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Sábado, 13 de Outubro de 2001 I Série - Número 12

VIII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2001-2002)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 12 DE OUTUBRO DE 2001

Presidente: Ex.mo Sr. Narana Sinai Coissoró

Secretários: Ex. mos Srs. José Ernesto Figueira dos Reis
Manuel Alves de Oliveira
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 15 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de resolução n.º 158/VIII.
A Mesa anunciou ainda um relatório da Comissão de Defesa Nacional, relativo à discussão e votação, na especialidade, das apreciações parlamentares n.os 46/VIII (CDS-PP) e 47/VIII (PSD), do Decreto-Lei n.º 161/2001, de 22 de Maio, comunicando a rejeição de todas as propostas de alteração.
Foi apreciado o Relatório de Apreciação parlamentar da participação de Portugal no processo de construção europeia - 15.º ano. Intervieram, além da Sr.ª Secretária de Estado do Assuntos Europeus (Teresa Pereira Moura), os Srs. Deputados António Nazaré Pereira (PSD), José Saraiva (PS), Honório Novo (PCP), Isabel Castro (Os Verdes), Francisco Louçã (BE) e Miguel Capão Filipe (CDS-PP).
A petição n.º 140/VII (4.ª), apresentada pela Junta de Freguesia da Trafaria, na qual solicitam o restabelecimento da travessia fluvial Trafaria-Belém-Trafaria, a construção do rodofluvial da Tafaria e do troço da via rápida Funchalinho-Trafaria, foi apreciada, tendo intervindo os Srs. Deputados Lucília Ferra (PSD), Vicente Merendas (PCP), Matos Leitão (PS), Rosado Fernandes (CDS-PP), Fernando Rosas (BE) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
Foi também apreciada a petição n.º 168/VII (4.ª), apresentada pela Associação Tempo de Mudar para o Desenvolvimento do Bairro dos Lóios, solicitando a discussão do estado de degradação do Bairro dos Lóios, em Chelas. Intervieram os Srs. Deputados Rui Gomes da Silva (PSD), Miguel Coelho (PS), Francisco Louçã (BE), António Filipe (PCP) e Rosado Fernandes (CDS-PP).
A petição n.º 39/VIII (2.ª), apresentada pela Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - CGTP-IN, exigindo a antecipação da reforma para os trabalhadores por turnos, foi igualmente apreciada. Produziram intervenções os Srs. Deputados Barbosa de Oliveira (PS), Adão e Silva (PSD) e Odete Santos (PCP).
Também a petição n.º 50/VIII (2.ª) - Apresentada por Jorge Alberto Bombas Amador e outros, solicitando à Assembleia da República o agendamento urgente da discussão do problema da abertura do Centro de Hemodiálise das Gaeiras, foi apreciada, tendo intervindo os Srs. Deputados João Pedro Correia (PS), José António Silva (PSD), Natália Filipe (PCP) e Miguel Miguel Capão Filipe (CDS-PP).
Finalmente, foi apreciada a petição n.º 52/VIII (2.ª) - Apresentada por Júlio Vitória da Silva e outros, solicitando que a Assembleia da República adopte medidas legislativas conducentes à criação do concelho de Fátima. Intervieram os Srs. Deputados Paulo Fonseca (PS), Luísa Mesquita (PCP), Herculano Gonçalves (CDS-PP) e Mário Albuquerque (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 12 horas e 45 minutos.

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O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputados, temos quórum, pelo que está aberta a sessão.

Eram 10 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Américo Jaime Afonso Pereira
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António Bento da Silva Galamba
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos Manuel Luís
Eduardo Ribeiro Pereira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Jamila Barbara Madeira e Madeira
João Cardona Gomes Cravinho
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Miguel Marques Boquinhas
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão
Luís Manuel Ferreira Parreirão Gonçalves
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Joaquim Barbosa Ribeiro
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódio Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Luísa Silva Vasconcelos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António d'Orey Capucho
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Armindo Telmo Antunes Ferreira
Artur Ryder Torres Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins
Carlos Parente Antunes
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Santos Pereira
Henrique José Monteiro Chaves
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
João Bosco Soares Mota Amaral
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs

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Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Durão Barroso
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Maria Moreira
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Manuel Cruz Roseta
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
João António Gonçalves do Amaral
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Natália Gomes Filipe
Maria Odete dos Santos
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Luís Miguel Capão Filipe
Narana Sinai Coissoró
Paulo Sacadura Cabral Portas
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, a ordem de trabalhos para hoje é muito extensa, pelo começo por solicitar-vos que evitem ao máximo exceder o tempo de que dispõem.
O Sr. Secretário vai dar conta do expediente.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitido, o projecto de resolução n.º 158/VIII - Relatório de participação de Portugal no processo de construção da União Europeia - 15.º ano (Comissão de Assuntos Europeus).
Deu, ainda, entrada na Mesa um relatório da Comissão de Defesa Nacional, cujo teor é o seguinte: «A Comissão de Defesa Nacional, reunida em 10 de Outubro de 2001, procedeu à discussão e votação, na especialidade, da apreciação parlamentar n.º 46/VIII, do CDS-PP, e da apreciação parlamentar n.º 47/VIII, do PSD, do Decreto-Lei n.º 161/2001, de 22 de Maio, publicado no Diário da República n.º 118, I Série A - Regulamenta a Lei n.º 34/98, de 18 de Julho, que estabeleceu um regime excepcional de apoio aos prisioneiros de guerra nas ex-colónias.
A Comissão rejeitou todas as propostas de alteração.»

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, passamos ao primeiro ponto da ordem do dia de hoje, a apreciação do Relatório de participação de Portugal no processo de construção da União Europeia - 15.º ano.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Europeus.

A Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Europeus (Teresa Pereira Moura): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, muito brevemente, farei uma avaliação da participação de Portugal na União Europeia, no ano 2000, destacando essencialmente quatro elementos fundamentais: o contributo da presidência portuguesa para o desenvolvimento da Agenda Europeia; a conclusão da Conferência Intergovernamental sobre a reforma institucional; a proclamação da Carta dos Direitos Fundamentais; a adopção, pelo Conselho Europeu de Nice, da estratégia da Comissão face ao alargamento.
Como é do conhecimento de VV. Ex.as, a presidência portuguesa marcou muito vincadamente o primeiro semestre do ano 2000 e, inegavelmente, foi considerada por todos os nossos parceiros e pelas instituições comunitárias como bem sucedida e eficaz.
A presidência de Portugal foi exercida num contexto institucional com particulares características conjunturais, marcada pelo Tratado de Amsterdão, em vigor desde 1999, pelo Parlamento Europeu recentemente eleito e reforçado nos seus poderes, por uma nova restruturação da Comissão Europeia, com componentes inovadoras em matéria de representação externa e de segurança e defesa.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Resumidamente, direi que, no que se refere à nossa presidência, ficou essencialmente marcada pela Cimeira de Lisboa, dedicada ao tema «Emprego, Reformas Económicas e Coesão Social para uma Europa da Inovação e de Conhecimento», estratégia essa que assenta em quatro pilares.
Neste contexto, a estratégia de Lisboa, como ficou conhecida no léxico comunitário, introduziu um mecanismo

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inovador por método aberto de coordenação, atribuiu ao Conselho Europeu um papel orientador, através da instituição de uma reunião anual extraordinária, na Primavera, para fixar as prioridades quanto às diversas matérias.
Uma vez que o tempo é escasso, permito-me apenas destacar, no contexto da presidência portuguesa, a prioridade conferida ao alargamento da União Europeia, traduzida em diversas acções concretas, nomeadamente pela abertura de todos os capítulos da negociação e pelo encerramento de vários.
De destacar, ainda, o facto de termos conseguido obter um primeiro acordo sobre o pacote fiscal, numa difícil negociação que se arrastava há longos anos, a adesão da Grécia ao euro e o impulso conferido ao tema da segurança alimentar, com a primeira análise do Livro Branco da Comissão sobre a matéria.
No âmbito da política de relações externas, permito-me sublinhar o aprofundamento da relações de cooperação da União com África, através da realização da primeira Cimeira Europa-África, da assinatura do Acordo de Kotonu e, também, a aprovação da estratégia comum da União Europeia para a região mediterrânica.
No âmbito das relações com a América Latina, destaco a assinatura, em Lisboa, do Acordo de Comércio Livre com o México.
De destacar, ainda, o aprofundamento da nova Agenda Transatlântica, através da realização das Cimeiras UE-EUA e UE-Canadá.
Durante o segundo semestre do ano 2000, portanto, já não durante a presidência portuguesa mas, sim, a francesa, concluiu-se, em Nice, a Conferência Intergovernamental, no âmbito da qual o nosso país tomou, desde o início, posições claras que testemunham a convicção no ideal europeu de par com a defesa dos interesses nacionais.
Sr. Presidente, dada a escassez de tempo e uma vez que, no próximo dia 24, efectuaremos neste Plenário um debate aprofundado sobre o Tratado de Nice, abstenho-me de fazer considerações sobre a matéria nesta ocasião, colocando-me agora à disposição dos Srs. Deputados para quaisquer questões que entendam suscitar.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Nazaré Pereira.

O Sr. António Nazaré Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, Srs. Deputados: Com a presente discussão em Plenário culmina o processo de apreciação parlamentar do Relatório de acompanhamento da participação de Portugal no processo de construção da União Europeia - 15.º ano.
A apreciação, em sede de especialidade, ocorreu em quase todas as comissões permanentes e foi coroada por uma discussão específica na Comissão de Assuntos Europeus, que decidiu propor a este Plenário o projecto de resolução n.º 158/VIII, agora em discussão.
O projecto de resolução expressa, pois, um juízo político fruto de um aturado trabalho feito nesta Assembleia, trabalho esse nem sempre compreendido e, muitas vezes, não divulgado.
Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, Srs. Deputados: Como a Sr.ª Secretária de Estado acabou de realçar, o ano 2000 foi simultaneamente rico e pobre em acontecimentos relacionados com a construção europeia. Rico, porque foram múltiplos e variados os acontecimentos, alguns dos quais foram enunciados pela Sr.ª Secretária de Estado. Pobre, porque a expectativa criada em torno de alguns desses acontecimentos deixou a sensação de insatisfação face aos resultados alcançados.
A agenda de trabalhos da União Europeia, no ano passado, foi dominada pela Conferência Intergovernamental (CIG).
À agenda inicial foi possível acrescentar o tema das comparações reforçadas. No entanto, tal como a Sr.ª Secretária de Estado já referiu, recordo que, no próximo dia 24, a Assembleia da República terá oportunidade de apreciar e ratificar o Tratado de Nice, pelo que, hoje, o tema não será objecto de discussão pela minha parte.
O grande progresso de Nice foi o de ter iniciado desde já o debate sobre o futuro da União Europeia. O grau de aprofundamento a que já se chegou exige uma grande reflexão sobre a natureza, os objectivos e a arquitectura constitucional do projecto europeu. Nesse sentido, creio que todos os órgãos de soberania e o povo português devem ter um papel determinante.
Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, Srs. Deputados: No primeiro semestre de 2000, Portugal, pela segunda vez desde a sua adesão, exerceu a presidência do Conselho da União. Geralmente considerada bem sucedida, espero que a presidência portuguesa da União Europeia possa ter contribuído para progressos decisivos para o futuro da União.
É um objectivo de grande alcance o que foi conseguido com a Cimeira de Lisboa. Trata-se de uma tarefa que é fundamental para a União mas que, por outro lado, significa também um enorme desafio.
É que o reforço da competitividade do espaço europeu não pode passar apenas pela «nova economia», não podendo esquecer a «velha economia», nomeadamente quando se aproximam novos cenários de liberalização do comércio mundial.
Poderia citar muitos dos temas abordados no projecto de resolução em apreciação, porém, faço particular menção à Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Faço-o porque, de facto, esse tema não só marcou grande parte da actividade no ano 2000, na União Europeia, mas será também um tema a ter em conta na Conferência Intergovernamental de 2004.
Estou certo que, dessa forma, consignar-se-á uma melhor participação dos cidadãos europeus e um maior sentimento da União enquanto uma união de cidadãos.
Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, Srs. Deputados: Em 2000, a Comissão Europeia assinou, em 31 de Março, o III Quadro Comunitário de Apoio para o período 2000-2006.
Após a assinatura do QCA III, e ao longo do ano 2000, procedeu-se, sucessivamente, à assinatura dos 11 programas operacionais sectoriais e dos 7 programas operacionais regionais que o integram.
O PSD não poderia ficar indiferente a esse facto. Assim, chamo a atenção desta Câmara para o facto de que a despesa pública executada em 2000, ao abrigo do QCA III, no primeiro ano de execução, foi cerca de 450 milhões de euros, representando uma taxa de execução efectiva da ordem de 8,9%. Face aos 5050 milhões de euros programados para o ano, é uma taxa relativamente pequena, pelo que não podemos deixar de chamar a atenção para a necessidade de melhorar as taxas de concretização.
O projecto de resolução que apreciamos reflecte as principais preocupações e objectivos de Portugal no ano passado. Nesse sentido, o PSD manifesta o seu total empenhamento em que Portugal continue a desempenhar

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um papel activo na construção da União Europeia e dá o seu apoio ao projecto de resolução.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Saraiva.

