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Quinta-feira, 4 de Dezembro de 2003 I Série - Número 27

IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 3 DE DEZEMBRO DE 2003

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Manuel Alves de Oliveira
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas.
Deu-se conta da apresentação dos projectos de lei n.os 380, 381 e 383/IX, da apreciação parlamentar n.º 63/IX e da interpelação n.º 9/IX.
Procedeu-se ao debate do projecto de resolução n.º 185/IX - Referendo sobre as grandes escolhas do Tratado que institui uma Constituição para a Europa (BE), que foi rejeitado, tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Luís Fazenda (BE), Guilherme d'Oliveira Martins e António José Seguro (PS), Francisco Louçã (BE), Pedro Duarte (PSD), João Teixeira Lopes (BE), Diogo Feio (CDS-PP), Bernardino Soares (PCP), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Alberto Costa e António Costa (PS).
A Câmara aprovou um parecer da Comissão de Ética autorizando um Deputado do PS a prestar depoimento, na qualidade de testemunha, no âmbito de um processo que corre na Direcção-Geral de Viação.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 17 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Carlos de Sousa Pinto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eduardo Artur Neves Moreira
Elvira da Costa Bernardino de Matos Figueiredo
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Jorge Pinto Lopes
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Gonçalo Nuno Mendonça Perestrelo dos Santos
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Luís Campos Vieira de Castro

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José Luís Ribeiro dos Santos
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Miguel Gonçalves Miranda
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Soromenho Gomes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscata Lourenço de Oliveira Pegado
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa da Silva Morais
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Pedro Filipe dos Santos Alves
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela

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Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Pereira Cabodeira
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Guilherme Valdemar Pereira D'Oliveira Martins
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José António Fonseca Vieira da Silva
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José da Conceição Saraiva
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo José Fernandes Pedroso
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):

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Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Henrique Jorge Campos Cunha
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Helder do Amaral
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Paulo Daniel Fugas Veiga

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos

Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Manuel Oliveira): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projectos de lei n.os 380/IX - Cria o Instituto do Serviço Público de Acesso ao Direito (ISPAD), visando garantir a informação e a consulta jurídica e o apoio judiciário (PCP), que baixou à 1.ª Comissão, 381/IX - Regula o acesso aos documentos da Administração (Os Verdes), que baixou à 1.ª Comissão, e 383/IX - Colocação de guardas de segurança metálicas nas vias de comunicação públicas, integradas ou não na rede rodoviária nacional, contemplando a perspectiva da segurança dos veículos de duas rodas (PSD e CDS-PP), que baixou à 9.ª Comissão; apreciação parlamentar n.º 63/IX (PCP) - Do Decreto-Lei n.º 268/2003, de 28 de Outubro, que cria a Autoridade Metropolitana de Transportes de Lisboa e a Autoridade Metropolitana de Transportes do Porto, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 26/2002, de 2 de Novembro; e interpelação n.º 9/IX - Sobre política de saúde (PCP).
Em matéria de expediente, é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, hoje, a ordem do dia é preenchida com um agendamento potestativo da iniciativa do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, para apreciação do projecto de resolução n.º 185/IX - Referendo sobre as grandes escolhas do Tratado que institui uma Constituição para a Europa (BE).
Porém, antes de darmos início ao debate, quero dar conhecimento à Câmara de que participei agora mesmo numa breve cerimónia promovida pela Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO), que se realizou no Auditório Novo, para o lançamento de uma petição relativa à defesa dos direitos dos cidadãos portadores de deficiência. Este acto ocorre, significativamente, no Dia Internacional das Pessoas com Deficiência e, ainda por cima, no decurso, quase no fim, do Ano Europeu das Pessoas com Deficiência.
Aos nossos concidadãos portadores de deficiência toda a atenção que se possa prestar-lhes é devida. Nos últimos anos foi feito um grande progresso neste domínio em Portugal, aliás, todos nos lembramos, sobretudo os mais velhos, de que a atitude anterior era de exclusão, de marginalização, mas, felizmente, houve um grande salto qualitativo. Há, no entanto, com certeza, muitos outros degraus a percorrer até uma plena inclusão e participação das pessoas com deficiência, pois todas elas terão alguma coisa a portar

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à nossa comunidade nacional e tudo devemos fazer nesse sentido.
Gostava ainda de dizer à Câmara que, esta manhã, acendemos as luzes da árvore de Natal do Palácio de São Bento. É uma tradição muito bonita, que já vem de trás, mas, pelo facto de, este ano, a inauguração, digamos assim, da árvore de Natal da Assembleia da República coincidir com o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, ocorreu-me que talvez pudéssemos movimentar entre todos nós, inclusive os trabalhadores desta Assembleia, uma campanha de solidariedade, de modo a juntarmos, à roda da árvore de Natal, prendas que se destinassem a alguma instituição de apoio a crianças portadoras de deficiência, por forma a contribuirmos para lhes proporcionar um Natal mais alegre.
Espero que, dentro em breve, comecem a surgir essas prendas - também vou tomar a minha iniciativa nesse domínio -, e é esta mensagem que dirijo a todos os parlamentares, para, na sua livre iniciativa, cooperarem nesta promoção. Isto não é para ser tomado como princípio mas, como este ano, ligámos as luzes da árvore de Natal no Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, por uma questão de coincidência, ocorreu-me que podíamos tomar esta iniciativa, dando, portanto, um sinal da nossa solidariedade activa com os cidadãos deficientes e, neste caso, sobretudo, com as crianças deficientes.
Vamos, então, dar início ao debate do projecto de resolução n.º 185/IX.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: O processo de elaboração do tratado que institui a Constituição europeia, hoje em sede de Conferência Intergovernamental (CIG), é de uma importância extrema para Portugal e para a União Europeia, já com 25 países.
O documento a debate, proposto pela Convenção, vai muito para além de uma consolidação de tratados, define finalidades da União de Estados, com personalidade jurídica própria, centraliza competências, reforça o método intergovernamental, imprime orientações de política em todas as áreas, densifica o quadro de actos legislativos. Ninguém terá dúvidas de que, politicamente, se trata mesmo de uma constituição, ainda que "fardada" como se fosse um tratado.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Discutir a natureza jurídica desta convenção internacional é quase discutir o "sexo dos anjos", perante o impacto político e o salto de qualidade da União Europeia.
Parece unânime a necessidade de um debate nacional sobre as consequências, aos mais variados níveis, que pode vir a ter a Constituição europeia. Todas as forças políticas reclamam um referendo, a capacidade de fazer escolhas directamente, através da consulta popular. Porém, aqui, temos de nos interrogar sobre o tempo e o modo dessa consulta.
Desde há muitos meses que o Bloco de Esquerda sustenta que a realização do referendo deveria ser prévia à assinatura do tratado constitucional. Não encontrou apoio, nesta Câmara, para uma decisão política maioritária.
Apesar de se conhecer o destino do projecto de resolução que ora apresentamos, sinalizamos, através deste agendamento protestativo, a posição do Bloco de Esquerda, da sua responsabilidade, com clareza, aos olhos das cidadãs e dos cidadãos.
A nosso ver, todo o referendo que se faça após a assinatura do tratado trará a marca do facto consumado e limitará ainda mais a participação no sufrágio.
A Constituição da República Portuguesa permite a realização de um referendo sobre as questões de relevante interesse nacional que venham a ser objecto de convenção internacional.
Nesse contexto, estão já estabelecidas, há muito - desde Salónica -, as grandes áreas em negociação na Conferência Intergovernamental. Não é necessário ter o tratado acabado para fazer escolhas políticas sobre o sentido das mudanças; não será, sequer, desejável votar o tratado em si, o que obrigará a uma revisão da Constituição, pois aqueles que, justamente, sempre se opuseram ao referendo da Constituição da República Portuguesa não poderão aceitar o referendo de uma Constituição europeia que subordina a Constituição da República Portuguesa.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Se esta resolução que aqui propomos viesse a ser aprovada e o Sr. Presidente da República convocasse o referendo, a lei referendária prevê processos de encurtamento de prazos, aliás, já utilizados em anterior experiência, que permitiriam uma consulta bem antes de 9 de Maio, se é que esta data não deslizará, o que, hoje, ninguém parece em condições de poder garantir.
As alternativas, Sr.as e Srs. Deputados, não nos parecem credíveis.
A proposta do Primeiro-Ministro, de realização do referendo em simultâneo com as eleições europeias,

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para além da confusão das escolhas a sufrágio, entre listas de Eurodeputados e seus programas e a decisão referendária, obrigará a uma revisão constitucional e à revisão da Lei Orgânica do Regime do Referendo, nos seus prazos próprios, e o referendo terá de ser convocado muito antes do tratado acabado.
Outras hipóteses, com ou sem revisão constitucional, apontam, com mais propriedade, para princípios de 2005, intercalando-se as eleições regionais, ou seja, quase um ano depois. Isto não é um facto consumado, é um facto consumadíssimo! Aliás, dando-se conta de que o referendo é já uma miragem, a maioria PSD/CDS-PP apresenta já, no seu projecto de revisão da Constituição da República Portuguesa, a absorção do primado das normas da Constituição europeia, numa formulação que não é outra coisa senão a combinação dos artigos 5.º e 10.º da Parte I da Constituição europeia. Isto é espantoso! De uma penada, anula qualquer referendo e pretende constitucionalizar avant la lettre as normas do tratado.
Os resultados do referendo, nos termos propostos pelo Bloco de Esquerda, teriam ilações próprias para o Governo e, a seu tempo, se fosse caso disso, consequências jurídicas para a Assembleia da República, chamada à ratificação do tratado.
As perguntas que propomos para o referendo, sobre o primado da Constituição europeia em relação à Constituição da República Portuguesa, sobre a institucionalização de uma presidência de Conselho - afinal, o símbolo do directório e do intergovernamentalismo - e sobre um maior envolvimento na política de defesa da União, são perguntas passíveis de serem alteradas pela Câmara e estão em linha com aquelas que são as discussões da CIG, com aquilo que se depreendeu da recente Cimeira de Nápoles e com aquilo que se avizinha para a próxima cimeira.
Há que responder aos portugueses com clareza: uma eventual rejeição do tratado traria como consequência final a manutenção do Tratado de Nice e as renegociações necessárias. O referendo não é e não pode ser confundido com um referendo de pertença à União Europeia.
Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: O que nos move é um imperativo democrático, é a transparência de um processo político-institucional europeu que acumula défices democráticos, numa opacidade contínua.
Respeitaremos qualquer decisão soberana do povo. No entanto, deixaremos claro, enquanto Bloco de Esquerda, que rejeitamos esta Constituição europeia do modo como se conforma, porque: faltam-lhe valores solidários e sociais; americaniza-se na dependência da NATO; sacrifica os serviços públicos; regride em termos de direitos civis e económicos; blinda o já "defunto" Pacto de Estabilidade e Crescimento; cria mecanismos tais de revisão que a transformam num bunker; diminui a margem de manobra a qualquer governo nacional para praticar uma política com orientações diversas do neoliberalismo dominante; os parlamentos nacionais diminuem as suas competências; o Parlamento Europeu tem competências limitadíssimas. Se o princípio da igualdade dos Estados não é respeitado, mais grave ainda, seguramente mais grave, é a cidadania não ter meios de controlo do directório europeu.
O Bloco de Esquerda pronuncia-se por uma outra Europa, que tenha em conta um legítimo processo constituinte, com princípios de paz, democracia e justiça social. Não somos antieuropeus, nem europeus acomodados! E, na Europa, país a país, muitos pensam como nós!
Afinal, é por essa Europa que devemos rejeitar esta Constituição que se prefigura. É em nome da Europa e não em nome de algum egoísmo nacional.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Luís Fazenda não leu, certamente, o mesmo texto do tratado constitucional que nós lemos,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … mas vamos ter oportunidade, ao longo deste debate, de esclarecer este ponto.
Estamos perante uma iniciativa tipicamente eleitoral. O Bloco de Esquerda deseja posicionar-se como esquerda da esquerda europeia e, por isso, suscita esta questão, mas, a este debate, faltam os ingredientes europeus.
Em primeiro lugar, é indispensável - e não haja qualquer dúvida relativamente a isto - que os cidadãos estejam associados a este processo. O Partido Socialista defende, e considera absolutamente essencial, que os cidadãos estejam ligados a este processo e que possam ser consultados de forma séria, preparada e com tempo sobre aquilo que, de facto, está em causa; é disto, naturalmente, que se trata.
Sr. Deputado, vou passar às questões que pretendo colocar-lhe.

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O Sr. Deputado Luís Fazenda, na iniciativa que apresentou, parte de um pressuposto logo na primeira pergunta: a Constituição europeia prevalece sobre a Constituição da República Portuguesa. Permito-me dizer-lhe que a pergunta não pode ser formulada desta maneira, porque a Constituição europeia, no que toca a matéria de competência nacional, nunca se sobrepõe à Constituição, por uma razão simples: a Constituição europeia, o tratado constitucional, tem uma esfera própria, que agora fica claramente definida e clarificada.
Portanto, Sr. Deputado, no que respeita à primeira questão, em que ficamos? A formulação não pode ser a que utilizou, porque é uma formulação não correcta. Não se trata de dizer que a Constituição europeia prevalece sobre a Constituição nacional, porque a Constituição nacional é soberana, é sinal de soberania, relativamente às competências da Constituição da República Portuguesa.

O Sr. António José Seguro (PS): - Muito bem!

O Orador: - A segunda pergunta, que o Sr. Deputado subscreve na iniciativa que apresenta, tem a ver com a criação do presidente do Conselho Europeu e diz que a criação deste cargo substitui as presidências rotativas por todos os Estados-membros da União Europeia. Mas o Sr. Deputado sabe que não é assim. Sabe que a presidência do Conselho Europeu não substitui as presidências rotativas sectoriais.

O Sr. António José Seguro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Então, em que ficamos? Esclareça esta questão.
A terceira pergunta é relativa ao aumento de atribuições e poderes da União no domínio da defesa. Sr. Deputado, nós entendemos que é indispensável que a Europa tenha voz activa - dissemo-lo várias vezes e continuamos a dizê-lo - e que seja respeitada na ordem internacional.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se. Peço-lhe que conclua.

O Orador: - Concluo imediatamente, Sr. Presidente.
Sr. Deputado, afinal, só teremos directório se houver menos Europa política…

O Sr. António José Seguro (PS): - Muito bem!

O Orador: - … e menos método comunitário. Esta é a questão! Em que ficamos?

