3099 | I Série - Número 074 | 16 de Janeiro de 2003
certas para essa evocação e para a referência adequada ao Deputado João Amaral.
No voto que acaba de ser lido e que, naturalmente, todos subscrevemos, designadamente também o Grupo Parlamentar do PSD, faz-se algum relato e retrato do que foi a brilhante carreira política e cívica do Deputado Dr. João Amaral. Mas não é possível num voto de pesar nem nestas intervenções que temos de fazer aqui deixar vincado, de forma que se aproxime daquele que era, efectivamente, o retrato humano do Dr. João Amaral.
De facto, para além de um excelente tribuno, era uma pessoa ímpar: a forma elevada como tratava os seus adversários, o empenho que colocava na defesa das causas em que acreditava - e não é, obviamente, a hora de entrarmos aqui em questões que possam desmerecer ou conflituar e, nessa medida, tirar o tom que este tipo de intervenções deve ter -, a forma convicta como se empenhava naquilo que era o rumo que pensava melhor para a orientação das coisas em que acreditava e até a forma como se bateu, na última das suas causas, contra a adversidade da doença de que foi vítima. Todos convivemos com ele também nesse período difícil e sabemos da dignidade e da força que ele emprestava, em cada dia que passava e em que as dificuldades da doença o atormentavam, sempre acreditando numa continuação.
Penso que a imagem que ele deixou também nesse combate é a de que ele foi mas a sua luta ficou e ficou cá com as sementes que ele deixou para prosseguir na defesa daquilo em que ele acreditava. E muitos de nós tiramos dele o exemplo para esse tipo de combates.
Permito-me, porque penso que isso é uma síntese da forma como ele olhava, com elevação, para os seus adversários, ler aqui um pequeno extracto de um dos seus últimos artigos no Expresso. Dizia ele, referindo-se a políticos de vários quadrantes: "Álvaro Cunhal, Mário Soares, Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Amaro da Costa representam uma época de ouro. Em todos eles se aliava uma sólida cultura humanista, herdeira das diferentes raízes do pensamento nacional, com total empenho de serviço ao País e de defesa das grandes causas. Eram, obviamente, diferentes e situados em pólos por vezes opostos, mas todos tinham um projecto para o País, ancorado numa reflexão própria, amadurecida pelo estudo e pela experiência".
Era isto o Deputado João Amaral! Não era um homem sectário, não era um homem que visse apenas nos da sua linha de pensamento "os bons" e do outro lado "os maus ou os menos bons". Tinha esta elevação de reconhecer nos seus adversários esta igualdade de boa fé e de vontade de fazer o melhor pelo seu País.
É com este registo que quero terminar, porque é neste registo que reencontro o Deputado João Amaral.
Sr. Presidente, subscrevemos o voto apresentado pelo Partido Comunista e associamo-nos ao pesar que gostava que V. Ex.ª transmitisse à família, apresentando-lhe a nossa solidariedade neste momento difícil.
O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Soares.
O Sr. João Soares (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pouco tempo antes de nos deixar, João Amaral tinha dito que "o dia em que morremos é apenas um dia nas nossas vidas". É verdade, mas, sobretudo, exprime a lição de coragem que João Amaral nos deu ao enfrentar a morte de uma forma tão serena, tão tranquila, tão digna.
João Amaral sabia que ia morrer e, no entanto, não deixou de nos sorrir, de sorrir à vida, de trabalhar, de amar, de lutar por aquilo em que acreditava. E esse é um importante exemplo que nos deixa; essa é uma importante lição que nos dá, como já aqui sublinhou - e bem! - o Sr. Deputado Guilherme Silva.
Morreu fiel aos valores de homem de esquerda, de comunista, valores em que acreditava, empenhado nas batalhas que escolheu como suas e na defesa de valores que são dele e de muitos outros portugueses que se revêem no seu exemplo e querem um mundo mais justo e mais fraterno, e que, como ele, não abdicam, nem abdicarão jamais, de lutar por esses valores para a sociedade portuguesa, para a Europa e para o mundo.
João Amaral empenhou o melhor da sua vida nesse combate solidário, nesse combate que quis continuar a travar até ao fim. E esse é também um belo exemplo que nos deixa: o de alguém que marcou a esquerda portuguesa e o movimento comunista pela permanente vontade de fazer mais e melhor, de renovar, de progredir. Por isso, também nos fica a nós, homens e mulheres de esquerda, e sobretudo aos seus camaradas mais chegados, uma imensa vontade de prosseguir essa luta, ainda que por caminhos tantas vezes diversos, por uma terra mais justa, mais fraterna e mais solidária.
João Amaral foi um grande parlamentar, alguém que, na fidelidade às suas próprias convicções, soube, como já aqui sublinhou bem o Sr. Deputado Guilherme Silva, granjear o respeito e a consideração dos seus adversários políticos, alguém que falta nesta Casa, alguém cuja falta se começou a sentir mesmo antes da sua morte, neste Parlamento.
Por isso certamente compreenderão que lembre o sorriso que lhe apercebi no passado dia 25 de Abril quando, tendo tido a honra de falar em nome da bancada parlamentar do meu partido, o Partido Socialista, lhe fiz uma referência de profunda simpatia pessoal e consideração política, a única que lhe foi feita nessa cerimónia, quando se sentava, pela primeira vez desde há muitos anos, muito digna e simplesmente, na bancada reservada ao público…
João Amaral era um homem combativo e provou-o até ao fim! Mostrou-nos muitos momentos de alegria e de felicidade, mas também de luta e de dificuldade, que tive o privilégio e o prazer de poder viver ao seu lado.
Activo, imaginativo, culto, elegante no porte e na forma de falar, lembro a sua figura marcante nos momentos de derrota e de vitória, na hora de tragédia, como a do incêndio que, em 1996, devastou os Paços do Concelho da cidade de Lisboa, ou na hora de serena alegria, em que se entregava aos moradores do desaparecido inferno do Casal Ventoso as primeiras casas dignas.
João Amaral era um homem bom, um homem amigo do seu amigo, um homem atento ao mundo que nos rodeia e às suas transformações por vezes tão vertiginosamente rápidas, um homem de partido e com partido, mas que soube pensar pela sua própria cabeça, fazer o seu próprio caminho, preservar as suas amizades e simpatias pessoais para além das fronteiras, tantas vezes estreitas, das fidelidades partidárias.
João Amaral gostava de viver e mostrou-o ao longo da sua vida, de uma forma impressiva. Deixa a sua marca e a saudade do traço do seu sorriso em tantos dos seus companheiros de jornada, nos seus amigos de quase todos os quadrantes, naqueles que amou, na sua família. Para eles, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, vai