O Sr. José Saraiva (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que está em apreço na Câmara é um relatório sobre a participação de Portugal no processo de construção europeia.
Cabe enfatizar que o ano a que nos reportamos foi excelente para a participação de Portugal. Por um lado, porque o sucesso que vinha do ano anterior, com a negociação positiva da Agenda 2000, possibilitou o arranque do QCA III em condições favoráveis para a economia portuguesa e para o desenvolvimento sustentado do País. Por outro lado, porque já hoje se tornou incontornável, em qualquer forum em que se aprecie o processo de construção europeu, a Cimeira de Lisboa, dedicada ao emprego e à competitividade, desafios que a Europa tem de vencer perante os seus interlocutores económicos, designadamente os EUA e economias mais desenvolvidas.
Permita-se-me sublinhar que, não obstante quer o relatório quer o projecto de resolução terem merecido a concordância de todos os partidos que se manifestaram, há que enfatizar o papel da presidência portuguesa.
A presidência portuguesa desempenhou papel importante, quer na Cimeira de Lisboa quer, depois, na Cimeira da Feira, na qual, aliás, se atingiu o patamar mais consensual relativamente a um dossier difícil e complexo, o dossier fiscal, cujo mérito deve ser atribuído ao então ministro Joaquim Pina Moura, pelo esforço feito em alcançar resultados numa matéria muito delicada, apesar de os mesmos ainda não satisfazerem completamente o que seria o desiderato de países como Portugal, que entendem que há enormes desigualdades nesta matéria.
Como já foi sublinhado, o ano a que nos reportamos ficou caracterizado pela Conferência Intergovernamental que se realizou em Nice. Este processo teve ainda que ver com o que restou de Amsterdão, mas deixou-nos as portas abertas quanto ao futuro: não é um ponto de chegada, é um ponto intermédio para uma reponderação dos poderes internos da União e que marcou, sobretudo, quanto ao alargamento, a vontade dos Quinze em estabelecer uma união política mais forte, mais agregadora de vontades e de interesses nesta Europa que é, de certo modo, uma utopia do nosso tempo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também não podemos ignorar o esforço que foi feito ao longo do ano de 2000 relativamente à implementação de uma carta de direitos de cidadania europeia. Este documento, que resultou de um trabalho inovador e que hoje é adquirido pelos Quinze e pelas instâncias que se preocupam quanto ao futuro como modelo de transporte de ideias e de alcançar uma meta possível, parece-nos de todo muito importante.
A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, embora conste apenas como apenso ao Tratado, é um documento incontornável e a participação de Portugal, designadamente através do meu camarada José Barros Moura e da Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo, que acompanharam esse trabalho, também enaltece a participação deste Parlamento na elaboração de um documento que se torna incontornável quanto ao futuro e essencial para a cidadania europeia.
Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostava de salientar os avanços feitos no Terceiro Pilar.
Independentemente de tudo o mais, parece-nos que o ano de 2000 representou um excelente ano da participação de Portugal na União Europeia. A presidência portuguesa, tal como tinha acontecido em 1992, mereceu o consenso e o apreço de todos aqueles que olharam para o nosso país e para o desempenho que ele teve - aliás, há um ponto no projecto da resolução, também aprovado por unanimidade, que refere o excelente desempenho de Portugal. E isso conforta-nos, como deve confortar esta Câmara e o País.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Sr.as e Srs. Deputados: O trabalho produzido pela Comissão de Assuntos Europeus, e cabe aqui enaltecer o trabalho do colega Nazaré Pereira, relativo à análise do relatório governamental sobre o acompanhamento do 15.º aniversário da participação de Portugal na União Europeia, enumera uma série de acontecimentos substantivos da integração comunitária ao longo do ano de 2000.
Mas, se é certo que em alguns sectores e em alguns aspectos o relatório aborda um certo número de factos que, por si só, constituem, implícita e, até, explicitamente, registos críticos, também é verdade que noutros casos utiliza valorizações excessivas e, do nosso ponto de vista, apresenta visões claramente incompletas.
Cite-se, por exemplo, o registo das dificuldades do lançamento do III Quadro Comunitário de Apoio, particularmente no que diz respeito ao estabelecimento da regulamentação e a constatação da necessidade de recuperar nos anos imediatos, isto é, nos anos 2001 e 2002, os valores das taxas de execução efectiva, mesmo em cenários de eventual contenção da despesa pública.
Sublinhe-se ainda o facto de no relatório governamental (e o projecto de resolução que lhe está associado também acompanha esta ideia) se registarem lacunas, uma vez que o mesmo não presta informação sectorial adequada relativamente aos fluxos financeiros entre Portugal e a União Europeia.
Refira-se, finalmente, a autocrítica pertinente que produz o relatório sobre a manifesta escassez de recursos humanos e de capacidades técnicas que possam permitir à Comissão de Assuntos Europeus - e, de uma forma geral, a esta Assembleia - um acompanhamento adequado do processo legislativo comunitário.
Registe-se também a parcimónia descritiva sobre os principais elementos e acontecimentos da presidência portuguesa, sobre a qual apenas é dito ter sido geralmente considerada como bem sucedida.
No outro lado da balança está, por exemplo, o tom laudatório usado para com o processo que determinou a elaboração da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, do qual foram, de facto, arredados alguns sectores de opinião - isto é incontornável - e, na realidade, limitado e cerceado o pluralismo democrático. Mais: o relatório constata o facto de a Carta não ter sido adoptada com carácter vinculativo, lamenta esse facto, mas esquece completamente - inacreditavelmente, Srs. Deputados! -, tal como, aliás, o projecto de resolução, lacunas essenciais do seu conteúdo.

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Entende-se o tom utilizado sobre a Carta, porque com ele já não se está a falar da Carta mas, sim, a procurar abrir as portas para a aplicação de métodos idênticos às futuras revisões do Tratado.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Exactamente!

O Orador: - Revisões que, aliás, o relatório defende nos mesmos termos, sem atender ao facto de a alteração de Nice - que, aliás, vamos discutir daqui a alguns dias e, portanto, sobre as quais não me vou pronunciar - não estar ainda ratificada e ainda, tal como o projecto de resolução, sem procurar reflectir sobre o processo em curso de sucessivas alterações institucionais feitas sem quaisquer avaliações de percurso e de impacto e, muito menos, sem manifestar qualquer preocupação quanto à forma como os povos da União Europeia compreendem e aceitam, ou não, Srs. Deputados, essas transformações sucessivas.
Em matéria de integração europeia, Sr.as e Srs. Deputados, prova-se, mais uma vez, que democracia e participação, «sim», mas não em demasia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Assembleia da República discute hoje o relatório que se reporta ao 15.º ano da participação portuguesa na União Europeia e o projecto de resolução que lhe está associado.
Sublinhando um facto que é inquestionável do nosso ponto de vista, gostaríamos de registar que há uma mudança qualitativa na forma como a Comissão de Assuntos Europeus tem acompanhado as questões do processo de integração europeia, embora prevaleça uma questão de fundo.
Formalmente, a Assembleia da República, o Parlamento nacional, pronuncia-se, acompanha e participa num conjunto de acontecimentos que têm relevância e implicações para Portugal mas, em nossa opinião, prevalece uma imensa lacuna, que é a de não haver capacidade política, porque não há sustentação técnica, para que se faça uma correcta avaliação da dimensão e dos impactos que muitas das transformações significam, considerando a realidade própria de cada um dos países. Esse é, pois, um problema que é forçoso vir a ultrapassar, sob pena de os parlamentos nacionais - e é deste que eu falo - poderem produzir um trabalho interessante do ponto de vista da análise teórica mas escapando-lhes, em absoluto, a exacta capacidade de avaliação, a possibilidade de diagnóstico quanto ao que significa cada um dos passos que estão a ser dados.
Uma outra questão, e esta não é uma questão de fundo, prende-se com o conteúdo deste relatório. No fundo, ele elenca e permite-nos fazer uma análise retrospectiva de um ano que foi assinalado por um conjunto de factos com alguma relevância, designadamente a presidência portuguesa no primeiro semestre, a realização da cimeira do emprego, de algum modo pressionada por Portugal e, associada a ela, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e uma Conferência Intergovernamental. Paradoxalmente, estes acontecimentos poderiam ter alguma relevância mas, do ponto de vista de Os Verdes, são manifestamente pouco estimulantes se tivermos presentes aqueles que são os seus resultados concretos.
Recorde-se que tivemos oportunidade de criticar claramente esta situação - aliás, Os Verdes participaram numa cimeira alternativa -, uma vez que todo o investimento de esperança que se projectou na Cimeira de Lisboa traduziu-se em resoluções que são totalmente abstractas porque dela não resultou uma modificação assinalável em termos de reorientar um processo de integração europeia em relação ao qual, cada vez mais, do ponto de vista social e ambiental, ocorrem falhas.
Portanto, continua a ser tão-só o primado dos mercados, aliado a um reforço no plano da segurança, que prevalece, em detrimento de outras componentes, sem as quais o projecto europeu será de todo falho.
A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, em particular num país como o nosso, com a Constituição que temos, é um documento pobre que não acrescenta nada, antes pelo contrário, àquele que é já hoje um património importante do ponto de vista da consagração de direitos fundamentais.
No que se refere à Conferência Intergovernamental, e uma vez que ela vai ser objecto, daqui a poucos dias, de uma análise mais profunda neste Parlamento, apenas diríamos que essa é uma discussão que ainda continua a ser muito vaga, como vaga é ainda a definição precisa dos termos em que vai processar-se, porventura, a última oportunidade de Portugal aceder a fundos comunitários, tendo em conta as enormes fragilidades evidenciadas no passado na aplicação de fundos e tendo em conta que continua a faltar uma visão prospectiva em sectores fundamentais.

Vozes de Os Verdes: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos a tratar de um relatório que descreve, em detalhe, documentação vária, aliás muito heterogénea, que aprecia a participação portuguesa no 15.ºano da nossa adesão ao que hoje é a União Europeia.
A Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Europeus lembrou - e bem, creio - que há quatro matérias dominantes nesta discussão: a apreciação da presidência portuguesa, que, a seu tempo, foi feita neste Plenário, com a presença do Primeiro-Ministro, e mais três matérias que se mantêm em debate: a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e seu seguimento; a discussão do alargamento, a que, aliás, raras vozes se referiram no debate de agora, e a Conferência Intergovernamental, que deu origem ao Tratado de Nice.
Em duas destas matérias, a Carta dos Direitos Fundamentais e o Tratado de Nice, tivemos ou vamos ter oportunidade de participar numa discussão mais alargada. Já o problema do alargamento só tem surgido, até hoje, como uma matéria subsidiária desta e é irrazoável que assim aconteça, porque é das mais importantes.
A Carta dos Direitos Fundamentais foi discutida e, na altura, pronunciámo-nos sobre ela, registando as nossas reservas e críticas a uma estratégia de intercepção mínima que produz um conjunto próximo do vazio.
É certo que na Carta dos Direitos Fundamentais há a convocação e a evocação de muitos direitos importantes, é verdade que sim; mas é certo também que o faz não só de uma forma não vinculativa como de uma forma suficientemente genérica para não se aproximar da capacidade de actuação em aspectos determinantes.

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Essa foi a discussão que tivemos, na qual, aliás, surgiu - como agora volta a surgir - a divergência importante entre a maioria PS/PSD e outras vozes nesta Câmara.
O problema do alargamento, no entanto, merece uma reflexão à luz de toda a estratégia que a União Europeia tem vindo a desempenhar, porque o alargamento é uma opção fundamental para a União Europeia. Contudo, ela é condicionada negativamente pelas opções que a Comissão Europeia e que o Conselho de Ministros têm vindo a escolher neste contexto, porque, justamente, a consagração em tratado da opção, que se consolida com o Tratado de Maastricht, depois com a Tratado de Amesterdão e que, agora, é reafirmada com a Tratado de Nice, tem-se provado profundamente contraditória com uma estratégia alargada em passos seguros de alargamento.
Aliás, os sinais que temos, desta semana, do Banco Central Europeu são, mais uma vez, categoricamente contraditórios como a estratégia de alargamento. O Banco Central Europeu, que se recusa, mesmo num contexto de recessão económica e de grande instabilidade económica e internacional, a ter uma política contracíclica aberta e determinada - ao contrário do que tem sido promovido pelas autoridades económicas nos Estados Unidos -, reafirma, desse ponto de vista, uma separação funesta entre a gestão económica e a afirmação de um projecto político europeu que tem como primeira vítima o alargamento e a possibilidade de abranger novas nações no aro europeu.
Independentemente do ponto de vista que aqui possamos enfrentar, é preciso reconhecer que é neste vazio e colapso estratégico que está um dos grandes problemas da Europa. Na Europa, perdeu-se um sentido de estratégia que, para assentar no alargamento, tem de se orientar, necessariamente, para um desenvolvimento de formas de cooperação que são proibidas, interditadas, pelo facto de se remeter a política económica, e portanto a política social, para uma autoridade que não tem suporte democrático e que não tem responsabilidade, sequer, de responsabilização perante as nações europeias e perante a própria União, que é o Banco Central Europeu.
Esta contradição é inescapável e está inscrita em tratados que aceitaram a perda desse sentido estratégico. A Europa e os dirigentes europeus estão um pouco como aqueles jogadores de um jogo japonês - que alguns dos Srs. Deputados, porventura, talvez conheçam -, o gô. É um jogo em que não se faz qualquer movimento e se espera, necessariamente, a estratégia dos adversários. Fica-se paralisado, à espera de jogar com as contradições daqueles que jogam, quando abdicamos de o fazer. Esta é a história da construção europeia nos últimos anos.
Quando era preciso uma política de pleno emprego, quando era preciso uma política de democratização, de responsabilização, de credibilização da força institucional, o que temos é que num grande país da Europa, a Inglaterra, votam mais pessoas para a saída de um dos concorrentes do Big Brother do que nas eleições europeias.
Estamos perante um colapso democrático e institucional a que é preciso responder com uma autoridade e com uma audácia que não se vê em qualquer destes tratados, em particular no Tratado de Nice, que, justamente, reduz toda esta discussão a uma contabilidade de votos e a uma estrutura directória de potências, que é, na essência, na definição, no conteúdo e na forma, a recusa da construção europeia.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Capão Filipe.

O Sr. Miguel Capão Filipe (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Europa comunitária foi, desde o seu início, concebida e projectada por Jean Monnet como um processo de pequenos grandes passos, com um aproveitamento efectivo do acervo comunitário produzido e reflectido na obrigação sempre imposta aos novos membros de aceitação da legislação comunitária publicada, em prol de uma progressiva e cada vez mais profunda integração.
O objectivo da união política, revelado em Maastricht como uma nova fase no processo de construção europeia, corresponde a uma ideia que vem de longe. Ela estava subjacente na declaração de Schumman, proferida em 9 de Maio de 1950. Constituiu também o mote da Declaração Solene sobre a União Europeia, de 1983, documento onde os então 10 Estados-membros reafirmaram a vontade de transformar o conjunto das suas relações numa União Europeia, e foi objecto de outras iniciativas no mesmo sentido ao longo de todo o processo de integração.
O Tratado de Maastricht, que tem o sugestivo nome de Tratado da União Europeia, prometia o reforço da integração através do estreitamento das relações entre os povos da Europa, apelando ao princípio da subsidiariedade e importantemente reconhecendo a identidade dos Estados.
Lembrando o mentor deste projecto europeu (Monnet), mais um pequeno passo para a construção europeia foi entretanto dado, em Dezembro de 2000, em Nice, com a celebração do Tratado com o mesmo nome. Este alterou algumas regras de funcionamento das instituições comunitárias e visou aprofundar, de forma harmoniosa, a política de segurança ao nível do espaço comum europeu e da qual apenas havia apenas uma tímida expressão com a criação do espaço Schengen.
Com efeito, foi clara a intenção de se criar um espaço de liberdade, segurança e justiça. Aliás, essa mesma política e as orientações que emergiram da Conferência Intergovernamental então realizada foram recentemente consideradas na discussão proporcionada pela revisão constitucional extraordinária aqui recentemente realizada.
Corria o ano de 1985 quando Portugal, juntamente com a Espanha, aderiu à então CEE - Comunidade Económica Europeia - e associou-se ao projecto de integração que já entretanto corria. Desde então, decorreram 15 anos e, como se viu, o processo de construção europeia sofreu avanços substanciais e abordou inexoravelmente uma grande multiplicidade de aspectos decisivos para a consolidação de uma verdadeira União Europeia.
Nesses 15 anos, Portugal beneficiou de apoios comunitários, de fundos estruturais, de programas operacionais sectoriais e regionais, de quadros comunitários de apoio, para que os mesmos fossem aplicados na construção e no desenvolvimento de Portugal - repetimos, no desenvolvimento de Portugal, que esperamos sustentável, não no sentido exclusivamente ambiental mas no do desenvolvimento patrocinado, pelo apoio da União Europeia, de forma a gerar outro desenvolvimento sequencial e já dependente de nós próprios.
Nesses 15 anos, também, algumas regras comunitárias não foram observadas pelos executivos portugueses em domínios como o ambiente, a defesa do consumidor, a agricultura e o funcionamento do mercado interno, que deram azo a processos sancionatórios instaurados pelas instâncias comunitárias competentes.
No entanto, a apreciação deste e de outros relatórios semelhantes não devem servir apenas para recapitular o passado. Eles também devem propiciar um espaço de

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reflexão para o futuro de Portugal e da União Europeia. Com efeito, agora as perspectivas com que Portugal e a Europa se deparam são outras; o alargamento a outros países é cada vez mais uma realidade e, face ao estádio actual da integração, a Europa deve buscar novas prioridades, nomeadamente sociais, pugnando por uma maior solidariedade e uma maior justiça social. Uma Europa que proporcione o desenvolvimento económico, da tecnologia, da investigação, mas que não descure a inclusão social, a protecção dos cidadãos, dos jovens e dos mais velhos, a educação e a formação para a vida.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, terminámos o debate sobre o relatório do 15.º ano da participação de Portugal no processo da construção europeia.
Antes de iniciarmos o próximo ponto da ordem dos trabalhos, vamos saudar a presença entre nós de um grupo de oito formandos do Centro de Recuperação Infantil Torrejano, de Torres Novas.