Aplausos do PS.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, antes de mais, agradeço-lhe as questões colocadas.
Deixo de lado as suas considerações prévias sobre a apetência eleitoral de cada um - sobre isto, com certeza, é difícil ao PS atirar pedras ao telhado do vizinho - e vou entrar nas questões de substâncias, que, estas sim, terão o mérito do debate.
A nossa leitura do texto constitucional, e, aliás, acompanhadíssimos por muitos constitucionalistas e por muitos cidadãos dos mais variados espectros políticos, da direita à esquerda, é a de que a Constituição europeia vai ter primazia sobre a Constituição nacional. Portanto, seja sob o mecanismo da transferência ou de qualquer um outro que se queira entender, até de um mecanismo atípico, singular e novo, há, de facto, uma sobreposição da Constituição europeia em relação à Constituição nacional.
O PSD e o CDS-PP já entenderam isto, e no seu projecto de revisão constitucional já antecipam a introdução, no direito interno, das normas da Constituição - assim chamada, tal e qual -, tendo até dispensado a expressão "tratado constitucional", salvo naquilo que tem a ver com os princípios do Estado de direito democrático, que estão salvaguardados na Constituição da República Portuguesa, o que, aliás, é dito no artigo 5.º da Constituição europeia. Portanto, nada de novo quanto a este aspecto; ele está dentro das baias da própria Constituição europeia.
Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, por muito que isto nos agrade ou desagrade, o que é, é! Os factos são factos! E qualquer que seja a tradução, em qualquer língua de trabalho da União Europeia, que consultemos, o que está escrito é que a Constituição europeia prima, prevalece, sobre as Constituições

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nacionais. Portanto, há, com consequências políticas e jurídicas, um processo de imposição de uma Constituição europeia.
Não temos qualquer oposição à existência de uma Constituição europeia; não concordamos é com esta,…

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - … nem com o seu processo, nem com o seu método constituinte, nem com o conjunto do seu articulado!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Não nos posicionamos num anticonstitucionalismo europeu, posicionamo-nos por outro tipo de Constituição europeia. E, deste modo, claro que não lemos o mesmo texto, receio mesmo que o nosso tenha a seu favor a evolução objectiva da União Europeia, e o tempo encarregar-se-á de o discernir.
Como sabe, Sr. Deputado, a existência de um presidente fixo da União Europeia é a simbolização de um método intergovernamental, entre outros mecanismos, em detrimento do método comunitário. Pouco importa se se mantém as presidências sectoriais rotativas, porque, de facto, para aquilo que era importante, a figura do presidente do Conselho Europeu, a que o próprio PS, tal como o PSD e o CDS-PP, se opôs, está lá, com os poderes que tem e é a simbolização de um processo blindado e sem retorno.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que termine, pois já esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Até aqueles que defendem uma Europa federal têm enorme dificuldade em fazer evoluir qualquer modelo federal para o princípio da igualdade dos Estados, uma vez que fica bloqueado o processo através de mecanismos de revisão absolutamente blindados, porque a Inglaterra, a França, a Alemanha e a Itália nunca permitirão que haja um reforço do método comunitário a partir da adopção das normas vigentes na Constituição europeia. Esta é a nossa diferença; não somos contra a Europa mas por uma Europa por caminhos diferentes.
Se o Sr. Deputado quer chamar a isto a esquerda da esquerda europeia, pois seja; cá estamos para o assumir!

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António José Seguro.

O Sr. José António Seguro (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Mais uma vez, o Plenário é convocado para falarmos sobre as questões europeias, desta vez por iniciativa do Bloco de Esquerda, que nos interpela com duas questões, uma, sobre a nossa posição face ao referendo e, a outra, sobre a nossa posição face ao projecto de tratado constitucional. Vamos responder a cada uma destas questões.
No que se refere à posição do Partido Socialista quanto à realização de um referendo, o PS é favorável à realização do referendo depois de conhecido o tratado e sem que para tal seja necessário proceder a qualquer revisão da Constituição.
Quanto ao conteúdo do tratado, a nossa posição é também bem clara: entendemos que, apesar das críticas a que está sujeito qualquer projecto que é negociado por 25 Estados-membros, este projecto corresponde, no essencial, aos desafios lançados na Cimeira de Nice e aos desafios plasmados na Declaração de Laeken. Por isso, se, hoje, tivéssemos, no Parlamento ou num referendo, de tomar uma posição sobre este projecto de tratado a resposta do PS seria favorável. Podíamos dar-vos várias razões para esta posição, mas escolhi algumas.
Primeira razão: este tratado inclui, pela primeira vez, uma carta de direitos fundamentais,…

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - … o que lhe dá força vinculativa, coisa que não acontece em nenhum outro tratado europeu.
Segunda razão: este projecto promove a coesão económica, social e territorial, o que faz a diferença com qualquer outro projecto de integração comercial em qualquer região do mundo.
Terceira razão: este projecto de tratado constitucional, logo no seu artigo 2.º, define valores com os

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quais o PS sempre esteve de acordo, como a dignidade humana, a necessidade de haver paz e prosperidade como condições indispensáveis para a realização do progresso social.
Quarta razão: este projecto de tratado clarifica e torna mais transparente a acção da União Europeia, em primeiro lugar, num texto único, que, como dizia Vaclav Havel, com o natural excesso e generosidade que caracteriza a imagem, até as crianças possam ler, e, em segundo lugar, delimita competências de uma forma muito clara - competências da União e dos Estados-membros -, em respeito por dois princípios essenciais, o princípio da subsidiariedade e o princípio da proporcionalidade.
Quinta razão: o reforço do papel dos parlamentos nacionais, que, pela primeira vez, podem interferir no processo de decisão através da fiscalização do princípio da subsidiariedade, sem que isso contribua para um bloqueio efectivo dessa mesma decisão.
Sexta razão: a cláusula de solidariedade, que permite, em casos de catástrofe humana ou de ataques de terroristas, que todos os Estados da União possam agir em defesa de um único Estado.
Sétima razão: com este projecto de tratado decide-se melhor. Hoje, é uma complicação explicarmos como se decide na União. O novo projecto introduz a dupla maioria qualificada - ainda que nós, Partido Socialista, preferíssemos a dupla maioria simples - e acaba com o sistema de ponderação de votos. Neste tratado, ao contrário do que o Bloco de Esquerda diz, esta alteração torna os Estados mais iguais, porque cada Estado tem um voto e não como acontece actualmente, em que Portugal tem 12 votos e, por exemplo, a Espanha tem 27 votos. Aliás, com isto cai pela base o argumento de que esta é uma luta entre grandes e pequenos, porque há, pelo menos, dois países grandes - a Espanha e a Polónia - que estão contra os outros cinco, precisamente porque este tratado lhes retira esse peso, com o fim do sistema de ponderação de votos.
Oitava razão: este tratado prevê, no artigo 43.º, as cooperações reforçadas; ou seja, reconhece-se que, se há Estados que querem cooperar e aprofundar e outros não, essa cooperação se possa fazer num marco institucional da União Europeia.
Nona razão: o famoso artigo 10.º. Também somos a favor deste projecto de Constituição porque clarifica o artigo 10.º. O primado do direito da União Europeia sobre o direito nacional faz parte do acervo comunitário desde 1962, através de acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.
Quando aderimos à União Europeia, na altura Comunidade Europeia, em 1986, demos concordância a esse acervo comunitário. Portanto, desde essa altura que o mesmo prima sobre o direito nacional e não tem havido nenhum problema. Os Srs. Deputados conhecem algum caso, nestes 17 anos de integração europeia, em que algum regulamento tenha prevalecido sobre a Constituição portuguesa? Se conhecerem, por favor, dêem-nos o exemplo.
Esta é uma discussão que só existe em Portugal e em algum outro país da União Europeia; é uma discussão que serve os interesses políticos e fornece argumentos aos mais populistas. Pois precisamente o facto de este artigo estar clarificado neste projecto de Constituição, em combinação com o artigo 5.º, que defende o núcleo essencial da identidade nacional de cada Estado-membro, é a melhor resposta que se pode dar aos nacionalistas.
Décima razão: em caso limite, este projecto de tratado prevê, pela primeira vez, que um Estado possa sair livremente da União, levados ao extremo os argumentos que já ouvimos aqui hoje, por exemplo, do Sr. Deputado Luís Fazenda, do Bloco de Esquerda. Hoje, os tratados europeus não referem a saída voluntária de um Estado da União. Ora, este tratado permite isso, apesar de a História da União Europeia demonstrar que são vários os Estados a quererem entrar, mesmo aqueles que geograficamente não são considerados europeus, e nenhum a querer sair.
Décima primeira razão: há transparência nas decisões do Conselho de Ministros quando ele delibera enquanto legislativo. Uma das características dos parlamentos é que devem deliberar, sobre a base de um debate prévio, de uma forma transparente, de modo a que os cidadãos possam acompanhar esse debate. Ora, hoje o que é que acontece? Acontece que o Conselho de Ministros delibera, mas à porta fechada. Ora, também neste aspecto, o projecto de tratado inova de forma positiva, e somos favoráveis a esta inovação, porque, quando delibera, o Conselho de Ministros deve abrir a sua porta à transparência, para uma melhor fiscalização por parte dos cidadãos europeus.
Décima segunda razão, entre muitas que podíamos encontrar para justificar a nossa posição favorável: a figura do presidente do Conselho Europeu não reforça o directório.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - A figura do presidente do Conselho Europeu torna mais eficaz a voz e a posição da Europa no mundo.
Aqueles que, como nós, entendem que há défice de Europa no mundo entendem que este presidente pode ajudar a colmatar esse défice; aliás, dever-se-ia ter ido mais longe. Pessoalmente, tenho a opinião,

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minoritária no interior do meu partido, que vai no sentido de juntar as funções executivas da União. Ou seja, as funções de presidente do Conselho Europeu e o da Comissão deveriam ser exercidas por um só. Mas dizer-se que este presidente contribui para o directório, honestamente, não é a avaliação mais criteriosa.
É por isso, Sr.as e Srs. Deputados, que este debate, hoje, não nos interpela apenas na nossa posição face ao referendo e ao projecto sobre o tratado constitucional, mas também é um desafio às nossas mentalidades. À mentalidade daqueles que têm a ideia do mundo onde só os Estados são actores e à mentalidade daqueles que, como nós, entendem que não há só Estados na sociedade internacional e que os povos também têm direito a participar, através da cidadania complementar, nessa sociedade internacional.
Este é um desafio às nossas mentalidades porque põe de um lado aqueles que têm uma "mentalidade monoteísta" quanto à soberania e do outro lado aqueles que - como nós, socialistas - entendem que não há apenas um nível de democracia e que com este projecto de tratado constitucional a democracia se alarga a um espaço mais amplo, onde não retira quaisquer direitos, apenas alarga o nosso espaço de poder exercê-los.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - É por isso que também fica claro, Sr.as e Srs. Deputados, que neste debate a propósito da Europa não há uma esquerda apenas: há várias esquerdas! E a esquerda à qual aqui dou voz é a esquerda que combate os nacionalismos, é a esquerda que não ficou parada no tempo, é a esquerda que tem uma visão universal do mundo e da construção política da própria União Europeia!

Aplausos do PS.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - "É a esquerda federalista", diga lá!

O Orador: - Queremos uma União Europeia onde seja possível, livremente, partilhar a soberania. E aqueles que entendem que é possível mais União Europeia sem partilha de soberania não querem uma coisa nem outra, porque esse é um exercício impossível.
Queremos partilhar aquela soberania que é partilhada por livre vontade e numa base de reciprocidade, para responder melhor aos problemas dos cidadãos, porque, na opinião do PS, só tem sentido falar em "Constituição europeia" ou num projecto de tratado constitucional se houver políticas, meios e recursos e as instituições puderem, com eficácia, solucionar os problemas dos cidadãos.
Hoje, temos problemas comuns, então, por que é que não havemos de dar respostas comuns? Algum Sr. Deputado, nesta Câmara, entende, em consciência, que se podem resolver os problemas do ambiente sem políticas comuns ao nível da União Europeia? Algum dos Srs. Deputados entende que se podem resolver e combater o tráfico de seres humanos ou a criminalidade organizada se não houver políticas comuns a um nível transnacional?
É que o Estado-Nação, tal como foi começado a construir há vários séculos atrás, tem vindo a ser crescentemente formal no que diz respeito à sua própria soberania e hoje há necessidade de partilharmos essa soberania a um plano transnacional. É desse lado que estamos: do lado dos que livremente aceitam que há hoje necessidade de um nível político transnacional, dotando-o de meios, de competências, numa base recíproca, para responder melhor aos problemas dos cidadãos.
Dizemos, com muita clareza, que, nesta matéria, há quem prefira as fronteiras, quem continue arreigado às fronteiras, mas - como dizia o poeta, e bem! - nós, socialistas, preferimos os caminhos às fronteiras. É neste caminho da integração política que estamos e queremos que Portugal, estando o PS na oposição ou no governo, continue no núcleo central da construção e do aprofundamento político da União Europeia.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!

Risos do Deputado do PCP Jerónimo de Sousa.

O Orador: - Há Deputados que ficam contentes com um mercado e uma moeda única, e para eles chega da Europa. Não é esse o nosso posicionamento. Entendemos que esta Europa tem de ser uma Europa política, uma Europa social e foi por isso que demos um grande contributo quando, na Cimeira de Lisboa, foi aprovada a estratégia de Lisboa - que também tem consagração ao nível dos seus princípios neste projecto de tratado constitucional.
E digam-me, Srs. Deputados, perante tantos ganhos, deitaríamos fora esta oportunidade, ficaríamos

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fora da construção política dessa União Europeia?
Entendemos que é este o caminho que devemos trilhar: um caminho de cidadania inclusiva e não um caminho de cidadania exclusiva. É assim que estamos neste debate. Mesmo que esta causa possa, por momentos, ser menos entendida do que alguns populismos que já grassam na nossa sociedade civil. Manter-nos-emos firmes, porque o PS tem uma história que se confunde com a própria história da participação de Portugal na construção europeia. E essa história não nos envergonha; honra-nos, porque foi nessa história que todos os nossos líderes se envolveram!
É por isso que aqui, neste Parlamento, e lá fora dizemos "sim" ao referendo não de uma forma defensiva mas como europeístas convictos que têm uma visão diferente do mundo, que não pararam no tempo e que preferem, como referi, os caminhos às fronteiras.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para solicitar esclarecimentos ao Orador, o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António José Seguro, o Bloco de Esquerda veio a este debate preparado para todos os argumentos menos para aquele que aqui nos apresentou: o de que a Constituição europeia é tão maravilhosa que este volume de 465 artigos podia ser lido, com enlevo, por qualquer criança…!
É também extraordinário, Sr. Deputado, que nos diga que é em nome da democracia que esta Constituição é feita - pois ela não é resultado de um processo constituinte que não foi democrático?!…
Vê o Sr. Deputado legitimidade constituinte democrática na única Constituição que é feita sem constituintes democraticamente eleitos com o mandato de representarem pontos de vista que conduzam ao resultado constitucional? A legitimidade da Constituição Portuguesa, da espanhola, da francesa, da americana ou de qualquer outra reside, exactamente, nesse fundamento que este projecto constitucional não tem!! Poderá ser belo, poderá ser passível de ser lido com encanto, como uma história infantil, por qualquer criança, mas democrático é que ele não é!!

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - Não é democrático! É uma fraude à democracia!
E digo-lhe mais: qualquer europeísmo acrítico transforma-se num anti-europeísmo suicidário, porque não tem a elevação de chegar ao ponto fundamental, que nunca pode dispensar, que é a democracia europeia.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - No entanto, deu-nos aqui a notícia de que quer o referendo sem revisão constitucional, o que tem uma consequência - e certa - que é que não há referendo no dia 13 de Junho,…

O Sr. António Costa (PS): - Isso não há!

O Orador: - … mas uma outra, sobre a qual o Partido Socialista não se pronunciou ainda, que é a de que, não havendo revisão constitucional, não há, necessariamente, qualquer referendo sobre o tratado no seu conjunto. Isso deixa-lhe a si, Sr. Deputado, a obrigação de nos explicar qual é, então, a pergunta do referendo, sobre que tema, de que trata o referendo.
O PS não pode falar de referendo sem nos dizer sobre que é que se referenda a escolha - e, enquanto não o disser, são meras palavras abstractas e ambíguas. Diga-nos sobre que é que quer o referendo e assim nos entenderemos!
Referiu o artigo 10.º - aí, o Partido Socialista tem de saber o que quer. Há três dias atrás, o Comissário António Vitorino veio dizer que está convicto de que o Direito europeu tem primazia sobre a Lei Fundamental portuguesa, ou seja, a Constituição Portuguesa. E se tem primazia o Direito Constitucional, mas incluindo também as normas do Banco Central Europeu, incluindo o Direito ordinário europeu, incluindo todas as normas avulsas do Direito ordinário europeu, então, o Sr. Deputado tem de explicar por que é que não há contradição no artigo 10.º!!… Não pode é dizer uma coisa e outra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

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O Orador: - O Presidente do seu grupo parlamentar, António Costa, explicou-nos aqui, quando perguntámos se o Direito Constitucional europeu prima sobre o Direito Constitucional português, que a resposta é "sim". O Sr. Deputado disse agora "não".
Ora bem, entendam-se e expliquem, porque, se prima sobre a Constituição Portuguesa, o seu entendimento do artigo 10.º é, evidentemente, uma entorse a qualquer explicação racional daquilo que estamos aqui a discutir.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado António José Seguro.

O Sr. António José Seguro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, primeiro, diz que este processo não é democrático…
Como é que os tratados europeus têm sido revistos?

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Isto é uma Constituição!

O Orador: - Se o Sr. Deputado Francisco Louçã quer responder à sua própria pergunta, faça favor.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não quer!! Quer que eu responda? Muito bem. Vou responder.
Sr. Deputado Francisco Louçã, como é que os tratados são revistos? Juntam-se uns diplomatas, numas salas onde ninguém os ouve nem vê, elaboram a proposta e depois apresentam-na à conferência intergovernamental. Desta vez, houve uma Convenção composta por colegas seus, em que, pela primeira vez, as dimensões parlamentares nacional e europeia estiveram presentes - e o senhor considera que a primeira é democrática e a segunda não é democrática.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Não!

O Orador: - Ou seja, a característica da democracia é quando os parlamentos não participam. Quando os parlamentos participam, o senhor diz que não é democrático.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Francisco Louçã (BE): - É quando o povo vota!

O Orador: - Sr. Deputado Francisco Louçã, devo dizer-lhe que este processo de preparação foi muito mais democrático do que todos os anteriores.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Foi transparente, participaram parlamentares - e não venha dizer que os quatro parlamentares que participaram em representação deste Parlamento não têm legitimidade democrática para o fazer.
Mais: nunca, a propósito de qualquer outro tratado, houve tanto debate na Assembleia da República, quer por iniciativa própria, designadamente do Sr. Presidente, quer por outras iniciativas.
A segunda nota tem a ver com a questão das nossas diferenças. Sr. Deputado Francisco Louçã, há diferenças entre nós!
Uma das coisas que conduz à desafectação política nas democracias modernas é não haver diferenças, pois os eleitores não têm por onde escolher. Agora, os eleitores têm por onde escolher! Nós somos diferentes! Os senhores, neste tratado, são contra e nós somos a favor, pelas razões que os senhores invocaram e que nós invocámos.
Nós entendemos que a maneira de responder à globalização é com mais regulação política e a nossa participação no núcleo central dessa regulação política através da Europa. Os senhores consideram que a maneira de responder à globalização é com manifestações de rua. Têm todo o direito! Não é a nossa maneira de estar na política.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - A terceira nota tem a ver com o referendo.
Sr. Deputado Francisco Louçã, talvez me tenha expressado mal, mas gostava de dizer-lhe que, quanto ao referendo (e nesses exactos termos eu lhe disse), da nossa parte, não há necessidade de rever a Constituição no que diz respeito à data. Ou seja, por nós, não é preciso ir a esse nível para a realização do referendo.
Daí que a sua pergunta não deve ter como interlocutor o PS, mas o PSD. E não percebemos por que é que o Bloco de Esquerda, nesta matéria europeia, em vez de ter como interlocutor para a realização do referendo o PSD, que exige a revisão da Constituição, tem o PS - o que dá razão ao Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins que diz que este debate não é tanto para fazer o referendo mas, sim, para os senhores arranjarem um argumento para ver se têm mais uns votos nas próximas eleições europeias.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E devo dizer, para terminar, Sr. Deputado Francisco Louçã, que essa é uma coisa que me magoa, porque reconheço em muitas das práticas do Bloco de Esquerda, podendo discordar em relação ao seu conteúdo, muita seriedade e alguma coerência,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Se calhar, está enganado…!

O Orador: - … mas nesta matéria, honestamente, os senhores estão a perder o vosso tempo, porque o PS é a favor do referendo, tal como os senhores, sem necessitar de rever a Constituição.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção no debate, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Duarte.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Iniciarei, se me permitem, com um ponto prévio que antecipa a discussão do projecto de resolução que o Bloco de Esquerda hoje apresenta, nesta Câmara.
Gostaria de começar esta intervenção afirmando, de forma clara e totalmente inequívoca, que o Partido Social-Democrata considera útil e pertinente a realização de um referendo sobre a construção europeia no nosso país se, tal como alguns indicadores bem indiciam, forem dados passos importantes nessa mesma construção com a aprovação de um novo tratado europeu a imanar da conferência intergovernamental que actualmente está a decorrer.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Podemos apresentar dois fundamentos muito objectivos para termos esta posição clara: um doutrinário e um substantivo.
O fundamento doutrinário prende-se com a opção histórica que o Partido Social-Democrata sempre assumiu relativamente aos referendos. Desde Francisco Sá Carneiro, desde os primórdios da nossa democracia que o PSD assumiu o referendo como um instrumento de consulta democrática que deveria, em determinadas circunstâncias, ser devidamente exercido.
Fomos, de facto, os primeiros a defender o referendo contra, aliás, o pensamento dominante próprio dos tempos revolucionários que vivemos. E assim nos fomos mantendo, sem tibiezas, até 1989: a defender o referendo, contando, até à altura, com a oposição veemente de toda a esquerda.
Finalmente, em 1989, vários anos após a revolução de Abril, foi possível, por proposta do PSD, constitucionalizar o instituto e o recurso ao referendo, tendo mais tarde, já em 1997, também por iniciativa do PSD, sido possível sujeitar a esses mesmos referendos matérias e questões internacionais.
Igualmente, quando nos recordamos das duas experiências referendárias que tivemos no nosso país, nos podemos orgulhar, o Partido Social-Democrata, pelo facto de as mesmas terem ocorrido por nossa iniciativa contra a vontade, também na altura, do pensamento dominante na esquerda, que, aliás, em tantos casos, ainda hoje se arrepende da realização dos mesmos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por tudo isto, o PSD não recebe lições em matéria de referendos. Por tudo isto, o PSD sente-se à-vontade para afirmar que nos aproximamos do momento adequado para questionarmos os

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portugueses sobre a Europa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A coerência das posições que sempre assumimos e a firmeza doutrinária em que estas assentam jamais nos farão correr atrás de oportunismos políticos; terão, contudo, como consequência óbvia que não fugiremos, nunca!, à consulta dos portugueses.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - De igual modo, para além deste fundamento histórico doutrinário, poderemos trazer aqui um fundamento substantivo e circunstancial para esta nossa posição.
Os dados que hoje temos em cima da mesa indicam que, no curto prazo, estaremos perante importantes alterações no nosso processo de integração europeia.
A realização de uma Convenção para o Futuro da Europa, a adopção, nessa mesma Convenção, de um projecto de tratado constitucional e o início da Conferência Intergovernamental, que tem como escopo a adopção de um novo tratado europeu, levam-nos a crer que nos aproximamos do momento adequado para consultar os portugueses. Isto porque, de facto, os portugueses não podem passar ao lado de importantes passos na construção europeia que, inevitavelmente, terão consequências, quer na sua vida quotidiana quer na nossa vida nacional.
Na nossa óptica, o referendo poderá ser a melhor forma de envolver os portugueses nesta evolução, colocando-os perante questões concretas, chamando-os para um debate nacional que se quer profundo, que se quer esclarecido.
Temos esta posição também porque, apesar de não subsistirem dúvidas sobre o apoio generalizado da população portuguesa ao processo de integração, à nossa participação europeia, há momentos, há circunstâncias e há decisões que carecem de um reforço de legitimidade que, na verdade, poderá ser bem conseguido através de um referendo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Foi precisamente por todas estas razões que o Partido Social-Democrata, já no passado mês de Outubro, sufragou, em Conselho Nacional, esta mesma opção. Foi também com esses pressupostos que, neste mesmo Hemiciclo, durante o debate mensal com o Primeiro-Ministro, ocorrido no passado mês de Outubro, o próprio Governo, pela voz do Sr. Primeiro-Ministro, assumiu de forma clara a sua posição. E é uma opção muito clara.
Se verificarmos uma alteração, uma evolução dos pilares estruturantes da nossa integração europeia, deveremos consultar os portugueses, sendo que, na nossa óptica, pesando todos os prós e todos os contras, o melhor momento para realizar esse mesmo referendo será o dia das próximas eleições para o Parlamento Europeu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No que diz respeito à questão concreta que aqui nos traz hoje, isto é, ao projecto de resolução que o Bloco de Esquerda apresenta a esta Câmara, importa afirmar, com total respeito mas sem qualquer hipocrisia, que o consideramos totalmente descabido no tempo e no modo.
Consideramo-lo descabido no tempo porque, obviamente, não faz sentido consultar os portugueses sobre algo que todos ainda desconhecemos. Seria um referendo virtual, uma espécie de "jogo do adivinha" que resultaria somente de uma jogada política de um partido da oposição.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A realidade é que o que foi aprovado na Convenção para o Futuro da Europa foi um mero projecto sem qualquer carácter definitivo, sem qualquer carácter vinculativo.
Quem, felizmente, tem competência e legitimidade para elaborar um novo tratado é o conjunto de governos e de Chefes de Estado que representam a totalidade dos Estados-membros da União Europeia. Ora, neste momento, estão a decorrer conversações e negociações no seio da Conferência Intergovernamental. Logo, como é óbvio, seria perfeitamente extemporâneo, completamente inoportuno, estar a decidir hoje matérias relativas a um referendo com pressupostos que manifestamente desconhecemos.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, as questões que hoje estão em cima da mesa poderão não ser as que, eventualmente, estarão amanhã, quando se concluir a Conferência Intergovernamental, assim como amanhã poderemos ser confrontados com determinadas questões relevantes que hoje ainda não se vislumbram.
Como disse, discordamos deste projecto de resolução, não só no tempo como também no modo. De facto, o mesmo coloca questões avulsas, escolhidas sem qualquer critério e sem qualquer razoabilidade. Parte do princípio de que as três questões elencadas no projecto de resolução são "as grandes escolhas do tratado constitucional". Ora, discordo dessa visão.
Vamos às questões concretas que nos são apresentadas.
A primeira diz respeito à suposta instituição de uma Constituição europeia e ao seu primado sobre a Constituição da República Portuguesa. Quanto a isto, apraz-me fazer duas observações.
Em primeiro lugar, considero errado que se fale em Constituição europeia a propósito de uma matéria que, manifestamente, pode induzir em erro os portugueses. A esse respeito, não há qualquer alteração que não seja de semântica. Do que estamos a falar é de um tratado europeu.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A alusão a uma Constituição europeia pode ser entendida como manifestação de uma Constituição material que já hoje existe para todos os efeitos. A esse respeito, não há qualquer alteração do ponto de vista formal.
O projecto de resolução erra por uma segunda razão quando se refere ao eventual primado de uma suposta Constituição europeia sobre a Constituição da República Portuguesa.
Devo dizer que, desde a nossa adesão à então Comunidade Económica Europeia, esse primado do Direito Comunitário impõe-se sobre o Direito nacional. Também aqui não há qualquer alteração, qualquer outra evolução. Portanto, esta questão peca manifestamente por estar errada também no modo e não só no tempo.
Passemos à segunda questão que nos interroga concretamente sobre a criação do cargo de Presidente do Conselho Europeu em substituição de presidências rotativas. Ora, isto também induz claramente em erro os portugueses. É que se, eventualmente, vier a verificar-se a adopção em tratado do que está no projecto de Constituição europeia, então, do que estamos a falar é da manutenção da rotatividade, por exemplo, dos conselhos sectoriais. Ora, isso não está expresso na pergunta que é formulada pelo Bloco de Esquerda.
Por outro lado, este projecto de resolução traz à colação uma alteração pontual que, eventualmente, poderá vir a verificar-se mas esquece outras igualmente importantes.
Assim, pergunto: se, por acaso, vier a verificar-se a adopção de um novo cargo de Presidente do Conselho Europeu com funções, até simbólicas, de coordenação das reuniões de trabalho e se, paralelamente, for adoptado o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros da Europa - aí, sim, com funções muito concretas de representação e até de condução da política externa europeia -, considera o Bloco de Esquerda que a pergunta adequada a colocar aos portugueses é sobre a figura do Presidente do Conselho Europeu, esquecendo as matérias relativas à criação do cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros da Europa? Até nisto se prova a extemporaneidade e a leveza com que este projecto de resolução foi elaborado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Vamos à terceira e última questão.
"Concorda com o aumento de atribuições e poderes da União Europeia no domínio da defesa?" - é esta uma pergunta que o Bloco de Esquerda nos propõe.
Ora, no projecto que actualmente está em cima da mesa, não vislumbro qualquer aumento de atribuições e poderes da União Europeia em matéria de defesa. Vejo, sim, que há uma preocupação no sentido de haver uma melhor gestão, uma melhor coordenação e coerência no sistema actualmente vigente.
Até percebo onde quer chegar o Bloco de Esquerda com esta pergunta. Assim, digo-lhe que, provavelmente, a minha resposta a uma pergunta deste género seria "sim", tal como seria "sim" a resposta à mesma por parte do Bloco de Esquerda. Ora, temos visões completamente distintas sobre o que devem ser as competências e os poderes e o que deve ser a condução da política de defesa da União Europeia.
Provavelmente, os senhores defendem uma Europa contra a Aliança Atlântica. Quanto a nós, defendemos uma maior cooperação, um reforço, uma melhor gestão dos poderes da União Europeia em matéria

