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Sábado, 30 de Novembro de 2002 I Série - Número 62
IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 29 DE NOVEMBRO DE 2002
Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral
Secretários: Ex. mos Srs. Manuel Alves de Oliveira
Ascenso Luís Seixas Simões
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
António João Rodeia Machado
S U M Á R I O
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 15 minutos.
A Câmara aprovou um parecer da Comissão de Ética autorizando uma Deputada do PSD a prestar depoimento, como declarante, em tribunal.
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 76.º do Regimento, procedeu-se a um debate mensal de interesse relevante sobre ajuda humanitária a Angola. Produziram intervenções, além do Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação (António Lourenço dos Santos) e do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes), os Srs. Deputados Jaime Gama (PS), na qualidade de Presidente da Comissão Assuntos Europeus e Política Externa, Vítor Ramalho (PS), António Cruz Silva (PSD), Rodeia Machado (PCP), Isabel Castro (Os Verdes), Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP), Francisco Louçã (BE), José Manuel Pavão e Maria Eduarda Azevedo (PSD). No fim, também o Sr. Presidente teceu algumas considerações sobre o assunto.
Em interpelação à Mesa, o Sr. Deputado Rui Cunha (PS), a propósito de um relatório, referido na comunicação social, de uma auditoria à Casa Pia de Lisboa sobre eventuais irregularidades patrimoniais, administrativas e financeiras determinada por este enquanto secretário de Estado, disponibilizou-se para se deslocar à 1.ª Comissão a fim de ser ouvido e deu conta da disponibilidade do Dr. Simões de Almeida para, nessa Comissão, poder ser ouvido.
Foi também apreciada a petição n.º 7/IX (1.ª) - Apresentada por José António Mendes Rebelo e outros, sobre o negócio e o tráfico de armas ligeiras. Após o Sr. Deputado Vitalino Canas (PS) ter intervindo na qualidade de relator da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, usaram ainda da palavra, além daquele orador, os Srs. Deputados Fernando Negrão (PSD), António Filipe (PCP), João Rebelo (CDS-PP), Isabel Castro (Os Verdes) e Francisco Louça (BE), tendo ainda o Sr. Presidente feito algumas reflexões sobre a matéria.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 13 horas e 10 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados presentes à sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
Bernardino da Costa Pereira
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gustavo de Sousa Duarte
Henrique José Monteiro Chaves
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João António Pistacchini Calhau
João Bosco Soares Mota Amaral
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
José António Bessa Guerra
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Miguel Gonçalves Miranda
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Elisa Rogado Contente Domingues
Maria Eulália Silva Teixeira
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Paula Barral Carloto de Castro
Maria Teresa da Silva Morais
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário Patinha Antão
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro do Ó Barradas de Oliveira Ramos
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Jaime José Matos da Gama
João Barroso Soares
João Cardona Gomes Cravinho
João Rui Gaspar de Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Sequeiros de Castro Pontes
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José da Conceição Saraiva
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Santos de Magalhães
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
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Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo José Fernandes Pedroso
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo
Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Henrique Jorge Campos Cunha
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró
Pedro Manuel Brandão Rodrigues
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
Bloco de Esquerda (BE):
Ana Isabel Drago Lobato
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de mais, há aqui um pequeno assunto que queria expor à Câmara.
Temos presente um relatório e parecer da Comissão de Ética que deveria ter sido votado ontem mas não chegou à Mesa a tempo. Segundo consta, essa diligência judicial que nos é pedida pelo tribunal tem de ser feita na segunda-feira.
Assim, de acordo com o solicitado pela Vara Mista do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Processo n.º 3441/2000, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar a Sr.ª Deputada Goreti Machado (PSD) a prestar depoimento, na qualidade de declarante, no âmbito dos autos em referência.
Srs. Deputados, está em apreciação.
Pausa.
Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade
Srs. Deputados, vamos, agora, iniciar o debate mensal de interesse relevante, ao abrigo do n.º 2 do artigo 76.º do Regimento, sobre ajuda humanitária a Angola.
Esta questão foi por mim sugerida, há algum tempo, e pedi ao Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa que trabalhasse os preparativos deste debate. O Sr. Presidente Jaime Gama organizou uma audição, que decorreu ontem, na Sala do Senado, com a participação de muitas entidades.
Precisamente para se referir a isso, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Jaime Gama. Depois da sua intervenção - já que, tanto quanto sei, não existe propriamente um relator da Comissão -, iniciaremos o debate, para o qual o Governo também solicitou a palavra.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa da Assembleia da República procedeu ontem, em cumprimento de uma iniciativa do Sr. Presidente, antecipando a realização deste debate em Plenário, à organização de uma audição de várias entidades oficiais, nacionais e internacionais: o Governo, através do Instituto da Cooperação Portuguesa, representações das Nações Unidas e da Comissão Europeia e o Governo de Angola, através do embaixador de Angola acreditado em Portugal. Procedeu-se ainda à audição de várias organizações não governamentais, como o Patriarcado de Lisboa, a Caritas, a Associação Médica Internacional, a Cruz Vermelha Portuguesa, a OIKOS - Cooperação e Desenvolvimento, os Rotários e a Fundação Vale Flor, e à audição da Sr.ª D.ª Maria José Ritta, mulher do Sr. Presidente da República.
Também foi ouvido o secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e os nossos trabalhos puderam ainda registar a presença do Sr. Cardeal D. Alexandre do Nascimento, um distinto angolano que foi presidente da Caritas Internacional e é um profundo conhecedor da realidade do seu país.
Todos esses contributos foram no sentido de habilitar o nosso debate de hoje, para que a Assembleia da República reforce a ideia central de que o problema humanitário, neste momento, em Angola, é grave, na sequência do fim de um conflito que se prolongou por vários anos.
Esse problema é grave - como, aliás, ainda ontem se pode constatar através de uma reportagem transmitida num dos grandes canais portugueses - e necessita de um esforço muito coordenado, por parte das agências internacionais e de vários países, designadamente de Portugal,
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quer no quadro bilateral, quer como promotor de políticas correctas de ajuda e cooperação no âmbito da União Europeia, e estou certo de que o debate que hoje vamos realizar vai reforçar essa noção e vai sustentar a acção pública das autoridades portuguesas nessa direcção, para que uma questão como esta possa ser ultrapassada a breve trecho, contribuindo para uma normalização completa de um país como Angola, amigo de Portugal, dotado de imensos recursos, o qual, naturalmente, uma vez ultrapassada esta situação de emergência, poderá vir a dispensar essa ajuda no futuro e até a converter-se num dos países de África com capacidade de ajuda a outros povos da região.
Aplausos PS.
O Sr. Presidente: - O primeiro orador inscrito para este debate é o Sr. Deputado Vítor Ramalho. Tem a palavra.
O Sr. Vítor Ramalho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Representantes da Embaixada de Angola em Portugal, Sr.ª Presidente da Cruz Vermelha Portuguesa, Srs. Deputados: É sabido que a paixão escraviza a vontade. Fui testemunha, quando criança, de uma manifestação desse sentimento em relação à terra do nascimento. Um ancião, no regresso à sua, apesar do longo exílio, não deparou com o palácio que jurava existir mas com a realidade de um pardieiro esconso.
Colhi a lição. Vou ser e serei, por isso, muito objectivo
Sucede que na minha terra, e na esmagadora maioria das terras da minha terra, os edifícios têm hoje as marcas que marcam o outro lado do ser humano, que coexiste com o bem. Eles estão metralhados e a eventual grandeza de alguns deles cede na visão a essas marcas. Estas são, porém, muito menores do que aquelas outras que marcam, no mais fundo, a alma todo um povo.
Isso sente-se nos lamentos que saem das bocas de crianças esfaimadas, nas dores fantasmas dos amputados, nas faces dos homens que nunca foram meninos, na ausência do leite das parturientes, nas famílias que o foram, tudo isto sobre os escombros das próprias estradas que nos deveriam levar a aldeias que já o não são. E, depois - sabe-se -, há a malária, a SIDA, a poliomielite, a doença do sono e as armas que, durante um período longo, um muito longo período, substituíram os lápis. E milhares de meninos, por isso, olham mas não vêm as letras que os poderiam fazer homens.
Sabe-se o diagnóstico, que ontem ouvimos na audição que, no Senado, foi, em boa hora, levada a efeito.
Não é, por isso, a hora de falarmos dos edifícios de Angola. Chegará a altura, mais cedo do que se poderá pensar. Compete a outros olhar por eles. Para nós, aqui, é a hora de falarmos da maior riqueza de Angola, amputada na alma - os homens, mulheres e crianças dela.
A outra, a riqueza, aquela que aguçou apetites e serviu para alimentar ódios pela cupidez dos homens, com pedras que reluzem ou fogos que no offshore incendeiam o mar, deve agora ser colocada ao serviço de todos por uma causa, a paz. Porque essas riquezas são, como é sabido, bens comuns e não partes para algumas partes - poucas - de um povo que se serve inteiro e que com dignidade quer servir-se inteiro.
O meu testemunho, que presto em nome do meu partido, não é pertença de quem quer que seja.
Em recente visita a Angola, integrado numa missão humanitária chefiada pela Presidente da Cruz Vermelha Portuguesa em representação internacional, quando no interior dela me revia como menino pelas ruas desventradas, um velho andrajoso, mas muito sábio, percebendo a contenção de uma lágrima furtiva, como é próprio dos homens que devem chorar, disse-me: "Como vê, a sua terra está na mesma. Os homens são exactamente os mesmos. Porém, se durante a guerra aqui passasse um compatriota que estava do outro lado, não ficaria para contar o que vira. Agora, nesta altura, todos o recolheriam sem perguntar de onde vem. É que, agora, vamos todos para o mesmo lado e todos pelo mesmo caminho. Vamos cuidar de nós e depois reconstruirmos o que temos para reconstruir."
Esta, asseguro-vos, é uma lição real e é, sobretudo, uma homenagem que faço ao povo angolano pela voz daquele seculo. De um povo que hoje sabe firmemente o que não quer e insufla nos adversários de ontem a voz do vento da reconciliação, que se deve traduzir numa convergência nessa mesma reconciliação.
É por isso que daqui, do alto desta tribuna, vos digo: a paz de Angola veio mesmo para ficar, porque vem daquilo que há de mais profundo da alma do povo, mas tem de ser construída, nesta hora, também, com a solidariedade daqui, de Portugal, que não pode ser negada a um povo irmão que, sobretudo, traduz a dor na mesma língua com que aqui vos falo. A prioridade é, agora, humanitária.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Ao evocar a solidariedade de cá, tenho presente todos aqueles que, vindos de lá, pintaram na Casa dos Estudantes do Império, sob o regime anterior, nos anos 60, a esperança de um futuro para Angola com as cores de todas as cores, desde a primeira hora, com a solidariedade do povo português, enquanto os de lá, que estavam cá, erguiam fachos no respeito pela memória daqueles que, no passado mais longínquo, os antecederam nesta caminhada. Como Alexandre Dáskalos, que, com a própria memória dos antepassados gregos registada no nome, fez de Angola, onde nasceu, a sua pátria e com apenas 17 anos foi preso, decorria então o ano de 1947. Fausto, esse luso-angolano que Dáskalos salvou da morte, quando menino, diagnosticando-lhe o mal da doença, cantou-o num álbum famoso, A preto e branco, e noutro álbum, Por esse rio acima, recriando no bem e no mal, porque nada é perfeito, aquilo que todos somos.
Como é sabido, a irmandade entre os povos português e angolano conduziu, mercê de uma luta comum, aos portos dos portos dos sonhos de ambos. Sabemos o resto da história, em que as chamas de uma guerra quente se prolongaram sob o mundo dividido em Angola, para além do fim dele. Até ao dia 4 de Abril deste ano.
É por isso que a solidariedade devida ao povo angolano nesta hora é a mesma de sempre do povo português, embora servida sob outra forma. Face à morte e à devastação de agora de Angola, invoco Manuel Alegre para, com ele, me rever no poema Nambuangongo meu amor: "(…) Vocês não sabem, mas eu digo-vos, dói muito (…)". Dói muito ver e compreender as consequências brutais da guerra do povo angolano. Dói como se fosse feito a nós próprios que falamos a mesma língua.
Só que agora a esperança rebenta sobre a dor e vê-se que existem nos rostos dos que não sucumbiram. Dos rostos dos homens, das mulheres e, sobretudo, das crianças.
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Sim, das crianças, que são - sabem - a maioria do povo angolano. Mais de metade da população tem menos de 15 anos.
É por isso que, em nome do meu partido, sinto estarmos aqui todos, hoje, a cumprir uma obrigação que é tão natural como a água que se bebe. Pelo presente e, sobretudo, pelo futuro, também muitíssimo pela memória.
Não queria, por isso, deixar de saudar a iniciativa do Sr. Presidente da Assembleia da República, dos colegas da Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa e, naturalmente, do respectivo Presidente, Dr. Jaime Gama. Na pessoa deste recordo os tempos da faculdade em que os estudantes estavam na cadeia e os polícias na universidade e ele, sempre coerente como se manteve até agora, em defesa da liberdade de Angola e de um povo irmão.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Perdoar-me-ão também que, nesta hora, dirija uma palavra aos amigos Deputados, a todos mas, sobretudo, àqueles que jamais poderão renegar a terra onde nasceram. Refiro-me concretamente ao Fernando Negrão, ao Cravinho, ao José Rebelo, ao Octávio Teixeira, que não está mas é como se estivesse, mas também aos saudosos Luís Sá, Jorge Campinos, Vítor de Sá Machado e Vítor Pinto da Cruz.
Referi-los aqui é também fazer acrescer compromissos para com a terra onde nasceram e, sobretudo, para recriar com todos nós os valores tão necessários à recriação da nobreza da política, sobretudo nesta altura em que também cá há crianças que choram. Fazê-lo com humildade, apelando a esta relação com os de lá, é uma obrigação de todos nós.
Já disse, e repito-vos, o diagnóstico de Angola está feito. Está feito com a resposta das Nações Unidas que, em colaboração directa com as autoridades angolanas e com as oposições, têm prestado, como ontem se ouviu, um contributo muito grande através do Programa Alimentar Mundial, para acudir às mais sentidas necessidades do povo angolano. Também a União Europeia, a que pertencemos, não se tem poupado a esforços para reforçar essa cooperação, tal como inúmeras organizações não governamentais, internacionais e nacionais, de que o Presidente da Comissão já falou.
Há neste momento, em Angola, cerca de 4 milhões de deslocados, incluindo os cerca de 400 000 que estão em países limítrofes, desde a Namíbia, à Zâmbia, à República Democrática do Congo. Desses 4 milhões, há ainda, neste momento, cerca de 500 000 no interior de Angola, parte dos quais, 83 000, pertence às tropas da UNITA, número que, com as famílias, chega a quase 400 000.
A resposta tem de ser urgente porque, com o início das chuvas que se avizinha, não podemos perder tempo. Não há tempo para perder tempo.
Para terminar, pergunto: o que mais devemos fazer?
Penso que devemos coordenar. Coordenar, como desígnio nacional, um esforço colectivo do Governo, das instituições públicas, das inúmeras organizações não governamentais, das instituições religiosas, para não se desbaratarem esforços.
Por isso, Sr. Presidente da Assembleia, sugiro-lhe que recomende ao Governo que promova uma reunião com todas estas entidades, sob a coordenação de uma equipa técnica permanente que, crescentemente, engrosse e reforce o caudal de esperança dos angolanos nossos irmãos.
Aproveito para saudar, na pessoa do Sr. Secretário de Estado, aqui presente, todo o esforço que puder ser feito em relação a este povo irmão e, sobretudo, a um país fraterno.
Aplausos do PS, do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cruz Silva.
O Sr. Cruz Silva (PSD): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Membro do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, quero felicitar vivamente V. Ex.a, Sr. Presidente, pela iniciativa de trazer aqui, hoje, a debate um tema tão importante como é o da ajuda humanitária a Angola.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - No seguimento do seu alerta para esta questão, a Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa promoveu, ontem, uma audição pública com a participação de diversas instituições e personalidades que, através das suas intervenções, demonstraram uma preocupação comum pela situação que actualmente se vive em Angola.
Esta audição serviu, de uma forma bastante eficaz e profunda, para angariar informações actualizadas sobre o que se passa em Angola e, penso que posso dizê-lo, sensibilizar ainda mais todos os Srs. Deputados e a sociedade portuguesa em geral para esta causa tão nobre.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O debate de hoje é a todos os títulos oportuno e necessário.