Aplausos gerais, de pé.

Sr. Deputado Alberto Costa, deu entrada na Mesa o projecto de resolução n.º 158/VIII, que não sei se é para ser votado hoje ou no dia regimental das votações.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, tenho a informação de que é usual fazer a votação no próprio dia do debate. Se a Mesa quiser prosseguir essa tradição, nada temos a opor, como também nada há a opor se a votação ficar para o dia regimental das votações.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, como sou um cultor das tradições, vamos proceder à votação.
O Sr. Secretário vai proceder à leitura do projecto de resolução n.º 158/VIII.

O Sr. Secretário (José Reis): - Apreciando a participação de Portugal no processo de construção da União Europeia durante o ano de 2000, através da análise do relatório previsto no número 3 do Artigo 2.º da Lei n.º 20/94, de 15 de Junho, a Assembleia da República resolve:
Reafirmar o entendimento, já expresso em anteriores resoluções sobre estes relatórios, de que o relatório do Governo acima citado deverá assumir um carácter eminentemente político ou, pelo menos, relevar a interpretação política das várias componentes.
Registar o facto de se ter chegado, na Conferência Intergovernamental concluída em Nice, em Dezembro, a um acordo sobre os temas pendentes de Amesterdão e sobre o desenvolvimento das cooperações reforçadas.
Sublinhar que em Nice foi relançada a discussão sobre o futuro da Europa em que a Assembleia da República, órgão de soberania representativo de todos os cidadãos portugueses, não deixará de ter um papel relevante.
Manifestar o apreço pelo desempenho da República Portuguesa durante a presidência portuguesa da União Europeia, no primeiro semestre de 2000, e os contributos então dados para o desenvolvimento da União Europeia.
Congratular-se com os passos dados no estabelecimento de um espaço de liberdade, segurança e justiça e expressar a sua vontade de que a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia venha a constituir um marco relevante na afirmação do respeito pelos Direitos Humanos no espaço europeu.
Encorajar os progressos realizados no ano 2000 para a afirmação da União Europeia na cena das relações internacionais.
Evidenciar a importância de que os fluxos financeiros colocados à disposição de Portugal no âmbito do III Quadro Comunitário de Apoio contribuam decisivamente para o reforço da coesão nacional e para a diminuição significativa das disparidades regionais entre Portugal e a União Europeia.
Afirmar a necessidade do relatório anual apresentado pelo Governo à Assembleia da República e declarar explicitamente a natureza e os montantes de fluxos financeiros entre a União e o Estado Português.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, entretanto, foi-me manifestado não haver consenso para se proceder de imediato à votação do projecto de resolução, pelo que a tradição não pode ser seguida. Assim, a votação realizar-se-á no dia regimental das votações.
Vamos iniciar o debate da petição n.º 140/VII (4.ª), apresentada pela Junta de Freguesia da Trafaria, na qual solicitam o restabelecimento da travessia fluvial Trafaria-Belém-Trafaria, a construção do cais rodofluvial da Trafaria e do troço da via rápida do Funchalinho-Trafaria.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lucília Ferra. Dispõe de 3 minutos.

A Sr.ª Lucília Ferra (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com a presente petição pretendem os signatários, Junta de Freguesia da Trafaria e 1962 cidadãos, melhores transportes públicos e acessibilidades capazes de proporcionarem maior mobilidade na Área Metropolitana de Lisboa, nomeadamente entre a Trafaria e Belém e entre Funchalinho e Trafaria.
Assim, vêm os peticionantes reivindicar o restabelecimento da travessia fluvial Trafaria-Belém-Trafaria, a construção de um terminal rodofluvial na Trafaria e a construção do troço da via rápida Funchalinho-Trafaria.
Porém, antes de procedermos à apreciação da questão de fundo que nos é colocada, parece-nos de toda a pertinência suscitar duas questões prévias. A primeira prende-se com a circunstância de estarmos hoje, e apenas hoje, dia 12 de Outubro de 2001, a discutir uma petição que remonta a 1998. Trata-se duma situação que deve merecer, de todos nós, profunda reflexão.
O segundo reparo prende-se com a morosidade com que o Governo responde aos pedidos de informação que lhe são solicitados pela Assembleia da República, o que, necessariamente, provoca maiores atrasos na apreciação das petições submetidas a esta Câmara.
Retomando a substância da questão, cumpre-nos sublinhar a justeza das reivindicações apresentadas.
Estando já satisfeita a primeira pretensão dos subscritores, a saber, a reposição das carreiras entre a Trafaria e Belém, encontram-se, todavia, por resolver quer a construção do novo terminal rodofluvial da Trafaria quer a conclusão, se é que de conclusão podemos falar, de uma via rápida que mal se iniciou.
Em 1994, o governo do PSD, sensível à necessidade das obras exigidas pelas populações locais, encomendou à Transtejo, através de despacho conjunto do Secretário de Estado dos Transportes e do Secretário de Estado Adjunto

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e das Pescas, a elaboração e promoção de estudos que permitissem uma tomada de decisão relativamente à construção do novo terminal.
Entendeu-se então, tal como ainda hoje entende o PSD, que o reforço desta ligação era fundamental, na perspectiva dos movimentos pendulares entre as duas margens do Tejo.
Por outro lado, um novo terminal, servido de bons acessos, transportes públicos eficazes e estacionamento acessível, poderia não só constituir uma alternativa ao terminal de Cacilhas mas também funcionar como elemento dissuasor à utilização do transporte individual entre o concelho de Almada e Lisboa.
Porém, decorridos todos estes anos, o Governo socialista vem informar que o processo continua em apreciação, dado não ter sido possível encontrar um consenso entre a Transtejo, operadora de transportes fluviais, e a SILOPOR, concessionária dos terrenos da Administração do Porto de Lisboa.
É, no mínimo, lamentável que o Governo, embora reconhecendo a necessidade e a urgência da obra, não tenha sido capaz de desbloquear o processo e dar execução a tão importante infra-estrutura. Isto para já não falar na incompetência demonstrada pelo Executivo no que concerne à construção da via rápida Funchalinho-Trafaria.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr.ª Deputada, tem de terminar.

A Oradora: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Aquela via, consagrada no Plano Rodoviário Nacional, regista, em sede de Orçamento de Estado para 2001, uma verba com a referência «fecho de obra», quando, na verdade, se encontra por concretizar a maior parte do troço.
Assim, porque se nos afigura justo e legítimo, o PSD não só apoia as pretensões trazidas pelos peticionantes como exige do Governo uma resposta célere e eficaz. Sem mais atrasos, desculpas ou demoras é urgente concretizar às obras.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vicente Merendas.

O Sr. Vicente Merendas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Milhares de pessoas que atravessam o Tejo para se dirigirem a Lisboa utilizam viatura própria. A percentagem destas pessoas continua a aumentar, congestionando a rede viária urbana, provocando a saturação constante da ponte 25 de Abril e dos seus acessos, bem como dos eixos de penetração na cidade de Lisboa, o que obriga a tempos de deslocação elevadíssimos e, consequentemente, à degradação da qualidade de vida dos cidadãos. Só uma rede diversificada e adequada de transportes públicos permitirá dar resposta à mobilidade requerida pelas necessidades das populações. É neste sentido que surge esta petição.
O transporte público fluvial continua a ser muito importante na ligação entre os concelhos de Almada e Lisboa. O terminal rodofluvial da Trafaria constituiu a infra-estrutura portuária que há muito urge construir, como há muito é exigido pela população, pela Câmara Municipal de Almada e pelas Juntas de Freguesia da Trafaria e da Caparica.
O Governo vinha assumindo, desde a anterior Legislatura, a sua construção; no entanto, perante os compromissos não cumpridos, questionámos o Governo através de dois requerimentos. Foi com enorme surpresa que fomos informados que o Governo tinha abandonado a realização do tão necessário terminal rodofluvial da Trafaria!

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Uma vergonha!

O Orador: - É justo o descontentamento e a contestação da população perante esta atitude. O cais fluvial da Trafaria é a alternativa necessária para o incremento do transporte colectivo de passageiros, podendo também acolher as carreiras de ferry-boats localizadas em Cacilhas, pois permite boa acessibilidade à Costa da Caparica e uma via de acesso à Faculdade de Ciência e Tecnologia. Acresce ainda que, com a construção do troço IC32, considerado no PIDDAC, até à Trafaria, conclui-se a Circular Regional Interna da Península de Setúbal (CRIPS), ligando a Trafaria e o seu terminal fluvial ao nó do Funchalinho, à via rápida da Costa da Caparica, ao nó de Lazarim-Charneca da Caparica, ao Seixal e a Sesimbra e ao nó e anel de Coina. O terminal da Trafaria apresenta-se, assim, como contributo reforçado ao transporte colectivo fluvial, no escoamento de passageiros do transporte colectivo rodoviário e de viaturas.
Atente-se ainda no facto de que, com o início da construção prevista para 2001-2002 do metro sul do Tejo, novos e graves problemas serão criados na acessibilidade ao terminal rodofluvial de Cacilhas. Como tal, importa considerar, de forma articulada, as alternativas a este obstáculo.
Ora, no concelho e na região de Almada, tendo em conta a estrutura diária de transportes, a alternativa mais apropriada é a Trafaria, com um terminal rodofluvial qualificado. Impõe-se, assim, que o Governo reconsidere o problema e cumpra o que prometeu: a construção de um terminal rodofluvial renovado e moderno na Trafaria.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Matos Leitão.

O Sr. Matos Leitão (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A petição em apreço é subscrita pela Junta de Freguesia da Trafaria e por 1962 cidadãos e centra-se em três questões. A primeira questão tem a ver com o restabelecimento da travessia fluvial Trafaria-Belém-Trafaria, a segunda com a construção do cais rodofluvial da Trafaria e terceira com a construção do troço da via rápida Funchalinho-Trafaria.
Quanto ao restabelecimento da travessia fluvial, o mesmo encontra-se regularizado e, por isso, dispensa quaisquer outros comentários.
Relativamente à construção do cais rodofluvial da Trafaria, o processo exige alguma reflexão, sendo já longo o conjunto de medidas e trabalhos desenvolvidos pelo Governo, conforme consta da resposta enviada pelo Gabinete do Secretário de Estado dos Transportes, que conclui, à data de 16 de Junho de 2000, pelo prosseguimento da análise que estava a ser feita pelas diversas entidades intervenientes.
Entretanto, por despacho do Ministro do Equipamento Social, foi criado um grupo de trabalho no âmbito deste

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Ministério, do qual faz parte a Câmara Municipal de Almada, com vista à determinação dos futuros terminais desta e de outra natureza, no concelho de Almada. A Trafaria será provavelmente uma hipótese, entre outras.
O bom senso aconselha a aguardar pelo resultado deste grupo de trabalho, uma vez que qualquer solução apressada acarretará inevitavelmente um elevado custo financeiro que é necessário acautelar, atentas as necessidades, que são muitas, não apenas no distrito de Setúbal mas em todo o País.
Não posso, no entanto, deixar de referir o elevado investimento público, nunca antes visto, que tem sido e continua a ser feito pelo Governo do Partido Socialista no distrito de Setúbal, do qual destaco o IC13, o metro sul do Tejo, o comboio na ponte 25 de Abril (Lisboa-Fogueteiro), o Programa Polis, entre muitas outras realizações.
Quanto à construção do troço da via rápida Funchalinho-Trafaria, que fará parte do IC32, é preciso recordar que a actual legislação obriga a que seja feita a avaliação do impacte ambiental. Ora, tanto quanto julgo saber, essa avaliação está em curso, prevendo-se a sua conclusão no primeiro trimestre de 2002 e o lançamento do concurso público no próximo ano. Ou seja, o processo de construção do troço está a decorrer normalmente e há apenas que aguardar pelo seu termo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sendo legítimas as aspirações dos peticionários, é também de bom senso, face às razões invocadas, aguardar com serenidade pela conclusão dos processos que estão em curso, para podermos, então, analisar estas questões tendo em conta toda a informação útil e, na devida altura, cada um assumirá as suas responsabilidades.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Fernandes.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, queria desiludir o meu colega Vicente Merendas, dizendo-lhe que enquanto se puder parquear em cima de todos os passeios em Lisboa, enquanto existir esta «babilónia» que aqui vemos (agora, já quase nem sequer se pode atravessar a rua da Emenda, porque eles não emendam as asneiras que fazem, põem «postaletes» e nem sequer pensam na questão dos carros e do espaço para eles passarem), é evidente que o português, visto tratar-se de um povo pobre, terá sempre a necessidade de vir de automóvel. Será necessária alguma pedagogia e algum policiamento nas ruas para mostrar que trazer o carro para o centro da cidade acarreta enormes dificuldades àqueles que nela vivem.
Assim, enquanto isso não for feito, julgo que também não haverá apetência para as justas reivindicações feitas nesta petição.
Por outro lado, é evidente que a margem sul do Tejo foi gostosamente estragada pelos sucessivos presidentes da Câmara Municipal de Almada, que deixaram estragar, em vez de a valorizarem, uma margem que tinha, desde o século XVI, desde o tempo do Frei Luís de Sousa, lindíssimas casas, das quais ainda hoje sobra uma ou duas - vemos, por exemplo, da auto-estrada, uma miserável grande superfície construída ao lado de um lindo solar e perguntamo-nos que capacidade tem a gente da outra margem para consolidar alguma coisa de útil para a população que deviam defender!
Quanto à construção do cais rodofluvial, repare-se no que foi feito com a SILOPOR: construiu-se a SILOPOR com dinheiros americanos, e alguém esteve interessado em arranjar acessibilidade à mesma? Não, senhor! A acessibilidade é feita, não direi por fragatas, o que talvez fosse mais simpático, mas por batelões, que vão depois para o local onde se encontrava instalada a antiga Portugal e Colónias. É qualquer coisa de inimaginável, embora todos saibamos que o transporte fluvial é mais barato. Esta é a principal instalação para receber todo o trigo, que, infelizmente, temos de importar de todo o mundo.
Quando vou à Trafaria, fico admirado como é que a estupidez humana conseguiu conceber um local que é simpático, que podia ser bonito, que podia ser agradável, que podia ser acolhedor, mas do qual fizeram uma espécie de desterro para quem lá está! Mas, meu querido amigo, o gosto não se faz por decreto e a estupidez humana é muitas vezes invencível!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria apenas dizer, muito brevemente, que o Bloco de Esquerda acolhe favoravelmente a petição para o restabelecimento da travessia fluvial Trafaria-Belém-Trafaria, especialmente no sentido da construção do terminal da Trafaria. Temos sempre entendido e entendemos, na nossa intervenção autárquica, que a construção do terminal rodofluvial da Trafaria permitiria uma maior escoamento da população para Lisboa, criando uma alternativa ao terminal de Cacilhas e contribuindo para o desenvolvimento daquela terra.
No entanto, também entendemos ser preciso um pensamento estratégico, em termos de realizar o escoamento de pessoas de uma margem para a outra sem automóvel.
Nesse sentido, é necessário conceber, no planeamento da ligação das duas margens, o prolongamento do metro sul do Tejo até à costa, o que não está previsto, e perspectivar uma solução de eléctricos rápidos para a Trafaria. Sem se encararem esses dois objectivos, a questão da diversificação do fluxo de pessoas de uma margem para a outra ficará sempre problemática.
Não obstante, entendemos que a petição é relevante e merece acolhimento pela Assembleia.

