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Sábado, 18 de Outubro de 2003 I Série - Número 14
IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 17 DE OUTUBRO DE 2003
Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral
Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
S U M Á R I O
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas.
Foi discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 93/IX - Regula e harmoniza os princípios básicos de cessão de créditos do Estado e Segurança Social para titularização. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças (Francisco Esteves de Carvalho), os Srs. Deputados João Cravinho (PS), Francisco Louçã (BE), Lino de Carvalho (PCP), Luís Marques Guedes (PSD), Herculano Gonçalves (CDS-PP), Leonor Coutinho e Eduardo Cabrita (PS), Vasco Cunha (PSD), Diogo Feio (CDS-PP) e Tavares Moreira (PSD).
Também na generalidade, a Câmara debateu a proposta de lei n.º 80/IX - Lei de bases do desporto, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro (José Luís Arnaut), os Srs. Deputados Bruno Dias (PCP), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Fernando Cabral (PS), Luís Fazenda (BE), Virgílio Almeida Costa (PSD), Jamila Madeira e Laurentino Dias (PS) e Bruno Vitorino (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 12 horas e 40 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas.
Srs. Deputados presentes à sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Carlos de Sousa Pinto
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Parente Antunes
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eduardo Artur Neves Moreira
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Jorge Pinto Lopes
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João José Gago Horta
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Ribeiro dos Santos
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel de Matos Correia
José Manuel dos Santos Alves
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Miguel Gonçalves Miranda
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Soromenho Gomes
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Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscata Lourenço de Oliveira Pegado
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa da Silva Morais
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Alberto Bernardes Costa
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Cabodeira
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Guilherme Valdemar Pereira D'Oliveira Martins
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Cardona Gomes Cravinho
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
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José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Santos de Magalhães
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo José Fernandes Pedroso
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo
Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Henrique Jorge Campos Cunha
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró
Paulo Daniel Fugas Veiga
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Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Odete dos Santos
Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, do primeiro ponto da ordem do dia de hoje consta a apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 93/IX - Regula e harmoniza os princípios básicos de cessão de créditos do Estado e segurança social para titularização.
Para fazer a apresentação da proposta de lei, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças.
O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças (Francisco Esteves de Carvalho): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei que se apresenta para discussão e votação visa regular os princípios básicos da cessão de créditos do Estado e da segurança social para efeitos de titularização - em particular, no que respeita a créditos tributários.
A título prévio, esclarece-se que a titularização de créditos consiste numa operação financeira complexa que envolve, nomeadamente, uma cessão de créditos a favor de uma entidade que se dedica exclusivamente a esta actividade (em Portugal, podem ser fundos de titularização de créditos ou sociedades de titularização de créditos), a qual, por sua vez, procede subsequentemente à emissão de determinados valores mobiliários - unidades de titularização ou obrigações titularizadas, consoante se trate de fundos de titularização de créditos ou de sociedades de titualrização de créditos -, cujo reembolso e remuneração são assegurados apenas pela cobrança dos créditos cedidos.
Ora, o regime jurídico que se pretende introduzir com a aprovação da presente proposta de lei tem em vista possibilitar a realização de operações que apresentam vantagens e benefícios de relevo que importa considerar.
Desde logo, contribui para a prossecução do objectivo do saneamento financeiro das contas públicas, particularmente do controlo do défice orcamental.
Permite também receber antecipadamente o produto de impostos ou outros tributos que, por uma razão ou por outra, ainda não foram cobrados. Com efeito, a cessão dos créditos para titularização conduz à imediata realização de liquidez, independentemente da efectiva cobrança dos tributos, pois os riscos económicos inerentes a essa cobrança, designadamente o risco de insolvência, de falência ou do não pagamento pelo contribuinte devedor, são transferidos para os investidores que subscrevam ou adquiram os valores mobiliários títularizados.
Optimiza ainda a receita do Estado com a transmissão dos créditos, nomeadamente com a introdução de uma medida de salvaguarda ao nível do pagamento do respectivo preço ao Estado, uma vez que se assegura que o produto da cobrança dos impostos e das contribuições da segurança social será entregue ao Estado, a título de preço diferido, na parte que exceda o valor necessário para o reembolso e remuneração dos investidores que adquiram os valores mobiliários e os custos e despesas da operação.
Contribui para o aumento do nível de eficiência na gestão e cobrança dos créditos cedidos, quer porque actua como um catalisador da implementação da reforma da Administração Pública, designadamente da administração fiscal, quer porque estimula um maior controlo e acompanhamento da cobrança das dívidas tributárias, constituindo, nesta medida, um instrumento decisivo no combate à fraude e à evasão fiscais.
Por último, mas com idêntica importância, fomenta a dinamizacão do mercado de capitais nacional,
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numa conjuntura económica em que os agentes dos mercados financeiros procuram sinais de confiança para a realização dos seus investimentos.
Como se sabe, atentas as vantagens que este tipo de operação apresenta, a titularização de créditos é actualmente uma operação praticada, de forma corrente, pelas entidades do sector privado, mas também por outros Estados-membros da União Europeia, como a Itália ou a Grécia, cujas experiências foram, aliás, consideradas na elaboração da presente proposta de lei.
Acresce que - é importante referi-lo -, no que respeita à cessão de créditos tributários, trata-se, afinal, de retomar simplesmente o caminho que, entre nós, tem vindo a ser trilhado desde o início da década de 90, quanto à admissíbilidade legal dessa transmissão.
A verdade é que, hoje em dia, já se admite expressamente a possibilidade de proceder à cessão de créditos tributários nos casos previstos na lei, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 29.° da Lei Geral Tributária.
Aliás, mesmo antes da entrada em vigor da Lei Geral Tributária, já existiam vários exemplos de permissão legal para a transmissão de créditos tributários. Em 1993, permitiu-se, nomeadamente, que as instituições da segurança social cedessem os seus créditos, no todo ou em parte, a instituições de crédito e sociedades financeiras, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 400/93, de 3 de Dezembro. E, mais tarde, no âmbito das medidas excepcionais de recuperação de créditos, veio também a aceitar-se, de forma expressa e inequívoca, a cessão de créditos de impostos, com o conhecido plano de regularização de dívidas fiscais aprovado em 1996 (o chamado "Plano Mateus").
Por seu turno, no tocante apenas à titularização de créditos, também se retoma o trabalho já feito. Como é sabido, na anterior legislatura, mais concretamente em 1999, foi introduzido, em Portugal, o regime aplicável às operações de titularização de créditos, permitindo-se, desde então, que a cessão de créditos seja efectuada pelo próprio Estado e demais pessoas colectivas públicas.
A presente proposta de lei limita-se, assim, a conjugar os efeitos positivos da cessão de créditos tributários com o regime de titularização de créditos. Neste âmbito, vem-se admitir a possibilidade de o Estado proceder à cedência de créditos vencidos e litigiosos, permitindo-se a cessão de créditos que não tenham sido pagos no prazo de pagamento voluntário e que se procuram cobrar através dos processos executivos instaurados para o efeito.
É de sublinhar que, apesar da cessão dos créditos, os direitos e garantias dos contribuintes não são, de modo algum, afectados. Os devedores mantêm a possibilidade de contestar a legalidade das dívidas nos mesmos termos em que o poderiam fazer, caso não tivesse ocorrido qualquer cessão.
Efectivamente, assegura-se, na sua plenitude, o direito dos contribuintes discutirem a legalidade ou a existência da dívida exequenda, uma vez que as actuais relações entre o Estado e os contribuintes permanecem inalteradas. Por seu turno, os contribuintes continuam indiscutivelmente obrigados ao pagamento da dívida tributária, acrescida dos respectivos juros de mora que entretanto se vençam.
Importa também enfatizar que, através deste diploma, o Estado não renuncia à cobrança dos montantes correspondentes aos créditos transmitidos, nem introduz qualquer alteração no domínio punitivo e, em particular, ao nível das infracções tributárias. A este respeito, tal como noutros aspectos, esta operação financeira é absolutamente neutra.
Como é razoável, continuará a competir ao Estado a tarefa de proceder à gestão e cobrança dos créditos, mesmo após a sua cessão, prevendo-se que o mesmo seja remunerado para assegurar aquelas tarefas. Aliás, este regime de remuneração também não constitui qualquer novidade no nosso ordenamento tributário. Como é sabido, já hoje existem várias situações em que o Estado é remunerado por serviços prestados pela Direcção-Geral dos Impostos.
Nestes termos e em síntese, fica claro que a realização de uma operação de titularização, ao abrigo do regime jurídico constante da proposta de lei, contribuirá para incrementar a transparência na gestão dos activos públicos,…
Risos do PS.
…preservando, de forma indiscutível, o sigilo fiscal e as demais garantias dos contribuintes, ao que acresce ainda o facto de este regime ter a virtualidade de optimizar a gestão e cobrança das dívidas tributárias e potencializar o combate à evasão fiscal.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se vários Srs. Deputados para pedir esclarecimentos e, uma vez que o Sr. Secretário de Estado dispõe de apenas 3 minutos, sugiro que responda em conjunto a todos eles.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.
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O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, independentemente da consideração que tenho por V. Ex.ª (sei que é um profissional distinto e que já exerceu funções governamentais em condições que o honram), quero dizer que nunca terá havido, neste Parlamento, uma tal vontade de ignorar tudo quanto deve presidir às relações entre o Estado e os cidadãos contribuintes, nunca houve uma proposta de lei tão sobranceira contra as garantias mínimas de transparência e lisura de todo este procedimento,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Essa é boa!
O Orador: - … nunca houve, Sr. Secretário de Estado, um tal desplante em hipotecar o futuro,…
Vozes do PSD: - Oh!
O Orador: - …cobrando, eventualmente, o benefício de receitas futuras sem se saber, inclusive, para que aplicações que não sejam a vanglória de uma contabilidade de um défice em que ninguém acredita.
Este diploma coloca graves dúvidas de constitucionalidade, quem o disse foi o Prof. de Direito Constitucional, Rebelo de Sousa, e disse-o a todo o público.
Este diploma pretende dar ao Governo uma "capacidade legal" - porque não é possível dá-la em plena legalidade - de negociar como entender, no pleno segredo dos gabinetes, milhões e milhões de contos, sem que haja qualquer regra aqui consignada de transparência, de critério, de obediência a princípios mínimos de defesa do interesse público, numa situação que é extremamente perigosa, porque nestas operações só há risco e incerteza e nada de certeza, como o Sr. Secretário de Estado bem sabe.
Este diploma está à margem da lei de enquadramento do Orçamento do Estado, que é uma lei "paraconstitucional", que não pode ser revogada implicitamente.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Portanto, Sr. Secretário de Estado, pergunto-lhe se considera lícito que o Governo disponha da "capacidade legal", ou pretenda dispor da capacidade de negociar, eventualmente num gabinete, sem qualquer critério, sem qualquer anúncio prévio que permita saber, sequer, como vai ser negociado o quê, ou seja, num negócio que, verdadeiramente, poderá vir a ser de "amigos". Não acuso o Governo de o fazer, mas a lei permite que se faça "negócios de amigos", com milhões e milhões de contos do dinheiro dos contribuintes. Se quisesse cobrir uma situação berlusconiana com este diploma, nada melhor!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.
O Orador: - Termino, Sr. Presidente, perguntando ao Sr. Secretário de Estado o seguinte: julga que este diploma pode ter vigência num Estado democrático de Direito, sob a Constituição Portuguesa? Não teme que, com este diploma, se esteja a proclamar que os negócios de Estado são negócios privados, conduzidos segundo critérios privados?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, quis o acaso dos dias que, à frente de S. Bento, a rua caísse na manhã de hoje. Estou certo que o Sr. Presidente não convidará os operários que estão a remendar a rua, porque não têm credenciais, para participar neste debate. Mas talvez seja essencial remendar também este debate.
Esta proposta de lei procura "remendar" o Orçamento do Estado para 2003 ou 2004, procura encontrar as formas mais extraordinárias, mais inventivas e mais fantasiosas para tapar um "buraco" orçamental. Bem sei que o seu Ministério vai chamar a esta operação consolidação orçamental, porque o dinheiro que for obtido a partir deste negócio entrará nas contas do défice orçamental.
Estamos, no entanto, a discutir se isto é boa política, não só se é uma fantasia, uma invenção, e estou certo que assistiremos a um embaraço da parte das bancadas da maioria, que terão toda a dificuldade em
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justificar a bondade desta política.
De si, Sr. Secretário de Estado, queria que comentasse o seguinte: em todos os negócios que são vagamente parecidos com estes, os que ocorrem no mercado - não com bens públicos, não com créditos que são do Estado -, em todos os swaps, dizia, existe um mercado que determina o preço e, neste caso, Sr. Secretário de Estado, o que estabelece o n.º 2 do artigo 2.º da proposta de lei é que o que quer que seja inferior ao valor nominal para a determinação do valor destes créditos transmitidos pode ser decidido por concessão directa e por ajuste directo.
Ora, não sabemos o preço nem como vai ser determinado o preço. O que estamos a decidir não é apenas uma espécie de autorização legislativa, sob a forma de proposta de lei; o que estamos a decidir é que o Governo fará exactamente o que quiser, com os critérios que quiser, com quem quiser, embora sobre o último aspecto já saibamos que é com o City Group.
O facto de esta cobrança dos impostos ser feita a qualquer preço, com qualquer vantagem para os privados e com qualquer inconveniente para o público, não permite dizer que haja qualquer regra de transparência, deste ponto de vista.
O Sr. Secretário de Estado, em segundo lugar, quis-nos acrescentar que isto melhora a transparência e o sigilo fiscal. É uma alegação divertida, porque se for uma entidade privada, ou "qualquer entidade idónea por esta designada", a cobrar os impostos ou os créditos à segurança social, como é dito nesta proposta de lei, não fica estabelecido o critério constitucional da igualdade de responsabilidade e do dever dos cidadãos perante as suas obrigações no plano público. Não nos é garantido que essa "entidade idónea", designada por uma entidade privada, designada pelo Governo, tenha qualquer capacidade ou vontade de agir sobre o conjunto das dívidas como o Estado teria de agir, ou seja, obrigando à igualdade…
O Sr. Presidente: - O seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.
O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.
Sobre o preço a que o Governo quer negociar e sobre os critérios da igualdade perante as obrigações constitucionais, queria obter a sua resposta, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, finalmente, a privatização também chegou à cobrança dos impostos! E chegou através de uma proposta inenarrável. Eu diria que é uma proposta de lei em branco.
O Sr. Secretário de Estado refere que as garantias dos contribuintes não são afectadas. Não são afectadas?! Onde é que isso está garantido nesta proposta de lei? O direito de reclamação, por exemplo, onde está garantido nesta proposta de lei?!
Diz o Sr. Secretário de Estado que o sigilo fiscal não está afectado. Nesta proposta de lei do Governo, que é tão cioso na guarda do sigilo fiscal perante propostas que temos aqui feito para combater a fraude e a evasão fiscais, onde é que se diz que o sigilo fiscal está garantido quando as dívidas ao Estado, os créditos do Estado, são entregues a uma entidade financeira privada que vai passar a fazer a sua gestão e a sua cobrança?!
Mas, diga-me, Sr. Secretário de Estado, isto vai ser vendido em bloco ou por fatias, de acordo com os interesses das entidades financeiras que vão adquirir? E que remuneração vai ser paga? E em que condições vai ser feito, eventualmente, o ajuste directo, Sr. Secretário de Estado?
No fundo, Sr. Secretário de Estado, por que é que não disse claramente para que é esta operação? Para procurar a todo o transe ter receitas imediatas líquidas para o Estado, para reduzir o "sacrossanto" défice à custa do interesse público, à custa do interesse dos contribuintes, à custa da transparência dos negócios do Estado. Por que é que o Sr. Secretário de Estado não nos diz isso, aqui?
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - E por que é que o Sr. Secretário de Estado não nos diz que isto já está contratado, há muito, com uma entidade financeira liderada pelo City Group? É verdade ou é mentira?
São estas as questões que gostaríamos de ver respondidas.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!
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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, de facto, é espantoso como, logo pela manhã, vemos as bancadas da oposição tão acirradas numa matéria onde, se não fosse …
Protestos do PS.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Já estou acordado desde as 7 horas da manhã!
O Orador: - O nervosismo é grande, Sr. Presidente, mas eu aguardo, porque a minha bancada tem algum tempo…
Dizia eu que se não fosse pela falta de pudor descarado, nomeadamente por parte da bancada do Partido Socialista, de facto, esta situação dava vontade de rir.
