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4898 | I Série - Número 116 | 02 de Maio de 2003

 

Mesmo a ser assim, o projecto de lei, tal como está, proporciona igualmente um outro ridículo: sempre que 1, 10, 1000 ou 10 000 cidadãos se lembrarem de instaurar acções de indemnização contra a EDP - voltemos ao exemplo - por lhes ter sido cortada, sem aviso prévio, a energia durante um determinado período de tempo competiria à empresa concessionária demonstrar 1, 10, 1000, 10 000 vezes que jamais cortou a energia e que, portanto, não desrespeitou aquele princípio da continuidade da prestação de serviço.
Que se saiba - e os Srs. Deputados sabem! - desde 1939 que se consagrou na lei processual que a prova negativa de um facto é, senão mesmo impossível, a mais das vezes dificílima. Por isso é que os factos se devem alegar e provar pela positiva, devendo competir ao autor daquela acção de indemnização anteriormente dita alegar e provar, pela positiva, pela afirmativa, que ocorreu o tal corte de energia, com referência ao dia, à hora e a outras condicionantes, bem como alegar e provar os prejuízos sofridos, não competindo, evidentemente, à entidade concessionária alegar e provar, pela negativa, que jamais ocorreu qualquer corte de energia.
Nisto consiste uma adequada e lógica repartição do ónus da prova. E se é nisto que consiste uma adequada e lógica repartição do ónus da prova, é exactamente o contrário disto que o projecto em discussão se propõe fazer, atenta a letra do artigo 4.º. Só que, a ser aprovado o diploma, agora não estaríamos perante um erro jurídico grosseiro mas, certamente, perante uma verdadeira aberração jurídica, à qual jamais nos associaríamos.
Finalmente, será que os proponentes quiseram uma outra coisa diferente daquelas a que até agora aludimos? Será que quiseram inverter o ónus da prova nos casos em que a Administração ou a entidade concessionária tenha violado o dito princípio da continuidade da prestação por qualquer motivo de força maior, consagrando-se, então sim, que compete a ela, Administração, ou entidade concessionária a prova dessa força maior e a sua consequente desresponsabilidade? Mas claro que compete! Mas para isso não é preciso esta iniciativa legislativa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Com certeza!

O Orador: - Compete, porque isso envolve claramente matéria de defesa, mais concretamente matéria de defesa por excepção peremptória, sendo, pois, sobre o réu, no caso, sobre a Administração ou sobre a entidade concessionária, que recai tal ónus da prova. Evidentemente! Não é preciso a lei!
Claro que compete ainda, porque até a lei já o refere, ainda que indirectamente, pois que o Decreto-Lei n.º 48 051, já com mais de 30 anos mas ainda em vigor, preconiza, incontroversamente, essa repartição do ónus da prova.

O Sr. José Magalhães (PS): - Está em revisão!

O Orador: - Está em revisão, mas não nesse ponto. Está em revisão o artigo 7.º, como sabe.
Claro que compete ainda, porque toda a jurisprudência conhecida e toda a doutrina conhecida, desde Freitas do Amaral a Sérvulo Correia, desde Vieira de Andrade a Gomes Canotilho, sem a mais pequena polémica, defendem e ensinam que os casos de força maior desresponsabilizadores da Administração Pública, evidentemente, têm de ser alegados e provados pela própria Administração Pública.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, eu disse no início que a proposta era, e é, inepta, inapta e inútil. É inepta, porque está mal feita; é inapta, porque não se adapta ao fim pretendido; é inútil, porque sempre visaria regular o que já está regulado por lei, o que já está resolvido por toda a jurisprudência, o que já está pacificado pela doutrina.
Com estas excelentes "qualidades", fácil é vislumbrar o desfecho da iniciativa.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Montalvão Machado, eu não retribuirei o gesto da sua bancada perante a intervenção do grupo parlamentar do meu partido, vou, antes, apelar a alguma serenidade na abordagem desta questão e, até, se possível, elevar um pouco o nível da discussão que estamos a travar, referir-me a alguns aspectos concretos e travar alguma discussão política que é aquela que, pelos vistos, carece neste debate.
A intervenção de V. Ex.ª, que procurou qualificar de despropositada esta iniciativa, foi, ela própria, eventualmente, demasiado taxativa e de uma agressividade um pouco injustificada,…

O Sr. José Magalhães (PS): - No mínimo!

O Orador: - … que, no mínimo, sentenciou com adjectivos um propósito que, através de uma visão a que alguns chamariam de tecnicista e que outros considerariam florentina, passou ao lado das questões essenciais que estão em discussão neste Plenário e que têm a ver com o inalienável valor próprio, intrínseco, da defesa do interesse público e do direito do consumidor.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Desse ponto de vista, penso que é importante fazermos uma reflexão política, da qual a intervenção do Sr. Deputado careceu. De facto, a prestação dos serviços públicos é o valor fundamental desta nossa iniciativa e o Sr. Deputado passou ao lado desta questão, não a valorizou. Aliás, nos termos da legislação em vigor, de 1996, como já referimos, os Decretos-Leis n.os 23/96 e 24/96, não estão a servir os propósitos inalienáveis, fundamentais, de garantia do direito ao consumidor. Quando o Sr. Deputado falou em outros contratos, que não os de concessão, certamente não ignorou que, nomeadamente, ao nível da saúde, há exemplos como o do Hospital Amadora-Sintra em que o contrato não é de concessão mas de gestão. Desse ponto de vista, a limitativa visão microscópica de um aspecto em concreto não pode servir para ignorar nem para deixar passar ao lado todo um conjunto de situações como este exemplo que acabei de referir.
Por outro lado, o Sr. Deputado certamente que não ignora aquilo que já referenciámos neste debate, que é a existência em diversos Estado europeus de um normativo legal que apresenta a garantia de esta defesa ser dada - aliás, no estrangeiro e no nosso país. O eminente jurista que é V. Ex.ª certamente não está a esquecer que o artigo 344.º do Código Civil admite a inversão do ónus da prova.

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