O Sr. Presidente (João Amaral): - A última inscrição para intervir neste debate é a da Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta petição vai precisamente no sentido daquilo que Os Verdes têm sucessivamente reivindicado, isto é, mais e melhores transportes, neste caso concreto, a aposta no transporte fluvial, para servir uma população que trabalha maioritariamente em Lisboa e que faz o percurso Almada/Lisboa e Lisboa/Almada diariamente.
Cremos que é um apelo justíssimo, tanto mais que se trata de uma população que há cerca de 30 anos faz as viagens nas mesmas condições e que não tem assistido a um verdadeiro investimento na melhoria deste transporte fluvial.

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Trata-se de barcos que estabelecem a ligação entre as duas margens em condições de segurança muito precárias. Neste momento, gostaria de relembrar um estudo da Associação Nacional de Bombeiros Profissionais que põe em causa a segurança dos próprios barcos que fazem esta ligação fluvial, colocando também em causa nesta travessia o cumprimento de diversas regras de segurança, com o total desrespeito pela lotação exigido ou a própria sinalização de material de acesso fundamental em caso de acidente ou incidente.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, um novo terminal na Trafaria permitiria criar mais carreiras e melhor articulação de transportes. O que é importante é que essa articulação se faça com outros transportes colectivos, não só ao nível de Lisboa mas também ao nível de Almada.
Este novo terminal na Trafaria é uma decisão há muito prometida mas permanentemente adiada. Com este Governo, já se disse que sim, mas também já se disse que não e alega-se agora a necessidade de mais ponderação.
Nas palavras do Sr. Deputado do Partido Socialista, será necessário mais reflexão, mas, na verdade, cremos que ponderação e reflexão não têm faltado há vários anos. Na nossa perspectiva, o que falta, Sr. Deputado Matos Leitão, que aqui interveio em nome do Partido Socialista, é vontade política para a concretização desta pretensão justíssima da população para melhorar as condições do transporte colectivo fluvial de Almada para Lisboa e vice-versa.
É esta vontade política que é exigida e espero que o Sr. Deputado também contribua para esta concretização, nomeadamente ao nível do próximo Orçamento do Estado.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, não há mais nenhuma inscrição relativamente à petição n.º 140/VII(4.ª) e, portanto, cabe-me este difícil encargo de dizer que acaba aqui a sua apreciação. Os Srs. Deputados, que se têm empenhado na reforma do Parlamento, deverão lembrar-se bem da importância decisiva para a imagem do Parlamento e para os interesses dos cidadãos que este instituto seja mudado e que o debate das petições não acabe desta forma, com os cidadãos a perguntarem-nos, afinal, por que é que estivemos aqui a falar.
Portanto, aproveito a oportunidade de estar a presidir para fazer um apelo para que este regime das petições seja revisto.
Vamos passar à petição n. º 168/VII(4.ª), apresentada pela Associação Tempo de Mudar para o Desenvolvimento do Bairro dos Lóios, na qual solicitam a discussão do estado de degradação do Bairro dos Lóios, em Chelas.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Trata-se verdadeiramente de uma petição sobre a requalificação urbana aquilo que a Associação Tempo de Mudar do Bairro dos Lóios nos apresenta.
Gostaria de dar duas notas prévias. A primeira é a de que esta petição entrou nesta Assembleia em 20 de Abril de 1999, ou seja, há cerca de dois anos e meio e não me parece que seja possível discutir com o mínimo de seriedade alguma matéria que tenha entrado nesta Assembleia nessa altura e que se refira a matérias que têm pelo menos dois anos e meio.
A segunda é a de que quando estão envolvidos poderes autárquicos provenientes de um partido, como neste caso, não me parece razoável nem curial que seja nomeado um relator desse mesmo partido, o qual, no seu relatório, refere que todos os problemas estão em vias de resolução, quando se sabe que tal não é verdade, que não há nada de mais falso.
Aquilo que a Tempo de Mudar refere é a necessidade de requalificação urbana, que é uma necessidade para toda a área da Grande Lisboa, ou, neste caso, para todo o concelho de Lisboa.
Aquilo que aqui se refere é que não há espaços verdes exteriores, que o espaço está sudimensionado, que não há passeios, que não há parques infantis, que não há zonas verdes, que não há zonas de lazer, que toda a área envolvente está perfeitamente degradada, que há má iluminação. No fundo, Srs. Deputados e Sr. Presidente, esta petição não faz mais do que repetir do que aquilo que conhecemos em muitas áreas degradadas da cidade de Lisboa.
Referem-se duas entidades responsáveis: primeiro, o IGAPHE e, segundo, a Câmara Municipal de Lisboa. Mas há pelo menos uma entidade que não tem grande culpa, que são os moradores, que têm que conviver no dia-a-dia com todas estas situações de vandalismo, de subdimensionamento, sem espaços exteriores, como eu disse, com toda aquela falta de qualidade de vida que caracteriza este e muitos outros bairros de Lisboa.
O Sr. Presidente disse que as petições não se podiam concluir como se faz neste momento, e eu responderia ao seu repto dizendo que é verdade, mas sabemos que há uma maneira de resolver esta questão, na qual V. Ex.ª tem particulares responsabilidades. É que no próximo dia 16 de Dezembro vai haver eleições autárquicas e com a mudança da maioria em Lisboa, com a escolha de outra maioria política, será possível resolver estes e muitos outros problemas que afectam a cidade, por muito que isto custe à bancada do Partido Socialista e à bancada do Partido Comunista Português, que, pelo menos nesta matéria, está ao lado do Partido Socialista, ao contrário do que acontece em tantas outras autarquias.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Quando o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva apelou às minhas especiais responsabilidades, não esperava que eu lhe respondesse, estando eu aqui. Já sabia, à partida, que eu não lhe podia responder.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho.

O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Presidente, começo por subscrever as suas considerações quanto à necessidade de se reformar o instituto das petições e também por lamentar que, tendo feito este relatório há um ano, só agora ele venha a ser discutido em Plenário da Assembleia da República.
Por outro lado, lamento também a intervenção que ouvi, a qual, pelo menos teve uma utilidade, que foi a de servir para o PSD fazer campanha eleitoral.
Já que sou o Deputado relator, vou ler o relatório que apresentei em sede de Comissão para se perceber que o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva fez apenas campanha eleitoral e não fez mais nada.
O relatório refere que na petição apresentada pela Associação Tempo de Mudar para o Desenvolvimento do Bairro dos Lóios, em 20 de Abril de 1999, são apontadas as causas que, no seu entender, denunciam situações de graves carências de que o Bairro dos Lóios enferma. A saber: «o bairro não tem tratamento de espaços exteriores; a rede de esgotos está subdimensionada e inadequada; não possui passeios, parques infantis, zonas verdes e zonas de lazer; os pavimentos encontram-se degradados e a iluminação é deficiente; todo o parque habitacional da

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responsabilidade do IGAPHE encontra-se profundamente degradado e com graves erros de concepção. A Câmara Municipal de Lisboa e o IGAPHE - Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado -continuam sem dar respostas a estes problemas».
Acerca do conteúdo desta petição foram pedidos esclarecimentos a várias entidades. «Das informações solicitadas ao IGAPHE é pertinente salientar o seguinte: em 1988 (ainda nos tempos do governo do PSD), após ter procedido a obras de conservação em todos os prédios do bairro - cujo custo total foi de aproximadamente 348 000 contos - administrados pelo Instituto, iniciou-se o processo de alienação desses prédios, que teve em conta o nível de conforto e o estado de conservação dos fogos (…)» - chamo a atenção para o processo de alienação. «O valor médio da alienação dos fogos foi de 1 829 726$.
Actualmente, por força desse processo de alienação, o IGAPHE não é proprietário de nenhum prédio no Bairro dos Lóios mas apenas um condómino, com a particularidade, relativamente aos outros condóminos desses prédios, de ser titular do direito de propriedade sobre mais do que uma fracção autónoma.
Após a alienação dos fogos, o IGAPHE não voltou a efectuar qualquer intervenção de fundo nos prédios, mas já realizou obras de conservação, pelo que se alguns prédios apresentam situações de deficiência, as mesmas se devem a alguns actos de vandalismo e alguns casos de mau uso por parte de alguns moradores.
O IGAPHE está disponível para participar nas despesas das obras necessárias para a conservação e reparação desses edifícios, comparticipando nas despesas que lhe cabem como condómino (…)».
Refere ainda o relatório que « O IGAPHE solicitou apoio à Associação para a sensibilização dos condóminos no sentido de se formarem condomínios, o que não aconteceu(…)».
Passo agora a citar algumas informações, porque não vou ler o relatório todo, dadas pela Câmara Municipal de Lisboa. «Junto aos lotes municipais - lotes 206 a 216 - existem espaços exteriores ajardinados; os espaços exteriores junto aos lotes construídos pelas cooperativas também se encontram tratados; existem espaços por construir ou em muito mau estado». A Câmara Municipal acrescentou ainda que estavam em curso obras de arranjo dos espaços exteriores, sendo que algumas delas eram financiadas pelo QCA.
Gostaria de referir as conclusões que tirei. Refiro no relatório o seguinte: «Resulta para o relator que alguns dos motivos de insatisfação apresentados pelos peticionantes se encontram, pelas informações apresentadas pelas entidades envolvidas, em resolução ou em vias de serem resolvidos, nomeadamente no que respeita à conservação dos edifícios e à construção de equipamentos sociais. É certo que, para quem habita neste tipo de habitação social, muito em voga naquele período em Lisboa, e que se caracterizava pela grande concentração de famílias em prédios altos, existirão sempre problemas potenciais de vivência e habitabilidade, acrescidos pelo facto de muitas famílias não terem sido alvo de acções de preparação para o realojamento».

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Narana Coissoró.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de ter em atenção o tempo de que dispõe. Sei que está a ler o relatório,…

O Orador: - Fui Deputado relator e o relatório foi citado,…

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Mas não é nessa qualidade que está a intervir, pelo que não tem mais tempo. No entanto, dou-lhe mais uns segundos, para concluir.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
«Nesta matéria assume especial importância o papel a desempenhar pelo movimento associativo, tipo Associação de Moradores, desde que em cooperação com os agentes autárquicos, juntas de freguesia e câmaras municipais e outras entidades envolvidas.
Terá que ser este o caminho a seguir pela Associação Tempo de Mudar, pela CML e, naturalmente, pelo IGAPHE, sempre com a perspectiva de que as responsabilidades têm de por todos ser partilhadas. A margem de insatisfação principal está essencialmente virada para o IGAPHE, que argumenta com a impossibilidade legal de poder financiar obras de conservação em fracções que já não sua propriedade, que foram objecto de reparação antes de serem alienadas, por um preço baixo comparativamente ao que o cidadão comum tem acesso. Só o diálogo com os condóminos, que, por força de lei, é obrigatório que exista - e aqui o papel da Associação é fundamental -, é que permitirá uma solução justa para todas as partes envolvidas».

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, não posso abrir excepções para ninguém. Disse que estava a ler o relatório, mas não está previsto lê-lo nesta Sala, porque senão tinha de ter mais tempo. Tenho de dar o mesmo tempo a todos e por isso não lhe posso dar mais. Os outros Deputados também gostariam de falar muito mais, sem ser a propósito do relatório.

O Orador: - É que o relatório foi citado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Mas isso não quer dizer que leia aqui todo o relatório, não é costume. Portanto, faça favor de terminar em meio minuto.

O Orador: - Sim, senhor, é mesmo meio minuto.
«Independentemente do natural anseio da população deste bairro em usufruir da melhor qualidade ambiental possível e das inultrapassáveis dificuldades que bairros sociais deste tipo, construídos há cerca de 20 anos, apresentam na sua génese, não terá, apesar de tudo, muito desfavorecimento no que respeita à ausência de espaços verdes, uma vez que está bem próximo do Parque da Bela Vista, uma das maiores e mais bonitas zonas verdes e de lazer da cidade de Lisboa».
Foi este o relatório que apresentei, tendo sido isento, crítico e apelando à cooperação entre as partes envolvidas, na medida em que o associativismo dos moradores, dos cidadãos, é a única forma de resolver os problemas da cidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, quero descansá-lo dizendo que não tenho nenhum relatório para ler. Mas, em contrapartida, quero referir-me a esta petição e ao seu mérito, porque penso que é assim que a

