação na comunidade académica, em especial no Instituto Superior Técnico. Eu fui dirigente associativo depois do 25 de Abril, beneficiando da liberdade já conquistada. Aos que aqui estão e foram dirigentes associativos antes do 25 de Abril peço que recordem o significado de decretar um luto académico, quando toda uma instituição o faz. É que, de facto, às vezes, há vozes que não têm voz, há problemas que não chegam à sede que os pode resolver, que precisam de um grito de revolta, surdo mas verdadeiro, para que possam passar a ter uma solução eficaz e para que a segurança das pessoas, que é um direito constitucionalmente garantido, volte à sociedade portuguesa, pois é uma condição essencial para o exercício da nossa liberdade.
É por entendermos que a Assembleia da República não deve ser surda a esse grito que deve ser solidária com qualquer perda de vida e que deve perceber o que está a acontecer na sociedade portuguesa e manifestar-se ao lado, institucionalmente, como é próprio, desse grito de revolta por mais segurança e pela garantia de um direito constitucional, que apresentamos este voto, preocupados como estamos com a evolução da criminalidade no País e, em particular, numa cidade onde, só no ano passado, o número de crimes violentos aumentou 34%. É isso que nos deve preocupar a todos.
Gostaríamos de transmitir o nosso pesar, quer à família do estudante que morreu, quer aos seus colegas, que iniciaram uma luta que devemos saudar civicamente.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Deputado David Justino.

O Sr. David Justino (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, quero manifestar, da parte do PSD, a profunda solidariedade, não só relativamente à família, mas também aos colegas e a toda a comunidade académica do Instituto Superior Técnico e da cidade de Lisboa, secundando e apoiando este voto de pesar apresentado pelo Partido Popular.
Mas gostaria também de enunciar a nossa preocupação de que, no futuro, sejam cada vez menos as probabilidades de se repetirem, em circunstâncias idênticas, idênticos e potenciais votos de pesar.
Neste caso, foi o estudante Ricardo Duarte, nas imediações do Instituto Superior Técnico, em pleno coração de Lisboa, tal como poderia ser qualquer outro estudante, funcionário ou professor, nas imediações da Faculdade de Arquitectura, na Ajuda, ou de qualquer faculdade da Uni

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versidade de Coimbra, da Universidade do Porto ou em qualquer outro ponto do País.
As características que a violência tem vindo a assumir e a sua expressão, ao traduzir-se, não só em números, mas na natureza dos crimes praticados, obriga-nos a reflectir sobre se estamos ou não em condições, se queremos ou não encontrar soluções que respondam à má novidade que é essa nova expressão da violência.
Creio que não pode haver soluções velhas para problemas novos. É óbvio que se trata de um fenómeno potencialmente afirmativo, ao nível urbano, e que, para esses novos fenómenos, temos de reconhecer que as medidas tomadas nem sempre têm sido as mais eficazes, pois correspondem a soluções velhas.
Nesse sentido, penso que, a partir deste triste caso, valerá a pena a Assembleia e o Governo não caírem no lugar comum de falar em mais polícia ou mais dinheiro. Acima de tudo, é preciso falar do reforço da autoridade da polícia e de uma maior capacidade de intervenção desses mesmos meios que não se cinja à semana ou ao mês imediatamente a seguir àquele em que o crime acontece.
Não podemos continuar, eternamente, a esquecer o que aconteceu e a esperar que, no futuro, não se atinja essa mesma expressão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda associa-se ao voto de pesar pela morte do estudante Ricardo Duarte, apresentando condolências à família, aos estudantes do Instituto Superior Técnico, em luto, e a toda a Academia, também ela em luto.
Entre outras medidas, o Bloco de Esquerda considera fundamental e urgente o reforço da polícia de proximidade.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Jamila Madeira.

A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista solidariza-se de forma veemente com este voto e de forma muito especial com a família deste estudante.
Para nós, a educação e o ensino correspondem a um espaço de liberdade, que deve ser salvaguardado e sobre o qual devemos, neste momento, reflectir. Este estudante está, com certeza, na nossa memória. E, sendo certo que simboliza este estudante, este luto académico deriva essencialmente da salvaguarda desta liberdade que existe, e deve sempre existir, no espaço educativo.
O PS considera serem de saudar as medidas de emergência derivadas da situação que as entidades competentes tomaram nos últimos dias, mas penso que nunca se deve pôr em causa o espaço que o Instituto Superior Técnico, a comunidade académica de Lisboa e a própria comunidade académica nacional representam. E isto deve sempre ser simbolizado pela salvaguarda da liberdade e pela criação de condições para que os estudantes possam ter essa liberdade.
De qualquer forma, e tendo ouvido todas as considerações das bancadas aqui presentes, julgo que, com este voto, temos é de reforçar a solidariedade e as mais sinceras condolências dirigidas à família do estudante. É com isso que temos de nos preocupar, pois este estudante não voltará.
Assim, o PS dirige as mais sinceras condolências à família e espera que ela possa superar esta perda da forma mais digna possível.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome da bancada do PCP, quero associar-me ao pesar pela morte do estudante Ricardo Duarte. Quero também dizer que a melhor maneira de respeitarmos a dor causada em todos por este crime, neste momento, é cingindo-nos a manifestar o nosso pesar e a enviar a nossa solidariedade à família, aos colegas estudantes e a toda a comunidade académica.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O crime que levou à morte do estudante Ricardo Duarte é repugnante e as circunstâncias que o rodearam são absolutamente trágicas.
Partilhamos, por isso, a indignação sentida na sociedade portuguesa por esta ocorrência e estamos completamente atentos às razões que levaram ao luto académico hoje em curso e à luta que lhe está subjacente. Essa luta merece-nos respeito e resposta e penso que estamos em condições de conceber e de aplicar medidas novas para situações novas. Faço o voto de que esse processo não gere divisões inúteis ou polémicas com o sangue das vítimas que não são de aceitar.
Assim, gostaria tão-só de transmitir condolências à família enlutada e a expressão do nosso pesar e do empenhamento em responder às causas das coisas que nos indignam à comunidade académica.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, em nome da Mesa e em meu nome pessoal, associo-me também a este voto. A morte do estudante Ricardo Duarte é muito revoltante e deve suscitar a nossa reflexão e a busca de soluções.
Como hoje alguém me lembrou, na minha geração, os estudantes lutavam na rua contra a polícia; hoje, os estudantes pedem mais polícia na rua. Esta mudança exprime as mudanças que se operaram na própria sociedade. Este não é só um problema português, mas da sociedade moderna.
A morte deste estudante e a luta dos estudantes do Instituto Superior Técnico merecem a nossa solidariedade mas também a nossa reflexão e o encontrar de soluções, que têm de ser nacionais.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 123/VIII - De pesar pela morte do estudante Ricardo Duarte, apresentado pelo CDS-PP.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

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Srs. Deputados, vamos guardar um minuto de silêncio.

A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.

O voto será enviado à família do estudante.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 5 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, vamos proceder à discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.os 32/VIII - Altera a Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, que estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos órgãos dos municípios e das freguesias, bem como a Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto, que regula o regime jurídico da tutela administrativa, e a Lei n.º 29/87, de 30 de Junho, que define o Estatuto dos Eleitos Locais e 34/VIII - Cria a lei orgânica que regula a eleição dos membros assim como a constituição dos órgãos das autarquias locais e dos projectos de lei n.os 354/VIII - Alterações à Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, bem como à Lei n.º 29/87, de 30 de Junho, na parte relativa ao funcionamento das assembleias municipais (PCP), 360/VIII - Reforma o sistema eleitoral autárquico (altera o Decreto-Lei n.º 701-B/76, de 29 de Setembro) (BE), 364/VIII - Cria o regime que regula a constituição das autarquias locais e respectiva eleição dos seus membros (CDS-PP), 365/VIII - Altera a Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, que regula o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias, bem como a Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto, que regula o regime jurídico da tutela administrativa (CDS-PP) e 370/VIII - Alteração à Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, em que se estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias (PS).
Srs. Deputados, segundo o Regimento, a palavra compete, em primeiro lugar, aos autores da iniciativa em apreciação, mas, como se trata de uma discussão conjunta, sendo, por isso, vários os autores, tal significaria que a intervenção do relator ficaria precluída.
Assim, fazendo uma interpretação criativa dos artigos 153.º, 157.º e 154.º, n.º 7, do Regimento, sugiro que comecemos por uma intervenção do relator da 1.º Comissão, o Sr. Deputado Fernando Seara, passando-se depois aos grupos parlamentares.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, com o devido respeito, sem embargo de a norma regimental que o Sr. Presidente enunciou estabelecer basicamente isso, penso que, neste caso concreto, não faz sentido haver intervenção de relatores, pela circunstância de o Sr. Presidente da Assembleia da República ter enviado estes diplomas a duas comissões e de os Deputados terem em sua posse - a minha bancada também tem - seis relatórios de seis relatores diferentes. É evidente que, nestas circunstâncias, me parece completamente desadequado que seja dada a palavra a uns em detrimento de outros, como também me parece desadequado que seja dada a palavra sucessivamente a seis relatores. Portanto, sugiro à Mesa e às outras bancadas que seja dispensada a intervenção dos relatores atendendo à circunstância referida, que nos foi colocada em virtude da decisão anteriormente tomada pelo próprio Presidente da Assembleia da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, agradeço o uso da palavra para interpelar a Mesa na condição de Presidente da 1.º Comissão, onde foi suscitado este ponto.
A 1.ª Comissão apreciou hoje o relatório, o qual, no seu âmbito, integra a apreciação global de novos projectos de lei que estão pendentes para debate. E foi parecer dos grupos parlamentares, em sede de 1.ª Comissão, suscitar à Mesa da Assembleia da República que, justamente cumprindo a disposição regimental, fosse dada a palavra ao Sr. Deputado relator para o efeito. Acontece que, no debate travado na 1.ª Comissão, todos os Srs. Deputados presentes, representando os vários grupos parlamentares, estiveram de acordo em que o Presidente, na circunstância eu próprio, fizesse esta diligência institucional. Ela foi feita e o Sr. Presidente, em consonância com as direcções dos grupos parlamentares, decidirá, mas a opção da 1.ª Comissão foi no sentido do cumprimento do Regimento.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Também para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Dar-lhe-ei a palavra, mas devo dizer que não vou gastar muito tempo com esta questão processual.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, também não vou gastar muito tempo, até porque reconheço que é uma siutação de difícil interpretação, como aliás V. Ex.ª bem disse.

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Julgo que a resolução da situação só pode passar por um consenso, pelo que apelo a que ele exista.
Estes diplomas baixaram a várias comissões, mas baixaram sequencialmente e a 1.ª Comissão tem aqui um papel importante.
Argumentando desta forma, e tendo em conta tudo o que foi dito pelo Sr. Presidente da 1.ª Comissão, Deputado Jorge Lacão, peço a compreensão da Câmara para que se siga o procedimento que V. Ex.ª propôs, que me parece o mais ajustado e o mais correcto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, não havendo consenso, sou obrigado a cumprir uma interpretação literal do Regimento.
Para iniciar o debate, tem, pois, a palavra o Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública.

O Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública (Alberto Martins): - Srs. Presidente, Caros Colegas de Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A qualidade da democracia exige a melhoria das relações entre os cidadãos e as instituições políticas e o seu progressivo aperfeiçoamento. O Programa do Governo, sufragado por esta Assembleia, aponta para a necessidade da reforma do sistema eleitoral de forma a favorecer uma maior participação dos cidadãos no processo democrático e a reorganização do sistema do governo local.
Este compromisso vai, aliás, ao encontro das alterações decorrentes da ultima revisão constitucional, quer no que respeita à constituição dos órgãos das autarquias locais, quer ainda no que toca as candidaturas de grupos de cidadãos.
Consolidado o sistema político, a questão que hoje se coloca, imediata e permanentemente, é a da qualidade da democracia. E, deste ponto de vista, os sinais que recebemos são preocupantes. Os dados sobre a participação eleitoral e a imagem das instituições políticas exigem da parte de todos um esforço de reflexão. Simultaneamente, também a identificação dos eleitores com os partidos políticos tem vindo a baixar progressivamente, tomando-se assim mais difícil a necessária renovação da vida política. Poder-se-ia, no entanto, pensar que a abstenção eleitoral seria compensada, como em outras democracias, pela participação cívica. Mas não é esse o caso: a taxa de pertença a organizações cívicas é, entre nós, muito baixa, mesmo quando comparada com outras democracias recentes da Europa do sul. E a verdade é que as regras das instituições políticas não tem incentivado essa participação nos últimos 25 anos.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mas, como diz David Held, um teórico da democracia, «Ninguém tem a opção da não-política». A democracia é um projecto de todos, de todos os dias, algo demasiado importante para ser deixado apenas aos representantes electivos, como somos todos nós.
O que se passa, então, em Portugal? No fundo, a economia e as mentalidades mudaram, mas o Estado e o sistema político não têm acompanhado ao mesmo ritmo essa mudança. Consequentemente, os cidadãos foram-se afastando da política.
O desafio que hoje se nos coloca é o da reforma política, numa lógica de dupla democratização: reformando as instituições públicas e envolvendo a sociedade civil nessas reformas. Só um Estado moderno nos permitirá melhorar a qualificação dos portugueses, a produtividade da nossa economia e, simultaneamente, as condições para o exercício da cidadania política activa.
Em 1997, alterou-se a Constituição, não para que tudo continuasse na mesma, mas para alargar novos horizontes, abrindo o caminho para reformas no sistema político português. Depois da Lei de Financiamento dos Partidos e das Campanhas Eleitorais, depois da Lei Eleitoral do Presidente da República e antes da lei eleitoral para a Assembleia da República, chegou o momento de esta Câmara apreciar os projectos de reforma do sistema eleitoral e de governo para as autarquias locais.
O balanço que fazemos do poder local democrático é bastante positivo. Mas esse balanço globalmente positivo não nos deve fazer esquecer as debilidades que o exercício do poder local actualmente revela.
Em primeiro lugar, importa ter presente que o programa autárquico, maioritariamente sufragado pelos eleitores, nem sempre tem condições para ser executado, em razão dos bloqueios institucionais inultrapassáveis.
Depois, devemos notar que as posições das maiorias e das oposições se confundem, por vezes, num processo pouco claro de desresponsabilizaçao política, que prejudica a alternância democrática: nem as maiorias são suficientemente fiscalizadas pelas assembleias municipais, nem as oposições se constituem como alternativa, contribuindo estas ora para a gestão, ora para o bloqueio da acção do executivo.
Finalmente, importa sublinhar que nem sempre a governabilidade, a transparência e a operacionalidade do governo autárquico estão asseguradas.
A respeito deste último aspecto, durante o debate público que esta proposta suscitou, algumas vozes lembraram que hoje existem apenas 29 situações de maiorias relativas nas câmaras municipais. É verdade, mas este facto suscita duas leituras. Numa primeira leitura, não podemos deixar de interpretar o progressivo aumento de maiorias absolutas como um sinal do eleitorado no sentido do reforço da responsabilização e da governabilidade. Não deixa de ser significativo que estas maiorias absolutas surjam num sistema de governo que foi desenhado para as evitar. É, quanto a nós, um sinal evolutivo das opções do eleitorado no sentido das soluções homogéneas.

Protestos do PCP e do BE.

Mas nem sempre essa vontade se tem traduzido em garantias de estabilidade. Numa análise mais qualitativa dessas 29 maiorias relativas - sabendo nos que nada impede que esse número não possa voltar a aumentar -, …

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É esse o receio!

O Orador: - … - verificamos que em 11 casos se trata de municípios com mais de 30 000 eleitores, entre os quais se encontram quatro capitais de distrito (Setúbal, Aveiro, Évora e Portalegre) e quatro dos maiores concelhos do País (Amadora, Cascais, Vila Franca de Xira e Barreiro). Ou seja, a tendência para a instabilidade é maior

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nos concelhos onde aumenta o numero de eleitores, a fragmentação partidária, a proporcionalidade e também as responsabilidades orçamentais e administrativas.
São, essencialmente, estas as debilidades que animam a reforma que apresentamos. Em bom rigor, trata-se de uma dupla reforma, do sistema eleitoral, por um lado, e do sistema de governo, por outro.
Estas duas reformas estão orientadas, respectivamente, por dois grandes princípios que se encontram já consagrados em outros sistemas políticos locais da União Europeia (nomeadamente, Espanha e Itália): a participação política dos cidadãos e a transparência no governo local. Pensamos que a pertinência destes dois princípios de modernização do sistema político local foi já plenamente justificada pelo diagnóstico atrás apresentado. Interessa agora ver os objectivos que estes princípios reformistas visam e verificar em que medida é que se encontram regulados na proposta de lei.
Os objectivos da reforma são claros. No que se refere ao sistema eleitoral, pretendemos reforçar a participação dos cidadãos, bem como a liberdade e igualdade de candidaturas, a imparcialidade das entidades públicas e a simplificação do processo eleitoral; em relação ao sistema de governo, pretendemos simultaneamente reforçar a fiscalização e a responsabilização democráticas, por um lado, e a governabilidade e eficácia do governo local, por outro.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à lei eleitoral, a proposta procede à modernização da respectiva estrutura normativa e integração de lacunas e superação de insuficiências que o tempo evidenciou, criando melhores condições de exercício do direito de sufrágio, impondo maior rapidez nas decisões, reforçando as garantias de liberdade das candidaturas, assim como a igualdade entre elas, a neutralidade e imparcialidade das entidades públicas e a transparência do acto eleitoral.
A iniciativa usa de realismo, do mesmo realismo que levou à concepção do actual sistema de governo local, que tão boa conta deu, em função das condições herdadas em 1974, cuja inadaptação à realidade actual é, porém, evidente.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não é, não!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Carece de demonstração!

O Orador: - Indo ao encontro da demonstração, direi o seguinte: os bloqueios sistemáticos provocados pelas minorias eleitorais, assim como os arranjos interpartidários no seio dos órgãos executivos, estão entre as causas da situação. Em ambos os casos, são detectáveis efeitos perversos para a força majoritária, para a oposição e para o regime democrático. Para a primeira, porque é facilmente responsabilizável pela improficuidade política causada pela oposição, que impede a execução do programa maioritariamente sufragado ou impõe a sua negociação permanente; para a oposição, porque a assunção de funções executivas imposta por lei e a comunhão de interesses gerada pelo sistema conduzem à anestesia do debate e da dinâmica política nas estruturas partidárias locais, o que limita o funcionamento da alternância democrática; para a democracia, pela menor transparência em matéria de responsabilização pela gestão, o que gera a confusão e a desmobilização dos eleitores.
A solução a encontrar terá sempre de passar pela aproximação à pureza dos princípios enformadores do sistema democrático representativo e pela criação de condições para a melhor realização do bem-estar dos cidadãos, tomando como ponto de partida as debilidades que o sistema actualmente apresenta.
Desde logo, a maioria e a oposição têm de desempenhar, no futuro, cabalmente, os respectivos papéis, de forma clara, perante os cidadãos, cabendo à maioria governar, o que é próprio dos órgãos executivos - câmara municipal e junta de freguesia - e à oposição apresentar melhores alternativas, a partir da assembleia, que é o seu lugar por natureza. Donde decorre, por um lado, que os titulares da câmara municipal e da junta de freguesia devem ter a confiança do respectivo presidente, enquanto coordenador da equipa e responsável pela sua acção e, por outro lado, que as assembleias municipais e de freguesia devem ver reforçados qualitativamente os seus poderes de intervenção, firmados no livre jogo da dialéctica política.
As soluções nucleares da proposta decorrem precisamente destes princípios, uma vez que se traduzem na atribuição, aos presidentes da câmara e da junta, do direito de elaborar o respectivo programa de acção, de designar os restantes membros do órgão de entre os eleitos directamente para a assembleia e de proceder a sua remodelação; na atribuição à assembleia - municipal e de freguesia - do direito de rejeitar a constituição e o programa da câmara ou da junta e a iniciativa de remodelação destas e de censurar a sua acção; e na atribuição de efeitos de dissolução, em certas condições, ao exercício dos direitos referidos e consequente arbitragem da situação por recurso à vontade dos verdadeiros detentores do poder: os cidadãos eleitores.
Mas, atenção, que a solução projectada não consente a expressão «executivo monocolor», como consequência necessária, uma vez que os membros do executivo podem pertencer a varias listas.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Está-se mesmo a ver!

O Orador: - O caso mais frequente de uma constituição pluripartidária do órgão resultará da celebração de coligações de governo, não apenas, mas sobretudo, em casos de maioria relativa.
Também não é verdade que a solução se traduza na parlamentarização da vida política local.
Hoje em dia existe uma parlamentarização por uma dupla via, uma vez que coexistem dois órgãos com características parlamentares: o pequeno parlamento, que é o órgão executivo, e o grande parlamento, que é a assembleia.
Assim, os líderes políticos da oposição local tomam assento no órgão executivo, o que contribui para o esvaziamento prático da acção política da assembleia, sem compensação na acção política no órgão executivo, cujo perfil é funcional, sendo mais balanceado para dinâmicas de gestão e de administração e menos para a dinâmica da discussão ideológica ou das grandes linhas estratégicas.