Acontece que, como o Sr. Secretário de Estado bem sabe, e toda a gente sabe - vejo aqui, nomeadamente, um antigo Ministro das Finanças, um outro antigo Ministro e dois antigos secretários de Estado dos governos socialistas , em todos os orçamentos do Partido Socialista, durante uma legislatura, constou sempre do Orçamento do Estado uma norma que dizia: "Fica o Governo igualmente autorizado, através do Ministro das Finanças, que terá a faculdade de delegar, a proceder: a) À cessão da gestão de créditos e outros activos financeiros, a título remunerado ou não, quando tal operação se revele a mais adequada à defesa dos interesses do Estado".
Protestos do PS e do PCP.
E na alínea b) desta disposição, lê-se: "À contratação da prestação de serviços relativa à operação indicada na alínea anterior, independentemente do seu valor, podendo esta ser precedida de procedimento por negociação, com ou sem prévia publicação de anúncio, ou realizada por ajuste directo."
Em todos os Orçamentos do Estado, de 1997, 1998, 1999, 2000, 2001 e ainda no de 2002 feito pelo Partido Socialista, esta norma repetiu-se sempre.
Protestos do PCP.
Vozes do PS: - Não é a mesma coisa!
O Orador: - Os senhores escusam de estar nervosos!
Esta norma repetiu-se sempre em todos os Orçamentos do Estado da responsabilidade do Partido Socialista!
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Oh, nobre ignorância!
Protestos do PCP.
O Orador: - Da parte da bancada comunista, na altura, também nunca vi o Dr. Lino de Carvalho nem os outros Srs. Deputados acirrarem-se anualmente contra essa norma, pelo contrário.
Esta era uma norma que vinha desde o Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, no qual o Partido Socialista aprovou o Plano Mateus e onde inscreveu esta norma.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Esta norma foi incluída, sistematicamente, em todos os orçamentos e sempre que passou aqui, nesta Casa, com a abstenção ou o voto favorável do Partido Comunista Português, tanto quanto me recordo, mas o Dr. Lino de Carvalho corrigir-me-á.
Agora, uma coisa é verdade: nunca, ao longo de sete anos, quer o Tribunal Constitucional, quer o Tribunal de Contas ou quem quer que fosse, levantou as dúvidas…
Vozes do PS: - Claro, não podia!
O Sr. João Cravinho (PS): - A situação não é mesma!
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O Orador: - … que agora o Partido Socialista inventou por razões estritamente políticas e que se prendem com um único objectivo: tentar a outrance que Portugal não cumpra o défice e que Portugal seja penalizado pelas instituições europeias.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Vozes do PS: - Oh!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças.
O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente às questões que foram levantadas, diria que talvez uma leitura mais atenta tivesse evitado algumas das questões enunciadas.
Começo por responder ao Sr. Deputado Lino de Carvalho, dizendo que estranho, por exemplo, tudo aquilo que é referido quanto à menor segurança dos contribuintes relativamente a este processo da titularização. Talvez se ler o n.º 3 do artigo 3.º da proposta de lei tenha as suas dúvidas ultrapassadas.
Quanto àquilo que é referido sobre o preço da operação, diria que é com certeza uma leitura menos atenta e uma não percepção da realidade da operação que pode justificar as dúvidas levantadas. De facto, é dito claramente que o preço de cessão à entidade cessionária será feito em termos de mercado.
Ora bem, poderá dizer que não existe neste momento um mercado para dívida…
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Tem toda a razão!
O Orador: - … com características destas.
Vozes do PS: - Ah!…
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Logo…
O Orador: - Um momento, Sr. Deputado!
Ora bem, esta operação, como todas as operações deste tipo, passa por um crivo, que é extremamente significativo: passa por um crivo de avaliação por parte das entidades de rating. Este é o primeiro aspecto a ter presente.
Protestos do Deputado do PS João Cravinho.
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - E como é que resolve a questão do sigilo fiscal?
O Orador: - Sr. Deputado, deixe-me terminar esta resposta, que depois responderei às perguntas que me formularam na vossa bancada.
Ora, isto significa que não se trata, obviamente, de qualquer negociata, como penso ter sido referido por um dos Srs. Deputados.
Acresce que a própria operação, e vem no articulado da lei, permite que, no final e após o pagamento aos detentores dos títulos, o remanescente da cobrança reverta para o Estado. Isto está claramente na proposta de lei e, portanto, não há aqui qualquer margem de dúvida quanto a este aspecto.
Por outro lado, operações deste tipo são analisadas, no caso da União Europeia, pelo Eurostat. Portanto, há determinadas regras de escrutinação relativamente aos valores que, como é óbvio, garantem de facto, para todo e qualquer contribuinte, a possibilidade de ter os seus créditos recebidos pelo Estado pelo valor que efectivamente for cobrado.
No que diz respeito ao preço da operação e aos custos nela envolvidos, etc., ou seja, àquilo que o Estado vai receber da operação, a operação é perfeitamente cristalina, clara e não pode oferecer qualquer dúvida.
Se algum dos Srs. Deputados se refere ao teor do artigo 4.º, diria que este artigo apenas tem a ver com a contratação da operação e não com o preço ou com toda a mecânica que conduz ao preço da operação.
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Isso é no artigo 2.º!
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O Orador: - Gostaria ainda de esclarecer o seguinte: na minha exposição, tive o cuidado de referir, aliás, em linha com aquilo que tem sido constantemente reafirmado pelo Sr. Primeiro-Ministro e pela Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças, que um dos objectivos desta operação é, efectivamente, a redução do défice orçamental.
O Sr. João Cravinho (PS): - Neste ano e em anos futuros?
O Orador: - Digo-o claramente, não o escondo e assumo-o perfeitamente, da maneira mais normal, porque isso se enquadra numa política que tem vindo a ser seguida pelo Governo e, portanto, não oferece qualquer dúvida.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Gonçalves.
O Sr. Herculano Gonçalves (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: A globalização dos mercados e a concorrência entre ordenamentos jurídicos obrigaram o sistema mobiliário português a um rápido crescimento, em que se inclui um conjunto de diplomas e o tratamento legislativo dado às operações de titularização de créditos.
O Decreto-Lei n.º 453/99 veio enquadrar legalmente este tipo de operações financeiras, que assentam na vantagem decorrente da cessão de créditos para as entidades que lidam regularmente com um grande número de devedores e que vêem o seu desempenho financeiro melhorar ao venderem parte dos seus créditos.
Introduziu-se, assim, no ordenamento jurídico português, a figura da titularização de créditos, facultando um relevante instrumento financeiro, largamente difundido e frequentemente utilizado nas economias mais desenvolvidas, aos agentes económicos em geral e, em particular, ao sistema financeiro.
Desse modo, dotou-se a economia de um importante factor de competitividade e o mercado de capitais de um factor de dinamização e de diversificação.
A titularização de créditos, usualmente conhecida por securitização, consistindo, no essencial, numa agregação de créditos, sua autonomização, mudança de titularidade e emissão de valores representativos, conheceu os seus primeiros desenvolvimentos nos Estados Unidos, no início da década de 80, tendo sido já objecto de tratamento legislativo na generalidade dos Estados-membros da União Europeia.
A sua utilização tem sido reconhecidamente bem sucedida e rapidamente se assumiu como um factor relevante de competitividade das economias.
Mesmo no quadro da actividade financeira do Estado, os mecanismos de titularização de créditos constituem hoje mecanismos normais de gestão de risco, inerentes a uma economia de mercado.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Já se encontra previsto, nos termos da legislação em vigor, que a cessão de créditos possa ser efectuada pelo Estado e demais pessoas colectivas públicas.
Também a Lei Geral Tributária, no seu artigo 29.º, n.º 1, admite a cessão de créditos tributários, desde que autorizada por lei.
Aliás, no passado, tais cessões já tinham sido previstas por diversos diplomas legislativos, designadamente pelos Decretos-leis n.os 400/93, de 3 de Dezembro, e 124/96, de 10 de Agosto.
A proposta que agora discutimos inscreve-se numa política coerente e correcta de redução do défice público, que tem vindo a ser seguida pelo Governo e que não temos dúvidas em apoiar.
As operações de titularização de créditos contribuirão certamente para alcançar esse objectivo, mas permitem ainda outros benefícios decisivos e correspondem, como já referi, a operações utilizadas correntemente no sector privado.
Aliás, vários dos nossos parceiros comunitários concretizaram já, nos últimos anos, operações de titularização de créditos públicos. A Itália concluiu a sua primeira operação de titularização de créditos em 1999, precisamente com a cessão de contribuições devidas à segurança social não vencidas e cujos devedores se encontravam em incumprimento. Desde então, o Estado italiano tem vindo a realizar diversas operações semelhantes.
As obrigações emitidas têm sido estruturadas de forma atractiva para os investidores, facto que, aliado aos crescentes ganhos de eficiência obtidos na cobrança, tem contribuído para um desempenho superior às expectativas.
Acresce que, em Portugal, a alienação de créditos tributários e da segurança social foi prevista em 1996, quando o Governo PS aprovou o Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto.
Aliás, o próprio decreto-lei que introduziu a titularização de créditos e que admitia expressamente a cessão de créditos do Estado também foi aprovado nos anos desse governo, pelo que não se compreende
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a estranheza que esta proposta possa agora suscitar.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - O Estado reduz a sua exposição ao risco, precavendo-se de eventuais insolvências ou falências dos devedores e do risco de não pagamento desses créditos, enquanto realiza, de forma imediata, liquidez.
Pelas razões apontadas, o CDS-PP entende ser adequado o regime contido na proposta de lei n.º 93/IX, e, consequentemente, votará em conformidade com tal posição.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.
A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Herculano Gonçalves, quero só fazer-lhe duas perguntas, sendo a primeira a seguinte: se o Governo pretende utilizar a mesma lei que o Partido Socialista, por que é que hoje apresenta outra?
Segunda pergunta: por que é que o Dr. Marcelo Rebelo de Sousa dizia, ainda há uma semana, na televisão, "Pelo menos, ao ceder e privatizar a cobrança de impostos, que se faça tudo com lisura e transparência."? É porque o próprio Dr. Marcelo Rebelo de Sousa sabe que esta lei não respeita isso!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Carvalho.
O Sr. Herculano Gonçalves (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Leonor Coutinho, quero dizer-lhe que este Governo não utilizou a lei aprovada pelo governo socialista porque entendeu que deveria apresentar nesta Assembleia uma proposta de lei com mais critérios. Com certeza que a Sr.ª Deputada leu a proposta de lei que estamos a debater e viu que ela apresenta muitos mais critérios do que aquela que o seu governo aprovou.
A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Dá carta branca!
O Orador: - Em relação ao Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, acho estranho, acho muito estranho mesmo, que o Partido Socialista invoque tanta vez este Sr. Comentador!
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Cabrita.
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr. as e Srs. Deputados: A proposta de lei que discutimos hoje constitui a verdadeira declaração de rendição da Dr.ª Manuela Ferreira Leite perante a incapacidade para proceder à consolidação das finanças públicas.
No final de 2002 sucederam-se os expedientes para atingir um défice virtual inferior a 3%: do perdão fiscal à antecipação de receitas de portagens, da venda da rede fixa da PT à venda de património ao desbarato tudo serviu para a vitória pírrica contabilística sem consequências reais na estrutura das finanças públicas.
Em 2003, até Setembro, as receitas fiscais são inferiores em 6% às verificadas em 2002 e as despesas em 4% superiores. A única dúvida reside em saber em quanto ficarão as receitas fiscais abaixo da previsão orçamental: se os 2 000 milhões de euros admitidos já pela Ministra de Estado e das Finanças ou os mais de 3 000 mil milhões de euros apontados pela generalidade dos analistas.
Perante o manifesto insucesso da política orçamental, a resposta é o recurso, em dimensão ainda mais extensa, a receitas extraordinárias. Já tivemos a confirmação da transferência do Fundo de Pensões dos CTT e foram anunciadas mais alienações de património.
Mas, face à incerteza sobre a dimensão do descalabro da execução orçamental e aos riscos anunciados do Orçamento para 2004, já pré-anunciado como o mais dependente da arrecadação de receitas extraordinárias, eis que o Governo arrisca uma última "machadada" na credibilidade da política de consolidação das finanças públicas.
A proposta de lei em discussão pretende alargar aos créditos fiscais e às contribuições para a segurança social o regime de titularização de créditos.
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A cedência de créditos para titularização foi admitida e regulada minuciosamente pelos governos do Partido Socialista. Trata-se de um instrumento de modernização do sistema financeiro que dinamiza o mercado de capitais e reduz os riscos de crédito da banca e de outras entidades do sector financeiro.
A alienação de créditos para titularização está sujeita a regulamentação minuciosa, ao controlo estrito da legalidade e à supervisão financeira do Banco de Portugal, do Instituto de Seguros de Portugal e da CMVM.
O Sr. João Cravinho (PS): - Muito bem!
O Orador: - Daí a impossibilidade de titular créditos em litígio, créditos sob condição, créditos vencidos bem como os cuidados especiais na titularização do crédito hipotecário.
O que o Governo aqui hoje propõe é completamente diferente do que foi feito, do que está minuciosamente regulado.
Aplausos do PS.
É uma verdadeira monstruosidade jurídica em três singelos artigos.
Perante o desespero na obtenção de receitas virtuais, propõe-se a cedência dos créditos e a privatização da execução das dívidas fiscais e à segurança social.
Aplausos do PS.
Como disse na TVI, aterrado, o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa está-se a afectar um núcleo essencial da soberania: o controlo, pelo Parlamento, da criação e cobrança dos impostos. Será que se segue a privatização das Forças Armadas?
As receitas fiscais são indisponíveis, a Administração não pode dar descontos ou perdoar dívidas fiscais. A Lei Geral Tributária consagra o princípio da impossibilidade de cessão dos créditos fiscais.
O Governo propõe-se generalizar a possibilidade de alienação de créditos de impostos, incluindo mesmo os que estão em litígio, quer junto da administração fiscal, quer nos tribunais tributários.
Segundo os últimos números, os impostos em execução aumentaram 15% em 2002, atingindo quase 10 mil milhões de euros. É esta a fonte de salvação do défice que o Governo pretende alienar, abaixo do valor nominal e por ajuste directo, sem sujeição a critérios financeiros ou a quaisquer condições legais.
O Sr. João Cravinho (PS): - Muito bem!
O Orador: - Se tal não chegasse, o Governo pretende ainda permitir a entrega da gestão e cobrança dos impostos a "entidade idónea" a aprovar pelo cessionário.
Segundo a imprensa, a operação é urgente e visa salvar o défice do Orçamento para 2003. Estará já preparada com um conjunto de bancos internacionais liderado pelo City Group. Só falta saber se a cobrança será directa ou adjudicada ao "cobrador de fraque"…
É espantoso como se propõe abrir à negociação, ao ajuste directo, abaixo de custo, 10 mil milhões de euros de receitas públicas, dizendo-se que tal não afecta as garantias dos contribuintes!
Quem compra créditos por cobrar tem de avaliar os riscos de crédito e a probabilidade de cobrança efectiva. Como é possível fazê-lo sem pôr em causa o sigilo fiscal relativamente aos impostos em execução ou em litígio nos tribunais tributários?
Afirmou a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças que o Orçamento para 2004 depende igualmente desta nova receita, qual maná para salvação do défice.
Poderá eventualmente estar tudo já preparado entre o Governo e a Banca, mas não está preparada a Constituição da República, que só admite a cobrança de impostos nas formas previstas na lei.
Aplausos do PS.
Não está preparada a Lei Geral Tributária, que impede a cessão de créditos fiscais.
Não está preparada a Lei de Enquadramento Orçamental, que exige a legalidade na inscrição das receitas públicas.
Não está preparada a Lei da Contratação Pública, que não permite alienar 10 mil milhões de euros por ajuste directo.
Em 2002, foi o perdão fiscal! Em 2003, é a alienação em saldos das cobranças fiscais difíceis! Com esta "supermanigância" acaba o debate sobre a consolidação das finanças públicas.
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A partir daqui, se isto for aprovado, o défice é o que a Dr.ª Manuela Ferreira Leite quiser.
Para isto os contribuintes não estão preparados, mas a Assembleia da República e certamente o Presidente da República estarão atentos e exigirão o cumprimento da Constituição.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vasco Cunha.