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Assembleia se deve pronunciar sobre ela, com o respeito que nos merece qualquer petição e em particular esta, que se remete para um assunto tão importante.
O Bloco de Esquerda, depois de ter reunido com os moradores do Bairro de Lóios, em Chelas, e depois de ter promovido uma deslocação ao local, dirigiu ao Ministério do Equipamento Social um requerimento, em relação ao qual obtivemos resposta.
Sublinho no nosso requerimento os pontos que nos parecem essenciais. Referimos que, em 22 anos de existência do bairro, não foram sequer projectados os arranjos das zonas exteriores adjacentes. Em 22 anos, não se instalaram equipamentos sociais ou colectivos mínimos, o que quer dizer que aquela população tem vivido em situação de grande degradação e que ela é inevitável pela própria génese do bairro. E o IGAPHE tem uma responsabilidade particular, visto que é proprietário de 618 de 1213 fracções, ou seja, mais de metade das fracções que estão em causa são propriedade do IGAPHE. E, neste contexto, tem havido um impasse sucessivo.
Há 12 anos ou 13 anos, em 1998, foram realizadas as obras de beneficiação, que foram ainda insuficientes porque não abrangeram a conservação de edifícios, a renovação de infra-estruturas e de equipamentos. Deste ponto de vista, é surpreendente que o Sr. Deputado Miguel Coelho, do Partido Socialista, se possa limitar a ler um relatório, do qual também obtivemos cópia, porque esse relatório foi o que sustentou a resposta do Governo ao nosso requerimento, no qual se diz uma coisa extraordinária: diz-se que o IGAPHE não é a entidade responsável pelos edifícios naquele parque - é verdade! -, mas tão-só um mero condómino, proprietário de algumas fracções.
A tentativa de desresponsabilização em relação às obras necessárias é feita invocando o facto de ser proprietário parcial, mas, no entanto, é proprietário de mais de metade e não de «algumas fracções». É proprietário da maioria das fracções!
Portanto, por isso e pela responsabilidade pública no ordenamento, na definição das infra-estruturas, na construção de equipamentos, neste contexto, é ao IGAPHE - aliás, não só ao IGAPHE, a todos os condóminos, mas, em primeiro lugar, ao IGAPHE - que compete a responsabilidade política, social e económica de iniciar e criar as condições para este processo de remodelação. E talvez o momento em que se discute política autárquica, como sucede actualmente, fosse uma boa oportunidade para reconhecer erros, limitações e fragilidades na política urbana nas grandes cidades, como na Área Metropolitana de Lisboa e, seguramente, também, em Lisboa, dando com isso sinal de que há vontade e empenhamento em resolver casos tão dramáticos como este.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado Francisco Louçã, não está a ler um relatório mas também já ultrapassou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Era em relação a isso que era preciso que o relatório fosse mais aberto e que, talvez, a bancada da maioria, a câmara municipal e outras entidades fossem mais responsáveis.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, também não vou ler aqui o relatório mas já o li com toda a atenção e creio que a sua leitura é, de facto, útil, como elemento instrutório deste debate.
Em primeiro lugar, quero saudar os peticionantes, a Associação Tempo de Mudar e os 1068 cidadãos do Bairro dos Lóios, que apresentaram esta petição à Assembleia da República, colocando, naturalmente, um problema real das suas vidas e das suas condições de vida. Trata-se de um bairro antigo, como já foi dito, que, ao tempo da elaboração deste relatório, tinha 22 anos de existência, pelo que hoje terá 23 anos, que foi construído numa situação precária e com problemas urbanísticos que se arrastaram no tempo, os quais, aliás, são referidos na exposição que é feita, relativamente a espaços exteriores, a problemas de esgotos, a problemas de equipamentos sociais e colectivos, de pavimentos, enfim, trata-se de uma degradação geral da situação habitacional.
Este problema agravou-se, como é sabido, quando, em 1988, o IGAPHE, que era, em larga medida, a entidade responsável por este bairro, decidiu alienar os fogos que detinha, procurando, com isso, desresponsabilizar-se pela situação do bairro. Simplesmente, sucede que esta entidade, o IGAPHE, continua hoje, como diz, na qualidade de condómino mas de condómino de mais de metade de todas as fracções. Portanto, para nós, é de uma evidência inquestionável que o IGAPHE não pode, de forma nenhuma, voltar as costas aos problemas deste bairro e fazer de conta que nada disto, nada do que se passa e nada do que é necessário resolver é consigo, porque é, manifestamente, consigo.
Importa ainda dizer que também, em larga medida, em resultado da actuação muito meritória que a Associação peticionante tem vindo a desenvolver, existe hoje uma linha de diálogo com a Câmara Municipal de Lisboa, que tem dado muitos frutos.
É referido no relatório, lido pelo Sr. Deputado Miguel Coelho, um conjunto muito significativo de intervenções que a Câmara Municipal de Lisboa tem desenvolvido neste bairro, e que continua a desenvolver, através de um intenso processo de diálogo com os moradores e com o movimento associativo, que, mais uma vez, importa saudar. Mas também é significativo que tenha havido já uma mudança de atitude por parte do IGAPHE, havendo uma linha de diálogo com esta entidade que esperamos que dê resultados.
Neste sentido, é de apelar às entidades responsáveis, particularmente ao Governo, que tem a tutela do IGAPHE, para que, de facto, não consinta na situação de esta entidade procurar «lavar as mãos» relativamente às responsabilidades que tem na resolução dos problemas do Bairro dos Lóios.
Não é, portanto, verdade que as coisas estejam exactamente na mesma, e é de notar - aliás, procurámos informar-nos relativamente a isso - que, desde a entrega desta petição até à data, se deram passos muito significativos na resolução de alguns dos problemas que aqui estão referidos. Evidentemente, os problemas ainda não estão todos resolvidos, mas cremos que há passos significativos que devem ser intensificados.
Pensamos que, neste caso, tem valido a pena a acção que os moradores do Bairro dos Lóios têm vindo a desenvolver e, por isso, mais uma vez, os saudamos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Fernandes.

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O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, não tenho uma autoridade especial neste assunto, mas, quer queira, quer não, nasci no Alto do Pina e, por conseguinte, tendo nascido no Alto do Pina, frequentei aquela zona, porque, enfim, havia visitas da minha família à Curraleira e a todos aqueles pátios que povoavam a Rua Barão de Sabrosa até ao rio.
É evidente que uma coligação é uma coligação e o Deputado António Filipe fez a sua obrigação ao defender a sua coligação e a acção que tem desenvolvido.
No entanto, parece-me que aquilo continua tudo com um aspecto miserável. Toda aquela zona até ao rio continua a ser perfeitamente desprezada, naturalmente, porque foi sempre o valhacouto de… Bem, quando nasci, era o valhacouto de alguns criminosos, havia ali gente muito pobre, havia ali gente que estava abaixo de qualquer sustentabilidade física que podia ser aceitável e parece-me que a evolução tem sido lenta. Mas aquela gente merecia melhor! Ainda me lembro do tempo em que nem sequer existia o bairro da Guarda Republicana, que foi, depois, construído à frente da nossa casa.
De maneira que, estando a minha família preocupada com a área, enfim, na chamada caridade cristã e católica - uma coisa que, naturalmente, não está na moda -, conheci a pobreza daquela zona e, certamente, por lá cresci. Podia ter nascido na Lapa, e isso ter-me-ia dado um outro galardão, mas nasci ali e sempre conheci aquela zona paupérrima. E continua paupérrima, apesar de todas as missões de serviço, apesar de todos os grupos de trabalho, que não trabalham, apesar de todas as instituições, que dizem fazer mas não fazem, e de, naturalmente, estar sempre na intenção melhorar a condição das famílias que ali vivem. A verdade é que pouco foi feito.
No entanto, se o Deputado António Filipe insistir na sua coligação por Lisboa, com o Dr. João Soares e a família Soares a lutarem pelo bem-estar do povo, não tenho qualquer dúvida de que isso se conseguirá. Poderá até ser que fundações ajudem…

A Sr.ª Natalina Tavares de Moura (PS): - Mau gosto!

O Orador: - … e que outros dinheiros venham, do ponto de vista das ajudas, porque aquilo só se faz com dinheiro e com o sacrifício daquilo que é supérfluo nas nossas vidas.

A Sr.ª Natalina Tavares de Moura (PS): - A caridade também só se fazia com dinheiro!

O Orador: - É verdade! É que há coisas que se fazem com o sacrifício daquilo que é supérfluo na nossa vida. Já vi fazer isso e isso não se faz em Portugal!
De maneira que, tenham paciência, se não houver algum esforço nesse sentido, algum esforço sério que não seja só o «blablablá» habitual que ouço, aquilo dificilmente poderá ser regenerado.
Mas compete ao Partido Socialista e ao Partido Comunista, que estão na Câmara Municipal de Lisboa, dar, de facto, a força necessária para que todos aqueles bairros degradados melhorem e as pessoas passem a ter um outro bem-estar que não têm. E não têm desde que eu nasci, há 67 anos!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Sr.ª Natalina Tavares de Moura (PS): - Mas já lá não há barracas!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, encerrámos o debate desta petição.
Vamos agora apreciar a petição n.º 39/VIII (2.ª), apresentada pela Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - CGTP-IN, exigindo a antecipação da reforma para os trabalhadores por turnos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, não surpreenderá que o Bloco de Esquerda esteja inteiramente de acordo com esta petição da CGTP sobre o trabalho por turnos, uma vez que, nesse sentido, apresentou um projecto de lei, inviabilizado nesta Câmara pelos votos do partido do Governo e da direita parlamentar e que vai reapresentar novamente, devidamente corrigido e adaptado, fruto das discussões depois havidas, visando consagrar não só esta reivindicação de reconhecer direitos, nomeadamente no campo do regime de trabalho e da antecipação da idade de reforma aos trabalhadores por turnos, mas procurando renovar a legislação sobre a prestação dessa forma particularmente dura de trabalho, nocturno e por turnos, que queremos com saúde e com direitos.
Apesar de o relatório que assiste a esta petição, subscrito pelo Sr. Deputado Artur Penedos, em 28 de Agosto de 2001, persistir na absolutamente surpreendente aceitação das conclusões de uma comissão técnica interdisciplinar de 1993, que apontam para a impossibilidade de definir o conceito de actividade profissional desgastante - sugeria que o Sr. Deputado visitasse uma mina e andasse lá por baixo para ver o que é -, apesar de, nesse relatório, se considerar que o desgaste contém uma dinâmica e uma complexidade de factores que variam de indivíduo para indivíduo e não podem ser padronizáveis, apesar de tudo isso, as reivindicações dos trabalhadores levaram à adopção de vários regimes específicos nas minas, nos marítimos da marinha de comércio, nas pescas, nos pilotos de aeronaves, nomeadamente ao reconhecimento de regimes específicos de trabalho por turnos, de humanização do trabalho por turnos e de antecipação das reformas.
Na realidade, e ao contrário do que constata este relatório, as consequências para a saúde pela prestação de trabalho por turnos estão amplamente demonstradas e foram expostas por nós no debate do projecto de lei que aqui apresentámos, bem como as consequências para a vida familiar e social, o que leva, comprovadamente, a um envelhecimento precoce daqueles que trabalham por turnos e à noite.
Portanto, justifica-se amplamente que se reassuma uma iniciativa legislativa que vá ao encontro das pretensões dos trabalhadores que trabalham nessas duríssimas condições. Aliás, a nova Lei de Bases da Segurança Social nada refere em relação aos regimes especiais de reforma que antecipem a idade da mesma, é omissa quanto a isso, pelo que não há qualquer obstáculo a que se legisle sobre essa matéria.
Como já referi, existem, aliás, vários precedentes em que se reconhece, na lei, a penosidade especial de certo tipo de trabalho e, por conseguinte, é por essa via que importa seguir, criando um regime geral que reconheça, que assista e que resolva alguns dos problemas desse tipo de trabalho.
Estudos da OIT, da Fundação de Dublin e de diversos cronobiólogos internacionais e nacionais comprovam as condições e consequências deste regime na saúde e na qualidade da vida familiar e social dos trabalhadores, pelo que o Bloco de Esquerda está inteiramente disponível para assumir, de novo, a discussão desta problemática,

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ponderados os custos e receitas para a segurança social através de financiamentos específicos.
Consideramos que, nesta matéria, a negociação e a contratação colectivas têm, seguramente, o seu espaço de regulação nas empresas e sectores, mas não existe qualquer inconstitucionalidade em relação à regulação destes sistemas por via legislativa, como sugeriu o Governo no último debate sobre o tema. Trata-se de uma opção política que assumimos conscientemente, porque a intervenção legislativa abrange um muito maior universo de trabalhadores. A população empregada…

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado Fernando Rosas, tem de terminar.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, a população empregada é de 4,6 milhões de trabalhadores, a população abrangida pela contratação colectiva é de 1,4 milhões.
Naturalmente, cabe à Assembleia da República, com a urgência que o assunto requer, recontemplar esta matéria.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Oliveira.

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta iniciativa da CGTP remete-nos, de novo, para uma problemática que, apesar de recorrente nesta Câmara, assume grande importância no quadro das relações laborais, ou seja, o trabalho prestado em regime de turnos e a redução da idade de reforma dos trabalhadores que prestam serviço nesta modalidade de prestação de trabalho.
Trata-se de uma matéria que, ainda muito recentemente, como, de resto, o Sr. Deputado Fernando Rosas referiu, foi objecto de uma discussão mais alargada nesta Assembleia, aquando do debate do projecto de lei n.º 420/VIII, apresentado pelo Bloco de Esquerda, que estabelecia a organização do trabalho em regime nocturno, de turnos e em folgas rotativas, assim como a redução da idade de reforma com bonificação nos anos de contribuição para a segurança social.
Aquele projecto de lei acabou por ser rejeitado, dado o entendimento generalizado, incluindo o da própria CGTP-IN referido no parecer enviado à comissão de trabalho, de que se tratava de uma iniciativa com um carácter marcadamente regulamentador, que não tinha em conta as especificidades tecnológicas e organizacionais dos diferentes sectores de actividade e empresas e que não dava sequer suficiente e adequada satisfação aos interesses dos trabalhadores.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O trabalho prestado em regime de turnos não está consagrado no nosso ordenamento jurídico-laboral como uma actividade desgastante. Reconhecemos, no entanto, que quando prestado em determinadas situações, se não for acompanhado das adequadas medidas, para além de revestir um certo grau de penosidade, pode ter consequências ao nível da saúde física e psíquica dos trabalhadores, assim como no plano da conciliação da vida familiar com a vida profissional.
Contudo, para além das dificuldades acrescidas em torno da definição rigorosa do que se entende por actividade desgastante e da quantificação do seu grau, importa, igualmente, ter consciência de que, mesmo no trabalho prestado em regime de turnos, há uma enorme disparidade de situações que não podem, evidentemente, merecer o mesmo tratamento e tutela por parte do legislador, como se pretende nesta petição, sob pena de se criarem situações de injustiça relativa.
Neste quadro, entendemos a redução da idade de reforma com bonificação nos anos de contribuição para a segurança social dos trabalhadores em regime de turnos como uma medida que deve ser objecto de cuidada e ponderada reflexão, tendo em conta, por um lado, o leque bastante alargado dos seus destinatários e a diversidade de situações em causa e, por outro, as consequências sociais e financeiras daí resultantes, nomeadamente no quadro da estabilidade e do equilíbrio financeiro do sistema de solidariedade e segurança social.
A Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, que aprova as bases do sistema de solidariedade e segurança social, permite a adopção de mecanismos de flexibilização com redução ou bonificação das pensões, consoante se trate de uma idade inferior ou superior à que se encontra estabelecida em termos gerais.
No entanto, consideramos que a criação de novos regimes especiais de antecipação da idade de reforma deve ser precedida de um amplo debate e estudo profundo, com a participação, nomeadamente, dos parceiros sociais, por forma a garantir, objectivamente, três pressupostos fundamentais: primeiro, ter uma sólida sustentação do ponto de vista técnico e no plano social; segundo, não implicar uma maior carga contributiva para os demais beneficiários, sendo necessário, para isso, prever as adequadas fontes de financiamento; terceiro, não pôr em causa o equilíbrio e sustentabilidade financeira da segurança social a médio e longo prazos.
Uma medida do tipo da que estamos hoje, de novo, aqui, a discutir, considerados todos os aspectos que referimos, só poderá ter o devido enquadramento, no processo global de reforma do sistema de solidariedade e segurança social que está em curso.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para nós, a discussão hoje aqui travada constitui mais uma etapa de um debate que, seguramente, vai continuar, uma vez que a matéria se reveste, como já dissemos atrás, de uma enorme complexidade. Por isso, as soluções que venham a ser implementadas terão de ser, na nossa perspectiva, objecto de uma aturada reflexão de modo a não gerarem efeitos perversos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adão e Silva.

O Sr. Adão e Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição n.º 39/VIII (2.ª), apresentada pela CGTP - Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses, hoje em debate, padece de um flagrante sentido de inoportunidade. Não que não devam ser tidos em conta os milhares de trabalhadores portugueses que exercem as suas profissões em regime de trabalho por turnos; não que estejamos a desvalorizar estes trabalhadores, retirando o valor às suas justas aspirações; não que queiramos discriminar negativamente essa forma de trabalho, que é basilar no normal funcionamento da sociedades actuais e tenderá a crescer no futuro. É indesmentível, aliás, o contributo do PSD para que o trabalho por turnos seja, já hoje, devidamente compensado, justamente retribuído e positivamente discriminado.