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É, pois, necessário imprimir uma maior eficiência de funcionamento do sistema democrático, fazendo que as assembleias assumam responsabilidades práticas, de acordo com a respectiva natureza e que os executivos possam, igualmente, assumir as suas, sem desculpa, de forma clara, dando corpo à segregação de funções políticas em beneficio do interesse público, em geral, e dos cidadãos, em particular.
Há ainda que ter em conta a clara diminuição da dinâmica política local, a fragilidade da fiscalização e do debate político no seio do órgão executivo, a fácil - e injusta, por vezes - adjectivação pejorativa das oposições: se concordam, são colaboracionistas, se discordam, estão a contrariar o interesse da autarquia.
A maior governabilidade e eficiência na gestão autárquica constituem, por isso, as linhas gerais das modificações pretendidas, através do reconhecimento às assembleias de poderes efectivos e do reforço das condições de exercício dos poderes de gestão do órgão executivo de acordo com a respectiva natureza.
A solução proposta traduz a atribuição de condições de coesão e operacionalidade ao órgão executivo, que passa a ser uma equipa escolhida pelo respectivo coordenador, eleito directamente para o efeito, isto é, o presidente, e de condições de responsabilização - o presidente do executivo é, simultaneamente, o primeiro e o último responsável, a todos os níveis, pela acção do órgão, inclusive perante o universo de cidadãos que participaram na sua escolha. Por outras palavras, a responsabilidade passa a ter rosto.
Esta solução cria condições práticas para a eventual responsabilização política do executivo, na medida em que se conferem acrescidos e reais meios de fiscalização às assembleias, de cuja utilização pode sempre resultar a censura do órgão executivo e a eventual realização de eleições intercalares, e ainda condições de dignificação das assembleias, mediante reconhecimento da competência para avaliação do programa e da composição do executivo e das respectivas remodelações, de que pode resultar a dissolução dos órgãos e a realização de eleições intercalares. Por outras palavras, a democracia, na sua vertente fiscalizadora, sai reforçada.
Importa, pois, neste momento, e em matéria de sistema político local, regular o que há a regular na sequência da revisão constitucional de 1997 e não entrar numa discussão paralela sobre outras inovações, seguramente importantes, mas que só podem ser concretizadas em sede de nova revisão constitucional. É o caso da limitação de mandatos, que é manifestamente inconstitucional quando intentada por lei ordinária.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É óbvio!

O Orador: - Durante o debate público, este sistema de governo local que propomos já foi classificado de presidencialista e, simultaneamente, de parlamentarista. Provavelmente, e à semelhança do que se passa com o sistema de governo nacional, não se trata nem de uma coisa nem de outra. É talvez uma sistema misto ou, como alguém disse, um «parlamentarismo moderado», por oposição ao duplo parlamentarismo que actualmente vigora. Todas estas soluções obtêm apoio constitucional e relevam de princípios democráticos em favor do cidadão, das instituições e do sistema político. Elas salvaguardam a legitimidade eleitoral, na medida em que a qualidade de titular de qualquer dos órgãos autárquicos decorre de processo eleitoral; salvaguardam a responsabilização orgânica, uma vez que a constituição, remodelação e censura do órgão executivo dependem, em última análise, da assembleia; salvaguardam a separação de poderes, já que o executivo conduz os compromissos eleitorais maioritariamente sufragados e a assembleia controla, sanciona e acompanha; salvaguarda a alternância democrática, dado que os eleitos dos executivos e das assembleias se expõem e os eleitores têm a possibilidade de os identificar na sua avaliação; salvaguardam o reforço de participação na vida política, pois a segregação de funções favorece a adesão e a avaliação.
Uma coisa é certa: este será mais um passo no processo de modernização da democracia portuguesa. E, seguramente, um passo para mais transparência, mais responsabilização, mais governabilidade, mais controlo fiscalizador e mais participação.
A democracia, nesta reforma, exige-nos, como em todas as outras, coragem política. Apelamos à Câmara que tenha coragem política para esta reforma.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Octávio Teixeira, Telmo Correia, Mário Albuquerque, António Filipe, Jorge Lacão, João Amaral, Nuno Teixeira de Melo, António Capucho e Luís Fazenda.
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Ministros, Sr. Ministro, é para nós profundamente lamentável que o Governo, designadamente através do Ministro encarregue de proceder à reforma democrática do Estado, tenha apresentado uma proposta de lei que vai contra todos os princípios que devem nortear essa reforma do Estado, designadamente no que respeita ao aprofundamento da democracia pluralista e da transparência da actividade política.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Do nosso ponto de vista, esta proposta é grave, é muito grave do ponto de vista político, é um inaceitável retrocesso da democracia no nosso país.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Ministro certamente não negará, porque ninguém pode deixar de negar, que, durante estes 25 anos, o actual sistema tenha dado, de um modo geral, uma boa resposta à situação. Aliás, diga-me, Sr. Ministro - é a primeira questão que lhe coloco: quantos casos há, ao longo destes 25 anos, em que, por existência de uma maioria relativa, numa câmara municipal, e por acção das oposições, essa câmara «tivesse ido abaixo»?

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Évora!

O Orador: - Diga-me quantas, Sr. Ministro! Diga-me quantas foram, ao longo de 25 anos!

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E, mais do que isso, certamente haverá muitos mais casos em que os presidentes das câmaras foram demitidos…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Por corrupção!

O Orador: - … não por terem a maioria ou a minoria mas, fundamentalmente, por acção dos tribunais, por acção de ilegalidades e de corrupção.

Aplausos do PCP, do CDS-PP e de Os Verdes.

E, face a esta realidade, Sr. Ministro, o que é que o Governo nos apresenta? Não atalha! Potencia essa situação!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Olhe que não!

O Orador: - O Governo quer transformar a democracia, a representatividade pluralista, no seio dos executivos municipais, pelo centralismo, pelo presidencialismo e pelo caciquismo! E sem qualquer possibilidade de controlo directo e permanente por parte dos vereadores.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Manifestamente, o Governo e o Partido Socialista temem a representação pluralista.

Protestos do Deputado do PS Osvaldo Castro.

Acima de tudo, o Governo e o Partido Socialista persistem na tentativa de promover a bipartidarização da vida política, no nosso País.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Querem retirar aos eleitores o direito de elegerem os seus representantes para o executivo camarário!

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Querem sanear os vereadores das oposições, porque não querem ser controlados, não querem ser fiscalizados na actividade do dia a dia!

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

Para além de tudo isto, o Governo apresenta-nos esta proposta de lei, todo este «retrocesso» democrático, em cima das próprias eleições autárquicas! Dá a ideia dos jogos de futebol em que, no último minuto, o árbitro aponta um penálti completamente inexistente.

Protestos do PS.

Pela nossa parte, queremos dizer que, se, por acaso, o Partido Socialista ou o Governo, com a conivência prestimosa do PSD, vierem a aprovar esta lei, exigiremos ao «árbitro» Presidente da República que não se deixe pressionar pelos grandes, que não se deixe pressionar pelo sistema e que não permita a marcação deste inqualificável «penálti».

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Queira concluir, Sr. Deputado!

O Orador: - Muito rapidamente, Sr. Presidente, termino com a última pergunta: o Sr. Ministro não se sente incomodado por vir apresentar esta «peça»?

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, informo que o Sr. Ministro optou por responder a conjuntos de três pedidos de esclarecimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, no início da minha pergunta queria, Sr. Ministro, fazer duas pequenas homenagens: a primeira ao 25 de Abril e a segunda ao poder local democrático.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Pergunto-lhe, Sr. Ministro, se esta proposta é mesmo sua, se o senhor assume a sua paternidade.
Há pouco, o Sr. Deputado António Reis falava aqui nas «eleições-farsa» de antes do 25 de Abril.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): -Muito bem!

O Orador: - Esta lei é uma proposta de uma farsa e de uma farsa protagonizada pelo Governo e pelo Partido Socialista!

Aplausos do CDS-PP.

O mérito do sistema democrático do 25 de Abril para as autarquias foi o de ter criado um sistema que é municipal, que é proporcional e que é plural. Esse é o mérito do sistema que temos hoje. E esse sistema é profundamente democrático.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): -Muito bem!

O Orador: - O que os senhores estão a fazer é um assassinato político.

Protestos do PS.

É um assassinato político, não dos partidos mais pequenos, mas um assassinato político de regime de um sistema democrático para as autarquias locais!

Aplausos do CDS-PP.

Sr. Ministro, como é que é possível? O presidente é eleito, e manda, manda sozinho, escolhe quem quer. E, no

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momento em que os senhores avançam para o presidencialismo, o que é que fazem? Dão mais poder ao parlamento, à assembleia municipal, para fiscalizar?

Vozes do CDS-PP: - Não! Retiram-lhe poder!

Protestos do PS.

O Orador: - Não! Retiram-lhe poder e atribuem-lhe dois terços para para poder aprovar uma moção de censura.
Quem é que se sentiria bem aqui se tivéssemos uma Assembleia de metade de Deputados eleitos e outra metade de presidentes de câmara? Para se derrubar o governo tinha de haver uma maioria de dois terços porque, senão, o governo continuava sempre!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Quem se sentiria bem? Quem diria que esta Assembleia era democrática? Creio que ninguém, em qualquer dos partidos, em qualquer das bancadas!
Por outro lado, mesmo que dois terços votem contra, depois de só 30% poderem propor essa moção (mesmo que um partido com vinte e tal por cento de votos possa propor a moção), mesmo que a assembleia vote a moção, responsabilize a câmara e responsabilize o presidente, quem é que cai? O presidente da câmara? Não! Os vereadores!

Risos do Sr. Deputado do CDS-PP Paulo Portas.

O presidente da câmara, esse, mesmo assim, continua sempre.
Lembro-me (e por isso comecei pelo 25 de Abril e por ele vou terminar), como tantos portugueses se lembrarão, de um célebre discurso, logo em 1974, do Sr. Dr. Mário Soares, em que ele dizia, falando de outros tempos, «que raio de governo era aquele?!». Lembram-se desse discurso?
O que nós perguntamos é o seguinte: Sr. Ministro, com este sistema, que «raio» de pluralismo é este?!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Que «raio» de democracia é esta?!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Que «raio» de entendimento do poder local é este?!
E se, há pouco, o Sr. Ministro falava em «parlamentarismo moderado», pergunto-lhe mesmo: será que não se enganou e estava a falar em democracia orgânica?

Aplausos do CDS-PP.

Protestos do Deputado do PS Francisco de Assis.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Albuquerque.

O Sr. Mário Albuquerque (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro: Quero, antes de mais, saudar vivamente a oportunidade deste debate e congratular-me, desde já, com todos os passos que possam ser dados no sentido de valorizar e dignificar o poder local democrático.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Aí está o «bloco central»!

O Orador: - Poder local que tem desempenhado, ao longo das duas últimas décadas, um papel válido e preponderante, não apenas sob o ponto de vista da implantação e consolidação da democracia, mas também nos campos cruciais do desenvolvimento, do bem-estar e da qualidade de vida dos cidadãos.
Poder local que, apesar de tudo, evidencia alguns notórios estrangulamentos e fragilidades, particularmente no que concerne ao seu normal modo de funcionamento, que, não raramente, condicionam e toldam o bom e efectivo funcionamento dos seus órgãos.
Apontam-nos os percursos já trilhados, as experiências vividas e adquiridas e os níveis de maturidade alcançados, a necessidade de uma adequada e equilibrada reforma do respectivo sistema eleitoral, que permita, por um lado, potenciar a eficiência e a eficácia dos eleitos e, por outro, uma maior responsabilização dos mesmos, aliada à indispensável transparência de todos os seus actos.
Ainda que nem sempre acompanhado por outros, o PSD há muito que vem preconizando tais alterações, pelo que sustenta o princípio dos executivos maioritários, não necessariamente homogéneos, mas, seguramente, de forma a garantir uma saudável e equilibrada representatividade proporcional.
Pelo conhecimento que temos do «terreno», não podemos acompanhar, neste particular, o Governo…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … pois julgamos que se trata de matéria demasiado sensível e melindrosa para que se possa legislar de uma forma tão brusca quão radical, do nosso ponto de vista.
Defendemos, deste modo, mudanças, sim, mas de forma suave e gradualista, de molde a garantirem-se requisitos essenciais, como sejam a indiscutível governabilidade dos executivos e a própria estabilidade política dos autarcas.
Desconheço se o Sr. Ministro terá, ou não, experiência autárquica, pois, a tê-la, não deixará, certamente, de reconhecer as manifestas limitações inerentes ao normal funcionamento das assembleias municipais que, reconhecidamente, não dispõem de mecanismos bastantes para desempenharem cabalmente as suas mais relevantes atribuições - as de acompanhar e fiscalizar as actividades das câmaras municipais.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tem de concluir.

O Orador: - Sendo assim, Sr. Ministro, parece-nos não se coadunar a proposta de executivos homogéneos com este quadro tão restrito e limitativo, ainda que, também agora,…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, tenho de ser muito rigoroso. Tenho muita pena, mas devo cumprir uma deliberação da Conferência dos Representan

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tes dos Grupos Parlamentares. Por isso, Sr. Deputado, tem mesmo de terminar.

O Orador: - Sr. Presidente, peço-lhe a mesma contemplação, se fosse possível…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, eu não tenho tido contemplação alguma.

O Orador: - Vou terminar mesmo, Sr. Presidente.
Mas, Sr. Ministro, aconselha-nos a prudência e o bom senso que, nesta fase, melhor será avançar com os pés bem assentes no chão!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Face ao que acabei de expor, permitir-me-ia questionar o Sr. Ministro se, em consciência, não considera a proposta do Governo, de executivos homogéneos, ou monocolores, como um perigoso e extemporâneo «salto no escuro» que, poderá, inclusivamente, ocasionar sérias convulsões políticas e, contrariamente aos efeitos que se pretendem atingir, desestabilizar o funcionamento dos próprios órgãos executivos?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública.

O Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, vou começar utilizando a mesma fórmula que o Sr. Deputado usou para lhe perguntar se o Sr. Deputado «não se sente incomodado» pela intervenção que acabou de produzir.

Aplausos do Deputado do PS Jorge Lacão.

E pergunto-lhe se o Sr. Deputado «não se sente incomodado», porque, ao acusar o Governo, que eu represento, de uma opção antidemocrática, essa sua apreciação é antidemocrática.

Protestos do PCP.

Ao acusar-me disso - o que, aliás, está contido no texto constitucional - o senhor está a defender um posição situacionista, antidemocrática!

Protestos do PCP.

O senhor não tresleia o texto constitucional! Esta solução tem cobertura constitucional total!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Claro!

O Orador: - E, mais, tem prática constitucional, já na constituição do presidente das juntas de freguesia! Tome atenção a isso!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Exactamente!

O Orador: - Portanto, a solução que aqui se coloca não é não-constitucional, não-democrática. É uma solução de responsabilização e de maior transparência! É uma solução para evitar que alguns partilhem o poder que não têm direito a partilhar, mas para que fiscalizem o que têm o direito de fiscalizar.

Protestos do PCP.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - E o povo?!

O Orador: - Portanto, Sr. Deputado, estamos conversados quanto a esta questão, quanto à natureza democrática da proposta que é apresentada.

Protestos do PCP.

Há quem é eleito para governar e quem é eleito para fiscalizar. É uma regra democrática, contida no texto constitucional.
Sr. Deputado Telmo Correia, congratulo-me que um sector da direita portuguesa adira ao 25 de Abril e se demarque da democracia orgânica.

Aplausos do PS.

Protestos do CDS-PP.

O Orador: - É importante que isso se faça, mas eu gostaria de dizer ao Sr. Deputado...

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Homessa! Julga que o 25 de Abril foi só para si?! Este Parlamento só existe por causa do 25 de Abril e estamos cá todos!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, assim vou ter de intervir. Sr. Deputado Paulo Portas, tenha calma!
Os Srs. Deputados têm o direito de resposta. O Sr. Ministro tem o direito de intervir e de emitir a sua opinião.

O Orador: - Sr. Presidente, agradeço-lhe.
Continuando a minha intervenção, e reforçando a ideia da demarcação relativamente à democracia orgânica, que considero importante e positiva, e, no quadro da referência do 25 de Abril, diria que esta proposta é um aprofundamento da revisão constitucional e da Constituição nascida em Abril. Por isso, a solução que ela contém é profundamente democrática.
Se os Srs. Deputados querem partilhar o aprofundamento das soluções, no sentido de garantir maiores poderes de fiscalização nas assembleias municipais, vamos discutir isso no plano da especialidade e vamos ver se as soluções devem ser configuradas por maioria de dois terços ou por maioria absoluta.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É isso mesmo!

O Orador: - No entanto, aquilo que dizemos e defendemos é que o poder de fiscalização das assembleias deve alargar-se, deve aumentar e é aumentado por esta via.

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O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Diminui muito!

O Orador: - E devo dizer-lhe, Sr. Deputado Telmo Correia, que esta não é uma solução mirífica que surgiu do pensamento do partido que apoia o Governo e do Governo, porque soluções similares a esta existem em Espanha e em Itália e creio que não há dúvidas quanto à sua democraticidade, à sua consistência e à sua aferição.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Mário Albuquerque coloca a questão, relativamente à solução que o PSD apresenta, na sua adequação gradualista, mas creio que a proposta que apresenta tem algumas dificuldades óbvias. É que aquilo que nós pretendemos, que é reforçar a estabilidade e a coesão do executivo e aumentar a sua responsabilização, não é garantido por esta via. Mais: a proposta que apresenta continua com a ideia e a solução de uma dupla parlamentarização, que é precisamente aquilo que queremos combater. Mas, de qualquer modo, este é um debate que, em muitos aspectos, deve ser travado na especialidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, antes de prosseguirmos, quero chamar à atenção das pessoas que se encontram a assistir aos trabalhos que não podem manifestar-se, nem por palavras, nem por gestos, caso contrário terei de os mandar retirar da Sala.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito regimental de defesa da honra da bancada.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra, Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro tem todo o direito de ter as opiniões que entender. É assim em liberdade e em democracia! Vá lá, vá lá! É assim mesmo! O Sr. Ministro não tem é o direito de ofender-nos!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Não tem o direito de ofender a minha bancada, o meu partido, a história do meu partido e tudo aquilo que foi feito antes e depois do 25 de Abril. Nós tivemos militantes nossos antes do 25 de Abril, muitos dos quais lutaram pela liberdade antes do 25 de Abril - e está aqui um, que lutou! - e muitos outros, depois do 25 de Abril, perderam a vida, perderam o emprego para lutar pela liberdade.

Aplausos do CDS-PP.

Por isso, o Sr. Ministro não tem o direito de dizer que nós aderimos agora ao 25 de Abril.
O Sr. Presidente, Sr. Vice-Presidente Manuel Alegre, se me permite, sabe bem que transferimos a Assembleia Constituinte para o Porto ainda para lutar pela liberdade, sabe bem que fizemos comícios debaixo de fogo e de pedras.
Portanto, Sr. Ministro, V. Ex.ª não tem o direito de vir aqui dizer que aderimos agora ao 25 de Abril. Isso é uma ofensa que não podemos, de forma alguma, aceitar.

Aplausos do CDS-PP.

Antes do 25 de Abril, houve muitos que lutaram pela liberdade, mas também houve muitos que lutaram pela liberdade depois do 25 de Abril.
Sr. Ministro, conheço-o há tantos anos, que quero dizer-lhe duas coisas, se V. Ex.ª quiser ter a gentileza de me ouvir: em primeiro lugar, o Sr. Ministro não é dono do 25 de Abril, nem passa atestados de quem aderiu ou não ao 25 de Abril.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Não lhe reconhecemos essa qualidade!
Em segundo lugar, Sr. Ministro, permitirá que lhe chame a atenção para o seguinte: houve democratas que, depois, em vez de evoluírem e aprofundarem a democracia, retrocederam e esqueceram os princípios da liberdade por que lutaram, normalmente, quando jovens. Espero que, no seu caso, o envelhecimento não o tenha feito perder os conceitos de liberdade, pluralismo e participação, ínsitos à nossa ordem constitucional e que a lei que V. Ex.ª aqui apresenta viola e contraria.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado Basílio Horta, apenas uma pequena precisão: se a memória não me atraiçoa, a Assembleia Constituinte esteve para ser transferida para o Porto mas não chegou a sê-lo.

Risos.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, se V. Ex.ª me permite, uma vez que deu um esclarecimento, quero apenas dar um contra-esclarecimento: a Assembleia Constituinte não foi transferida porque, nessa altura, já não havia condições para reunir no Porto.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Certo!
Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública.

O Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta, devo dizer que lamento a hipersensibilidade que o Sr. Deputado revela, porque não disse que o CDS tinha aderido agora ao 25 de Abril. O que fiz foi uma referência à expressão explícita da democracia orgânica e do 25 de Abril, quanto ao facto de, para justificar o combate à proposta do Governo, ter sobrelevado a ideia matricial do 25 de Abril. Saudei essa situação específica e não fiz a declaração que me atribuiu.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade, completamente verdade!

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O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, prosseguindo o debate, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública, chamaria à sua intervenção a nova teoria das forças de bloqueio.
Há uns anos, tivemos um Primeiro-Ministro, o Professor Cavaco Silva, que teorizava sobre as forças de bloqueio em relação ao Governo. Agora, o Sr. Ministro Alberto Martins vem aqui teorizar sobre as forças de bloqueio em relação a todas as autarquias e vem falar-nos em governabilidade e em instabilidade.
Sr. Ministro, tenho de perguntar-lhe onde é que vê instabilidade nos executivos municipais.

O Sr. João Amaral (PCP): - Vê-a é no Governo!

O Orador: - Nos últimos 10 anos, houve duas eleições intercalares: uma, em 1994 e, outra, no final do ano 2000. Duas câmaras municipais, com executivos de maioria absoluta do Partido Socialista.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Portanto, onde é que os senhores vêem a instabilidade?!
O Sr. Ministro veio falar em 10% dos municípios onde existe maioria relativa e referiu alguns exemplos mas não referiu a maioria deles, pelo que fez um raciocínio absolutamente falacioso. Mas, Sr. Ministro, passa-se alguma coisa, nesses 10% de municípios, que obrigue a afastar todos os vereadores que estão em minoria?

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem! Bem perguntado!

O Orador: - O Sr. Ministro fala em situações menos transparentes, em promiscuidade. Então, Sr. Ministro, queira dizer-nos onde estão! Dê-nos exemplos!
Nós fizemos as contas e vimos que há aqui 11 Srs. Deputados do Partido Socialista que são vereadores em minoria. Quer o Sr. Ministro dizer-nos quais deles é que são responsáveis por situações de bloqueio, por situações de promiscuidade, por falta de transparência? Diga lá!

Aplausos do PCP.

O Sr. Ministro falou na Câmara Municipal do Barreiro. É o Sr. Deputado Aires de Carvalho? É o Sr. Deputado Casimiro Ramos? Quem são? Diga-nos! É o Sr. Deputado Menezes Rodrigues? Quem é que provoca essas situações de falta de transparência?
Aquilo que vos preocupa, Sr. Ministro, não são os 10% de municípios onde há maioria relativa, o que vos preocupa é a presença de vereadores em minoria em todos os executivos municipais. Esta é que é a questão, Sr. Ministro!

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Aquilo que o Governo pretende é eliminar as possibilidades de fiscalização democrática dentro do próprio executivo municipal.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Passa pela assembleia!

O Sr. Honório Novo (PCP): - Não passa nada! Isso é sofisma!

O Orador: - E, por isso, temos de perguntar qual a razão do medo que os senhores têm em que os presidentes de câmara sejam fiscalizados directamente por eleitos pela população, por eleitos pelos cidadãos, que, votando para as câmaras municipais, têm o direito de ver a sua expressão eleitoral representada no órgão que têm o pleno direito de eleger. Esta é que é a questão, Sr. Ministro!

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Sr. Ministro, defender uma solução destas, de atribuição de poder absoluto e incontrolado aos presidentes de câmara, em nome da transparência, em nome do enriquecimento da democracia, não passa da mais pura hipocrisia política e só pode contar, da nossa parte, com a mais firme oposição.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública, a reminiscência que tenho destas coisas!… O que andámos para aqui chegar!…
Srs. Deputados, o que vale a pena colocar no centro do debate é a questão de saber qual o sistema eleitoral de governo das autarquias locais que melhor serve o interesse dos portugueses…

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - … e não qual o sistema que melhor serve o interesse dos partidos políticos.

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PSD, do PCP e do CDS-PP: - Oh!…

Risos do PCP.

O Orador: - E aquilo que ouvimos aqui até agora foi alguns partidos procurarem introduzir tónus de dramatização, porque pensam que está a chegar o tempo em que vai acabar o monopólio da iniciativa partidária.

Aplausos do PS.

Srs. Deputados, o problema não é um debate por mais pluralismo ou menos pluralismo, o problema é um debate por uma democracia de cidadãos com mais qualidade. A qualidade exige que os órgãos executivos respondam com eficácia ao interesse público e a democracia, segundo uma

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sua regra de ouro, determina que os executivos devam responder perante órgãos deliberativos com legitimidade representativa.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Quem é que fiscalizou em Santarém?!…

O Orador: - É isto que está aqui em causa e, perante isto, os Srs. Deputados que até ao momento intervieram denunciaram-no como sendo de duvidosa democraticidade.
Deste modo, fica aqui o repto: apontem um único Estado, membro da União Europeia, que é aquilo com que mais imediatamente nos podemos confrontar, que tenha um sistema de governo das autarquias locais igual ao português e tentem perceber por que é que não encontram nenhum.

O Sr. António Filipe (PCP): - Ora essa! Eu não voto em Bruxelas!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Que complexo de inferioridade!

O Orador: - É que o primado da cidadania desses países se impôs ao monopólio dos partidos.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sabem os Srs. Deputados, historicamente, o que é que justifica a situação actual? O facto de ela ser adoptada em 1976, na sequência de 50 anos de ditadura, quando os partidos estavam inviabilizados, ilegalizados, na clandestinidade e não tinham implantação cultural nos hábitos pluralistas então muito deficitários da sociedade portuguesa.

Vozes do PS: - Esta é a história!

O Orador: - Foi por isso que os partidos encontraram uma fórmula de irem para as câmaras municipais, para ganharem, a partir daí, influência nas suas localidades.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Completamente verdade!

O Orador: - Srs. Deputados, é este, hoje, o desígnio do poder local? Não é, Srs. Deputados! Hoje, o desígnio do poder local é garantir não a estabilidade, porque estabilidade existe, mas maior responsabilidade, maior aprofundamento das regras da alternância e maior liberdade na possibilidade de se defenderem os projectos alternativos não apenas de 4 em 4 anos mas durante todos os 4 anos, a partir de um órgão de representação pluralista e democrática. É assim que se deve fazer a democracia!
Sr. Ministro, gostaria…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado Jorge Lacão, no que se refere ao tempo disponível, a regra é a mesma.

O Orador: - Vou terminar de imediato, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Mas tem de terminar mesmo, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar de imediato, Sr. Presidente.
Quero apenas perguntar ao Sr. Ministro se estará de acordo comigo em considerar que o direito que a Constituição prevê de os cidadãos independentes apresentarem candidaturas é, por analogia, um direito do regime dos direitos, liberdades e garantias tal como a Constituição o retrata.

Aplausos do PS.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Ministro, tem de dizer se há outro país da União Europeia onde se coma «Bacalhau à Brás»! É que se não há acaba-se já com isso!

Risos.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública, a sua intervenção foi muito significativa.
Penso que o País atento e os cidadãos intervenientes não entendem estas alterações que o Governo quer produzir na legislação eleitoral e a sua intervenção confirmou-o. Aquilo que o Sr. Ministro veio dizer é que tem alguns «dentes podres» no sistema e, para remediar isso, propõe um «transplante cardíaco», ou seja, vai mudar o «coração» de todo o sistema. Por isso, há uma enorme insensibilidade política em relação às propostas que o Governo aqui traz e uma desconsideração geral, por parte dos agentes do poder local, muitos eleitos do Partido Socialista e alguns governadores civis, que o «dizem à boca pequena».
Portanto, esta chamada reforma não é entendível e não tem qualquer cabimento num sistema que funcionava razoavelmente bem.
O Sr. Ministro disse, e disse bem, que esta é uma primeira peça de uma reforma dos sistemas eleitorais, tendo falado no plural. Isto significa que se vai procurar, a «conta-gotas», com a colaboração do Partido Social Democrata, que haja não uma reforma mas, verdadeira e globalmente, uma contra-reforma, mais uma, do sistema político. É disto que começamos hoje, aqui, a tratar e é disto que o Governo nos vem aqui, hoje, apresentar perspectivas.
Sr. Ministro Alberto Martins, como pode dizer, com honestidade intelectual e política, que é possível um governo de coligação, que é possível algum tipo de pluralidade num executivo municipal, quando há uma regra de maioria qualificada de dois terços para rejeitar o programa de governo local e a mesma regra de dois terços para derrubar uma maioria do executivo municipal? Como é que isso é possível? Não é possível! Creio que coraria de vergonha se pudesse fazer essa apreciação ou consideração.
Na realidade, o que se está a criar não é o parlamentarismo moderado, Sr. Ministro, mas o caciquismo, que se pretende desenvolver e que é aqui tido como sinónimo de estabilidade política mas que é diminuição de representatividade, de proporcionalidade e, objectivamente, uma dimi

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nuição da capacidade de fiscalização das oposições em relação aos executivos municipais.
Sr. Ministro, como pode afirmar taxativamente que a limitação de mandatos autárquicos é inconstitucional?

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - E é!

O Orador: - Diversos constitucionalistas têm opiniões diferentes, sabemos que há um acórdão do Tribunal Constitucional que não é vinculativo e sabemos que, por exemplo,…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, tem de concluir.

O Orador: - … a proposta que é avançada pelo Bloco de Esquerda prevê não a diminuição da capacidade eleitoral mas a limitação do acesso ao cargo.
Sr. Ministro, como pode V. Ex.ª dizer taxativamente que há aqui uma inconstitucionalidade?!
Sr. Presidente, termino dizendo que o Bloco de Esquerda, apelando a que muitos dos eleitos do Partido Socialista venham a terreiro dar a sua opinião sobre esta matéria, não deixará de apelar ao Sr. Presidente da República para que vete um eventual diploma neste sentido.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública, quero dizer-lhe com frontalidade que considero que o sistema actual é bom e que a proposta que V. Ex.ª apresenta em nome do Governo e da bancada do PS é má! É minha convicção que esta é uma má proposta e eu meço-a pelos seus efeitos no modelo eleitoral. O que é se vai passar? A partir da proposta do Governo, que prevê a eleição de um só órgão, com o primeiro da lista a ser presidente e podendo escolher os vereadores, o que se vai passar é que o presidente representa os eleitores, pelo que a eleição serve para eleger o presidente. É para isto que serve a eleição!
Em segundo lugar, a assembleia municipal deixa de ser um órgão eleito por si e passa a ser uma espécie de efeito derivado da eleição do presidente.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Em terceiro lugar, a câmara municipal ou, melhor, os vereadores deixam de ter a legitimidade do voto, a legitimidade que resultava da sua eleição directa. Estas são as razões que me levam a discordar da sua proposta!
Mas há mais! Qual é o efeito que isto tem sobre o funcionamento dos órgãos, quando se sabe que, na prática, em nenhuma assembleia municipal - com a excepção do caso de Alter do Chão - haverá os tais dois terços para impedir a formação da câmara ou para a derrubar?! O que se vai passar é que o presidente será, de facto, o «manda-chuva»,…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - É o «xerife»!

O Orador: - … a câmara, o conjunto do município, será o órgão decisivo e fundamental, e que a assembleia municipal continuará a ser o que é actualmente, ou seja, um órgão derivado que passará a ser um órgão derivado e que terá os mesmos poderes que tem hoje. Quem está hoje numa assembleia municipal sabe que os deputados municipais não são profissionais. Ora, se conhecemos as dificuldades que a Assembleia da República tem para fazer uma efectiva fiscalização, imaginem o que será preciso para a fazer numa assembleia municipal, já que os seus deputados não são profissionais!
Para além disto, os vereadores são uma espécie de ajudantes, dependentes do presidente de câmara, e, fundamentalmente, acaba por haver um muito maior afastamento dos eleitores em relação aos órgãos municipais porque não há o que é essencial, ou seja, porque eles não se sentem representados como se sentiam até aí.
Isto é, portanto, um empobrecimento do pluralismo e um empobrecimento de uma regra de ouro da nossa democracia: a representação proporcional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por isso lhe digo, Sr. Ministro, com toda a lealdade e franqueza, que a sua proposta representa um desvio a uma regra de ouro, que é a da representação proporcional, e um enorme empobrecimento do que deve ser a democracia no poder local, que está experimentada!
Diz-se aqui que as freguesias têm outro sistema! Sim, senhor, as freguesias têm outro sistema, mas estamos a discutir a mudança essencial das câmaras e das assembleias municipais. É esta a mudança que estamos a discutir e é por isto que pergunto aqui aos vereadores e aos presidentes de juntas de freguesia, que passam a ser membros de 2.ª da assembleia municipal, porque não votam nas questões essenciais, se sentem que esta proposta melhora o poder local ou se, na verdade, ela o piora.

Aplausos do PCP e da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública.

O Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, não há qualquer medo da parte do Governo ao apresentar esta proposta; pelo contrário, o objectivo é reforçar as condições, aprofundando-se a responsabilização e a transparência do órgão executivo e garantindo-se uma maior fiscalização. O que se faz é, nitidamente, garantir que o executivo execute e governe e que a assembleia fiscalize. Há, portanto, uma nítida separação de poderes em benefício do controlo democrático.
Sr. Deputado Jorge Lacão, naturalmente, as candidaturas independentes estão inscritas no leque de direitos, liberdades e garantias em termos de regime análogo e, por isso, estão incluídas na proposta presente a este Plenário pelo Governo. Para além disso, identifico-me e congratulo-me com a leitura que faz da relação cidadãos/partidos po

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líticos e, naturalmente, é esta que consta do que está expresso no Programa e na proposta do Governo.
Sr. Deputado Luís Fazenda, já sabia que não ia convencê-lo. Não tinha, a este respeito, quaisquer ilusões. No entanto, quanto à questão dos «dentes» e do que deve ser mudado, a razão para tal foi invocada de forma muito nítida: queremos mais democracia, mais transparência, mais fiscalização e mais cidadania activa.
Quanto ao ponto específico que colocou, a ideia da limitação dos mandatos, consideramos que essa é uma matéria muito importante e que deve ser objecto do debate aquando da revisão constitucional, que se iniciará, se não estou em erro, em Outubro de 2002. Esta matéria da limitação dos mandatos, na forma das inelegibilidades que o Bloco de Esquerda apresentou, é manifestamente inconstitucional e há um acórdão do Tribunal Constitucional sobre esta matéria.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Não é verdade!

O Orador: - O acórdão é rigorosamente idêntico a uma solução que foi presente quanto a este ponto, as considerações são do mesmo tipo e saliento que, nessa parte, o acórdão obteve a unanimidade dos votos.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Não leu bem, Sr. Ministro!

O Orador: - Li, estudei e conheço o acórdão! Como tal, o Sr. Deputado saberá que essa é uma matéria que é insusceptível de ser discutida neste momento.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É evidente!

O Orador: - Isto é mais ou menos o mesmo que alguém querer participar num jogo de futebol, para usar uma imagem a que V. Ex.ª aludiu, equipando-se com patins, com um stick e com uma cana de pesca! São desportos completamente diferentes e o que está aqui em jogo não é esse desporto! O «futebol» que está aqui em jogo é a alteração de uma lei orgânica e não a alteração da Constituição!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado João Amaral, se o sistema é mau para as câmaras municipais, não sei por que é que não é mau para as assembleias de freguesia!

Vozes do PS: - Claro!

O Orador: - É que este sistema vigora hoje para as assembleias de freguesia! Como tal, há aqui um órgão derivado, que é a assembleia de freguesia, uma vez que, ao eleger-se a assembleia de freguesia, escolhe-se o presidente de junta de freguesia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Já agora, aplique-se esse sistema à Assembleia da República!

O Orador: - Portanto, quando Sr. Deputado está a comparar autarquias e não um órgão de soberania, porque, como sabe, não se pode comparar uma autarquia com um órgão de soberania, a questão é esta! Pergunto-lhe: por que é que o modelo eleitoral, que foi eficaz, que está testado noutros países e cuja solução referencial está testada entre nós nas assembleias de freguesias, será, agora, mau.

O Sr. João Amaral (PCP): - Por que é que não fazem ao contrário?!

O Orador: - Por que é que V. Ex.ª tem medo de ver este sistema experimentado, quando é bom numa parte que já conhecemos?!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não é medo, é vontade de ter mais pluralismo!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, que vergonha! Que batota!

Vozes do PS: - Oh!…

O Orador: - V. Ex.ª recorda-se, porventura, da última vez que, em Portugal, os vereadores foram nomeados ou da última vez que, em Portugal, um presidente de câmara teve todo o poder?!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Já viu que V. Ex.ª tenta hoje consagrar pela via legislativa aquilo que durante tanto tempo andou a denunciar e que durante tanto tempo andou a combater?!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª prestou atenção à intervenção que antecedeu a sua?! É que ela foi feita pelo renovador comunista João Amaral, Presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, eleito em coligação com o Partido Socialista para uma assembleia municipal que, por sua vez, tem a incumbência de fiscalizar esse mesmo executivo eleito em coligação!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Quem melhor conhecimento de causa poderia ter, Sr. Ministro, do que este orador que convosco partilha hoje responsabilidades autárquicas?!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Já viu, Sr. Ministro, que, se não existissem hoje vereadores da oposição na Câmara Municipal de Lisboa, nunca se teria conhecido a vergonha que se passou com o elevador do Castelo de São Jorge?!

Protestos do PS.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - É verdade! E negou até ao fim!

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O Orador: - Já viu V. Ex.ª que o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa negou a existência desta negociata até ao fim?!

Aplausos do CDS-PP.

Talvez isso tenha motivado a reforma, o que não deixa de a tornar muito mais grave por isso mesmo!
VV. Ex.as, que têm vindo desde sempre a apregoar a necessidade de aproximar os eleitores dos eleitos, já repararam que por via desta reforma permitem hoje que os eleitores apenas elejam o presidente de câmara?! Já repararam que podem até defraudar os eleitores, indicando para os primeiros lugares de uma lista pessoas competentes e conhecidas, induzindo o eleitor em erro, criando-lhe a convicção de que essas pessoas constituirão o executivo para, depois, uma vez eleito o presidente de câmara, nomearem os amigos, os últimos da lista, os menos competentes, aqueles que, de outra forma, nunca conseguiriam uma eleição?! É que, desta forma, eles conseguirão essa eleição!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Hoje, temos duas listas, uma para a assembleia municipal e outra para a câmara municipal. Tal significa que quem é eleito para a assembleia municipal não pode ter a expectativa de um dia vir a ser vereador no executivo camarário. Que capacidade fiscalizadora terá quem, a partir de hoje, passar a fazer parte de uma única lista, passando, por essa via, a ter, daqui até ao fim do mandato, a expectativa de ser nomeado para a vereação da câmara municipal? Há-de convir que, certamente, essa capacidade fiscalizadora será fortemente posta em causa.
Finalmente, Sr. Ministro, pergunto-lhe quando é que pretende que esta lei entre em vigor. É agora, quando as regras do jogo já estão definidas e já sabemos com o que vamos contar nas próximas eleições autárquicas, ou é depois das eleições autárquicas?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública, manifestamente, por este debate se verifica que esta reforma, como acontece com a generalidade das reformas de fundo, não é fácil. De qualquer modo, quero dizer-lhe que aquilo que VV. Ex.as propõem representa, grosso modo, alguma coisa com que não podemos concordar, já que representa um salto excessivamente brusco em relação aos executivos homogéneos. Por isso propomos, em alternativa, um passo mais prudente no sentido dos executivos maioritários, com o concomitante reforço dos poderes de fiscalização das assembleias municipais, algo com que, de resto, a proposta de lei do Governo concorda. Apesar de sabermos que o acordo possível não passa pelo Governo mas, sim, pelo Parlamento, gostaríamos de saber o que o Sr. Ministro pensa desta situação. Concorda ou não o Governo que, como passo prudente e estádio intermédio, seria mais adequado avançarmos para estes executivos maioritários e não, desde logo, para os homogéneos?
Sr. Ministro, para nós, a modalidade que apresentamos não visa apenas, nem principalmente, mais estabilidade ou mais governabilidade. Estes são valores importantes que estão subjacentes ao nosso projecto e, certamente, ao vosso. É certo que estas modalidades não são qualquer aberração e existem, no Direito Comparado, em várias democracias ocidentais e na própria Europa, mas, para além da governabilidade e da estabilidade, o fundamental para nós é ela garanta maior transparência, e é o que acontece na nossa modalidade.
Um segundo ponto, Sr. Ministro, está relacionado com a limitação de mandatos. V. Ex.ª, permita-me que lho diga, refugiou-se em problemas de natureza constitucional, mas penso que a questão é apenas de coragem política. Recordo que estou à vontade para falar sobre esta matéria porque a questão da limitação dos mandatos não consta do projecto de lei que apresentámos mas, sim, dos projectos de lei da oposição, constituindo, aliás, um contributo importante. Estamos de acordo se for enquadrado na limitação de mandatos de outros titulares de cargos políticos executivos da Administração Pública, designadamente. Estamos à vontade, porque propusemos esta alteração na última revisão constitucional e temos memória que o Partido Socialista votou contra, aliás o mesmo aconteceu com outros partidos que neste momento estão a propor a limitação de mandatos.
Mas o que eu gostaria de dizer, Sr. Ministro, é que este desiderato da limitação de mandatos, que é importante, deveria ser encarado de uma forma diferente pelo Partido Socialista e pelo Governo, com coragem política. Não se trata de um problema apenas jurídico, porque, se for essa a questão, resolve-se. Com mais cirurgia ou menos cirurgia conseguimos resolver essa questão na próxima revisão constitucional, sem esperar pela ordinária - se é que é necessário ir por aí.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Essa é uma proposta nova!