Oportuno, porque existem hoje as condições para que a paz seja uma certeza em Angola, sendo, portanto, essencial apoiar de forma clara o processo da sua consolidação, criando as condições estruturais para uma Angola pacífica e próspera.
Como referiu ontem um dos participantes na audição pública, o mais importante é alcançar a paz, bem supremo do qual depende tudo o mais.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Portugal, que, através da acção dos seus governos e do seu povo, tanto esforços desenvolveu para a criação de condições de diálogo e entendimento entre as facções em confronto, exprime o seu regozijo pela paz que o povo de Angola há tanto tempo ansiava.
Este debate é também necessário em razão da situação dramática vivida por milhões de pessoas em Angola e pela urgência de uma intervenção humanitária que permita minorar o sofrimento dessas pessoas, a larga maioria populações deslocadas.
Nesse sentido, torna-se fundamental uma ajuda humanitária a vários níveis, que permita não apenas resolver o problema latente da fome e combater doenças e epidemias mas também criar condições de desenvolvimento da economia e da vida social, igualmente importante, mesmo vital, para o futuro de Angola.
É o caso do problema do regresso aos seus locais de origem das populações deslocadas, apontando os números para a existência de cerca de 4,5 milhões de angolanos nessas condições. É o caso da desminagem das terras, de
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forma a permitir que as mesmas sejam novamente cultivadas, permitindo retomar a agricultura como base importante da subsistência das populações. É o caso, ainda, das zonas do território angolano que estão hoje isoladas pela destruição das vias de comunicação e infra-estruturas rodoviárias e daquelas que, em virtude da época das chuvas, previsivelmente virão a ficar nessa situação.
O Grupo Parlamentar do PSD destaca os esforços desenvolvidos pelo Governo na área da cooperação com os países africanos de língua oficial portuguesa e, neste caso concreto, com Angola, esforços que são justificados, não só pelo nosso passado de presença em África como também pelos laços de amizade que nos ligam a esses povos.
Quer através da participação e, muitas vezes, incentivo a acções de organizações internacionais, quer através de acções bilaterais, Portugal tem apoiado, na medida das suas possibilidades, o povo angolano e estamos certos que tal apoio irá continuar, ainda com mais eficácia e empenhamento.
Queremos destacar, também, o papel desempenhado por organismos não governamentais no campo da ajuda humanitária, que têm tido, no terreno, uma acção de grande valor e importância.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - A importância das ONG na ajuda humanitária a Angola foi ontem bem expressa na audição organizada pela Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa e ela mostra bem as profundas raízes humanistas do povo português e a sua vontade firme de ajudar o povo irmão angolano.
Saudamos em particular o empenho e a determinação dos líderes de todas as ONG e não queremos igualmente deixar de referenciar o esforço e a dedicação das Igrejas de Angola, nomeadamente a Igreja Católica e a sua Conferência Episcopal.
O PSD, neste momento difícil para Angola, gostaria de deixar bem claro que acredita que ele será passageiro, porque o povo angolano já deu provas de que certamente irá conseguir, com a ajuda de todos, ultrapassar as dificuldades que se lhe colocam hoje e construir, num futuro próximo, uma Angola forte, assente em estruturas democráticas consolidadas e num desenvolvimento económico sustentado.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Das intervenções dos diversos participantes na audição pública de ontem ficou a ideia de que é necessário mobilizar ainda mais a opinião pública para esta questão. Para isso, o Parlamento poderá desempenhar um papel fundamental, mostrando o seu grande sentido de solidariedade para com os países que vivem estes flagelos.
O Grupo Parlamentar do PSD, tal como tem feito até aqui, continuará a acompanhar com a maior atenção a situação em Angola, fazendo tudo o que está ao seu alcance para a consolidação da paz em Angola e a melhoria de condições de vida da sua população. Estamos certos que os outros grupos parlamentares nos acompanharão nesta questão, que merece um alargado consenso nacional e um empenhamento continuado.
Através da acção dos seus Deputados no envolvimento da sociedade portuguesa e através de iniciativas legislativas que brevemente apresentaremos a esta Assembleia, no sentido de tornar mais fluente o voluntariado humanístico, queremos dar um contributo, singelo mas sentido, para lutar contra o sofrimento.
Estamos certos que, nesta luta, poderemos contar com a ajuda, mesmo com o empenhamento, de todos os Deputados desta Assembleia, sejam quais forem as suas posições políticas.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.
O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado da Cooperação: O debate que hoje efectuamos no Plenário da Assembleia da República segue-se ao debate que, em boa hora, foi realizado ontem, na Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa, com a presença de várias entidades e em que foi feito o ponto da situação relativamente à ajuda humanitária a Angola mas, sobretudo, às carências da população angolana, carências essas que atingem uma profundidade que a todos emociona, pelo dramatismo da situação ali vivida e pelos milhões de inocentes que sofrem as consequências de uma guerra fratricida, de muitos e muitos anos.
Esta dramática situação convoca-nos a todo, no sentido da congregação de esforços para que se possa rapidamente ultrapassar barreiras, em termos de distância, e estar mais próximo do que é possível fazer em pouco tempo, porque, quem sofre, não tem mais tempo.
Com efeito, foi-nos de viva voz descrito, por vários intervenientes no terreno, o que ali se passa, e que é dramático. São populações deslocadas pela guerra, que não têm condições sanitárias, quer estejam nas matas ou nas cidades, ou nos muitos acampamentos espalhados um pouco por todo o território angolano.
De Cabinda ao Cunene, há gente que sofre, gente que luta pela sua própria sobrevivência, e que tem todo o direito de pedir auxílio, tendo nós, acima de tudo, o dever de ajudar e a obrigação de apoiar.
São cerca de 4 milhões, ou mais, de deslocados, no interior e no exterior do território angolano. Os relatos que chegam até nós são dramáticos. Esta catástrofe que atingiu o povo angolano é manifestamente uma das piores do mundo, segundo a análise feita por organismos internacionais, nomeadamente pela ONU.
Falta tudo a uma população que nada tem: falta-lhe comida, falta-lhe roupa, falta-lhe medicamentos, falta-lhe condições sanitárias. Casas não têm, nem sequer um abrigo que os proteja das intempéries. Falta-lhes tudo, ou quase tudo. O que não lhes falta é coragem para sobreviverem nestas condições e também não lhes falta a esperança de terem um dia um futuro melhor, em paz e em prosperidade, na terra que os viu nascer.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Angola é um território imenso, com condições para sobreviver sozinho, mas, nesta fase, necessita de ajuda, de apoio, para que a sua população possa sobreviver.
A guerra levou à paralisia produtiva da agricultura, base fundamental para aquela população. Os campos, onde poderiam estar plantados milho e outros cereais, estão hoje pejados de minas e dificilmente poderão ser recuperados. Quantos milhões de minas estarão hoje enterradas no solo produtivo, nos caminhos, nos acessos ao que resta das aldeias? Ninguém sabe. Os números que existem tanto
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podem pecar por excesso, como por defeito. Mas o que garantidamente se sabe é que este é também um factor que dificulta o regresso de muita gente às suas terras de origem.
Para além de outros problemas, também eles graves, como a falta de condições sanitárias, a falta de habitação, a falta de estruturas, de sementes e de utensílios agrícolas, a questão das minas é, seguramente, a pior de todas elas.
O reassentamento das populações é uma tarefa gigantesca, que tem de ser devidamente equacionada pelas autoridades angolanas e articulada devidamente com todas as organizações nacionais e internacionais, sejam elas organizações não governamentais, sejam elas organizações estatais, de carácter nacional, regional ou internacional.
Aplausos do PCP.
Para se aquilatar desta tarefa gigantesca, basta dizer que mais de 50% da população angolana vive nas cidades, ou no que resta dessas cidades, grande parte dela em condições infra-humanas, em condições de extrema pobreza e mesmo de miséria absoluta. Acresce que as populações que estão agregadas em áreas também vivem nas mesmas ou ainda em piores condições. Acresce ainda que, depois da assinatura do Memorando de Entendimento Complementar ao Protocolo de Lusaca, após a morte de Savimbi, assinado pelas partes em 4 de Abril de 2002, os militares da UNITA e respectivas famílias que foram acantonados em vários pontos do território somam hoje mais de 500 000 pessoas.
Feito o diagnóstico, embora de uma forma sucinta, pode afirmar-se que a terapêutica também não é nada fácil. E, pese embora a ONU tenha aprovado recentemente uma ajuda a Angola e a União Europeia tenha também aprovado uma ajuda no valor de 30 milhões de euros, é extremamente difícil aplicá-la.
Quero aqui referir que Portugal também tem apoiado, de forma directa e com carácter de urgência, com ajudas significativas, mas que todos consideramos serem manifestamente insuficientes face ao imenso universo das necessidades.
Também a AMI, a Caritas, a OIKOS, o PAM e a Cruz Vermelha, a par de outras organizações não governamentais, têm dado um apoio extremamente importante, senão mesmo fundamental, em várias áreas e em várias situações.
Mas estamos a falar de um território imenso, com falta de infra-estruturas e as poucas que existem destruídas pela guerra. Pontes, estradas, picadas e outros acessos rudimentares estão hoje extremamente danificados, senão mesmo destruídos, o que dificulta ainda mais a ajuda tão necessária.
Por outro lado, é necessária uma melhor articulação entre as organizações e as autoridades angolanas, no sentido da complementaridade das acções desenvolvidas, tendo como finalidade um melhor e mais rápido apoio às populações.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: É igualmente necessário que, na área da cooperação e, concretamente, na ajuda bilateral Portugal/Angola, os projectos que estão previstos para médio prazo possam ser reavaliados e que seja dada prioridade a pequenos projectos, que possam apoiar uma população extremamente carenciada.
O fornecimento de sementes e utensílios de lavoura são extremamente urgentes, mas é necessário e fundamental não esquecer que a maioria da produção de subsistência só daqui a 2 ou 3 anos pode estar garantida e que, até lá, é preciso ajuda alimentar de emergência.
Termino, afirmando que a população angolana sofre e não tem tempo para esperar mais. É necessária e urgente a nossa ajuda. É nossa obrigação dar essa ajuda humanitária, e naturalmente que o faremos.
Sarar as feridas da guerra e contribuir para que a paz seja uma realidade são, naturalmente, os meus desejos e os votos do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Por proposta, aliás da máxima importância, do Sr. Presidente da Assembleia da República, estamos hoje a discutir a ajuda humanitária a Angola e a cooperação portuguesa com este país.
Em nosso entendimento, a importância política deste debate não pode deixar de resultar, desde logo, da própria realidade deste país, durante anos e anos martirizado pela guerra: com uma taxa de mortalidade infantil, para crianças com menos de 5 anos, que é a terceira mais alta de todo o planeta e uma mortalidade materna que é 230 vezes superior à de Portugal; com 15% da população a depender em absoluto da ajuda alimentar exterior, 70% sem acesso a cuidados de saúde, 80% sem saneamento básico, 50% sem possibilidade de aceder a água potável, 80% sem possibilidade de ter educação e metade da população, 50% de mulheres, condenada ao analfabetismo.
É esta a realidade e a herança de uma guerra, que fez deslocar 4 milhões de refugiados, que hoje aqui importa discutir. Uma terra e um país destruídos pela guerra, cheios de cicatrizes, marcados pela violência, uma violência que, finalmente, se encontra hoje (é nossa convicção e é nossa esperança) eliminada.
Ora, é neste sentido que a discussão sobre a ajuda a Angola se coloca para Os Verdes, tendo em conta não tanto hoje um debate mais alargado sobre aquilo que são modelos de cooperação, mas a existência de uma prioridade absoluta, porque há uma urgência, há tempo que foi por demais gasto e não pode ser desperdiçado. São as vítimas da guerra, os milhões de meninos, as mulheres e os idosos, uma população durante anos e anos sofrida, que exigem isso da comunidade internacional, nomeadamente das Nações Unidas e da Europa, mas que o exigem, seguramente de uma forma mais imperativa, de Portugal, do povo irmão português.
É nesse sentido que, para nós, a reconstrução e a reintegração social dos refugiados e das populações deslocadas devem ser as prioridades. O que significa que, dentro da ajuda a que Portugal tem de dar em primeiro lugar absoluta urgência, se colocam as questões da ajuda alimentar e da ajuda no plano da saúde - e, no plano da saúde, importa referir o aprofundamento de projectos, alguns já em curso na área de saúde pública, de combate a doenças que
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são hoje gravíssimas em Angola e que exigem resposta (estamos a falar da malária, da SIDA, da doença do sono).
É necessário ainda, do nosso ponto de vista, o apoio a medidas que permitam que os angolanos tenham, de novo, acesso à terra, tenham condições para recuperar a actividade agrícola, e que permitam a recuperação dos mercados locais, obviamente vitais para que, de novo, a pressão urbana não se sinta e para que, de novo, condições de sobrevivência sejam garantidas.
Por último, diria que, do nosso ponto de vista, é fundamental garantir e centrar o apoio no fortalecimento dos serviços sociais básicos: a saúde, a água e a educação.
Para nós, são estes os três vectores que, hoje e agora, é importante colocar na agenda política; é sobre eles que pensamos que o nosso olhar se deve deter. E é também tendo em conta estas prioridades e o riquíssimo e importante trabalho das organizações não governamentais, designadamente a Cruz Vermelha e a OIKOS, no território, ao longo destes anos, e o papel extremamente importante das igrejas, é tendo em conta toda essa aprendizagem, toda essa intervenção e todas as recomendações que quem tem estado no terreno nos faz chegar que consideramos este debate importante para que Angola, que, sendo um país riquíssimo, durante anos e anos foi vítima da guerra e de tentativas de apropriação da sua riqueza, possa finalmente ter o direito à paz, que o seu povo reclama e exige e da qual foi, durante tanto tempo, afastado.
É esse o sentido deste debate, é esse o sentido das prioridades, que, do nosso ponto de vista, na ajuda e na responsabilidade de fiscalizar essa ajuda, nos parece importante sublinhar.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia.
O Sr. Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Representantes da Embaixada de Angola, Sr.ª Presidente da Cruz Vermelha Portuguesa, Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, Sr.as e Srs. Deputados: Agora que as armas se calaram em Angola e se criaram, desde 4 de Abril, as condições para o perdão e para a reconciliação, sem as quais a paz nunca será autêntica e duradoura, é possível fazer-se um balanço de como está Angola e é possível começar-se a olhar para o futuro.
Angola, a Angola que os portugueses tanto amam, é hoje um país devastado: 4 milhões de pessoas estão em situação vulnerável, das quais 2,5 milhões precisam de assistência directa, sendo que apenas 1,2 milhões de pessoas recebem essa assistência através do programa das Nações Unidas e do próprio governo.
O sistema de saúde colapsou, frente a populações particularmente carenciadas. A taxa de mortalidade entre menores de 5 anos é a terceira mais alta do mundo, como já aqui foi assinalado, com 250 mortes por cada 1000 nados-vivos. O paludismo é a principal causa de mortalidade e até a doença do sono (que se veio juntar à poliomielite e à SIDA, hoje flagelos da população angolana), que era considerada uma doença extinta na década de 70, fez esta reaparição em força. Disseram-nos ontem aqui, na Assembleia da República, que só no município de Ndalatando havia 500 pessoas internadas com a doença do sono e que na província do Bengo havia milhares de pessoas a sofrer dessa doença.
Angola tem falta de tudo, mas outras situações urgentes, que não são apenas, infelizmente, a da alimentação e a da saúde, não podem deixar de ser aqui referidas.
Uma delas é a situação da necessidade absoluta de fazer um esforço de desminagem no território. Mais de 20 milhões de minas foram semeadas pelo território e tornam especialmente perigoso, para não dizer mesmo impossível, o acesso a caminhos, às estradas e às terras mais vocacionadas para a agricultura.
Por outro lado, se as populações querem regressar às suas terras, em muitos casos - há que reconhecê-lo -, tal regresso pode correr o risco de degenerar em conflitos pela posse e pelo uso, sendo urgente implementar um mínimo de serviço de cadastro e de registo. Esta questão da propriedade e do uso da terra é ainda agravado pelo facto de se verificar que uma percentagem importante da população não tem qualquer registo de identidade ou qualquer documento que a acompanhe, o que a vulnerabiliza e a torna uma população perfeitamente flutuante nas franjas das sociedade organizada.
