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Quinta-feira, 15 de Fevereiro de 2001 I Série - Número 49

VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 14 DE FEVEREIRO DE 2001

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Manuel Alves de Oliveira
António João Rodeia Machado
António José Carlos Pinho

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.os 375 a 377/VIII, dos projectos de resolução n.os 110 e 111/VIII e de respostas a requerimentos.
O Sr. Deputado Lino de Carvalho (PCP), a propósito da aplicação dos Programas Ocupacionais Carenciados, acusou o PS de utilização dos respectivos subsídios em função dos interesses das autarquias socialistas. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Barbosa de Oliveira (PS) e António Capucho (PSD), tendo ainda prestado esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães), que usou da palavra em defesa da honra do Governo.
O Sr. Deputado Artur Penedos (PS) congratulou-se com a política do Governo em matéria de modernização da Administração Pública e criticou declarações de membros do PSD relativamente aos aumentos salariais para 2001 naquela área, tendo ainda manifestado satisfação pelos acordos de concertação social subscritos por todos os parceiros sociais com assento no Conselho Permanente de Concertação Social. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento da Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite (PSD).
A Câmara aprovou um parecer da Comissão de Ética relativo à substituição de um Deputado do PSD e à retoma de outro Deputado daquele partido.
O Sr. Deputado Machado Rodrigues (PSD), tendo em conta a situação sócio-económica do distrito de Bragança, exigiu do Governo o cumprimento de medidas anunciadas pelo Primeiro-Ministro aquando da discussão do Orçamento do Estado para 2001 em relação às regiões menos favorecidas e respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Manuel Queiró (CDS-PP).
Foi rejeitado o voto n.º 124/VIII - De saudação aos estudantes do ensino básico e secundário, que se manifestaram reivindicando a suspensão da reforma educativa (BE), tendo-se pronunciado, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, os Srs. Deputados Luís Fazenda (BE), David Justino (PSD), Ana Catarina Mendonça (PS), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Rosado Fernandes (CDS-PP) e Margarida Botelho (PCP).
Foi aprovado o voto n.º 125/VIII - De pesar pelo falecimento do actor Artur Semedo (PS, PSD, PCP, CDS-PP, Os Verdes e BE), tendo usado da palavra, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, os Srs. Deputados Fernando Seara (PSD), Manuel dos Santos (PS), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Telmo Correia (CDS-PP), Luís Fazenda (BE) e Octávio Teixeira (PCP), ao que se associou o Sr. Presidente. No fim a Câmara guardou um minuto de silêncio.

Ordem do dia.- Foi discutido, na generalidade, o projecto de lei n.º 348/VIII - Estabelece medidas de protecção do património urbano (CDS-PP), tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Telmo Correia (CDS-PP), Luís Fazenda (BE), Miguel Coelho (PS), David Justino e Miguel Macedo (PSD), Basílio Horta (CDS-PP), Margarida Botelho (PCP) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 6/VIII - Altera a Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto (Adopta medidas de protecção da união de facto) (Deputada de Os Verdes Isabel Castro), 45/VIII - Altera a Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto (Adopta medidas de protecção das uniões de facto) (Deputado do BE Francisco Louçã), 105/VIII - Adopta medidas de protecção das pessoas que vivam em economia comum (PS) e 115/VIII - Adopta medidas de protecção das uniões de facto
(PCP). Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Isabel Castro (Os Verdes), Jamila Madeira (PS), Helena Neves (BE), Ana Manso (PSD), Ricardo Castanheira (PS), Ana Catarina Mendonça (PS), Luís Fazenda (BE), Basílio Horta (CDS-PP), Odete Santos (PCP), Pedro Duarte (PSD), Telmo Correia (CDS-PP), Helena Roseta e Maria do Rosário Carneiro (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carla Maria Nunes Tavares Gaspar
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Cláudio Ramos Monteiro
Eduardo Ribeiro Pereira
Fernando Alberto Pereira Marques
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco José Pinto Camilo
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Isabel Maria Soares Pinto Zacarias
Jamila Barbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Cardona Gomes Cravinho
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António dos Santos
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Maria Diogo
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria José Vidal do Rosário Campos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Vítor Manuel Alves Peixoto
Vítor Manuel Caio Roque
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António d'Orey Capucho
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
António Paulo Martins Pereira Coelho
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Armindo Telmo Antunes Ferreira
Artur Ryder Torres Pereira

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Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Carlos Parente Antunes
Domingos Duarte Lima
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Francisco Baptista Tavares
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Joaquim Monteiro da Mota e Silva
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel Durão Barroso
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres Viegas C. da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Miguel Sancho Cruz Ramos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Manuel Cruz Roseta
Rui Fernando da Silva Rio
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
Alexandrino Augusto Saldanha
Ana Margarida Lopes Botelho
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Octávio Augusto Teixeira
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
António José Carlos Pinho
António Manuel Alves Pereira
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Mota Soares
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Paulo Sacadura Cabral Portas
Raul Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Maria Helena Augusto das Neves Gorjão

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do expediente.

O Sr. Secretário (Rodeia Machado): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram aceites, as seguintes iniciativas legislativas: projectos de lei n.os 377/VIII - Prevê o Programa Nacional de Combate às Alterações Climáticas (Os Verdes), que baixa à 4.ª Comissão, 375/VIII - Elevação da vila de Lagoa à categoria de cidade (Deputado do PSD Carlos Martins), que baixa à 4.ª Comissão, e 376/VIII - Define o número máximo de alunos por turma no ensino não superior (BE), que baixa à 7.ª Comissão; projectos de resolução n.os 110/VIII - Em defesa do ensino e divulgação da língua e da cultura portuguesa no estrangeiro (PSD) e 111/VIII - Relativo à adopção de medidas disciplinadoras da deslocalização de empresas (PCP).
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados, no dia 7 de Fevereiro: Bernardino Soares, na sessão de 25 de Maio; Luís Fazenda, no dia 13 de Setembro; Heloísa Apolónia, nas sessões de 11 de Novembro e 31 de Janeiro; Natália Filipe, na sessão de 18 de Outubro; Afonso Lobão, na sessão de 19 de Outubro; Francisco Assis, no dia 24 de Novembro; José Cesário, Cândido Capela e Margarida Botelho, na sessão de 30 de Novembro; Bruno Vitorino, Carlos Martins e Paulo Portas, na sessão de 6 de Dezembro; Pedro Mota Soares, na sessão de 13 de Dezembro; Ana Catarina Mendonça, António Reis, Jorge Lacão e Maria de Belém Roseira, na sessão de 31 de Janeiro.
Em matéria de expediente, é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se, para tratamento de assuntos de interesse político relevante,

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os Srs. Deputados Lino de Carvalho, Artur Penedos e Machado Rodrigues.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: «Podemos falar à vontade, camaradas». Não! Não me enganei, Srs. Deputados! Estou, simplesmente, a transcrever uma frase do que seria suposto ser uma reunião institucional entre o Governo, na pessoa do Secretário de Estado do Trabalho e Formação, os Governadores Civis de Évora, Beja e Portalegre, um representante do Governo Civil de Setúbal, a Delegada Regional de Emprego e Formação Profissional, a propósito da aplicação, no corrente ano, dos programas ocupacionais de emprego.
Por um daqueles azares do destino, eis que caiu na mesa de uma autarquia, no caso a Câmara Municipal de Évora, uma informação de rotina, assinada pelo Chefe de Gabinete do Secretário de Estado do Trabalho e Formação, informando que Sua Excelência o Secretário de Estado se deslocaria a Évora no passado dia 16 de Janeiro, pelas 10 horas, para uma reunião sobre os POC (Programas Ocupacionais Carenciados) nas instalações do Governo Civil. Diligentemente, como lhe competia, a Câmara decidiu enviar à citada reunião o seu Chefe de Divisão de Recursos Humanos e Formação, que, de repente, se viu caído numa estranhíssima reunião de quem pensou estar na sede do Partido Socialista.
Face a anunciados cortes nos POC, eis que o Governador Civil de Évora «lembrou ser este ano de eleições autárquicas, o que aconselharia a uma política de flexibilidade na aplicação da política exposta pelo Secretário de Estado, defendendo que os programas ocupacionais e as verbas a estes associados são importantes para assegurar vitórias eleitorais nas autarquias do distrito. Referiu como exemplo o caso de Portel, autarquia que o PS tinha conquistado ao PCP, e que não deveria sofrer cortes nestes programas, de forma a assegurar a renovação da vitória já conseguida». Nos mesmos termos se pronunciaram outros quadros do PS presentes na reunião..., peço desculpa, queria dizer outros altos quadros da Administração Pública presentes na reunião, «defendendo a importância de harmonizar a orientação política de redução dos programas e das suas verbas com as necessidades eleitorais em ano de autárquicas». E assim discorriam, felizes e contentes, quando, começando a percorrer os presentes, se viram confrontados com um estranho personagem, desacertado desta camaradagem socialista. Perturbados e inquietos, lá convidaram o representante da Câmara Municipal de Évora a retirar-se, informando que os representantes institucionais das Câmaras seriam convidados para uma reunião posterior. E lá terão continuado os camaradas socialistas, agora muito mais sossegados os seus planos eleitorais à custa da utilização dos dinheiros públicos.
Ironias à parte, esta é uma situação inaceitável e intolerável: a utilização, pelo Partido Socialista, dos subsídios e programas de apoio financiados com dinheiros públicos para os seus fins eleitorais; a definição de prioridades e a afectação das verbas em função dos interesses das autarquias socialistas e dos planos de combate eleitoral! Esta reunião soube-se por uma distracção do Gabinete do Secretário de Estado. Mas, Srs. Deputados, quantas mais se estarão a realizar por este país, no segredo dos alcatifados gabinetes do poder rosa?!
Eu sei que o Sr. Secretário de Estado nega tudo. E de tal modo se perturbou que, hoje de manhã, veio célere à Comissão de Trabalho. Mas mais perturbado terá ficado o Partido Socialista que, de tantas certezas que tem, recusou esta manhã, na Comissão, a proposta que fizemos para, então, ser também ouvida a Câmara Municipal de Évora. Porquê essa recusa? Então o PS disponibiliza-se para ouvir o Secretário de Estado e recusa-se a ouvir a outra parte? É estranho, Srs. Deputados! Muito estranho! Mas muito esclarecedor...
Em todo o caso, este novo escândalo não pode passar em claro.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço que termine. Já acabou o seu tempo.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Em primeiro lugar, exigimos que o Governo divulgue a lista dos POC aprovados para cada concelho. Em segundo lugar, pensamos que o Secretário de Estado, Governadores Civis e responsáveis da Administração Pública que se prestaram a este serviço devem, de imediato, ser demitidos. E o Primeiro-Ministro deve uma explicação ao País.
É o mínimo que exigimos.

Aplausos do PCP e do BE.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Barbosa de Oliveira e António Capucho.
O Sr. Deputado Lino de Carvalho não tem tempo para responder, mas tanto o PS como o PSD cedem-lhe tempo para o efeito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Oliveira.

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Lino de Carvalho, de facto, depois da reunião desta manhã da Comissão de Trabalho com o Sr. Secretário de Estado, fico ainda mais convencido de que o que o PCP pretende é aquilo que no liceu chamávamos de trolaró!

Risos do PSD.

O que o PCP pretende é, de facto, fazer chicana política! Não pretende mais nada do que isso!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Chicana política?!

O Orador: - Chicana política! Se não ouviu bem, repito: chicana política!
Se hoje, na Comissão de Trabalho, se tratava de saber o que é que o Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação disse ou não disse nessa reunião em Évora, se se tratava de saber o objectivo dessa reunião, se se tratava de saber dos critérios que estiveram em discussão nessa reunião quanto aos fundos a aplicar, se se tratava de saber tudo isso, tudo foi esclarecido esta manhã. Trazer o assunto para aqui é a prova provada de que o PCP pretende apenas uma só coisa - eu já vo-lo disse há uns tempos, mas andam mal por esse caminho: acusar o PS de ser o mal de todas as coisas.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é verdade!

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - De todas as coisas!

O Orador: - Olha quem fala! Olha quem fala!
Está mais do que demonstrado que VV. Ex.as não têm razão e que a Câmara Municipal de Évora apenas mandou à reunião um controleiro!

Risos do PSD.

Protestos do PCP.

Sobre essa mesma reunião, o controleiro escreveu o que lhe apeteceu, inventou coisas e, perante aquilo que inventou, faz-se disso uma verdade! E, segundo o PCP, aquilo que hoje foi dito pelo Sr. Secretário de Estado não tem importância, não é verdade; o que é verdade é aquilo que o controleiro disse quando chegou à Câmara Municipal de Évora! E depois, o Presidente da Câmara, perante tudo isto, diz: «Bom, eu limitei-me a informar! Isto não é comigo! Limitei-me a informar a Câmara! A Câmara é que resolveu! Eu, por mim, até nem tinha nada a ver com isto!» - é o que o Presidente da Câmara diz numa carta que escreveu ao Sr. Secretário de Estado, em resposta a ter sido questionado porque é que…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Isso é mentira!

O Orador: - Os senhores têm a carta, está no primeiro parágrafo! É o que se pode inferir desse parágrafo! É isso mesmo! Portanto, Srs. Deputados, estamos conversados…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o seu tempo. Faça o favor de concluir.

O Orador: - Percebemos perfeitamente o que é que o PCP quer com isto! E, em dia de S. Valentim, o PSD namora…

Protestos do PSD.

Sabem porquê? Porque isto começou em Julho, com o Presidente da Câmara Municipal de Ourique...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua!

O Orador: - Essa é que é a questão!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular o seu pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Barbosa de Oliveira... Embora eu esteja a fazer um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Lino de Carvalho, começo por referir a intervenção «trolaró» do Sr. Deputado Barbosa de Oliveira…

Risos do PSD e do PCP.

Porque, de facto, Sr. Deputado, o ridículo mata! E se VV. Ex.as estão tão à vontade nessa matéria porque é que chumbaram a vinda cá da Câmara Municipal de Évora?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Aquilo que está em causa é uma atitude que o PCP acaba de denunciar do alto daquela tribuna, com toda a legitimidade, e a única coisa que me leva a discordar de V. Ex.ª, Sr. Deputado Lino de Carvalho, é o seu espanto, o facto de ter achado isto estranho!
Sr. Deputado, nós já denunciámos, a propósito das últimas eleições legislativas, uma situação similar quando o Sr. Governador Civil, com o dinheiro de todos os portugueses, com o dinheiro dos impostos, distribuiu pela população de Évora brochuras de propaganda riquíssimas em favor do Governo e do Partido Socialista! E não aconteceu rigorosamente nada! E, perante os factos, que são públicos e notórios e que o PS não pode escamotear, só havia uma resposta possível para um Primeiro-Ministro que tivesse o mínimo de autoridade perante o seu Governo: era pôr no «olho da rua», imediatamente, os responsáveis por aquela situação - e estou a falar, em primeiro lugar, no Sr. Secretário de Estado!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao resto, Sr. Deputado, isto apenas demonstra que o PS perdeu a vergonha, que paulatinamente confunde o partido com o Governo, confunde o partido com o Estado, tendo de haver alguém que ponha termo a isto!
Na Assembleia da República não nos podemos calar, é essa a nossa obrigação. E eu permito-me apelar também ao Sr. Presidente da República para que não deixe passar em claro esta situação de verdadeiro escândalo, de promiscuidade entre o Governo e o PS.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, começo por agradecer aos Srs. Deputados as perguntas que me colocaram, independentemente do tom «trolaró» de algumas…

Risos do PCP.

Mas eu acho que, se houvesse demonstração necessária da verdade do que tem vindo a lume sobre esta reunião, bastava olhar para a intervenção, desesperada, trauliteira, do Sr. Deputado Barbosa de Oliveira!

Risos do PSD.

Sr. Deputado, o que aconteceu, é simples. O chefe de gabinete do Sr. Secretário de Estado enviou à Câmara Municipal de Évora um ofício a informar que, em tal dia, a tantas horas, o Sr. Secretário de Estado ia ao Governo Civil fazer uma reunião sobre os POC. Isto, em termos de relações institucionais, significa uma informação para que as câmaras estejam presentes. A Câmara decidiu enviar o

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Chefe de Divisão dos Recursos Humanos, que é um funcionário superior da Câmara (o Sr. Deputado diz que é controleiro…), e, nesse encontro, deparou-se com esta insólita reunião que eu descrevi na minha intervenção. Mas, Sr. Deputado, se a reunião era tão normal, por que razão é que o Chefe de Divisão dos Recursos Humanos da Câmara foi convidado a sair da reunião?!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Se não havia nada de suspeito, porque é que ele não continuou na reunião até ao final? Ó Sr. Deputado, se não se passou nada, por que razão a delegada regional de emprego e formação profissional, que esteve na reunião, telefonou no dia seguinte para a câmara procurando justificar aquela reunião, dizendo que, de facto, houve alguns dos presentes, que, pelas funções que ocupam, tiveram uma linguagem mais politizada?
E, Sr. Deputado, como já foi aqui referido, se tudo é tão claro, se o Partido Socialista tem tão poucas dúvidas, porque razão recusou, perante esta iniciativa do Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação, de vir cá a correr hoje de manhã à reunião da Comissão de Trabalho, antes da sessão plenária da tarde, por que razão recusou, dizia, aquilo que seria o mínimo, que foi a nossa proposta de ser ouvida também a Câmara Municipal de Évora, a outra parte nestes acontecimentos? Porquê, Sr. Deputado? É completamente incompreensível este comportamento do Partido Socialista!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Compreende-se bem! Está-se mesmo a ver!

O Orador: - A não ser, como é óbvio, que queiram impedir, de facto, o esclarecimento da verdade até ao fim.
Sr. Deputado António Capucho, o meu espanto é por achar que tudo tem limites. Mas, pelos vistos, não tem. Pelos vistos, estamos a assistir, em ano de eleições autárquicas, a uma utilização despudorada de dinheiros públicos para fins eleitorais e partidários, o que é completamente inaceitável. Por isso, eu disse que os responsáveis deste processo têm de ser demitidos, que o Primeiro-Ministro deve uma informação ao País e que o Governo deve divulgar quais os programas que está a aprovar, concelho a concelho, neste País.

Aplausos do PCP.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra da bancada do Governo.

O Sr. Presidente: - Qual foi a matéria que considerou ofensiva, Sr. Secretário de Estado?

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, julgo que resulta muito claro das intervenções dos Srs. Deputados, que acusaram o Governo de uma postura indébita entre partido e Estado, a razão pela qual seria pelo menos pouco curial que o Governo mantivesse silêncio, estando presente como está na bancada e não podendo usar da palavra a outro título, como se sabe, no período de antes da ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, julgo que o ónus da prova recai inteiramente sobre aqueles que, hoje, com tom acusatório e tribunício, vieram trazer a Plenário questões que, esta manhã, ficaram inequivocamente esclarecidas, na Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

Vozes do PCP: - Esclarecidas?!

O Orador: - Esclarecidas, na medida em que elas são esclarecíveis racionalmente perante quem queira ser esclarecido. É que há, naturalmente, quem não queira ser esclarecido. E eu não tenho a mínima pretensão de poder esclarecer quem não só não quer ser esclarecido como quer, deliberadamente, suscitar uma confusão, que tem acoplada uma gravíssima imputação, e, pelo caminho, misturar tudo.
Os Srs. Deputados cometem um precedente muito grave, atribuindo credibilidade a um relatório tão infiel - e os relatórios têm triste fama em várias famílias políticas - que até dá por presentes pessoas ausentes na reunião e põe na boca do Sr. Secretário de Estado palavras que ele não só não disse como já provou que não disse, não havendo contra ele outra testemunha senão o relator infiel, que compreendo que agora jure, pelo que lhe seja mais sagrado, que ouviu o que não podia ouvir e esteja, neste momento, preocupado com o que lhe possa acontecer.

Protestos do PCP.

Digo que não tema, mas que não minta. E, pela nossa parte, estamos completamente dispostos a esclarecer absolutamente tudo.
E o Sr. Deputado António Capucho é especialmente injusto, ao aludir ao Governo nos termos em que aludiu,…

O Sr. Cruz Silva ( PSD): - Injusto?!

O Orador: - … porque o Sr. Deputado sabe que as questões que suscitou foram apreciadas na sede própria e o Governo não foi objecto de qualquer juízo de censura. Não há qualquer abuso do tipo daqueles que o Sr. Deputado comentou, aludiu e referiu, devidamente provado, que tenha redundado numa censura formulada pelo órgão próprio. Portanto, o Sr. Deputado utiliza uma arma politicamente perigosa, que é a suspeição, não documentada e não provada, para conseguir objectivos políticos, que traduzem talvez algum medo autárquico. Mas também não é razão para estarem transidos de medo nas bancadas, porque será uma batalha honesta.

Protestos do PSD.

Por último, Srs. Deputados, julgo que esta Câmara há-de ser capaz de discutir separadamente a questão da aplicação dos programas a que aludiu o Sr. Deputado Lino de Carvalho e sobre os quais o Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação já prestou esclarecimentos, mas pode prestar muitíssimos mais - é totalmente ilimitada a nossa disponibilidade. E em questões que têm a ver,

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primeiro, com a honorabilidade pessoal - e julgo que o Sr. Deputado estimará esse aspecto - e, segundo, com as fontes utilizadas - e julgo que o Sr. Deputado saberá bem que é muito perigoso utilizar fontes que não são fiéis, que distorcem a realidade e que, depois, nos colocam em encrencas, tendo de se pedir desculpas…

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Secretário de Estado.

O Orador: - Confio que o Sr. Deputado acabará isto não em inquérito mas a pedir desculpas.

Aplausos do PS.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - É uma vergonha!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, penso que, quando o Sr. Secretário de Estado fala em pedir desculpas, deve estar a referir-se ao Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação, ao Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e aos Deputados do Partido Socialista, que querem pedir desculpas ao País e, em particular, ao alto funcionário da Câmara Municipal de Évora que foi à reunião.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Não é um alto funcionário!

O Orador: - Percebo a incomodidade, Sr. Secretário de Estado.
Só não compreendo isto: se tudo era tão claro, porque é que - e volto a perguntá-lo - o Chefe de Divisão de Recursos Humanos e Formação da câmara foi convidado a sair?

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Posso explicar?

O Orador: - Não! Agora, falo eu.
Ó Sr. Secretário de Estado, mas se tudo está tão esclarecido e não há lugar a dúvidas, por que é que o Partido Socialista recusa a vinda da Câmara Municipal de Évora para dar a sua versão dos acontecimentos? Ou a versão é só a do Secretário de Estado do Trabalho e Formação?
Quem não deve não teme, Sr. Secretário de Estado!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Nada!

O Orador: - Então, porquê?!
E se é falso que foi pronunciada aquela frase «podemos falar à vontade, camaradas»,…

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - É falso!

O Orador: - … por que é que o Sr. Secretário de Estado, em depoimento ao jornal Público, diz isto: «Não, eu não tenho esse tipo de linguagem, não costumo ter esse tipo de linguagem, mas, se o tivesse feito, não vejo que fosse surpreendente. Tratando-se de uma reunião de trabalho, não vejo que fosse tão surpreendente assim».
Só que a diferença é que não era uma reunião de trabalho do Partido Socialista; era uma reunião supostamente institucional, convocada pelo Secretário de Estado do Trabalho e Formação, com os governadores civis, com a delegada regional de emprego e formação profissional e, pelos vistos, por azar, também com a Câmara Municipal de Évora.
Sr. Presidente, os factos são os factos. Se o Partido Socialista e o Governo estão assim tão certos de que é verdade o que se passou, deixem cá vir o Chefe de Divisão de Recursos Humanos e Formação da Câmara Municipal de Évora para ele dar a sua versão dos acontecimentos. É estranho que não o tivessem feito! Como é estranho, aliás, que se deturpe a carta do Presidente da Câmara de Évora. O que ele diz é que: «Os chefes de serviço desta Câmara têm por obrigação informar, com verdade e idoneidade, sobre as reuniões em que participam ao serviço da Câmara. Neste contexto, recebemos a informação. Face à gravidade dos factos relatados, não podíamos deixar de levar esta informação ao conhecimento da Câmara», que entendeu levá-la ao conhecimento dos vários órgãos de soberania.
Está aqui a carta Sr. Secretário de Estado.
Em resumo, Sr. Presidente, mantém-se tudo o que dissemos daquela tribuna: todo este comportamento do Governo é inaceitável e exigimos que não se repita; as entidades relacionadas com isto devem pedir desculpa e devem ser demitidas; o Sr. Primeiro-Ministro deve uma palavra ao País. E nós, Sr. Secretário de Estado, aguardamos que sejam divulgados os POC aprovados, concelho a concelho, neste país.

Aplausos do PCP.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Agradeço que diga qual é a matéria da ordem de trabalhos em causa, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é sobre a atitude da Mesa em relação ao que acabou agora de acontecer no decurso dos trabalhos parlamentares.