O Orador: - É uma proposta nova, mas é boa, Sr. Deputado!
Em suma, também gostaria de saber da vossa abertura em relação a esta questão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Também eu lhe agradeço, Sr. Deputado, o ter sido o único a respeitar rigorosamente o tempo regimental.
Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública.

O Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo começou o seu pedido de esclarecimento com os termos «vergonha» e «batota». Aconselho-o, Sr. Deputado, a quando pretender usar esses termos em relação a quem está a intervir, seja essa pessoa eu ou outra qualquer, se olhe primeiro ao espelho!

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à questão da oportunidade política, devo dizer-lhe que esta lei deve ser aferida em termos…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Ministro, peço desculpa por interrompê-lo, mas esqueci-me de o informar de que dispõe de 3 minutos, tempo cedido pelo Partido Socialista.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente, as boas notícias chegam sempre a tempo.

Risos.

Dizia eu que, em matéria de oportunidade política, aferiremos em sede de especialidade o momento da entrada em vigor da lei e estamos disponíveis para os consensos que possam estabelecer-se nesta matéria.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Relativamente à questão colocada pelo Sr. Deputado António Capucho, gostaria de referir que as propostas apresentadas pelo Governo e pelo Partido Social Democrata têm uma margem de articulação possível que decorre de uma leitura actualista do texto constitucional, tal como a última revisão constitucional a consagrou. Por isso, há um espaço possível para que esta lei paraconstitucional, dado ser uma lei de dois terços, possa, com o Partido Social Democrata e com outros partidos que assim o pretendam, ter possibilidades de surgimento. Por outras palavras, há, digamos, um ponto de partida para se trabalhar.
No entanto, gostaria de dizer que alguns dos objectivos que estão contidos na proposta de lei são contraditórios com os objectivos apresentados na proposta do PSD. Há um trabalho de aprofundamento que tem de ser feito, uma vez que a homogeneidade, as condições de fiscalização, de transparência, de governabilidade e de proporcionalidade são objectivos que podem ser postos em causa com a proposta apresentada. Contudo, creio tratar-se de matéria a ser dirimida em sede de especialidade.
Questão outra é a da limitação dos mandatos.
A questão da limitação dos mandatos é, em nosso entender, cristalina, aliás também o é para o PSD, uma vez que, na última revisão constitucional, apresentou uma proposta de revisão precisamente neste domínio, porque entendeu que esta era matéria de revisão constitucional, caso contrário tê-lo-ia feito através de lei ordinária. Compreendo o embaraço em que V. Ex.ª se encontra uma vez que esta proposta surgiu em declaração pública, relativamente a este ponto, como proposta de revisão. Mas aquilo que queremos dizer é que não aceitamos revisões cirúrgicas e a la carte do texto constitucional. E, portanto, na altura própria, a revisão do texto constitucional será feita, mas esta é seguramente sem prejuízo da revisão que está apontada no sentido de garantir a ratificação do tratado penal internacional bem como a adequação de um artigo que suscita dúvidas interpretativas não a nós mas ao Partido Social Democrata. Mas, como eu dizia, não há revisões a la carte, tanto mais que esta matéria, pela sua natureza, não é susceptível de uma revisão específica, porque, como há pouco tive oportunidade de referir, a limitação dos mandatos de titulares de cargos públicos e políticos é uma matéria suficientemente complexa que envolve todo o sistema político e deve ser publicamente discutida aquando da próxima revisão constitucional, que tem um calendário específico como se sabe.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Com as iniciativas legislativas hoje em discussão, o Governo e o PSD pretendem retirar ao povo português o direito de eleger directamente as câmaras municipais.
Não se trata de uma questão menor. Trata-se de um golpe profundo na configuração do poder local democrático que de há 25 anos para cá se tem assumido como uma das mais importantes conquistas democráticas do nosso povo e se tem afirmado como um dos mais essenciais factores de progresso e de desenvolvimento do nosso país.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Com as iniciativas legislativas que hoje apresentam, e que surgem na sequência lógica do entendimento firmado entre ambos na revisão constitucional de 1997, o PS e o PSD pretendem sacrificar um modelo de poder local com provas dadas ao serviço das populações por um modelo que sirva as suas mais mesquinhas conveniências partidárias.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - A proposta do Governo de substituir a eleição directa das câmaras municipais pela eleição directa apenas do presidente e de eliminar a composição plural dos executivos municipais, trocando-a por executivos monocolores, em que todos os vereadores pertencem à mesma força política e são escolhidos pelo presidente da câmara, constitui uma ruptura com a tradição de pluralismo que tem caracterizado o exercício do poder local na maioria dos municípios portugueses e acaba com o elemento mais importante de participação e de fiscalização democrática da actividade dos municípios.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Os argumentos que o Governo e o PS têm invocado para justificar esta sua proposta são de uma falsidade e de uma hipocrisia que facilmente se demonstram.
Fala o Governo em garantir a estabilidade, a governabilidade e a transparência das autarquias locais, partindo do princípio, que afirma, de que a gestão autárquica actual seria marcada pela instabilidade, pela ingovernabilidade, pela ineficácia e pela falta de transparência.
Sabem muito bem os Srs. Membros do Governo e os Srs. Deputados do PS que isto é inteiramente falso.

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O que tem caracterizado o poder local neste 25 anos não é a instabilidade mas, precisamente, a estabilidade. Nunca é de mais repetir que estamos no sétimo mandato autárquico desde 1976. Foram eleitos 2135 executivos municipais e só se realizaram 20 eleições municipais intercalares; isto é, 99% dos executivos municipais cumpriram integralmente o seu mandato sem problemas de instabilidade.
É bom lembrar que nos últimos 10 anos só se realizaram duas eleições municipais intercalares - em Albufeira, em 1994, e em São Pedro do Sul, em 2000 - e que ambos os casos se tratavam de câmaras municipais de maioria absoluta do PS, que não caíram por quaisquer razões imputáveis aos vereadores em minoria mas, única e exclusivamente, por irregularidades ou por desentendimentos exclusivamente imputáveis aos presidentes dessas câmaras e às maiorias em que eles se apoiavam.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O que tem caracterizado o poder local neste 25 anos não é a ingovernabilidade. Quando o Governo e o PS falam em bloqueios sistemáticos da gestão municipal, fazem por esquecer que, das 305 câmaras municipais eleitas, 276, cerca de 90%, dispõem de maiorias absolutas de um só partido. A questão que se coloca é a de saber se nos restantes 10% dos municípios existem assim situações tão graves de bloqueio. Se os Srs. Membros do Governo acham que existem, digam claramente quais são!
É que, como a proposta de lei e o projecto de lei do PSD falam em situações de bloqueio e de menor transparência nas câmaras onde existem maiorias relativas, seria da mais elementar transparência que os Srs. Deputados e os Srs. Membros do Governo, em vez de lançarem anátemas sobre todos os vereadores que se encontram em minoria nas respectivas câmaras, apontassem os responsáveis por tais situações de bloqueio e de falta de transparência.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Até porque, como nesta Assembleia têm assento muitos Deputados do PS e do PSD que estão nessa situação, sempre gostaríamos de saber quais as responsabilidades de cada um nas situações que os seus partidos tanto deploram.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - O que realmente preocupa e incomoda o Partido Socialista não é a suposta ingovernabilidade de 10% dos municípios onde não existe maioria absoluta; o que realmente preocupa e incomoda o PS é a presença de vereadores de outras forças políticas nos 90% de municípios onde essa maioria absoluta existe.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - O problema não é de estabilidade, nem de governabilidade, nem de eficácia; o problema é que o PS e o PSD querem impor artificialmente nas autarquias a bipolarização que pretendem impor em toda a vida política portuguesa, não hesitando para isso em sacrificar a democraticidade e a transparência do funcionamento dos órgãos autárquicos.
É que não há habilidades oratórias que possam explicar como é que se garante a transparência democrática, afastando dos executivos municipais todos os vereadores que não tenham sido escolhidos pelos presidentes de câmara. O problema de transparência que existe em algumas câmaras municipais não se deve à presença de vereadores das forças minoritárias, deve-se, isso sim, ao pendor presidencialista que a gestão autárquica tem vindo a assumir e que permite situações como as de Marco de Canaveses ou de Felgueiras ou a desaguisados no interior da própria maioria, como acontece na Câmara Municipal do Porto.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - A defesa que fazemos da pluralidade dos executivos autárquicos não se deve, como facilmente se comprova, a qualquer cálculo de natureza eleitoral mas a outros valores que muito prezamos. Deve-se ao valor que atribuímos à expressão da vontade popular.
Num regime democrático, em que o princípio da representação proporcional é limite material de revisão constitucional, é inaceitável que uma minoria de votantes possa atribuir a um só indivíduo o poder de escolher a totalidade dos membros das câmaras municipais.
Deve-se ao valor que atribuímos ao pluralismo e à participação democrática. Com o mesmo empenho e convicção com que defendemos o valor democrático da participação de eleitos comunistas em minoria, valorizamos a participação de eleitos de outras forças políticas nos órgãos autárquicos em que os comunistas estão em maioria.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Isto não são só palavras, corresponde a uma prática concreta que todos honestamente reconhecerão.
Se fosse por diante a proposta dos executivos monocolores, à luz dos últimos resultados eleitorais, o PS perderia a sua presença em 100 câmaras municipais, o PSD em 142, a CDU em 45 e o CDS-PP em 36.
O que é que o poder local ganharia com isto?

Vozes do PCP: - Zero!

O Orador: - Em nosso entender, absolutamente nada. Perderia o poder local, perderia a democracia e perderiam os cidadãos.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O que o Governo pretende instituir é um regime autárquico em que os presidentes de câmara se transformem nuns autênticos senhores feudais nos seus municípios, capazes de pôr e dispor sobre tudo e todos e sem mecanismos de controlo capazes de garantir um mínimo de transparência democrática da gestão municipal. E quando o Governo afirma pretender aumentar as possibilidades de fiscalização da actividade das câmaras através das assembleias municipais, conferindo-lhes a possibilidade de

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destituir o executivo municipal com a aprovação de uma moção de censura por maioria de dois terços, aí estamos já no domínio da desonestidade política.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É o que Governo sabe muito bem que, por pura lógica aritmética, só muito excepcionalmente é que a força política mais votada numa eleição autárquica não obtém mais de um terço dos eleitos na assembleia municipal.
Presentemente, só existe um município, Alter do Chão, onde seria matematicamente possível ao conjunto das oposições aprovar uma moção de censura ao executivo por maioria de dois terços.
Esta proposta é tão despudorada que ainda ontem um despacho da agência LUSA noticiava declarações do Sr. Deputado Osvaldo Castro, do Partido Socialista, onde admitia repensar esta proposta, mas afirmando que se a moção de censura pudesse ser aprovada por maioria absoluta tornar-se-ia um factor de permanente instabilidade da gestão municipal.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Eu disse isso?!

O Orador: - Portanto, fica assim confessada a fraude. O mecanismo engendrado pelo Governo do PS para garantir a estabilidade e a transparência da gestão municipal só serve porque não funciona. Por outras palavras, se a proposta com que o Governo pretende, supostamente, garantir estabilidade aos municípios pudesse funcionar, iria criar afinal uma situação de instabilidade que actualmente não existe.

O Sr. Honório Novo (PCP): - «Gato escondido com o rabo de fora!»

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Com a autoridade que nos confere um reconhecido percurso de trabalho e de participação nas autarquias, em maioria e em minoria, e com a tranquilidade de quem, convivendo bem com a diversidade de opiniões, não teme a presença fiscalizadora e exigente dos outros, expressamos a nossa profunda preocupação com o poder absoluto que o PS e o PSD pretendem atribuir aos presidentes de câmaras municipais.
Se já hoje mesmo com executivos plurais existem situações em que as maiorias absolutas permitem abusos de poder e práticas prepotentes por parte de presidentes de câmaras, é com enorme inquietação que vemos o PS e o PSD convergirem em soluções que podem conduzir a derivas autoritárias incontroláveis na gestão municipal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O exercício do poder local tem sido uma valiosa experiência da democracia portuguesa. Não por acaso mas porque o modelo adoptado, resultante da eleição directa das câmaras e da pluralidade dos executivos municipais, tem criado hábitos de funcionamento democrático, de procura participada de soluções, de proximidade dos cidadãos em relação à gestão autárquica e de controlo democrático permanente da actividade dos eleitos, que importa valorizar e aprofundar.
A substituição deste modelo por um outro, baseado no afastamento das forças políticas minoritárias da gestão municipal e na atribuição de poderes absolutos aos presidentes de câmara, seria um gravíssimo factor de degradação e de empobrecimento da democracia portuguesa, que só pode contar com uma firme e convicta oposição da parte do PCP.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado António Filipe certamente não vai tomar como uma ofensa mas como um elogio a referência que vou fazer àquilo que julgo ser o resultado da sua intervenção como um tributo ao «espírito Gramsciano».

O Sr. António Filipe (PCP): - Isso depende!

O Orador: - O Sr. Deputado António Filipe recorda-se que Gramsci aconselhava os partidos comunistas a ocuparem o maior espaço possível nos aparelhos ideológicos do Estado para, a partir daí, independentemente do apoio relativo que tivessem, poderem utilizar os instrumentos de influência para influenciar o povo.
É um pouco isto que o Sr. Deputado António Filipe veio defender como bom e positivo no actual sistema de governo das autarquias locais.
Só que este sistema, Sr. Deputado, da democracia tida por consensual tem gerado em grande medida uma democracia anémica e não uma democracia suficientemente autêntica, como nós precisamos.
O que é que acontece, Sr. Deputado, a todos os cabeças de lista que, numa eleição, se apresentam como candidatos a presidentes de câmara não tendo ganho eleições? Segundo o sistema da representação proporcional, vão para o executivo municipal. E o que é que vão fazer para lá? Uma de duas: ou vão realizar o seu próprio programa que perdeu, e portanto vão para o executivo, que deve trabalhar em coesão, fazer contravapor à eficácia que o executivo deve ter para a boa realização do interesse público, o que está errado; ou, então, no executivo municipal - e sabemos que muitas vezes isto acontece por formas de aliciamento - acabam por integrar na realização do programa da lista maioritária, caso em que, Sr. Deputado, desapareceram na lógica da alternância democrática. E sabe o que é que acontece por causa disso, Sr. Deputado? Faça a verificação do que vou dizer-lhe! Na maior parte das eleições seguintes, os partidos que não ganharam a presidência da câmara na vez anterior, quase sempre têm de ir à procura de um novo candidato, por o candidato anterior ter sido esgotado pelo sistema, porque em vez de poder continuar no sistema na sua função representativa de oposição a liderar projectos alternativos, a bater-se por eles e a ganhar a opinião pública para da vez seguinte poder ganhar, o sistema «triturou-o».

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O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Claro!

O Orador: - E é por esta razão, Sr. Deputado, que isto não tem lógicas de responsabilidade, lógicas de afirmação de projecto, lógicas que não sejam a da mera distribuição de posições e de influências no jogo interpartidário.
É deste problema, Sr. Deputado António Filipe, que o senhor não conseguiu fugir.
O que é que verdadeiramente interessa? Ter listas bloqueadas para o executivo, de tal maneira que um presidente de câmara em funções não pode durante todos os quatro anos do mandato renovar quem quer que seja, se tiver vereadores que não cumprem, da sua lista ou das oposições; essa vereação vai continuar até ao fim mesmo que não tenha dado o mínimo de contributo em termos de produtividade para realizar os interesses dos munícipes.
É este sistema situacionista, burocrático e não alternante - e, portanto, de uma democracia pseudoconsensual, mas não suficientemente alternativa - que o Partido Comunista Português aqui tem vindo a defender.
Não há posição mais conservadora do que aquela que o Sr. Deputado António Filipe veio defender, hoje, nesta Câmara.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Jorge Lacão tem uma péssima imagem dos cidadãos que exercem cargos de vereadores no nosso país. Uma péssima imagem! Porque vê sempre nos vereadores pessoas aptas a serem aliciadas por presidentes de câmara de outras forças políticas.

O Sr. Honório Novo (PCP): - É o espelho!

Protestos do PS.

O Orador: - Devo dizer, Sr. Deputado Jorge Lacão, que os vereadores comunistas que assumem funções e, inclusivamente, pelouros, onde for caso disso, em situação de minoria o fazem para dar o seu melhor em benefício das populações, e fazem-no com a mesma tranquilidade com que nas câmaras onde os comunistas estão em maioria é aceite e incentivada por essa própria maioria a participação dos vereadores de outras forças políticas. E o Sr. Deputado sabe isto muito bem!
Portanto, o nosso objectivo não é manipular nem influenciar seja quem for, mas entendemos que as populações devem poder beneficiar do contributo de todos os eleitos que estejam dispostos a trabalhar em benefício das populações, seja qual for a sua convicção ou filiação partidária.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Este para nós é um princípio fundamental.
O Sr. Deputado acha que uma situação que limita recolher esse contributo é uma situação má; nós achamos que é uma situação boa, que é positiva para a democracia e que deve ser, de facto, incentivada e não eliminada. O Sr. Deputado acha um mal que haja participação da pluralidade dos vereadores das várias forças políticas, de acordo com o princípio da representação proporcional, que é o que corresponde, de facto, à vontade manifestada nas urnas pelos eleitores, mas já acha bem uma situação em que o presidente de câmara, ainda que tenha ganho com 30% dos votos, fazendo com que os outros 70% dos cidadãos não interessem nada, que o seu voto conte zero,…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Zero?!

O Sr. Honório Novo (PCP): - É zero! É zero!

O Orador: - … nomeie todos os vereadores, ficando numa situação em que a assembleia municipal não tem condições absolutamente algumas para o destituir, por muitas razões que tenha para o fazer.
O Sr. Deputado acha que isso é um bem; nós achamos que isso é um mal para a democracia e para os cidadãos portugueses.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para apresentar o projecto de lei do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Poder Local democrático é uma pedra basilar do Estado de direito vigente em Portugal desde 1976.
A sua criação e rápida implantação foram condições inegáveis de adesão dos cidadãos a hábitos de participação democrática nos destinos colectivos das suas comunidades e, mais importante, foram factores decisivos de progresso e desenvolvimento dessas mesmas localidades.
Numa palavra, é inteiramente justo considerar o Poder Local como um dos principais responsáveis pelo enraizamento de uma cultura democrática no nosso país.
Foi através dele que a generalidade dos cidadãos tomou contacto e pôde sentir a resolução directa de problemas das suas comunidades, por vezes com décadas. Foi através dele, e por causa dele, que se registaram apreciáveis melhorias em níveis básicos de bem-estar e de qualidade de vida, que, há muito, os cidadãos lhes viam negados.
Talvez se possa dizer, sem medo de exagero, que foi no Poder Local que o regime democrático saído da revolução mais rapidamente encontrou um caminho próprio de afirmação e o reconhecimento activo da generalidade dos portugueses.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O modelo autárquico que hoje conhecemos é um modelo que, nas suas regras básicas, se mantém inalterado desde a sua concepção após o 25 de Abril. Importa olhar para as circunstâncias dessa concepção e tomar consciência das razões que estão por detrás das soluções então adoptadas.
O modelo aprovado na Constituição de 1976 foi escolhido e veio a preencher com êxito um objectivo muito claro: servir a afirmação e a implantação nacional de partidos políticos.

