O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 162

Quinta-feira, 25 de Setembro de 2003 I Série - Número 4

IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 24 DE SETEMBRO DE 2003

Presidente: Ex.mo Sr. Manuel Alegre de Melo Duarte

Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de requerimentos, da resposta a alguns outros e da entrada das propostas de lei n.os 82, 83 e 92/IX, dos projectos de lei n.os 340 a 349/IX, da interpelação n.º 7/IX e dos projectos de resolução n.os 177 e 178/IX.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes), a propósito do Dia Europeu Sem Carros, criticou o Governo por não promover uma política no sector dos transportes colectivos com vista a uma maior utilização destes, tendo, no fim, respondido ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Pedro Silva Pereira (PS).
O Sr. Deputado António Filipe (PCP), também em declaração política, criticou o discurso político proferido pelo Dr. Paulo Portas, Ministro de Estado e da Defesa Nacional, na rentrée política do CDS-PP. No fim, respondeu aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputado Celeste Correia (PS), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Vitalino Canas (PS) - que deu explicações à defesa da honra da bancada proferida pelo Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP) - e João Teixeira Lopes (BE).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Patinha Antão (PSD) congratulou-se com a apresentação pelo Governo de um segundo conjunto de diplomas relativos à reforma da Administração Pública, após o que respondeu a pedidos de esclarecimentos dos Srs. Deputados Ascenso Simões (PS) e Francisco Louçã (BE).
O Sr. Deputado Renato Sampaio (PS) deu conta das conclusões saídas das Jornadas Parlamentares dos Deputados do PS eleitos pelo círculo do Porto, tendo criticado o Governo pelo desinvestimento que se tem registado neste distrito. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimentos dos Srs. Deputados João Moura de Sá (PSD) e Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP).

Ordem do dia. - Foram aprovados os n.os 131 a 143 do Diário.
Procedeu-se à discussão, na generalidade, dos projectos de lei n.os 290/IX - Difusão da música portuguesa na rádio (PS) e 237/IX - Alterações à Lei n.º 4/2001, de 23 de Fevereiro (Lei da Rádio) (CDS-PP). Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Augusto Santos Silva (PS), Gonçalo Capitão (PSD), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Alberto Arons de Carvalho (PS), João Teixeira Lopes (BE), Luís Campos Ferreira (PSD), Francisco Louçã (BE), António Filipe (PCP) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
Foi igualmente apreciado, na generalidade, o projecto de lei n.º 129/IX - Limita a concentração da propriedade dos meios de comunicação social (BE), sobre o qual intervieram os Srs. Deputados Francisco Louçã (BE), Alberto Arons de Carvalho (PS), Hugo Velosa (PSD), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP) e Bruno Dias (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 25 minutos.

Página 163

0163 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Paulo Martins Pereira Coelho
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eduardo Artur Neves Moreira
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Ribeiro dos Santos
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Miguel Gonçalves Miranda
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte

Página 164

0164 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Soromenho Gomes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria Eulália Silva Teixeira
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa da Silva Morais
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário Patinha Antão
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita

Página 165

0165 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Santos de Magalhães
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
João Barroso Soares
João Cardona Gomes Cravinho
João Rui Gaspar de Almeida
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luísa Pinheiro Portugal
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista

Página 166

0166 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

Vitalino José Ferreira Prova Canas
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
Fernando Barbosa Alves Pereira
Henrique Jorge Campos Cunha
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró
Paulo Daniel Fugas Veiga
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita

Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa vários requerimentos.
Nos dias 15 e 16 de Setembro: à Secretaria de Estado da Indústria, Comércio e Serviços, formulado pela Sr.ª Deputada Custódia Fernandes; ao Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Narana Coissoró; e ao Ministro da Presidência, formulado pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
Na reunião plenária de 17 de Setembro: aos Ministérios das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente e da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Fernando Pedro Moutinho e Honório Novo; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas, formulado pela Sr.ª Deputada Maria Manuela Aguiar; ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Abílio Almeida Costa; ao Ministério da Educação, formulado pela Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos; e ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho.
Entretanto, foram respondidos, nos dias 2 e 8 de Setembro, os requerimentos apresentados pelo Deputado Jorge Nuno Sá.
Deu entrada na Mesa um pedido de renúncia de mandato do Sr. Deputado Diogo Vasconcelos (PSD).
Deram, ainda, entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: propostas de lei n.os 82/IX - Altera o artigo 18.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (ALRM), 83/IX - Altera o artigo 85.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (ALRM) e 92/IX - Adita novas substâncias às tabelas anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, que baixou à 1.ª Comissão; projectos de lei n.os 340/IX - Redução de embalagens e de resíduos de embalagens (Os Verdes), que baixou à 4.ª Comissão, 341/IX - Assistência a banhistas (Os Verdes), que baixou à 3.ª Comissão, 342/IX - Valorização de resíduos (Os Verdes), que baixou à 4.ª Comissão, 343/IX - Estabelece regras de segurança no transporte colectivo de crianças (Os Verdes), que baixou à 9.ª Comissão, 344/IX - Estabelece as bases da

Página 167

0167 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

autonomia dos estabelecimentos de ensino superior público (PS), que baixou à 7.ª Comissão, 345/IX - Aprova o regime de gestão contratualizada nos serviços da Administração Pública (PS), que baixou às 1.ª e 8.ª Comissões, 346/IX - Aprova a lei-quadro sobre autoridades reguladoras independentes nos domínios económico e financeiro (PS), que baixou à 5.ª Comissão, 347/IX - Estabelece o estatuto do pessoal dirigente da Administração Pública (PS), que baixou às 1.ª e 8.ª Comissões, 348/IX - Aprova a lei-quadro dos institutos públicos integrantes da administração do Estado (PS), que baixou às 1.ª e 8.ª Comissões, e 349/IX - Estabelece os princípios e as normas a que deverá obedecer a organização dos serviços da administração directa do Estado (PS), que baixou às 1.ª e 8.ª Comissões; interpelação n.º 7/IX - Debate de política geral, centrado na condução da política económica e financeira e na orientação das políticas públicas em matéria de investimento, designadamente nos domínios infra-estrutural e de apoio ao desenvolvimento e à inovação (PS); e projectos de resolução n.os 177/IX - Adopta medidas de precaução no uso de telemóveis (Os Verdes) e 178/IX - Atribuição de prioridade máxima na instalação de sistema costeiro de vigilância marítima (Os Verdes).
Em matéria de expediente é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De acordo com inquéritos realizados à escala europeia, também a maioria dos cidadãos portugueses entende o Dia Europeu Sem Carros, assinalado na passada segunda-feira, bem como a Semana Europeia da Mobilidade, decorrida de 16 a 22 do mês corrente, como algo positivo, considerando até que deveriam acontecer com mais regularidade.
Os Verdes consideram que o empenho dos responsáveis políticos é determinante para o sucesso das iniciativas a promover nestas datas simbólicas. Por isso, afirmamos que o Dia Europeu Sem Carros e a Semana Europeia da Mobilidade só farão plenamente sentido se contribuírem para a adopção de medidas concretas, por forma a garantir uma maior mobilidade nos espaços urbanos e a estimular a utilização diária do transporte colectivo, com vista à diminuição da intensidade do uso do automóvel individual nas diferentes cidades.
O Dia Europeu Sem Carros, instituído em 2000, já conseguiu ser um dia de teste, pondo a nu muitos dos problemas e permitindo tornar clara a premência de algumas medidas necessárias. O problema surge quando algumas medidas são tomadas apenas para assinalar um dia simbólico e são esquecidas até ao ano seguinte. Por exemplo, nestes quatro anos, houve cidades, no País, onde, no Dia Europeu Sem Carros, se garantiram mais transportes públicos no acesso e dentro dos espaços urbanos. A iniciativa partia de uma constatação óbvia: a insuficiência de transportes públicos. Mas, desde então, foram tomadas medidas no sentido de reforçar a quantidade diária de transportes colectivos? Não! Muito pelo contrário, em algumas zonas ao redor de Lisboa, por exemplo, foram eliminadas algumas carreiras e alguns horários, porque, numa lógica de lucro, e não de serviço público, algumas empresas de transportes reavaliaram o serviço de transporte que efectuavam.
Outro exemplo: algumas cidades determinaram transportes públicos gratuitos no Dia Europeu Sem Carros. É o reconhecimento de que o preço dos títulos de transporte influi no aliciamento dos cidadãos para o uso do transporte público. Porém, se atendermos à evolução dos preços dos títulos de transporte, verificamos que o seu aumento tem sido bastante significativo. Isto, para já não falarmos da quantidade de títulos ou de passes que os utentes têm de adquirir para poderem utilizar diversos transportes de diferentes empresas - com custos muito significativos - ou, tomando como exemplo o que aconteceu na linha ferroviária do Norte, da engenharia horária que se encontrou para reduzir o número de comboios acessíveis aos utentes com passe social.
O Dia Europeu Sem Carros, ao longo destes quatro anos, já nos permitiu também perceber algo que era uma constatação óbvia: que, ao longo dos anos, o ordenamento do território, nomeadamente na sua componente urbanística e de instalação de serviços e de empresas, tem sido caótico nas coroas dos espaços urbanos, dificultando muito o acesso diário de uma multidão de pessoas às cidades. E, numa lógica de opção de cada pessoa em relação ao transporte diário que utiliza, como é possível procurar aliciar à utilização do transporte colectivo, quando o tempo dispendido em viagens nos transportes públicos é muitas vezes idêntico ou superior ao tempo de viagens em automóvel particular, mesmo com as longas filas de trânsito?!
O sector dos transportes requer respostas estruturais e, por isso, foi com preocupação que vimos que o Sr. Ministro que tutela esta área, agora o Sr. Ministro Carmona Rodrigues, não apresentou até hoje uma única resposta ao País justamente sobre acções estruturais que visem a diminuição do transporte individual e o fomento do transporte colectivo.
E, enquanto continuarmos a ouvir ministros com responsabilidade nesta área, como o Sr. Ministro Amílcar Theias, reduzir a utilidade do Dia Europeu Sem Carros à sensibilização dos cidadãos para a utilização do transporte colectivo, esquecendo-se de que os primeiros a estar estimulados e sensibilizados deveriam ser os governantes, no sentido da adopção de políticas estruturais de fomento dos transportes colectivos, verificaremos que esta falta de perspectiva tenderá a levar, cada vez mais, a que estas datas sejam assinaladas com pouca utilidade prática e até com algum demérito.
O Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente sabe que Portugal tem sido o País da União Europeia que mais tem aumentado as suas emissões poluentes no sector dos transportes. Sabe que o sector dos transportes é responsável por mais de 30% das emissões de gases com efeito de estufa e, portanto, que é um sector prioritário de intervenção. O Sr. Ministro tem conhecimento de que temos metas a atingir no âmbito do Protocolo de Quioto e que o seu não cumprimento pode sair muito caro ao País e aos portugueses. Porém, a inércia tem sido total. O programa nacional de combate às alterações climáticas continua por aprovar e o incumprimento do plano existente é uma realidade já aflitiva.

Página 168

0168 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

Mas, para além disto, o Dia Europeu Sem Carros já permitiu, nestes anos, constatar que a redução do trânsito automóvel nas cidades influi, de facto, na qualidade do ar que respiramos. E qual foi a resposta que ouvimos, há umas semanas, por parte do Sr. Ministro Amílcar Theias? Ouvimo-lo anunciar que o próximo Orçamento do Estado nos vai ofertar com uma redução substancial de verbas na área do ambiente e que muitos programas serão adiados, tendo, de entre estes, o Sr. Ministro sublinhado, justamente, o adiamento da rede de monitorização da qualidade do ar.
Estas atitudes políticas, de procurar esconder o óbvio para não agir, de inércia total perante problemas que nos afectam diariamente, que têm reflexos na nossa saúde e na nossa qualidade de vida, são verdadeiramente inaceitáveis.
Já agora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, importa referir que um dos objectivos da Semana Europeia da Mobilidade, instituída em Abril de 2002, é a garantia de padrões de mobilidade mais sustentáveis. Ora, restringir a mobilidade ao transporte é redutor. Estes acontecimentos pressupõem também repensar e concretizar a facilidade de mobilidade para pessoas deficientes, crianças e idosos.
Curiosamente, no ano em que se assinala o Ano Europeu das Pessoas com Deficiência, o Governo não atribuiu uma única palavra e muito menos anunciou a concretização de medidas destinadas a pessoas com mobilidade reduzida, sendo que a eliminação progressiva das barreiras arquitectónicas nos espaços urbanos continua adiada, por determinação clara deste Governo, que entendeu não dar cumprimento ao Decreto-Lei n.º 123/97, o qual estabelecia um conjunto de normas destinadas a permitir a acessibilidade de pessoas com mobilidade condicionada. Mas deixamos esta matéria para maior exploração no âmbito do debate que, por proposta de Os Verdes, a Assembleia da República há-de concretizar sobre o Ano Europeu das Pessoas com Deficiência.
Aqui fica, pois, um recado para o Sr. Ministro com sérias responsabilidades na matéria que hoje Os Verdes abordaram nesta declaração política: pelo andar da inércia e das teias do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente não seria preciso ter encerrado simbolicamente a Rua do Século no Dia Europeu Sem Carros, porque o Ministério parece estar encerrado para obras, ou, melhor dizendo, provavelmente, para limpezas internas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Silva Pereira.

O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, nós partilhamos de toda a avaliação que aqui fez, de que uma parte significativa das razões do fiasco do Dia Europeu Sem Carros, este ano, em Portugal, se deve à falta de empenhamento do Governo e, particularmente, do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente. Não houve nenhuma campanha de informação, de sensibilização, de mobilização das pessoas. O Ministério quis estar com um pé dentro e um pé fora nesta iniciativa e consentiu, foi conivente com a ausência das cidades de Lisboa e Porto desta iniciativa. Aliás, aquele "folhetim" que se passou no Porto é bem a prova de que uma iniciativa desta dimensão não pode ter sucesso com um pé dentro e um pé fora. O Presidente da Câmara Municipal do Porto disse que não aderia à iniciativa e que não havia alternativa à utilização do automóvel no centro da cidade, cortou, todavia, o trânsito e, consequentemente, o caos foi inevitável na cidade do Porto. Isto é um reflexo, de facto, do "apagão" que se abateu sobre o Ministério do Ambiente e a política de ambiente em geral, manifesto na questão das alterações climáticas, que aqui trouxe, e muito bem, que vai ter consequências no futuro, com os cortes orçamentais que agora irão afectar, segundo aquilo que o Governo já reconheceu, a monitorização da qualidade do ar mas que se estendem praticamente a todas as frentes de combate do Ministério, desde a questão dos resíduos industriais perigosos à questão da política da água e da própria transposição da Directiva-Quadro da Água e ao Programa FINISTERRA.
O Dia Sem Carros foi, afinal, apenas mais uma vítima deste "apagão" que se abateu sobre o Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, que é, aliás, também, um "apagão" do Ministro, um "apagão" dos responsáveis políticos pelo Ministério.
Mas, Sr.ª Deputada, quero colocar-lhe uma outra questão que tem a ver com a ordem do dia e que é mais um reflexo deste "apagão" dos responsáveis políticos do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente.
A Radiotelevisão Portuguesa passou, há poucos dias, uma reportagem que dava conta da morte de três felinos numa operação de resgate desenvolvida pelo Instituto da Conservação da Natureza nos Açores. Essa intervenção foi levada a cabo - tudo o indica - por técnicos não abalizados para aquele tipo de intervenções. A Ordem dos Médicos Veterinários já teve ocasião de acusar a existência de prática ilegal de medicina veterinária, porque a morte daqueles felinos - duas leoas e um tigre - foi causada pela sobredosagem de sedativos utilizados pelos técnicos do Instituto da Conservação da Natureza. Sobre isto, o Governo disse nada, mas o Presidente do Instituto da Conservação da Natureza disse hoje que a operação não foi mal sucedida, porque apenas morreram 3 animais, num total de 21. E isto é uma operação bem sucedida, para o responsável do Instituto da Conservação da Natureza.
Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, quero saber se, em seu entender, o Presidente do Instituto da Conservação da Natureza, com estas declarações, revela um mínimo de sensibilidade ambiental, se tem ou não condições para continuar no cargo e para continuar a merecer a confiança do Governo.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, se assim entender, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

Página 169

0169 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Silva Pereira, muito obrigada pelo seu pedido de esclarecimento, que é constituído por duas questões diversas.
Sobre o Dia Europeu Sem Carros, pelo que disse, penso que posso interpretar que está em total concordância com a intervenção que proferi. No entanto, quero referir também a minha grande preocupação, a grande preocupação de Os Verdes, relativamente aos casos concretos onde a adesão à iniciativa do Dia Europeu Sem Carros não foi uma efectiva e concreta adesão, dando, por isso, lugar aos falhanços concretos que pudemos constatar, nomeadamente nas cidades de Lisboa, Matosinhos e Porto, onde de facto uma falta de pré-aviso aos cidadãos sobre as iniciativas que foram tomadas acabou por conduzir ao falhanço total dessas mesmas iniciativas.
Portanto, quero referir só que, na nossa perspectiva, o Dia Europeu Sem Carros é um bom motivo de reflexão, quer ao nível local, quer ao nível regional, quer ao nacional, sobre a problemática da mobilidade, do fomento dos transportes públicos e da necessária diminuição da utilização do carro individual nas deslocações diárias nos grandes centros urbanos. Ora, foi justamente este sentido de reflexão sobre esta problemática que o actual Governo ajudou a perder este ano, e nisto concordo absolutamente com o Sr. Deputado.
Creio que o primeiro ano em que se assinalou o Dia Europeu Sem Carros em Portugal foi o mais frutuoso, no sentido não só da visibilidade que se deu a esta questão mas também pelo modo como diversos responsáveis políticos acabaram por se empenhar nesta matéria, apesar de algum folclore, que deixo de fora; mas acabou por funcionar muito mais.
Nos anos seguintes, o Dia Europeu Sem Carros calhou em fins-de-semana, as pessoas estavam mais descontraídas, mais predispostas para a adesão a esta iniciativa e penso que ela acabou por resultar bem. E em cada ano poderia resultar melhor.
Este ano, calhando a data novamente num dia de semana, houve um desinteresse total por parte do actual Governo, nomeadamente por parte do Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, que, a meu ver, deve ser bem vincado, porque decorre também da tal inércia, da tal clandestinidade a que nós já estamos habituados - mas mal habituados, naturalmente -, por parte do Sr. Ministro.
Relativamente à segunda questão, é evidente que há que pedir responsabilidades ao responsável pelo Instituto da Conservação da Natureza. É uma questão chocante, e quero dizer-lhe que, já hoje, Os Verdes tomaram uma iniciativa, na Assembleia da República, no sentido de pedir explicações e responsabilidades nesta matéria e eu creio que todos os grupos políticos deveriam empenhar-se neste esclarecimento concreto e no apuramento de responsabilidades, nomeadamente políticas, no que toca a este escândalo, que acabou por acontecer nos Açores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No discurso que marcou a chamada rentrée política do CDS-PP, o Dr. Paulo Portas espantou toda a gente com as afirmações mais xenófobas alguma vez ouvidas a um responsável político no nosso país.
Com o tom inflamado com que costuma discursar quando se apresenta como Presidente do CDS-PP, aliás bem contrastante com a postura grave e institucional com que costuma apresentar-se nas vestes de Ministro de Estado e da Defesa Nacional, o Dr. Paulo Portas entendeu por bem introduzir em Portugal o discurso político anti-imigrantes que é próprio dos partidos mais radicais da direita europeia.
A culpabilização infundada dos imigrantes pelos problemas sociais que a todos afligem, como o desemprego e a insegurança, o discurso de que os nacionais estão primeiro e a reivindicação de políticas de imigração zero, são palavras de ordem que apontam, de forma inquietante, para a adopção de políticas discriminatórias e que alimentam os ventos mais perigosos de populismo e xenofobia que varrem alguns países europeus e que, muito justamente, preocupam todos os que prezam verdadeiramente os ideais da democracia e do respeito pelos direitos humanos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Este discurso causou uma manifesta indignação na opinião pública e publicada, e provocou uma notória incomodidade na própria maioria governamental.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Escreveu o insuspeito Eurodeputado José Pacheco Pereira que o discurso do Dr. Paulo Portas foi "copiado da vulgata de Le Pen",…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - … e, mesmo dentro do próprio Governo, o Secretário de Estado Feliciano Barreiras Duarte foi mandatado para desautorizar o Ministro de Estado.
Questionado sobre o discurso do Presidente do CDS-PP, o Secretário de Estado classificou de demagógica uma visão extremista que diz que Portugal não precisa de ter imigrantes, porque estão a tirar trabalho aos portugueses. Ou seja,

Página 170

0170 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

classificou, em nome do Governo, de extremista e demagógico exactamente aquilo que o Ministro de Estado do mesmo Governo afirmou, alto e bom som, na rentrée do CDS-PP.
Perante tão evidentes contradições, temos o direito de saber que política e que Governo temos em matéria de política de imigração.
O Secretário de Estado Barreiras Duarte afirma que "a imigração é uma coisa positiva para o País", refere "estudos que atestam que, só no ano de 2001, os imigrantes deram de lucro ao país mais de 65 milhões de contos", adverte que "não podemos, por isso, acusar os imigrantes de alguns males que o País tem", e acrescenta, também muito bem, que "não nos podemos esquecer que somos um País de emigrantes e que muitos dos problemas que os imigrantes que estão em Portugal sentem actualmente foram, durante muitos anos, os problemas que os emigrantes portugueses sentiram quando se tentaram integrar noutros países."

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Já o Ministro Paulo Portas considera o imigrante como o inimigo público número um, culpa os estrangeiros pelo desemprego dos portugueses e defende severas políticas de restrição da concessão de vistos de trabalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Perante tais contradições, a questão que se coloca é saber quem é que manda afinal na política de imigração deste Governo e que políticas de imigração vão ser postas em prática.
O Governo português não pode ter duas caras em matéria de imigração. Não pode aparecer um Secretário de Estado do PSD, responsável pela área da imigração, a anunciar o propósito de permitir a legalização dos trabalhadores imigrantes, que pagam impostos e descontam para a segurança social, e aparecer, depois, um Secretário de Estado do CDS-PP, responsável pela tutela do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), a criar todo o tipo de obstáculos a essa legalização.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Justamente!