Esta situação de pós-guerra não é, infelizmente, muito diferente da situação típica de outros países quando se chega ao momento em que as armas se calam. Mas, na hora do diálogo, é preciso reconhecer que esta crise é muito mais profunda do que na maioria dos países, uma vez que Angola conheceu, em vários graus de intensidade, 40 anos de conflito, tal como é preciso reconhecer que a situação que se vive em Angola está mais próxima de nós, Portugal, e toca-nos mais directamente.
A situação reclama uma actuação a dois tempos: suster o agravamento imediato, através das acções de emergência, numa perspectiva de ajuda humanitária mas, simultaneamente, para dar esperança e consistência aos esforços, e iniciar um processo de recuperação e de desenvolvimento que vai durar muitos anos ou, talvez, décadas.
A comunidade internacional tem pesadas responsabilidades e tem estado à altura. Refiro-me concretamente - pelo lugar de destaque - às Nações Unidas e à União Europeia. Ainda há dias, as Nações Unidas lançaram um apelo, pedindo a ajuda de cerca de 400 milhões de dólares para a cobertura de 166 projectos de natureza diversa em Angola.
Portugal tem estado na primeira linha - tem que estar na primeira linha! - neste esforço de solidariedade e de actuação diplomática, mobilizando a comunidade internacional e, também, fazendo valer a posição que nos advém do facto de, durante anos, sermos o membro da Europa na "troika" que acompanhou o processo de paz em Angola.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o CDS-PP, que desde sempre acompanhou muito de perto a situação que se vive nos chamados PALOP, não pode deixar de recordar aqui a importância política, diplomática e o sentido estratégico de que se revestiu o facto de a primeira visita oficial do Ministro Martins da Cruz ter sido, precisamente, a Angola, para assinalar que, com aquele país, nós temos interesses permanentes e a longo prazo.
Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Queria felicitar o Sr. Presidente da Assembleia da República por ter tomado a iniciativa de sugerir à Comissão dos Assuntos Europeus e Política Externa,
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que integro, a excelente sessão de trabalho que realizámos ontem e agradecer a todos aqueles que nela participaram. E quero referir-me, concretamente, ao Deputado Vítor Ramalho, que sei que foi uma das pessoas que se bateu muito na organização da sessão de ontem.
Também gostaria de acrescentar, Sr. Presidente, que, se é importante este consenso político que se verifica hoje, nesta Câmara, é igualmente importante que seja mobilizada a opinião pública. Assistimos, nos últimos meses, a uma espécie de "cortina de silêncio" que baixou sobre os assuntos de Angola e talvez a iniciativa de ontem, do Parlamento, tenha muito a ver com o facto de, depois de muito tempo, termos tido a oportunidade de, num dos principais canais de televisão portuguesa, ver um programa que nos mostrou os problemas a que Angola procura fazer face.
Angola, para a segunda fase, para a fase da reconstrução, tem praticamente tudo. Tem muita riqueza, tem um povo com um ânimo fantástico, tem uma riqueza que lhe causou a ingerência, mas, dentro de um ano, quando fizermos um balanço da situação que hoje se verifica, vamos encontrar, por certo, muitos progressos.
Nós, Deputados, temos a obrigação de ouvir todas as mensagens e não apenas aquelas que nos agradam ou nos servem, por isso gostaria de dizer aos nossos amigos de Angola que compreendam que as mais de 100 organizações não governamentais que hoje trabalham no seu território são os amigos com que podem contar. E é de louvar o grande esforço que está a ser feito pela nossa juventude no território de Angola - ontem tivemos oportunidade de ouvir três organizações não governamentais, a OIKOS, a AMI e a Caritas -, jovens que, por vezes, ficam perplexos ao verificarem que não verifica, da parte das autoridades de Angola, todo o esforço para que a ajuda de emergência seja tratada com a devida emergência.
De facto, são difíceis de explicar as demoras alfandegárias, a tentativa de cobrar taxas alfandegárias ao que é dado generosa e voluntariamente por outros povos. É, pois, muito difícil explicar a um jovem que os contentores com alimentos apodrecem no porto de Luanda.
Sr. Presidente, este processo exige um esforço e uma união de boa fé entre todas as partes, entre o esforço internacional, principalmente a parte portuguesa, e também a parte de Angola, que é quem tem a principal responsabilidade.
Por fim, não ficaria bem com a minha consciência se não citasse aqui a União Europeia, a posição comum do Conselho de 25 de Junho de 2002 relativa a Angola. Nela pode ler-se: "Continuamos a exortar a uma gestão transparente e plenamente responsável dos recursos públicos, com especial atenção para as contas do sector petrolífero em benefício de todos os angolanos". É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o povo de Angola merece o esforço e merece a transparência.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: O Parlamento reúne-se hoje para discutir a ajuda humanitária a Angola. E é forçoso começar por concluir que ajuda tem havido muito pouca, demasiado pouca, e que tanta dessa ajuda tem sido tão pouco humanitária.
Não é por acaso que, muitas vezes, os países ricos vêem com tanta distância o sofrimento de outros povos; não é por acaso, certamente, que os impérios que, no passado, impuseram o comércio triangular, esse que sangrou Angola dos seus homens e das suas mulheres como escravos, continuem a ver África, ou os seus países que poderiam ser os mais ricos e os mais desenvolvidos, como uma fonte de lucro e como uma possibilidade de negócios.
Com os seus diamantes e com o seu petróleo, Angola foi, no passado colonial, e é certamente agora ainda muito mais, o alvo de todas as cobiças e de todas as tentativas de aproveitamento. Por isso, quando discutimos a ajuda a Angola, queria começar por saudar a capacidade que o povo angolano teve de combater o colonialismo e, mais recentemente, a capacidade que teve de começar a acabar com uma guerra que parecia não ter fim.
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!
O Orador: - Perguntamo-nos sobre as minas em Angola. Mas, então, quem vendeu essas minas?! Perguntamo-nos sobre as armas que se atravessam na guerra de Angola. Mas quem forneceu essas armas?! Perguntamo-nos sobre a guerrilha da UNITA, que proclamou uma guerra que se foi prolongando até há tão pouco tempo. Mas quem foram os embaixadores e os intermediários dessa guerrilha?! A ajuda humanitária, o contributo para o desenvolvimento, o contributo para a paz baseia-se, certamente, na seriedade de todos aqueles que querem acabar com a guerra e com os seus motivos.
Por isso mesmo, porque essa guerra irmanou na dor a família portuguesa e a família angolana, não queria deixar de suscitar perante a Câmara um dos casos mais dramáticos sobre os quais a atenção da opinião pública portuguesa se tem vindo a concentrar.
Há mais de um ano, desapareceram nas matas de Angola, depois de terem sido assassinados alguns dos seus familiares, duas crianças portuguesas, Hugo Viola e Eduardo Silva. E, uma vez que o Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação está presente nesta Assembleia, em representação do Governo, não queria deixar de lhe dar conta da nossa surpresa por, quando alguns corpos foram encontrados a 300m do local, o Ministro dos Negócios Estrangeiros ter dito tão rapidamente que se tratava, com 90% de possibilidades, dos corpos dessas crianças. Sabemos hoje que os testes de ADN provaram que não se trata do Eduardo Silva. Temos uma família desesperada por encontrar a sua criança e que merecia, da parte das autoridades (como, aliás, com diligência, foi provado pela embaixada portuguesa em Angola), de todas as autoridades portuguesas e angolanas, um esforço imenso para resolver esta situação e para devolver estas crianças às suas famílias.
É difícil perceber como é que uma quase certeza foi dada tão rapidamente e hoje se esvai em fumo e se mantém esta tensão e esta necessidade de esclarecimento por parte dos familiares.
Como eles, aliás, muitas outras crianças foram raptadas em Angola, muitas outras foram forçadas a integrar exércitos que se defrontaram nessa imensa guerra em Angola. E a todas as outras faltam escolas, faltam hospitais.
Angola tem este drama que parece nunca terminar: ser um país demasiado rico para ter a paz; ser um país demasiado rico para ter justiça; ser um país demasiado rico para ter liberdade; ser um país tão rico que só tem pobreza,
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miséria e desespero. Um país que é tão pobre porque é tão rico. Assim foi nos anos do colonialismo, assim foi nos anos da guerra e, parece, ainda assim pode continuar a ser nos anos da paz.
Porque apoiámos e nos batemos pelo fim da guerra, como tantas organizações não governamentais e como tantos outros que defenderam a correcção desta guerra infinita em Angola, temos hoje de dizer que é preciso tomar posição para que a ajuda humanitária se possa efectivar sem qualquer limitação. Por isso lhes direi, Srs. Representantes da Embaixada de Luanda em Portugal - aqui presentes -, que um dos maiores riscos da guerra é criar a corrupção sem limite da guerra sem limite.
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!
O Orador: - Na guerra, os senhores da guerra; na guerra, os generais; na guerra, as famílias dos mais poderosos enriquecem sem qualquer entrave. E essa corrupção que Angola tem vivido, essas limitações que são impostas à solução deste conflito atravessam hoje o debate nacional e internacional. É por isso mesmo que, tomando posição para que Portugal dê um passo, perdoando a dívida civil de Angola, contribuindo com o esforço das nossas organizações não governamentais, com o esforço público do País para combater todas as causas do infortúnio e do desespero do povo angolano, não poderemos deixar de continuar a tomar posição pela liberdade de imprensa, pela transparência das contas públicas, pelo esclarecimento de todas as responsabilidades para que Angola, na paz, possa encontrar a liberdade e a capacidade de decisão, para que Angola, na paz, possa encontrar a democracia de que precisa para escolher o seu próprio caminho.
É com total confiança nessa democracia, na paz e no esclarecimento futuros de Angola que quero saudar o povo angolano e tudo o que nos irmana nestas dificuldades e no futuro que está à nossa frente.
Vozes do BE: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação.
O Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação (António Lourenço dos Santos): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados, permitam-me, em primeiro lugar, que expresse uma saudação muito especial, directa, ao Sr. Presidente da Assembleia da República por esta iniciativa que tomou, que consideramos muito oportuna e feliz. Efectivamente, versa um assunto, um problema que tem sido alvo das nossas preocupações e que está ainda por resolver, pois não está resolvido por completo. Portanto, é muito oportuno e feliz a oportunidade de realizar aqui, nesta Assembleia, um momento de debate, um modo de reflexão, que possa abrir novas pistas, novas oportunidades para se poder avançar no plano do ataque ao problema humanitário que existe em Angola.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado.
O Orador: - Após três décadas de guerra, abrem-se agora novas perspectivas para uma situação de paz sustentada em Angola. Todavia, os frutos dessa paz não são ainda alcançáveis pela maioria dos angolanos. Angola vive hoje a pior crise humanitária do mundo - os Srs. Deputados já a ilustraram com alguns números, vou apenas fazer uma síntese muito breve. Temos 4 milhões de pessoas, 4 milhões de angolanos, de seres humanos, numa situação de grande vulnerabilidade.
Destes 4 milhões: 2,5 milhões não sobrevivem se não houver ajuda alimentar de emergência, 700 000 são crianças órfãs, 3,2 milhões são deslocados e 100 000 são mutilados de guerra. São números impressionantes, são números muito preocupantes e que apelam a acções enérgicas da comunidade internacional e, tendo presente os laços que nos ligam a Angola, de natureza muito diversa mas profunda, também apelam com certeza a uma acção enérgica por parte de Portugal e do Governo português.
Estes números testemunham a dimensão dos problemas no domínio humanitário e também expressam a importância que a sua eliminação tem para a estabilização da sociedade angolana e o relançamento do processo de desenvolvimento económico e social em Angola.
A situação humanitária continua, portanto, a ser crítica. Aliás, as Nações Unidas reconhecem que a melhoria das condições de vida da população angolana só deverá ocorrer a partir do próximo ano, após o início do processo de reassentamento das populações, que, como sabem, é seriamente prejudicado pela existência de um número tremendo de minas, e também desde que se verifiquem condições de produção agrícola suficientemente estáveis. O fim das hostilidades alterou substancialmente o quadro da ajuda de emergência, pois permitiu um melhor acesso às populações mais vulneráveis, mas também dele resultou uma maior visibilidade do grau de destruição ocorrida nas duas décadas de guerra e uma maior visibilidade relativamente à inexistência das mais elementares condições de vida para a maioria da população angolana.
A comunidade internacional tem vindo a responder a esta situação, embora as respostas possam ser consideradas por alguns insuficientes. É certo que Angola é hoje palco da maior operação de ajuda humanitária no mundo pois esta é assegurada, articulada e baseada, em grande medida (e cumpre salientá-lo) em cerca de uma centena de organizações não governamentais de âmbito internacional, algumas portuguesas, 300 organizações angolanas e 10 agências das Nações Unidas. As Nações Unidas prevêem agora transferir progressivamente a responsabilidade da coordenação dessas ajudas dos seus órgãos para o Governo angolano.
Do lado da União Europeia, em resposta imediata ao apelo lançado por Portugal em Maio passado, no Conselho de Assuntos Gerais, foi reunido um pacote financeiro de 125 milhões de euros para executar um plano de acção de curto prazo, de onde se destacam as acções destinadas exactamente a avançar no capítulo da desminagem, acções de apoio alimentar de emergência e acções, também de emergência, que dizem respeito a atacar problemas de natureza sanitária, de saúde.
O Governo português integrou este amplo movimento de ajuda de emergência a Angola, em estreita colaboração com outras entidades que quiseram juntar-se a nós. Já realizámos duas operações de ajuda a Angola, uma em Julho e outra em Outubro, em que colaboraram diversos Ministérios, bem como empresas e diversas organizações não governamentais, e estamos, neste momento, a preparar uma terceira acção de ajuda de emergência que queremos
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concretizar até final da 1.ª quinzena do próximo mês de Dezembro.
As carências das populações apontam para a necessidade de uma actuação sistemática de onde resulte segurança, estabilidade e esperança no futuro. Todos os que acompanham a cooperação portuguesa podem reconhecer o esforço associado às duas acções que referi, que foram realizadas no 2.º semestre deste ano, o que patenteia a importância que atribuímos ao ataque, no curto prazo, aos problemas que existem em Angola. Estamos consciente de que a assistência humanitária e a ajuda ao desenvolvimento convergirão neste país durante mais algum tempo, pelo que existem inúmeras possibilidade de intervenção tendo em vista a pacificação social e o desenvolvimento e crescimento da economia angolana. Embora, em termos formais, esteja previsto que o período de emergência termine no próximo ano, é certo que a população permanecerá afectada, as infra-estruturas continuarão destruídas e as carências continuarão a manifestar-se. Salvar vidas, reassentar populações deslocadas, integrar vulneráveis, proteger as crianças e os jovens, por um lado, e criar condições para Angola sair definitivamente de uma economia de guerra, por outro, são alguns dos mais importantes desafios humanitários existentes para Angola e para a comunidade internacional.
Devo salientar, todavia, que o nosso apoio não se concentra em ajudas de emergência, o nosso apoio público ao desenvolvimento angolano constitui, aliás, a esmagadora maioria do nosso esforço de cooperação bilateral. Estamos, neste capítulo, num momento importante das nossas relações com Angola: acabamos um ciclo de cooperação no final deste ano e estamos a preparar uma nova etapa de cooperação com Angola. Por razões óbvias, o ciclo que agora termina registou baixas taxas de execução; a partir de agora, daremos início a um novo programa trianual ao mesmo tempo que será reorganizado o aparelho institucional da cooperação portuguesa, visando um aumento da sua agilidade e eficácia e a melhoria da coerência das nossas acções.
Srs. Deputados, estamos perante problemas que - constato, com muito contentamento - merecem a convergência das nossas opiniões, das nossas posições, merecem e têm merecido um apoio e uma colaboração sistemáticas com as organizações da sociedade civil e espero que daqui possa sair uma nova dinâmica para reforçar os esforços que temos estado a fazer no domínio do apoio e da resolução dos problemas de emergência que existem em Angola.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Pavão.
O Sr. José Manuel Pavão (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, antes de formular o meu pedido de esclarecimento, com a licença do Sr. Presidente, quero aproveitar o momento para exaltar a oportunidade deste debate e, naturalmente, também para exultar com o conteúdo do mesmo e para fazer emergir a importância de que o mesmo se tivesse processado aqui, nesta Casa, que é onde o povo é soberano. E se, porventura, há qualidade e característica que o povo português tem, e com da qual devemos orgulhar-nos, ela é naturalmente a da fraternidade. Foi fraternidade que espalhámos ao longo da diáspora, e é dessa que me orgulho e que devemos orgulhar-nos.
