O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 533

Quinta-feira, 25 de Outubro de 2001 I Série - Número 16

VIII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2001-2002)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 24 DE OUTUBRO DE 2001

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
José de Almeida Cesário
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.os 500 a 512/VIII, da apreciação parlamentar n.º 53/VIII, do projecto de resolução n.º 161/VIII, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Lino de Carvalho (PCP) manifestou preocupação em relação à forma como está a ser regulamentada a Lei de Bases da Solidariedade e Segurança Social e respondeu a pedidos de esclarecimento da Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira (PS).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Basílio Horta (CDS-PP) chamou a atenção da Câmara para a necessidade de revisão da nossa legislação penal face aos últimos acontecimentos ocorridos a nível internacional. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Dias Baptista (PS) e Fernando Rosas (BE).
A Sr.ª Deputada Helena Ribeiro (PS) insurgiu-se contra recentes afirmações proferidas pelo Presidente da Câmara Municipal de Marco de Canavezes, tendo, no fim, dado explicações a uma defesa da honra da bancada formulada pelo Sr. Deputado Basílio Horta (CDS-PP) e respondido aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Pedro da Vinha Costa (PSD), Francisco Louçã (BE) e Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP).
O Sr. Deputado Luís Cirilo (PSD) falou do desenvolvimento do município de Terras de Bouro e acusou os governos do PS de discriminarem municípios sociais-democratas na distribuição de verbas do Orçamento. No final, respondeu ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Ricardo Gonçalves (PS).

Ordem do dia.- A Câmara aprovou os n.os 106 e 107 do Diário.
Foi apreciada a proposta de resolução n.º 59/VIII - Aprova, para ratificação, o Tratado de Nice que altera o Tratado da União Europeia, os Tratados que instituem as Comunidades Europeias e alguns actos relativos a esses Tratados, assinado em Nice, a 26 de Fevereiro de 2001. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros (Jaime Gama) e da Secretária de Estado dos Assuntos Europeus (Teresa Pereira Moura), os Srs. Deputados Honório Novo (PCP), José Barros Moura (PS), Sílvio Rui Cervan (CDS-PP), Maria Eduarda Azevedo (PSD), Francisco Torres (PS), Francisco Louçã (BE), Isabel Castro (Os Verdes), Alberto Costa (PS), e António Nazaré Pereira (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 55 minutos

Página 534

0534 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Américo Jaime Afonso Pereira
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos José Gonçalves Vieira de Matos
Carlos Manuel Carvalho Cunha
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Eduardo Ribeiro Pereira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
Jamila Barbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Cardona Gomes Cravinho
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Miguel Marques Boquinhas
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Manuel Ferreira Parreirão Gonçalves
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Joaquim Barbosa Ribeiro
Manuel Maria Diogo
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódio Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Luísa Silva Vasconcelos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Alves Peixoto
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira

Página 535

0535 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

António d'Orey Capucho
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
António Paulo Martins Pereira Coelho
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Armindo Telmo Antunes Ferreira
Artur Ryder Torres Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Carlos Parente Antunes
David Jorge Mascarenhas dos Santos
Domingos Duarte Lima
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Santos Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
João Bosco Soares Mota Amaral
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel Durão Barroso
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Miguel de Santana Lopes
Rui Fernando da Silva Rio
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
António de Magalhães Pires de Lima
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Luís José de Mello e Castro Guedes
Luís Miguel Capão Filipe
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do expediente.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projectos de lei n.os 500/VIII - Altera o artigo 108.º do Código de Procedimento Administrativo aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro (BE), que baixou à 1.ª e 4.ª Comissões,

Página 536

0536 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

501/VIII - Estabelece o processo de sujeição a confirmação de actos de licenciamento de obras, loteamentos e empreendimentos (PCP), que baixou à 4.ª Comissão, 502/VIII - Criação da Área Metropolitana de Viseu (PSD), que baixou à 4.ª Comissão, 503/VIII - Reforça os direitos da Liga dos Bombeiros Portugueses (PCP), que baixou à 6.ª Comissão, 504/VIII - Cria o Conselho Nacional do Associativismo (PCP), que baixou à 7.ª Comissão, 505/VIII - Apoia o associativismo cultural e desportivo (PCP), que baixou à 7.ª e 12.ª Comissões, 506/VIII - Estatuto do dirigente associativo voluntário (PCP), que baixou à 7.ª Comissão, 507/VIII - Lei-quadro de apoio às colectividades de cultura, desporto e recreio (PCP), que baixou à 7.ª e 12.ª Comissões, 508/VIII - Alteração do Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de Março, que Aprova o Estatuto do Mecenato, alterado pela Lei n.º 160/99, de 14 de Setembro, onde se define o regime de incentivos fiscais no âmbito do mecenato social, ambiental, cultural, científico ou tecnológico e desportivo (PCP), que baixou à 5.ª Comissão, 509/VIII - Proíbe a aplicação de taxas, comissões, custos, encargos ou despesas às operações de multibanco através de cartões de débito (PCP), que baixou à 5.ª Comissão, 510/VIII - Define uma política de imigração que salvaguarde os direitos humanos (Altera o Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, com as alterações decorrentes da Lei n.º 97/99, de 26 de Julho, e do Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10 de Janeiro, e revoga a Lei n.º 20/98, de 12 de Maio) (BE), que baixou à 1.ª Comissão, 511/VIII - Estabelece a organização do trabalho em regime nocturno, de turnos e em folgas rotativas, bem como a redução da idade de reforma com bonificação nos anos de contribuição para a segurança social (BE), que baixou à 9.ª Comissão, e 512/VIII - Pensões degradadas da Administração Pública (BE), que baixou à 9.ª Comissão; apreciação parlamentar n.º 53/VIII - Decreto-Lei n.º 266/2001, de 28 de Setembro, (define o enquadramento da coordenação da administração desconcentrada do Estado) (PCP); projecto de resolução n.º 161/VIII - Sobre a cobrança pelas instituições de crédito de taxas de utilização dos terminais ATM (Deputado do CDS-PP Basílio Horta).
Foram também apresentados diversos requerimentos.
No dia 16 e na reunião plenária de 17 de Outubro - ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade, formulado pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia; ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelo Sr. Deputado Mota Andrade; aos Ministérios da Educação e dos Negócios Estrangeiros, formulado pela Sr.ª Deputada Maria Manuela Aguiar; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Agostinho Lopes; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Bruno Dias; a diversos Ministérios, à Secretaria de Estado para a Igualdade e à Câmara Municipal de Bragança, formulados pela Sr.ª Deputada Margarida Botelho; à Presidência do Conselho de Ministros, formulado pelo Sr. Deputado Basílio Horta.
Por sua vez, o Governo respondeu a requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados.
No dia 17 de Outubro - Arménio Santos, Manuel Moreira, Hermínio Loureiro, Margarida Botelho, Honório Novo, João Amaral, Miguel Macedo, Natália Filipe, Carlos Martins, Heloísa Apolónia e Honório Novo, Bernardino Soares, Agostinho Lopes, Luísa Mesquita, Renato Sampaio e José Saraiva.
No dia 18 de Outubro - Telmo Correia, Natália Filipe, Agostinho Lopes, Carlos Martins e Paulo Portas.
Em matéria de expediente, é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para declarações políticas os Srs. Deputados Lino de Carvalho e Basílio Horta.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em época de modelos sociais assentes no individualismo, na competitividade exacerbada e no primado do mercado, o sistema público de segurança social é um dos pilares das sociedades solidárias que a todo o custo devemos preservar em nome da justiça e da coesão sociais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A Lei de Bases de Solidariedade e de Segurança Social aprovada por esta Assembleia na Sessão Legislativa anterior, não correspondendo por inteiro à proposta do PCP, constituiu, contudo, num quadro de forte pressão dos interesses financeiros e dos partidos à direita deste Hemiciclo, um diploma que conseguiu preservar o essencial de um sistema público de segurança social de cariz universalista e solidário que cria as condições para o seu desenvolvimento e para a melhoria das pensões de reforma e das prestações sociais em Portugal, que garante a sustentabilidade do sistema, que travou o passo aos ímpetos privatizadores, que integra muitas soluções preconizadas pelo PCP e que constituiu, à época, uma derrota dos mercados financeiros e da direita. Por isso o PCP a viabilizou e por isso também temos hoje particular autoridade e responsabilidade para manifestarmos a nossa preocupação e críticas ao que se está a passar em matéria de regulamentação.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sempre avisámos que não bastava ter uma aceitável Lei de Bases. Era e é essencial que a sua regulamentação não perverta os princípios e a metodologia que nela estão consagrados. Era e é essencial que não entrem agora pela «janela» os interesses que não conseguiram entrar pela «porta»! Mas é isso que pode estar em risco de acontecer, desde logo pela mão do próprio Ministro do Trabalho.
A sua proposta, de chofre, de introduzir um tecto - o célebre «plafonamento» - para as contribuições para o sistema público a partir de 15 salários mínimos nacionais, ao mesmo tempo que em certa imprensa surgiam de novo artigos a recuperarem o requentado tema da ruptura financeira da segurança social, não é mais do que uma nova e canhestra operação, combinada entre o Governo e os mercados financeiros, de colocar na

Página 537

0537 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

ordem do dia uma questão que tinha ficado clarificada no momento do debate e da aprovação da Lei de Bases: a do desvio para os sistemas privados de fundos de pensões e seguradoras, para financiamento dos mercados e da especulação bolsista, de uma parte dos descontos e das contribuições dos trabalhadores e empregadores. Ainda por cima lançada à revelia da metodologia e mecanismos de decisão previstos na própria Lei de Bases. O que esta afirma é que tal eventualidade deve ser precedida de relatório demonstrativo de que tal medida contribui para o reforço da sustentabilidade financeira do sistema público e deve ser submetida previamente a discussão e parecer da Comissão Executiva do Conselho Nacional de Solidariedade e Segurança Social, cujo diploma de criação só agora foi publicado e cuja constituição, por consequência, ainda nem sequer se concretizou.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - Por que é que o Ministro do Trabalho, de tão apressado, põe «o carro à frente dos bois»? O que é que mudou desde o tempo em que o seu antecessor, de acordo, aliás, com as próprias conclusões do Livro Branco, se distanciou do «plafonamento» afirmando, e bem, que ele não contribuía para o reequilíbrio financeiro do sistema? O que mudou, Srs. Deputados, foram as conversações e os acordos bilaterais que, entretanto, o Governo promoveu com a Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), que, à semelhança da reforma fiscal, configuram recuos inadmissíveis em relação ao que foi aprovado na Lei de Bases. Porque, como todos sabem, não há sequer nenhuma base técnica séria que fundamente a necessidade do «plafonamento».

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por tudo isto, queremos aqui reafirmar que nos opomos à abertura de «portas» que o Governo preconiza e que não aceitamos que se queira fazer da segurança social e dos muitos milhões de contos que resultam das contribuições de quem trabalha um instrumento da dinamização e da rentabilização do mercado de capitais e da especulação bolsista, pondo em causa a estabilidade e a segurança das pensões de reforma e o carácter universal e solidário do sistema público.
É, aliás, verdadeiramente significativo que neste debate requentado e colocado artificialmente em cima da mesa, mas no «oportuno» momento em que se está a caminhar para a regulamentação da Lei de Bases, nunca se fale no financiamento do sistema. Desenvolvem-se irresponsavelmente teses alarmistas sobre a sustentabilidade do sistema público, exactamente para justificar a defesa dos tectos contributivos, mas nunca se afirma que numa época de alteração dos sistemas de organização do trabalho e da composição orgânica do capital, com a diminuição da variável trabalho, é absolutamente necessário que as contribuições para o sistema não dependam exclusivamente do volume de emprego, o que, além do mais, constitui um factor de penalização das actividades económicas mais assentes em trabalho intensivo e penaliza a criação de postos de trabalho.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Nenhum debate sério sobre a situação financeira actual e futura do sistema pode ser feito sem a consideração simultânea da questão do financiamento. É por isso que há muito o PCP defende a necessidade de se diversificarem as fontes de financiamento, criando-se um sistema misto baseado nas contribuições resultantes do emprego e no valor acrescentado das empresas, além de outras fontes, e ainda a necessidade de se combater eficazmente a fuga às contribuições, iniciando-se o pagamento das dívidas do Estado. Se isto se fizer, o financiamento do sistema fica assegurado para o futuro e caem por terra, de vez, as teses da ruptura financeira do sistema público de segurança social. Mas é exactamente por isto que os mercados financeiros não querem nem ouvir falar nestas novas fontes de financiamento para poderem - eles e os seus porta-vozes - continuar a martelar a tese da ruptura e a necessidade do desvio das contribuições para os fundos de pensões. Como é evidente, a sua preocupação não é com a sustentabilidade do sistema. É, sim, com as chorudas taxas de rentabilidade e lucros dos fundos de pensões, das seguradoras e dos seus accionistas.
Outra questão importante que está em processo de regulamentação tem a ver com a nova fórmula de cálculo das pensões, para a qual passa a contar toda a carreira contributiva. Recordamos que a Lei de Bases impõe que a transição da actual para a nova fórmula de cálculo se faça de forma gradual e progressiva, salvaguardando-se os direitos adquiridos e em formação e com base na aplicação de índices de revalorização dos rendimentos de trabalho para efeitos de cálculo de toda a carreira. O objectivo da Lei, como é evidente, é o de que ninguém seja prejudicado com a nova fórmula e é o de que nenhum contribuinte dos que já estão no sistema receba menos com a nova Lei (ou obtenha outras contrapartidas) do que recebia com a anterior. O que é lógico, se se partir do princípio de que tanto os que têm já os direitos adquiridos como aqueles cujos direitos estão ainda em formação (uns e outros) começaram a descontar com base em determinadas regras e expectativas, pelo que a sua alteração só pode ser feita, em alternativa, com um direito de opção a assumir pelo próprio ou com a garantia de que não será prejudicado. A nova fórmula de cálculo deve ter como referência a introdução de mais justiça no sistema e deve contribuir para revalorizar as pensões, designadamente as mais degradadas, e não deve servir fazer poupar dinheiro ao Orçamento à custa dos mais idosos e carenciados.
Outra importante questão tem a ver com os sistemas de gestão do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social e do futuro fundo de reserva constituído com as contribuições dos trabalhadores. Também aqui não é aceitável a insistência com que responsáveis governamentais e do Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social martelam a tese da necessidade de entregar a sua gestão - ou, pelo menos, de uma parte do

Página 538

0538 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

apetecido «bolo» de muitos milhares de milhões de contos - a instituições financeiras privadas. Porquê? Com que justificação? Então o Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social não foi criado - e para ele foram contratados especialistas no funcionamento dos mercados financeiros - precisamente para poder intervir directamente no mercado? E não é verdade que ainda recentemente responsáveis do Instituto referiam que este, com a capitalização pública, tinha conseguido taxas de rentabilidade superiores aos fundos de pensões?
O que é necessário, nesta matéria, é que a carteira do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social e o futuro fundo de reserva sejam aplicados em produtos seguros e não sujeitos às flutuações da especulação bolsista; é que não sirvam para aventuras de alto risco ou que sejam desviados para a redução do défice da conta do Estado; é que respeitem rigorosamente o princípio de que a sua gestão deve ter como objectivo o reforço da sustentabilidade financeira do sistema público e a salvaguarda do seu futuro e das contribuições de quem desconta para a segurança social.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O sistema público de segurança social foi construído para assegurar as prestações e pensões actuais e futuras de quem trabalha, numa base de solidariedade intergeracional e não para alimentar os mercados financeiros.
O Governo tem também de ter presente que o novo sistema de cálculo das pensões exige um reforço da informação, da fiscalização e da penalização de quem defrauda a segurança social.
É por isso que lemos com perplexidade nas Grandes Opções do Plano, tal como leu o Conselho Económico e Social, que só agora o Governo está a pensar em construir um sistema de detecção do não pagamento de contribuições. Compreendemos agora por que é que as dívidas crescem mês após mês.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estas são, entre outras, grandes questões de cuja regulamentação e resolução depende o futuro do sistema público de segurança social. Ou um sistema ao serviço de quem toda a sua vida trabalhou e descontou e que tem o direito de ver as suas prestações sociais e pensões de reforma garantidas. Ou um sistema ao serviço do mercado de capitais e dos interesses de quem aposta na bolsa colocando os direitos dos beneficiários e, em particular, os direitos dos pensionistas e reformados, na dependência da volatilidade, da especulação e da rentabilidade dos mercados de capitais.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado. Tem de concluir.

O Orador: - Termino imediatamente, Sr. Presidente.
O Governo deve dizer, claramente, de que lado está. O que não pode é estar às segundas, quartas e sextas com uns e às terças, quintas e sábados com outros.
Esta é uma matéria de regime e de definição do modelo de sociedade que queremos. Nós, PCP, há muito que optámos por uma sociedade de liberdade, solidária e justa, que dê especial atenção aos mais desfavorecidos e a quem trabalha. Este é também o caminho que o Governo e o PS deveriam trilhar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Lino de Carvalho, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, ouvi com muita atenção a sua intervenção.
Devo dizer-lhe que sou, há quase 30 anos, uma militante da universalidade dos sistemas de protecção social; sou, há quase 30 anos, uma militante da sua vertente pública, por aquilo que significa de fundamento relativamente à protecção social inerente ao próprio estatuto de pessoa humana; sou, como penso que o Sr. Deputado é, uma indefectível defensora da importância do adequado financiamento destes sistemas e de opções ideológicas claras, porque há, efectivamente, modelos ideologicamente diferentes relativamente à concepção destes sistemas; sou, como o Sr. Deputado, e seguindo a linha de fractura que se verificou no Livro Verde da Segurança Social, pela importância do não «plafonamento» estrito, pelo menos em determinados montantes; sou também, como o Sr. Deputado, defensora de uma linha de financiamento que não sobrecarregue apenas os custos da produção, mas também os custos da rentabilidade de algumas empresas.
Mas quero, Sr. Deputado, afiançar-lhe que, por aquilo que eu conheço da regulamentação da Lei de Bases, não se pode falar de «plafonamento», na medida em que a solução proposta (e aquela que eventualmente considero como equilibrada) é a possibilidade de, a partir de um determinado valor de remuneração, se optar pela continuação do desconto em termos de sistema público e não necessariamente sistema privado - embora lhe diga que, pessoalmente, sou mais defensora das linhas de complementaridade via sistema mutualista, e portanto do sector social, do que pelas outras versões. Todos conhecemos os riscos da selecção adversa e os riscos da gestão enquanto as coisas dão dinheiro e os da sobrecarga do Estado quando as coisas efectivamente funcionam mal.
Portanto também lhe quero dizer, Sr. Deputado, que foi minha preocupação questionar o Governo relativamente ao problema dos direitos adquiridos porque me parece ser fundamental que, no sistema da regulamentação do sistema transitório, se garantam as soluções que forem mais favoráveis.
Seguindo-se nesta linha, julgo que o Sr. Deputado não tem razão para estar tão receoso, embora considere importante que se chame a atenção para todos os problemas que apontou.
De qualquer das formas, Sr. Deputado, não quero deixar de lhe dizer que tudo aquilo que conheço relativamente à regulamentação da Lei de Bases é no sentido de me

Página 539

0539 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

permitir alguma tranquilidade. E aquilo que peço ao Sr. Deputado é que solicite todos os esclarecimentos que entender no sentido de que nós possamos, tarde que nascemos para os regimes de protecção social universal, garantir que eles efectivamente agora sejam sustentáveis e não sejam postos em causa.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira, em primeiro lugar, quero sublinhar com agrado o facto de, em grande parte da sua intervenção, ter afirmado o seu acordo com os princípios que esta bancada defende. Até ousaria dizer-lhe que, se calhar, em relação a esta matéria, era melhor que a Sr.ª Deputada estivesse nesta bancada do que nessa!

O Sr. António Braga (PS): - Olhe que não, Sr. Deputado!

O Orador: - Sendo verdade o que a Sr.ª Deputada disse, e que me apraz registar, a diferença é que a Sr.ª Deputada tem confiança naquilo que o seu Governo está a fazer e nós não temos!

O Sr. António Braga (PS): - Não é de admirar!

O Orador: - Não é por nenhum preconceito de desconfiança, é porque conhecemos o que está a ser feito, Sr.ª Deputada.
Além disso, afirmou que não se pode pensar que se está a falar de «plafonamento», mas, depois, a própria Sr.ª Deputada, quando referiu o que é que está em curso, referiu-se, na prática, ao «plafonamento».
Sr.ª Deputada, nós não somos contra os regimes complementares, mas entendemos que o regimes complementares não podem ser feitos à custa do sistema público!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Porque é que não se cria, ao nível do sistema mutualista, e até de regimes complementares públicos que a nova Lei de Bases propõe, um sistema em que as pessoas que têm excedente na sua poupança, se quiserem, para além do desconto normal e obrigatório que fazem, possam criar regimes complementares?
Agora não venham é pedir ao sistema público para aliviar as suas receitas e para prescindir das suas receitas a partir de determinados montantes salariais para poder vir a financiar e a alimentar os fundos de pensões das seguradoras. Isso é que não, Sr.ª Deputada!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E essa é que é a questão que está em cima da mesa. É que a ideia que o Sr. Ministro lançou, do «plafonamento» a 15 salários mínimos, é exactamente a de um «plafonamento» obrigatório em que o excedente iria para os sectores privados.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado. Tem de concluir.

O Orador: - Termino imediatamente, Sr. Presidente, com uma última questão que diz respeito ao problema da gestão dos fundos de capitalização.
Não vamos ter tempo para falar neste assunto agora, mas é um assunto que a deve preocupar, Sr.ª Deputada!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de concluir.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente!
Peço-lhe, Sr.ª Deputada Maria de Belém, que siga com atenção e preocupação o que se está a passar em matéria de gestão dos fundos de reserva e dos fundos de estabilização. É que não se percebe a sua entrega ao sistema privado!