O Sr. Presidente: - Qual foi a atitude da Mesa, Sr. Deputado?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A atitude da Mesa, Sr. Presidente, se me permite,…

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - … foi a seguinte: a bancada do Governo pediu para exercer o direito de defesa da honra, a Mesa perguntou ao Sr. Secretário de Estado a quem se dirigia - e bem - essa defesa da honra e o Sr. Secretário de Estado disse que a defesa da honra era em relação à intervenção do Sr. Deputado Lino de Carvalho. Ora, o Sr. Secretário de Estado, quando começou a defesa da honra, dirigiu-se, directa e pessoalmente, ao Deputado António Capucho, da bancada do PSD, e a Mesa não o interrompeu, permitindo, embora ele tenha dito

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que era dirigida ao Deputado Lino de Carvalho, que toda a defesa da honra fosse feita relativamente a esta bancada, pelo que penso que a Mesa, agora, em consonância, tem de nos conceder a palavra para dar explicações. A alternativa teria sido a de dizer à bancada do Governo que, se a defesa da honra era em relação à intervenção do Sr. Deputado Lino de Carvalho, devia abster-se de se dirigir a outros Deputados.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é frequentíssimo, quando se trata de defesas da honra, elas serem exercidas em relação a mais do que um Deputado. A Mesa não pode senão guiar-se pelo critério da própria declaração de quem invoca a defesa da honra, e a defesa da honra foi invocada contra o Sr. Deputado Lino de Carvalho. Reparei que começou a ser feita em relação ao Sr. Deputado António Capucho, mas pareceu-me que foi mais incidentalmente do que fundamentalmente.
Não posso, pois, conceder a palavra a dois Deputados para darem explicações, querendo-o, só tenho a possibilidade de dar a um, pelo que dei-a àquele que me pareceu ter sido o mais posto em causa. O Sr. Deputado António Capucho foi incidentalmente, e não basicamente, posto em causa.
Foi este o critério da Mesa. Talvez tenha errado, mas, de qualquer modo, foi o meu critério.
Para uma intervenção sobre assunto de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Penedos.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O desenvolvimento de uma adequada política de emprego público, que promova a dignificação do serviço público e a qualificação dos recursos humanos, assim como uma eficaz gestão dos efectivos da Administração Pública são objectivos prioritários claramente assumidos e levados a cabo pelo Governo do Partido Socialista.
Uma Administração Pública moderna ao serviço dos cidadãos impõe a adopção de novas formas de gestão e a mobilização dos funcionários, uma vez que só com o seu empenhamento será possível uma maior objectividade, uma maior transparência, mais inovação e menos burocracia.
Em matéria de modernização da Administração Pública, foram estes os nossos compromissos, compromissos que o Governo se encontra a concretizar.
Trata-se de uma nova perspectiva para a Administração Pública, em que gostaríamos de ser acompanhados por todos os partidos da oposição, nomeadamente o maior partido da oposição.
Todavia, e infelizmente para o País, as coisas processam-se de forma diferente. A atestá-lo estão as recentes e contraditórias declarações proferidas, em nome do PSD, pelo Prof. Tavares Moreira, relativamente aos aumentos salariais para 2001 na área da Administração Pública.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O «ministro-sombra» do PSD para as Finanças transformou-se em mais um «pesadelo» para o seu líder, Durão Barroso.
Esta será uma das conclusões que pode extrair-se das recentíssimas declarações do conceituado professor de Finanças, a quem foi confiada a difícil, senão impossível, missão de credibilizar um projecto político rejeitado, noutros tempos, pelos portugueses.
Outra das conclusões a que facilmente nos conduz o referido «ministro-sombra» é a de que, no PSD, reina a maior das confusões…

O Sr. Cruz Silva (PSD): - Olha quem fala!

O Orador: - … uma vez que outros dirigentes dessa tão digna bancada, também eles designados para funções idênticas - isto é, «sombras» de qualquer coisa -, com afirmações de sentido contrário às de Tavares Moreira, dão uma claríssima imagem de quem, na ânsia de conquistar o poder a qualquer preço, promete, num dia, o «céu» e, no seguinte, por mero aproveitamento político e por erro de cálculo eleitoral, o «inferno», esquecendo sempre que, afinal, aqueles a quem se dirigem se encontram na terra e que nesta a realidade é dura e não se resolve com populismos ou piedosas promessas.

O Sr. Cruz Silva (PSD): - Ámen!

O Orador: - Mas, às «sombras» ou aos «pesadelos» do líder do PSD, Durão Barroso, a Assembleia da República tem de exigir um esclarecimento cabal para os portugueses sobre as dúvidas e perplexidades que os porta-vozes do PSD vêm instalando na sociedade portuguesa.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Agora o que mais faltava era que a gente desse explicações!

O Orador: - A primeira dúvida - que não a Primeira Dama - que Durão Barroso deve esclarecer é a que resulta da afirmação produzida nesta Câmara pelo Sr. Deputado Arménio Santos (quando criticou o Governo por celebrar um acordo salarial de 3.7% para a função pública - lembram-se?), que considerou insuficientes os aumentos acordados, e da agora tornada pública pelo «ministro-sombra», Tavares Moreira,…

O Sr. Cruz Silva (PSD): - Os vossos ministros nem sombra são!

O Orador: - … que, contrariando aquele, vem afirmar, com grande determinação, que, se o PSD fosse governo, os aumentos salariais para a Administração Pública seriam muito mais baixos do que aquilo que o Governo concedeu.

Protestos do Deputado do PSD Cruz Silva.

O Orador: - O Sr. Deputado vai ter oportunidade de ter ainda mais dúvidas!

O Sr. Cruz Silva (PSD): - Vou, vou!

O Orador: - A segunda dúvida que Durão Barroso deve esclarecer e que resulta das afirmações do seu «ministro-sombra» para as Finanças traduz-se na necessidade de sabermos se na política salarial do PSD haveria ou não crescimento dos salários. É conveniente que esclareçam os portugueses sobre esta matéria.
Outra dúvida que o referido líder partidário não poderá deixar de esclarecer é a que resulta do facto de, perante um compromisso de reposição do poder de compra dos trabalhadores da Administração Pública - efectuado, no ano passado, pelo Governo, perante os portugueses -, resultante da não concretização da inflação esperada, o PSD

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honraria ou não os compromissos que, eventualmente, tivesse assumido. É que o Governo do PS soube honrá-lo, na justa medida em que criou as condições necessárias para que os trabalhadores da Administração Pública vissem reposto o seu poder de compra.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista não pode deixar de manifestar a sua satisfação pelo facto de o Governo, com um elevado espírito de diálogo, justiça social e sentido de responsabilidade, ter tido a capacidade de discutir e celebrar com as organizações sindicais um acordo salarial para 2001, que vai muito além das questões salariais, estabelecendo compromissos, quanto ao emprego público, carreiras, formação profissional, férias, duração do trabalho, etc.
Foi um trabalho árduo de concertação social, que valeu a pena. Aliás, para desgosto de muitos, tem valido sempre a pena, porque apesar de algumas divergências, nomeadamente da parte de alguns sindicatos, o trabalho realizado em matéria de concertação merece o aplauso do País.
Com o acordo de política salarial celebrado para 2001, cujos aumentos salariais se cifram em 3,71%, o Governo do Partido Socialista cumpriu escrupulosamente os compromissos que assumiu publicamente com os trabalhadores da Administração Pública.
Este aumento salarial, absolutamente comportável no quadro das finanças públicas e da política de crescimento económico que queremos para o País, reflecte, por um lado, o reconhecimento do papel desempenhado pelos trabalhadores da Administração Pública e, por outro lado, uma clara intenção de repor o poder de compra desses trabalhadores.
Por isso, não podemos compreender o PSD! A confusão, a demagogia…

O Sr. Cruz Silva (PSD): - Olha quem fala em demagogia!

O Orador: - … e a falta de rigor com que tem gerido esta matéria deixa os portugueses perplexos, sobretudo os que são funcionários públicos. Mas deixa-nos também avisados sobre qual seria, ou antes não seria, a política salarial do PSD para o País.
Como acreditar num partido que navega ao sabor da corrente político-partidária, sem projecto e sem objectivos claros, numa área que se assume de fundamental importância para o desenvolvimento e para o progresso do nosso país?
Como acreditar num partido que, por puro oportunismo político, nuns momentos usa um discurso que quase incita os trabalhadores da Administração Pública a recorrerem à greve e noutros acusa o Governo de ter celebrado um mau acordo de política salarial para o País, porquanto deu mais do que aquilo que deveria dar?
O acordo salarial da Administração Pública é bom para os trabalhadores e para o País.
Os portugueses, contrariamente ao que pensa o PSD, já não acreditam nos monstros que gravitam no nosso país, mas, estou tentado a afirmá-lo, acreditam cada vez mais nos monstros que habitam o imaginário do PSD.

O Sr. Cruz Silva (PSD): - Está a dizer uma montruosidade!

O Orador: - Finalmente, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não queremos terminar sem antes manifestar a nossa mais profunda satisfação pelos recentes acordos de concertação social, subscritos por todos os parceiros sociais com assento no Conselho Permanente de Concertação Social (CPCS), relativos a duas áreas fundamentais para o desenvolvimento económico e social do País, uma vez que, estamos seguros, também estes acordos de concertação social contribuirão para o bem-estar dos portugueses e para o reforço da nossa economia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão a acompanhar os nossos trabalhos, o que muito nos honra, um grupo de 34 alunos da Escola Secundária Matias de Aires do Cacém; um grupo de 24 alunos da Escola Secundária José Afonso, do Seixal; um grupo de 135 alunos da Escola E.B. 2,3, Aristides de Sousa Mendes, da Póvoa de Santa Iria; um grupo de 32 alunos da Escola Secundária de Sacavém; um grupo de 10 alunos do Centro Social e Paroquial de Campolide; e um grupo de 40 cidadãos da freguesia da Luz, do concelho de Lagos.
Para todos, a nossa saudação cordial.

Aplausos gerais, de pé.

Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Artur Penedos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Artur Penedos, penso que a sua intervenção tem pelo menos 15 dias de atraso; ela deveria ter sido feita pelo menos há 15 dias.

O Sr. Artur Penedos (PS): - A entrevista do Dr. Tavares Moreira só foi há dois, três dias atrás.

O Orador: - Isto porque o Sr. Governador do Banco de Portugal, Dr. Vítor Constâncio, talvez há 15 dias, disse coisas bem piores do as que disse, há dois ou três dias, o Dr. Tavares Moreira. Só que o Sr. Deputado Artur Penedos, pelos vistos, não ouviu o que disse o Dr. Vítor Constâncio e agora penso que, com aquilo que disse sobre o Dr. Tavares Moreira, insultou o Dr. Vítor Constâncio de uma forma que ele não merece!
Portanto, o Sr. Deputado deveria ter feito essa intervenção quando o Dr. Vítor Constâncio veio dizer o que disse - julgo que não vale a pena relembrar-lho, porque o senhor bem sabe - sobre o aumento salarial para a função pública.
Depois, o senhor tenta confundir-nos, dizendo que há uns que dizem que os aumentos são pequenos e outros que dizem que são grandes.
Eu digo-lhe que as duas afirmações estão correctas! Sabe porquê? Porque os aumentos salariais são muito baixos relativamente à taxa de inflação que os senhores estão a provocar neste país, …

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

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A Oradora: - … mas são altos relativamente à produção que os senhores estão a fazer neste país, que estão a pôr pelas «ruas da amargura»!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Portanto, as duas afirmações estão correctas! E se o Sr. Deputado tivesse a mínima das noções sobre o que está a falar, teria, pura e simplesmente, ficado calado!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Penedos.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, também eu vou ser muito breve.
A Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite parece ter ficado muito irritada pelo facto de eu ter feito referências ao «ministro-sombra» do PSD para as finanças... Que não é a Sr.ª Deputada, mas, paciência, são coisas da vida!
A questão é simples, Sr.ª Deputada: ouvi o Sr. Dr. Vítor Constâncio, …

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Ah, bom!

O Orador: - … ouvi o vosso «ministro-sombra» para as finanças e ouvi também uma coisa que a Sr.ª Deputada parece ter esquecido, isto é, ouvi os seus companheiros Arménio Santos e Rui Rio afirmarem aqui que aquilo que estávamos a fazer era insuficiente, que não estávamos a respeitar os compromissos que tínhamos assumido com o País, com os trabalhadores da Administração Pública! Esta é que é a grande questão!
Sr.ª Deputada, desculpe que lhe diga, mas não é possível um dia defender que é mau e noutro dia defender que é bom!

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Já lhe expliquei porquê!

O Orador: - Ninguém entenderá nunca este comportamento do PSD. Nessa medida, aquilo que era importante trazer hoje à colação era a contradição que existe no «reino» do PSD!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Ética, que se reveste de alguma urgência.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer da comissão de ética refere-se à substituição do Sr. Deputado Jaime Marta Soares (PSD), com início em 5 de Fevereiro, inclusive, pelo Sr. Deputado José Macedo Abrantes, e à retoma de mandato do Sr. Deputado Pedro Santana Lopes (PSD), em 12 de Fevereiro, inclusive, cessando o Sr. Deputado José Macedo Abrantes.
O parecer é no sentido de que a substituição e a retoma de mandato em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, também para tratamento de assunto de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Machado Rodrigues.

O Sr. Machado Rodrigues (PSD): - Srs. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Todos temos presentes, estou certo, as circunstâncias que enformaram e condicionaram a discussão do Orçamento do Estado para 2001, nomeadamente as que enquadraram o voto favorável de um único Deputado para além dos que integram a bancada do Partido Socialista.
Não é a essas circunstâncias que quero voltar hoje, mas quero relembrar, sublinhar e reter princípios e posições enunciados e assumidos pelo Sr. Primeiro-Ministro nessa altura. E faço-o com o objectivo de, procurando que esses princípios e essas posições não tenham sido, na prática, só de circunstância, tirar as ilações úteis, para incentivar e exigir a adopção pelo Governo das políticas e das medidas que deles decorrem.
Relembrarei que, formalmente, o diálogo entre o Sr. Primeiro-Ministro e o Sr. Deputado que referi se substanciou num requerimento e na resposta que lhe foi dada.
O requerimento listava as obras que o requerente queria ver realizadas no seu distrito e as iniciativas de desenvolvimento económico e social para as quais convocava o compromisso do Governo.
A resposta do Sr. Primeiro-Ministro, antes de se dedicar às questões específicas suscitadas, faz questão de sublinhar que não se trata «(…) de qualquer negociação sobre a generalidade ou a especialidade da proposta de lei do Orçamento do Estado (…)» - isso já nós sabíamos -, e também que não se trata de favorecer uma qualquer região. Trata-se, na expressão do Sr. Primeiro-Ministro, «(…) de concretizar, com equidade, os objectivos de coesão nacional e de desenvolvimento regional necessariamente complementares (…)», o que se propõe fazer «(…) quer indicando os projectos que o Governo já tem quer anunciando medidas do Governo com inegável impacto regional, mas coerentemente integradas no âmbito de um planeamento nacional e regional relativo às áreas das infra-estruturas e equipamento nacional, economia ou saúde (…)».
O Sr. Primeiro-Ministro não deixou dúvidas sobre a existência de projectos do Governo e de outras medidas para a concretização dos objectivos de coesão nacional; tudo concreto e pronto a aplicar, não numa região carenciada, mas em todas as que estivessem em circunstâncias idênticas.
Mas se alguma dúvida subsistisse de que assim era, foi inteiramente dissipada quando, em 6 de Novembro, perante esta Câmara, o Sr. Primeiro-Ministro afirmou o seguinte: «(…) quando respondi a um requerimento que me foi dirigido, (…) não fiz nenhuma concessão de natureza localista e as medidas inovadoras que anunciei são de alcance nacional aplicadas às mais diversas regiões do País (…)». Foi isto que disse o Sr. Primeiro-Ministro.
Naturalmente, ficou criada a expectativa de que o Sr. Primeiro-Ministro, por sua iniciativa, viesse explicitar as

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medidas inovadoras de alcance nacional que anunciou, especialmente no que respeita aos distritos em que as problemáticas de coesão nacional e de desenvolvimento regional são mais críticas, ou seja, os distritos do continente que, juntamente com o de Viana de Castelo, constituem o pelotão dos que apresentam um nível de desenvolvimento mais baixo.
Eu, Deputado eleito pelo distrito de Bragança, que vejo, de ano para ano, para infelicidade dos seus 150 000 habitantes, a ausência ou o adiamento das políticas e medidas de discriminação positiva que façam inverter a rota de divergência relativamente às regiões mais desenvolvidas do País, esperei com legítima expectativa, mas confesso que sem grande crença, a explicitação que referi por parte do Sr. Primeiro-Ministro.
Ao fim de dois meses de espera em vão e de expectativa progressivamente esgotada, os Deputados do PSD eleitos pelo distrito de Bragança decidiram confrontar expressamente o Sr. Primeiro-Ministro com os princípios e as posições que assumiu quando da discussão do Orçamento do Estado para 2001.
Utilizámos o procedimento regimental do requerimento, que o Sr. Primeiro-Ministro tão diligentemente acolhera no início de Novembro, altura em não necessitou de mais do que quatro dias para formular a sua resposta.
Ilustrámos qualitativa e quantitativamente a situação sócio-económica do distrito, sublinhando aspectos que evidenciavam a necessidade de adopção de políticas e medidas diferentes das até agora seguidas.
Mas também fizemos ressaltar factores positivos que existem, nomeadamente ao nível dos recursos humanos, dos índices de qualificação e da dimensão da população com formação superior, que permitem esperar resultados positivos e de sucesso para as medidas e iniciativas de recuperação de atrasos que sejam tomadas.
Listámos, justificámos, e em muitos caso quantificámos, um conjunto de medidas e programas que consideramos essenciais para o desenvolvimento do distrito de Bragança e solicitámos compromissos do Governo quanto à sua implementação. Medidas e programas cobrindo vários sectores: das acessibilidades à saúde; da cultura à educação e às tecnologias de informação; da agricultura aos incentivos para fixação de empresas e de pessoas; da segurança ao fomento do turismo.
Nuns casos, trata-se simplesmente do compromisso de execução do que já está previsto, como por exemplo o PIDDAC.
Noutros casos, trata-se do compromisso de intervenção em matérias relativamente às quais diferentes ministérios têm posições discordantes, que levam à paralisia.
Noutros casos ainda, trata-se de iniciativas novas, como por exemplo o fomento descentralizado de centros de excelência na área das novas tecnologias.
E finalmente, noutros casos, trata-se de ultrapassar situações de bloqueio de projectos reconhecidamente importantes e estruturantes, para cujo adiamento sucessivo não se vislumbra razão, a não ser que se aceite como prevalecente, o que seria grave, a interpretação recentemente feita por um alto responsável da Administração Pública, o Sr. Presidente da Comissão de Coordenação da Região Norte, em Bragança, relativamente a um projecto essencial.
Depois de afirmar que os problemas da interioridade estavam mais que identificados e que se não fossem de uma minoria em que há poucos eleitores eles seriam resolvidos com muito mais cuidado, acrescentava que todos os estudos para ser tomada posição política, estão feitos, falta é fazer, e concluía dizendo que provavelmente, se houvesse mais eleitores era capaz de ser mais fácil que a decisão se precipitasse. Isto foi dito assim e não tenho notícia de que tenha sido corrigido, rectificado ou objecto de qualquer atitude.
O requerimento que subscrevi, dirigido ao Sr. Primeiro-Ministro, através do Sr. Presidente da Assembleia da República, não tem a fresca data de há quatro dias que de outra vez bastaram para uma resposta; foi emitido há cinco semanas.
De 9 grupos de questões e 21 perguntas concretas apenas uma foi respondia até agora por iniciativa do Ministério do Planeamento e a resposta foi positiva.
Por que razão para situações idênticas o comportamento do Governo e do Sr. Primeiro-Ministro é tão diferente? Será só pelo facto de estarmos em Fevereiro e não em Novembro com o «cabo das tormentas» à vista?
Hoje, perante esta Câmara que representa o País, venho exigir do Governo, e especialmente do Senhor Primeiro-Ministro, a aplicação no distrito de Bragança da doutrina, dos princípios e das políticas que ele próprio explicitou. Aplicação que se deverá traduzir na aceitação das propostas que juntamente com o Sr. Deputado Adão Silva formulei, eventualmente conjugadas com a concretização de medidas inovadoras que o Sr. Primeiro-Ministro anunciou, mas não definiu.
É uma exigência ao Governo de uma atitude de verdade traduzida em actos e não discursos de intenções, que já pouco representam para as populações cada vez mais desiludidas.
É uma exigência ao Governo de uma postura de responsabilidade, traduzida em coerência entre os princípios e as posições anunciadas e os factos concretos, independentemente de interesses conjunturais, por forma a que todos os portugueses se sintam cidadãos do mesmo Portugal em que a todos são conferidas oportunidades iguais de desenvolvimento e de progresso.
É uma exigência seguramente partilhada pelas populações transmontanas e pelos seus eleitos mais próximos, os autarcas, como ficou demonstrado pela moção aprovada em 26 de Janeiro passado na assembleia intermunicipal de Trás-os-Montes e Alto Douro, que foi enviada ao Sr. Presidente da República e ao Sr. Primeiro-Ministro.
É uma exigência de justiça e de solidariedade, que são indispensáveis aos objectivos que todos comungamos de desenvolvimento harmónico do País e de uma autêntica coesão nacional.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Machado Rodrigues, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Machado Rodrigues, a minha inscrição para um pedido de esclarecimento foi inteiramente genuína, porque até metade da sua intervenção não entendi bem a que é que ela vinha neste momento, mas depois comecei a entender.
No fundo, o Sr. Deputado vem chamar a atenção para uma flagrante diferença que existe no comportamento do

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Governo, nomeadamente do Sr. Primeiro-Ministro, porque tratou as perguntas do requerimento de um determinado Sr. Deputado de uma forma completamente diferente das que lhe foram dirigidas num requerimento assinado por um grupo de Deputados, sendo que o tema era exactamente o mesmo.
Nós, nessa altura, dissemos que o Sr. Primeiro-Ministro tinha introduzido no funcionamento do sistema político um vírus perigoso que era o do localismo.
Julgo que o Sr. Primeiro-Ministro aprenderá, daqui para a frente, que esse vírus vai atacar os nervos, os músculos, o sistema nervoso do próprio Governo, porque vai ser muito difícil calar as vozes dos Deputados que consideram que a sua região também tem direito a ser tratada de uma forma específica …

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - … se a sua acção for idêntica à praticada pelo Governo nas suas relações muito particulares com um determinado Deputado num momento crítico que o Sr. Deputado Machado Rodrigues apelidou de «aproximação do cabo das tormentas».
Quando se aproximar de novo o «cabo das tormentas», não nos admirará muito que muitos Deputados, sejam de Bragança ou de outros locais, ponham exactamente as questões que, hoje, o Sr. Deputado pôs, porventura até de uma forma mais directa e mais convidativa para que o Governo repita o comportamento que teve na altura, a não ser que o Sr. Primeiro-Ministro venha dizer «Não. Escusam de se pôr nessa posição, porque, de facto, no ano passado menti: não foram os Deputados que se aproximaram do Governo. Escusam de fazer o mesmo, porque não foi isso que se passou, foi o Governo que se aproximou de um determinado Deputado».

Vozes do CDS-PP:- Muito bem!

O Orador: - O comportamento só não se repetirá se nessa altura o Sr. Primeiro-Ministro tiver um ataque de sinceridade! Em todo o caso, talvez já seja tarde!
Dou um conselho ao Sr. Deputado e a todos os outros: façam esse tipo de solicitações e de requerimentos, porque talvez o Sr. Primeiro-Ministro, daqui para a frente, não tenha outra opção do que ser sensível aos mesmos …

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … e faça as grandes opções do Estado não em termos de coesão social mas em termos das conveniências políticas apoiadas em pretensões localistas.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Machado Rodrigues.

O Sr. Machado Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, muito obrigado pelo seu comentário, que é mais do que uma pergunta.
No entanto, gostava de clarificar uma coisa: não sei se consegui transmiti-lo, mas o acento tónico da minha intervenção baseia-se em dois pontos.
Ponto número um: independentemente das circunstâncias que o rodearam, o Sr. Primeiro-Ministro fez declarações de princípios e tomou posições que expressamente se aplicavam ao conjunto das regiões menos desenvolvidas do País. Se o Sr. Primeiro-Ministro respondeu a essas questões numa determinada circunstância, tem obrigação de aplicar os princípios que anunciou e as posições que assumiu ao conjunto das regiões que necessitam de um programa de coesão nacional.
Foi isso o que, hoje, no que diz respeito ao distrito que represento, vim aqui expressamente exigir, o que não quer dizer, antes pelo contrário, que não deva ser uma exigência da Câmara a adopção dessas políticas relativamente a todas as regiões em que essa necessidade de coesão nacional e de desenvolvimento mais acelerado se processe.
Se o Sr. Primeiro-Ministro vai ou não ter dificuldades, no futuro, para gerir um procedimento que resolveu introduzir, esse é um problema seu. Aliás, cá estaremos para o confrontar. O que temos é o direito e o dever, em nome das populações que nos elegeram, de exigir que as políticas anunciadas para o País sejam aplicadas uniformemente e de acordo com a especificidade de cada uma das regiões para que haja uma autêntica coesão nacional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, continuamos em maré de inflação de votos, pois deram entrada na Mesa mais três.
Para podermos discutir e votar estes votos hoje sugiro que se prescinda da sua leitura, pois os mesmos foram distribuídos, e que se conceda a cada grupo parlamentar 5 minutos para se pronunciarem, no conjunto, sobre os três votos, fazendo a gestão desse tempo como muito bem entenderem. Não vejo outra maneira de podermos discutir e votar todos estes votos hoje.
Srs. Deputados, não havendo objecções, procederemos da forma que propus.
Seguindo a ordem de entrada, vamos começar por discutir o voto n.º 124/VIII - De saudação aos estudantes de ensino básico e secundário que se manifestaram reivindicando a suspensão da reforma educativa (BE).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Onde se lê, neste voto de saudação, «hoje» deve ler-se «recentemente», pois não houve ocasião, na altura própria, de debatê-lo. Como este voto fala por si, eu encurto razões.
A participação dos jovens e a sua demonstração cívica quer dizer vontade negocial, quer dizer vontade de discutir com o Governo a reforma curricular, quer dizer que essa juventude escolar pretende ser protagonista do processo.
Ainda recentemente, em algumas zonas da sociedade portuguesa, se disse que é patético que as crianças, agora, também discutam e partilhem políticas, no entanto, pensamos exactamente o contrário. Pensamos que pela consensualização e com a participação dos estudantes é possível fazer uma reforma que assegure, a vários tempos, não só os saberes e as competências mas também a capacidade cívica, os direitos de cidadania e o esforço social da escola.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado David Justino.

O Sr. David Justino (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para a bancada do PSD torna-se um pouco preocupante a profusão de votos relativamente a este tipo de fenómenos. Se a Assembleia da República se pronunciar e elaborar um voto de saudação por cada manifestação de civismo em torno de um determinado problema, por mais insólita ou meritória que ela seja, não acabaremos com os votos de saudação.
Nesse sentido, sem querer tirar razão, total ou parcial, aos estudantes que se manifestaram, pois estão no seu direito, penso que este voto tem um sentido político, que não é propriamente o de reforçar a discussão e a reflexão em torno da revisão curricular, o que vai ter lugar numa sessão dedicada a esse problema, mas, sim, o de uma tomada de posição relativamente à condenação dessa mesma revisão curricular. Ou seja, na prática, estamos a enunciar um voto antes de podermos reflectir e discutir sobre o mesmo.
Assim sendo, a nossa posição, à falta de melhor, vai ser de abstenção, porque o que gostaríamos era não ter de votar este voto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de começar por dizer ao Sr. Deputado Luís Fazenda que o PS está solidário com a luta e as manifestações dos estudantes, porém, é muito fácil e é uma posição muito confortável dizer, na Câmara, que, a partir de agora, com este voto, os estudantes passam a ser parceiros centrais da vida política educativa e, sobretudo, da reforma educativa.
Neste sentido, gostaria de relembrar que, desde 1997, foram várias as escolas e os estudantes ouvidos, nomeadamente a Associação Nacional de Estudantes do Ensino Secundário. Por isso mesmo, por muito que gostássemos de associar-nos a este voto, pela justa luta e pelo direito que os estudantes têm de se manifestar, não podemos fazê-lo, pois não concordamos que sejam parceiros centrais. Embora devam, também eles, ser ouvidos na discussão da política educativa, nunca poderão ser os parceiros centrais da reforma educativa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os Verdes subscrevem totalmente o voto de saudação apresentado.
Já tivemos, na altura, a propósito de uma declaração política da Sr.ª Deputada Margarida Botelho, oportunidade de manifestar a nossa total solidariedade com os estudantes dos ensinos básico e secundário que, de uma forma massiva, saíram à rua no sentido de reivindicar melhores condições escolares, bem como a sua participação em decisões que lhes dizem directamente respeito.
Reafirmo aqui a nossa posição, pois numa sociedade onde se quer que a escola seja palco de formação para a cidadania e de fomento da participação recusa-se, depois, neste caso concreto, pela mão do Governo, o envolvimento directo dos estudantes na discussão da revisão curricular, que contestam e para a qual têm propostas concretas, na nossa perspectiva, interessantes.
Do nosso ponto de vista, o Governo deveria estar aberto a ouvir os estudantes, até pela expectativa que criou em torno da educação, classificando-a como a sua paixão, porém, sistematicamente, entende afastar da decisão concreta daquilo que tem a ver com a reforma educativa, quer os professores, quer, sobretudo, os estudantes e outros agentes educativos.
Portanto, a nossa preocupação vai precisamente para estas decisões unilaterais por parte do Governo, tomadas sem o envolvimento da sociedade numa matéria fundamental.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Fernandes.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero dizer ao Sr. Deputado Luís Fazenda que não vamos levantar obstáculos ao voto em debate porque, efectivamente, a juventude portuguesa não sabe com o que contar. Mal está uma reforma a caminho já outra está a desfazer essa reforma, reforma-se cada reforma, nunca ninguém sabe com o que contar, pelo que os jovens estão confusos.
Disseram-me: «Não sabemos o que queremos, mas sabemos o que não queremos». É esta a situação em que os jovens se encontram e em que, por vezes, nós, educadores, também nos encontramos.
Quanto às aulas de 90 minutos, contra as quais os jovens se revoltam, quero lembrar que, pela forma como é formulada a proposta, nunca ninguém saberá como vão ser. Todos sabemos que, passados 45 minutos, qualquer bom orador faz com que aqueles que o ouvem comecem a mexer-se nas cadeiras e a bocejar um pouco. Qualquer bom orador sabe, mesmo que seja muito persuasivo, que, a continuar depois desse tempo, vai provocar uma saída em massa de qualquer sala. Com os professores isso não acontece porque os alunos são obrigados a ficar nas aulas.
Portanto, deixaremos passar o voto, desejando que não se sucedam cada vez mais reformas porque, essencialmente, os educadores é que precisavam de ser reformados. De facto, cada vez há mais escolas, menos se sabe de educação, mais reformas se faz na educação e mais confusão se cria, educada ou deseducadamente, o que leva a que a nossa juventude tenha a reacção que tem e não saiba o que quer, embora, pelo menos, diga que sabe o que não quer, o que é francamente lamentável.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Botelho.

A Sr.ª Margarida Botelho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP gostaria de solidarizar-se plenamente

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com este voto do Bloco de Esquerda. Foram largas dezenas de milhar de estudantes que saíram à rua no passado dia 8 de Fevereiro, inclusivamente em muito mais sítios do que os referidos pelo voto do Bloco de Esquerda.
Lamentamos que o PS volte a referir que os estudantes estão enganados nestas reivindicações, quando, na realidade, é o único partido, estando perfeitamente isolado, a defender esta revisão curricular, contra a opinião dos professores, contra a opinião dos estudantes, contra a opinião do Conselho Nacional de Educação.
Solidarizamo-nos também plenamente com as reivindicações dos estudantes, por isso propusemos a apreciação parlamentar dos dois decretos-leis que estabelecem a revisão curricular dos ensinos básico e secundário.
Reafirmamos a opinião que, de facto, os estudantes não foram ouvidos sobre esta revisão curricular. Não há diálogo quando o Ministro da Educação participa em reuniões, nos vários distritos, em que o ponto de partida é que não mudará uma vírgula à revisão curricular.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. José Barros Moura (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Sr. Presidente, chega-nos a informação de que o Bloco de Esquerda, subscritor do voto de saudação em debate, estaria disposto a retirar da parte resolutiva do mesmo a expressão «parceiros centrais da reforma educativa». Se o Bloco de Esquerda retirar esta expressão o PS não inviabilizará o voto, caso contrário teremos de manter a posição já anunciada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, a questão refere-se apenas à adjectivação «central», pois os estudantes são parceiros. Desde que continue no voto a expressão «parceiros», por nós, não vemos qualquer objecção.
Será importante que a bancada do PS mostre ao Governo que está solidária com as manifestações dos estudantes e que, em coerência, tenha uma posição na apreciação parlamentar dos diplomas da reforma curricular que aqui se apresenta.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Barros Moura, aceita esta «via reduzida»?

O Sr. José Barros Moura (PS): - Sr. Presidente, a intervenção do Sr. Deputado Luís Fazenda foi perfeitamente esclarecedora. Nestes termos, não podemos votar a favor; votaremos contra.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, passar à votação do voto n.º 124/VIII - De saudação aos estudantes do ensino básico e secundário que se manifestaram reivindicando a suspensão da reforma educativa (BE).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, votos a favor do PCP, de Os Verdes e do BE e abstenções do PSD e do CDS-PP.

Era o seguinte:

Voto n.º 124/VIII
De saudação aos estudantes do ensino básico e secundário que se manifestaram reivindicando a suspensão da reforma educativa

Muitos milhares de estudantes do ensino básico e secundário manifestaram-se hoje em vários pontos do País - Lisboa, Porto, Coimbra, Setúbal, Almada, Viana do Castelo, Faro, Tavira e Portimão -, a terceira vez em pouco mais de seis meses, para reivindicar a suspensão da reforma educativa, a extinção progressiva do numerus clausus e o acesso ao ensino superior, a aplicação da lei da educação sexual e condições materiais e humanas para as escolas, numa demonstração clara de consciência cívica.
Sendo o direito a serem ouvidos uma das reivindicações centrais dos estudantes, a Assembleia da República saúda os jovens estudantes por esta demonstração de consciência cívica e de cidadania e apela ao Governo o reconhecimento de todos os estudantes enquanto parceiros centrais da reforma educativa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à discussão do voto n.º 125/VIII - De pesar pelo falecimento do actor Artur Semedo (PS, PSD, PCP, CDS-PP, Os Verdes, BE).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Seara.

O Sr. Fernando Seara (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: Permitam-me duas palavras diferentes acerca de um amigo que nos deixou. Um amigo é aquele que nos dá a mão, que, mesmo no silêncio, nos acompanha e que nos dá força nos momentos de dificuldade. Um amigo é o vizinho da verdade e é a voz de todas as horas. Um amigo entende as nossas diferenças e interioriza as nossas perspectivas.
Artur Semedo deixou-nos. Partiu um homem da cultura, do cinema, do teatro, das televisões, dos jornais e do desporto. Partiu um homem polémico e frontal, irreverente e desconcertante, provocador e demolidor nas ondas da rádio, perspicaz e eficaz, subtil e irónico. Partiu um homem de filmes com público e um homem de teatros repletos. Partiu o benfiquista dos «sete costados» e que não negou que essa paixão - esta paixão - era, para ele, quase uma religião.
Por mim, perdi um amigo de verdade. E não esqueço os seus telefonemas, os seus avisos, as suas advertências. Não esqueço as suas sentidas felicitações no dia em que assumi este lugar de Deputado e não esqueço as histórias, muitas, da sua vida, dos seus filmes, dos seus colegas e das suas colegas de palco e de cena e também dos múltiplos lugares das suas peças e das suas actuações. Guardo, na minha memória, as gargalhadas do Artur, a comum barretina na lapela, as pequenas grandes histórias desta grande, mas pequena, sociedade portuguesa.
O Artur, peço-lhes desculpa, faz-me falta. Era, de certa forma, um irmão mais velho e quero que ele saiba que o

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Parlamento se associou unanimemente neste voto de pesar pela sua morte. Por mim, continuarei a recordar a sua vizinha de baixo, que o avisava dos golos do Benfica com o toque da vassoura e ele, escondido debaixo da cama, levantava a sua mão e, de punho fechado e com a sua luva preta, sorria uma sua íntima alegria. A mesma que nos proporcionava sempre que nos aparecia nos diferentes palcos da vida.
É essa alegria imensa que me obriga a dizer, aqui: «Até já Artur. Bem hajas!»

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, vou começar exactamente pela parte final da intervenção do Sr. Deputado Fernando Seara.
Não sendo um íntimo do Artur Semedo - e já explico em que circunstâncias o conheci -, também partilhei a deliciosa história, que foi agora contada, a propósito dos golos do Benfica. E estávamos numa fase em que os golos eram fartura ali para o Estádio da Luz. Mas a paixão dele e o receio de que não se viessem a concretizar esses golos eram tão grandes que se escondia, efectivamente, debaixo da cama e só era avisado pelos toques da vassoura da sua vizinha de baixo e, então, saltava esfuziante e contente com esses golos.
Quanto tempo passaria ele, agora, debaixo da cama, se não tivesse morrido, dado que, infelizmente, como sabemos - e os benfiquistas, como eu, o lamentam profundamente -, os golos são cada vez mais raros ali para os lados da segunda circular?!
Como disse, não fui um íntimo do Artur Semedo, apesar de ser benfiquista apaixonado e «doente». Aliás, é a única coisa em que sou «doente» e não sou imparcial. Mesmo na política, mesmo no socialismo, que tanto amo, sou, ou procuro ser, imparcial. Mas no benfiquismo…

Vozes do CDS-PP: - Vê-se!

O Orador:- … não consigo ser. Sou, realmente, muito parcial.
No entanto, não foi nessa condição que conheci o Artur Semedo. Conheci-o, porque ele escrevia crónicas num jornal muito importante da nossa vida quotidiana. Era eu, aliás, vice-presidente de V. Ex.ª, Sr. Presidente da Assembleia da República, quando desempenhou o cargo de Presidente do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, e fiquei impressionado com uma crónica em que ele fazia um elogio, que me tocou profundamente, a uma figura que, juntamente com V. Ex.ª, marcou a minha vida política, a minha vida cultural e a minha vida intelectual: Francisco Salgado Zenha. Ele referia-se a Francisco Salgado Zenha com tanta ternura, tanto amor e tanta admiração que senti um impulso de o convidar para almoçar comigo, no restaurante da Assembleia da República.
Foi, aliás, o único contacto que tive com Artur Semedo. Tivemos uma conversa muito interessante, em que, curioso, lhe perguntei a razão de ser da luva preta, que, aliás, não é tão esquisita quanto isso. Resultou, apenas, de um acidente que ele teve e de uma necessidade médica em ter permanentemente aquela mão aquecida, porque um determinado tendão foi cortado e, se não fosse protegida, poderia, rapidamente, ter uma grande decrepitude.
Mas foi nesse almoço que tive oportunidade de conhecer o homem, o intelectual, o artista e ficar a admirá-lo profundamente. Claro que também falámos do Benfica, mas isso não foi, nesse momento, o mais importante. O mais importante foi verificar que o Artur Semedo tinha princípios e valores, que convergiam, em certo ponto, com os meus, e, a partir daí, passámos a ser amigos e, julgo eu, admiradores mútuos. Pelo menos, passei a admirá-lo profundamente.
O Artur Semedo não precisa de uma sentida homenagem, porque a concepção que ele tinha da vida e daquilo que fica, se é que fica, para além da vida era suficientemente alegre e prazenteira. Provavelmente, se nos está a ouvir, está a divertir-se profundamente com esta nossa cerimónia. Aliás, o exemplo mais acabado da forma com que ele encarava a vida e a morte esteve na exigência que fez - e que terá sido cumprida - de que o seu caixão desse uma volta ao Estádio da Luz e de que todas as pessoas que o acompanhassem para a última morada fossem vestidas de encarnado ou, pelo menos, com um símbolo que, de algum modo, lembrasse o seu bem-amado Benfica.
Portanto, tal qual como o Fernando Seara disse: «Até um dia destes Artur. Temos-te no coração.»

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, quero, em nome do Grupo Parlamentar «Os Verdes», associar-me à homenagem que a Assembleia da República presta, neste momento, a Artur Semedo.
No teatro, na televisão deu mostras contínuas do seu talento inegável na arte de representar e no cinema, também como realizador, mas creio que, fundamentalmente, como actor.
Benfiquista ferrenho, Artur Semedo era daqueles que entendia que uma pessoa pode mudar de tudo, de partido, de religião, mas de clube nunca. Do «homem da luva preta», que, de um acidente, transformou o resultado numa característica única, sabendo alimentar dúvidas e curiosidades sobre aquela mão direita, do actor, do realizador, do crítico, do humorista, ficam as nossas profundas saudades e dirigimos, naturalmente, as nossas mais sentidas condolências a todos aqueles que lhe eram próximos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero também, em nome do CDS-PP, juntar-me às palavras de todos os oradores que me antecederam.
Quero ainda registar, com excepção da Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, cuja filiação clubista não conheço, que partilho, quer com o Prof. Fernando Seara quer com o Dr. Manuel dos Santos, a mesma paixão clubista, que era a mesma da do Artur Semedo.
Só não lhe conhecia, Sr. Deputado Manuel dos Santos, a imparcialidade, como uma das principais características pessoais. Devo dizer-lhe que, se calhar, o que nos separa é que o Sr. Deputado Manuel dos Santos será «doente» e eu sou só faccioso. Não chego a ser «doente» em relação ao meu clube.

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O Artur Semedo, de facto, é uma personagem a que nos podemos referir - ele, certamente, gostaria - com algum sentido de humor, porque foi algo que marcou profundamente toda a sua vida.
Portanto, não querendo abusar, num voto de pesar, desse mesmo sentido de humor, diria, no entanto, que se o Artur pudesse ouvir este nosso voto de pesar talvez registasse, com curiosidade, que a unanimidade da Câmara foi tanta que até Os Verdes se associaram a um voto tão encarnado.

Risos do CDS-PP e da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.

Até Os Verdes, neste caso, se juntaram a um voto sobre uma personalidade tão encarnada - digo encarnada e não vermelha! -, como era o Artur Semedo.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - A homenagem que fica ao Artur Semedo é, como aqui foi dito, a uma personalidade frontal, irreverente e que tinha duas grandes qualidades, que são aquelas que queremos homenagear agora. Tinha sentido de humor, algo que entendemos fundamental - pena que nunca tenha sido Deputado -, que era uma qualidade extraordinária e fantástica, e tinha uma enorme paixão por tudo aquilo que fazia. Ouvi, ainda agora, aquele que considero ser um dos grandes humoristas portugueses, o Herman José, assumir a sua quase filiação em relação ao Artur Semedo, o que é simbólico também, e ouvimos aqui, hoje, um benfiquista como o Fernando Seara assumir a sua ligação a essa personagem. De facto, essa paixão e esse sentido de humor, expressos por um alfacinha de gema, merecem que expressemos também as nossas condolências e a nossa associação a este mesmo voto de pesar.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em nome do Bloco de Esquerda, associo-me também a este voto de pesar. Nesta ocasião, relembramos, da imagem e da figura de Artur Semedo, o seu riso de heresia, o seu estar contra a corrente, o seu estar, aparentemente, absurdo. Pessoas assim fazem muita falta nas sociedades. Por vezes, têm o humor antes do tempo; por vezes, também acertam nas ideias antes do tempo. Mas sem isso, certamente, as sociedades seriam bem mais pobres e bem menos verdadeiras.
Exprimimos as condolências. Reconhecemos o respeito.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quase que me sentiria obrigado a dizer - e certamente que o Artur Semedo não levará a mal que, nesta altura, depois daquilo que aqui ouvimos, se possa fazer esta afirmação - que, apesar de o Artur Semedo ser benfiquista, sempre o apreciei em toda a sua vida. Não apenas na vida enquanto actor mas, fundamentalmente, na forma como ele sempre se comportou perante a sociedade e na sociedade.
Assim, Sr. Presidente, em nome do meu grupo parlamentar, associamo-nos claramente a este voto, que, aliás, subscrevemos.
Gostaria de recordar apenas aquilo que talvez tenha sido os traços característicos fundamentais da personalidade de Artur Semedo: a sua irreverência, o seu humor, muitas vezes corrosivo, e a forma provocatória e cáustica com que encarava a sociedade e sobre ela se pronunciava. Aliás, tivemos oportunidade de ver uma destas facetas ou, se quiser, estas facetas todas em conjunto num programa televisivo em que ele desempenhava o papel do Presidente da Assembleia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgo que esta homenagem que a Câmara hoje presta a Artur Semedo é inteiramente justa.
Quem o conheceu guarda, certamente, momentos de memória tão ricos como aqueles de que foram testemunha alguns dos Srs. Deputados que tiveram ocasião de intervir neste debate e quem teve o privilégio de o ter por amigo pode fazê-lo com redobrada legitimidade, mas sem dúvida com o mesmo sentido de maravilhamento pela imprevisível capacidade de surpreender, de fustigar e de, com corrosiva ironia, ferir interesses instalados e despertar as pessoas para questões importantes.
Destaca-se, quando pensamos em Artur Semedo, essa ironia, não surpreendentemente invocada, o humor certeiríssimo e essa maneira cáustica de fustigar os espíritos fechados, não por não serem encarnados, mas por não saberem viver. Ele soube viver e merece a homenagem de todos nós.
Assim, gostaria de, em nome do Governo, me associar não apenas ao pesar genuinamente mas às condolências endereçadas a todos aqueles que o estimaram.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não conheci muito de perto o Artur Semedo, mas ele não deixava que o desconhecêssemos, porque aparecia com frequência na comunicação social, no teatro, na televisão. Era uma presença constante nas nossas vidas. Por menos que quiséssemos não dar por ele era impossível não o conhecer.
Guardo dele a ideia de um iconoclasta, de um irreverente e eu continuo a não ser insensível, quer à irreverência quer à iconoclastia.
Acho que ele viveu bem a vida, hedonisticamente, com uma filosofia assumida de quem tira da vida o desfruto possível.
De facto, o único defeito que lhe reconheço é o de a paixão dele, que justamente aqui exaltámos - e tenhamos consciência de que exaltámos uma paixão! -, não ser pela Académica. Mas que hei-de fazer? Ninguém é perfeito…! Nem o Artur Semedo conseguiu sê-lo!
Tenho muita pena por termos perdido o seu convívio, a sua ironia, a sua boa disposição. Mas a vida é assim. Quem vive tem de morrer. Ele morreu um pouco mais cedo do que nós esperávamos.

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Associo-me às vossas palavras de pesar.
Srs. Deputados, vamos, pois, votar o voto n.º 125/VIII - De pesar pelo falecimento do actor Artur Semedo (PS, PSD, PCP, CDS-PP, Os Verdes e BE).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

O cinema e o teatro portugueses ficaram, hoje, mais pobres!
Artur Semedo, nome marcante das artes na segunda metade o século XX português, deixou-nos.
Dele fica a memória de uma personalidade singular, desconcertante, irreverente e provocante.
Dele ficam-nos imagens vivas de presenças estimulantes quer nos palcos dos diferentes teatros - como, por exemplo, e durante 11 anos, a sua parceria com Laura Alves no então Teatro Monumental - quer em filmes como o Dinheiro dos Pobres, Rei das Berlengas, Malteses, Burgueses e às Vezes e Crónica dos Bons Malandros.
A sua presença em diferentes programas de televisão mostrou-nos um homem com um humor acutilante, cortante e rico.
A sua audácia mostrou-nos um realizador audaz e que nos proporcionou momentos hilariantes no Querido Lilás com o qual conquistou, com toda a justiça, o Grande Prémio do Cinema Português.
Para além do teatro, do cinema e da televisão, Artur Semedo, sempre com a sua luva preta na mão direita, era conhecido, também, pelo seu benfiquismo dos «sete costados».
Homem da cultura e das artes, de paixões e de emoções, alentejano de origem e «Menino da Luz» do coração - com a barretina na lapela dos seus casacos - vai deixar-nos saudade.
A Assembleia da República exprime a sua profunda mágoa pelo falecimento de Artur Semedo, inclinando-se perante a sua memória e prestando-lhe sentidamente uma derradeira homenagem.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, guardemos um minuto de silêncio.

A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.

Srs. Deputados, o voto vai ser transmitido à família enlutada e à direcção do Sport Lisboa e Benfica.
O voto que se seguia, relativo às ofensas de que foi vítima a comunidade portuguesa na África do Sul, será discutido e votado na sessão de amanhã.
Assim, dou por encerrado o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 45 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 348/VIII - Estabelece medidas de protecção do património urbano (CDS-PP).
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS-PP apresenta hoje, nesta Câmara, um projecto de lei que visa dois objectivos fundamentais: em primeiro lugar, proteger o património urbano; em segundo lugar, combater de forma eficaz, do nosso ponto de vista, as várias formas de vandalismo que ameaçam esse mesmo património urbano.
Sabemos que, ao longo dos últimos anos, têm surgido determinadas formas de subcultura e, nalguns casos, determinadas formas de contracultura até, ligadas a uma realidade que vulgarmente se designa por graffiti, a utilização de inscrições que têm origem nalgumas sociedades como a norte-americana. Mas verifica-se a generalização desse fenómeno na maior parte das cidades europeias e, designadamente, em Portugal, o que levou à criação de um ambiente urbano a ponto de, hoje em dia, nada escapar ao que consideramos ser uma forma generalizada de vandalização.
Hoje em dia, não escapam a esse tipo de vandalismo os prédios urbanos; não escapam as cidades históricas - Évora, cidade classificada como património mundial, está completamente vandalizada nalgumas zonas; não escapam os monumentos, por muito importantes que sejam - o Aqueduto das Águas Livres, que resistiu tantos e tantos anos, também hoje está vandalizado; não escapam os vários objectos do equipamento social - basta olharmos para autocarros, eléctricos, estações de metropolitano acabadas de inaugurar que imediatamente são completamente vandalizadas; não escapam os sinais de trânsito, alguns dos quais estão perfeitamente irreconhecíveis, tanto nesta nossa cidade como por esse país fora. Muitas vezes, algumas destas inscrições têm, inclusivamente, um conteúdo violento que, em si mesmo, é denunciador, quando não gerador, de situações de insegurança.
Perante esta realidade, há dois tipos de atitude possíveis.
A primeira é a de dizer que o problema não existe, que não é uma realidade, recusar-se a ver.
Assim, para aqueles que se recusam a ver, vou mostrar, Srs. Deputados, um ou outro pequeno exemplo.

Neste momento, o orador passa a exibir diversas fotografias que ilustram a sua intervenção.

Srs. Deputados, inscrições e gatafunhos numa parede de uma rua da nossa cidade de Lisboa é o normal.
A esta realidade, não escapam os prédios classificados, neste caso um que foi galardoado com o Prémio Valmor.
Também no que se refere ao mobiliário urbano, o seu estado normal, Srs. Deputados, é este que podem verificar.
Existem sinais de trânsito completamente irreconhecíveis, não sendo já possível saber o que se pretende transmitir com o mesmo.
Vejam estas fotografias de placas toponímicas, de eléctricos, de fontes, tudo completamente vandalizado.
O mesmo se passa em relação a estátuas, espalhadas por esta cidade e pelo País, repletas de inscrições ou de gatafunhos.
Podem ver-se, ainda, inscrições cujo conteúdo é claramente agressivo, de que vos exibo apenas dois exemplos, onde pode ler-se a frase «polícias assassinos» ou uma outra - mais agressiva ainda!: «as nossas balas nas vossas cabeças».

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Infelizmente, esta é a realidade dos dias de hoje, infelizmente, é isto com que nos deparamos pelo País fora em quase todas as cidades.
Ora, nós não aceitamos recusar a ver esta realidade, não aceitamos recusar a ver que é raríssima a rua da cidade de Lisboa onde não existam gatafunhos nas paredes. Desafiaria mesmo quem não concorda connosco a apontar, na cidade de Lisboa, uma única rua em cujas paredes não haja gatafunhos ou inscrições.
Outros há que dizem que tudo está bem, que se refugiam no «sossego» do Código Penal, argumentando que tudo isto está lá previsto e assim ignorando esta realidade, que é de todos os dias nesta cidade.
Pela nossa parte, porque não nos recusamos a ver o problema e porque estamos preocupados com ele, vejamos o que propomos.
Propomos desenvolver uma cultura política de sensibilização e de protecção do património. É preciso sensibilizar os cidadãos e as autoridades para a protecção do património e para a qualidade de vida urbana. É que numa cidade onde tudo está estragado, tudo está vandalizado, não é agradável viver e a indução de destruição e de falta de respeito pelo património é consequente do estado dessa mesma cidade.
Em segundo lugar, queremos criar mecanismos eficazes por forma a que quem danifica, quem estraga - e é disto que estamos a falar e não de casos em que seja atendível um interesse artístico ou outro, estamos a falar de vandalismo -, seja obrigado a reparar.
Por outro lado, é necessário dotar o País de instrumentos, como a comissão que propomos, com vista a fazer-se o levantamento dos estragos, a sensibilizar-se as autoridades e a estudar-se os meios para reparar e repor as coisas no estado em que deveriam estar.
Do ponto de vista criminal, especificamos este crime de dano e propomos uma alteração fundamental, tornando-o crime de natureza pública. É que o que permite que as coisas tenham chegado a este estado não é a ausência de criminalização em sede do Código Penal, pois essa já existe, visto que está lá previsto o crime de dano, tem é uma moldura penal que caiu em desuso e, por não ser considerado um crime público, ninguém apresenta queixa e, por isso mesmo, a moldura penal não é eficaz.
Por último, estabelecemos a distinção entre os casos em que há um interesse artístico atendível e propomos que, aí, as autarquias possam autorizar, regulamentar e permitir que tais formas de actividade artística sejam exercidas em locais onde não se verifique dano para o património nem vandalização.
Este é o projecto de lei que apresentamos. Pensamos que o mesmo constitui um pontapé de saída para uma discussão que temos de travar se não quisermos viver num ambiente urbano cada vez mais degradado.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Apelamos, por isso, à Câmara e a todos os grupos parlamentares para que aceitem fazer esta discussão connosco em sede de especialidade. Não temos a presunção de ter a fórmula mágica para transformar, de um dia para outro, um país vandalizado numa realidade de paredes brancas e limpas, mas pensamos que a Assembleia não pode ignorar esta realidade.
Os cidadãos merecem viver num outro tipo de cidade e, por isso, queremos e exigimos discutir esta questão.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, este projecto de lei do CDS-Partido Popular é, de facto, muito original. Querendo lutar contra o vandalismo, chega a territórios completamente inesperados.
Dei comigo a pensar numa das disposições do vosso projecto de lei segundo a qual é proibida a menores a compra de sprays de tinta. O que fará um menor de 18 anos para reparar a sua bicicleta? Deixa de poder comprar um spray de tinta?
É absolutamente insensato, não tem qualquer cabimento este tipo de disposição, absolutamente punitiva, desproporcionada, inconsiderada em relação ao conjunto das relações sociais. Um jovem menor de 18 anos é proibido de comprar um spray de tinta para reparar a bicicleta? Só pode fazê-lo acompanhado pelo papá…?
Esta veia legislativa do CDS-Partido Popular é verdadeiramente inesperada e bastante extravagante.
Só que a questão não é exactamente esta. É que, na realidade, os graffiti são, a um tempo, uma componente com uma estética multicultural, havendo, ainda, um conjunto de outras coisas que não são exactamente graffiti, mas rabiscos, gatafunhos, etc., fenómenos de egoísmo absolutamente inestéticos. Quanto a estes últimos, actualmente, já são punidos pela legislação. O facto de os tribunais não procederem criminalmente contra os autores destas manifestações não tem a ver com a ausência de legislação. Tem a ver, sim, com uma outra realidade, que é a possibilidade de instituições mais próximas dos jovens poderem contratualizar essa expressão multicultural que se manifesta não só em Portugal como em todos os países, por forma a contribuir para uma vida das cidades mais activa e mais moderna, o que não inclui, obviamente, tudo o que são excessos e manifestações de vandalismo.
Conheço mesmo exemplos de várias câmaras municipais que têm percorrido esse trilho, como é o caso de Lisboa ou da Moita, que disponibilizaram espaços urbanos para essas manifestações, tendo até conseguido discipliná-las.
A via repressiva, a via de «escandalização» pelo abuso do espaço urbano conduz a um conflito e não a uma solução, conduz à imposição unilateral de um conceito cultural e não à integração cultural e termina em algo que é, manifestamente, um imbróglio jurídico e um abcesso do ponto de vista da veia legislativa do CDS-Partido Popular.
Assim sendo, Sr. Deputado Telmo Correia, faço-lhe a única pergunta que, neste momento, me acede, com toda a coerência e sem qualquer malevolência: Sr. Deputado, considera o Partido Popular a oportunidade de retirar este projecto de lei?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia para responder.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, reparei que, na sua pergunta, hesitou um pouco no caminho a escolher, entre criticar-

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-nos por sermos demasiado repressivos ou elogiar o projecto de lei.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Elogiar o projecto?

O Orador: - Notei até uma concordância simpática e interessante.
Não sei se o Sr. Deputado leu o nosso projecto de lei mas, se o fez, terá verificado que estas situações que referiu relativas às câmaras municipais e à possibilidade de as mesmas tornarem este comportamento não contra o património urbano e contra a sociedade mas regulamentado está no nosso projecto de lei.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Com os jovens a correrem à frente da polícia…?

O Orador: - Notei, depois, uma discordância importante em relação à venda de sprays, que o Sr. Deputado classificou como sendo uma ideia original. Posso dizer-lhe que assim não é e que tal está previsto na legislação de vários países europeus, havendo casos, como, por exemplo, o da Alemanha, onde, pura e simplesmente, é proibida a venda de sprays para este efeito. Portanto, não se trata de uma ideia original da nossa parte.
Mas se o problema está neste ponto concreto relativo à venda de sprays, Sr. Deputado, serei o primeiro a deixá-lo cair na especialidade. O que não aceitamos - e tudo está em aberto para discussão na especialidade -, porque verificamos que, em Lisboa, quase não há uma parede que não esteja vandalizada, o que não aceitamos, repito, é «fechar os olhos», dizer que está tudo bem, dizer que se cumpra a lei, em vez de criarmos os mecanismos para evitar a destruição e a degradação sistemática do património urbano.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - É esse o objectivo!

O Orador: - Sr. Deputado Luís Fazenda, se quer fazer esta discussão connosco, viabilize o projecto de lei e, certamente, o seu contributo será útil em sede de discussão na especialidade. Se não quer fazer a discussão e prefere «fechar os olhos», então, deixe estar tudo como está! Nós não nos conformamos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho.

O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta apresentada pelo CDS-PP, o projecto de lei n.º 348/VIII, que pretende estabelecer novas regras de protecção do património urbano e que tem passado na opinião pública como o projecto que visa criminalizar os autores dos chamados «graffiti», representa, em nosso entender, uma típica resposta de direita, na sua versão pura e dura, a um fenómeno característico que atinge principalmente as zonas suburbanas das grandes cidades e que é indicador de alguma exclusão social.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Para além da redundância, face à actual legislação, que esta proposta representa, querem os autores deste projecto colocar na prisão quem - os jovens - «destrua ou desfigure coisa alheia, móvel ou imóvel, com a inscrição de sinais, símbolos, desenhos, pinturas, dísticos ou expressões (...)».
Isto é, para um fenómeno que, na maior parte das suas motivações, tem subjacentes causas de natureza social e de exclusão social, privilegia o PP o autoritarismo, a criminalização indiferenciada em detrimento do acompanhamento, do enquadramento e diálogo social, evidentemente crucial para não atirar esta população, jovem na sua grande maioria, para uma ainda maior exclusão social, potenciando assim a sua disponibilidade para níveis de marginalidade mais acentuados.
Há que distinguir, porém, o mero atentado destruidor do património cultural das nossas cidades, os actos de vandalismo sem nexo ou objectivo dos gestos que se enquadrem, de alguma forma, numa tentativa (ainda que por vezes de uma forma condenável) de comunicação e expressão de um estado de espírito, de uma «revolta» contra as «injustiças do sistema» ou de uma forma de comunicação ou expressão cultural de quem se sente marginalizado, muitas vezes a partir da própria escola.
Para o primeiro caso, o da destruição do património através do gesto de vandalismo, já a actual legislação em vigor prevê a sua criminalização, como, aliás, reconhecem os autores do projecto do PP, nomeadamente através do artigo 212.° do Código Penal, o qual prevê que se possam aplicar penas de prisão até 3 anos.
As próprias câmaras municipais têm competência, consagrada na Lei n.° 97/88, de definição e fiscalização. Definição no que respeita ao estabelecimento de critérios de afixação de mensagens e consequente fiscalização e, naturalmente, poderes de aplicação de coimas.
Está, pois, em nosso entender, esta proposta de projecto de lei desprovida de qualquer utilidade prática, uma vez que, na sua vertente de combate ao acto de vandalismo destruidor, o mesmo já está consagrado na actual legislação. Estamos, assim, perante uma redundância.
Mas o que este projecto tem ainda de mais negativo, para além da sua duvidosa aplicabilidade, é que, a pretexto deste combate, mete tudo no mesmo «saco», passe a expressão, e passa a criminalizar também quem, através das ditas «pinturas de parede», tenta exprimir-nos algo, a sua própria existência e, muitas vezes, a sua revolta contra a exclusão a que foi votado desde que nasceu. A exclusão económica, social, habitacional, cultural e educacional.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para estes jovens, para estes autores de graffiti ou inscrições, a resposta não pode ser a criminalização, a prisão que só os atirará para níveis superiores de exclusão e, aí sim, de marginalidade, mais difícil de lidar. A resposta não pode nem deve ser esta.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Felizmente, registamos - porventura ainda que de um modo tímido - sinais de quem compreende que a resposta tem de ser outra, e que passa necessariamente pelo diálogo, na tentativa de incutir princípios de valorização social neste sector da nossa população, jovens na sua esmagadora maioria.
Diversas câmaras municipais, como, por exemplo, aqui bem perto, as de Oeiras, Barreiro e Lisboa, tomaram a iniciativa de promover concursos ou exposições de graffiti,

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feitos nos bairros sociais e por jovens destes bairros, como modo de se aproximarem para um diálogo e de se estabelecerem pontes de compreensão, dando-lhes também estatuto de criadores de uma outra forma de expressão cultural ou artística, aliás, já com pergaminhos um pouco por todo o mundo.
Não será suficiente, não resolverá por si só, nem este problema, nem o problema mais geral da desinserção e exclusão social. Nenhum de nós tem dúvidas quanto a isso, mas o fundamental é estabelecer pontes, pontes de compreensão. Este problema insere-se no quadro mais geral, que consiste no combate ao envolvimento dos jovens dos bairros mais vulneráveis na criminalidade e desinserção social.
A este respeito, julgo que um dos caminhos a seguir está consagrado na Resolução n.° 4/2001 do Conselho de Ministros, que lançou o Programa de Prevenção da Criminalidade e Inserção dos Jovens, Programa Escolhas, elaborado pela Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, o qual tem como objectivos prioritários a prevenção da criminalidade e inserção dos jovens dos bairros mais vulneráveis (50 bairros de Lisboa, Setúbal e Porto); a formação pessoal e social, escolar e profissional e parental dos jovens dos referidos bairros; dinamizar parcerias de serviços públicos e das comunidades dos bairros seleccionados, de modo a desenvolver as áreas estratégicas de intervenção de mediação social, de ocupação de tempos livres e de participação da comunidade, a fim de possibilitar a valorização da formação escolar e profissional e da formação parental dos jovens, de modo a evitar que venham a dedicar-se à prática de factos que a lei penal qualifica como crime.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Será sempre por esta via, pela via do combate às causas inerentes aos fenómenos de marginalidade, pela via do diálogo e, naturalmente, da responsabilização, que prosseguiremos e incentivaremos outros a prosseguir.
Não está em causa a autoridade do Estado, nem a demissão das nossas responsabilidades. Antes pelo contrário, o que está em causa é definirmos que as pessoas estão primeiro e, por consequência, não se pode empurrar jovens excluídos para maior exclusão, para guetos ou apartheids de estados de espírito ou de alma. Já bastam os físicos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, votaremos contra este projecto do CDS-PP.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Manuel Alegre.

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito de defesa da honra da bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. João Amaral (PCP): - Já não bastava a questão do elevador!…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, a questão do elevador também se põe em termos de defesa do património urbano, mas é outra discussão que travaremos noutras circunstâncias. Neste momento, queria dirigir-me ao Sr. Deputado Miguel Coelho que, usando dois ou três chavões habituais, ofendeu a honra da minha bancada.
O Sr. Deputado afirmou que, com este projecto de lei, o CDS-PP quer colocar jovens na prisão, o que é rigorosamente falso! O que nós fazemos, única e exclusivamente, é especificar um determinado crime que já existe e está previsto, que é o crime de dano.
Além de mais, o Sr. Deputado não prestou a atenção suficiente para verificar que uma das críticas que nos fazem neste debate é, precisamente, a de baixarmos a moldura penal em relação a esse mesmo crime de dano…

Vozes do CDS-PP: - Exactamente!

O Orador: - … porque, hoje em dia, no crime de dano, designadamente em relação às situações de que falei há pouco, de destruição de monumentos - e que não ocorrem numa periferia suburbana mas, sim, no centro da cidade -, a pena prevista vai até 8 anos de prisão! O que dizemos é que é preciso sensibilizar as autoridades, é preciso criar uma comissão que faça o levantamento da situação, é preciso tornar este crime público, porque a queixa não é eficaz, e é preciso não ignorar que as nossas cidades estão no estado em que demonstrei há pouco. Portanto, há que reagir.
Como o Sr. Deputado Miguel Coelho parece estar pouco informado sobre esta matéria, apenas acrescento o seguinte: todos os estudos feitos neste domínio demonstram uma realidade contrária àquela que referiu, isto é, que este tipo de vandalismo não tem classe social. O Sr. Deputado está, pois, completamente enganado, porque este não é um crime praticado por jovens excluídos da periferia suburbana. Há inúmeros estudos sobre esta matéria e todos demonstram que, em qualquer classe social, bairro ou comunidade, este tipo de prática de vandalismo existe, com razões e fundamentos vários.
Repare que, ao propormos as molduras penais que propomos… Sr. Deputado, admito que não seja jurista, mas preste atenção ao que lhe vou dizer, porque faz sentido.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não faz sentido, porque o vosso projecto de lei é inconstitucional do princípio ao fim!

O Orador: - Se não interromper e me deixar falar, Sr. Deputado Osvaldo Castro, uma vez que é jurista, vai perceber o que estou a dizer.
Hoje em dia, no Código Penal, Sr. Deputado Osvaldo Castro, como sabe, em relação às penas de prisão inferiores ou iguais a 1 ano e mesmo no que respeita às penas de prisão inferiores ou iguais a 3 anos - artigos 44.º e 55.º do Código Penal -, o juiz só aplica a pena de prisão se não for possível recorrer a uma outra medida preventiva da liberdade.

Vozes do CDS-PP: - Claro!

O Orador: - Portanto, o que propomos é razoável, é justo e é exactamente o contrário dos chavões que, mais uma vez, o Sr. Deputado Miguel Coelho usou contra nós.

Aplausos do CDS-PP.

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O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho.

O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, não sei em que é que ofendi a honra da sua bancada, porque estamos aqui a travar um debate político. Em todo o caso, aproveito para esclarecer alguns pontos.
Dispõe o artigo 1.º do projecto de lei do CDS-PP que «Quem, no todo ou em parte, destrua ou desfigure coisa alheia, móvel ou imóvel com a inscrição de sinais, símbolos, desenhos, pinturas, dísticos ou expressões, sem autorização prévia, é punido com pena de prisão até um ano (…)». A seguir, no artigo 2.º, estabelece-se que quem praticar os actos descritos no artigo anterior - e passo a citar -, «É punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 240 dias». Diz, ainda, o artigo 1.º: «A tentativa é punível».
Sr. Deputado Telmo Correia, todos estamos de acordo de que os actos de vandalismo têm de ter um determinado tratamento,…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Mas há ou não um crime de dano?!

O Orador: - … mas, com a proposta que os senhores nos apresentam, qualquer risco, quaisquer graffiti, porque os senhores não destrinçam…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sem autorização prévia!

O Orador: - Sr. Deputado, é no problema da autorização que está colocada a questão social que, muitas vezes, é evidente. Nós estamos a lidar com jovens que, de facto, não pedem autorização para pensar, e o Sr. Deputado não resolve esta situação enchendo ainda mais as cadeias com jovens. Aliás, até criam um outro problema, o da superlotação das prisões!

Protestos do CDS-PP.

Como deve calcular, há que dialogar com estas pessoas, incutir-lhes sentimentos de convivência social e fazer a sua recuperação social. Mas também temos de reconhecer que podemos encontrar aqui formas de expressão artística.
Volto a dizer - aliás, a justificação do projecto de lei que apresentam situa-se no âmbito da segurança - que o que os senhores dizem é que temos jovens prontos para o crime e, portanto, a vertente da prisão tem de ser, necessariamente, valorizada por quem o analisa. A verdade é que os senhores querem fazer alguma demagogia à volta desta matéria do género: «Está tudo muito inseguro e agora vamos preocupar-nos com os rapazes que pintam as paredes»! Isto é, ao fim e ao cabo, o que os senhores pretendem.

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do CDS-PP: - Que vergonha!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado David Justino.

O Sr. David Justino (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Coelho, ouvi com muita atenção toda a sua intervenção e constatei que ela se fundamenta numa ideia de base: os graffiti, tal como têm sido enunciados aqui, são uma expressão cultural da exclusão social. É esta a tese-base da sua intervenção.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Notável!…

O Orador: - Permito-me invocar a minha experiência, não só na Câmara Municipal de Oeiras, que também teve oportunidade de citar relativamente ao problema dos graffiti, e pode ter a certeza de que a prática de tais actos não é expressão da exclusão social. Pode ser a expressão de algumas culturas «adversariais», mas não é, necessariamente, a expressão da exclusão social. Não tem nada a ver com isso!
Em segundo lugar, posso dizer-lhe que a Câmara Municipal de Oeiras teve oportunidade de desenvolver programas especiais, visando a promoção dos graffiti, mas há que reconhecer que esse programa foi um falhanço total (daí que não o tivéssemos repetido), dado que, a partir daí, houve dificuldade em controlar estas formas de expressão.
Também prestei muita atenção às medidas que propõe, medidas que entram na panóplia dialogante e intervencionista de carácter assistencialista a que o Partido Socialista nos tem habituado.
Gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Miguel Coelho se, para além das parcerias, do diálogo com os jovens, dos programas de recuperação, prevê ou não uma espécie de «programa de troca de sprays»…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … para que a realidade não seja tão violenta e, de certa forma, não se possa enviar tantos jovens para as cadeias.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho.

O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado David Justino, a minha resposta é apenas esta: felizmente, muitos jovens que, hoje em dia, pintam as paredes com os sprays ainda não se drogam,…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sabe-se lá!

O Orador: - … mas, se os mandar para a prisão, se calhar, saem de lá a drogar-se.

Vozes do PS: - É verdade!

O Orador: - Lamento que o programa que aplicou em Oeiras não tenha tido os melhores resultados. Se calhar, foi mal gerido. Não sei nem posso pronunciar-me sobre isso. Em todo o caso, sei que o caminho nunca será o da repressão, porque a repressão faz sentido para os casos extremos, para os casos de vandalismo, aliás, já previstos no Código Penal. É evidente que o senhor passeia pela cidade e nos bairros nobres e bem frequentados - alguns, se calhar, entre aspas - também encontra graffiti, mas

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encontra-os em grande quantidade e com maior concentração nos bairros sociais.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Não é «também encontra»! É que não escapa um!

O Orador: - Ora, isso significa alguma coisa.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade!

O Orador: - Ou olhamos para esta questão com olhos de ver ou, então, «enterramos a cabeça na areia» e agravamos o problema. Essa é a questão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria fazer algumas considerações sobre este projecto de lei, considerações que, aliás, vou reformular em alguns aspectos, tendo em conta aquilo que foi o debate tido até agora.
Perdoem-me os oradores anteriores, não todos, é verdade, mas julgo que o debate está, neste momento, relativamente descentrado em relação àquilo que é essencial.
Em primeiro lugar, não estamos - e queria deixar isto muito claro - nem queremos estar aqui com preconceitos ou com complexos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Assim sendo, não vamos fazer o «discurso do coitadinho», que foi feito pela bancada socialista, nem vamos fazer um discurso que nos impeça, para sermos social ou politicamente correctos, de dizer aquilo que entendemos sobre esta matéria.
Penso que é preciso separar muito claramente duas coisas: uma, são os graffiti como forma de expressão de expressão artística legítima; outra, os graffiti ou não graffiti que são utilizados como pura forma de vandalismo.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Tem toda a razão!

O Orador: - De vandalismo que afecta o património de privados e o património público.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - É uma vergonha!

O Orador: - O Sr. Deputado Miguel Coelho, que tem ou teve responsabilidades na Câmara Municipal de Lisboa, ao que sei, porventura, poderia tentar saber junto da Câmara Municipal de Lisboa, como de muitas câmaras do País, quanto custa em milhares de contos por ano o vandalismo que é feito em muitos equipamentos sociais, dinheiro que é dos contribuintes.

Protestos do PS.

Os senhores não podem, em nome de uma alegada protecção da expressão artística, que é inteiramente legítima, caucionar assim uma forma de vandalismo que agride o ambiente urbano, que custa milhares de contos aos cidadãos, que custa milhares de contos ao erário público e, do nosso ponto de vista, não merece qualquer tutela desculpabilizadora.
É por isso que entendemos que o Código Penal tem já a previsão deste tipo legal de crime. Tenho a oportunidade de dizer, e vou dizer ao Partido Popular, que estamos de acordo com algum enquadramento do problema que o projecto de lei do Partido Popular aqui coloca. No entanto, devo dizer que temos sérias reservas em relação a muitas das soluções que são apresentadas no projecto de lei.
Em primeiro lugar, porque o diploma em discussão faz-nos correr o risco - não na intervenção do Sr. Deputado Telmo Correia mas na forma como foi apresentada em termos públicos - de pensarmos que, até hoje, nenhuma destas condutas de vandalismo era penalmente sancionada. Ora, isso não é verdade! O Código Penal prevê este tipo de crime, prevê uma sanção para este tipo de dano e prevê até, como, aliás, foi aqui dito, uma pena mais grave do que aquela que é prevista no projecto de lei do Partido Popular.
Assim, para a sanidade intelectual, digamos assim, do debate, afaste-se a ideia de que o Partido Popular veio com este projecto de lei preencher um vazio legal. Não é verdade! Ele já existe.
Coisa diferente, mas essa questão não se resolve com um projecto de lei, é dizermos, porque é essa a sensação intuitiva que todos temos, que esta disposição do Código Penal não se tem aplicado a estes casos, como é do nosso intuitivo conhecimento, porque há muitos crimes de dano todos os dias no tribunal. Mas isso, do meu ponto de vista, não pode legitimar o discurso que foi feito para «legitimar» o projecto de lei do Partido Popular.
Em segundo lugar, não entendemos a necessidade de constituição da comissão nacional de protecção do património urbano. Para além das questões de constitucionalidade que foram levantadas, do nosso ponto de vista bem, pelo Sr. Presidente da Assembleia da República, em relação à questão da requisição de um magistrado ao Conselho Superior de Magistratura, devo confessar que li e reli o projecto e nada de substantivo e de eficaz consigo encontrar que possa justificar a criação de uma comissão para combater este tipo de vandalismo.
Em terceiro lugar, queria também dizer que, do nosso ponto de vista, é incompreensível o que está no projecto de lei em relação à proibição de venda de sprays a menores de 18 anos. Sabemos que o nosso ordenamento penal torna criminalmente responsáveis os cidadãos a partir dos 16 anos. Perguntamos por que razão o projecto de lei do Partido Popular proíbe a venda de sprays só a partir dos 18 anos, se é a partir dos 16 anos qualquer cidadão que compre sprays para praticar esse tipo de vandalismo pode ser criminalmente responsabilizado por isso. E se é proibido por lei vender sprays para este fim, qual é a sanção para quem vende o spray, violando esta proibição que consta no projecto de lei? Nesta lei, nenhuma!
Questionamos também a entrada em vigor deste diploma. Este projecto de lei refere, no último artigo, que a entrada em vigor da lei será no dia 1 de Janeiro de 2002. Coloco a mim próprio esta questão: se o Partido Popular está tão preocupado, e legitimamente preocupado, com esta questão, que é séria, o Partido Popular não está, com uma norma destas, a dizer «Meus senhores, 'graffitem' para aí

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até 1 de Janeiro de 2002, porque até lá não há qualquer problema!? Só depois da entrada em vigor da nossa lei é que vamos ter uma política eficaz em relação a esta matéria!»
Sr. Presidente, para terminar, gostaria de dizer que o problema é sério e complexo e obriga a tomar medidas. Não sei se a medida adequada é a medida legislativa, porque o que há nesta questão é um laxismo das forças policiais, das autarquias locais, do conjunto da sociedade que tolera este tipo de comportamentos vândalos.
Entendemos que este projecto de lei está muito longe daquilo que é uma resposta adequada e eficaz a um problema sério e real. Por isso, Sr. Presidente, o Partido Social Democrata aceita participar na discussão séria deste assunto, aceita contribuir positivamente para a resolução deste problema, aceita alertar a sociedade portuguesa para este tipo de questões, mas não nos peçam para concordarmos com todas as soluções - e algumas delas, como tentei demonstrar brevemente, são más soluções - deste projecto de lei.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Miguel Coelho e Basílio Horta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho.

O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, nunca ouviu na minha intervenção falar na defesa da desresponsabilização de quem pratica actos de vandalismo contra o património cultural.
Aquilo que eu disse, e citei, foi que o actual Código Penal já pune as pessoas que pratiquem tais actos, pelo que não vale a pena dizer que fiz o «discurso do coitadinho».
O Sr. Deputado referiu a minha experiência na Câmara Municipal de Lisboa, mas, se visitar os bairros sociais desta cidade, verificará que é ali que incidem as maiores situações de graffiti, de pinturas, etc.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Isso não é verdade! Basta sair da Assembleia para ver!

O Orador: - Isso é um acto de vandalismo, Sr. Deputado. Aprenda a distinguir entre um acto de vandalismo e uma manifestação através de uma pichagem e de graffiti. Devo dizer isto com toda a sinceridade.
Gostava de perguntar ao Sr. Deputado Miguel Macedo se não seria bom, talvez como experiência, que as câmaras municipais tivessem muros e paredes nos próprios bairros para os jovens exercerem essa actividade.
Gostava ainda de dizer que fiquei sem saber, embora já tenha presumido, qual é a posição do PSD em relação a este projecto do CDS-PP. É a favor ou contra?
Todos reconhecemos que existe um problema e que é preciso encará-lo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - O PSD não tem tempo para responder, mas a Mesa concede 2 minutos ao Sr. Deputado Miguel Macedo para responder aos dois pedidos de esclarecimento.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, antes de mais, agradeço a maneira como colocou a questão. É uma maneira séria que merece ser discutida nessa perspectiva.
Quero dizer-lhe que a bancada do meu partido não tem qualquer tipo de preconceito em considerar que esta lei pode ser melhorada e que está completamente disponível para, em sede de especialidade, introduzir as alterações que a beneficiem.
V. Ex.ª diz - e chamo a sua atenção para isto - que este crime está subsumido no crime de dano. Aliás, idêntica discussão foi travada na Alemanha com resultados muito interessantes. É que, Sr. Deputado, não está, efectivamente. Este é um dano especial e específico que não está abrangido na categoria genérica de dano do Código Penal. É interessante que os alemães fizeram este debate a pedido das companhias de seguros, que tinham de pintar, à sua custa, os muros deteriorados das casas e dos monumentos. A certa altura, a despesa era de tal ordem grande que disseram que não era possível continuar. Então, fizeram, através dos seus representantes, uma proposta, que depois foi arredada com esse fundamento que acabou de referir. Dois anos depois, foi feita uma nova proposta nestes termos. Porquê? Porque a publicitação do crime é fundamental e a concretização do crime em relação à moldura genérica do Código Penal é essencial para a sua eficácia. Se o não fizer, tudo ficará na mesma.
Ora, o que nos separa aqui são duas barreiras: uma, entre as pessoas que estão de boa fé e as que não estão e, depois, entre as pessoas que querem combater o vandalismo e aquelas que querem «meter a cabeça na areia» e dizer disparates, como se nós quiséssemos aumentar as penas ou meter as crianças na cadeia, etc., que, repito, são verdadeiros disparates, e grandes!

Protestos do PS.

Portanto, V. Ex.ª pôs bem a questão e vamos discuti-la nessa perspectiva, no sentido de evitar o vandalismo e não de cobrir essa matéria com argumentos que não vêm à discussão nem são admissíveis, porque nunca estiveram nem estariam nas intenções do meu partido.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo, dispondo de 2 minutos.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, muito obrigado pelo tempo que me concedeu e que vou respeitar.
Sr. Deputado Miguel Coelho, o que está em análise e que está em previsão quer no projecto de lei quer na lei não é só o crime contra o património cultural mas contra qualquer património alheio. É essa a previsão do Código Penal. Não podemos é tentar cobrir, como disse na minha intervenção, e repito agora, a expressão «de actos de puro vandalismo» com «roupagens» culturais que, muitas das vezes, todos podemos constatar que nada têm de cultural! Uma coisa é um mural com graffiti, como expressão artística de uma cultura, de uma subcultura, o que quiserem,

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que é legítima e que respeito integralmente, outra coisa são, a coberto dessa expressão artística e servindo até para desvalorizar essa expressão artística, puros actos de vandalismo que se vêm gratuitamente reproduzidos em tudo o que é parede, por tudo quanto é cidade, porque este problema não é um exclusivo da cidade de Lisboa.
Em relação ao Sr. Deputado Basílio Horta, devo confessar que não tenho uma opinião totalmente formada e fechada, se quiser, sobre o núcleo essencial daquilo que é a proposta do PP. Percebo alguns dos argumentos que o PP invoca para transformar este crime em crime público, embora, por exemplo, actualmente, no Código Penal, a tentativa para o crime de dano seja também punível. Não tenho dúvidas de que o nosso Código Penal abrange este tipo de situações, porque o objecto que aqui está definido é muito amplo. A dúvida que tenho é saber se o crime deve ou não passar a ser público. Não tenho uma opinião fechada sobre essa matéria, mas o PSD está aberto a discutir estas questões e a tentar encontrar um melhor enquadramento para as obviar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Botelho.

A Sr.ª Margarida Botelho (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei que o CDS-PP trouxe hoje à Assembleia da República peca por desconhecimento, por uma vontade indisfarçável de controlar e por absurdo. A ignorância sobre o que são os graffiti leva a que o PP ponha no mesmo saco uma coisa que é uma forma de expressão e outra que é um crime já previsto no Código Penal.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Os graffiti são uma das componentes de um movimento cultural e artístico que já nos ofereceu grandes novidades, o hip-hop, que é, na sua origem, pacifista e anti-racista. Será uma banalidade recordar que o rap conferiu à palavra um renovado valor musical e, sobretudo, de intervenção social, cultural e política. Os graffiti, por seu turno, são uma expressão estética de um entendimento do mundo, da sociedade e de si próprio.
Na mesma Nova Iorque que inspirou o PP e onde o Mayor Guiliani gastou 40 milhões de dólares na criação de brigadas anti-graffiti, fazendo, conveniente e demagogicamente, subir as taxas de detenções, os leilões de peças de graffers como Jean-Michel Basquiat desenrolam-se nos melhores salões e atingem verbas fabulosas. Há graffiti nos museus do mundo inteiro, sendo reconhecidos como arte urbana, inclusivamente no nosso país.
O hip-hop surgiu em Portugal já na segunda metade dos anos 80 e tem também como principais manifestações o rap e os graffiti. São já muitos os jovens portugueses, de todas as origens sociais e de todo o País - não é um fenómeno ligado à exclusão, como referiu a bancada do PS -, que se associam em torno desta forma de contestação, utilizando-a para passar uma mensagem social e política. Ouçam-se, para isso, as letras de rap que falam de educação, de liberdade, de racismo, de uma forma extraordinariamente correcta.
O que o PP confunde, os próprios graffers distinguem muito claramente, inclusive com outro nome: um graffito é um mural, tão digno como os do PREC que o PP considera que se deveriam preservar, só que feito com latas de spray em vez de pincéis, profundamente criativos e interventivos, no âmbito do direito à liberdade de expressão e de criação culturais; um tag é uma assinatura, que normalmente serve para fazer conhecer o seu autor ou para delimitar um território - os tais que surgem nas «cabinas telefónicas, nos bancos dos jardins, transportes públicos», etc..

Neste momento, o Deputado do CDS-PP Telmo Correia exibe uma fotografia.

Sr. Deputado Telmo Correia, a fotografia que está a mostrar não é de um graffito, é de um tag!
Somos sensíveis ao incómodo que os tags causam. Concordamos que muitos são puros actos de vandalismo. Mas o PP, na sua vontade populista, esquece-se que, acossados pela ilegalidade reforçada, os jovens não teriam tempo de pintar um graffito, nem de aprender e desenvolver a sua arte, levando a que, num futuro próximo, proliferassem os tags em vez dos verdadeiros graffiti. O reforço desta criminalização noutros países, como os Estados Unidos da América ou o Brasil, não fez diminuir os tags, pelo contrário.
As razões da violência, da delinquência, do vandalismo, radicam nas políticas de direita e no quadro social complexo que temos hoje. Há que mudar as condições sociais para que se alterem estes fenómenos. E por que não proporcionar a estes jovens o desenvolvimento de algo mais artístico?
É isso que se faz, por exemplo, no Centro de Hip-hop do Vale da Amoreira, no concelho da Moita. A provar que o PP não tem razão na associação que faz entre graffiti, gangs e violência, aqui, a cultura hip-hop, nomeadamente o rap e os graffiti, é usada como forma de prevenção da exclusão e da marginalidade. Os jovens que abandonaram a escola, que tinham comportamentos de risco ou problemas de toxicodependência encontram no Centro Hip-hop, único no País, uma alternativa de vida.
Parece-nos que o caminho deve ser o de haver incentivos por parte das escolas, das autarquias, do Instituto Português da Juventude, de forma a fazer com que esta nova forma de arte seja encarada como tal, com concursos, espaços próprios para pintar, etc., combatendo os tais tags.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este projecto de lei propõe medidas de segurança a nosso ver injustificáveis. O lado de vandalismo que as inscrições e os tags possuem já está previsto no Código Penal, até com penas maiores do que aquelas que são propostas, e tem sido aplicado.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Tem sido aplicado?!

A Oradora: - Por que motivo é que o PP pretende autonomizar este acto? Porque julga que é menos grave do que os outros danos previstos nos artigos 212.º e 213.º do Código Penal, que são punidos com penas até oito anos de prisão? Só há um motivo para que o CDS-PP

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proponha uma medida despropositada e que terá o efeito contrário ao desejado, como já dissemos. E o motivo é simples: o PP explora de forma profundamente demagógica sentimentos justificados da população contra actos de vandalismo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na perspectiva do Grupo Parlamentar «Os Verdes», o projecto de lei do PP parte de pressupostos errados.
Em primeiro lugar, confunde desenho e pintura, formas de expressão artística no meio urbano mais conhecidas por graffiti, com meros rabiscos, inscrições e gatafunhos, como os classificava o Sr. Deputado Telmo Correia, confusão esta que, na nossa perspectiva, não é, de todo, correcta.
Por outro lado, o projecto de lei do PP faz uma associação directa entre a violência e a insegurança com os desenhos e as pinturas e até com alguns rabiscos, o que também não nos parece correcto.
Do ponto de vista de Os Verdes, os graffiti são uma forma específica de cultura urbana que constituem uma expressão artística em determinados espaços, numa determinada época (de facto, há uns anos não existiam). Trata-se de desenho e pintura de jovens que tomam a iniciativa de pintar uma parede com spray.
O Sr. Deputado Telmo Correia sabe que, numa época revolucionária, muitos jovens pintavam nos muros e inscreviam nas paredes mensagens políticas e o PP considera, no preâmbulo deste projecto de lei, que as inscrições e os murais dessa época deveriam até ser preservados. Na perspectiva do PP, o que os distingue dos actuais murais pintados com spray é a motivação. Sr. Deputado, qual é a motivação dos jovens que pintavam murais naquela altura e qual é a motivação dos jovens que passam quatro, cinco horas, manhãs e tardes a desenhar e a pintar numa parede, às vezes cinzentona, outras vezes abandonada? Sr. Deputado, o que era feito há 25 anos deve ser preservado e o que se faz hoje deve ser criminalizado?
Do nosso ponto de vista, o que está errado é que o PP mete tudo no mesmo saco: pinturas e rabiscos. Consideramos que os rabiscos, as inscrições e os gatafunhos - para utilizar a expressão do Sr. Deputado Telmo Correia -, as assinaturas nas paredes, as inscrições insultuosas, constituem coisa diferente. Como já aqui foi referido, consideramos que estas manifestações constituem já um crime previsto e punido pelos artigos 212.º e 213.º do Código Penal, sejam elas feitas numa parede lateral de um prédio ou numa muralha de um qualquer edifício histórico.
O PP diz-se preocupado com o ambiente visual das cidades, mas nós consideramos que a degradação das cidades constitui uma questão muito mais profunda. Quando é o Estado a degradar e a não preservar o património, como é que é? Quando é o Estado que não promove os arranjos exteriores, mantém lixeiras e entulhos nas redondezas dos prédios, como é que é? A resposta do Sr. Deputado passa por penalizar e criminalizar pinturas e desenhos?! Quando é o Estado a fomentar a exclusão social, criando guetos nas cidades e não promovendo, de todo, a integração social, como é que é, Sr. Deputado?
Para concluir, devo dizer que este projecto de lei só tem uma lógica: a punitiva. Aliás, tal é provado pelo já aqui tantas vezes citado artigo que prevê a interdição de venda a menores de 18 anos de sprays, o qual consideramos não ter razão de ser e não combater qualquer problema, só tendendo, pelo contrário, a agravá-lo.
Este projecto de lei confunde coisas aceitáveis com coisas inaceitáveis. Vai pelo caminho exclusivo da punição, pelo que, na nossa perspectiva, não tem qualquer razão de ser. Daí o nosso voto contra.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia, que dispõe, para o efeito, de mais 1 minuto cedido pelo PCP.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por agradecer o tempo que me foi cedido e por dizer, de forma breve, que quero apenas resumir o que consideramos ser um debate importante e fundamental, deixando muito claro dois ou três aspectos que já aqui levantámos.
Em primeiro lugar, a criação de um crime de dano específico em relação a danos que precisam e necessitam de ser especificados não é inédita.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Se existem crimes de dano específico em relação à informática, aos incêndios, designadamente aos nacionais, e a objectos de relevante interesse económico, por que não também em relação ao património urbano? Esta é a primeira questão que queremos deixar clara.
Em segundo lugar, e para que não sejam aqui ditas falsidades, como aconteceu ainda há pouco, peço a quem diz aqui que as penas para os crimes actualmente previstos no Código Penal têm sido aplicadas que nos refira uma sentença - uma única! - em que tal tenha acontecido.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Digam uma!

O Orador: - Nós procurámos nas bases de dados dos nossos tribunais e não encontrámos uma única sentença de condenação nesta matéria.
Em terceiro lugar, quero dizer que conhecemos a cultura hip-hop, estudámos e analisámos este fenómeno e sabemos que nem sempre ele é tão pacifista como quis fazer crer a Sr.ª Deputada do PCP. E mostrei aqui dois exemplos:…

Neste momento, o Sr. Deputado do CDS-PP Telmo Correia exibe novamente as fotografias que contêm inscrições.

… «Polícias assassinos» e «As nossas balas nas vossas cabeças»! Nada disto é tão bem-intencionado e tão pacifista como diz!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Isso não são graffiti!

O Orador: - Este tipo de inscrições não são, certamente, nem tão pacifistas nem tão bem-intencionadas

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como pretende o Sr. Deputado! E sei distinguir um tag de um graffito! Um tag é uma inscrição. Mas pergunto-lhe: sabe distinguir um graffer de um wannabe, ou seja, de um principiante? Sabe o que é uma prática de bombing? Eu explico: uma prática de bombing, que faz parte da cultura hip-hop, como disse, consiste numa assinatura, como a maior parte dos graffiti, em que um único indivíduo tenta pôr a sua assinatura, a tal espécie de rubrica que ele faz, no maior número de edifícios públicos, privados, ou seja o que for!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Isso não é graffiti!

O Orador: - Saiam pela cidade e vejam quantas vezes essa prática foi levada a cabo! Há edifícios seguidos, ruas seguidas, bairros inteiros, onde há um nome, uma inscrição - e a isso chama-se bombing. Conhecemos esse fenómeno e, para nós, isso é vandalismo!
A esquerda, ou, pelo menos, a esquerda mais radical que inclui agora o PS, está satisfeita, acha que está tudo bem! Recusa-se até a olhar para o muro da Assembleia da República e ver que também ele já está cheio de inscrições! Só esperamos, caso os senhores, em conjunto, «chumbem» este projecto de lei, que o Partido Socialista não faça aquilo que costuma fazer, que é daqui a um ano, quando estiver tudo muito pior, aparecer aqui com um projecto copiado, mal, do nosso!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Botelho.

A Sr.ª Margarida Botelho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero também deixar aqui apenas três notas muito rápidas sobre esta discussão.
Esta medida legislativa proposta pelo CDS-PP não é, de facto, original, correu foi mal nos países onde já foi aplicada, nomeadamente no Brasil e nos Estados Unidos da América,…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Na Suécia, correu bem!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Na Noruega e na Alemanha também correu bem!

A Oradora: - … onde gerou a proliferação dos tais tags e das tais inscrições em vez do desenvolvimento da cultura hip-hop e dos graffiti!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Numa segunda nota, sugiro à bancada do PP que procure, num distrito que lhe é muito caro - o distrito de Aveiro -, multas a jovens que fazem graffiti.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Multas?!

A Oradora: - A terceira nota é para dizer que, apesar de todas as bancadas terem tentado explicar a diferença entre um graffito e outras inscrições que se fazem nas paredes, o PP continua a não conseguir compreender esta diferença. O que o Sr. Deputado Telmo Correia mostrou são pichagens, que se fazem há muitos anos, desde antes do 25 de Abril. O bombing e os throw-ups não são graffiti!

Vozes do PCP: - Muito bem!

Protestos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, agradeço que criem condições para podermos prosseguir os nossos trabalhos.
Srs. Deputados, terminado o debate do projecto de lei n.º 348/VIII, vamos passar à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 6/VIII - Altera a Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto (Adopta medidas de protecção da união de facto) (Deputada de Os Verdes Isabel Castro), 45/VIII - Altera a Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto (Adopta medidas de protecção das uniões de facto) (Deputado do BE Francisco Louçã), 105/VIII - Adopta medidas de protecção das pessoas que vivam em economia comum (PS) e 115/VIII - Adopta medidas de protecção das uniões de facto (PCP).
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A igualdade dos cidadãos perante a lei é um direito fundamental consagrado na Constituição da República Portuguesa. Persistem, no entanto, discriminações graves contra cidadãos, concretamente em razão da sua orientação sexual, que representam um atentado aos direitos humanos, uma limitação efectiva e estão na origem de insustentáveis desigualdades e injustiças que é nossa responsabilidade ultrapassar.
Foi, de resto, a constatação deste facto, para Os Verdes inaceitável, que nos levou, aquando da última revisão constitucional, em 1994, a incluir no nosso projecto um conjunto de propostas que visavam influenciar uma arquitectura constitucional nova que melhor correspondesse às transformações sociais e civilizacionais ocorridas, que incorporasse um novo patamar de direitos e que traduzisse um reforço de garantias no seu exercício por parte de todos os cidadãos.
Foi precisamente com este entendimento que Os Verdes propuseram, no seu projecto, a consagração no artigo 13.º, «Princípio da igualdade», a não discriminação em função da orientação sexual. Esta era uma proposta clarificadora que visava pôr fim a práticas discriminatórias contra os homossexuais, mas que, contudo, não acolheu a necessária maioria.
Foi justamente com o mesmo propósito que apresentámos no mesmo projecto de revisão a proposta - esta, sim, acolhida no artigo 26.º, «Outros direitos pessoais», de protecção legal contra quaisquer formas de discriminação, daí resultando uma evidente e melhor densificação do texto constitucional. É ainda a mesma perspectiva que nos leva a acrescentar, no artigo respeitante à família e aos direitos de constituir família e de contrair matrimónio, a expressão «de acordo com a sua livre opção».
Os objectivos de não discriminação justificaram, mais recentemente, a apresentação, por parte de Os Verdes, de outros projectos de lei, visando pôr fim a interditos ainda existentes no acesso a determinadas carreiras profissionais,

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como as Forças Armadas e a PSP, e que, posteriormente, o Governo entendeu resolver por portaria.
É ainda este objectivo que nos move a apresentar este projecto de lei, que, a ser aprovado, vai permitir dar um passo importante para a consagração de uma série de direitos sociais, económicos e jurídicos, que têm sido negados a cidadãos exclusivamente em razão da sua orientação sexual, dos quais ficaram privados por razões de que todos nos lembramos e que são da responsabilidade política do Partido Socialista, aquando da aprovação da Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto, que estabelece um regime de protecção para as pessoas que vivem em união de facto.
Trata-se de uma desprotecção e de uma discriminação que para alguns se mantém em questões como a transmissão do regime de arrendamento, do regime jurídico de férias, faltas e licenças, da protecção e acesso em igualdade ao sistema de segurança social, do apoio familiar em caso de doença, bem como do regime de tributação fiscal.
Existe, nesta matéria, uma lacuna grave, que persiste, e que, no entender de Os Verdes, é tempo de ser assumida e resolvida, aliás à semelhança do que ocorre em muitos países da União Europeia. É isto que o projecto de lei de Os Verdes pretende. Pretende-se o fim de uma discriminação traduzida num projecto, que visa alargar o âmbito do regime jurídico de protecção previsto na Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto, a todas pessoas que vivem em união de facto, independentemente da sua orientação sexual.
Neste diploma, Os Verdes optam por sugerir uma modificação simples, e que, a ser aceite, permitirá abranger todas as pessoas, todas sem excepção, que partilham um projecto de vida em comum baseado numa relação de afectividade, independentemente de serem hetero ou homossexuais.
Trata-se de uma proposta que permitirá ultrapassar a situação intolerável perante o Direito, a Constituição da República Portuguesa e o próprio Tratado da União, situação esta que penaliza pessoas em função da sua orientação sexual, que as segrega, que condiciona a sua liberdade, que as impede de assumir o seu direito à diferença, que, de modo discriminatório, as remete para uma legislação limitativa, condicionante e desigual em matéria de direitos sociais, sendo que isto é motivado tão-só pelo modo como optaram por organizar a sua vida, pelo modelo de família que livremente escolheram para si e pela sua orientação sexual.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta que fazemos não é nem tem a pretensão de ser inédita, ela reflecte uma realidade sociológica de toda a Europa e também do nosso país, a que importa, sem interditos culturais, dar resposta. Esta realidade reflecte as profundas modificações que se tem vindo a operar nas sociedades e, naturalmente, dentro das próprias famílias, as quais, prevalecendo como espaço privilegiado de afectos, se organizam diferentemente numa multiplicidade de modelos, que compete ao legislador olhar e proteger, adaptando o direito à vida.
Trata-se de uma responsabilidade de protecção que nos cabe, e que vos propomos, por entendermos que o legislador - leia-se, a Assembleia da República - não deve, nem pode, deixar de atentar nas situações sociais que se lhe deparam, ignorando-as, designadamente através de um juízo moral que manifestamente lhe não cabe, com a eventual preocupação de conseguir, por essa atitude omissa, contrariar uma realidade que reclama, como é o caso, premência na adopção de medidas de equidade e de justiça social. São, aliás, medidas de protecção a estas pessoas e de combate à não discriminação em função da orientação sexual que o Tratado de Amsterdão, em vigor desde 1999, recomenda explicitamente aos Estados-membros para tomarem, aos quais compete garantir igual tratamento, igual respeito e igual dever de protecção jurídica.
Uma obrigação de protecção para as famílias assim constituídas, qualquer que seja a sua orientação sexual e a dos seus membros, constante igualmente do relatório ROTH, da Comissão de Liberdades Públicas e dos Assuntos Internos do Parlamento Europeu, e da resolução adoptada, nessa perspectiva, em Janeiro de 1994. Um dever para o qual, já em 1995, a Assembleia Parlamentar do Conselho de Segurança e Cooperação na Europa (CSCE), em Ottawa, alertava na abordagem da democracia e dos direitos humanos.
Trata-se de uma questão que, mais recentemente, o Conselho da Europa, na sequência da sua audição, de 1999, sobre a situação dos homossexuais na Europa, voltou a retomar na recomendação adoptada em Setembro último.
A medida que propomos, de protecção às pessoas que vivem em união de facto, não é inédita, tendo sido tomada desde há muito noutros países da Europa, países tão diversos como a Dinamarca, cuja regulação das uniões de facto homossexuais tem 11 anos, mas também como a Finlândia, a Noruega, a Suécia, a França, a Holanda, a Bélgica, a Espanha ou a Hungria.
Sr.as e Srs. Deputados, é uma questão que deixámos em aberto, como, aliás, frontalmente o assumimos, no nosso projecto de lei, que altera a lei que adoptou medidas de protecção às pessoas que vivem em união de facto, que regula a possibilidade de se poder adoptar.
Sendo certo que, para o Partido Ecologista «Os Verdes», a criança, toda a criança, tem o direito de ser adoptada e de ter uma família feliz; sendo certo que, para o Partido Ecologista «Os Verdes», esse direito de adopção, que juridicamente está consignado à criança, deve ser sempre equacionado na óptica do seu superior interesse; sendo certo que, para o Partido Ecologista «Os Verdes», que não teve, nesta matéria, qualquer posição fechada, entendemos que esta é uma questão, para muitos, controversa, que, com vantagem, deve ser discutida e abordada separadamente.
Este é um debate que, no nosso país, tem todo um caminho a percorrer de reflexão e há toda a vantagem em fazê-lo de uma forma aprofundada e madura. Esta é, sem dúvida, uma reflexão importante mas que ainda está por fazer, o que, enquanto não acontecer, não deve - esta é a opinião clara de Os Verdes - gerar qualquer processo de retrocesso para as pessoas, concretamente para os casais heterossexuais que vivem em união de facto e que, actualmente, beneficiam de tal possibilidade e do acesso a esse regime.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É, pois, perante uma sociedade confrontada com a necessidade de assegurar processos de construção da identidade pessoal e social dos cidadãos, a necessidade de permitir a afirmação da liberdade e da autonomia dos indivíduos, a diversidade de modelos familiares que resultam de modos distintos de conceber a vida em comum, de exprimir o amor e a sexualidade, mas é também, Sr.as e Srs. Deputados, acima

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de tudo, perante o direito à igualdade, à justiça, à não discriminação, constantes do texto constitucional, que é nossa responsabilidade respeitar, que apresentamos este projecto de lei e que apelamos a que todos, sem tabus, sem falsas hipocrisias e em consciência, livremente, permitam a sua viabilização.

Aplausos de Os Verdes, do PCP e do BE.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr.ª Deputada Jamila Madeira.

A Sr. ª Jamila Madeira (PS): - Sr. Presidente, Cara Deputada Isabel Castro, a Juventude Socialista e o Partido Socialista apresentam, hoje, um projecto de lei que tem como principal objectivo colmatar lacunas graves de protecção legal a um conjunto de relações interpessoais que requerem esta regulamentação para poderem usufruir dos direitos já consagrados na nossa lei fundamental. Assim, apresentamos um projecto que consagra a economia comum e associa a esta três grandes vertentes: a opção de duas pessoas que pretendam coabitar e dividir responsabilidades sociais e pessoais entre ambas, sem que isso lhes traga qualquer outra opção acoplada; a opção de duas pessoas que pretendam coabitar estando por detrás dela uma opção sexual, a qual não pretendem expor à sociedade; e ainda a opção de duas pessoas que pretendam coabitar e que estando por trás dela uma opção sexual pretendem expô-la à sociedade.
Com esta abrangência, a Juventude Socialista e o Partido Socialista conseguiram claramente alcançar o seu objectivo fulcral: levar a todos os direitos consagrados na Constituição.
Desta forma, e da mesma forma que a Sr.ª Deputada requer para si o cumprimento dos princípios da universalidade e da igualdade presentes na Constituição, com estes princípios, conseguimos, com o projecto de lei que apresentámos, fazer abranger a lei fundamental a um número maior de cidadãos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E os irmãos?! E as irmãs?!

A Oradora: - Mais, Sr.ª Deputada: fazemos tudo isso sem nunca violar aquele que é o ponto principal, o da não discriminação da sociedade portuguesa, a garantia do direito à vida privada e à intimidade, também ele bem expresso no artigo 26.º da Constituição.
Sr.ª Deputada Isabel Castro, ouvi atentamente a sua intervenção e vi nela muito boas intenções - e ainda bem! -, mas, apesar disso, suscitou-me algumas questões.
Consideram Os Verdes ser um direito do Estado invadir a privacidade de cada um, só para que as regalias sociais, a que eles constitucionalmente têm direito, possam ser garantidas? Consideram Os Verdes que todos os que poderiam usufruir do estatuto de união de facto de homossexual estão disponíveis a exibirem publicamente a sua privacidade? Ou, antes, devem continuar a usufruir desse direito, devendo o Estado procurar garantir que tal aconteça, sem nunca terem de ser sujeitos a situações de discriminação legal - e a Sr.ª Deputada sabe isto tão bem como eu -, de discriminação social nas famílias, nos empregos, e a marginalização, muitas vezes, levando mesmo ao desemprego?

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr.ª Deputada, já esgotou o tempo regimental, tem de concluir.