O Sr. Vasco Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: A presente proposta de lei, apresentada pelo Governo à Assembleia da República, pretende regular e harmonizar os princípios básicos da cessão de créditos do Estado e da segurança social, incluindo os créditos de natureza fiscal e parafiscal, ainda que vencidos e litigiosos, para efeitos de titularização.
O seu conteúdo consagra um regime de neutralidade nas operações de titularização de créditos em relação aos devedores, nomeadamente os contribuintes, de forma a assegurar a manutenção integral dos respectivos direitos e garantias, bem como a manutenção dos termos em que os mesmos podem contestar as dívidas.
De igual forma, fica estabelecido que a cessão de créditos tributários pelo Estado e pela segurança social para titularização não implica qualquer renúncia à cobrança ou à redução das garantias ou privilégios à mesma associados nem introduz qualquer alteração no domínio punitivo, em particular no das infracções tributárias.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Várias entidades soberanas na Europa têm identificado a titularização - também designada por securitização - como um meio eficiente e flexível de levantamento de fundos no mercado de capitais. Assim sucedeu com a Itália, a França, a Espanha, o Reino Unido, a Grécia e a Finlândia.
A expansão verificada em 2001, designadamente pela actividade de entidades públicas, e o potencial impacto destas transacções ao nível dos défices públicos dos países originadores determinou a necessidade do estabelecimento, pelo Eurostat, de regras e critérios claros sobre este tipo de transacções.
Daí que, em 2002, com as regras impostas pelo Eurostat, se tenham dado passos bastante positivos nesta clarificação, já que se passou a proporcionar uma maior transparência aos mercados e uma maior clareza às linhas orientadoras para os países que pretendiam usar este instrumento como forma de gerir o défice público.
Em Portugal, ao longo dos últimos anos, o número de operações de titularização realizadas por entidades privadas, quer financeiras quer não financeiras, tem sido crescente, enquanto que o Estado, desde há vários anos, mantém aberta a possibilidade de vir a concretizar operações desta natureza, designadamente pela sua menção em várias leis do Orçamento do Estado.
Daí que, em diferentes momentos, se tenham registado evoluções no nosso ordenamento jurídico para aceitar, enquadrar e ajustar este instrumento financeiro.
Relativamente aos créditos da segurança social, já no passado, por exemplo em 1993, foram cedidos créditos de várias instituições por si tuteladas.
Quanto à cessão de créditos tributários, a sua admissibilidade não é nova, porquanto ela se encontra prevista no artigo 29.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta iniciativa legislativa possibilita a cedência e posterior titularização de créditos de natureza fiscal e parafiscal, ampliando o regime geral previsto no Decreto-lei n.° 453/99, de 5 de Novembro, que foi alterado posteriormente pelo Decreto-lei n.° 82/2002, de 5 de Abril.
Deste modo, o Estado e a segurança social passam a poder ceder créditos que se encontrem vencidos, sujeitos a condição ou litigiosos para titularização, alargando substancialmente o contexto legal anterior.
Trata-se, por isso, de um importante avanço legislativo.
Por outro lado, a proposta de lei prevê ainda que "a contratação que se mostre necessária e adequada à realização de operações de titularização do Estado e da segurança social, independentemente do seu valor, pode ser realizada por negociação, com ou sem publicação de anúncio, ou por ajuste directo".
Desta forma, garante-se um modelo flexível para escolher a instituição financeira que concretizará a operação, ou as operações, salvaguardando as possibilidades da contratação das cedências de créditos fiscais que se encontram suportadas no Decreto-lei n.° 197/99, de 8 de Junho, que transpôs para a ordem jurídica interna três diferentes directivas comunitárias.
De facto, é este decreto-lei que estabelece o regime da realização de despesas públicas com locação e aquisição de bens e serviços, bem como a contratação pública relativa à locação e aquisição de bens móveis e serviços que, no seu artigo 77.º, n.º 1, alínea d), contempla a possibilidade da excepção para a
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"aquisição de serviços financeiros relativos à emissão, compra, venda ou transferência de títulos ou outros produtos financeiros".
Em suma, e nesta questão, consideramos que não há nenhuma violação nem do direito comunitário nem do direito português.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Creio que é fácil constatar que a proposta de lei que regula e harmoniza os princípios básicos de cessão de créditos do Estado e da segurança social por titularização vai de encontro a algumas das principais preocupações aqui manifestadas. Desde logo, porque a titularização se constitui como uma alternativa à privatização. A titularização é uma forma reconhecidamente eficiente para a transformação monetária de um activo ou de um negócio governamental sem se perder o seu controlo estratégico.
Em segundo lugar, porque garante a transparência, uma vez que os activos e os cash flows securitizados por entidades públicas ficam sujeitos a um intenso controlo externo, proporcionando maior controlo e eficácia à gestão das entidades públicas envolvidas.
Na verdade, não devemos esquecer que as operações desta natureza são sujeitas à análise e à avaliação criteriosa de auditores internacionais, de agências de rating e de profissionais altamente qualificados - todos eles com a característica de independentes -, que, entre outras coisas, determinam a classificação de risco e o valor da operação.
Em terceiro lugar, porque a manutenção da neutralidade perante os contribuintes garante particularmente aos devedores os seus direitos e as suas garantias, designadamente no que se refere, por exemplo, à discussão da dívida ou ao pagamento de juros de mora e compensatórios.
Ou seja, fica garantida a relação entre o contribuinte e a administração fiscal e/ou a segurança social, salvaguardando-se sempre a identificação pessoal e fiscal dos devedores, pelo que, em última instância, não há necessidade de notificar os contribuintes porque esta relação não é transferida.
Esta proposta é também um contributo importante para a eficiência da administração fiscal no sentido de sistematizar o acompanhamento no combate à fraude e à evasão fiscais, não só através dos mecanismos da auditoria mas também através da maior vigilância aos processos que podem potencialmente prescrever.
Finalmente, a consumação de operações desta natureza e desta envergadura são uma boa notícia para o mercado obrigacionista português, pela perspectiva de um aumento significativo da sua liquidez.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Depuytado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, das suas respostas creio que ficámos entendidos.
Disse-nos - e elogio a sua franqueza - que o que estamos aqui a discutir é o Orçamento do Estado e o défice orçamental. Não há, portanto, razões fundamentais do ponto de vista da eficiência e certamente não as há também do ponto de vista da responsabilidade pública e do escrutínio parlamentar sobre o controlo da cobrança fiscal e dos impostos.
Aliás, o seu Governo começou, há um ano e meio, com o discurso da "tanga". Sabemos agora que, para responder às dificuldades imensas que a política económica foi agravando, nos propõem que coloquemos cerca de 10% do Produto Interno português no "prego" e que, ficando no "prego", não tenhamos sequer aquela capacidade que o endividado tem de reclamar o objecto que deixou pela sua dívida, porque ela foi negociada em termos que ignoramos, e na impossibilidade absoluta de recuperar o controlo público sobre esta obrigação tão fundamental.
Vozes do BE: - Muito bem!
O Orador: - Aliás, o Sr. Secretário de Estado disse-nos duas coisas que, como reparará, são contraditórias. Disse-nos que pode haver ajuste directo (mas não nos diz qual é o critério que determina o preço) e que o remanescente dessa operação reverterá para o Estado. Ora, é o remanescente de quê, eis o que não nos diz, em relação a um processo que mantém na obscuridade, se bem que todos saibamos que já está contratualizado com o City Group?
Um exercício de transparência, Sr. Secretário de Estado, seria dizer-nos em que condições é que as reuniões que tem tido com o City Group já conduziram à discussão contratual sobre as regras que vão imperar quando esta lei vier a ser aprovada.
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Os Deputados - e verificou-se, aliás, na forma como a maioria geriu este debate - são reduzidos a avalizar um contrato, que todos sabemos que existe, mas temos de fingir que não existe, para que o Governo finja que vai estabelecer regras sobre ele.
Aplausos do PS.
E, Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª não nos respondeu sobretudo a uma questão essencial, decisiva, que é a da transparência fiscal. Imagine, Sr. Secretário de Estado, que o fisco tinha descoberto que uma empresa, por exemplo a AMOSTRA, não tinha aplicado as regras fiscais e que, em consequência, tinha uma dívida. Diz-nos o Sr. Secretário de Estado: "Mas o City Group…" - ou o outro grupo que não nomeou - "… vai manter os termos da lei sobre reclamação, impugnação, execução, oposição e contra-ordenação". Com certeza! Mas na lei que regula as instituições financeiras não está, porque não podia estar, qualquer norma que implique a execução e a aplicação do sigilo fiscal, que é uma relação entre o contribuinte e o Estado. E, portanto, o City Group poderia dizer, em editais proclamados pelo País, que os responsáveis da AMOSTRA são devedores de tanto ou de menos. E, da mesma forma, sendo um grupo bancário que age como intermediário de outras operações, passa a ter simultaneamente na sua carteira de actuação operações financeiras normais, já previstas pela legislação, e outro tipo de operações sobre outras pessoas, que são também contribuintes - empresas ou individuais. Por isso mesmo é que não há qualquer garantia do sigilo fiscal a este respeito.
E é extraordinariamente preocupante que a maioria possa pretender ocultar todas estas questões com a alegação notória…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, é extraordinariamente preocupante que a maioria possa pretender ocultar todas estas questões com a alegação notória de que isto é igual aos títulos da dívida pública, à negociação e à concessão dos créditos sobre títulos da dívida pública.
Pela confusão e pela falta de resposta, esta política de colocar quase 10% do Produto no "prego", merecerá, naturalmente, Sr. Secretário de Estado e Srs. Deputados do PSD e do CDS-PP, toda a nossa oposição.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, Srs. Deputados: Finalmente, a obsessão das privatizações também chegou aos impostos e aos créditos da segurança social.
Aquela que é uma função tradicional do Estado moderno, como tem sido referido por vários dos intervenientes, que é lançar e cobrar impostos, vai ser transferida, por vontade do Governo e da Ministra de Estado e das Finanças, para entidades privadas do sector financeiro.
Já estamos a ver o "cobrador de fraque" a bater à porta dos infelizes contribuintes portugueses. Só que o que está em causa, Sr. Secretário de Estado, é demasiado sério e grave para ser tratado com uma simples ironia.
Desde logo, porque esta proposta de lei do Governo levanta, como já foi referido aqui e também fora deste Hemiciclo, sérias dúvidas sobre a sua constitucionalidade, no que toca especialmente às garantias dos contribuintes previstas no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa para efeitos de cobrança de impostos que o Governo prevê, para além de a titularização poder ser cedida a "entidade idónea" por si designada, não nos dizendo quais são os critérios para a determinação dessa entidade.
A cobrança, Sr. Secretário de Estado, faz parte integrante e é elemento essencial do sistema fiscal e da própria definição de imposto. A cedência a terceiros, por exclusiva decisão da administração fiscal, dos créditos fiscais do Estado, mesmo para efeitos de titularização e, por maioria de razão, para efeitos de cobrança, questiona a legalidade fiscal de que falam Vital Moreira e Gomes Canotilho, porque pode afectar as garantias dos contribuintes em matéria, por exemplo, de reclamação, independentemente do que está na proposta de lei.
Mas a proposta, ao remunerar as entidades financeiras que procederão à titularização dos créditos, afectando-lhes uma parte das receitas dos impostos, questiona a própria Lei de Enquadramento Orçamental, quando esta afirma expressamente, por exemplo, o princípio da não consignação das receitas.
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Mas, mais ainda, Sr. Secretário de Estado: o Governo, que é tão cioso do sigilo fiscal e do sigilo bancário quando se trata de recusar as propostas que temos feito para um combate eficaz à fraude e evasão fiscais, não hesita, com esta proposta de lei, em violar esse tão sacrossanto sigilo fiscal,…
Vozes do PCP: - Exactamente!
O Orador: - … entregando toda a informação fiscal da vida dos contribuintes a entidades privadas.
Aliás, Sr. Secretário de Estado, é revelador que V. Ex.ª não tenha dado resposta às questões que lhe formulei sobre esta matéria. Porque é evidente que, quando entrega a titularização das dívidas fiscais de um contribuinte a uma entidade financeira, está a entregar a uma entidade privada, e, portanto, fora das relações do Estado com os contribuintes, aquilo que é a vida fiscal de cada um dos contribuintes.
Acresce que esta operação nada tem a ver sequer com uma maior eficácia na cobrança das dívidas ao Estado em matéria de impostos e créditos da segurança social. O único objectivo, como o Sr. Secretário de Estado acabou por clarificar nas respostas que nos deu, é angariar mais algumas receitas extraordinárias para o Estado, pois este arrecada de imediato as correspondentes receitas, de modo a que o Governo possa cumprir a meta obsessiva de um valor do défice e, portanto, cobrir os "buracos" orçamentais, e no que toca à segurança social à custa da sua própria sustentatibilidade financeira, uma vez que parte das receitas passarão a servir para pagar o negócio às entidades que o vão organizar, como é óbvio.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Trata-se de um negócio de privatização dos impostos que poderá ser executado, ainda por cima, por ajuste directo, sem concurso, sem transparência e sem que o sindicato financeiro que vai executar a operação corra qualquer risco. Desconfiamos, aliás, que tudo já esteja mesmo preparado, a avaliar pelas notícias vindas a público, que dão conta de que a operação em curso já foi negociada com o banco norte-americano City Group. O Governo nem espera pelo debate e eventual aprovação pela Assembleia da República.
E também sobre isto é esclarecedor que o Sr. Secretário de Estado tenha passado à margem da pergunta que lhe fiz, isto é, se é verdade ou não que esta operação já está negociada com o City Group - como o Governo ainda dispõe de 16 segundos neste debate, ainda está a tempo de clarificar este assunto.
Neste processo há, obviamente, uma pergunta que se impõe: mas porque razão o Governo não dota a administração fiscal e o sistema de segurança social dos meios necessários à boa e atempada liquidação dos seus créditos, em vez de os entregar e pagar a privados? Eu sei que a justificação só pode ser aquela que já foi dada: porque esta é uma forma de angariar de imediato receita líquida para os cofres do Estado.
Só que é inaceitável que, para angariar mais umas receitas extraordinárias, o Estado aliene uma das funções que constituem a sua razão de ser, entregue a vida fiscal dos contribuintes a entidades financeiras privadas, que têm a sua própria lógica que não tem a ver com os interesses do Estado nem com os interesses dos contribuintes, sem quaisquer garantias de sigilo ou outras, e, ainda por cima, lhes pague com uma parte dos nossos impostos e dos nossos descontos para a segurança social.
Esta proposta de lei não merece ser aprovada e, se o for, por vontade da maioria, não pode passar no crivo da sua promulgação e no teste da sua constitucionalidade.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Cabrita.
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Secretário de Estado, provavelmente afectado pela sua visita à Siderurgia Nacional, a que o Secretário-Geral do Partido Socialista e os Deputados eleitos por Setúbal foram impedidos de aceder, por imposição do Governo,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É mentira!
O Orador: - … trouxe-nos aqui uma proposta de lei escandalosa, como se correspondesse a uma calma negociação feita nos bastidores, nos gabinetes, com um qualquer sindicato bancário.
Afirmámos já que o Partido Socialista regulamentou e utilizou mecanismos de titularização de créditos enquanto esteve no Governo, e admitimo-lo mesmo relativamente a créditos do Estado e de outras entidades públicas. Não é isso que está em causa. Cabe ao Governo e à maioria utilizar o processo legislativo para, em consciência, arrepiar caminho daquilo que é uma via extremamente grave. O desespero relativamente à necessidade de arrecadar receitas virtuais de qualquer forma leva-os a afastar tudo.
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É ou não verdade que os impostos só podem ser cobrados nos termos previstos na lei? Isso não é compatível com cobrança de impostos por vagas "entidades idóneas". É ou não verdade que as garantias dos contribuintes impedem a avaliação de risco por entidades estranhas à Administração Pública, porque isso viola o segredo fiscal e o sigilo de processos em contencioso? Será que o City Group vai avaliar as menos-valias da PT? Será que vai avaliar a veracidade das contas da Banca nacional? Finalmente, é compatível com a lei geral tributária a inversão completa do princípio da impossibilidade de cessão dos créditos do Estado? Não é isso que está aqui, e não está regulado minuciosamente, porque minucioso é o regime de titularização em dezenas de artigos,…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se, tenha a bondade de concluir.