Sr. Presidente, se daqui, pela importância e simbolismo de que se reveste este debate e que nos mantém aqui a esta hora da manhã, expressarmos e se se robustecer e agigantar uma grande corrente de fraternidade para essa Angola martirizada, naturalmente que Portugal se enobreceu. Julgo que - e com a memória do meu passado de juventude - é altura de ter a coragem de recuperar algumas palavras ao passado, e permitam-me dizer isto com a espontaneidade do pensamento: desejaria que fosse rápido e em força (e a geração do meu tempo lembra-se do tenebroso destas palavras), que esta ajuda para Angola fosse célere e pujante e que levasse, numa mão, a esperança e a alegria da solidariedade e, na outra, a capacidade do povo português.
Sr. Secretário de Estado, aproveito esta oportunidade para lhe perguntar, desejando que fosse certo, se o Governo tem intenção, está preparado ou organizado para apoiar organizações, associações, ligas que vão participar, e que participam já, porque já terão dado o pontapé de saída, nesta ajuda ao país irmão africano. Faço esta pergunta porque tenho conhecimento, por dentro, um conhecimento objectivo e vivo, da existência de uma organização que se prepara para, no Porto, acolher, tratar - tratamento médico-cirúrgico - e recuperar não só as funções motoras mas também psicologicamente e para, no final deste importante e nobre percurso, preparar a reintegração, na sociedade e na família a que pertencem, das crianças vítimas da guerra.
Penso que não haverá muitos exemplos como este. Logo, a minha pergunta, que é lógica e é devida, é se o Governo a que V. Ex.ª pertence já está preparado e organizado para prestar o apoio e a comparticipar nas necessidades e nas ajudas a estas organizações voluntárias, conscientes, honradas e responsabilizadas em relação a essa responsabilidade histórica que o País tem.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação.
O Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Manuel Pavão, como sabe, estamos a finalizar uma reorganização do nosso aparelho de cooperação e da nossa política de cooperação de ajuda pública ao desenvolvimento, e uma das linhas que vai ser claramente reforçada na nova política é, exactamente, o apoio a iniciativas de organizações representativas da sociedade civil. Com certeza que a iniciativa de que falou, até por ser no domínio em que é, no da saúde, é merecedora desse apoio, e há um quadro padronizado que estabelece as regras em que esses apoios são concedidos. É, portanto, com muita satisfação que tomo conhecimento de mais uma iniciativa, que vamos poder acolher.
Posso dizer-vos, Srs. Deputados, a propósito do caso angolano, que temos neste momento em execução no terreno oito projectos da iniciativa de organizações da sociedade civil - 8 dos 41 que foram aprovados este ano estão a ser realizados em Angola.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminamos o debate propriamente dito e passamos às intervenções de encerramento.
Assim, para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgo que é possível concluir deste debate a sua importância e que o tempo - esta é a leitura que nós fazemos - em que a cooperação militar era entendida como um dos factores ou uma das vertentes prioritárias da cooperação é um tempo acabado. Do nosso ponto de vista, faz todo o sentido chamar a atenção para a isto, porque a paz parece ser não só uma esperança mas um objectivo tangível.
Assim sendo, como conclusão, é, para nós, importante atribuir a máxima prioridade à ajuda humanitária neste processo e nesta fase ao povo angolano, tendo como orientações a necessidade de apoiar o reassentamento das populações deslocadas, a reconstrução, a reintegração social dos angolanos, em particular os refugiados que foram duramente atingidos.
O segundo aspecto que, para Os Verdes, parece importante realçar nesta fase em que se conclui da importância de atribuir a máxima urgência à ajuda é o facto de essa ajuda dever orientar-se prioritariamente para funções sociais que foram duramente atingidas pela guerra, tais como o acesso à água, ao saneamento básico, o apoio no domínio da saúde - e, no domínio da saúde pública, Portugal tem uma experiência que não deve ser desperdiçada -, no combate à malária, à doença do sono e à SIDA.
Igualmente parece-nos que a educação, tanto mais que há partilha de um património comum, que é a língua portuguesa, deve ser uma das vertentes a que, neste momento, importa dar atenção.
Mas, em todo o caso, sendo certo que estes são pontos relativamente aos quais, porventura, o consenso é total e estando nós a falar de ajuda humanitária, gostaria de tentar projectá-la um pouco mais para o futuro. É certo que a ajuda humanitária só vai ter consequências, repercussões e benefícios daqui a alguns anos, mas é certo também que, quando se discute cooperação, cooperação bilateral, de uma forma mais alargada, é importante que cada um defina aquilo que, em seu entendimento, devem ser as matrizes dessa mesma cooperação. E gostaria de dizer que, para Os Verdes, essa cooperação deve, naturalmente, apoiar, de forma inequívoca, as organizações não governamentais que estão no terreno, que têm projectos e que, comprovadamente, têm definido, como prioridade e objectivo da sua intervenção, o benefício das populações mais atingidas - e falo, concretamente, da OIKOS, do Instituto Marquês de Valle-Flôr, da AMI e da Cruz Vermelha Internacional -, mas há outros aspectos que, a nosso ver, seria bom que o Governo retivesse.
A cooperação para o desenvolvimento implica, seguramente, do nosso ponto de vista, a assunção da responsabilidade daquilo que são os projectos financiados, ou seja, clareza, transparência, fiscalização na aplicação dos projectos e uma avaliação regular, sistemática e crítica da mais-valia social e ambiental que as ajudas desenvolvidas traduzem. Não basta, do ponto de vista de Os Verdes, pôr em contacto os empresários; os povos, os países têm o dever de responsabilizar e de ter um outro olhar, um outro critério quanto à cooperação.
Portanto, a cooperação para o desenvolvimento implica, seguramente, caracterizá-la, avaliá-la e, de forma totalmente transparente, controlar os seus efeitos e avaliar as suas consequências, para que a ajuda não se perca, não chegue àqueles que dela não precisam mas, antes, aos seus destinatários, os povos, e, dentro deles, aos mais necessitados.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, em nome do Bloco de Esquerda, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ao longo deste debate registou-se uma comum boa vontade e determinação de todas as bancadas, e ainda bem, no apoio a Angola, no apoio aos esforços que organizações não governamentais já têm, desde há tanto tempo, desenvolvido e com as quais os governos se têm comprometido e que devem, naturalmente, registar todo o apoio deste Parlamento. Ainda bem que assim é!
Mas regista-se, ao mesmo tempo, uma espécie de manto de silêncio sobre o que tem sido o tabu angolano em Portugal. E creio que vale a pena dizer, com muita franqueza, que esse tabu não beneficia nem o contributo que a ajuda humanitária portuguesa tem de dar a Angola nem a clareza das relações entre Estados independentes.
Todos sabemos que a guerra, que só agora terminou e cujos efeitos ainda se prolongam, permitiu que Angola fosse ocupada pelos donos do petróleo e dos diamantes, e os senhores da guerra são os que têm contas na Suíça, são os que têm jactos privados, são os que se comportam como nababos, num país tão pobre que precisa da distribuição das suas riquezas.
O tabu angolano não ajuda a mobilizar a opinião pública portuguesa, que, em nome do combate às sequelas do colonialismo, em nome do combate à desgraça da guerra, em nome do combate à emergência da fome e das consequências da guerra, se deve mobilizar. E fá-lo-á, como não pode deixar de o fazer, sabendo da nossa responsabilidade e do nosso compromisso.
Por isso mesmo, vale a pena tomar posição clara, para que o fim do tabu angolano seja o princípio da transparência e da amizade entre povos que se conhecem, reconhecem e respeitam.
Por isso, quero pedir ao Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, aqui acompanhado pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e que ainda usará da palavra mais uma vez, que aproveite a oportunidade para dar dois esclarecimentos.
O primeiro é um esclarecimento que a família do Eduardo Silva merece ter. Esta é uma família que sofre com o prolongamento da incerteza e que tem o direito de ter todo o apoio que o Governo tem garantido, ou tem declarado garantir, para a solução do seu drama.
Repare, Sr. Secretário de Estado, é uma família que se pergunta como é que dois corpos são encontrados a 300 m do local do rapto e do assassinato, quando, no momento próprio, se seguiu uma trilha de 11 km para perseguir os raptores. Como é que, um ano depois, aparecem corpos a 300 m?! É uma família que se pergunta por que é que o Ministro tão depressa disse que tinha quase a certeza de que seriam as suas crianças e tardou tanto tempo para ter os testes de ADN, aliás, não ser o caso. E, agora, o que é que se vai fazer? Só espero, naturalmente, que o Governo
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possa dar uma palavra no sentido de garantir os melhores esforços e as medidas práticas para o prosseguimento da busca destas crianças.
Mas, em segundo lugar, Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação e Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, creio que o Governo, neste debate, nos devia ajudar a ultrapassar esta mera declaração de boas vontades. As boas vontades são o ponto de partida para a construção de uma solidariedade e de uma ajuda em relação a Angola - registemo-las, apreciemo-las, apoiemo-nos nelas e no consenso que daí pode surgir -, mas Portugal pode e deve tomar medidas concretas, como seja, por exemplo, a de declarar a Angola que toda a dívida pública, não a dívida privada mas a dívida pública, civil, utilizada no esforço da reconstrução, ao longo dos últimos anos, e que Angola não tem hoje condições para começar a pagar, será renegociada ou perdoada. Bem sei que o Governo tomou medidas a este respeito, bem sei que há uma enorme dívida militar, bem sei que há grandes dívidas privadas, mas, como outros países - a França e a Inglaterra fizeram-no, Portugal fê-lo em relação a Moçambique aquando das cheias, e devemos fazê-lo sempre quando as dívidas se misturam num passado em que as responsabilidades já estão indistintas e quando há esta emergência extraordinária do drama social de um povo -, nós podemos e devemos tomar medidas, com o nosso sacrifício e a nossa determinação, para ajudar a começar a resolver estes problemas. E todas as medidas, no desenvolvimento dos programas que estão em curso, nos programas futuros, na coordenação da política europeia, mas também na solução do problema da dívida, serão um contributo positivo.
Ora, como, certamente, o Governo já considerou estes problemas, como, certamente, a União Europeia o discute, como o Clube de Paris o tem feito sistematicamente, queria ouvir, Sr. Secretário de Estado, da sua parte, mais do que esta constatação do consenso, a abertura de portas, sobretudo, para soluções concretas e para outras medidas, para novas medidas, para as medidas urgentes. Aí terá o nosso aplauso!
Vozes do BE: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.
O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No terminar deste debate, fica uma questão que é, naturalmente, comum a todos: Angola e a sua população necessitam de ajuda.
Mas, neste debate, que foi promovido pelo Sr. Presidente da Assembleia da República, em boa hora, quero dizer-lhe, Sr. Presidente, que, para que as palavras não caiam em saco roto, é necessário que o Governo e as demais entidades ajam, mas ajam rapidamente. Por outro lado, é também necessário aligeirar os processos de reconhecimento de várias entidades, nomeadamente das ONG, que querem fazer trabalho no terreno. Segundo as palavras do Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, há projectos apoiados; peço-lhe, Sr. Secretário de Estado que transmita à Assembleia da República, através de um simples ofício, os projectos que estão a ser programados e aqueles em que o Governo está empenhado.
Mas quero dizer que, naturalmente, é necessário acelerar também a cooperação, sobretudo na área da saúde, criando condições para que, por exemplo, um instituto que tanto fez em Portugal e nos países de língua portuguesa - o Instituto de Medicina Tropical -, um instituto que é extremamente fundamental para as doenças tropicais e que está com dificuldades enormes em termos de funcionamento, seja revitalizado. Este Instituto precisa de mais e melhores condições económicas e financeiras para desenvolver a sua actividade e, por aí, apoiar quer Angola quer os outros países que têm doenças tropicais, cuja erradicação é tão necessária. Para ilustrar o que acabo de dizer, basta referir que a doença do sono, que, em Angola, já estava praticamente debelada, ressurgiu novamente. É, pois, necessário que o Instituto de Medicina Tropical apoie a medicina tropical em Angola e nos outros países, mas para isso precisa de um reforço financeiro para poder funcionar em condições.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - De uma forma muito genérica, quero ainda dizer à Câmara, ao Sr. Presidente e, naturalmente, ao Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, que é necessário e fundamental aquilo que eu disse na tribuna, ou seja, coordenar as acções e coordenar, juntamente com as entidades angolanas, as entidades no terreno, para que a complementaridade entre as acções, a sua malha e a sua ligação, possa servir, com mais rapidez, com mais capacidade e com melhoria de condições, as populações que tanto delas necessitam. E, naturalmente, entre as ONG, as agências internacionais e as entidades angolanas tem de haver, para além da cooperação internacional, uma boa vontade acrescida para atingirmos esse desiderato.
No final deste debate, quero, mais uma vez, dizer e ressaltar que é necessário e fundamental que as palavras não caiam em saco roto, logo é necessário agir, e agir rapidamente, para bem da população que tanto sofre.
Aplausos do PCP, do PSD, do CDS-PP, do BE e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia.
O Sr. Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: No encerramento deste debate, gostaria de, mais uma vez, salientar a oportunidade do mesmo, agradecer ao Sr. Presidente da Assembleia da República o seu empenho para que o mesmo fosse realizado e desejar que dele resultem conclusões, que não seja apenas algo, como acontece, muitas vezes, em Portugal, com os nossos debates sem fim, porque isso significa que não se passa da teoria à prática.
Há pouco, ao referir-me às organizações não governamentais no terreno, ficaram, por certo, algumas por referir, por lapso de memória. Saudei a Sr.ª Presidente da Cruz Vermelha Portuguesa mas, depois, não referi a Cruz Vermelha Portuguesa e também não referi a SIC, pelo programa que transmitiu ontem, onde tive ocasião de ver um desses jovens médicos no terreno. E é justamente para a juventude portuguesa, que resolve empenhar o seu tempo em actividades generosas e nobres, indo conviver com os
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que mais sofrem, que quero deixar aqui a minha segunda palavra.
Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A terceira palavra dirige-se, naturalmente, ao Governo, que encontrou hoje, sobre esta matéria, um amplo consenso nesta Câmara. Estes consensos criam responsabilidades e, da nossa parte, Srs. Membros do Governo, temos toda a confiança de que o Governo vai ser capaz de escutar as mensagens que aqui lhe foram transmitidas e de as passar à prática.
Desde logo, há o desejo de que as nossas acções no terreno tenham a presidi-las uma fortíssima corrente de bom relacionamento com as autoridades de Angola, para que a diplomacia e as relações entre os nossos dois países não estejam submetidas a tabus, nem a jogos de esconde-esconde.
Sei, porque também me informei, e fi-lo porque era amigo pessoal, embora nunca o tenha referido, de uma das pessoas envolvidas na tragédia destas duas crianças que desapareceram - Sebastião Viola foi meu colega de trabalho, durante vários anos, no Laboratório de Engenharia, em Angola -, que, efectivamente, os esforços feitos pelo Governo foram os necessários e, como todos os esforços feitos neste tipo de acções, foram-no de forma discreta, dado que as famílias também têm o direito ao resguardo e à discrição com que estas démarches são realizadas.
Vozes do CDS-PP e do PSD: - Bem lembrado!
O Orador: - Srs. Membros do Governo, no momento em que o Sr. Secretário de Estado diz que o aparelho da cooperação está a ser reorganizado - e, repito, mais uma vez, temos plena confiança de que o Governo o vai fazer da melhor forma -, gostaria de deixar apenas duas ou três sugestões sobre coisas que já se ouviram, e, por isso, correm o risco de ser consideradas um pouco "lapaliçadas", mas continuo a entender que são fundamentais.
Em primeiro lugar, julgo que o êxito de uma acção no terreno, conduzida por agentes de vária natureza, chama-se coordenação. Por isso, é preciso que essa coordenação exista a montante, aqui, em Portugal, e se verifique a jusante, no terreno.
Ora, isto significa também uma coisa muito evidente: que a cooperação portuguesa tem de ter parâmetros muito claros sobre quais são os seus objectivos, quais são as suas formas de financiamento, aquilo que é e aquilo que não é a cooperação. É porque a cooperação não pode ser aquilo que as pessoas gostariam que ela fosse; a cooperação tem de ter uma unidade de comando, tem de ter objectivos e tem de ter critérios claros a presidi-la.
Em segundo lugar, parece-me muito importante sensibilizar a opinião pública. O problema de Angola não desaparece!