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Os partidos políticos são a pedra angular de qualquer democracia representativa, e, ao adoptar esse modelo de regime, a Constituição portuguesa tinha de criar condições seguras para a sua consolidação, consolidação essa que, no fundo, era a melhor garantia para o sucesso do próprio regime. Esta foi uma opção consciente. Por isso mesmo, privilegiou a pluralidade democrática, em detrimento da eficácia executiva e apostou na diversificação partidária de mandatos, em prejuízo da coesão e da sustentabilidade política dos executivos. Repito: foi uma opção consciente que respondeu a uma preocupação natural e que visou um objectivo legítimo para o regime.
O PSD teve, desde sempre, a percepção exacta de que assim foi. E foi exactamente por isso também que, cumprida com distinção a primeira etapa, logo em finais de 1979, o PSD e o seu líder de então apareceram a defender a reforma do modelo e a necessidade da sua evolução, evolução essa que norteamos por três princípios nucleares: a governabilidade, a estabilidade e a maior responsabilização dos eleitos.
Todavia, é conhecida a resistência à mudança e, mais ainda, a enorme dificuldade que algumas forças políticas têm em entender a necessidade de realizar reformas. Reformas necessárias para fazer evoluir e não deixar estagnar as instituições e a sua capacidade para proporcionar novas respostas a novos problemas de uma comunidade também ela dinâmica e nunca acomodada.
É desconcertante, contudo, Srs. Deputados, verificar que, passados 20 anos, os princípios estruturantes da reforma a empreender no Poder Local mantêm-se hoje perfeitamente actuais e são os mesmos, exactamente os mesmos, que o PSD, há 20 anos, apresentara.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Princípios e respectivas soluções que - lembre-se - foram sucessiva e obstinadamente combatidos e recusados pelo Partido Socialista, na sua proverbial e congénita incapacidade para compreender a necessidade de realizar reformas e fazer o País andar para a frente. Princípios e soluções que, afinal, os socialistas demoraram duas longas décadas a aceitar. Custou, mas foi, Srs. Deputados!
Com os habituais excessos e a tendência para o radicalismo dos recém-convertidos, o Partido Socialista apresenta-se agora a defender os antípodas da solução em que, teimosamente, se ancorou anos a fio.

O Sr. António Capucho (PSD): - É verdade!

O Orador: - Apesar de tudo - convenhamos -, também aqui nada de novo.
É com frontalidade, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados socialistas, com a frontalidade e com a autoridade política de quem já defendia esta reforma quando os senhores ainda nem percebiam porquê nem para quê ela servia, que vos dizemos que a vossa proposta contém soluções pouco eficazes, incorrectas e menos sensatas.

Protestos do PS.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta do PSD reafirma, como princípios fundadores da reforma da lei eleitoral autárquica, a estabilidade do sistema, por forma a favorecer o desejável cumprimento integral dos mandatos, a governabilidade dos executivos, como condição sustentada para a realização dos programas sufragados pelos eleitores, e a responsabilização dos eleitos, no final dos seus mandatos, pelas suas realizações e pelas suas omissões, sem as desculpas nem os alibis que, com ligeireza, se costuma atirar para cima das oposições políticas. São princípios que todos os cidadãos entendem e que todos querem ver aplicados de uma forma transparente.
As pessoas querem que, quem ganhe as eleições, governe. Querem, em primeiro lugar, poder escolher o seu presidente de câmara. Existe, de facto, uma grande personalização do voto autárquico no candidato, na mulher ou no homem em quem se confia para gerir e fazer andar para a frente a nossa terra.
Este princípio da eleição directa do presidente de câmara foi uma exigência indeclinável do Partido Social Democrata na última revisão constitucional.
Acreditamos que o elo de confiança pessoal que se estabelece entre o presidente de câmara e o eleitorado é um aspecto fundamental para preservar a participação dos cidadãos na vida da sua comunidade. Por isso, recusámos as propostas socialistas de partidarizar demasiado a política municipal, fazendo depender a escolha do presidente de câmara dos arranjos político-partidários de bastidor. Era essa a proposta socialista.
Por isso, também, vemos mal as propostas de agora, que, de algum modo, tentam, uma vez mais, essa partidarização, colocando o presidente de câmara e a própria formação da sua equipa ao sabor dos entendimentos políticos de ocasião.
A nossa proposta, neste aspecto, é muito simples: o presidente eleito tem a garantia e a liberdade de escolher, pelo menos, metade do seu executivo, assegurando, assim, as condições para a realização do seu mandato e, sobretudo, para o cumprimento integral do seu programa.
Este aspecto, Srs. Deputados, é para nós crucial, uma vez que só pela assumpção plena da responsabilidade pela governação, que os eleitos vão ser, depois, chamados a apreciar e a julgar no acto eleitoral seguinte, é que existe a transparência e se põe um termo à nebulosa de desculpas, que tanto desprestigia e cava o distanciamento dos cidadãos face à actividade política.
A superioridade da democracia é precisamente a possibilidade de escolha e de julgamento dos cidadãos através do seu voto. Diluir responsabilidades e fomentar a confusão sobre quem é o titular de quê é retirar clareza a esse julgamento e, em última instância, diminuir a capacidade de escolha que os cidadãos sempre deverão ter.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É evidente que a nossa solução não pretende apagar, nem pode apagar, o princípio da dependência política do executivo perante a assembleia municipal, órgão plural que espelha a diversidade política do eleitorado.
À maior responsabilidade cometida ao presidente de câmara terão de corresponder condições e capacidades acrescidas de fiscalização pela assembleia municipal e, inclusive, a eventualidade limite de, no caso de um impasse

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inultrapassável, devolver o poder de decisão aos eleitores e convocar novas eleições.
Com o modelo que propomos, procuramos encontrar uma maior eficácia do Poder Local, sem romper com o equilíbrio de soluções que favoreçam a transparência, a fiscalização do uso do poder e as condições para uma sã alternância democrática.
A manutenção de vereadores representando candidaturas políticas diferentes da do presidente de câmara, sempre que esse seja o resultado desejado pelo voto popular, é um aval e uma garantia para essa transparência, essa fiscalização e para essa possibilidade de alternância.
Quem conhece objectivamente a vida das autarquias sabe bem que a transição radical do modelo actual para soluções monopartidárias não tem justificação séria quanto aos objectivos a prosseguir e levanta sustentadas objecções numa análise racional de custo/benefício.
Uma reforma estrutural, como a que se pretende adoptar para o Poder Local, deve ser feita em nome de princípios e respeitar condições seguras para uma evolução sem rupturas. Enquanto não estiver demonstrada - e não está - a bondade e a necessidade dessa passagem do 8 para o 80, não podem contar connosco para o que vemos como um salto no escuro. A nossa prioridade é modernizar o modelo eleitoral autárquico, não é parecermos modernos.
Outra alteração a que damos a importância de quem há 20 anos vem defendendo a sua adopção é a da abertura à apresentação de candidaturas independentes por grupos de cidadãos. A consolidação da democracia representativa de que hoje disfrutamos, por um lado, e a tendência crescente para uma maior aproximação do poder de decisão aos seus próprios destinatários, com mecanismos cada vez mais aprofundados de participação directa dos cidadãos, sem a intermediação partidária, por outro, justificam hoje abundantemente esta abertura. Mais: a adopção desta alteração vai ser um importante tónus para o também necessário e desejado arejamento e modernização das estruturas e do funcionamento dos próprios partidos políticos.
Por último, quero aqui referir a questão da limitação de mandatos. Ao longo dos anos, o PSD apresentou várias vezes propostas sobre este assunto, a última das quais na revisão constitucional de 1997. Infelizmente, Srs. Deputados, nunca estivemos acompanhados nessas propostas. Em 1997, inclusive, votámos sozinhos esta alteração, com os votos contra do Partido Socialista e do Partido Comunista Português e com a abstenção do CDS-PP.
Quero congratular-me com o facto de agora começar a ser já outro o entendimento dos outros partidos, parecendo haver uma adesão àquilo que o PSD, há muito, defende.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - O PSD é um verdadeiro farol!

O Orador: - Pois bem, Srs. Deputados. Haja vontade política, vontade e coragem que o Governo aparenta só querer ter a prazo, para aprovar o princípio da limitação, não só aos autarcas mas também a outros titulares de funções públicas executivas, e avancemos de imediato. Não contem é connosco para tratar esta matéria como uma arma de arremesso político, intencionalmente dirigida contra a função autárquica, denegrindo-a e fazendo de quem nela serve «os maus da fita». Não seria justo, nem seria sério.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: O progresso e o desenvolvimento trazem novos desafios e maiores exigências das pessoas na satisfação das suas necessidades e na elevação dos seus níveis de bem-estar. Para além das tradicionais atribuições no plano infra-estrutural das comunidades locais, as autarquias são cada vez mais chamadas a responder às preocupações das populações com a educação, a saúde, o ambiente, o emprego, os transportes, no fundo, com tudo aquilo que define e modula a qualidade de vida das pessoas.
Há hoje um indisfarçável impulso no sentido da adopção de políticas efectivas de descentralização de poderes e competências para as autarquias locais. Impulso que tem a sua fonte numa pressão, real, das pessoas e das empresas para chamarem mais perto de si os centros de decisão que regulam e podem dar satisfação directa às suas necessidades. É preciso quebrar o ciclo vicioso que alimenta os adversários desta descentralização.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não me digam que o PSD agora está a defender as regiões!

O Orador: - Não se transferem meios e competências para as autarquias, porque as autarquias não têm condições para os exercer; e as autarquias não têm condições para satisfazer as suas comunidades, porque não têm os meios e as competências necessários a dar essas respostas.

O Sr. Jorge Lacão (PSD): - É uma falsa questão!

O Orador: - Para quebrar este ciclo vicioso é preciso avançar com esta reforma.
As vozes que, com falsa ingenuidade, questionam a sua oportunidade, são aquelas que, no momento seguinte, justificam a manutenção no poder central dos poderes que deviam ser transferidos para as autarquias com o discurso da desconfiança na capacidade e na própria democraticidade do Poder Local e dos seus protagonistas.
Pela nossa parte, aqui nos declaramos verdadeiramente empenhados na reforma da lei autárquica.
A nossa disposição e as nossas propostas não são de agora. Têm o peso da coerência e a força da autoridade de quem, há muito, se vem batendo por elas.
Temos a consciência de que os timing da discussão que este debate inicia foram, indesejavelmente, atrasados pela falta de liderança e de orientações claras que este Governo tão flagrantemente exibe.
Mas que fique claro: queremos fazer esta reforma e queremos que ela produza já efeitos para o ciclo autárquico que se inicia no próximo ano.
A ausência de estratégia do Governo socialista provocou o arrastamento desta reforma desde a revisão da Constituição em 1997, há mais de três anos. Seria muito mau se as hesitações socialistas nos atirassem agora para 2005, sem dar início às mudanças que se impõem.
Não é o tempo que é o nosso obstáculo. A vontade de, mais uma vez, adiar é que tem de ser vencida.

Aplausos do PSD.

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Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Manuel Alegre.

O Sr. Presidente: - Informo a Câmara que se inscreveram, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Jorge Lacão e António Filipe.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, vamos tentar entender-nos.
Em primeiro lugar, não resultou de qualquer exigência indeclinável do PSD na revisão constitucional a circunstância de se manter o princípio da eleição directa do presidente de câmara, resultou, desde logo, do projecto originário de revisão constitucional do PS, sendo que o acordo PS/PSD, nesta matéria, acabou por adoptar uma solução muitíssimo próxima do projecto originário do PS.
Não nego que o Sr. Deputado e o seu partido tenham esse ponto de vista, não queira é sugerir à Câmara que foi à custa desse ponto de vista e contra o ponto de vista diferente do PS; não foi assim que a história se passou.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado invocou aqui o património do seu líder histórico e fundador Francisco de Sá Carneiro. Permita-me que também o sublinhe, e que o sublinhe indo à boa fonte, aos motivos apresentados no vosso próprio projecto de lei. Aí se refere a vossa concordância com o que Sá Carneiro já defendeu em 1979: «O princípio da coerência política dos executivos responsáveis perante a assembleia municipal e por ela fiscalizados». Isto chama-se adesão ao princípio do parlamentarismo, da dependência de confiança do executivo relativamente à assembleia municipal.
Invocaram - e bem! - o Dr. Sá Carneiro, mas verifico que, depois, há uma contradição entre esta invocação, patente na própria justificação de motivos, e a solução material que apontam. Por quê? Porque aquilo que os senhores visam é um hiperpresidencialismo, na medida em que combatem alguns vícios do sistema actual, mas a vossa proposta, provavelmente, introduziria, a ser adoptada como tal, vícios maiores do que aqueles que ocorrem no próprio sistema actual, e é disto que temos de falar serenamente.
Por quê? Porque se o presidente de câmara directamente eleito pudesse recrutar, sem qualquer relação de confiança da parte da assembleia municipal, os vereadores que entendesse, no quadro da assembleia, mas sem ser sindicado por ela, sendo metade do seu partido metade e mais um, mesmo que isso violasse o princípio da proporcionalidade, e, depois, aceitasse vereadores dos outros partidos, de acordo com a proporcionalidade mitigada, acontecia que a assembleia municipal não teria ocasião de exprimir qualquer relação de confiança para convalidar aquela escolha nem, posteriormente, qualquer eventual manifestação de censura para pôr, digamos, em causa essa mesma dependência de confiança, se a assembleia municipal assim o entendesse.
O que é que teríamos então? Uma lógica verdadeiramente autocrática do presidente de câmara, aqui, sim, porque, cada vez que um vereador, porventura, votasse de maneira diferente da intenção do presidente de câmara, com o vosso sistema, ele tinha as mãos livres para, no dia seguinte, despedir aquele vereador e recrutar outro, já que aquele não lhe servia só porque tinha tido, intelectual ou politicamente, uma posição de voto no órgão colegial executivo divergente da sua. Isto é inaceitável, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado. Tem de concluir.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Portanto, peço ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes que não critique com tanta ligeireza a alternativa do PS; medite primeiro nas incongruências do vosso próprio projecto de lei.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, há ainda um outro pedido de esclarecimento, deseja responder já ou no fim?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Então, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, quero fazer-lhe três perguntas de resposta mais ou menos directa.
A primeira delas é para anotar que o PSD assume uma posição um tanto equívoca neste debate, porque não se percebe muito bem qual é, afinal, o seu objectivo neste processo. O PSD apresenta o seu projecto de lei, onde propõe que as câmaras municipais tenham sempre maioria absoluta, não propõe, tal como o Governo, os executivos maioritários, há uma diferença entre ambos os diplomas, mas o Sr. Deputado não exclui os executivos homogéneos como o Governo propõe, o que vem dizer é que essa solução seria precipitada ou prematura - creio que usou uma formulação deste género -, e, portanto, posicionou-se equivocamente relativamente a esta questão.
Portanto, o que pergunto é qual é, de facto, a posição do PSD relativamente à proposta que o Governo aqui traz de executivos monocolores, que, sublinho, não é a proposta que consta do projecto de lei do PSD.
Já agora, pergunto-lhe, Sr. Deputado, se já deu a devida atenção às afirmações que foram feitas, nos últimos dias, a este respeito por prestigiados autarcas do PSD. O presidente da maior câmara municipal de presidência PSD, Dr. Luís Filipe Menezes, hoje, na Antena 1, teve uma posição muito clara de rejeição dos executivos monocolores, valorizando a presença de vereadores de outros partidos na sua vereação; ainda há uns dias atrás, o Major Valentim Loureiro, Presidente da Câmara Municipal de Gondomar, tomou uma posição idêntica muito clara numa comissão parlamentar desta Assembleia; há muitas vozes do seu partido, do PSD, que manifestam a sua discordância total em relação a essa posição; e creio que a posição manifestada por V. Ex.ª aqui é uma posição equívoca.
Gostaria ainda de saber qual é a posição do PSD em relação à necessidade de dois terços para a aprovação de uma moção de censura ao executivo municipal que é proposta pelo Governo. Já se demonstrou que essa proposta é uma autêntica fraude, é inexequível na esmagadora maioria dos municípios, para não dizer praticamente na totali

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dade deles. Gostaria de saber qual é a posição do PSD relativamente a esta proposta.
Finalmente, uma última pergunta: o artigo 235.º da proposta de lei prevê que, nas assembleias municipais, os presidentes de junta de freguesia, que continuariam a ser, por inerência, membros das assembleias municipais, seriam privados do direito de voto na moção de censura. Isto é: os presidentes de junta de freguesia iriam à assembleia municipal para colocar as questões da sua freguesia e, quando se tratasse de discutir a responsabilização do executivo municipal, ficariam privados do direito de voto.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - São órgãos diferentes!

O Orador: - Ou seja: na proposta do Governo há membros da assembleia municipal de 1.ª e membros da assembleia municipal de 2.ª, que são todos os presidentes de junta de freguesia deste país.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não são de 2.ª, são por inerência!

O Orador: - Pergunto, Sr. Deputado, qual é a posição do PSD relativamente a esta marginalização acintosa dos presidentes de junta de freguesia da proposta de lei do Governo.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, obrigado pelas perguntas que me colocou.
Como é evidente, Sr. Deputado, não vale a pena tentar querer refazer a história, toda a gente sabe o que se passou no último processo de revisão constitucional, toda a gente sabe a evolução e a convulsão que, por isso, o Partido Socialista teve de suportar relativamente ao seu ideário nesta matéria, como em muitas outras, e, portanto, o Sr. Deputado pode tentar branquear um bocadinho a situação, mas a realidade é fácil de ser consultada. De resto, as pessoas lembram-se bem das posições.
O PSD, durante anos, defendeu, apresentou, fez aprovar, inclusive, propostas de lei no sentido da constituição de executivos maioritários, não o conseguiu, face à vossa oposição, à posição então tomada pelo Tribunal Constitucional e à vossa objecção sistemática de introduzir na Constituição da República as alterações conducentes a esta reforma do Poder Local. O PSD só a partir de 1997, com as suas propostas, é que conseguiu que houvesse, finalmente, uma abertura constitucional para que esta reforma fosse para a frente.
A história é esta, os factos são estes. Se o senhor quer contar isto de uma maneira mais cor-de-rosa é consigo. Eu prefiro contar como se passou. Portanto, não vale a pena estarmos a perder muito tempo relativamente a querelas, que me parecem inúteis.
Quanto à questão que o senhor coloca, de a confiança para a composição do executivo ter de partir da assembleia municipal, digo-lhe com toda a clareza: não, Sr. Deputado! A confiança para a composição dos executivos tem de depender dos eleitores - não é dos jogos político-partidários nem na assembleia municipal nem em mais nenhum outro local. A confiança política para a constituição de executivos nas autarquias locais tem de partir dos eleitores.
Quanto ao Sr. Deputado António Filipe, em primeiro lugar, tomo nota de que, independentemente de uma série de apreciações e de considerações gerais que, inicialmente, fez, relativamente às quais também gostava de acrescentar qualquer coisa, no fundo, as suas perguntas não foram dirigidas à proposta apresentada pelo PSD.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Essa já é conhecida!

O Orador: - As duas perguntas que formulou, que têm a ver com a moção de censura por dois terços e com a retirada de direito de voto aos presidentes das juntas de freguesia, são uma crítica directa à proposta socialista. Sr. Deputado, o que o senhor não disse mas quis dizer é que, de facto, a nossa proposta é bem melhor do que a do Partido Socialista e que, provavelmente, há base para nos entendermos, inclusive com a sua bancada, em torno da nossa reforma.

Protestos do PCP.

Quanto às suas considerações, quero dizer-lhe com toda a clareza que o PSD reafirma - e o Sr. Deputado bem o sabe, porque foi um dos Deputados que activamente participou na revisão constitucional de 1997 - que é contrário à formação dos executivos nas autarquias locais por um único partido. O PSD sempre afirmou este princípio na revisão constitucional, já o tinha afirmado antes, em propostas de lei apresentadas a esta Assembleia da República no início da década de 90 e mantém na proposta que agora apresenta.
Quanto à questão que me coloca, de haver opiniões divergentes dentro do meu partido, Sr. Deputado, os nossos partidos são, de facto, diferentes: no meu partido não existe centralismo democrático!

O Sr. João Amaral (PCP): - Existe, existe!

O Orador: - É um partido que tem opiniões diversas e onde cada um expressa as suas opiniões.

Protestos do PCP.

Acontece que o nosso partido se rege por maiorias e, independentemente de haver opiniões várias e diversificadas sobre esta e outras matérias, colectivamente, o PSD já se pronunciou - não é de agora - a favor da proposta que hoje aqui apresenta.
Por último, Sr. Deputado, quanto à moção de censura por dois terços, é evidente que é uma fraude, é evidente que não faz sentido absolutamente nenhum, é evidente que esta é uma daquelas propostas que nós, longamente, já combatemos e rebatemos na revisão constitucional, onde também, embora de uma forma pseudo-encapotada, o Partido Socialista também tentou colocar sobre a mesa.
Quanto à retirada de voto aos presidentes de junta, devo dizer, Sr. Deputado, que o PSD não é daqueles partidos que

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alinham com a lógica de que há autarquias «de primeira» e autarquias «de segunda», sendo que os presidentes de junta e todos os cidadãos que são eleitos e trabalham nas juntas e nas assembleias de freguesia são sistematicamente considerados como autarcas «de segunda».

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, tem de concluir.