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Então, pergunto, onde assoma o flagrante sentido de inoportunidade acima anunciado?
Desde logo, no tempo em que esta petição vem a debate público.
É ou não verdade que esta matéria faz parte da regulamentação da lei de bases da segurança social e, particularmente, do novo regime das pensões que dela decorre? É ou não verdade que tal regulamentação está a ser feita em concertação com todos os parceiros sociais? Então porquê este comportamento voluntarioso da CGTP? Só se contiver implícita uma denúncia da incompetência do Governo na regulamentação da lei de bases da segurança social, que se patenteia no facto de estar a ser desrespeitado o artigo 117.º, onde se prevê que o Governo deveria aprovar as normas necessárias à execução da lei de bases, até ao dia 8 de Agosto de 2001. A verdade, porém, é que passados dois meses, nem uma única norma foi aprovada pelo Governo.
Nesta perspectiva, condescendemos e diremos mesmo que esta petição encerra de facto um sentido de inoportunidade, mas mitigado, apesar de tudo.
Porém, onde o sentido de inoportunidade da petição se exibe de forma incontornável é nos conteúdos e propósitos que encerra.
Pois bem! O que esta petição pretende - reiteremo-lo - é exigir a redução da idade da reforma, com bonificação nos anos de contribuição para a segurança social. Esta é, segundo os subscritores, uma «exigência justa».
Perguntamos: mas esta antecipação da idade da reforma comporta algum financiamento específico? Alguma contribuição adicional destes trabalhadores? Não! Nenhuma!
Então, quem irá pagar este enorme esforço financeiro? Aqui, não há dúvidas! Para que algumas centenas de milhar de trabalhadores recebam a sua pensão de velhice mais cedo, os outros trabalhadores, contribuintes do sistema público de segurança social, terão de arrostar com esta despesa ou então terão de ser os impostos dos portugueses, pobres e ricos, a pagar aquela benesse. Era para aqui que seríamos levados pela justa exigência da CGTP.
Num tempo em que, na Europa, razões de ordem demográfica, social, económica e cultural impelem os Estados a defender o prolongamento da vida activa das pessoas, como explicar este propósito de dispensar prematuramente milhares de trabalhadores, de delapidar saberes e experiências e de acentuar o desequilíbrio entre contribuintes e pensionistas, que está já transformado numa ameaça de morte para os sistemas de protecção social na Europa. Era para aqui que seríamos encaminhados, pelo estranho sentido de justiça desta petição.
O PSD não pode enveredar por estes caminhos ínvios, onde, para defender privilégios de alguns, se põe em causa os interesses e os direitos da larga maioria dos portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois da entrega da petição ora em discussão, houve desenvolvimentos em matéria de trabalho por turnos, nomeadamente no que diz respeito ao trabalho nocturno, que é de facto o mais penoso, que alargaram os problemas focados nesta petição e que são efectivamente mais abrangentes.
Devo dizer que me surpreendeu extraordinariamente que o Governo tenha instruído esta petição com base num parecer, de 1993, elaborado por uma comissão técnica, parecer esse que verdadeiramente me escandalizou. Escandalizou-me que essa comissão fizesse esse parecer e que este Governo instruísse esta petição com base nesse mesmo parecer, o qual ignora completamente a multiplicidade de estudos que em vários países têm vindo a ser feitos relativamente às consequências do trabalho nocturno, em turnos fixos ou rotativos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - E esses estudos, que até agora têm desenvolvido novas investigações, na Dinamarca e no Canadá, mostram que uma percentagem significativamente elevada de trabalhadoras, nomeadamente, com regime de trabalho nocturno, estão sujeitas a cancro no seio!
Possivelmente, estarei a falar num tom um tanto elevado, mas escandalizou-me, de facto, que se viesse dizer que não se sabia o que era uma profissão desgastante.
É uma comissão técnica que produz este parecer?! E este Governo está de acordo com esse parecer, quando o próprio Partido Socialista, no debate que tivemos, reconheceu ser efectivamente necessário produzir legislação no sentido de contemplar um regime especial para os trabalhadores nocturnos, nomeadamente aqueles que trabalham por turnos, fixos e rotativos?!
Mais me escandalizei, quando ouço aqui dizer que é preciso trabalhar mais tempo, que é preciso aumentar a idade da reforma, quando se sabe que as políticas vão no sentido de desvalorizar a experiência profissional dos trabalhadores com mais anos de trabalho e de os mandar para o desemprego!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Isto é inaudito! É inacreditável vir invocar-se isso, agora, precisamente no momento em que, mercê de uma recessão económica, já milhares de trabalhadores foram para o desemprego!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Vide o caso dos Estados Unidos da América, onde milhares de trabalhadores foram para o desemprego.
De maneira que considero desumano que o Governo se tenha servido deste parecer e se tenha esquecido dos vários estudos existentes, os quais referem como consequência do trabalho nocturno, entre outras coisas, doenças, que estão provadas, do foro gástrico e psíquico e uma esperança de vida menor para estes trabalhadores. Isto é, até, negar aquilo a que se chama o relógio biológico do ser humano! Querem negar isto?!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Querem negar que é de facto de dia que o organismo trabalha melhor, e que, portanto, é neste período do dia que se trabalha melhor?! Querem negar que é de noite que os ritmos do corpo são mais lentos, tornando-se assim o trabalho muito mais penoso?! Esta evidência não se pode negar!

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Temos a responsabilidade de legislar, reflectindo, no sentido de reconhecer que o trabalho nocturno é penoso e que, por isso, tem de haver, de facto, uma legislação especial a proteger estes trabalhadores das suas consequências nefastas para a sua saúde.

Aplausos do PCP.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, as petições entregues na Assembleia da República ficam com os dados do primeiro peticionante, para que estes possam ser informados do andamento das mesmas.
Ora, o que temos vindo a constatar, em diversas sessões em que se tem discutido petições, é que os primeiros peticionantes não são informados do agendamento das petições que apresentaram na Assembleia da República.
Assim, a minha interpelação é no sentido de se fazer garantir que, no futuro, esta situação não se volte a verificar. Esta insuficiência, a acrescentar a outras que também não prestigiam este importante instituto das petições, deve ser atalhada e corrigida - aliás, hoje, em relação às petições que estamos a discutir, nem todos os primeiros peticionantes foram informados do agendamento das mesmas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado Bernardino Soares, vamos mandar averiguar essa situação, porque tem razão no reparo que faz quanto à necessidade de os peticionantes serem avisados da data da discussão das petições que apresentaram.
Srs. Deputados, vamos passar à apreciação da petição n.º 50/VIII (2.ª) - Apresentada por Jorge Alberto Bombas Amador e outros, solicitando o agendamento urgente da discussão do problema da abertura do Centro de Hemodiálise das Gaeiras.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pedro Correia.

O Sr. João Pedro Correia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição em análise solicita o agendamento urgente da discussão do problema da abertura do Centro de Hemodiálise das Gaeiras.
Gostaríamos de dizer, desde já, que o Partido Socialista, por iniciativa dos Deputados eleitos pelo círculo eleitoral de Leiria, cumpriram de imediato esse legítimo interesse ao suscitarem, sob a forma de interpelação ao Governo, esclarecimentos ao Ministério da Saúde. Para melhor referenciar este momento, relembro que a petição foi admitida em 20 de Março de 2001 e no dia 9 de Fevereiro, menos de um mês depois, efectuámos a referida interpelação.
A petição em apreço coloca em evidência um conjunto de considerandos que não correspondendo alguns deles à realidade deve esta Assembleia prestar toda a sua atenção. Contudo, devemos ter presente que a petição em análise reflecte interesses que devemos respeitar em diferentes medidas da sua relevância.
Ao falarmos do problema da abertura do Centro de Hemodiálise das Gaeiras, falamos de um problema suscitado pela divergência de soluções imediatas das partes envolvidas no mesmo - o Centro de Hemodiálise das Gaeiras, o Ministério da Saúde e os doentes hemodializados.
O Centro de Hemodiálise das Gaeiras é um prestador de saúde privado e, como tal, deve ser considerado. O seu proprietário fez um investimento e deseja com a maior celeridade possível que ele seja rentabilizado. Para o seu proprietário o Centro trata-se de um negócio, e, enquanto negócio, tem os seus riscos, que não devem ser chamados a este debate.
O Ministério da Saúde, por seu lado, assumiu que, para o distrito de Leiria, os cuidados de saúde a prestar aos doentes que sofrem de insuficiência renal crónica passam pela prestação de serviços de saúde em regime de convenção. Prova-o o facto de, nos dois principais hospitais do distrito de Leiria, não existirem serviços de nefrologia. Mas assumiu igualmente o Ministério da Saúde do Governo do Partido Socialista ser necessário acabar com um conjunto de situações ambíguas do regime de convencionados, que remonta a 1990, aquando da aprovação da Lei de Bases da Saúde, procedendo à sua devida regulamentação, através de um clausulado-tipo, por forma a dar equidade a todos os prestadores privados de saúde. Com o regime de convencionados, contratualizado pelo mesmo método, forma de funcionamento, pagamentos e responsabilidades, o sistema oferece mais garantias de qualidade, com um controlo mais eficaz dos custos.
Neste sentido, temos de reconhecer que ao garantirmos uma melhor qualidade dos serviços prestados, com melhor controlo de custos, como é política do Ministério da Saúde, entramos no domínio da defesa do interesse público e, por esse facto, de relevância para este debate.
Se considerarmos os argumentos desta petição, na medida em que o seu objectivo é a defesa dos utentes, estamos, desde logo, a assumir que se existe algo de relevante neste debate e que merece toda a nossa atenção são os doentes.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E, de acordo com o mencionado na petição, o distrito de Leiria é servido por um só centro de diálise, o que obriga os cerca de 100 doentes dos concelhos do distrito, nomeadamente Peniche, Bombarral, Caldas da Rainha e Óbidos, a deslocarem-se duas e três vezes por semana para a cidade de Leiria. Esta deslocação de quase 150 km/tratamento é penosa e em nada contribui para o aligeiramento da sua dor e para a melhoria da sua qualidade de vida. E é neste sentido que se justifica a abertura do Centro de Hemodiálise das Gaeiras.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Perante a pergunta por mim feita relativa à celebração de convenção com o Centro de Hemodiálise das Gaeiras, respondida, na altura, pela Sr.ª Ministra da Saúde Manuela Arcanjo, obteve esta Assembleia a resposta que passo a citar: «Digo-lhe, Sr. Deputado, que não pode o Ministério da Saúde celebrar nenhum acordo específico com a clínica das Gaeiras porque seria ilegal. Ter-se-á, pois, de esperar o tempo necessário para que sejam introduzidos mecanismos de controlo de facturação, procedimentos administrativos, bem como o avanço do pacote compreensivo de dados e preços, para evitar o desvio entre o que se paga por cada doente hemodializado». E, depois, conclui a resposta dizendo: «O clausulado-tipo da hemodiálise vai ser publicado ao longo deste ano».

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Considerando, assim, que, na defesa do interesse público, já se verificou o tempo necessário e considerando que o ano de 2001 já entrou no seu último trimestre, é nossa convicção, e neste sentido estamos confiantes, que o Ministério da Saúde, de acordo com o compromisso assumido perante esta Câmara, vai, a muito curto prazo, abrir o Centro de Hemodiálise das Gaeiras.

Vozes do PSD: - Agora é que é!

O Orador: - Sr. Presidente, ao terminar esta intervenção, quero reiterar o que já aqui disse a propósito da mesma: não podemos deixar de fazer uma breve nota sobre os acontecimentos e, muito em particular, sobre as manifestações de protesto desenvolvidas, dizendo que compreendemos a sua oportunidade política, mas que, em boa verdade, a resolução do problema foi colocada sobre a forma de contestação e não de diálogo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, embora não seja da praxe, este problema também me diz respeito, porque resido nas Caldas da Rainha. Por isso, Deus queira que o Governo não oiça a sua voz!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Era bom! Palavras leva-as o vento!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José António Silva.

O Sr. José António Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por congratular-me com a intervenção do Sr. Deputado João Pedro Correia, que, efectivamente, aqui, nomeadamente quando estão presentes alguns peticionantes, defende aquilo que nós vimos defendendo há muito tempo e que hoje, mais uma vez, manifesta toda a vontade política do Partido Socialista em abrir o Centro de Hemodiálise de Gaeiras. Em Março deste ano, os doentes já foram informados, continuamos, no entanto, ainda a aguardar. Mas, de qualquer modo, ficam-lhe bem essas palavras, Sr. Deputado.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os doentes portadores de insuficiência renal crónica dos concelhos de Bombarral, Caldas da Rainha, Óbidos e Peniche, que necessitam de fazer tratamentos de hemodiálise para sobreviverem, são obrigados a deslocar-se várias vezes por semana a Leiria, a Torres Vedras ou a Santarém, e em alguns casos a uma distância superior a 100 km, para efectuarem os tratamentos, com o sacrifício quer deles quer dos próprios familiares.
Estudos efectuados, e tendo em conta a área da residência dos doentes que recorrem ao único centro de hemodiálise do distrito de Leiria, levaram o responsável do Centro de Hemodiálise de Leiria, por sugestão da Sub-Região de Saúde de Leiria, a construir novas instalações em Gaeiras, concelho de Óbidos. Este novo centro de hemodiálise encontra-se concluído e licenciado desde Setembro de 1999, contudo os doentes continuam a ter de se deslocar a Leiria, porque - pasme-se - aguarda-se a publicação, por parte do Ministério da Saúde, do clausulado-tipo na área da hemodiálise.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há três anos que se espera e desespera pela publicação do clausulado-tipo, porque foi precisamente em Abril de 1998 que, em Conselho de Ministros, foi aprovado o decreto-lei que suspendia as novas convenções até que fosse publicado o referido clausulado-tipo.

O Sr. João Pedro Correia (PS): - Mas VV. Ex.as levaram seis anos!

O Orador: - Mas no nosso tempo havia convenções! No nosso tempo havia!
Foi esse desespero que levou 17 840 cidadãos doentes renais, familiares e outros potenciais utentes daquele centro a apresentar uma petição dirigida ao Sr. Presidente da Assembleia da República, iniciativa denominada Movimento pela Abertura do Centro de Hemodiálise de Gaeiras, em que os peticionantes solicitam que seja assegurado o completo direito à saúde dos cidadãos da região e efectuado o levantamento imediato dos entraves burocráticos com que o Ministério da Saúde tem impedido a celebração do acordo entre o Serviço Nacional de Saúde e a clínica de diálise localizada em Gaeiras.
O PSD subscreve e aplaude a iniciativa destes milhares de cidadãos, em nome dos doentes com insuficiência renal crónica.
Não é de agora que nos preocupamos com o que se passa no Centro de Hemodiálise de Gaeiras, temos manifestado a nossa preocupação e questionado os responsáveis do Ministério da Saúde, através de requerimentos, em sessões de perguntas ao Governo e sempre que temos oportunidade para o fazer.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É verdade!