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de defesa para, complementarmente com a Aliança Atlântica, todos podermos ser fortes nesse domínio.
Portanto, também pelo que acabei de expor vê-se que as perguntas propostas não fazem qualquer sentido.
Reconheço e percebo os objectivos e os intuitos do Bloco de Esquerda ao trazer aqui, hoje, esta matéria, mas permitam-me que vos diga que o único mérito que encontro nesta iniciativa é, de facto, o da originalidade. Ninguém mais, no nosso país, ninguém mais, na Europa, conseguiu lembrar-se desta originalidade brilhante, muito criativa, de querer fazer perguntas aos portugueses sobre algo que manifestamente ainda é desconhecido. Não há ninguém que queira fazê-lo, quer em Portugal quer na Europa.
Portanto, deixo uma reflexão, se calhar, não para Bloco de Esquerda, porque os seus objectivos serão conquistados seja qual for o resultado da nossa discussão de hoje, mas para todos os portugueses.
Será por acaso que os partidos que desde a nossa adesão têm estado no chamado "arco europeu" da nossa Nação estão manifestamente contra esta opção? Será por acaso que a generalidade dos Estados-membros está contra esta opção?
Deixo esta reflexão aos portugueses, para que percebam, sem qualquer dúvida, que o que de facto move o Bloco de Esquerda é, mais uma vez, por mero oportunismo político, tentar "tirar um coelho da cartola", tentar uma jogada política para daí tirar dividendos eleitorais.
Pela nossa parte - e, felizmente, podemos dizer que connosco está o CDS, está o Partido Socialista -, estamos aqui com sentido de responsabilidade e não brincaremos com estas matérias.
O futuro da Europa é o futuro de Portugal, é o futuro de todos nós.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Não brincamos com estas questões. Estamos aqui com seriedade, com sentido de responsabilidade. Por isso, naturalmente, não vamos aprovar o projecto de resolução apresentado pelo Bloco de Esquerda.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, gostava de começar por assinalar esta manifestação de convergência entre o PSD, o PS e o CDS-PP que o Sr. Deputado Pedro Duarte acabou de enunciar. Aliás, bem-vindo seja o CDS-PP a este tão alargado arco de convergência!… Não sei é se o Partido Socialista se sentirá confortável nesta tão ampla "irmandade"…
Sr. Deputado, devo lembrar-lhe que, há uns dias, o Sr. Primeiro-Ministro, líder do seu partido, referiu algo de extrema gravidade que, infelizmente, tem passado um pouco à margem da discussão política e que tem tudo a ver com que estamos a discutir hoje.
Disse o Sr. Dr. Durão Barroso que a lei matricial deste País, a Constituição por que nos regemos, que somos obrigados a respeitar, é uma Constituição amputada na sua legitimidade porque foi instituída - aí, sim, através de um processo constituinte - numa altura em que a democracia estava "amputada".
Pois devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que, infelizmente, esta atitude de reserva em relação à soberania popular, que se manifesta em muitas ocasiões por parte do PSD e do CDS-PP, está em continuidade com a vossa posição face às questões europeias e à Constituição europeia.
Devo dizer-lhe, aliás, Sr. Deputado, que oportunismo político é afirmar, com tanta aparência de seriedade, que seria no dia 13 de Junho que os senhores queriam a realização de um referendo, caso houvesse alterações significativas.
Quanto ao projecto de revisão constitucional subscrito pelo PSD e pelo CDS-PP, que alguns, mais benévolos, dizem ser um projecto de fusão dos dois partidos enquanto outros dizem tratar-se de um projecto de submissão do PSD ao CDS-PP, é ou não verdade que os senhores dizem que farão a incorporação da Constituição europeia, seja qual for o resultado de qualquer referendo? Os senhores dizem: "Faremos a incorporação das alterações que a Constituição europeia traz, ponto final." De facto, os senhores não gostam de perguntas, não gostam de questionar a realidade. Os senhores têm as respostas e dão-nas de antemão. Sr. Deputado, gostava, pois, de ouvir alguma resposta quanto a isto, mas que não seja uma resposta antecipada e pré-fabricada.
Gostava de colocar-lhe uma outra pergunta que tem a ver com questões eminentemente técnicas.
Os senhores dizem: "dia 13 de Junho para o referendo". Ora, para que a realização do referendo seja possível - e é uma questão de observância dos prazos fixados em lei -, é fundamental que o projecto de referendo esteja pronto no mês de Fevereiro e, ainda, que a revisão constitucional esteja pronta Janeiro.

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Sabemos que tal é virtualmente impossível.
Diga-me, pois, Sr. Deputado, como é possível continuar a defender, com aparência de seriedade e sem qualquer manifestação de oportunismo, que os senhores desejam, de facto, um referendo no dia 13 de Junho?
Permita-me dizer-lhe que o que os senhores manifestam com estes artifícios políticos é, acima de tudo, um profundo medo, um profundo receio. Medo e receio perante a livre expressão da soberania popular.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Duarte.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Teixeira Lopes, agradeço as suas questões e deixe-me começar pelo fim para arrumarmos desde já esta matéria.
Como disse na minha intervenção, não recebemos lições. Não estamos aqui para dá-las, mas, repito, não aceitamos receber lições de democracia por parte da esquerda, muito menos no que diz respeito ao instituto do referendo - e perdoar-me-á.
Temos um papel histórico, doutrinário, que fala por nós. Foi por nossa iniciativa que houve referendos no nosso país. Também agora fomos os primeiros a apresentar uma proposta concreta de um referendo sobre a Europa, portanto, não percebemos a intervenção do Sr. Deputado. Melhor, até posso justificá-la: perante a carência de outros argumentos, têm de recorrer a ideias pré-concebidas para tentar apagar a falta de outras questões mais relevantes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Vá às questões concretas!

O Orador: - Concretamente, em relação às questões que levantou, o Sr. Deputado começou por manifestar algum desconforto com alguma convergência que existe nesta matéria entre os partidos do arco europeu, o Partido Socialista, o CDS-PP e o PSD.
Devo dizer-lhe que, felizmente, esta é uma matéria que tem sido apanágio da nossa democracia desde o seu início. Temos tido sempre a preocupação de, conjuntamente, termos o sentido de Estado e de responsabilidade e colocarmos estas questões acima de interesses partidários. É o interesse nacional que está em causa, pelo que se impõe aqui uma palavra conjunta, forte e coesa, das diferentes forças representativas partidárias do nosso país. Felizmente, isso tem sido conseguido com esses três partidos do arco da governação do nosso país e do arco europeu.
Aliás, devo dizer - porque foi aqui recordado - que, há pouco, fui injusto com o Bloco de Esquerda, porque disse que eram os únicos a defender isso em Portugal e na Europa. Confesso que desconhecia - disseram-me agora, aqui - que, ao que parece, há um outro partido no nosso país, o Partido da Nova Democracia, que defende o mesmo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso é que estranho que o Bloco de Esquerda e o Partido da Nova Democracia estejam precisamente do mesmo lado a defender, exactamente, os mesmos pressupostos para o referendo europeu.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Relativamente à questão que colocou sobre o projecto de revisão constitucional do PSD e "a incorporação da Constituição Europeia na Constituição da República Portuguesa" - penso que foi assim que referiu -, digo-lhe o seguinte: o que se passa é aquilo que já se passou noutros momentos, isto é, que a Constituição da República Portuguesa tenha condições para incorporar alterações ao nosso Tratado da União Europeia, como sempre aconteceu no passado, salvaguardando, obviamente, aquilo que são os princípios basilares da nossa democracia.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, perdoar-me-ão a frontalidade, mas não tentem inventar fantasmas

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onde, de facto, eles não existem.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Aquilo que está a ocorrer nesta matéria não é qualquer inovação e não pode ser isso que fundamenta a realização do referendo. Há outras questões que já aqui apresentei e que outros partidos já aqui apresentaram que, essas sim, são relevantes e merecem ser colocadas à consulta dos portugueses.
O Sr. Deputado referiu por último que "era virtualmente impossível realizar o referendo no dia 13 de Junho". Os Srs. Deputados podem apresentar-me todos os argumentos, mas não aceito esse da falta de tempo.
Poderão dizer que há, isso sim, falta de vontade política por parte da oposição para realizarmos o referendo no dia 13 de Junho.
Sr. Deputado João Teixeira Lopes, diga aqui que aceita o referendo no dia 13 de Junho…

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Não!

O Orador: - Lá está o Sr. Deputado Francisco Louçã a dizer que não, diga que sim, Sr. Deputado, e se o Partido Socialista disser que sim garanto-lhe que vamos ter o referendo no dia 13 de Junho.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, queria pedir-lhe, uma vez que há manifesta ignorância por parte do Sr. Deputado Pedro Duarte,…

Vozes do CDS-PP: - Isto é insuportável!

O Orador: -… que distribuísse às bancadas um apontamento, que lhe disponibilizo, acerca dos prazos legais da revisão da Constituição, da revisão da Lei Orgânica do Referendo e das iniciativas do Presidente da República e do Tribunal Constitucional para que seja possível um referendo no dia 13 de Junho.
O Sr. Presidente verificará que, a não ser que a revisão constitucional termine os seus trabalhos em Janeiro, essa proposta não é passível de ser viabilizada legalmente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, recebo o seu requerimento e enviarei esse documento, mas quem é que lhe garante que não se faz a revisão constitucional em Janeiro?…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O debate sobre o futuro da União Europeia tem hoje em dia especial importância, pois discute-se o projecto de tratado que estabelece uma Constituição para a Europa, bem como a hipótese de o vir a submeter a referendo.
Queria, em nome do CDS, saudar o facto de, mais uma vez, este tema estar a ser discutido nesta Câmara representativa de todos os portugueses.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sobre a participação de Portugal na União Europeia não posso deixar de salientar que esta deve ser uma opção firme por parte do nosso Estado.
Há um conjunto de circunstâncias na nossa política externa que deve ser assumido. O passado recente, o presente e o futuro têm em comum a vocação atlântica e a inserção europeia e será sempre dentro desses dois espaços, correspondentes a opções estratégicas vitais, que o Estado português e a sua política externa deverão assumir as suas características específicas, como, desde logo, a possibilidade de uma relação preferencial com os Estados de língua oficial portuguesa.
A participação de Portugal na União Europeia não deve ser posta em causa uma vez que, para além de ser um facto natural, deve ser incentivada na busca da satisfação de objectivos comuns a todos os europeus. Temos de buscar uma Europa que não seja apenas um mercado único mas também um espaço de

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liberdade, segurança, justiça e igualdade entre os Estados e os vários europeus.
Considero que estes objectivos não só são positivos como devem ser alcançados, por via dos meios concedidos na organização internacional que hoje estamos a discutir.
Quanto ao referendo não o defendemos apenas hoje, pois, sempre que estejam em causa opções fundamentais, a solução deve ser a da maior participação possível.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, já na altura da ratificação dos Tratados de Maastricht e de Amesterdão se deveria ter colocado aos portugueses um conjunto de questões fundamentais.
Não é pelo facto de se considerar que as opções são correctas que se deve fugir da opinião dos vários cidadãos, pois uma Europa forte será aquela em que os seus cidadãos têm a maior participação possível. Mas o projecto de resolução do Bloco de Esquerda levanta um conjunto de dúvidas que devem ser analisadas com especial minúcia.
Em primeiro lugar, o tempo em que se deve fazer a consulta; em segundo lugar, as matérias que deverão ser objecto de questões.
Comecemos pela data: não sendo a principal matéria em discussão, é, seguramente, essencial para que o referendo não redunde num fracasso. Para isso, tem de existir participação - um referendo sem participação elevada pode ser considerado uma paródia - e deve ser efectuado numa altura em que já existam bases sólidas para se poderem produzir perguntas.
Ora, nada disto seria assegurado se o referendo se realizasse em tempos próximos ou se fosse realizado "já", utilizando as palavras do Bloco de Esquerda.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - A solução que à partida poderia gerar uma maior participação e informação parece ser a da sua realização, em simultâneo, com as eleições europeias.
Será naturalmente a altura que se facilita a maior participação e em que os portugueses estarão, obviamente, mais informados e interessados sobre estas matérias.
Os partidos irão centrar os seus discursos nas suas opções europeias e mesmo que se corra o risco de uma certa partidarização do referendo é possível que o risco valha a pena. A participação e a informação são valores superiores que, naturalmente, poderão prevalecer.
Existe quanto esta matéria um obstáculo constitucional: a maioria pretende a sua remoção e temos muita esperança de que os restantes partidos queiram ajudar a resolver este problema a bem da maior participação dos portugueses no processo evolutivo da União Europeia.
Agora, aquilo que não poderemos permitir é um referendo extemporâneo - o tal "referendo já" -, pois os dados do projecto de tratado, como se viu este fim-de-semana, ainda estão longe se estar cristalizados. As alterações estão a ser concertadas, o texto não é definitivo e apenas sobre esse se deve centrar o referendo.
Não se preocupe o Bloco de Esquerda porque nunca estaremos perante "um plebiscito ratificatório de um facto consumado" - como disse o Prof. Fernando Rosas. É que o processo de vinculação internacional não termina com as negociações ou mesmo com a assinatura do tratado; passa sempre por um processo interno de aprovação e ratificação e só nessa altura é que o referendo tem razão de ser.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Se fossemos pela solução proposta pelo Bloco de Esquerda teríamos, muito possivelmente, um referendo sobre uma realidade meramente virtual.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, é altura de olhar para as questões colocadas neste projecto de resolução: a primeira refere-se ao valor do tratado constitucional em relação à Constituição Portuguesa, mas este problema passa por um conjunto de equívocos.
De facto, nesta matéria tem de se atender a toda a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades; tem de se atender à existência, há vários anos, de competências exclusivas dos Estados e da União Europeia; e tem de se atender às próprias necessidades de sobrevivência desta. O que se diria se um Estado, seja o Luxemburgo, a França ou a Alemanha determinassem por via constitucional o retorno à sua moeda? Seria aceitável?
Com isto não se nega a necessidade de defender os valores constitucionais e políticos fundamentais de cada Estado-membro. Esses devem ser um obstáculo absoluto, como se prevê, aliás, no artigo 5.º do projecto de tratado.

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A segunda questão é relativa ao aparecimento do Presidente do Conselho Europeu.
Será uma questão essencial? Será fundamental? E o que dizer da formulação proposta em concreto em que se refere o aparecimento do cargo "em substituição das presidências rotativas"? É uma formulação que indicia uma tendência por parte de quem pergunta, o que não é aceitável.
As perguntas devem ser neutras. Não são panfletos por parte de quem as propõe.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, este facto já levou a divisões claras, por exemplo, entre o Partido Socialista e o Bloco de Esquerda, quando ouvimos o líder parlamentar do Partido Socialista dizer que àquelas perguntas responderia "sim", "sim", "sim" e o Sr. Deputado Francisco Louçã dizer que responderia "não", "não", "não".

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Ao retomar a segunda questão, a preocupação deve ser, antes, a de informar os portugueses sobre as competências deste Conselho Europeu. E estas são essencialmente de dinamização do Conselho Europeu, onde se encontram - é bom dizer-se - os vários chefes de Estado ou de Governo dos Estados-membros, de preparação das suas reuniões e de informação ao Parlamento Europeu.
Por fim, a terceira questão sobre as competências da União Europeia em matéria de defesa demonstram o quanto é irrazoável fazer o referendo já.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Essa matéria caminha num sentido que gera um amplo consenso nesta Câmara e, acredito, no País.
Para desagrado do Bloco de Esquerda junta a vertente atlântica e a vertente europeísta; faz, já depois do aparecimento desta resolução do Bloco de Esquerda, uma síntese daquelas que devem ser as vertentes essenciais de uma boa política de defesa.
Com isto não se nega que se devam colocar algumas questões, como, desde logo, uma primeira relativa à vontade dos portugueses de aprofundarem a integração europeia. Outras mais concretas também podem aparecer, como, por exemplo, relativas ao funcionamento institucional - desde logo, da Comissão Europeia, em que também no último fim-de-semana surgiram boas notícias, ou sobre a forma de cálculo da maioria qualificada.
Mas ainda é preciso esperar para estabelecer as formulações das perguntas em concreto. Diria, até, que é preciso saber esperar, informando, debatendo e auxiliando o Governo na sua tarefa na CIG.
O que não se deve é caminhar para a intoxicação da opinião pública com falsas questões. Devemos estar alerta para os verdadeiros problemas que aparecem, como seja a possibilidade de formação de um directório de Estados, algo que surge, fundamentalmente, por práticas que algumas delas violam até o direito comunitário.
Os Estados de maior dimensão, só por o serem, não devem tentar impor o seu interesse nacional ou a sua visão do mundo ou das relações internacionais. O princípio fundamental deve ser o do respeito pelos interesses da própria União Europeia e da comunidade que a compõe.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - A União Europeia deve caminhar num sentido de acentuação de uma ideia de igualdade entre os Estados. Uma igualdade em que, obviamente, também se respeitem as várias circunstâncias concretas presentes. Mas isso não pode permitir a usurpação por alguns de um espaço que é comum, até porque nos dias de hoje o conceito de soberania deve ser entendido de forma diferente. Não se pode estar ainda nos postulados iniciais de Jean Bodin.
Hoje, a soberania deve ser exercida num contexto mais global, em que as organizações internacionais assumem um papel essencial. De nada vale a soberania se exercida como há dezenas de anos atrás.
Como bem afirmou Francisco Lucas Pires, "a soberania não se perde quando é partilhada". Partilhada por todos e não apenas por alguns, digo hoje.
É esse o grande desafio que hoje se coloca: permitir que todos os Estados na União Europeia partilhem soberania. Dessa forma, a União Europeia será o espaço de democracia, liberdade, segurança, justiça e desenvolvimento para o qual todos devemos contribuir.

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Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, é do conhecimento da Câmara que o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda usou a prerrogativa regimental de requerer a votação do projecto de resolução em discussão no final do debate. Portanto, comunico a todos - já o mandei assinalar no ecrã da televisão - que teremos de fazer a votação reunindo os requisitos habituais.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, anoto que, discreteando sobre eventuais perguntas do referendo, a única pergunta concreta que formulou sobre esse aprofundamento da integração europeia por acaso foi "chumbada" pelo Tribunal Constitucional há alguns anos! Portanto, ela vale o que vale, tem o rigor e a história jurisprudencial negativa que merece ser assinalada.
Vou ser muito objectivo no uso da palavra para que tenhamos, de facto, um debate conclusivo.
O Sr. Deputado falou da realização de um referendo a 13 de Junho, mas já todos sabemos que tal obrigaria a uma maioria de dois terços dos Deputados num processo de revisão constitucional, para a qual o Partido Socialista não anui. E, mesmo que isso viesse a acontecer, implicaria ainda a alteração da Lei Orgânica do Regime do Referendo, para além de todo o processo de convocação do referendo.
Vamos supor que tudo isso acontecia. Mesmo nessas circunstâncias, de acordo com a sua hipótese, o referendo é convocado antes de os trabalhos do Tratado estarem concluídos.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - O que os senhores têm dito não é exacto. Se o Bloco de Esquerda propõe um referendo já, ou seja, antes da conclusão dos trabalhos do Tratado, a vossa proposta de referendo a 13 de Junho também é anterior à conclusão dos trabalhos do Tratado, no prazo e no momento em que é convocado.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Exactamente!

O Orador: - Sobre isto, não há a menor dúvida, é algo absolutamente irrefutável! É uma questão de se escrutinar os prazos constitucionais, mesmo considerando a possibilidade dos encurtamentos de prazo em relação ao Tribunal Constitucional, o que será da competência do Sr. Presidente da República.
Portanto, a vossa proposta de referendo também terá de ser convocada antes da conclusão dos trabalhos da Conferência Intergovernamental.
E a minha questão é esta: com que perguntas? Diga-nos quais as perguntas que, em concreto, poderá formular!
Quer fazer perguntas sobre o conjunto do Tratado? Também quer alterar a Constituição de forma a permitir o referendo do Tratado constitucional como um todo ou formula perguntas sobre o tema para que, numa segunda fase, a Assembleia da República venha a ratificar o Tratado de acordo com essa consulta popular? Qual é a modalidade que o CDS - eventualmente, a maioria, o CDS e o PSD - escolhe? Ainda não nos disseram nada!
Não basta clamar contra a iniciativa do Bloco de Esquerda, que quer, única e simplesmente, aumentar a democraticidade, a transparência e levar este tema a debate. O nosso referendo pode ser virtual pela vossa reprovação, mas o tempo dirá se não foi a única iniciativa séria para que se viesse a realizar algum!
Desde logo, se o Partido Socialista não participa na maioria de dois terços necessária para a revisão constitucional, admitem os senhores do CDS que possa haver um referendo posterior? Ou a última data possível é apenas a de 13 de Junho? É que, se não há maioria de dois terços nem referendo a 13 de Junho e se os senhores não admitem que o referendo se realize em data posterior, a conclusão a que se chega é que este é um jogo de soma nula: não há referendo!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - É a esta questão que os senhores têm de responder! Têm de esclarecer se querem ou não, em algum momento, realizar um referendo, ou se vão insistir na cassete gasta do 13 de Junho, e ponto final parágrafo!

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - Esse é um "ponto final parágrafo" na democracia portuguesa em matéria de decisão europeia.

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Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, começando pela questão que me colocou relativa à participação de Portugal na União Europeia, pelos vistos, referi na minha intervenção questões que considerávamos importantes que fossem colocadas aos portugueses. Disse o Sr. Deputado que uma delas até já foi "chumbada" pelo Tribunal Constitucional. Foi, com certeza, com a formulação que, em concreto, teve naquele momento…

Vozes do CDS-PP: - Exactamente!

O Orador: - … e foi, desde logo, antes de um processo de revisão constitucional. Agora, nós podemos criar as condições para que perguntas como aquelas sejam possíveis!
Aliás, tratou-se de uma pergunta realizada num referendo interno do CDS-PP, em 1992 - nós fizemos um! Podia perguntar-lhe se o Sr. Deputado também fez e, com certeza, a resposta seria negativa.
Penso, contudo, que há algo que o referendo não deve ter para ser tecnicamente correcto: quase um indício de resposta, ou uma vontade de resposta por parte de quem pergunta.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Não pode ser! A pergunta tem de ser neutra, não pode indiciar para o "sim" nem para o "não"; caso contrário, estamos, desde logo, a baralhar os dados da discussão de natureza democrática. E essa não deve ter a interferência de qualquer elemento que a possa dificultar.
Por via da minha intervenção, falámos de um conjunto de questões que podem ser colocadas, designadamente quanto ao funcionamento da Comissão, possivelmente quanto à respectiva composição, quanto à questão das maiorias qualificadas. O que não é possível, Sr. Deputado, é chegar aqui e ditar uma pergunta concreta quando ainda nem temos dados que nos permitam formulá-la!
Desde logo, a terceira pergunta que propõem já está ultrapassada pelos acontecimentos do último fim-de-semana, isto é, desde a apresentação do projecto de resolução do Bloco de Esquerda até hoje já houve uma variação que levava a que uma das perguntas não fizesse sentido.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Portanto, não tem razão de ser a formulação de perguntas antes de tempo. Vamos esperar pelo processo normal de ratificação de um tratado.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que está proposto com o projecto de novo Tratado para a União Europeia é mais um passo de enorme gravidade para a soberania dos Estados e de Portugal, em particular.
Bem podem os federalistas, mais ou menos assumidos, de esquerda ou de direita, tradicionais ou autoproclamados de novo tipo, caricaturar de serôdias, de ultrapassadas ou de cariz nacionalista as razões e os argumentos dos que questionam o processo de alienação de soberanias nacionais, em prejuízo do aprofundamento da cooperação em pé de igualdade entre Estados, com vista ao progresso comum. São os mesmos que tentam confundir a oposição a este percurso com uma política de isolacionismo europeu, ou que tentam confundir a rejeição deste novo reforço do caminho federalista com uma proposta de saída do País da União Europeia.
Esta proposta de Tratado consagra a natureza federalista da União Europeia e materializa um "modelo" neoliberal no Tratado, designadamente através da consagração de uma superestrutura acima dos Estados nacionais, com a tentativa de se impor, inclusive às constituições nacionais, a consagração de um directório e um cada vez maior afastamento dos povos europeus e dos parlamentos nacionais que os representam.

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Esta proposta de Tratado consagra a possibilidade de uma minoria de grandes Estados passar a poder bloquear as decisões, dando cobertura legal aos cada vez mais frequentes entendimentos entre os grandes países à margem dos órgãos da União, que depois se impõem na prática aos restantes. O que se passou recentemente sobre o Pacto de Estabilidade é disso um bom exemplo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Esta proposta de Tratado visa "constitucionalizar" o modelo neoliberal em vigor na União Europeia, adoptando as políticas económicas e sociais tão do interesse do grande capital europeu, aliás bem demonstrado pelo apoio ao texto das organizações do patronato europeu.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Esta proposta de Tratado visa consagrar a militarização da União Europeia e fazê-lo como um bloco político-militar com uma política de defesa comum articulada com a NATO. A escalada militarista proposta não servirá certamente, como até alguns bons espíritos desejariam, para uma política autónoma ou para enfrentar a política imperial dos Estados Unidos da América e para promover a paz, como os exemplos da intervenção no Kosovo ou a aceitação (a priori ou a posteriori) da intervenção no Iraque o comprovam.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A gravidade do conteúdo do que está proposto à Conferência Intergovernamental - e que o Primeiro-Ministro qualifica como uma boa base de trabalho - não se desliga do carácter profundamente antidemocrático do processo que levou até este texto. A Convenção foi criada para produzir um texto que satisfizesse os interesses das grandes potências, com uma composição pouco plural (lembre-se que, desta Assembleia, só estiveram representados dois partidos políticos), exorbitou o seu mandato, imiscuiu-se nas competências dos governos dos Estados-membros, transformou um texto de proposta de novo Tratado num projecto de "constituição" e funcionou de forma centralizada e obscura.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Por tudo isto, é indispensável um debate alargado sobre as opções que o País está à beira de tomar, que deve ir muito para além da questão do referendo, mas que não dispensa a realização deste.
O PCP tem nesta matéria uma inabalável coerência: repetimos, hoje, a exigência democrática feita a propósito de outros importantes tratados, em que por acção conjugada do PS e do PSD, sistematicamente o povo português se viu impedido de se pronunciar sobre o conteúdo dos tratados. Refiro-me aos mesmos partidos que, em 1997, introduziram uma norma constitucional visando dificultar a formulação de perguntas que pudessem resultar directamente na não ratificação de um qualquer tratado europeu por Portugal, limitação que, aliás, no agora iniciado processo de revisão constitucional, apenas os projectos do PCP e de Os Verdes se propõem eliminar.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - Por isso é legítimo, a quem sempre quis e propôs a consulta democrática ao povo português em matéria de tratados europeus, suspeitar da sinceridade das intenções daqueles que nunca verdadeiramente quiseram os referendos. E já se vislumbra, da parte desses partidos, a estratégia de "passa culpas" se o referendo não se realizar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Pela nossa parte, não aceitamos um qualquer referendo, opomo-nos à proposta da maioria de coincidência do referendo com as eleições europeias, inventada a meio de uma crise governamental que era preciso abafar e que está desde logo inviabilizada, e bem, por uma norma constitucional aprovada por unanimidade.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Exactamente!

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O Orador: - A recusa da maioria em aceitar qualquer outra data, sabendo que é inaceitável a amálgama de um referendo em simultâneo com as eleições europeias, denuncia bem a falta de verdadeira vontade de fazer o referendo.

Aplausos da Deputada do PCP Odete Santos.

Defendemos um referendo em que os portugueses se possam pronunciar de forma esclarecida sobre o comprometimento do País com o rumo proposto pelo novo Tratado a sair da CIG e em que fiquem absolutamente claras as consequências da vitória do "sim", mas também da vitória do "não". De ambos os resultados tem de haver consequências.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à proposta hoje apresentada pelo Bloco de Esquerda, ela merece sérios reparos. Não quanto à justeza do objectivo anunciado - que partilhamos sem reservas - de realização de um referendo sobre o novo Tratado da União Europeia mas, sobretudo, quanto às perguntas (uma delas claramente inconstitucional) e à ideia de que o momento indicado para o realizar seria antes do encerramento da CIG, quando na verdade é o processo de ratificação pela Assembleia da República o momento decisivo na vinculação do Estado português ao novo Tratado.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - É isso que tem acontecido em relação aos tratados anteriores noutros países europeus. Aliás, em relação a este Tratado, as ratificações e eventuais referendos sobre a matéria decorrerão no prazo de ano e meio após a assinatura dos governos.
A realização de um referendo antes da conclusão da CIG (que, aliás, não se sabe quando ocorrerá) traria consigo a sua inevitável integração na dinâmica das eleições europeias, o que não deve ser o objectivo dos que, como é o nosso caso, verdadeiramente pretendem contribuir para um amplo movimento que defenda para os portugueses a possibilidade de se pronunciarem em referendo, com consequências reais em relação à vinculação do Estado português a este novo Tratado, independentemente da realização das eleições.
E nem se diga que isso sujeitaria o debate à demagógica argumentação da direita de que, estando o Tratado já assinado, o "não" seria uma catástrofe para o País no plano europeu. A direita usará sempre esse argumento, seja qual for o momento de realizar o referendo!

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Não é aceitável o argumento de que, pelo simples facto de se realizar após a assinatura dos governos, o referendo ficaria irremediavelmente sujeito "à lógica plebiscitária da confirmação da assinatura do Tratado pelo governo".
Quanto às perguntas propostas, gostaria de fazer o seguinte comentário.
A primeira pergunta deixa a nossa Constituição em muito "maus lençóis", é clamorosamente inconstitucional. A concretizar-se estaríamos, pela via do referendo, a caucionar a validade da nossa Constituição, porque também aqui os proponentes devem responsavelmente esclarecer qual será o resultado concreto das respostas possíveis num referendo e, neste caso, qual será o resultado de uma resposta maioritária de concordância com a primazia da chamada "constituição" europeia em relação à Constituição Portuguesa e em que situação tal maioria deixa o nosso texto fundamental e a nossa soberania.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Quanto às outras perguntas, relativas à criação do cargo de presidente do Conselho Europeu e à progressiva militarização da União Europeia, cabe pelo menos interrogar, mesmo admitindo que em relação a estas duas matérias uma resposta negativa criaria dificuldades em relação aos pontos a que se referem, se isso será suficiente para impedir a vinculação de Portugal ao caminho global presente no projecto de Tratado.
Por nós, não queremos que se exclua a hipótese de o povo português se pronunciar de forma a que a consequência possa ser a de Portugal não se vincular ao novo Tratado.
Não aceitamos a lógica do "é agora ou nunca", nem concordamos com a postura de reduzir o referendo à possibilidade de influenciar e condicionar a posição de Durão Barroso na CIG, quando o que verdadeiramente

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é decisivo é o processo de ratificação pela Assembleia da República. A assinatura de Durão Barroso vincula o Governo português, mas é na Assembleia da República que reside a competência de vinculação de Portugal, o que não pode nem deve ser desvalorizado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O PCP rejeita sem hesitações o caminho federalista proposto no novo Tratado. Não temos ilusões de que as consequências da perda de soberania e da concentração de poderes em núcleos dirigentes comprometidos com o modelo neoliberal vigente e com os interesses do grande capital europeu serão em todo o caso, como prova a história recente, negativas para os interesses de Portugal, dos portugueses e para os interesses dos povos europeus.
Ao contrário do que afirma o Bloco de Esquerda, a questão é, pois, também o federalismo e a aceitação de uma superestrutura europeia plasmada numa Constituição acima da soberania dos Estados. Por isso é muito mais do que uma questão bizantina a não aceitação da auto-atribuída designação de Constituição europeia, que não é inocente nem inócua. Por isso também é indispensável questionar de forma global o caminho traçado pelos directórios europeus, que não pode nem deve ser aceite como inevitável.
Por nós, não aceitamos essa inevitabilidade
Por isso desafiamos todos os cidadãos e forças políticas e sociais a que não desistam da difícil batalha do esclarecimento e do alerta sobre a gravidade das opções em presença para o futuro do País. Esse caminho passa, certamente, pelo desenvolvimento de um vasto movimento de opinião que condicione e impeça a vinculação do Governo às graves opções propostas à CIG, mas que não abdique de conquistar o referendo à vinculação do País ao tratado que dela vier a sair, antes do momento decisivo que é a ratificação pela Assembleia da República. Para que, finalmente, os portugueses possam pronunciar-se num referendo não apenas aparentemente útil mas verdadeiramente decisivo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os Verdes defendem um referendo sobre a revisão de Tratado para a União Europeia. Pensamos, até, que os portugueses já deveriam ter sido chamados a pronunciar-se sobre anteriores revisões de tratados da União Europeia, por forma a poderem ter intervindo sobre o caminho a seguir na União Europeia.
Desde logo, pensamos que o referendo é um mecanismo não só essencial para ouvir a posição dos eleitores portugueses mas também útil para promover um amplo debate, um amplo esclarecimento sobre o que está em causa na revisão do Tratado. Entendemos que existe, de facto, muita falta de informação sobre questões determinantes para o nosso futuro, como aquilo que está neste momento em causa na Conferência Intergovernamental. É que estão em questão coisas muito graves neste projecto de Tratado que institui uma Constituição para a Europa, pelo que consideramos que os portugueses precisam de ter consciência e conhecimento disso.
Desde logo, no Conselho Europeu de Laeken foi determinado, entre outras coisas, a simplificação do Tratado e a eventual ponderação de uma Constituição, a prazo, para a Europa. Nesse sentido, consideramos que o que resultou da Convenção sobre o Futuro da Europa foi extremamente abusivo em relação ao mandato de Laeken, porque, na verdade, o que deveria estar em causa era a revisão do Tratado e não a criação, neste momento, de uma Constituição para a Europa.
Para além disso, ouve-se muito referir que esta Convenção sobre o Futuro da Europa é um processo extremamente democrático de revisão de tratados e, neste caso concreto, da criação de uma Constituição para a Europa. Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, cabe na cabeça de alguém promover um processo de criação de uma Constituição sem um processo constituinte prévio?
Por outro lado, a sub-representação nesta Convenção sobre o Futuro da Europa foi de uma grande evidência. Basta olhar para a representação de Portugal nesta Convenção para perceber que só o PSD e o PS é que estiveram representados e, portanto, muitos cidadãos portugueses não tiveram voz nessa Convenção. Pensamos, por isso, que o que esteve em causa não pode ser classificado minimamente como um processo democrático.
Gostaria também de afirmar com clareza que nós, Os Verdes, não queremos uma Constituição para a Europa, porque não queremos um Estado europeu. Não consideramos inevitável, nesta fase, a criação de um Estado europeu, como alguns querem fazer crer.
Ser europeísta federalista não é nenhum atestado de modernidade. O que é fundamental é perceber que tipo de Europa queremos. E Os Verdes querem uma Europa de Estados soberanos, com tratamento

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igual.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, consideramos perfeitamente normal e desejável que Estados com afinidades culturais, com afinidades históricas e geográficas promovam objectivos comuns de intervenção e de acção e encontrem mecanismos, órgãos, acções de intervenção e de cooperação, bem como outros mecanismos de solidariedade. Mas quando se põe em causa a igualdade entre Estados-membros, quando não se respeita a diversidade e a especificidade dos Estados-membros, há que rejeitar.
Ora, o que está a acontecer é justamente aquilo que nós não queremos: uma Europa de Estados grandes a arrastar os Estados pequenos como Portugal.
Veja-se as propostas de criação de um presidente do Conselho Europeu, ou do fim das presidências rotativas, ou da reformulação do processo decisório, que fragiliza muito a posição de Estados-membros como Portugal, ou, até, a hipotética adopção de línguas de trabalho, em que o Português seria claramente posto à margem, em detrimento de algumas línguas, pondo em causa o princípio da igualdade entre os Estados-membros.
Consideramos também extremamente preocupante algumas propostas que se fazem neste projecto de revisão de Tratado, com uma total subjugação à NATO, a criação de uma sociedade numa lógica completamente belicista e construção de toda uma lógica neoliberal.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, é fundamental questionarmo-nos que tipo de União Europeia queremos.
Ao defender o referendo e ao desejar profundamente que nesse referendo Os Verdes indiquem a sua vontade de não caminhar neste sentido, os Verdes consideram que não está em causa a saída de Portugal da União Europeia. Penso que esta é uma questão que deveria ficar perfeitamente clara. Um "não" ao referendo, a esta União Europeia, a esta construção europeia e a esta Constituição europeia não significa a saída de qualquer Estado-membro do processo europeu.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Significará apenas que o Tratado só entra em vigor com a ratificação dos Estados-membros e por isso a sua não entrada em vigor e a manutenção do Tratado anterior. Portanto, a possibilidade de reponderar todo este caminho que está a querer impor-se na Europa.
E, Sr. Presidente e Srs. Deputados, em todos os Estados-membros há muitos que não querem este caminho para a Europa.
Um referendo, sim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, mas não nos termos em que o Governo propõe - cremos que o Governo, na verdade, não quer este referendo! - nem nos termos em que o Bloco de Esquerda propõe,…

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o tempo de que dispunha esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

A Oradora: - Vou concluir, Sr. Presidente.
… porque cremos que o tempo útil do Bloco de Esquerda pode tornar o referendo inútil.
Fazer um referendo antes da conclusão dos trabalhos da CIG pode torná-lo ineficaz, porque não sabemos as "voltas" que as negociações podem dar. Podíamos chegar ao final das negociações com coisas tremendas e estaríamos depois impossibilitados de voltar a ter um referendo como objecto de consulta popular.
Para Os Verdes, o tempo útil, neste caso concreto, é antes da ratificação pela Assembleia da República.

Vozes de Os Verdes e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, queria lamentar a ausência do Governo neste debate em que se discute o referendo e quando está em curso a Conferência Intergovernamental. Era muito útil que o Governo aqui estivesse para esclarecer alguns aspectos de fundo que em qualquer referendo têm de ser debatidos e decididos.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Não é por isso que deixo de transmitir as minhas preocupações em relação à Conferência Intergovernamental em curso, centrando-me nos pontos fundamentais que carecem de alteração durante as semanas que vão até ao fim dos trabalhos da CIG.
Em primeiro lugar, o presidente do Conselho Europeu não pode ser eleito por maioria qualificada. Deve ser eleito por consenso, até porque é essa a regra utilizada para as mais importantes deliberações do Conselho Europeu. Não faz, portanto, sentido considerar a eleição do presidente do Conselho Europeu uma questão de menor importância, em comparação com outras que são por consenso.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, devemos exigir até ao fim um comissário por país. O Governo teve um precedente muito infeliz há alguns meses atrás, quando admitiu que, em relação ao Banco Central Europeu, se permitisse uma reforma em que alguns Estados deixavam de estar representados ao mesmo tempo nesse órgão. Esse grave precedente, que aqui quero censurar, não deve constituir um estímulo ou uma atenuante para agora se ceder em relação à Comissão. Repito: queremos um comissário por país.
Em terceiro lugar, as presidências rotativas devem ser mantidas em todos os conselhos de ministros. Repito, em todos os conselhos de ministros. Não há razão para que um ou outro conselho de ministros fique com uma presidência fixa. A figura do presidente do Conselho Europeu não tem que colonizar os conselhos de ministros. Essa foi uma aquisição da Convenção que não gostaríamos de ver pervertida nesta fase dos debates.
Também a composição do Parlamento Europeu não pode ser alterada com prejuízo para países como Portugal, sem que se encontre uma compensação adequada no âmbito do Conselho que valorize o princípio da igualdade entre os Estados. Senão, teríamos um saldo muito favorável para países com maior população e muito desfavorável para países como Portugal.
Em quarto lugar, e por fim, em relação à maioria qualificada, é decisivo sustentar a proposta das duas maiorias simples, que o Governo ultimamente aceitou como boa - e quero saudá-lo por isso -, mas agora deve fazer tudo por tudo para que fique consagrada na versão que saia da Conferência Intergovernamental.
Queria explicitamente dizer, porque isso é democracia, que o Governo tem o nosso estímulo, o nosso encorajamento e o nosso desafio para alcançar estes objectivos, que são objectivos nacionais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não quero deixar de comentar afirmações no sentido de que a Constituição da União Europeia ficaria acima e comandaria, numa relação hierárquica, a Constituição nacional. Essa visão é inexacta e essa visão é de repudiar.
Muitos esquecem-se que esta Constituição europeia ou, melhor, esta Constituição da União Europeia (será a melhor formulação) só entra em vigor após a ratificação dos Estados-membros, através dos seus Parlamentos ou dos seus eleitorados - isso já foi dito.
Mas mais que isso: esta Constituição só poderá ser revista com a unânime ratificação das emendas que vierem a ser introduzidas. Isso significa, como disse um Tribunal Constitucional de um Estado da União, que são as Constituições nacionais que continuam a ser donas da Constituição da União Europeia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Creio que a um Parlamento fica bem ter presente esta relação fundamental e não embarcar em considerações mal preparadas sobre o que seja Constituição e o que seja primado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

Pausa.

Uma vez que o Sr. Deputado informou a Mesa de que prescinde do uso da palavra, dou agora a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Francisco Louçã, o último orador inscrito.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, há poucos dias atrás, a Ministra das Finanças criou uma sensação neste Parlamento - como, aliás, é costume - ao dizer, a propósito do Pacto de Estabilidade

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e Crescimento, que respondia pelo que fazia no País, mas que, na Europa, "eles que façam o que quiserem".
Nós estamos, aqui, Sr.as e Srs. Deputados, nós, os "eles", os outros, para discutir o que queremos para a Europa e, naturalmente, o que queremos para Portugal na Europa. Estamos a fazer escolhas sobre isso. Por isso, quero convidar-vos a fazer um debate sobre questões políticas e ideológicas de fundo.
Começo pela primeira: as perguntas do referendo.
Ficámos a saber pouco mais do que no princípio deste debate. Sabemos que o Partido Socialista quer um referendo, não sabemos sobre quê e muito menos com que pergunta. Sabemos que o Partido Comunista Português quer um referendo, não sabemos sobre quê nem com que pergunta. Sabemos que o PSD e o PP só querem um referendo no dia em que ele não poderá ocorrer, e é, portanto, irrelevante saber com que pergunta é que ele pode vir a ser feito.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - O Bloco de Esquerda propôs três temas e três perguntas sobre eles.
Começando pelo fim: sobre a política de defesa, ficámos esclarecidos na passada segunda-feira com a visita de Ramsfeld a Bruxelas. Sabemos, hoje, o que representa o acordo entre o Governo americano e a Comissão Europeia na interpretação do conteúdo da Constituição sobre política de defesa. A pergunta deve ser feita precisamente por isso!
Em segundo lugar, sugerimos que se pergunte sobre a presidência do Conselho Europeu. Porquê? Porque na nova arquitectura institucional este é um dos vértices, não o único mas um dos vértices, e surpreende-nos que quem tenha dito, como o PS e o PSD, que esta matéria era tão importante que justificava a oposição a tal proposta, possa vir agora dizer às arrecuas que, uma vez tendo sido derrotado, afinal não era importante, o que é sempre uma estratégia de argumentação extraordinária.
Em terceiro lugar, uma questão fundamental que aqui discutimos e sobre a qual divergimos: a primazia da Constituição europeia ou da Constituição portuguesa.
Entendamo-nos bem, porque das duas uma: ou a norma da Constituição europeia é banal e não quer dizer nada - foi o que disseram os Srs. Deputados Diogo Feio, Pedro Duarte e António José Seguro -, nada tem de novo, é trivial, desde os anos 60 que faz parte do acervo comunitário e, portanto, não implica qualquer revisão constitucional (aliás, está previsto no artigo 8.º da Constituição portuguesa que o direito comunitário ordinário prevalece em Portugal), e então, nada havendo de novo, não há modificação a fazer, sendo portanto desnecessária qualquer alteração à Constituição; ou trata-se de uma revisão impossível, porque supera os limites materiais da revisão da Constituição e, desse ponto de vista, é "golpista".

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - Resta saber, na segunda hipótese, que é a que conduz à exigência de uma revisão constitucional consequente do n.º 1 do artigo 10.º da Parte I, se o direito produzido pelas instituições, nomeadamente as governamentais da União Europeia, prevalece sobre a Constituição portuguesa. E, aí, a questão da legitimação democrática tem importância. Ou seja, pode ou não haver uma "associação de malfeitores constitucionais" em que um governante, desde que tenha o acordo dos outros, introduza, por via da Constituição europeia, uma alteração que não pode fazer na constituição do seu próprio país. É isso a que Jorge Miranda chama o "suicídio constitucional" ou a que Vital Moreira chama a "desgraduação da Constituição portuguesa", e que afronta um princípio fundamental da democracia, que é o princípio da soberania constituinte, suportado por uma legitimidade constitucional.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - É esse o "suicídio constitucional"!
Ficamos, nesta questão, perante o impasse extraordinário do PP e do PSD, que querem sugerir uma alteração da Constituição para ser aprovada em Janeiro, introduzindo a aceitação de normas constitucionais antes mesmo de elas estarem concluídas no processo de preparação da Constituição europeia.
Portanto, o argumento que utilizam é inteiramente reversível: propõem-nos uma alteração em que deixa de haver Constituição portuguesa, em que passa a ser um receptáculo daquilo que forem as futuras ou as presentes normas constitucionais; subordina-se uma Constituição a uma outra imposta por via de tratado.
Portanto, o PSD e o CDS-PP têm a resposta à pergunta que nunca fizeram. Esta é a questão de fundo.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

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O Orador: - Segunda questão: dizia-nos o Deputado Guilherme d' Oliveira Martins que talvez não tivéssemos lido o mesmo texto. Mas eu digo-lhe que sim, que lemos o mesmo texto. Mas lemos, no artigo II-28.º do Título IV, que o direito à greve só existe no quadro da contratação colectiva. Não lemos - porque isso não está lá - uma referência aos direitos das comissões de trabalhadores nem sequer ao direito de organização sindical dentro das empresas. Sr. Deputado, leia e veja que isso não está lá!
Lemos também, no artigo III - 45.º do Título III, que a restrição aos movimentos internacionais de capitais está proibida, não podendo haver em caso algum, nem no combate à fraude fiscal.
Lemos ainda, no artigo 40.º do Capítulo II, a referência ao aumento regular das despesas militares; no artigo 29.º do Capítulo II, a referência à estabilidade de preços do Banco Central; e, no artigo 76.º, que o Pacto de Estabilidade e Crescimento é constitucionalizado integralmente neste projecto.
Portanto, é isto que lemos, ou seja que este projecto é uma abdicação de qualquer orientação para a Europa. E aí chegamos à questão essencial: para os senhores é indiferente, é uma graçola do ex-Presidente Giscard D'Estaing a citação de Tucídides que abre este Tratado. Mas para nós é significativa. Quando alguém, no século XXI, entende que a democracia é o reino da maioria e deixa de ser a soberania do povo no seu pluralismo político, temos aqui a questão decisiva de todas as constituições, que é a da democracia. E o princípio da soberania constituinte, da fundamentação constituinte é o que nos diferencia. Querem, pois, vincular a legitimação democrática à inexistência de um processo constituinte!
Dizia o Deputado António José Seguro: "os nossos quatro Deputados…" Mas, pergunto: o que é que eles votaram? Eles não tinham sequer direito de votar! Era tudo decidido pelo ex-Presidente Giscard d'Estaing! É tão pobre a democracia e a legitimação constituinte que nos pedem?! É tão pobre assim que são Deputados não eleitos pelo povo, que não têm direito de voto, que podem exprimir a opinião superada por qualquer minoria, porque há um direito de veto de um presidente?! É esta a vossa democracia?!
Chegamos à questão essencial, a que nos diferencia, que é a da democracia. Os senhores querem uma Constituição sem poder constituinte, querem uma Constituição sem legitimação, querem transferências de poder sem controlo democrático, sem política social, e abandonam a ideia de federação que tinham!
Não era importante a segunda câmara? Onde está a segunda câmara, que abandonaram entretanto, e que querem inconstitucionalizar definitivamente neste processo? Onde está a solução económica de uma política de solidariedade quando se lê "liberalismo"?
Os senhores dizem sempre que "do mal o menos". Sabe, Sr. Deputado António José Seguro, não estava à espera de ouvir da parte do Partido Socialista nada de muito importante de um discurso de esquerda sobre a Europa, mas estava pelo menos à espera que dissesse alguma coisa de cívico, de democrático ou de europeu. É isto que falta. Porque na Europa do pós-muro, na Europa do alargamento, numa Europa que precisa da refundação democrática, temos o "autismo" eurocrático, temos os que não querem "levantar ondas" ou decidir alternativas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Vou já concluir, Sr. Presidente.
Temos os eurocépticos, que não querem decidir, e temos os euroconformados, que não aceitam a regra da democracia na política europeia.
Por isso, votaremos esta resolução sozinhos, mas convencidos, muito convencidos, de que, mais uma vez, preferimos o bom senso da opinião do povo à passividade do Parlamento. E estamos aí bem.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Entretanto, inscreveram-se mais dois Srs. Deputados para proferirem intervenções, beneficiando de tempo cedido pelo PSD.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, começo por agradecer ao Grupo Parlamentar do PSD a amável cedência de tempo.
Sr. Deputado Francisco Louçã, já tivemos oportunidade de trocar impressões quando anunciou, com pompa e circunstância, a apresentação do projecto de resolução que estamos a debater e, com toda a sinceridade e franqueza, quero dizer-lhe que me surpreende que o Bloco de Esquerda se procure refugiar numa questão procedimental para não enfrentar o debate da questão de fundo, que é o de saber qual é a vossa posição sobre a Europa, sobre a construção da Europa e, em concreto, sobre a Constituição europeia.

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Aplausos do PS e do Deputado do CDS-PP Telmo Correia.

O Bloco anunciou ao País que tinha evoluído na sua posição, mas a política não se faz com posturas académicas nem com definições em abstracto, mas com a definição em concreto da posição de cada grupo parlamentar relativamente às questões concretas. Aquilo que sabemos é que o Bloco de Esquerda é contra esta construção europeia, é contra a Constituição europeia, e de nada vos serve dizer o que quer que seja da construção de uma Europa em abstracto se estão em concreto contra a construção da Europa que se está a fazer em Portugal e em todos os países da União Europeia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - O Bloco não pode esconder isto e, sobretudo, não deve querer fazê-lo aderindo a uma campanha demagógica, que na Europa só é protagonizada pela extrema-direita - e em Portugal, até hoje, também só era protagonizada pela extrema direita -, que é a do terror que querem lançar do fim das soberanias.
Srs. Deputados do Bloco de Esquerda, a União Europeia é um encontro de vontades soberanas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Só está na União Europeia quem soberanamente a ela aderiu! Só ratificará este Tratado quem soberanamente o ratificar! Só se sujeita a este Tratado quem soberanamente a ele decidiu sujeitar-se!
E não venha o Sr. Deputado Francisco Louçã criar uma pretensa confusão entre o que é o primado e o que não é, porque o artigo 10.º do Tratado é muito claro. A Constituição define o que é competência dos Estados, e nessa matéria vigora o direito nacional, e o que é competência da União, e aí vigora a ordem jurídica da União. E esta não se aplica quanto se trata de competências nacionais, assim como o direito nacional não se aplica quando a competência é da União.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Isto não traz qualquer novidade. Já em 1970, 16 anos antes de Portugal aderir à União Europeia, o Tribunal Europeu de Justiça teve o cuidado de precisar, para que não houvesse qualquer dúvida, que não podia ser aposto um princípio de uma constituição nacional a um regulamento comunitário se este for emitido no âmbito das competências da União. Tratava-se de uma constituição e, mais, tratava-se de direitos fundamentais garantidos por uma constituição nacional.
A Constituição nacional vale no âmbito da competência do Estado português e o direito comunitário vale no âmbito da competência da União Europeia.
Quem é que vai atribuir as competências à União Europeia? O Estado, no exercício do seu poder soberano. Os Estados que soberanamente aprovam o Tratado delimitam as competências entre a União e cada Estado-membro.
Portanto, verdadeiramente, não se trata da capitulação das soberanias, trata-se, sim - e isso tem a ver com a posição de um partido de esquerda neste debate -, de saber se a esquerda percebe qual é o espaço onde a soberania dos Estados hoje existe e qual é o espaço onde a soberania dos Estados é pura retórica e fracassa perante os poderes fácticos que existem no mundo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se queremos gerir a globalização temos de ter poderes de âmbito global! Se queremos enfrentar o crime organizado temos de ter poderes de combate ao crime à escala global! Se queremos uma alternativa ao domínio neo-liberal temos de ter um governo económico capaz de agir no quadro global!

Aplausos do PS.

A esquerda que não percebe a importância estratégica da União Europeia é a esquerda que se demite da sua função de governar e é a esquerda que só quer manifestar-se.
Ora, para nós, o direito de manifestação é essencial, mas temos a consciência de que o que faz a diferença de um partido político para um movimento social é o facto de ao primeiro competir dar resposta política aos anseios populares, que se prendem com uma melhor gestão deste mundo globalizado e não a

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desregulamentação à escala global.
Não construir a União Europeia é capitular perante a desregulação e é atribuir o ouro ao neo-liberalismo. Se a esquerda quer ser uma alternativa tem de ter um instrumento global, e a União Europeia é, na Europa, o instrumento global que podemos ter para gerir a globalização.
Esta é a visão estratégica de uma esquerda moderna, que não se demite dos seus valores e que, sobretudo, não se demite da ambição de contar neste mundo e de não se limitar a querer contar o número de cabeças em manifestações.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, uso de novo da palavra apenas para completar a minha intervenção de há pouco, clarificando a posição de Os Verdes sobre o referendo.
Os Verdes defendem que o referendo tenha lugar depois da conclusão dos trabalhos da Conferência Intergovernamental e antes da ratificação pela Assembleia da República, porque é nesse momento, e não com a assinatura pelo Governo, que o acto é consumado.
Srs. Deputados do Bloco de Esquerda, é evidente que só depois da conclusão dos trabalhos da Conferência Intergovernamental é que podemos saber quais as perguntas que pretendemos fazer no referendo.
Mas, na nossa perspectiva, pedir o referendo antes de tempo retira-lhe eficácia. O que importa, repito, é que tenha lugar antes da ratificação do Tratado pela Assembleia da República.
Além disso, não podemos aceitar que, no referendo, sejam feitas perguntas sobre questões manifestamente inconstitucionais, como a primeira que o Bloco de Esquerda propõe, ou seja a hipótese de a Constituição europeia prevalecer sobre a Constituição Portuguesa - e é isso que a Convenção, de facto, quer no artigo 10.º, mas a nossa Constituição não o permite. Por isso, colocar esta questão é estar a pôr a hipótese de que possa ser assim, contra a nossa Constituição.
Iremos, pois, abster-nos na votação do projecto de resolução apresentado pelo Bloco de Esquerda. Somos favoráveis a um referendo sobre esta matéria, mas não nos termos deste projecto de resolução, porque, repito, o tempo útil que o Bloco de Esquerda propõe pode tornar este referendo inútil.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, dispondo de tempo cedido pelo PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Muito obrigado, Sr. Presidente. Serei muito breve.
Sr. Deputado António Costa, presumo que não voltaria a repetir em circunstância alguma - peço-lhe que não o faça! - qualquer alusão e comparação entre a posição que aqui expomos e a posição de qualquer extrema-direita na Europa.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - Penso que o debate parlamentar deve ter alguma dignidade, pelo que o Sr. Deputado o diminuiria se voltasse a usar essa estratégia.
Registo que o Partido Socialista tem um problema com as manifestações, que nós não temos, nem contra a guerra, nem a propósito das opções da Constituição europeia. Mas este remoque, que foi repetido à exaustão por todas as intervenções do Partido Socialista, pode ter alguma alusão psicanalítica profunda, que deixarei para os comentadores do debate.
Mas quero responder-lhe sobre o essencial, Sr. Deputado António Costa. E o essencial é isto: a construção europeia tem de fazer-se com transferências de soberania.

Vozes do PS: - Sim!

O Orador: - Não há dúvida nenhuma sobre isso!
Europeístas convencidos que somos, argumentamos que nunca pode haver uma transferência de soberania que não seja democraticamente legitimada. E achamos extraordinária a comodidade, a passividade, a modorra do Partido Socialista, que não leva a sério as suas próprias propostas de uma segunda câmara e que cede perante aquilo que lhe dão. Há um euroconformismo triste que se arrasta na política portuguesa, e o "bloco central" proibiu o debate sobre a Europa, que não tivemos e que nos faz falta.
Ora, quando tomamos a decisão de aprovar a opção do alargamento, quando tomamos a decisão de dizer que é preciso um processo democrático na Europa, é sobre isso que estamos a interrogar.

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Os eurocratas são a fragilidade da Europa, não são aliados! Os eurocratas são o mal da Europa, não são o seu progresso! São o defeito da Europa, não são a sua virtude! E, Sr. Deputado, podemos continuar fechados, à espera que nos dêem um mundo de luz, de mel, como um livro que seja lido com encanto pelas crianças, para dormirem tranquilamente à noite, mas o facto é que a Europa se está a construir desregulamentando, com a liberdade absoluta da circulação de capitais. A Europa é hoje neoliberal!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha terminou. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
E o fracasso dos partidos socialistas governantes na Europa foi serem mais neoliberais do que defensores de qualquer política europeísta de esquerda. Isso falhou! E por isso a Europa está a pagar um preço tremendo!
Nisso tem de haver uma correcção. Pode-se continuar em frente ou podemos corrigir. Nós entendemos que o caminho europeu é corrigir, é mudar e é, sobretudo, democratizar.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Costa solicitou a palavra porque se sentiu agravado por alguma expressão utilizada pelo Sr. Deputado Francisco Louçã.
Tem, pois, a palavra, Sr. Deputado, para defesa da sua honra. Peço-lhe que seja breve.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, quero, em primeiro lugar, dar-lhe explicações pela sua honra ofendida.
Registo com satisfação que, nesta sua intervenção, se distanciou da retórica da extrema-direita sobre o nacionalismo soberanista.

Protestos do Deputado do BE Francisco Louçã.

Não se sinta ofendido, Sr. Deputado. Fez bem! Fez muito bem!
Sr. Deputado Francisco Louçã, partilhamos das suas preocupações relativamente à necessidade de reforçar o fundamento e a participação democrática na União Europeia.
Como sabe - e disse-o bem -, esta bancada defendeu a existência de uma segunda câmara com representação dos parlamentos nacionais. Como sabe, o projecto de Tratado defende e acolhe, efectivamente, a existência de uma segunda câmara, mas de uma segunda câmara atípica, visto que o Conselho e o processo legislativo que é introduzido na Constituição são próprios de um sistema bicamaral, não sendo a câmara alta de representação parlamentar, mas de representação pelos executivos. Além disso, o próprio protocolo sublinha que o que é essencial é reforçar o carácter representativo dos governos no contexto europeu.
Ora, há-de reparar que temos dito que, uma vez aprovada a Constituição europeia, a questão mais relevante a ter em conta na nossa própria Constituição é aquela que resulta da necessidade de um reequilíbrio de poderes entre a Assembleia da República e o Governo, pelo menos quanto ao domínio específico das matérias que são hoje da exclusiva competência da Assembleia da República e que, ao serem transferidas para a União Europeia, não estão sujeitas, sequer, a processo de co-decisão com o Parlamento Europeu, mas são da decisão exclusiva do Conselho, pelo que se verifica uma governamentalização das competências da Assembleia da República. É o que acontece em matéria do Direito Penal, é o que acontece com todos os tratados da PESC, é o que acontece em matéria de direito eleitoral autárquico, é o que acontece no domínio fiscal sobre as empresas. Portanto, essa preocupação é a nossa e é uma preocupação que temos gosto em partilhar com o Sr. Deputado Francisco Louçã.
Mas, Sr. Deputado Francisco Louçã, desta preocupação não deve resultar ter como prioridade política "matar" esta melhoria da União Europeia. Como já lhe recordaram os Srs. Deputados Alberto Costa, António José Seguro e Guilherme d'Oliveira Martins, este Tratado internacional teve uma génese mais democrática do que a generalidade dos tratados internacionais.
Entendemos que este Tratado deve ser ratificado por via de referendo, designadamente em Portugal, o que reforçará a sua legitimação democrática. Entendemos que este trabalho não é a quintessência da perfeição, mas temos a consciência de que um tratado internacional a vinte cinco, como, aliás, as próprias constituições nacionais, tem muito de pactício.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha terminou. Tenha a bondade de concluir.

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O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Portanto, não podemos concentrar-nos no pormenor do que não gostamos, temos, sim, de nos concentrar naquilo que estrategicamente é essencial.
Esta Constituição é uma melhoria e, por isso, contará com o nosso apoio.
Há mais caminho a percorrer. Também estaremos cá para percorrê-lo, assim como estaremos cá para contribuir para a melhor legitimação democrática possível deste Tratado, que entendemos dever vir a ser ratificado por Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Costa, quando o socialismo português foi formado, por José Fontana, Antero de Quental e alguns outros, foi rapidamente combatido por uma corrente que se chamava a si mesma de "possibilista" (é o que puder ser…).
Olho para trás, sobre a política do Partido Socialista, e pergunto-me por que é que convicções se transformaram no "possibilismo". Por que é que aquilo que era importante e tinha de ser defendido como constituição matricial da alteração da Constituição europeia, como o aproveitamento desta oportunidade, se transformou no seu contrário? Vamos ver em concreto: o artigo 10.º do projecto de Tratado diz que "A Constituição e o direito adoptado pelas instituições da União no exercício das competências que lhe são atribuídas primam sobre o direito dos Estados-membros".

O Sr. António Costa (PS): - Claro!

O Orador: - Que instituições e que competências?
Leio umas páginas adiante e verifico - por exemplo, no Capítulo II (Outras instituições e órgãos), artigo 29.º - que uma das instituições é o Banco Central Europeu.

O Sr. António José Seguro (PS): - É assim há 15 anos!

O Orador: - O problema não é o que o Tribunal de Justiça decidiu há 15 anos atrás. O problema está em saber se isto é uma alteração ou se quer dizer "tudo na mesma"! Se é "tudo na mesma", não dá lugar a uma revisão da Constituição Portuguesa. Mas, como o Sr. Deputado sabe, e como vai ser necessário, vai ter lugar uma revisão da Constituição Portuguesa. Porquê? Porque a alteração é profunda e é significativa!
E digo-lhe mais: com este projecto de Constituição, um regulamento do Banco Central Europeu tem primado sobre a Constituição da República Portuguesa! E isso está errado!

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Já era assim!

O Orador: - Não!

O Sr. António Costa (PS): - Há 15 anos que é assim!

O Orador: - Lamento! Não é verdade! E se porventura fosse nenhuma alteração constitucional seria necessária!
Os senhores não podem argumentar que isto não vale nada, que não tem qualquer significado e que depois tem tanta importância que exige uma revisão da Constituição, que tem tanta importância que exige um referendo! Se é "tudo na mesma", por que é que, então, há referendo?! Por que é que os portugueses têm de discutir? -E têm! Por que é que têm de votar? - E têm!
Sr. Deputado, lamento muito, mas esta é uma questão matricial da nossa democracia. E aí temos a diferença!
E não me repita que isto é melhor do que a conciliação de alguns ministros dos negócios estrangeiros para fazerem um tratado, porque não estamos a comparar a mesma coisa! Estamos a discutir um processo constituinte, em nome de uma Europa que possa viver com um projecto de futuro. Tem de haver legitimação democrática!
E a facilidade com que se abdica dessa legitimação, a facilidade com que se desiste!… Os senhores são hoje "eurodesistentes"! Não vêem projecto nenhum para a Europa! E a direita, naturalmente, pode com isso confortar-se porque fica à espera que não haja debate; e, se houver debate, fica à espera que não

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haja referendo; e, se houver referendo, que não haja consequência nenhuma!
E é por isso que estamos neste impasse: ou há um referendo que permita, em tempo útil, tomar uma decisão ou então vamos ter um dos maiores roubos à política armada, que é a proibição repetida de tantos dirigentes de que haveria uma consulta referendária, sabendo nós (como sabemos todos, todos sem excepção!), hoje, aqui, que esse referendo vai ser proibido a partir do voto que vamos ter dentro de pouco tempo.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Duarte.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, farei uma intervenção breve apenas para referir que o Partido Social Democrata chega ao final deste debate com a mesma convicção que tinha de início, isto é, com a convicção de que a construção da Europa, em que todos estamos empenhados, merece um amplo, rigoroso e profundo debate público e o envolvimento da parte dos portugueses.
Eventualmente, se vierem a verificar-se alterações profundas no ordenamento jurídico institucional da União Europeia, esta questão merecerá um referendo e uma consulta aos portugueses.
Mas, no final deste debate, chegamos também à conclusão que o projecto de resolução apresentado pelo Bloco de Esquerda não passou de uma jogada política para tentar, com delicado oportunismo político, ultrapassar um problema que tem entre mãos.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Como o bom senso impõe, o Bloco de Esquerda chega ao fim deste debate completamente isolado. Mas, mais do que isso, chega ao fim do debate com mágoa, furioso até, como atesta a intervenção que o Deputado Francisco Louçã acabou de fazer.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Deputado Francisco Louçã mostrou um grande incómodo com uma citação de Tucídides que aqui foi trazida hoje e que passo a ler: "A nossa Constituição… chama-se 'democracia', porque o poder está nas mãos, não de uma minoria, mas do maior número de cidadãos". Este é problema do Bloco de Esquerda, que, como tantas vezes acontece, teve a presunção de falar em nome do povo português,…

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … e veja-se como, em eleições democráticas que têm tido lugar no nosso país, o povo lhe tem expressado o seu apoio!

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Mas eu explico porquê. É que o Bloco de Esquerda tem uma outra presunção: é a de que existe um povo português iluminado e um povo português menor, que não pensa muito bem e que não reflecte bem sobre os assuntos.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É este, aliás, o principal argumento que faz com que o Bloco de Esquerda não acredite na possibilidade de um referendo no dia 13 de Junho, dia para que estão marcadas as eleições para o Parlamento Europeu. É que teme que os portugueses façam confusão entre as duas eleições, que os portugueses não tenham inteligência, que não tenham capacidade para as distinguir. O Bloco de Esquerda pensa, de facto, que só um grupo iluminado - o que apoia o Bloco de Esquerda- é que tem essa capacidade intelectual. Ora, não é essa a nossa posição!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A nossa convicção é a de que, naturalmente, este projecto de resolução irá ser reprovado, por unanimidade, pela oposição ao Bloco de Esquerda, porque, claramente, peca por insensatez e por inoportunidade.

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Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, é descabido (perdoem-me a expressão) o tempo em que o projecto de resolução é apresentado! Não faz sentido estarmos a colocar questões aos portugueses sobre algo que ainda não conhecemos. E é também pelas questões que são colocadas - este debate foi bem esclarecedor disso - que chegamos a essa mesma conclusão. Ora, se aqui não chegamos a um entendimento, imagine-se o que não irá ser um debate nacional aprofundado e uma campanha para um referendo no nosso país!
Mas o PSD chega ao final deste debate também satisfeito, porque teve a oportunidade de, num sinal de abertura e de tolerância, que defendemos no nosso país mas também na Europa, ceder tempo a todos os outros grupos parlamentares. Fizemo-lo no espírito - e estamos convictos da nossa posição e daquilo que defendemos - de que o debate sobre estas matérias é sempre enriquecedor para todos nós,…

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - … e de que o bom senso do debate, obviamente, ditará aquela que é hoje a opinião clara e manifestamente maioritária nesta Assembleia.
Estamos confiantes naquilo que se está a verificar actualmente no seio da Conferência Intergovernamental em prole da construção europeia.

O Sr. Patinha Antão (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Queremos ainda aqui deixar uma palavra muito clara e inequívoca de saudação ao Governo do nosso país, não só pelo trabalho efectivo e rigoroso que está a realizar no seio da Conferência Intergovernamental, mas também pela preocupação constante, permanente e inovadora em tantos momentos de envolver a Assembleia da República neste mesmo processo.
Foi aqui feita uma referência à ausência do Governo neste debate, mas quero lembrar que este, como nunca nenhum outro governo no passado, tem tido a preocupação constante de aqui vir. O próprio Sr. Primeiro-Ministro tem tido a preocupação de, constantemente, estar presente na Assembleia da República para debater estas matérias.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Então porque é que não está hoje?!

O Orador: - Relembro que já aqui teve lugar um debate, que contou com a presença maciça do Governo e, em particular, do Sr. Primeiro-Ministro, precisamente antes do início da Conferência Intergovernamental.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

É, pois, de uma profunda injustiça que, num momento em que aqui discutimos um projecto de resolução que visa um referendo, se confunda aquilo que são as matérias europeias de fundo, em que, aí sim, o Governo tem de estar envolvido e tem de envolver a Assembleia da República, com uma matéria que compete à Assembleia da República, que é discutir a data e as questões relativas a um referendo. Não vamos criar confusões para, de alguma forma, confundir os portugueses.
Sempre que aqui discutimos a construção europeia o Governo tem marcado presença como nenhum outro anterior, seja no Plenário, seja na Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa.
Ficou, pois, claro neste debate a extemporaneidade da posição do Bloco de Esquerda e o facto de, manifestamente, não ter apoio, quer na Assembleia quer no País. Contudo, independentemente disso, quero deixar outra mensagem final: ficou também claro, apesar dos esforços do Sr. Deputado Francisco Louçã, que só não teremos, no caso de se virem a verificar alterações profundas na construção europeia, um referendo no dia 13 de Junho por falta de vontade política da oposição. Apesar do seu esforço, o seu documento é bem comprovativo disso mesmo: só não haverá referendo por falta de vontade política da oposição.
Mas, independentemente da data do referendo que vier a ocorrer no nosso país, quero deixar um apelo final em nome do PSD no sentido de que este debate que hoje aqui travámos, e que, com certeza, foi esclarecedor, possa, de facto, alargar-se à sociedade portuguesa. A Europa precisa de debate, precisa do envolvimento dos portugueses. E apesar de hoje termos manifestado posições divergentes, acabámos por dar um contributo para isso mesmo.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim do debate do projecto de resolução n.º 185/IX - Referendo sobre as grandes escolhas do Tratado que institui uma Constituição para a Europa (BE).
Tal como já comuniquei à Câmara, vamos proceder de seguida à sua votação.
Como sabem, nos termos regimentais, teremos de proceder à verificação de quórum, o que faremos utilizando o cartão electrónico.
Agradeço que os Srs. Deputados que, eventualmente, não tenham o seu cartão ou que tenham dificuldades em o utilizar o comuniquem à Mesa, para que a sua presença seja tida em conta, evitando, assim, toda a maçada da justificação das faltas, pois, como sabem, sempre que há lugar a verificação do quórum para votações funciona o mecanismo estabelecido na lei.

Pausa.

Srs. Deputados, o quadro electrónico regista 143 presenças, o que corresponde a um quórum mais do que suficiente para se poder proceder às votações.
Vamos, pois, proceder à votação do projecto de resolução n.º 185/IX - Referendo sobre as grandes escolhas do Tratado que institui uma Constituição para a Europa (BE).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do PS e do CDS-PP, votos a favor do BE e abstenções do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, temos ainda de apreciar e votar um parecer da Comissão de Ética, que autoriza o Sr. Deputado Jorge Lacão (PS) a prestar depoimento, na qualidade de testemunha, no âmbito do auto de contra-ordenação n.º 228564077, a solicitação da Direcção-Geral de Viação, onde corre os seus termos.
Está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, a próxima reunião plenária terá lugar amanhã, pelas 15 horas, e constará de um período de antes da ordem do dia e de um período da ordem do dia, com a discussão conjunta da proposta de lei n.º 86/IX e do projecto de lei n.º 380/IX, a discussão conjunta dos projectos de lei n.os 46/IX e 381/IX e a discussão conjunta das propostas de resolução n.os 42/IX, 43/IX, 44/IX e 52/IX, havendo ainda um período regimental de votações.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva

Partido Socialista (PS):
Fausto de Sousa Correia
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira

Partido Popular (CDS-PP):
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

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Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
Maria Assunção Andrade Esteves
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos

Partido Socialista (PS):
Alberto de Sousa Martins
António Fernandes da Silva Braga
Francisco José Pereira de Assis Miranda
José Manuel de Medeiros Ferreira
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Maria Amélia do Carmo Mota Santos

Partido Popular (CDS-PP):
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Narana Sinai Coissoró

Partido Comunista Português (PCP):
Lino António Marques de Carvalho

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Isabel Maria de Almeida e Castro

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
António Joaquim Almeida Henriques
Hugo José Teixeira Velosa
João José Gago Horta
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José Manuel dos Santos Alves
José Manuel Pereira da Costa
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Maria Eduarda de Almeida Azevedo

Partido Socialista (PS):
Fernando Manuel dos Santos Gomes
João Barroso Soares
João Cardona Gomes Cravinho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Apolinário Nunes Portada
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel Santos de Magalhães
Luísa Pinheiro Portugal
Manuel Alegre de Melo Duarte
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
António Herculano Gonçalves

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Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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