O Orador: - O PSD não patrocina essa lógica e votará sempre contra essa tentativa de diminuir as juntas de freguesia e os autarcas que nelas servem os cidadãos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O poder local democrático, enquanto instrumento de uma verdadeira descentralização administrativa colocada ao serviço das populações e por elas eleito e fiscalizado, constitui uma pedra angular da organização política e administrativa portuguesa.
Os princípios fundamentais que inspiraram o estatuto jurídico do poder local e que mereceram consagração constitucional foram o do sufrágio como forma de designação dos titulares dos órgãos autárquicos, da proporcionalidade segundo o método de Hondt para a conversão de votos em mandatos nos órgãos executivo e deliberativo e, finalmente, o princípio da fiscalização do executivo assegurado pela assembleia municipal. Os cerca de 25 anos decorridos sobre a promulgação da primeira legislação autárquica dão-nos conta de um poder local actuante, participado, representativo e, em larguíssima medida, funcionando em estabilidade.
Assim, não fora a ambição, tão forte quanto ilegítima, dos que não hesitam em sacrificar tradicionais bastiões da liberdade popular à instauração no poder autárquico de um sistema bipartidário, artificialmente construído à revelia do eleitorado, e, seguramente, que haveria outras prioridades legislativas reclamadas pelo interesse público.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Não obstante, e uma vez que os dois partidos do bloco central abriram o processo de revisão da legislação autárquica, então, o CDS-PP recusa ficar numa posição imobilista e aproveita a oportunidade para manter e aprofundar os aspectos positivos do regime vigente, corrigir os defeitos entretanto detectados e responder aos desafios dos novos tempos.
Tudo, porém, no escrupuloso respeito pelos valores da democracia, da participação, da representatividade e da transparência, implícitos na nossa ordem constitucional e por isso condicionantes de toda a legislação autárquica.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os projectos apresentados pelo CDS-PP e agora em discussão visam, em primeiro lugar, garantir o pluralismo e a proporcionalidade na organização e funcionamento do poder autárquico.
Para isso, prevêem que se mantenha a eleição separada do órgão executivo, câmara municipal, e do órgão deliberativo, assembleia municipal. Em ambas as eleições, a conversão de votos em mandatos deverá respeitar o método proporcional, sendo que a lista mais votada para o órgão executivo elegerá automaticamente a maioria dos membros desse órgão, incluindo o presidente. Os restantes membros serão distribuídos pelas outras listas na proporção dos votos obtidos, e aqui nos aproximamos do projecto apresentado pelo PSD.
No sentido de aprofundar o princípio da proporcionalidade sem afectar a governabilidade, o nosso projecto prevê o aumento de dois vereadores em todas as câmaras municipais, sem direito a vencimento nem a pelouro próprio. Desta forma se pretende assegurar que o terceiro e, em alguns casos, o quarto partido mais votado possam ter, em regra, representação no executivo camarário sem custas para o erário municipal nem entraves para a gestão do executivo. Do mesmo passo que garante a representatividade e o escrutínio por parte dos eleitores de todos os membros do órgão executivo e não apenas do presidente… E aqui chamo a atenção para esta circunstância que nos afasta, de uma maneira determinante, dos dois projectos do PS e do PSD, não tem qualquer lógica que o eleitor não conheça a equipa que o presidente vai formar.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Era o que faltava que houvesse algum presidente de câmara que quisesse encabeçar uma lista, como hoje acontece, se não tivesse confiança e não desse o seu apoio aos outros membros dessa lista!

Aplausos do CDS-PP.

Não se entende - e eu, sinceramente, vos digo que não entendo - por que razão o PS e o PSD querem furtar ao escrutínio eleitoral a composição do órgão executivo. Não entendo, não há explicação para isso! A não ser as mais perversas razões!

Aplausos do CDS-PP.

A solução apresentada pelo CDS-PP facilita a formação de consensos ao nível dos órgãos deliberativos, essenciais para assegurar a estabilidade quando o executivo camarário aí não disponha de maioria absoluta. Respondendo ao PS nesse domínio: o consenso não se assegura! Para se assegurar o consenso, é necessário que, no executivo, haja possibilidade de o fazer. E a questão é esta: se há um executivo sem maioria na assembleia municipal, ele tem de assegurar o consenso com os outros vereadores. De outra maneira, a instabilidade é muito maior com o novo regime do que era com o antigo. Quero ver quantas moções de censura serão apresentadas, quantas moções de confiança serão recusadas, a não ser, obviamente, se a lei-travão e a «rolha» forem impostas, com os dois terços dos membros efectivos em efectividade de funções. Aí nunca haverá qualquer moção aprovada, porque é uma condição impossível!
Por isso, o CDS-Popular Popular, para além de consagrar no seu projecto o princípio de que «quem ganha governa», o que deve afastar de vez os raros casos de

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ingovernabilidade (os tais 10% de ingovernabilidade, se tanto; aliás, nos últimos 10 anos, creio que houve duas câmaras, por sinal do Partido Socialista, que foram dissolvidas por dentro, que caíram por dentro e não pelas oposições)…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … e de garantir, em simultâneo, a proporcionalidade através do aumento de dois vereadores em todos os executivos, os projectos em apreço aprofundam a estabilidade democrática mas com transparência. Não queremos a estabilidade sem transparência. A estabilidade sem responsabilização e sem transparência não é estabilidade. É uma situação grave, que nós conhecemos um dia e que não queremos voltar a conhecer!

Aplausos do CDS-PP.

Na verdade, o CDS-PP propõe que as assembleias municipais possam apresentar e aprovar moções de censura aos executivos camarários ou recusar moções de confiança por estes apresentadas, desde que tais deliberações sejam tomadas por maioria absoluta dos membros eleitos presentes, e nesta matéria o PSD veio ao nosso encontro. Queria dizer ao PCP que, com este princípio, em nosso entender, não fazemos membros de assembleia municipal «de primeira» e «de segunda».

O Sr. João Amaral (PCP): - Fazem! Fazem!

O Orador: - Não fazemos! Meu caro João Amaral, nós não consagramos a hipocrisia enorme, que é pôr a votar moções de censura presidentes de junta da mesma cor política do presidente da câmara! Isso é ou apelar à cisão ou ser, obviamente, uma total e completa hipocrisia!

Aplausos do CDS-PP.

Para isso, não contam connosco!
O CDS-Partido Popular propõe que as assembleias municipais possam aprovar esses votos mas com os membros eleitos. A aprovação de uma moção de censura ou a recusa de uma moção de confiança levarão, no nosso projecto, automaticamente à queda de todo o executivo camarário e à marcação de novas eleições.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Desta construção, ressaltam dois aspectos que se nos afiguram importantes.
O primeiro traduz-se na circunstância de as moções só poderem ser votadas pelos membros eleitos das assembleias, e isto porque, como eu há pouco dizia, quem ganha a câmara ganha normalmente a maioria das juntas de freguesia cujos presidentes têm, por inerência, assento no órgão deliberativo. A limitação prevista não só contribui para a legitimação dos membros eleitos como garante a genuinidade da vontade funcional expressa pela assembleia.
O segundo aspecto prende-se com a necessidade de dar conteúdo e eficácia à dependência política em que o presidente e todo o executivo camarário se encontram face à assembleia municipal. Daí o ter-se optado pela maioria simples dos membros eleitos presentes e não pela maioria de dois terços de todos os membros da assembleia em efectividade de funções, como quer o Partido Socialista, o que, pelas razões expostas, tornaria improvável a aprovação de qualquer moção de censura ou a rejeição de qualquer moção de confiança.
Brada aos céus ouvir o Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública vir aqui dizer que o sistema que ele apresenta é um sistema semiparlamentar ou de natureza parlamentar! Brada aos céus, realmente! Como é possível um sistema parlamentar em que a maioria, que agora é maioria absoluta, na actual lei, passe a dois terços? Com a votação também dos presidentes de junta? Mas é interessante, porque, no projecto do Partido Socialista, há depois um salto lógico: é que, se for aprovada uma moção de censura (e isto é realmente espantoso!), cai toda a vereação mas o presidente fica! Isto é realmente um sistema parlamentar óptimo! Para quem goste de comparar coisas incomparáveis, como seja o Governo e a Câmara… O que seria esta Assembleia aprovar uma moção de censura, o Sr. Primeiro-Ministro ficar e todos os Ministros saírem? Era realmente algo espantoso!

Risos do CDS-PP.

Dizia eu, para quem goste de comparar coisas incomparáveis, porque obviamente o Governo é nomeado pelo Sr. Presidente da República, tem a tutela do Sr. Presidente da República e do Tribunal Constitucional - não tem nada a ver com os órgãos executivos das autarquias.
Mas, ainda quanto ao presidente da câmara, numa segunda votação, se for chumbado na primeira, já só precisa de 50% dos votos, e já só votam os membros eleitos! Já não votam os presidentes de juntas de freguesia!

Risos do CDS-PP.

Realmente, é preciso um dicionário de lógica para acompanhar este processo.

Aplausos do CDS-PP.

Por isso mesmo, optámos pela solução de, quando o presidente cai, por força de uma moção destas, todo o executivo camarário cair, com marcação de novas eleições,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Com certeza!

O Orador: - … e não pela manutenção do presidente com queda da vereação, o que é, no mínimo, uma solução bizarra.
No sentido de reforçar o papel fiscalizador da assembleia municipal, prevê ainda o nosso projecto que, sem prejuízo das reuniões ordinárias já exigidas por lei, este órgão deva reunir uma vez por mês. E, uma vez por mês, para quê? Especialmente, para apreciação detalhada e documentada da actividade do executivo. Não chega dizer que se quer reforçar a fiscalização; é necessário dar poderes. E dar poderes é isto: pelo menos, uma vez por mês, a assembleia reúne, a câmara é obrigada a, detalhada e documentadamente, fazer um relatório das suas actividades e a

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assembleia, assim, está informada e a par da actividade do executivo
Tudo, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, no sentido de aprofundar a transparência no funcionamento dos órgãos autárquicos e a responsabilização dos respectivos titulares, aspectos que, em nosso entender, não se encontram devidamente acautelados na legislação vigente. Ora, por isso, porque não se encontram devidamente acautelados, vamos mudar, mas com peso e medida, fazendo as reformas que a situação justifica.
Um outro princípio inovador, que visa dinamizar o poder autárquico, é o da renovação obrigatória dos eleitos locais pela limitação dos mandatos dos presidentes de câmara e dos vereadores com pelouro a três mandatos consecutivos, de quatro anos cada um.
Esta proposta não significa menos consideração por nenhum presidente de câmara ou autarca. Então, seria ter menos consideração pelo Presidente da República, que está limitado a dois mandatos,…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … seria ter menos consideração pelos juízes do Tribunal Constitucional, cujo mandato é limitado, ou pelo Procurador-Geral da República. Esse é um argumento que não colhe e que não aceitamos.
A questão é simples: para além do quadro político em que é susceptível de se inserir o princípio genérico da limitação de mandatos, entendemos que, no caso vertente, 12 anos é tempo suficiente, mais do que suficiente, para deixar obra feita e evitar indesejáveis rotinas, que só impedem ou dificultam a indispensável renovação dos titulares do poder autárquico com funções executivas.
E dizemos no quadro geral, porque entendemos, e sempre o temos dito, que órgãos fundamentalmente unipessoais, órgãos que tenham funções executivas, através do processo administrativo ou político, e com mandato certo (não os membros do Governo, porque não têm) devem ter mandatos limitados. E isto não vale apenas para os órgãos autárquicos, é a nossa concepção genérica. Entendemos igualmente que este princípio não é inconstitucional. Primeiro, porque o acórdão do Tribunal Constitucional faz apenas a fiscalização em concreto, sendo, portanto, só válida para aquele caso concreto; em segundo lugar, porque a Constituição material tem princípios imanentes, que não podem ser violados e este é um deles, e, finalmente, porque, em sede de revisão constitucional, como já foi aqui dito, se alguma dúvida houver nesse domínio, sempre se corrigirá.
Ainda no sentido de dinamizar a acção das autarquias e incentivar a participação das populações na gestão autárquica, o projecto de lei do CDS-PP consagra o princípio da proximidade, que se traduz na abertura aos cidadãos eleitores da possibilidade de apresentarem listas de independentes a todos os órgãos autárquicos.
Alguns temem que esta solução propicie ou facilite a consagração de interesses particulares em detrimento dos interesses gerais, supostamente representados e tutelados pelos partidos políticos.
Não acompanhamos estes receios - e este é o único ponto em que estamos em desacordo com a apreciação do Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, em toda esta problemática -, pois entendemos que os partidos políticos, se não são a origem de todos os males, também não serão os únicos detentores de todas as virtudes. Acresce que o substancial reforço dos poderes fiscalizadores das assembleias municipais e a eficácia do seu desempenho, tal como prevê o nosso projecto de lei, constituem, por si só, razão bastante para dissuadir o uso ilegítimo dos poderes autárquicos seja por representantes dos partidos seja por independentes.
Finalmente - em ordem que não em importância -, os nossos projectos de lei respeitam as regras do jogo democrático e a própria tradição em matéria eleitoral, que preconizam não ser admissível a mudança das leis eleitorais em ano de eleições reguladas por essas leis.

Aplausos do CDS-PP.

Com efeito, nunca, em Portugal, as alterações das leis eleitorais vigoraram nas eleições imediatamente subsequentes. Há diversa e insuspeita «jurisprudência presidencial» (passe a incorrecção terminológica) nesta matéria, que devia ter aconselhado algum decoro aos que já se vêem, dentro de meses, donos e senhores da quase totalidade das autarquias portuguesas.

Aplausos do CDS-PP.

Por isso, ouvimos com pena a intervenção do Deputado Luís Marques Guedes. Nunca pensámos que o PSD divergisse desta interpretação, nunca pensámos que assim o fizesse. E quando o Sr. Deputado vem aqui dizer que estas alterações devem entrar em vigor imediatamente, entendemos que o Sr. Deputado tem o direito de ter essa opinião, mas ela está ao arrepio de tudo aquilo que é ética democrática, daquilo que é a prática e a tradição do nosso país, criando um problema sério, um problema politicamente muito sério. É que não tenham dúvidas de que, se isto fosse aprovado para entrar em vigor imediatamente, teríamos, em Portugal, um ruptura constitucional de sérias e graves consequências, a nosso ver.

Aplausos do CDS-PP.

Aliás, em relação a esta matéria, é interessante ouvir - daqui a pouco, já lá vamos - o que dizem os teóricos, os presidentes de câmara… O que diz, por exemplo, o Presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia, Luís Filipe Menezes (e o Sr. Deputado Luís Marques Guedes e eu ouvimo-lo ao mesmo tempo), um importante presidente de câmara do PSD, que pergunta qual é a pressa em alterar a lei. Realmente, não tem lógica fazer agora uma alteração, que logicamente deveria entrar em vigor em 2005. Mas se não é possível entrar em vigor em 2005, e não é, para quê fazê-la já? Temos tantas e tantas reformas importantes a fazer - na Administração Pública, na Saúde - e vamos pegar nesta, que é talvez aquela que o povo menos reivindica e contra a qual, como hoje tivemos ocasião de ver, as populações se manifestaram claramente?! É incompreensível! Ou melhor, só é compreensível por razões que não são seguramente institucionais.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - E o António Capucho não precisa disso!

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O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O CDS-PP entende que, num Estado de direito democrático, não são admissíveis atentados à democracia local, os quais serão tanto mais graves quanto mais amplas forem as maiorias que os autorizem.
O Presidente da República, que tem o dever constitucional de velar pelo acatamento dos padrões democráticos minimamente apropriados, não se pode isentar de intervir, se o bizarro modelo autárquico presidencialista, configurado especialmente na proposta de lei do Governo, vier, ao arrepio do nosso sistema constitucional e administrativo, a ser aprovado nesta Câmara.
Por outro lado, o CDS-PP entende que a alteração das leis eleitorais, pela especial importância e significado de que se revestem, devem ser objecto do máximo consenso possível, que não pode limitar-se às maiorias formais constitucionalmente exigidas. Isto, porque o regime eleitoral pode ser utilizado como poderoso instrumento de condicionamento e de influência sobre o sistema partidário e, se assim for, é a própria legitimidade democrática que será posta em causa.
Seria extremamente negativo que os dois maiores partidos representados nesta Câmara se esgotassem no diálogo e na concertação entre eles, não permitindo a formação de uma séria e consciente confluência de vontades, capaz de contribuir para que a nova legislação eleitoral autárquica seja um factor de unidade e não de divisão. E o facto é que, neste momento, está a ser um factor de divisão. É ouvir, ou ler, Vital Moreira, Marcelo Rebelo de Sousa, os teóricos; é ouvir os presidentes de câmara, desde Luís Filipe Menezes a Narciso Miranda e ao Presidente da Câmara Municipal de Constância. É ouvir o que as pessoas dizem na rua, como hoje tivemos ocasião de ouvir.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O CDS-PP participa neste debate com projectos marcados pela coerência global do sistema preconizado, pelo equilíbrio e inovação das soluções defendidas e, sobretudo, pelo integral respeito pelos valores essenciais da nossa ordem democrática.
Entre o imobilismo puramente defensivo, assumido pelos que temem perder com qualquer mudança, e a revolução dos que tudo querem mudar, apenas e só para garantirem na secretaria o que o voto livre dos portugueses lhes não dará, abre-se um espaço de seriedade que dignifica o poder local, o aproxima das populações, o torna mais participativo, responsável e transparente e que lhe abre perspectivas de uma autêntica e democrática renovação.
Este é o espaço que o CDS ocupa neste debate. Os autarcas e as populações reconhecê-lo-ão.
E, agora, faço um apelo final: esta é uma questão transversal à sociedade portuguesa. Peço e espero que os dois partidos que têm uma maioria de dois terços nesta Câmara, ao menos, quando votarem esta lei, dêem liberdade de voto. É essencial que se veja aqui o reflexo daquilo que o povo e o País pensam. Pela nossa parte, essa liberdade está concedida.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Jorge Lacão e Luís Marques Guedes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta, o Sr. Deputado e o seu partido defendem, no essencial, o sistema vigente, quanto à sua matriz, como sendo aquele que, segundo a ordem constitucional, é o melhor de todos. Mas, ao mesmo tempo, defendem a limitação do número de mandatos dos autarcas. Porquê? Porque este sistema, no vosso critério, não promove as condições suficientes de alternância democrática e tem de ser a lei, por via artificial, a gerar a alternância, que, no vosso critério, este sistema naturalmente não favorece. E aqui temos a contradição nos termos, Srs. Deputados.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Não, não!

O Orador: - O que nós queremos não é resolver o problema de um sistema que não gera suficientemente a alternância democrática pela restrição de direitos de participação política dos cidadãos; o que nós queremos é um sistema democrático com mais qualidade, que permita mais responsabilidade e mais alternância, de acordo com a vontade popular e o jogo democrático. Ou seja: nós temos fé no funcionamento das instituições; os senhores têm uma atitude de pessimismo no funcionamento da democracia e, por isso, vão por via restritiva naquilo que nós queremos que vá por via ampliativa.
A segunda ordem de questões, Sr. Deputado, tem a ver com o seguinte: não deixa de ser curioso verificar como a necessidade aguça o engenho. A que é que o CDS-PP nos habituou, desde sempre, neste Parlamento? A defender o princípio do sistema maioritário como o sistema eleitoral ideal para o sistema representativo, de acordo com a ideia básica do CDS-PP de que quem ganha deve governar. E o que é que veio fazer, hoje, o Sr. Deputado Basílio Horta? Meter no caixote do lixo da História toda a tradição doutrinária do CDS-PP, em matéria de defesa do sistema eleitoral, e transformar-se no maior adepto do sistema proporcional. Bem-vindo, Sr. Deputado Basílio Horta! Abro-lhe inteiramente os meus braços, finalmente reconheceu o mérito do sistema proporcional! Ainda bem! Mas como é que o faz? Como lógica de instinto de sobrevivência, o CDS-PP quer aumentar o índice de proporcionalidade ainda no sistema. E, portanto, vai propor ainda mais vereadores para os órgãos executivos,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Tem algum mal?!

O Orador: - … na expectativa de que, assim, ainda possa sobreviver, com alguma possibilidade de participação, ainda que ultraminoritária, em algumas das câmaras municipais desgarradas no País.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Acaba de confessar os seus objectivos!

O Orador: - Ou seja, nós não estamos verdadeiramente a cuidar do sistema eleitoral para o País; estamos aqui a ver se não eliminamos o CDS-PP. Só que esse é um problema da relação do CDS-PP com os eleitores e não da responsabilidade do sistema democrático.