O Sr. Presidente: - Ó Sr. Deputado, já esgotou há muito o seu tempo!

O Orador: - Sr. Presidente, vou terminar.
Sr.ª Deputada, nós estamos críticos! Mas nós somos responsáveis pela Lei de Bases e não queremos que o processo de regulamentação venha perverter os princípios…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não pode continuar!

Orador: - Peço desculpa, Sr. Presidente.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de trazer à reflexão da Câmara alguns aspectos relacionados com a nossa segurança interna.
Temos hoje consciência de que o tempo que estamos a viver é um tempo complexo, que inicia um período de combate ao terrorismo eventualmente mais longo do que o período que durou a «Guerra Fria». Mas enquanto que a «Guerra Fria» se situava bem longe e era um problema das superpotências, o terrorismo está bem perto e pode ser um problema de Portugal.
É neste contexto que gostaria de pedir a reflexão da Assembleia sobre alguns aspectos que creio merecerem a nossa atenção.
Aliás, não estamos a ser originais. Vemos a Espanha a alterar o seu Código Penal, tal como a Inglaterra, e um pouco por toda a Europa surge a necessidade de adaptar a legislação penal aos novos tempos que estamos todos a viver.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - E a legislação bancária também!

Página 540

0540 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

O Orador: - Sr. Deputado Carlos Carvalhas, se depois me quiser interrogar, terei o maior gosto e honra em responder-lhe.
Em relação a esta matéria, o primeiro aspecto sobre o qual temos de reflectir diz respeito à onda de ameaças que pairam sobre o nosso país - a maior parte delas, falsas -, que perturbam os cidadãos, que criam um sentimento generalizado de insegurança, para além dos prejuízos que causam ao normal funcionamento dos serviços.
Uma e outra vez vemos nos jornais as autoridades administrativas, e até governativas, queixarem-se do clima que se vive, clima esse que até agora tem sido permanentemente de falsas ameaças, mas ai de nós que um dia essas falsas ameaças encubram uma ameaça verdadeira! Nessa altura, todos nós estamos a ser responsabilizados. Todos nós devemos reflectir sobre a nossa responsabilidade, se, em tempo oportuno, não tivemos a capacidade de prever e de nos prevenirmos. Porque, quando nos prevenimos, estamos a defender a vida dos cidadãos portugueses - como é aliás nosso dever.
Nessa matéria, se compulsarmos o Código Penal, verificamos que a pena aí prevista para os falsos alarmes é ridícula, ou seja, não tem qualquer dimensão. Ou seja, o nosso Código Penal praticamente entende que os falsos alarmes são punidos quase sempre através de prisão convertível em multa. Trata-se de um Código Penal feito para outro mundo, feito para um mundo que não é o nosso! Portanto, e desde logo, devemos reflectir sobre se deve ou não ser alterada a matéria que diz respeito às falsas ameaças que perturbam a vida colectiva e criam um generalizado sentimento de insegurança.
Quero referir àqueles que se apressam a dizer que estamos com um excesso de securitismo que não é nada disso. Nós sabemos bem distinguir segurança de excesso de securitismo. E se há partido que defende a estabilidade do ordenamento jurídico-penal esse é o nosso partido. Mas uma coisa é defender a estabilidade do ordenamento jurídico-penal e outra bem diferente é fechar os olhos a uma realidade que se mete pelos olhos dentro. Isso não é excesso de securitismo, é imprevidência que se pode pagar bem cara.
O segundo aspecto que quero focar tem a ver com problemas dos serviços de segurança. Compreende-se que esta é uma matéria reservada e que, consequentemente, não se dê publicidade ao que se está a fazer, mas a verdade, também, é que a Assembleia, e particularmente a minha bancada, gostaria de ser informada sobre que opções e medidas estão a ser tomadas no sentido de reforçar a operacionalidade dos serviços de segurança, quer em termos internos, quer em termos externos.
Sabemos do melindre que este tema tem, não queremos ir além das informações que podem ser dadas, mantendo na plenitude a operacionalidade das acções a desencadear, mas é bom que os portugueses saibam que o Governo está atento a essa matéria e está a reforçar os serviços na medida em que é necessário e se justifica esse reforço.
O terceiro aspecto que gostaria de referir tem que a ver com o que se está a passar em termos de Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
Tivemos ocasião de dizer, uma e outra vez, que é necessário fazer uma triagem em termos de fronteiras no aspecto da perigosidade de quem entra no nosso país.
Ainda há bem pouco tempo, tivemos ocasião de questionar o Sr. Comissário António Vitorino sobre este assunto, tendo ele dito que este é talvez dos temas mais candentes e mais importantes que nesta altura está a ser discutido em sede de Comissão Europeia.
Pergunto: o que é que o nosso país está a fazer em relação a esta matéria? Não devemos estar à espera que a Europa faça aquilo que nós temos o dever de começar a fazer!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Como é que nós, que somos signatários do Tratado de Schengen, podemos compatibilizar as obrigações decorrentes de Schengen com uma obrigação de grau mais importante e mais elevado, que é a de ter a garantia de que nas nossas fronteiras há controlo e triagem, em função da perigosidade de quem pode entrar dentro do nosso país?
Finalmente, Sr. Presidente, gostaria de dizer à Câmara que o CDS-PP está a preparar um conjunto de alterações ao Código Penal - dizêmo-lo com total clareza. Queremos que essas alterações possam merecer o mais amplo consenso desta Câmara. Entendemos que essas alterações, embora possam partir de um ou de mais partidos, devem ter um consenso sobre aquilo que é a necessidade de o Código Penal se adequar ao tempo presente. Não queremos de forma alguma, com estas alterações, fazer política exclusivamente partidária, o que queremos, porque entendemos ser esse o nosso dever, é propor à Assembleia que, sobre estas matérias, se constitua o mais amplo consenso possível por forma a que o Código Penal, que, como lhe digo, foi feito para outro tempo… Basta olhar para a punição dos crimes de terrorismo e para a sua definição, de atentado de terrorismo e de organização criminosa para se perceber que nada têm a ver com o nosso país e para, a tempo, se entender que é necessário mudá-lo, porque, se não o mudarmos agora, vamos ter de o mudar novamente a reboque das convenções internacionais, se não o fizermos pela nossa própria vontade, vamos ter de andar a reboque da vontade dos outros. E, depois, não nos lamentemos todos de que só alteramos as nossas leis quando do estrangeiro nos impõem essas alterações. Ainda vamos a tempo!
Vamos, portanto, apresentar um conjunto de alterações, que lançamos ao consenso da Câmara, que, como digo, se deseja o mais alargado possível.
O nosso objectivo é aumentar a segurança e dar tranquilidade aos portugueses, e, em relação a estes sectores que acabei de referir, entendemos que é essencial que a Assembleia se pronuncie. A passividade da Assembleia neste domínio é a nossa intranquilidade; o seu silêncio é a nossa insegurança.

Aplausos do CDS-PP.

Página 541

0541 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Dias Baptista e Fernando Rosas.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Dias Baptista.

O Sr. Dias Baptista (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta, ouvi-o atentamente e gostava de saudá-lo por ter trazido ao debate estes temas, que tão importantes são.
No que se refere à sua intervenção, gostava de pontuar aquilo que realmente se tem vindo a passar em relação a estas matérias, quer no que diz respeito à actividade governamental, quer no que diz respeito à actividade da Assembleia da República, deixando aqui algumas breves notas.
Uma primeira nota para dizer que o Governo tem estado muito atento a esta matéria, aliás outra atitude não seria de esperar, atendendo à gravidade da situação. Como V. Ex.ª bem sabe, está neste momento em elaboração, e prevê-se que seja aprovado muito brevemente, um diploma que prevê a criação de uma nova força de centralização do combate ao terrorismo. Esta é uma matéria importante.
Segunda nota, também sobre esta matéria: V. Ex.ª sabe, com certeza, que o Sr. Ministro da Administração Interna esteve na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, na qual teve oportunidade de apresentar todo um programa de actuação que o Governo está a pôr em prática. E, ao contrário daquilo que V. Ex.ª afirmou, o Governo explanou detalhadamente tudo aquilo que tem vindo a fazer e que se propõe fazer sobre essa matéria.
É evidente que esta matéria, como V. Ex.ª bem afirmou, é muito complicada, por isso estamos dispostos, disponíveis e interessados - e a bancada do PS assume-o aqui - em contribuir para que se encontrem as soluções que possam dar mais segurança aos nossos cidadãos, mas sempre num clima em que não seja possível nem razoável estarmos a criar ainda mais uma onda de instabilidade. O que é que queremos dizer com isto? Queremos dizer que o nosso discurso, o discurso de todos os políticos, tem de ser um discurso de grande serenidade, para que não sejamos nós a procurar criar aqui uma onda de alarmismo que de todo em todo se justifica, como V. Ex.ª, e muito bem, trouxe à colação.
Felizmente, todos os alarmes que têm vindo a ser feitos são falsos alarmes, e, portanto, devemos tratar desta matéria com o máximo de serenidade e, certamente, também com o máximo de segurança possível.
Gostava de dizer, em nome da nossa bancada - aliás, o Governo também já mostrou essa disponibilidade -, que estamos disponíveis, dispostos e interessados em contribuir para que se encontrem soluções que dêem mais segurança aos cidadãos.
Sendo certo que o nosso Código Penal já prevê, como V. Ex.ª muito bem referenciou, a matéria necessária para a punição, perante a probabilidade do aparecimento de novos crimes - e estamos, manifestamente, perante uma nova situação, uma situação que exige, sem qualquer espécie de dúvida, uma nova capacidade de resposta -, estamos sempre disponíveis para responder, mas tendo sempre como pano de fundo que para nós primeiro é fundamental manter um espírito de assegurar os direitos e as liberdades dos cidadãos, porque temos de ter alguma reserva em procurar exacerbar o espírito securitário, que não é, manifestamente, o nosso.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, desde já, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, se V. Ex.ª me permite, respondo já.
Sr. Deputado Dias Baptista, muito obrigado pela sua questão. Vejo, com muito agrado, que no essencial estamos de acordo. Aliás, a minha intervenção não se dirigia a fazer crítica gratuita ao Governo nem a ninguém, destinava-se a alertar a Assembleia da República para as suas próprias responsabilidades.
E quando o Sr. Deputado diz que é necessário um consenso amplo para tratar destas matérias, aí é que nos encontramos e é com isso que, realmente, nos regozijamos. Ou seja: é realmente necessário esse consenso.
Disse V. Ex.ª que era necessária serenidade. Absolutamente! Mas a serenidade não é inimiga da acção, a serenidade não pode justificar a inacção ou a apatia perante estas questões.
V. Ex.ª fez outra referência da qual também comungo: alterar o Código Penal para punir os criminosos e não para diminuir as liberdades daqueles que o não são. De acordo! Aliás, alguém dizia - e muito bem! - que quando se privilegia excessivamente a segurança em detrimento da liberdade acaba-se por perder as duas, isto é, a liberdade e a segurança. E eu não posso estar mais de acordo com isto! Portanto, também aí há uma amplíssima margem de acordo.
Agora, só peço a V. Ex.ª que atente nisto: primeiro, esta é uma matéria com dignidade para ser trazida a Plenário, e, portanto, deve ser trazida a Plenário e não deve ficar limitada à 1.ª Comissão, embora eu tenha acompanhado os trabalhos que aí se desenrolam; segundo, não chega explanar teoricamente um conjunto de medidas, é necessário começar - e concordará comigo - a aplicá-las. Como é que o Sr. Deputado quer combater esta onda de ameaças, felizmente e graças a Deus sem conteúdo? Como é que quer fazê-lo? Mantendo um Código Penal que é completamente permissivo?
Repare que os ingleses fizeram uma coisa muito simples: alteraram o Código Penal de um dia para o outro e dão 20 anos de prisão - e trata-se de um governo trabalhista - a quem falsamente criar esse clima. Dão 20 anos de prisão! Chamo a vossa atenção de que estou só a notar a importância que isto tem! E quer trabalhistas quer conservadores puseram-se de acordo na Câmara e fizeram a alteração! Os espanhóis estão a ir no mesmo sentido, e a alteração do Código Penal espanhol neste domínio, eventualmente, ainda é mais grave.

Página 542

0542 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

Admito que não devemos ir tão longe, porque, felizmente, não temos… Agora, alguma coisa temos de fazer. Quem anda a lançar pó nas cartas, quem anda a dizer que há bombas em todo o lado, e até nesta Assembleia, não pode ir para casa com uma multa de 20 000$! Não pode, Sr. Deputado! E isto não se faz com palavras, já devia estar aqui a alteração ao Código Penal nesse domínio! Não chega só falar!
No que diz respeito às fronteiras, é verdade que o Sr. Ministro disse várias coisas. Está bem! Mas como é que se está a fazer a triagem de quem entra no País? Como é que sabemos se quem entra no País está em negócios, é imigrante ou é um criminoso? Que meios é que temos e como é que tudo isto se gere? Essa resposta, sinceramente, eu não a tenho e ainda não sabemos como é que isso vai ser feito. Este é um aspecto essencial nesse domínio.
Sr. Deputado, também tivemos conhecimento da unificação, que é matéria, como V. Ex.ª sabe, que defendemos desde há muito tempo. Ainda antes do 11 de Setembro já esta bancada defendia a centralização e a coordenação quer dos serviços de informação, quer dos serviços de repressão.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Portanto, aí também só nos resta esperar que se concretize essa boa intenção.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas. Dispõe de 2 minutos que lhe foram concedidos pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta, antes de mais, quero agradecer ao seu grupo parlamentar o tempo que me concedeu.
Sr. Deputado Basílio Horta, V. Ex.ª vai ter concorrentes importantes nessa fobia legislativa de alterar as leis de segurança, que são o Comissário Vitorino e os Deputados da maioria. Já aconteceu isso na revisão constitucional, em que os senhores propuseram uma modesta alteração da inviolabilidade do domicílio nocturno e o partido do Governo excedeu-se. Portanto, vão ter de andar depressa para ver quem anda mais depressa.
Em relação a esta matéria, gostava de pedir-lhe um comentário, e faço-o com toda a seriedade, sobre uma notícia surgida ontem nos órgãos de informação social, que se enquadra completamente neste ambiente de aperfeiçoar os métodos penais de perseguição ao terrorismo. A notícia é esta: o FBI veio queixar-se publicamente de que os presos acusados de terrorismo não cediam aos interrogatórios normais e veio defender publicamente - está em vários jornais - que era necessário legitimar o uso de tortura nos interrogatórios dos presos acusados de terrorismo e que era preciso mudar a lei penal americana no sentido de acabar com a disposição que invalidava, para efeitos de prova em processo, declarações obtidas sob tortura.
Naturalmente, o ambiente é o mesmo, o espírito é o mesmo, a proposta é revolucionária, por isso gostava de saber o que é que V. Ex.ª pensa em relação ao uso da tortura, seriamente apresentada pelo FBI, para melhorar a eficácia do combate ao terrorismo.
Nessa matéria também temos alguns precedentes, que foi a célebre teoria do safanão a tempo que o Salazar definiu ao António Ferro, em 1932, também para os bombistas.
Portanto, gostava de saber, dentro deste quadro securitário que se está a adoptar, que tipo de comentários é que esta proposta revolucionária, séria, apresentada pelo FBI, merece ao seu partido, e, já agora, ao partido da maioria.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Rosas, V. Ex.ª já sabe qual é a nossa resposta: somos um partido democrata-cristão, sempre condenámos a tortura, fosse ela feita em que condições fosse, fosse pelo FBI, fosse pelas autoridades da antiga Albânia, fosse pelos estalinistas, fosse pelo Chile de Pinochet. Sempre a condenámos veementemente! Aí não necessitamos de mudar nem de bancada, nem de pensamento! A nossa condenação é claríssima. Portanto, se o FBI diz isso, é mau, é errado, é pena, é lamentável, é um mau clima que se cria.
Mas, Sr. Deputado, sinceramente lhe digo que acredito que toda a sua bancada está tão preocupada como eu com o terrorismo e com os actos de violência que podem surgir sobre os portugueses. Não quero estar sequer a pôr isso em dúvida. Não acredito que haja algum português, muito menos que se sente nesta Câmara, que possa pregar a inacção, o desleixo e a complacência perante ameaças sérias e que se preocupe mais em justificar os actos de violência do que em os combater. Não acredito que isso seja possível nesta Assembleia depois do 25 de Abril! Não acredito!
Agora, Sr. Deputado, para além da condenação do FBI e de tudo o que aconteceu, peço-lhe que pense nisto: pense o que seria, em Portugal, num prédio do centro de Lisboa ou de Alvalade, uma coisa semelhante ao que aconteceu, com milhares de mortes. Pense um minuto: se essa desgraça caísse sobre o nosso povo, qual era a reacção? O que é que as pessoas diziam lá fora e como é que nós estaríamos nesta Assembleia? Ponha-se um pouco na pele dos outros para prevenir antecipadamente que isso não aconteça, porque se há casos, Sr. Deputado, em que mais vale prevenir do que remediar este é um deles. Se Deus quiser, estamos bem longe disso, felizmente, por todos os motivos, mas não podemos, de maneira alguma, deixar de nos pôr na situação de 6000 pessoas que morreram, de famílias destruídas, de pessoas sem emprego, do orgulho de uma cidade feita em pó. O que é isto? Como é que as pessoas reagem a isto? Deus nos livre de que isto, um dia, aconteça em Portugal.

Página 543

0543 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Íamos bombardear o Afeganistão!?

O Orador: - Não! Nós sempre entendemos que não há bom terrorismo nem mau terrorismo, que não há boa guerra e que as guerras são todas más! Agora, há momentos em que é preciso fazer a guerra para conseguir a paz, assim como foi necessário invadir a Alemanha para termos liberdade; há momentos em que é necessário unirmo-nos, sem preconceitos, mesmo a sua bancada, para combater aquilo que pode ser uma ameaça verdadeira para o nosso país. Não tenha escrúpulos sobre isso! Não se importe se perde um ou outro voto, porque são votos que não lhe pertencem e pelos quais não deve lutar!
Este é o momento em que devemos estar atentos e serenamente,…

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … porque as reformas fazem-se serenamente, mas com muita firmeza, Sr. Deputado. E, se aí estamos de acordo com o Partido Socialista, ainda bem! E o PSD, por maioria de razão, também estará! Ainda bem que, seguramente, há uma larguíssima maioria, que é a maioria da liberdade com segurança.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção sobre assunto de interesse político relevante, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Ribeiro.