O Orador: - Não pode vir um Secretário de Estado do PSD, em nome da Presidência do Conselho de Ministros, dizer que a imigração é necessária e positiva para o nosso país e vir, depois, um Secretário de Estado do CDS-PP, em nome do Ministério da Administração Interna, consagrar a "imigração zero" na regulamentação da Lei de Estrangeiros. E não pode vir o Alto-Comissário para a Imigração e as Minorias Étnicas afirmar que os imigrantes não constituem qualquer ameaça para o emprego dos portugueses e enaltecer a sua valiosa contribuição para as receitas fiscais e da segurança social e vir, depois, o Instituto do Emprego e Formação Profissional propor que os vistos de trabalho a conceder em 2004 não excedam os 3500.
Se esta inacreditável quota de 3500 vistos de trabalho a conceder em 2004 tiver algum fundamento, ficamos todos a saber que a política de imigração do Governo não é definida de acordo com o discurso generoso do Secretário de Estado Feliciano Barreiras Duarte mas em função do discurso xenófobo do Ministro Paulo Portas.

Aplausos do PCP.

Sabemos que a recessão é um facto e que não está à vista a recuperação económica já tantas vezes anunciada pelo Primeiro-Ministro. Mas por muito profunda e duradoura que seja a recessão, não é sensato pensar que um País que reconheceu a absoluta necessidade de encontrar um título legal para autorizar a permanência de 200 000 trabalhadores estrangeiros nos últimos cinco anos e que, para além disso, se prepara para legalizar a situação de cerca de 30 000 trabalhadores brasileiros possa limitar a 3500 o número de vistos de trabalho a conceder em 2004 e atingir a imigração zero em 2006.
E não é possível admitir, por muito profunda que seja a crise, que o mesmo instituto público que defendia a concessão de 20 000 vistos de trabalho em 2002 e de 27 000 em 2003, no auge da recessão, venha defender, para 2004, que até foi proclamado, no discurso oficial, como o ano da recuperação, uma quota de 3500 vistos de trabalho a conceder.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado António Filipe, peço desculpa por o interromper, mas quero pedir aos Srs. Deputados que se encontram em pé a conversar que se sentem e criem um ambiente propício à audição das declarações políticas, respeitando deste modo os oradores.
Faça favor de prosseguir, Sr. Deputado.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Se o Governo escolher esse caminho, estará a escolher o caminho da demagogia e do populismo e a adoptar uma "política de avestruz", que terá como consequência óbvia um aumento incontrolável da imigração ilegal, com todas as consequências nefastas que este fenómeno acarreta consigo. Não por ser imigração mas, precisamente, por ser condenada à ilegalidade.

Página 171

0171 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

Está hoje mais que demonstrado que o discurso xenófobo não tem qualquer ponta de racionalidade; está mais que demonstrado que não há qualquer relação necessária entre os fluxos migratórios e o desemprego de nacionais. Os empregos que faltam aos portugueses não são aqueles que os imigrantes ocupam.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - Os fenómenos migratórios têm sido, pelo contrário, importantes factores de progresso económico e social das sociedades de acolhimento. Os fenómenos negativos que recentemente têm sido associados à imigração não decorrem, inevitavelmente, das migrações, decorrem, fundamentalmente, de políticas de imigração reveladoras de uma grande incompreensão das causas objectivas deste fenómeno e de uma enorme incapacidade de conviver com ele.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - A política de imigração de que Portugal precisa exige firmeza no combate às redes de imigração ilegal, exige realismo e sensatez na definição das condições de admissão e exige políticas de legalização e de acolhimento tolerantes e respeitadoras dos direitos humanos.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O discurso contra os imigrantes, capaz de semear ódios injustificados e de envenenar as relações sociais entre os portugueses e os estrangeiros que trabalham entre nós, é que não deve ser tolerado em Portugal.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Em parte nenhuma, e muito menos no Governo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Celeste Correia e os Srs. Deputados João Pinho de Almeida, Vitalino Canas e João Teixeira Lopes.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Celeste Correia.

A Sr.ª Celeste Correia (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, quero felicitá-lo e dizer-lhe que concordo inteiramente com a intervenção que acabou de fazer.
De facto, não é a primeira vez que o Dr. Paulo Portas "estica a corda", enviando mensagens subliminares, ou mais ou menos subliminares, contra a imigração. Já o fez enquanto Deputado e voltou a fazê-lo agora, mais concretamente, correlacionando, como disse, e bem, o desemprego hoje existente em Portugal com a presença da imigração e culpando os imigrantes pelo meio milhão de desempregados que actualmente temos. Nada mais falso! E o Dr. Paulo Portas sabe isto perfeitamente, ou, pelo menos, tinha a obrigação de saber.
E, para variar, mais uma vez o Dr. Paulo Portas criticou o PS por ter duplicado o número de imigrantes; mais uma vez, disse que o Governo vai levar a cabo uma política de imigração baseada no rigor da entrada e humanidade na integração. Rigor na entrada?! Basta ver que, dos 15 000 brasileiros que se esperava legalizar ao abrigo do último acordo Portugal-Brasil, já se ultrapassou, em muito, os 30 000 - são brasileiros que se encontram ilegais na Europa e que chegam todos os dias para beneficiarem desse acordo.
Também disse que o CDS-PP é contra a política de portas abertas. Mas ninguém defendeu - ninguém defende - a abertura total das portas para a entrada de imigrantes.
Sr. Deputado, o Dr. Paulo Portas, o Governo e o CDS-PP deveriam ter cuidado com o que dizem. O Governo modificou a lei de entrada, dizendo que mais nenhum imigrante entraria - vê-se! -, mesmo com uma lei mais restritiva a imigração continua a aumentar.
Portanto, o CDS-PP e o seu líder têm responsabilidades e creio que responderão politicamente se atirarem o desespero dos portugueses contra a imigração. E ninguém ganhará com isso, nem o CDS-PP, nem o Governo, nem a sociedade portuguesa.
Para terminar, quero dizer-lhe, Sr. Deputado, do meu espanto pela posição do PSD nesta matéria, ao deixar que o Dr. António Pires de Lima diga que esta também é a posição do Governo. Assim, pergunto aos Srs. Deputados do PSD se não se sentem incomodados com estas afirmações.
Sr. Deputado António Filipe, mais uma vez lhe digo que concordo com a sua intervenção, felicito-o por ela, e gostaria que comentasse este meu pedido de esclarecimento.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado António Filipe, há ainda outros pedidos de esclarecimento. Responde já ou responde em conjunto, no fim?

Página 172

0172 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

O Sr. António Filipe (PCP): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sendo assim, tem palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, em primeiro lugar, quero agradecer-lhe a atenção que V. Ex.ª deu à rentrée do CDS-PP. E começo por fazer-lhe uma pergunta retórica: esteve presente na rentrée do CDS-PP e ouviu, de facto, o discurso do Dr. Paulo Portas? Já sei que não ouviu, porque, se tivesse ouvido, não poderia ter feito aqui a intervenção que fez. E daí a primeira parte da sua intervenção, que foi totalmente demagógica.
Essa ideia, de sempre, da esquerda…

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Não é a esquerda, é o País!

O Orador: - É de facto uma ternura ver como a esquerda se une em torno daquilo que não existe.

A Sr.ª Celeste Correia (PS): - Unimo-nos no essencial!

O Orador: - Estamos à espera do dia em que a esquerda se una em torno de alguma coisa que verdadeiramente exista.

Protestos do Deputado do PCP Honório Novo.

Relativamente a declarações que o Dr. Paulo Portas não fez nos termos em que as referiram, são capazes de se unir, mas já não são capazes de se unir noutras coisas. Mas esse não é um problema nosso.
Sr. Deputado, a sua insinuação de colagem a Le Pen não faz sentido.

Protestos do Deputado do PCP Honório Novo.

Em momento algum, e vamos ao que interessa, aquilo que foi defendido por qualquer dirigente do CDS-PP, nomeadamente pelo presidente do partido, tem qualquer semelhança com a selvajaria da política de imigração que Le Pen defende. Mas já o contrário acontece, por exemplo, com a posição de alguns partidos de esquerda com assento nesta Assembleia em relação à intervenção no Iraque. É que aí, sim, a esquerda portuguesa foi igual a Le Pen, teve a mesma posição de Le Pen.
Portanto, em matéria de nos encontrarmos do mesmo lado que Le Pen, estamos à vontade, enquanto que os senhores não podem estar, como também não podem estar à vontade na condenação de regimes ditatoriais.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Está a falar para o PSD!

O Orador: - Nós não temos dúvidas quanto a extremismos, sejam eles de esquerda (em Cuba ou na Coreia do Norte), sejam eles de direita (em França, com Le Pen), condenamos todos. E, se calhar, os senhores não condenam todos da mesma maneira, ou nem sequer conseguem condená-los a todos.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Está a falar para nós, ou para o PSD?

O Orador: - Portanto, em matéria de condenação e de proximidade a extremismos, estamos completamente esclarecidos.
Quero também esclarecer que a posição do CDS-PP, relativamente a esta matéria, é clara. Não somos, nunca fomos, nem seremos, favoráveis a uma política que certa esquerda defende nesta Assembleia, de total irresponsabilidade em relação à imigração, de quem não tem modelo alternativo para funções fundamentais que o Estado tem de assegurar aos portugueses, naturalmente, porque é perante eles que o Estado tem de responder primeiro. Isto é inquestionável! Se o Estado não consegue assegurá-las aos portugueses, como é que vai conseguir assegurá-las a outras pessoas?
Isto não é para segregar aqueles que vêm de fora, é exactamente por respeito a essas pessoas que vêm de fora, porque elas têm direito às mesmas oportunidades, e se não as podemos dar também não os podemos acolher. Isto é uma política de responsabilidade e de humanidade e não uma política de xenofobia.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Política de xenofobia é dizer que todos podem vir, nem que seja para debaixo da ponte.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

Página 173

0173 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

O Orador: - Esta não é a nossa política, Sr. Deputado, e eu gostava que o senhor conseguisse confirmar que ela também não é a vossa, que essa irresponsabilidade não está presente num suposto humanismo, que, muitas vezes, não existe na política de esquerda em relação à imigração.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas para pedir esclarecimentos.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, fez muito bem em suscitar esta questão relacionada com o discurso de um membro deste Governo, e tranquilize-se o Sr. Deputado João Pinho de Almeida porque não vou dar excessiva importância à rentrée do seu partido, vou, sim, dar importância a um facto inquietante: este Governo não tem um discurso coerente sobre imigração.
Temos as palavras xenófobas, como já aqui foi dito, do Dr. Paulo Portas; depois, temos um discurso completamente diferente de outros membros do Governo, ou de outras pessoas relacionadas com o Governo; temos o discurso do Alto Comissário para as Minorias Étnicas; e temos o discurso de alguns membros do Governo, que são completamente diversos do que foi feito pelo Sr. Ministro Paulo Portas.
Aqui, a grande questão que se coloca é a de saber exactamente qual é a política do Governo em relação à imigração. Já não me vou prender com a questão, talvez menor, de saber qual vai ser o discurso da coligação CDS-PP/PSD para as listas europeias: se é o discurso da Europa, ou se é o discurso antieuropa, como, mais uma vez, resultou desta intervenção de Paulo Portas. Já não vou querer saber isto, não saberão, de certeza, responder, mas gostava de saber qual é a política do Governo e, sobretudo, a política do Primeiro-Ministro.
O Primeiro-Ministro teve, no início do seu mandato, um discurso a raiar também o xenófobo. Depois, voltou atrás e calou-se, e mantém-se, até agora, calado.
No entanto - e é esta a questão que deixo ao Sr. Deputado António Filipe -, era importante que viesse arbitrar dentro do seu Governo e nos viesse dizer o que pretende, exactamente, para a imigração: se é o discurso xenófobo do seu colega de Governo, se é o discurso da Europa, se é o discurso da integração, se é o discurso do combate à imigração ilegal, se é o discurso da protecção à imigração quando ela deva ser protegida.
Assim, era importante que o Primeiro-Ministro quebrasse o seu silêncio, para não poder ser acusado de aproveitar o discurso xenófobo de Paulo Portas, e tivesse a sua própria política. Temos um Governo, deveríamos ter uma política. E o que está em causa é não sabermos qual é a política: se é a de Paulo Portas, ou a dos outros membros do Governo que vieram pronunciar-se.
É esta a questão que deixo à maioria, sobre a qual também gostava que o Sr. Deputado António Filipe se pronunciasse.

Aplausos do PS.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito regimental da defesa da honra da bancada.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, diga-nos a expressão com a qual se sentiu ofendido.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Foi "xenofobia", Sr. Presidente, que me parece bastante.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem, então, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Deputado António Filipe já a tinha dito antes! Só agora é que a ouviu?!

O Sr. Honório Novo (PCP): - É que o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo só chegou agora!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Posso falar, Srs. Deputados?

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, dei a palavra ao Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo. Agradeço que o deixem falar.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, modere um bocadinho o seu nervosismo e verá que há tempo para todos falarmos.
Ouvi atentamente a intervenção do Sr. Deputado António Filipe, estava no meu gabinete a preparar a intervenção que vou fazer a seguir. Portanto, sei tudo o que disse o Sr. Deputado António Filipe, graças ao Canal Parlamento, uma benfeitoria desta Casa, como acabo de ouvir o Sr. Deputado Vitalino Canas, que, mais uma vez, alinha no mesmo tom.
Sr. Deputado Vitalino Canas, tratando-se do CDS-PP, um partido com a história que tem, com o contributo que já deu a Portugal e à democracia portuguesa, com as posições de Estado que aqui tem tomado desde sempre, desde a sua fundação, e muitas vezes até ao lado do Partido Socialista, não me parece bem que V. Ex.ª, nesta matéria, se atreva,

Página 174

0174 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

sequer, a usar a expressão "xenofobia" quando se dirige ao meu partido. É uma expressão que repudiamos, que rejeitamos, que consideramo-la inaceitável e que fica muito mal na boca do Sr. Deputado.
Digo-lhe mais, Sr. Deputado: conhecendo-o, como conheço, e participando em numerosas comissões nesta Casa, como participo, ao lado de V. Ex.ª, não o julgaria capaz disso, até pela honestidade intelectual que lhe reconheço.
Inclusivamente, o Sr. Deputado sabe muito bem - mas tem a seu lado a Sr.ª Deputada Celeste Correia que conhece bem as posições que sempre tomámos e aquilo que sempre dissemos, ainda na última Legislatura, na Comissão Parlamentar para a Paridade, Igualdade de Oportunidades e Família, em numerosas deslocações que fizemos, nomeadamente, para tratar de questões relacionadas com a imigração, falando com imigrantes, e também com minorias étnicas -, não é propriamente de uma esquerda mais radical, preconizada, ao que parece, pelo Sr. Deputado António Filipe, aquela que é a posição institucional do CDS-PP nesta matéria. Compreendemos que um partido comunista, que defende haver na Coreia uma excelente democracia e em Cuba até um regime tolerável, se atreva a dizer que aqui se tem um discurso, ainda que levemente, xenófobo; mas já não aceitamos que um partido com um passado institucional e político, como é o Partido Socialista, sabendo aquilo que sempre defendemos, vá pelo mesmo diapasão.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Isto é intolerável! Isto não aceitamos! Isto rejeitamos!
Para terminar, o Sr. Deputado sabe bem aquilo que o presidente do meu partido, hoje Ministro da Defesa Nacional, sempre disse no passado e o disse também na rentrée do meu partido. O presidente do meu partido limitou-se, apenas, a constatar uma situação de facto, que é de crise e desemprego, e a dizer que é preciso regular esse fluxo de emprego e, mais do que isso, adequá-lo àquilo que é o fluxo migratório, para garantir que quem entre em Portugal tenha todo o tratamento que é garantido aos portugueses, porque o contrário é que é desumano, ou seja, permitir que entre toda a gente, não lhes dando depois um tratamento adequado e equivalente àquele que têm os cidadãos portugueses.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Isto, sim, mais do que xenofobia, seria uma profunda demagogia à custa do sofrimento alheio - e nós por aí não vamos, Sr. Deputado.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, não sei a quem é que pediu explicações, se a mim, pessoalmente, se ao País.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Foi ao Pacheco Pereira!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Está enganado!

O Orador: - É o País que considera que o discurso feito pelo Sr. Ministro Paulo Portas é xenófobo ou a raiar a xenofobia. É o País que acha, e não é apenas o País de esquerda! Há muita gente, que não se situa à esquerda, que tem perfeitamente a noção de que, quando se fala de "os portugueses primeiro", ou de "Portugal para os portugueses", estamos próximo da xenofobia; estamos a passar, de facto, a fronteira.
Sr. Deputado, não acusei o CDS-PP de ter um discurso xenófobo, ou de ser um partido xenófobo. Eu disse que tinha havido um discurso xenófobo de um ministro deste Governo…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Que é presidente do meu partido!

O Orador: - … e que era necessário avaliarmos no sentido de se saber se esse é o discurso do Governo, ou se é apenas um discurso de um ministro do Governo.
Por isso, confrontei aqui a maioria com a necessidade de o Primeiro-Ministro vir esclarecer. É certo que já houve pessoas conotadas com a maioria que o fizeram; já houve mesmo membros do Governo que o procuraram fazer também, mas é necessário que seja o Primeiro-Ministro a arbitrá-lo. É isto que está em causa, e é isto que solicitamos.
Portanto, entendo que essa honra ofendida, que o Sr. Deputado invocou, é ofendida, desde logo - se entende que o CDS-PP não se revê nesse discurso xenófobo -, pelo próprio Dr. Paulo Portas e, seguramente, que quem acusa hoje esse discurso de ser xenófobo não é apenas o Partido Socialista, ou não é apenas a esquerda parlamentar, é, seguramente, o país.

Aplausos do PS.

Página 175

0175 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para formular um pedido de esclarecimento, tem, agora, a palavra ao Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, partilhamos o fio condutor da sua intervenção e gostava até de lhe dizer que o Sr. Deputado foi bastante moderado. Se lermos, por exemplo, o que escreve Pacheco Pereira, quando compara explicitamente o discurso do Dr. Paulo Portas ao discurso de Le Pen, ou o que escreve Marcelo Rebelo de Sousa, que compara o discurso de Paulo Portas com o discurso de Umberto Bossi, o tal que "tem umas ideias estapafúrdias", até chego à conclusão de que o Sr. Deputado foi moderado.
De facto, parece que estamos aqui entre Umberto Bossi e Le Pen. Umberto Bossi foi aquele político que, entre outras coisas, defendeu que, se fosse necessário, disparar uns tiros contra os navios que trazem imigrantes ilegais a Itália, disparava-se.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - E acha que isso é igual?!

O Orador: - Por conseguinte, bem ofendidos devem estar os senhores com Marcelo Rebelo de Sousa e Pacheco Pereira.
Aliás, é estranho o silêncio do PSD. O PSD não fala nesta questão. Mas não fala porque, obviamente, dá jeito haver uma divisão do trabalho: deixar o discurso demagógico, irresponsável, populista ao Dr. Paulo Portas e o PSD apresentar, enfim, uma face responsável.
Mas, no essencial, a política é a mesma, é de restrição à entrada de imigrantes, de abandono aos imigrantes que cá estão, de ausência de políticas activas de inserção, quando se sabe que os imigrantes são necessários para a população activa crescer, para o equilíbrio da segurança social e dos impostos.
O que me parece, Srs. Deputados, é que anda por aí o fantasma de alguém, anda por aí o fantasma do Dr. Manuel Monteiro.

Risos do CDS-PP.

E a irresponsabilidade vai ao ponto de termos um Ministro de Estado a fazer um discurso populista porque a comunicação social tem dado notoriedade ao Dr. Manuel Monteiro.
Infelizmente, a agenda deste Governo é também determinada por este tipo de circunstâncias. Mas, sem dúvida alguma, a política deste Governo e o discurso do Dr. Paulo Portas são um claro incentivo ao que de pior pode existir em nós. São um incentivo a que se tenha os imigrantes como o bode expiatório da situação de profunda recessão económica em que vivemos, de profunda depressão social.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado António Filipe, se não é neste caldo de afirmações e de discursos que nasce o ódio, que nasce o terror, que nasce o medo ao estrangeiro, ao diferente e ao outro.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe, que dispõe, para o efeito, de 5 minutos.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, antes de mais, agradeço a todos os Srs. Deputados as questões que me colocaram.
Sr.ª Deputada Celeste Correia, estou inteiramente de acordo com as palavras que proferiu, as quais agradeço.
O Sr. Deputado João Pinho de Almeida disse que eu não assisti ao discurso da rentrée. Neste ponto tem razão; de facto, não estive presente, mas há televisões e pude assistir ao discurso, através delas.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - A transmissão estava má!

O Orador: - O Sr. Deputado é que deve lá ter estado, mas não ouviu. Deve ter sido a única pessoa neste País que não ouviu, de facto, o que disse o Sr. Dr. Paulo Portas e que todo o restante País ouviu.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Ouvi, ouvi!

O Orador: - Sr. Deputado, veja os editoriais da imprensa nos dias seguintes.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - O editorial do Avante?

O Orador: - Leia o editorial que o director do Público, José Manuel Fernandes, escreveu, criticando duramente o discurso de Dr. Paulo Portas. E, já agora, leia o texto do Dr. Pacheco Pereira, ilustre cabeça de lista do PSD ao Parlamento Europeu.

Protestos do CDS-PP.

Página 176

0176 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

Estou à espera que alguém do PSD peça a defesa da honra, porque o Dr. Pacheco Pereira não está aqui para se defender.

Vozes do PCP e do BE: - Muito bem!

O Orador: - As acusações mais violentas que os Srs. Deputados João Pinho de Almeida e Nuno Teixeira de Melo fizeram à minha intervenção referem-se precisamente à parte em que citei o texto do Eurodeputado José Pacheco Pereira,…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - … que escreve, no seu conhecido blog, que "a catilinária contra a imigração do Dr. Portas nada tem a ver com o emprego. Tem a ver com um Portugal limpo de imigrantes, e por isso acaba por resultar num discurso contra os imigrantes, tão pouco português que carece de sentido. É copiado da vulgata de Le Pen,…"…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Sr. Honório Novo (PCP): - Ouviram?

Protestos do Deputado do CDS-PP Nuno Teixeira de Melo.

O Orador: - … "… do pior que há, e escolhido, não porque constitua qualquer preocupação dos portugueses (…) mas apenas porque o Dr. Portas não pode falar de quase coisa nenhuma e ele não quer ficar calado.".
Quem escreveu isto não fui eu; quem escreveu isto foi o Dr. José Pacheco Pereira. Daí que as acusações que o Sr. Deputado aqui nos dirigiu são-lhe inteiramente remetidas, porque foi ele o autor deste texto, que, aliás, devo dizer, subscrevo inteiramente.

Vozes do CDS-PP: - Ah!…

O Orador: - Sr. Deputado Vitalino Canas, de facto, temos todos de saber qual é a política do Governo: se está conforme com as afirmações generosas que foram feitas numa recente entrevista do Sr. Secretário de Estado Feliciano Barreiras Duarte, ou se é uma política coincidente com o discurso de cariz xenófobo do Dr. Paulo Portas.
Quando ouvimos o Instituto do Emprego e Formação Profissional falar numa quota de 3500 vistos de trabalho para o ano que vem, parece que, se forem por esse caminho, o Governo está, de facto, mais próximo do discurso do Dr. Paulo Portas do que do discurso do Sr. Secretário de Estado Feliciano Barreiras Duarte, o que é particularmente grave.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Para concluir, Sr. Deputado João Teixeira Lopes, de facto, este é um discurso perigoso, porque semeia ventos de incompreensão e intolerância, que não gostaríamos, nunca, de ver no nosso país em relação aos imigrantes.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É perigoso o discurso, mas é ainda mais perigosa a prática que o Governo pode vir a prosseguir se prevalecer, na sua política, algo de coincidente com aquele que é o discurso do presidente de um dos partidos da coligação.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Patinha Antão.

O Sr. Patinha Antão (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, começo com uma pergunta à Câmara: alguém duvida, nesta Câmara, da indispensabilidade de reforma da Administração Pública? Creio que não! Ela foi anunciada pelo Sr. Primeiro-Ministro no dia 26 de Junho; está a fazer o seu curso normal.
Houve um primeiro conjunto de diplomas que já foi recebido nesta Câmara, está já em discussão pública e os debates decorrem com normalidade e elevação.
Neste momento, o Governo anunciou um segundo conjunto de diplomas relativos à reforma da Administração Pública.
Seguidamente, gostaria de perguntar à Câmara se alguém duvida dos objectivos essenciais da reforma da Administração Pública.

Página 177

0177 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

Alguém duvida que é necessário haver um forte incremento da competitividade e no que toca à qualidade com que os serviços são prestados? Alguém duvida que temos de analisar a questão da subsidiariedade e verificar o que é mais útil fazer no âmbito da administração central e local e, ainda, se o que é tradicionalmente feito pela Administração Pública pode e deve ser feito pelo sector privado, lucrativo ou não? Alguém duvida que estas orientações são correctas? Creio que não.
É que essas são as orientações da reforma da Administração Pública preconizadas pela OCDE, pela União Europeia e por outras instâncias internacionais. São princípios firmes que devem orientar a reforma da nossa Administração Pública.
Quanto a um segundo conjunto de objectivos, alguém duvida que é necessário modificar o regime de avaliação de mérito dos funcionários públicos? Alguém duvida que é necessário conferir à função pública factores de atractividade que foram perdidos ao longo de anos em que nunca se pensou nem repensou a organização funcional da Administração Pública e as motivações genuínas das pessoas?
Alguém duvida que é necessário construir ou reconstruir projectos profissionais e de carreira profissional na Administração Pública, assunto que também está fossilizado há tantos anos? Creio que ninguém, nesta Câmara.
Alguém duvida que, não para os funcionários públicos que já estão abrangidos pelo Regime Jurídico da Função Pública que é considerado imutável, mas para a contratação de tantas outras pessoas que hoje prestam serviço na função pública em regime de contrato individual de trabalho, é necessário, por razões de equidade, que o novo regime previsto se aproxime e se equipare ao que existe para a generalidade dos trabalhadores portugueses?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, 80% dos portugueses trabalha no sector privado. 80% dos trabalhadores portugueses tem agora, com o novo Código do Trabalho e respectiva regulamentação, uma nova orientação e uma nova dinâmica na construção da sua carreira profissional.
É ou não verdade, Srs. Deputados, que os portugueses são todos iguais? Assim, é ou não necessário que se estabeleça essa equiparação no já existente regime do contrato individual de trabalho para a Administração Pública?
Gostaria de saber se a Câmara pensa de maneira diferente.
Por outro lado, quanto às garantias, afastemos de vez as demagogias que só impedem o bom trabalho nesta Câmara.
É ou não verdade, Srs. Deputados, que a reforma da Administração Pública garante o emprego a todos os funcionários públicos que estão abrangidos pelo Regime Jurídico da Função Pública? É ou não verdade, Srs. Deputados, que o Sr. Primeiro-Ministro o anunciou em 26 de Junho? Os diplomas que agora foram recebidos pela Câmara mantêm e dão essa garantia reforçadamente.
Quanto aos novos diplomas, estão eles inscritos nos objectivos desta reforma? Por que não ouvimos uma opinião abalizada? Na edição de hoje do Diário Económico vem publicada a opinião do Dr. Monteiro Fernandes, ex-Secretário de Estado do Trabalho na governação socialista.
Em relação aos quatro diplomas que hoje foram entregues na Assembleia, diz o Dr. Monteiro Fernandes que se trata de um projecto "interessante e ousado", que se trata da "criação de uma alternativa para o emprego vitalício na Administração Pública", que já tinha sido anunciado na lei que aprovou o Código do Trabalho. Mais adiante, diz que a parte mais interessante do diploma é a que se refere à contratação colectiva.
É ou não verdade, Srs. Deputados, que foi anunciado que o novo regime da Administração Pública implica uma mudança da contratação colectiva, envolvendo os sindicatos da função pública? Foi anunciado; está cumprido.
O Dr. Monteiro Fernandes reconhece que, de entre as características que conferem ousadia e qualidade a este projecto, está, pela primeira vez, segundo ele próprio, um regime de negociação na função pública que é equiparável àquele com que a maioria dos portugueses vê defendidas e protegidas as suas relações laborais no sector privado. É ou não normal esta evolução?
Dito isto, e para que possamos continuar com um debate sereno, profícuo, em que, em vez de demagogia, são apresentadas propostas alternativas por parte da Câmara em relação às propostas apresentadas pelo Governo e apoiadas pela maioria, gostaria de questionar os Srs. Deputados da oposição, após o estudo que já terão feito dos diplomas que hoje foram conhecidos, relativamente às orientações fundamentais dos referidos diplomas.
Quais são as vossas críticas? Quais são as alternativas que efectivamente apresentam?

O Sr. António Costa (PS): - Já apresentámos!

O Orador: - Vejamos dois ou três exemplos.
Comecemos pelo novo regime de avaliação de mérito que consagra uma disposição, a vigorar durante três anos, segundo a qual a avaliação objectiva deve ter limites quanto à percentagem de funcionários considerados nas categorias de "Excelente", "Bom", "Suficiente" e até na categoria de "Mau". Os Srs. Deputados estão contra? Os Srs. Deputados consideram que essa não é uma medida de bom senso que, gradualmente, fará evoluir o actual sistema, que é perverso devido à lógica perversa do regime actual da função pública, em que não há incentivos ao mérito?
É que, como VV. Ex.as sabem, está demonstrado estatisticamente que as avaliações que actualmente são efectuadas fazem com que uma percentagem esmagadora de funcionários públicos seja qualificada pelos respectivos superiores hierárquicos como "Excelente" ou "Muito Bom".

Página 178

0178 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

Os Srs. Deputados acreditam que o conjunto dos funcionários públicos, que são uma parte dos cidadãos portugueses, foge à curva normal da lei de Gauss, segundo a qual as competências distribuem-se em termos aleatórios de tal sorte que há sempre um pequeno número de pessoas excelentes e há sempre um pequeno número de pessoas muito más, enquanto a maior parte das pessoas que cumpre diligentemente a sua função tem uma avaliação mediana?

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Nesta Câmara, estão 230 Deputados, um grupo aleatório suficiente para fazermos este tipo de análise. Ora, alguém acredita, nesta Câmara, que os 230 Deputados são todos excelentes ou todos muitos maus? Com base em que critério? Se o critério fosse aferido pela eloquência de José Estêvão, talvez fosse muito baixo o número de Deputados que o ultrapassaria,…

Risos.

… mas, se o critério fosse de baixa exigência - o de todos falarmos um português coloquial, sem erros -, talvez todos fossemos excelentes.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Faça o favor de concluir.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Desafio-vos, pois, com toda a consideração e respeito, a que, a propósito deste exemplo que escolhi para saber qual é a opinião da oposição, nos digam se, relativamente a este regime de quotas na avaliação, VV. Ex.as entendem ou não que é um sistema que está de acordo com o que é aceitável e razoável numa qualquer sociedade madura e evoluída como a nossa própria.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Ascenso Simões e Francisco Louçã.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ascenso Simões.

O Sr. Ascenso Simões (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Patinha Antão, uma primeira nota é relativa à apreciação que faz do trabalho, da legitimidade e da competência dos Srs. Deputados nesta Câmara.
Devo dizer-lhe que avaliação dos Srs. Deputados é feita, em primeiro lugar, pelos seus eleitores.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, devemos estruturar e pensar a avaliação dos Deputados com base na avaliação que os eleitores fazem a cada momento, através do seu voto.
O Sr. Deputado trouxe aqui uma visão censitária do trabalho dos Deputados, uma visão que, hoje, não se pode nem se deve trazer a esta Câmara. Todos os Srs. Deputados têm uma legitimidade que advém de um mandato popular, de um voto que aqui os trouxe. Assim, a apreciação que fez, para além de ser de mau gosto, revela alguma forma de olhar os Deputados partindo de um tempo que já não é o de hoje.

O Sr. José Magalhães (PS): - De facto!

O Orador: - Sr. Deputado Patinha Antão, regressemos ao tema que nos trouxe hoje.
Depois de uma intervenção de apresentação da reforma da Administração Pública feita pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, que foi o primeiro momento de apresentação da reforma, seria relevante que a discutíssemos nesta sede. Ora, o que aconteceu foi que V. Ex.ª nos trouxe um segundo discurso sobre a apresentação da reforma da Administração Pública.
Aliás, o Governo tem vindo a demonstrar que a reforma da Administração Pública é feita aos soluços: primeiro, reúne os dirigentes da Administração Pública e apresenta o grande projecto de reforma; depois, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares faz uma intervenção na Assembleia da República e apresenta três diplomas; vem, agora, V. Ex.ª dar corpo aos três diplomas que a Sr.ª Secretária de Estado da tutela ontem anunciou.
É um caminho muito interessante, mas, Sr. Deputado, importa que a Assembleia da República debata os diplomas e que não se faça propaganda política, que é o que V. Ex.ª trouxe aqui, hoje, e não um discurso consistente que importaria avaliar.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

Página 179

0179 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

O Orador: - Sr. Deputado, deixe-me dizer-lhe que o grande objectivo desta proposta de reforma não é a reforma da Administração Pública, é - isso, sim! - o de acabar com a Administração Pública portuguesa.
VV. Ex.as têm uma visão não de Estado mínimo mas da inexistência de Estado. VV. Ex.as têm como objectivo desmembrar a Administração Pública portuguesa e não reformá-la.
V. Ex.ª trouxe-nos alguns exemplos próprios de quem não conhece a Administração Pública portuguesa.
Sr. Deputado, nos últimos anos, quem trouxe à Administração Pública portuguesa a formação e a inovação? Nos últimos anos, quem trouxe à Administração Pública portuguesa o recrutamento de novos agentes e novos funcionários com novas qualificações, e das mais altas?
Sr. Deputado, quem introduziu um novo curso, ministrado pelo INA, destinado a altos quadros da Administração Pública e cujo objectivo é o de dotar esta última de novas elites?
Sr. Deputado, também gostava que recordasse que foi V. Ex.ª que, em determinados momentos, trouxe à Assembleia da República o Programa do Governo. Ora, o Programa do Governo do PSD é bem claro relativamente à Administração Pública: fazer benchmarking relativamente ao sector privado. Mas o benchmarking é relativamente aos salários, aos direitos e às regalias dos funcionários públicos, não constitui a reforma da Administração Pública sob o ponto de vista da descentralização, da uniformização dos serviços da administração directa e indirecta do Estado.
V. Ex.ª não trouxe uma única ideia nova. Limitou-se a fazer um ataque à Administração Pública portuguesa e aos funcionários públicos, única e simplesmente porque V. Ex.ª quer acabar com a Administração Pública, em Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - O Sr. Deputado Patinha Antão fez saber à Mesa que responderá no fim aos dois pedidos de esclarecimento.
Assim, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Patinha Antão, a vida parlamentar tem poucas alegrias, mas a de aprender é certamente uma delas.
Gostaria que me explicasse, para registo nos meus próprios "anais do Conde de Abranhos", como é que este Parlamento é uma amostra aleatória da população portuguesa, ou seja, como é que a sua composição foi sorteada entre a população portuguesa, o que seria certamente uma solução "coreana", já que eu tinha a vaga impressão que este Parlamento foi eleito.

Vozes do BE e do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Patinha Antão.

O Sr. Patinha Antão (PSD): - Entendo, sim, Sr. Presidente, embora seja óbvio que os Srs. Deputados fugiram ao debate da matéria.
Sr. Deputado Francisco Louçã, a resposta para a questão que V. Ex.ª suscitou é extremamente simples.
Como sabe, para haver um grupo aleatório, tem de haver um número mínimo de indivíduos. Como V. Ex.ª sabe, porque estudou Estatística, o número de 230 permite configurar esta população como uma população sujeita a uma distribuição aleatória.

Risos do Deputado do BE Francisco Louçã.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Diz isto e é professor!

O Sr. António Filipe (PCP): - Donde, podemos concluir que o Governo é aleatório!

O Orador: - V. Ex.ª utilizou uma falácia interessante, a de que os Srs. Deputados, porque foram eleitos com um mandato, têm uma prerrogativa especial que impede que as suas competências sejam avaliadas como as do comum dos cidadãos.
Sr. Deputado, o Conde de Abranhos, que V. Ex.ª citou, teria, provavelmente, essa pesporrência e essa sobranceria relativamente aos eleitores, mas nós não temos!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Ascenso Simões faz uma incursão mais larga sobre o que eu disse, mas justamente com o mesmo registo.
V. Ex.ª, com toda a consideração e respeito, nem sequer ouviu o que eu disse!

Vozes do PSD: - Exactamente!

Página 180

0180 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

O Orador: - É que, quando falei do sistema de avaliação, V. Ex.ª disse que eu estava a lançar uma acusação de incompetência generalizada sobre todos os Srs. Deputados. Sr. Deputado, V. Ex.ª podia ter ouvido o que eu disse, que foi, tão simplesmente, isto: se o único critério de avaliação do nosso desempenho aqui fosse a eloquência de José Estêvão - e V. Ex.ª sabe certamente quem foi José Estêvão -, provavelmente, muito poucos de nós poderiam alcandorar-se nessa qualidade de intervenção nesta Câmara. Parece-nos que este acto de humildade não faria mal a nenhum de nós. No entanto, se o critério fosse o de falarmos um português corrente e escorreito, creio que passaríamos todos com distinção no exame.
Ora, nem um critério nem outro serve. Por isso, Srs. Deputados, com toda a consideração e respeito, os nossos juízes são os eleitores. Mas não seria invulgar que os eleitores tivessem sobre as nossas prestações (tendo cada um de nós a visibilidade possível) opiniões diversas e que alguns de nós fossem excelentes e outros nem tanto.
Encerrado este assunto, que me parece estar mais do que resolvido, gostaria de passar a um outro ponto suscitado pelo Sr. Deputado Ascenso Simões, em relação ao qual utiliza, à falta de argumento, perdoe-me dizê-lo, uma demagogia absolutamente "tremendista" e completamente irrelevante. V. Ex.ª acusa-nos de querermos acabar com a Administração Pública. Acabar com a Administração Pública?! Mas em que país estamos nós, Sr. Deputado?
Como sabe, ou deveria saber, a posição doutrinária desta maioria é a de que nem sequer defendemos um Estado mínimo, um Estado liberal. Nós defendemos um Estado que deve ter, relativamente àquilo que os cidadãos querem, qualidade nos serviços…

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … e a exacta dimensão dessa qualidade que os portugueses querem. Por isso, nos sectores em que é preciso reforçar, reforça-se, e nos sectores em que porventura outros trabalhadores portugueses, numa estrutura que não é a da Administração Pública, fizerem melhor, os portugueses desejam que isso seja feito melhor.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Por outro, lado, o Sr. Deputado fala-me na formação profissional, sub-repticiamente, tecendo loas ao anterior governo socialista, dizendo - ouvi bem, Sr. Deputado! - que deixaram a questão da formação profissional dos funcionários públicos resolvida, o que é uma coisa absolutamente espantosa!
Deixe-me só dar-lhe um exemplo: o Sr. Secretário de Estado da Administração Local desenvolveu um programa de formação dos funcionários das autarquias, um problema que é crucial (creio que aqui todos defendemos a descentralização da Administração) e que VV. Ex.as deixaram no nível zero. Agora, temos de fazer formação acelerada para podermos fazer descentralização administrativa, para levarmos a Administração para próximo dos cidadãos.
Por último, Sr. Deputado, gostaria de dizer-lhe o seguinte: os diplomas agora trazidos a esta Câmara e sobre os quais intervim no período de antes da ordem do dia, devem ser apresentados, julgamos, exactamente neste momento, no momento em que eles são conhecidos. Quanto aos outros diplomas, já recebidos nesta Câmara, gostaria de informar V. Ex.ª que já está agendada na 8.ª Comissão (a Comissão do Trabalho e dos Assuntos Sociais) a audiência de um membro do Governo, dos sindicatos e de personalidades várias. O trabalho parlamentar já está a ser feito em relação a estes diplomas, que, dentro em breve, subirão a Plenário.
Em suma, Sr. Deputado, fazemo-lo numa situação como esta, no período de antes da ordem do dia, porque nos parece, com toda a consideração e respeito, que, sendo a reforma da Administração Pública entendida pelos portugueses como uma reforma crucial, é inteiramente adequado, no momento em que ela é apresentada nesta Câmara, exactamente neste momento, um Deputado - na circunstância eu - vir dar notícia das suas orientações fundamentais e sujeitar-se democraticamente à crítica dos Srs. Deputados.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, passamos, agora, ao segundo ponto do período de antes da ordem do dia, ou seja, às intervenções sobre assuntos de interesse político relevante.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Renato Sampaio.

O Sr. Renato Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os Deputados do PS eleitos pelo círculo eleitoral do Porto realizaram, no passado fim-de-semana, as suas jornadas parlamentares.
Este Governo, na procura de uma solução para o seu próprio problema - o da sua afirmação política -, acabou por criar, em razão de políticas desajustadas e de uma inusitada miopia política, um problema bem maior e mais grave para o País e para os portugueses: a recessão económica e o desemprego. E se a nível nacional a situação é preocupante, no distrito do Porto começa a ser angustiante.
Com este Governo, o ciclo repete-se: o PSD chega ao poder e logo o Norte e o Porto são penalizados.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

Página 181

0181 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

O Orador: - Nos governos do Partido Socialista, entre 1995 e 2002, o PIDDAC do distrito do Porto foi multiplicado 5,7 vezes - repito 5,7 vezes - e em termos nominais passou de 180 milhões de euros para 1022 milhões de euros).
Com este Governo, o PIDDAC para 2003 apenas cresceu 4,8% em termos nominais, sem contar com a cativação orçamental, e mesmo este aparente aumento é o resultado de investimentos como o do Metro, dos comboios suburbanos, das obras do porto de Leixões, do Porto - Capital Europeia da Cultura e do POLIS, apostas dos governos socialistas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Com este Governo, nenhuma obra estruturante foi lançada no distrito e as propostas apresentadas nesse sentido pelos Deputados socialistas do Porto foram todas rejeitadas.

O Sr. José Magalhães (PS): - É verdade!

O Orador: - Nos governos do PS, a execução do PIDDAC foi de 80%; com este Governo, em 2002, foi apenas de 59% e, em 2003, é bem provável que nem 50% seja executado.

O Sr. António Costa (PS): - Portugal está parado!

O Orador: - Com este Governo, no PIDDAC para 2003, apenas 11% correspondia a obras novas - pequenas obras é certo, mas, mesmo assim, mais de 50% nem sequer se iniciaram. Foi o "apagão" nos investimentos deste Governo a norte.
Nós alertámos e denunciámos que o PIDDAC era um artifício, que o investimento público ia cair fortemente e que esta era a fórmula encontrada pelo Governo para controlar o défice, em cortes cegos, que põem em causa o desenvolvimento e o progresso da região.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sem investimento público, não há crescimento e, sem crescimento, não há emprego.
O desemprego no distrito do Porto ultrapassou a barreira fatídica de 100 000 desempregados; um em cada quatro desempregados do País está no distrito do Porto e um em cada cinco na sua área metropolitana. Já é preocupante e, socialmente, começa a ser dramático.
Mas o mais doloroso é que 45% dos desempregados são desempregados de longa duração e procuram um novo emprego que não encontram, com perspectivas de vida bem sombrias e sem confiança no futuro.
Ora, quem só vive de esperança, corre o risco de morrer em jejum.
Este Governo operou a maior transformação no Porto, que passou de capital do trabalho a capital do desemprego.

O Sr. José Magalhães (PS): - É verdade!

O Orador: - No Porto e na sua envolvente, situa-se um tecido empresarial de pequena e média dimensão, gerador de emprego, representando 60% das exportações nacionais. Este tecido empresarial está a ser asfixiado e destruído pela desastrosa política económica deste Governo…

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Isso é falso!

O Orador: - … e é por isso também que as exportações decrescem todos os dias.
Esta maioria e este Governo tornaram-se um obstáculo a um Porto afirmativo, dinâmico e gerador de riqueza.
Esta situação é ainda mais grave porque coincide com a total inoperância e silêncio dos principais protagonistas políticos do Norte de hoje, nomeadamente do Sr. Presidente da Câmara do Porto.
Mas, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não existirá um Portugal próspero e moderno com o Porto e a sua região debilitados.
Por isso, os Deputados do Partido Socialista eleitos pelo círculo eleitoral do Porto, nas suas jornadas do último fim-de-semana, depois de visitarem a Infineo, uma empresa do Grupo Siemens, de tecnologia de ponta e que é um exemplo de atracção do investimento estrangeiro em Portugal conseguido por um governo Socialista, depois de uma longa troca de informações com a Associação Empresarial de Portugal, que traçou um quadro bem negativo da economia regional, e, finalmente, com a recolha de informação junto do Centro de Emprego e Formação Profissional do Norte, concluíram ser indispensável e urgente reclamar do Governo a implementação, no distrito do Porto, de uma operação integrada de desenvolvimento que aponte no sentido da recuperação do seu tecido empresarial e da criação de políticas activas de emprego.

Aplausos do PS.

Do mesmo modo, e na mesma direcção, iniciaremos um conjunto de audições com as mais diversas entidades e instituições, com o objectivo de preparar as propostas que apresentaremos na discussão do Orçamento do Estado para 2004.

Página 182

0182 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

Esperamos que o nosso objectivo seja partilhado pela maioria desta Câmara e, em especial, por todos os Deputados eleitos pelo distrito do Porto. Se assim não for, esta maioria e este Governo não terão sucesso e os cidadãos do Porto não lhes perdoarão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados João Moura de Sá e Nuno Teixeira de Melo.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Moura de Sá.

O Sr. João Moura de Sá (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Renato Sampaio, em primeiro lugar, quero saudar o grupo de Deputados do Partido Socialista eleitos pelo círculo eleitoral do Porto por, finalmente, começarem a discutir os problemas do Porto na Assembleia da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PS: - Está enganado!

O Orador: - Vêm quase sempre tarde, mas o PS tem esta sina: muitas vezes não chega aos assuntos ou, quando chega, chega tarde.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Pois, e ganhámos as eleições no Porto!

O Orador: - Lembro que há mais de sete meses os Deputados do PSD eleitos pelo Porto visitaram o Instituto do Emprego e nesta visita, à saída, propuseram um plano especial de emprego para o distrito do Porto.
Lembro, também, que o Governo de Portugal foi sensível ao nosso argumento e, em Julho deste ano, no Conselho de Ministros realizado no Porto, aprovou um Plano Especial de Emprego, que vai ter início agora em Outubro, como o Sr. Deputado Renato Sampaio muito bem sabe, e, por isso, provavelmente hoje queria fazer um "número" para, a seguir, poder dizer que o PS contribuiu para que o desemprego no Porto baixasse. Porém, o Governo, o PSD e os Deputados do PSD do Porto, têm estado muito atentos a esse problema e muito antes de VV. Ex.as.
Aliás, tenho aqui uma notícia comigo que diz o seguinte: "Região Norte e Açores têm o pior nível de vida do País". E, curiosamente, esta notícia não é nem de 2002 nem de 2003, refere-se a dados de 1999 e, por isso, quando o Sr. Deputado Renato Sampaio aqui vem traçar um cenário catastrófico do Governo do PSD e do CDS-PP e diz que antes é que o Porto estava bem, no tempo do governo do Partido Socialista é que havia grande investimento público, grande desenvolvimento no distrito do Porto e hoje estamos todos mal, pergunto: mas por que é que, nessa altura, a região Norte tinha o pior nível de vida do País? Qual era a razão? Por que motivo é que as pessoas não sentiam esse nível de vida que o Sr. Deputado diz que era apanágio do distrito do Porto durante a governação socialista?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E, já agora, relativamente ao governo PS, gostaria de perguntar-lhe o seguinte: qual é o balanço do Plano Especial de Emprego para a Área Metropolitana que foi objecto de um grande show-off no tempo do governo do Partido Socialista? Qual foi o resultado disso? Qual o resultado em termos de emprego, no Porto?

Vozes do PSD: - Zero!

O Orador: - Outra questão que gostaria de colocar-lhe é relativa ao subsídio de desemprego. O Sr. Deputado Renato Sampaio deveria ter vindo aqui pedir desculpa aos eleitores do distrito do Porto pelo facto de, quando este Governo entrou em funções, o subsídio de desemprego demorar cinco e seis meses a chegar às pessoas, fruto de um determinado equipamento informático adquirido pela segurança social. Ora, este Governo, sensível a esse problema, institucionalizou o subsídio provisório de desemprego, de forma a atender as situações mais urgentes e mais carentes.
Uma outra questão que o Sr. Deputado Renato Sampaio aqui colocou diz respeito ao PIDDAC e, em relação ao PIDDAC, julgo que é preciso ter, desculpe o termo, alguma "lata" para vir falar sobre isto.
O PIDDAC do distrito do Porto, em 2003, foi o maior do País. Pela primeira vez, repito, pela primeira vez, desde há muitos anos, o PIDDAC do distrito do Porto foi o maior do País…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

Página 183

0183 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

Como dizia, pela primeira vez, um conjunto de obras estruturantes para o distrito do Porto foram incluídas no PIDDAC (o IC24, o IC25, o IC29, o nó de Francos, as linhas do metro, a obra da REFER na Trofa) e assim, sinceramente, não o percebo, a não ser que o Sr. Deputado não viva, realmente, no distrito do Porto.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Renato Sampaio.

O Sr. Renato Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Moura de Sá, sabe que o mais perigoso dos cálculos é aquele que assenta nas ilusões, e os seus cálculos são exactamente os cálculos das ilusões, porque o único número que eu trouxe aqui - não vim fazer nenhum "número" - foi o dos desempregados do distrito do Porto, que, como disse, ultrapassou a barreira fatídica dos 100 000 desempregados.

A Sr.ª Maria Santos (PS): - Isso é que é grave!

O Orador: - O Sr. Deputado falou no Governo que reuniu no Porto. Sr. Deputado, o Governo reuniu no Porto e foi, realmente, uma grande decepção, porque a única coisa que trouxe foi um truque legislativo, anunciando por outras palavras o Programa Regional de Emprego para a Área Metropolitana do Porto, que foi elaborado e estava a ser executado pelos governos do PS. Aliás, basta ver a edição do Boletim do Instituto do Emprego e Formação Profissional de 19 de Março para constatar isso.
E, Sr. Deputado, o que aconteceu foi que o Governo, depois de tomar posse, não deu execução a este programa. Basta chegarmos ao fim do ano para ver qual é a taxa de execução do Plano Operacional do Emprego e aí vamos constatar que o desemprego é da responsabilidade deste Governo, porque no governo do PS nós tínhamos a taxa mais baixa da Europa e hoje estamos em oitavo lugar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, quanto às obras estruturantes, quero dizer-lhe que o IC25, que é uma obra estruturante para o distrito do Porto e nomeadamente para o seu interior, foi uma obra que o governo do PS deixou em condições de adjudicação; vocês adjudicaram-na imediatamente, passado um mês, mas ano e meio depois ainda nem sequer começou.

O Sr. António Costa (PS): - Essa é que é essa!

O Orador: - Sr. Deputado, o IC24 estava previsto começar…

Vozes do PSD: - Ah! Estava previsto!

O Orador: - … no primeiro trimestre de 2003 e o concurso ainda nem sequer está lançado. E, Sr. Deputado, o que se passa com os molhes da Foz?
Sr. Deputado, digo-lhe o seguinte: nenhuma obra estruturante para o distrito do Porto foi lançada por este Governo e das pequenas obras que foram lançadas 50% nem sequer foram iniciadas. Esta é que é a realidade dos números, este é que é o "número" que eu venho aqui fazer!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, que beneficia de 1 minuto e 20 segundos cedidos pelo PSD.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Renato Sampaio, como portuense, convinha que o Sr. Deputado começasse por explicar ao lisboeta Deputado José Magalhães que o PS não ganhou no Porto.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Lisboeta?!

O Sr. José Magalhães (PS): - Lisboeta? Que ignorância!

O Orador: - No Porto, ganhou a coligação PSD/CDS-PP.
De todo o modo, fala o Sr. Deputado Renato Sampaio do Porto e demonstra, com isso, aquilo que não deve ser o desempenho de um mandato de Deputado.
Sr. Deputado Renato Sampaio, qualquer Deputado, independentemente do círculo eleitoral porque foi eleito, representa o País, não representa uma região e muito menos uma cidade.

O Sr. Honório Novo (PSD): - Só se for Ponte de Lima! Em Ponte de Lima representa!

Página 184

0184 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

O Orador: - E, Sr. Deputado, mesmo nessa lógica sectária que o Sr. Deputado quer trazer para o debate parlamentar, convença-se também que o Porto não representa todo o norte, por muito que o Sr. Deputado o queira, e eu como minhoto lho digo, já que quer trazer a discussão para esse plano.
Aliás, Sr. Deputado, só assim se compreende que o senhor venha aqui invocar aquele que foi o grande investimento socialista no Porto e esqueça, por exemplo, que ali ao lado, em Braga, exactamente na mesma época, teve o Partido Socialista o menor investimento do País.
Esquece ainda o Sr. Deputado que era também em Braga que, por exemplo, havia lugar ao menor rendimento per capita do País. Sabe onde? Pergunte aqui aos nossos ilustres Deputados eleitos por Braga o que se passava em Celorico de Basto.
Posto isto, deixo-lhe a seguinte questão: porque razão é que o Sr. Deputado, quando fala do Porto, se esquece do resto do País? Porque razão é que quando o Sr. Deputado fala do investimento do PS no Porto se esquece do que se passava em Braga, se esquece do que se passava em Évora, se esquece do que se passava em Bragança, se esquece do que se passava em tantos outros pontos do País?

O Sr. Honório Novo (PCP): - Em Ponte de Lima!

O Orador: - Tenha a certeza de uma coisa, Sr. Deputado: por muito que o Sr. Deputado venha aqui invocar um défice de investimento no Porto, seja do Governo da maioria ou de qualquer outro governo, com certeza que verificará que há outros distritos do País que, face ao Porto, foram muito mais prejudicados. E enquanto o Sr. Deputado não for capaz, neste Parlamento, de ter um discurso nacional, de verdadeira correcção das assimetrias, pode achar que está a fazer o maior brilharete lá na terra por onde foi eleito mas está a prestar um péssimo serviço ao País, que deve ver verdadeiramente corrigidas essas mesmas assimetrias regionais.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Renato Sampaio.

O Sr. Renato Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, quanto à questão da representação, quero dizer-lhe que fui eleito pelo círculo eleitoral do Porto, e, portanto, também devo solidariedade aos eleitores que votaram na lista do PS da qual eu fazia parte, e é essa solidariedade que aqui vim demonstrar, no Parlamento.
Sr. Deputado, não falei da cidade do Porto e pareceu-me ver, no seu discurso, uma referência à cidade do Porto; falei do distrito do Porto, falei de todo o distrito do Porto, que é aquele pelo qual fui eleito.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - Sr. Deputado, quanto à referência que fez por eu não ter feito um discurso nacional, lembro que o meu camarada António Costa, na semana passada, fez um discurso nacional arrasador, ao qual vocês não deram qualquer resposta.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Só disse asneiras!

O Orador: - Aqui, cumpre-me perceber e entender os meus eleitores e trazer aqui as suas preocupações.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Quero também dizer-lhe que o PS é a força política maioritária no distrito do Porto, inegavelmente, e não vale a pena os senhores coligarem-se com todos para nos poderem ultrapassar e ganhar. Nós somos, repito, a força política maioritária no distrito do Porto.
Quanto aos investimentos nacionais, pergunto: a auto-estrada do Porto até Valença foi feita por quem, Sr. Deputado? E a de Braga para Valença foi feita por quem?

Vozes do PSD: - De Braga para Valença foi pelo Prof. Cavaco Silva!

O Orador: - A auto-estrada de Évora foi feita por quem?

Vozes do PSD: - Não, não!

O Orador: - Isto para me referir a dois distritos que V. Ex.ª aqui citou. E não lhe vou falar em todos os investimentos. A seu tempo, demonstraremos o que são os investimentos nacionais. Não travámos a Ota, não travámos o TGV e não travaremos os grandes investimentos nacionais.

Página 185

0185 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

Aplausos do PS.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, sobre que ponto da ordem de trabalhos?

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, é sobre uma observação concreta e pessoal feita pelo Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo sobre mim.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, é incorrecta a menção que o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo fez à minha pessoa, uma vez que me "expropria" da minha ligação ao Porto, que é coisa que eu não autorizo, por razões de sangue, por razões de vida, tanto na minha infância e adolescência como na idade adulta, e também porque nas últimas eleições os cidadãos e cidadãs do Porto tiveram a gentileza de me eleger para os representar nesta Câmara, coisa de que muito me orgulho e que tenho o direito de dizer.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, fica registado.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma brevíssima interpelação à Mesa, também no mesmo sentido.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, face à explicação do Sr. Deputado José Magalhães, gostaria de dizer que eu mesmo concedo nessa "expropriação", por lapso, lamentando-a, mas ela deveu-se apenas ao facto de, após o Sr. Deputado estar há 30 anos em Lisboa, francamente, já não se notar.

O Sr. José Magalhães (PS): - Santo Deus!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia, pelo que vamos dar início ao período da ordem do dia.

Eram 16 horas e 30 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.os 131 a 143 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 6, 11, 12, 28, 25, 26 e 27 de Junho e 1, 2, 3, 10 e 15 de Julho de 2003.
Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, vamos dar início à discussão conjunta dos projectos de lei n.os 290/IX - Difusão da música portuguesa na rádio (PS) e 337/IX - Alterações à Lei n.º 4/20012, de 23 de Fevereiro (Lei da Rádio) (CDS-PP).
Para dar início ao debate, tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Santos Silva.

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sou seguramente um dos membros desta Câmara mais reticentes, por convicção filosófica geral, à banalização de mecanismos de protecção administrativa, como quotas de exibição ou difusão. E, contudo, não tenho nenhum rebuço em fazer a apresentação e a defesa do projecto de lei que subscrevo e cuja medida fundamental é a imposição de quotas na difusão radiofónica da música portuguesa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não é nenhum paradoxo. Admito a quota como solução de último recurso. A situação que se vive na rádio, no que respeita à difusão de música portuguesa, exige soluções de último recurso.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Fomos contactados há meses, como os restantes partidos, por personalidades do mundo musical, designadamente compositores, intérpretes, produtores e editores - que, aliás, aproveito para saudar nesta circunstância -, que nos alertaram para a situação que se vive na rádio no que diz respeito à difusão da música portuguesa. Fizemos questão de organizar uma audição parlamentar, na qual pudemos ouvir também profissionais ligados à rádio.

Página 186

0186 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

Procurámos informação sobre o mercado discográfico e as programações das nossas rádios e o que verificámos motiva as maiores preocupações. Não hesito em dizer que é um escândalo o que hoje se verifica, e esse escândalo é inaceitável.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A quota que hoje detém, no mercado discográfico, a música portuguesa é muito baixa - inferior a 1/5 das vendas totais - e tem vindo a descer desde o início da década de 90. Mas a percentagem de difusão da música portuguesa nas rádios portuguesas consegue ser ainda mais baixa que a quota do mercado! Quer dizer, em vez de estimular a procura, em vez de divulgar as novidades, em vez de promover a produção artística portuguesa - digo bem, promover, que mal há em que a nossa criação seja promovida na nossa rádio? -, muitas rádios portuguesas menosprezam, quando não silenciam e segregam, as canções portuguesas.
Querem exemplos? Pois não se encontra nenhuma canção portuguesa entre as 20 músicas mais radiodifundidas em Portugal, em 2002! Quatro dos cinco discos mais vendidos até agora, em 2003, são cantados em português, o que traduz uma conjuntura verdadeiramente excepcional - um de autores brasileiros e os restantes de autores portugueses. Pois, mesmo assim, três desses quatro discos mais vendidos, neste momento, em Portugal não tinham qualquer trecho entre os 100 - 100, repito - mais tocados nas rádios portuguesas!

O Sr. António Costa (PS): - Um escândalo!

O Orador: - Para o Partido Socialista, a liberdade de programação é sagrada, mas não pode ser convertida em segregação ou censura da própria língua e cultura portuguesas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Urge arrepiar caminho, sob pena de ficar em causa o futuro da nossa criação, do nosso mercado discográfico e, até, a prazo, a autonomia de programação das nossas rádios.
O projecto que apresentamos propõe uma solução, uma solução equilibrada, razoável e adaptável à evolução das coisas; por isso, propomos uma banda de variação que deve ser ajustada em função, exactamente, da própria conjuntura do mercado e, como é natural, das programações. As obrigações específicas do serviço público são reforçadas (pela imposição de uma quota de 60%) e as particularidades dos serviços temáticos respeitadas.
Ao Governo é concedida a latitude suficiente para regular as quotas, entre o mínimo de 1/5 e o máximo de 2/5, isto é, entre 20% e 40%.
Também não se deixa em branco a questão sensível da difusão de novidades, obrigando a que uma certa quota dessa percentagem deva ser reservada a discos saídos há menos de 1 ano, nem se deixa em branco a questão sensível dos horários de difusão, obrigando a que, para efeitos de contabilização de quota, entrem apenas as músicas difundidas em horário diurno. A fiscalização do que propomos é possível e as sanções parecem-nos suficientemente dissuasoras.
O passo está dado. Não ignoramos que são precisos outros passos, no que toca à televisão, aos direitos conexos, à taxa do IVA, mas demos, hoje, este passo e já teremos feito o mais difícil, que é começar.
Vergílio Ferreira dizia que da nossa língua se vê o mar. O que simplesmente pedimos aos nossos amigos da rádio é que não sejam eles a erguer barreiras entre a língua que falamos e o mar futuro.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Porque o resto, o resto farão os nossos artistas, a nossa língua, a nossa cultura - nossa, isto é, de todos nós.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Capitão.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Augusto Santos Silva, começo por saudar o tema da sua intervenção e dizer-lhe que a difusão de música portuguesa na rádio é um objectivo comungado e apoiado pelo PSD a 100%. Há, por isso, uma ideia que não passará, a de que o PS, tendo apostado na antecipação, é uma espécie de cavaleiro andante em defesa exclusiva dos compositores e intérpretes portugueses.

Vozes do PS: - Não!

O Orador: - A pressa até pode ter sido relativamente má conselheira, além de que o PS está acompanhado pelo Partido Popular nessa batalha e, portanto, os senhores não são, com certeza, os seus defensores exclusivos.

O Sr. José Magalhães (PS): - O único que se atrasou foi o PSD!

Página 187

0187 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

O Orador: - Cumpre-me, portanto, pedir que resolva aparentes paradoxos culturais do vosso projecto de lei, que me parecem, apesar de tudo, mais bem esclarecidos no projecto de lei do PP.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - O que é normal!

O Orador: - Na exposição de motivos, os senhores referem que estão em causa importantes valores culturais e eu, talvez por preconceito, pensava que estava em jogo, eventualmente, a língua portuguesa e o espaço da lusofonia. Mas, lendo os critérios que estabelecem no artigo 2.º do vosso projecto e, por exemplo, combinando dois deles, constato que é possível considerar como música portuguesa a música e letra executada por um português, bem como a composição executada por um português, o que abre espaço destinado à música portuguesa a, por exemplo, grupos como os Silence4, Blasted Mechanism, The Gift, ou mesmo Moon Spell, um grupo - espero classificá-los bem - que se dedica mais ao heavy metal e tem o seu mercado mais fora de Portugal, segundo ouvi dizer.
Não tenho nada contra, oiço até com agrado muitos destes grupos, mas não pode passar a ideia (não sei se era essa a vossa intenção) de que aqui se defende primordialmente, e bem, a música em língua portuguesa, ….

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … o que seria um objectivo estratégico na abertura à União Europeia e à globalização.
Também deveriam consagrar-se medidas positivas para além das relativamente proteccionistas, o que honestamente não entrevejo - e ainda bem -, por isso formulo este pedido de esclarecimento.
Acresce que, afirmando, e bem, a dinamização do mercado nacional, surgem-me novas apreensões. A primeira, pela mesma conjugação de critérios, e imaginado, por exemplo, que a cantora Nelly Furtado tem dupla nacionalidade e compõe as suas próprias músicas, por abrir espaço nesta quota a música que é, claramente, de matriz anglo-saxónica (pop anglo-saxónica). E o mesmo podemos dizer a propósito do cantor pop Jamiroquai, que tem pai português. Ou seja, fecha-se um pouco a "porta", mas abrem-se completamente as "janelas"!
Já agora, pergunto-lhe se estamos a falar de toda a música, isto é, se estamos a falar sem qualquer espírito satírico, dos GNR a Vítor Espadinha, dos Xutos & Pontapés a Tony Carreira. Da minha parte, encantado da vida, uma vez que não tenho nenhuma concepção oficial da arte, muito menos na música.
Contudo, parece-me que há aqui um contra-senso: por um lado contrariam o mercado impondo uma quota, por outro retomam quase regras de mercado ao não definir como se organiza essa quota. Ou seja, se bem vos percebo, não há o objectivo estratégico de criar públicos específicos e de desenvolver uma espécie de educação musical, nesta ou naquela orientação.
Sublinho ainda a aparente contradição - pelo menos, aparente - com as declarações do Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho que, ao seu estilo próprio, sobre o antigo Presidente da Casa da Música, dizia que não distinguia Ágata de Beethoven. Também vos é indiferente? Vão distinguir? Que medidas propõem e qual o caminho que vão seguir?
No essencial, diria que estamos unidos pela causa mas tenho dúvidas quanto ao método.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente, Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Santos Silva.

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gonçalo Capitão, agradeço sinceramente as observações que fez e irei centrar-me nos três pontos essenciais da sua intervenção: o primeiro relativo aos métodos, o segundo relativo à definição do que é a cultura portuguesa e o terceiro relativo ao alcance das medidas agora propostas.
Quanto ao métodos, gostaria de recordar que todos os grupos parlamentares foram contactados por diversas personalidades do meio musical, tendo recebido algumas delegações que vieram alertar para uma situação que entendiam como dramática. O único ponto que, aparentemente, neste caso, distingue o Grupo Parlamentar do PS do Grupo Parlamentar do PSD é que nós fizemos o "trabalho de casa": ouvimos também os profissionais da rádio, consultámos as estatísticas, verificámos o dramatismo da situação e apresentámos uma solução.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!

O Orador: - Pelo contrário, os senhores ficaram quietos!
Em relação à definição da cultura portuguesa, que é o ponto mais importante, diria que esta não é uma questão de partidos, nem vale a pena estar aqui a discutir quem chegou primeiro ou quem chegou mais tarde; trata-se de uma questão - tenho-o repetido hoje, ao longo do dia - de cultura portuguesa, de língua, mas não apenas de língua portuguesa.
Ora, acontece que o Partido Socialista não está disponível para expulsar da cultura portuguesa os jovens músicos portugueses que se exprimem em inglês.

Página 188

0188 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

Vozes do PS e do BE: - Muito bem!

O Orador: - O Partido Socialista não está disponível para expulsar da cultura portuguesa os luso-descendentes que conservam ligações com a cultura, a língua e a nacionalidade portuguesas e que se exprimem noutros continentes ou noutros países!

Vozes do PS e do BE: - Muito bem!

O Orador: - O Partido Socialista não tem uma visão paroquial do que é a cultura portuguesa mas, sim, uma visão cosmopolita.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - O projecto de lei que o Partido Socialista apresenta não é patrioteiro nem eivado por preconceitos de nacionalismo cultural serôdio.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O nosso projecto de lei procura responder a este problema específico.
Ainda hoje de manhã, consultei as listas comparadas das vendas e da difusão de música pelas rádios e constatei que este problema é muito concreto: de entre os oito discos actualmente mais vendidos em Portugal sete são cantados em português e seis são de autores portugueses, mas nem um trecho desses discos aparece nos cinco primeiros da lista do "Top 100" das músicas mais difundidas nas rádios portuguesas! Portanto, são os direitos de autor, a actividade cultural e produtiva destas pessoas que estão em causa; é a nossa indústria discográfica que está em causa, a independência da nossa indústria face às multinacionais.
E quero sustentar aqui que esta iniciativa não é feita contra a rádio. A curto ou a médio prazo, ela é garante da própria independência da programação das rádios face às play list que lhes são impostas por algumas dessas multinacionais.
Esse é o problema que aqui está em causa!

Aplausos do PS.

Não desconhecemos que existem outras dimensões do problema, mas o mais importante é dar o primeiro passo. O caminho faz-se caminhando, como todos gostamos de dizer, citando um autor espanhol justamente famoso…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
A nossa proposta é apresentada nestes termos e, evidentemente, esperamos que a maioria dos restantes grupos parlamentares nos acompanhe para que, em comissão e na especialidade, possamos melhorar os diplomas aqui apresentados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: A discussão de hoje não pode ser política nem sequer ideológica, pelo que qualquer apropriação que nesta base se queira fazer é, no mínimo, ilegítima. Além de que estão hoje em discussão dois projectos de lei, um do Partido Socialista e outro do CDS-PP, o projecto de lei n.º 337/IX, cuja apresentação me coube fazer.
Com ele, pretendem-se atingir três objectivos fundamentais: primeiro, proteger a música portuguesa, a música feita por portugueses, mas também a música de expressão portuguesa; segundo, garantir a difusão da música portuguesa feita por portugueses e, também, de expressão portuguesa; por último, o terceiro, incrementar a produção de música portuguesa feita por portugueses ou de expressão portuguesa.
A música portuguesa, que é produzida em grande quantidade, muitas vezes até com grande qualidade, muito embora este critério seja puramente subjectivo e aqui não possa ter lugar, não é divulgada como deve ser. E, neste ponto, o argumento do Sr. Deputado Augusto Santos Silva tem toda a razão de ser: só assim se justifica que discos portugueses, feitos por músicos portugueses, sejam vendidos, mas que, apesar disso, a divulgação não seja feita na mesma proporção.
Pelo contrário, em muitas rádios, a opção preferencial é quase sempre para a música de expressão estrangeira. E quando a de expressão portuguesa ou a que conta com a participação de portugueses é difundida a opção recai quase sempre sobre as mesmas faixas, o que também não deixa de ser um aspecto importante a ter em conta, porque limita a

Página 189

0189 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

divulgação de um processo criativo que não se limita apenas a uma faixa mas a muitas outras, com isso prejudicando também a respectiva divulgação.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - A par de um decréscimo da divulgação da nossa música (em sentido lato, como referi) pelas rádios nacionais, originam-se dois problemas essenciais que, com o projecto de lei do CDS-PP, procuramos resolver. É que, sendo cada vez menos ouvida a música portuguesa, por um lado, diminui a apetência do público e dos consumidores, surgindo, por isso, cada vez menos novos criadores, e, por outro lado, está progressivamente a ser substituída por música estrangeira, principalmente de expressão inglesa, sem contar, nesse processo criativo, com músicos portugueses - também os há - que cantam noutras línguas.
De todo o modo, há que ter em atenção duas realidade que são importantes para a resolução do problema. Por um lado, há uma grande quantidade de música que, embora seja de produção portuguesa, é cantada em língua estrangeira (ainda que maioritariamente inglesa, mas não só) e, por outro lado, há muita música cantada em português mas que é de produção estrangeira - por exemplo, a produzida em países de língua oficial portuguesa, em relação à qual, de resto, mais à frente, darei alguns exemplos que são sobejamente conhecidos.
Propõe, por isso, o CDS-PP, ao contrário do que faz o Partido Socialista, um duplo critério: a fixação de um primeiro limite, de difusão mínima de 25% para a música composta e/ou executada por portugueses, e a criação de um outro limite, de difusão mínima de 25% para a música cantada em língua portuguesa.
Por seu lado, estes dois limites deverão ser de cumprimento obrigatório, ou seja, com vantagem para a música portuguesa e feita por portugueses. Desta forma, o funcionamento cumulativo destes dois limites originará, na prática, que a totalidade de música portuguesa ou em língua portuguesa difundida seja provavelmente bastante superior a 25%. Além disso, porque a música portuguesa e cantada em português é a única que permite o preenchimento de ambos os limites, ela está duplamente protegida por uma quota que, em rigor, é de 50%, e essa é também a nossa intenção.
Por outro lado, ao contrário do Partido Socialista, pareceu-nos não fazer muito sentido estar a diferenciar, com consequência para o critério radiofónico, música ligeira e música erudita, música vocal ou música instrumental, se bem que, como é óbvio, quando se fala de música em língua portuguesa apenas se possa aplicar o conceito à música vocal.
Tal como no projecto de lei do Partido Socialista, o projecto de lei do CDS-PP propõe que seja o Governo a estabelecer a determinação concreta da quota de difusão. No entanto, aquilo por que optamos é por estipular apenas o mínimo e não também o máximo, como faz o Partido Socialista. Dessa forma, caso determinada rádio tenha vontade de transmitir apenas em português, não o poderá fazer porque tem esse limite máximo estabelecido pelo Partido Socialista e que nós não estabelecemos. Por isso, atendendo à margem mínima, deixamos um critério máximo para a transmissão de música portuguesa.
Por último, há que mencionar, em termos de técnica legislativa, que nos faz mais sentido optar pela alteração da Lei da Rádio que já existe em vez da aprovação de um outro diploma, causando mais dispersão legislativa, que é precisamente a técnica legislativa por que opta o Partido Socialista. Porquê? Porque entendemos que a Lei da Rádio já regula o exercício da actividade da radiodifusão sonora no território nacional.
A Lei da Rádio faz já referências à protecção da música portuguesa e de língua portuguesa, ao estabelecer, no seu artigo 9.º, como um dos fins da actividade de radiodifusão a promoção da cultura e língua portuguesas e ao dispor, no seu artigo 47.º, que uma das missões do serviço público de radiodifusão é precisamente a promoção e divulgação da criação artística nacional. Ou seja, esta situação já está contemplada na lei. O que não está contemplado é a vinculação da determinação desse quantitativo e da divulgação da música nacional.
Porque o tempo vai escasseando, deixo apenas uma última nota.
A oportunidade do nosso projecto de lei prende-se também com uma série de audições realizadas com músicos portugueses, e não só, que nos permitiram ter uma percepção muito clara da necessidade de se fazer algo. E não se diga, como há quem argumente, que a música portuguesa ou não tem qualidade bastante ou não tem produção bastante. Num e noutro caso este argumento é falso. A música portuguesa tem qualidade bastante, pese embora o critério subjectivo, e esse critério só pode ser aferido pelo consumidor. Não é pela via administrativa que se vai obrigar o consumidor a ouvir a música A, B ou C.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, tem também produção suficiente.
Em sentido lato, pensando-se no espaço lusófono, a música portuguesa ou de expressão portuguesa é até difundida em muitas rádios estrangeiras, e muitas delas de referência, como exemplo do que de melhor se faz no mundo. Para dar apenas alguns exemplos, basta pensar em nomes, aqui em Portugal, como Amália Rodrigues, Madredeus, Sérgio Godinho, Marisa- alguns encontram-se nas galerias a assistir a esta discussão -, e também em nomes de outros países, como Caetano Veloso, Vinícius de Morais, Cesária Évora, e em tantos outros que representam o património da lusofonia em todo o mundo. Todos eles são a prova evidente que lá fora não só se vende, como estas músicas são sinónimo de qualidade. Ora, não faz, pois, sentido que o reconhecimento mundial destas músicas e destes músicos não seja feito aqui, "dentro de casa".

Página 190

0190 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

Basta ver como é que uma banda tão conhecida como os Rolling Stones, que vai actuar brevemente em Coimbra, aceita subir a um palco com uma banda portuguesa, os Xutos & Pontapés, que é muito conhecida e muito querida entre nós. Trata-se de um sinal evidente de que também há um reconhecimento internacional por quem faz a música.
Tudo isto são, pois, exemplos que, do nosso ponto de vista, nos dão razão.
Também é verdade que o público não pode saber da qualidade dos nossos músicos, das nossas músicas, dos músicos que cantam em português, dos músicos portugueses que cantam noutras línguas ou até de bandas em que trabalham portugueses se essas músicas, essas bandas, essas composições e esses trabalhos não forem divulgados.
Na vizinha Espanha, a música transmitida pelas rádios é maioritariamente espanhola, muita dela, no critério de alguns, de gosto duvidoso, pese embora o tal critério subjectivo. No entanto, eles promovem-na com orgulho. Pelo contrário, aqui continua a prevalecer, tantas vezes, um espírito tristemente tão nacional de que o que se faz lá fora é que é bom, o que se faz lá fora é que é melhor, quando muitas vezes o que se faz cá dentro é precisamente o melhor exemplo de qualidade e aquilo que deve ser defendido.
É nossa obrigação mudar esse estado de coisas. É precisamente essa a obrigação do legislador.
O CDS-PP não pretende, hoje, aqui, apresentar um projecto acabado, uma solução definitiva. Sabemos que, após votação na generalidade desta matéria, há que elaborar um trabalho muito grande em sede de especialidade.
Sabemos que há muitas audições a serem realizadas, nomeadamente pela nossa bancada, porque não foi ainda possível realizá-las. Sabemos também que o PSD tem já um projecto de lei elaborado, que só não foi apresentado porque, por determinação do Partido Socialista, houve que proceder a este agendamento,…

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Agora temos todos de esperar pelo PSD!

O Orador: - … mas, numa lógica que é nacional e não deve ser político-partidária, faz sentido esperar, por muito que custe ao Dr. Francisco Louça, para que a próxima lei que daqui sair de protecção da música portuguesa não possa, no final, ser invocada como tendo sido uma "bandeira" do CDS-PP ou do PS, subscritores dos projectos que hoje aqui se discutem, e muito menos do Bloco de Esquerda ou de quaisquer outros partidos.
Decididamente, aquilo que sair da comissão, que vai discutir estes projectos de lei na especialidade, terá de ser um desígnio nacional, pois a música portuguesa é um património nacional. Há lugar para o debate político e há lugar para o debate da cultura. E a cultura não é, certamente, político-partidária.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Arons de Carvalho.

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Melo, esta não é uma causa exclusiva de um partido, mas devo dizer que, pelo menos, é de estranhar a ausência do sempre ausente Ministro da Cultura. Seria bom que o Sr. Ministro da Cultura estivesse aqui e também desse o seu contributo para este debate.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em relação à sua intervenção, hesito em limitar-me a saudar a adesão, finalmente, do Partido Popular a um sistema de quotas e a assinalar que a pressa com que o Partido Popular elaborou este projecto de lei o fez esquecer dois temas que parecem importantes num diploma deste tipo. Por um lado, não parece sensato omitir completamente a situação das rádios temáticas - e gostaria de o ouvir acerca dessa questão - e, por outro, impor uma quota de música portuguesa no contexto da música erudita em relação ao serviço público e à Antena 2.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Arons de Carvalho, não vou cair na tentação em que me quer fazer cair de trazer o debate para o plano político-partidário. Se o Sr. Deputado quer levar a taça, leve-a. A minha preocupação é contribuir para a discussão com um diploma que permita, no final, em sede de discussão de especialidade, resolver o problema da música portuguesa.
Mas se isso o deixa mais feliz, Sr. Deputado, dir-lhe-ei que também nós vemos no projecto de lei do Partido Socialista alguns aspectos importantes, positivos ou a ter em conta, um dos quais essa questão temática que suscita.
Mas uma coisa lhe garanto: o projecto de lei do Partido Socialista também não abrange tudo; há muitos outros aspectos que o projecto de lei do Partido Socialista não contempla e que o nosso projecto de lei contempla e há certamente outros aspectos que nenhum dos nossos projectos de lei contempla e que outros projectos de lei poderão assegurar. Daí a necessidade de os devermos aguardar para que sejam tidos em conta na discussão da especialidade.

Página 191

0191 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

Se o Sr. Deputado conseguir pensar a problemática e a necessidade de defesa da música portuguesa nesta lógica conseguirá fazer algo; de outro modo, o Sr. Deputado está a fazer política, o que sinceramente não pretendemos com este debate, não é aquilo que pretendemos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, é claro que qualquer política cultural é política e é ideologia. Fugir a isso é fazer como a avestruz.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Não é verdade!

O Orador: - Mas, enfim, temos aqui hoje um outro critério de produção legislativa. Enquanto o PSD ou o Governo não trouxerem as suas propostas temos de esperar! Nada pode avançar! Eis um excelente exemplo do que a maioria pensa a propósito do funcionamento do Parlamento.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Isso é demagogia barata!

O Orador: - Vamos, então, aos projectos em causa.
Gostávamos de dizer que entendemos que o proteccionismo cultural, em certas situações, é necessário. E é mesmo um princípio de política cultural, que obviamente é uma escolha, e por isso mesmo é ideológica. Ou seja, quando está em causa a liberdade de criação e a liberdade de expressão, o proteccionismo cultural faz sentido.
Ora, neste caso é isso que está em causa. Isto é, as portarias e as leis anteriores nunca foram cumpridas, o que significa, na prática, o silenciamento da música portuguesa e o silenciamento de uma das dimensões cruciais da cultura portuguesa.
Da mesma maneira como acontece com o cinema de autor, se não for subvencionado. Da mesma maneira que muitas e muitas obras culturais, se não tivessem o apoio do Estado, numa lógica de mercado assistido, não teriam possibilidade de vir à luz do dia.
É necessário, por isso, que a lei da oferta e da procura não seja a única lei no caso dos bens culturais. Os bens culturais não são bens como os outros, têm um estatuto de excepção que deve ser respeitado.
O projecto lei do PS é realista: impõe uma quota entre 20% a 40% da totalidade da música difundida; os critérios parecem-nos flexíveis, maleáveis e abrangentes.
Gostaríamos, no entanto, e penso que isso poderá ser melhor trabalhado na especialidade, que houvesse alguma disposição em relação aos horários, porque, devido à pressão das multinacionais, abre-se a possibilidade de a música portuguesa ser remetida para horários escandalosamente tardios. Essa é uma questão que também deveria ser regulamentada.
Uma vez mais é a liberdade de expressão que está em causa, porque não havendo critérios, quotas, para que a música portuguesa possa ser ouvida pelos portugueses, estamos a "amputar" uma dimensão crucial da cultura portuguesa - volto a repeti-lo.
Srs. Deputados Augusto Santos Silva e Arons de Carvalho, por isso mesmo, parece-me que no caso da Antena 2 seria necessário especificar um pouco mais. O projecto é omisso em relação à Antena 2. Não o é em relação à Antena 1, mas é-o em relação à Antena 2.
Parece-nos também que no que diz respeito à produção recente, poderíamos ter, por um lado, uma especificação da percentagem. Os senhores referem, no artigo 4.º, que uma percentagem das quotas de difusão de música deverá ser preenchida com edições que tenham sido realizadas no último ano. Provavelmente, seria melhor prever os últimos cinco anos e seria também importante clarificar, para que não seja discricionário ou omisso, a percentagem de música mais recente.
Sr. Deputado Nuno Melo, parece que a direita fica um pouco incomodada, sem dúvida alguma…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Outra vez?!

O Orador: - Ó Sr. Deputado, deixe-me falar as vezes que eu quiser, com os argumentos que eu quiser e não perturbe, por favor, as intervenções dos outros Deputados, até por uma questão de boa educação.
A direita tem uma grande dificuldade em conceber tudo o que seja uma alteração às regras da selvagem concorrência da lei da oferta e da procura. Por isso, é preciso dizer que não estamos em Hollywood, que não estamos nos Estados Unidos da América e que é necessário, é fundamental criar mecanismos de preservação daquilo que pode ser uma identidade portuguesa em evolução, uma identidade portuguesa cosmopolita, uma identidade portuguesa que não se confunde com nenhuma política oficial de dirigismo cultural. Não se trata aqui de dizer que tipo de música portuguesa é que os portugueses vão ouvir. Trata-se, sim, de aumentar o universo possível dentro da musica portuguesa. Cada português decidirá que estilo ou que género de música ouve, mas tem é o direito de ouvir, nos meios de transmissão que tem ao seu dispor, a música portuguesa e, acima de tudo, tem o direito de lutar contra o silêncio a que, infelizmente, tem sido votada.

Página 192

0192 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo inscreveu-se para usar da palavra. Pode informar a Mesa para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Para defesa da honra da bancada.

O Sr. Presidente: - Qual o motivo de ofensa da sua bancada, Sr. Deputado?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, apesar do tom que, recorrentemente, tenho tentado imprimir a este debate, a afirmação do Sr. Deputado João Teixeira Lopes de que a direita - dirigindo-se a nós -, é contra a necessidade de mudar a selvajaria da lei da concorrência em que se insere a música portuguesa, o que é exactamente o contrário do que defendemos, ofende a honra da nossa bancada, se o Sr. Presidente assim o considerar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, digo-lhe, com franqueza, que não acho que seja muito ofensivo. Mas, enfim, o Sr. Deputado está tão sensibilizado que não quero pôr a questão em causa.
Tem a palavra, mas peço-lhe que seja muito breve.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, serei muito breve.
Sr. Deputado João Teixeira Lopes, se a questão é política, onde é que está o projecto de lei do Bloco de Esquerda?!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Onde é que está?! É que eu não o vejo! Não o estamos aqui a discutir…
Diga-me outra coisa: se a questão é política, os senhores vão votar favoravelmente o nosso projecto, ou não? É que se a questão é política e votarem favoravelmente o nosso projecto estão a aderir a uma política de direita; mas se votarem contra ele, em obediência a essa lógica política, então estão a votar contra o interesse da música portuguesa. Portanto, tenha muito cuidado com o que vai fazer, Sr. Deputado.
Deixo-lhe ainda esta nota: o Sr. Deputado veio fazer aqui um exercício da mais pura demagogia; o Sr. Deputado não leu uma linha do nosso projecto de lei; o Sr. Deputado, argumentando a favor das quotas, vociferou contra a nossa bancada, quando a nossa bancada não só estabelece quotas como estabelece uma dupla quota; e o Sr. Deputado, pior do que isso, não ouviu uma única palavra do que eu disse.
Sr. Deputado, na política, não vale tudo. Pelo facto de os senhores estarem no contraponto deste espaço não têm que votar sistematicamente contra tudo o que aqui é apresentado e contra tudo o que os nossos diplomas representam, porque aquilo que aqui pretendemos fazer também é prestar um serviço a Portugal, independentemente dos nossos posicionamentos político-ideológicos.
Sr. Deputado, enquanto não mudar esse tipo de comportamento é pura e simplesmente do "contra". E já nem sequer há surpresa da vossa parte, porque em relação a qualquer coisa que apresentemos ou que defendemos sabemos que da vossa bancada vem apenas o "deita-abaixo", o "não serve para nada", o "não presta para nada", o "é da direita", o "a direita é contra tudo e contra todos".
Sr. Deputado, esse é um discurso que, passados tantos anos, já cansa, já não faz sentido. Nesse tempo eu era muito novo e hoje isso até já me faz alguma confusão. Esse discurso reaccionário "de charro na boca e estrela na lapela" já não me faz qualquer sentido. Quero é resolver os problemas dos portugueses e, neste caso concreto, dos músicos portugueses.
Sr. Deputado, aconselho-o a que, no mínimo, leia o nosso projecto de lei e, quando o fizer, tenha a bondade de vir falar comigo lá fora - já que aqui sei que não o poderá fazer - e de reconhecer que eu tenho razão.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, é líquido que os Srs. Deputados têm dificuldade em travar um combate ideológico.

Risos do CDS-PP.

As minhas afirmações foram de cariz ideológico e político, e estamos precisamente no local onde se faz política e onde diferentes visões do mundo estão em conflito. Isso é saudável, isso é a democracia!
Percebo que os senhores tenham algum horror ao cosmopolitismo - já hoje isso ficou provado quando falámos da imigração. Mas, Sr. Deputado, permita-me que lhe diga que a sua defesa da honra - é bom que se refira - mais não foi do que um rol de insultos.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Insultos?!

Página 193

0193 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

O Orador: - Li o projecto de lei do CDS-PP e não me referi a ele por uma questão de elegância, porque foi feito tão à pressa, de forma tão atamancada e tem tantas imprecisões e contradições…

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Quais?!

O Orador: - … que ficamos sem saber, por exemplo, se é 50% ou se é 25% o limite mínimo, porque não está claro. Os senhores dizem que é cumulativo, mas o vosso projecto peca claramente por imprecisão e, por uma questão de elegância, não me referi a ele.
Mas sem dúvida alguma que disse, e reitero, que a política cultural da direita portuguesa tem sido sempre contrária ao cosmopolitismo, à diversidade e, acima de tudo, misturando isso com o liberalismo selvagem, completamente contra a intervenção do Estado ao nível da subvenção da cultura ou da protecção da liberdade de criação e de expressão.
Por muito que lhe custe ouvir, Sr. Deputado, estamos aqui para falar de política.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Campos Ferreira.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, apoiar, promover e defender a música portuguesa é, obviamente, para o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata um objectivo inquestionável, e penso que para toda a Câmara. Que isto fique bem claro!

O Sr. Honório Novo (PCP): - Vê-se!

O Orador: - À proposta do Partido Socialista preside uma filosofia com a qual estamos totalmente de acordo: a defesa dos valores da música portuguesa. No entanto, entendemos que essa defesa deve ir mais longe, deve ser feita de forma mais rigorosa, mais eficaz e mais exequível do que o Partido Socialista pretende.
Está mais do que provado que a música portuguesa não "cresce e amadurece" apenas com a sua divulgação nas rádios. É fundamental construir outro tipo de apoios: à produção, à promoção e à exportação.
Fácil seria para o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata ir em demagogias e fazer diplomas avulsos desgarrados da Lei da Rádio só para fingir que se está preocupado, diplomas esses que, como os senhores sabem, não têm qualquer efeito prático. Não é essa a nossa postura, não é esse o nosso caminho, não é esse o nosso entendimento.
Todos sabemos que a produção musical portuguesa é claramente desfavorecida em relação a outras artes no que toca aos seus incentivos. Onde estão os incentivos à produção da música portuguesa no projecto de lei do Partido Socialista? Em lado nenhum!
Para a promoção da música portuguesa o melhor caminho são as quotas? É suficiente criar quotas? Não é necessário apoiar a criação de novos espaços ou dinamizar espaços já existentes para a actuação de bandas portuguesas? Não é necessário apoiar as rádios locais, que até transmitem mais música portuguesa do que aquela que os senhores querem estabelecer nas quotas? As rádios locais não deverão ser objecto de um conjunto de apoios que lhes permitam promover ainda mais, em Portugal e no estrangeiro, a música portuguesa? Onde estão essas questões no projecto de lei do Partido Socialista? Não estão!
Mas há mais: os canais de serviço público de televisão não devem também dar o seu contributo activo? Onde estão as televisões de serviço público no projecto de lei do Partido Socialista? Não estão!
Onde estão previstos acordos entre editoras, músicos, rádios, enfim, entre todos os agentes, para que haja uma verdadeira promoção da música portuguesa na rádio? Mais uma vez, não estão no projecto de lei do PS!
No que toca à exportação da música portuguesa, actualmente em termos da presença no Midem e nas demais feiras internacionais, o projecto de lei é pobre ou mesmo nulo. Onde estão previstos esses apoios? Não estão!
A música portuguesa deve ser incentivada para além das nossas fronteiras. O Partido Socialista esqueceu-se disso.
Por tudo isso, o projecto de lei do Partido Socialista é redutor e desgarrado. Mas, pior do que isso - e digo-o cara a cara -, é demagógico. Isso é que é grave!
Os mesmos que retiraram as quotas da Lei da Rádio, em 2001, querem agora impô-las: o Sr. Ministro da Cultura e o Deputado Alberto Arons de Carvalho, enquanto Secretário de Estado da Comunicação Social. É um PS no Governo, é outro PS na oposição, mas os nomes e as caras são as mesmas. Parecem, desculpem que lhes diga, os paralelos de som: tocam, tocam, mas nunca se encontram.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A música portuguesa não quer nem gosta que brinquem com ela desta maneira nem desta forma leviana.
Estamos perante uma questão complexa. De duas, uma: ou os senhores são aqueles estudantes que antes do exame lêem um resumo de 6 folhas e pensam que sabem tudo, depois vão ler um resumo de 12 folhas e começam a ficar com dúvidas e quando vão ler o livro da disciplina vêem que não sabem nada (e estão nessa situação), ou então, mais uma vez, infelizmente também neste caso, que é muito sério, querem parecer aquilo que não são!

Vozes do PSD: - Muito bem!

Página 194

0194 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

O Orador: - O Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata está aberto a todos os contributos. Está aberto, inclusive, a discutir, em sede de comissão, este projecto de lei do Partido Socialista.
Mas que fique bem claro que o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata se compromete aqui a apresentar, no prazo de 45 dias, um diploma, esse, sim, exaustivo, eficaz, abrangente e que tenha a estabilidade legislativa que a Lei da Rádio, de 2001, que os senhores fizeram, não tem.

Protestos da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.

Não tocamos a música que os senhores querem que toquemos, nem quando querem.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Querem é dar-nos música!

O Orador: - Temos responsabilidades sérias sobre esta matéria, e vamos ter, porque estamos a desenvolver trabalhos profundos, originais, inovadores, criativos, com qualidade e que servem, de uma forma cabal, os interesses da música e da cultura portuguesas em geral.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, registei as suas palavras e quero chamar-lhe a atenção para o facto de o debate parlamentar só ganhar em fazer-se com clareza, o que significa que temos de nos entender ou mostrar as divergências sobre os caminhos e sobre as soluções. Mas o pior que se pode fazer no debate parlamentar é usar a táctica de empatar.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Há um ano e meio, prometeu aqui o então Deputado Fernando Negrão que, em dois meses, apresentariam propostas sobre o controlo do tráfico de armas - zero até agora! Há um ano, foi aprovado, na generalidade, um conjunto de projectos de lei sobre protecção da deficiência com o compromisso de a traduzir em iniciativas concretas - até agora zero! Quanto a transporte de crianças, o mesmo exemplo!
Agora, o Sr. Deputado refere que no prazo de 45 dias apresentará propostas. Compreenda, Sr. Deputado, que teríamos preferido que tivesse pedido que esta lei fosse discutida duas ou três semanas depois para termos a proposta do Governo ou o do PSD. Mas o que hoje tem de ficar claro, porque claro do passado fica a táctica de empatar à espera que todos se esqueçam, é se os Srs. Deputados do PSD estão ou não de acordo com os critérios decisivos sobre o problema decisivo, que é saber se deve haver ou não limites impostos pela força da lei em quotas na produção e na transmissão de música portuguesa e criada na cultura portuguesa para as emissões de rádio. Esse é o único problema decisivo que aqui estamos a discutir. Que complementem com outras propostas - serão bem-vindas! Que melhore o universalismo, a projecção da cultura portuguesa - ainda bem! Mas hoje, Sr. Deputado, estamos a discutir se há ou não que impor quotas, depois do fracasso da tragicomédia, da fraude em que se transformou toda a política cultural de todos os governos do passado quanto à música e às produções portuguesas na radiodifusão.
Isso é o futuro, e é sobre o futuro que temos de ter a vossa resposta.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Campos Ferreira.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, o meu compromisso e o do Partido Social Democrata não é consigo nem é com o Bloco de Esquerda.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É com a cultura portuguesa, é com a música portuguesa.
E o compromisso de que temos soluções rigorosas, de que faremos um trabalho exaustivo sobre esta matéria é assumido.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Deve ser com as sonatas de Chopin…!

O Orador: - Deve ser, provavelmente, com músicas sul-americanas já ultrapassadas e que só têm lugar em momentos de revolução, nos quais já não vivemos.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

Página 195

0195 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos a realizar um debate que se está a tornar muito sui generis. É que estamos a discutir um projecto de lei que é político, mas que, segundo os seus proponentes, não o é.
Isto, aliás, vem um pouco a propósito de um belíssimo tema de Valdemar Bastos, um excelente cantor e autor de música de expressão portuguesa, que tem uma personagem, a avó Chica, que diz para o seu neto: "Xé menino, não fala política". O Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo propõe-se fazer aqui o papel da avó Chica - o que até nem é propriamente antipático -, mas o Sr. Deputado terá de ter paciência pois vou falar de política.

Aplausos do PCP e do BE.

Vou falar de política para dizer que o Grupo Parlamentar do PCP acolhe muito favoravelmente as iniciativas legislativas que tenham como objectivo conferir efectividade à aplicação de quotas mínimas de difusão de música portuguesa na rádio.
Em Fevereiro deste ano, tivemos oportunidade, nesta mesma tribuna, de manifestar a nossa solidariedade para o com um amplo movimento cívico que foi então lançado por um número muito significativo de cantores, músicos e autores portugueses em defesa da música portuguesa, particularmente em defesa da sua difusão e promoção. Temos acompanhado este movimento de opinião com o maior interesse e com toda a disponibilidade para colaborar na aprovação de iniciativas que tenham como objectivo promover a música portuguesa.
Se, como esperamos, apesar de tudo, vier a ser aprovada uma nova lei relativa à difusão da música portuguesa, se esse objectivo for conseguido e se se tratar de uma lei razoável, como acreditamos que possa vir a ser, estarão de parabéns todos aqueles que se lançaram nesse combate cívico em defesa da cultura portuguesa. Estão particularmente de parabéns a Associação Venham Mais Cinco e os subscritores do Manifesto sobre o Estado da Música Portuguesa. Aliás, alguns dos dinamizadores deste movimento estão hoje aqui a assistir a este debate e, por isso, quero daqui expressar-lhes uma particular saudação.
A música portuguesa é parte essencial da nossa identidade como País e como povo. É a nossa música, criada, cantada e executada por portugueses, que une o povo português nos quatro cantos do mundo. Muitas das vozes da música portuguesa constituem referências incontornáveis da nossa cultura e da nossa História contemporânea e exprimem os nossos sofrimentos, os nossos valores, as nossas causas e as nossa esperanças.
E são também os que hoje fazem música em Portugal, contra "ventos" fortes e "marés" adversas, que mantêm viva a nossa cultura e que, mesmo no quadro triturante de uma globalização que é ditada pelos mercados e que sacrifica as identidades e as diferenças no "altar" do lucro mais fácil das multinacionais, insistem, apesar disso, em levantar a voz, a nossa voz, e em difundir os sons e as palavras que nos distinguem e com que nos identificamos.
Pode ler-se no Manifesto sobre o Estado da Música Portuguesa que "(…) Portugal cuida muito mal dos seus artistas", e são dados exemplos disso: "Camões morreu na miséria. Muitos notáveis morreram às mãos da Inquisição. Pessoa foi contabilista, Virgílio Ferreira professor de liceu até à reforma. José Afonso contou essencialmente consigo e com os amigos na doença que o vitimou. Eduardo Lourenço, Jorge de Sena, Anabela Chaves e tantos outros tiveram de emigrar. Carlos Paredes foi (…) arquivista de radiologia do Hospital de S. José. É, ao que parece,…" - concluem - "… um défice de auto-estima crónico. Mas doentio e absurdo".
E, assim, a música portuguesa está a "bater no fundo", porque a educação musical é desprezada nos currículos escolares, porque os instrumentos musicais são objectos de luxo e pagam IVA a 19% e porque a rádio e a televisão portuguesa, salvo honrosas excepções, quase não passam música portuguesa. Consequentemente, a música portuguesa é pouco editada, é pouco promovida, é pouco vendida e promovem-se poucos espectáculos com músicos e cantores portugueses.
O problema não está na falta de qualidade da música portuguesa - veja-se o reconhecimento nacional e internacional que muitos cantores e executantes portugueses vão obtendo - nem no facto de os portugueses não gostarem da música portuguesa, porque gostam, seguramente - veja-se a enorme adesão que suscitam os espectáculos de muitos músicos portugueses e particularmente a grande adesão da juventude aos espectáculos de músicos e autores portugueses; o problema é que nós estamos a cuidar muito pouco daquilo que é nosso e daquilo que deveria, efectivamente, ser apoiado.
As rádios brasileiras passam 80% de música brasileira e em quase todos os países europeus as rádios passam preferencialmente a sua própria música, portanto não há qualquer justificação aceitável para que, em Portugal, a grande maioria das rádios se limite à difusão mecânica dos temas constantes das play list que lhes são impostas por conluios de natureza comercial. Da mesma forma, não é aceitável que as televisões, que têm como finalidade, nos termos da lei que lhes permitiu obter as licenças para emitir, a promoção da língua portuguesa e dos valores que exprimem a identidade nacional, se caracterizem pela quase total ausência de produção e difusão de programas musicais em português.
Esta situação não pode continuar. A música portuguesa não pode definhar à vista de todos, com as leis a não serem cumpridas e com as rádios e as televisões portuguesas ocupadas quase exclusivamente por música importada, na sua maioria de duvidosa qualidade, e tudo isto sem que cada um assuma por inteiro as responsabilidades que lhe cabem.
É um imperativo nacional que o movimento de opinião que hoje mobiliza os criadores da música portuguesa seja ouvido pela opinião pública mas também pelos poderes públicos, particularmente por esta Assembleia da República.

Página 196

0196 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

Nesse sentido, queremos afirmar a nossa total disponibilidade para colaborar na adopção das soluções legais que sejam mais adequadas para a defesa da música portuguesa.
E esta questão da efectividade das leis aprovadas é fundamental. Todos temos a experiência de, em 1981, ter sido aprovada uma lei que estabelecia quotas para a difusão da música portuguesa na rádio - essas quotas, porventura seriam irrealistas, admitimos hoje que sim -, que não foi cumprida. Ora, isto não pode voltar a acontecer.
A lei que for aprovada nesta Assembleia para propiciar a difusão da música portuguesa e que estabeleça uma quota para a sua difusão na rádio, que, naturalmente, deve ser uma quota razoável, deve ser uma quota cumprível, tem de ser cumprida, isto é, ela tem de estabelecer os próprios mecanismos, tem de ser suficientemente densificada, para que não possa deixar de ser cumprida. Nada há que mais desprestigie uma lei, um Parlamento e um Estado de direito do que a aprovação de leis que ficam apenas no papel. Esperamos que desta vez isto não aconteça.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O projecto de lei do CDS-PP "passa a bola" ao Governo, porque aprova um princípio geral e, depois, diz que o Governo regulamentará tudo, o Governo decidirá tudo, o Governo fará como muito bem entender.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - O do PS também!

O Orador: - Como se costuma dizer, com a aprovação de um projecto de lei destes escusamos de ficar descansados. E, portanto, valeria a pena que aquilo que o CDS-PP propõe que se remeta para o Governo fosse a própria Assembleia da República, na especialidade, a discutir os mecanismos concretos que hão-de levar à efectivação prática da lei, para que ela, efectivamente, possa deixar de ser apenas, como se diz, law in paper e passar a ser também law in action - permitam-me o anglicismo.
O PSD pede-nos para esperar 45 dias. Vamos ter de contar os 45 dias…

Risos do PCP e do BE.

Há pouco, o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo dizia que o PSD tinha um projecto de lei pronto mas que não o entregou, porque já não valia a pena, porque a matéria estava agendada.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Eu não disse nada disso!

O Orador: - Afinal, o projecto não estava assim tão próximo, porque ainda faltam 45 dias!
Mas nós, se for necessário, esperamos os 45 dias. Se é apenas esse o problema, esperamos os 45 dias. Mas esperamos que, ao fim dos 45 dias, não haja mais protelamentos e que, efectivamente, a Assembleia possa passar a discutir, na especialidade, uma lei que já deveria estar aprovada. E, se isso tivesse acontecido, manifestamente que a situação da música portuguesa poderia já estar numa situação melhor do que aquela em que está hoje.
Esperemos que a Assembleia da República possa contribuir para que surjam, em breve, melhores dias para a música portuguesa na rádio, o que quer dizer melhores dias para a música portuguesa e para a cultura portuguesa no seu conjunto. Pela nossa parte estamos inteiramente disponíveis e empenhados em contribuir para esse objectivo.

Aplausos do PCP, do PS e do BE.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não apoiado!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de começar por referir que o PSD já não tem credibilidade quando diz, nesta Casa, que concorda com os objectivos traçados nos projectos de lei apresentados e em discussão, mas afirma que, a breve prazo, apresentará um projecto idêntico, com os mesmos objectivos. É uma conversa a que já estamos habituados nesta Casa e que já não tem qualquer credibilidade.

Protestos do PSD.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Nem vocês!

A Oradora: - Já aqui foram referidos alguns exemplos concretos, mas eu gostava de avançar mais alguns.
Em Abril do ano passado foi discutido um projecto de lei de Os Verdes - e deste caso não me esqueço, Srs. Deputados, porque o tenho "atravessado" - sobre o transporte colectivo de crianças, que tinha - diziam os senhores - um objectivo muito meritório e era extremamente urgente legislar em Portugal sobre esta matéria. Nessa altura disseram que o Governo se comprometia - até fizeram um telefonema para o Sr. Ministro - a apresentar, dentro de poucos dias, uma

Página 197

0197 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

proposta de lei perfeitamente idêntica, com os mesmos objectivos, mas - claro! - mais completa. Estamos em Setembro de 2003 e essa proposta de lei nunca apareceu, continuando a existir uma lacuna na legislação portuguesa relativamente ao transporte colectivos de crianças. Assim não dá, Srs. Deputados!
A mesma coisa se passou relativamente ao GPS. E outros inúmeros exemplos podíamos apresentar relativamente a esta conversa "chapa 5" do PSD.
Agora, é preciso também esclarecer, se, porventura, alguém não conhecer como é que decorre em concreto o processo legislativo, que temos uma votação na generalidade, e, quando as pessoas concordam com o objectivo, devem votar favoravelmente na generalidade e, na especialidade, têm toda a oportunidade de fazer as alterações e de acrescentar aquilo que consideram importante. Por isso, realmente não percebo esta vossa posição de princípio de "chumbar" tudo aquilo que vem dos partidos da oposição.

Vozes do PSD: - Não é verdade! Quem é que disse que íamos "chumbar"?!

A Oradora: - Mas, relativamente aos projectos de lei que estão em causa, gostaria de sublinhar, em primeiro lugar, o empenho dos músicos portugueses que lançaram este debate nacional sobre a forma como a música portuguesa é tão maltratada.
Gostava ainda de referir outra coisa: é que já perdemos muitas oportunidades. Perdemos oportunidade com a lei de 1981 e perdemos oportunidades com os sucessivos fracassos dos sucessivos governos relativamente à política cultural no nosso país e, nomeadamente, em relação à música portuguesa. E, Srs. Deputados, já estamos em 2003 e ainda estamos a procurar promover a música portuguesa em Portugal, quando podíamos estar já noutro patamar. Podíamos estar já neste momento a promover a divulgação da música portuguesa no estrangeiro, mas ainda estamos neste patamar.
Os Verdes subscrevem favoravelmente a ideia de promoção da música portuguesa através da rádio, através de outras formas, que já aqui foram referidas, mas gostava de sublinhar uma outra que o não foi, que é a dignificação dos artistas portugueses, mas também, naturalmente, através da criação de espaços de espectáculo e da RTP, que é uma questão que gostaríamos de levar à especialidade. Consideramos que este passo é um passo fundamental para a divulgação da música portuguesa e, por isso, vamos votar favoravelmente.

Vozes de Os Verdes: - Muito bem!

A Oradora: - Temos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, excelentes criadores musicais em Portugal, músicos de grande qualidade e grandes intérpretes que oferecem qualidade muito diversificada para todos os gostos, e a variedade também não falta.
Relativamente à discussão destes projectos de lei, trata-se de uma questão de identificação e de inter-relação cultural. A música portuguesa é imbuída da nossa cultura e é também criadora da sua dinâmica, faz parte de nós, da nossa realidade e do nosso imaginário. Basta atender, por exemplo, àquele que é o sentimento generalizado dos emigrantes quando ouvem a música portuguesa lá fora e sentem, automaticamente, essa identificação cultural e essa proximidade imediata com o seu país. Não há dúvida de que os músicos, neste caso concreto os portugueses, são verdadeiros embaixadores de Portugal no estrangeiro.
As músicas portuguesas, Sr. Presidente e Srs. Deputados - e vou terminar -, não se querem fechadas sobre si próprias, querem-se vivas, e é nesse sentido justamente que Os Verdes vão votar favoravelmente a atribuição de quotas para a difusão da música portuguesa na rádio.

Vozes de Os Verdes e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Santos Silva.

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de fazer um balanço, naturalmente do ponto de vista do meu grupo parlamentar, da discussão que aqui tivemos.
A nossa preocupação fundamental não é uma preocupação relativa à paternidade das leis. As iniciativas legislativas têm autores, e o Partido Socialista não renega o facto de ser autor de uma das iniciativas legislativas que aqui estão em causa, mas as leis da República não. Portanto, o que temos de fazer é de encontrar uma boa lei e essa lei não terá autor. Importa é que seja uma lei favorável ao desenvolvimento da cultura portuguesa.
Portanto, do nosso ponto de vista, a iniciativa do CDS-PP é bem vinda e da nossa parte tudo faremos para poder enriquecê-la em sede de discussão na especialidade, assim com serão bem vindas as iniciativas que o PSD, o PCP, Os Verdes ou o BE venham a apresentar, se contribuírem para o desenvolvimento da cultura portuguesa.
Também não é aqui a sede nem o momento próprio para discutir a História política portuguesa recente. Nós estamos interessados em resolver problemas efectivos com que se debate o meio musical português e não propriamente em fazer arqueologia política, por recente que ela seja.
Para resolver esses problemas, precisamos de soluções que sejam, do nosso ponto de vista, razoáveis e efectivas - e faço minhas as palavras do Sr. Deputado António Filipe sobre a necessidade de se construir uma solução que seja efectiva.
A razoabilidade da solução que propomos, a solução equilibrada que nós procurámos desenvolver, tem uma primeira razão, que é a necessidade de ser uma lei que seja aplicável, fiscalizável, efectiva e que produza realidade, e uma segunda

Página 198

0198 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

razão, muito forte e para nós decisiva, que é a de que os artistas só constroem as suas obras e só sobrevivem com a indústria fonográfica e com a rádio.
Não há rádio portuguesa sem artistas portugueses, não há indústria fonográfica portuguesa sem artistas portugueses. Portanto, é preciso construir uma solução que não ponha qualquer dos parceiros que fazem este campo contra outros, e que seja uma solução onde possa convergir o que há de comum nos respectivos interesses.
Uma última nota final, ao nível da discussão a que eu não desço: como é natural, a Direcção Parlamentar do PSD escolhe os oradores que entender. Considero de muito mau tom, sobretudo aplicada a mim próprio, qualquer analogia com aqueles estudantes que, quanto mais lêem, menos percebem. Mas insisto: o ponto principal é clareza na nossa posição final.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O PSD tem ainda tempo para explicar a sua posição e para esclarecer esta Câmara em relação a esta questão concreta aqui levantada: a da necessidade e vantagem da imposição de uma quota, aqui defendida, pela iniciativa legislativa do PS e pela iniciativa legislativa do CDS-PP e acompanhada pelos restantes grupos parlamentares, à excepção do PSD, se a posição do PSD for a posição expressa pelo Sr. Deputado Gonçalo Capitão, no seu pedido de esclarecimento, ou se for a posição expressa na catilinária do Sr. Deputado Luís Campos Ferreira.
Mas é isto que importa, do ponto de vista político: é que aqui fique clara esta questão, para que cada um de nós retire as consequências e cada um de nós responda publicamente pelas suas responsabilidades.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Campos Ferreira.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, a posição do Grupo Parlamentar do PSD é fazer um trabalho sério e exaustivo e que toque os problemas que eu abordei na minha intervenção. É esta a posição do Grupo Parlamentar do PSD.
Ora, eu disse, claramente (e comecei por dizer isso), que estávamos de acordo com a filosofia que presidia ao projecto de lei n.º 290/IX, do Partido Socialista.

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Com o articulado!

O Sr. José Magalhães (PS): - Com as soluções concretas!

O Orador: - Comecei por dizer que ninguém nesta Câmara, com toda a certeza, a não ser, provavelmente, quem retirou da Lei da Rádio (a Lei n.º 4/2001, de 23 de Fevereiro) as quotas e, agora, as quer voltar a pôr…

Vozes do PS: - Não é verdade!

O Orador: - Toda a gente sabe isso! Toda a gente sabe, Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho!

Protestos do PS.

O Partido Social-Democrata está de acordo com a filosofia que preside à intenção de preservar a música portuguesa. Vamos ver, no debate na especialidade, em sede de comissão, qual a melhor forma de fazê-lo.
Ninguém disse que iria "chumbar" este diploma. Antes pelo contrário, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia! Aliás, ouviu muito bem algumas coisas que eu disse e até aproveitou para repetir boas sugestões, mas ouviu mal outras que eu disse.

Protestos da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.

Por isso, a posição do Partido Social-Democrata - e é isto o que quero que fique claro - é que está disponível para proteger, para defender, a promoção e a exportação da música portuguesa.

O Sr. José Magalhães (PS): - Só falta saber como…

O Orador: - É esta a posição do Partido Social-Democrata.

Aplausos do Deputado do PSD Jorge Nuno Sá.

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Então, venha o trabalho!

Página 199

0199 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Votam a favor?

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Para uma intervenção, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Não pode, Sr. Deputado. Como sabe, fez duas intervenções, de acordo com o Regimento, e já não dispõe de mais tempo para esse efeito. Alguém poderá intervir, mas não o Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas, Sr. Presidente, o Sr. Deputado Augusto Santos Silva quer pedir esclarecimentos…

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - O Sr. Professor não é ignorante!…

O Sr. Presidente: - Não vejo mais oradores inscritos e congratulo-me com o silêncio que, pelos vistos, pesa sobre esta matéria.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Augusto Santos Silva quer pedir esclarecimentos…

O Sr. Presidente: - Antes de encerrar este debate, quero juntar as minhas saudações àquelas que, por vários oradores, foram dirigidas ao grupo de artistas, de músicos, de cantores, que vieram assistir aos nossos trabalhos de hoje. São sempre bem-vindos e escutados com gosto!

Protestos do Deputado do PS José Magalhães.

Ó Sr. Deputado José Magalhães, o Sr. Deputado Augusto Santos Silva não pediu a palavra para pedir esclarecimentos mas para uma terceira intervenção. E o Sr. Deputado sabe, melhor do que eu, que o Regimento não consente que os Srs. Deputados usem da palavra para uma terceira intervenção.
Mas posso dar a palavra a qualquer outro membro do Partido Socialista, que queira usá-la, para os 5 segundos que ainda lhes restam.

O Sr. António Costa (PS): - Ó Sr. Presidente, não querendo gastar um milésimo de segundo, creio que houve só aqui um equívoco, quanto aos termos regimentais: julgo que a intenção efectiva do Sr. Deputado Augusto Santos Silva era a de fazer um pedido de esclarecimentos ao Sr. Deputado Luís Campos Ferreira...

Vozes do PSD: - Oh!…

O Sr. Presidente: - É natural, mas não foi isso que transmitiu à Mesa. Houve um lapso, na transmissão, mas com certeza continuaremos este debate em outras ocasiões.
Srs. Deputados, como não há mais inscrições, declaro encerrado o debate, na generalidade, dos projectos de lei n.os 290/IX e 337/IX.
Passamos ao ponto seguinte da ordem de trabalhos que consta da discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 129/IX - Limita a concentração da propriedade dos meios de comunicação social, da iniciativa do Bloco de Esquerda.
Para apresentar este projecto de lei, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda apresenta ao Parlamento uma proposta de medidas legislativas com o objectivo de limitar a concentração da propriedade dos órgãos de comunicação social.
É do conhecimento de todos que, há menos de uma semana, o Presidente da República entendeu tratar este tema alertando o País para o perigo de que, hoje, já sofreríamos, em Portugal, de uma excessiva concentração. E o Presidente não mediu as palavras: indicou que entendia que essa excessiva concentração limitava, punha em risco a alternância política e a livre escolha do governo do País.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - É verdade!

O Orador: - A Constituição da República, no artigo 38.º, define que a concentração excessiva é uma limitação à liberdade de comunicação e, no artigo 81.º, indica que é indispensável contrariar os abusos de posição dominante.
Na mesma altura em que o Presidente português fazia este alerta, o Senado norte-americano tomou uma decisão, pela segunda vez na sua história: decidiu intervir para proibir uma decisão do órgão regulador da comunicação social que

Página 200

0200 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

pretendia precisamente facilitar o mecanismo da concentração. Sendo assim, com esta decisão do Senado, de maioria republicana, mantém-se a regra nos Estados Unidos da América de que cada rede de emissores de televisão não pode ter mais do que 35% do mercado potencial e que, numa cidade ou num Estado, não pode o proprietário de uma televisão ser simultaneamente proprietário de um jornal. Estas são as regras que a maioria do Senado impôs que se mantivessem nos Estados Unidos da América!
Há boas razões para o alerta do Presidente da República, há boas razões para a norma constitucional e há muito boas razões para a decisão que o Senado norte-americano adoptou. A razão, aliás, é fácil de ler na forma como evoluiu o direito da comunicação social, ao longo das décadas: não se aceita que a liberdade de informar e de ser informado possa ser refém dos grupos económicos!
Ora, quando, na Europa, vivemos uma situação em que um primeiro-ministro tem, por propriedade privada ou por acesso à dominação pública, o controlo sobre um imenso big brother que abrange 70% do mercado das televisões, percebemos que o "fenómeno Berlusconi" tem de ser medido, exactamente, no perigo que representa para o fundamento essencial da democracia,…

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - … que é poder saber discutir e poder exercer a liberdade de opinião.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Em Portugal, três conselhos de administração dominam grande parte da comunicação social. Um único grupo, em Portugal, domina 90% da Cabo, domina dois dos três jornais diários de referência, domina uma das maiores rádios, domina o maior portal da Internet, domina uma das gráficas mais importantes, tem uma parte da distribuidora que distribui 90% do material impresso em Portugal, tem uma parte da agência noticiosa, tem quase toda a distribuição do cinema e tem a rede fixa dos telefones.
Esta empresa que tem todo este poder, que não seria possível à luz da Constituição Portuguesa, que não seria possível à luz da lei norte-americana, acabou de juntar, na semana passada, cinco administrações: o mesmo administrador já decide sobre cinco empresas diferentes, neste universo da comunicação social!!
O que está em causa, portanto, é o fundamento da liberdade. O que está em causa é a capacidade de a comunicação social exprimir o País que somos, na sua diversidade, no seu pluralismo e na sua vitalidade. O que está em causa também é a própria condição do exercício da profissão de jornalista, porque uma vez concentrada ou hiper-concentrada a propriedade da comunicação social, não há liberdade de imprensa, não há liberdade de comunicação social, e correlativamente, não há liberdade de exercício da profissão de jornalista!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Há 30 anos atrás, um Deputado da Ala Liberal do Parlamento da ditadura, Francisco Pinto Balsemão, que escreveu com Sá Carneiro o projecto de lei de imprensa de 1970, que dizia o seguinte: "Uma vez que a tecnologia leva ao domínio dos media por um pequeno e dificilmente desalojável grupo de poderosos, verificamos que a concentração prejudica a autonomia de informação: é afectada a liberdade de expressão, é posta em causa a própria liberdade de informação".
E dava, então, um exemplo delicioso: "Se usar um exemplo (chamava-lhe ele) 'inocente', se uma revista pertencer a um grupo açucareiro, nela nunca se escreverá que o açúcar engorda"...
É certo que há algum tempo o director da televisão do grupo Pinto Balsemão chegou a dizer com bastante expressividade que não se importaria de fazer eleger o Presidente da República, pela força que, então, já tinha!...
Entre as palavras acertadas de 1970 e a realidade da comunicação social de hoje vai toda uma diferença, mas a diferença continua a ser a mesma: ou a liberdade de imprensa, a liberdade de comunicação social, ou a concentração de um poder imenso sobre os jornalistas, sobre os telespectadores, sobre a democracia, sobre o pluralismo, sobre o debate político e sobre a cultura no nosso país.
A escolha entre a liberdade e a concentração é uma escolha que define se a democracia tem conteúdo ou se, pelo contrário, fica esvaziada. É por isso que o projecto de lei que vos apresentamos sugere que se adoptem, à luz da legislação europeia, à luz da legislação comparada, medidas que previnam, que combatam e que evitem a extrema concentração da propriedade da comunicação social.

Aplausos do BE.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho.

Página 201

0201 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria, em primeiro lugar, de sublinhar a importância do tema e a oportunidade do projecto de lei.
A importância do tema, visto ser um tema decisivo para a liberdade da comunicação social e para a garantia do direito a uma informação livre e plural; a oportunidade do projecto, porque, nos últimos anos, de facto, se avolumaram sinais preocupantes sobre os malefícios de uma excessiva concentração dos meios de comunicação social, como, aliás, referiu, ainda há poucos dias, o Sr. Presidente da República.
E avolumaram-se sinais preocupantes, ainda, quer no presente, em relação ao pluralismo e à garantia das regras de alternância democrática, quer em relação ao futuro, se se confirmarem os rumores que, nos últimos dias, correm nos meios da comunicação social em Portugal, segundo os quais, por exemplo, poderia estar em causa uma junção da Portugal Telecom com um dos grandes grupos de comunicação social, a Impresa.
Este é, de resto, um tema que vem crescentemente preocupando as instâncias internacionais ligadas ao sector da comunicação social e, em geral, à defesa dos Direitos do Homem. São já diversos os documentos internacionais da Comissão Europeia, do Parlamento Europeu, do Conselho da Europa, exprimindo preocupação e preconizando a adopção de regulamentação nacional sobre a matéria. Sublinho, aliás, pela sua relevância, a Recomendação do Comité de Ministros do Conselho da Europa de Janeiro de 1999 (Recomendação n.º R (99) 1 do Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre medidas para promover o pluralismo dos media, adoptada em 19 de Janeiro de 1999).
Este projecto de lei que, hoje, aqui, discutimos tem um principal mérito: é que dá coerência a um conjunto de regras que limitam a concentração da propriedade.
De facto, há, hoje, na lei de imprensa, na lei da televisão e, sobretudo, na lei da rádio, normas que limitam a concentração, mas reconheça-se que a situação actual impõe uma legislação mais abrangente e envolvendo não apenas a globalidade do sector da comunicação social como também o sector contíguo, mas de grande importância, que é o sector das telecomunicações.
É evidente que esta é uma matéria de grande complexidade. É, por um lado, uma realidade em constante evolução - a evolução das tecnologias torna rapidamente insuficiente a legislação, mesmo a mais moderna. Por exemplo, uma legislação anti-monopolista para os media, que, há dois ou três anos atrás, deixaria certamente de fora a área das telecomunicações, é hoje completamente impossível.
Por outro lado, uma desregulamentação excessivamente restritiva é também prejudicial.
Não é fácil, de facto, estabelecer o adequado ponto de equilíbrio entre tendências contraditórias - por exemplo, a legislação deve permitir, e até incentivar, a criação de grupos económicos nacionais de alguma dimensão como melhor forma para combater a indesejável presença de grupos estrangeiros, mas deverá impedir a sua expansão, quando essa dimensão passar a constituir um relevante limite ao pluralismo dos media e ao direito dos cidadãos a uma informação plural.

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, a legislação deve ter em conta a dimensão do mercado em causa. Por exemplo, a tecnologia digital permitirá mais do que três operadores nacionais de televisão, terminando, assim, a tradicional limitação à liberdade de empresa em matéria de televisão, imposta por limitações técnicas (as chamadas limitações do espectro radioeléctrico). Mas o mercado publicitário português não tem (nem terá, nos próximos anos), dimensão para novos operadores nacionais de televisão.
Ora, uma eventual criação de novos operadores poderia ser positiva, em certos aspectos, para o pluralismo televisivo e da comunicação social, mas teria graves consequências - grave crise para os operadores existentes, o que poderia acarretar uma de três situações: ou a falência dos operadores comerciais; ou a sua eventual venda a empresas multinacionais estrangeiras; ou, no mínimo, uma drástica redução dos custos da programação, com inevitáveis consequências para a sua qualidade.
Por outro lado, ainda, importa ter em conta que a legislação anti-monopolista é frequentemente torneável, e a internacionalização do fenómeno da concentração ou a própria deslocalização das emissões de televisão limitam, muitas vezes, o alcance das legislações nacionais.
Há também que articular as regras do direito da comunicação social limitadoras do fenómeno da concentração com o direito da concorrência: o direito da comunicação social visa, sobretudo, garantir o pluralismo, enquanto que o direito da concorrência tem como principais preocupações o bom funcionamento dos mercados e evitar o abuso de posição dominante.
Importa igualmente escolher onde está e como podemos apurar o que é um excesso de concentração: através de uma percentagem de audiência ou de tiragens, como na Alemanha ou na Grã-Bretanha?
Através da percentagem de participação no capital social das empresas, como é o caso da experiência francesa?
Através de percentagens no mercados nacional ou mesmo também no regional e local?
Através do número de licenças, como é caso da Espanha?
Além disto, importa ainda complementar as regras sobre concentração com a legislação - essa, sim, já existente - que visa garantir o pluralismo da comunicação social, consagrando, nomeadamente, direitos dos jornalistas (e eles existem: conselhos de redacção, a garantia da independência...), regras sobre transparência da propriedade, incentivos à comunicação social regional e um serviço público de televisão e de rádio forte, porque essa é também uma contribuição importante para a consolidação de uma comunicação social nacional.

Página 202

0202 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

Por outro lado, apreciando esta situação não podemos ignorar alguns aspectos positivos da concentração: algumas sinergias e poupanças, a defesa do emprego em certas situações e a defesa de grupos nacionais contra a invasão de grupos multinacionais estrangeiros.
Há também vantagens em atribuir competências alargadas a uma entidade reguladora, inclusivamente na ponderação concreta dos limites aceitáveis de concentração, mas essa responsabilidade só pode ser atribuída a uma entidade reguladora que seja forte, credível e, no caso português, renovada. E não posso deixar de referir que persistem no nosso país situações irregulares de concentração excessiva no domínio das rádios locais sem que a Alta Autoridade para a Comunicação Social tenha intervindo, como era sua estrita obrigação.
Em todo o caso, repito mais uma vez, este projecto de lei constitui um excelente ponto de partida e a sua viabilização deveria permitir, em posterior discussão na especialidade, o seu aperfeiçoamento através de um amplo processo de consultas a todos os sectores envolvidos na área da comunicação social e em áreas contíguas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Velosa.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de dizer que o partido proponente começou por citar uma frase do Sr. Presidente da República - aliás, o Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho, de certa forma, entrou em contradição na sua intervenção, porque, por um lado, disse que a concentração é positiva, mas depois, por outro lado, disse que era contra a concentração -, mas das suas palavras não resulta que o caminho para evitar essa concentração seja o da imposição de limites tal como consta deste projecto de lei do Bloco de Esquerda.
Além disso, nesta matéria não consigo vislumbrar em outra qualquer legislação europeia a imposição de limites semelhantes aos do tipo que o Bloco de Esquerda pretende impor.
Em relação ao Partido Socialista, gostaria de acrescentar o seguinte: deixe-me que lhe diga, Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho, que é no mínimo surpreendente que já existindo este fenómeno da concentração há tantos anos, tendo sido V. Ex.ª membro do governo e tendo o Partido Socialista estado no poder todos aqueles anos, só agora venha encontrar virtualidades num projecto que pretende impor, por via legislativa, limitações à concentração de empresas nesta área. Deixe-me pelo menos que manifeste esta surpresa!...
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em Outubro de 2002, o Bloco de Esquerda apresentou nesta Assembleia o projecto de lei que visa limitar a concentração da propriedade dos meios da comunicação social.
Poucos dias depois, em 13 de Outubro, foi publicada no Diário da República a Lei n.º 24/2002, no âmbito de uma autorização legislativa, que criou a autoridade independente para promover, defender e garantir o respeito pelo princípio da livre concorrência e do mercado aberto. Em 18 de Janeiro de 2003, foi publicado o Decreto-Lei n.º 10/2003, que concretizou a referida autoridade da concorrência.
Estes diplomas fundamentais no âmbito da concorrência - e há aqui um avanço - visam os seguintes objectivos: primeiro, o funcionamento em articulação com as autoridades reguladoras sectoriais, no caso da comunicação social, a Alta Autoridade para a Comunicação Social; segundo, o controlo jurisdicional das decisões da autoridade da concorrência; terceiro, a revisão de aspectos substanciais e processuais da legislação da concorrência que datava de 1993; quarto, a sua aplicação a todos os sectores, incluindo o da comunicação social; quinto, a atribuição à referida autoridade da concorrência de poderes de investigação e de punição de práticas anticoncorrenciais e de aprovação ou não de operações de concentração de empresas, no caso da comunicação social, em articulação com a Alta Autoridade para a Comunicação Social ou outra que a venha a substituir.
Mais recentemente, em 1 de Junho, foi publicada a Lei n.º 18/2003, que aprovou o regime jurídico da concorrência. Esta lei proíbe, por exemplo, a exploração abusiva por uma ou poucas empresas de uma posição dominante no mercado nacional ou numa parte substancial deste, com o fim de impedir, falsear ou restringir a concorrência. A lei é clara: as operações de concentração de empresas estão sujeitas a notificação prévia da Autoridade da Concorrência quando tal concentração implicar mais de 30% da quota do mercado nacional de determinado bem ou serviço, juntando-se-lhe o critério do volume de negócios.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Neste enquadramento, o projecto do Bloco de Esquerda fica prejudicado por clara inutilidade superveniente. Aliás, já anteriormente não se justificava face ao edifício legislativo existente, por exemplo, a Lei n.º 2/99 (Lei de Imprensa), no sistema actual da concorrência, garante que o pluralismo da informação não é lesado pela concentração de empresas.
A Lei de Imprensa é das mais avançadas no que respeita aos direitos dos jornalistas e dos consumidores. Talvez a maioria pudesse ter algum receio de violações ao pluralismo e não o Bloco de Esquerda ou a esquerda, em geral, mas a maioria confia no sistema legal que está em vigor!
E cabe aqui lembrar que o Bloco de Esquerda, em Fevereiro de 2003, não participou no debate, na generalidade, do diploma do regime jurídico da concorrência. É verdade que, em Outubro de 2003, o Bloco de Esquerda, através do Deputado Francisco Louçã, alegou que havia um problema de falta de transparência no sistema da concorrência em Portugal. Nós não aceitamos esta conclusão!

Página 203

0203 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na exposição de motivos o Bloco de Esquerda começa por invocar o exemplo dos Estados Unidos. Aliás, hoje, o Bloco de Esquerda, na apresentação do projecto, voltou a invocar o exemplo do Senado dos Estados Unidos. E ainda na semana passada o Deputado Francisco Louçã, no debate da proposta do Governo de revogação das disposições que fixavam limites à participação de entidades estrangeiras no capital das sociedades reprivatizadas, defendeu a política económica dos Estados Unidos da América de intervenção do Estado na economia e nas empresas... Não deixa de ser sintomático este enlevo do Bloco de Esquerda em relação aos Estados Unidos da América...! É uma sintonia digna de registo!
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda não acredita no funcionamento do mercado e das leis que o regem, por isso quer que Portugal seja pioneiro, na União Europeia, na criação de leis que impeçam a concentração directa das empresas da comunicação social. Como afirma no preâmbulo, só a Suiça iniciou, em 2002, um processo com tal objectivo, e não pertence à União Europeia.
Aquilo que se pretende no projecto de lei é uma imposição de limites, mas os limites já existem e resultam inclusivamente das citadas leis da concorrência. Não podemos aceitar que se siga a via da imposição específica para a área da comunicação social. Os limites e a sua concretização devem resultar do normal funcionamento das regras de mercado e da concorrência, já em vigor.
Aliás, o projecto de lei contém normas inaceitáveis ou já em vigor. Como se pode saber previamente (artigo 6.º do projecto de lei) que uma entidade privada detentora de um jornal local ou regional adquire um concorrente directo com o objectivo comprovado do seu encerramento? Previamente, só se fossemos bruxos,…

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Olhe que não!

O Orador: - … e quem vai aplicar a lei, normalmente, não será bruxo.
Os 30% da quota de mercado, previsto no artigo 8.º, já estão vigor na recente lei do regime jurídico da concorrência.
A obrigatoriedade de acções normativas do artigo 10.º já resulta das actuais Leis de Imprensa, para as publicações periódicas, e da Televisão. Aliás, a Lei de Imprensa já contém regras específicas relativas às participações em empresas de comunicação social de cada sector e às suas concentrações pelo papel reservado à Alta Autoridade para a Comunicação Social.
A Lei da Televisão, recentemente publicada, também restringe as aquisições.
A Lei da Rádio, por exemplo, ainda vai mais longe e sujeita os actos de concentração a aprovação prévia.
Para nós, os fenómenos de concentração em grupos nacionais não são preocupantes face ao edifício legislativo vigente. Mais: as reestruturações em grupos são aceitáveis e não põem em causa os objectivos pretendidos pelo Bloco de Esquerda.
Temos de aceitar que também tem de haver uma evidente lógica empresarial na gestão das empresas da comunicação social, o fim é o da rentabilização da actividade sem pôr em causa o necessário pluralismo.
O que o Bloco de Esquerda pretende é que o Estado intervenha mais no mercado, dando como exemplo os Estados Unidos da América.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A defesa do pluralismo está assegurada pela Alta Autoridade para a Comunicação Social e pela recém criada Autoridade da Concorrência.
A especialidade e a não concentração estão consagradas na legislação já citada.
Tal como em todos os países da União Europeia, em Portugal, o controlo de operações da concentração resulta do regime geral da defesa da concorrência. Em nenhum deles foi tentado um regime semelhante ao agora pretendido pelo Bloco de Esquerda.
O que tem sido feito não é a imposição de limites à concentração mas, sim e tão-somente, a adopção de outros critérios como a fixação de tectos máximos de audiências para cada órgão de comunicação social, as limitações decorrentes do volume de negócios, as restrições quantitativas à detenção de licenças ou autorizações e as restrições à participação no capital social. Não são estes os caminhos pretendidos pelo Bloco de Esquerda.
Nós aceitamos o quadro legal vigente!
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo e a maioria estão a trabalhar no sentido de melhorar o modelo de regulação em relação à comunicação social. Este é o caminho certo.
O importante é proteger os cidadãos, por exemplo, na área dos conteúdos televisivos, o que se consegue se se acabar com o sentimento de impunidade.
Com a regulação, o mercado dos media tornar-se-á mais dinâmico e competitivo, contribuindo para um correcto funcionamento dos mercados e para uma sã concorrência entre os seus diferentes agentes.
A criação da entidade reguladora especializada será, esse sim, um passo fundamental na criação de melhores condições para uma melhor comunicação social em Portugal.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é para pedir esclarecimentos?

Página 204

0204 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Não, Sr. Presidente, é para uma intervenção.

O Sr. Presidente: - Agora, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, para uma intervenção.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Salvo melhor opinião, aquilo que o Bloco de Esquerda hoje, aqui, nos suscita é um "número político" em que tenta criar a aparência de uma realidade que na verdade não existe, e vou tentar explicar porquê.
O Bloco de Esquerda tenta criar a aparência de que em Portugal se vive numa selva de mercado em que tudo pode ser feito, porque se trata de um mercado puro e duro, onde alguns, muito poucos, muito ricos e poderosos, vão poder fazer o que lhes der na vontade, fazendo seu todo e qualquer património resultante do exercício da comunicação social, sem qualquer espécie de controlo administrativo. E se fosse essa a realidade nós até estaríamos com o Bloco de Esquerda naquele que é o seu propósito hoje, só que assim não é verdadeiramente. Porquê?
Porque o Bloco de Esquerda esquece-se, ou pelo menos quer fazer esquecer, de que já existe uma Autoridade da Concorrência, que foi criada pelo Decreto-Lei n.º 10/2003, de 18 de Janeiro, por sua vez produzido no âmbito de uma autorização legislativa dada por esta Assembleia da República, e que já trata precisamente do que o Bloco de Esquerda hoje aqui pretende acautelar. Porquê?
Em primeiro lugar, porque esta Autoridade da Concorrência tem já um completo estatuto de independência em relação ao Governo.
Em segundo lugar, porque esta Autoridade é transversal, ou seja, tem uma missão alargada no que respeita à Lei da Concorrência - à qual também já me vou referir -, na medida em que sua jurisdição se alarga a todos os sectores da actividade económica, portanto também a estes sectores, porque, de um ponto de vista empresarial, de sectores de actividade económica se trata.
Em terceiro lugar, porque esta Autoridade da Concorrência reúne vários poderes. Quais são os poderes, Sr. Deputado Francisco Louçã? São, entre outros - vou só citar-lhe alguns -, poderes de investigação e punição de práticas anticoncorrenciais, de instrução dos correspondentes processos e, bem assim, e isto é particularmente importante, de aprovação das operações de concentração de empresas sujeitas a notificação prévia, sem prejuízo, naturalmente, da articulação com as autoridades reguladoras sectoriais. Mas não só, Sr. Deputado Francisco Louçã!
Em quarto lugar, com a criação da Autoridade da Concorrência conferiu-se unidade orgânica às funções anteriormente repartidas por várias entidades, entre elas a Direcção-Geral do Comércio e da Concorrência e o Conselho da Concorrência. Mais até: desgovernamentalizou-se também o processo de apreciação prévia da operações de concentração. Como sabe, esse sim poderia ser motivo de debate político e até de discussão doutrinária, porque aí poder-se-ia falar da governamentalização, da influência do governo em certas operações societárias, o que manifestamente não acontece e se procurou que não acontecesse com a criação desta nova entidade.
É igualmente referida a nova Lei da Concorrência, que, como o Sr. Deputado sabe, foi aprovada pela Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho. E o que a Lei da Concorrência diz expressamente é que se aplica a todas as actividades económicas exercidas com carácter permanente ou ocasional nos sectores público, privado e cooperativo, ou seja, abrange tudo e também, naturalmente, a comunicação social.
É certo que invoca o Bloco de Esquerda um parecer da Alta Autoridade para a Comunicação Social. Pena é que o Bloco de Esquerda não o invoque na plenitude, porque isso seria relevante para a discussão. Pena é que, por exemplo, o Bloco de Esquerda não invoque ou reproduza aquelas que são as considerações que, apensas ao mesmo parecer, sobre ele expendeu Jorge Pegado Liz. Mas vou citá-las, para que não haja aqui qualquer margem para dúvidas: "(…) seria natural e desejável que, a propósito de caso inquestionavelmente paradigmático, pela sua importância e pelo seu relevo, (…) a Alta Autoridade para a Comunicação Social tivesse aproveitado a oportunidade para definir, ela, quais, em seu entender, os referidos parâmetros.
Mais do que desejável que o tivesse feito, as posições que a Alta Autoridade para a Comunicação Social tem assumido (…), denunciando o que, no seu entender, é uma falha manifesta do nosso ordenamento jurídico, impunha-se-lhe a obrigação de, agora que a oportunidade se lhe oferecia, enunciar, por forma clara e sem ambiguidades ou subterfúgios, quais, para ela, seriam os parâmetros que a lei deveria consagrar, e que lhe permitiriam, com carácter vinculativo, apreciar situações concretas como a presente".
E termina Jorge Pegado Liz com um aspecto muito importante: "Ao demitir-se de o fazer, preferindo, uma vez mais, refugiar-se numa lamurienta queixa acerca das falhas da Lei, a Alta Autoridade para a Comunicação Social não só incumpriu, gravemente, o que entendo ser um dos aspectos mais nobres do seu mandato, constante, designadamente, do artigo 4.º, alínea m), da Lei n.º 43/98, como se desautorizou moralmente perante a opinião pública, pela imagem de debilidade que transmite, em face de situação tão importante como a que lhe competiria ter apreciado.". Isto, Sr. Deputado Francisco Louçã, vem também apenso ao dito parecer da Alta Autoridade para a Comunicação Social, sobre o qual, nesta parte, naturalmente, o Sr. Deputado, convenientemente, atento o projecto de lei que defende, fez completa tábua rasa, mas que, politicamente, não deixa de ser significativo e, por esse facto, aqui lho lembro.
Para terminar, há duas outras questões que o Bloco de Esquerda, do nosso ponto de vista, não acautela.
Em primeiro lugar, objectivamente, há empresas, na área da comunicação social, que empregam muitos trabalhadores e que, conjunturalmente, passam muitas dificuldades, algumas delas, ao presente, passam mesmo muitas dificuldades. A sobrevivência destas empresas e, consequentemente, a salvaguarda dos postos de trabalho de todos os profissionais que lá

Página 205

0205 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

desempenham as suas funções só é permitida através de operações societárias, sejam elas cisões, fusões, cessões ou quaisquer outras que a respectiva legislação permita. Não o compreender é, objectivamente, na base de um discurso que aqui parece muito bonito, estar a permitir ou a potenciar que, na prática, empresas portuguesas, que empregam profissionais portugueses, tenham de abrir falência e, com isso, tenham de despedir esses mesmos profissionais, o que me parece que, manifestamente, não é o que o Bloco de Esquerda pretende. Mas isto permite ainda outra coisa que, curiosamente, é paradoxal em relação àquele que é o discurso oficial do Bloco de Esquerda: é que, criando entraves às operações societárias com capital nacional, está precisamente o Bloco de Esquerda a permitir que sejam as empresas mais fortes, mais ricas, mais poderosas, estrangeiras a adquirir aquelas que são empresas de referência de Portugal. Isto também não deixa de ser paradoxal!
Porventura, poderia, depois, vir aqui o Bloco de Esquerda, caso um qualquer Sr. Berlusconi, inimigo de estimação, viesse a adquirir algumas empresas de referência de Portugal, argumentar: "Pois é! Cá está! O Governo faz nenhum, não protege o capital nacional, permite que tudo vá lá para fora e, veja-se bem, até vem este fascista deste italiano adquirir aqui umas tantas empresas"...
Provavelmente, o Bloco de Esquerda até poderia vir aqui argumentar com isso, mas esquecer-se-ia, certamente, de dizer que isso só teria sido possível na base de uma lei que agora quer fazer aprovar e que impediria que, certamente, empresas portuguesas, que conheciam os profissionais portugueses e que tinham vontade de adquirir essas empresas, tivessem dificuldades em fazê-lo.
São aspectos muito importantes que compreendo que o Bloco de Esquerda defenda, em primeiro lugar, porque vão de acordo com aquela que tem sido a sua prática política, mas, em segundo lugar, mais do que isso, porque não tem a responsabilidade de governar e, não tendo a responsabilidade de governar, pode dizer aqui qualquer coisa, porque sabe que aquilo que aqui diz, em regra, não vai ser consequente.
Mas no contraponto, Sr. Deputado Francisco Louçã, tem-nos precisamente a nós, que estamos no Governo, que queremos servir Portugal e que, por isso, naturalmente, quando aparecem propostas como esta não as podemos viabilizar.
Assim sendo, está expresso o nosso sentido de voto e, Sr. Deputado Francisco Louçã, está expressa também a nossa posição política.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Embora muitos tenham embarcado na famosa tese do "quarto poder", pretendendo que a comunicação social está nas mãos de si própria, ombreando com os "outros" poderes na condução dos destinos da sociedade, a verdade é que esse extraordinário poder que os media hoje apresentam está, de facto, nas mãos de alguém. E essa verdade tem vindo a tornar-se cada vez mais evidente, perante as transformações tecnológicas que têm marcado a história recente do panorama mediático.
O advento das novas tecnologias, para além de todas as vastas possibilidades que nos trouxe, tem também contribuído para aprofundar uma contradição básica no sector. Por um lado, dá-se uma progressiva socialização das audiências, massificando-se o conjunto dos destinatários; por outro lado, assiste-se a uma crescente concentração da propriedade. E, se em todas as áreas da sociedade se coloca a questão da propriedade dos meios, essa questão ganha ainda mais peso quando se discute o sector dos meios de comunicação de massa.
É que, se os novos meios tecnológicos permitem o progressivo alargamento do número de pessoas com acesso à comunicação, já os avultados investimentos exigidos (por esses mesmos meios tecnológicos) fazem com que a comunicação social seja, cada vez mais, uma actividade reservada ao poder económico de alguns. E é isso que acontece também entre nós.
O diagnóstico sobre a propriedade dos media em Portugal está feito. Infelizmente, mas não por acaso, é pouco conhecido e discutido mas existe e merece reflexão. Contas feitas, verificamos que a grande maioria da informação a que os portugueses têm acesso vem de empresas que estão afinal nas mãos de poderosos grupos do grande capital financeiro, com os seus próprios interesses, objectivos e projectos.
Aliás, a este nível, o que se tem passado na comunicação social é o mesmo que nos restantes sectores da economia: uma tendência generalizada, própria do capitalismo, para a concentração monopolista da propriedade e a constituição de oligopólios cada vez mais poderosos, com a prestimosa ajuda, naturalmente, das políticas de direita que, degradando e privatizando os serviços públicos, têm vindo a abrir caminho a esses oligopólios.
A grande diferença que distingue a comunicação de massas está justamente no seu objecto. É que, ao contrário do que alguns parecem considerar, a informação não é uma mercadoria, assim como um presidente não é um sabonete.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E, embora alguns o pretendam ignorar, deter os media e neles mandar significa, sim, ter o poder de controlar e manipular as consciências e a vida de milhões de pessoas. Alguém um dia afirmou: "Dêem-me a televisão. Eu dou-vos o exército".
É esse poder que é negociado em cada processo de venda ou fusão de empresas de comunicação social. E não se pense que o verdadeiro poder e a efectiva propriedade dessas empresas podem ser identificados através da simples conferência

Página 206

0206 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

da titularidade de capitais. Pelo contrário, Sr. Deputado Hugo Velosa, na discreta penumbra das SGPS vão sendo tecidas complexas teias de engenharia financeira que fazem tantas vezes perder o rasto de quem, de facto, manda nos media em Portugal.
Por outro lado, a vida já demonstrou que os fenómenos de concentração monopolista verificados neste sector não se limitam às vertentes habitualmente designadas de "concentração horizontal" e "vertical". Aliás, a própria evolução tecnológica, a banalização do recurso à comunicação multimédia, a convergência dos meios de comunicação constituem oportunidades rapidamente aproveitadas para a adaptação de estruturas de redacção, produção e difusão nestas empresas, o que conduziu a esta tendência mais recente de aprofundamento da concentração da propriedade, desta vez também numa dimensão multimédia, que em vários países da Europa se convencionou designar por "concentração diagonal". E esta nova dimensão do fenómeno da concentração monopolista levanta novas e maiores exigências às respostas que o Estado tem de dar em termos legislativos. É que a desigualdade nas relações de poder que se vive nas empresas de comunicação social assume proporções inéditas que são, elas próprias, o reflexo da impunidade sentida por estes grupos económicos.
O quadro que actualmente se vive no sector é, do ponto de vista laboral, dos mais graves de sempre. E é urgente denunciar e agir, face ao gritante atropelo aos direitos dos profissionais da comunicação social.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É o desrespeito generalizado pela lei, pela contratação colectiva, pelos direitos de autor. É o recurso ao trabalho precário, à polivalência negativa, ao contrato individual a termo certo, a recibo verde, a estagnação ou mesmo inexistência de carreiras profissionais, a redução de salários reais, a discriminação salarial. Uma desumana exploração que não se reduz às já de si inaceitáveis consequências sociais, antes se estende a profundas implicações no plano cultural, ideológico, das mentalidades.
À custa de muitas lutas, o odioso lápis azul desapareceu em Abril. Lutaremos para que o lápis azul não dê lugar ao recibo verde.

Vozes do PCP e do Deputado do BE João Teixeira Lopes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A questão fundamental nesta discussão é a das medidas que é necessário e urgente concretizar, para dar resposta a esta situação. Não estamos perante um problema novo, aliás, o que se vê é o atraso do poder político em Portugal em enfrentar com responsabilidade e coragem este problema.
O preâmbulo do projecto de lei que estamos a apreciar refere uma resolução do Parlamento Europeu, aprovada em Junho de 1992 - há mais de uma década! -, mas também podemos citar as resoluções do Parlamento Europeu no mesmo sentido, de Janeiro de 1994, de Outubro de 1994, de Junho de 1995. E podemos ainda lembrar as recomendações do Conselho da Europa, desde logo as que foram aprovadas pelo Conselho de Ministros em Janeiro de 1999, apelando a que os Estados introduzam limites assentes em níveis de audiência, de capital detido, de receita obtida, recomendações que nos levariam ainda mais longe do que aqui se discute!
Mas também podemos invocar o relatório aprovado, no início deste ano, no Conselho da Europa, sobre a "Diversidade dos media na Europa", que, para além de destacar a insuficiente eficácia das leis da concorrência - as tais que deixam a direita satisfeita -, apresenta as várias soluções e avanços que a este nível se verificaram em diversos países da Europa. Veja-se o caso da França, da Grã-Bretanha, da Noruega, da Suécia. Veja-se, aliás, mesmo que isso incomode o Sr. Deputado Hugo Velosa, o caso recente do Congresso norte-americano. Até nos Estados Unidos da América, em que o critério da concentração da propriedade se refere aos níveis de audiência, a proposta liberalizante da entidade reguladora - a RCC - foi rejeitada por esmagadora maioria. Caso para nos interrogarmos sobre o que pretende afinal esta maioria e este Governo quando é a própria Alta Autoridade para a Comunicação Social, que tão ignorada tem sido pela direita, a manifestar, por exemplo, no seu parecer de Janeiro de 2001, a sua "preocupação pela fraca expressão, ou mesmo inexistência, no ordenamento jurídico português de normas reguladoras da concentração horizontal, vertical e multimédia de órgãos de comunicação social".
Vale a pena perguntar do que têm medo aqueles que tão acerrimamente defendem via aberta para estes grupos económicos. Vale a pena perguntar o que falta acontecer para que os Citizen Kanes desta vida, os Berlusconis, os Murdochs, deixem de seguir alegremente na sua arrogante impunidade.
Defender o pluralismo e a liberdade de informação significa, antes de mais, estabelecer regras que defendam os profissionais da comunicação social da exploração e da precariedade a que estão sujeitos; regras que permitam aos portugueses ter acesso a uma informação que não se submete aos ditames do poder económico.
Por parte do PCP, essa responsabilidade não será, certamente, recusada.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei que o Bloco de Esquerda apresenta foi criticado em várias bases, a primeira das quais é a de que a lei abusa.

Página 207

0207 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

É nosso ponto de vista que à lei só deve ser dado o que é da lei. À lei não compete, à legislação não deve ser permitido intervir na determinação do espaço do debate público ou do debate político, mesmo que constatemos que há hoje uma fragilização do pluralismo em Portugal.
Quando o comentador de referência da TVI é Marcelo Rebelo de Sousa e, na SIC, são Santana Lopes e Pacheco Pereira, com o contraponto de Manuel Maria Carrilho, estamos sempre à espera do momento em que, naqueles eflúvios do Chão da Lagoa, alguém venha dizer "Eu quero a RTP",…

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - … porque percebemos que esse é o "pluralismo" a que alguns entendem que temos direito.
Mas sobre isso a lei nada deve dizer! Em contrapartida, a lei tem de determinar as regras fundamentais da estruturação do poder empresarial e da sua organização, sempre que ela colidir com o fundamento da democracia. Isto foi o que o Presidente disse! Foi exactamente isto que o Presidente disse!
Com a concentração abusiva da comunicação social que, hoje, existe em Portugal, corremos o risco de prejudicar o sentido essencial da democracia, que é o direito a escolhermos a política que nos governa!

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - Podem os Srs. Deputados fazer malabarismos! O Sr. Deputado Nuno Melo, entretanto, já "desaparecido em combate", uma vez que não se encontra presente, citou uma declaração de voto de Pegado Liz, que disse, justamente, que é preciso fazer uma nova lei, e utilizou essa citação para concluir que, como Pegado Liz disse que era preciso fazer uma nova lei, não se deve fazer lei alguma.
Argumentam os Srs. Deputados Nuno Melo e Hugo Velosa que a Autoridade da Concorrência, recém-instruída, terá grande capacidade de actuação. Srs. Deputados, é mais fácil Cristo descer à Terra do que a Autoridade da Concorrência ter qualquer actuação a respeito das negociações entre o Grupo PT e o Grupo Balsemão!!

Vozes do BE e do PCP: - Muito bem! Exactamente!

Protestos do Deputado do PSD Hugo Velosa.

O Orador: - Pode ter a certeza disso, Sr. Deputado Hugo Velosa! E não se preocupe com a nossa referência aos Estados Unidos, porque nós somos laicos, enquanto que os senhores são devotos e, por isso, o que os devia preocupar é que, na vossa devoção, põem em causa aquilo que poderiam estar a aprender com os Estados Unidos. Os Estados Unidos são o País que tem a legislação mais antiga em política antitrust, desde o Sherman Act do século XIX, e aprendemos, com isso, que a sustentação da capacidade de a comunicação social ser menos constrangida era o facto de não haver essa concentração.
Disse o Sr. Deputado Hugo Velosa, que lê mal e precipitadamente, que, no artigo 8.º, dizemos coisas tão extraordinárias como a de que nenhuma empresa de distribuição de imprensa pode cobrir mais do que 30%. Fique sabendo, Sr. Deputado, que, desde que a VASP se expandiu, com a compra da Deltapress, ela abrange muito mais do que 30%. Esse é o cerne do problema! Pode haver liberdade de produzir um jornal ou uma revista se toda a distribuição é de um concorrente?! Pode haver liberdade de produzir uma revista se ela tem de ser impressa na gráfica do concorrente?! Pode haver liberdade de comunicação nestas condições?! Claro que não! E por isso é que a nossa proposta tem três objectivos.
Em primeiro lugar, pretendemos melhorar a produção na comunicação social em Portugal, do ponto de vista tecnológico. Enquanto a PT tiver, simultaneamente, a rede fixa de telefones e o domínio da rede cabo, nunca haverá desenvolvimento ao nível do digital e de capacidade de produção telefónica na rede cabo.
A segunda questão fundamental que abordamos é a das condições de trabalho. O Sr. Deputado Nuno Melo apresentou o argumento de que a concentração, a contrario do que diz o Presidente, era a condição para a sobrevivência. Ora, nunca, como hoje, houve tanta concentração na comunicação social em Portugal e nunca, como hoje, foram tão degradadas as condições de trabalho dos jornalistas! No EuroNotícias, há anos que não há actualização de salários e três estagiários são substituídos por cinco pessoas que não recebem ordenado; no Expresso, os novos trabalhadores têm de ser contratados como empresários em nome individual; na SIC e na SIC Notícias não há contrato colectivo, só há contrato individual e não há carreiras; no Diário de Notícias e na TSF não houve actualização salarial em 2003 e adivinha-se o que pode vir por diante. Nunca, como hoje, com tanta concentração, foram tão más as condições de trabalho e tão maus os limites profissionais e deontológicos à actividade dos jornalistas no nosso país.
A terceira questão e última é de direitos, de saber se tem razão quem, como o Presidente da República, contradiz a concentração. Respondam-me, então, Srs. Deputados, à pergunta que Balsemão vos fez há 30 anos: alguma empresa açucareira alguma vez vai permitir que o seu jornal diga que o açúcar engorda?! Os senhores sabem a resposta! A resposta é que não, que nunca isso acontecerá! Nunca uma empresa permitirá que os seus interesses estratégicos sejam contraditados no exercício da liberdade de comunicação.

Página 208

0208 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

Mas isso é que é a liberdade de comunicação, isso é que é a liberdade e pô-lo em causa é aceitar que a democracia se pode empobrecer, que a concentração pode ser instrumental, do ponto de vista político, que a democracia não tem valor, perante as necessidades de alguma empresa. E só no final da história saberemos a consequência.

Aplausos do BE, de alguns Deputados do PCP e do Deputado do PS Marques Júnior.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, está encerrado o debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 129/IX.
Assim sendo, chegámos ao fim dos nossos trabalhos de hoje. A próxima sessão plenária realizar-se-á amanhã, às 15 horas, terá um período de antes da ordem do dia e, na ordem do dia, procederemos ao debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 79/IX e do projecto de lei n.º 234/IX. Amanhã, por ser quinta-feira, haverá ainda lugar a votações.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 25 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Fernando Jorge Pinto Lopes
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Melchior Ribeiro Pereira Moreira

Partido Socialista (PS):
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Fausto de Sousa Correia
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Apolinário Nunes Portada
José Manuel de Medeiros Ferreira
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco

Partido Comunista Português (PCP):
Maria Odete dos Santos

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Isabel Maria de Almeida e Castro

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
Maria Eduarda de Almeida Azevedo

Partido Socialista (PS):
António Fernandes da Silva Braga
Francisco José Pereira de Assis Miranda

Partido Popular (CDS-PP):
José Miguel Nunes Anacoreta Correia

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):

Página 209

0209 | I Série - Número 004 | 25 de Setembro de 2003

 

Carlos Jorge Martins Pereira
José Manuel Carvalho Cordeiro
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia

Partido Socialista (PS):
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Fernando Pereira Cabodeira
Luís Manuel Carvalho Carito
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos

Partido Comunista Português (PCP):
Bernardino José Torrão Soares

Bloco de Esquerda (BE):
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×