O Orador: - … o que está aqui são três vergonhosos artigos que não honram o Parlamento e não honram o Governo de Portugal.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de começar por cumprimentar V. Ex.ª e toda a Câmara e dizer que os argumentos que aqui ouvi quase correspondem, na sua desorientação, ao grau de decibéis de algumas das intervenções que também tivemos oportunidade de escutar.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Em relação a esses argumentos, geram-se aqui dúvidas, que são dúvidas obviamente legítimas. Por exemplo, em relação a essa matéria, qual é a posição daqueles que propuseram a cessão de créditos do Estado, que o fizeram de uma forma aberta e que não deixava os critérios que agora deixa? Será que mudaram de posição? Será que a posição agora é distinta, porque, se calhar, há uma diferença entre estar no Governo e estar na oposição?
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Há também argumentos que, sinceramente, me espantam. Refiro-me, desde logo, à questão do sigilo. Várias vezes aqui se ouve que é preciso modificar a questão do sigilo bancário, que é preciso mudar radicalmente as suas regras. Mas depois, quando consideram (o que não quer dizer que eu concorde com a consideração que fazem) que há alguma referência ao sigilo, o discurso tem obviamente que mudar.
Falta, então, o terceiro argumento (que é o do costume!…), que é o argumento da negociata,…
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Ó Sr. Deputado!…
O Orador: - … é a apresentação de notícias nos jornais, é a apresentação de argumentos que não têm, como é óbvio, a solidez que é devida.
Quanto à questão da legalidade e da constitucionalidade, sempre respeitámos opiniões diferentes das nossas, mas há algo que não podemos deixar passar em claro, algo que consideramos que devemos referir, que é o seguinte: estamos precisamente no órgão que determina os princípios legislativos, estamos precisamente no órgão que aplica o princípio da legalidade, estamos precisamente no órgão para o qual o princípio da legalidade foi criado e previsto na Constituição.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, quero apenas sublinhar o seguinte: já no final do debate, o Sr. Deputado Diogo Feio veio, no fundo, dar o seu acordo àquilo que tínhamos referido.
Pela sua intervenção, Sr. Deputado, concluo que é verdade aquilo que eu disse, isto é, que o Governo, que é tão cioso na defesa do sigilo fiscal e do sigilo bancário quando se trata de fazer o combate à fraude e à evasão fiscais, não hesita em entregar essa informação ao City Group e às entidades financeiras.
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Para o Governo não há sigilo fiscal nem sigilo bancário quando se trata de entidades financeiras privadas gerirem as dívidas dos contribuintes; só quando é necessário que o Estado intervenha para fazer o combate à fraude e à evasão fiscais.
Obrigado, Sr. Deputado, por ter confirmado aquilo que acabei de referir!
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Tavares Moreira.
O Sr. Tavares Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Irei referir quatro breves pontos em torno deste tema.
Em primeiro lugar, gostaria de comentar o calor que tem sido colocado neste debate por parte de alguns Srs. Deputados, nomeadamente do Partido Socialista, o que me faz recordar um pouco a história do "aprendiz de feiticeiro".
O Partido Socialista (e muito bem, devo dizer), que promoveu todas as condições para que este mercado da titularização dos créditos fosse criado e desenvolvido em Portugal (lembro, aliás, que não foi ainda aqui citado um importantíssimo diploma, talvez o mais importante de todos, o Decreto-Lei n.º 219/2001, de 4 de Agosto, a partir do qual este mercado teve o maior impulso, porque concedeu importantes benefícios fiscais aos adquirentes de títulos resultantes destas operações), não fez a utilização desse quadro legal que criou - certamente porque não foi capaz de o fazer, embora o previsse sistematicamente -, e agora, evidentemente, está muito maçado pelo facto de o Governo (e muito bem) estar a aproveitar o quadro legal que foi criado para este efeito.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - É melhor ler a lei!
O Orador: - Em segundo lugar, gostaria de salientar o facto de estas operações serem hoje absolutamente correntes, de resto, como já foi mencionado por alguns Srs. Deputados.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Leia a lei!
O Orador: - Até aproveito para dizer que há entidades soberanas na Europa, nomeadamente regiões e municípios de alguns países europeus, que emitem estes títulos tendo por base créditos sobre entidades privadas e também créditos sobre entidades públicas!
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Leia a lei!
O Orador: - Repito: tendo também por base créditos sobre entidades públicas! Vejam bem, Srs. Deputados! E nunca ninguém questionou a utilização dessas operações!
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Em terceiro lugar, gostaria de me referir à questão do desconto. Ó Srs. Deputados, então os senhores queriam que estes créditos, que são cobráveis a prazo e que até têm algum risco, fossem cedidos ao valor nominal?!
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Ninguém disse isso! Não falseie!
O Orador: - Como é que os senhores podem conceber uma coisa dessas?
Protestos do PS.
Os senhores não podem conceber uma coisa dessas, porque isso é um disparate!
Protestos do PS.
É um disparate, e não tem qualquer sentido!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados do Partido Socialista, agradeço que façam silêncio e que deixem o Sr. Deputado Tavares Moreira usar da palavra.
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Em quarto lugar, refiro-me à questão da informação.
Os Srs. Deputados já deviam ter lido a proposta de lei do Orçamento do Estado para 2004 na íntegra, em que o Governo prevê, e muito bem,…
Protestos do Deputado do PS Joel Hasse Ferreira.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, chamo de novo a sua atenção para que não interrompa o orador.
O Orador: - … a prestação de informação à Assembleia da República, numa base trimestral, relativamente a estas operações. Estamos absolutamente certos de que isso vai acontecer e que a regra da transparência vai ser respeitada!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não leu a lei nem a proposta de lei de Orçamento do Estado!
O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças: - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado, mas o tempo de que dispõe é curto.
O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças: - Sr. Presidente, quero apenas fazer dois reparos.
Tendo em conta o princípio da intervenção do Sr. Deputado Eduardo Cabrita, pensei que talvez pudesse sugerir que, no final, explicasse ao Sr. Deputado João Cravinho em que consiste uma operação de titularização...
O Sr. Presidente: - O tempo de que dispunha esgotou-se, Sr. Secretário de Estado.
O Orador: - Infelizmente, verifiquei que tal não é posssível, pelo que os Srs. Deputados terão de estudar em conjunto essa matéria.
Relativamente à afirmação,…
O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, o tempo de que dispunha terminou.
O Orador: - Sr. Presidente, peço-lhe que me deixe só terminar a resposta.
O Sr. Presidente: - Não posso, Sr. Secretário de Estado. Não disponho de tempo para lhe conceder. Tenha paciência!
O Orador: - Gostava só de esclarecer…
O Sr. Presidente: - A questão está suficientemente esclarecida, Sr. Secretário de Estado. Não posso conceder-lhe mais tempo.
O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, declaro encerrado este debate.
Do ponto seguinte da ordem do dia consta a dicussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 80/IX - Lei de Bases do Desporto.
Peço ao Sr. Vice-Presidente Lino de Carvalho o favor de substituir na Mesa.
Neste momento, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Lino de Carvalho.
O Sr. Presidente: - Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro.
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O Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro (José Luís Arnaut): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Submetemos a esta Assembleia mais um resultado da marca reformista do XV Governo Constitucional.
A proposta de lei de bases do desporto rompe com um modelo ultrapassado, alicerça-se na clareza e na transparência de procedimentos e consolida um desporto com futuro.
Na verdade, esta não é uma lei de bases do sistema desportivo, é a lei de bases do desporto. A diferença pode parecer pequena e sem significado, mas é em si mesma, e tem uma grande substância.
Este Governo encara o desporto como uma realidade ampla e dinâmica e não, apenas, como uma simples soma das partes que a compõem.
Sabemos que essas partes eram tidas, até há bem pouco tempo, como o cerne da acção do poder político, com esta proposta de lei acaba esta visão limitada e redutora. As novas dinâmicas do fenómeno desportivo impõem que o encaremos de modo abrangente.
Para novas exigências, mais responsabilidades na gestão dos recursos e na forma de interagir com os diversos agentes, sempre orientados pelo princípio de menos Estado, melhor Estado, mais cidadania e melhor desporto.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A sucessiva produção de leis internacionais, às quais estamos vinculados, exige-nos uma concepção legislativa moderna e que acompanhe a visão que sobre o desporto têm, nomeadamente, a União Europeia, o Conselho da Europa, a UNESCO e a própria Agência Mundial Antidopagem.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A linha estruturante desta proposta de lei assenta na coordenação aberta e prioritária entre a organização pública do desporto e o que se designa por corpos sociais intermédios, públicos e privados.
Nesta medida, importa, desde logo, realçar os três requisitos que tendem a maximizar a promoção desportiva: primeiro, efectiva concertação entre poder central e poder local; segundo, crescente autonomia do movimento associativo; e, terceiro, a aposta no envolvimento estratégico da sociedade civil no seu todo.
Este é um olhar de perspectiva ampla, uma perspectiva que congrega, ao invés de excluir, potencia, ao invés de limitar, avança, ao invés de estagnar, e compromete, ao invés de desresponsabilizar.
É nesta perspectiva que se inserem os recursos humanos, que finalmente merecem reconhecimento em sede de lei de bases, bem como entidades até hoje ausentes, tais como a confederação do desporto de Portugal, o conselho de ética desportiva e o comité paraolímpico de Portugal.
Esta é uma inovação que surge a par das novas e exigentes concepções no domínio da ética e espírito desportivo, porque desporto é fair play e fair play é, antes de mais e para além de tudo, ética.
Importa ter presente as diferentes realidades e necessidades. Por isso atendemos às especificidades da preparação e da participação olímpica dos desportistas portadores de deficiência.
Não nos limitamos ao discurso floreado, que enaltece o desempenho destes atletas aquando dos seus grandes feitos e que, depois, os esquece enquanto elementos activos na dinâmica desportiva nacional. Bem pelo contrário, na nova lei de bases conferimos efectiva expressão ao comité paraolímpico de Portugal, assumindo o relevante papel que o desporto paraolímpico desempenha também enquanto factor de integração social dos atletas com deficiência.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O novo desenho do Conselho Superior de Desporto e a clarificação do que é desporto profissional, nomeadamente na definição de competição, clube e praticantes profissionais, coloca um fim a uma lacuna há muito sentida e constituem dois dos pilares desta proposta de lei.
O Conselho Superior de Desporto, para além da sua componente consultiva, passa a intervir nos domínios da fiscalização e da arbitragem de conflitos desportivos. A criação de um mecanismo fiscalizador independente vem garantir mais rigor e mais transparência na actividade desportiva.
Por outro lado, quando a justiça desportiva é morosa e objecto de constante recurso para os tribunais comuns, a arbitragem de conflitos afigura-se como importante mecanismo alternativo de resolução de litígios, com a celeridade, a especialização e a flexibilização adequadas.
Na abordagem às ligas profissionais, ou entidades análogas, a presente proposta de lei considera a diferença entre modalidades individuais e modalidades colectivas e consagra ainda uma unificação orgânica e regulamentar para os sectores disciplinar e arbitragem, o que constituiu um travão às soluções de direito diferentes para situações de facto iguais.
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Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - No tratamento dado às federações desportivas, a proposta de lei não se centra apenas na perspectiva daquelas que são dotadas do importante estatuto de utilidade pública desportiva: primeiro, define o conceito de federação desportiva; depois, enquadra o estatuto de utilidade pública desportiva, criando condições para, em regulamentação posterior, definir os requisitos para a concessão, suspensão e cancelamento dessa mesma utilidade pública.
Prevê ainda a consagração obrigatória nos estatutos federativos, da igualdade de acesso de homens e mulheres aos órgãos estatutários, bem como a limitação dos mandatos dos dirigentes.
Pretendemos assim, e desde logo, sobrepor a igualdade e moralização à exclusividade e, em muitos casos, à perpetuação do exercício de poderes.
É comum os governos serem criticados por produzirem legislação não tanto para o desporto no seu todo mas para o futebol em particular. Na presente proposta de lei o futebol é tido como uma componente do desporto, igual a todas as outras.
Vozes do PSDe do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Ao considerarmos a prática desportiva como elemento essencial na componente formativa dos jovens, jamais poderíamos olhar para uma só modalidade como constituindo objecto de tratamento diferenciado.
É com este princípio que encaramos o fenómeno desportivo. Por isso, o vertemos nesta proposta de lei, e é orientados por ele que trabalhamos no dia-a-dia.
Propomos aqui uma lei abrangente, com múltiplos destinatários e incluímos outras realidades omissas na actual lei de bases, como sejam o mecenato desportivo, a contabilidade e o sistema de informação desportiva.
A presente proposta de lei consagra também uma política integrada de infra-estruturas desportivas com base em critérios de qualidade e racionalidade. Pretendemos desenvolver uma reforma dos espaços para o desporto que permita a requalificação e modernização das infra-estruturas existentes, assim como a promoção da oferta diversificada, acessível e ajustada às necessidades de todos os grupos da população.
Merecem ainda valorização a qualidade da intervenção dos recursos humanos. Daí o estabelecimento dos princípios gerais da formação desportiva. Daí também a preocupação com o desporto na escola e no ensino superior.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos convictos de que esta proposta de lei - certamente alvo de sugestões, na especialidade, por parte dos Srs. Deputados - dotará o nosso desporto de um ordenamento jurídico adequado aos grandes desafios que se lhe colocam. Com a aprovação desta proposta de lei e respectiva legislação de desenvolvimento, damos um forte contributo para o incremento de hábitos de prática desportiva, para o bem-estar social, para a melhoria da qualidade de vida, para o progresso técnico e competitividade no plano internacional.
Este é um objectivo do Governo, mas também entendemos ser de todos aqueles que encaram o fenómeno desportivo como uma das pedras basilares em que assentam as sociedades actuais.
Desporto é desenvolvimento; desporto é cultura; desporto é ambiente e desporto é, acima de tudo, ética.
Se todos os agentes desportivos assumirem a ética como o mais forte sinónimo do desporto, estou certo de que teremos dado um passo decisivo na construção de uma sã vivência desportiva.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.
O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro, embora possa parecer pelas palavras e pelo diploma em apreciação, a verdade é que a discussão, a reflexão e a abordagem a esta matéria não partem de uma folha em branco, há um ponto de partida, assumido inicialmente pelo próprio Governo e que está, aliás, agora a fazer um ano, como base de trabalho deste processo, desde logo a lei de bases actualmente em vigor. É uma experiência que não pode ser simplesmente esquecida, tem de ser considerada na forma, no conteúdo, no processo que levou à sua aprovação e publicação, para o bem e para o mal; ou seja, para corrigir o que há de errado e de desactualizado, para ter em conta o que de positivo se traçou nesse percurso. E, independentemente das apreciações que cada um possa fazer
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sobre os resultados políticos do processo de debate, no Parlamento e fora dele, da lei de bases actualmente em vigor, a verdade é que este Governo faz muito mal em não olhar para o património de participação e discussão que constituiu esse processo de 1989/90 e que deu início e origem a esta lei.
Estou mesmo a ver que o Sr. Ministro vai falar-me em sites da Internet, em mensagens de correio electrónico, em cartas que recebeu, em telefonemas, que terá feito certamente, em conversas, que terá tido com bastantes pessoas, mas a verdade é que, embora o Sr. Ministro tenha apelado à colaboração e ao contributo do movimento desportivo e tenha dado indicações ao Conselho Superior de Desporto para emitir um parecer a tempo de integrar opiniões e contributos para este anteprojecto de proposta de lei antes de ir a Conselho de Ministros, o movimento desportivo português não foi ouvido, nem achado. O Comité Olímpico de Portugal não teve acesso sequer a uma versão inicial desta iniciativa, não pôde, por isso, dar qualquer contribuição.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Não é verdade!
O Orador: - O Conselho Superior de Desporto atravessou inclusivamente uma crise institucional, que é do conhecimento geral, o Sr. Ministro conhecerá certamente até melhor o que se passou relativamente a este processo. A Confederação de Desporto de Portugal também não foi ouvida, nem achada.
É lamentável a diferença tremenda, abissal, profunda, que se verifica entre o que há mais de 10 anos se passou e o que agora está a acontecer.
Estamos claramente numa obstinação do Governo em cumprir calendário. No ano passado, afirmou que este ano tínhamos lei; provavelmente, o Sr. Ministro daqui a uns meses dirá habemos legen, mas não é com o objectivo de cumprir prazos (de semanas ou meses) que se ganha uma boa lei.
O Sr. Ministro disse "não basta ter mais lei, é preciso melhor lei". Não é este o percurso que está a ser indiciado, não é este o objectivo que, provavelmente, será cumprido com esta falta de participação democrática e aberta e que é tão necessária neste processo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - O Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro informou a Mesa que responderá no fim a todos os pedidos de esclarecimento.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro, começo por saudar o Governo por esta iniciativa na área do desporto, que é mais uma iniciativa de reforma, em termos de um projecto, que o Governo tem para todas as áreas de actualização e inovação do ponto de vista legislativo.