Referi-me aqui, há pouco, à "cortina de silêncio" porque, agora, as coisas vão ser melhores, mas é importante que nós, que vivemos o sacrifício de Angola, sejamos informados de como as coisas evoluem, porque a nossa opinião pública também tem direito às good news! Infelizmente, a nossa comunicação social dá um peso muitas vezes excessivo às más notícias e às notícias preocupantes, mas não nos dá, também, as boas notícias. Ora, as coisas em Angola, embora muito más, muito preocupantes, muito dramáticas, estão a movimentar-se, na minha opinião, naquilo que posso considerar um "bom sentido".
Em terceiro lugar, gostaria de falar sobre uma coisa - e aqui referia-me às "lapaliçadas" - que é particularmente sensível: a gestão da cooperação externa, num terreno e num País com a sensibilidade e a perturbação que tem Angola, tem de ser uma gestão absolutamente transparente e uma gestão feita de forma exemplar - até exemplar para dar o bom exemplo!
Julgo, pelo que disse e por aquilo que ficou por dizer, que ficam três mensagens que, parece-me, devem ser muito claras: a reorganização, a sensibilização da opinião pública, a coordenação e gestão da cooperação de forma exemplar, para que a cooperação portuguesa com Angola seja motivo de alegria para os portugueses…
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - … e não mais um motivo de preocupação, a juntar-se aos muitos com que diariamente temos de conviver.
Por outro lado, parece-me que, se os nossos amigos angolanos quiserem, há duas coisas nas quais poderemos ser, talvez dentro de um princípio de subsidiariedade, mais dotados do que outros, a primeira das quais é ajudá-los a preparar o seu próprio aparelho de cooperação para que a "capacidade de absorção" de Angola seja boa.
O Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação sabe bem que, hoje, nas instâncias internacionais, há um fenómeno…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se.
O Orador: - Sr. Presidente, peço-lhe 30 segundos, só para terminar.
Dizia eu que hoje, nas instâncias internacionais, há um fenómeno de cansaço da ajuda e cooperações com baixas taxas de execução não têm futuro - e, portanto, nós também temos aí de dar o exemplo.
A segunda questão é a de que podemos desempenhar, na esfera internacional, designadamente na CE e nas Nações Unidas, um grande papel catalizador de sensibilização - o que, de resto, temos vindo a fazer e que, espero, vamos continuar a desenvolver no futuro.
Muito obrigado, Sr. Presidente, por me ter concedido mais este tempo.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Ramalho, em nome do Grupo Parlamentar do PS.
O Sr. Vítor Ramalho (PS): - Sr. Presidente, estamos aqui nesta sessão que tão meritoriamente V. Ex.ª promoveu e o Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa, Dr. Jaime Gama, concretizou, sem qualquer tipo de complexo, relativamente a Angola. É assim que eu vejo as relações com este povo irmão.
Sei, não só de experiência feita mas também em resultado da memória - da nossa "memória colectiva" - que, se passar no Arco do Cego, em frente de uma antiga farmácia que ali existia, vejo no chão uma lápide que diz "Aqui foi a Casa dos Estudantes do Império".
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É que aí, nessa casa, nos anos 60, os homens e mulheres que vinham estudar para Portugal (alguns pais de colegas que aqui estão - recordo o pai do António Costa…) eram homens e mulheres que levantaram bem forte a solidariedade devida à independência dos territórios sob dominação colonial portuguesa.
Nos anos 60, esses homens já tinham dado lugar, do ponto de vista da cultura, à expressão do que há de mais nobre, hoje, na cultura portuguesa. Foi aí que nasceu para a vida o romance Pepetela, foi aí que nasceu Costa Andrade, foi aí que nasceu Craveirinha, que tem um poema que escreveu quando estava na cadeia, Sr. Presidente, em 1957, se a memória não me falha, que é um hino à solidariedade de todos nós, em que ele, referindo-se ao pai, que era um homem alentejano humilde, diz, terminando, assim: "o meu pai é o primeiro moçambicano que eu conheci".
Foi nessa Casa dos Estudantes do Império, que, enquanto estudantes, homens que, então, na altura, lutavam pela liberdade do seu País em solidariedade com todos nós, acabaram por fugir, nos anos 60, numa fuga célebre. E, hoje, são homens que se chama Chissano - que é o Presidente da República de Moçambique -, ou que chama Manuel Pinto da Costa, ou que se chamava Amílcar Cabral, ou que se chamava Agostinho Neto… São estes homens todos que temos de evocar com a solidariedade que o povo português sempre teve.
É por isso que nós, Sr. Presidente, podemos, como povo, falar de igual para igual para o povo angolano!
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!
O Orador: - De alguma maneira, esta caminhada foi uma luta comum em prol da liberdade e da reconquista da liberdade. E muitos homens que foram a expressão da liberdade nos respectivos países (não vou cuidar aqui do conteúdo do ideário) foram cúmplices com as organizações portuguesas que actuavam, então, na clandestinidade - e, é justo sublinhá-lo, nomeadamente, o Partido Comunista.
Estamos aqui a falar de igual para igual. E por que é que estamos, aqui, agora? É exactamente a mesma solidariedade, sob outra forma: porque um génio da nossa literatura, que se chama Fernando Pessoa, de alguma maneira, premonitoriamente, previu, fruto da genialidade, que a Pátria dele era a Língua Portuguesa, numa altura em que ainda não se admitia, sequer, o desmembramento das ex-colónias - ele chamou-nos a atenção para uma coisa muito séria e que, aqui, exactamente, agora, deve ser recordado - é que "o melhor do mundo são - mesmo - as crianças"!
Ó Sr. Presidente: o melhor do mundo são mesmo as crianças!!
E aqui e agora, em Portugal, em que se fala tanto delas, também eu queria chamar a atenção para que, em Angola, uma em cada cinco crianças não chega à idade dos cinco anos! E essas crianças, Sr. Presidente, recentemente, em lugar de lápis, andavam, de facto, com espingardas! O resultado foi devastador - e foi mesmo devastador! Simplesmente, nós temos respondido com uma solidariedade que nunca negámos ao povo angolano, quer das organizações não-governamentais quer das governamentais.
Aqui, há uma exigência que, como cidadão, deve ser feita ao Governo: sinto que, muitas vezes, nós, nos gabinetes, não temos a relação profunda com o real e, depois, há resultados que hoje estão à vista e todos atiramos pedras uns aos outros, sem sabermos... que todos somos culpados! E isso porque não tivemos atenção ao real. E o real de Angola, neste momento, exige que coordenemos uma ajuda séria, porque estamos a falar - não tenho quaisquer dúvidas disto! - do futuro de todos nós.
Eu, quando me perguntam a nacionalidade, digo que tenho três: sou angolano, lusófono e europeu! É este triângulo, Sr. Presidente, que eu queria aqui recordar na solidariedade de todos. Muito obrigado!
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo, em nome do Grupo Parlamentar do PSD.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Quando, em Angola, há ainda muitos milhões de homens, mulheres e crianças que continuam sem conhecer os dividendos da paz, é premente uma resposta urgente, resoluta e maciça da Comunidade Internacional.
Quando se tornam prioritárias e vitais quer a estabilização da paz e da democracia quer a consolidação económica e a reorganização social a ajuda humanitária a Angola reveste um cunho absolutamente decisivo, nesta fase crucial da retoma, em normalidade, da vida do país.
Os dividendos da paz são previsíveis e, naturalmente, acabarão por chegar a Angola, dado o seu inegável potencial em recursos naturais. Todavia, tal não pode nem deve inibir o apoio imediato e reforçado da comunidade internacional, sob a forma de ajuda humanitária, como complemento dos esforços endógenos do povo angolano.
É que apesar de os desenvolvimentos positivos de um processo de paz que se afigura irreversível, persistem evidentes e gigantescas situações de pobreza, vulnerabilidade e deficiência, bem como de carências básicas em largas camadas da população angolana.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é a mensagem forte que, a par da reconhecida necessidade de uma maior mobilização da opinião publica portuguesa para este candente problema humanitário, sai, hoje, deste debate, corroborando, aliás, o resultado da audição pública que ontem teve lugar e de que já aqui se falou.
Neste contexto, como muito justamente foi afirmado pelo Governo, o futuro será construído, em primeiro lugar, pelos próprios angolanos, m, como referiu o Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, Portugal deve também continuar a desempenhar um papel complementar nesse exigente processo, consolidando e, se possível, assegurando a sustentabilidade dos actuais níveis de ajuda humanitária, em prol do povo angolano.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Chegados ao fim deste debate sobre a Ajuda Humanitária a Angola, que se realizou sob o patrocínio de V. Ex.ª, importa sublinhar o sentimento, partilhado por toda esta Câmara, de que iniciativas desta natureza colhem a plena adesão e o emprenho do Parlamento, desde logo porque este debate contribuiu, e de forma incisiva, para reavivar a nossa consciência colectiva, enquanto representantes do
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povo irmão, mas também porque ajudou a que o tema fosse recolocado no centro das prioridades da agenda política. E será do esforço conjugado de todos - Parlamento, Governo, organizações internacionais, organizações não-governamentais e Igreja, que a actual situação de carência do apoio humanitário poderá ser superada.
No que concerne à Assembleia da República, sai daqui, hoje, uma declaração clara e inequívoca: o flagelo social que a população angolana dramaticamente experimenta não será esquecido! Da parte do Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata ficou bem expressa a toda a solidariedade para com o povo angolano e toda a disponibilidade para favorecer as actuações que visem responder às prementes necessidades desse povo mártir.
Para finalizar, permita-me, Sr. Presidente, que parafraseie D. Alexandre de Nascimento, em algo que disse ontem e que, sinceramente, me tocou muito, e muito bonito me pareceu! Ele disse: "Hoje Luanda está linda e ajardinada!" e acrescento eu: é tempo que Angola possa, finalmente, florescer!
Muito obrigada!
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Para falar em nome do Governo, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares. Luís Marques Mendes
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No encerramento deste debate, queria, em nome do Governo, começar por fazer três breves, mas sinceras, saudações.
A primeira à Assembleia da República, pela iniciativa da realização deste debate. Saúdo de uma forma particular, porque é da mais elementar justiça, a iniciativa do Sr. Presidente da Assembleia da República, já aqui sublinhada por todos, que foi feliz, oportuna e necessária.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Também queria fazer este agradecimento ao Sr. Presidente da Assembleia da República na pessoa do Sr. Deputado Jaime Gama, Presidente da Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa, que teve a responsabilidade de organizar tudo, por forma a que este debate, antecedido de um conjunto de audições, pudesse ser feito de uma forma séria, aprofundada e consistente.
Em segundo lugar, quero saudar os representantes da Embaixada de Angola, em Portugal, que nos honram com a sua presença na Tribuna do Corpo Diplomático, e a quem direi, em nome do Governo, da satisfação pela excelência das relações que unem os dois países e, sobretudo, do sentimento de profunda solidariedade que une os nossos dois povos.
Quero também nesta ocasião, e nesta terceira saudação na pessoa da Sr.ª Dr.ª Maria Barroso, que assiste também a este debate, não apenas cumprimentá-la como também à Cruz Vermelha Portuguesa, que tem tido um papel notável no esforço de cooperação e de solidariedade para com Angola. E, de alguma forma, ao fazer esta referência e ao agradecer a sua presença, que muito nos honra, quero sublinhar também a importância que as organizações não-governamentais, que a sociedade civil tem nesta matéria, que, naturalmente, a todos preocupa e, sobretudo, a todos mobiliza.
Postas estas saudações, que me parecem da mais elementar justiça, permitam-me, no encerramento deste debate, tirar cinco breves conclusões - já aqui foi dito, e muito bem, pelo Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia, que é importante que este debate tenha sido realizado e que é importante tirar algumas conclusões.
A primeira, que, julgo, é uma evidência, mas deve ser sublinhada: a excelência das relações entre os nossos dois países, entre Angola e Portugal, entre Portugal e Angola, sem complexos, na defesa da soberania de cada um dois Estados, mas tendo em atenção que os nossos dois países têm uma história em comum e um futuro que também pode e deve ser de profunda harmonia, solidariedade e cooperação.
Isto é um desiderato político, mas também tem traduções concretas, e ainda ontem, em Portugal, foi assinado, entre os Ministros dos Negócios Estrangeiros e os Ministros das Finanças de ambos os países um protocolo de acordo importante, que tem que ver com a questão da dívida de Angola a Portugal. Era um dossier que se arrastava há anos, um dossier em relação ao qual, de uma forma séria e serena, era importante encontrar pontes e orientações para a sua resolução. Ontem deu-se um passo importante, que orgulha os dois países e as autoridades dos dois países, no sentido da resolução futura desse dossier.
Isso é bem a prova - que julgo também ser motivo de orgulho para esta Assembleia - da excelência das relações entre os dois países, entre os dois Estados, e da necessidade de traduzir em acções concretas essa excelência de relações.
Em segundo lugar, quero sublinhar o que também é uma evidência: a necessidade por todos acentuada do apoio a Angola, particularmente nesta fase crucial da sua vida e da preparação do seu futuro.
Angola viveu uma guerra terrível, sangrenta; como todas as guerras, naturalmente, terrível, mas esta, porventura, ainda mais flagelante do que várias outras e está agora a dar os primeiros passos, a arrancar, para um processo, que queremos todos seja duradouro e consistente, de paz, de reconstrução e, sobretudo, de desenvolvimento.
E numa ocasião destas, mais do que nunca, é nossa obrigação de portugueses, é nossa obrigação como País amigo, irmão de Angola, ajudar o povo angolano, o Estado angolano, a sociedade civil angolana neste processo, porventura, o momento mais difícil do início de uma fase de reconstrução e de desenvolvimento. Eu diria que é um imperativo histórico e cultural, mas mais do que isso: que é uma exigência de cidadania, é um imperativo quase ético e moral. A solidariedade proclama-se, mas, acima de tudo, tem de praticar-se - e este é o momento de praticar a solidariedade para com Angola e o povo angolano.
Em terceiro lugar, quero também sublinhar que é importante, e em particular nos dias políticos que vivemos, a convergência profunda de posições em torno da questão de Angola. É importante sublinhar que é muitíssimo mais, para não dizer quase tudo, aquilo que nos une do que aquilo que nos divide. É bom: é bom para Portugal, é bom para a política externa portuguesa, é bom para a afirmação de Portugal.
Esta convergência de posições, este amplo denominador comum é também um ponto, como aqui já foi sublinhado e bem, que nos enche de orgulho e de satisfação; mas é, por isso mesmo, também mais uma forma de reforçar
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as nossas responsabilidades, como aqui foi sublinhado e muito bem.
A partir de hoje, sobretudo para sermos sérios, consequentes e para não sermos hipócritas, a nossa responsabilidade está reforçada, a nossa obrigação é maior: a nossa do Parlamento; a nossa, do Governo; a nossa, de Portugal, da sociedade civil portuguesa.
É importante que assim seja, porque num mundo em que o cinismo e as hipocrisias quantas vezes fazem o seu curso maior é importante que neste tema, como em vários outros, sejamos capazes de ser sérios, coerentes e consequentes no reforço das responsabilidades que desta convergência resultam.
Em quarto lugar, o apoio a Angola. Agora e nos próximos tempos, ele deve traduzir-se em dois planos: um plano conjuntural e um plano estrutural. O plano conjuntural, eminentemente o do apoio e da ajuda humanitária.
Nenhum de nós é insensível ao flagelo humanitário por que passa Angola neste momento e nesta ocasião. Por isso, o esforço que o Estado e, em particular, muitas organizações da sociedade civil portuguesa têm vindo a fazer neste domínio; o apoio que foi levado, em concreto, a Angola em Julho passado, em Outubro e que agora vai ter uma terceira etapa no próximo mês de Dezembro - 150 t de material,.
Trata-se e um apoio humanitário que, num esforço de coordenação - já aqui sublinhado, e muito bem, não apenas a montante mas depois a jusante -, é importante que chegue às populações em concreto e que se traduza num lenitivo para os problemas graves e sérios que toda aquela população, e, em particular, jovens, crianças e adolescentes (sublinho: jovens, crianças e adolescentes), sofrem de uma forma particular e a que nenhum do nós, no início do século XXI, pode ficar insensível ou indiferente.
Mas há, numa perspectiva futura, um outro ponto que é a ajuda de carácter estrutural, seja no plano do reforço das instituições do Estado, para que o Estado angolano seja forte, seja no plano de outras acções, e aí há duas prioridades absolutamente incontornáveis: a saúde e a educação.
Neste plano mais estrutural, mais estratégico, mais estruturante é importante que no futuro concentremos também os nossos esforços e as nossas atenções.