A Oradora: - Sr. Presidente, peço apenas mais 3 segundos.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Não posso dar-lhos, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - É esta a posição da JS e gostaria de saber qual era a posição de Os Verdes.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Por que é que querem saber se são relações incestuosas?!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Jamila Madeira, começo por diferenciar duas questões.
A nós não nos repudia, de modo algum, que algumas relações interpessoais careçam de protecção jurídica, isso é perfeitamente pacífico. Dou-lhe dois exemplos: um, o de uma pessoa deficiente que, não tendo os seus pais, precisa seguramente de viver com alguém na idade adulta para não ficar totalmente desprotegida numa sociedade como a nossa; e, outro, o de dois irmãos, em que um enviuvou e o outro não casou, que precisam de viver em conjunto, porque ou sentem a solidão, ou têm carência de espaço, ou têm dificuldades económicas, ou têm interesse nisso. Nestas situações há uma partilha de casa e de mesa que, do nosso ponto de vista, justifica plenamente uma solução jurídica que o projecto de lei da Juventude Socialista, manifestamente, exclui no seu artigo 3.º, que estabelece as várias situações de excepção.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - E, portanto, Sr.ª Deputada, se, para nós, estas situações são passíveis de virem a ser equacionadas e resolvidas - e não é seguramente com o projecto de lei apresentado pela Juventude Socialista, no estado em que se encontra, que as mesmas podem ser equacionadas -, parece-nos ser uma questão bem diferente a da partilha de um projecto de vida em comum, em que está ausente, na perspectiva do Partido Socialista, um aspecto que não nos repudia aceitar. Aliás, não percebo como é que se entende a modificação da sociedade se temos projectos que são estigmatizantes, que eles próprios têm vergonha em assumir, por considerarem que uma relação afectiva e que a sexualidade entre pessoas do mesmo sexo é algo que tem de ser escamoteado! Não tem de ser escamoteada!
A questão da discriminação referida pela Sr.ª Deputada foi largamente colocada no debate parlamentar em 1999, como o tinha sido em 1997, nomeadamente pelas bancadas do Partido Popular e do PSD, as quais não aceitam a união de facto como uma realidade sociológica que carece de protecção jurídica e que, numa leitura totalmente restritiva do texto constitucional, consideram a união de facto, ela própria, discriminatória. Mas há uma questão de fundo, que é a liberdade, e só beneficia de um qualquer regime de

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protecção das uniões de facto, homo ou heterossexual, quem quiser. Ficou claro nesta Câmara que ninguém é obrigado a ter uma protecção que não deseje e se as pessoas desejam uma protecção elas assumem, com toda a naturalidade, os mecanismos da mesma. E, muito francamente, Sr.ª Deputada, não vejo por que é que os homossexuais têm de ter vergonha de assumir a sua sexualidade, o seu afecto e têm de ter uma relação que carece de protecção.
Portanto, trata-se de dois aspectos distintos, e julgo que misturar o que não é misturável só pode ajudar a não conduzir a nada.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: «O amor que não ousa dizer o nome», Sr.as e Srs. Deputados, «o amor que não ousa dizer o nome», eis o que Oscar Wilde defendeu no processo que, em 1895, o condenou a dois anos de prisão por acusação de homossexualidade.
«O amor que não ousa dizer o nome», eis o que defendia uma petição lançada em 1897, reeditada e subscrita por 5000 personalidades de todo o mundo.
Pelo «amor que não ousa dizer o nome» assinaram, entre outros, Hermann Hess, Thomas Mann, Rainer Maria Rilke, Stefan Zweig, Leon Tolstoi, Emile Zola e Einstein.
Pois bem, hoje esse amor ousa dizer o nome; e, hoje, esse amor que ousa dizer o nome é o que está aqui fundamentalmente em discussão. Como se o amor se pudesse discutir, Sr.as e Srs. Deputados!
Estamos, pois, perante um paradoxo: discutir, para autorizar ou interditar o que sai fora do alcance desta ou de qualquer outra Assembleia, a liberdade de amar de cada indivíduo. A única forma de resolver o paradoxo é reconhecer esta liberdade como direito humano inalienável e, neste sentido, legislar.
Três dos projectos de lei em discussão, o de Os Verdes, o do PCP e o do BE, reconhecem a todos os cidadãos, independentemente da sua orientação sexual, os direitos inerentes a uma relação a dois. Ampliam os direitos consagrados na actual Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto. Relativamente ao nosso projecto de lei, a pessoa que viva em união de facto é equiparada a cônjuge para efeitos de acompanhamento na doença em estabelecimento hospitalar, para análise do pedido de reagrupamento familiar, para extensão do direito de asilo político e na assistência a crianças a cargo.
Os três projectos de lei alteram a actual legislação, no que ela contém de profundamente discriminatório, por considerar a união de facto apenas entre heterossexuais.
Este carácter profundamente discriminatório constitui um atropelo ao texto constitucional e a todas as recomendações da União Europeia às quais Portugal, enquanto Estado-membro, está vinculado.
Na realidade, para já não falar dos artigos 23.º e 36.º, o artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa reconhece a todos o direito à identidade pessoal, consagrando assim o direito à diferença.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Em 1985, a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa adoptou a Recomendação n.º 924, condenando toda discriminação legal e social contra a população homossexual. Em 1994, o Parlamento Europeu votou favoravelmente a resolução pela igualdade de direitos para homossexuais e lésbicas da Comunidade Europeia, resolução esta que reiterou em 1996 e em 1997. Em 1995, a Assembleia Parlamentar do Conselho de Segurança e Cooperação na Europa adoptou uma resolução em que apela a todos os Estados-membros para a igualdade nas suas constituições, legislações e administração, de modo a terminar com qualquer discriminação explícita, ou implícita, com base na etnia, raça, cor, língua, religião, sexo, orientação sexual, origem social ou nacional, ou pertença a uma minoria. Em 1997, a Comissão Europeia dos Direitos Humanos deliberou que uma idade de consentimento diferenciada para homos e heterossexuais constitui uma violação clara dos direitos humanos. Acresce que Portugal é signatário e este Parlamento ratificou o Tratado de Amesterdão que, no seu artigo 13.º, recomenda aos Estados-membros que criem legislação no sentido de eliminar toda e qualquer discriminação «(…) em razão do sexo, raça ou origem étnica, religião ou crença, (…), idade ou orientação sexual».
Três dos projectos de lei em discussão visam, pois, concretizar o que se inscreve no espírito da Constituição e no enquadramento jurídico da União Europeia. O quarto projecto de lei, do PS, abrange outra realidade social em desenvolvimento no nosso país, até em consequência da agudização das condições de vida. Esta realidade é a da economia comum e é neste sentido e apenas neste sentido que deve ser considerado o projecto de lei da bancada socialista, porque, realmente, não diz respeito às uniões de facto, não reconhece o direito às uniões de facto homossexuais. Aliás, como o projecto de lei afirma no seu artigo 1, n.º 2, e passo a citar: «Nenhuma norma da presente lei prejudica a aplicação de qualquer disposição legal ou regulamentar em vigor tendente à protecção jurídica de situações de união de facto». Ou seja, a aprovação do projecto de lei, do PS, aqui apresentado, não conduziria à revogação da actual lei sobre uniões de facto, que apenas contempla os heterossexuais.
Pretende, no entanto, o PS que o seu projecto de lei dê guarida às uniões de facto de homossexuais. Mas o que é uma união de facto, Sr.as e Srs. Deputados? É uma partilha de despesas e de receitas? É a união de facto uma contabilidade a dois?
Sr.as e Srs. Deputados: Hoje em dia, já são muitas as uniões que são alicerçadas nos sentimentos e, não, nos interesses patrimoniais, não em negócios familiares, empresariais, aos quais as jovens e os jovens eram sacrificados. Hoje, como conquista dos direitos humanos, como consequência do processo de democratização, é a afectividade o fundamento das uniões, é o amor, mesmo aquele que só hoje ousa dizer o nome.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

A Oradora: - O Partido Socialista acobardou-se, perante os que defendem a instituição contra o indivíduo, o formal contra a autonomia pessoal, e, envergonhadamente, condescende com a união de facto

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entre homossexuais no seu projecto de lei. É tolerante este projecto do PS, porque tolera os homossexuais; tolera-os, impondo que se escondam, empurrando-os mais para a clandestinidade, para o ghetto. Espreita pelo buraco da fechadura e como o que olha, com um «voyeirismo» escandalizado, é o amor que já ousa o nome, cobre-o com a espessura da hipocrisia para impedir a sua visibilidade social. «Existam, mas que ninguém pressinta a vossa existência!» - eis a acrobacia do PS!
Mas o deixar-se ver ou não deixar-se ver, o reivindicar ou não reivindicar e o aparecer com visibilidade social ou não aparecer não constitui opção de qualquer legislador mas, sim, de cada indivíduo. Ao legislador compete, simplesmente, reconhecer a igualdade dos indivíduos, a igualdade das formas de relação amorosa que se afirmam como novas formas de família.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Sr.as e Srs. Deputados: Será que consentireis que este Parlamento, eleito democraticamente por todos as cidadãos, se revele como território de atentado aos direitos humanos, se afirme como plataforma que legitima a discriminação, violando o espírito e o texto constitucional e o espírito do quadro jurídico europeu?
Sr.as e Srs. Deputados: Passado mais de meio século, sereis capazes de reproduzir a condenação da Inglaterra puritana a Oscar Wilde? Sereis capazes de manter as prisões, que, embora outras, mas sempre prisões, ainda encarceram o amor que já ousa dizer o nome?
Sr.as e Srs. Deputados: Apelo à vossa consciência cívica, à vossa responsabilidade enquanto parlamentares, à vossa sensibilidade aberta ao humano e à pluralidade das opções humanas para que este Parlamento, votando favoravelmente, na generalidade, todos os projectos de lei, liberte o amor que já ousa dizer o nome.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Informo a Câmara que se encontram inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Ana Manso e Ricardo Castanheira.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Neves, o vosso projecto de lei tem, realmente, uma virtualidade: bate-se, com coerência, por ideais e por princípios. No PSD, também defendemos os nossos princípios e valores e, por isso, não abdicamos deles. Outros há, que, por demagogia e hipocrisia, «metem os pés pelas mãos» e, para os não fracturarem, inventam fórmulas híbridas, disfarçadas ou camufladas.

Protestos do PS.

O vosso projecto de lei propõe que as uniões de facto entre homossexuais possam ser registadas, isto é, de papel passado, a fim de produzirem efeitos imediatos. Caso este projecto de lei fosse aprovado, passaríamos a ter, a nível da sociedade portuguesa, três tipos de casamentos: o matrimónio, o casamento civil e, agora, o casamento na junta de freguesia.

Risos do PCP, do PS e de Os Verdes.

Em nossa opinião, isto é burocratizar, formalizar uma relação que, à partida, se caracteriza, tradicional e fundamentalmente, pela informalidade, pela natureza de união livre - as pessoas escolhem, seleccionam e optam livremente por ser diferentes. Ora, o vosso projecto de lei transforma as uniões de facto em uniões de papel passado.
Posto isto, Sr.ª Deputada, a pergunta que tenho para colocar-lhe é a seguinte: será que estamos perante a instituição de um casamento paralelo, a par do casamento civil e do casamento religioso? Ou será que estamos perante uma «terceira via» de casamento? E, já agora, será que os presidentes de juntas de freguesia querem ser conservadores de registo civil? Já foram informados disso? Será que já têm o carimbo preparado?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr.ª Deputada Helena Neves, tendo em conta que ainda há outro pedido de esclarecimento, deseja responder já ou no fim?

A Sr.ª Helena Neves (BE): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Castanheira.

O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Neves, creio que - e ouvi atentamente a sua intervenção -, apesar de tudo, em algumas das considerações feitas a Sr.ª Deputada errou no destinatário. Isto é, a Sr.ª Deputada dirigiu-se à bancada do Partido Socialista quando, é bom de ver, não seríamos nós os destinatários, porque, nunca, tanto nestas como noutras matérias, nos demitimos de opinar e de concretizamos em projectos de lei o nosso entendimento. Outros, no passado, como hoje, são os únicos que estão à margem deste debate.
Em 1999, fomos nós os primeiros. A Juventude Socialista e o Partido Socialista apresentaram um projecto de lei sobre uniões de facto, que visava regular as relações existentes para um lato universo de cidadãos que não viam, assim, os seus direitos devidamente tutelados.

Protestos da Deputada do PCP Odete Santos.

Hoje, também, mais uma vez, o PS tem uma iniciativa legislativa que, de alguma forma, apresenta um conceito de economia comum, conforme já foi explicado e será explicitado pela Deputada Ana Mendes, já que tem, dentro de si, uma protecção legal de relações interpessoais, sem que cuidemos da relevância sexual ou da orientação sexual dos seus membros. Daí que, não descriminamos, nem num sentido, nem noutro.
Daqui podemos determinar que, para o PS, não há entendimentos «homofóbicos»; o PS não tem tipo algum de preconceitos; o PS não olha a homossexualidade como há algumas dezenas de anos atrás, como um vício contra natura, Sr.ª Deputada Helena Neves. Por outro lado, também, o PS aceita - e importa deixar isto bem claro -, como válidos, princípios que negam qualquer tipo de discriminação social ou outra, em função da orientação sexual.
Mas o caminho faz-se caminhando, Sr.ª Deputada, e o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda tem por hábito

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uma ânsia enorme de legislar, uma sede de inovar e, muitas vezes, uma vontade de estar à frente do tempo. E, se, porventura, há dois anos atrás o BE estivesse representado nesta Assembleia, a iniciativa legislativa que nessa altura foi aprovada e que hoje existe como lei não teria sido aprovada, exactamente pelo sentido perverso que, muitas vezes, a vossa ânsia de legislar traz atrás de si.
Por outro lado, Sr.ª Deputada, vou sublinhar um ponto político da vossa iniciativa legislativa, porque me parece relevante. O Bloco de Esquerda apresentou um projecto de lei que continha, em si, a possibilidade da adopção por casais homossexuais; a seguir, reformulou-a, reformatou essa iniciativa legislativa e, hoje, retirou esse ponto. Ora, posso eu daqui inferir que entende que a actual situação e o actual quadro jurídico da adopção regulado no Código Civil é o melhor, ou seja, que o melhor interesse do menor é, evidentemente, acautelado por uma solução mais equilibrada e favorável que envolve uma relação heterossexual e não homossexual? Posso inferir isto, Sr.ª Deputada? Parece-me que sim.
Também posso inferir que, da vossa parte, existe algum preconceito em relação à relação homossexual, na exacta medida em que entendem que se não há condições para a adopção é porque é uma relação distinta dentro de si? Posso inferir que se entendem que a heterossexualidade protege melhor, neste caso concreto, o interesse do menor é porque há, aqui, uma distância ou uma distinção evidente entre uma e outra situação? A verdade é que nós não podemos deixar de apontar…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, lamento, mas tem de terminar.

O Orador: - Era esta a questão, porque este recuo político do BE parece-nos que trás dentro de si algumas considerações.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Srs. Deputados, vou começar por responder à Sr.ª Deputada Ana Manso.
O que estamos aqui a discutir não é o casamento. A união de facto não é casamento. Aliás, a Constituição estabelece de uma forma muito clara, diferenciando, o direito a constituir família e o direito a contrair casamento.
Portanto, já lá vão os tempos, tempos bem negros, em que a família se esgotava na instituição. A instituição é algo muito louvável, e que não pomos em causa, para quem a escolhe. O que aqui está em causa, efectivamente, é o reconhecimento de novas formas de família que não são assim tão novas, sempre coexistiram na sociedade portuguesa e nas sociedades em que, efectivamente, o fundamental é a autonomia individual e é a afectividade. Não se trata, de modo algum, de burocratizar. Para já, se fosse este o argumento, então, poderíamos dizer que também as uniões de facto entre heterossexuais, que já estão consagradas na lei, discriminando, portanto, o conjunto de cidadãos ao atropelo da Constituição, introduziram um sistema de burocratização, mas não é verdade!
Sr.ª Deputada Ana Manso, exactamente porque o que nos conduz é o respeito pelos direitos individuais, o nosso projecto de lei deixa à opção o registo ou não registo. Se, efectivamente, as pessoas que vivem em união de facto quiserem registá-la de imediato, para passarem imediatamente a usufruir dos direitos, muito bem; se não quiserem, não a registam.
Portanto, não se trata de burocratizar, trata-se sempre da mesma questão… Nós não temos qualquer sanha legislativa - e passo a responder ao Sr. Deputado Ricardo Castanheira -, nem qualquer ânsia, o que temos, isso sim, é uma ânsia de politizar a felicidade, porque consideramos que uma sociedade em que os indivíduos são de facto felizes, e isto passa de uma maneira fundamental pela afectividade, pela sua realização afectiva, que, não sendo única, é essencial, é efectivamente uma sociedade mais equilibrada.
Sr. Deputado Ricardo Castanheira, não estamos aqui a discutir a adopção, isso é para um segundo tempo, um segundo momento. Mas desde já esclareço-o de que não temos qualquer preconceito, e tanto não o temos que até já apresentamos um projecto nesse sentido; um projecto cujo centro é a defesa dos direitos das crianças, alargando os critérios da adopção, mas que efectivamente, não ignora, por considerar uma questão importante, que a adopção seja reconhecida como direito a todos os cidadãos, a todas as pessoas, porque a Constituição fala de todos os cidadãos, de todas as pessoas.
Devo ainda esclarecer um equívoco: no nosso projecto de lei relativo às uniões de facto nunca inserimos o problema da adopção, e não o fizemos por uma razão muito simples: porque uma coisa é regular a opção entre dois indivíduos e outra coisa é regular matéria respectiva a terceiros.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há dois anos, nesta Câmara, o debate centrou-se na necessidade de adoptar um regime jurídico para as uniões de facto, o que veio a ocorrer com a adopção da Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto. Foi a tomada de consciência de que as sociedades modernas vivem profundas transformações sociais e, portanto, um novo conceito de tipo familiar, cuja necessidade de alargamento e sistematização no ordenamento jurídico português se impunha. O PS afirmava, nessa altura, que o projecto de lei «reintroduzia na vida política nacional as chamadas questões de sociedade ou questões civilizacionais».
O projecto de lei que trazemos hoje, a esta Câmara, representa o continuar deste debate importante sobre as questões de sociedade, que não podem ser entendidas como laterais da vida política. São questões essenciais que devem ser assumidas por todos nós de forma séria e responsável, para que fique na sociedade portuguesa uma marca da desejada protecção social aos cidadãos.
Pelo então Deputado Sérgio Sousa Pinto, em resposta a uma questão da Deputada Isabel Castro, afirmava-se o compromisso da Juventude Socialista de apresentar um projecto de lei, nesta Assembleia da República, que regulasse as situações dos casais homossexuais, as situações de natureza não sexual, não familiar de comunhão de vida e de economia comum. Assumimos o compromisso, e cumprimo-lo! A política é isto mesmo: confronto, debate, clarificação, tolerância, busca de consensos e compromisso!

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Ao apresentarmos, hoje, o projecto de lei n.º 105/VIII, que adopta medidas de protecção das pessoas que vivam em economia comum, estamos a dar um passo em frente na consolidação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa: «Todos os cidadãos são iguais perante a lei e têm a mesma dignidade social». Este princípio basilar recebeu acolhimento nos principais instrumentos internacionais, designadamente na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, e também a União Europeia tem promovido um trabalho intenso neste domínio, constituindo o artigo 6.° do Tratado de Amsterdão um avanço considerável no domínio da igualdade. A não discriminação em função da orientação sexual torna-se, assim, um princípio estruturante da actuação da União Europeia.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto em apreciação pretende tão-só conferir protecção legal a um conjunto de relações interpessoais, com «absoluta irrelevância da orientação sexual», distinguindo-se, assim, do regime aplicável às uniões de facto. Nestes termos, os traços objectivos «identitários» da vida em comum serão condição suficiente para facultar às pessoas interessadas a fruição de direitos que a situação justifica.
Estabelece-se um regime jurídico específico da protecção de duas pessoas que vivam em economia comum há mais de dois anos, determinando-se a situação em que duas pessoas vivam em comunhão de mesa e habitação, de forma pública e notória.
Reitero aqui que este é um projecto que consagra: em primeiro lugar, o direito à privacidade e à igualdade, neutro em relação às orientações sexuais de cada um, abstendo-se de se imiscuir na esfera privada mas, antes, respeitando-a; em segundo lugar, a solidariedade para com os que mais necessitam de apoio da sociedade perante a perspectiva da solidão; e, em terceiro lugar, a igualdade de oportunidades que deve ter expressão legal e ser cumprida, dando corpo ao imperativo da dignidade social e à liberdade individual.
Cria-se um novo regime legal que adopta medidas de protecção das pessoas que vivam em economia comum. O conceito de «economia comum» abarca, Srs. Deputados, diversas tipologias de organização das pessoas. É uma lei indiferente à orientação sexual, que nada pergunta sobre convicções e opções íntimas e que se basta com indicadores objectivos justificadores de um tratamento conjunto de situações de partilha de vida.
Importa, portanto, saber se esta é uma questão de consciência, ou seja, se para conceder a protecção social às pessoas deverá exigir-se-lhes a prévia e pública apresentação do bilhete de identidade sexual, fazendo depender disso o ter toda ou nenhuma protecção jurídica. É este limiar de ingerência que não queremos ultrapassar.
Na solução do PS, ninguém fica impedido de declarar o afecto, querendo-o, mas ninguém é obrigado a fazê-lo, como a única forma de se proteger contra a carência económica ou em caso de acidente.
Por outro lado, Srs. Deputados, é preciso que fique bem claro que ninguém tem mandato aqui, nesta Assembleia, para dizer qual a vontade das comunidades interessadas para anatomizar o nosso projecto, porque não há um pensamento único nestas mesmas comunidades, que são, elas próprias, plurais e com várias orientações. Nunca esqueçamos que haverá sempre casais que se recusam a contratualizar o afecto e não pedem para si uma lei especial.
Por nós, defendemos a necessária reorientação do debate que tem estado centrado nas uniões de facto, cuja aplicação faz condicionar a obtenção de benefícios à pública assunção da orientação sexual dos titulares do direito.
A situação dos casais homossexuais é, para nós, de extrema relevância, porquanto não podemos aceitar a intolerância e discriminação que, muitas vezes, se sente. Porém, não é, para nós, de menor grau de exigência a nossa particular atenção para com franjas da sociedade que permanecem legalmente desprotegidas.
Este marco que queremos construir é o contributo para a consolidação de uma sociedade liberal e pluralista, permanentemente atenta às questões sociais. É este o nosso dever, é esta a nossa tarefa: a constante construção de soluções, perante a permanente insatisfação.
Manifestamos, igualmente, abertura para que, em sede de especialidade, se proceda a um texto final depurado, justo e equilibrado, que mantenha, obviamente, o fio condutor desta nossa iniciativa.
À partida, a sociedade civil exige de nós que saibamos acompanhar as transformações sociais, sem ficarmos tolhidos pelo preconceito ou pelo tabu.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Basílio Horta, Ana Manso, Odete Santos, Pedro Duarte, Isabel Castro, Telmo Correia, Helena Roseta, Luís Fazenda e Maria do Rosário Carneiro.
Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, gostaria de dizer que, sendo embora um debate interessante, a discussão do preconceito não nos leva, hoje, muito longe, mas, reconhecidamente, assumimos o preconceito. E há aqui um preconceito neste debate! Há preconceitos talvez mais agudos do lado direito do Hemiciclo, mas do lado esquerdo também há muito preconceito. No entanto, não vamos discutir o preconceito, porque, e creio que foi Einstein que o disse, é mais difícil destruir um preconceito do que cindir o átomo, e é um pouco disso que por aqui temos. Portanto, não vamos discuti-lo, queremos removê-lo e ele só é vencido por argumentos da razão e por aquela que vai sendo a maioria social no processo histórico.
A Sr.ª Deputada disse-nos que não quer introduzir uma discriminação em função da orientação sexual, mas o que o projecto da Juventude Socialista faz - e estranha-se, neste debate, o silêncio dos seniores do Partido Socialista - é exactamente, por um lado, escamotear a já existência de uma discriminação produzida anteriormente na lei de protecção das uniões de facto, a qual não é agora corrigida, e, por outro, logo à cabeça, colocar a expressão clara de que é mantida a anterior discriminação na protecção das uniões de facto. É escusado a Sr.ª Deputada colocar um ar cândido, absolutamente harmonioso, como se estivesse em paz com a antidiscriminação, porque, na realidade, o que sacraliza, o que regidifica é ainda a discriminação que já estava contida na anterior lei de protecção das uniões de facto. Não vamos fugir deste ponto, porque ele é essencial.

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O projecto de lei consagra a saída da «economia comum», aliás, invocando situações que, à partida, não eram aquelas que estavam na origem do compromisso da Juventude Socialista, e que são muito sérias e muito respeitáveis na sociedade portuguesa, mas o diploma é uma imensa trapalhada sobre isso e muito terá de ser trabalhado. É inconcebível, por exemplo, que dois primos ou duas primas tenham condições que dois irmãos ou duas irmãs não têm. Isto, para falar apenas de alguns casos, porque, deste ponto de vista, o projecto de lei é, todo ele, permita-me, sem qualquer outro tipo de condenação, uma enorme trapalhada.
A Sr.ª Deputada disse-nos que pretende melhorar, em sede de especialidade, o projecto de lei do Partido Socialista. Ora, da parte do Bloco de Esquerda, isso depende, claramente, de duas premissas: está a Juventude Socialista e o Partido Socialista como um todo, apesar da vossa liberdade de voto, que estimamos, na disposição de garantir que, no texto final que sair desta Assembleia da República, a união de facto é alargada aos casais homossexuais, terminando, deste ponto de vista, a discriminação? Por outro lado, está o Partido Socialista na disposição de o fazer num prazo que seja aceitável, isto é, no prazo de um mês ou um mês e meio, que dignifique este Parlamento e resolva um problema social e nacional?

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, tendo em conta que há muitos pedidos de esclarecimento e de que só dispõe de 6 minutos, deseja responder já ou no fim?