O Orador: - Começaram por manifestar desconhecimento e alguma sensibilidade e abertura para resolver a situação; mais tarde, acusam-nos de defender os interesses privados, quando o que defendemos é o bem-estar dos doentes;…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … mais tarde ainda, dizem-nos que o caso de Gaeiras está a tomar contornos políticos, ultrapassando a questão de saúde, quando o que se trata é de tratar doentes; finalmente, e em resposta a novo requerimento, fomos informados pela ainda ex-Ministra da Saúde Manuela Arcanjo que o tal clausulado-tipo iria ser publicado ao longo deste ano - só faltam dois meses para terminar.
Agora, eis que surge um responsável do Ministério da Saúde que reconhece que a situação não se pode arrastar por muito mais tempo, talvez por saber que esta petição iria ser discutida em Plenário.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O Presidente da ARS do Centro afirmou, em 5 de Outubro, precisamente há uma semana, que a situação será desbloqueada dentro de dias - já passou uma semana, talvez quisesse dizer dentro de semanas ou dentro de meses -, e, por se tratar de um caso muito particular, já licenciado e verificado tecnicamente, não necessitará de ficar a coberto de uma decisão nacional. Não sei como é que ele vai resolver o problema, mas espero que o resolva, para bem dos doentes.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Ministério da Saúde e o Partido Socialista, que deveriam ser os primeiros a saudar esta iniciativa que, além de proporcionar o bem-estar dos doentes, reduzia significativamente os custos, nomeadamente em transportes, tem, pelo contrário, levantado sucessivos entraves, assumindo mesmo uma posição insensível ao sofrimento humano.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Filipe.

A Sr.ª Natália Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em 2000, a Sociedade Portuguesa de Nefrologia registou 10 268 insuficientes renais crónicos, 7012 dos quais em tratamentos de hemodiálise e diálise peritoneal. Sendo inquestionáveis estes tratamentos, como garante a qualidade de vida destes doentes, o Estado tem sucessivamente assumido um papel meramente financiador e pouco regulador.
Sem ter em conta as unidades públicas hospitalares de diálise que estão entregues à exploração privada, cerca de 90% dos centros de diálise são assegurados pelo sector privado, 80% deles pertença de multinacionais, situação que deixa o Estado completamente nas mãos dos interesses económicos e das pressões deste sector.
A sobrelotação dos centros é geral e a grande maioria não cumpre os padrões mínimos de qualidade para o nível de cuidados de saúde para que estão vocacionados. A concentração do sector é de tal maneira feroz que as mesmas multinacionais procuram fechar um ciclo de interesses económico-financeiros, que vão desde a prestação dos cuidados, o transporte dos doentes, a realização de exames auxiliares de diagnóstico, as análises clínicas, o fornecimento de equipamento e materiais de consumo e a construção destas unidades.
Em 1996, a Carta Nefrológica Nacional propunha um conjunto de unidades de diálise hospitalar que permitiriam a cobertura indispensável aos utentes do Serviço Nacional de Saúde. As propostas nela contidas não foram implementadas e temos assistido à abertura de novas unidades hospitalares sem estarem previstas as unidades de diálise necessárias e, em contrapartida, têm proliferado as unidades privadas.
Sr.as e Srs. Deputados, a petição que hoje apreciamos, subscrita por 17 841 cidadãos - e eu gostava de realçar o número de cidadãos que aderiram a esta petição, o que, efectivamente, denota a importância desta matéria para os cidadãos que a ela aderiram -, tem por objecto a abertura do Centro de Hemodiálise das Gaeiras, de natureza privada, situado em Óbidos, no distrito de Leiria.
Os cerca de 100 doentes insuficientes renais que habitam nos concelhos de Óbidos, Bombarral, Peniche e Caldas da Rainha deslocam-se essencialmente a Leiria, muitos deles em más condições de transporte, com a inerente penalização e desgaste para os próprios doentes. O tratamento destes doentes neste Centro permitiria reduzir a despesa do Serviço Nacional de Saúde em cerca de 2000 contos/mês.
O que está por trás desta petição é a necessidade objectiva de melhores condições de prestação de cuidados aos insuficientes renais crónicos desta região.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Em nosso entender, o que está em causa na discussão desta petição não é concretamente a abertura deste centro de hemodiálise, tanto mais que o mesmo está devidamente licenciado e nada impede o seu funcionamento. O que está em causa é a celebração da convenção que assegure por parte do Serviço Nacional de Saúde o pagamento dos tratamentos. O que está em causa é, por um lado, a ausência de vontade política do Governo na definição de um plano de intervenção na área da diálise e, por outro, a não concretização da publicação do clausulado-tipo para a prestação de cuidados de saúde nesta área, conforme está previsto no tão contestado diploma que estabelece o regime de celebração das convenções com o sector privado, publicado em 1997.
Não é por falta de discussão neste Plenário que o assunto não está resolvido. E só agora o presidente da ARS do Centro vem afirmar que a situação vai ser desbloqueada porque «não necessitará de ficar a coberto de uma decisão nacional, pois esta é uma situação muito particular», só que esta situação particular está por resolver há mais de um ano, que é o tempo em que já está licenciado este centro de hemodiálise.
Sistematicamente o Governo e o Ministério da Saúde têm respondido que, enquanto não estiver resolvido e publicado o contrato-tipo para as convenções na área da diálise, não poderá ser estabelecida uma convenção com uma clínica. A fazê-lo, estariam a cometer uma ilegalidade. A ser verdade esta afirmação, a actuação do Governo é contraditória com a celeridade com que publicou o clausulado para a área da cirurgia ou assinou os protocolos com o sector social, sem que estivesse provada e comprovada a incapacidade do Serviço Nacional de Saúde em dar resposta às listas de cirurgia.
A distribuição populacional e a localização geográfica dos centros de diálise e a falta de capacidade de resposta alternativa do Estado coloca o Governo e os insuficientes renais na total e completa dependência das entidades privadas, condicionando o mercado e as políticas.
O Governo continua sem assumir um plano nacional para a rede pública de centros de diálise que responda às necessidades da população portuguesa. A ausência de uma solução global para o País está essencialmente a penalizar os utentes do Serviço Nacional de Saúde que necessitam dos cuidados de diálise a que têm direito e, muito particularmente, os insuficientes renais dos concelhos de Bombarral, Caldas da Rainha, Óbidos e Peniche.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Capão Filipe.

O Sr. Miguel Capão Filipe (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A presente petição constitui o reflexo de uma iniciativa desencadeada pelo Movimento pela Abertura do Centro de Hemodiálise das Gaeiras, tendo sido subscrita por 17 840 cidadãos e admitida nesta Assembleia em 20 de Março do corrente ano.
O distrito de Leiria é servido por um único centro de diálise, o qual se encontra congestionado com um elevado número de doentes e, por isso, incapaz de fazer face aos novos doentes. Por essa razão e para que a assistência médica daqueles cidadãos não seja postergada, estes novos doentes insuficientes renais crónicos em hemodiálise, nos quais se incluem também alguns emigrantes, estão a ser

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encaminhados para outros centros de diálise, localizados noutros distritos vizinhos do distrito em causa.
A região das Caldas da Rainha e de Óbidos constitui, em toda a União Europeia, a única área com mais de 100 000 habitantes que não dispõe, numa área de 50 km, de um qualquer centro de realização da terapêutica de diálise. Trata-se de uma situação inusitada, que despertou numerosos protestos da comunidade local, em especial daqueles que padecem desta doença crónica, isto é, de insuficiência renal crónica a necessitar de tratamento hemodialítico, e que, perante esta lacuna, se encontram mais vulneráveis, julgamos, desnecessariamente. Na realidade, tamanha carência implica que estes doentes tenham que efectuar longas e morosas deslocações, para assegurar o respectivo tratamento hemodialítico, as quais se tornam mais gravosas em situações de emergência. Assim, é frequente que os doentes em causa se desloquem, designadamente, a Torres Vedras e a Santarém, para efectuarem os respectivos tratamentos de hemodiálise.
Face a este panorama confrangedor de carências ao nível do tratamento hemodialítico, surgiu um operador privado disposto a suprir as insuficiências, que são patentes, manifestas e notórias. Para esse efeito, foram desencadeadas diligências e observados formalismos junto do Ministério da Saúde e das autarquias envolvidas, tendo o tão almejado centro de diálise sido licenciado e concluído há mais de um ano (aliás, neste momento, quase a caminho dos dois anos). Todavia, não obstante a conclusão de todas as diligências, a verdade é que o referido centro ainda não entrou em funcionamento, de uma forma plena e cabal. Segundo os peticionantes, o Ministério da Saúde tem levantado inúmeros entraves burocráticos à comparticipação dos tratamentos realizados naquele centro de diálise. No entanto, o Estado continua a pagar as mesmas verbas a outras clínicas privadas e suporta, inutilmente, custos acrescidos, relativos aos transportes dos doentes e que ascendem a dezenas de milhares de contos por ano - este é um pormenor que interessa relevar, o de que o estado está a pagar mais caro o tratamento deste doentes, porque, por sua vez, paga o transporte da deslocação destes doentes para outros centros de hemodiálise fora da sua área.
Foram igualmente solicitados pedidos de esclarecimento sobre esta matéria através de requerimentos formulados ao ministério da tutela, o qual afirma singelamente que o clausulado das convenções referentes à área da hemodiálise não se encontra ainda publicado, razão pela qual o ministério em causa não pode abrir uma excepção para celebrar uma convenção com uma só clínica.
Assim, alegria com que foi recebida a notícia da instalação deste centro… E aqui convém mesmo referir a alegria, porque estamos a falar do mais crónico dos doentes crónicos, em que o rim parou e que, para a sua sobrevivência, necessita da ligação a um rim artificial, que é a máquina de hemodiálise, pelo menos três vezes por semana, com toda uma carga de ansiedade e de desgaste, que se traduz numa série de interrogações para esses doentes, como «a minha fístula arteriovenosa está a funcionar?» ou «como é que está o meu valor de hemograma para os valores de anemia?», em que o problema das deslocações vai pesar de maneira importante na condição, que desejamos cada vez melhor, do insuficiente renal crónico em hemodiálise. Portanto, o factor transporte não é desprezível para quem, como estes doentes, tem de carregar este tipo de heroísmo, no que diz respeito a assumir o seu tratamento e a sua integração, que todos desejamos, e no sentido de que, felizmente, a investigação científica deu um primeiro avanço, com as máquinas de hemodiálise, e um segundo avanço, com o transplante renal, para resolver este tipo de situações.
Assim, o argumento de não poder haver excepções, em casos de vida e de saúde,…

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, eu também não queria abrir uma excepção para si, mas, tendo em conta que já esgotou o tempo…

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente. Vou terminar.
Esse é um argumento meramente formal, decorrente da burocracia excessiva que caracteriza a actual Administração Pública e, em especial, o Ministério da Saúde, que não beneficia ninguém e só prejudica os cidadãos daquelas regiões, pondo claramente em causa um direito constitucionalmente consagrado, que é o direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover. Este desígnio deve prosseguir-se com a implementação de medidas locais, descentralizadas e próximas dos cidadãos, designadamente, neste caso, cidadãos carentes, com esta doença crónica, os insuficientes renais crónicos, em hemodiálise, pelos quais temos muito respeito.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, depois deste bom debate sobre uma boa causa, vamos passar ao debate da petição n.º 52/VIII (2.ª) - Apresentada por Júlio Vitória da Silva e outros, solicitando que a Assembleia da República adopte medidas legislativas conducentes à criação do concelho de Fátima.
Antes disso, porém, quero saudar todos aqueles que estiveram e estão a assistir ao debate destas petições, naturalmente, subscritores das mesmas.
Srs. Deputados, vamos, então, dar início à discussão da petição n.º 52/VIII (2.ª).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Fonseca.

O Sr. Paulo Fonseca (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Caros amigos de Fátima: Fátima é uma terra que, não raro, evidencia maior notoriedade que Portugal. É visitada por 5 milhões de pessoas, em cada ano, ultrapassa claramente os contornos do conhecimento nacional e possui um potencial único, capaz de ajudar à projecção do nosso próprio país.
O facto de ali terem ocorrido as aparições, em 1917, deu-lhe uma capacidade de crescimento única, hoje bem patenteada pelos índices de dinamismo e de aspiração social que a caracterizam.
Contudo, nem sempre Fátima é reconhecida na sua grandeza, nem sempre os poderes lhe conferem o elementar apoio que lhe é devido.
O poder autárquico abandonou-a há muito e não fora a capacidade empreendedora dos seus cidadãos, teríamos uma Fátima desesperada pelo desenvolvimento que ali existe, apesar das limitações que lhe são impostas.
Em Fátima, há ruas que não têm água canalizada; em Fátima, há uma espécie de saneamento básico, obsoleto, que despeja diariamente nos algares da Serra D'Aire os detritos de milhões de visitantes e residentes; em Fátima, é «normal» faltar a electricidade e a água, no Verão, onde existe distribuição pública; em Fátima, não há planeamento;

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em Fátima, demora-se meses para obter um parecer sobre uma pretensão de construir qualquer obra; em Fátima, não existe uma zona industrial onde possa implantar-se uma empresa; em Fátima, subsiste o caos urbano, a ausência total de apoio de uma autarquia que se esgotou e deixou uma população inteira a lutar por conta própria.
Ao mesmo tempo, o poder central quase nunca assumiu as suas responsabilidades. Temos, em Portugal, uma jóia, uma verdadeira jóia, que muito pode dar ao País, que muito potencial possui, que muito fervor dinâmico incorpora para render prestígio social, religioso e económico. Fátima é um mundo de oportunidades perdidas pelo poder, mas é uma terra de potencial imparável, se olharmos para o dinamismo das suas gentes e para as suas capacidades intrínsecas.
Deste abandono, naturalmente, surgiu a pretensão da autonomia. Desta orfandade, sentida diariamente por todos, nasceu a revolta e a necessidade de libertação.
Quem não se sente bem em casa dos pais, luta por sair e criar uma vida própria.
Hoje, apreciamos aqui uma petição, com mais de 5000 assinaturas, grito de revolta de tantos e tantos que estão fartos de lutar contra uma autarquia incapaz de ser competente. Trata-se de um apelo emocionado de uma população inteira, que quer, pelo menos, não ser travada na sua capacidade de gerar riqueza.
Naturalmente, estamos ao lado dessa população. Naturalmente, estamos solidários com esse grito de revolta, porque também nós conhecemos a realidade concreta.
Naturalmente, juntamos a nossa voz à voz de Fátima, para que possa libertar-se e ser empreendedora, para que possa acordar deste pesadelo de se sentir bloqueada, para que possa, finalmente, sentir uma esperança.
Os fatimenses querem ser concelho. Sempre houve uma grande convergência partidária no concelho de Ourém, bem como nas instituições autárquicas de âmbito local, acerca desta matéria.
Todavia, a intenção sempre esbarrou na letra da lei, na medida em que não verifica os pressupostos necessários à sua concretização objectiva.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso não é verdade!

O Orador: - Sabemos que a lei não pode contemplar excepções que promovam tratamentos diferenciados, em obediência aos princípios da Constituição da República e à equidade que decorre do Estado de direito democrático.

Protestos do PSD.

E defendemos que assim seja!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Em Vizela também era assim!

O Orador: - Sabemos que a lei deve ser restritiva por forma a impedir a generalização de casos ou a contemplação de aspirações irrelevantes. Todavia, também sabemos que a lei deve contemplar em si as realidades concretas do País e que deve permitir o seu desenvolvimento e assegurar que as legítimas aspirações dos cidadãos possam ser expressas na letra legal, promovendo assim o princípio da manutenção da justiça.
Fátima, é verdade, não reúne as condições necessárias para ver legitimada a sua aspiração de ser elevada a concelho, mas reúne muito mais do que essas condições, porventura hoje já desactualizadas.
Basta pensarmos que Fátima recebe 5 milhões de visitantes por ano; basta pensarmos que 86 municípios portugueses têm menos habitantes do que Fátima; basta pensarmos que Fátima e o seu significado levam o nome do País mais longe do que qualquer outra realidade; basta pensarmos nas razões justas de revolta perante o abandono a que foi votada pelo poder autárquico para sentirmos claramente que Fátima merece ser elevada à dimensão de concelho.
Vale a pena, por isso, introduzir novos conceitos na lei, corrigir o que nela estiver desactualizado, naturalmente mantendo o que estiver bem mas levando para a lei a realidade que hoje existe, em nome da manutenção do Estado de direito.
Não pode resistir a democracia que se orienta por leis que perderam a corrida do tempo. Só vive e se consolida a democracia que se baseia na vida dos seus cidadãos, que a preserva e regulamenta na sua legislação, que a estimula e apoia por via da sua versatilidade.
Não defendemos que se não cumpra a lei, defendemos que se crie uma nova lei baseada nos factores mais importantes que inspiram a vida do País, nomeadamente na população flutuante.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua, pois já esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Fátima merece-o, e o País também merece receber a força e o dinamismo que a população de Fátima tem para nos dar.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição que agora estamos a avaliar é subscrita por mais de 5000 cidadãos, que solicitam à Assembleia da República a adopção de medidas legislativas conducentes à criação do município de Fátima, actual freguesia do concelho de Ourém, no distrito de Santarém - aos peticionantes presentes a nossa saudação muito especial.
São pertinentes as razões que sustentam esta iniciativa. Fátima é um dos maiores pólos dinamizadores da actividade turística, quer do País, quer do distrito. Este facto determinou, ao longo dos anos, o aparecimento de infra-estruturas e serviços diversificados, que sustentam o desenvolvimento económico e cultural da vila de Fátima.
Fátima é visitada anualmente por mais de 5 milhões de turistas, muitos deles peregrinos, o que constitui uma excepção em Portugal.
A população residente, segundo o Censo de 2001, teve um acréscimo de 43% em relação a 1991. Além destes dados factuais, não é menos importante a vontade e o apoio da população a uma futura autonomia de Fátima relativamente ao concelho de Ourém. Também os diferentes órgãos autárquicos do concelho partilham desta vontade e deste apoio.
Sendo assim, por que não foi ainda criado o concelho de Fátima? Porque os mecanismos jurídicos existentes não são facilitadores da observância de critérios específicos que

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podem em alguns casos, na nossa opinião, assumir-se como determinantes para a criação de novos municípios. Esta situação tem permitido que vontades e quereres justíssimos das populações sejam, por vezes, utilizados como moeda de troca, particularmente em períodos eleitorais.
O Partido Comunista Português tem assumido ao longo deste processo, quer no concelho, quer distrito, quer nesta Casa, uma postura de responsabilidade na procura das melhores soluções que as legítimas expectativas das populações anseiam; procedimento que se enquadra obrigatoriamente na defesa e na definição do poder local. Um poder local que tem vindo a enfrentar ao longo dos anos, sem grandes alterações, um conjunto de dificuldades e constrangimentos que ferem a sua autonomia e a sua capacidade de realização.
Estamos convictos que não raras vezes a criação de novos municípios é, naturalmente, a resposta à exigência de uma gestão financeira adequada às necessidades das populações.
Hoje, a criação de novos municípios está regulamentada por uma lei-quadro aprovada em 1985 pelo PS e pelo PSD. Trata-se de uma lei de valor reforçado, uma lei que é pressuposto normativo necessário de outras leis, ou seja, das leis de criação concreta de municípios.
Esta dependência assumida pelo PS e pelo PSD e valorizada nas revisões constitucionais, aprovadas também pelo PS e pelo PSD, determina vantagens e inconvenientes. A vantagem que decorre, por exemplo, da enumeração objectiva de alguns critérios, e o inconveniente de impedir a concretização de propostas assumidas por todos, mas inviabilizadas, porque não cumprem os critérios previstos na lei-quadro. É esta a situação de Fátima, e naturalmente não é a única no País.
O Partido Comunista Português considera que é oportuno rever as condições de viabilidade, sem escamotear especificidades que existem e que podem constituir elementos determinantes na criação de alguns municípios.
É hoje também evidente que o crescimento assimétrico do País, com uma forte vertente de «litoralização», criou desajustamentos no actual ordenamento do território. Um diploma legal não pode ser um espartilho à resolução dos problemas das populações, não pode inviabilizar a procura de um poder mais próximo, mais eficiente e mais participado; antes, tem de contribuir para o progresso e desenvolvimento das populações, que são o verdadeiro, e único, sustentáculo do poder local democrático.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Gonçalves para uma intervenção.

O Sr. Herculano Gonçalves (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, se me permite, começo por saudar as pessoas de Fátima aqui presentes e que assistem a esta sessão e por lhes dizer que Nossa Senhora de Fátima não fez o milagre de pelos menos os Deputados eleitos pelo círculo eleitoral de Santarém estarem presentes neste debate, como deviam.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Importa salientar a importância do tema que a petição n.º 52/VIII (2.ª), subscrita por 5053 peticionantes, aqui hoje nos trás, na qual é solicitada a adopção de medidas legislativas tendentes à criação do concelho de Fátima.
Atendendo ao número de assinaturas apostas na presente petição e ao número de habitantes da cidade de Fátima verificamos que a maioria dos habitantes demonstra a necessidade da criação do município.
O povoado de Fátima tem origem em tempos imemoriais, apesar de na documentação histórica existente ser incerta a data da sua fundação ou sequer da atribuição do foro. A sua denominação tem origem nas invasões mouras e terá como madrinha Fátima, filha de Maomé (Vali de Alcácer), que, feita prisioneira por Gonçalo Hermínguez, numa das muitas incursões vitoriosas a Alcácer do Sal, terá vívido na região.
Em 1568, é certo que aquele povoado se autonomizou da colegiada de Ourém, surgindo a freguesia de Fátima por força de uma importância a nível religioso, resultante da existência de numerosas capelas, que ainda hoje se mantêm.
Desde então, meados do século XVI, Fátima jamais deixou de crescer enquanto local de culto e peregrinação. O século XX viria a transformar Fátima no centro religioso do mundo cristão que todos conhecemos.
Os crescentes fluxos de forasteiros, que em peregrinação se deslocavam a Fátima, provocaram um enorme crescimento demográfico, cultural, social e económico da região. Todo este fervor religioso acentuou-se quando, em 1917, se deram as aparições de Nossa Senhora, num local ermo designado por Cova da Iria, onde três pastorinhos, que apascentavam um rebanho, avistaram por detrás de uma azinheira uma luz envolvendo Nossa Senhora, que os exortou a rezarem naquele momento e a voltarem a fazê-lo nos meses seguintes.
Assim fizeram em cada dia 13.
Em Agosto de 1918 iniciou-se a construção de uma pequena capela, em homenagem a Nossa Senhora. Desde então, milhares de peregrinos começaram a deslocar-se a Fátima para manifestações religiosas mensais que ocorriam naquele local, tornando esta localidade conhecida em todo o vasto mundo cristão como um verdadeiro «Altar do Mundo», facto que lhe confere uma singularidade em relação a qualquer outra cidade ou vila do nosso país e que carece de resposta no ordenamento político-administrativo.
Já em meados do século XX, Fátima, mais do que um povoado dedicado ao culto religioso, transformou-se num centro urbano autónomo e com características próprias.
A actual freguesia de Fátima, a maior do concelho de Ourém, é composta por 30 lugares; presentemente tem uma capacidade hoteleira com uma oferta de mais 10 000 camas, o que a torna numa das maiores do País.
Quanto aos restantes sectores, Fátima constituí o maior centro de comércio do concelho de Ourém. Tem cerca de 1200 empresas em nome individual e 220 sociedades comerciais e é indiscutível que a força económica de Fátima excede, em muito, o que tradicionalmente poderia conceber-se para uma freguesia. Muitos concelhos portugueses não têm a pujança que caracteriza Fátima, quer nesta, quer noutras vertentes.
Trata-se de um dos maiores centros católico e religioso do mundo, o que lhe permite ter uma população flutuante anual de cerca de 5 milhões de pessoas, o que nenhuma outra cidade de Portugal pode orgulhar-se de ter.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Pelas razões invocadas, entendeu o CDS-PP apresentar nesta Assembleia da República o projecto de lei n.º 68/VIII, propondo a criação do município de Fátima, o que fez no dia 11 de Janeiro de 2000 através do Sr. Deputado Paulo Portas e de mim próprio.
Neste momento, pensamos existir vontade política para a criação do concelho em causa, visto o PSD ter apresentado também o projecto de lei n.º 70/VIII sobre o mesmo tema e o Partido Socialista se ter manifestado a favor da criação do concelho através do Sr. Deputado Paulo Fonseca, na sua propaganda eleitoral para as próximas eleições autárquicas, como candidato à Câmara Municipal de Ourém.

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Se me permitir, Sr. Presidente,…

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, o tempo é que não lhe permite, pois já esgotou o tempo.

O Orador: - … usarei só de mais 10 segundos para referir o seguinte: o Sr. Deputado Paulo Fonseca invocou a lei-quadro que regulamenta a criação dos novos concelhos, e, efectivamente, Fátima não cabe nessa lei-quadro. Mas, como sabe, Sr. Deputado, ultimamente também nela não cabiam os concelhos de Vizela, de Odivelas e de Trofa e os mesmos foram criados.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Fátima não é menos importante, permitam-me as pessoas destas outras localidades que mencionei, para a sua elevação a concelho do que qualquer uma delas.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Albuquerque.

O Sr. Mário Albuquerque (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Caríssimos Amigos de Fátima, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Mais uma vez é este Plenário chamado a pronunciar-se acerca de uma questão, por demais conhecida e debatida, que, penosamente, tem vindo a arrastar-se ao longo dos últimos seis anos.
Trata-se, com efeito, de nos debruçarmos acerca do conteúdo e objectivos primeiros de uma petição, apresentada nos termos legais pelos legítimos representantes da população de Fátima, sendo de sublinhar que os respectivos subscritores ultrapassam largamente os 4000 exigidos pela lei.
Pretende-se, deste modo, chamar a atenção desta Câmara para uma pretensão amadurecida, sustentada e pertinente, que, por isso, aconselha uma resolução tão urgente quanto possível. Já tarda, do nosso ponto de vista, a horta de honrarmos as muitas afirmações e consequentes compromissos que têm sido assumidos, ainda que nem sempre conformes com a expressão da vontade política aqui manifestada por alguns dos protagonistas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É verdade!

O Orador: - A criação do concelho de Fátima constitui hoje um desígnio indiscutível e irreversível, porquanto os contornos de que se reveste já não se compadecem com discursos dúbios e ambíguos, que na circunstância apenas poderão contribuir para questionar a dignidade e o próprio funcionamento deste órgão de soberania.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Fátima, Sr. Presidente e Srs. Deputados, constitui hoje um lugar de enorme dimensão e visibilidade, não surpreendendo, por isso, que seja, reconhecidamente, um dos mais privilegiados centros do turismo religioso à escala universal, com cerca de 5 milhões de visitantes/ano, para além da presença assídua e prestigiante dos mais destacados dignitários da Igreja e da política. Terá de ser considerada como um caso singular e muito especial no contexto do País, para além de reunir as condições, que se julgam de necessárias e suficientes, para poder usufruir do desejado estatuto de autonomia administrativa; sendo ainda de destacar que o seu crescimento demográfico registou, nos últimos 10 anos, uma subida de cerca de 43%, conforme dados recentemente apurados pelo Censo de 2001.
Acresce, ainda, referenciar que Fátima goza de uma invejável situação geográfica, com fácil acesso de auto-estrada, proporcionando, também, a realização de muitos e diversificados eventos, como sejam congressos, conferências, colóquios e outros relevantes acontecimentos sociais.
Estamos, deste modo, perante uma realidade indiscutível, localmente reconhecida, como o comprovam a unanimidade de todos os pareceres emitidos pelos respectivos órgãos autárquicos, designadamente da freguesia e do concelho de Ourém.
O PSD apresentou, em momento oportuno, dois projectos de lei sobre esta matéria, não por mero capricho ou oportunismo político mas, sim, pelas convicções que resultam do conhecimento profundo do terreno. Todavia, o seu percurso legislativo tem sido, lamentavelmente, crivado de entraves e bloqueios, sobretudo por parte de quem tem dois discursos: um em Fátima, mais positivo e esperançoso, e, outro, em Lisboa, manifestamente evasivo e dilatório.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por um lado, diz-se «sim», porque é politicamente correcto; por outro, elencam-se entorses, habilmente escudados na lei-quadro, sem que se mexa uma palha para que se possam remover os eventuais obstáculos que possam subsistir.
Foi, aliás, o PSD que desbloqueou a chamada lei-travão do espartilho de que enfermava e que condicionava a criação de novos concelhos à implementação das malogradas regiões administrativas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não pretendemos ser de algum modo exaustivos, até porque o tempo disponível não o permitiria. Todavia procurámos trazer aqui algumas das motivações mais fortes e ponderosas que, a nosso ver, sustentam facilmente a pretensão apresentada.
O PSD, que foi o primeiro partido a empenhar-se neste processo, em coerência com os posicionamentos que sempre tem assumido, julga que é tempo de se clarificar esta situação, de uma vez por todas, pelo que sustenta que não se deve arrastar por muito mais tempo.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Deste modo, anuncia, formalmente, neste Plenário, que irá providenciar, ao abrigo das disposições regimentais vigentes, para que o agendamento, discussão e votação referente à criação do concelho de Fátima se possam realizar, necessariamente, no próximo mês de Janeiro do ano de 2002. Fica dito aqui muito solenemente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Pela nossa parte, estaremos de consciência tranquila na certeza de que, com este passo, correspondemos às expectativas das pessoas e entidades que sempre acreditaram e acreditam em nós.
Fica, por outro lado, o desafio a outros que, finalmente, se queiram juntar a nós, dentro do mesmo espírito construtivo e idêntico sentido de responsabilidade.
Formulamos os melhores votos para que, até lá, todos possam ponderar seriamente a situação e corresponder, com

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o seu apoio ou, melhor, com o seu voto, aos propósitos agora afirmados, contribuindo, deste modo, para o engrandecimento de uma terra que o merece e natural satisfação das generosas gentes fatimenses, que aproveito para cumprimentar com muito carinho e amizade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrada a apreciação da petição n.º 52/VIII (2.ª) e, por consequência, a nossa ordem de trabalhos de hoje.
A próxima sessão plenária realizar-se-á na próxima quarta-feira, dia 17, às 15 horas, e a ordem do dia será preenchida com a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 485/VIII (PSD) e 488/VIII (CDS-PP), por agendamento potestativo requerido pelo Grupo Parlamentar do PSD.
Está encerrada a sessão.

Eram 12 horas e 45 minutos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
António de Almeida Santos
António Fernando Marques Ribeiro Reis
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Carlos Manuel Carvalho Cunha
Casimiro Francisco Ramos
Cláudio Ramos Monteiro
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Ribeiro Moniz
Isabel Maria dos Santos Barata
João Alberto Martins Sobral
José Eduardo Vera Cruz Jardim
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Maria Diogo
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Vítor Manuel Alves Peixoto
Victor Manuel Caio Roque

Partido Social Democrata (PSD):
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Paulo Martins Pereira Coelho
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
David Jorge Mascarenhas dos Santos
Domingos Duarte Lima
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Manuel Macedo Abrantes
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rui Fernando da Silva Rio
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Joaquim Manuel da Fonseca Matias

Partido Popular (CDS-PP):
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
José Martins Pires da Silva
Luís José de Mello e Castro Guedes
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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