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1928 | I Série - Número 47 | 09 de Fevereiro de 2001

 

abandono ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, incluindo a violência sexual.»
Um dever de protecção contra um fenómeno que incide sobre um vasto número de maus tratos e violações dos direitos das crianças, que vão desde a prostituição à pedofilia, à exploração sexual para fins pornográficos, ao tráfico, passando pelas mutilações para se deter, também, no abuso e violência sexual, designadamente quando ocorridos no meio familiar.
É precisamente sobre essa violação dos direitos que o abuso sexual representa que o projecto de Os Verdes incide. Abuso sexual que surge normalmente englobado no conceito de maus tratos, mas que identifica uma situação de violência muito particular e traumatizante para a criança, comprometendo todo o seu processo de formação, violando a sua intimidade, atingindo os seus valores e processo de construção da sua identidade; abuso sexual que, se ocorre, é certo, no espaço público, também ocorre - há que enfrentá-lo - frequentemente no espaço familiar.
Um crime que, um pouco à semelhança do que acontece noutros países, emerge em Portugal não tanto como a realidade que é possível captar directamente mas como um fenómeno que, gradualmente, adquire maior visibilidade pelos seus sinais exteriores, captados, nem sempre de modo linear, pela escola e pela comunidade médica.
Um crime que, segundo o estudo feito a pedido da Assembleia da República, publicado pelo Instituto de Ciências Sociais, estudo esse que incidiu genericamente sobre maus tratos mas que identifica com uma expressão quantitativa assustadora a questão dos abusos sexuais, representa 13,5% do total dos maus tratos identificados.
Um crime que atinge, de forma esmagadora (em 80% dos casos), crianças do sexo feminino e, no tocante à faixa etária atingida, incide de forma mais marcante no grupo de crianças dos 10 aos 14 anos, mas que só num terço das situações relatadas é crime praticado por indivíduos sem qualquer relação de parentesco com a vítima, ocorrendo por isso - pode concluir-se - de forma muito expressiva em meio familiar.
Uma realidade assustadora que o Código Penal, aquando da sua revisão, ponderou no aumento de penas mas não fez corresponder a este crime, como a outros de maus tratos sobre as crianças, uma natureza pública. É, pois, em concreto, uma mudança no actual regime jurídico deste crime, hoje de natureza semi-pública, que Os Verdes pretendem, tendo em conta a necessidade absoluta de reforçar a protecção das crianças perante esta violação dos seus direitos e atenta a sua especial vulnerabilidade e dependência.
Crianças vítimas às quais não pode exigir-se discernimento para entender o alcance, o significado, a natureza do abuso e do crime de que são objecto, crime por norma, assim o demonstram os diversos estudos, protagonizado dentro da própria família por um agressor que tem, em regra, uma relação de domínio mas também muito próxima e de parentesco com a vítima criança.
Um crime que, conseguindo ou não a criança dar sinais indicadores sobre a sua perturbação, sofrimento e dor, verbalizada ou não a denúncia do agressor por parte da vítima, permanece, em regra, impune e silenciado no espaço privado da família, muitas vezes por culpabilização da própria criança e perante o silêncio cúmplice de testemunhas familiares.
É, pois, contra este silêncio e os «muros» que se erguem em torno da família e que, de modo mais brutal do que a própria agressão, vão pesar sobre a criança, marcar de modo insustentável toda a sua vida e exercer uma intolerável pressão psicológica impeditiva do seu pleno desenvolvimento como ser humano, que consideramos imperativo modificar o sistema jurídico e a natureza deste crime.
A nossa alteração vai, pois, no sentido de passar a incluir no elenco dos crimes públicos o crime de abuso sexual de crianças. É nossa convicção que, ao conferir-lhe esta natureza, se torna mais difícil que este crime prevaleça no domínio do privado, continue a ser um crime sem vítima, consentindo mais dificilmente a sua impunidade e, de algum modo perverso, continuando a permitir a desresponsabilização da própria comunidade perante uma realidade que, se se mantiver no domínio privado, mais facilmente lhe escapa.
Em suma, são as razões do interesse das crianças aquelas que estão subjacentes à nossa proposta e que nos movem. É nossa convicção que será importante, tendo em conta as diferentes propostas, encontrar um patamar comum que permita que hoje, ao contrário do que acontecia até aqui, estes direitos sejam acautelados de outro modo.
Todos reconhecemos, e disso mesmo nos dá conta o Tribunal de Família e Menores com a sua experiência, que os familiares - em muitos casos, a mãe - são, eles próprios, também vítimas da violência e vivem acossados pelo medo, pelo que tendem a esconder esta realidade.
Todos conhecemos que a situação actual favorece a impunidade do agressor mas, mais grave do que isso, favorece a reincidência do crime, expondo, por norma, mais tarde, não só a criança vítima como as suas irmãs a futuros abusos, ciclicamente reproduzindo uma dramática agressão familiar.
É pois, Sr.as e Srs. Deputados, neste contexto que vos apresentamos a nossa proposta e estamos abertos a discutir outras. E aqueles que, muito naturalmente, se interrogam sobre se não é traumatizante obrigar uma criança a enfrentar o tribunal, também não podem deixar de equacionar como é bem mais traumatizante obrigar uma criança a manter o segredo, o medo, a vergonha, ao longo da sua vida, como é violento expor uma criança indefesa a um abuso constante e brutal por parte de alguém que, no espaço que a devia proteger, a traiu. É, pois, em nome das crianças que este projecto de lei é apresentado e é em nome delas que apelamos à vossa compreensão.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para apresentar o projecto de lei n.º 369/VIII (PCP); tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Na quarta avaliação, feita no ano passado, a nível mundial, a propósito da aplicação da Declaração Final do Congresso de Estocolmo de 1996, sobre a exploração sexual de crianças e o comércio das mesmas para fins sexuais, registam-se alguns dados «interessantes», que não são bonitos.
Desde logo, consideramos elucidativo que a Holanda tenha descoberto, através de um estudo do seu instituto de pesquisas sociais, que 65,1% da prostituição de menores, na Holanda, seja constituído por crianças, raparigas e rapazes, holandesas ou que residem