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É por isso, Sr. Deputado, que o vosso sistema, para além de hiperparlamentarizar, à revelia das vossas tradições, vem, depois, criar aqui uma contradição insanável: a moção de censura, uma vez aprovada, tem uma única consequência possível, que é a de, imediatamente, destituir a câmara municipal e provocar sistematicamente eleições antecipadas. Ou seja, o outro grande objectivo, de estabilidade e governabilidade, que o CDS-PP sempre disse ser um valor seu, insuprível, está aqui completamente deitado abaixo.
Mas porque é que o CDS-PP não tem forma de contornar esta contradição? Por uma razão: porque quer introduzir a moção de censura num sistema em que os membros da câmara são o resultado da eleição directa e não podem ser substituídos pelas relações de confiança da assembleia municipal.
Sr. Deputado Basílio Horta, compreenda que o seu sistema, afinal, é aquele que não tem pés nem cabeça.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Narana Coissoró.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Basílio Horta, devido ao pouco tempo de que dispõe, é preferível responder em conjunto aos oradores inscritos para pedir esclarecimentos.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta, registo, com agrado, que o senhor esteve atento à intervenção que proferi sobre esta matéria. O que não consigo perceber é o espanto com que o senhor vê a vontade que o PSD tem de fazer esta reforma, ainda por cima, sabendo o senhor, como sabe, que não é de agora que o PSD a defende, o PSD sempre a defendeu. Sempre defendeu esta reforma, como muitas outras, que fazem parte de um património que o meu partido tem há muito e que o senhor bem conhece, como, por exemplo, ainda no ano passado, a, aprovada a seis meses das eleições presidenciais, alteração da lei eleitoral para a Presidência da República, consagrando algo que o PSD, também há anos, e nesse pormenor muito bem acompanhado pelo CDS-PP, defendia. Sabe, o PSD, quando entende que as reformas são necessárias, entende-o sempre e tem a coragem de, em todos os momentos, defender a necessidade dessas reformas e de se bater por elas.
Portanto, confesso-lhe, Sr. Deputado, que não consegui perceber a razão da sua surpresa, nem pelo conteúdo do nosso projecto de lei, nem pela convicção com que o PSD, neste projecto de lei, tal como no ano passado, a propósito da revisão da lei eleitoral para a Presidência da República, sempre se bate pelas suas ideias.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado Basílio Horta, informo-o que o BE cedeu 5 minutos.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, vou tentar responder com a maior brevidade possível.
Sr. Deputado Jorge Lacão, vou responder-lhe falando de dois pontos.
Primeiro ponto: o Sr. Deputado confunde (penso que não é por mal mas confunde) renovação com alternância.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Com certeza!

O Orador: - O nosso projecto de lei visa a renovação, não a alternância, e consegue-a; o vosso mata a alternância. É essa a diferença!

Aplausos do CDS-PP.

Portanto, o senhor tem essa pedra na consciência, porque sabe que se o seu projecto de lei for aprovado tal como está, o presidente escolhe os vereadores como entender e, além disso, quase não há possibilidade de fiscalização da assembleia municipal, pela seguinte razão: como é que o senhor aprova uma moção de censura por dois terços com os presidentes de junta a votar?

Risos do Deputado do CDS-PP Paulo Portas.

Depois, mesmo que a moção de censura seja aprovada, os vereadores caem e fica o presidente. Mas que lógica é que isto tem? Isto é alternância? Isto é que é criar tempo para que se permita que outros partidos concorram?

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - É a «lógica Lacão»!

O Orador: - Não me parece que essa lógica leve a parte alguma.
Segundo ponto: a segunda questão que o Sr. Deputado colocou já me parece, se me permite, mais pertinente, porque, realmente, corresponde à verdade.
O nosso partido, até eu próprio já escrevi sobre isso, defende um sistema maioritário. Isso é perfeitamente verdade. Mas há que considerar duas coisas: nós defendemos, em primeiro lugar, um sistema maioritário em sede de revisão constitucional, …

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Com certeza!

O Orador: - … o que nada tem a ver com o que estamos a discutir, e, em segundo lugar, um sistema maioritário de duas voltas, que é completamente diferente, como sabe, de um sistema maioritário de uma volta. O Sr. Deputado sabe que isto é verdade!
Nós sempre defendemos, e continuamos a defender, um sistema maioritário de duas voltas, o qual não nos repugna rigorosamente nada, mas já nos repugna um sistema maioritário de uma só volta.
Já agora, gostava de saber qual é o sistema que defende. Se calhar, é o sistema maioritário de uma volta. Ou aí já quer o sistema proporcional?

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Ah! Esse é o problema!

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O Orador: - Neste caso, estamos a falar em executivos municipais. A nossa experiência tem sido boa e não temos de fazer comparações com experiências estrangeiras, senão temos de comparar toda lei. Por exemplo, no caso francês, teríamos de comparar, relativamente aos municípios, a área, a dimensão, as competências… É tudo completamente diferente.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Com certeza!

O Orador: - Além disso, nem sempre tudo o que está no estrangeiro é melhor do que aquilo que nós temos. Isso é partir de uma premissa claramente falsa e «menorizadora» do nosso país.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): -Muito bem!

O Orador: - Portanto, em relação a isto, só lhe peço que pondere (sei que o Sr. Deputado é uma pessoa que tem conhecimentos) e que veja que o Governo que apoia apresenta uma má proposta de lei. Tente emendá-la, corrigi-la e, fundamentalmente, respeitar o que o Dr. Mário Soares, fundador do seu partido, dizia, isto é, que, em vésperas de eleições, não se mudam leis eleitorais.

Aplausos do CDS-PP.

Parece que é óbvio! Há muito tempo para mudar as leis. Não é a seis, a sete ou a oito meses das eleições que se mudam as leis eleitorais.
Em relação ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes, congratulo-me por demonstrar algum acordo em relação a muitas das coisas que afirmei.
Quero dizer-lhe duas coisas.
A primeira é que, quando concorda com as alterações, defende-as com transparência - com certeza que sim, isso é verdade, nós também fazemos o mesmo. Mas a verdade é esta: diz que já tinha previsto estas alterações há muitos anos; contudo, não compreendo essa afirmação, porque o PSD governou com maioria absoluta durante 10 anos e nunca tomou iniciativas nesse domínio. Durante este tempo todo, só agora, em vésperas de eleições, é que o faz!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso não é verdade!

O Orador: - É verdade, Sr. Deputado!
Mas não vale a pena ir por esse campo. Aliás, isso não tinha qualquer mal, porque há sempre um momento para as pessoas repensarem.
Não podemos estar sempre a olhar para trás. Há evoluções naturais e normais e só o reaccionarismo, no que tem de pior, é que justifica que tudo fique sempre na mesma, mesmo quando fica pior. Não é esse o nosso ponto de vista, nem é essa a nossa maneira de ver a vida nem a política.
A segunda coisa que lhe quero dizer, que considero importante, tem a ver com o exemplo que deu da alteração da lei eleitoral para a Presidência da República. Esse exemplo não é passível de comparação, porque, nesse caso, o que se queria era aumentar a participação, alargar o número de votantes, acabando com uma discriminação tremenda entre uns e outros.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas alterou-se!

O Orador: - Desculpe, mas é a mesma coisa que, num estádio de futebol, alterar a composição das bancadas ou alterar as regras do jogo! São coisas totalmente diferentes!

Aplausos do CDS-PP.

O senhor quer alterar as regras do jogo e não a composição da bancada! Essa é que é a questão! Compreende? Portanto, uma coisa não tem rigorosamente nada a ver com a outra.
Aconselho-o a ler o Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, que disso sabe com certeza mais do que nós. Remeto-o para essa leitura, sem mais comentários! Tudo o que ele diz nesse domínio é verdade!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, tem de terminar.

O Orador: - Se calhar, o ideal era seguir o conselho do Dr. Luís Filipe Menezes. Oiçam as autarquias, não façam leis destas a correr, oiçam o País, façam uma ampla consulta e, então, com os pés bem assentes na terra, façamos todos, em conjunto, uma lei diferente.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Vou fazer alguns comentários, poucos, bem como uma breve intervenção justificativa do projecto de lei que o Bloco de Esquerda apresenta.
O primeiro comentário vem na sequência da última intervenção e é sobre as regras do jogo.
Confesso a minha perplexidade, porque julgo que, em poucos meses, o jogo foi invertido.
Concordo em absoluto com a tradição de seriedade política, segundo a qual em anos de eleições não se mudam as regras do jogo. Essa tradição foi aqui invocada pelo Partido Socialista há uns meses atrás, quando o CDS-PP, num ano de eleições, quis mudar o sistema eleitoral na Região Autónoma da Madeira.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - É verdade!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Exactamente, os círculos eleitorais!

O Orador: - Mas agora as coisas inverteram-se: o CDS-PP defende, e bem, essa tradição, mas o Partido Socialista já não a defende.
Confesso que tudo isso tem um pouco a ver com as conveniências e os interesses de cada formação política. Não terá é muito a ver com um certo espírito republicano

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destas coisas e com o sentido de cidadania que lhe atribuímos.
Defendemos que, se houver uma maioria qualificada que permita aprovar alterações à legislação eleitoral para as autarquias, as alterações não deverão produzir efeitos nas próximas eleições autárquicas, atendendo a este princípio.
Poderemos, do nosso ponto de vista, aceitar uma excepção no que respeita às listas de cidadãos independentes, porque aí não há qualquer novidade, nem qualquer factor surpresa, uma vez que é algo que já tinha cobertura constitucional, havendo meramente uma concretização técnica.
O segundo comentário tem a ver com o problema da limitação, nas autarquias locais, dos mandatos do presidente de câmara e dos vereadores com funções executivas.
Foi argumentado pelo Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública que o projecto de lei do Bloco de Esquerda seria inconstitucional, fazendo-o de uma forma abreviada. Parece que o Sr. Ministro não leu o projecto de lei do Bloco de Esquerda, que não era difícil de ler, pois tem apenas um artigo.
Sr. Ministro, tivemos o cuidado de estudar o acórdão do Tribunal Constitucional que declarou inconstitucional uma lei aprovada na Assembleia da República, pelo PSD e pelo defunto PRD, procurando não incorrer naquilo que negativamente foi apontado a esse diploma, ao tempo. Ou seja, procurámos, no nosso projecto de lei, não limitar a capacidade eleitoral do candidato mas, sim, por uma outra forma, diminuir a capacidade de acesso ao cargo.
Convenhamos que é uma solução de via estreita, mas tantas e tantas outras têm sido aqui adoptadas reivindicando a melhor jurisprudência. Diga-se, em abono da verdade, que, com seriedade intelectual, podemos depreender que em futura revisão constitucional a situação será clarificada e reforçada, mas até lá poderia não perder-se a oportunidade de integrar esse dispositivo na lei.
Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública, não creio que o Professor Jorge Miranda ou outras pessoas tenham «ido ao desporto errado» quando sustentam a constitucionalidade da limitação de mandato, ou seja, vão até mais longe do que aquilo que propomos.
Reclamo agora um argumento de ordem política. Imagine-se, para mal do País e das instituições democráticas, que a proposta de lei do Governo era aprovada. Aumentando consideravelmente os poderes dos presidentes das câmaras municipais na escolha do executivo, num domínio quase completo da sua actividade política, ainda mais se justificaria a limitação do respectivo mandato.
Aumentar extraordinariamente os poderes do presidente da câmara municipal sem ocorrer sequer um enfraquecimento do período temporal em que consecutivamente um cidadão pode ser o edil municipal é extremamente negativo, aliás, muitas outras pessoas se têm pronunciado neste sentido.
A nossa opinião é que faz mal o PS em não se abrir a esta possibilidade. Ou será que devemos inferir que se trata apenas de uma regra que também não tem propriamente uma doutrina política mas, sim, a geometria variável dos interesses eleitorais e da protecção de autarcas eleitos? Será que devemos fazer esta aferição? Do ponto de vista da doutrina, não se entende por que o PS não aceita esta proposição.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostávamos de apontar a este debate a sua incompatibilidade com a ideia de que é preciso fazer alguma coisa no sistema político para que ele seja mais participado. Há aqui, efectivamente, uma incompatibilidade: enquanto esperaríamos que fosse acrescida a participação, reforçados mecanismos de transparência e de fiscalização, nada disso sucede. O que sucede é exactamente o inverso, ou seja, um maior centralismo e uma blindagem de um problema inexistente em nome da governabilidade e de um determinado conceito de estabilidade.
A opinião do Sr. Deputado Jorge Lacão é também extremamente curiosa. Já não vou recordar que, há uns anos atrás - já lá vão alguns -, ouvi o Sr. Deputado defender opiniões exactamente opostas à existência de listas de independentes. Dizia, na altura - mudou de opinião, e muito bem -, que isso promovia o caciquismo local. Era esta a posição do PS, à época.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Quando é que isso foi?

O Orador: - Recordo os anos de 1987 e 1988.
Sei que é um ano da graça já antigo, mas considero curioso, Sr. Deputado, que, hoje em dia, consiga extremar a sua posição e venha criticar nos outros partidos que querem, a partir das câmaras municipais, montar aparelhos de implantação e que têm algum egoísmo partidário que estão a sobrepor ao interesse público. Aliás, este é um argumento também convexo, convenhamos, porque, por outro lado, só confirma que os partidos maioritários estão a fazer exactamente isso.
Em todo o caso, o que entendemos de tudo isto é que se encontrou uma solução de «pernas ao ar» e que, com promessas e anúncios de que vamos continuar alterações ao sistema eleitoral, com mais centralismo e maior blindagem do sistema político, não estamos a contribuir para a diminuição da abstenção, para a aproximação dos cidadãos à coisa pública e para uma democratização da democracia, o que, forçosamente, teremos aqui que lamentar.
Gostaria de dizer que não temos qualquer desconsideração em relação aos autarcas, não consideramos que eles tenham lepra ou qualquer outra sintomatologia que seja associada ao léxico deste debate político. O que consideramos é que, tendo os autarcas, exactamente pela sua proximidade pessoal, uma maior capacidade de influência directa sobre as pessoas, portanto, um maior poder pessoal, é também na perversidade dessa relação que temporalmente deve ser limitado o seu mandato, sendo esse o sentido do projecto de lei que apresentámos.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado José Egipto e o Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Egipto.

O Sr. José Egipto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, o projecto de lei do Bloco de Esquerda, como acabou de referir, tem só um artigo. Ora, é exactamente sobre esse artigo e sobre a «Exposição de motivos» do

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vosso diploma, hoje em discussão, que quero colocar algumas questões.
A primeira pergunta tem a ver com a limitação dos mandatos. Considera o Sr. Deputado que perante repetidas reeleições de presidentes de câmara municipal se está perante uma situação de legitimidade diminuída? Colocada a questão de outra forma, considera o Sr. Deputado que a bondade política estará com as vanguardas, que sucessivamente perdem eleições para autarquias locais, seja nas câmaras municipais, seja nas freguesias?
Sr. Deputado, uma vez que o vosso diploma contém só um artigo, queria colocar-lhe uma segunda questão. Na vossa «Exposição de motivos» referem que a ilimitação de mandatos estimula o estabelecimento de relações clientelares. Gostaria de perguntar se é mesmo instituído que as relações clientelares, referidas na vossa «Exposição de motivos», desapareceriam com a limitação de mandatos.
Como é preocupação do Bloco de Esquerda a limitação do mandato dos autarcas, seja de municípios, seja de freguesias - no vosso projecto de lei só referem os municípios e não as freguesias, não entendemos porquê -, porque não deixam essa limitação do mandato à vontade do povo, que tem dado provas de maioridade nas eleições em que tem participado, quando o mesmo considere que um presidente de câmara ou de junta de freguesia já está há demasiado tempo a exercer a sua função?
São estas as questões que pretendia colocar-lhe, Sr. Deputado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): - Nem os deixam votar na assembleia municipal!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Egipto, muito obrigado pelas questões que colocou.
Já agora, como fomos ambos autarcas na cidade de Lisboa, quero dizer que uma outra coisa que me surpreende extraordinariamente é a diminuição do número de vereadores da Câmara Municipal de Lisboa, aliás, sem qualquer critério demográfico ou sentido aparente. Ainda não ouvi a posição da Câmara Municipal de Lisboa sobre este aspecto, pelo que é algo que também me preocupa.
Indo directamente às questões que colocou, a melhor prova que posso invocar, neste momento, é uma intervenção de há pouco, do Sr. Deputado Jorge Lacão, em relação a relações clientelares que até podem estabelecer-se nas câmaras municipais.
É evidente para todos que determinado tipo de proximidade que existe entre os cidadãos e o poder, que é muito personalizado - não estamos a falar de um órgão unipessoal, mas de um poder, de facto, muito personalizado -, cria algumas condições para situações clientelares. Não gostaria de estar aqui a descrever algumas dessas situações que são bem conhecidas. Portanto, não temos o princípio da desconfiança de ninguém, mas temos a obrigação de tentar acautelar estas situações.
Por outro lado, há a questão política principal, visto que os presidentes de câmara podem, efectivamente, eternizar-se, durante mandatos e mandatos.

O Sr. José Egipto (PS): - Isso tanto acontece num mandato ou em cinco!

O Orador: - Dir-me-á que isso resulta da legitimidade democrática. Não o nego. Mas dir-lhe-ei que haverá uma capacidade de rotação e de evolução democrática muito maior se houver essa limitação de mandatos. Isso também me parece bastante adquirido e evidente e não defrauda a vontade popular. Não defrauda em relação a um órgão para o qual não podemos fazer uma analogia directa, que é o órgão unipessoal Presidente da República, pelo que não percebo por que razão politicamente entenderemos que iria defraudar a vontade popular em relação aos cidadãos.
Não vou comentar muito a sua dialéctica sobre as vanguardas e as maiorias eleitorais. No entanto, digo-lhe que hoje precisamos de ter algum cuidado. Há pouco mais de 20 anos, participei em todos os debates que existiram sobre as virtualidades da democracia representativa, que sempre defendi, contra os vanguardismos revolucionários
Sr. Deputado José Egipto, qualquer dia, aqueles que votam são uma vanguarda.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública.

O Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, devo dizer que li o seu projecto de lei e li e estudei o acórdão do Tribunal Constitucional de 1991, sobre a limitação dos mandatos. E porque li e estudei, sei que os artigos que se aplicavam na altura - os artigos 50.º e 18.º, n.os 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa - são os aplicáveis agora.
Por isso, a pergunta que lhe faço é a seguinte: o Sr. Deputado diz que o cargo de presidente ou de vereador a tempo inteiro não pode ser exercido pelo mesmo cidadão por mais de dois mandatos consecutivos. Mas o Tribunal Constitucional entendeu que esta forma de soluções colidia com o artigo que é aqui aplicável, que é o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. Diz este artigo que «A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição (…)»
Este caso, que os senhores apresentam, não está expressamente previsto na Constituição…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Claro!

O Orador: - … e, por essa razão, é inconstitucional. O Tribunal Constitucional, em 1991, tomando em linha de conta uma posição que não acolheu, existente embora, do Prof. Jorge Miranda, por unanimidade, nesta matéria,…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Exactamente!

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O Orador: - … considerou que era inconstitucional. A razão é rigorosamente a mesma no plano legal e constitucional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Aliás, basta ler o artigo da Constituição!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Reforma do Estado, eu não sou constitucionalista - sou, até, um leigo nestas matérias -,…

Vozes do PS: - Ah!

O Orador: - … mas informo-me.
Agora, já estamos, de facto, a debater e não a falar de stick e de modalidades desportivas diversas, que o calor de uma determinada hora do debate trouxe.
Reconhecemos que esta dificuldade existe, talvez com maior acuidade, nos projectos do CDS-PP e do PSD, mas procurámos ladear, sabendo que a via é estreita - já o tinha dito -, imputando aqui esta limitação não à capacidade eleitoral mas ao exercício do cargo.
Diz-me o Sr. Ministro que é taxativo em relação aos casos previstos na Constituição. Nós temos uma leitura de que não é tão taxativo. Assim, valeira a pena verificar se, numa outra leitura futura e aqui encontrando uma outra solução jurídica, o Tribunal Constitucional viria a ter idêntica opinião.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Casimiro Ramos.

O Sr. Casimiro Ramos (PS):- Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Em Junho do ano 2000, o Governo entregou nesta Assembleia uma proposta de alteração à lei eleitoral e a outros diplomas legais, dando forma ao previsto no seu programa eleitoral, no que diz respeito à revisão do sistema de governo local, como um dos desafios para aprofundar a qualidade da democracia.
Tal objectivo, do ponto de vista do Governo e do PS, contribuirá para a melhoria das condições do exercício dos órgãos, quer no que respeita à função executiva quer quanto às funções de acompanhamento e de fiscalização.
Sr.as e Srs. Deputados: Se é verdade que, ao longo do último quarto de século, o sistema em vigor foi posto à prova e evidenciou as suas virtudes, também é verdade que o mesmo não conseguiu ofuscar os defeitos que lhes estão inerentes, nomeadamente o enfraquecimento da dinâmica da política local nos órgãos autárquicos e nas estruturas partidárias, gerando-se uma confusão no eleitor e uma desresponsabilização dos eleitos.
A discussão das propostas em apreciação tem estado centrada, essencialmente, em torno de dois aspectos: a proposta de constituição de executivos e o reforço das competências das assembleias.
No que respeita ao primeiro aspecto, cabe, pois, avaliar as vantagens das alterações propostas em contraponto com o sistema actual. A argumentação que sustenta o bom funcionamento do sistema actual não nos inibe de afirmar que poderá funcionar melhor. Na verdade, este mesmo argumento é um reforço para que se proceda à alteração proposta.
Se o sistema tem funcionado bem em 4241 freguesias - autarquia considerada por excelência como aquela que está mais próxima das populações -, já hoje o seu executivo é escolhido pelo presidente, eleito em lista única de entre os membros da assembleia e que, na grande parte das freguesias, opta por constituir um executivo homogéneo ou, então, gerindo consensos entre as várias sensibilidades políticas.

Vozes do PS: - É verdade!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Trata-se, portanto, de aplicar a esta fórmula de sucesso aos municípios, cuja maturidade democrática também já está comprovada.
A preocupação de realizar uma reforma do sistema de governo local só pode estar concentrada no objectivo de melhor servir as populações. São, por isso, secundárias as preocupações de resolver problemas partidários ou de titulares de órgãos.
Pode ser importante para os partidos a avaliação de que podem perder ou ganhar mandatos, mas para as populações o importante é que se cumpram as promessas eleitorais e que os executivos prestem contas àqueles que lhes confiaram o voto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Argumenta-se, também, que a existência de vereadores da oposição no executivo contribui para uma fiscalização da acção do mesmo, atribuindo-lhe maior credibilidade.
Pois bem, em primeiro lugar, o vereador, uma vez eleito, não é o vereador da oposição, é o vereador da câmara, eleito por um partido que está na oposição. Faz, portanto, parte de uma equipa que tem um programa para cumprir.
Sr. Presidente, é profundamente perverso que um eleito, em nome de um projecto, seja parte co-responsável na execução de outro projecto, que não é o seu.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Vive-se, aliás, uma situação em que os vereadores eleitos pelos partidos que ficam na oposição, ou são um alibi para a presidência da câmara, por vezes, promiscuamente utilizados - e gostaria de dizer ao Sr. Deputado António Filipe que a pergunta que, há pouco, dirigiu aos vereadores socialistas na oposição, sem pelouros, deve ser dirigida aos vereadores da CDU com pelouros em câmaras do PSD -,…

O Sr. José Egipto (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - … ou, então, um contrapoder que, utilizando a parlamentarização do executivo, faz política no órgão inapropriado para tal, comprometendo a concretização atempada de um projecto, em prejuízo da resolução dos problemas das populações.

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O Sr. João Amaral (PCP): - Pode traduzir?

O Orador: - Sr.as e Srs. Deputados: As autarquias têm sido um lugar em que a pluralidade de concepções do bem comum também dá origem a uma certa conflitualidade. É perverso que aqueles que integram uma equipa em nome da pluralidade de opiniões dêem origem a uma conflitualidade de interesses, que se traduzem negativamente na resolução do bem comum, quer por parte de quem está no poder quer por quem foi eleito pelo partido da oposição.
Também é perverso que, podendo os eleitos na oposição assumir uma posição de voto diferente, a mesma, uma vez vencida, não está diminuída de solidariedade com a decisão final nem diminui a legitimidade da decisão.
Manter o modelo em nome da credibilidade significa atribuir competências aos vereadores, que não estão na lei.
Mas essa também não é a questão. A questão é que os vereadores não são fiscais mas executivos também sujeitos a fiscalização.
Os executivos devem prestar contas sobre a sua acção política, mas o local de discussão e fiscalização da sua actuação é a assembleia municipal, através das competências que a lei expressamente lhe consagra e das propostas de alteração, agora em discussão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É necessário garantir que a assembleia municipal seja o centro de gravidade do debate político e o local onde tomam visibilidade as alternativas políticas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O modelo actual tem o eleitor confuso. Não percebe quem o representa na oposição: se os membros da assembleia municipal, se os vereadores. O eleitor precisa de saber quem de direito defende os seus interesses e quem tem o dever de assumir responsabilidades.
A reforma proposta também não é para resolver questões de relacionamento entre instâncias locais, regionais ou centrais da Administração Pública, é, sim, para resolver, com eficácia e eficiência, a gestão operacional e permitir a clara assunção de responsabilidades do executivo perante os munícipes.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Uma visão moderna do poder local exige que os objectivos prioritários assentem em estratégias de desenvolvimento sustentado, que promovam a coesão social e esta só é possível com uma acção coerente e responsável.
Convém, portanto, desmistificar que não há retorno a cargos singulares. O executivo continuará a ser um órgão colegial, homogéneo ou não, consoante as possibilidades, vontades ou circunstâncias.
A clarificação das responsabilidades é um contributo indispensável para a melhoria da qualidade da democracia.
As propostas de alteração à lei não apresentam qualquer norma que altere competências do presidente da câmara no sentido de se concentrarem poderes, bem pelo contrário. A imposição de dispor de vereadores com tempo atribuído obrigará a uma maior descentralização de funções e competências.
É inaceitável que se argumente que as alterações propostas conduzem a situações de manipulação clientelar ou que são promotoras de actos de corrupção. Partir destes pressupostos é considerar, à partida, que todos os autarcas são potenciais irresponsáveis ou desonestos.
Esse princípio rejeitamo-lo em absoluto.

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PCP.

O Orador: - Os autarcas são homens bons, homens de bem e que, acima de tudo, merecem o nosso respeito.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: É nesse devido respeito que apoiamos um claro reforço das competências das assembleias municipais, considerando que esse é o local privilegiado para a acção política.
Para exercer com dignidade o papel de acompanhamento e fiscalização do executivo a assembleia municipal carece de um reforço de meios e competências. É preciso dar vida às assembleias municipais que, sem generalizar, têm, no momento, um papel amorfo. E a forma de as activar passa, inequivocamente, por lhes dar condições de funcionamento adequadas às exigências que lhes são pedidas.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - A dignificação deste órgão, conforme o previsto na proposta do Governo, enriquece a participação dos seus membros e clarifica a responsabilidade dos representantes dos eleitores. Permite uma melhor participação do cidadão, que saberá quem é o seu representante no órgão autárquico, onde se debate e se apresentam as propostas que ele apoia, enquanto que hoje, em geral, o eleitor não sabe para que serve a assembleia municipal. A assembleia municipal será o garante da transparência e o órgão privilegiado para efectuar o controlo da acção executiva.
Os membros das assembleias municipais libertar-se-ão da inibição a que hoje estão sujeitos pelo facto de estarem confrontados com as posições tomadas ou não pelos seus pares, eleitos no executivo.
Esta é a grande oportunidade para todos aqueles que integram as assembleias municipais se sentirem úteis no desempenho do cargo para que foram eleitos,…

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - … provarem a sua dinâmica, não só pela capacidade de intervenção mas também pela capacidade de se organizarem em grupos de trabalhos ou em comissões especializadas, onde realmente se debatam os problemas da autarquia.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Deve-se ao PS, ainda enquanto governo minoritário, a elaboração e promulgação de legislação que deu corpo e expressão legal à construção do poder local democrático - aquilo que constituiu a primeira fase do poder local.
Estamos convictos de que, com as propostas do Governo, o poder local poderá encetar uma nova fase na sua modernidade. As alterações propostas consubstanciam

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uma reforma séria, responsável e adequada à melhoria da qualidade da democracia.
Compreendemos que alguém, hoje disponível para ser vereador, com o novo sistema, não esteja disponível para ser membro de uma assembleia municipal.
Compreendemos, também, alguns sectores que, sistematicamente, são adversos à mudança, mas a melhoria da qualidade democrática não se compadece de preconceitos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Se fosse por isso…!

O Orador: - O sentido da reforma também não é reduzido a uma questão de poder. 10% das câmaras municipais com maioria relativa talvez não o justificassem. Mas esse reduzido número de câmaras em maioria relativa justifica que o objectivo principal da reforma não é uma questão de poder.
Aliás, se fosse uma questão de poder, ainda estaria por discutir se, afinal, a preocupação de alguns adversos está no medo de perderem o poder e, portanto, agarrados ao presente modelo.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Trata-se de alterar para melhorar.
Esse é, claramente, o objectivo do Governo e do PS. É por isso que nos propomos colaborar no sentido inequívoco de contribuir para a resolução mais eficiente, eficaz e democrática dos problemas dos portugueses.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado Casimiro Ramos, o Sr. Deputado António Filipe inscreveu-se para lhe formular um pedido de esclarecimento, mas o senhor não tem tempo para responder. No entanto, a Mesa concede-lhe 2 minutos para o efeito.
Assim, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Vem agradecer o mérito da intervenção!

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Casimiro Ramos, referiu como sendo uma malfeitoria dos vereadores do PCP o facto de, na Câmara Municipal de Arruda dos Vinhos, onde o próprio Sr. Deputado também é vereador, haver um vereador da CDU que tem pelouro, apesar de o executivo camarário ser de maioria PSD. Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que tal é naturalíssimo e corresponde à nossa forma de estar nas autarquias.
Aliás, o Sr. Deputado sabe que, quando o executivo camarário de Arruda dos Vinhos era de maioria PS, também havia vereadores da CDU com pelouros. Portanto, não há qualquer atitude diferente relativamente à maioria que detém o poder executivo na câmara municipal, pois, repito, corresponde à postura dos vereadores comunistas trabalharem em benefício das populações e participarem na gestão autárquica através dos pelouros que lhes sejam distribuídos, naturalmente desde que tal seja uma solução considerada aceitável, quer pela maioria quer pelos próprios vereadores.
É, pois, naturalíssimo encontrar, quer em câmaras com maioria PS quer nas que têm maioria PSD, vereadores comunistas a trabalhar para o bem das populações.
Devo dizer-lhe que, de igual modo, há vereadores socialistas que têm pelouros em câmaras com maioria CDU. Veja, por exemplo, o caso da Câmara Municipal de Loures ou o da Amadora onde, até há três anos, enquanto houve maioria CDU, sempre existiram vereadores socialistas que detinham pelouros. O Sr. Deputado Armando Vara teve o pelouro do trânsito na Câmara Municipal da Amadora quando esta estava sob presidência CDU e achamos isso muito bem.
De facto, não vimos por que razão qualquer vereador, representante de uma força política, que esteja interessado em trabalhar em benefício das populações não há-de fazê-lo, independentemente da «cor política» - permita-se-me a expressão - de quem tenha a presidência do executivo camarário.
Ora, pelos vistos, da vossa parte há uma atitude diferente. Os Srs. Deputados entendem que de duas, uma: ou o presidente da câmara é do Partido Socialista ou, em caso contrário, os vereadores do Partido Socialista não devem «fazer nenhum»!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Ou seja, ou são maioria e trabalham, ou não são maioria e, então, não fazem nada, vão-se embora, desertam!
Assim, fiquem descansados os eleitores que votaram no Partido Socialista porque se este não ganhar a presidência da câmara os vereadores do PS vão-se todos embora…!
O Sr. Deputado acha que é assim que se respeita a vontade popular, dos eleitores? Cremos que não!

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Sr. Deputado, pelos vistos, para o Partido Socialista, o que é terrível é haver oposição: um presidente de câmara ter sentados, a seu lado, vereadores representantes de outras forças políticas?! Que coisa horrível! Que grave entorse à democracia!
Sr. Deputado, quero dizer-lhe que, pela nossa parte, temos uma atitude completamente diferente.
Para terminar, faço-lhe duas perguntas.
Como é que o Sr. Deputado defende essa autêntica fraude que é a proposta segundo a qual uma moção de censura tem de ser aprovada por maioria de dois terços? Acha que isso faz algum sentido?
Por fim, como é que considera o facto de haver uns membros de assembleias municipais «de primeira» e outros «de segunda», na medida em que privam os presidentes…

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, terminou o seu tempo.

O Orador: - Então, terminei, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado Casimiro Ramos, a Mesa concede-lhe 2 minutos para responder.
Tem a palavra para o efeito.

O Sr. Casimiro Ramos (PS): - Obrigado, Sr. Presidente, por me dar oportunidade de responder às perguntas for

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muladas pelo Sr. Deputado António Filipe, as quais também agradeço.
Do meu ponto de vista, ficou clara a razão pela qual o PCP coloca tantos entraves e tantas questões a esta reforma que agora é proposta. É que, efectivamente, não percebeu o que se pretende.

Vozes do PCP: - Ah…!

O Orador: - Logicamente que, nas circunstâncias actuais, há vereadores de outros partidos que detêm pelouros e a questão que se coloca é a de saber qual é o programa que os vereadores da CDU estão a cumprir nas câmaras em que têm pelouros mas cuja presidência não é da CDU. É o programa da CDU ou o do partido que detém a maioria? É sobre essa promiscuidade política que o eleitor quer pedir responsabilidades e quer saber, em relação a quem votou, qual o programa que é para cumprir.

Protestos do PCP.

E o PCP não entendeu isso. Nós queremos clarificar que aquele que, perante o eleitor, disse que ia fazer é quem presta contas; já VV. Ex.as querem estar em todo o lado, querem ter uma «perninha», uma «coisinha» a fazer em todo lado, para depois dizer «nós estamos a colaborar com as populações». Como? Sob que projecto? Colaboram no projecto de outro partido? É essa a questão que VV. Ex.as têm de entender.
Também quero responder-lhe muito claramente a outra questão…

Protestos do Deputado do PCP António Filipe.

Se me interrompe, não vai poder ouvir a resposta!
Sr. Deputado António Filipe, permita-me que lhe diga que, ao colocar a questão da maioria de dois terços nas moções de censura da forma como o faz, o argumento vira-se contra si próprio.

Vozes do PCP: - Explique isso!

O Orador: - É muito simples: se os senhores pretendem estabilidade, se entendem que, ao longo de muitos anos, não houve tanta instabilidade, então, é criada uma norma de estabilidade para que não estejamos constantemente em eleições, que é o que os senhores pretendiam,…

Risos do PCP.

… exactamente para criarem um clima de instabilidade e de campanha eleitoral! Esse é, repito, um argumento que se vira contra VV. Ex.as.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os Verdes discordam inteiramente de algumas propostas que estão hoje em discussão, fundamentalmente por iniciativa do Governo PS e do Grupo Parlamentar do PSD.
Na verdade, consideramos que estes partidos políticos se preparam para desferir um golpe profundo na nossa democracia, deformando o nosso sistema eleitoral para as autarquias locais, retirando aos cidadãos um direito conquistado e que exercem há 25 anos, o direito de eleger a sua câmara municipal.
Das propostas apresentadas, esta, dos executivos saídos das assembleias e escolhidos pelos presidentes, parece-nos, de facto, aquela que mais atenta contra os princípios democráticos conquistados pelo 25 de Abril e que deveriam ser consolidados ao longo dos anos, a que mais afronta um poder local, necessariamente plural, que tem dado provas de contribuir em primeira linha para a melhoria da qualidade de vida e para o bem estar das populações.
Os argumentos avançados para uma suposta necessidade imperiosa de executivos monocolores é que são incríveis: estabilidade e governabilidade! Como se tudo fosse uma desgraça até agora, como se as câmaras municipais andassem a «cair» todos os dias, como se eleições intercalares acontecessem todas as semanas, como se encontrar uma câmara municipal com maioria absoluta fosse quase impossível (quando na verdade a grande maioria das câmaras têm essa composição), ou até como se as câmaras municipais com maioria relativa não conseguissem de todo aguentar-se e dirigir os destinos do concelho!
Sr Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: O que significará estabilidade e governabilidade para o PS? É governar com poder absoluto, livre da «chatice» que é ter outros a controlar o que se faz ou o que se deixa de fazer?

Vozes do PCP: - Exactamente!

A Oradora: - É poder, por isso, escolher todo um executivo a dedo, admitindo só quem não importune?
Como costuma referir uma vereadora dos Os Verdes, que integra um executivo de maioria absoluta CDU, «quando levamos as propostas para a câmara municipal temos o cuidado de as trabalhar bem, porque sabemos que alguém, portanto, os vereadores da oposição, vai estar potencialmente virado para pegar no mais pequeno pormenor de falha das nossas propostas. Elas são, por isso, rigorosamente trabalhadas». É o que afirma, por experiência, esta vereadora.
Com executivos monocolores, a tendência seria para abdicar deste rigor e muitas coisas não seriam tão transparentes, porque até a ânsia da celeridade, muitas vezes, daria contornos pouco claros a muitas questões.
A pluralidade nas câmaras municipais é um incentivo claro para que uma maioria cumpra melhor o seu papel e é uma oportunidade para que a oposição, que representa parte dos eleitores, tenha conhecimento mais pormenorizado das medidas a implementar no concelho e as possa fiscalizar efectivamente.
Entretanto, a proposta do Governo pressupõe, no processo de intenções dos subscritores, um reforço dos poderes de fiscalização dos órgãos deliberativos. Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que o PS faz é manter as assembleias constituídas nos moldes actuais com a pos

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1884 | I Série - Número 46 | 08 de Fevereiro de 2001

 

sibilidade acrescida de apresentação de uma moção de rejeição que só inviabilizará o executivo escolhido pelo presidente e o seu programa se obtiver 2/3 da votação. Ora, exigir esses 2/3 é a mesma coisa que propor que fique tudo na mesma, sendo até que, para Os Verdes, o reforço dos poderes de fiscalização de uma assembleia não passa por haver ou não possibilidade de apresentação de moções de rejeição ou de confiança.
É que, na lógica do PS, retirando por completo a oposição das câmaras municipais, então, deveriam ter a coragem de inovar, criando «mini-assembleias da república» locais, com os membros eleitos a exercer funções a tempo inteiro, tendo disponibilidade para fiscalizar com rigor e com possibilidade de acesso à informação regular e atempada do executivo. E, mesmo assim, sabemos como é aqui na Assembleia da República: às vezes não é nada fácil inteirarmo-nos de certas matérias, por dificuldade de acesso a documentos que consideramos importantes e imprescindíveis para o nosso trabalho de fiscalização do Governo.
Aos argumentos aduzidos na proposta do Governo só faltava dizer que os boletins de voto são muitos e que é preciso reduzi-los, porque são capazes de fazer muita confusão aos eleitores! Tão inacreditável seria ouvir este argumento, como inacreditável é aquele que consta, de facto, da proposta de lei: a de que a fácil adjectivação pejorativa utilizada pelas oposições também faz o Governo avançar com a presente proposta de lei. Isto chega ao ridículo!
Gostaria ainda de sublinhar que, no final do ano transacto, a Associação Nacional de Municípios Portugueses considerou não ser prioritária a discussão deste assunto, de alteração do sistema de eleição e formação dos órgãos autárquicos, definindo como verdadeiramente urgentes a regulamentação das competências e a revisão dos critérios de distribuição dos fundos municipais.
O certo é que as autarquias continuam estranguladas financeiramente e, provavelmente, é tempo de o PS perceber que a pouca dinâmica política local (outro argumento do PS para justificar a presente proposta de lei), a menor capacidade de execução por parte das autarquias locais não se deve à actual composição dos seus órgãos. Deve-se antes, com certeza, ao estrangulamento financeiro de que são vítimas permanentemente.
Quanto às propostas de limitação de mandatos consecutivos, Os Verdes entendem que devem ser consideradas, ainda para mais pela ameaça que constituem as actuais propostas do PS e do PSD, de personalização autárquica e como forma de não pactuar nem permitir a eternização de poderes, ainda para mais absolutos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como dizia ontem o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Santarém, eleito nas listas do PS, numa reunião/sessão sobre o problema das barreiras e muralhas da cidade, «não é pela unanimidade, é pelo múltiplo que se representam as populações».
Negar a pluralidade nos executivos dos órgãos autárquicos é negar a representação de uma parte dos cidadãos eleitores, é negar o princípio da proporcionalidade, é pugnar pela falta de rigor e pela falta de transparência na respectiva gestão. Não acredito que PS e PSD não tenham consciência disso. Governabilidade e estabilidade sinónimo de poder absoluto? Os Verdes dizem: «não obrigado!».

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Não havendo inscrições para pedidos de esclarecimento, dou por terminado o debate.
Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 15 horas, e, para além do período de antes da ordem do dia, que contará com o debate de actualidade sobre a situação na TAP, terá como ordem do dia a apreciação do projecto de resolução n.º 108/VIII, a discussão conjunta da proposta de lei n.º 56/VIII e dos projectos de lei n.os 200/VIII (PSD) e 363/VIII (PCP), a discussão do projecto de lei n.º 319/VIII (PCP) e ainda a discussão conjunta dos projectos de lei n.os 347/VIII (PS), 355/VIII (Os Verdes), 369/VIII (PCP) e dos projectos de resolução n.os 103/VIII (BE) e 104/VIII (CDS-PP).
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 20 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão

Partido Social Democrata (PSD):
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Pedro Miguel de Azeredo Duarte

Partido Popular (CDS-PP):
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
José Miguel Nunes Anacoreta Correia

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
António Alves Martinho
António de Almeida Santos
Eduardo Ribeiro Pereira
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Francisco dos Santos Valente
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge

Partido Social Democrata (PSD):
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
João Bosco Soares Mota Amaral
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Pedro Augusto Cunha Pinto

Partido Popular (CDS-PP):
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona

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