Quinta e última conclusão que me parece importante sublinhar: somos um país europeu, por vontade própria, por opção legítima dos portugueses; estamos na União Europeia de corpo inteiro, mas a opção europeia de Portugal não esgota o nosso espaço e a nossa capacidade de intervenção; a nossa opção europeia justifica ainda mais a aposta no ideal lusófono, a aposta na lusófonia.
Diria mais: quanto mais formos capazes de acentuar esta componente lusófona maior será o nosso espaço, a nossa mais-valia, o contributo que poderemos dar para uma União Europeia ainda mais avançada, ainda mais harmoniosa, ainda com maior capacidade de afirmação no mundo inteiro.
Por isso mesmo, terminando como comecei, Sr. Presidente da Assembleia da República, bem haja por esta iniciativa, bem hajam todos os Srs. Deputados, os que intervieram ou os que meramente participaram com a sua presença. É caso para dizer que num tempo político em que a tendência, muito frenética, às vezes, é para o "tacticismo", ou para o imediatismo, ou para as tentações mediáticas, é bom que sejamos capazes de reflectir, de uma forma séria, serena e aprofundada sobre temas que se, porventura, não são tão mediáticos quanto outros são muitos mais estruturantes, dizem muito mais à consciência de todos nós e, sobretudo, a um Estado-Nação como Portugal. Muito obrigado, por isso mesmo.
Aplausos do PSD, do CDS-PP e do Deputado do PS Alberto Costa.
O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, agradeço as referências que fizeram.
Relembro que esta minha iniciativa resultou de uma conversa que tive, há já alguns meses atrás, com a Sr.ª Presidente da Cruz Vermelha Portuguesa, Dr.ª Maria de Jesus Barroso, a quem também cumprimento, acompanhada então por um dos seus colaboradores, o Sr. Deputado Vítor Ramalho, também na qualidade de responsável da Cruz Vermelha Portuguesa.
A iniciativa, não há dúvida, foi ajustada.
Quero agradecer e felicitar a Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa, na pessoa do seu Presidente, Sr. Deputado Jaime Gama, e de todos os seus membros, pelo modo como prepararam o debate desta manhã. A audição de ontem, na qual participei, embora parcialmente, foi um momento importantíssimo para tomarmos consciência do que é que se está a passar em Angola.
Neste momento, também devo louvar todos aqueles que estão a trabalhar em Angola no plano humanitário, na ajuda às populações. Várias das instituições portuguesas envolvidas neste esforço, instituições da Igreja Católica, outras, estiveram representadas na audição de ontem e deram-nos bem a noção do trabalho extremamente fecundo que estão a desenvolver em serviço das gentes angolanas.
O que é que resulta deste nosso debate de hoje? Um incentivo claríssimo ao Governo, às autoridades portuguesas para manterem esta colaboração com Angola, para acorrerem às necessidades imediatas, e também um incentivo à sociedade civil, porque o eco do nosso debate desta manhã, tal como o da audição de ontem, passará, com certeza, para o exterior.
A este respeito, sublinho o modo como os nossos trabalhos desta manhã foram atentamente acompanhados pelos órgãos de comunicação social, que até fizeram deslocar aqui equipas especiais - refiro-me à televisão, que não é frequente estar presente nas nossas sessões de sexta-feira de manhã. Também os felicito e louvo por isso.
Os nossos debates sobre esta matéria têm de passar para a sociedade civil. Conforme aqui foi dito, há muita gente que tem algumas reticências relativamente à situação em Angola, por razões que também foram mencionadas e que não vou repetir, portanto, convém que superemos essas reticências e que tomemos todos a noção da importância e da gravidade do problema e da necessidade de dar-lhe uma resposta que é correspondente a um dever de humanidade.
Há também uma mensagem para Angola, com certeza: uma mensagem solidária e amiga, que transmito através dos representantes da Embaixada de Angola, de regozijo pela paz reencontrada ao fim de tantos e tantos anos. Há já hoje duas gerações em Angola que nasceram e viveram sempre em guerra, e essa perspectiva é, realmente, horrível. Por outro lado, somos solidários nessa construção da paz, sem dúvida alguma.
Há também um apelo à boa governação. Dizemo-lo com toda a frontalidade, como amigos, porque é próprio dos amigos dizer a verdade.
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Ajudaremos em tudo o que nos for pedido para a construção de um verdadeiro e eficaz Estado democrático em Angola.
Foi feita uma alusão, pelo Sr. Deputado Vítor Ramalho, aos nacionalistas africanos, que tão incompreendidos foram na altura e que acabaram por ser perseguidos e expulsos de Portugal ou exilados voluntariamente, conduzindo, com outras ligações, os processos da claramente inevitável independência dos seus países.
Julgo que este foi um dos grandes erros históricos do regime deposto no 25 de Abril, ou seja, o de não ter acolhido com naturalidade, aproveitando o ensinamento histórico do Brasil, os surgidos nacionalismos africanos.
Poderíamos ter poupado a guerra colonial e ter criado condições para evitar as guerras fracticidas, as guerras civis… Poderíamos ter preparado com tempo as elites de governação que assegurassem para Angola, para Moçambique, para a Guiné e para os outros países de África de origem histórica de marca portuguesa novos "brasis" que tanto nos honrariam como nos honra, claramente, o Brasil.
Mas a origem desta incompreensão estava, afinal, na própria natureza do regime, um regime autoritário, um regime ditatorial, um regime antidemocrático, que, por isso mesmo, só depois de ser deposto é que permitiu que Portugal encontrasse outros caminhos.
O que está para trás está para trás! Interessa é olhar para o futuro! Em todo o caso, não podemos ignorar que a destruição que ocorreu, nestes últimos anos, em Angola e, sobretudo, o uso enlouquecido das minas como arma no terreno entre irmãos divididos, que era uma característica terrível da guerra civil, configura um verdadeiro crime contra a Humanidade. Quando se diz que há 20 milhões de minas em Angola - não sei se é muito mais ou não, mas é quase uma por cada um dos seus habitantes -, estamos perante qualquer coisa que releva da verdadeira loucura e à qual, felizmente, agora se pôs cobro.
Há, portanto, uma grande tarefa a fazer nesse país e todas as várias etapas dessa reconstrução foram aqui referenciadas, pelo que não quero acrescentar mais nenhuma.
Termino, com a evocação, feita aqui pela Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo, do depoimento feito ontem, tão sentido e tão vivido, do Sr. Cardeal Alexandre do Nascimento, primeiro cardeal angolano da Igreja Católica. Ele disse com clareza, numa mensagem de esperança, que, agora, Luanda está diferente.
Todos nós fazemos votos para que tal aconteça quanto antes, em Angola.
Muito obrigado pela atenção que me dispensaram.
Aplausos gerais.
Srs. Deputados, declaro encerrado o debate mensal de interesse relevante, ao abrigo do n.º 2 do artigo 76.º do Regimento, sobre ajuda humanitária a Angola.
Vamos dar início à apreciação, também da maior importância, da petição n.º 7/IX (1.ª) - Apresentada por José António Mendes Rebelo e outros, sobre o negócio e o tráfico de armas ligeiras. Esta petição foi subscrita por dezenas de milhares de concidadãos nossos e trabalhada, com muito empenho, pela 1.ª Comissão.
O Sr. Rui Cunha (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vou dar-lhe a palavra, mas peço-lhe o favor de ser extremamente sintético e preciso na sua interpelação, por razões que não vale a pena lembrar.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Rui Cunha (PS): - Sr. Presidente, tem vindo a ser referido na comunicação social um relatório de uma auditoria à Casa Pia de Lisboa sobre eventuais irregularidades patrimoniais, administrativas e financeiras por mim determinada, e não concluída no meu mandato e que, consequentemente, nunca poderia ter mandado arquivar.
Contactado o Dr. Simões de Almeida, que tutelou a Casa Pia após a cessação das minhas funções, ele informa-me que despachou o referido processo em 2001, determinando o aprofundamento da investigação ao funcionamento integral da referida instituição, com resultados finais que terão sido apresentados já após a cessação das suas funções.
Não é do meu conhecimento que alguma vez, nessa auditoria, sejam referenciados casos de pedofilia ocorridos após os agora conhecidos e referentes aos anos 80. Quero, contudo, que toda a verdade venha a ser apurada, pelo que venho disponibilizar-me, junto do Sr. Presidente, para me deslocar à 1.ª Comissão, de modo a que não subsistam quaisquer dúvidas.
Mais informo V. Ex.ª que, contactado o Dr. Simões de Almeida, este me solicitou que lhe comunicasse idêntica disponibilidade da sua parte.
Parece-me ser esta a atitude que, a ser seguida pelas tutelas da Casa Pia ao longo do tempo, melhor serve o apuramento integral dos factos.
Sr. Presidente, farei imediatamente entrega na Mesa de uma carta com este teor.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Rui Cunha, farei seguir a sua carta, com prioridade, para a comissão competente para o caso de a mesma entender haver necessidade de proceder à audição de V. Ex.ª.
Srs. Deputados, antes de entrarmos propriamente no debate da petição n.º 7/IX, que já anunciei, quero assinalar que, desde o início da presente legislatura, tenho procurado fazer um levantamento da situação das petições pendentes respeitantes a anteriores legislaturas e as comissões delas encarregadas têm estado a realizar o seu trabalho. Várias delas foram já arquivadas, com comunicação aos peticionários, por já não haver razão para as debater, mas outras já têm os relatórios terminados.
Por isso, espero, ainda antes do Natal, agendar várias delas para cumprirmos aquilo que dispõe a lei e não frustrarmos os nossos concidadãos que se dirigem à Assembleia da República pelo mecanismo das petições.
A esta petição n.º 7/IX, sobre o tráfico ilegal de armas, pela sua relevância, procurei dar-lhe um tratamento muito lesto, por isso é que, tendo sido apresentada no começo da presente legislatura, já temos hoje um debate sobre ela. Agradeço aos membros da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias o trabalho realizado na sua preparação para debate.
Tem a palavra, na qualidade de relator da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, o Sr. Deputado Vitalino Canas.
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O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, permita-me que o interpele para perguntar a V. Ex.ª quanto tempo disponho para apresentar o relatório e parecer da Comissão.
O Sr. Presidente: - Dispõe de 5 minutos, Sr. Deputado.
O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O relatório sobre a petição n.º 7/IX foi aprovado, por unanimidade, pela 1.ª Comissão, sendo primeiro peticionário José António Mendes Rebelo e tendo sido subscrita por mais de 95 000 pessoas, entre as quais me apraz registar a pessoa de V. Ex.ª, Sr. Presidente.
Irei salientar apenas alguns dos aspectos mais importantes deste relatório.
Trata-se de uma petição promovida pela Associação de Imprensa Missionária (Missão Press), pela Amnistia Internacional - Secção Portuguesa, pela Rede Fé e Justiça África-Europa, Comissão Justiça e Paz dos Institutos Religiosos, Agência Ecclesia e Fundação Pro Dignitate. Foi subscrita, como referi, por mais de 95 000 pessoas.
Esta petição tem por intenção conseguir um progresso ao nível da legislação portuguesa - veremos mais tarde que com toda a pertinência e oportunidade -, permitindo, nomeadamente, aos "cidadãos o acesso aos dados referentes ao negócio do armamento, que até aqui se processou…" - dizem os peticionários - "… em segredo e nas suas costas."
De acordo com a petição e com os documentos que a instruem, a preocupação dos peticionários encontra eco em numerosos organismos internacionais, como, por exemplo, a Organização das Nações Unidas e a União Europeia, sendo algumas das suas preocupações - dizem - confirmadas pelo Relatório de Segurança Interna - 2001.
Importa aqui referenciar alguns dados, nomeadamente ao nível dos esforços da comunidade internacional para poder enfrentar este assunto.
No âmbito da Organização dos Estados Americanos, há, desde 1997, uma convenção juridicamente vinculativa - a Convenção Interamericana contra o Fabrico e o Tráfico Ilícitos de Armas de Fogo, Munições, Explosivos e Outros Materiais Similares -, neste momento, o único documento internacional vinculativo vigente.
No âmbito da Organização da Unidade Africana, também já há instrumentos internacionais, embora vinculativos apenas no âmbito político, sendo de destacar, nomeadamente, as directrizes, por ela emitidas, politicamente vinculativas relacionadas com as armas pessoais.
No âmbito da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio Ilícito de Armas Pessoais e Ligeiras em Todos os Seus Aspectos, realizada em Julho de 2001, foi aprovado, por consenso, o Programa de Acção para Prevenir, Combater e Erradicar o Comércio Ilícito de Armas Pessoais e Ligeiras em Todos os Seus Aspectos.
No âmbito da União Europeia, já foram feitos - convém assinalar - alguns esforços para enquadrar particularmente a exportação deste tipo de armas, como, por exemplo, o Código de Conduta da União Europeia relativo à Exportação de Armas, aprovado em Junho de 1998, baseado em critérios que tinham sido entretanto acordados em Conselhos Europeus anteriores, nomeadamente no do Luxemburgo e no de Lisboa, em 1991 e 1992. No entanto, trata-se de um Código de Conduta meramente indicativo, que tem sido criticado justamente pelo facto de não ser inteiramente vinculativo e, portanto, ser seguido se os Estados-membros da União Europeia assim o entenderem.
A nível de Portugal - e vou terminar, Sr. Presidente -, saliento que temos dois corpos de legislação: um, relacionado com armamento de natureza e origem militares; outro, relacionado com o chamado armamento de defesa militar, armas de caça, etc. São dois corpos relativamente dispersos. O mais recente é o primeiro, que tem legislação de 1998, o menos recente é o segundo, que tem, sobretudo, legislação que data ainda da década de 40, 50 e 60, embora tenha sido recentemente alterada em alguns dos seus aspectos. É uma legislação dispersa, lacunar e que merecerá, seguramente, a melhor reflexão da parte desta Câmara e, eventualmente, também do Governo.
No relatório, salientam-se alguns aspectos que merecem ser reponderados ao nível da legislação, nomeadamente: a necessidade de um maior controlo ao nível da fonte das armas, pondo em vigor legislação para exercer um controlo eficaz sobre o fabrico, transferência e posse dessas armas, que passa também por um controlo de exportação mais rigoroso; melhores e mais apertados controlos sobre a posse e o acesso a armas pessoais e ligeiras, tanto por parte dos organismos governamentais autorizados, como a Polícia, as Forças Armadas, etc., como dos particulares; uma regulamentação mais apertada em relação ao recurso a intermediários - pela análise que se fez, a intermediação na venda, exportação, etc., de armas não está adequadamente regulamentada em Portugal, portanto, deverá ser instituída a regulamentação desta actividade; a criação de um sistema de marcação das armas, suas partes e componentes e munições padronizado, de modo a que possam ser rastreados no caso de uso ou transferência ilegais.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.
O Orador: - Concluo de imediato, Sr. Presidente.
Há um aspecto que tem sido controverso, porventura sem razão, que é a questão da divulgação das listas das armas importadas e exportadas. O relatório chama a atenção para o facto de já haver países onde isto não é tabu, antes pelo contrário, é feito de uma forma bastante precisa e rigorosa, como é o caso da Suécia e, sublinho, dos Estados Unidos da América. Os Estados Unidos da América, ao nível da regulamentação e dos esforços internacionais, não têm sido muito activos, mas, ao nível da regulamentação interna, têm legislação que merece a pena ser observada com atenção para futuros desenvolvimentos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Negrão.
O Sr. Fernando Negrão (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, uma palavra de saudação a todos os subscritores desta petição, na pessoa do Sr. José António Mendes Rebelo, pela sensibilidade para esta iniciativa e pela importância desta iniciativa.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - De entre todos os continentes, é a Europa conhecida por ser o que mais severamente controla as armas que no seu espaço circulam.
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Segundo o Governo britânico, através do seu Ministério do Interior, limitar a posse de armas de fogo somente a caçadores, coleccionadores e membros de clubes de tiro tem sido uma das formas de ter e manter taxas de homicídios praticados com armas abaixo das dos Estados Unidos da América. Salientando-se que, de acordo com números recentemente apresentados pelo mesmo Governo, a taxa média de homicídios per capita na União Europeia por cada 100 000 habitantes, no período entre 1997 e 1999, foi de 1,7%, comparados aos 6,26% nos Estados Unidos no mesmo período de tempo.