A primeira questão que coloco vem exactamente no seguimento da matéria colocada pelo Sr. Deputado Bruno Dias, porque gostaria de esclarecer que, tanto a nível dos órgãos de comunicação social como dos contactos que o Grupo Parlamentar do CDS-PP fez na preparação deste debate, tive oportunidade de saber a opinião de várias instituições, e algumas delas foram inclusivamente referenciadas pelo Sr. Deputado Bruno Dias, sobre esta matéria…
Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias.
… e de ver, na comunicação social, os avanços que havia, em termos de propostas.
O Sr. Bruno Dias (PCP): - Agora, toda a gente tem opinião!
O Orador: - E, de duas uma: ou o que eu li e o que as pessoas me disseram foi inventado, era mentira, ou há aqui, de facto, alguma falta de esclarecimento. E penso que seria importante, para a clarificação do debate, sabermos em que termos está a ser feito este debate.
Isto porque a questão é esta: quando o Governo estabelece um prazo e cumpre-o, o problema é que, para cumprir o prazo, "atropelou" sempre algo, como, por exemplo, não fez o debate que era necessário fazer-se; se o Governo, por alguma razão, faz o debate e atrasa um pouco o prazo, é porque o Governo é incumpridor, nunca cumpre os prazos.
O Sr. Bruno Dias (PCP): - Não fez debate nenhum!
O Orador: - Portanto, já se sabe que "é preso por ter cão e preso por não ter"!
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Para nós, esses argumentos são indiferentes. Todavia, não é indiferente a obrigatoriedade de discutir com os parceiros e de saber a sua opinião.
Sr. Ministro, gostaria de colocar questões relativas a duas matérias sensíveis da política desportiva. A primeira tem a ver com o combate ao doping no desporto. Sabemos que, cada vez mais, as novas tecnologias e a inovação vão no sentido de dificultar a vida a quem quer combater o doping no desporto; sabemos também que o Governo português tem tido uma intervenção significativa, do ponto de vista do debate europeu, em matéria de combate ao doping. Gostaríamos de saber, Sr. Ministro, em que matérias, em que ponto é que o Governo português tem feito a sua intervenção, no seio da União Europeia, na política de combate ao doping e em que termos é que isso se articula com a legislação agora apresentada.
A segunda questão tem a ver com outro fenómeno preocupante da realidade desportiva em Portugal, a violência no desporto. Sabemos que há fenómenos de violência preocupantes no desporto em Portugal, tanto ao nível dos sujeitos activos, daqueles que praticam o desporto, como ao nível dos sujeitos passivos, daqueles que assistem aos espectáculos desportivos. Muito se tem falado também da necessidade de adequar a legislação para poder combater estes fenómenos de violência no desporto. Há legislação específica sobre esta matéria, mas há também responsabilidade de enquadrar esta matéria numa lei de bases do desporto. O que queremos saber é exactamente em que termos é que isso se enquadra nesta lei, Sr. Ministro.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Cabral.
O Sr. Fernando Cabral (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro, ao contrário do que aconteceu com um governo do PSD onde foram ouvidos os mais variados parceiros do sistema, desta vez decidiram não ouvir ninguém, nem o Comité Olímpico, nem o Conselho Superior de Desporto, nem federações, nem associações. Nada! Ninguém!
Esta é, pois, a proposta de lei de VV. Ex.as, que são os únicos e exclusivos responsáveis por ela.
Esta proposta de lei tem o dobro dos artigos da anterior, mas nada inova, e, quando acerta, não inova.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Não inova?!
O Orador: - Ou seja, o que é bom não é novo, e o que é novo não é bom!
Vamos a algumas questões concretas, Sr. Ministro.
O artigo 22.º da proposta de lei fala do estatutos e regulamentos do movimento associativo. Na alínea d) diz-se que os estatutos das federações desportivas dotadas de utilidade pública desportiva devem limitar os mandatos dos membros titulares dos órgãos estatutários. Para além de não se saber se a limitação é de 1, 2 ou 20 mandatos, é importante conhecer se esta limitação é só para os órgãos executivos ou se abrange todos os órgãos. Por exemplo, os membros das assembleias gerais - não os membros das mesas - também estão contemplados nesta norma?
De acordo com o artigo 24.º da proposta de lei, "A Confederação do Desporto de Portugal congrega e representa as federações desportivas nacionais, tendo como escopo principal a promoção do associativismo desportivo e a promoção da prática desportiva a nível nacional". Sr. Ministro, não considera que este tipo de atributos devem ser decididos por essa organização e pelas federações que livremente são suas associadas? O que vai acontecer às federações e respectivas modalidades que não queiram ser sócias da confederação?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A prática destas modalidades não vai ser promovida?
O artigo 28.º - Comité Olímpico de Portugal, o seu n.º 2 reduz a competência do Comité Olímpico à organização da participação portuguesa nos jogos olímpicos. Este formulário é inaceitável! Nunca o Comité Olímpico e o olimpismo tiveram um ataque tão feroz. O Comité Olímpico passa a ser uma mera "agência de viagens". O conhecimento do movimento olímpico por parte deste Governo está bem patente no n.º 1 deste artigo, uma vez que diz que o Comité Olímpico Internacional (COI) é representado em Portugal pelo Comité Olímpico de Portugal. Por mais que esta proposta o diga, não é assim. O representante do COI é uma coisa e o Comité Olímpico de Portugal é outra. Qual a razão deste tratamento ao Comité Olímpico e ao espírito olímpico?
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O artigo 29.º fala-nos do comité paraolímpico de Portugal. Existe esta organização? Não é estranho que seja contemplado nesta proposta um comité que não existe?! É importante a sua constituição, mas deve ser o movimento associativo a promover a sua fundação livremente.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado, o seu tempo chegou ao fim. Tem de terminar.
O Orador: - Termino já Sr. Presidente.
Sr. Ministro, porquê tanta estatização neste e noutros aspectos da proposta de lei? Porquê querer formatar o movimento associativo desportivo?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro diz-nos que se trata de uma lei de bases do desporto e não do sistema desportivo, mas não parece - é o comentário que eu gostaria de fazer.
Vozes do PSD: - Mas é!
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes): - Não parece, mas é!
O Orador: - Isto porque o desporto como expressão da cultura física… A proposta de lei tem alguns princípios enunciados, desde logo, quase no frontispício da lei, mas, depois, toda a organização da lei, tirando uma parte quase final em que se procura dar expressão a várias formas de manifestação desportiva, é uma tentativa de organização do sistema desportivo.
Em termos de concepção e de filosofia, não deveria ter qualquer tipo de discriminação em função de género. Se é de facto uma lei de organização do sistema desportivo compreendo que tenha um artigo sobre o desporto feminino, mas se não é, se é uma lei de bases do desporto, não há razão alguma para fazer uma "guetização" do desporto feminino. Deveria haver uma enunciação de princípios que deveria ser comum ao desporto, qualquer que seja o género que o pratique.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - É uma discriminação positiva!
O Orador: - Por outro lado, há algumas questões de filosofia que me embaraçam.
Eu sei que há, de há muito, uma propensão para a criação de um tribunal desportivo. Não é o que nos traz esta lei. Mas, enfim, criou-se aqui um "enclave" a meio caminho, uma forma de resolução de litígios estritamente desportivos, por forma arbitral, voluntária, mas também não impedindo o recurso aos tribunais comuns, os quais, segundo é dito, são de natureza estritamente técnica, ligados às provas, aos regulamentos, às infracções disciplinares; mas, seja como for, isso não impede o recurso aos tribunais comuns.
A pergunta é óbvia: o que é que o Governo entende pela doutrina e pela jurisprudência das questões estritamente desportivas e que garantias dá de que isso não vá reverter, ainda assim, numa maior morosidade da resolução dos conflitos que são atinentes às várias provas desportivas e aos vários quadros competitivos?
Outra questão que eu gostava de colocar-lhe, Sr. Ministro, tem a ver com o que me parece ser o coração desta proposta de lei, que são os recursos humanos. Aliás, citou isso na sua intervenção.
Pergunto-lhe se faz sentido, mais a mais identificando e tomando como primacial de que não se trata de uma lei do sistema desportivo mas de uma lei de bases do desporto, identificar numa lei de bases os empresários desportivos. Porquê? Que dignidade tem esse tipo de actividade para figurar na organização de uma lei de bases do desporto? Era um pouco como se tivéssemos uma lei de bases sobre a cultura - o desporto é, em si, uma forma de cultura, a cultura física; aliás, as conexões entre o que aqui é definido como desporto e a cultura são complicadas - a actividade dos negociantes de arte.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado, o seu tempo chegou ao fim. Tem de terminar, por favor.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
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Ora, isto não tem sentido.
Portanto, há aqui uma premência, uma insistência de uma actividade económica numa lei de bases.
Termino, Sr. Presidente, dizendo que, relativamente ao desporto escolar, a responsabilidade passa a ser das autarquias. Não se entende, Sr. Ministro.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro.
O Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, começo por salientar que, mais uma vez, a oposição em geral, em particular o maior partido da oposição, tem o cuidado de apenas dizer mal, de apenas fazer oposição por fazer oposição, de criticar por criticar, sem realçar o que é positivo e sem dar contributos positivos,…
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - … não contribuindo assim para a credibilização desse mesmo estatuto e dessa mesma oposição. Mas, enfim, são opções, e é bom registá-las.
O Sr. Laurentino Dias (PS): - É a vida!
O Orador: - Importa salientar que foi feita aqui, a diversos níveis, uma alusão crítica, se assim se pode dizer, ao facto de esta proposta de lei não ter podido contar com a participação da sociedade civil. Bom, nada mais fácil de responder do que com os factos.
Primeiro: esta proposta de lei foi objecto de uma discussão pública e, neste caso, através de um site da Internet. Eu sei que há pessoas que ainda não se renderam à evidência da Sociedade de Informação,…
O Sr. Bruno Dias (PCP): - Se quiser, até lhe dou o meu e-mail.
O Orador: - … se calhar ainda não reconheceram que já caiu o muro de Berlim!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Mas, enfim, é natural que tenham dificuldades em perceber a nova realidade das sociedades.
Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias.
Devo dizer que foram remetidos pareceres da Associação Portuguesa de Árbitros Futebol, da Associação Portuguesa de Direito Desportivo,…
Vozes do PSD: - Ouça! Tome nota!
Risos do Deputado do PCP Bruno Dias.
O Orador: - … da Associação Portuguesa Mulher e Desporto, do Clube de Futebol Sport Lisboa e Benfica, da Comissão de Atletas Olímpicos, da Comissão Executiva das Associações de Futebol, do próprio Comité Olímpico de Portugal, que emitiu um parecer, que nos foi remetido no dia 3 de Maio, com sugestões de alterações - portanto, o Comité Olímpico de Portugal participou activamente! -, o fórum do desporto de Portugal, a Federação Portuguesa de Basquetebol, a Liga dos Clubes de Basquetebol, a Liga Portuguesa de Basquetebol Profissional, o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol e a Liga de Futebol.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Se isto não chega, se estes pareceres remetidos pela sociedade civil não chegam,…
O Sr. Bruno Dias (PCP): - Isso serviu para…?!
O Orador: - … digam-me, então, onde está a sociedade civil.
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Risos do Deputado do PCP Bruno Dias.
Portanto, temos aqui uma participação activa e substancial dessas mesmas entidades, além das dezenas de contributos,…
O Sr. Bruno Dias (PCP): - Isso foi uma carrinha de nove lugares!
O Orador: - … que foram enviados para o site de discussão pública, que, a meu ver, é uma forma…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Ah! Agora o debate é feito pela Internet!
O Orador: - Enfim, estranhamos, de facto, que muitos dos parlamentares que hoje, aqui, falam na falta de discussão pública, não tenham participado nesse debate, que foi lançado através de Internet.
Protestos do PS e do PCP.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Agora o debate parlamentar também é feito pela Internet!
O Orador: - Importa ainda salientar, no que diz que respeito à limitação de mandatos, que essa é a nossa diferença, Sr. Deputado, porque, nesta matéria, temos opções, sabemos o que queremos. Não é só em matéria desportiva, é também em outras áreas, que entendemos que é importante haver limitação de mandatos - para nós, é uma questão de princípio -, que também tem de ser aplicada ao desporto e, depois, tem de ser regulamentada no Regime Jurídico das Federações Desportivas. É uma questão de princípio, de que não abdicamos.
No que diz respeito às observações feitas à Confederação do Desporto de Portugal, gostaria de salientar que a Confederação é uma realidade da sociedade civil, que foi criada pelas próprias federações desportivas e que tem os seus estatutos próprios. Não temos de ter medo da sociedade civil; não temos de ter medo das entidades criadas por esta e que funcionam; há que reconhecê-las.
Sr. Deputado Fernando Cabral, foi com bastante indignação que vi V. Ex.ª fazer uma menção, digamos, depreciativa do comité paraolímpico de Portugal.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Exactamente!
Protestos do Deputado do PS Fernando Cabral.
O Orador: - É lamentável essa situação!
Este Governo reconhece a importância desse comité paraolímpico, este Governo reconhece os resultados…
O Sr. Fernando Cabral (PS): - Ele não existe!
O Orador: - … e orgulha-se deles.
Não é apenas nos dias em que eles trazem medalhas para o nosso país que temos de os reconhecer, é em todos os momentos que temos de os reconhecer!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
É esta a realidade. Daí, não podemos…
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Ministro, o seu tempo chegou ao fim. Faça o favor de concluir.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Quanto ao Comité Olímpico de Portugal, mantêm-se os estatutos que tem. Na Carta Olímpica Internacional há, inclusivamente, uma valorização e um reconhecimento da situação, mas não queremos transformá-lo numa única entidade, numa entidade ampla.
Por fim, Sr. Presidente, para terminar, quanto às empresas desportivas, devo dizer que, mais uma vez, não "metemos a cabeça na areia", reconhecemos a realidade, reconhecemos o que existe e não nos demitimos de regulamentar, de reconhecer e de legislar.
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Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Fernando Cabral (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Fernando Cabral (PS): - Para defesa da honra pessoal, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sendo uma defesa da honra pessoal, nos termos do Regimento, o Sr. Deputado terá de aguardar pelo fim do debate.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Virgílio Almeida Costa.
O Sr. Virgílio Almeida Costa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 80/IX - Lei de bases do desporto, que hoje nos é apresentada, estabelece as bases gerais e define as grandes linhas do sistema desportivo para o futuro.
Trata-se de adequar os normativos existentes - Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro, e Lei n.º 19/96, de 25 de Junho - aos novos contextos políticos, sociais e tecnológicos do processo de desenvolvimento desportivo.
Trata-se de criar melhores condições para maximizar a promoção desportiva, através de uma intervenção cuidada nos domínios da regulamentação, da fiscalização e da cooperação técnico-financeira.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Trata-se de um passo importante e imperativo para a reforma do sistema legislativo desportivo sob o lema "Melhor lei, melhor desporto", anunciada em 29 de Outubro de 2002 pelo Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro e pelo Sr. Secretário de Estado da Juventude e Desportos.
Trata-se, enfim, de cumprir a política para o desporto que o Governo prometeu e anunciou.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O diagnóstico dos verdadeiros problemas do sistema desportivo português pode resumir-se numa simples frase: total inadequação do seu modelo organizativo às necessidades e às exigências de uma sociedade moderna. É uma conclusão que resulta do debate permanente mantido com os diversos agentes desportivos, da síntese das variadas opiniões publicadas e também do peso esmagador da realidade.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Existem inequívocos fundamentos que justificam a necessidade e a urgência desta reforma.
O debate que hoje anunciamos permitirá o confronto democrático de opiniões e opções e permitirá também a procura do maior consenso possível para a aprovação desta importante lei de bases, não exclui sequer as conhecidas opiniões discordantes ou divergentes, que agora se desejam para enriquecimento do confronto de ideias e consequente valorização do texto que vamos discutir e, posteriormente, aprovar.
Deve, aliás, valorizar-se e salientar-se o contributo que a tutela sugere, ao anunciar um plano estratégico de desenvolvimento desportivo para um horizonte temporal de 10 anos, privilegiando este Parlamento como sede desejável para exercer o direito de intervir e a obrigação de condicionar e fiscalizar a evolução gradual e coerente de um plano e de uma política globais, que, partindo de um diagnóstico realista, respeitam e aproveitam o mérito do trabalho realizado, adequando a lei às exigências dos tempos modernos.
Esta opção constitui o garante de que a regulamentação dos aspectos essenciais desta lei de bases será sempre feita com recurso e respeito pela apreciação e debate neste Parlamento.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O desporto português está perante uma encruzilhada e um desafio inevitáveis: ou faz mais do mesmo, com pequenos aperfeiçoamentos, ou rompe de vez com a situação existente.
O desenvolvimento do desporto exige, antes de mais, uma nova literacia desportiva e associativa que envolva a participação de todos e, particularmente, a cooperação entre a administração pública desportiva, as autarquias, as escolas, as universidades e o movimento associativo.
A nova lei de bases do desporto consagra um adequado enquadramento jurídico-programático, que possibilita a prossecução dos principais objectivos estratégicos do Programa do Governo, que, no essencial, se traduzem: pelo incremento da participação continuada da população na prática desportiva, num
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ambiente seguro e saudável que contribua para o bem-estar social e a melhoria da qualidade de vida, bem como do progresso técnico, e a melhoria da qualidade competitiva no plano internacional; pelo aumento da prática desportiva em Portugal, criando os instrumentos jurídicos necessários, sem evitar um sinal claro sobre o papel que se deseja para o Estado; pela regulação, fiscalização e cooperação técnico-financeira, visando menos e melhor Estado no desporto português e melhor lei para melhor desporto.
Do muito trabalho já realizado, cuja especificação não caberia neste tempo de intervenção, não poderá deixar de evidenciar-se o seguinte: a reforma da estrutura orgânica, que permitiu a criação do Instituto do Desporto de Portugal e a extinção do Instituto Nacional do Desporto, do Complexo de Apoio às Actividades Desportivas e do Centro de Estudos e Formação Desportiva, gerando novas e melhores condições que permitiram a optimização de recursos, a agilização de procedimentos e uma comunicação mais responsável, mais rápida e, portanto, mais eficaz; a consagração, na lei, da Confederação do Desporto de Portugal, que consolida a vontade expressa pelo movimento associativo e constitui uma sólida base para a criação de um privilegiado fórum de debate, análise e ponderação dos problemas e dos desafios que, ao desporto, se colocam.
A proposta de lei que hoje estamos a debater contempla também novas realidades representativas.
Contempla, desde logo, o comité paraolímpico, que é uma realidade nova que premeia e consagra o trabalho meritório e empenhado dos portadores de deficiências e constitui uma esperança e uma oportunidade para os praticantes que fazem do seu empenho e da sua organização um notável exemplo de sucesso. É, aliás, uma consagração justa que homenageia o Ano Internacional das Pessoas com Deficiência.
Contempla, ainda, o conselho de ética desportiva, que envolve o conselho nacional contra a violência no desporto e o conselho nacional antidopagem e consagra, na lei, o voluntariado no desporto. A criação deste conselho é, por natureza, indutora de um debate que se deseja e que se realizará com o objectivo de criar um código de ética para todos os intervenientes no fenómeno desportivo.
A introdução da arbitragem de conflitos e da fiscalização externa e autónoma no Conselho Superior de Desporto, que as acrescenta às competências consultivas já previstas na lei vigente, constitui um avanço qualitativo e operativo relevante, o qual auspicia uma nova dinâmica.
No âmbito do desporto profissional merece saliência e relevo a unificação dos regulamentos disciplinar e de arbitragem e, simultaneamente, a unicidade orgânica, ou seja, um conselho de arbitragem, um só conselho de disciplina e um só conselho de justiça, ainda que, cada qual, com secções diferenciadas para o profissional e para o não profissional.
Trata-se de uma opção oportuna e moralizadora face às indefinições e às polémicas que vêm caracterizando esta área do desporto profissional.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O extenso articulado desta nova lei de bases do desporto constitui uma apreciação meticulosa das lacunas existentes na lei vigente e também uma cuidada reformulação de conceitos e de representações que são essenciais ao cumprimento do Programa do Governo, o qual visa dotar a actividade desportiva dos instrumentos legais adequados à concretização das reformas prometidas aos portugueses.
Esta é uma alteração fundamental mas é também a primeira de um conjunto de modificações legislativas que hão-de adequar o edifício legislativo do desporto português às exigências da modernidade.
A oportunidade deste debate é a oportunidade do desejável contributo que, de todas as forças políticas, se deseja, para uma ainda melhor formulação da lei, contributo, esse, que será, naturalmente, positivo e não imperativo.
As reformas prometidas aos portugueses, que são a melhor condição para o desenvolvimento da qualidade de vida de cada cidadão, far-se-ão sem hesitações, pelo cumprimento do Programa do Governo e pela segura convicção de que este é o caminho certo e de que estas são as melhores propostas. Por isso, aqui as defendemos, com a firmeza de quem sabe o caminho mas também com a disponibilidade de quem não enjeita os bons contributos.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Jamila Madeira.
A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Virgílio Almeida Costa, ouvi-o falar da total inadequação do actual modelo às exigências da sociedade moderna, mas, conhecendo-o como profundo amante do desporto, não vi, nas suas palavras, o entusiasmo que era expectável perante uma lei de bases do desporto que, segundo descreveu, seria "brilhante". Mas, claro, é difícil e é difícil porque, quando se pensa em desporto e quando se é amante do desporto, como o Sr. Deputado, não se consegue perceber
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como é que uma lei, que fala muitas vezes, para não dizer demasiadas vezes, em "ambiente seguro no desporto", trata, depois, todas as questões da medicina desportiva como "questões de profissionais", trata todos os praticantes desportivos profissionais como os que têm direito a tudo e os restantes como tendo direito a nada.
Enquanto Deputada, e conhecendo-o, Sr. Deputado, não consigo ver que estranha forma de desporto é esta que o Sr. Deputado Virgílio Costa possa sustentar.
O Sr. Laurentino Dias (PS): - Muito bem!
A Oradora: - É que o desporto contempla, obviamente, um leque absolutamente alargado de perspectivas.
Por outro lado, esta lei também aborda, de forma exaustiva - aliás, o Sr. Secretário de Estado, várias vezes, nos falou sobre isso -, a questão do dopping. No entanto, o que é de estranhar é que essa abordagem não é feita numa perspectiva educativa mas apenas punitiva. E o desporto, na perspectiva profissional e não profissional, não abrange apenas a parte punitiva mas a de criar instrumentos para o fair-play e para a base de programas de educação desportiva, no sentido de o Estado não olhar para o desporto apenas como um "carrasco", porque o Estado tem um papel responsabilizador absolutamente importante.
Mas, Sr. Deputado, vendo-o como um amante do desporto, também não consigo perceber como é que o Sr. Deputado concorda com o artigo 53.º da proposta - talvez por isso não o tenha referenciado -, ou seja, com uma nova noção redescoberta, "salazarenta",...
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - O quê?!
A Oradora: - … sobre a prática desportiva feminina, isto é, com a diferenciação pelo sexo. Não consigo perceber como é que foi descoberta esta nova visão sobre a prática desportiva, em que os princípios da universalidade e da não discriminação não são considerados como absolutamente suficientes e a prática desportiva feminina é assumida num artigo autónomo.
Sr. Deputado, como amante do desporto, não compreendo como sustenta estes aspectos, mas gostaria de saber, muito particularmente, a sua posição em relação ao futuro do desporto em Portugal. É que toda esta lei de bases é vocacionada para uma coisa, Sr. Deputado: o sucesso.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr.ª Deputada, o tempo de que dispunha chegou ao fim. Por favor, agradeço-lhe que termine.
A Oradora: - Termino de imediato, Sr. Presidente.
Esta lei de bases não é, de todo, vocacionada para criar amantes do desporto, para criar condições para a prática de uma habilidade, em termos de desporto, ou para o progresso pessoal e educativo, em termos de desporto. Esta lei de bases é feita para o sucesso, para as medalhas, como disse o Sr. Ministro Adjunto.
Sr. Deputado Virgílio Costa, como amante do desporto, diga-nos: é esta a lei de bases do desporto que o Sr. Deputado quer ter?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Virgílio Almeida Costa.
O Sr. Virgílio Almeida Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Jamila Madeira, quero agradecer-lhe a gentileza pelas questões que quis colocar-me e quero relevar a circunstância de ser a Sr.ª Deputada, uma jovem que muito prezo, cujo dinamismo muito aprecio, a intervir neste debate para me pedir esclarecimentos. Existem outras pessoas no seu grupo parlamentar, com responsabilidades em matéria desportiva - na formulação de leis e até no exercício do poder -, que, infelizmente, não estão presentes neste debate, mas que, se calhar, Sr.ª Deputada,…
Vozes do PSD: - Muito bem!
Protestos do PS, do PCP e de Os Verdes.
O Orador: - … se aqui tivessem debitado as suas experiências ou as suas não experiências deixariam
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V. Ex.ª e eu próprio melhor esclarecidos.
Porém, as questões que me colocou são aquelas a que vou responder, com todo o gosto, deixando-lhe já a certeza de que vamos continuar na formulação da regulamentação de todo este conjunto de artigos e vamos, pois, continuar este debate.
Quero dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que esta é uma lei de bases que enuncia os princípios, que consagra e reconhece todos os agentes, todas as realidades desportivas e que, em algum do seu articulado, é até oportuna e muito justamente inovadora.
A questão mais específica que me colocou tem a ver com a prática desportiva feminina. Se isso não estivesse na lei de bases, provavelmente, iríamos falar de "quotas", provavelmente, iríamos falar de "discriminação"... Mas isso está na lei de bases para relevar, para tornar absolutamente evidente a preocupação do Governo no sentido de que a prática do desporto feminino…
O Sr. Bruno Dias (PCP): - O que é o "desporto feminino"?!…
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - O que é isso?! O Sr. Deputado sabe em que século está?!
O Orador: - … seja uma realidade consagrada na lei. Se eu fosse mulher, Sr.ª Deputada, sentir-me-ia prestigiada por esta referência no artigo 53.º
Aplausos do PSD.
Protestos do PS, do PCP e de Os Verdes.
Para terminar - e julgo que respondo ao essencial do que V. Ex.ª me perguntou -, o futuro que vejo agora é um futuro de fractura com o passado, é um futuro com uma nova visão, com uma nova concepção da evolução e da prática do desporto em Portugal. Penso que estão, assim, e agora, criadas as condições para que as suas preocupações e as minhas se materializem no debate que vai seguir-se, para a regulamentação desta lei, o qual será, seguramente, decisivo, o qual será, seguramente, o momento em que V. Ex.ª, eu e todo este Parlamento poderemos contribuir para uma boa formulação do desporto em Portugal.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Pede a palavra para que efeito, Sr.ª Deputada?
A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sobre que aspectos da condução dos trabalhos, Sr.ª Deputada?
A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - Sr. Presidente, não tendo visto respondidas as minhas perguntas, parece-me que é de notar que o Sr. Deputado sustentou que quer desporto para mulheres, que quer uma perspectiva punitiva na abordagem do dopping…
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr.ª Deputada, isso não é uma interpelação à Mesa.
A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - … e que quer desporto para medalhas. Foi isto que o Sr. Deputado do PSD sustentou, em nome do Governo,…
Protestos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr.ª Deputada, o que está a fazer não é manifestamente uma interpelação à Mesa.
A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - … por aquilo que pude entender, e era importante que a Mesa…
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr.ª Deputada, isso não é manifestamente uma interpelação à Mesa.
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A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - … salientasse esta questão neste Plenário.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr.ª Deputada, não foi, manifestamente, uma interpelação à Mesa o que acabou de fazer.
A Sr.ª Deputada fez as perguntas que entendeu, o Sr. Deputado entendeu responder nos termos em que respondeu e, portanto, vamos prosseguir o debate.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.
O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: De há uns anos a esta parte, de cada vez que se discute o sistema desportivo nacional gera-se um habitual aparente consenso em torno da constatação do atraso estrutural do desporto português.
Os diagnósticos já existem e vão-se acumulando: a maior taxa de sedentarismo da União Europeia, a maior percentagem de casos de obesidade infantil, os piores indicadores da prática desportiva na população.
O Governo foi ainda mais longe, tendo chegado ao ponto de, assim que entrou em funções, logo pronunciar a inapelável sentença de que o sistema desportivo do nosso país "se encontra há muito esgotado". Só não sabemos se, nessa afirmação e nas constantes repetições que dela se têm feito, o PSD deste Governo teve em conta que foi o mesmíssimo PSD que, no passado, tutelou esta área durante mais de 15 anos seguidos, com claras responsabilidades neste atraso!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Bem lembrado!
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!
O Orador: - Há exactamente um ano, em Outubro de 2002, a tutela montou uma operação mediática para apresentar o que chamou de "Reforma do sistema legislativo desportivo". Estava traçado o caminho do Governo: a alteração ao quadro legal do sector, com o inevitável destaque para a Lei de Bases do Sistema Desportivo. E aqui se colocam desde já duas questões.
A primeira, para afirmar claramente que, para o PCP, de facto, é necessário proceder à actualização, ao acerto de determinados aspectos da Lei. E foi, de resto, nesse campo do debate que se posicionaram, na sua esmagadora maioria, as entidades e agentes desportivos do nosso país, motivados, aliás, pelo apelo que, então, lhes dirigiu o Sr. Ministro. Essa perspectiva era profundamente diferente do que veio a revelar-se ser a abordagem do Governo, com a redacção de uma nova lei de bases, deitando para o cesto dos papéis todo o ponto de partida inicialmente estabelecido.
Em segundo lugar, é uma evidência que, ao longo da última década, se foi produzindo abundante legislação sobre matéria desportiva, sem que daí tenha resultado qualquer avanço estrutural nesta área. O que verificamos, pelo contrário, é essa verdadeira obsessão de sucessivos Governos - e este não foge à regra - em marcar presença e território, como se de uma espécie de "pegada legislativa" se tratasse. Só que o percurso tem sido feito aos círculos e o desporto português não avança. Donde se conclui que, mais ainda do que intervenções no sistema legislativo, faltam sobretudo políticas coerentes, medidas concretas e meios que lhes correspondam. Sem essa alteração de fundo não há reforma legislativa que possa melhorar o panorama actual,…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - … muito menos tratando-se de iniciativas como esta, passando completamente ao lado do movimento desportivo português no seu todo.
As estruturas representativas do sector não foram consultadas pelo Governo neste processo. O debate deste diploma, até agora, não foi bom nem mau, simplesmente não existiu! O interlocutor do Sr. Ministro foi a caixa do correio! Tudo isto depois de o Governo, nas palavras do Sr. Secretário de Estado, se ter comprometido a "conferir a esta actuação legislativa um amplo espaço de participação, trazendo para o domínio de intervenção normativa o pluralismo que deve caracterizar a acção política e pública e que é apanágio da prática desportiva". Pois bem, foi o que se viu!…
Com esta atitude o Governo perdeu claramente a oportunidade de apresentar ao Parlamento um diploma que dispensasse esta confrangedora operação de cosmética legislativa.
É apregoada uma suposta inovação que, na verdade, não se concretiza. O diploma enuncia tópicos genéricos de inovação mas sem os concretizar.
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O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - É caso para dizer, como se ouve ultimamente, Sr. Ministro, "não fale: inove"!!
A proposta do Governo, abrindo caminho a novos problemas, não vem resolver os problemas de fundo que existem. Há uma diferença substancial entre uma lei e uma declaração de intenções, e é nesta categoria que se integram as referências pias ao desporto escolar, ao desporto para a saúde e às instalações e equipamentos desportivos. Fica tudo em aberto - é um verdadeiro cheque em branco à ordem do Governo para mais tarde regulamentar.
Pelo meio, vai ficando o cenário bucólico do "desporto no meio rural", do "desporto e turismo", do "desporto e ambiente"... Mas vão também ficando as malfeitorias e os retrocessos, como a desvalorização real do movimento associativo ou o abandono do poder local à sua sorte - aliás, na linha de toda a política do Governo.
Veja-se a ideia peregrina de remeter a fiscalização e a arbitragem desportiva para um organismo público claramente consultivo como é o Conselho Superior de Desporto.
Veja-se a concepção errada do desporto de alta competição, em que na prática se fica à espera que por um feliz acaso surjam os atletas mais dotados.
Veja-se a norma absolutamente criminosa e aberrante que acaba por permitir a propriedade, por um indivíduo ou grupo económico, de quantas sociedades anónimas desportivas (SAD) ele puder e quiser comprar, com a extraordinária novidade de as SAD terem agora a porta aberta também no desporto amador.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - É a prática desportiva popular transformada, de uma vez por todas, em negócio lucrativo e entregue ao capital financeiro! Um escândalo!…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Esta proposta de lei do Governo constitui, ela própria, a imagem do que tem sido este ano e meio de governação PSD/CDS-PP em matéria de política desportiva: uma desoladora imagem de promessas não cumpridas, de precipitação e irresponsabilidade políticas, de falta de rigor e objectividade e da clamorosa ausência de uma cultura de participação democrática! É porque não é só com e-mail que se faz democracia, Sr. Ministro! E o problema torna-se ainda mais grave quando se verifica que tal não pode reduzir-se a uma questão de incompetência, o que já seria grave: a questão é de opção política!
Não é que o Governo não soubesse fazer melhor - acreditamos nós -, decidiu foi não fazer de outra maneira. Estamos perante uma actuação pensada, deliberada e decidida politicamente, que justamente por isso é ainda mais grave e mais esclarecedora quanto ao pensamento e à prática deste Governo. No entanto, perante este quadro, o PCP, evidentemente, não deixará de participar de pleno direito, com responsabilidade e com determinação, no processo legislativo deste diploma.
Estamos esclarecidos quanto às intenções do Governo e da maioria que o suporta relativamente a um debate aberto e participado, mas podem contar com a intervenção e o combate político do PCP.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A actual lei de bases que tutela o desporto tem mais de 13 anos, sendo inquestionável a necessidade da sua actualização, de inovação legislativa no sector do desporto e a necessidade de inovar também tanto em relação à prática desportiva como à organização do próprio sistema.
Porém, não é preciso que o sistema esteja na designação da lei, e isso é uma questão de princípio que começa exactamente na designação da lei e que mostra, desde logo, o espírito que preside a estas inovação e reforma legislativas.
Não se legisla para o sistema, legisla-se para o desporto!
A proposta de lei em discussão tem menos sistema e mais desporto! E essa é uma opção, do nosso ponto de vista, correcta. É uma opção que descomplexa a realidade legislativa na área do desporto.
A realidade legislativa não é uma mera resposta a solicitações de um sistema instituído:…
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O Sr. Álvaro Castello-Branco (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - … é ela própria a locomotiva de uma política desportiva que quer exactamente modificar esse sistema, quer puxar por ele e quer ir para além dele. Tem um objectivo claro: o aumento da prática desportiva.
É verdade que a prática desportiva em Portugal não é satisfatória; é verdade que os índices de prática desportiva, seja dos jovens seja dos adultos portugueses, são preocupantes, o que é tido, desde logo, como a primeira preocupação da presente proposta de lei e o primeiro objectivo a conseguir através da sua aplicação.
O Sr. Álvaro Castello-Branco (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - A concentração e a articulação entre o poder central, o poder local, as organizações da sociedade civil e o movimento associativo são fundamentais para que se consiga esta nova realidade em termos de prática desportiva pelos portugueses.
O problema é que, no passado, muitas vezes, todos estes sectores andaram de costas voltadas, andaram em birras e teimas que - elas, sim! - conduziram a uma situação de falta de índice de prática desportiva por parte dos portugueses. Eram as federações de costas para o governo e para os clubes, eram os clubes, muitas vezes, de costas para a própria sociedade que deviam servir. Quantas e quantas vezes, nos últimos anos, assistimos a este tipo de situações, sendo que não podemos considerar que são situações normais do dito sistema e que nada têm a ver com o nível da prática desportiva dos portugueses.
É necessário também que clarifiquemos o papel do Estado nesta matéria. O papel do Estado não deve ser intervencionista, um papel de determinar até ao mais profundo pormenor como deve realizar-se a prática desportiva no nosso país.
O Sr. Bruno Dias (PCP): - Pela arbitragem!
O Orador: - O papel do Estado deve ser de regulação, de fiscalização e de cooperação, não um papel intervencionista e determinista da forma como se faz a prática desportiva.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - É fundamental também haver uma racionalização dos meios, por isso a proposta de lei em debate introduz a redução do número de institutos públicos na área desportiva, a concentração das suas funções, a diminuição da burocracia e o aumento da sua eficácia - o aumento da eficácia das funções desempenhadas anteriormente por várias estruturas, agora por menos estruturas.
Assim se vai no sentido do aumento da prestação do serviço à sociedade civil e às colectividades e da redução do peso do Estado e da Administração Pública no desporto, o qual aumentava também a burocracia. São ganhos evidentes no campo da eficácia.
Acima de tudo, a presente proposta de lei tem um carácter inovador em variadíssimas áreas, sendo importante dar o protagonismo devido a este carácter inovador. Para nós, é importante a criação do conselho de ética desportiva.
Há pouco, questionei o Sr. Ministro sobre o combate ao dopping e à violência. São dois combates fundamentais de uma política desportiva portuguesa neste momento; são dois combates em que a desproporção de meios é evidente. É impossível andar à frente no combate contra o dopping. Sabemos que temos de andar sempre atrás daqueles que desenvolvem o dopping no desporto, mas é preciso que andemos o mínimo atrás possível, que andemos tão em cima do desenvolvimento científico que consigamos acompanhar e evitar que o dopping no desporto falhe em relação à verdade, transfigure a verdade desportiva e que, assim, desmotive as pessoas da prática desportiva.
A questão da violência é também importantíssima, porque desporto é praticá-lo, mas é também assistir à prática desportiva. Não conseguimos conceber uma prática compartimentada, em que consideramos que assistir a um espectáculo desportivo é uma coisa - é negócio, é profissionalismo - e que praticar desporto é outra coisa completamente diferente - é única e exclusivamente lazer.
O Sr. Bruno Dias (PCP): - Para os senhores o desporto também é negócio!
O Orador: - É óbvio que se a prática desportiva profissional for clara e limpa, se os espectáculos desportivos profissionais tiverem condições de organização que possibilitem o seu acesso às famílias e às
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pessoas individualmente a prática desportiva aumenta, porque esses mesmos espectáculos desportivos são motivadores da prática desportiva, chamam e envolvem as pessoas no desporto.
É também por essa envolvência das pessoas no desporto, por essa necessidade de actualização, que é fundamental actualizar a matéria do desporto olímpico. É necessário actualizar a nossa legislação de acordo com a Carta Olímpica, mas ir mais longe e consagrar o comité paraolímpico português. Não percebo, sinceramente - é uma questão de dúvida total -, as reticências que existem em relação à consagração do comité paraolímpico português. Julgo que a sua consagração tem variadíssimas razões, mas a maior de todas é a dignidade daqueles que praticam desporto,…
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - … daqueles que, tendo condições diferentes - não são melhores nem menores -, têm uma prática desportiva importantíssima na sua socialização, na sua inserção na sociedade. E não venham com a história que é só das medalhas!…
O Sr. Bruno Dias (PCP): - Diga medidas concretas!
O Orador: - As medalhas são, naturalmente, um dos reflexos dessa sua socialização, o reflexo de que aqueles que têm condições diferentes podem também ser exemplos para a sociedade, podem também ser exemplos para o País, mas, acima de tudo, podem provar a si próprios que são úteis e que estão inseridos nessa mesma sociedade. Esta dignificação do desporto paraolímpico é importantíssima, estando de parabéns o Governo por tê-la inserido na nova legislação.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
Há matérias mais concretas, como a unificação dos regulamentos disciplinares, também muito importantes. A duplicidade actual entre conselhos de justiça, conselhos de disciplina e conselhos de arbitragem não é mais suportável. As polémicas entre uns e outros, as consequentes decisões contraditórias, o arremesso de argumentos e o refúgio de muitas pessoas, o refúgio do tal sistema, nesses combates é inaceitável. É importante que haja uma clarificação total de quem tem competência jurídica, de quem tem competência disciplinar e de quem tem competência arbitral para que sejam claras as decisões desses órgãos e para que se acabe com as polémicas existentes, tantas vezes, no desporto em Portugal.
A limitação dos mandatos dos dirigentes é também importante. Sabemos, por exemplo, aquilo a que tem levado a permanência, durante largos períodos, dos mesmos dirigentes à frente de algumas federações desportivas, o prejuízo que isso tem causado a essas modalidades, a resistência que tem significado em relação ao desenvolvimento.
É na clarificação e na inovação que a actual proposta de lei introduz que reside o carácter fundamental da nova lei de bases do desporto. É por isso que o CDS-PP apoia esta proposta de lei, está disposto a discuti-la ainda mais em comissão e no Parlamento, porque este é também um fórum de discussão com todos os parceiros, mas, acima de tudo, apoia o espírito reformista do Governo, mais uma vez, agora no desporto.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Bruno Dias (PCP): - Outra reforma no desporto!
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Mota Amaral.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Luís Fazenda inscreveu-se para pedir esclarecimentos ao Orador, mas este já não dispõe de tempo para responder, a menos que V. Ex.ª lhe ceda algum do tempo da sua bancada.
O Sr. Luís Fazenda (BE): - Cedo um minuto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Pinho de Almeida, sei que nada nos dirá sobre a discriminação das mulheres nesta proposta de lei de bases do desporto e sei também que essa
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sua grande alegria à volta da libertação da sociedade civil e de "menos Estado no desporto" quer dizer outra coisa...
Esta é, de facto, uma proposta de lei que vem pôr todo o brilho nas SAD e nas empresas desportivas. É essa a libertação da sociedade civil que se vê nesta proposta de lei de bases do desporto.
Vozes do PSD: - Não é nada disso!
O Orador: - Sr. Deputado, tenho algumas questões concretas a colocar-lhe, posto que há pouco não obtive resposta da parte do Sr. Ministro Adjunto, uma delas referente às soluções dos litígios.
Uma entidade de natureza consultiva constitui-se como uma espécie de tribunal arbitral voluntário. É uma instância de recurso, ainda por cima generalista, porque o que quer que venha não dirimido para esta instância de recurso de uma qualquer federação desportiva vem depois encontrar-se nessa entidade.
Ora, as perguntas que faço são muito simples: primeira, qual é a doutrina e a jurisprudência das questões "estritamente desportivas", conceito que não é minimamente densificado nesta lei de bases?
Segunda: não pensa que isso vai atribuir ainda maior morosidade ao processo, criar mais armas de arremesso, enfim, tentando satisfazer algumas pessoas e alguns sectores que queriam um tribunal desportivo? Não acontecerá que, não o criando, é gerada mais uma instância de confusão e de contradição dentro do sistema?
Será assim ou não será assim?
Outra questão que quero colocar-lhe tem a ver com o desporto escolar, que é absolutamente obliterado desta lei de bases. São feitas algumas referências, mais ou menos de princípio, em relação ao desporto no ensino superior que, contudo, desaparecem no que respeita à organização do desporto escolar. Tudo está contido em parcerias com as autarquias locais!
Sr. Deputado, considera que o desporto escolar deve ser tão menorizado, desvalorizado, ao ponto de ficar apenas contido nas parcerias com as autarquias locais? O papel que resume ao Estado é o do espartilhamento, do "apagamento" e do esvaziamento do desporto escolar?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida, que para tal dispõe de um minuto cedido pelo Bloco de Esquerda.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda: Porque tenho pouco tempo, começo pela questão do desporto escolar e quero dizer-lhe que a lei lhe faz as referências próprias de uma lei de bases.
Mas este Governo tem mais para dizer sobre o desporto escolar: tem a assinalar não só o aumento da sua prática mas também a sua total reconfiguração. O desporto escolar era uma iniciativa virada essencialmente para modalidades colectivas, o que excluía muitos dos jovens que estão nas nossas escolas e que tinham maior apetência para outro tipo de modalidades desportivas.
Sr. Deputado, não foi só com as autarquias locais que se assinaram só protocolos! Isso seria pouco, uma vez que são precisas também parcerias com a sociedade civil, com os próprios clubes desportivos! E foi isso o que este Governo fez, por exemplo, em relação a modalidades desportivas de prática individual, que vieram permitir aos nossos jovens deslocarem-se a esses clubes ou a essas instalações para aí praticarem, digamos, natação, hipismo ou vela, modalidades que não existiam no desporto escolar, ou que pouco existiam.
Quanto ao problema da resolução dos problemas litigiosos e à questão jurisdicional, o que havia era um sistema dualista, que gerou imensos problemas. Nós entendemos que este é melhor, porque cria uma instância única de recurso e isso objectiva o sistema.
Naturalmente que podem haver entendimentos diferentes, mas entendemos que o nosso é o melhor.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.
O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro-Adjunto do Primeiro-Ministro, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr. Secretário de Estado do Desporto, Sr.as e Srs. Deputados: Supúnhamos que tínhamos chegado ao momento em que era possível dar corpo e sentido a uma expressão que VV. Ex.as, quer queiram ou não, carregam desde o dia em que elaboraram o programa do Governo, se propuseram aos eleitores e venceram as eleições, que vem aí "chapada" e que, de quando em quando, VV. Ex.as repetem: "o modelo de desenvolvimento desportivo está esgotado."
Ora VV. Ex.as são responsáveis pelo Governo há ano e meio. Portanto os portugueses, aqueles que se
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interessam pelas coisas do desporto, e as nossas organizações desportivas, em termos gerais, esperam, desde há ano e meio, que VV. Ex.as lhes digam algo de muito simples: qual é, então, o modelo a seguir se este está esgotado?
O Sr. António Filipe (PCP): - Também está esgotado!
O Orador: - E já agora diga-se - o Sr. Deputado Bruno Dias há pouco chamou para isso a atenção -, relativamente a este "está esgotado", que a maior parte dos anos foram esgotados por governos de VV. Ex.as!...
Mas se os senhores entendem que este está esgotado, qual é o novo modelo de desporto em Portugal? A Lei de Bases do Sistema Desportivo é um grande momento para todos nós afirmarmos e encontrarmos um novo modelo de desporto!
Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, chegados ao dia deste debate nos termos que constatamos, tenho de lhe dizer que este Governo perdeu uma grande oportunidade de poder mexer a sério, de poder encontrar a sério soluções para alguns dos problemas que aqueles que vivem e trabalham no desporto sentem e querem ver resolvidos.
Os senhores dizem que é preciso menos Estado e melhor Estado, os senhores afirmam que são precisas menos leis e melhores leis e o ano passado, quando fizeram oficialmente a reforma legislativa do desporto, colocaram a fasquia neste ponto: "A reforma não se leva a cabo… - suponho que quem o disse foi o Sr. Secretário de Estado do Desporto - sem a participação activa da generalidade dos operadores e organizações desportivas."
Aliás, nesse discurso V. Ex.ª disse, ainda, que para esta ciclópica tarefa o Governo tinha contratado dois especialistas, um para o "trabalho exaustivo interno" - foi este o termo usado -, o Dr. Alexandre Mestre, e outro para a "aventura colectiva", o Dr. José Manuel Meirim. Creio que o Dr. José Manuel Meirim perdeu o "bilhete" logo na primeira "paragem" e suponho - não tenho qualquer informação em contrário - que quem fez o "trabalho exaustivo interno" foi o Dr. Alexandre Mestre!
Ora, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, o "trabalho exaustivo interno", em vez de dar em menos lei e melhor lei, deu numa proposta de lei de bases que tem o dobro do articulado da anterior. É perigoso! Ultimamente, têm sido ditas coisas como "pela boca morre o peixe" e, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, quanto mais se escreve menos se acerta. E esta proposta de lei tem, desde logo, esse risco.
Percorramos, de forma muito sintética, alguns dos riscos desta proposta de lei.
Conforme podemos verificar, os princípios organizativos são muitos. Reservam, aliás, vários artigos para a definição de vários princípios organizativos do nosso sistema desportivo, alguns deles repescados de princípios constitucionais. E, apesar de lá constar o princípio da participação - na proposta de lei é referido que "O princípio da participação envolve a responsabilidade dos interessados na definição, no planeamento e gestão do sistema (…)" -, VV. Ex.as esqueceram-no. Por que é que quem elaborou esta proposta de lei não se esqueceu deste princípio mas esqueceu-se de dizer a VV. Ex.as que convinha darem o exemplo e, consequentemente, antes de a trazer, mostrá-la, antes de a trazer, discuti-la?!
O Sr. Bruno Dias (PCP): - Limitou-se a ligar o fax!