A Sr.ª Helena Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Subo hoje a esta tribuna para exprimir a mais profunda indignação face a afirmações recentemente proferidas pelo Presidente da Câmara Municipal do Marco de Canaveses, que configuram infames acusações que não podem contar com o beneplácito do nosso silêncio.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Há muitos anos que o Presidente da Câmara Municipal do Marco de Canaveses tem vindo a singularizar-se na nossa vida pública, quer pelo carácter peculiar da sua personalidade política quer pelo modelo de gestão pública que tem caracterizado a sua acção autárquica.
Perante o País inteiro, o Sr. Avelino Ferreira Torres transformou-se num símbolo de intolerância. O grotesco da linguagem que usa, a arrogância de atitudes, a pouca lisura nos procedimentos políticos e a intolerância que tem caracterizado a sua intervenção cívica comprometem as regras de uma sã convivência democrática no Marco de Canaveses.
Vítimas dos exageros da sua linguagem já foram todos os segmentos políticos, incluindo tantos e tão ilustres membros do seu próprio partido, que não escaparam à verve destemperada, e não raras vezes mal-educada, a que recorre com excessiva facilidade. Mas se por tudo isto o discurso infamante do Sr. Avelino Ferreira Torres já não surpreende, não deixa porém de suscitar a nossa repulsa e indignação.
Ainda na semana passada o Sr. Presidente da Câmara Municipal do Marco de Canaveses, a pretexto duma decisão instrutória proferida pelo Tribunal Judicial do Marco de Canaveses, que o pronunciou pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime continuado de peculato de uso e de dois crimes continuados de peculato e, em autoria material e na forma consumada, de um crime continuado de abuso de poder, veio produzir afirmações que lesam o prestígio do nosso sistema judicial, colocando-o sob suspeição aos olhos da opinião pública, e que ofendem gravemente o Partido Socialista.
Ao insinuar, se não mesmo afirmar, que a decisão proferida por um tribunal foi de algum modo condicionada por pressões exercidas pelo Partido Socialista, ou, até mais especificamente, pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, o citado autarca difamou a autora do despacho de pronúncia e um partido como o nosso, que sempre pugnou pelo integral respeito do princípio da separação de poderes e jamais consentiu na violação da independência do poder judicial.
Tais afirmações não podem deixar de merecer uma firme condenação neste local, que é a sede da representação política nacional, o lugar central do nosso regime democrático.
Perante tão insidioso, iníquo e infamante ataque, não podemos permanecer em silêncio, fingindo olhar para o lado, procurando, por essa via, desvalorizar o que em nosso entendimento não deve ser desvalorizado. Não nos calamos perante este comportamento. Temos demasiado respeito por estes princípios e pela memória de tantos homens e mulheres que lutaram por eles para podermos permanecer silenciosos. Karl Popper ensina-nos que não pode ser-se tolerante para com os que são intolerantes com a democracia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Presidente da Câmara Municipal do Marco de Canaveses sabe melhor do que ninguém por que só agora foi exarado o despacho de pronúncia, mas nós também sabemos, Srs. Deputados, e o País inteiro tem direito a sabê-lo.
Ainda há relativamente pouco tempo o Sr. Presidente da Câmara Municipal do Marco de Canaveses foi absolvido num processo onde foi requerida a sua perda de mandato. Nesse contexto, não teve parcimónia em elogiar o sistema judicial, nem pudor em afirmar à boca cheia que os que deitaram foguetes tiveram de apanhar as canas, fazendo crer à opinião pública que foi vítima de uma cabala bem orquestrada para o afastarem do poder.
Esqueceu-se o Sr. Presidente da Câmara de informar, em primeiro lugar, que todas as ilegalidades apontadas pela Inspecção-Geral da Administração do Território (IGAT) foram dadas como provadas pelo tribunal que apreciou a acção de perda de mandato e, em segundo lugar, que a acção só não foi julgada procedente por questões

Página 544

0544 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

atinentes à prova do elemento subjectivo, a qual não se demonstrou em termos tais que, atenta a natureza sancionatória grave da perda de mandato, se impusesse que a acção fosse julgada procedente e que, consequentemente, o Sr. Presidente perdesse o mandato.
Na semana passada, o mesmo Sr. Presidente da Câmara Municipal do Marco de Canaveses foi pronunciado pela prática de vários crimes, que têm genericamente que ver com a utilização de trabalhadores do quadro de pessoal da Câmara e de equipamento da propriedade desta instituição pública para a construção de um jazigo seu no cemitério de Tuías; de uma capela sua num terreno lateral à sua residência, situada na Avenida Futebol Clube do Porto, também em Tuías; de um muro de vedação de uma sua quinta, conhecida como a Quinta da Segovia; bem como para a realização de obras de infra-estruturas do terreno e fundações de uma casa que ali se encontra em edificação e de obras numa sua casa sita junto ao Centro Comercial Raione, no Porto, além de outras situações, igualmente graves, que me dispenso de invocar, mas que constam do despacho de pronúncia, que é uma peça pública.
Alguns dos trabalhadores estiveram durante mais de três meses, e até de cinco meses, a prestar serviços no âmbito das obras supra mencionadas, e de outras, e a receberem o salário e o subsídio de alimentação pagos pela Câmara Municipal do Marco de Canaveses.
Por não se conformar com o despacho de acusação, foi o próprio Sr. Presidente da Câmara Municipal do Marco de Canaveses quem requereu a abertura da instrução. No decurso deste processo usou de todos os meios dilatórios para protelar o seu andamento processual: furtou-se constantemente às notificações. Durante a semana estava no hospital, aos fins-de-semana era bafejado com uma recuperação súbita do seu estado de saúde e então era vê-lo em inaugurações no Município do Marco de Canaveses. Tudo fez para atrasar o processo, para arrastar o seu andamento nas secretarias do tribunal, na mira de uma prescrição do procedimento criminal ou do desfecho tardio do mesmo. Ora, Srs. Deputados, «quem não deve não teme».
Mas esse momento, que pelo seu comportamento tudo leva a crer que temia, chegou, e hei-lo agora a desferir ataques inaceitáveis contra o sistema judicial e contra o Partido Socialista, por ser esta a única força política capaz de se constituir como alternativa de governo local no Marco de Canaveses.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Não teve contenção, nem pudor, em afirmar que a decisão foi proferida por uma magistrada, que, segundo afirmações suas, mais se assemelha «àqueles jogadores das equipas de futebol júnior que querem ascender rapidamente às equipas de futebol sénior» e que se aproveitou de ter sob apreciação a conduta de uma figura pública, para promover a sua carreira. São estas afirmações admissíveis por parte de um representante do poder local do nosso país?
A justiça portuguesa é boa e confiável quando se pronuncia favoravelmente às aspirações do Sr. Presidente da Câmara Municipal do Marco de Canaveses e é venal, ou incompetente, quando se pronúncia em sentido contrário à sua vontade? Em que ficamos?
Mas mais lamentável do que o comportamento do Sr. Avelino Ferreira Torres foi a atitude assumida pelo Sr. Deputado Paulo Portas.

Vozes do CDS-PP: - Pelo Paulo Portas?

A Oradora: - No afã de proteger um candidato do seu partido, não hesitou em pôr em causa a independência do poder judicial, deturpando os factos e atentando contra a verdade.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não há nenhuma vitória eleitoral que confira legitimidade democrática para atentar contra os princípios e as regras do Estado de direito. O respeito pela lei não se referenda. O atropelo às mais elementares normas de convivência democrática nunca pode invocar como fundamento o resultado de uma consulta eleitoral. A democracia não pode ser usada para se pôr em causa a si mesma.
Estamos cada vez mais convencidos de que, em Dezembro próximo, a maioria do eleitorado do Marco de Canaveses sancionará um comportamento tão incompatível com um modelo de sociedade aberta, pluralista e tolerante, elegendo novos autarcas que inaugurarão um novo período na vida do município.
Se hoje aqui chamamos a atenção para estes factos é tão-só porque as ofensas, mesmo quando proferidas por quem, sendo reincidente nelas, a si próprio se autodesqualifica, não podem ficar sem um reparo. A calúnia e a infâmia não se ignoram, combatem-se com os argumentos da civilidade e da seriedade.
Pela nossa parte, confiámos na justiça portuguesa, que agirá, neste como em todos os outros casos, com a imparcialidade que a caracteriza e a enobrece aos olhos dos cidadãos.
Por nós, prosseguiremos este combate político em função de convicções tão sólidas que resistirão sempre às intimidações de quem quer que seja.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Pedro da Vinha Costa, Francisco Louçã e Miguel Anacoreta Correia.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito regimental da defesa da honra da bancada.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, por uma questão formal, peço-lhe que caracterize a matéria ofensiva.

Página 545

0545 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, pedi a palavra, por um Deputado da minha bancada, que é ainda por cima presidente do partido, ter sido injustamente atacado e ofendido.

Vozes do PS: - Injustamente?!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Ribeiro, compreende-se que o PS esteja em pânico em Marco de Canaveses,…

Risos do PS.

… porque vai perder a câmara municipal de uma maneira pesada.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Nunca a teve, por isso não a pode perder!

O Orador: - Portanto, vem tentar transformar esta Assembleia em tribunal e, ainda por cima, com um alvo errado,…

Risos do PS.

… porque se há partido que teve sempre grande contenção em não julgar as pessoas na praça pública, em não antecipar julgamentos sobre a honorabilidade das pessoas, é o CDS-PP.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - É verdade!

Vozes do PS: - Isso não é verdade!

O Orador: - Nunca o fizemos!
Veio agora a Sr.ª Deputada Helena Ribeiro - creio que por si própria - dizer a esta Assembleia que o presidente do meu partido não respeita as decisões jurisdicionais. Mas como? Há alguma decisão transitada em julgado? Alguém foi condenado? Isso resulta de ignorância, de má-fé, ou das duas coisas?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Ninguém foi condenado; ninguém foi sequer objecto de julgamento. Há recursos, há todo um procedimento da lei que tem de ser seguido. E se há partido que abdicou de interesses relevantíssimos, em termos autárquicos, em benefício dos princípios foi este!

Vozes do CDS-PP: - Exactamente!

O Orador: - Este partido não recebe, nesse domínio, lições de ninguém!

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Foi este partido que, em nome de princípios, abdicou!
Pergunto-lhe, Sr.ª Deputada, se o seu partido era capaz de abdicar fosse de quem fosse em razão de princípios, ou de algo de qualquer outra natureza, porque se há partido onde, em termos autárquicos, se tem visto cambalhotas perfeitamente absurdas é no Partido Socialista! Basta olhar para o Porto e para outros sítios!

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Portanto, não venham falar no nosso partido, porque ele tem tido uma posição irrepreensível no aspecto ético, nesse domínio!
Não antecipem nem desrespeitem as decisões dos tribunais, o PS e a Sr.ª Deputada ou quem a inspira! Este é que é o problema! Não desrespeitem as decisões dos tribunais, porque nós, aqui, não só respeitamos os tribunais, como - e digo-lhe isto a si, directamente - respeitamos a honra das pessoas.
Nesta campanha, nunca ouviu - e está aqui o candidato à Câmara Municipal de Felgueiras, o Sr. Deputado Manuel Queiró -…

Vozes do PS: - É um bom exemplo!

O Orador: - … da boca deste Deputado, nesta Câmara, uma palavra…

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Exactamente!

Vozes do PS: - Ouvimos!

O Orador: - É mentira! Nunca ouviu uma palavra dele, nesta Câmara!

Protestos do PS.

É mentira! Nunca ouviu julgamentos de pessoas nesta Assembleia!

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Exactamente!

Protestos do PS.

O Orador: - Quem respeita os tribunais, somos nós; quem desrespeita são os senhores!

Protestos do PS e contraprotestos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço-vos por favor que mantenham a serenidade!

O Orador: - Quem respeita os princípios somos nós; quem desrespeita os princípios, as conveniências e até a separação de poderes são os senhores pela voz da Sr.ª Deputada que acabou de falar!

Página 546

0546 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Ribeiro.

A Sr.ª Helena Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta, não tive como objectivo criticar aquilo que é o exemplo ético do Partido Popular, reportei-me unicamente a declarações que são públicas e que, na sequência de afirmações que foram produzidas pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal do Marco de Canaveses, suscitaram a intervenção do Sr. Deputado Paulo Portas, que por acaso é o líder do Grupo Parlamentar que V. Ex.ª representa.

Vozes do CDS-PP: - Não, não é! Por acaso, até nem é!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - A sua ignorância já se estende à Assembleia!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o líder do Grupo do Parlamentar é o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. João Amaral (PCP): - Ai é?! Não sabia!

A Oradora: - Peço desculpa, eu queria dizer líder do partido.

Vozes do CDS-PP: - Isso ainda é mais grave!

A Oradora: - O Sr. Deputado Paulo Portas, na sequência das declarações ultimamente proferidas pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal do Marco de Canaveses, terá proferido afirmações gravíssimas num canal de televisão - pelo menos num canal, que ouvi com os meus próprios ouvidos, por isso não recebi esta informação de forma deturpada -, porquanto disse publicamente que o despacho de pronúncia proferido por uma magistrada do Tribunal do Marco de Canaveses foi conhecido publicamente antes de o próprio Sr. Avelino Ferreira Torres ter tomado conhecimento dele. E isto é gravíssimo!

Vozes do CDS-PP: - E é verdade!

A Oradora: - Se isto é verdade, os senhores têm o dever de processar a senhora magistrada, uma vez que arrogam de serem um partido que cumpre as imposições éticas! Isto porque os senhores, para além de estarem insultar o PS - e o Sr. Paulo Portas também teve em mira um insulto ao PS -,…

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - O quê?

A Oradora: - … estão a insultar todo o poder judicial e a descredibilizar uma das instituições que constitui um pilar fundamental da democracia portuguesa!

O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Quando a população deixar de confiar nos magistrados e nos tribunais, deixará, seguramente, de confiar na classe política!

O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Isso é verdade! Olhe para dentro do seu partido e vai ver como é verdade!

A Oradora: - Se os senhores têm a certeza de que a magistrada que proferiu o despacho de pronúncia contra o Sr. Presidente da Câmara Municipal do Marco de Canaveses o publicitou, dando inclusivamente conhecimento dele ao Grupo Parlamentar do PS ou a quem que quer seja do PS, têm o dever ético - e nós reclamámos isso do vosso partido - de prosseguir em frente e de acusarem a senhora magistrada,…

O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!

A Oradora: - … porque somos defensores da democracia, da verdade e da ética e também não queremos magistrados que, por influência de quem quer que seja, mesmo do PS, se disponibilizem a prestar um mau serviço em nome da justiça portuguesa!

O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Portanto, acusem-na e sigam em frente, para que o povo português fique devidamente esclarecido, porque este assunto é muito grave, ultrapassa uma disputa política e põe em causa um dos pilares essenciais da nossa democracia, que é a credibilização do sistema judicial. Avance, Sr. Deputado, é o desafio que lhe deixo!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Passando agora aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Ribeiro, permita-me que, antes de mais, a cumprimente e que lhe diga duas ou três coisas muito rápidas.
Primeiro, quero manifestar-lhe a minha estranheza, ou surpresa, pela coincidência - e, às vezes, há infelizes coincidências, neste caso uma infeliz coincidência para si - de esta sua intervenção ter tido lugar hoje, apenas uma ou duas horas depois de, na Comissão de Administração e Ordenamento do Território, Poder Local e Ambiente, termos assistido, uma vez mais, a um comportamento vergonhoso por parte do PS no que diz respeito ao affair Felgueiras, perante a recusa da Sr.ª Presidente da Câmara Municipal de Felgueiras…

Protestos do PS.

… em vir a esta Assembleia prestar depoimento, apesar de o PS ter concordado nessa vinda.

Página 547

0547 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

Protestos do PS.

Sr. Presidente, peço desculpa, mas…

O Sr. Presidente: - Tem toda a razão, Sr. Deputado, tem todo o direito de se fazer ouvir em condições normais.
Sr.as e Srs. Deputados, já há pouco pedi silêncio, e volto a fazê-lo.
Faça favor de prosseguir, Sr. Deputado.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente, estou certo de que contarei com a compreensão de V. Ex.ª para considerar estes segundos em que fui obrigado a calar-me.

O Sr. Presidente: - É evidente que sim, Sr. Deputado.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr.ª Deputada Helena Ribeiro, ao ouvi-la - e quero dizer-lhe que concordo com as críticas que fez às graves afirmações que foram produzidas pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal do Marco de Canaveses - só pensava naquela frase muito celebre de «bem prega Frei Tomás, olha para o que ele diz, não olhes para o que ele faz»! Isto porque os senhores têm, em relação ao comportamento que imputam ao Presidente da Câmara Municipal do Marco de Canaveses, uma atitude radicalmente diferente daquela que têm em relação ao do da vossa Presidente da Câmara Municipal de Felgueiras.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A questão que lhe coloco, Sr.ª Deputada Helena Ribeiro, é a seguinte: como é que é capaz de dizer que não podem ser tolerantes para com quem é intolerante com a democracia e ao mesmo tempo terem a posição que têm em relação à Dr.ª Fátima Felgueiras?! Querem alguém mais intolerante para como a democracia do que a Dr.ª Fátima Felgueiras? Querem alguém que envergonhe mais as instituições do que a Dr.ª Fátima Felgueiras?
Como é que a Sr.ª Deputada pode fazer uma profissão de fé nos órgãos de justiça deste país, quando o Ministério Público, há mais de dois anos, está a investigar o caso de Felgueiras sem que se conheça uma vírgula sequer sobre a sua posição do Ministério Público quanto àquela matéria?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Quer que se acredite numa coisa destas? Quer que se acredite numa situação destas? Sr.ª Deputada, penso que é uma pena que a sua intervenção tenha sido só sobre Marco de Canaveses porque, apesar de lhe ficar bem falar sobre isso, para poder falar, para ter autoridade moral para falar sobre isso,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … tem de, antes de mais, dizer alguma coisa, não aquilo que vem nos papéis escritos pela Dr.ª Fátima Felgueiras, sobre o lamentável e criticável comportamento da Dr.ª Fátima Felgueiras em todo este processo e sobre o lamentável e condenável comportamento do seu partido ao dar cobertura, ao encobrir, a situação da Dr.ª Fátima Felgueiras.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, Sr.ª Deputada, se quer falar sobre Marco de Canaveses, fale - tem o nosso apoio! Mas, primeiro, fale sobre os casos que tocam à sua própria porta, relativamente aos quais o PS tem feito um todo um esforço no sentido de os abafar e de os apagar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Ribeiro.

A Sr.ª Helena Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa, começo por agradecer as questões que me colocou e dizer que, quando decidi fazer esta intervenção sobre Marco de Canaveses, já esperava que o PSD viesse, como arma de arremesso, colocar a situação da candidata do PS à Câmara Municipal de Felgueiras e, actualmente, presidente desta mesma câmara.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É a verdade! E a verdade não é arma de arremesso!

A Oradora: - As situações são completamente distintas. O Sr. Deputado certamente que não ignora que, relativamente a Marco de Canaveses, o actual presidente de câmara já foi objecto de uma acusação por parte do Ministério Público, que o indiciou como responsável pela prática dos crimes que referi na minha intervenção, pelo que me escuso de estar agora aqui a elencar, e que essa mesma acusação já foi confirmada por uma outra magistratura, a magistratura judicial. E a situação que levou o PS a vir hoje aqui, a esta Assembleia, demonstrar esta indignação não tem propriamente a ver com a acusação ou com a pronúncia de que foi objecto esse Sr. Presidente de Câmara, porque, naturalmente, o Sr. Presidente da Câmara Municipal do Marco de Canaveses vai ser ainda sujeito a julgamento,…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Não parece!

O Orador: - … e nós não ignoramos que todos, não só os cidadãos como também os políticos e os autarcas, beneficiam do princípio da presunção de inocência; aquilo que motivou a nossa intervenção foram declarações inaceitáveis proferidas pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal do Marco de Canaveses e do próprio Sr. Deputado Paulo Portas que puseram em causa algo mais, que extravasa os interesses imediatos do PS, que foi o sistema judicial e a tentativa de fazerem do PS um partido que não tem escrúpulos em exercer influências ilegítimas sobre o poder judicial.

Página 548

0548 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

Passando, agora, concretamente ao caso de Felgueiras, devo dizer que a situação em que se encontra a Sr.ª Presidente da Câmara Municipal de Felgueiras neste momento nada tem, pelo menos em termos processuais, a ver com aquela em que se encontra o Sr. Presidente da Câmara Municipal do Marco de Canaveses.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

A Oradora: - A Sr.ª Presidente da Câmara Municipal de Felgueiras está, neste momento, a ser objecto de um inquérito, que se destina a averiguar determinadas imputações que lhe são feitas, mas ainda não lhe foi proferida qualquer acusação ou pronúncia. Nós confiamos no sistema judicial.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Portanto, aguardamos, com serenidade, a pronúncia do sistema judicial. E não passamos nenhum atestado de incompetência ao poder judicial,…

O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!

A Oradora: - … nem achamos que o poder judicial, que é também um órgão de soberania, seja um órgão de soberania de 2.ª classe e que ande a trote do poder político.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - O poder judicial tem homens e mulheres muito dignas em sua representação…

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, agradeço que termine, pois já esgotou o tempo.

A Oradora: - … e, portanto, não se deixará certamente influenciar pela classe política.
Assim, quando o poder judicial entender manifestar-se, acataremos a decisão do poder judicial conforme ela for proferida.

O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - O poder judicial rege-se por critérios de legalidade, e nós aguardamos com serenidade. Quando chegar esse momento, cá estaremos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã, dispondo, para o efeito, de 2 minutos, tempo cedido pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Ribeiro, há duas estratégias possíveis para este debate: uma é a do «escândalómetro» - é comparar um escândalo contra outro, é argumentar uma dificuldade contra outra, eventualmente até uma sujeira contra outra! E com isto tudo é possível, e tudo talvez seja verdade. Um Deputado, que, por vezes, está aqui, presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Poiares, recentemente acusou-nos, a esta bancada mas também a outros, incluindo o presidente do seu próprio partido, de, com a proposta de limitação de mandatos, proceder aos mais sinistros dos crimes! Tudo é possível neste debate e tudo é suscitado pelo facto de estarmos à beira de eleições autárquicas.
No caso de Felgueiras, o facto é que o próprio Governo pediu a perda de mandato e o mesmo Governo, perante circunstâncias semelhantes, em Albufeira, em 1995, exigiu que a pessoa que se encontrava no mesmo contexto, Xavier Xufre, não fosse o candidato do partido - a contradição é o Governo pedir a perda de mandato e partido reafirmar a candidatura! Mas não vale a pena compararmos um caso contra outro! A não ser que tenhamos a única atitude que se exige à responsabilidade do mandato que exercemos: não admitir nenhum caso em nenhuma circunstância que suje as eleições municipais, o prestígio das câmaras municipais. E é, seguramente, o que se passa em Marco de Canaveses.
Em Marco de Canaveses, temos uma situação de excepção absoluta no País: Marco de Canaveses está em estado de sítio há muito tempo a esta parte! E somos muitos os que sabemos que isto é verdade. A prepotência e o abuso na utilização dos poderes autárquicos não tem limites e, provavelmente, não tem comparação em lado nenhum neste país! E o problema é estritamente político: é saber se o PS é beneficiado por reafirmar a candidatura da Dr.ª Fátima Felgueiras, se o PP é confortado ou reforçado por apoiar essa candidatura de Ferreira Torres, ou se é a contragosto que todos o fazem, sabendo de toda a verdade sobre cada um desses casos. E, no caso do Marco de Canaveses, exigia-se, como necessário - e era uma questão de princípio - que houvesse um sinal político de quem mais responsabilidades tem neste contexto, que é o partido proponente da candidatura, acerca da sustentabilidade desta situação de estado de sítio, que merecia terminar.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Ribeiro.

A Sr.ª Helena Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, começo por agradecer o testemunho que deixou aqui, nesta Casa, que é a da democracia, e dizer que concordo inteiramente com as declarações que proferiu.
Efectivamente, em Marco de Canaveses, vive-se uma situação de total singularidade na vida política nacional. Ando agora em campanha, a auxiliar a sociedade civil marcoense, e tenho-me apercebido de que, em Marco de Canaveses, se vive uma situação de total ausência de democracia.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Muito bem!

A Oradora: - As pessoas sentem-se coagidas no seu direito a manifestar livremente a sua opinião, a assumir as

Página 549

0549 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

suas posições - temem, seguramente, pela sua própria integridade física.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Mas o que é isto?! O que as eleições fazem aos Srs. Deputados!

A Oradora: - Vive-se uma espécie de ortodoxia castradora da opinião crítica, semelhante àquilo que certamente se viveu antes do 25 de Abril, que não tive oportunidade de testemunhar, pois, nessa altura, ainda não tinha idade suficiente para ter o discernimento necessário para poder avaliar as consequências do regime que então existia no nosso país.
Concordo também com o Sr. Deputado quando diz que não se trata de comparar um caso com o outro mas, sim, de trazer a esta Casa o testemunho de alguém que anda efectivamente no terreno e que se tem apercebido das enormes dificuldades que se vivem naquele concelho, dos enormes atropelos às mais elementares regras de uma convivência democrática e à ideia de que a pessoa que, naquele território, representa o expoente máximo do poder local procura, utilizando o poder que tem, justificar todos os seus comportamentos, apelando ao argumento de que «eu venço as eleições; logo, tudo me é legítimo!». Não podemos ficar silenciosos perante este tipo de atitudes, pois são atitudes prepotentes! Não se trata apenas da gestão autárquica que é levada a cabo pelo Sr. Presidente de Câmara - é algo mais profundo. É a própria forma como o Sr. Presidente da Câmara Municipal do Marco de Canaveses encara o exercício da democracia.
Portanto, como somos pessoas lúcidas, que nos orientamos por critérios de solidariedade, de igualdade e de respeito por todas as opiniões, não podemos ficar calados. O PS poderá ter alguns telhados de vidro - não o sabemos; é o poder judicial que vai analisar essa situação. Mas, se os tivermos, de certeza absoluta que estaremos à altura de corresponder àquilo que o poder judicial exigir da nossa parte.

O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Neste momento, temos uma autarca sob suspeição, mas ela ainda não foi devidamente pronunciada. Mas, já agora, devo dizer que essa mesma autarca disse claramente, em carta que endereçou à Assembleia da República, que, caso venha a ser acusada ou pronunciada, imediatamente suspende o seu mandato. Ora, se este critério, que é o critério do PS, tivesse sido adoptado por outras forças políticas nesta Assembleia da República, certamente que muitas pessoas, que hoje são candidatas a certos municípios, já não o seriam.
Portanto, repito, aguardamos, com serenidade, o resultado que venha a ser proferido pelo poder judicial.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, peço-lhe que conclua.

A Oradora: - Para terminar, quero dizer, uma vez mais, que me reconheço inteiramente em tudo quanto o Sr. Deputado aqui disse.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há uma situação que temos de resolver, que é a seguinte: a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares limitou o período de antes da ordem do dia a 1 hora, estrita e rigorosa. Ora, há pouco, quando dei a palavra à Sr.ª Deputada Helena Ribeiro para uma intervenção para tratamento de assunto de interesse político relevante, já sabia da inscrição do Sr. Deputado Luís Cirilo, do PSD, para uma intervenção ao abrigo da mesma figura regimental, mas tive esperança de que as duas intervenções não ultrapassassem o tempo estipulado. Acontece que houve, além de defesas da honra, muitos pedidos de esclarecimento, o que fez com que já tenhamos ultrapassado o tempo disponível em cerca de 20 minutos, e há ainda a inscrição do Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia para pedir esclarecimentos, a quem vou ter de dar a palavra, o que agrava o problema, mas a verdade é que direitos são direitos.
Assim, pergunto-vos, Srs. Deputados, se, apesar disso, consideram, como eu, que seria injusto não dar a palavra ao Sr. Deputado Luís Cirilo, na medida em que a dei à Sr.ª Deputada Helena Ribeiro.

Pausa.

Visto haver consenso, tem a palavra, Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia.

O Sr. Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Ribeiro, vou tentar pôr alguma lógica neste debate e fazer algumas afirmações que me parecem ser importantes.
Não tenho a pretensão de ter assistido a todas as declarações que o presidente do meu partido tenha feito a propósito do caso da Câmara Municipal do Marco de Canaveses, mas estava junto dele quando fez - julgo, mas posso enganar-me - as únicas declarações sobre este caso e o que o Sr. Presidente do meu partido achou estranho - eu também achei e a Sr.ª Deputada, com certeza, também achará - é que o despacho de pronúncia tenha sido conhecido pelos meios de comunicação social antes de o interessado ter tido conhecimento dele.

Vozes do CDS-PP: - Isto é que é grave!

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço-vos que façam silêncio!

O Orador: - Eu fiz um apelo…

Protestos do Deputado do PS Francisco de Assis.

Penso que estou a falar em termos calmos, não compreendo por que é que o Sr. Deputado Francisco de Assis está tão nervoso! Terá tempo para fazer a sua campanha…

Página 550

0550 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Não estou nervoso, estou indignado!

O Orador: - Está indignado?!

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Esperava mais de um partido democrata-cristão!

O Orador: - Esperava mais?!

Vozes do CDS-PP: - E nós esperávamos mais coragem da vossa parte!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço-vos que não entrem em diálogo!
Faça favor de prosseguir, Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia.

O Orador: - Portanto, aquilo a que assisti, de facto, foi ao presidente do meu partido a manifestar a estranheza de um despacho de pronúncia ter sido conhecido primeiro pelos órgãos de comunicação social do que pelo interessado. Pelos vistos, há quem ache isso normal - nós não achamos normal!
Em segundo lugar, foi declarado, e é a posição do meu partido, que, nesta matéria, temos confiança nos tribunais, pelo que aguardamos serenamente pela decisão final dos tribunais. Porém, no caso deste autarca, bem como em casos de outros autarcas, tem havido grandes debates públicos, grandes tomadas de posição por questões que, no fim, acabam por se revelar não serem consistentes, acabando por as pessoas em questão serem absolvidas.
Não vamos entrar, como dizia o Sr. Deputado Francisco Louçã, nas comparações de «este puxa aquele», mas ficamos claramente com a sensação de que esta intervenção de hoje, sobre Marco de Canaveses, tem todo o aspecto de uma cortina de fumaça ou de uma barreira de camuflagem para outras situações que se verificam no interior.

O Sr. António Braga (PS): - Isso é uma visão conspirativa!

O Orador: - Tenho o direito de ter esta dúvida!
Gostaria de saber - e este é que é o pedido de esclarecimento - se o PS resolve antecipar a campanha em Marco de Canaveses fazendo o número em Lisboa. É esta a única questão que quero colocar.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Ribeiro.

A Sr.ª Helena Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia, agradeço-lhe os esclarecimentos que formulou.
Relativamente às afirmações que foram proferidas pelo Sr. Deputado Paulo Portas, eu já disse tudo o que tinha a dizer. O importante agora, e a responsabilidade que neste momento existe recai inteiramente sobre o vosso partido. Se é que houve conhecimento antecipado do despacho de pronúncia da Sr.ª Magistrada do Tribunal Judicial do Marco de Canaveses, antes mesmo do arguido nesse processo ter do mesmo tido conhecimento, demonstrem que o conhecimento desse despacho proveio da Sr.ª Magistrada.

Vozes do CDS-PP: - Não dizemos isso!

A Oradora: - Se os senhores conseguirem demonstrar isso assistir-vos-á toda a razão para a vossa indignação!

Protestos do CDS-PP.

Porém, não ignorem que as acusações que pendem sobre o Sr. Presidente da Câmara Municipal do Marco de Canaveses são de tal modo graves…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Pior que Felgueiras?!

A Oradora: - … e estão de tal forma, já nesta fase processual, corroboradas pela prova testemunhal arrolada ao processo…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Já foi julgado?

A Oradora: - …que, com toda a probabilidade e - digo mais -legitimidade era expectável que o advogado do assistente perspectivasse qual viria a ser a decisão judicial!

Vozes do CDS-PP: - Mas o que é isto?! Já está aqui a lavrar a sentença?!

A Oradora: - Porque as decisões judiciais, face à prova produzida no processo, são expectáveis!

Protestos do CDS-PP.

Se não forem expectáveis, de duas uma: ou o Sr. Magistrado é venal ou é tonto!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - A senhora é que o diz!

A Oradora: - Os intervenientes processuais conhecem o processo, e, portanto, em função da legalidade e da prova produzida, podem legitimamente tecer considerações sobre qual virá a ser o sentido provável da decisão.

Protestos do CDS-PP.

Poderá ter sido essa a fonte da notícia!

Protestos do CDS-PP.

Página 551

0551 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

Aquilo que repugna o PS é que, sem qualquer critério, sem qualquer sustentação, um partido, que muito respeitamos e que representa em Portugal a democracia-cristã, tenha tido, através do seu líder, o Sr. Deputado Paulo Portas, que até é jurista, a veleidade de vir a público insinuar que houve, por parte do poder judicial, alguma atitude de cumplicidade relativamente a interesses do PS. É isto que repugnamos, porque põe em causa o PS e o poder judicial!
Somos, neste momento, Governo e, por isso, não queremos essa vergonha! Isso, para nós, é profundamente desonroso!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - O que está a dizer é uma vergonha!

A Oradora: - Digo-lhe mais, Sr. Deputado, foram exactamente essas declarações do Sr. Deputado Paulo Portas e declarações semelhantes proferidas pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal do Marco de Canaveses que suscitaram hoje aqui a nossa intervenção!

Aplausos do PS.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Esta resposta não é de aplaudir!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Agradeço-lhe que diga qual é a matéria em causa, Sr. Deputado.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, a minha interpelação é no sentido de fazer um pedido à Mesa, se V. Ex.ª o entender deferir.
Penso que a intervenção final da Sr.ª Deputada do PS…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe desculpa, mas…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, estou apenas a enquadrar o pedido que vou fazer.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, a intervenção final da Sr.ª Deputada Helena Ribeiro contém acusações graves - aí, sim - à magistratura, à magistrada e ao advogado assistente no processo. Assim, requeiro a V. Ex.ª que seja tirada certidão das declarações feitas e enviada para o Tribunal Judicial do Marco de Canaveses.

O Sr. Presidente: - Aguardarei que o faça, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, uma vez que há compreensão em que se prolongue o período de antes da ordem do dia, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Cirilo para tratamento de assunto de interesse político relevante.

O Sr. Luís Cirilo (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Venho hoje falar à Câmara de um concelho do interior do distrito de Braga. Trata-se de um concelho pequeno em população, o que desde logo afecta a sua capacidade reivindicativa, mas grande em área geográfica, em potencialidade de desenvolvimento, na capacidade e iniciativa das suas gentes.
Permitam-me uma sumária caracterização do município de que vos falo. Estende-se ele por uma área total de 276 km2, engloba 17 freguesias, tem uma densidade populacional de 33,5 habitantes/km2, tem aproximadamente 9200 cidadãos residentes.
Outros indicadores importantes dizem-nos que tem cerca de 1300 estudantes nos diversos graus de ensino, do básico ao secundário; tem apenas um médico por cada 2000 habitantes; tem um índice per capita de poder de compra na ordem de 34,7%, que é simultaneamente o segundo mais baixo de todo o distrito e um dos mais baixos do País.
Cerca de 30% da população tem menos de 25 anos; cerca de 45% desenvolve a sua actividade no sector terciário, 30% no secundário e apenas pouco mais de 20% se dedica ao sector primário. Existem cerca de 70 sociedades com sede neste concelho, maioritariamente dedicadas ao comércio.
Falamos hoje aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, do município de Terras de Bouro. Um concelho que, pese embora a interioridade e a falta de investimento do poder central, tem apresentado índices de desenvolvimento verdadeiramente consideráveis: todas as 17 freguesias dispõem de centros culturais e associações com recintos desportivos; todas as freguesias estão abrangidas por centros sociais e paroquiais com ATL, centro de dia, lar de terceira idade e apoio domiciliário; todas as freguesias dispõem de abastecimento domiciliário de água com preços dos mais baixos do País; todos os lugares são servidos por estradas alcatroadas e com arruamentos pavimentados; uma elevada percentagem das aldeias dispõe de saneamento básico e tratamento de resíduos.
Nas 17 freguesias constata-se a existência de 32 associações apoiadas financeiramente pela autarquia, sobretudo na respectiva legalização.
É o único município do interior que dispõe de um centro náutico com uma marina, onde atracam mais de 80 embarcações, sendo que um barco turístico também funciona como sala de aulas flutuante. É igualmente um município do interior que dispõe de um centro de animação termal, com um auditório para 150 lugares sentados, piscina aquecida e clube de saúde.
É um concelho totalmente coberto pela rede de transportes colectivos públicos ou municipais. É um concelho do interior em que significativamente cerca de 50% da população tem como actividade principal o turismo.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, tudo isto são factos, tudo isto é a realidade do concelho de Terras de Bouro, tudo isto foi feito com o ónus significativo de nos últimos anos este município, em particular, e os terra-bourenses, em geral, serem alvo de uma flagrante discriminação por parte dos governos do PS.

Página 552

0552 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

Bastará atentar, a título de exemplo, no que tem sido a distribuição do PIDDAC no decurso dos últimos anos: em 1998, tocaram a Terras de Bouro cerca 68 000 contos; em 1999, apenas 14 000 contos; em 2000, 79 000 contos; e em 2001, perto de 77 000 contos. Estamos a falar, como é óbvio e evidente, de verbas e não de obra executada, porque aí, seguramente, o panorama ainda seria mais negro.
A prova da discriminação praticada em relação a este município é fácil de fazer. Atentemos no PIDDAC para 2000, a título de exemplo: Terras de Bouro teve direito a uma distribuição de verbas per capita na ordem de 8000$/habitante, ou seja, um quarto da média atingida pelos municípios socialistas do distrito, que se cifrou na ordem dos 32 contos per capita. Para exemplo de discriminação, Sr. Presidente e Srs. Deputados, concordaremos que não está mal, aliás, esta situação, prova de alguma linha de coerência do PS e do seu Governo na discriminação dos municípios sociais-democratas, repetiu-se exactamente no PIDDAC para 2001.
É perante estas situações de perfeita discriminação que percebemos a razão de obras fundamentais para o concelho continuarem a ser perfeitas miragens, com grave prejuízo para as populações, que continuam a ver adiadas aspirações fundamentais para a melhoria da sua qualidade de vida, e os exemplos não faltam.
O quartel da GNR do Gerês, obra vital para a protecção do Parque Nacional da Peneda-Gerês, continua a deslizar de PIDDAC em PIDDAC, afigurando-se como perfeitamente ridículos os 1000 contos que o PS, a muito a custo, condescendeu a incluir no PIDDAC para 2001. Falo de 1000 contos, Sr. Presidente e Srs. Deputados! Talvez sirvam para comprar umas «espingardazitas» para os soldados do futuro quartel, mas não servirão seguramente para o construir!
A rectificação do traçado da estrada nacional n.º 205, entre Terras de Bouro e Rendufe, com inclusão de uma faixa para lentos, é uma obra fundamental consecutivamente adiada, pese embora todas as propostas de alteração feitas pelo PSD nesta Câmara, e que, dado tratar-se da principal ligação de Terras de Bouro à capital do distrito, urge, de facto, concretizá-la.
Mas há outras matérias, Sr. Presidente e Srs. Deputados. Por que não falar nos 150 000 contos respeitantes a uma candidatura já aprovada ao Programa Peter, do qual o município, até à data, não viu um único tostão, que bem falta lhe fazem para obras fundamentais.
E em termos ambientais, Sr. Presidente e Srs. Deputados? Que dizer dos 91 000 contos aprovados em 1999 para a manutenção de toda a área - repito, toda a área - do parque nacional? Trata-se de uma verba perfeitamente ridícula face à dimensão do parque e às necessidades do mesmo, aliás, o próprio Governo tê-la-á reconhecido como insuficiente ao prometer - repito, ao prometer (sabem do que estou a falar) - 600 000 contos para 2001. Ainda assim este é um montante altamente insuficiente, dado que, segundo os especialistas na matéria, só para erradicar a praga das mimosas da zona do Parque Nacional da Peneda-Gerês serão necessários cerca de 6 milhões de contos, que é uma verba altíssima, mas necessária, sob pena de com o arrastar da situação se perder, de forma irremediável, toda a zona verde, já gravemente atingida pela praga.
Terras de Bouro merece, pois, outra atenção e outros investimentos, e nada mais oportuno que referi-los neste tempo de discussão do Orçamento do Estado para 2002, porque existem obras necessárias, obras vitais para a melhoria da qualidade de vida das populações e de manutenção da riqueza natural de todos nós, que é o Parque Nacional da Peneda-Gerês.
Citemos, a título de exemplo, o quartel da GNR do Gerês; a biblioteca municipal; a recuperação e ampliação da escola EB 2, 3; a construção da ponte sobre o rio Homem, na estrada entre Terras de Bouro e Ponte de Lima, que será o principal acesso entre o concelho e a auto-estrada Porto/Valença; a construção de um edifício para instalação de uma secção de bombeiros no Vale do Cávado de molde a melhor proteger não só o Parque Nacional da Peneda-Gerês como também toda a zona termal; a variante à estrada nacional n.º 304, na zona de São Bento da Porta Aberta; e, finalmente, a recuperação da Pousada de Juventude de Vilarinho das Furnas, para a qual já existe uma promessa - repito, uma promessa - de 500 000 contos, mas até à data sem nenhum efeito prático, o que de facto, em bom rigor, não nos admira.
São alguns exemplos, outros existirão, de obras necessárias para o desenvolvimento do concelho de Terras de Bouro, para a melhoria da qualidade de vida das suas populações e para atenuar, de facto, os efeitos nefastos da interioridade, tantas vezes exorcizada na teoria, mas tão mal combatida na prática.
Em tempo de discussão do Orçamento do Estado para 2002 e do respectivo PIDDAC, como atrás dizíamos, que cada um assuma as suas responsabilidades. Fartos de promessas estão o terra-bourenses, e não só!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Gonçalves.

O Sr. Ricardo Gonçalves (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Cirilo, mais uma vez agradeço ter falado do concelho onde sou candidato. Foi preciso eu ser candidato a presidente da Câmara Municipal de Terras de Bouro para o PSD começar a falar neste concelho, aliás, o PSD e não só!

Protestos do PSD.

Só nisto já consegui a minha vitória como democrata, ou seja, pôr o País a discutir Terras de Bouro!
Terras de Bouro, o coração do Parque Nacional da Peneda-Gerês, essa pérola sem lapidar que há 25 anos o PSD mantém estagnada, finalmente é falada, finalmente desabrochou! O PSD colabora nisto, porque sabe que se o não fizer perde as eleições - e, mesmo assim, o mais certo é perdê-las.

Risos do PSD.

Página 553

0553 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

Obviamente que o Sr. Deputado Luís Cirilo diz que Terras de Bouro merece outra atenção. Ora, é por merecer outra atenção sou lá candidato!

Risos do PSD.

É precisamente para reivindicar e pugnar por aquilo de que Terras de Bouro precisa!
Como Deputado consegui, junto dos organismo da área da saúde, que o centro de saúde, que esteve fechado ao sábado e ao domingo durante estes anos todos, passasse a abrir ao sábado, sendo que ainda não desisti de conseguir que abra também ao domingo e aos feriados. Acontece que o Sr. Presidente de Câmara diz que isso é um desperdício, que os médicos ganham muito dinheiro ao sábado, que era melhor o centro de saúde estar fechado nesses dias.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado, se pensa como o Sr. Presidente de Câmara, que é muito antiquado e muito «bota de elástico», como sabe, e se efectivamente o dinheiro gasto com a saúde é um desperdício ou um benefício para uma população envelhecida, que não corresponde nada àquilo que o senhor aqui disse, porque isso são números.
Aquele concelho é, acima de tudo, o campeão do desperdício. Como o senhor sabe, vai-se àquele concelho e não se vê obra, embora o dinheiro tenha ido para lá! Durante o tempo dos governos do PSD pouco lá foi investido, agora, no que respeita aos últimos dinheiros, foram transferidos 850 000 contos para o concelho, quando em 1995, no mandato do PSD, foram transferidos 426 000 contos; portanto, subiu 95%.
Agora foi assinado o contrato dos tais 500 000 contos para a pousada da juventude, assunto com o qual o PSD nunca se incomodou. As duas únicas obras que fizeram foi o Centro de Animação Termal do Gerês, um mamarracho que não se adapta sequer a uma vila termal com a beleza do Gerês, e a célebre marina, que não é marina, Sr. Deputado, mas «fluvina»,…

Risos do PSD.

… porque é em água doce, é no interior! Quem não conhece o concelho ainda pensa que tem mar! É uma «fluvina»!

Risos do PSD.

Efectivamente, é a única obra que os senhores conseguem apresentar, custeada com fundos comunitários. A «fluvina» é a grande obra do regime!
Trata-se de um concelho que perdeu, nos últimos 10 anos, mil e tal habitantes, trata-se de um concelho que tem potencialidades turísticas fantásticas e só com a minha candidatura e com a minha hipotética vitória, como é óbvio,…

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Claro que é hipotética!

O Orador: - … - eu sou muito humilde - irá despertar. Porque vou dizer-lhe uma coisa: vou ser presidente da Câmara Municipal de Terras de Bouro. Não sei quando, mas vou ser presidente da Câmara Municipal de Terras de Bouro!

Risos do PS e do PSD.

Por isso eu digo que sou humilde naquilo que digo em termos de vitórias.

O Sr. Presidente: - Terminou o tempo de que dispunha, Sr. Deputado. Faça favor de concluir.

O Orador: - Sr. Deputado, gostava de lhe dizer mais isto: infelizmente, da última vez que foi a Terras de Bouro, insultou-me de forma gratuita e eu, que tenho uma boa relação consigo, gostava que aqui desmentisse o que veio no Terras do Homem,…

O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - … que desrespeita e desprestigia a Assembleia da República e a relação entre os Deputados.
Espero que se retracte sobre tudo isto,…

O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - … porque insultar-me de uma forma gratuita não está correcto.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Isso é grave!

O Orador: - Aliás, não esperava isso de si.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Cirilo.

O Sr. Luís Cirilo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Gonçalves, vou responder àquilo que de importante me perguntou e deixarei os pormenores para conversas de corredor, já que o Plenário não é sítio para discuti-los.
V. Ex.ª colocou em causa os números que aqui apresentei. Estou constrangido, Sr. Deputado Ricardo Gonçalves, já que fui buscá-los, na sua maior parte, a uma publicação editada pelo Governo Civil de Braga, que até traz a fotografia do ex-governador civil, Dr. Fernando Moniz. Foi daí que tirei alguns dos números que referi, respeitantes a Terras de Bouro.
Se, hoje, V. Ex.ª vem aqui dizer que o Dr. Fernando Moniz, enquanto governador civil, editou uma publicação, à custa de todos nós, com números falsos, devo dizer-lhe, Sr. Deputado Ricardo Gonçalves, que não tenho essa ideia do Dr. Fernando Moniz. Admito que companheiros meus, em Famalicão, apreciem essa sua posição e essa sua opinião sobre o Dr. Fernando Moniz, mas também lhe digo em bom rigor, Sr. Deputado, que, em Famalicão, socialistas com opiniões sui generis sobre outros socialistas não são factos propriamente raros!

Página 554

0554 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

Risos do PSD.

Em segundo lugar, e vamos às questões concretas, o Sr. Deputado Ricardo Gonçalves, há poucos dias, numa sua intervenção sobre Terras de Bouro, fez aqui uma exposição que considero pormenorizada e conhecedora - Terras de Bouro é uma matéria que, de facto, conhece - …

O Sr. Ricardo Gonçalves (PS): - Muito obrigado.

O Orador: - … sobre a fauna do Parque Natural da Peneda-Gerês e falou de variadíssimas espécies de animais. Contudo, não falou de uma, e percebo por que não o fez, porque ela não existe em Terras de Bouro. Estou a falar da cegonha. E por que é que cito aqui a cegonha? É que se há obras fundamentais que não foram feitas em Terras de Bouro, Sr. Deputado Ricardo Gonçalves, como, por exemplo, o quartel da GNR, a culpa não é da cegonha, que não existe em Terras de Bouro, é do Partido Socialista, é do Governo do Partido Socialista.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Se a variante n.º 307 não tem o arranjo devido, Sr. Deputado, a culpa não é da cegonha, que não existe em Terras de Bouro, mas, sim, do Partido Socialista; se a Escola EB, 2, 3 não tem as condições de funcionamento que merece, a culpa não é da cegonha, porque não existe em Terras de Bouro, é do Partido Socialista, que não fez as obras. E aí por diante, Sr. Deputado Ricardo Gonçalves, pois poderia citar outros casos em que a culpa, em Terras de Bouro, não é da cegonha, porque não existe, é do Partido Socialista e do Governo que desprezam os municípios do interior, em especial se esses municípios são sociais-democratas, como ficou abundantemente provado em diversos PIDDAC.
Sr. Deputado Ricardo Gonçalves, V. Ex.ª tem a ambição de ser presidente da Câmara Municipal de Terras de Bouro.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Só não sabe quando!…

O Orador: - É uma ambição legítima, e, portanto, nessa qualidade e em nome dessa ambição - e apenas dela -, sugiro-lhe o seguinte: vamos discutir o Orçamento do Estado e o PIDDAC para 2002, então, já que V. Ex.ª, num comunicado que distribuiu à população, dizia-se senhor de profundos conhecimentos políticos e de grande influência, use esses conhecimentos e essa influência para fazer com que o Partido Socialista leve para Terras de Bouro aquilo que Terras de Bouro precisa. Isso valer-lhe-á seguramente, Sr. Deputado, ser presidente da Câmara Municipal de Terras de Bouro.
Em política, como sabe, não existem milagres, mas, pelo menos, o tempo que tem passado em Terras de Bouro servirá para alguma coisa, e os terra-bourenses poderão agradecer-lhe um dia por, nesta Casa, ter feito alguma coisa por aquele concelho.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 55 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em apreciação os n.os 106 e 107 do Diário, respeitantes às reuniões da Comissão Permanente de 24 de Julho e de 5 de Setembro p. p.

Pausa.

Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Vamos agora dar início à apreciação da proposta de resolução n.º 59/VIII - Aprova, para ratificação, o Tratado de Nice que altera o Tratado da União Europeia, os Tratados que instituem as Comunidades Europeias e alguns actos relativos a esses Tratados, assinado em Nice, a 26 de Fevereiro de 2001.
Para introduzir o debate, em representação do Governo, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros (Jaime Gama): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao iniciar a fase parlamentar do processo de ratificação do Tratado de Nice, cumprimento VV. Ex.as, em quem reencontro e reconheço firmes convicções em matéria de opção europeia.
A circunstância de ter cabido a Portugal a condução da Conferência Intergovernamental 2000, na primeira fase dos trabalhos, obrigando a compatibilizar uma abordagem neutral com a defesa de interesses directos na negociação, permitiu-nos apresentar, desde o início, uma agenda de posições coerente, lógica e clara, mas ao mesmo tempo afirmarmos um espírito marcadamente europeu que se traduziu numa série de posições de interesse nacional, onde muitos outros se reviam. A Assembleia da República, em especial através da sua Comissão de Assuntos Europeus, recebeu sempre toda a informação sobre os objectivos do Governo e sobre o andamento das negociações.
Os trabalhos da Conferência encerraram com um acordo, que está plasmado num Protocolo anexo ao Tratado, contendo as disposições relativas às instituições no que se refere à ponderação de votos e definição da maioria qualificada no Conselho, à repartição de lugares no Parlamento Europeu e à composição da Comissão, aplicáveis na União de 15 Estados-membros a partir de 2004/2005.
Em declaração anexa foram definidos os princípios e métodos da sua adaptação em função do calendário do alargamento.
Assim, quanto ao Conselho, a solução acordada passa por uma reponderação dos votos de todos os Estados-

Página 555

0555 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

membros, mais elevada no que respeita aos cinco maiores, que deixam também de nomear um segundo nacional para a Comissão. De sublinhar que os votos atribuídos a Portugal lhe asseguram uma posição relativa mais favorável do que a prevista em qualquer dos modelos que foram postos anteriormente à discussão.
Tal como defendido pela delegação portuguesa nessa negociação, é introduzida uma condição exigindo, pelo menos, a maioria dos Estados-membros a favor para que seja tomada uma decisão. É ainda introduzida a possibilidade de um membro do Conselho solicitar que se verifique se a maioria qualificada representa, pelo menos, 62% da população total da União. Estas alterações entrarão em vigor em 1 de Janeiro de 2005, simultaneamente com a alteração da composição da Comissão.
A partir de 2005, a Comissão que entrará então em funções, ou seja, a nova Comissão, será composta apenas por um nacional de cada Estado-membro, estando previsto que, quando a União tiver 27 Estados, o número de comissários será inferior ao dos Estados-membros, passando estes a ser escolhidos com base numa rotação igualitária.
Foi ainda acordado que a designação do presidente da Comissão passará a ser decidida por maioria qualificada, pelo Conselho reunido a nível de Chefes de Estado ou de Governo. Os restantes membros da Comissão serão nomeados por maioria qualificada, pelo Conselho, de acordo com a as propostas apresentadas por cada Estado-membro.
Foram ainda reforçados os poderes de direcção política do presidente da Comissão.
Esta solução foi ao encontro da posição por nós defendida, no sentido da existência de um nacional de cada Estado-membro na Comissão, dotados de igual estatuto, com a possibilidade de revisão quando se atingisse um determinado número de Estados, desde que asseguradas condições de perfeita igualdade entre eles.
No que respeita ao Parlamento Europeu, embora não tenha sido seguida a solução que defendíamos quanto à repartição de lugares - um modelo de redução linear, de forma a respeitar o limiar de 700 previsto no Tratado - o resultado obtido em função da estratégia seguida pela presidência francesa foi, no que respeita ao número de mandatos atribuídos aos Deputados eleitos em Portugal, bastante positivo, sendo a redução prevista, de 25 para 22, proporcionalmente menor do que a sofrida por outros Estados-membros.
O número total de membros do Parlamento foi aumentado para 732, devendo as alterações previstas entrar em vigor no início da Legislatura 2004-2009.
A extensão da votação por maioria qualificada veio a ser menos ambiciosa do que seria eventualmente desejável, tendo em conta o alargamento, mantendo-se a unanimidade total ou parcialmente em áreas que se revestiam de maior sensibilidade para alguns Estados-membros, como a fiscalidade, a política social, os vistos, o asilo, a imigração e outras políticas relativas à livre circulação de pessoas.
No caso dos fundos estruturais, do fundo de coesão e do regulamento financeiro, foi acordado que a passagem à maioria qualificada se faria a partir de 2007.
No seguimento da proposta apresentada ao Conselho Europeu de Santa Maria da Feira pela presidência portuguesa, a Conferência procedeu a uma reformulação das disposições relativas às cooperações reforçadas, flexibilizando as condições do seu lançamento pela supressão do chamado «travão de emergência», e da exigência de participação de pelo menos metade dos Estados-membros e introduzindo o recurso a cooperações reforçadas também no domínio da política externa e da segurança comum.
As alterações realizadas seguiram a linha das posições defendidas por Portugal, no sentido de melhorar e tornar mais eficaz o modelo introduzido em Amsterdão, sem contudo abdicar das salvaguardas tendentes a assegurar a sua utilização como instrumento de reforço, e não de diluição, do processo de integração.
Tendo em conta a evolução realizada e as decisões entretanto adoptadas em matéria de política europeia de segurança e defesa, as disposições pertinentes do Tratado da União foram alteradas, para ter em conta os progressos realizados, nomeadamente no que se refere à relação entre a União Europeia e a União da Europa Ocidental e à adaptação do Comité Político a novas funções no domínio da gestão de crises.
Tal como defendido pela delegação portuguesa, foi introduzida no Tratado uma disposição consagrando, na sequência das conclusões do Conselho Europeu de Lisboa, a criação de um Comité da Protecção Social, de carácter consultivo, destinado a promover a cooperação entre os Estados-membros e a Comissão, em matéria de protecção social.
Sr.as e Srs. Deputados, o Governo, que negociou e subscreveu o Tratado de Nice, serenamente confia na sua aprovação pela Assembleia da República e na sua ratificação pelo Presidente da República, para que, em prazo adequado, a conclusão do processo de ratificação por Portugal viabilize a sua entrada em vigor e, consequentemente, o início de funcionamento do seu quadro institucional aperfeiçoado, garante do equilíbrio necessário para permitir a prossecução de políticas verdadeiramente comuns, a adesão de novos membros e a continuada tarefa de construir uma Europa de liberdade, de prosperidade e de paz, cuja razão de ser se reforça nos momentos difíceis da vida internacional que todos conhecemos.
Estou certo e seguro que, com a vossa legitimidade inquestionável de parlamentares eleitos, a Assembleia da República ficará associada de forma positiva a esta nova e necessária etapa da construção europeia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro, estamos, hoje, a fazer uma discussão que consideraria determinante para o futuro próximo de Portugal.
O Sr. Ministro acaba de nos anunciar aquilo que considera essencial destacar no conjunto das alterações

Página 556

0556 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

acordadas em Nice e eu permitir-me-ia fazer também uma síntese um pouco mais leve, dado que disponho de menos tempo, mas porventura mais objectiva, em relação a alguns aspectos que me parecem ser de relevar.
Em relação à Comissão, nós vamos manter a possibilidade de ter um Comissário, mas só até uma determinada data. Nice abandona, pela primeira vez, a prazo, a possibilidade de cada Estado-membro ter o seu Comissário, mas Nice abandona também, ainda que implicitamente, um outro princípio, o das presidências rotativas, que têm sido muito pouco reflexionadas. Quando se sedia, obrigatoriamente, o Conselho Europeu em Bruxelas, pode dizer-se o que se quiser, pode desmentir-se até à exaustão, mas fica implicitamente reconhecido o princípio do fim das presidências rotativas.
Na reponderação de votos no Conselho, Portugal só reponderou mais do que quatro pequenos países, entre os quais o Luxemburgo, a Irlanda e a Dinamarca. Todos os outros ponderaram mais ou, pelo menos, tanto quanto Portugal, isto é, Portugal perdeu peso no Conselho.
Também é certo, também é incontornável, que, ao lançar e ao deixar atribuir à maioria qualificada uma série de decisões, Portugal deixa de poder bloquear decisões que tenham que ver com os interesses estratégicos do País.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Ministro, estamos perante alterações de fundo muito importantes. Digam o que disserem, chamem-lhes minimalistas, por razões tácticas ou estratégicas, estas são alterações de peso, a nível institucional.
Não lhe parece, Sr. Ministro, que também era obrigação do Governo - de todos, mas, sobretudo, do Governo, que nos apresenta esta proposta - ter lançado, a nível nacional, uma discussão muito alargada à sociedade civil, uma discussão que não se restringisse a seminários tecnocráticos, por sua vez, restritos a elites mais ou menos bem formadas e repetindo, seminário a seminário, a presença das mesmas, isto é, sendo sempre as mesmas? Não lhe parece que estas alterações institucionais justificariam um outro empenho do Governo, concretamente um debate nacional que, de facto, não existiu e que a importância das alterações plenamente justificaria?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Honório Novo, agradeço a sua pergunta, feita, aliás, no contexto de um debate sobre a Europa.
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que o Governo não extrai as suas conclusões sobre o resultado do Tratado de Nice. Não é exacto que se tenha admitido um princípio segundo o qual haja Estados-membros que venham a ser, no futuro, excluídos da Comissão; o que houve foi a compatibilização entre a necessidade de, perante o alargamento, dotar todos os países de um comissário, reduzindo os países que tinham dois comissários. Há, aí, portanto, um abrandamento dessa posição, que também deve ser valorizado, porque se gera um efeito de compensação a favor dos países que, até aqui, só tinham um comissário. Em segundo lugar, há uma questão de eficácia da própria Comissão, a partir de um determinado número de membros, tendo ficado estabelecido que, quando se ultrapassar os 27 membros, haverá um número de comissários menor do que o número de países, mas num sistema de absoluta rotatividade e de igualdade de acesso por parte de todos os Estados-membros. Portanto, há um verdadeiro equilíbrio. O modelo, quer na sua fase intermédia, quer na sua fase final, em termos de composição da Comissão, valoriza muito mais a unidade comissário/país do que a situação actual, em que há um grupo de países que tem dois Comissários. Assim sendo, a leitura a fazer é absolutamente ao contrário da sua.
Em relação às presidências rotativas, o facto de se ter disposto algo sobre a necessidade de certo tipo de Conselhos Europeus se realizarem em Bruxelas não equivale, em nada, à abolição das presidências rotativas, que se mantêm. As presidências rotativas é uma coisa distinta…

O Sr. Honório Novo (PCP): - É o chamado «gato escondido com rabo de fora»!

O Orador: - Não, Sr. Deputado, é uma coisa distinta. Aliás, o Sr. Deputado sabe isso perfeitamente, porque é uma pessoa inteligente. Uma coisa é o local de realização de uma reunião e outra é a realização rotativa da sucessão das presidências, que se mantém - as presidências rotativas mantêm-se. Portanto, não foi abolido o princípio da rotação das presidências.
A nossa reponderação de votos no Conselho não põe em causa a defesa dos nossos interesses, nem a passagem a votação por maioria qualificada de um conjunto de assuntos. Aliás, nós admitíamos poder passar um grupo maior de assuntos à votação por maioria qualificada, porque consideramos que, no contexto de composição da União actual, a majoração da nossa influência e da nossa capacidade negocial é muito maior quando está em causa uma decisão por maioria qualificada do que quando está em causa uma decisão por unanimidade - essa é a experiência da nossa participação na União Europeia, desde que ingressámos, em 1 de Janeiro de 1986.
Quanto à sua última questão, sobre a necessidade de um debate alargado, essa é uma pergunta recorrente. Penso que se lhe responder apelando para a sua própria avaliação do problema,…

O Sr. Presidente: - Terminou o tempo de que dispunha, Sr. Ministro - e já há um bom bocado.

O Sr. Honório Novo (PCP): - A resposta é «não», não é, Sr. Ministro?

Página 557

0557 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

O Orador: - … ganhará mais um argumento para dizer que o Governo não quer fazer qualquer espécie de debate. Dou-lhe esse argumento, Sr. Deputado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavras o Sr. Deputado José Barros Moura.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos a discutir um tratado difícil, obtido após negociações sobre uma agenda limitada, restrita a questões de redistribuição de poder dos Estados-membros nas instituições da União. O Tratado não suscitou apreciações entusiásticas de ninguém e, por vezes, os criticismos de sinal contrário (tanto «eurocépticos» como «federalistas») pareceram unir-se para o combater e deslegitimar politicamente. Esse facto não retira, porém, os méritos fundamentais de um texto, que regista o compromisso possível sobre as complexas questões de poder em debate, sem alterar as características fundamentais do acervo comunitário e da própria União Europeia como união de povos e de Estados. A complexidade do exercício resulta precisamente dessa natureza mista, que faz a originalidade e a força da União e por cuja continuidade vale a pena combater.
Um tratado que não altera sensivelmente, considerada no seu cômputo global, a posição relativa de Portugal, que, numa União Europeia alargada, passará a ter de construir novas alianças e convergências, nomeadamente com os países hoje candidatos, e que, tal como hoje, não poderá distanciar-se, antes terá de aproximar-se, do núcleo central dos países que, pelo seu nível de desenvolvimento, tenderão a comandar o ritmo da integração.
Para além das melhorias sectoriais, temos razões sérias para ratificar o Tratado de Nice que, desde logo, abre caminho ao alargamento, superando os obstáculos de carácter institucional antes existentes.
É do interesse comum dos cidadãos europeus, empenhados na criação de condições que garantam uma União de paz, democracia, prosperidade e coesão, que o alargamento se concretize o mais rapidamente possível, depois de cumpridos os requisitos previstos nos tratados e no acervo comunitário. Neste sentido, é muito importante que tenha desaparecido o argumento, poderoso, segundo o qual a adesão de novos Estados, a manterem-se as regras anteriores, não apenas comprometeria a ambição do projecto europeu e a eficácia dos processos de decisão, como ainda lesaria gravemente a influência decisória de certos Estados-membros de maior dimensão demográfica, que já vinham a perder poder relativo de voto em consequência dos sucessivos alargamentos. Era, assim, fundamental conjugar a eficácia da decisão com a sua legitimidade democrática. Por isto, é justamente referido que o Tratado de Nice resolveu o obstáculo institucional ao alargamento.
O Tratado, além disso, permite vencer o impasse institucional que se verificava praticamente desde o Tratado de Maastricht e que Amsterdão simplesmente adiara.
As soluções encontradas vão no sentido de conferir maior poder de voto, ou de bloqueio, no Conselho, aos Estados mais populosos, bem como de manter uma relação tendendo para a proporcionalidade entre a população e os eleitos para o Parlamento Europeu, embora sem prejuízo de uma sobrerepresentação dos Estados mais pequenos.
Trata-se de uma solução que favorece a integração política num espaço supranacional, na via da aplicação do princípio democrático «um homem, um voto», de acordo com a natureza da União Europeia como união de povos. Mas esta fórmula de distribuição de votos coexiste com a manutenção do princípio da igualdade entre os Estados-membros num conjunto importante de domínios, a começar pelas regras sobre a própria revisão dos tratados e incluindo a manutenção da exigência de unanimidade para decisões mais importantes, nomeadamente as de carácter «constitucional» ou «para-constitucional». A natureza mista da União Europeia como união de povos e de Estados exige a manutenção e, em algum momento, a consagração de formas de representação paritária dos Estados, que assegurem a defesa dos seus interesses fundamentais e da sua própria identidade.
Neste âmbito, poderia inserir-se a recente sugestão pública do Sr. Presidente da República de uma «segunda Câmara», também se falando de um «Congresso», representando paritariamente os parlamentos nacionais. Idêntico sentido poderia ter a consagração da regra «um Estado, um voto», nas decisões de carácter legislativo a tomar por maioria no Conselho, já que estas decisões são tomadas no quadro da co-decisão com o Parlamento Europeu cuja composição já é determinada em função da população dos Estados-membros.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - De não descurar as reformas do Tratado na estrutura e competências do Tribunal de Justiça, do Tribunal de Primeira Instância, do Tribunal de Contas, no Comité Económico e Social, no Comité das Regiões, no artigo 7.º, sobre a suspensão da participação nas instituições por força da violação grave de direitos e liberdades fundamentais, na política externa de segurança e de defesa, bem como, apesar de não estarmos satisfeitos com a solução encontrada, a proclamação solene da Carta dos Direitos Fundamentais e outras reformas que, embora ainda insuficientes, constituem um claro sinal no sentido da evolução da União.
O Tratado encerra o debate dilacerante sobre a distribuição de poder de voto e de decisão entre os Estados-membros.
O Tratado de Nice, sem lesar significativamente as posições relativas de Portugal, consegue uma fórmula equilibrada de redistribuição de poder decisório numa Europa alargada, considerando neste âmbito o cômputo global da reponderação dos votos e o novo sistema de formação de maiorias qualificadas no Conselho, as novas regras sobre a composição do Parlamento Europeu e sobre a composição igualitária da Comissão. A perda contínua de poder decisório dos mais populosos Estados-membros, por força

Página 558

0558 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

da adaptação das regras fundadoras aos sucessivos alargamentos a Estados de pequena e média dimensão, era um problema real, que minava a confiança dos respectivos cidadãos na própria União Europeia e que foi bem resolvido, afastando o espectro do «Directório» que ensombrou e dificultou enormemente toda a negociação. Finalmente, este Tratado resolveu a tensão alargamento/aprofundamento da integração e cooperação, quer através do reforço da Comissão (cuja concretização depende de vontade política e de competência), quer pelo reforço do mecanismo de cooperações reforçadas, criando as condições necessárias à discussão em torno da natureza e finalidades da União Europeia.
O Tratado garante, com o novo regime das cooperações reforçadas, mecanismos contra a paralisia do processo de integração.
O Tratado permite abordar o progresso da União Europeia no interesse comum.
A marcação da Conferência Intergovernamental (CIG) para 2004, com os quatro temas já acordados para a respectiva agenda, os quais poderão ainda ser alargados, corresponde ao reconhecimento de que, só agora, sem o obstáculo das questões institucionais e de repartição de poder nacional, será possível empreender os debates de fundo sobre o método de integração e as finalidades políticas da União Europeia. Este é o valor que o Tratado de Nice assume na evolução global do processo de integração: o de encerramento de um ciclo e de inauguração de um novo ciclo que permita ligar todo o debate institucional às necessidades das políticas concretas a conduzir, no interesse comum, pela União Europeia, de modo a que as respostas à pergunta «quem faz o quê?» (a União Europeia ou os Estados-membros, e como se articulam as instituições da União Europeia) pressuponham respostas à pergunta «o que queremos fazer juntos?» em nome dos nossos interesses comuns, da coesão económica e social, do nosso modelo social e dos direitos e liberdades fundamentais que caracterizam o nosso modelo político.
Sr.as e Srs. Deputados: Esta vontade política de dotar a União Europeia de novas competências suscita, obviamente, a questão da democracia: embora constituída e legitimada por Estados soberanos e democráticos, não podemos dizer que esta formação com poderes de tipo estadual, que a União Europeia já é, esteja apta a recuperar e garantir a democracia que se perde a nível nacional por efeito da própria transferência de soberania para algo que é ainda o «centro político vazio», de que falou, em tempos, John Kenneth Galbraith. Esta é a raiz do famoso, e não negado, défice democrático, que, a meu ver, só poderá ser superado pela concretização de uma vontade política de fazer da União Europeia uma entidade com voz autónoma, peso e influência específicos na cena internacional e efectiva capacidade de regulação democrática da economia e de garantia dos direitos fundamentais, como verdadeiro poder soberano, no respeito do princípio da subsidiariedade. É aqui que se insere a questão do «governo económico», que, apesar dos progressos feitos com o «método de coordenação aberta» lançado pelo Conselho Europeu de Lisboa, continua a faltar, como contraponto político do poder do Banco Central Europeu independente. Mas todos teriam a vontade política de apoiar um tal passo em frente? Ou, como é mais certo, não perderiam a oportunidade para as habituais lamúrias sobre a perda da soberania?
Com a questão da democracia liga-se também a das condições de elaboração e aprovação de tratados como este e a da participação dos cidadãos nas decisões da União Europeia. O referendo, que poderá ter um valor legitimador de transformações qualitativas da participação de Portugal na União Europeia - como foi o caso da adesão e da criação da moeda única -, não é a panaceia para garantir a democracia. O decisivo parece-me ser a criação de uma verdadeira opinião pública, apoiada numa interventiva cidadania, europeias - o que exige o reforço das instituições representativas (como o Parlamento Europeu) e das formas de participação dos cidadãos e dos actores sociais a todos os níveis.
Mas, como a nossa própria experiência no acompanhamento da elaboração e ratificação do Tratado de Nice acabou de demonstrar, apesar do nosso empenhamento comum e das múltiplas iniciativas de informação e auscultação da sociedade, o debate político sobre a União Europeia é difícil e, como também é revelado pelo inquérito do Eurostat, não é nada mobilizador. É preciso conseguir que deixe de ser um debate de especialistas.
É neste quadro que o reforço da intervenção dos parlamentos nacionais no próprio processo de decisão da União Europeia pode ter um efeito importante no combate ao défice democrático, aproximando a opinião e o eleitorado nacional das decisões tomadas em Bruxelas, com o nosso voto, e obrigando a um acompanhamento que permita fazer compreender a todos, eleitores e responsáveis políticos, que, doravante, as questões europeias são cada vez mais verdadeiras questões de política interna. A participação paritária dos parlamentos nacionais no processo de decisão seria, além disso, como já salientei, um importante factor de garantia da igualdade e da identidade dos Estados-membros.
É ainda neste contexto que desejo saudar a decisão de aplicar à próxima revisão do Tratado, marcada para 2004, o método de «Convenção», já experimentado com tanto êxito na elaboração do projecto de Carta dos Direitos Fundamentais, para preparar - numa instância que reunirá representações paritárias dos parlamentos nacionais, que têm o poder final de ratificação, e dos governos, além de uma representação do Parlamento e da Comissão europeus - o projecto de tratado sobre o qual incidirão as negociações da CIG. O método garante democracia, transparência, participação da sociedade e, fundamentalmente, o envolvimento das principais fontes de legitimidade democrática a nível nacional e europeu. Isto é necessário, quando se trata de elaborar a verdadeira constituição material da União Europeia. Podemos adivinhar que esta fórmula democrática vai merecer todas as contestações dos defensores da democracia que a reduzem ao referendo, sem quererem compreender que, hoje, a democracia, ou é também supranacional ou não será!

Página 559

0559 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

Sr. Presidente, Caras e Caros Colegas: Sem lesar as posições e interesses fundamentais do nosso país, o Tratado de Nice apresenta um conjunto de características que justificam plenamente a sua ratificação por Portugal, como Estado interessado no avanço do processo de integração política europeia, agora que vai passar a circular a moeda comum, o euro, e que as circunstâncias da situação internacional pós 11 de Setembro reclamam, mais do que nunca, que a União Europeia tenha voz autónoma, peso e influência na cena internacional e capacidade de defender os valores do seu modelo social, da democracia e do Estado de direito!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Barros Moura, concordo com parte significativa daquela que foi a sua leitura e análise e até fiquei admirado com sua a franqueza quando disse que Nice não lesou significativamente os interesses nacionais, tendo, inclusive, ponderado o grau de lesão que o Tratado possa ter trazido a Portugal. Esse «significativamente» foi significativo.
Sr. Deputado, hoje, somos convocados a um debate sobre a ratificação do Tratado de Nice numa altura em que todo o debate europeu se faz nas questões do pós-Nice. O Tratado de Nice tem, necessariamente, um condicionalismo de um Estado-membro, o irlandês, onde as elites políticas e as forças sociais teoricamente mais representativas (suponho que, na prática, são as mais representativas da Irlanda) eram consensuais acerca do «sim» a Nice, mas o resultado em referendo foi diferente.
Não fazemos coro com aqueles que apontam o dedo acusador no sentido de que o resultado é muito injusto e que não deveria ter sido aquele que foi, mas ponderamos nas razões que levaram a esse resultado. É unanimemente aceite que o que levou a esse resultado foi um profundo alheamento da opinião pública irlandesa traduzido numa abstenção em massa. Isto leva a que não só na Irlanda, mas um pouco por todos os 15 países-membros haja um grande alheamento das populações e das opiniões públicas do processo de construção europeia.
A pergunta que lhe quero colocar é muito directa: para colmatar esse alheamento, não estará na hora de pôr o Parlamento nacional - os Parlamentos nacionais - não a ratificar a posteriori mas a discutir e deliberar num processo de preparação, de forma a que o Governo, quando fosse à CIG, já tivesse «mastigado» as opiniões públicas nacionais e discutido com os partidos que têm assento no Parlamento, sendo depois o resultado da CIG, esse sim, por nós ratificado? Não considera o Sr. Deputado que o papel dos Parlamentos nacionais deve ser anterior e não posterior ao da CIG?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado José Barros Moura.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, começo por agradecer a pergunta, cujos considerandos me permitem recordar que utilizei - e fi-lo deliberadamente, em primeiro lugar, porque concordo com eles e, em segundo lugar, porque, eu próprio, os redigi pelo meu punho - textos e expressões do relatório que aprovámos hoje em Comissão, com o seu voto. Portanto, está seguramente de acordo com esses considerandos, nomeadamente aquele em que se refere que o Tratado implicou, por certo, uma redistribuição do poder de voto, embora, como demonstram os quadros que estão publicados no próprio relatório que o Sr. Deputado aprovou, em termos de ponderação de votos, Portugal tenha perdido algumas décimas da percentagem que tinha anteriormente.
Agora, a verdade é que a distribuição global de poder - considerando aqui, no seu cômputo, a nova ponderação de votos, as novas regras sobre a formação de maiorias qualificadas no Conselho, as regras sobre a composição igualitária da Comissão, as alterações verificadas no Parlamento Europeu, etc. - permite afirmar que os equilíbrios fundamentais de poder antes existentes não foram alterados de uma maneira que lese a posição do nosso país, mas num sentido que não podemos deixar de apoiar se queremos que a União se converta numa verdadeira democracia supranacional, o que, de facto, não podemos considerar que exista, neste momento.
Quanto a outro considerando da questão que me coloca, entendo que não somos nós que vamos ter de resolver o problema criado pelo resultado do referendo na Irlanda e que, de todo o modo, é um referendo que não condiciona a nossa vontade política, como se está hoje a verificar neste debate, que, seguramente, se traduzirá na ratificação do Tratado de Nice pelo órgão que é competente para o fazer.
O Parlamento português interveio, significativamente, no processo de preparação e no processo de ratificação do Tratado. Concordo consigo - não posso concordar mais - que a intervenção dos Parlamentos nacionais, sobre a qual também me manifestei, deveria ser prévia à Conferência Intergovernamental. É por isso mesmo que dou todo o apoio à fórmula de «Convenção» que recentemente os Ministros dos Negócios Estrangeiros decidiram propor, a qual permite a participação paritária dos Parlamentos nacionais na preparação prévia das orientações fundamentais para o tratado que virá a ser negociado na CIG. Também entendo que esse princípio se deve manter para promover e para fazer garantir aquela ideia, que enfatizei muito, de que a União é, e deve continuar a ser, uma união de povos e de Estados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

Página 560

0560 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: Temos todo o prazer em debater com V. Ex.ª o Tratado de Nice, mas deixe-me que lhe diga que não podemos deixar de assinalar e reprovar a ausência do Sr. Primeiro-Ministro. Quando foi da aprovação do Tratado de Maastricht, o primeiro-ministro à data, o Professor Cavaco Silva, esteve presente. Quando se tratou de Amsterdão, o Eng.º Guterres esteve presente. Hoje, prima pela ausência. Sr. Ministro, diria que a tradição já não é o que era, infelizmente.
O Tratado de Nice marca, inequivocamente, o fim de uma época da história da integração europeia, de um ciclo de reformas centradas sobretudo no aprofundamento da integração económica e, porventura, até mesmo da forma como a integração europeia foi encarada, desde a sua matriz original até aos dias de hoje, em resposta às mutações mundiais entretanto ocorridas.
Nessa medida, enquadra-se na linha de desenvolvimento do Acto Único Europeu e, sobretudo, dos Tratados de Maastricht e de Amsterdão. Mas o seu lugar cativo na galeria dos actos fundadores da Europa reside, exclusivamente, na mais-valia política que veio conferir à próxima etapa de desenvolvimento do projecto europeu.
Aliás, não fora este tónus e o Tratado de Nice seria manifestamente insuficiente, perigosamente inconsequente e dramaticamente inconclusivo.
E assim, não obstante a reconhecida dificuldade na obtenção de consensos entre os parceiros europeus - reflexo, afinal, de um modelo de integração esgotado e hoje indiscutivelmente desajustado -, bem como a duvidosa bondade de algumas das soluções consagradas, a verdade é que o Tratado de Nice acabou por constituir (como se pretendia, aliás) o passo indispensável e decisivo para a concretização do desígnio histórico, geopolítico e geoestratégico do próximo alargamento.
Falemos um pouco do alargamento. Com um acolhimento entusiástico e emotivo, logo após a queda do Muro de Berlim, o alargamento às democracias emergentes do Centro e Leste da Europa começou, entretanto, a marcar passo.
De facto, em boa verdade tudo serviu para justificar o perigoso deslizamento dos calendários. Primeiro, foi a realização da União Económica e Monetária introduzida pelo Tratado de Maastricht; depois, a Conferência Intergovernamental de 1996 e a ratificação do Tratado de Amsterdão; por fim, as últimas Perspectivas Financeiras e a Agenda 2000.
E estes sucessivos adiamentos foram responsáveis por uma corrente de desânimo em algumas franjas populacionais dos países candidatos e por um quase insustentável murmúrio de sectores dos meios económicos, sociais e políticos dos jovens regimes democráticos.
Por isso, tornava-se absolutamente urgente que a União desse um sinal claro e inequívoco de que, também ela, estava disposta a fazer as reformas internas necessárias ao desafio que significa um alargamento, que se avizinha, pondo termo a um posicionamento considerado reticente. Um alargamento complexo, de proporções sem precedentes históricos, que, num horizonte de médio e longo prazos, se vai saldar pela quase duplicação do número de parceiros europeus.
Definitivamente, além de esperar dos candidatos o cumprimento progressivo dos critérios de Copenhaga, a União não podia deixar de mostrar o seu próprio empenhamento na realização do desiderato estratégico com que está confrontada neste virar de século, nomeadamente a reforma das suas instituições.
E, assim, lá voltámos à velha questão da reforma das instituições, tornado agora um exercício incontornável e inadiável, atendendo à sua ligação umbilical com as futuras adesões.
Daí que, ao anunciar que a projecção do actual formato institucional europeu não deixaria de configurar um desastre para a Europa, a presidência francesa tenha forçado a reforma.
É certo que, no passado, houve ajustamentos institucionais que encontrámos com o Acto Único Europeu e o Objectivo 1992, com o Tratado de Maastricht, a criação da União Política e a União Económica e Monetária.
No entanto, em ambos os casos, tratou-se fundamentalmente da criação de novas competências, que em nada implicaram o exercício de reponderação do peso político relativo dos parceiros europeus.
Agora, porém, o quadro foi outro: no quadro das novas adesões, era manifesto que a União não poderia viver com meras adaptações «aritméticas», quer ao nível da composição das suas instituições quer no plano da ponderação dos votos. E, ainda que invocando como fundamento os ganhos de mais eficácia e de mais democraticidade, a União mostrou-se essencialmente preocupada - e disso também nos deve preocupar - em constituir e construir o novo xadrez de poder político-institucional no quadro da União alargada.
E, assim, nunca, como em Nice, os parceiros europeus haviam sido confrontados com uma tão real, uma tão indisfarçável luta pela partilha do poder.
Agora, após haver enfrentado significativos desafios políticos para moldar o devir europeu, de terem superado em conjunto tantos obstáculos e experimentado frequentes tensões e rivalidades, os parceiros europeus sentaram-se pela primeira vez à mesa das negociações não para gerarem uma nova visão mobilizadora para a Europa mas, antes, para responderem às necessidade de projecção do poder nacional no quadro da Europa alargada.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - A acção sobre os equilíbrios institucionais laboratorialmente construídos e consolidados ao longo de décadas, responsáveis pelo longo período de paz, estabilidade e prosperidade vivido na Europa, constituiu, por isso, no essencial, o cerne da agenda estratégica da última Conferência Intergovernamental do século. Tratou-se de um exercício em que cada Estado-membro, à luz de uma indiscutível - mas discutível - contabilidade nacional, procurou ver expresso o respectivo saldo dos ganhos e perdas com o alargamento.

Página 561

0561 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

E, nesta medida, o verdadeiro motor da reforma não foi a vontade fidedigna de fazer a reforma mas a absoluta necessidade de promover os ajustamentos que pautassem a futura convivência do conjunto dos Estados-membros.
E, por causa dessa ausência de vontade fidedigna de concretizar a reforma tantas vezes prometida, tantas vezes condenada a agendamentos inconsistentes e a adiamentos previsíveis, o Tratado de Nice acabou por dar corpo a uma reforma das instituições incompleta, redutora e minimalista.
O Tratado não conseguiu impedir - bem pelo contrário - que a União, privada da desejável estabilização do seu sistema institucional, confirmasse na cena europeia a imagem já tradicional de um verdadeiro e permanente «estaleiro» institucional em laboração.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Mas é claro que Nice não representa naturalmente o fim da história.
Todavia, penso que é preciso reconhecer que se agora, num cenário de 15, foi complexa a construção dos equilíbrios inter e intra-institucionais, não é difícil nem ocioso prever que, numa União alargada, porventura, já com um «perfume» de integração política no horizonte, tais consensos sejam ainda mais difíceis de alcançar.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Mas o Tratado de Nice vale também pelo acordo alcançado para realização de uma urgente reflexão e de um debate aprofundado sobre o futuro da União Europeia, que culminará numa nova Conferência Intergovernamental (antecedida desejavelmente por um modelo convenção) em 2004 e numa nova revisão dos Tratados. Conferência de que, mais uma vez, se espera um contributo decisivo para a clarificação do projecto político e do modelo institucional europeus e para a afirmação do papel da União num mundo globalizado.
Do ponto de vista do fortalecimento da cidadania, é este, sem dúvida, o melhor legado que o Tratado deixa aos cidadãos europeus e o melhor contributo para a compreensão e a aceitação do próprio projecto europeu.
E, porque a dimensão política da integração é seguramente o próximo exame europeu, esta pedagogia e os esforços para transmitir aos povos mensagens correctas, susceptíveis de reganhar os seus corações e a sua confiança, são hoje absolutamente vitais.
Por isso, afastada a retórica pós-Maastricht a respeito da abertura e da democracia na União, impõe-se definitivamente assumir que o sucesso da reforma de 2004 dependerá, em primeiro lugar, da mais ampla participação da sociedade civil e do envolvimento e mobilização dos cidadãos europeus no projecto de integração.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - E, se a superação do défice democrático é, assim, um imperativo, 2004 não poderá também passar ao lado do objectivo de simplificação e clarificação dos Tratados, de modo a tornar realmente inteligível o monumento que é a construção legal europeia e, ao mesmo tempo, mais eficiente, mais transparente e mais participada a estrutura institucional da União.
Por outro lado, é chegado o momento de «descobrir» novos modelos de revisão dos Tratados, modelos que, no interesse da Europa, sejam menos intergovernamentais e mais comunitários.
É que, não obstante as conferências intergovernamentais terem tido, ao longo do processo de construção da Europa, uma relevância ímpar sempre que estiveram em causa reformas comunitárias essenciais, a verdade é que, em Nice, esta chama apoucou-se. Por isso, a União não pode mais ignorar que as conferências intergovernamentais estão, perigosamente, a banalizar-se, comprometendo o processo de construção europeia e, bem assim, a imagem e a credibilização da Europa enquanto União.
Modelos que afastem o aparente anátema de uma conferência de dois em dois anos - quase que é uma maldição - para resolver «leftovers» expressos ou tácitos e, antes, contribuam para fortalecer o grau de envolvimento e o compromisso político do projecto europeu junto dos seus cidadãos.
Modelos que saibam dar voz aos Parlamentos nacionais no processo de reforma dos Tratados, privilegiando a articulação entre eleitores e eleitos.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - No presente momento, mais do que nunca, a incerteza e a insegurança pairam no ar e as expectativas não podem mais ser, de novo, goradas.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como o Presidente do PSD, Dr. Durão Barroso, já defendeu neste Parlamento, apesar das críticas, amplamente justificadas, devemos aceitar o Tratado, que nos deixa insatisfeitos - é certo -, mas que, a não ser aprovado, condenaria a Europa a uma situação ainda mais difícil.
Não iludindo nem as fraquezas do Tratado de Nice nem os truques de ilusionismo com que se procurou compensar a fragilidade e, até, a ambiguidade de um leque minimalista de soluções que deixaram adiadas as grandes questões da Europa, a viabilização do alargamento e o debate sobre o futuro da União são razões bastantes para que, responsavelmente, o Partido Social Democrata considere que o Tratado de Nice deve ser ratificado por esta Assembleia.
Mas o facto de irmos votar favoravelmente o Tratado não nos impede, não nos inibe que, de forma construtiva, estejamos atentos ao desenrolar da Conferência Intergovernamental de 2004, avaliemos essa oportunidade que não pode ser desperdiçada e contribuamos para o seu sucesso.
A Europa faz parte do nosso quotidiano. Todavia, à semelhança da generalidade dos europeus, os portugueses também duvidam de um sistema mal compreendido e

Página 562

0562 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

complexo e sentem a União como uma realidade distante e longínqua.
Mas a perifericidade não radica apenas na descontinuidade geográfica e nas assimetrias de desenvolvimento. Hoje, há raciocínio periférico em relação à Europa quando deixamos de esperar que a União saiba aproveitar as oportunidades da globalização, em termos de desenvolvimento económico e humano, e dar resposta a desafios como o ambiente, o desemprego, a segurança alimentar, a criminalidade organizada e os conflitos regionais que afligem as nossas sociedades.
Por isso, neste caminhar para 2004, importa ter consciência de que não se trata nem de uma data fétiche, capaz de fornecer soluções milagreiras, nem do momento para proceder à refundação da Europa.
Mas é legítimo reclamar quer uma vontade política esclarecida, quer uma melhor governação europeia, importando assumir, inequivocamente, que a resultante da actual construção política não pode traduzir-se numa União alargada dirigida por um directório sombra dos grandes países, como o recente Conselho Europeu de Gent nos poder ter deixado com receio.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.

O Sr. Francisco Torres (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo, obviamente, seria de esperar que houvesse consenso por parte do Partido Social Democrata e do CDS-PP para a aprovação, neste Parlamento, do Tratado de Nice.
No entanto, pergunto à Sr.ª Deputada - e aproveito para dar as boas-vindas à ideia de adopção do modelo da convenção como novo método de preparação das conferências intergovernamentais - se não considera que este Tratado não é apenas um mal necessário para prosseguir com o alargamento, tarefa tantas vezes adiada, como bem disse, e se não vê algo de novo no que diz respeito ao envolvimento dos Parlamentos nacionais. Isto é, este será talvez o tratado em que, pela última vez, é adoptado o modelo antigo.
O que faz sentido nesta era de globalização é que os Parlamentos nacionais interajam como um todo, em conjunto, na elaboração do futuro da própria União.
Assim, se possível, gostava que elaborasse um pouco mais no sentido de nos dizer qual a posição do seu grupo parlamentar sobre a nova conferência intergovernamental, não só quanto ao método mas quanto ao envolvimento em conjunto dos Parlamentos, e, ainda, sobre qual será o papel destes nessa conferência intergovernamental.
Há dois tópicos simples: um, relativamente à Carta, outro, à simplificação dos tratados, mas a divisão de competências entre, por um lado, os Estados-membros e a União e, por outro, o papel futuro dos Parlamentos nacionais é fulcral para o desenvolvimento e a evolução da própria União Europeia.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Estamos a discutir Nice ou a CIG 2004?!

O Orador: - Hoje mesmo, durante uma conferência que decorreu numa fundação, alguém falava de «governação sem governos». E julgo que, das intervenções que aí foram proferidas, pode concluir-se que se poderia tornar mais democrática a governação global se os governos tivessem um papel activo na democratização dessa governação.
Ora, mais do que o papel dos governos, que é essencial nessa democratização, há também um papel para os representantes dos cidadãos, não só as ONG e os movimentos de cidadãos mas os Parlamentos nacionais.
Era, pois, sobre isto que gostaria de ouvir a Sr.ª Deputada, se considerar que tem algo mais a dizer sobre a matéria.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Torres, até lhe agradeço a oportunidade que me dá de reiterar convicções, que já são reconhecidas e são profundas, não só do meu partido como de mim própria.
Antes de mais, permita-me que faça uma rectificação. É que quando falei sobre o adiamento sistemático, não me referia a outra coisa que não fosse ao adiamento da reforma das instituições. Já sabemos que esta é a tal questão permanentemente agendada e permanentemente adiada, precisamente porque politicamente muito sensível. Agora, foi feita alguma, pouca, reforma, precisamente porque o alargamento assim o exigia, em termos daquele afã de realizar a reforma, a tal que continuo a classificar como minimalista.
Quanto ao método da convenção, Sr. Deputado, penso que estamos falados se disser que participei na convenção que elaborou a Carta, com muito gosto, muito empenho e, no final, com muita satisfação.
Não vou dizer que, por uma questão de proselitismo, tenho defendido o modelo da convenção a anteceder a próxima conferência intergovernamental e, agora, a próxima reforma dos tratados, mas penso que há que dar à convenção um espaço no ranking das formas de reforma dos tratados, porque a convenção que elaborou a Carta já mostrou a sua valia. Portanto, não posso dizer outra coisa se não, efectivamente, que o modelo da convenção tem de ter o seu espaço, pois aquela em que participei já mostrou que conseguiu cumprir o calendário, etc.
Já agora, deixe-me dizer-lhe, a si e à Câmara, que, no que respeita ao grupo parlamentar em que o meu partido está inserido em termos europeus, o PPE, maior partido ao nível europeu, o Dr. Durão Barroso tem feito toda a pressão para que o modelo da convenção seja uma realidade. Portanto, o esforço que fazemos nesta sede tem já claramente um apoio, uma «almofada», se quiser, junto do próprio PPE.

Página 563

0563 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

Quanto aos Parlamentos nacionais, não resta a mais pequena dúvida, até pelos debates em que temos participado, de que a nossa posição é claramente a favor de uma maior participação dos Parlamentos nacionais, para lá do patamar, em que hoje nos encontramos, de ratificação os tratados. Digamos que queremos ser participativos logo no momento da elaboração dos próximos textos europeus e não propriamente ratificá-los.
Como disse alguém, uma professora universitária que foi ouvida nesta Casa durante uma audição parlamentar extremamente útil, hoje em dia, a posição dos Parlamentos nacionais, sem menosprezo para a instituição, é a de «comer o que é apresentado». Ora, nós não queremos apenas «comer o que é apresentado», queremos contribuir nós próprios para a «feitura do pitéu», porque, agora, com a nossa participação activa, o «pitéu» passará a ser muito melhor.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: A ratificação do Tratado de Nice pelo Parlamento nacional, hoje, não pode deixar de constituir mais um exemplo emblemático da forma como, não raras vezes, se tem processado a construção europeia.
Estas críticas à forma, ao método e ao processo são feitas por um partido que, tendo, desde a primeira hora, apoiado a adesão de Portugal à CEE, não raras vezes, durante todo o processo de construção europeia, criticou erros, falta de legitimidade, prejuízos decorrentes do método e das soluções adoptadas, bem como nunca entendeu que a via federalista seja a melhor forma de nos defender enquanto nação soberana, antiga e independente.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Somos hoje convocados para uma ratificação, meses depois de a Irlanda, em consulta popular, ter dito «não» a este mesmo Tratado.
Não juntamos, porém, as nossas vozes à daqueles que se sentem com legitimidade para criticar decisões soberanas de países independentes e que têm, para nós, toda a legitimidade para, em momento diferente, fazer uma leitura diversa daquela que é feita por nós, enquanto portugueses.
É, para nós, inaceitável a «política do ralhete» como se, apenas porque se tem um entendimento diferente, um país pudesse ser julgado ou prejudicado por tal suceder.
Ao invés de criar um fantasma chamado Irlanda, talvez fosse melhor meditar, ponderar e reflectir sobre as motivações que levaram o povo irlandês a exprimir-se pelo «não».
Não é verdade que as principais elites políticas irlandesas também defendiam o «sim»? Não é verdade que as sondagens também davam a vitória ao «sim», na Irlanda?
Mas a forte abstenção, o forte alheamento da opinião pública, fez com que o resultado do referendo fosse outro, e bem diferente.
Será que esse alheamento das opiniões públicas nacionais face às questões europeias é apenas uma característica irlandesa ou todos os 15 Países-membros padecem desse mesmo problema?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não deixa de ser caricato que a ratificação do Tratado de Nice seja por nós discutida numa altura em que toda a utilidade do debate sobre a questão europeia se coloca no debate do pós-Nice.
Estamos, portanto, hoje, aqui, e uma vez mais, a discutir o que interessa menos, o que já não está na ordem do dia, o que releva com menor importância, em jeito de cumprir mais uma formalidade burocrática no processo de construção europeia.
Nice trouxe, efectivamente, alguns elementos positivos, constituiu um travão aos federalistas, tendo deixado aqueles que pretendiam avançar mais rapidamente para a integração política desgostosos com o seu resultado.

Risos do Deputado do PCP Honório Novo.

E apesar dos sorrisos do meu amigo Deputado Honório Novo, ele sabe que é bem assim, face às declarações do Dr. Mário Soares, do Dr. António José Seguro, etc.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Você «engole» cada «sapo»!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Num binómio integração/alargamento, numa escolha entre estas duas prioridades, Nice escolheu, e bem, optou, e bem, pelo alargamento.
É este um aspecto positivo do Tratado de Nice sobre o qual nos cumpre reflectir: se foi o Ocidente que derrubou o Muro e libertou os países da Europa de Leste de regimes opressores, totalitários, e que conduziram esses países à pobreza e à miséria, tem esse mesmo Ocidente a obrigação moral, o imperativo ético de os ajudar na retoma económica, no caminho da prosperidade económico-social, para fazermos da Europa esse espaço único de paz e de solidariedade.
O alargamento, mais do que justificável, é necessário, e condenar os países candidatos ao isolacionismo pode ser condenarmo-nos a nós mesmos a um conjunto de riscos e perigos que negam a essência da União Europeia.
Mas o CDS-PP não pode deixar de aproveitar este debate para colocar questões que estão na ordem do dia e que são apenas parte da agenda do pós-Nice, que constituem, hoje, o âmago do debate europeu.
Não se pode continuar com um processo de elites e para as elites. O antigo ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Claude Cheysson, admitiu que nunca teria conseguido qualquer apoio popular para ir tão longe. Se é certo que o ex-ministro tem razão, é ainda mais certo que é errado governar contra os povos ou apesar dos povos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É cada vez mais claro que teria feito todo o sentido e que teria sido de extrema

Página 564

0564 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

utilidade o referendo ao Tratado de Maastricht. A sua não realização foi um erro que, hoje, todos pagamos - os euro-cépticos, os euro-cautelosos, os euro-críticos, os euro-entusiastas ou, simplesmente, os euro-tolos.
O processo de decisão em Bruxelas ainda é uma «caixa negra» imperceptível para o público em geral e a distribuição de ministros e Deputados nacionais, bem como dos seus votos pelo Conselho, não é isenta de críticas.
O CDS-PP deixa desde já um repto para que um futuro tratado seja discutido com outra linha de orientação. Palavras como abertura, transparência, descentralização, envolvimento democrático, são usadas sistematicamente na razão inversa da sua aplicação.
O próximo tratado não deve, nem pode, chegar como uma surpresa para os povos. O seu processo de deliberação deve começar no público, ser conduzido, numa primeira fase, nos Parlamentos nacionais para, em seguida, a conferência intergovernamental poder dizer-se representativa, motivada e legitimada. O resultado desta CIG seria, depois, reenviado para uma primeira leitura nos Parlamentos nacionais, antes de voltar a ser concluído ao nível da CIG.
Este resultado final seria apresentado a referendo quando as Constituições nacionais o entendessem e, assim, poderia dizer-se que a assinatura final e a ratificação seriam inteiramente sérias, transparentes, democráticas e legítimas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O futuro da União Europeia não tem de passar, não deve passar, por uma constitucionalização federal europeia. A via da constitucionalização federal europeia não respeita ninguém e serve apenas o interesse dos mais fortes. Pelo contrário, um tratado internacional que respeite as democracias parlamentares e a soberania nacional dos Estados-membros será um tratado com que todos nos sentimos bem e onde nos podemos rever, fazendo da Europa um processo mobilizador em vez de um instrumento de querelas institucionais, nacionais ou, não raramente, partidárias.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, não posso terminar sem deixar de reflectir uma questão controversa mas que não é, para o meu partido, uma questão menor: a ponderação de votos no Conselho, o processo legislativo, o funcionamento e composição da Comissão e a representatividade do Parlamento Europeu, não reflectem a igualdade jurídica dos Estados.
Ora, para nós, CDS-PP, a igualdade jurídica dos Estados é um ponto de partida, uma base inegociável, uma garantia inalienável, que poderia, e deveria, ser resolvida com a criação de uma segunda câmara, uma câmara que, chamando-se «Senado das Nações», «Congresso», ou outra qualquer designação, trate todos os países de igual forma e garanta, por essa via, a sua igualdade jurídica.
Este «Senado das Nações» pode não agradar aos mais fortes, aos mais ricos, pode até não agradar aos nossos colegas do Parlamento Europeu, mas as motivações e objectivos dessas críticas deviam, para nós, Nação antiga, pequena, mas soberana, ser bastantes para fazermos dela uma intransigente defesa.
Algumas vozes, entre nós, já fizeram a sua defesa, personalidades insuspeitas oriundas dos mais diversos quadrantes políticos, mas é bom dizer que, na construção europeia, Portugal foi sempre um reboque, nunca foi uma locomotiva.
Para terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostaria ainda de dizer que o CDS-Partido Popular votará favoravelmente a ratificação de um Tratado que já não é hoje o assunto em discussão no debate europeu mas adverte que o Parlamento nacional tem de ser recolocado na sua função primeira, passando a ser, com a sua legitimidade própria, co-autor da construção europeia.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, temos um debate com um resultado anunciado e, no entanto, talvez, para surpresa só de alguns, é um debate gélido. Triste destino o dessa votação maioritária de amanhã, que só tem como argumentação as fraquezas, as fragilidades, as insuficiências e o carácter incompleto deste Tratado tão pouco importante, na palavra dos seus defensores.
Disse a Sr.ª Deputada do PSD que ele é redutor e minimalista e critica, justamente, o directório que emerge nas regras de decisão. Disse o Sr. Deputado José Barros Moura que ele não prejudica significativamente a política nacional. Disse o Sr. Deputado Francisco Torres que ele foi um «mal necessário».
É claro que o Sr. Ministro, com aquela elegância fina de um diplomata, não diz assim, diz que ele é uma «etapa necessária». E, na verdade, temos de perguntar-nos se ele é realmente uma etapa, ou a etapa necessária.
Rapidamente, todos os defensores deste Tratado argumentam que o fundamental é a nova Conferência Intergovernamental, que ela já vem aí em 2004, presumidas as fragilidades deste diploma que vamos submeter à votação. Numa palavra, argumenta-se que é este carácter incompleto, inconclusivo, aproximativo, tão redutor, a razão pela qual devemos «deixar andar» este Tratado.
Aliás, todos os argumentos foram a favor de que o rejeitássemos, todos os argumentos foram a favor de que, no debate parlamentar, no debate nacional e no debate europeu, procurássemos contribuir com o peso da nossa argumentação, das nossas propostas, para uma outra política diversa desta que é aprovada.
Nesta data, três países aprovaram o Tratado e só a Dinamarca entregou os instrumentos de ratificação. É curioso, porém, que a data deste debate tenha sido fixada de tal forma que fosse impedido ao Parlamento o debate formal e a capacidade de decisão sobre a outra via alternativa que a Constituição prevê para escolher sobre matérias desta índole, que é o referendo.
É por isso que o Bloco de Esquerda apela ao Presidente da República para que não ratifique este Tratado até que o Parlamento possa deliberar sobre o mérito ou o demérito da via referendária.

Página 565

0565 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

A Cimeira de Nice, no entanto, que foi aqui citada e tratada por várias intervenções, tem duas facetas que importa considerar. Em primeiro lugar, uma que ainda não foi discutida. Na Cimeira de Nice discutiu-se um passo significativo, importante, numa política de defesa; porém, foram tomadas decisões sobre a política de defesa sem que haja uma política externa explicitada, e uma política de defesa sem política externa quer dizer uma política que não quer dizer o seu nome.
Assim, a União Europeia escolheu, consolidou e tem vindo a aceitar ser um pilar europeu da NATO nas suas escolhas de política de defesa. Ora, essa discussão é incontornável e indispensável. Mas a razão da nossa oposição ao Tratado que está aqui a ser discutido é que altera o Tratado da União Europeia, de grande relevância, altera o Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, como altera as regras de decisão, altera as regras de formação da maioria qualificada, altera a repartição de lugares, aliás, com prejuízo da representação portuguesa.
Em todas essas matérias, aquilo que escolhe este Tratado é confirmativo do caminho anterior, de Maastricht e de Amesterdão, e vai ainda acrescentar, a curto e médio prazo, regras de decisão que reforçam a concentração da capacidade política no directório dos grandes países.
Assim, é por isso que, defendendo nós a regra democrática, sublinhamos que os passos em frente foram todos dados ao arrepio da consolidação democrática da União Europeia. Não vigora o princípio de uma pessoa, um voto, porque não há, naturalmente, uma constituição ou um super Estado europeu; não há nenhuma fundamentação democrática, tecnocrática ou burocrática para este tipo de organização de poder. Há simplesmente a concentração de poderes num banco central europeu, numa comissão, num conselho, que vai organizando a repartição dos poderes em torno daqueles que são, hoje, os poderes fácticos em termos económicos, em termos políticos e em termos militares.
Assim, podemos perguntar se a escolha europeísta coerente, se uma política europeísta coerente, é simplesmente aceitar como o menor dos males ou como uma etapa necessária, para citar o Sr. Ministro, aquilo que nos é dado por esta relação de forças. E a nossa resposta é não!
Há algum tempo, Vilaverde Cabral escreveu que Portugal está hoje para a União Europeia como a Madeira está para Portugal, como uma parentela querida, mas com um ou outro sobrinho vagamente excêntrico, todos com grande necessidade de financiamento e com pouco peso nas decisões da família. É esta a situação! Aceitá-la porque nos é imposta pela relação política uma determinada decisão, sabendo e argumentando que ela é má como razão para a aprovar, é abdicar do europeísmo, é abdicar de uma resposta aos problemas da Europa.
Assim, é por isso que um referendo é um caminho para o debate nacional, e nestas condições Portugal tem todas as possibilidades de fazer um debate referendário sereno, de escolha ponderada, sem qualquer característica plebiscitária, antes pelo contrário, valorizando a força da democracia, que é a força do conhecimento, a força da escolha entre alternativas e a escolha do debate franco entre essas alternativas. A Europa precisa dessa escolha e Portugal pode contribuir para ela, se assim quisermos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Sr.as e Srs. Deputados: Ao contrário do que aqui foi expresso e das ideias que se pretendem fazer passar por verdadeiras, o Tratado de Nice nem vai permitir acelerar o processo de alargamento da União Europeia nem veio criar melhores condições institucionais para facilitar os processos de decisão numa União alargada a 27, ou mais, países.
Esses foram os argumentos, melhor dito, esses foram e continuam a ser - ainda hoje se viu - meros pretextos que se procuraram, e procuram, usar para ocultar a realidade. Porém, a realidade, com a aprovação do Tratado de Nice, é bem diferente.
Em primeiro lugar, o processo decisório vai passar a depender de um número ainda mais restrito de países, que, em si, vão concentrar, ainda mais, a capacidade determinante e quase exclusiva, de impor e/ou impedir decisões comunitárias.
Em segundo lugar e ao contrário do que insistentemente é repetido para ver se se transforma em verdade incontroversa, o processo de tomada de decisão ficou mais complexo, será ainda mais difícil do que é actualmente, como, aliás, hoje já é reconhecido por todos os pareceres jurídico-constitucionais, repito, por todos os pareceres jurídico-constitucionais, que a Assembleia colheu.
A revisão do Tratado concluída em Nice não foi assim feita para facilitar a vida e/ou o acesso aos países candidatos. Pelo contrário, a revisão do Tratado foi feita para assegurar, antes de concretizado esse alargamento - o qual, aliás, só depende da vontade dos candidatos e de negociações de natureza económica e social, que, essas sim, interessaria conhecer melhor e mutuamente avaliar -, desde já, a férrea manutenção da capacidade de influência num grupo ainda mais restrito de países.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Nice não só não acrescentou apenas mais poder a quem já detinha o poder essencial; Nice não se limitou a remeter Portugal para a periferia e para a subalternidade irrelevante do processo de tomada das decisões que interessam aos países do chamado núcleo duro que domina a União Europeia; Nice foi mais longe nas alterações fundacionais que alienam e/ou podem alienar a influência nacional e a natureza intergovernamental da integração europeia; Nice até parece ter garantido a manutenção do princípio de um comissário por Estado-membro, dando assim, aparentemente, resposta aos interesses de todos os países para quem deveria ser essencial o facto de poderem co-participar no órgão comunitário em que repousa o essencial da iniciativa legislativa. Só que tal princípio, repito, tal princípio só se irá manter até que a União tenha 27 membros; a

Página 566

0566 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

partir daí, o princípio, afinal, deixará de ser princípio, a partir daí, afinal, nada garante que Portugal possa continuar, então, a manter o direito a indicar um membro para o Colégio de Comissários.
Mas em matéria de princípios, melhor, em matéria de sede de abandono de princípios, há mais, e, porventura, menos mediatizados. É que a partir de Nice a sede dos Conselhos Europeus passa a estar situada em Bruxelas, isto é, cada presidência da União já não vai poder organizar semestralmente as reuniões dos Conselhos Europeus no seu próprio país, todas elas vão passar a realizar-se em Bruxelas.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Não são todas! É uma por presidência!

O Orador: - Esta alteração, aparentemente sem grande significado, é, por mais que desmintam, por mais que tentem disfarçar, Srs. Deputados, a génese e o embrião da futura eliminação do princípio da presidência rotativa da União Europeia. Srs. Deputados, digam o que disserem, peço o favor de não desmentirem, porque «o gato está escondido com o rabo de fora».
Finalmente, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a partir de Nice quer permitir-se que grupos minoritários de países possam criar políticas próprias em nome da União, ainda por cima com regras definidas por eles próprios.
Isto é, com Nice pretendem criar-se directórios de países que, agindo em nome da União, tanto podem dar corpo à componente militarista, à componente securitária, cuja obsessão é patente nos últimos anos e, particularmente, nos últimos meses, como podem gizar «clubes de interesses» para onde, mesmo que queiram, repito, mesmo que queiram, não conseguirão entrar a maioria dos restantes Estados-membros.
Com Nice, e ainda por cima na sequência de uma triste e algo infeliz iniciativa da presidência portuguesa, pretende institucionalizar-se a «Europa a várias velocidades», com Nice pretende destruir-se os princípios fundacionais da unidade e da coesão interna da União Europeia.
Mesmo a propósito, e como exemplo, para alguns já nem é necessário esperar pela ratificação do Tratado; para alguns nem sequer é preciso que sejam oito os países a colocar-se de acordo para agir em nome da União Europeia. Basta ver o que aconteceu no recente Conselho Europeu de Gent, na Bélgica, quando a Alemanha, a Inglaterra e a França decidiram pré-reunir-se à margem desse Conselho. Nem as encenações tipo «virgem ofendida» de alguns dos restantes países conseguiram fazer esquecer que a génese, a base para que aqueles três Estados-membros pudessem ter agido desta forma inacreditável radica, tão-só, tão-simplesmente, já na aceitação do princípio da institucionalização das cooperações reforçadas decidida em Nice.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Assembleia da República prepara-se para ratificar as alterações ao Tratado da União Europeia acordadas em Nice, em Dezembro do ano 2000; a Assembleia da República prepara-se hoje para ratificar Nice, de costas voltadas para os portugueses.
O debate nacional que aqui exigimos e reclamámos em Dezembro de 2000, e cuja necessidade reafirmámos em Julho, não ocorreu.
Portugal e a esmagadora maioria dos portugueses desconhecem o conteúdo do que hoje aqui vamos votar, desconhecem as alterações, não fazem a mais pequena ideia das consequências dessas alterações, nem lhes passa pela cabeça que o Governo português tenha aceitado que o País seja remetido para a quase insignificância no processo decisório da União Europeia, que Portugal possa perder poder, alienar soberania e aceitar deixar de bloquear decisões que interfiram com interesses essenciais do País.
O debate nacional não ocorreu, de facto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A motivação e o apelo à participação e à discussão nada tem a ver com o espartilho daqueles (poucos e quase sempre os mesmos) que institucionalmente têm capacidade para intervir.
Caso houvesse vontade política, ainda havia tempo para esse debate. É que as alterações ao Tratado de Nice poderiam ser ratificadas até ao final do próximo ano. Até lá, caso houvesse vontade política, era bem possível lançar esse grande debate nacional e, no seu encerramento, promover formas de apurar a vontade dos portugueses, designadamente através da realização de um referendo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Referendo que a Irlanda fez e cujos resultados negativos porventura estarão a assustar as mentes do pensamento único; referendo que a Irlanda fez e que, em Portugal, também poderia vir a encerrar um verdadeiro debate, mesmo que, espantosamente, alguns ousem hoje dizer que Nice é irreferendável. Referendo que, aliás, o bloco central rejeitou ainda recentemente, ao inviabilizar a proposta do PCP de incluir a consulta popular a tratados em sede de revisão constitucional.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP recusa este processo, tal como recusa o conteúdo das alterações ao Tratado de Nice. O PCP denuncia a insistência nos métodos palacianos de ratificação de tratados cuja importância é decisiva para o País, tal como denuncia a aceitação das novas orientações, das novas imposições que remetem Portugal para um papel quase decorativo no processo comunitário.
O PCP vai votar contra a ratificação das alterações introduzidas em Nice ao Tratado da União Europeia convicto de que elas prejudicam Portugal e os portugueses.

Aplausos do PCP

Página 567

0567 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Eis-nos de novo reunidos neste Parlamento para nos pronunciarmos sobre o Tratado de Nice e proceder à sua ratificação. E se é óbvio que esta é, uma vez mais, uma ratificação que irá ocorrer sem surpresas, também é certo que, não obstante o reconhecimento cíclico e aparentemente (a julgar pelas palavras) consensual sobre a existência de um grave problema de défice democrático no processo de construção europeia, ela vai fazer-se sem que tenha havido um grande debate nacional e sem que os portugueses tenham podido pronunciar-se sobre as escolhas que decorrem deste documento.
Uma decisão que irá ser tomada, afinal, como o foram tantas outras anteriormente, sem um debate fora dos círculos fechados, sem uma reflexão dos portugueses sobre a Europa, sobre o seu futuro e o modo como as diferentes escolhas que se estão a fazer influenciam de forma cada vez mais determinante e variada o futuro do continente europeu e do nosso próprio país.
Esta ausência de discussão e de escolhas não é inédita, mas foi agora justificada, designadamente pelo Partido Socialista e pelo Governo, pela aparente pouca relevância das mudanças operadas no Tratado que dispensaria análise e consulta dos cidadãos. Porém, foi esse mesmo o argumento utilizado no passado para inviabilizar uma consulta, quando se afirmou que o peso excessivo e a demasiada complexidade das matérias em causa não favoreciam a compreensão pública do que estava em debate, daí não favorecerem a auscultação dos cidadãos.
Esta ratificação não é, embora se pretenda fazer crer o contrário, uma decisão meramente técnica ou sobre modificações de forma mas, sim, uma decisão que confronta escolhas e, sobretudo, valores pelos quais, enquanto europeus, nos queremos orientar. Em causa estão, pois, opções de carácter político e económico, mas também estão subjacentes - é bom sublinhar -princípios e valores de outra ordem, de identidade, de autonomia, de solidariedade, de projecto de desenvolvimento, de participação democrática, de concepção de futuro.
Uma discussão assim, que não é um linear «sim» ou «não» em relação a um aspecto, envolve uma decisão mais profunda que não nos foi dado fazer. Julgo que é importante assinalar este aspecto quando outros Estados, designadamente a Irlanda, puderam tomar posição sobre o Tratado, através de um referendo cujo inesperado «não» deu origem a comentários que não deixam de ser preocupantes quanto à forma algo negativa como a União e os decisores políticos convivem mal com a diferença, com aqueles que se questionam sobre o sentido das mudanças e com os que manifestam a vontade de discutir o seu futuro. Um futuro que ficou adiado num Tratado que, fundamentalmente, foi concebido e pensado para o alargamento: não tanto para garantir os direitos daqueles que vão aderir à União Europeia mas para sinalizar o sentido limitativo da participação que os espera.
Trata-se, pois, de um Tratado cujas reformas incidiram, fundamentalmente, sobre a estrutura da Comissão, a composição do Conselho e a ponderação de voto dentro dele, o alargamento de áreas de competência, a representação proporcional, a reformulação das regras e alargamento de aspectos relativos ao desencadeamento da cooperação reforçada.
Em suma, um Tratado que visou redistribuir poder e, sobretudo através das cooperações reforçadas, acentuou de modo extremamente preocupante - é essa a avaliação que fazemos - uma tendência evolutiva no sentido da criação de um núcleo duro de países mais poderosos; um tratado que reforça o peso dos Estados de maior dimensão, que lança de forma sub-reptícia o embrião da possibilidade de um exército europeu; um Tratado que não só admite como institucionaliza, de facto, no processo de construção, as diferentes velocidades, desvirtuando totalmente os princípios matriciais fundadores do projecto europeu; um tratado que (não obstante o optimismo que continua a marcar o discurso do Governo e dos partidos que vão subscrever este Tratado e apoiam a sua ratificação, que sempre foi sinónimo de mal menor, numa linguagem sibilina que esconde ou procura minimizar as grandes críticas a este documento) mantém como traços dominantes, inaceitáveis para Os Verdes, além das desigualdades, toda uma lógica e concepção que favorece tomadas de decisão por órgãos não eleitos, afastando o mais possível a tomada de decisão e o controlo democrático das políticas do espaço parlamentar.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, para terminar, diria que, em nosso entender, este não é um Tratado que favoreça a construção e o aprofundamento do processo europeu. É um Tratado que adia questões fundamentais (como, aliás, sistematicamente, foi recorrente neste debate), ao remeter, uma vez mais, para o futuro, para 2004, o debate do que é essencial.

Vozes de Os Verdes e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Sr.as e Srs. Deputados: A esta hora do debate e a esta distância da Cimeira de Nice, os argumentos sobre o Tratado estão expostos, estão trocados e o balanço está feito.
Nice não foi o fim da história nem o fim ou a perversão da Europa. Os obstáculos de natureza institucional ao alargamento foram removidos; os demais seguem e podem, portanto, começar a ser enfrentados dentro de momentos.
Srs. Deputados, digamo-lo à cabeça: este poder que temos hoje entre as mãos - discutir e votar um tratado europeu - é um poder singular, como comprova a História do Direito e das Relações Internacionais. Das poucas vezes que tratados respeitantes a organizações internacionais

Página 568

0568 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

foram reprovados (nos Estados Unidos, na França, na Dinamarca, na Irlanda), esses casos adquiriram rápida e excepcional celebridade; os casos, em série, de aprovação têm assegurado o esquecimento, graduados em cerimónias parlamentares ou classificados como formalidades constitucionais.
Queria aqui sustentar a ideia de que num país e num quadro em que o primado do Direito Comunitário se encontra adquirido e o exercício de poderes em comum, em sede europeia, se encontra radicado na Constituição, este é o acto pelo qual os portugueses, na sua pluralidade, o Parlamento e, por via dele, a Constituição Portuguesa permanecem senhores dos tratados e exercem a sua parte da soberania - aquela parte da soberania, ao menos, que pode viver e respirar no mundo de hoje.
Fala-se hoje, de forma crescente, numa constituição europeia como um projecto e, às vezes, fazem-no mais os que menos vocacionados estariam para o fazer. Porventura, ainda veremos aqueles que, no passado, queimaram essa ideia adorarem-na num ponto do caminho mais adiante - basta, aliás, atentar no sucesso recente e, aliás, justo da ideia de convenção.
Nós somos e seremos uma União instituída por tratados, constituída por tratados. Acredito que continuaremos a sê-lo, e os sinais dizem-nos também isso. É ainda assim legítimo dizer que, no quadro histórico, factual e constitucional português, o acto em que hoje participamos apresenta-se, e cada vez mais, como uma parte portuguesa de um incipiente processo de revisão dessa pactuada e já viva constituição europeia.
Se a soberania se define, ou se definia, pelo atributo de «não reconhecer superior», este é o nosso momento e este é o nosso lugar de escolher entre a distracção europeia e esse sentimento soberano, mesmo que o fenómeno correspondente se reorganize no mundo e se venha tornando mais incerto do que já costumava ser.
Muitos escreveram há muito sobre o «crepúsculo» do Parlamento, mas também nesse caso as notícias sobre o «cair da noite» se revelaram exageradas e prematuras.
Assiste-se, antes, a uma transformação do papel dos parlamentos no caso nos tratados de participação em organizações internacionais e, muito em particular, como é aqui o caso, no âmbito da União Europeia.
Sabemos bem que o papel dos parlamentos na construção europeia não se desenvolveria aumentando ou potenciando o número de vezes em que esses parlamentos reprovassem o que os governos tivessem aprovado, e isso com o multiplicador de perturbação resultante de o fazerem quase na ponta constitucional do processo de decisão.
O papel dos parlamentos nacionais, após as dificuldades e decepções que para alguns, ou para tantos, Nice terá representado, vai ter de ser promovido e recuperado mais atrás, numa prudente mas convicta aproximação parlamentar a essa forma conjunta de exercício de poderes que a nossa Constituição não exclui, antes prefigura, como todos sabem. Rumar para montante, iniciar mais cedo e em conjunto faculdades derivadas dos actuais papéis constitucionais, é uma direcção que pode servir os povos, os parlamentos e a Europa.
Ao contrário do que muitos pensam, não me parece que se possa resolver qualquer problema europeu significativo, actual ou futuro, importando, pura e simplesmente, de experiências passadas, de experiências constitucionais, de compêndios históricos ou de compêndios em voga, fórmulas ou conceitos constitucionais «prontos a servir», manifestamente nascidos noutros mundos. Exportar ou pretender transferir para a Europa modelos constitucionais parece interessante para alguma «engenharia» constitucional, mas não parece promissor para aplicar a uma União que nasceu diferente, cresceu já num mundo diferente e deve preparar-se para se afirmar também num mundo diferente.
Tomámos hoje consciência de que uma actividade parlamentar institucional, totalmente ou fundamentalmente exercida a jusante do processo negocial, é uma actividade de baixa escolha e de baixa influência - no limite, sim ou não, in ou out. É verdade que a competência soberana pode parecer a máxima, mas, na verdade, os condicionamentos ao seu exercício podem ser, eles sim, máximos, e, portanto, a escolha e a influência podem ser mínimas.
Sabe-se que uma das assimetrias que tem sido sublinhada nesta matéria é a de que, pela natureza das coisas, os governos negoceiam em conjunto e os parlamentos aprovam ou usam aprovar - e devem continuar a fazê-lo - em separado, parecendo aqui bem fácil acrescentar que o poder se situa onde existe e não existe onde apenas se situa.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É bem possível que este Tratado de Nice, que quase um ano depois regressa ao nosso convívio - num mundo já significativamente alterado, como aqui foi referido -, nos atire para aquele patamar em que o papel dos parlamentos nacionais nos tratados europeus deixe de ser exactamente o que era, não pela subversão dos equilíbrios constitucionais mas, sim, pela reposição e rejuvenescimento dos papéis constitucionais dos órgãos de soberania electivos que os novos fenómenos de poder operam no sentido de reduzir ou de desequilibrar.
Os tratados europeus é que não poderão, talvez, continuar a ser o que têm sido na substância. Foi notoriamente difícil, ou pelo menos a imagem foi realista demais, que Nice fosse o que foi, sendo que Nice, não podendo ser mais, infelizmente para a Europa, não foi muito. Se essa lógica não fosse interrompida, correr-se-ia o risco de a desaceleração criar, da próxima, ainda menos.
Mas os tratados europeus também não poderão continuar a ser o que têm sido em matéria de método. Precisamos de ter parlamentos participantes não apenas no fim mas também em fases anteriores da feitura dos trabalhos europeus. Devemos ter, e vamos seguramente ter, trabalho e exercício em comum dos governos e trabalho e exercício em comum dos parlamentos sobre os problemas e sobre as soluções.
Esta poderá ser, pois, a última aprovação de um tratado instituidor da Europa em que a Assembleia se debruce sobre um texto em cuja elaboração não cooperou directa e continuadamente com outros parlamentos europeus.

Página 569

0569 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

É bom que os parlamentos dos povos da Europa outrora amordaçada já possam ser hoje, de forma adequada, associados a esse trabalho e a esse desígnio. Afinal de contas, é o alargamento da Europa, é a verdadeira reunificação da Europa, de que fala Havel, a grande justificação de Nice.
Por podermos dizer, aqui, institucionalmente, a esses povos «bem-vindos à Europa», Nice é também bem-vindo.
Saúdo e felicito toda a equipa negociadora portuguesa, que agiu com sabedoria e determinação servindo Portugal e a Europa. Mas a este aceno a Nice é preciso acrescentar um adeus a Nice, até ao regresso do melhor espírito da Europa aos tratados, um regresso do espírito da Europa que é também o dos parlamentos das nações europeias, o que quer dizer também deste Parlamento.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Nazaré Pereira.

O Sr. António Nazaré Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Avaliar as implicações para Portugal das alterações introduzidas em Nice apenas segundo um mero balanço de perdas e ganhos revela uma posição interesseira relativamente à Europa e constitui um caminho fácil mas perigoso.
De facto, a solução de compromisso, obtida em Nice, entre o reforço de poder das diferentes instituições europeias e o reequilíbrio de poder entre os Estados-membros, num contexto de partilha entre mais membros, não altera profundamente a posição de Portugal no processo decisório, e não o reconhecer revela uma leitura orientada do Tratado.
A partir de 2005 e até que a União conte 27 Estados, a Comissão Europeia contará com um comissário nacional de cada Estado membro, assegurando-se, pois, até essa data, a presença das várias sensibilidades nacionais.
Ao ficar afastada a possibilidade de uma organização hierarquizada da Comissão, como muitos pretendiam, consagrou-se o princípio da igualização dos Estados na instituição que detém o poder de iniciativa legislativa e que é a guardiã dos tratados, sendo encarada por muitos, incluindo Portugal, como garante dos interesses dos Estados menos desenvolvidos da União.
Ter-se-á, porém, no futuro (e daqui fazemos esta chamada de atenção) que acautelar, simultaneamente, os objectivos de eficácia e eficiência que regerão as regras de funcionamento da Comissão, que a diminuição do número de comissários de alguns Estados não se reflicta em quaisquer eventuais tentativas de desvalorização do papel da Comissão, designadamente através da transferência de decisões para o Conselho Europeu.
No que respeita ao Conselho, os Estados de média dimensão obtiveram uma reponderação de votos de menor magnitude que a registada nos cinco mais populosos. Os países menos populosos assistem no Conselho a uma perda mais significativa do seu peso específico.
Todavia, como aqui foi já referido, a «magnitude» desta perda de poder não poderá cingir-se apenas ao peso específico na criação de maiorias qualificadas mas também ao peso específico para uma viabilização de «minorias de bloqueio» sempre que haja ameaça efectiva ao espírito europeu e aos objectivos da União consagrados no Tratado. Quer na criação de maiorias qualificadas quer de minorias de bloqueio, as hipóteses estratégicas para Portugal são várias e previsivelmente aumentadas no cenário pós-alargamento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também no Parlamento Europeu se assiste a uma nova ponderação dos Estados-membros, que se saldou por uma maior representatividade dos países mais populosos.
Portugal, que elege actualmente 25 deputados, passará, após as eleições europeias de 2004, e num cenário de 27 Estados, a deter 22 mandatos, perdendo, à semelhança de quase todos os Estados-membros, poder relativo. Porém, também no Parlamento Europeu, que não viu um reforço significativo de poderes em Nice, os Deputados eleitos por Portugal terão margens de manobra significativas - e acrescidas com o alargamento - para, nomeadamente, promoverem o respeito de princípios enformadores da União, como a solidariedade, a coesão económica e social e a proporcionalidade.
O reconhecimento generalizado de que o Tratado de Nice ficou aquém das expectativas, no que respeita à extensão do voto por maioria qualificada, deve-se ao facto de apenas 27 das 75 disposições que hoje são decididas por unanimidade terem passado para maioria qualificada, mas também ao facto de áreas decisivas para o aprofundamento da União terem continuado de fora do campo de decisão por maioria qualificada.
Porém, é bom que se note que continuam a decidir-se por unanimidade um conjunto de disposições vitais para os interesses nacionais. Destaco, pela importância para o desenvolvimento económico nacional e para o reforço da coesão económica e social em toda a Europa, a decisão de adiar para 2007, e após a aprovação por unanimidade das perspectivas financeiras para o novo período de programação, a passagem a maioria qualificada das disposições relativas aos fundos estruturais.
No que respeita às cooperações reforçadas, a análise tem diferentes cambiantes, porquanto as condições para a sua instituição nos diferentes pilares foram significativamente flexibilizadas. Ao suprimir-se o direito de veto nas cooperações reforçadas no primeiro e terceiro pilar, ao diminuir para oito o número de Estados para o seu estabelecimento e ao permitir que sejam aprovadas por maioria qualificada, poder-se-á estar simultaneamente a promover níveis crescentes quer de integração quer de exclusão dos Estados que, desde o início, possam estar ou ser afastados deste mecanismo. Deixo aqui igualmente o nosso alerta.
Creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ter evidenciado, nesta pequena intervenção, que o Tratado de Nice permite concretizar um objectivo político da União: o alargamento num espírito de consolidação da paz. Creio também que evidenciei que o Tratado de Nice foi um passo ponderado de reequilíbrio de poderes entre Estados soberanos que,

Página 570

0570 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

no prosseguimento do bem comum, decidem partilhar soberania.
Não estamos deslumbrados com os progressos conseguidos em Nice. Empenhados como estamos na construção de uma União Europeia mais forte e mais coesa, desejaríamos mesmo que se tivesse ido mais longe e mais profundo em Nice.
Nice não constitui uma etapa de ruptura com o passado e essa é a sua limitação. Mas, até por isso, o PSD não encontra no Tratado de Nice nenhum elemento que signifique alteração substantiva.
Termino dizendo que, para que a sua aprovação constitua uma forma de afirmação inequívoca da Assembleia da República em continuar e, desejavelmente, melhorar o seu papel nas decisões relativas aos tratados europeus, poderão contar com o PSD.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Europeus.

A Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Europeus: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para terminar, gostaria de dizer que penso que temos de nos felicitar por a esmagadora maioria deste Parlamentar reconhecer a importância do Tratado de Nice.
Como resultou das várias intervenções, julgo que todos temos de reconhecer que Nice cumpriu os objectivos que lhe tinham sido fixados. No fundo, o objectivo de Nice era o de concretizar a reforma institucional necessária à viabilização do alargamento.
Apesar de todos gostarmos sempre de ir mais além ou mais depressa, o que só pode ser positivo, penso ser justo dizer que todas as intervenções denotaram que Nice conduziu, sem dúvida, a «mais Europa» - não vou entrar em detalhes, mas falámos da composição da Comissão, dos poderes das várias instituições, de cooperações reforçadas, de maiorias qualificadas, etc.
A natureza dinâmica do projecto europeu tem demonstrado, ao longo de toda a história da construção europeia, que não há nenhuma grande negociação na União Europeia, e ainda bem, que possa ser considerada como etapa final. Neste contexto, julgo que não podemos dizer que são adiadas questões e temos de reconhecer aquilo que, no fundo, todos aqui reconhecemos, ou seja, que se tratou de um passo extremamente importante no caminho do reforço da Europa, no caminho do reforço das instituições europeias, no caminho do reforço dos Estados-membros e da voz que eles terão.
No caso de Portugal, penso que a história da nossa participação na União Europeia, desde Janeiro de 1986, tem demonstrado, e irá continuar a demonstrar, que será no contexto de uma União Europeia reforçada que teremos uma voz crescentemente ouvida, que é a da defesa dos nossos legítimos interesses no seio da União, seja numa União a 12, a 15, a 27 ou mais alargada, bem como na cena internacional.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos, por hoje - não ao fim da Europa, felizmente!
A próxima reunião plenária realizar-se-á amanhã, às 15 horas, e da sua ordem do dia constará a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 442/VIII (PCP) e votações regimentais.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 55 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
António José Gavino Paixão
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso

Partido Social Democrata (PSD):
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte

Partido Comunista Português (PCP):
Maria Natália Gomes Filipe
Maria Odete dos Santos

Partido Popular (CDS-PP):
José Martins Pires da Silva

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Cláudio Ramos Monteiro
Fernando Ribeiro Moniz
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Victor Manuel Caio Roque

Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Manuel Cruz Roseta

Partido Popular (CDS-PP):
Paulo Sacadura Cabral Portas

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

Página 571

0571 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

Página 572

0572 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

Páginas Relacionadas
Página 0557:
0557 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001   O Orador: - … ganhará ma
Página 0558:
0558 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001   da adaptação das regras
Página 0559:
0559 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001   Sr. Presidente, Caras e

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×