Porém, vem-se assistindo ao aumento generalizado do crime violento por toda a Europa, o que se deve também e principalmente à crescente disponibilidade de armas. O enfraquecimento e até o colapso das estruturas dos Estados, em particular a dissolução da União Soviética, tem como consequência uma maior disponibilidade de armas ligeiras que fogem ao controlo oficial em muitas partes da Europa.
Responsáveis políticos e policiais da Europa continental vêm manifestando grande preocupação com o fluxo de armas a partir da parte ocidental da Europa, como a ex-Jugoslávia e a Albânia, que estão repletas de armas após quase uma década de conflitos. O fim destes conflitos colocou perigosas armas ligeiras nas mãos de grupos locais de crime organizado, que as vendem a compradores por toda a Europa.
Os movimentos rebeldes separatistas, especialmente na Chechénia, Macedónia, Irlanda do Norte e mesmo Espanha, estão fortemente armados e ligados a grandes organizações internacionais de tráfico de armas.
Em Portugal, existem cerca de cinco dezenas de empresas autorizadas a dedicarem-se ao negócio de armas, sendo que parte das suas exportações continua a fazer-se para países que, pelo seu historial de desrespeito pelos mais elementares direitos humanos, deveriam ser excluídos das listas de potenciais clientes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Um outro dado a registar é o da chamada prática da "Triangulação", que leva os traficantes a recorrer a países terceiros para furarem os embargos que pesam sobre algumas das nações ou grupos envolvidos em guerras.
E a preocupação já é também nossa e vem expressa no Relatório de Segurança Interna - 2001, em que se afirma a existência de "… forte possibilidade de Portugal estar a ser utilizado como país de trânsito no tráfico de armas, nomeadamente para o continente africano." Acrescentando-se que "… o mercado ilegal de armas ligeiras, provenientes sobretudo de países do Leste europeu, dos Balcãs e do Sul da Europa, está igualmente a aumentar em território nacional."
Adianta-se, ainda, que "no domínio das armas de destruição maciça, foram detectadas e acompanhadas pelo SIS, em território nacional, tentativas de aquisição - com vista à exportação - de bens de uso civil e militar."
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não é por acaso que, com cada vez com maior frequência, somos confrontados, com estupefacção e horror, à violência quase indescritível de crimes praticados com armas.
Na cidade de Enfurt, na Alemanha, em Abril de 2002, um estudante que havia sido expulso matou 13 professores, 2 alunos, 1 polícia e, de seguida, suicidou-se.
Em Nantenne, em França, um paciente psiquiátrico atirou e matou oito vereadores de um município, em Março de 2002.
Na Suíça, em Lug, em Setembro de 2001, um homem de 57 anos, furioso por causa de uma briga de trânsito com um motorista de um autocarro, atirou uma granada e disparou uma espingarda na câmara de vereadores, matando 14 pessoas.
Em Maio de 2002, na Hungria, dois homens armados mataram sete pessoas num assalto a um banco.
E o que dizer das crianças do mundo quando nos contam, como o Francisco, angolano: "Eu não queria ir para o Exército, mas eles obrigaram-me. Durante todos estes anos, a única coisa que queria era voltar para casa."? O Francisco tinha 14 anos quando, uma certa noite, soldados governamentais irromperam na fazenda do seu pai, situada na província do Bié, e o raptaram.
Em Angola, 7000 menores participaram em conflitos.
E a criança-soldado do Cambodja, que nos diz: "Alistei-me porque os meus pais não tinham que comer e não havia escola para onde ir. As minas preocupavam-me, mas, quando nos mandam para a frente, não há nada a fazer, pois trata-se de uma ordem. Uma vez, alguém pisou uma mina e morreu mesmo à minha frente. Em qualquer unidade há crianças. Vou continuar a ser um soldado por mais uns anos. Se deixar de o ser, não terei emprego, porque não aprendi nenhum oficio. Não sei o que fazer…".
E o Sayo, de 14 anos, ex-combatente na Serra Leoa, ao explicar a um jornalista, em Agosto de 2000, como costumavam fazer golpes e esfregar cocaína nas feridas, que diz: "Quando vou para o campo de combate, fumo bastante. É por isso que não tenho medo de nada. Se nos recusarmos a tomar droga, dizem que há sabotagem técnica e matam-nos."
E, de entre tantas outras, o Odua Leko, raptado no Uganda quando tinha 8 anos, que conta: "No campo de treino, ensinavam-nos a usar armas. Àqueles que desobedeciam cortavam-lhes as orelhas e os dedos."
Por tudo isto, que não pode deixar ninguém indiferente, é urgente que a Assembleia da República dê resposta a uma iniciativa de grande relevo que brota da sociedade civil e que, com os seus proponentes, reflicta e avance com medidas concretas no sentido, designadamente, de pôr fim à desregulação do comércio de armas, à possibilidade de a indústria e comércio de armamento poderem vir a passar a constituir monopólio do Estado, a uma melhor e mais eficaz aplicação da legislação já existente e com níveis muito exigentes da fiscalização.
O Grupo Parlamentar do PSD, preocupado e determinado quanto a este problema, já encetou contactos com o Governo e sabe que a muito curto prazo virá a ser avaliada e revista essa mesma legislação.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Terminando, direi da urgência de pôr fim ao cinismo, ao horror e à náusea que a actual situação provoca.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero saudar os subscritores da petição em apreço e salientar o seu grande número, que é muito significativo - 95 000 assinaturas relativamente
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a uma causa de uma relevância assinalável. Quero também saudar V. Ex.ª, Sr. Presidente, enquanto subscritor desta petição.
Gostaria, ainda, de congratular-me pelo facto de ter havido uma tramitação célere desta petição e de, portanto, poder ser dada, por esta Assembleia, uma satisfação aos subscritores de tão importante iniciativa.
O tráfico de armas ligeiras é uma realidade que nos preocupa de forma extraordinária - aliás, no Verão passado, foram publicadas reportagens na imprensa portuguesa que se referiam precisamente a este problema e que indiciam uma situação muito inquietante e que deve merecer a nossa atenção.
Foi referido algo que os jornalistas consideravam um verdadeiro cenário de terror: o facto de existirem armas ilegais no nosso país num número que se estimava superior ao das próprias armas legais, sendo que existem em Portugal cerca de 770 000 armas legais (700 000 armas de caça e 70 000 armas de defesa pessoal).
Esta procura e oferta muito intensas de armas no mercado ilegal é explicada por um sentimento de insegurança existente na sociedade portuguesa e, particularmente, pelo facto de, em algumas profissões de risco, procurar obter-se armas pela via ilegal devido a uma dificuldade que haveria, do ponto de vista burocrático, em poder obter armas por via legal.
É preciso dizer muito claramente que, embora possa compreender-se a existência deste sentimento, a proliferação indiscriminada de armas pela população não contribui em nada para reduzir a insegurança dos cidadãos. Muito pelo contrário, é um factor acentuado de insegurança dos cidadãos, até porque, como é óbvio, os primeiros utilizadores das armas obtidas ilegalmente são os próprios delinquentes.
Portanto, é preciso dizer que o combate muito firme ao tráfico ilegal de armas é, acima de tudo, um combate contra a delinquência e é uma medida que só contribuirá para a segurança dos próprios cidadãos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Foram publicitados também dados muito inquietantes relativamente ao "mercado interno" de armas ilegais e ao facto de Portugal estar a ser utilizado como fonte de abastecimento do mercado ilegal espanhol de armas ligeiras. É referido que, entre 1999 e o primeiro semestre de 2001, terão sido apreendidas 2000 armas de origem ilegal em Portugal e foram registados 1500 furtos de armas.
Um outro facto muito preocupante, que deve merecer a nossa atenção, é a falta de fiscalização dos armeiros que actuam legalmente. Em Portugal, é possível comprar armas legalmente e transformá-las, de forma ilegal, com acessórios que estão à venda nos próprios armeiros legais. Esta é uma situação muito preocupante - aliás, o jornal a que me refiro menciona, a dado passo, que há quem importe armas de alarme e, depois, as transforme em pistolas de calibre 6,35 mm. Vendem-se essas pistolas de alarme e ao lado, noutra prateleira, vendem-se kits que servem precisamente para as transformar em pistolas de calibre 6,35 mm.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Exactamente!
O Orador: - Há também quem simule furtos em estabelecimentos para vender as armas no mercado paralelo.
De acordo com dados publicitados nesse jornal - e refiro isto porque me parece particularmente impressivo -, há um armeiro muito conhecido (não sei quem é, mas o jornal refere que é muito conhecido) que vende material militar cuja importação é negada a outros armeiros, designadamente carabinas Ruger Mini 14, importadas como carabinas de caça grossa mas que, depois de transformadas com acessórios à venda na loja, passam a espingardas automáticas com carregadores de 30 munições, coronhas retractáveis, mangas térmicas, selectores de gatilho (para fazerem rajadas de 3 tiros), etc.
Estes dados são extraordinariamente perturbadores e intoleráveis. Assim, impõe-se que, na sequência desta petição, a Assembleia da República tire alguma consequência deste estado de coisas.
Sr. Presidente, propomos que, ao nível da 1ª Comissão, designadamente ao nível da Subcomissão de Administração Interna, seja constituído um grupo de trabalho para estudar atentamente este problema.
O Sr. Deputado Fernando Negrão deu-nos uma boa notícia: disse que, por contactos efectuados com o Governo, sabe que este está a ultimar legislação nesta matéria. Creio que seria muito importante que a Assembleia da República constituísse um grupo de trabalho a nível da 1.ª Comissão para poder acompanhar esta situação e contribuir para que, de facto, sejam tomadas medidas adequadas nesta matéria.
Creio que esta matéria é susceptível de unir todos os grupos parlamentares, sendo possível obter um consenso muito alargado para reforçar a legislação de controlo do comércio de armas.
O Sr. Deputado Fernando Negrão deu-nos ideias muito interessantes. Creio que deveríamos todos, em conjunto, explorar essas possibilidades, estudar o Direito Comparado e procurar encontrar uma solução que, no fundo, dê satisfação a uma petição que é justíssima e que coloca um problema de grande relevância para o nosso país.
Vozes do PCP, do PSD, do BE e de Os Verdes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.
O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A petição n.º 7/IX, subscrita, em primeiro lugar, por José António Mendes Rebelo, é oportuna e pertinente, merecendo, por isso, o nosso apreço.
É pertinente, porque há indícios de que Portugal, seja pela sua exposição geográfica, seja por outros motivos que merecem a nossa oportuna atenção, está na rota do tráfico de armas ligeiras, de armas pessoais, de pequeno calibre, etc.
Dispenso-me aqui de citar o relatório que o Serviço de Informações e Segurança fez há pouco tempo sobre este tema. Trata-se de um relatório que tive oportunidade de ver porque o Governo mo disponibilizou, mas creio que, por ser confidencial, não deve ser aqui explorado. Posso, no entanto, dizer que, de facto, esse relatório aponta para algumas situações preocupantes.
Sendo estas armas denominadas ligeiras, é óbvio que são pesadas as consequências do seu tráfico.
A Organização das Nações Unidas estima que o número total de armas pessoais e ligeiras no mundo ascenda a 639 milhões, sendo que 40 a 60 dessas armas são ilegais
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e 60% estão em mãos privadas. Isto é: mais do que um em cada cidadão do mundo terá uma arma à sua disposição, e muitas delas são armas traficadas, ilegais, produzidas em países desenvolvidos para matar em países com fome.
Há outros números que merecem a nossa atenção. Todos os anos se produzem milhões e milhões de novas armas deste tipo, produzidas por mais de 1000 companhias de 98 países, com um valor estimado de 4000 a 5000 milhões de dólares/ano.
São estas as armas que alimentam a maior parte dos conflitos armados actuais, pois são fáceis de comprar (uma AK-47 vende-se, em certos países, por 15 dólares), fáceis de usar, fáceis de esconder e de transportar. São elas as responsáveis pela mortandade mais horrível, mais anónima e mais inútil de muita gente inocente: 500 000 pessoas morrem por ano em resultado do uso, porventura, destas armas. Podíamos continuar a ver estes números de morte à exaustão, mas talvez não valha a pena continuar.
A petição é também oportuna, Sr. Presidente e Srs. Deputados, porque vem numa ocasião em que somos desafiados, em Portugal, a acompanhar os esforços da comunidade internacional no sentido de disciplinar e controlar este tráfico absurdo e as consequências inaceitáveis do mesmo.
Creio ser relevante assinalar que, nos últimos anos, têm surgido numerosos instrumentos com orientações para a limitação deste tráfico - aliás, já salientei há pouco alguns deles, como sejam a Convenção da Organização dos Estados Americanos, documentos da Organização da Unidade Africana (OUA) e documentos da ONU.
Também é de salientar que, ao nível da Organização das Nações Unidas, foi aprovado o Protocolo Contra o Fabrico e o Tráfico Ilícitos de Armas de Fogo, das suas Partes e Componentes e de Munições, já assinado por Portugal em Setembro último.
Há uma nota que deve ser feita a propósito de todos, ou praticamente todos, estes instrumentos: de uma forma geral, não são instrumentos vinculativos para os seus signatários.
Há, aqui, como que um desequilíbrio, uma hesitação da comunidade internacional e dos países que a compõem entre fechar os olhos e fazer alguma coisa. Compete-nos, aqui, decidir fazer alguma coisa e creio que esta petição veio suscitar, justamente, essa nossa actuação.
Creio que é possível melhorar a legislação. Existem, neste momento, dois corpos de legislação sobre o tema das armas ligeiras, de pequeno calibre e de uso pessoal. Um corpo sobre armas de proveniência e de uso essencialmente militar e um outro corpo sobre armas de uso e defesa pessoal, armas de caça, etc.
Creio que começaríamos bem se começássemos por fazer um único corpo que reunisse todas as disposições sobre este tipo de armas, qualquer que fosse a sua proveniência, qualquer que fosse o seu destino, uma vez que, legal ou ilegalmente, sabemos que muitas dessas armas acabam por entrar no circuito ilegal e servir para actuações ilícitas.
Portanto, devemos começar por essa operação de reunir toda a legislação num único corpo e, depois, tomar algumas iniciativas que visam ultrapassar a situação lacunar, a situação defeituosa da nossa legislação, alguma dela - talvez, até, a mais relevante - datando da década de 40, apesar de haver outra mais recente.
A sugestão que aqui foi adiantada pelo Sr. Deputado António Filipe, do PCP, e outras sugestões que poderão ser feitas devem ser apreciadas. Pessoalmente, creio que o trabalho é demasiado complexo para ser deixado, simplesmente, a uma subcomissão. Haveria, porventura, que contratar trabalho técnico de especialistas nesta área que pudessem, de forma expedita, realizar uma compilação e algum tratamento da legislação,
Portanto, Sr. Presidente, concluo dizendo que há aqui muito que fazer e que esta Assembleia terá, seguramente, de corresponder ao esforço destas 95 000 pessoas que subscreveram esta petição, que, repito, é uma petição oportuna e meritória, que merece toda a nossa atenção e que lhe seja dada sequência profícua por parte desta Câmara.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Rebelo.
O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao abrigo do exercício do direito de petição previsto na lei, 95 000 peticionários, tendo como primeiro subscritor o Sr. José António Mendes Rebelo, apresentaram à Assembleia da República a petição "Ousemos Desmascarar os Comerciantes da Morte", que visa abordar, como já aqui foi referido, a temática do negócio e tráfico de armas ligeiras.
Também gostaria aqui de saudar e realçar o relatório elaborado pelo Sr. Deputado Vitalino Canas, que é muito completo, exaustivo e muito bem elaborado para a compreensão desta matéria.
É de realçar também que esta petição é promovida pela Associação de Imprensa Missionária, pela Amnistia Internacional, pela Rede Fé e Justiça África-Europa, pela Comissão Justiça e Paz dos Institutos Religiosos, pela Agência Ecclesia e pela Fundação Pro Dignitate, entidades de reconhecida idoneidade e cuja movimentação se sustenta no longo percurso de defesa dos direitos e da vida humana.
A preocupação dos peticionários em relação ao tráfico de armas ligeiras encontra eco em inúmeros organismos internacionais, nomeadamente na Organização das Nações Unidas, quando, segundo dados recentemente divulgados, como já foi aqui referido, estima-se que o número total de armas pessoais e ligeiras no mundo ascenda a 639 milhões, sendo que entre 40% a 60% dessas armas são ilegais.
A proliferação deste tipo de armas tem vindo a fomentar um modelo de conflitos, em que as partes implicadas são milícias, grupos armados ou auto-denominados rebeldes, muitas das vezes meros bandos de criminosos envolvidos em campanhas de terror, revelando-se, cada vez mais, numa ameaça global para a segurança das pessoas e para os direitos humanos.
Ao longo dos anos, a comunidade internacional tem vido a assumir diversas iniciativas para regulamentar a matéria em causa, tanto no âmbito das Nações Unidas como no espaço europeu.
Gostaria de falar, aqui, sobre o processo de Portugal, para verem como é que a legislação existe, mas depois, na sua prática, é difícil controlar este fenómeno.
No caso concreto de Portugal, o acesso e o exercício da actividade de indústria e comércio de bens e tecnologias militares encontram-se traduzidos em várias
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legislações que foram aqui referidas, algumas delas ainda datadas de 1940.
Nos termos das várias portarias, compete ao Ministro da Defesa Nacional, através da Direcção-Geral de Armamento e Equipamentos de Defesa, controlar as operações comerciais com os bens e tecnologias militares. Uma das portarias inclui 21 famílias de itens, sendo apenas os itens n.os 1 e 2 dedicados às armas ligeiras destinadas às Forças Armadas e forças de segurança e os restantes itens dizem respeito a bens e tecnologias militares, podendo ir das viaturas militares até aos equipamentos electrónicos.
As armas com destino à chamada "segurança pessoal", relativo à sociedade civil, são controladas pelo Ministério da Administração Interna. Portanto, já aqui há uma parte que compete ao Ministério da Defesa Nacional e outra que compete ao Ministério da Administração Interna.
Os bens e tecnologias de dupla utilização são controlados recentemente pela Direcção-Geral das Alfandegas e Impostos Especiais de Consumo. Portanto, há uma terceira parte que compete ao Ministério das Finanças. Estou a falar de tudo o que é equipamento ou armas que tem a ver com questões militares.
Nos termos de decretos-leis de 1998, nomeadamente o Decreto-Lei n.º 397/98, as empresas são autorizadas a desenvolver o exercício de comércio de bens e tecnologias militares que produzam ou que importam, sob a autorização da Direcção-Geral de Armamento e Equipamentos da Defesa. Em Março do corrente ano, 49 empresas estavam autorizadas a desenvolver o exercício do comércio de bens e tecnologias militares, sendo que apenas 30% se dedica ao comércio de armas ligeiras e duas têm desenvolvido o exercício de exportação de armas ligeiras e respectivas munições.
A exportação de armas ligeiras, cuja decisão cabe ao Ministro da Defesa Nacional, tem como suporte político o parecer do Ministério dos Negócios Estrangeiros (temos aqui, mais uma vez, a participação de dois ministérios), que analisa o destinatário do armamento, nos termos do Decreto-Lei n.º 371/80, de 11 de Setembro, tendo em conta o Código de Conduta da União Europeia, as decisões do Conselho da Segurança das Nações Unidas e da União Europeia sobre embargos nas vendas de armas e os compromisso decorrentes da participação de Portugal nos diversos fóruns internacionais sobre a não proliferação do armamento.
O Ministério da Defesa Nacional publicou, através da Internet, com total transparência - o que é de louvar -, os relatórios sobre as actividades desenvolvidas nas áreas da importação e exportação durante os anos de 1996, 1997, 1998, 1999 e 2000.
Como foi aqui dito, é de realçar que o Código de Conduta da União Europeia Relativo à Exportação de Armas continua a promover o desenvolvimento de uma efectiva política europeia comum em matéria de exportação de armas e não podem ser subestimados, também, os progressos feitos até agora num área que sempre esteve rodeada de secretismos e suspeitas mútuas.
No entanto, o problema sobre toda esta matéria é que muita da legislação nacional, bem como das convenções internacionais, é, em grande medida, declarações de boas intenções, que não estabelecem um calendário claro e concreto para a obtenção de progressos, o que torna difícil detectar e avaliar resultados reais.
Podemos, portanto, concluir, Sr. Presidente, que, apesar de algo ter sido feito, muito falta ainda por fazer, e se é verdade que as soluções estão encontradas, e existem, é fundamental, agora, vontade para as implementar.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero assinalar como extremamente positiva a iniciativa cívica dos cidadãos que se dirigiram a esta Câmara com esta petição, que alerta para o negócio e o tráfico de armas ligeiras.
Estamos a falar de um verdadeiro comércio da morte, que, aliás, já tinha suscitado, no plano internacional, uma ampla campanha que envolveu, nomeadamente, a Amnistia Internacional, os Médicos sem Fronteiras e a Greenpeace. É precisamente essa campanha que chegou até nós e foi capaz de reunir e envolver tantos cidadãos.
Em nosso entendimento, esta chamada de atenção ao Parlamento tem todo sentido e toda a oportunidade. Se nos lembrarmos que, após o grande conflito mundial de que a Europa foi palco, a II Guerra Mundial, mais de 30 milhões de pessoas morreram entretanto noutros conflitos, das quais 26 milhões terão perecido precisamente pelo uso destas armas, se nos lembrarmos que, em 90% dos casos, estas armas atingem populações civis, particularmente crianças e mulheres, teremos muito claramente a ideia do que significa esta proliferação de armamento, como já foi referido, e dos interesses que se movem, designadamente dos grandes países produtores e exportadores, num negócio cujo lucro é estimado em mais de 6000 milhões/ano.
Perante a gravidade desta situação, que tem uma herança extremamente pesada no plano dos conflitos regionais armados e também tem inerente uma lógica que impulsiona e estimula uma cultura de violência, é evidente que é imensa a responsabilidade que recai sobre nós no sentido de nos fazermos eco desta preocupação neste debate e, mais ainda, de encontrar respostas que sejam capazes de suster este tráfico, na maior parte dos casos ilegal. É perante essa responsabilidade que este debate hoje nos coloca.
Disse o Sr. Deputado Fernando Negrão que o Governo estaria a preparar iniciativas legislativas sobre esta matéria.
É nosso entendimento que são bem-vindas todas as iniciativas que possam vir a permitir maior transparência, um controlo efectivo do fabrico, da exportação e do trânsito de armas, como é bem-vindo que se exerça de forma diferente o controlo parlamentar de uma matéria que, hoje, escapa muito ao nosso debate e à nossa atenção e, mais ainda, ao nosso poder fiscalizador.
Sabemos que o nosso país está numa situação particularmente vulnerável, até do ponto de vista geográfico, para ser local de trânsito de muito deste armamento. Sabemos que a União Europeia se tem preocupado com esta questão e estabeleceu, aliás, um código de conduta relativo à exportação de armas, mas sabemos também da ineficácia deste, na medida em que os seis pontos sobre os quais se centra têm-se revelado ineficazes na maior parte dos casos.
Outros parlamentos com uma tradição bem mais interventora, como, por exemplo, o Parlamento sueco, têm um papel activo e um acompanhamento de todos os partidos relativamente a esta questão. Assim, Os Verdes assumem
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desde já o compromisso de, através de uma iniciativa legislativa, contribuir para, juntamente com todos os outros partidos desta Assembleia, se encontrarem mecanismos mais eficazes que permitam que este tráfico da morte, uma ameaça à paz mundial, tenha um tratamento diferente e um controlo eficaz, que, hoje, claramente não tem.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, no Outono passado, há pouco mais de um ano, a revista Além-Mar, editada pelos missionários combonianos, publicou um artigo muito preocupante acerca das vendas de armas portuguesas a países estrangeiros. O artigo citava e utilizava, e bem, os critérios da cátedra UNESCO sobre Paz e Direitos Humanos, da Universidade Autónoma de Barcelona, que identifica um conjunto de critérios que estabelecem quais os países que, no entender destas autoridades académicas, deveriam ser banidos do comércio internacional de armas.
O artigo da Além-Mar identificava oito países que, em 1998, tinham sido clientes de Portugal e que fariam parte de uma lista como esta, incluindo Argélia, Colômbia, Israel, Jordânia, Kuwait, Sri Lanka e Turquia.
Na sequência desse artigo, o Bloco de Esquerda fez um requerimento ao Ministério da Defesa Nacional, no dia 4 de Novembro de 2001 - passa mais de um ano e esse requerimento não teve resposta até hoje -, em que perguntava ao Ministério se as informações da revista Além-Mar eram verdadeiras, se eram confirmadas, que volume e que tipos de armamento tinham sido exportados em particular para aqueles países e, fundamentalmente, porque 1998 foi o ano em que foi aprovado o Código de Conduta da União Europeia relativo à exportação de armas, o que é que o governo português de então (e aplicar-se-á aos governos que vierem depois) entendia que deviam ser as regras de aplicação deste Código de Conduta.
Ora, sabemos que, em 2000, Portugal exportou já não para oito países que estavam naquela lista de banimento mas para 16 e que o comércio português com países que não verificam condições de estabilidade política, que são atravessados por guerras, que são plataformas giratórias para comércio de armas ou que reprimem os direitos humanos tem vindo não a diminuir, não a ser controlado mas a aumentar e a ser desenvolvido.
Por isso mesmo, tem todo o sentido esta petição que hoje nos aparece, cujo primeiro subscritor, aliás, é o Padre José Rebelo, director da revista Além-Mar, e que foi também promovida por outras associações, como a Amnistia Internacional, a Agência Ecclesia, a Associação da Imprensa Missionária e outros organismos sociais.
Esta petição, devo lembrar, não só manifesta preocupação com a difusão de armas em Portugal mas, em particular, preocupa-se com a venda de armas portuguesas a outros países. A petição diz que, "como cidadãos responsáveis e preocupados com os direitos humanos, não querendo ser cúmplices das mortes provocadas pelo armamento fabricado em Portugal ou pelos tráficos que se valem do secretismo português para tornar o País uma placa giratória de armas ligeiras, sobretudo para África", os signatários pedem que o País tenha a informação que recentemente passou a ser disponibilizada em Espanha por uma alteração legislativa ou, como o relator, Deputado Vitalino Canas, chamou a atenção, já é possível ter nos Estados Unidos ou na Suécia. Ou seja, informação dada ao Parlamento, informação relevante politicamente, acerca do tipo de armamento, das quantidades de armamento, dos destinatários desse armamento, dos fabricantes e de quem são os intermediários.
Por isso mesmo, na petição que estamos a considerar se propunha que fosse "dado aos cidadãos acesso aos dados referentes ao negócio do armamento, que, até aqui, se processou em segredo e nas suas costas".
Registo com muita satisfação o facto de todas as bancadas terem manifestado intenção, vontade e disponibilidade (e sabemos que por parte do Governo existe a mesma disponibilidade) para reconsiderar toda a legislação nesta matéria. Que o façamos, então! E que o façamos num prazo curto. Estamos no final de Novembro. Então, que utilizemos, para o trabalho complexo, do ponto de vista técnico e legislativo, os próximos meses de Dezembro, Janeiro e, se for preciso, Fevereiro, mas que não fiquem no esquecimento desta Assembleia, ou que não sejam consumidas pela agenda corrente de todos os trabalhos que a Assembleia tem, as promessas que hoje são feitas. Se assim for, se, então, num prazo muito razoável, de finais de Janeiro ou Fevereiro, for possível erguer esse edifício legislativo e ter um debate conclusivo sobre essa matéria, estaremos a dar uma resposta satisfatória a esta petição. Não podemos é, depois de todas as declarações sinceras que aqui foram feitas, arquivá-la na secção das prioridades esquecidas desta Assembleia.
Mas, em particular, teremos de responder a esta petição que a informação pública será disponível, permitindo o controlo público e que a responsabilidade pública na venda de armas ao estrangeiro passe a ser escrutinada pela Assembleia da República e, naturalmente, pela opinião pública portuguesa. Nessa matéria, é possível ter já uma iniciativa. E o meu grupo parlamentar está disponível para apresentá-la nos próximos dias, sabendo que essa como outras iniciativas contribuirão para esta decisão política, no sentido de disciplinar esta venda de armas.
Creio que podemos e devemos responder a quem nos pergunta se entendemos que Portugal pode continuar a ser uma placa giratória de venda de armas ligeiras e se podemos ou não ser silenciosamente cúmplices das mortes provocadas por este armamento fabricado em Portugal. A nossa resposta é que não seremos cúmplices dessas situações.
Vozes do BE: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Não havendo mais oradores inscritos, também eu gostava de fazer um comentário sobre a matéria, antes de encerrar este debate. Desde logo, para, uma vez mais, felicitar os promotores desta petição, um dos quais assiste aos nossos trabalhos na galeria do público e ao qual dirijo uma saudação muito cordial. Os noventa e tantos mil cidadãos que subscreveram esse documento, concretamente 95 841 (porque, como também o subscrevi, corrigi no original da petição o número), têm direito a uma resposta. Hoje, debatemos o assunto, depois de um trabalho muito valioso, feito na 1.ª Comissão - e
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não posso deixar de sublinhar como vejo com satisfação o empenho das comissões a valorizarem o seu próprio trabalho, os seus relatórios, como é o caso do presente, que é da responsabilidade do Sr. Deputado Vitalino Canas.
Depois deste debate, como também aqui foi dito, não vamos guardar este assunto no arquivo. Está dito na lei que regula o direito de petição que do debate será dado conhecimento ao primeiro signatário da petição - e vou, de facto, enviar-lhe um exemplar do Diário da Assembleia da República, quando ele for publicado. Mas, atenção, diz-se também nessa mesma lei que, não sendo submetida a votação a matéria constante da petição, quando, porventura, venha a haver um debate sobre uma iniciativa legislativa a ela referente, a petição será avocada novamente.
Portanto, este documento não vai ser "mergulhado" no arquivo histórico do nosso Parlamento, que, de resto, é extensíssimo, mas vai manter-se vivo, aqui. Recomendo à Sr.ª Presidente da 1.ª Comissão que promova as diligências necessárias para que este assunto tenha o seu seguimento. Sugiro que se organize uma audição ao Sr. Ministro da Administração Interna para tratar do aspecto importantíssimo, aqui ventilado, do controlo das armas no nosso país. Aliás, talvez seja necessário fazer também uma qualquer outra diligência, e já foi anunciada uma iniciativa legislativa relativamente ao tráfico de armas de guerra a partir do nosso país, matéria que releva de outro sector mas o Parlamento também tem de estar envolvido nela.
Assim sendo, Srs. Deputados, o nosso trabalho desta manhã foi um trabalho frutuoso. Todos estamos de acordo em que é preciso, de facto, combater este comércio da morte, das armas ilegais, e certamente todos nos vamos empenhar para que, dentro de um tempo razoável, se elabore nova legislação sobre esta matéria e se tomem as medidas de fiscalização da acção governativa das entidades dependentes da tutela do Governo, a fim de a nossa consciência de cidadãos e de homens e mulheres estar devidamente tranquila.
Com isto, dou por encerrado o debate da petição n.º 7/IX (1.ª).
Srs. Deputados, os trabalhos parlamentares, na próxima semana, iniciar-se-ão já na segunda-feira. Embora as próximas segunda-feira e terça-feira sejam destinadas a contactos com o eleitorado, autorizei, excepcionalmente, a reunião de algumas comissões, nomeadamente da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais, que está a proceder às audições relacionadas com a discussão pública da proposta de lei n.º 29/IX - Aprova o Código do Trabalho. Haverá também outras reuniões de comissões, tanto na segunda-feira como na terça-feira, e, na quarta-feira, realizar-se-á, pelas 15 horas, a próxima sessão plenária, da qual consta um período de antes da ordem do dia e tendo como ordem do dia a discussão conjunta da proposta de lei n.º 24/IX - Estabelece o regime de criação, o quadro de atribuições e competências das áreas metropolitanas e o funcionamento dos seus órgãos, e do projecto de lei n.º 110/IX - Altera a forma de constituição dos órgãos e reforça os poderes e meios de actuação das estruturas e funcionamento das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto (PCP), e ainda o debate do projecto de lei n.º 125/IX - Acesso universal à Internet em banda larga (BE).
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 13 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
Alexandre Bernardo Macedo Lopes Simões
António Alfredo Delgado da Silva Preto
Arménio dos Santos
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Jorge Martins Pereira
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
João Carlos Barreiras Duarte
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António de Sousa e Silva
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Pedro Filipe dos Santos Alves
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Vasco Manuel Henriques Cunha
Partido Socialista (PS):
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Luís Santos da Costa
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel de Medeiros Ferreira
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
António Paulo Martins Pereira Coelho
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Eduardo Artur Neves Moreira
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
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Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Hugo José Teixeira Velosa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Partido Socialista (PS):
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
Carlos Manuel Luís
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL