0730 | I Série - Número 020 | 08 de Novembro de 2001
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, V. Ex.ª apresenta-se, aqui nesta Câmara, com a fineza que o caracteriza, como o Barão de Münchhausen: mergulhado no pântano, acredita que basta ter a convicção de puxar pelos cabelos para sair da dificuldade. Mas repare, Sr. Primeiro-Ministro, que, no mesmo momento em que se verifica que há uma maioria absoluta de apoio ao Orçamento nesta Assembleia, é quando este pântano político é mais acentuado.
O Sr. Primeiro-Ministro lembrou que, certamente, há quem não se preocupe com o mundo rural, porque não há nele votos suficientes, mas o senhor, mais rápido do que a sua sombra, foi encontrar nele o único voto que interessava, aquele voto que determinou, há um ano atrás, que alguns ministros, hoje sentados nessa bancada, garantissem ao País que a pouca vergonha não se iria repetir. Mas esse voto está aí e, com isso, temos a maioria absoluta, que o País não lhe deu, mas de que o seu Governo beneficia.
Mas o problema deste pântano político é que conduz ao pântano orçamental, porque a irresponsabilidade do Orçamento é acentuada por ele não ser escrutinado a não ser por intermédio deste acordo limiano.
Repare, Sr. Primeiro-Ministro, que, na sua intervenção, tanto nos disse que havia uma crise económica que não justificaria a chantagem, apesar de ter utilizado a chantagem, como nos disse que tudo estava a correr bem.
É extraordinário que as Grandes Opções do Plano Nacional chegam a dizer o absolutamente inverosímil, isto é, que, em 2002, teremos um crescimento da economia mundial de 3,5%, puxado pela locomotiva americana. O filme é este! Isto é um filme! Isto não se verificará.
O nosso problema é ter um projecto coerente que parta da realidade e que responda à realidade. Não nos basta crescer tanto como a União Europeia, por muito importante que isso seja, é preciso também compreender que a União Europeia está, ela própria, em recessão económica, como estão, antes dela, os Estados Unidos da América. É por isso que é tão difícil mas tão importante uma política coerente de expansão e de sustentação do crescimento, a curto e a longo prazos, da economia portuguesa, e isso este Orçamento não faz, de forma absolutamente nenhuma.
É sobre isto que o quero convocar, Sr. Primeiro-Ministro, e é sobre um debate ideológico de fundo que acho que merece a pena confrontarmos opiniões no debate introdutório deste Orçamento.
Quando o Sr. Primeiro-Ministro nos diz que o aumento dos salários tem sido respeitado ao longo dos últimos anos segundo o princípio da preservação do poder real de compra, está a aceitar que outros factores, que não o da correcção salarial, sejam suficientes para compensar o diferencial em relação à projecção e à inflação realizada, porque, em todos os anos no seu Governo, houve um diferencial que penalizou os trabalhadores.
Mas quando se propõe um aumento salarial acompanhando a inflação e que recupere, nomeadamente, o diferencial anterior, em que os trabalhadores foram roubados nesta diferença, o seu argumento e o da bancada que o apoia é sempre que isso desencadeia a espiral inflacionista. Se, neste ano, a diferença entre a inflação prevista de 3% e a realizada de 4,3%, ou de 4,5%, fosse o critério para compensar os salários ou as pensões, aí teríamos o diabo da espiral inflacionista.
Desta forma, o que o senhor está a dizer é que aceita o princípio neoliberal segundo o qual a preservação do emprego depende dos trabalhadores aceitarem sempre, numa situação de crise, a diminuição do seu salário real. Diz-nos que, no dia em que o salário seja justo, aumenta a inflação, e, portanto, aumentará o desemprego, e, então, a solução é prejudicar os salários e garantir o emprego.
Ora, essa é a diferença essencial que aqui discutimos. Divergimos porque o Primeiro-Ministro argumenta que, com a despesa em salários e a defesa do poder de compra real, se cria um efeito inflacionário, mas ignora os efeitos sociais da despesa em benefícios fiscais injustificados.
Sr. Primeiro-Ministro, nos anos do seu Governo, só nos anos do seu Governo, acumularam-se cerca de 700 milhões de contos de mais-valias tributadas a taxas liberatórias ou, pura e simplesmente, isentas. A tributação correcta sobre essas mais-valias pagaria três vezes o aumento salarial total deste ano. Esta é a diferença das concepções e das estratégias: o aumento salarial teria um efeito inflacionário, mas a despesa em benefícios fiscais no capital não teria, para o Governo. E é isso que temos neste Orçamento.
Por isso, dizia Ricardo Sá Fernandes:…
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Bem me parecia que ele era dessa bancada! «Diz-me quem citas, dir-te-ei quem és»!
O Orador: -… «Sejamos claros! O que dita a presente suspensão da tributação das mais-valias é, pura e simplesmente, a lógica da abdicação da dignidade do Estado». É-o nos grandes detalhes e até nos pequenos detalhes. É por isso que, neste Orçamento, o partido do «charuto» impõe a redução das taxas de 26% para 12% sobre cigarrilhas e charutos, vai também ganhar com o voto prestimoso do «queijo limiano».
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Francisco Louçã, quero começar por lhe dizer que o pior pântano é o pântano da confusão das nossas próprias ideias,…
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - … embora lhe faça justiça numa coisa: se alguma força política, coerente e consistentemente, poderá estar interessada na abertura de uma crise política e no derrube deste Governo, essa força política talvez seja o Bloco de Esquerda, porque não tem sido outra a sua preocupação desde o início desta Legislatura. E talvez isso explique o início da sua intervenção.
Mas vamos à questão ideológica de fundo.
Este Governo não pode ser «preso por ter cão e por não ter», não pode ser acusado, tal como na história de O Velho, o Rapaz e o Burro, de fazer uma coisa e o seu contrário. Aquilo que, sistematicamente, tem sido atirado como acusação a este Governo é a de que, desde que estamos no Governo, os custos unitários do trabalho têm vindo a subir de uma forma dificilmente comportável para a competitividade da nossa economia. É isto que tem vindo a ser dito! E nós temos respondido a isso com a ideia clara de que, com os níveis salariais que tínhamos, é evidente que há um efeito de recuperação salarial que não poderia deixar de se verificar.
Agora, dizer que, em Portugal, os salários reais diminuíram ou, mesmo, que a parte dos salários no rendimento nacional diminuiu é, pura e simplesmente, falso no que diz