0689 | I Série - Número 019 | 02 de Novembro de 2001
contencioso de jurisdição plena, mas a verdade é que há balizas constitucionais relativamente a essas competências.
Receio bem que aquilo que é uma acusação ao contencioso administrativo, que tem fundamento, de que é extremamente formalista, de que é muito atido a questões prévias, fugindo muitas vezes a conhecer as questões de fundo, andando à volta de incidentes e questões processuais, o que se traduz, na prática, numa perda do acesso ao direito, do reconhecimento do direito aos cidadãos que recorrem ao contencioso administrativo, não seja banido, impondo também, desde logo, o conhecimento dessas questões prévias e a sua decisão no saneador, por forma a que não se perca tempo a levar um processo até ao fim, para, no fim, se conhecer uma questão prévia que tinha obstado a toda essa tramitação, em que toda a gente esteve a perder tempo e a ser enganada.
Portanto, a imposição de que essas decisões sejam tomadas no saneador tem todo o sentido e merece o meu aplauso, mas receio bem que se possam aqui, com a boa intenção de clarificar competências e, portanto, de afastar conflitos de competências que hoje existem, gerar problemas de constitucionalidade, que são também incidentes que atrasam os processos e levam muitos processos ao Tribunal Constitucional.
É bom, portanto, que, em sede de especialidade, tenhamos o cuidado de ver estas situações e dirimi-las de uma forma de maior conformação constitucional, por um lado, e eliminadora deste objectivo que o Governo revela nestas iniciativas, isto é, de pôr termo a todo um conjunto de incidentes, que são, efectivamente, factor de atraso e de acumulação nos tribunais administrativos.
Quero saudar o Governo pela forma como elaborou todas estas propostas de lei. Trata-se de uma solução que, efectivamente, é sempre valorizadora para os diplomas que aqui discutimos, que é associar as universidades, associar os mestres universitários, especialistas na matéria, à sua elaboração. É certo que nem sempre isso é possível, é certo que isso leva a que, muitas vezes, se demore mais tempo, mas essa solução, associada à discussão pública que o Governo promoveu em sedes universitárias e fora delas, designadamente nesta Assembleia, sobre estas matérias é da maior utilidade para encontrarmos as soluções mais adequadas.
Mas não me parece que também seja inteiramente justo e correcto algo que resulta um pouco da exposição de motivos destes diplomas, que é a ideia de que só agora, e com este Governo, é que se tomam medidas de fundo importantes no contencioso administrativo. Estamos atrasados em relação à Constituição - é indiscutível, o Prof. Vasco Pereira da Silva denuncia-o. Temos avançado na Constituição e não fizemos a mediação e a adequação legislativa ordinária para implementar os princípios que fomos introduzindo nesta matéria em sucessivas revisões constitucionais.
Quero dizer-vos que, nesta matéria do âmbito administrativo, embora fora do contencioso, há um diploma histórico que foi adoptado em 1991, que é o Código do Procedimento Administrativo. Foi também um passo revolucionário no estabelecimento das regras de procedimento da administração relativamente às questões que lhe são colocadas e aos processos que são desencadeados por interesse e iniciativa dos cidadãos.
Esta reforma vem ao encontro dessa filosofia, levando já à área dos tribunais a sequência e a mesma filosofia que está ínsita no Código do Procedimento Administrativo, que são as garantias dos administrados. Portanto, há esse marco, também histórico, nas reformas que se fizeram no âmbito destas matérias.
E houve - tem de se reconhecer também isso - o Estatuto dos Tribunais Administrativos e a Lei de processo dos Tribunais Administrativos que, não sendo uma solução de fundo tão vasta como aquela que resulta destes diplomas, temos de convir que foram diplomas importantes para fazer esta transição de um contencioso administrativo de má memória, que eram os tribunais administrativos do regime, que infelizmente funcionavam quase como órgãos da administração; aliás, há quem entenda que, pela forma como nascem, os tribunais administrativos em geral já nascem um pouco com essa mácula de serem protectores da Administração e não garantes dos direitos dos administrados. Hoje, constitucionalmente, e este diploma vem completar… Aliás, ao lerem-se estes diplomas e as exposições de motivos que os antecedem, ficamos com uma sensação ao mesmo tempo desagradável e agradável: desagradável, na medida em que pensamos e reflectimos que, passados 25 anos sobre a instalação da democracia, ainda temos muito para concretizar em matéria de Estado de direito; agradável, porque, finalmente, vamos fazê-lo. Temos de reconhecer isto sem nenhuma hesitação. O Estado de direito está, em muitos aspectos, por realizar e estas leis vêm - se forem efectivamente coadjuvadas com as tais medidas de que eu há pouco falava, e se não forem enfrentadas ou confrontadas com soluções cerceadoras como pode ser a das custas judiciais, por força do critério introduzido no valor da causa, e se forem criadas as estruturas necessárias para dar resposta a esta abertura maior ao contencioso administrativo - realizar melhor o Estado de direito em Portugal do que, passados 25 anos, se realiza.
Naturalmente que V. Ex.ª não se espantará que haja um consenso nesta Câmara porque a maturidade da nossa democracia permite que, nestas ocasiões, estejamos todos de acordo. Estamos em desacordo em várias questões da especialidade, mas não vou agora maçá-lo com isso. Vamo-nos reservar para fazer esse trabalho durante a discussão na especialidade, porventura contando ainda com a sua presença e com a colaboração de outras entidades que vamos também ouvir.
Em relação ao diploma da responsabilidade civil do Estado, é óbvio que o diploma actual é também cerceante do Estado de direito. A forma como se trata hoje do direito positivo vigente da responsabilidade civil do Estado é arrepiante, é cerceadora, largamente cerceadora de direitos fundamentais dos cidadãos.
E, por ser assim, por se estar perante diplomas que têm a qualidade que a universidade lhes deu como valor acrescentado, bem como os mestres que nestes diplomas trabalharam, e que dão resposta a exigências constitucionais, naturalmente que V. Ex.ª terá o voto do PSD, sem prejuízo de, na especialidade, termos questões a colocar, designadamente quanto à forma como se pretende aqui tratar, já em sede de responsabilidade civil do Estado, equiparando, o que não nos parece adequado, os agentes do Ministério Público e os juízes em matéria de responsabilidade. Penso que tem de haver - e há - razões para, em função do exercício da competência de cada qual, estabelecer-se uma diferença, mas não agora vou maçar a Câmara com questões de especialidade.
Aplausos do PSD.