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, se for possível, responderei a blocos de três pedidos de esclarecimento.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, o CDS-PP analisou este projecto de lei do Partido Socialista com inteira boa fé.
Se relativamente aos projectos de lei do Partido Comunista Português, do Bloco de Esquerda e do Partido Ecologista «Os Verdes» não tínhamos dúvidas do nosso voto contra, porque são, em tudo, contraditórios com a nossa forma de encarar a vida e a sociedade, em relação ao projecto do Partido Socialista, entendemos ler o que nele constava. Lemos o projecto de lei e a sua exposição de motivos, na qual se refere que o projecto tem em conta «(…) a absoluta irrelevância da orientação sexual das pessoas a quem se confere protecção legal. (…)» e também que são estabelecidas normas «(…) independentemente do sexo ou orientação sexual. (…)». Ou seja, quando olhámos para este projecto, entendemos que visava corrigir injustiças, estender algumas protecções, que a lei já conferia a outros casos, a situações que constituíam zonas brancas e que estavam carecidas da tutela legislativa, que, na nossa opinião, mereciam ter. E foi esta a primeira análise que fizemos deste projecto de lei.
Hoje, quando ouvimos aqui a Sr.ª Deputada Jamila Madeira, ficámos preocupados, porque se introduz um elemento novo nesta discussão. Disse a Sr.ª Deputada que este projecto de lei visa responder a orientações sexuais daqueles que querem exprimi-las publicamente e daqueles que o não querem fazer. Ouvi bem! E isto muda tudo!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Como é óbvio!

Vozes do PS: - Não muda nada!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não mude da manhã para a tarde, Sr. Deputado! Olhe para as suas declarações à TSF!

O Orador: - Se é efectivamente assim, então, estamos perante uma fraude, uma hipocrisia! Então, mais vale que estejamos, claramente, perante projectos com os quais não concordamos e em relação aos quais votamos contra, sem dúvidas e sem qualquer tipo de discussão, porque sabemos ao que vêem.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Por isso mesmo, fizemos uma segunda leitura do projecto de lei do PS e queremos colocar à Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, a quem agradeço, desde já, se for possível, a bondade de me responder directamente, porque isso condiciona todo o nosso debate, uma questão que tem a ver com o artigo 3.º do vosso diploma.
No artigo 3.º, alínea d), consagra-se o seguinte: «São impeditivos dos efeitos jurídicos decorrentes da presente lei: (…) Parentesco na linha recta…» - com certeza, uma vez que já estão protegidos em lei especial - «… ou no 2.º grau da linha colateral…» - irmãos - «… ou afinidade na linha recta; (…)» - sogro, nora, genro. Assim, pergunto: se o vosso projecto de lei não tem a ver com a orientação sexual das pessoas abrangidas, por que é que exclui os irmãos, por que é que exclui a afinidade?

O Sr. António Capucho (PSD): - Exactamente!

O Orador: - E agora responda-me a um aspecto importante: está V. Ex.ª disposta a comprometer-se a excluir isto da lei ou a emendá-la ou não? Esta questão é, para nós, essencial! Ou bem que está nessa disposição, e, então, trata-se de um lapso, de um segundo lapso, porque já é a correcção de um lapso anterior, ou bem que não está nessa disposição e, para nós, está tudo visto.
Eram estas as questões concretas que queria colocar-lhe, e que gostaria que me respondesse concretamente.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, afinal, nós lemos bem o projecto de lei desde o princípio.
Sr.ª Deputada, depois de ouvir a sua intervenção, ainda fiquei mais preocupada com a falta de coragem e com a confusão que todo o Partido Socialista está a demonstrar.
O vosso projecto de lei significa, tão-somente, baralhar aquilo que já era claro. É mais uma táctica de ataque, camuflada por uma estratégia de defesa. Fala-se na defesa da família para, depois, tudo se fazer para pôr a família em causa.

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O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Com a introdução do conceito de vivência em «economia comum», ou estamos no domínio da hipocrisia, ou, então, o que é muito mais grave, estamos no domínio da aberração, dado que, então, um tio e uma sobrinha ou uma tia e uma sobrinha podem beneficiar do regime de protecção, mas duas irmãs ou uma sogra que viva com o seu genro viúvo já não podem.
O PS propõe-nos, então, mais do mesmo, ou seja, política do «faz-de-conta»; não resolve um problema, dá a impressão que tem uma solução e apenas cria mais um problema, desferindo um golpe profundo quer nas expectativas dos homossexuais quer, sem dúvida alguma, no papel e na dignificação da família.
Não podemos tratar de forma igual quem escolheu ser diferente. O que está aqui em debate não são os direitos individuais mas, sim, as relações interpessoais. E, nas relações interpessoais, há direitos mas há também deveres e não são legítimos os direitos se não se tiverem em conta os deveres. Não podemos fazer, como o Partido Socialista pretende, uma caricatura da família, brincando aos casamentos e fazendo da família apenas uma paródia nacional.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não seja deselegante, Sr.ª Deputada! Não é nada disso!

A Oradora: - O PS, sem coragem para o assumir, prefere lançar uma cortina de fumo, em vez de resolver, de facto, os problemas.
Sr.ª Deputada, vou colocar-lhe três casos pontuais.
Primeiro: imagine dois estudantes da Guarda, sem qualquer ligação afectiva-sexual, que vão estudar para a Universidade de Coimbra e decidem partilhar o apartamento que os pais de um deles compraram, como investimento resultante das suas poupanças, obviamente, e registaram em nome do seu único filho.

Protestos do Deputado do PS Osvaldo Castro.

O Sr. António Capucho (PSD): - Ouça, Sr. Deputado.

A Oradora: - Ouça, Sr. Deputado, que já lá vamos!
Estes dois estudantes vivem em economia comum durante o curso e, infelizmente, ao fim de três anos, um deles, o proprietário do andar, morre num acidente de automóvel.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não ofenda as repúblicas de Coimbra!

A Oradora: - Acalme-se, Sr. Deputado Osvaldo Castro, porque não é consigo que estou a falar.
Neste exemplo que estou a dar, o estudante sobrevivo adquire um direito real de habitação sobre a casa, no prazo de 5 anos, de acordo com o vosso projecto de lei, e o direito de preferência na sua venda ou arrendamento. E a família, Sr.ª Deputada? Como é que fica a família? Para além de suportar a dor pela perca do seu único filho, ainda tem de ficar sem o apartamento e com a lesão do seu património? Responda-me, Sr.ª Deputada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Mas vejamos outro caso. Duas irmãs idosas vivem em economia comum, durante 30 anos, numa casa que é propriedade de uma delas. Morre a irmã que é proprietária da casa, deixando descendentes. Não existe, em face do regime proposto pelo Partido Socialista, qualquer protecção dos seus direitos.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Já esgotou o seu tempo, Sr.ª Deputada. Tem de terminar!

A Oradora: - Se fossem primas, teriam os seus direitos tutelados, como são irmãs não cabem no vosso projecto de lei!

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, que tem de gerir muito bem o tempo de que o PS dispõe, já que também há Deputadas do Grupo Parlamentar do PS inscritas para pedir esclarecimentos.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, o único compromisso que a Juventude Socialista assumiu nesta Câmara no último debate sobre as uniões de facto foi, tão-só, o de elaborar um projecto de lei que contemplasse as situações de economia comum. Foi isso que fizemos, é isso que estamos a fazer e é isso que aqui trazemos.

O Sr. Gonçalo Almeida Velho (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Por isso mesmo lhe digo que não trouxemos um projecto sobre as uniões de facto mas, sim, um projecto sobre a economia comum, que, como eu disse da tribuna, são coisas diferentes.

O Sr. António Capucho (PSD): - Não faz diferença alguma!

A Oradora: - Sr. Deputado Basílio Horta, quero saudá-lo pela intervenção que fez hoje junto dos órgãos de comunicação social e pela sua aproximação e aceitação do debate que está a ocorrer no que respeita à matéria da economia comum. Para mais, gostaria de dizer que a Juventude Socialista, o Partido Socialista, ou seja, esta bancada está disponível para, em sede de especialidade, rever os pontos que também nos parecem, neste momento, criticáveis.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Então, têm de rever muito mais!

A Oradora: - Por isso, a minha resposta à sua questão é, obviamente, «sim»!
Sr.ª Deputada Ana Manso, não estou numa oral de Direito da Família nem de Direito das Sucessões! A Sr.ª Deputada enganou-se, já que este não é um debate sobre a família, o nosso projecto de lei não é um sobre a família…

Protestos da Deputada do PSD Ana Manso.

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… mas, sim, sobre a organização interpessoal. Por isso, Sr.ª Deputada, quando estivermos num debate sobre a família falarei sobre essas matérias. Todavia, sempre lhe digo que lamento que o PSD, mais uma vez, esteja ausente neste debate, e não tenha apresentado qualquer projecto!

Aplausos do PS.

O Sr. António Capucho (PSD): - O PSD não está ausente! Apenas não apresentou um projecto de lei!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, V. Ex.ª não podia ter citado o artigo 6.º do Tratado de Amesterdão, porque o projecto de lei do Partido Socialista não tem qualquer relação com esse artigo! Entendamo-nos!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Antes de mais, quero fazer-lhe uma pergunta para desmistificar essa vossa invocação de que reservam a intimidade dos outros e de que defendem o direito à privacidade. Se é assim, por que é que se intrometem na vida das pessoas que vivem em economia comum, exigindo que entre elas não haja a possibilidade de relações incestuosas? Sim, porque o vosso projecto de lei, quando vai buscar os impedimentos do casamento, o que dá, depois, algumas anomalias já notadas e muitas outras, tem por base uma tentativa vossa de se defenderem da opinião pública! «Nós não estamos a proteger incestos!» - dizem! Por isso, exigem para as pessoas que ficam excluídas desta lei um «bilhete de aptidão de moralidade». Por que é que uma irmã não pode gozar destes direitos em relação a um irmão? Porque suspeitam que possam ter relações incestuosas?!

Risos do PCP.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Não é nada disso!

A Oradora: - É exactamente isso!
Aliás, para isto ser remediado tem de fazer-se tudo de novo, do princípio ao fim! Se querem uma lei de economia comum, basta tirar os impedimentos todos que vêm do casamento. Mas não me refiro apenas à questão dos irmãos e das irmãs…! Por que é uma pessoa com menos de 16 anos não há-de ter os direitos atribuídos por esta lei, caso viva em economia comum? Explique-me! Por ter menos de 16 anos?! Até poderia ser uma justificação para poder gozar destes direitos, mais forte do que aquela que serve para os que são de maior idade! Por que é que uma pessoa que padece de demência notória e que, portanto, precisa de apoio não há-de ter o direito à transmissão do arrendamento?! Por que é que essa pessoa não há-de ter o direito a uma pensão por acidente de trabalho?!

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Já tem!

A Oradora: - Já tem, não! Quando vive em economia comum não tem! Para isso é preciso que existam relações de parentesco, e estamos a falar de pessoas que podem não ter relações de parentesco.
Gostava ainda que me explicasse uma incongruência que não consigo resolver.
VV. Ex.as, logo no n.º 2 do artigo 1.º, dizem que não se aplica esta lei quando houver obrigação de alimentos. Ou seja, condicionam certos benefícios à titularidade do direito a alimentos. Em que é que ficamos?

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Duarte.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, tenho por si uma grande consideração e, por isso, vou, através desta pergunta, proporcionar-lhe a oportunidade de tentar explicar ao País algo que, de facto, ainda ninguém entendeu.
Há, de facto, uma enorme contradição entre aquilo que é dito pela voz da Juventude Socialista e, eventualmente, do Partido Socialista, ainda não percebemos bem, e aquilo que é a letra do projecto de lei que nos é apresentado. Como tal, esta é uma oportunidade que tento proporcionar-lhe para conseguirmos tirar o rótulo de hipocrisia que vai caindo, como já todos percebemos, sobre o projecto de lei que o Partido Socialista hoje apresenta.
Ouvi-a, Sr.ª Deputada, com muita atenção e ouvi-a invocar o princípio da igualdade entre todos os cidadãos, o artigo 13.º da Constituição da República, o princípio da não discriminação entre cidadãos em função da sua orientação sexual, os direitos dos casais homossexuais, mas isto é muito diferente daquilo que nos é proposto. Já em 1999, o Partido Socialista foi autor de uma aberração jurídica ao aprovar uma lei sobre uniões de facto que, objectivamente, discrimina os cidadãos portugueses em função da sua orientação sexual. Esperava-se que, dois anos volvidos após a evidência dessa mesma discriminação, o Partido Socialista tentasse emendar a mão. No entanto, o que faz é exactamente o oposto! Ao tentar criar um regime específico para o casamento civil, que já existe, um regime para a união de facto, que também já existe, e um outro regime para a economia comum, cujo significado ainda não conseguimos perceber - ainda não percebemos se é o que vem no projecto de lei ou se é o que nos foi dito da tribuna -, está-se, de facto, a agudizar essa discriminação dos cidadãos portugueses em função da orientação sexual. E é por isso que lhe peço que seja clara, Sr.ª Deputada, porque há determinado tipo de matérias em que os portugueses merecem que nós aqui, na Assembleia da República, sejamos claros. Não podemos, em determinado tipo de matérias, querer agradar a gregos e a troianos. Temos de ter convicções e temos de ir até ao fim com coragem naquilo em que acreditamos.
Portanto, peço-lhe que explique, a mim e ao País, aquilo que V. Ex.ª e o Partido Socialista ainda não conseguiram explicar, ou seja, como é que se tenta rectificar um erro agudizando-o ainda mais e agudizando a discriminação que, infelizmente, vai norteando este projecto de lei.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

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A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, não posso deixar de me referir a uma questão que já coloquei e para a qual não obtive qualquer resposta por parte da Juventude Socialista ou do Partido Socialista.
Este projecto de lei, na sua exposição de motivos, procura insistir na ideia da absoluta irrelevância da orientação sexual das pessoas a quem se confere protecção legal. O Partido Socialista, para além disso, insiste em dizer que a economia comum abrange um universo muito diversificado de pessoas que partilham espaço e mesa, dizendo que a questão da conjugalidade é totalmente irrelevante e excluída. No entanto, se assim é, gostaria que a Sr.ª Deputada explicasse a esta Câmara a razão de ser do artigo 3.º do projecto de lei do PS e de todas as excepções que ele coloca, porque estas excepções são aquelas que existem neste momento em relação às uniões de facto. Ora, ou assumimos que este não é um projecto «envergonhado», não assumido, e que tenta abranger todas as pessoas que vivem em união de facto, independentemente da sua orientação sexual, ou seja, as pessoas que ficaram excluídas da lei anterior; ou assumimos que é uma coisa diversa. Não entendo por que é que o casamento anterior não dissolvido, salvo se tiver sido decretada a separação judicial de pessoas e bens, é relevante para este tipo de protecção, não entendo a questão da idade e não entendo a questão do parentesco. Aliás, isto é tão absurdo que, se eventualmente se pretendesse, como suponho ser o caso, encontrar uma forma de protecção para outras relações interpessoais que não as baseadas no afecto e na sexualidade, ou seja, as relações interpessoais de pessoas de família que vivem em união de facto, não entendo por que é que o Partido Socialista entende que não deve ser objecto de protecção uma pessoa deficiente que carece de partilhar a casa, o espaço e o apoio, com outra pessoa e por que é que dois irmãos - insisto - ficam desprotegidos com o regime legal.
Em conclusão, pela forma como o projecto de lei está feito, não me parece que ele venha resolver o problema das relações afectivas que está na base da união de facto e que, contrariando o texto constitucional e o Tratado da União, são discriminadas em função da sua orientação sexual, nem que acrescente seja o que for.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, confesso que tenho uma dificuldade, já que fiquei sem objecto para as perguntas que ia fazer à Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça. Fiquei sem objecto porque ia fazer perguntas sobre o debate que teríamos em sede de especialidade, mas, conjugando a intervenção da Sr.ª Deputada Jamila Madeira com a resposta que a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça deu ao meu colega de bancada, Deputado Basílio Horta, neste momento não há muita matéria de especialidade para discutir. O que a Sr.ª Deputada disse em relação à alínea d) do artigo 3.º do projecto de lei foi muito claro e não nos deixa com dúvidas: trata-se, como dissemos, de uma fraude e nós não discutimos fraudes na especialidade!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao contrário da generalidade dos Deputados que têm pedido esclarecimentos à Deputada Ana Catarina Mendonça, não creio que este projecto seja uma fraude ou outra coisa terrífica, como aqui foram dito. Julgo que é um projecto interessante, que abre portas a uma nova figura jurídica que devemos trabalhar e que os Srs. Deputados não devem querer aplicar apenas a este projecto a filosofia de que o que está na generalidade é o que fica para sempre, porque essa filosofia não se aplica a qualquer outra iniciativa legislativa desta Assembleia.
O projecto foi apresentado, a Sr.ª Deputada disse que estava disponível para o modificar na especialidade e é essa boa fé de todos nós que requeiro a todos vós.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, efectivamente, penso que para dar passos em frente no sentido de consagrar a filosofia da economia comum pode ser muito importante, sobretudo para agregados familiares pobres que precisam de ter alguma protecção e que não têm essas vantagens, mexer no artigo 3.º do projecto de lei, ou seja, nas excepções. Não proponho que acabemos com todas, como aqui já foi dito, porque algumas têm de se manter, como é o caso do vínculo contratual ou do casamento não dissolvido, mas proponho que trabalhemos a questão da demência e dos parentescos. Como tal, pergunto à Sr.ª Deputada da Juventude Socialista se estaria disponível para trabalhar melhor estas excepções.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro, a quem o Grupo Parlamentar do PSD concedeu 2 minutos.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, por ter ouvido a apresentação e defesa que fez deste projecto de lei tenho de lhe perguntar por que é que define um regime por «empréstimo» e não um regime próprio. O que pergunto é por que é que não define um regime que explicitamente reconheça aos casais homossexuais que assim o queiram o direito ao estatuto da vida comum, do qual decorrem, naturalmente, direitos e deveres. Por que é que se persiste em reduzir a uma mera materialidade das coisas um universo que é muito mais rico, que é o das relações estáveis e afectivas entre as pessoas?
Digo-lhe, Sr.ª Deputada, que coloco esta questão de uma forma tão aberta porque penso muito claramente que a realização dos princípios constitucionais, sistematicamente aqui invocados, nomeadamente o direito à diferença e o direito à não discriminação, significam exactamente isso: tratar de igual forma o que é igual e tratar de forma desigual o que é desigual. Entendo, por isso, que o regime e o direito à vida comum dos casais homossexuais deverá ter tratamento próprio.

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Mas entendamo-nos, porque reconhecer aos casais homossexuais um regime próprio não significa reconhecer um regime idêntico ao dos casais heterossexuais, casados ou em união de facto, dado que a função social de uns e de outros não é a mesma.
E, Sr.ª Deputada, penso que estes projectos de lei que estamos a debater são formas pouco corajosas, se não totalmente desviadas, para se definir um estatuto para os casais homossexuais, quer sob a forma de vida em economia comum, quer sob a forma de extensão de direitos, com ou sem registo. Porque, convenhamos, quem pede um estatuto jurídico, o que está a pedir não é uma união de facto, mas uma união de direito. Na prática, o resultado a que se vai chegar com estes diplomas é o de tratar como vidas de economia comum relações conjugais e tratar relações conjugais como sendo vidas em economia comum.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Nada disso tem a ver com a lei!

A Oradora: - Finalmente, Sr.ª Deputada, para concluir, gostaria de perguntar se não lhe parece que seria melhor reservar o conceito de economia comum para aqueles que efectivamente vivem a relação de dependência económica recíproca e definir de forma clara e responsável o regime próprio a que os casais homossexuais que o queiram têm direito.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, tentarei ser tão breve quanto possível na resposta às questões suscitadas.
Começo pela Sr.ª Deputada Odete Santos, dizendo-lhe que não há, aqui, intromissão na privacidade das relações incestuosas. Aliás, aquilo que este projecto de lei vem permitir é que não haja qualquer espécie de intromissão naquilo que são as opções de vida de cada uma das pessoas, nomeadamente as opções e as orientações sexuais.
Mas permita-me que lhe diga - já o disse e reitero -, aproveitando para responder ao Deputado Telmo Correia, que o artigo 3.º merece ser visto em sede de especialidade,…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Se fosse só o artigo 3.º!…

A Oradora: - … para que todos possamos aprofundar, discutir e chegar a uma solução que seja justa e equilibrada mas que não fuja desta filosofia que aqui trouxemos, que é a filosofia da vida em economia comum. Para que tal aconteça, é preciso que todos nós tenhamos uma postura de não-abstenção - e não se abstiveram neste debate, ao contrário do PSD -, uma postura de aceitarmos fazer descer esta matéria à comissão para aí a podermos discutir na especialidade.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E aceitam que as uniões desçam?

A Oradora: - Sr. Deputado Pedro Duarte, agradeço-lhe o cumprimento, que retribuo.
Pergunto-lhe, em primeiro lugar, onde está a JSD neste debate?

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Em segundo lugar, gostaria de dizer-lhe, Sr. Deputado, que compreendo as suas preocupações. Acompanho, também, o seu trabalho nesta Assembleia e reconheço-lhe uma preocupação com estas matérias. Mas a preocupação não nos chega, Sr. Deputado, é preciso passar à acção. E onde está o projecto de lei da JSD ou da bancada do PSD sobre esta matéria?
Quando temos convicções, devemos afirmá-las, também aqui, Sr. Deputado.
Sr.ª Deputada Isabel Castro, quanto ao artigo 3.º, a resposta deverá ser dada em sede de especialidade; quanto à irrelevância da orientação sexual, volto a reiterar que a nossa batalha é que não vale a pena exigirmos um bilhete de identidade sexual para com isso darmos maior, menor ou nenhuma protecção jurídica aos cidadãos.
Sr.ª Deputada Helena Roseta, agradeço a sua questão e quero dizer-lhe que, obviamente, estou disponível para, em sede de especialidade, revermos esta matéria.
Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro, gostaria de dizer-lhe que considerarmos economia comum para os casos em que há dependência económica é fazermos outro tipo de discriminação que não me parece ser a mais correcta nesta matéria. O que está em causa é que todo e qualquer cidadão pode optar pela vida em economia comum, se assim o desejar, e beneficiar, portanto, do regime que está em discussão.
Quanto à falta de coragem, gostaria de fazer-lhe um apelo: a falta de coragem demonstra-se muitas vezes na nossa abstenção de participar, não apenas em palavras mas em actos. Por isso, vale a pena que todos apresentem projectos de lei, sobretudo projectos de lei que a direcção desta bancada aceite, de forma a que venham a ser discutidos neste Plenário, para que possamos todos melhorar aquilo que é o panorama jurídico em Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - As minhas felicitações, Sr. Deputada, pela forma como conseguiu gerir o seu tempo.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente Srs. Deputados: Discutimos hoje um tema de inegável importância do ponto de vista teórico e prático.
Do ponto de vista prático, porque o que está em causa é a reparação de gritantes injustiças que têm causado inenarráveis sofrimentos, sem que se possa justificar, por qualquer forma, a negação de um regime jurídico que faça justiça a quem não adoptou o padrão de vida da maioria da população e a quem tem uma orientação sexual diferente da maioria e o comportamento sexual consonante.
O que está hoje em causa é a aplicação do princípio da igualdade a situações idênticas, que a lei, em nome do princípio da universalidade da norma de direito, não pode tratar de formas diferentes.
A sociedade é multifacetada, os comportamentos humanos caracterizam-se pelas diferenças, e tais diferenças

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não podem justificar a construção de categorias culturais com regimes jurídicos diferentes.
O que está no cerne da recusa do reconhecimento de direitos aos casais do mesmo sexo é tão-só o preconceito, uma teoria essencialista sobre o comportamento humano, radicada num eventual direito natural - que não existe -, na defesa de normas e padrões que se julgam imutáveis.
Com preconceitos deste género, confrontaram-se durante décadas as uniões de facto entre pessoas de sexo diferente, que só com o 25 de Abril, desde a reforma do direito de família em 1977, em legislação dispersa, e não apenas em 1999, como erradamente se diz, viram consagrados direitos em nome do princípio da igualdade.
Mais difícil de vencer tem sido a discriminação que atinge os casais formados por pessoas do mesmo sexo. A progressão tem sido penosa, porque a marginalização daqueles seres humanos se radica em preconceitos longínquos, envolvidos muitas vezes na fé religiosa.
A homossexualidade passou a ser um pecado com o Conselho Eclesiástico de Elvira, no ano 309. Rapidamente, em nome do pecado, passou a ser um crime. Depois de ser retirada da categoria de crime, continuou a ser considerada uma doença mental. Retirada da lista das doenças mentais, resistem alguns, considerando a homossexualidade um comportamento moralmente incorrecto.
A esta evolução correspondeu, na evolução do direito, a despenalização da homossexualidade, em nome da tolerância. Mas ainda aí se está a determinar uma área livre do direito penal em nome da tolerância, não em nome do reconhecimento do direito às diferenças - e digo às diferenças e não à diferença porque o melhor caminho para discriminar é construir uma diferença colectiva.
O direito às diferenças individuais traduz-se no direito à indiferença por parte do Estado na construção das normas jurídicas quando as diferenças não alterem a identidade das situações. Mas o que hoje se discute não é um regime jurídico nascido da tolerância em relação à homossexualidade, em relação a três dos projectos de lei, porque, em nome da tolerância, estaríamos ainda a consagrar direitos tendo como padrão o outro, o que se enquadra na maioria, neste caso, homens e mulheres heterossexuais, casados.
O que hoje se discute é a necessidade de consagrar iguais direitos para situações idênticas e o reconhecimento desses direitos. Só nos casos em que mereçam consideração as diferenças, sem a intervenção de juízos de valor pessoais para definir estatuto diferente, é que pode ser diferente o reconhecimento de direitos, não existindo, quando essas diferenças existam, discriminação. É que a universalidade da norma não é ilimitada.
Num colóquio recente realizado na Universidade de Paris Nanterre, sob o título «Homossexualidades e Direito - Da Tolerância Social ao Reconhecimento Jurídico», Danièle Lochak defendeu na sua comunicação, em nome da universalidade da norma jurídica, o reconhecimento de direitos às uniões de facto homossexuais, abrindo no entanto uma excepção - a tal universalidade -, sempre que essa situação fosse diferente. Concretamente, no caso do direito a adoptar, única excepção admitida na comunicação.
E vale a pena transcrever as suas próprias palavras: «(...) quanto a nós a diferença de situação existe; ela reside nas consequências que a adopção teria sobre a criança relativamente à qual a filiação seria estabelecida em relação a dois progenitores do mesmo sexo. Não se correm riscos, pretendendo manipular assim, sem mais precauções, as bases constitutivas da filiação, as estruturas elementares de parentesco e, para além disso, os recantos mais profundos da identidade?»
O PCP entende, pois, que o regime jurídico dos casais hetero e homossexuais só deve ser diferente quando as situações são diferentes. E tal não acontece relativamente à maior parte da realidade sobre que queremos legislar.
Por isso, o PCP optou por apresentar um projecto de lei para as uniões de facto hetero e homossexuais, enquanto aguardamos o projecto da Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro, que deveria ser muito revolucionário, pelo que ouvimos.
Neste projecto reproduzimos, com uma melhoria, o que consta da lei de 1999. A melhoria diz respeito à transmissão do direito ao arrendamento.
Podíamos estar hoje a discutir um quadro jurídico de maior reconhecimento de direitos quanto à protecção das uniões de facto hetero e homossexuais.
Contudo, a lei de 1999, que teve na sua origem um projecto de lei do Partido Socialista apenas sobre as uniões de facto heterossexuais - e não como o Sr. Deputado Ricardo Castanheira quis dar a entender -, fixou um quadro com uma fasquia demasiado baixa que agora condiciona o quadro jurídico a adoptar.
O PCP entende que todos os projectos de lei relativos à união de facto constituem um contributo precioso para legislar, no sentido de pôr fim a discriminações graves existentes na sociedade.
Existe ainda o projecto de lei do Partido Socialista, que se apresenta na linha da tolerância - que, aliás, foi sintomaticamente uma palavra utilizada pela Deputada Ana Catarina Mendonça - e não do reconhecimento de direitos.
É por isso que o projecto de lei trata o assunto na óptica da economia comum. É por isso e não - como se tem dito - porque se quer defender a privacidade das pessoas. Porque, então, pergunta-se: como é que se defende a privacidade das pessoas autorizando o Estado a invadir essa privacidade em relação às pessoas em economia comum e autorizando o Estado a afastar do regime de economia comum pessoas que não podem casar, porque o casamento seria incestuoso? Isto não é defender a privacidade!
O diploma, por vezes, é pouco menos que ininteligível. Penso que há pessoas dentro do partido socialista que têm a noção disto e que têm vergonha.
De facto, depois de enunciar que ficam excluídas da aplicação da lei as pessoas que, por força da lei ou de negócio jurídico, incorram em obrigação de prestação de alimentos, faz condicionar o direito a algumas pensões, como as devidas por acidentes de trabalho - e pergunta-se por que não por doença profissional -, à titularidade do direito a alimentos. Se não se aplica quando existe uma obrigação de prestar alimentos, como é que depois se vai aplicar, exigindo que haja uma prestação de alimentos ou este direito? Em que é que ficamos, Srs. Deputados?
Depois, o regime proposto é altamente discriminatório relativamente a certas pessoas que vivam em economia comum. Hoje, aqui, já foram dados vários exemplos, como o da pessoa notoriamente demente e a questão dos irmãos ou das irmãs, mas há mais. No caso de um irmão e uma

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irmã viverem na mesma casa e um deles ter um filho ou uma filha, se falecer o titular do arrendamento, quem fica com o direito ao arrendamento não é a irmã ou o irmão sobrevivo é o filho da irmã ou do irmão sobrevivo, que passa à frente, porque, em relação a ele, não se verificam os impedimentos do casamento. E temos de convir que isto «não tem pés nem cabeça».
Por que razão, em relação ao Direito de Trabalho, o irmão ou a irmã ficam com direito a faltar durante dois dias por morte do outro irmão ou irmã e o sobrinho fica com direito a faltar durante cinco dias? Expliquem-me, se são capazes.

O Sr. António Capucho (PSD): - Não são!

A Oradora: - Por que razão os ascendentes só têm direito a pensão por acidente de trabalho se estiverem a ser alimentados pelo falecido, nos termos da lei de 1997, e os sobrinhos, em relação à morte de tios, e vice-versa, têm direito a essa pensão, sendo mesmo necessário, nos termos desta lei, que não estejam a receber pensão de alimentos? Que justiça é esta? Que justiça é esta? Como é que isto beneficia as pessoas desfavorecidas? Gostava que me explicassem.
E já se pensou no que resultaria se fosse adoptada a redacção proposta para a alínea f) do n.º 1 do artigo 85.º do RAU? Creio que teríamos rios de tinta da jurisprudência para se saber, afinal, o que era agregado familiar nos termos do RAU, se era o que hoje lá está, de pessoas em economia comum, ou se era apenas estas, que bastante limitadas são. Como é que as pessoas desfavorecidas ficam beneficiadas com isto?
Enfim, um sem número de questões que já deixam antever o quanto é difícil responder ao presidente da ILGA, que, censurando a iniciativa do Partido Socialista, pedia, no entanto, porque tem a consciência de que a reciprocidade para o Partido Socialista é «letra morta», que se aprovasse um mal menor, porque são anos de luta.
Nós, na decisão a tomar, não poderemos deixar de reflectir sobre este apelo, mas apenas pelo respeito que nos merecem os direitos dos que são vítimas de exclusões preconceituosas. Mas que é uma decisão difícil, é! E, se calhar, é impossível!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Seja coerente!

A Oradora: - Se calhar, é impossível responder ao apelo porque os atropelos neste projecto de lei são tantos que não sei como é que o Sr. Deputado Osvaldo Castro, formado em Direito e advogado, é capaz de votar a favor dela.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Ainda vou vê-la a viabilizá-la!

A Oradora: - É muito difícil dar «luz verde» a um diploma que exclui, que discrimina e que não respeita o princípio da igualdade. Srs. Deputados do Partido Socialista, não falem no princípio da igualdade a respeito deste projecto de lei, porque ele viola-o, continuada e sucessivamente. É um diploma que não respeita o princípio da igualdade e que gera, ele próprio, a injustiça.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra no Sr. Deputado Ricardo Castanheira.

O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, tenho grande consideração e estima por V. Ex.ª e ouço-a sempre atentamente, mas hoje, deixe-me dizer-lhe, a forma cénica e teatralizada superou de sobremaneira o fundo da sua intervenção e, ou por teimosia ou por autismo, não ouviu, há pouco, as respostas do Grupo Parlamentar do PS quanto à disponibilidade para rever artigos do projecto de lei,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Só fazendo uma lei nova!

O Orador: - … e, por isso, teimou, daquela tribuna, em reiterar as observações a que nós, deste lado, já tínhamos respondido.
Mas, já agora, quero perguntar-lhe se a Sr.ª Deputada está disponível também para, no seu projecto de lei, rever os impedimentos, que são exactamente os mesmos que estão…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - São diferentes!

O Orador: - Não são! A Sr.ª Deputada parte do pressuposto que são diferentes, mas não são diferentes! E é exactamente esse pré-juízo e essa análise que faz do nosso diploma que não podemos aceitar.
Mas os impedimentos - e importa que isto fique claro na Câmara - sobre os quais a Sr.ª Deputada, há pouco, teceu juízos de valor, de mérito e morais são exactamente os mesmos que constam do seu projecto de lei.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Castanheira, esses impedimentos são os mesmos e estão bem, porque o nosso projecto de lei é um projecto de uniões de facto do mesmo sexo e, aliás, também de sexos diferentes.

O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Diz independentemente do sexo, não diz só de homossexuais!

A Oradora: - Desculpe! É dos dois!

O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Ah!

A Oradora: - E por isso estão lá os impedimentos do casamento, para que não se dêem direitos a relações incestuosas! Mas isto, que tem cabimento no nosso projecto de lei - e tinha de estar lá, porque o vosso trata de economia comum -, não…

O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Porque não?!

A Oradora: - Por amor de Deus! O que é que interessa em relação a uma irmã e a um irmão, que podem ter relações de sexo, exclui-los da aplicação da lei? Interessa alguma coisa? Não interessa absolutamente nada! Eu acho que isto está claro como a água! Só para o Sr. Deputado Ricardo Castanheira é que, efectivamente, não

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está! Não está claro, pois está numa posição autista! O autismo de que me acusa a mim é V. Ex.ª que o tem, pois isolou-se e já não tem raciocínio para pensar uma coisa que qualquer pessoa entende.
É que nos agregados familiares baseados em relações sexuais tem de se prever, em relação à questão do incesto, se se aplica ou não. Mas não na economia comum! Não percebeu ainda?!

O Sr. António Capucho (PSD): - Não!

A Oradora: - Quanto tempo é que eu ainda tenho, Sr. Presidente, para repetir isto mais vezes?!
A outra questão é que não vi apresentar quaisquer propostas de alteração, nem me foi respondida aquela questão da obrigação de alimentos. Afinal, como é que resolvem a contradição que existe? E, aliás, também não vejo regulado no vosso projecto de lei, embora haja uma alínea a dizer que têm direito às pensões por morte, em nenhum artigo, como é que isso depois se faz. Só se referem as pensões por acidentes de trabalho e as pensões por preço de sangue; em relação às pensões por morte, vem lá zero. Não tiveram tempo de emendar o vosso projecto de lei até ao debate no Plenário?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Curiosamente, ou talvez não, a Assembleia da República debate hoje, no Dia dos Namorados, a institucionalização das uniões de facto entre homossexuais e o quadro jurídico em que elas se movimentarão. Sinal de mudança dos tempos ou apenas meras coincidências carregadas de boas e ingénuas intenções?
Os projectos de lei que estão em debate não têm o mesmo alcance nem reflectem o mesmo quadro de valores; são, no entanto, equivalentes no que respeita à evolução para um modelo de organização da vida social que atinge seriamente o seu fundamento nuclear, a família.
O Partido Social Democrata é uma força política e social que se funda num quadro de valores doutrinários centrado no homem e na sua liberdade. Os valores humanistas fazem parte do património cultural da nossa prática política e atravessam o nosso entendimento sobre a vida e sobre a inter-relação dos indivíduos. É a partir desta orientação doutrinária que o respeito pela liberdade das pessoas é, para nós, intocável. Essa liberdade exprime-se, entre outras, na própria forma de organização da sua vida pessoal e sexual.
Mas, para nós, é igualmente inquestionável que esse respeito pelas formas de expressão de liberdade individual minoritárias, merecendo a protecção do Estado, não podem continuar no sentido de inverter a ponderação dos valores e dos interesses sociais em jogo. E exactamente por isso respeitamos quem, no quadro da sua liberdade, faça opções que, nem de longe nem de perto, correspondem às que ainda são maioritárias na nossa sociedade.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É claro para o Partido Social Democrata que tem de se tratar de forma diferente aquilo que é essencialmente diferente.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Sabemos reconhecer a realidade e não temos por hábito «esconder a cabeça na areia», disfarçando as incomodidades. E a realidade é límpida: há hoje, entre nós, uma realidade que cumpre proteger, as uniões de facto entre homossexuais, mas às quais nos recusamos a atribuir a dignidade social que as confunda com o que é verdadeiramente o núcleo da nossa matriz civilizacional, a família.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Os direitos das pessoas, mesmo se expressos como direitos do indivíduo, têm uma dimensão social fundamental, que encontra na família a sua vital e original expressão. No entanto, nada nos impede de, reconhecida essa realidade social, a da existência de relações que aproximam duas pessoas do mesmo sexo, se vir a instituir alguma forma de consagração jurídica dessa realidade social e que ela traduza algum sistema de protecção dessa realidade.
Não nos incomoda que se reconheça que haja duas pessoas que vivem em comum e que, por esse facto, possam beneficiar de alguns institutos que se dirigem a quem comunga de vida, mas não pode deixar, no entanto, de ser ponderado um sistema não só de direitos mas também de deveres e de responsabilidades sociais que decorrerão, necessariamente, dessa vida em comum.
Não se pode, igualmente, deixar de afirmar que se trata de uma realidade excepcional, de reduzida expressão social, e que não deve merecer o alcance da protecção jurídica e social que é dado à família.
Para o Partido Social Democrata, o que verdadeiramente poderá estar em causa neste debate político é a demonstração da pouca atenção e da relativa indiferença com que os podres públicos encaram a família. Se alguma coisa acabará por se demonstrar neste debate é que o Estado se preocupa muito com alguns e pouco com muitos, que dá atenção às excepções ao mesmo tempo que olha indiferente para a regra, que acarinha o menos enquanto castiga o mais.
Na verdade, o que gostaríamos também de ver aqui era a preocupação por políticas que, pela sua natureza e pelo seu alcance, estimulassem a família, beneficiassem essa realidade social, promovessem o seu bem-estar e fortalecessem a sua função social. Mas, infelizmente, temos assistido a um desfile de verdadeiras hipocrisias e fáceis demagogias, que a ignoram, a minimizam, quando não a agridem ou penalizam.
O estranho, ou talvez nem tanto, é verificar que um partido como o PS, aparentemente afastado de uma orientação ideológica radical, se apresse à batalha da consagração do instituto da economia comum para as uniões de facto homossexuais quando, ainda recentemente, se opôs à aprovação de uma política integrada de defesa da família, que o Partido Social Democrata apresentou nesta Assembleia. O Partido Socialista, em questões de família, discursa à direita, tenta à esquerda e pratica no quase nada.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Uma garantia política quero expressar aos portugueses, em nome do PSD: a nossa preocupação central e a nossa orientação política não deixarão nunca de ser dirigidas, em primeiro lugar, ao reforço da instituição

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«família», ao benefício da sua consolidação e do seu desenvolvimento, à sua centralização na vida social e nas políticas públicas.
Não estamos, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, disponíveis para fazer da família uma paródia nacional.
Para o Partido Social Democrata, a família não pode ficar de fora deste debate; para o PSD, a família, pela sua dimensão institucional, vital e transversal, não pode ficar de fora da estratégia de desenvolvimento equilibrado e saudável da sociedade portuguesa. E repito, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: porque defendemos a liberdade individual e cultivamos a democracia, não confundimos os planos da realidade social nem tratamos de forma semelhante o que é essencialmente desigual.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Manso, escutei-a com muita atenção. É óbvio que temos concepções diferentes de família, porque penso que a Sr.ª Deputada continua muito presa, de facto, a uma concepção em que família é assimilada a casamento e também a espaço de procriação.
A questão que lhe coloco é onde é que V.Ex.ª, em coerência com essa posição, situa, por exemplo, as famílias monoparentais? Como é que o PSD encara a emergência e o desenvolvimento de novas formas de família, das quais a união de facto é, indubitavelmente - isso está escrito em todos os manuais sociológicos de direita e de esquerda -, uma nova forma de família?

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Neves, agradeço a questão que me coloca. Realmente, para nós, família não é sinónimo de casamento, se está a falar em família tradicional. A questão é muito clara: temos três tipos de casamento, a contar com aquele que hoje o Bloco de Esquerda propõe. Para nós, casamento religioso é o matrimónio; casamento civil é aquele que existe entre uniões de facto heterossexuais.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Eu não sabia que estava em união de facto! Julguei que era casado!

A Oradora: - A vossa proposta trazia uma terceira via de casamento na junta de freguesia.
Mas a família é, sem dúvida alguma, uma instituição basilar, é um porto de abrigo, que decorre do próprio preceito da Constituição da República Portuguesa. E aí, sem dúvida alguma, não podemos estar de acordo, porque a Sr.ª Deputada parte de uns princípios, de uns valores, que são totalmente diferentes dos princípios e dos valores assumidos pelo Partido Social Democrata. E, nessa linha de coerência, obviamente, para nós, há várias formas, formas emergentes, de família, mas sempre na base de uma família de afectos e de uma família dita de forma constitucional. E essa é a questão que nos separa.
Quando me pergunta onde é que vamos colocar a família monoparental, respondo-lhe muito simplesmente, Sr. Deputada, na base do mundo dos afectos, na base da criação de um espaço de entreajuda e principalmente na relação com os filhos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Comecemos por situar o início desta discussão no que foi o debate, em 1999, sobre as uniões de facto. Na altura, o CDS-PP votou contra, entendendo, acima de tudo, que não fazia sentido criar-se uma família no lugar da família, que não fazia sentido criar, através das uniões de facto, uma parafamília, que tem todos os direitos mas não tem nenhum dos deveres.
Da parte desta bancada, não temos os preconceitos contra a família que os proponentes dos projectos de lei que hoje estão em discussão têm e, curiosamente, sempre votaram contra as leis de base da família que o CDS-PP apresentou nesta Assembleia e que o PSD, posteriormente, apresentou também.
É curioso ver que os partidos e grupos políticos que hoje têm aqui propostas, a esses, nunca os ouvi falar da família como pilar fundamental e primeiro da nossa sociedade; nunca se preocuparam com a dimensão social da família como transmissora de valores, como titular de direitos e de deveres, falando de coisas tão simples como o direito de conciliação entre a vida familiar e a vida profissional, a protecção das famílias numerosas, a participação dos idosos e dos deficientes na família, o princípio do coeficiente familiar em matéria de fiscalidade ou, por exemplo, o voluntariado de apoio à família.
Como partido da democracia cristã, humanista, personalista, da doutrina social da Igreja, reconhecemos que a família é a célula mais fundamental da sociedade, é o grande pilar social. A família, a nosso ver, não é substituível, não é minimizável, não é atacável.
Não admitimos o ataque sistemático, deliberado ou inconsciente, que tem vindo a ser feito à instituição familiar. A família é, a nosso ver, a instituição que melhor protege o ser humano, tanto na sua educação, como na sua socialização, como até na sua protecção. Mas é por isso também dizemos e sabemos reconhecer que há duas coisas distintas: uma, são as uniões de facto, que visam conceder direitos sem conceder obrigações iguais às da família, criando uma família paralela ou até concedendo direitos a quem os não quer; mas coisa diferente são as economias comuns que, pelo contrário, visam atribuir direitos e, em nosso entender, também deveres, a quem, por qualquer motivo de amizade, de afinidade ou de parentesco, partilhe tecto e mesa, vive em comunhão de mesa e de habitação. Nesse caso se inserem tantos irmãos e irmãs, pessoas de idade, viúvos, pessoas de família, tios, sobrinhos e tantos outros casos; entre estas pessoas existe, como alguém dizia há pouco e com razão, uma interdependência económica que, a nosso ver, fazia sentido poder ter protecção.

Vozes do CDS-PP: - Exactamente! Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, como partido da democracia cristã, permita-me que lhe leia algo que, a nosso ver, é fundamental: «tal como a lei regula as relações entre

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parceiros de qualquer sociedade, quer constituída nos termos da lei, quer funcionando apenas de facto com terceiros, é lógico e mesmo necessário que se regulem os efeitos de algumas relações estabelecidas e estabilizadas. Isso já acontece na legislação vigente, por exemplo, no direito a alimentos, no direito à sucessão, no direito ao arrendamento. Em nada repugna que se prossiga no estabelecimento de outras medidas de protecção quando o equilíbrio de interesses o justifique e desde que não se viole a essência dos princípios».
Este texto de tolerância que acabei de ler, Sr. Presidente, é uma nota da Comissão Episcopal da Família, uma nota que, para um partido da doutrina social da Igreja, é de uma grande importância. E era esse o espírito e a nossa boa fé que trazíamos para este debate. Infelizmente, no decurso do debate, pela intervenção da Sr.ª Deputada Jamila Madeira e, depois até, pela resposta pouco conclusiva da Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, percebemos que não é isso que o PS quer. Percebemos a diferença entre o que estava escrito e o que foi dito, percebemos a diferença entre o que o PS escreveu no seu projecto, que era um projecto abrangente, onde o Estado não olhava para a intimidade, não olhava pela «fechadura» das pessoas, e algo totalmente diferente, que é uma fraude política.
Viemos a este debate de espírito aberto, discutir as economias comuns; vimos que o PS as transformou em uniões de facto e essas não são uniões de facto, são uniões de fraude e nós, uniões de fraude, não estamos dispostos a viabilizar!
Viemos aqui com o espírito de tentar proteger um conjunto de situações que nos pareciam ser dignas de protecção jurídica; vimos que o PS não quis fazer isso, o PS quis entrar num «concurso de esquerdas», quis agradar a todos e a mais alguns, mas nesta matéria, onde o que está em causa, também em nosso entendimento, é sempre o papel da família como pilar fundamental da sociedade, isso não é possível. Uma união de fraude, nós não viabilizamos e, por isso, votaremos contra estes projectos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

O Sr. João Amaral (PCP): - Já percebi! Os casamentos são todos iguais, mas uns mais do que outros!

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de utilizar o tempo restante para fazer alguns comentários que me parecem ser importantes e referir alguns elementos clarificadores, neste debate, que me são sugeridos nomeadamente pela intervenção do CDS-PP.
O CDS-PP, independentemente daquilo que é respeitável, que é a sua orientação religiosa ou os princípios religiosos que são, ou não, inspiradores da sua filosofia e do seu entendimento político, não pode escamotear uma realidade que é o texto constitucional, que autonomiza com grande clareza a família, baseado no direito de constituir família e de contrair matrimónio. São dois direitos perfeitamente autónomos englobados no conceito constitucional de família e é perante esse direito constitucional de família que muitas das discussões têm sido feitas e que a necessidade de protecção jurídica dos seus membros, qualquer que seja a realidade que essas famílias assumam, tem de obrigar.
Mas se esta é uma questão lateral neste debate, não resolve e não esclarece um outro aspecto totalmente distinto que cruzou toda a discussão de três projectos que nós consideramos como alargando e eliminando uma cláusula discriminatória, que viola o texto constitucional e que hoje está contida e consagrada na lei que adopta medidas de protecção para as pessoas que vivem em união de facto.
Trata-se de uma lei de 1999 que, na formulação que adquiriu, elimina, exclui e, de uma forma discriminatória, não garante igualdade de tratamento a todas as pessoas, independentemente da sua orientação sexual - e, sobre esta matéria, o texto constitucional é claro, tal como são claros outros documentos que o Estado português ratificou.
Outra questão que esteve também em discussão neste debate, esta tarde, é a da economia comum, ou seja, uma outra figura jurídica totalmente distinta que aparece e que pode ser interessante para permitir uma protecção jurídica a um outro tipo de relações interpessoais, essas já não baseadas no afecto, já não baseadas na sexualidade, mas que são relações interpessoais que justificam, provavelmente, uma protecção jurídica. Aquilo que gostaríamos de ter ouvido, designadamente por parte da bancada do PS, era a assumpção, ou não, aqui, perante o reconhecimento que fazem de que o projecto do qual são portadores é um projecto que manifestamente tem necessidade de ser modificado na especialidade, porque é contraditório.
Assim, gostaríamos que o PS tivesse tido a frontalidade de assumir não só que o seu projecto carece de melhoria em sede de especialidade mas também que os outros projectos merecem ser aprovados. E essa questão nós não conseguimos entender.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É só para dar um esclarecimento à bancada do PCP: nem de longe nem de perto me passou isso pela cabeça! Houve um mal entendido e espero que não tenha ficado. Para mim, a família é um quadro jurídico constitucional perfeitamente claro e o facto de serem casamentos religiosos ou serem casamentos civis tanto faz, e as uniões de facto, sem dúvida nenhuma, constituem também, para mim, um quadro familiar. Era apenas isto, para descansar o Sr. Deputado João Amaral!

Risos.

O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, é só para dizer que, realmente, se vê que hoje é o Dia dos Namorados.

Risos.

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A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Sr. Presidente, é que, hoje, além de ser o Dia dos Namorados, é também o dia daqueles que têm o coração doente e não quero, de modo algum, contribuir para algum problema cardíaco do Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Mas já chega de namoro, Sr.ª Deputada!
Vamos continuar.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Agora já percebi por que é que é o Dia dos Namorados!

O Sr. João Amaral (PCP): - Já tenho o coração na boca!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Vamos continuar, Srs. Deputados.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Presidente, não queria entrar nesta moda de lançar cartões do Dia dos Namorados entre bancadas. Aliás, nem queria fazer esta intervenção, mas a intervenção da Sr.ª Deputada Isabel Castro exige, da parte da minha bancada, uma pequena nota, que me parece muito importante.
Sr.ª Deputada Isabel Castro, o CDS-PP não tem uma orientação religiosa, porque não é confessional - nós não somos um partido confessional. Quero até dizer-lhe que, como situava muito bem o Eng.º Adelino Amaro da Costa, o CDS-PP não tem uma orientação ideológica mas algo diferente, uma doutrina, que se inspira fundamentalmente na doutrina social da igreja. E foi exactamente bebendo desta fonte que fiz esta defesa, que me pareceu fundamental, da família, como factor primeiro das sociedades, como pilar fundamental das sociedades e como primeiro factor de união e de protecção dos seres humanos.
É por isso mesmo que, sempre que se tenta criar um regime paralelo, uma parafamília, só com direitos e sem obrigações nem deveres, isso, por parte desta bancada, será sempre recusado.
Por isso, resumindo, digo-lhe: economias comuns é algo que estamos disponíveis para discutir, porque, de facto, há muitas injustiças que devem ser colmatadas; agora, uniões de facto e uniões de facto encapotadas, como as que o Partido Socialista queria consagrar, é algo que não estamos disponíveis para discutir.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, terminámos a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 6/VIII - Altera a Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto (Adopta medidas de protecção da união de facto) (Deputada de Os Verdes Isabel Castro), 45/VIII - Altera a Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto (Adopta medidas de protecção das uniões de facto) (Deputado do BE Francisco Louçã), 105/VIII - Adopta medidas de protecção das pessoas que vivam em economia comum (PS) e 115/VIII - Adopta medidas de protecção das uniões de facto (PCP).
A próxima sessão plenária terá lugar amanhã, pelas 15 horas, tendo um período de antes da ordem do dia e, como ordem do dia, a discussão conjunta da proposta de lei n.º 44/VIII, dos projectos de lei n.os 272/VIII (PCP), 294/VIII (BE) e 344/VIII (PSD) e do projecto de resolução n.º 109/VIII (CDS-PP).
Proceder-se-á ainda à apreciação e votação do relatório final da Comissão de Inquérito Parlamentar para apreciação dos actos do Governo referentes ao processo que conduziu à participação da Eni e da Iberdrola no capital da Galp, SGPS, e haverá ainda votações regimentais.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Armando António Martins Vara
Emanuel Silva Martins
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Jorge Lacão Costa
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos

Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Henrique José Monteiro Chaves
Jaime Carlos Marta Soares
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
Lucília Maria Samoreno Ferra
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Pedro Miguel de Azeredo Duarte

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
João António Gonçalves do Amaral
Maria Odete dos Santos

Partido Popular (CDS-PP):
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
José Miguel Nunes Anacoreta Correia

Bloco de Esquerda (BE):
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
António Alves Martinho
António de Almeida Santos
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Rui Manuel Leal Marqueiro

Partido Social Democrata (PSD):
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
João Bosco Soares Mota Amaral
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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