O Orador: - Quanto ao princípio da solidariedade, é referido o seguinte: "Deverá concretizar-se uma solidariedade da actividade desportiva profissional para com a actividade desportiva não profissional." Ou seja (quem sabe?) tirar aos ricos para dar aos pobres ou tirar aos muito pobres para dar aos menos pobres!? Quem vai fazer de Robin dos Bosques ou de Zé do Telhado, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado?! Como é que isto se processa? Isto faz sentido dito nestes termos? Não faz! Porque isto ou dá para tudo ou não dá para nada! Aliás, neste debate, já foi várias vezes focada e discutida a presença ou a ausência do Estado.
Passando ao Conselho Superior do Desporto, há a assinalar que ele tem andado por caminhos difíceis. O seu presidente demitiu-se no intervalo de uma reunião, depois foi até ao fim dessa reunião e voltou a demitir-se e o novo presidente tomou posse, quase que em situação de confidencialidade, na semana passada. Ora, nesta proposta, o novo Conselho Superior do Desporto significa "mais Estado", Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado.
Já agora, gostaria de saber - e vou esperar para ver se isto passa (e espero que não!) - como é que o mesmo órgão, chamado Conselho Superior do Desporto, pode, em simultâneo, ser consultor do Governo, fiscalizador do movimento associativo desportivo e juiz, ou seja, dá parecer, fiscaliza e julga. Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, não vai ser fácil conseguir fazer tudo isto no Conselho Superior do Desporto. É "mais Estado" do que aquele que havia até agora!
Relativamente às organizações privadas do desporto, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, como
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"desatar o nó"? Diz-se que são as federações desportivas que dirigem, promovem e regulamentam a modalidade desportiva que lhe compete. Mais adiante, diz-se que são as ligas profissionais que definem isto, aquilo e aqueloutro, como, por exemplo, o número de clubes profissionais de futebol, de andebol ou de qualquer outra modalidade que tenha áreas profissionais. Como é que se "desata este nó"?! Como é que as federações têm o poder e a competência para dirigir, regulamentar e definir os parâmetros da competição x ou da modalidade x e, depois, são as ligas profissionais que podem, num outro normativo, ter alguns direitos, conflituais com o anterior?!
Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, compreendemos a inspiração que faz aparecer a Confederação do Desporto de Portugal nesta proposta de lei de bases do desporto, mas estamos a falar, uma vez mais, de "mais Estado", em vez de "menos Estado", como havia anteriormente.
Sobre o Comité Olímpico de Portugal - e isso já aqui foi dito pelo meu colega Fernando Cabral -, esta proposta de lei menciona duas contradições: primeira, que o Comité Olímpico de Portugal é o representante em Portugal do Comité Olímpico Internacional; segunda, que o Comité Olímpico de Portugal tem estas, aquelas e aqueloutras competências. Ou seja, em relação ao Comité Olímpico de Portugal, os senhores dizem, ao mesmo tempo, o que ele deve fazer e depois que ele representa o Comité Olímpico Internacional! Como é que se "desata este nó", Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado? Como é que pode dizer-se, ao mesmo tempo, que determinada instituição representa uma instituição internacional e a seguir o que ela deve ou não fazer? Se representa a instituição internacional deve fazer aquilo que essa instituição internacional lhe confere!
Peço desculpa ao meu colega Fernando Cabral uma vez que ele irá intervir sobre esta matéria, mas devo dizer que não gostei da tentativa que o Sr. Ministro e mais alguém neste debate fizeram de entender a alusão ao Comité Paraolímpico de Portugal como uma referência depreciativa. Não é! Do que se trata é de uma originalidade contida nesta proposta de lei. Esse Comité Paraolímpico não existe, ainda não foi criado. O movimento associativo dos atletas e dirigentes paraolímpicos ainda não o criou. É criado por lei. "Mais Estado" talvez, Sr. Secretário de Estado e Sr. Ministro!
A arbitragem de conflitos desportivos que está contida na proposta de lei é uma tremenda confusão, confusão entre órgãos jurisdicionais das federações, confusão entre tribunais comuns e a confusão final com o tribunal arbitral situado algures no Conselho Superior do Desporto em termos que não sabemos como virão a ser definidos.
No capítulo onde se tenta definir o que é a actividade desportiva profissional e não profissional, acontecem coisas fantásticas. Segundo a proposta de lei, a actividade desportiva classifica-se como profissional, não profissional e de alta competição. O que significa que quem seja de alta competição nem é profissional nem é não profissional, é um atleta híbrido.
Diz-se que a actividade desportiva federada é uma actividade desportiva não profissional. Então, as federações que têm no seu seio ligas profissionais farão o quê? Como é possível compatibilizar uma coisa e a outra num texto desta natureza?
Sr. Secretário de Estado do Desporto, não vou entrar na questão da prática desportiva feminina (já aqui se referiram a ela e vão voltar a fazê-lo), mas acrescento o seguinte: o artigo referente à prática desportiva feminina está inserido no capítulo da actividade desportiva não profissional. Quer isto dizer que as mulheres aparecem nesta lei ma non troppo, mas não muito, visto que podem apenas fazer algumas coisas, mas não naquilo que se refere à prática desportiva profissional.
Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, esperava que das intervenções de VV. Ex.as surgisse alguma novidade em relação àquilo que é esta proposta de lei. Não surgiu!
O Sr. Ministro é um especialista em marcas e por isso, no seu discurso, fez referência à chamada "marca reformista". O Sr. Ministro perdoar-me-á se lhe pedir, no final desta intervenção, sem ter nada agora a ver com esta lei de bases do desporto, que, por favor, verifique se a marca do Governo que está naquele anúncio do EURO 2004 que tem passado frequentemente na televisão sai de lá para que, eticamente, o Governo se comporte bem quer com o EURO, quer com esta Assembleia, quer com o País.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Bruno Vitorino pediu a palavra para formular esclarecimentos ao Sr. Deputado Laurentino Dias. Só o Sr. Deputado Laurentino Dias não dispõe de tempo para responder.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O PSD cede 1 minuto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Bruno Vitorino.
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O Sr. Bruno Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Laurentino Dias, é, de facto, extraordinário para um jovem na política como é o meu caso verificar como se consegue estar 12 minutos no uso da palavra e dizer rigorosamente nada.
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
Se me permite, queria colocar-lhe algumas questões concretas, uma vez que só disponho de 3 minutos, para ver se consigo fazer o contrário do que o Sr. Deputado aqui fez.
Para já, gostaria de saber se o Sr. Deputado Laurentino Dias - que, como é sabido, não faz parte do grupo de estudos do Partido Socialista que se debruça sobre esta matéria - se revê, ou não, nas posições do seu partido, porque muitas das que foram expressas na comunicação social por esse grupo de estudos não foram aqui referidas pelo Sr. Deputado. De duas, uma: ou o PS pensa uma coisa ou, então, pensa o seu inverso. O que não pode é dizer uma coisa na comunicação social e dizer aqui o seu inverso.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Era importante, até para credibilizar o principal partido da oposição, que percebêssemos qual é, de facto, o pensamento do PS - se é que o tem! - nesta matéria.
As poucas críticas que fez são injustas, infundadas e ilegítimas. É, de facto, extraordinário que quem não tem argumentos para criticar o conteúdo da lei critique simplesmente a forma.
Começa por fazer uma crítica ao tamanho da lei.
O Sr. Bruno Dias (PCP): - O PSD também já utilizou esse argumento!
O Orador: - Quer dizer, como esta proposta tem o dobro dos artigos não presta, mas se tivesse metade dos artigos seria muito boa.
Vamos tentar discutir o conteúdo, porque, de facto, é isso que interessará ao movimento desportivo em Portugal.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Em relação à forma, refere que houve falta de participação na elaboração da proposta de lei. Depois de um ano de debate?! Depois de ter sido criado um site na Internet: www.leisdedeporto.gov.pt?! Depois de ter sido anunciado no Programa do Governo?!
Se calhar, após seis anos de acção governativa por parte do Partido Socialista, pensavam os próprios dirigentes do PS que isto iria continuar a ser mais do mesmo e que aquilo que o Governo dizia não era para cumprir. Mas é!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E depois de anunciado, como não podia deixar de ser, as coisas eram mesmo para fazer e estão contidas na proposta de lei que hoje discutimos.
E em termos de participação, no âmbito da discussão na especialidade em comissão, poderemos, mais uma vez, ouvir todos aqueles agentes que já participaram, e foram muitos, na elaboração desta proposta e também aqueles que, por lapso ou falha, não tiveram tempo ou oportunidade de o fazer. Penso que é, de facto, extraordinário fazer aqui tantas críticas.
Pergunto onde esteve o Sr. Deputado Laurentino Dias durante seis anos,…
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - … porque não o ouvi, durante esse tempo, fazer críticas aos seus ausentes colegas de bancada que tiveram responsabilidades na governação do País.
Em relação ao artigo 53.º, que se refere à prática desportiva feminina, não tenho dúvida nenhuma de que somos criticados por o artigo estar presente, mas, se não estivesse, seríamos criticados precisamente pela sua ausência. Não tenho dúvidas absolutamente nenhumas.
O Sr. Deputado também referiu que o Comité Olímpico de Portugal perde competências. Quais são as competências que perde? Diga-nos, claramente, quais são as competências que estão consagradas na
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Carta Olímpica Internacional e que não estão consagradas nesta proposta de lei.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Naturalmente que estas críticas são injustas, infundadas e ilegítimas.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Neste debate, a oposição, a perder por quatro ou cinco a zero, tentou, à pressa, marcar o tento de honra. O Sr. Deputado Laurentino Dias tentou, tentou, mas nem isso conseguiu. Mais uma vez, "remata ao lado", como ao lado de tudo passam as intervenções dos Srs. Deputados do Partido Socialista!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Laurentino Dias, que dispõe de tempo cedido pelo PSD.
O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bruno Vitorino, já que terminou o seu pedido de esclarecimento com a teoria dos "remates ao lado", deixe-me dizer-lhe que, se fosse atleta, não ouviria certamente os apitos do árbitro, porque não ouviu nada do que eu disse.
Mas já que não ouviu nada do eu disse, vou dar-lhe mais dois exemplos. Já que não ouviu os outros, esforce-se por ouvir estes.
Quer que leia a definição de "actividade desportiva profissional"? O Sr. Deputado, se calhar, não leu e mais alguém aqui presente também não leu. "Entende-se por actividade desportiva profissional a actividade no seio da qual se desenrolem competições desportivas reconhecidas como tendo natureza profissional." Resolva-me isto! O que é que isto quer dizer? Isto é um esplendor!
Risos do PS.
Quer outro exemplo? Segundo o artigo 54.º - esta é bonita, é uma delícia! -, "Devem ser encorajadas as actividades desportivas que envolvam trabalhadores e respectivas entidades patronais…"
Risos do PS, do PCP e do BE.
"… enquanto elemento de uma política desportiva equilibrada (…)".
O Sr. Secretário de Estado da Juventude e Desportos: - O Sr. Deputado está desactualizado!
O Orador: - Talvez esteja totalmente desactualizado. No entanto, o que leio é isto!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.
O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Bruno Vitorino, há pouco, o Sr. Ministro, certamente, esqueceu-se de referir que podíamos ter substituído tudo isto por uma vídeo-conferência e por alguns telefonemas, porque esta proposta de lei, desde o dia em que foi inventada até vir a esta Sala, não foi apresentada, nem mostrada, nem entregue a ninguém para ser comentada!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro.
O Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, esta proposta de lei é uma proposta de mudança. É a mudança necessária e é a mudança possível. Temos a convicção de que é um importante ponto de partida e o Governo orgulha-se deste sinal de mudança. Mas não é um ponto de chegada. Contamos, por isso, com os contributos de todos e, em particular, do maior partido da oposição.
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Neste debate, a oposição criticou. Até aí, nada de novo, uma vez que passa o tempo a criticar. O importante é que diga o que pensa e o que pensa de diferente, que diga quais são as propostas que tem a apresentar e quais são as alternativas que quer propor.
Vozes do CDS-PP: - Exactamente!
O Orador: - E, neste debate, perdemos a oportunidade de serem apresentadas alternativas, de serem apresentadas diferenças, de serem apresentadas outras sugestões concretas.
Esperamos que o venha a fazer no debate na especialidade, porque uma oposição responsável não deve apenas criticar, criticar mas, sobretudo, propor, apresentar ideias, advogar contributos alternativos.
É isso que esperamos, é para isso que convidamos, em particular, o principal partido da oposição.
Por nós, estamos abertos à melhoria, estamos abertos ao aperfeiçoamento e ao aprofundamento, mas com uma condição: estamos abertos à melhoria, desde que a oposição não se feche, logo à partida, a qualquer mudança.
O Governo cumpriu hoje o seu compromisso: o de mudar e o de reformar.
Esperamos agora que a oposição cumpra o seu papel: o de fazer mais pelo País, o de encontrar uma resposta para o futuro, o de quem não tem medo de mudar e quer contribuir para reformar.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Dou agora a palavra ao Sr. Deputado Fernando Cabral para defesa da honra pessoal.
O Sr. Fernando Cabral (PS): - Sr. Presidente, aquando do meu pedido de esclarecimento, fiz uma referência ao Comité Paraolímpico de Portugal e o Sr. Ministro, na resposta que deu, manifestou indignação, dizendo que eu tinha feito um ataque aos atletas portadores de deficiência.
Vou ler aquilo que, então, disse: "O artigo 29.º fala-nos do Comité Paraolímpico de Portugal. Existe esta organização? Não é estranho que seja contemplada nesta proposta um comité que não existe? É importante a sua constituição, mas deve ser o movimento associativo a, livremente, promover a sua fundação."
Portanto, não fiz qualquer ataque aos atletas portadores de deficiência, consideramos importante que se organizem e temos muito reconhecimento por aquilo que têm feito pelo prestígio de Portugal. Indignado estou eu com as conclusões que o Sr. Ministro tirou daquilo que eu disse, porque eu não disse nada daquilo que foi referido.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mais, Sr. Ministro: no portal do Governo, existe uma nota do dia 26 de Junho cujo n.º 3 diz que "pela primeira vez, vão ser referidos na proposta de lei corpos sociais intermédios que não estão referidos" e menciona a Confederação do Desporto e a Fundação do Desporto. Ora, folheada que foi a proposta de lei de trás para a frente e vice-versa, diga-me, Sr. Ministro, onde é que consta alguma referência a essa Fundação do Desporto. Uma das entidades existe mas não está referida, a outra não existe e está referida.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro para dar explicações.
O Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Cabral, mais uma vez, constatamos o incómodo que manifesta relativamente aos desportistas com deficiência, ao Comité Paraolímpico de Portugal.
Protestos do PS.
Registamos esse seu incómodo quanto ao facto de o Governo reconhecer a importância desses desportistas e de lhes conferir um estatuto próprio em sede da proposta de lei de bases do desporto. Esta nova lei de bases contempla uma nova realidade e, portanto, contém o reconhecimento claro e inequívoco dos desportistas portadores de deficiência. Trata-se, pois, de uma forma clara de integração que já existe em
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muitos outros países e para a qual nos orgulhamos de contribuir.
O Sr. Fernando Cabral (PS): - Já existia!
O Orador: - Contempla-se também, deste modo, uma pretensão da Federação Portuguesa do Desporto para Deficientes.
Em suma, compreendemos e registamos a vossa incomodidade em relação aos desportistas portadores de deficiência, mas, nessa matéria, nós próprios também somos diferentes.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que declaro encerrada a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 80/IX, a qual, oportunamente, será objecto de votação na generalidade.
Na próxima terça-feira, haverá diversas reuniões de comissões, a partir das 10 horas, enquanto o dia de segunda-feira está reservado para contactos com o eleitorado.
A próxima reunião plenária realiza-se quarta-feira, dia 22, a partir das 15 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: período de antes da ordem do dia, a que se seguirá o período da ordem do dia que constará do debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 309/IX (PS), bem como do debate, também na generalidade, do projecto de lei n.º 208/IX (PS).
Nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.
Eram 12 horas e 40 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
Ana Paula Rodrigues Malojo
Daniel Miguel Rebelo
Elvira da Costa Bernardino de Matos Figueiredo
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
João Manuel Moura Rodrigues
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
João Barroso Soares
José Manuel de Medeiros Ferreira
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:
Partido Social Democrata (PSD):
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
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Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Joaquim Almeida Henriques
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Lemos Pavão
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Mário Patinha Antão
Sérgio André da Costa Vieira
Partido Socialista (PS):
António Luís Santos da Costa
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Nelson da Cunha Correia
Partido Popular (CDS-PP):
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Isabel Maria de Almeida e Castro
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL