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Sexta-feira, 19 de Dezembro de 2003 I Série - Número 33
IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 18 DE DEZEMBRO DE 2003
Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral
Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Ascenso Luís Seixas Simões
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
António João Rodeia Machado
S U M Á R I O
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas.
Deu-se conta da apresentação da proposta de resolução n.º 54/IX, dos projectos de lei n.os 385 a 388/IX e 390 a 392/IX, e dos projectos de resolução n.os 197 e 198/IX.
Em debate mensal com o Parlamento, sobre a situação de Portugal na Europa em consequência da Conferência Intergovernamental realizada no último fim-de-semana, após o Sr. Primeiro-Ministro (Durão Barroso) ter proferido uma intervenção inicial, usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Eduardo Ferro Rodrigues (PS), Guilherme Silva (PSD), Telmo Correia (CDS-PP), António Costa (PS), Carlos Carvalhas (PCP), Francisco Louçã (BE), Isabel Castro (Os Verdes), Pedro Duarte (PSD), Diogo Feio (CDS-PP), Honório Novo (PCP), João Cravinho (PS) e Rui Gomes da Silva (PSD).
O Sr. Presidente submeteu à discussão o projecto de deliberação n.º 27/IX - Alteração à Deliberação 15-PL/89, de 7 de Dezembro (Conselho de Administração da AR), o Orçamento suplementar da Assembleia da República para 2003 e o projecto de lei n.º 389/IX - Altera o artigo 5.º, n.º 2, da Lei n.º 14/90, de 9 de Junho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 193/99, de 7 de Junho, e pela Lei n.º 9/2003, de 13 de Maio (Altera a composição do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida) (PSD, PS, PCP, BE e Os Verdes), não se tendo registado quaisquer inscrições.
Foi apreciado o inquérito parlamentar n.º 10/IX - Concessão da gestão do Hospital Amadora-Sintra a uma entidade privada, à utilização dos dinheiros públicos nesta unidade e ao efectivo acompanhamento da execução do contrato (PCP), tendo proferido intervenções os Srs. Deputados Bernardino Soares (PCP), José Manuel Pavão (PSD), Francisco Louçã (BE), Luís Carito (PS) e João Pinho de Almeida (CDS-PP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 55 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas.
Srs. Deputados presentes à sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eduardo Artur Neves Moreira
Elvira da Costa Bernardino de Matos Figueiredo
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Jorge Pinto Lopes
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
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José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Ribeiro dos Santos
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel de Matos Correia
José Manuel dos Santos Alves
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Miguel Gonçalves Miranda
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Soromenho Gomes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscata Lourenço de Oliveira Pegado
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa da Silva Morais
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Alberto Bernardes Costa
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
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António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Cabodeira
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Guilherme Valdemar Pereira D'Oliveira Martins
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Cardona Gomes Cravinho
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Santos de Magalhães
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
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Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo José Fernandes Pedroso
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo
Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
António Herculano Gonçalves
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Henrique Jorge Campos Cunha
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Hélder do Amaral
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró
Paulo Daniel Fugas Veiga
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.
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O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de resolução n.º 54/IX - Aprova, para ratificação, a Acta Final da Conferência dos Estados-membros da Repartição Internacional da Vinha e do Vinho, realizada em Paris, a 14, 15 e 22 de Junho de 2000 e a 3 de Abril de 2001, assim como o Acordo que institui a Organização Internacional da Vinha e do Vinho, a ela anexo, feitos em Paris, a 3 de Abril de 2001, que baixa à 2.ª Comissão; projectos de lei n.os 385/IX - Proíbe a discriminação dos portadores de VIH/SIDA ou de doença crónica (BE), que baixa às 1.ª, 6.ª e 8.ª Comissões, 386/IX - Impõe a existência de um menu vegetariano nas unidades de restauração públicas e exploradas ou concessionadas por entidades de capitais exclusivamente públicos (PSD), que baixa à 8.ª Comissão, 387/IX - Altera o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis no caso dos prédios cuja propriedade esteja registada em regiões com regime fiscal claramente mais favorável (BE), que baixa às 4.ª e 5.ª Comissões, 388/IX - Concessão e emissão de passaporte especial ao pessoal dos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas (PS), que baixa à 2.ª Comissão, 390/IX - Criação da Área Protegida das Serras de Abobereira e Castelo (PS), que baixa à 4.ª Comissão, 391/IX - Estabelece o regime jurídico das regiões de turismo (PCP), que baixa às 4.ª, 5.ª e 8.ª Comissões, 392/IX - Prescrição médica de Cannabis para cuidados paliativos nos casos de doença crónica grave e doença terminal (BE), que baixa à 8.ª Comissão; e projectos de resolução n.os 197/IX - Institui o Dia Nacional do Sapador Florestal (PSD e CDS-PP) e 198/IX - Programa Especial de Voluntariado "Jovem e as Florestas" (PSD e CDS-PP).
Em matéria de expediente, é tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, a ordem do dia de hoje inicia-se com o debate mensal com o Primeiro-Ministro, nos termos do artigo 239.º do Regimento, ao qual procederemos logo que o Governo se encontre presente - e estamos a fazer diligências para que tal aconteça.
Chamo a atenção da Câmara para o facto de decorrer em simultâneo com os nossos trabalhos o acto de eleição de um secretário da Mesa da Assembleia da República. A Sr.ª Deputada Isabel Gonçalves renunciou ao seu mandato porque, entretanto, foi eleita presidente de uma das comissões e o seu grupo parlamentar apresenta a candidatura do Sr. Deputado Henrique Campos Cunha. Esta votação vai decorrer na Sala das Sessões ao longo de toda esta sessão plenária, pelo que não é preciso haver aglomerações, havendo tempo para que todos possam votar.
A segunda parte da ordem do dia de hoje é preenchida com assuntos que se encontram devidamente indicados, alguns de ordem meramente administrativa como sejam as alterações ao Orçamento suplementar da A. R. para 2003 e as regras sobre deslocações, constantes do projecto de deliberação n.º 27/IX - Alteração à Deliberação 15-PL/89, de 7 de Dezembro (Conselho de Administração da A. R.).
Da ordem do dia fazem ainda parte a apreciação do projecto de lei n.º 389/IX - Altera o artigo 5.º, n.º 2, da Lei n.º 14/90, de 9 de Junho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 193/99, de 7 de Junho, e pela Lei n.º 9/2003, de 13 de Maio (Altera a composição do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida) (PSD, PS, PCP, BE e Os Verdes), e do inquérito parlamentar n.º 10/IX (PCP) - Concessão da gestão do Hospital Amadora-Sintra a uma entidade privada, à utilização dos dinheiros públicos nesta unidade e ao efectivo acompanhamento da execução do contrato (PCP).
O primeiro ponto é, como já disse, o debate mensal com o Primeiro-Ministro, que anunciou que a sua exposição inicial seria sobre temas europeus, à qual se seguirão as perguntas, conforme o figurino estabelecido no Regimento. Lembro, uma vez mais, que cada grupo parlamentar dispõe de cinco minutos para a primeira pergunta, três minutos para as segunda e terceira e, depois, há direito a réplica e tréplica para o que os Srs. Deputados que o fizerem dispõem de três minutos. O Sr. Primeiro-Ministro dispõe para a sua resposta de tempo igual ao do interpelante.
Vamos aguardar alguns momentos pela chegada dos Membros do Governo.
Pausa.
Já se encontram na Sala os Membros do Governo, a quem cumprimento.
Dou imediatamente a palavra ao Sr. Primeiro-Ministro, que dispõe de 12 minutos fazer a sua intervenção inicial de abertura do debate mensal.
Tem a palavra, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro (Durão Barroso): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Debater a posição de Portugal na Europa, na sequência da Cimeira Europeia do passado fim-de-semana, é um imperativo de Estado e de cidadania. Primeiro, por respeito para com a Assembleia da República; depois, pelo interesse
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de um amplo debate público sobre esta matéria, como ainda ontem, por unanimidade, reconheceu o Conselho de Estado e como sublinhou - e bem! - o Sr. Presidente da República; por último, porque um debate sério sobre a Europa pode ajudar a reforçar o amplo consenso europeu que, felizmente, há anos tem existido em Portugal e que é desejável manter e aprofundar.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Como se sabe, a Conferência Intergovernamental para a revisão dos tratados da União Europeia não conseguiu concluir os seus trabalhos. São poucas as divergências que subsistem, mas são sérias e importantes. Elas têm a ver, essencial mas não exclusivamente, com a questão da ponderação de votos no processo de tomada de decisão, matéria que carece ainda de maior reflexão e amadurecimento.
A verdade é que alguns Estados-membros não estavam ainda prontos para um compromisso final.
Portugal deu o seu contributo sério e empenhado para que a governabilidade e a solidariedade na União Europeia sejam verdadeiramente garantidas, na base de uma convicção firme e nunca por uma qualquer forma de imposição.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Devo, por isso, ser muito claro. A Europa está numa encruzilhada. O impasse verificado traduz alguma incapacidade de definir, de imediato, o modelo futuro da União Europeia. As mudanças profundas que o alargamento implica e os problemas recentemente levantados em torno do Pacto de Estabilidade e Crescimento - que colocaram em dúvida a credibilidade das regras da União Europeia - são, todas elas, questões pertinentes que suscitam naturais dificuldades e preocupações. Daí que o impasse a que se chegou não deva, de modo algum, ser subestimado, embora também pense que ele não merece ser dramatizado.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Reformar os tratados é indispensável, mas esta reforma deve ser feita de forma responsável e ponderada, de modo seguro e amadurecido, com celeridade, mas sem precipitações.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Ainda que demore mais tempo, é sempre preferível um bom tratado a um mau compromisso.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Porque a convicção europeia, livre e empenhadamente assumida por todos, é sempre melhor do que uma solução ambígua, conjuntural e de conveniência.
Não foi possível agora um acordo, é verdade, mas ele chegará, estou certo, num futuro não distante. E esse resultado há-de seguramente fortalecer a Europa se vier a traduzir-se, como espero, numa genuína convergência em torno dos princípios essenciais.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O tempo que temos pela frente não será tempo perdido. Temos de aproveitar esta oportunidade para amadurecer soluções.
É importante saber o que somos, onde estamos e para onde queremos ir.
O Sr. António Costa (PS): - Ora aí está!
O Orador: - Somos um país europeu. Estamos na União Europeia por opção livre, consciente e responsável. Queremos uma Europa mais forte, mais competitiva e mais justa. Desejamos estar presente neste projecto de forma activa e empenhada. Não abdicamos de participar nos patamares mais profundos da integração europeia. Numa palavra: o lugar de Portugal é no centro da decisão, nunca à sua margem ou na sua periferia.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
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Aderimos a um projecto fundado em princípios matriciais, que devem ser mantidos e reforçados: o princípio da igualdade entre todos os Estados-membros; o da coesão e da solidariedade; e do respeito pelo método comunitário.
Foram estes os princípios que sempre nortearam Portugal ao longo da sua história na União Europeia. Deles não podemos abdicar. Estivemos próximos de os ver consagrados no tratado constitucional. Tenho a convicção de que eles não deixarão de ser assumidos e consagrados no futuro.
A base de trabalho deve continuar a ser o projecto saído da Convenção. Um tratado constitucional que consagre aqueles princípios será o nosso objectivo. É essencial que a União Europeia esteja ancorada na lei e no direito, nunca fundada na força ou no facto consumado.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - É assim que se garante o sucesso do projecto europeu. E este sucesso é importante para a União Europeia, mas é importante para Portugal, para os portugueses e para a resolução dos problemas concretos que os portugueses enfrentam no seu dia-a-dia.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Sabemos bem o que somos e onde estamos, mas sabemos, sobretudo, para onde queremos ir. Sabemos bem qual a Europa que queremos e qual o papel que queremos para Portugal na Europa.
O futuro da União Europeia não se constrói com a ruptura entre os seus membros. Uma Europa a caminhar na base da clivagem entre os seus fundadores e os demais Estados-membros não seria, nunca, o projecto forte e credível que os portugueses ambicionam.
A solução de futuro é outra e bem diferente. A União Europeia deve ter um quadro institucional único, assente em regras claras e transparentes, aplicáveis a todos, capazes de assegurarem a igualdade e idêntica dignidade entre todos os seus Estados-membros.
Mas a União Europeia do futuro pode e deve enveredar mais pela via das cooperações reforçadas, abertas a todos os Estados-membros, sem que ninguém se sinta excluído, ou através de outras formas de cooperação que se venham a estabelecer.
Esta é a forma correcta de conciliar o princípio da igualdade entre todos os Estados-membros com a necessidade evidente de a União Europeia avançar em áreas onde a sua intervenção mais se justifica ou onde é absolutamente prioritária.
E perante esta opção o lugar de Portugal é muito claro: queremos estar na linha da frente da decisão, devemos participar activamente nas instâncias mais avançadas de integração que venham a ser criadas no âmbito europeu.
Só assim defenderemos melhor os nossos interesses e valores. Só assim afirmaremos mais e melhor a imagem de Portugal na Europa e no mundo.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Conferência Intergovernamental não concluiu, pois, os seus trabalhos, mas os chefes de Estado e de governo da União Europeia, reunidos este mês em Bruxelas, tomaram decisões de grande alcance.
Há três dessas nossas decisões que gostaria especialmente de sublinhar. A primeira tem a ver com a Acção Europeia para o Crescimento e aprovação de um conjunto de projectos de redes transeuropeias que vão das vias de comunicação (ferroviárias, rodoviárias e marítimas) à energia e até às redes de investigação, desenvolvimento e inovação.
É uma decisão importante para a Europa e essencial para o nosso país. Uma decisão que cria condições para que vários projectos nacionais, nomeadamente a Rede de Alta Velocidade, possam avançar, e avançar de forma rápida e eficaz.
A segunda importante decisão tomada foi no domínio da defesa. Foi possível definir uma arquitectura para a política europeia de segurança e defesa, nomeadamente na complexa questão das relações União Europeia/NATO. Também este era um objectivo de capital importância para um país euro-atlântico como o nosso. Um objectivo que concilia o projecto europeu em matéria de segurança e defesa com o carácter prioritário e essencial da relação transatlântica.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
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O Orador: - A terceira decisão de especial relevância tem ainda mais directamente a ver com Portugal. Conseguimos que a Agência Europeia de Segurança Marítima ficasse sediada no nosso País.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Não foi um resultado fácil, mas foi uma grande vitória para Portugal. Uma vitória da persistência, da vontade e da determinação.
É a segunda vez que o nosso País consegue obter a sede de um organismo europeu, e desta vez um organismo claramente mais importante. A primeira foi em 1992, com a instalação em Portugal da sede do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência. A segunda foi agora, em 2003, com a instalação da Agência Europeia de Segurança Marítima.
Esta é uma decisão de que nos devemos orgulhar, porque ela é factor de credibilidade para Portugal, representa um inestimável contributo para a afirmação do nosso país como um país marítimo e reflecte a importância estratégica que atribuímos aos oceanos e ao mar, elemento constitutivo da própria identidade portuguesa.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No dia seguinte ao Conselho Europeu, no qual, aliás, a União Europeia aprovou uma importante declaração reforçando o carácter insubstituível das relações transatlânticas, o mundo tomou conhecimento da captura do ditador Saddam Hussein. Foi uma excelente notícia para todos quantos lutam por um mundo mais livre e mais seguro.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Acabou mais uma ditadura e foi capturado mais um ditador. É um motivo sério de satisfação. A liberdade venceu!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
É certo que não estamos ainda perante o fim do conflito, mas é um passo decisivo para devolver aos iraquianos a condução soberana do seu próprio destino em liberdade.
Mas esta é também uma excelente notícia para o reforço da motivação de todos aqueles que, no Iraque,…
O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Como eu estava a dizer, esta é também uma excelente notícia para o reforço da motivação de todos aqueles que, no Iraque, legitimados por uma resolução das Nações Unidas, estão a ajudar a construir um novo país. É o caso dos militares da Guarda Nacional Republicana.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Este é também o momento para, daqui, da Assembleia da República, dizermos aos nossos compatriotas que estão no Iraque: temos orgulho no vosso trabalho, sabemos os riscos que correm, mas confiamos na vossa dedicação e no vosso profissionalismo.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Conhecemos as dificuldades que atravessam, mas estamos solidariamente ao vosso lado. A vossa missão é uma missão nobre, porque é a missão da paz, da liberdade e da segurança. Temos a certeza de que, uma vez mais, sabereis honrar e prestigiar o nome e a imagem de Portugal!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na União Europeia, no plano internacional e nas relações transatlânticas a nossa atitude é sempre a mesma: coerência, coragem e persistência. Coerência nos valores; coragem nas atitudes; persistência em torno das decisões que melhor sirvam o projecto europeu e o interesse
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nacional.
É assim que temos agido, é assim, posso garantir-vos, que continuaremos a agir, como sempre, em nome de Portugal.
Aplausos do PSD e do CDS-PP, de pé.
O Sr. Presidente: - Para formular a sua pergunta, como é hábito, tem a palavra o líder do maior partido da oposição, Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues. Dispõe para o efeito de 5 minutos.
O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, o tema escolhido por V. Ex.ª para este debate mensal é, sem dúvida, um tema importante, mas não sei até que ponto é que não teríamos ganho em fazer este debate em Janeiro, depois do arranque da presidência irlandesa, e não "tão a quente", depois do que aconteceu no sábado passado.
Aliás, há vários temas nacionais que preocupam muito os portugueses, como é o caso dos últimos dados sobre a execução orçamental das receitas, que põem em crise o Orçamento do Estado há pouco tempo aprovado por esta Câmara, e também o aumento galopante do desemprego, que só no mesmo de Novembro cresceu quase 20% em relação ao mesmo mês do ano passado, sem que o Governo tenha manifestado qualquer gesto ou preocupação sobre essa matéria - isto para não falarmos em relação a outras matérias que estiveram muito na ordem do dia ainda ontem!…
Mas, Sr. Primeiro-Ministro, gostaria, em primeiro lugar, de assinalar que, quanto à Agência Europeia de Segurança Marítima, esperava que, no mínimo, V. Ex.ª reconhecesse que o essencial do trabalho de preparação do dossier da candidatura e de entrega foi feito pelo Eng.º António Guterres, pelo Sr. Deputado Jorge Coelho e pelo Sr. Deputado José Junqueiro, os dois últimos presentes nesta bancada, e que, por isso, mereciam uma palavra sua de congratulação pelo êxito do Governo português.
Aplausos do PS.
Mas vamos ao tema escolhido por V. Ex.ª, para lhe dizer, em primeiro lugar, que não vale a pena disfarçar que o falhanço do Conselho Europeu em aprovar uma Constituição para a Europa, depois do esforço feito na Convenção e na CIG, constituiu um revés para a integração e a afirmação europeias. E disfarçar e minimizar diante da opinião pública portuguesa é, do meu ponto de vista, deseducativo, mistificador e, sobretudo, não acrescenta credibilidade aos responsáveis políticos. Convém não esquecer que este fracasso acontece a poucos meses do alargamento da União Europeia, no pior momento em que um fracasso podia acontecer.
Agora, quanto a um tratado constitucional, que não haja ilusões: ninguém em Bruxelas e no resto da Europa admite que ele possa ser aprovado a curto prazo e há até quem considere que será difícil que isso aconteça antes do final de 2004, antes da presidência holandesa, isto na melhor das hipóteses. Escusa, pois, o Sr. Primeiro-Ministro de continuar a fazer malabarismos ilusionistas -…
Protestos do PSD e do CDS-PP.
… hoje não o fez -, acenando com o referendo em simultâneo com as eleições europeias de Junho de 2004. Foi esse, como se recorda, o tema central da sua última intervenção em Plenário sobre questões europeias. Não haverá, então, qualquer Constituição para referendar, nem, evidentemente, tem a menor justificação que se fizesse, nesta conjuntura de crise institucional, um referendo a um projecto de Constituição europeia e ao papel e interesse que Portugal nele tem.
Sr. Primeiro-Ministro, se é a favor do referendo, não teime com a única data em que nenhum referendo se pode, efectivamente, realizar em Portugal.
Aplausos do PS.
Sr. Primeiro-Ministro, do meu ponto de vista, a má liderança europeia ficara já demonstrada na forma como se deixou morrer o Pacto de Estabilidade e Crescimento, de "morte anunciada", ainda por cima. E o Governo português não pode fingir estar isento de responsabilidades nesse processo.
Estando Portugal na posição de ser duramente penalizável pelas regras do Pacto e estando, de facto, a ser penalizado pela política orçamental e económica desastrosa que esta maioria parlamentar impôs invocando-o, ao Governo cabia a responsabilidade, desde há muito, desde que se verificara e proclamara que o Pacto era "estúpido", de exigir a sua revisão a tempo e horas. O PS, desde cedo, apoiou o Governo nesse objectivo, mas o Governo nada fez. É inexplicável e contribui para a crise de confiança em que
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toda a Europa está, neste momento, mergulhada.
Aplausos do PS.
Sr. Primeiro-Ministro, gostaria também de dizer-lhe o seguinte: a partir deste momento,…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se, tenha a bondade de concluir.
O Orador: - Sr. Presidente, estou a terminar.
A partir deste momento, a Constituição e as perspectivas financeiras, que são muito importantes para Portugal para os próximos anos, vão estar ligadas inextrincavelmente e, portanto, terrivelmente mais complicadas.
Antes de voltar a colocar-lhe mais algumas questões, gostaria de saber o que é que o Dr. Durão Barroso vai fazer perante a afirmação de força por parte dos grandes países da União Europeia - não são os principais, mas são os maiores -, que disseram que, ao contrário do que a Comissão Europeia queria, não deixarão ultrapassar o tecto de 1% em relação ao produto nacional bruto nas despesas para a Europa. É que, certamente, o Sr. Primeiro-Ministro reconhece que, nesse contexto, os principais penalizados seremos nós, será Portugal, e seremos penalizados, eventualmente, por um castigo à Espanha - e nós não temos de andar a reboque dos interesses espanhóis na construção europeia!!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro. Dispõe também de 5 minutos.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues, em primeiro lugar, quero dizer que a importância deste debate se justifica por si mesma. Ainda ontem V. Ex.ª participou comigo num Conselho de Estado, onde, por unanimidade, entendemos que era muito importante associar a Assembleia da República a um amplo debate nacional sobre as questões europeias, porque hoje, e V. Ex.ª sabe isso, já não se pode muitas vezes fazer a distinção entre o que é nacional e o que é europeu. O nosso futuro está, para o bem e para o mal, esperemos que para o bem, intimamente ligado ao processo de construção europeia.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - No que diz respeito à questão do referendo, sejamos claros: nós manifestámos a nossa disponibilidade para a realização de um referendo europeu. Como sabe, a própria Assembleia da República recentemente aprovou uma resolução, na qual disse ser desejável que se faça em Portugal um referendo sobre a nossa posição face à evolução da União Europeia, não necessariamente ligado a este ou àquele tratado. Aliás, já no passado, houve tentativas de se avançar com um referendo sobre o caminho geral a seguir na questão europeia.
Mas é verdade, reconheço-o sem qualquer dificuldade, que o facto de não termos concluído já a Conferência Intergovernamental retira urgência e pertinência a um referendo já, agora, no primeiro semestre do próximo ano.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Mantemos essa disponibilidade, achamos que é importante que os portugueses saibam que a maioria não tem medo de um referendo,…
O Sr. Patinha Antão (PSD): - Muito bem!
O Orador: - … nós desejamos o maior debate possível sobre estas matérias, por isso é que hoje aqui trazemos esse tema. Mas, obviamente, aceitamos que a pertinência e a urgência da questão possam não ser as mesmas, como se verifica agora, quando, ao contrário do que desejaríamos, não temos ainda um novo tratado constitucional.
No que se refere à questão da Agência Europeia de Segurança Marítima, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, é verdade, e não me custa reconhecê-lo, que o processo foi iniciado por um vosso governo,…
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O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - E entregue!
O Orador: - … mas também é verdade que o assunto estava completamente bloqueado e que não foi resolvido.
Aliás, posso revelar-vos como é que ele foi resolvido: havia essencialmente um problema com esta Agência, que era uma das mais disputadas, porque havia pelo menos quatro países candidatos a ela, e havia uma candidatura muito forte, que era a candidatura da França. Ora, nós desbloqueámos o assunto quando apoiámos a França na sua candidatura recente ao ITER, que é um grande projecto a nível mundial para o desenvolvimento de capacidades na investigação nuclear. Nessa altura comuniquei ao Presidente Chirac o nosso apoio e, em troca, a França deu-nos o seu apoio à nossa candidatura à Agência Europeia de Segurança Marítima. E, ao contrário daquilo que estava desenhado em Laeken, não houve qualquer ideia, nem nós aceitámos, de ceder de volta para outro país ou para Bruxelas o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Por isso, Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues, eu esperava da sua parte uma congratulação mais clara com a vitória de Portugal. Eu tive o cuidado de, no meu discurso - sou cuidadoso nas palavras -, referir uma vitória de Portugal, e não chamei tanto à colação o esforço do Governo.
O Sr. José Sócrates (PS): - Por amor de Deus!…
O Orador: - Mas, visto que coloca a questão em termos de esforço deste ou daquele governo, é justo reconhecê-lo… Mais: digo-lhe que, sem o esforço deste Governo, nem sequer tinha havido o pacote aprovado em matéria de agências europeias,…
Protestos do PS.
… porque a questão estava bloqueada e foi por nossa insistência que a presidência italiana acabou por decidir trazer uma questão que, como sabem, é muito difícil, que se arrastava há anos, para ser definida e ser finalmente aprovada.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - No que diz respeito à questão dos temas nacionais, Sr. Deputado, que fique bem claro: este é o Governo que mais vezes vem à Assembleia debater e esclarecer todos os problemas.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Mais: na nossa história democrática, eu já sou hoje o Primeiro-Ministro que mais vezes veio ao Parlamento discutir com o Parlamento todas as questões nacionais!
O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - É para verem a diferença!
Protestos do PS.
O Orador: - Recentemente, tivemos a oportunidade neste Parlamento, ainda aquando da apreciação do Orçamento do Estado e noutros debates, de discutir a questão económica e social, como nunca aconteceu num período tão curto de tempo.
O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de terminar.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Como eu ia a dizer, o Sr. Deputado faz-me lembrar aqueles alunos que "chumbam" na primeira chamada, querem uma segunda chamada e uma terceira chamada…
Risos do PSD.
Mas nós estamos sempre disponíveis para discutir as questões nacionais e vamos fazê-lo…
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O Sr. António Costa (PS): - Ai, vai, vai!… Por nós vai!
O Orador: - … com o mesmo espírito com que discutimos as questões europeias.
A verdade é que ainda agora vimos terminar umas jornadas parlamentares do seu partido, durante três dias, e conseguimos verificar que dessas jornadas não surgiu uma ideia, uma proposta, uma alternativa, para a política de saúde que o Governo tem vindo a pôr em causa.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Protestos do PS.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues, deseja replicar?
O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, durante 3 minutos.
O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, sabe que o facto de vir aqui muitas vezes falar de questões da União Europeia também significa que, quando as coisas apertam aqui, no terreno interno se refugia muitas vezes no campo europeu e no da política externa.
Vozes do PS: - É verdade!
Protestos do PSD e do CDS-PP.
O Orador: - Esse é um sinal nem sempre positivo.
O Sr. Álvaro Castello-Branco (CDS-PP): - Uma vergonha!
O Orador: - Gostaria de dizer-lhe que todas as Agências estavam em causa. Aquilo que se passou nesta reunião do Conselho Europeu não foi a atribuição da Agência Europeia da Segurança Marítima a Portugal mas, sim, a atribuição de várias e várias agências a numerosos países.
O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!
O Orador: - Portanto, a questão fundamental, como eu disse, Sr. Primeiro-Ministro, é que teria sido normal que tivesse referido o trabalho excelente que foi feito pelo governo anterior na preparação dessa candidatura, e até por uma pessoa que não é do Governo, o Prof. Mário Ruivo, que mereceria os maiores encómios de V. Ex.ª, que se esqueceu do seu papel fundamental nesse objectivo nacional.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
Sr. Primeiro-Ministro, como calcula, não vou discutir com V. Ex.ª aqui, na Assembleia da República, o que se passa no Conselho de Estado. Aliás, não me parece de grande elegância que tenha citado por duas vezes o Conselho de Estado…
Vozes do PS: - Bem lembrado!
O Orador: - … que é um órgão de consulta do Sr. Presidente da República.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Agora, este debate já teve, para mim, uma grande vitória,…
Vozes do PSD: - Ah!…
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O Orador: - … que foi o facto de o Sr. Primeiro-Ministro ter recuado totalmente, depois de, no sábado, em Bruxelas, ter dito que, mesmo com o que se passou no Conselho Europeu, mantinha, como única data para o referendo em Portugal, a data das eleições europeias. Mas já recuou, felizmente para Portugal e para a democracia!
Aplausos do PS.
Lamento que, em relação a outras questões fundamentais que coloquei - como a de saber qual é o papel do seu Governo relativamente à crise do Pacto de Estabilidade e Crescimento, ou, no caso de existir uma lógica de Europa a duas velocidades, onde é que o Sr. Primeiro-Ministro aposta -, que sobre esses aspectos tenha estado em rigoroso silêncio.
O Sr. Primeiro-Ministro veio aqui, se quer que lhe diga, mais para cumprir calendário do que para discutir as verdadeiras e grandes questões nacionais,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Então, discuta!
O Orador: - … que são extremamente graves. E eu volto a chamar a sua atenção para o problema da execução orçamental, da hecatombe orçamental que está em curso, e para o problema gravíssimo que existe em Portugal, com o desemprego, para o qual o Sr. Primeiro-Ministro, como sempre, não tem uma única palavra, nem sobre o desemprego, nem sobre os desempregados, em Portugal, o que é lamentável.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro. Dispõe de 3 minutos.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues, francamente, essa sua insistência na questão da Agência Europeia da Segurança Marítima é -…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - "Dor de cotovelo"!
O Orador: - … desculpe que lhe diga -, ridícula. É ridículo que, em vez de simplesmente dizer "parabéns a Portugal por ter conseguido a Agência", venha aqui tentar "disputar a taça" nessas circunstâncias. Francamente, não se percebe!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Risos do Deputado do PS Eduardo Ferro Rodrigues.
No que diz respeito à questão do referendo, sejamos claros: houve uma alteração de circunstâncias. O que eu disse, e mantenho, é que continuamos disponíveis para que, durante o próximo ano, a haver referendo seja, nessa data, que é a única que aceitaremos durante o próximo ano para o referendo. Não estou a ver outra data possível,…
O Sr. Patinha Antão (PSD): - Muito bem!
Vozes do PS: - Porquê?
O Orador: - … até pelo calendário eleitoral que temos para o ano.
O Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues, às vezes, fica incomodado por estar de acordo com o Governo, mas nós, no essencial, estamos de acordo quanto à questão europeia.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Eles não querem!
O Orador: - Felizmente, tem havido da vossa parte uma posição nessa matéria, não noutras, que reconheço ser construtiva. Para que é que havemos de arranjar, agora, artificialmente, um problema que nos divida?
VV. Ex.as não querem o referendo na data que eu propus e como é necessária uma revisão constitucional - e, obviamente, o vosso voto aí é essencial -, então, não haverá nessa data. Com certeza que não!
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Mas não vamos fazer um drama disso, nem vamos cantar vitória ou derrota por causa disso! Nestas questões também é preciso demonstrar algum sentido de Estado e responsabilidade.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Protestos do Deputado do PS Eduardo Ferro Rodrigues.
Quanto à questão do Pacto de Estabilidade e Crescimento, sejamos claros. Vou dizer qual é a posição do Governo, que, aliás, foi muitíssimo bem expressa, aqui pela Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças num debate nesta Assembleia. Com ou sem Pacto de Estabilidade e Crescimento, a nossa política económica e financeira teria sempre de ser esta.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - O desemprego, que muito nos preocupa, não é um resultado da política orçamental, é o resultado do indispensável ajustamento que teria de seguir-se ao período de descontrolo que VV. Ex.as protagonizaram.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
Protestos do PS.
O Orador: - Nós consideramos essencial a existência de um mecanismo disciplinador das finanças públicas dos países que pertencem à União Monetária Europeia. E porquê? Não é por uma razão teórica da economia, é por uma razão prática e que os portugueses entendem: é que se não houver o respeito pelas regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento, as taxas de juro disparam…
Protestos do PS.
Risos do PCP.
… e, então, volta a crescer o endividamento do Estado, das empresas e das famílias. A verdade é que o Pacto de Estabilidade e Crescimento é a melhor garantia para a estabilidade monetária, para mantermos taxas de juro ao nível que temos actualmente.
Quanto ao Partido Socialista, aí é que verdadeiramente ninguém sabe qual é a vossa posição.
O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente, e pergunto: quem é que pôs Portugal no Pacto de Estabilidade e Crescimento? Foi o governo do Partido Socialista! Foi, não foi?
Hoje, até parece que são os maiores adversários do Pacto de Estabilidade e Crescimento,…
Vozes do PS: - Não, não!
O Orador: - … quando foi o vosso governo que pôs Portugal no Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Por isso, a grande diferença entre nós, Sr. Deputado, não é apenas de conteúdo de políticas: é que nós temos sobre o mesmo assunto uma política; e os senhores têm sobre o mesmo assunto, sempre, duas políticas e dois discursos.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - E o Dr. Santana Lopes?!
O Sr. António Costa (PS): - São três!
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O Sr. Presidente: - Para formular a sua pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva, dispondo, para o efeito, de 5 minutos.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, deve ser inédito, no quadro da União Europeia, o incómodo do líder do maior partido da oposição, pelo facto de o Governo - o Primeiro-Ministro - vir ao Parlamento dar conta do que se passou na última cimeira europeia em que esteve sobre a mesa a revisão dos tratados institucionais.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - É exactamente o oposto do que acontece ao longo da Europa, onde estão os Primeiros-Ministros dos Parlamentos a prestar contas com satisfação dos partidos da oposição por esse gesto. Nós, aqui, temos o líder da oposição a querer discutir "questões de campanário", questões menores, tricas políticas,…
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
Protestos do PS.
O Orador: - … porque não tem uma visão de Estado; tem uma visão partidária. Assim, nunca pode ser Primeiro-Ministro!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Protestos do PS.
Muito obrigado, Sr. Primeiro-Ministro, pela consideração que tem para com a Assembleia da República. Felicito V. Ex.ª e o Governo pela sintonia institucional com o Sr. Presidente da República, que, também revelando preocupações nesta matéria, convocou o Conselho de Estado para dela se ocupar. E V. Ex.ª não revelou qualquer segredo, é público que o Conselho de Estado recomendou, apelou para que a Assembleia da República e o Governo debatessem esta matéria. E este apelo foi correspondido com a prontidão, razão por que, pela mão de V. Ex.ª, estamos agora aqui a debatê-la.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, naturalmente que, na cimeira europeia, houve coisas que correram melhor e outras que correram pior. V. Ex.ª já referiu algumas delas, e temos de nos regozijar pela circunstância de termos conseguido para Portugal a Agência Europeia da Segurança Marítima (AESA).
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Não me parece que seja compreensível que uma matéria que interessa ao País e que nos deve regozijar, a todos nesta Assembleia, seja motivo de "puxar galões" de natureza partidária. A diferença que há entre este Governo e o anterior é que o anterior governo ia para estas questões a pensar no partido; nós vamos para estas questões a pensar em Portugal, a pensar no País.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Se VV. Ex.as tivessem esta visão, nunca teriam admitido, como admitiram ao longo da negociação sobre esta matéria, a hipótese de trocarem a sede do Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência (OEDT) em Portugal para outro país da União Europeia, para obterem em troca a Agência Europeia da Segurança Marítima.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Com este Governo, mantém-se em Portugal o Observatório e vem para Portugal a Agência Europeia da Segurança Marítima.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
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É com a credibilidade que se ganha lá fora que se conseguem estas vitórias; não é não cumprindo os compromissos, não é não cumprindo as metas estabelecidas pela União Europeia que se ganha espaço para ter estas vitórias para Portugal.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Também tivemos a vitória de conseguir um aumento da participação da União Europeia nas redes transeuropeias de transportes de alta velocidade. É a oportunidade de concretizarmos o TGV. E, a este propósito, eu gostaria que V. Ex.ª referisse os outros projectos que conseguiram ter acolhimento neste Conselho e a forma, aquilo que o Governo teve de fazer, para também conseguir esta solução.
Também nos regozijamos pelos avanços e consensos que se obtiveram neste Conselho em matéria de defesa. Todos sabemos que esta é uma área e um domínio em que há um défice europeu. Todos sabemos que temos de privilegiar - e veio também esta afirmação deste Conselho - a relação transatlântica. Todos sabemos que temos de articular as coisas com a NATO, mas é bom que, também aqui, a Europa reforce a sua própria autonomia.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, as coisas menos boas foram, obviamente, o facto de não termos conseguido aprovar o tratado constitucional europeu.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não sei!
O Orador: - E é sobre esta questão que quero colocar-lhe uma pergunta.
Neste impasse a que chegámos, nesta situação em que nos encontramos, nesta encruzilhada, como V. Ex.ª referiu, com mais 10 Estados num todo de 25, em que naturalmente as dificuldades serão agora mais acentuadas, o que iremos ter? Não há uma saída para a Europa? Vamos ter um directório dos grandes? Vamos ter uma Europa a duas velocidades?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.
O Orador: - Qual é a ideia que V. Ex.ª, o Governo português, tem para preconizar uma saída que concilie o interesse da Europa e o de Portugal - o interesse de Portugal, não o interesse dos partidos, o interesse do nosso país que V. Ex.ª sabe tão bem defender e interpretar?
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, muito obrigado pelas suas palavras e também pelas questões que coloca.
A primeira questão, de facto, não tem tido, no plano mediático, o relevo que merece. Este Conselho Europeu aprovou uma acção europeia para o crescimento, o que prova que na Europa não se fala só de estabilidade monetária mas também de crescimento. Este programa de construção de redes transeuropeias é extremamente ambicioso e tínhamo-nos oposto, nós e outros países, a que ele fosse aprovado no último Conselho Europeu, porque, nessa altura, da lista apresentada pela Comissão, não constava, nomeadamente, qualquer projecto em que Portugal estivesse envolvido. Porém, a lista que a Comissão já tem aprovada, e que agora será, portanto, levada à prática já com o mandato do Conselho Europeu, inclui, logo à partida, seis projectos, pelo menos, de interesse directo para Portugal: a linha de alta velocidade Lisboa/Porto/Madrid; as ligações multimodais Portugal/Espanha/resto da Europa, nomeadamente a ligação ferroviária Corunha/Lisboa/Sines; a ligação ferroviária de mercadoria Sines/Madrid/Paris; a interoperabilidade ferroviária de alta velocidade na Península Ibérica, nomeadamente o corredor norte/noroeste, incluindo Porto/Vigo; as auto-estradas marítimas, incluindo a chamada auto-estrada marítima do Sudoeste da Europa; e ainda uma outra rede transeuropeia no plano da energia, que é o aumento das capacidades de interconexão de electricidade da Península Ibérica, nomeadamente a linha Aldeadavilla/Douro/Valdigem.
Para além disto, não nos esqueçamos, porque não há projectos concretos aprovados mas serão lançados,
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e é importante que a nossa comunidade científica e as universidades estejam atentas, de que foi aprovado o princípio das redes de banda larga, investigação, desenvolvimento e inovação, como redes transeuropeias, onde será dado um alto grau de prioridade aos projectos que envolvam várias entidades de vários países-membros. Estes projectos contarão com uma majoração do orçamento comunitário, haverá recurso a financiamento do Banco Europeu de Investimentos e - e este é um aspecto inovador e essencial para o nosso país, mas também para vários outros, na actual situação orçamental - poderá haver recurso às chamadas parcerias público-privadas,…
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - … precisamente para evitar uma sobrecarga dos orçamentos nacionais.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Tipo SCUT!
O Orador: - Penso, portanto, que são excelentes notícias aquelas que vieram do Conselho Europeu, que ficaram, naturalmente, obnubiladas pelo impasse da Conferência Intergovernamental (CIG) mas que anunciam, para os próximos anos - e são investimentos que se começarão a realizar já em 2004 e que terão a sua fase de maturação em 2006 -, perspectivas de crescimento para a Europa, e fico satisfeito por verificar que os programas mais urgentes para Portugal foram contemplados.
Daí a importância de termos conseguido, na Cimeira Luso-Espanhola, realizada na Figueira da Foz, a aprovação que já tardava, há muitos anos, da rede de alta velocidade, porque isso permitiu-nos, ainda em tempo - em tempo, embora, devo dizer, mesmo na recta final -, apresentar projectos que, agora, podem figurar nas redes transeuropeias consideradas prioritárias.
Foi, pois, uma excelente notícia aquela que saiu do Conselho Europeu, em termos de acção europeia para o crescimento.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Relativamente à segunda questão, Sr. Deputado Guilherme Silva, não podemos ignorar que a União Europeia a 25 Estados é diferente da União Europeia a 15, pelo que tem de haver modificações no modo de funcionamento. Temos de ser sérios e realistas! Há pessoas que gostam sempre de conservar tudo como está, mas, simplesmente, isso não é possível.
Assim, o modo que considero possível, conforme ao interesse da Europa e ao nosso interesse, é o de manter o quadro único europeu, mas aceitar cooperações reforçadas, como, aliás, já existem algumas. Ou seja, não fazer com que países que queiram ir mais depressa obriguem todos a ir à mesma velocidade, mas também não permitir que os que querem ir mais devagar obriguem os outros ao mesmo passo mais lento. Esta é a solução, e, desde que estes pontos sejam garantidos, num quadro de universalidade e abertura para todos os membros da União Europeia, com a observância de princípios bem claros, com cooperações reforçadas e abertas, não exclusivistas,…
O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.
O Orador: - … Portugal tem condições para aprovar e apoiar um tratado constitucional, pois, como eu disse, um país como o nosso é dos que tem mais interesse em que, na União Europeia, impere o direito e não o facto consumado. E é neste sentido que vamos continuar a trabalhar.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Guilherme Silva fez saber à Mesa que não deseja replicar.
Vozes do PS: - Estão esclarecidos!
O Sr. Presidente: - Assim, tem a palavra, para formular a sua pergunta, o Sr. Deputado Telmo Correia, que dispõe de 5 minutos.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, a minha primeira palavra é para saudar aquela que é, do nosso ponto de vista - e, desta vez, neste caso concreto, sem que fosse disparado um tiro -, a mais importante vitória, desde que se iniciou a intervenção no Iraque. A captura de Saddam Hussein é, de facto, a mais importante vitória, desde que essa intervenção se iniciou.
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Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - E o que temos de deixar claro, hoje, é que se não tivesse havido intervenção Saddam Hussein não estaria escondido e acobardado num buraco mas, sim, num dos seus palácios, de onde comandava o terror.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
Se não tivesse havido intervenção, Saddam Hussein não estaria a caminho de um tribunal, onde vai prestar contas, mas, sim, nos seus palácios, a condenar à morte, sem julgamento, muitos dos seus concidadãos.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Se não tivesse havido intervenção, Saddam Hussein, como Milosevic, estaria no poder. E isto, Sr. Primeiro-Ministro, dá sentido à fotografia dos Açores, à posição que tomámos ao lado dos nossos aliados…
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - … e à vitória, obviamente, dos Estados Unidos, mas também dos seus aliados e da coligação e, nesta medida, à vitória do Governo e de Portugal.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
E é extraordinário, Sr. Primeiro-Ministro, que aqueles que estiveram nas ruas, ao lado de comunistas e do Bloco de Esquerda, a criticar essa intervenção, designadamente o maior partido da oposição, hoje, pela voz do seu Secretário-Geral, que aqui usou da palavra duas vezes, nem uma palavra tenham dito para saudar a captura de Saddam Hussein. É uma vergonha!
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, escolheu o tema da Europa e nós sabemos que a Europa, nesta matéria, sofreu uma clivagem, uma divisão, uma discussão. O que lhe pergunto, Sr. Primeiro-Ministro é até que ponto essa clivagem está ultrapassada,…
O Sr. José Sócrates (PS): - Está ultrapassadíssima!
O Orador: - … e qual é o avanço que tem a nossa visão, que é uma visão da defesa e da segurança internacionais, baseada num pilar europeu mas baseada também na colaboração da NATO e de não prescindirmos da NATO, numa lógica transatlântica. Gostava de saber o que se pode dizer, neste momento, em relação a esta ideia.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - E faço-lhe esta pergunta com a consciência de a fazer em nome do CDS-PP.
Hoje em dia, são cada vez mais as vozes que, por tudo e por nada, tentarão dividir o CDS-PP e o PSD,…
Vozes do PCP e do BE: - Ah!…
O Orador: - … que tentarão instigar a divisão na maioria, sendo que os temas europeus, a este nível, são sempre temas recorrentes. Ora é o Dr. Ferro Rodrigues, ora é um antigo Secretário-Geral do Partido Socialista e, de resto, ex-Presidente da República Mário Soares, enfim, há sempre alguém disposto a tentar instigar essa divisão entre os dois partidos da maioria. Ouço até frases extraordinárias do Dr. Mário Soares!
O CDS-PP fez uma revisão das suas posições europeias em 1998, não tenhamos dúvidas sobre isto,…
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O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Bom tema para um debate mensal!
O Orador: - … e o Dr. Mário Soares diz agora que aquilo que o CDS-PP fez foi uma "cambalhota", uma "cambalhota" em matéria europeia.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Uma cambalhota para trás!
O Orador: - Ouvi esta frase e, confesso, dei comigo a pensar no seguinte: se aquilo que o CDS-PP fez, em matéria europeia, é uma "cambalhota", o que é que podemos dizer do antigo homem dos americanos em Lisboa?!
Risos do Ministro de Estado e da Defesa Nacional.
Não é uma "cambalhota", é uma autêntica "ventoinha"!
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Não há outra explicação! E, se alguém tem dúvidas, perguntem ao Sr. Carlucci! É uma autêntica "ventoinha", não tenhamos dúvidas acerca disto!
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
E parte do pressuposto de que a visão correcta sobre a Europa é a visão centralista.
Vamos ouvir o que é a Europa, como é que ela nasceu e o que é que pensavam os pais fundadores.
Tenho aqui um livro que se chama Jean Monnet, o inspirador - Jean Monnet não é do CDS, nunca foi do CDS e é, indiscutivelmente, um pai fundador da Europa -, do qual me atrevo a citar Jean Monnet sobre esta questão, Sr. Primeiro-Ministro: "Devemos compreender que a cooperação entre a Europa e os Estados Unidos é indispensável à nossa segurança. Não é, a longo prazo, possível que a Comunidade Europeia faça outra coisa senão demonstrar compreensão pelo dinamismo e pelos problemas de natureza universal que tanto preocupam os americanos".
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. José Sócrates (PS): - Isso tem mais de 30 anos! Que coisa ridícula!
O Orador: - Esta é a posição dos pais fundadores da União Europeia, esta é a nossa posição e esta é, no passado como agora, a posição correcta.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - O que lhe pergunto ainda, Sr. Primeiro-Ministro, é se a situação a que chegámos, na evolução do processo europeu, representa…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esgotou-se o tempo de que dispunha.
O Orador: - Vou terminar já, Sr. Presidente, peço-lhe apenas a mesma tolerância que tiveram outros Srs. Deputados que usaram da palavra anteriormente.
O Sr. Presidente: - A todos assinalei que o tempo tinha sido esgotado, Sr. Deputado.
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Pergunto-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, se esta situação a que chegámos, na evolução do processo europeu, representa um avanço, designadamente, do princípio da igualdade dos Estados e, por exemplo, do princípio, fundamental para nós, de um Estado/um Comissário. O que é que está adquirido nesta matéria?
Por outro lado, pensando, mais uma vez, como os pais fundadores da União Europeia, e citando Robert Schuman, outro dos pais fundadores, "A Europa não se fará de um golpe nem numa construção de conjunto; far-se-á por meio de realizações concretas que criem em primeiro lugar solidariedade (…)". Ou seja, gostava de saber se esta paragem não pode ser útil num ano decisivo, como será o de 2004.
Termino, Sr. Primeiro-Ministro, dizendo-lhe que, em relação a esse ano, em que teremos eleições
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europeias, o que podemos desejar, embora haja partes que não dependem de nós - uma oposição mais sensata, por exemplo, não depende de nós -, é força e coesão na maioria, com o nosso apoio incondicional, porque um bom ano para si e para o Governo será um bom ano para os portugueses.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Telmo Correia, permito-me fazer-lhe um reparo: com toda a franqueza, considerei excessivas algumas das palavras com que se referiu, na sua intervenção, a um antigo membro desta Casa, que foi também Primeiro-Ministro e Presidente da República.
Protestos do CDS-PP.
Isto, sem prejuízo da total liberdade das suas opiniões e da controvérsia que esta personalidade tem com o seu partido.
Em todo o caso, entendo que há determinadas expressões, cuja inclusão nas Actas não traz qualquer ganho ao Parlamento.
Era este o reparo que pretendia fazer-lhe, Sr. Deputado.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, obviamente, quero dar-lhe explicações, de modo a não permitir que, de alguma forma, a consideração de V. Ex.ª se possa sentir melindrada ou ofendida.
O Sr. Presidente: - A minha intervenção não tem carácter pessoal, Sr. Deputado, é uma questão institucional.
O Sr. José Magalhães (PS): - Perceba a diferença!
O Orador: - A sua sensibilidade, se quiser, Sr. Presidente. Não quero que a sua sensibilidade se sinta, de algum modo, ofendida.
Em qualquer caso, Sr. Presidente, quero dizer-lhe que tenho o máximo de respeito por toda a gente e que isso, de resto, faz parte da minha forma de fazer política. No entanto, o debate político obriga a que, quando um determinado tom é usado, a resposta seja dada no mesmo tom, sob pena de isso ser analisado e julgado como uma incapacidade de resposta de quem respondeu.
Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, recomendo-lhe que leia as declarações do Dr. Mário Soares e verá que não fui outra coisa senão suave e brando no que disse.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. José Magalhães (PS): - Suave?! Grosseiro!
O Sr. Presidente: - Quanto a suavidade e brandura, é óbvio que cada um tem a sua.
O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito regimental da defesa da honra da bancada.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pode concretizar a ofensa?
O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, a nossa sensibilidade será talvez maior do que sua, mas, tal como V. Ex.ª sentiu que as expressões empregues pelo Sr. Deputado Telmo Correia, relativamente ao Dr. Mário Soares - antigo secretário-geral do Partido Socialista, antigo Chefe de Estado de Portugal -, mereciam reparo, esta bancada sente-se ofendida pela forma como o Sr. Deputado Telmo Correia se referiu ao Dr. Mário Soares.
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Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado, mas peço-lhe para ser breve, para não nos envolvermos nas clássicas defesas da honra, que, evidentemente, perturbam o debate, que deve concentrar-se nos temas que lhe são próprios.
O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, sublinho que aguardei que o Sr. Deputado Telmo Correia aproveitasse a oportunidade que V. Ex.ª lhe concedeu de dar explicações para não levantar o incidente, porque admiti que pudesse ter sido um momento de exaltação do Sr. Deputado Telmo Correia, o que seria naturalmente compreensível, e que teria ficado sanado com as explicações que teve a oportunidade de dar a V. Ex.ª.
Contudo, o Sr. Deputado Telmo Correia não só não aproveitou a oportunidade como entendeu mesmo que deveria reincidir, tendo até estabelecido o padrão: quando não se reage, parece que não há capacidade de resposta. Por isso, não podemos deixar de reagir, Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Deputado Telmo Correia e o CDS-PP envolveram-se, recentemente, num processo revisionista da história da democracia portuguesa.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O que, do nosso ponto de vista, é inaceitável.
A Sr.ª Maria Santos (PS): - Muito bem!
O Orador: - É, aliás, um fenómeno relativamente curioso e atípico.
Há dois governos na Europa que têm uma formatação idêntica: o português e o italiano.
Em Itália, a aproximação do Sr. Fini ao Sr. Berlusconi tem tido a virtualidade de arrastar o Sr. Fini para o campo democrático e de o levar a afastar-se do discurso da extrema-direita. Infelizmente, em Portugal, o peso do CDS-PP tem provocado um movimento inverso…
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - É mentira!
O Orador: - … e o deslocamento tem-se verificado por parte do PSD.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
Agora, o que o Sr. Deputado Telmo Correia não nos virá aqui dizer é que, em matéria de Europa, o CDS, quando nasceu, era um partido pró-europeu e que, quando o Dr. Paulo Portas inspirou o "assassínio" do CDS e a criação do PP, o PP passou a ser um partido anti-europeu. O Dr. Paulo Portas, aliás, só existe na política portuguesa na campanha populista que fez contra a Europa e a moeda única europeia.
O PP que hoje aqui temos tem esta génese e esta matriz anti-europeia!
Aplausos do PS.
O PS é, desde a sua fundação, o partido da Europa e é-o por inspiração do Dr. Mário Soares. Foi o PS que pediu a adesão de Portugal à União Europeia, no nosso primeiro governo constitucional, foi Mário Soares que assinou a adesão à União Europeia, no nosso terceiro governo constitucional, e foi António Guterres que obteve a adesão ao euro.
O Sr. Presidente: - O seu tempo esgotou-se, Sr. Deputado. Tenha a bondade de concluir.
O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
O PS é o partido da Europa e nunca tergiversámos, nem nunca "matámos" o nosso partido para criar um novo partido contra a Europa, que é o historial do PP.
Protestos do Deputado do CDS-PP João Pinho de Almeida.
Estamos na Europa pela mesma convicção democrática e pelo mesmo amor à liberdade que levou os
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socialistas portugueses a combaterem a ditadura e o colonialismo, passado de que nos orgulhamos e que vemos espelhado na Constituição democrática de 1976, que tem sido a matriz e a grande alavanca do progresso de Portugal europeu e democrático!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Costa, a primeira coisa que quero dizer-lhe é que V. Ex.ª pode ter todas as opiniões do mundo sobre o CDS, sobre a evolução do CDS, sobre os seus congressos, sobre o que quiser - é, de resto, um comentador interessante sobre a vida do CDS -, mas não tem o direito, nem lhe reconheço esse direito, de interferir na vida do CDS, nem nas opções que fazemos de congresso em congresso.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, em relação à questão concreta, às posições do Dr. Mário Soares, devo dizer-lhe que ouvi o Dr. Mário Soares acusar o CDS, o seu líder ou a sua bancada, de saudosista, colonialista, de extremista de direita, etc.
Aplausos do PS.
V. Ex.ª aplaudirá, mas fica-lhe mal, porque é falso.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Isso é grave!
O Orador: - E isso só demonstra que VV. Ex.as estão, de facto, todos sintonizados numa onda de radicalismo e de esquerdismo, como nunca se tinha visto antes em Portugal.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A expressão que usei foi "ventoinha". Sabe porquê? Porque, a seguir à revolução, o Dr. Mário Soares esteve connosco nas ruas para fazer frente àqueles senhores, ao PCP;…
Vozes do CDS-PP: - Exactamente!
O Sr. António Costa (PS): - Convosco?!
Vozes do CDS-PP: - Exactamente!
Vozes do PS: - Vocês estavam escondidos num buraco!
O Orador: - … hoje, quer a aliança com o PCP - é a primeira volta.
A seguir à revolução, o Dr. Mário Soares era visto, em Portugal, como o homem dos americanos; hoje, insulta os americanos e chega a chamar alcoólico ao Presidente Bush - é a segunda volta.
O Dr. Mário Soares do passado respeitava os partidos democráticos e o CDS; hoje, insulta o CDS - é a terceira volta. A partir da terceira, a ventoinha disparou. Confessem, eu tenho razão!
Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E aquilo que o senhor faz é reconhecer que, se há uma mudança em Portugal, é a de que nós enfrentamos o Partido Socialista mais à esquerda, desde o 25 de Abril. Esta é que é a mudança!
Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Foram os senhores que andaram nas ruas com o PCP e com o Bloco de Esquerda!
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Exactamente!
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O Orador: - Foram os senhores que alinharam nessa política frentista e radical. Foram os senhores que hoje, aqui, não tiveram a coragem, nem a dignidade de saudar a captura de Saddam Hussein.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O que lhe quero dizer, em relação às declarações de Mário Soares ou às suas, é que respeitamos as pessoas que têm passado, sabemos que o Dr. Mário Soares defendeu a democracia depois da revolução e que contribuiu para a integração europeia, mas isto não lhe dá o direito de dizer tudo o que lhe passa pela cabeça hoje,…
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - … porque na política portuguesa, chamem-se Mário Soares, António Costa ou outra coisa qualquer, não há inimputáveis!
Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Não é culpa nossa que o Partido Socialista esteja refém dessa sombra.
A Sr.ª Maria Santos (PS): - Qual sombra?!
O Orador: - E, se está refém dessa sombra, é por uma razão simples: se o Partido Socialista precisa de Soares, como dizem alguns socialistas, de resto, para tudo e para nada é porque hoje em dia não consegue ter voz própria e tem uma liderança fraca. Mas isto não é problema nosso.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para fazer a sua pergunta ao Sr. Primeiro-Ministro, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Primeiro-Ministro não responde às perguntas formuladas pelo Sr. Deputado Telmo Correia?
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não há nada a responder, mas, enfim,…
O Sr. Presidente: - Peço mil desculpas, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, tem razão.
Para responder ao Sr. Deputado Telmo Correia, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, sobre este pequeno incidente e o ataque do Partido Socialista a um dos partidos da coligação…
Vozes do PS: - Ataque?!
O Orador: - … e até a sua comparação com outras coligações, não resisto a perguntar-lhe, Sr. Deputado António Costa: sinceramente, considera que é isso que preocupa os portugueses? Não é extraordinário que os senhores tenham estado três dias - repito, três dias - reunidos em jornadas parlamentares com um único tema?!
Qualquer ideia nova sobre saúde? Nenhuma!
Protestos do PS.
Projecto alternativo para a política de saúde? Nenhum!
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Zero!
O Orador: - É triste ver o maior partido da oposição sem convicção, sem alternativa, sendo a sua única esperança a intriga e a tentativa de divisão da maioria. Mas isto, como pode ver, não conseguirão!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
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Srs. Deputados, assim, perante um partido sem qualquer alternativa, sem novas ideias, digo-lhes: já sabíamos que não chegariam tão cedo ao governo, mas ficamos a saber que nem sequer sabem fazer oposição!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Protestos do PS.
Sr. Deputado Telmo Correia, no que me pergunta, em relação ao que está adquirido, posso dizer-lhe que, se tivesse sido resolvido o problema que, pelo menos aparentemente, bloqueou as negociações da Conferência Intergovernamental, a solução que estava desenhada satisfazia as pretensões portuguesas, nomeadamente a redacção do articulado quanto à coesão, que já estava pré-determinada depois de contactos nossos, como os que estabeleceu a Sr.ª Ministra dos Negócios Estrangeiros com os nossos parceiros no que diz respeito ao princípio da igualdade e a outras questões de relevante interesse para Portugal.
Não posso dizer, com absoluta certeza, se esse princípio está adquirido ou não. É verdade que, no final dos trabalhos - aliás, depois de uma intervenção que eu próprio fiz, salvaguardando aquilo a que se chamou o acquis negocial, o adquirido negocial -, a presidência, quando retirou conclusões, disse que se entendia que se salvaguardava todo o adquirido negocial, isto é, aquilo que foi aprovado na Convenção Europeia e também o trabalho desde a Convenção Europeia até à Conferência Intergovernamental. Mas também é verdade que vigora a regra conhecida nas negociações internacionais, de que nada está aprovado até tudo estar aprovado.
Portanto, não é de excluir, neste momento - quero ser absolutamente objectivo na resposta que dou a esta Assembleia -, que um ou vários Estados possam vir a colocar em causa alguns dos adquiridos negociais. Pela nossa parte, vamos continuar a defender aquilo que nos parece salvaguardar uma certa visão da Europa e uma certa visão do interesse nacional.
A segunda questão, Sr. Deputado, tem a ver com o Iraque e a defesa europeia.
É verdade que na defesa europeia se avançou também muito, porque se resolveu um problema que se arrastava e que dividia, pelo menos, alguns países europeus relativamente aos Estados Unidos e até, porque não dizê-lo, a alguns países europeus. Acertou-se o mecanismo de articulação das operações União Europeia/NATO, uma solução equilibrada e que garante que a cláusula de segurança mútua fica no âmbito da NATO para os países que são membros da NATO. Isto era importante para um país como Portugal.
Ao mesmo tempo, reforçou-se o carácter insubstituível das relações transatlânticas. Aprovou-se uma declaração que diz, no seu ponto um, que as relações transatlânticas são insubstituíveis e, além de reafirmar valores e interesses comuns entre Europa, Estados Unidos e Canadá, afirma-se que, agindo conjuntamente, a União Europeia e os seus parceiros transatlânticos podem constituir uma extraordinária força benéfica para o mundo. Quero sublinhar este ponto, porque tem sido a boa doutrina portuguesa!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - "Sim" à Europa, "sim" ao reforço da integração europeia, mas sem que essa identidade europeia seja contra ou à custa da boa relação transatlântica!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - E é, de facto, essa boa relação transatlântica que também permite que hoje estejam 13 dos Estados-membros da União Europeia alargada com forças no Iraque.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - É verdade que também estranhei não ver aqui uma congratulação por parte do maior partido da oposição em relação à captura do ditador Saddam Hussein. Penso que foi um grande aviso para todos os ditadores do mundo,…
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - … porque sabem que, a partir de agora, talvez deixem de ficar impunes.
Espero e gostaria que todas as forças políticas, durante o debate, hoje, tivessem oportunidade de se congratular com mais esta vitória da liberdade e da democracia!
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Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Agora, sim, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas, para formular a sua pergunta, já que o Sr. Deputado Telmo Correia comunicou à Mesa não pretender replicar.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, a ideia que nos fica das propostas que fez na Convenção e da sua postura na CIG é que o Governo português está disposto a aceitar tudo o que aí se decidir, quer em relação aos comissários, ao presidente do Conselho e respectiva eleição, à sobreposição da Constituição europeia sobre a Constituição nacional, à igualdade entre os Estados, às minorias de bloqueio. Tudo lhe serve. Será sempre uma vitória de Portugal. Sobre isto, nada nos disse.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Hoje, até ouvimos, tanto o Sr. Primeiro-Ministro como o Dr. Paulo Portas, este agora recém-convertido ao federalismo, qual intrépido federalista, mais ou menos assumidamente, mais ou menos disfarçadamente, defenderem também a revisão de algumas cláusulas do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Qualquer dia, a Dr.ª Manuela Ferreira Leite fica sozinha!…
Risos do PCP.
Não vou entrar nessa de saber quem disputa a "taça" por ter metido Portugal no Pacto de Estabilidade e Crescimento. Este é assunto que fica entre vós.
Aliás, Sr. Primeiro-Ministro, ficava-lhe bem dizer-nos: "Afinal, vocês tinham um bocadinho de razão. Só um bocadinho, mas tinham um bocadinho de razão"!
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!
O Orador: - Não lhe ficava nada mal!
Aplausos do PCP.
O Sr. Primeiro-Ministro insiste nessa do Pacto, porque, eventualmente, não pode perder a face, e insiste também em que Portugal deve estar no pelotão da frente institucional. Sr. Primeiro-Ministro, no pelotão da frente institucional, mas na cauda da Europa em relação ao desenvolvimento; no pelotão da frente em relação ao desemprego, mas na cauda da Europa em relação à execução orçamental.
Sabe qual é a diferença em relação ao último filme O Senhor dos Anéis em que se perde o anel, se perde o dedo, mas triunfa o Bem?! É que, em relação à economia portuguesa e à sua política, perde-se o anel, perde-se o dedo, mas, em vez de triunfar o Bem, triunfa o desemprego e aquilo que nenhum de nós queria: hoje, há milhares e milhares de portugueses com um nível de vida cada vez pior e, infelizmente, também vai ser assim no próximo ano e ainda até 2005.
Aplausos do PCP.
Sr. Primeiro-Ministro, quero colocar-lhe outras duas questões.
A primeira é sobre a incontornável questão do aborto e do julgamento que decorre em Aveiro.
Não pretendo interpelá-lo aqui sobre os seus sentimentos, as suas reacções, os seus estados de alma enquanto cidadão, mas, sinceramente, desejo perguntar-lhe se, enquanto Primeiro-Ministro e líder do maior partido da coligação que suporta este Governo, não sente um frémito de indignação quando fica a saber que, na segunda audiência do referido julgamento, um investigador fez referências a marcas de sangue numa peça de roupa interior de uma das mulheres acusadas e informou que a mesma foi forçada a submeter-se a exames ginecológicos.
Pergunto-lhe se, aparte estes pormenores mais chocantes e revoltantes, não sente idêntico frémito, ou mesmo uma tremura, ao pensar quantas perguntas foram feitas àquelas mulheres, violando a sua intimidade e ofendendo a sua dignidade.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Pergunto-lhe se não sente um sobressalto de consciência por o seu partido aparecer
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associado ao CDS-PP, que continua fiel a teses decrépitas e milenares da culpabilidade da mulher, desde "a dentada na maçã", e que vem anunciar-nos publicamente a indulgência suprema de estar disponível para substituir a pena de prisão por pena de prestação de trabalho cívico, sempre na linha da expiação por parte da mulher de uma alegada culpa, ou pecado,…
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - … na senda da tese de Bagão Félix. Inaceitável, Sr. Primeiro-Ministro!
Pergunto, ainda, se não sente uma ponta de incómodo por ser um dos que choram "lágrimas de crocodilo" por as mulheres poderem ser sujeitas a pena de prisão, fazendo-se esquecido ou não sabendo que isso se deve ao facto de haver um artigo do Código Penal, o artigo 140.º, que dispõe o que dispõe.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.
O Orador: - E o Sr. Primeiro-Ministro, se não quer rever esta lei, fica, no plano político, responsável pelos julgamentos, pelas investigações e pelas penas que da mesma advierem. Fica politicamente responsável, Sr. Primeiro-Ministro!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Por último, no Natal, vamos ouvir muitos discursos piedosos sobre os pobres, sobre os desempregados, sobre os que estão em situação aflitiva. Mas, Sr. Primeiro-Ministro, muitas dessas situações são consequência da sua política.
Para terminar, e esta é a última pergunta que lhe faço, pergunto se, em 2004, vão continuar a diminuir, em termos reais, o salário mínimo e o salário dos trabalhadores da Administração Pública.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Carlos Carvalhas colocou várias questões, vamos por partes.
No que diz respeito à questão europeia, olhe que não é essa a opinião que têm os nosso parceiros. Sabe bem que procuramos sempre lutar com energia na defesa do interesse nacional, sabendo que a Europa é, naturalmente - e aqui divergimos -, um exercício de compromisso. Por exemplo, no que se refere à questão dos comissários, Portugal esteve na primeira linha a defender o princípio da igualdade na Comissão Europeia, porque considera-a uma instituição essencial, que reflecte, como nenhuma outra, o espírito comunitário.
Passando à questão do Pacto de Estabilidade e Crescimento, insisto num ponto, porque, muitas vezes, este assunto é visto de forma abstracta ou teórica. Esta não é uma questão dogmática, ideológica ou de teoria económica, estamos a falar de coisas concretas para a vida dos portugueses.
Se desaparecesse o Pacto de Estabilidade e Crescimento, o resultado previsível - e o Banco Central Europeu ainda agora lançou um aviso nesse sentido - seria o do aumento das taxas de juro, o que tornaria mais difícil a vida dos portugueses, das famílias, das empresas, do Estado português, que, em grande parte, também está endividado. Tal tornaria mais difícil a vida das pessoas que têm de pagar o empréstimo que contraíram para compra de habitação. É, portanto, do interesse dos portugueses e não por uma qualquer questão de adesão a uma teoria económica. Trata-se da vida concreta dos portugueses quando defendemos rigor orçamental e quando defendemos os mecanismos do Pacto de Estabilidade e Crescimento. E vamos continuar a defender, porque entendemos que é a melhor forma de fazer recuperar a nossa economia, porque entendemos que, sem finanças saudáveis, não há crescimento económico sustentado.
V. Ex.ª colocou a questão do aborto, ainda que seja distante a ligação ao tema que nos traz aqui, hoje…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Mas o tema não é obrigatório!
O Sr. Honório Novo (PCP): - E o Iraque será?!
O Orador: - No que diz respeito ao Iraque, efectivamente, tomei nota de que não houve congratulação
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da vossa parte pela captura do ditador Saddam Hussein.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Talvez, numa segunda intervenção, o Sr. Deputado Carlos Carvalhas queira clarificar essa questão.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
V. Ex.ª interpelou-me pessoalmente sobre o aborto, e não fujo a essas questões. Vou dizer-lhe a posição que defendi num debate, antes das eleições, com o Dr. Eduardo Ferro Rodrigues, hoje líder do maior partido da oposição - este debate ocorreu a 2 de Fevereiro, na SIC -, na resposta a uma questão: "Estou dividido. Acho que é uma questão difícil. Acho que é uma questão de consciência das pessoas. Acho que é uma questão difícil para qualquer pessoa honesta e admito que, obviamente, seja uma questão muito complexa para decidir.
Precisamente por ser uma questão de consciência é que digo que os partidos não são donos das consciências das pessoas e, como líder do meu partido, não vou dar indicação de voto".
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
Protestos do PCP e da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.
O Orador: - Respeitarei a posição de cada um, mas penso que, como houve um referendo há pouco tempo, não faria sentido, agora, estar a reintroduzir um referendo, ou a Assembleia da República decidir contra o referendo.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Ou seja, como líder partidário, manifestei-me contra qualquer decisão que viesse contra o referendo; como Primeiro-Ministro e líder da maioria, reafirmo hoje, aqui, que nos oporemos a qualquer decisão nesta Assembleia que procure contrariar o que os portugueses decidiram directamente, em referendo nacional.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Protestos de Deputados do PCP e da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.
Já outros, que não o senhor - é verdade! -, não poderão dizer o mesmo, porque, nesse mesmo debate, o Dr. Eduardo Ferro Rodrigues disse: "Agora, a partir do momento em que houve um referendo, acima de tudo, sou um democrata e acho que não pode ser a Assembleia da República, qualquer que seja a sua maioria, a pôr em causa o resultado do referendo. (…)"
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - "(…) Houve um referendo no qual, embora não fosse válido por não ter chegado a obter 50% de votos expressos, ganhou o 'não' em detrimento do 'sim'. Portanto, isto tem de ser respeitado".
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Toda a vida?!
O Orador: - Estas foram as declarações do Dr. Eduardo Ferro Rodrigues proferidas no mesmo debate, comigo, como líder do Partido Socialista.
Porém, ontem, acabei de saber que, agora, o Partido Socialista já vem defender iniciativas legislativas em matéria de aborto,…
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Diga o que pensa!
O Orador: - … o que me leva a dizer, Sr. Deputado, que a questão séria, a tal que V. Ex.ª colocou e que eu respondi, a questão de consciência, não é verdadeiramente a que está na vossa agenda mas a da
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vontade de jogarem nas conveniências da chicana política e da oportunidade política.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Protestos do PCP, batendo com as mãos nos tampos das bancadas.
O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, já não é a primeira nem a segunda vez, neste debate, que o Sr. Primeiro-Ministro, sem eu ter possibilidade de responder, me cita ou faz alegações sobre posições ou ausência de posições minhas.
Portanto, sob a forma de interpelação à Mesa, gostaria de dizer, muito brevemente, que o Sr. Primeiro-Ministro não leu totalmente a sua própria citação, porque, a dada altura, nessa mesma entrevista,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, não é entrevista! É um debate!
O Orador: - … disse o seguinte: "Já tive ocasião de reconhecer publicamente que me encontro pessoalmente dividido relativamente a esta questão. Provavelmente, conselheiros e assessores de imagem sugeririam que desse outro tipo de resposta, mas prezo muito a sinceridade.
Pessoalmente, não me considero capaz de condenar uma mulher que, sem dúvida com grande sofrimento, opta por essa decisão (…)"
O Sr. José Sócrates (PS): - Já se esqueceu desta parte!
O Orador: - "Creio que esta é uma questão de consciência do foro íntimo de cada um". Esta foi a frase fundamental. Esta foi a frase que o Sr. Primeiro-Ministro escamoteou.
Aplausos do PS.
Quanto à questão que estamos a discutir, tive o cuidado, hoje, por respeito pela agenda que o Sr. Primeiro-Ministro propôs, de não abordar este tema na minha intervenção. Mas não posso deixar de dizer que o Sr. Primeiro-Ministro, ao referir-se ao líder do PS, da forma como o fez, a propósito deste tema, tem de ter uma resposta. E a resposta é muito simples: quem abriu esta questão na agenda política neste momento, por medo das consequências da entrevista do Sr. Bispo do Porto, por medo das consequências do julgamento que está a decorrer em Aveiro, foi o vosso porta-voz.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Não foi um qualquer Deputado, foi o porta-voz do PSD, que foi desautorizado pelo líder da bancada, depois de uma intervenção do CDS-PP.
Aplausos do PS.
Quem trouxe esta questão a este debate comigo foi o Sr. Primeiro-Ministro. Não tem razão, e não nos calará. Não nos calará!
Aplausos do PS, com alguns Deputados de pé.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, para uma interpelação à Mesa nos mesmos moldes em que a concedi ao Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues, não está em causa a sua posição quanto ao fundo da questão do aborto. Não pus em causa essa sua posição. O senhor tem uma posição.
O Sr. José Sócrates (PS): - E a sua?
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1892 | I Série - Número 033 | 19 de Dezembro de 2003
A Sr.ª Maria Santos (PS): - Não brinque com coisas sérias!
O Orador: - V. Ex.ª disse, nesse debate que teve comigo, que, a partir do momento em que houve um referendo, "acima de tudo, sou um democrata. Acho que não pode ser a Assembleia da República, qualquer que seja a sua maioria, a pôr em causa o resultado do referendo". E, agora, V. Ex.ª está a propor exactamente o contrário do que disse em Fevereiro de 2002.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É o contrário!
Aplausos dos PSD e do CDS-PP.
Protestos do PS.
O Orador: - Portanto, a questão é esta: como Primeiro-Ministro, digo o mesmo que disse quando estava na oposição; V. Ex.ª mudou,…
A Sr.ª Maria Santos (PS): - Não é verdade!
O Orador: - … de Fevereiro de 2002 até hoje, numa questão tão essencial como esta. Aliás, V. Ex.ª disse-o em muitas outras ocasiões.
Por exemplo, numa entrevista à Visão, também antes das eleições, V. Ex.ª disse: "as questões que foram a referendo só podem ser alteradas com um novo referendo. Os que defendem a interrupção voluntária da gravidez, e também a regionalização, devem ser os primeiros a compreender que só podem voltar a submeter essas questões a referendo quando houver condições culturais e políticas para que os resultados sejam diferentes".
Vozes do PS: - E não há?!
O Orador: - Por isso, pergunto-lhe, Sr. Deputado: hoje, é ou não coerente com o que afirmou em Fevereiro de 2002?
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Sr.ª Maria Santos (PS): - É!…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não!…
O Orador: - V. Ex.ª aceita ou não, agora - sobre isto é que deveria esclarecer a Câmara -, que a Assembleia da República vá contra a decisão que foi tomada pelos portugueses em referendo? Tem de esclarecer isto! E isto V. Ex.ª não esclareceu!
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, onde é que está a interpelação?
O Orador: - Hoje, V. Ex.ª está a dizer exactamente o contrário do que disse em Fevereiro de 2002! Esta é a grande verdade!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Por isso, não foi com qualquer interesse de me dirigir especialmente a V. Ex.ª mas porque quero mostrar que, nesta questão tão séria - e reconheço que ela é difícil, que divide as pessoas e que, inclusivamente, pode operar divisões no seio de qualquer partido, pois sei que há, dentro de cada partido, posições diversas -, o que VV. Ex.as estão a procurar fazer é cavalgar esta ou aquela onda mediática, estão a procurar exercer condicionamento sobre um julgamento que está em curso.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas é a favor ou contra a criminalização?!
O Orador: - É isso que VV. Ex.as estão a querer fazer.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
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Protestos do PCP, de Os Verdes e de Deputadas do PS, batendo com as mãos nos tampos das bancadas.
Ora, é isso que me leva a dizer…
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É a favor ou contra a criminalização?!
O Orador: - … que não é inocente a forma como os partidos de esquerda estão a tratar de maneira tão baixa do ponto de vista político uma questão de consciência tão séria, tão delicada, como é a questão do aborto, nomeadamente para as nossas mulheres.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Protestos do PS, do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa regista vários pedidos de palavra, mas tenho de lembrar a todos que a ordem do dia de hoje é preenchida pelo debate mensal com o Primeiro-Ministro.
Não posso dar a palavra para interpelações à Mesa ou outras figuras regimentais, porque isso prejudica os oradores que estão inscritos para debater assuntos no âmbito do debate mensal com o Primeiro-Ministro.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Só agora, Sr. Presidente?!
O Sr. Presidente: - Neste momento, estamos a prejudicar o debate que decorre com o Sr. Deputado Carlos Carvalhas, a quem, de imediato, darei a palavra. Anotarei a inscrição de outros Srs. Deputados que queiram usar da palavra para fazerem uso dela no final deste debate. Contudo, não prejudicarei a ordem de inscrições.
Para replicar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, quando não tem argumentos, refugia-se nos insultos,…
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - … no achincalhar baixo. Mas, Sr. Primeiro-Ministro, esta é uma questão séria demais…
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - … e eu coloquei-lhe as questões com seriedade.
O Sr. Primeiro-Ministro: - E eu respondi!
O Orador: - Apelei, inclusivamente, a que me respondesse com sinceridade, como Primeiro-Ministro e como líder do PSD. Nem sequer o interpelei como cidadão sobre o seu sentimento, sobre a sua reacção, sobre os seus estados de alma.
Porém, quando o Sr. Primeiro-Ministro vem lembrar um debate em que diz que não sente a consciência a pesar em relação a uma penalização das mulheres, pergunto: o que é que o Sr. Primeiro-Ministro faz? Acha que este não é um problema? Que devemos lavar as mãos como Pilatos? Não estão a ser julgadas mulheres? Essas mulheres do nosso país não podem ir para a prisão?
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Foi o Paulo Portas!
O Orador: - Se o Sr. Primeiro-Ministro nada faz, não é responsável, politicamente, pelas investigações, pela violação da intimidade das mulheres, pela ofensa à sua dignidade e pelas presumidas ou alegadas punições que venham a ser aplicadas, inclusive a prisão? O Sr. Primeiro-Ministro não é responsável por isso?
As mulheres do nosso país e o nosso país poderão ficar suspensos por uma cláusula de um acordo
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pós-eleitoral entre o PSD e o CDS-PP?
Vozes do PCP: - Exactamente!
O Orador: - O PSD retira o "tapete" a um porta-voz da maioria parlamentar?
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente! E exige disciplina de voto!
O Orador: - E exige disciplina de voto.
Vozes do PSD: - É mentira!
O Orador: - A questão que lhe coloco é só esta: o Sr. Primeiro-Ministro está ou não de acordo com a manutenção da criminalização do aborto? O Sr. Primeiro-Ministro está ou não de acordo que se mantenha o artigo 140.º do Código Penal? O Sr. Primeiro-Ministro está ou não de acordo que se retire de uma vez para sempre o aborto da esfera do risco e da clandestinidade para a esfera da legalidade e da segurança médica?
Esta é questão central a que o Sr. Primeiro-Ministro tem e deve responder.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sobre as questões do Pacto de Estabilidade e Crescimento, deixe-me que lhe diga o seguinte… Aliás, vejo que os "conselheiros" do Sr. Primeiro-Ministro estão muito preocupados…
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Dr. Paulo Portas está muito nervoso. Está a dar indicações!
O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, ao contrário do que afirmaram todos os neo-liberais, em vez da descida do euro, tivemos uma subida e, nos tempos mais próximos, não vamos ter nenhum aumento das taxas de juro; aliás, todas as previsões apontam para uma baixa das taxas de juro.
Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, continue a dizer que segue o Pacto de Estabilidade, continue a afundar Portugal com a sua política de concentração de riqueza e, no final do ano, faça um discurso, dizendo: "Coitados dos pobrezinhos e dos reformados…".
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se.
O Orador: - Só que a vossa política é a de concentração de riqueza! É uma política contrária aos interesses nacionais e uma política contrária aos mais desfavorecidos.
Aplausos do PCP e da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para não perdemos o "fio da meada", vou dar agora a palavra ao Sr. Primeiro-Ministro para responder e depois darei a palavra ao Sr. Deputado Guilherme Silva, que, pelos vistos, considerou a honra da sua bancada ofendida.
Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, V. Ex.ª fez-me uma pergunta e eu respondi. E para mostrar a minha coerência, citei exactamente o que disse antes das eleições e antes de qualquer acordo de coligação.
Antes de qualquer acordo de coligação, eu disse, e repito, que a questão do aborto é difícil e é uma questão de consciência. Precisamente por ser uma questão de consciência é que foi submetida a referendo, não adoptando o meu partido a política de dar uma orientação de voto.
Antes das eleições e antes de qualquer acordo de coligação, afirmei que esse resultado do referendo só poderia vir a ser alterado, eventualmente, por outro referendo. E é isso que hoje aqui refiro.
Portanto, para que fique bem claro, colocam-se duas questões neste tema do aborto: a questão de fundo e a questão de processo ou método político para a resolver.
Considero que a questão de fundo é do foro mais íntimo e da consciência de cada um.
Protestos do PCP.
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Pessoalmente, não vou dar indicação de voto quanto à questão íntima ou moral. Não vou dar!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Não o fiz como líder partidário nem o faço hoje como Primeiro-Ministro. Penso que é extremamente claro o que estou a dizer.
Como Primeiro-Ministro e como líder da maioria, digo: a maioria não aceita como método que esta Assembleia se arrogue o direito de ir contra a vontade que ainda recentemente os portugueses exprimiram por referendo…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Foi há cinco anos!
O Orador: - … e não aceitaremos que VV. Ex.as o façam!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Protestos do PS, do PCP e de Os Verdes.
Entendo, pois, que esta é uma resposta clara e que, além de ser clara, tem uma grande vantagem: a de ser coerente, a de não ceder às pressões do momento.
Nós mantemos a mesma linha,…
A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Eternamente!
O Orador: - … salientando a dificuldade e a sensibilidade desta matéria. Gostaria que outros mantivessem, em relação a uma questão tão difícil, o mesmo respeito pela delicadeza e pela sensibilidade do problema.
A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Não seja hipócrita!
O Orador: - Pela nossa parte, vamos fazê-lo.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Hipócrita!
O Orador: - Sr.ª Deputada, de facto, essa não é linguagem parlamentar. Não é!
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - As mulheres estão a ser julgadas, Sr. Primeiro-Ministro!
O Orador: - VV. Ex.as, em termos de democracia… Sr.ª Deputada, vamos comemorar, na próxima Primavera, os 30 anos do 25 de Abril e VV. Ex.as deviam saber que, quando procuram ofender o Primeiro-Ministro, não estão a ofender-me pessoalmente mas, sim, os portugueses e a democracia que elegeram este Primeiro-Ministro!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, o tempo de que dispunha esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.
O Orador: - Concluo, Sr. Presidente, dizendo que, mesmo na segunda intervenção, não ouvi o Sr. Deputado Carlos Carvalhas, líder do Partido Comunista, ter uma palavra de apreço pela queda do ditador Saddam Hussein!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Protestos do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há vários oradores inscritos para intervir e, em primeiro lugar, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Guilherme Silva, que se sentiu agravado por uma expressão utilizada pelo Sr. Deputado Carlos Carvalhas.
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Sr. Deputado Guilherme Silva, faça favor de concretizar a ofensa para que eu possa dar-lhe a palavra.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, o motivo do agravo foi a referência feita pelo Sr. Deputado Carlos Carvalhas ao Sr. Deputado Pedro Duarte e à minha pessoa, no sentido de que eu teria desautorizado o Sr. Deputado Pedro Duarte, o que não corresponde à realidade e, obviamente, ofende a bancada do PSD e a verdade.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, por favor, seja breve na sua defesa da honra.
Tem a palavra.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, a questão é muito simples: ao Sr. Deputado Pedro Duarte, a propósito de uma situação concreta, foi-lhe perguntado se admitia a discussão sobre a descriminalização do aborto e essa resposta foi dada - aliás, em tese, todos admitimos essa discussão nos fóruns próprios. Tal como o Sr. Primeiro-Ministro aqui esclareceu, a posição do PSD é muito clara: não há uma posição oficial do PSD. O PSD respeita a consciência de cada um…
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: … e, consequentemente, temos no nosso partido pessoas que pensam das mais variadas formas a este propósito, situação que respeitamos.
Questão diferente - e essa é que foi deturpada pela comunicação social, que chegou a inventar a preparação de uma iniciativa legislativa, já desmentida pelas Sr.as Deputadas que foram referidas, porque é completamente falso! -…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É tudo mentira!
O Orador: - … é a de saber se, da parte do PSD haveria alguma iniciativa político-legislativa ou se viabilizaria qualquer iniciativa legislativa sobre esta matéria. Eu próprio lembrei, numa conferência de imprensa, em perfeita sintonia com o Sr. Deputado Pedro Duarte, sem que haja qualquer contradição entre a posição de ambos, a da bancada e o que o Sr. Primeiro-Ministro já aqui referiu, que há um compromisso político do PSD de só mexer nesta matéria por auscultação do povo, através de referendo; que há um compromisso político do PSD de, na presente legislatura, não promover qualquer iniciativa, seja legislativa seja de referendo. É tudo tão simples quanto isto!
Deste compromisso resulta…
Vozes do PS: - Nada!
O Orador: - … que não tomaremos qualquer iniciativa sobre a questão do aborto na presente legislatura nem viabilizaremos qualquer iniciativa de outro partido político sobre esta matéria. É tão claro quanto isto!
Esta é a posição do PSD, da bancada parlamentar do PSD, do Sr. Deputado Pedro Duarte e minha, bem como da própria coligação.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, agradeço as explicações circunstanciadas, estudadas, pausadas, mas o certo é que, por mais que disfarce, não consegue esconder o que foi dito pelo Sr. Deputado Pedro Duarte.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Foi uma mentira jornalística!
Risos do PCP.
O Orador: - E só foi tomada uma posição depois de o CDS-PP também ter dito o que disse!
Vozes do PCP: - É evidente!
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O Orador: - Mas a questão que colocamos é a seguinte: os senhores não querem discutir aqui esta questão, só nos fóruns próprios?! Esta não é uma questão da sociedade portuguesa ou ainda continua a argumentar, como o Sr. Primeiro-Ministro, com o referendo? O referendo foi feito há cinco anos. Há cinco anos!
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Há tantos anos!…
O Orador: - E não foi vinculativo, não teve uma participação de 50%! A Assembleia da República pode e deve resolver a questão, a não ser que o Sr. Deputado Guilherme Silva queira ser responsável politicamente pela criminalização das mulheres, pela ofensa que lhes é feita à sua intimidade, à sua honra e dignidade.
Aplausos do PCP, de Os Verdes e de Deputadas do PS.
O Sr. Presidente: - Para formular uma pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Dr. Durão Barroso, ainda é Primeiro-Ministro de Portugal.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Ah!
O Orador: - E ao tratar aqui várias questões políticas adoptou sempre a mesma atitude: fugir aos problemas, esgueirar-se das questões, a começar por esta, que é tão delicada e tão profunda, como é o respeito pelas mulheres que estão a ser julgadas por serem acusadas de terem abortado.
O Sr. Primeiro-Ministro disse-nos que era uma questão de respeito e de ponderação. É certo que assim é. Mas, Sr. Primeiro-Ministro, a solução que nos propõe é virar os olhos para o outro lado. O Sr. Primeiro-Ministro está dividido, está angustiado, não tem posição, não impõe disciplina de voto - o PSD, aliás, impôs disciplina de voto em 1998. Agora, o Sr. Primeiro-Ministro já não tem disciplina de voto.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
Aliás, quer impor agora disciplina de voto aos Deputados que estão ali a ulular.
Mas devo dizer-lhe o seguinte: o Sr. Primeiro-Ministro não quer condenar mas quer…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Francisco Louçã, a expressão "ulular" não é, manifestamente, parlamentar. Peço-lhe o favor de a retirar. A protestar, com certeza, mas "ulular" não consinto.
O Orador: - Sr. Presidente, não consegui nem consigo encontrar melhor expressão para os sons que são emitidos da bancada da maioria.
O Sr. Presidente: - Muito me admira que V. Ex.ª seja tão lesto no uso do verbo.
O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, o senhor não quer condenar, mas toma a pior atitude de um político: é querer que outros condenem quando o senhor olha para o lado. Porque o crime, o verdadeiro crime, é essa sanção humilhante que persegue as mulheres. E esse crime não é cometido pelo juiz a quem é imposta uma norma do Código Penal. Esse crime, verdadeiramente, é imposto pelos políticos, pelos legisladores e pelos governantes, que querem olhar para o outro lado. O senhor não condena, mas quer que alguém condene por si. Não quer ficar com o peso na consciência de ter condenado, mas quer que alguém continue a condenar. E continuam os julgamentos em Portugal!
O seu refúgio é, aliás, a este respeito, uma prova de fraqueza e de fuga à discussão. O Sr. Primeiro-Ministro diz "houve um referendo". Reconhece, como jurista que é, que esse referendo não tem valor constitucional, não tem valor político.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
Esse referendo não impede o Parlamento de tomar uma decisão. Explique-me, Sr. Primeiro-Ministro, se esse referendo não vale constitucionalmente, como é que ele consegue valer para impedir que esta Assembleia tome a necessária decisão legislativa para corrigir este escândalo? Mais: se este referendo
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não vale constitucionalmente, diga-me como é que ele pode valer para continuar a impedir os portugueses de se pronunciarem, em referendo futuro, sobre a mesma matéria? Um referendo não vale, mas vale para proibir até que os portugueses se pronunciem em referendo. Pode haver posição mais sinuosa, Sr. Primeiro-Ministro?
O Sr. Primeiro-Ministro, devo dizer-lhe, mudou muito. A sua política agora é uma "enguia". O Sr. Primeiro-Ministro foge aos problemas. Não quer saber que há mulheres a serem condenadas, que há penas de prisão previstas mas diz que está dividido?
O legislador tem de saber o que quer para o País. E o que não pode aceitar é que, em nome de qualquer preconceito religioso que o Bispo do Porto, o Bispo de Lamego e o Bispo resignatário de Setúbal se encarregaram de desfazer, em nome de uma guerra religiosa que não existe, se mantenha o tabu de que as mulheres culpadas têm de ser apedrejadas na praça pública.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
Esse é todo o resumo da política do Governo! O Governo não quer que se faça nada! Não quer dar aos portugueses o direito de se pronunciarem, em nome de um dogma construído sobre o passado! Essa é a diferença desta política sinuosa que o Governo vai mantendo.
E aí estamos a avaliá-lo, Sr. Primeiro-Ministro, porque já sabemos, no fim de 2003, o que é este Governo. Este é o "Governo da cunha",…
Protestos do PSD e do CDS-PP.
… em que um Ministro, se quer a sua filha na Faculdade de Medicina, coloca um Secretário no gabinete de outro Ministro!
Protestos do PSD e do CDS-PP.
É o "Governo da cunha" no caso da Universidade Lusíada! Basta ter amigos para se chegar próximo do Governo! A cunha é o seu feitio. É o princípio essencial da política deste Governo.
E o Sr. Primeiro-Ministro nunca "dá a cara". Não quer "dar a cara" sobre a questão do aborto. Quando há desemprego, "não dá a cara". Não quer "dar a cara" quando há atraso no pagamento de subsídios de desemprego. Quando alguns dos seus Ministros dizem que querem prender os toxicodependentes, o Sr. Primeiro-Ministro falta, não "dá a cara".
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.
O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
O Sr. Primeiro-Ministro não olha para as pessoas, não tem cara perante o País.
É por isso, Sr. Primeiro-Ministro, que o seu Governo está condenado. Mais: quando a extrema-direita, que está sentada ao seu lado, lhe "puxa as orelhas", sabemos sempre que o senhor muda de posição em qualquer questão de consciência, porque este Governo não tem consciência.
Aplausos do BE e de Deputadas do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, V. Ex.ª queria que eu mudasse a posição que assumi antes das eleições.
A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): - Não invente!
O Sr. António Costa (PS): - Não fuja à questão!
O Orador: - Não estou a fugir à questão. Estou a dizer que mantenho a mesma posição. Para mim, a questão do aborto, repito, é uma questão da consciência íntima de cada um.
Protestos do PS.
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Já o disse, e repito, que me considero incapaz de condenar uma mulher que opte por esse caminho.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Mas quer que alguém opte por si!
O Orador: - Já o disse, e repito.
Vozes do PS: - Está na lei!
O Orador: - Mas disse também, antes das eleições e antes de qualquer coligação governamental, que, por ser uma questão da consciência íntima de cada um, não daria uma indicação de voto, porque não tenho uma concepção totalitária, como às vezes aflora no seu discurso, em que o senhor pretende ser o juiz de todo o Parlamento, o juiz de todos os Deputados, o juiz de todos os políticos.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O que é extraordinário, Sr. Deputado, é essa suprema arrogância moral que V. Ex.ª gosta sempre de mostrar.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O julgador universal do que é eticamente aceitável e do que não é eticamente aceitável.
O senhor não vê que essa é uma forma de arrogância e, no limite, um "namoro" com ideias totalitárias?!
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - O senhor não vê isso?
Quem é V. Ex.ª para me estar a dar a mim ou a qualquer dos Deputados lições de moral?!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
V. Ex.ª procura dizer que o facto de eu manter a mesma posição que tinha é fugir à questão. Mas não me leva, com esse desafio, a mudar a minha posição, porque esse é um compromisso que tenho com o eleitorado. Outros abandonaram esse compromisso.
No Público de 13 de Outubro de 2002, o Dr. Ferro Rodrigues diz: "Houve um referendo e isso significa que, dou essa garantia aos portugueses, não haverá nenhuma alteração à lei que não passe por novo referendo." V. Ex.ª, Sr. Deputado Francisco Louçã, queria que eu fosse o Dr. Ferro Rodrigues no Governo. Mas eu não sou o Dr. Ferro Rodrigues no Governo.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Mais: um despacho da Lusa de 16 de Fevereiro de 2002, às 22 horas e 35 minutos, diz o seguinte: "Em declarações à BBC, em Londres, durante a visita oficial, esta semana, ao Reino Unido, Jorge Sampaio preconizou um novo referendo sobre o aborto: 'Vamos provavelmente ter de fazer um novo referendo'" - disse Jorge Sampaio, em entrevista ao programa Hard Talk.
A Sr.ª Helena Roseta (PS): - "Provavelmente"!
O Orador: - Esta é a questão.
Por isso, não mudo a minha posição. Continuo a pensar que o referendo, apesar de não ter tido a maioria em termos de participação, é politicamente vinculativo.
Vozes do PSD: - Claro!
O Orador: - Com certeza que é politicamente vinculativo!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Ora, V. Ex.ª demonstra uma grande falta de respeito pelo instituto constitucional do referendo ao
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fazer de conta que não existiu o referendo. É essa a sua concepção democrática, Sr. Deputado?
Vou dizer-lhe uma coisa, Sr. Deputado: a última vez que em Portugal, durante muitos anos, houve um político que se julgava um moralista e dava lições de moral não foi um bom exemplo para o nosso país!…
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Abandone esse seu discurso moralista. Ninguém lhe dá mandato para nos dar lições de moral!
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado, quanto à questão da Universidade Lusíada, por amor de Deus, o Governo legislou da forma mais transparente possível. O decreto-lei foi aprovado em Conselho de Ministros, foi promulgado pelo Presidente da República e foi publicado em Diário da República e na Assembleia da República nenhum partido da oposição suscitou a ratificação desse decreto-lei.
V. Ex.ª poderia falar de favorecimento se, porventura, em condições análogas ou equivalentes, o Governo tivesse recusado a outra instituição o mesmo que garantiu àquela instituição. V. Ex.ª quer que por ter havido ou haver ligações de alguns membros do Governo em esta ou aquela instituição o Governo se abstenha de legislar sempre que há essas ligações? V. Ex.ª pensa assim? Por que razão lança sempre a suspeita? É essa a sua contribuição para a nossa democracia?
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Uma oposição que se baseia sempre na insídia da insinuação, na suspeita, quando não na difamação.
Sinceramente, não é esse o conceito de democracia em que me revejo, ou seja, a democracia de cafres, a democracia de intrigas,…
O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, o tempo de que dispunha esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.
O Orador: - … a democracia da insinuação. VV. Ex.as não podem pensar que outros se comportam como VV. Ex.as, provavelmente, se comportariam.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A decisão quanto à questão da Universidade Lusíada foi tomada de acordo com o interesse público, absolutamente transparente, absolutamente séria e foi aqui defendida sem qualquer espécie de hesitação.
Esta é a nossa posição, Sr. Deputado. Destas posições não vamos abdicar. E não vou mudar uma vírgula àquilo que eu disse antes das eleições.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Ferro Rodrigues considerou-se agravado por uma expressão do Primeiro-Ministro. Contudo, peço a sua vénia para usar da palavra após a réplica do Sr. Deputado Francisco Louçã e resposta do Sr. Primeiro-Ministro.
Pausa.
Para replicar, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, percebo por que razão está irritado.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
O seu Governo está atravancado em casos. Ainda não sabemos do caso da conta da Suiça de um dos seus principais Ministros, mas sabemos que o Ministro do Ambiente acusou o Ministro da Agricultura de
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proteger interesses privados e que os dois continuam no Governo.
Aliás, em relação às questões moralistas e à questão do totalitarismo, devo dizer-lhe que não nos deve confundir. Conheço o jovem que fez a manifestação junto à sede do seu partido, porque o jornal do seu partido não tinha comemorado condignamente o aniversário de José Estaline!… Não fui eu, foi o senhor.
O Sr. José Magalhães (PS): - É verdade!
O Orador: - Não exagere sobre aquilo que é o totalitarismo, o princípio da democracia e o princípio do contraditório.
Sr. Primeiro-Ministro, o grande problema é a sua total fragilidade política sobre a questão do aborto. O Sr. Primeiro-Ministro continua a insistir em dizer que, havendo um referendo que dá um sinal sem valor constitucional, tem de ser mantida a sua consequência.
Responda-me a esta pergunta, Sr. Primeiro-Ministro: por que é que, então, proíbe não só a Assembleia de olhar para as mulheres que estão a ser perseguidas e de resolver o problema, como em todos os países da Europa, mas também proíbe o novo referendo?
Protestos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Primeiro-Ministro diz: "Só com o novo referendo é que pode haver uma alteração." Mas logo depois diz que não pode haver novo referendo. O Sr. Primeiro-Ministro não permite um novo referendo. Acabou de nos anunciar, com disciplina de voto, repito, com disciplina de voto, que não pode haver um novo referendo.
Sr. Primeiro-Ministro, terá de dar indicações acerca da sua resposta no dia em que 75 000 ou 100 000 cidadãos, pela primeira vez na história política deste país, lhe exigirem um referendo para acabar com a vergonha do crime que persegue, por força da lei, todas estas mulheres. O Sr. Primeiro-Ministro vem dizer que só com um referendo se pode mudar a lei, desde que não haja referendo. Aí está a política sinuosa! Aí está a política sem princípios! O Sr. Primeiro-Ministro o que quer é que nada aconteça.
Responda-me a isto, Sr. Primeiro-Ministro: 11 000 mulheres foram aos bancos dos hospitais na sequência de problemas decorrentes de abortos clandestinos. O Sr. Primeiro-Ministro também vai "fechar os olhos" se a lei, sendo cumprida, acarretar a perseguição, o processo, a humilhação, o julgamento de todas estas mulheres? As sete mulheres - e respectivos maridos e pais - que estão a ser julgadas em Aveiro não o preocupam. Mas nenhum país da Europa aceita uma lei como esta. Nem a extrema-direita, que também está no Governo em Itália, lança uma lei como esta, nem a Espanha, nenhum país da Europa.
O Sr. Primeiro-Ministro poderia ouvir a voz sensata…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.
O Orador: - … de todos aqueles e de todas aquelas que querem acabar com a vergonha e talvez pudesse perceber que, mesmo no seu partido, apesar da chantagem do PP, há quem queira acabar com esta vergonha. E ainda bem, Sr. Primeiro-Ministro!
Aplausos do BE e de Deputadas do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, não estou nada irritado. Confesso até que, normalmente, o momento que mais aprecio nestes debates parlamentares é o momento em que me confronto consigo.
V. Ex.ª, com esse seu estilo, às vezes, faz lembrar-me aqueles genros que todas as sogras gostariam de ter,…
Risos do PSD e do CDS-PP.
… faz lembrar-me uma mistura de Torquemada com Trotsky. Tem uma ideia inquisitorial e por isso a sua insistência sistemática nos tais casos de suspeição.
Por vezes, V. Ex.ª confunde - e quer que outros confundam - aquilo que é o exercício da democracia, ou seja, o controlo, a fiscalização, do Governo pela Assembleia da República e pelos Deputados da oposição (e é bom que se faça!) com algo que é do pior e que também existe na tradição portuguesa.
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Porque a tradição portuguesa tem coisas boas, mas também tem coisas más. A tradição portuguesa teve uma Inquisição que se baseava na delação, na suspeita, na insídia… E V. Ex.ª faz casos políticos sempre baseados na insinuação.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Diz o Sr. Deputado que o problema da Lusíada foi lançado porque A ou B tem alguém amigo que trabalha ou trabalhou na Lusíada. Isto é tão mesquinho, Sr. Deputado, é tão mesquinho.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Isto é sistematicamente o que há de pior. É por isso que digo que os senhores estão a reduzir o exercício daquilo que podia e devia ser uma oposição séria, moderna, avançada e com ideias novas trazidas pelo Bloco de Esquerda, que até surgiu como um partido interessante, ao trazerem um exercício de maledicência, de insinuação e, ultimamente, de intriga, porque a vossa última esperança, que não vai concretizar-se, é a de tentarem dividir os partidos da maioria. É muito pouco, Sr. Deputado! Este é, de facto, um problema interessante que a sua intervenção me sugeriu: saber qual é o estilo de oposição para o nosso país. Não seria melhor termos políticas, ideias alternativas do que a tal democracia imediata, que é conveniente para abrir os telejornais, mas que procura todos os dias degradar o respeito pela solução política e pela democracia no nosso país?
E digo-lhe, Sr. Deputado: não tenho medo do debate, venho aqui e respondo! Trouxe hoje um tema que me parece da maior importância para o País e VV. Ex.as colocaram outro. Mas eu respondo, dou exemplos e afirmo a minha posição como uma posição coerente.
Mas, deixe-me dizer-lhe, Sr. Deputado, o referendo teve o resultado que teve - ainda que, obviamente, com uma participação que não foi tão grande como aquela que provavelmente gostaríamos - e sobre esta matéria coloco-lhe a seguinte questão: imagine que o resultado do referendo era "sim". O que é que V. Ex.ª diria se houvesse alguma bancada a reclamar aqui uma votação contra o resultado do referendo?!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O que V. Ex.ª não diria!!… Diria que era preciso ter respeito pela vontade popular e, eventualmente, até procuraria sugerir que estaríamos ligados a outros tempos anteriores à democracia.
O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, o tempo de que dispunha esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.
O Orador: - Por isso, Sr. Deputado, não se pode ser selectivo em termos democráticos, tem de se afirmar princípios e regras.
A Sr.ª Elisa Guimarães Ferreira (PS): - Responda, Sr. Primeiro-Ministro!
O Orador: - Para mim, a questão, hoje, é esta: o aborto tem a ver com a consciência de cada um, que só deve ser decidida por referendo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Nós estamos contra um referendo, já o dissemos durante a presente legislatura, para alterar aquilo que foi decidido, ainda não há muitos anos, através de voto popular directo.
A Sr.ª Elisa Guimarães Ferreira (PS): - Mas porquê?!
O Orador: - Esta é a nossa posição, esta é a posição coerente. Gostaria que outros mantivessem a mesma coerência.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ferro Rodrigues, tenha agora a bondade de concretizar a ofensa para eu poder dar-lhe a palavra.
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O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Primeiro-Ministro, provavelmente, conhece-me mal, mas, na política, prezo muito a minha palavra, coisa que o Sr. Primeiro-Ministro dificilmente pode dizer atendendo àquilo que se passou com os seus compromissos fundamentais no momento da campanha eleitoral, tal como sobre o choque fiscal…
O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - É inacreditável!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpe interrompê-lo, mas pedi-lhe o favor de concretizar a sua ofensa, que é praxe da Casa, e só depois é que lhe darei a palavra.
O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, como ouviu tão bem como eu, a despropósito, e respondendo a outra bancada, o Sr. Primeiro-Ministro tem, pelos vistos, uma nova obsessão, que é falar sempre no líder do Partido Socialista, a propósito ou a despropósito.
O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado considera que isso é agravo da sua bancada, dou-lhe a palavra, uma vez que não gosto de a tirar a ninguém.
O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Julgo que o Sr. Primeiro-Ministro não tem autoridade nem moral nem política para falar no cumprimento dos seus compromissos,…
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - … atendendo ao que se passou com o choque fiscal, com o crescimento anual de 1,5% acima da média europeia, com o fim do défice orçamental…
Já há pouco tive ocasião de assinalar este facto singelo: é que quem mudou as circunstâncias políticas do debate em Portugal sobre esta matéria foram os senhores - foram responsáveis do PSD e também do CDS-PP, com os seus principais dirigentes, que disserem - e eu ouvi! - que defendiam a descriminalização!
Ora bem, com isso induziram a opinião pública em erro, porque mais tarde verificou-se que, debaixo de pressão, acabaram por ter de mudar a sua posição. Ainda por cima, o que disseram, num contexto em que nunca o poderiam ter feito para serem consequentes com aquilo que o Sr. Primeiro Ministro afirma hoje, foi que "nem pensar em nenhum referendo"! Os senhores não se limitaram a dizer e a desdizer no mesmo dia uma posição sobre a descriminalização. No mesmo dia disseram que "nem pensar que nos próximos três anos haja um referendo".
Sr. Primeiro-Ministro, está muito enganado se pensa que tem uma oposição dócil em que os senhores se permitem dizer uma coisa e o seu contrário sem que tenhamos uma iniciativa.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Portanto, vão ser obrigados a responder pelo voto. Não sei se pelo voto como quer o Dr. Guilherme Silva ou como quer a Vice-Presidente da bancada, Dr.ª Ana Manso, ou se com liberdade ou sem liberdade. Também não sei se são, ou não, a favor da descriminalização da interrupção voluntária da gravidez e também se estão ou não disponíveis para um referendo nos próximos três anos se se verificar que ele é necessário. Mas é isso que vão ser obrigados a dizer!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues, desculpe que lhe diga mas quanto mais V. Ex.ª fala sobre esta matéria mais se enterra.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Protestos do PS.
A questão é esta: o Sr. Deputado disse, no dia 13 Outubro de 2002, em entrevista ao jornal Público, que, tendo havido um referendo, isso significava que dava a garantia aos portugueses de que não haveria qualquer alteração à lei que não passasse por novo referendo. Não estava a falar de metas ou de objectivos
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(como muitas vezes, como políticos, temos de falar, no sentido de dizer o que vamos procurar fazer), mas de uma garantia que V. Ex.ª deu aos portugueses, empenhando a sua palavra.
V. Ex.ª, agora, apresenta uma teoria extraordinária: modificou essa garantia que deu aos portugueses porque um Deputado do PSD terá dito uma determinada frase.
Mas que grande força que tem o porta-voz do PSD, que faz modificar completamente a posição do maior partido da oposição!!…
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Ora, apesar de o Sr. Deputado Pedro Duarte já ter explicado perfeitamente a sua intervenção, mas mesmo que assim não fosse, V. Ex.ª está a dizer-me que rasgou as garantias que deu aos portugueses, aqui, porque houve um Deputado do PSD que disse que talvez se pudesse colocar a questão?!
Gostaria de saber isto: o Sr. Deputado rasga ou não o compromisso que assumiu de que não deveria haver alteração ao referendo sem ser através de outro referendo? Essa é que é a questão.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Nós mantemos a nossa posição numa questão que é objectivamente difícil, sendo que este ponto para mim é que é o essencial. Considero que se trata de uma questão extremamente difícil, uma questão de consciência e humana.
Gostaria de ter as certezas que alguns têm, mas, honestamente, confesso que não as tenho. Nem todas as soluções, no âmbito político-legislativo, são inequívocas. Há contradições muito grandes do ponto de vista de valores a ponderar, que são respeitáveis, embora, na minha hierarquia de valores, o direito à vida esteja antes de qualquer outro valor. Que isto fique bem claro!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Precisamente, em questões destas, que interpelam a consciência de cada um, penso que a solução mais razoável é recorrer-se directamente à consulta popular, porque nós não fomos eleitos, a maioria não foi eleita, nem os senhores o foram, para esta Assembleia com o compromisso de mudar a lei!
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - V. Ex.ª, quando se apresentou às eleições, não disse que ia mudar a lei na presente legislatura.
O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, o tempo de que dispunha esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.
O Orador: - É por isso que, em questões difíceis como estas, devemos esperar e recorrer ao referendo, porque o que não me parece correcto é realizar tantos referendos até que o resultado seja aquele que, antecipadamente, definimos como único aceitável.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Também se sentiu agravado por alguma expressão do Sr. Primeiro-Ministro? Queira concretizar a razão do seu pedido de palavra.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - É para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu disse há pouco que as interpelações à Mesa seriam feitas no final do debate.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Mas certamente que o Sr. Presidente da Assembleia da República, como douto jurista, pode explicar, ou lembrar, ao Sr. Primeiro-Ministro que um referendo que não obtém 50% de votos não é vinculativo.
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Protestos do PSD e do CDS-PP.
Não é vinculativo.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é uma interpelação?!
O Orador: - Como o Sr. Primeiro-Ministro não tem argumentos para justificar que neste momento está refém das teses mais preconceituosas e mais reaccionárias do CDS-PP foge à questão do referendo.
Sr. Primeiro-Ministro, daqui para a frente não pode mais "chorar lágrimas de crocodilo" pela prisão de uma mulher, porque o que veio aqui dizer, certamente com o desacordo de muitos Deputados do PSD, foi que estava a favor de que se mantenha a pena de prisão para as mulheres, que são empurradas para o aborto. Foi isto que veio aqui dizer.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Carvalhas, uma vez que a sua pergunta não se dirige ao Sr. Primeiro-Ministro mas à Mesa, dou-lhe a resposta: julgo que o Sr. Primeiro-Ministro conhece perfeitamente esse argumento e que respondeu na intervenção que fez.
Para formular uma pergunta, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, pode o Sr. Primeiro-Ministro sentir-se muito enfadado pelas questões que foram colocadas pelas oposições, pode o Sr. Primeiro-Ministro insistir em que está preso hipoteticamente a compromissos eleitorais em relação às questões das mulheres, mas estas, Sr. Primeiro-Ministro, não podem ser iludidas. Porque se diz - e fá-lo correctamente - que a questão do aborto é uma questão de consciência eu digo-lhe que a consciência não se estatiza e que ninguém tem o direito de impor leis que façam com que mulheres estejam sentadas no banco dos réus.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - É esta a questão que se coloca e, por muito desconfortável que lhe seja responder, é essa questão que tem de ser aqui dita, agora.
Não estamos a falar de uma questão concreta ou de uma questão abstracta. Estamos a falar de uma lei que tem uma moldura penal que permite aquilo que está a acontecer, ou seja, que mulheres e as suas famílias sejam colocadas no banco dos réus porque não tiveram outra opção se não a de ter de abortar.
Aquilo de que estamos a falar é de uma situação que envergonha o País e que, aliás, faz com que Portugal esteja nos noticiários da BBC, porque aqui se julgam mulheres pela prática de aborto.
Aquilo que está a acontecer, Sr. Primeiro-Ministro - goste-se ou não -, é uma humilhação às mulheres, é uma humilhação de uma parte significativa da população portuguesa, mais de metade da população deste país, mais de metade do eleitorado. Trata-se de pessoas que não têm escolha, e a ausência de uma decisão política está a permitir não reduzir mas manter o número de abortos, está a permitir que haja um negócio sórdido a que pessoas com meios possam aceder e está a impedir que seja feito tudo aquilo que o poderia ser para salvar mulheres - e são mais de 100 as que, em cada dia, vão parar aos nossos hospitais - vítimas de complicações resultantes do aborto.
É esta a questão e são estes os direitos que estão em jogo.
Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, não venha dizer que está preso às promessas eleitorais, porque promessas eleitorais fez, de facto, muitas, mas foram todas "metidas na gaveta".
Aquilo a que o Sr. Primeiro-Ministro está preso efectivamente é a um pequeno partido, que é o seu suporte na Assembleia da República, e é esse partido que dita as regras, é esse partido que hoje, uma vez mais, insiste em manter uma lei, não porque a moldura penal permita reduzir a prática de aborto mas porque insiste em julgar as mulheres por um qualquer pecado e por interditos morais que não têm sentido existirem.
É esse pequeno partido que permite que se faça tudo ao contrário daquilo que o Parlamento Europeu recomenda, ou seja, que sejam garantidas condições legais, seguras e acesso universal para que as mulheres, em nome da sua dignidade, dos seus direitos e da sua saúde reprodutiva, possam ter a resposta que ninguém tem o direito de lhes negar.
É esse pequeno partido, Sr. Primeiro-Ministro, que permitiu que um membro do seu Governo, em relação a um problema gravíssimo, o que diz respeito à SIDA e a doenças infecto-contagiosas em meio prisional, tenha dito uma coisa e que, um ano mais tarde, tenha sido pura e simplesmente desautorizado
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por uma colega da justiça, que, não tendo tomado uma única medida para reduzir as doenças, para combater e para prevenir o HIV/SIDA, se permitiu criticar e dizer que com ela não há medidas.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Não foi nada disso!
A Oradora: - É este o partido de que o senhor está refém e, naturalmente, Sr. Primeiro-Ministro, não vale a pena insistir com grandes declarações de princípio. Essas grandes declarações de princípio não têm cabimento, sabendo-se, como se sabe, que permanentemente, e tal como o senhor criticava no passado, aquilo que acontece é que, por exemplo, estão a ser colocadas pessoas em lugares importantes não de acordo com a lei mas, sim, por escolhas directas e que a palavra que deu em relação a dossiers que são fundamentais para os direitos das pessoas e para o desenvolvimento do País está a ser negada, porque há, pura e simplesmente, uma cedência aos lobbies de interesses, e há também, seguramente, um lobby muito forte no negócio do aborto clandestino.
Vozes de Os Verdes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, de facto, tenho dificuldade em responder a uma questão que não me foi colocada. É que não houve qualquer pergunta.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Não houve?!
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Então, não ouviu?!
O Orador: - A Sr.ª Deputada Isabel Castro limitou-se a repetir argumentos a que já respondi, e não quero abusar da paciência dos Srs. Deputados.
Mas, para que a Sr.ª Deputada não interprete esta minha resposta como falta de respeito, terei de dizer, mais uma vez, o seguinte: na questão do aborto, a minha posição foi tomada antes de qualquer coligação. VV. Ex.as não podem reduzir o trabalho de oposição à tentativa única de intriga ou de divisão, porque não vão ter sucesso e não se credibilizam desse modo. Trata-se de uma posição que foi tomada antes das eleições. O que é estranho é que alguns, que antes das eleições não disseram que avançariam com legislação para rever esta matéria, agora se preparem, aparentemente, para o fazer. Aí, sim, há uma justificação a dar por uma mudança de posição. Da nossa parte, a posição é clara e vamos mantê-la.
Sendo a Sr.ª Deputada representante do Partido Ecologista Os Verdes podia ter registado, até porque estamos originalmente a discutir a questão europeia, o que representa para o nosso país a Agência Europeia de Segurança Marítima, porque precisamente um dos objectivos desta Agência é a luta contra a poluição marítima e acho que ficaria bem se tivesse feito uma referência a essa matéria
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Não o quis fazer, e isso mostra bem o ambiente que actualmente a oposição quer generalizar na nossa vida política. Mas, enfim, talvez o venha a fazer, se não for hoje, noutra ocasião.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para replicar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro. Dispõe de 3 minutos.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro para Os Verdes, a questão dos direitos das mulheres à saúde sexual e reprodutiva é claríssima. Portanto, a nossa insistência tem sentido, porque, para todos os efeitos, estamos a falar de um problema que existe, não é uma ficção, e que é colocado cada vez que uma mulher, sem assistência, resultado da situação actual, é vítima de aborto clandestino. E o problema mantém-se de uma forma humilhante para cada uma das mulheres, para cada uma de todas nós, quando mulheres são colocadas no banco dos réus. Lamento que o Sr. Primeiro-Ministro seja indiferente a esta questão e continue a dizer que está vinculado e preso a um referendo que aconteceu há cinco anos, no qual só 30% dos cidadãos participaram, pelo que é não vinculativo.
Em relação à Agência Europeia de Segurança Marítima, tivemos oportunidade de saudar a oportunidade que é Portugal poder acolher esta Agência. Esperamos que, depois de um ano em que o Governo demonstrou não ter aprendido algo com o que a catástrofe do Prestige, finalmente se tomem medidas.
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Mas devo dizer-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, que reservo para o debate de amanhã, em que vão ser discutidos projectos de lei sobre segurança marítima, a conclusão sobre se há ou não vontade de mudança.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!
A Oradora: - Felizmente, temos um Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência em Portugal - referiu, aliás, essa questão -, mas a verdade é que temos por parte do actual Governo um retrocesso enorme, com o abandono de medidas de prevenção e com a ausência de políticas de reinserção e de medidas de redução de riscos. Por isso, se a notícia é boa ou má só o tempo irá permitir dizê-lo.
Por isso, em que medida é que Portugal vai saber aproveitá-la cabe ao Sr. Primeiro-Ministro prová-lo, porque ainda não o conseguiu fazer até hoje.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, já respondi.
O Sr. Presidente: - Passamos, então, à segunda ronda de perguntas.
Para formular a sua pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado António Costa. Dispõe de 3 minutos.
O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, a questão que se coloca é muito clara: quem entende que uma mulher que seja forçada a recorrer à interrupção voluntária da gravidez comete um crime defende que vá cumprir três anos de prisão. É o que resulta do Código Penal! Quem entende que uma mulher que tenha sido forçada a recorrer à interrupção forçada da gravidez não deve ir três anos para a prisão tem de contribuir para a mudança da lei. Esta é a questão!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Há, depois, diversas formas de mudar a lei. Sabemos o que é que defendemos e vamos propô-lo; os senhores dizem que não querem que as mulheres vão para a prisão, mas não tomaram qualquer iniciativa para que não lhes seja aplicada a pena de prisão.
Vozes do PS: - Exactamente!
O Orador: - E o Sr. Primeiro-Ministro não pode ter essa postura de entender que a lei não é para ser levada a sério! Não pode ignorar que a consciência nacional tem sofrido uma alteração ao longo destes anos, porque as pessoas têm-se confrontado com a realidade do que está na lei.
O que não posso aceitar, e não aceito, e tenho a certeza de que o Sr. Primeiro-Ministro também não aceita, é uma postura, que tenho de classificar de hipócrita, de dizer o seguinte: "Eu na lei não mexo,…" - e a lei manda as mulheres três anos para a cadeia -…
Vozes do CDS-PP: - Não manda, não!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Quantas é que foram?!
Vozes do CDS-PP: - Zero!
O Orador: - …"… mas eu não quero que as mulheres vão três anos para a cadeia. Eu, em consciência, não teria coragem de condenar as mulheres a ir para a cadeia". Isto é pura hipocrisia, porque o Sr. Primeiro-Ministro é um actor político que tem meios para agir politicamente e para alterar este quadro legislativo.
E se o Sr. Primeiro-Ministro diz "não aceito que se mude o quadro legislativo sem referendo", não é aí que abre uma divergência insanável. Se nos disser "haja referendo", nós dizemos "então, vamos a referendo". Agora o que o Sr. Primeiro-Ministro e a sua bancada não podem dizer é: "A Assembleia não pode mudar sem referendo, e o referendo não se fará, porque nós não deixamos".
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Nesta Legislatura!
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O Orador: - Os senhores não querem mudar a lei nem querem o referendo, então, têm de assumir que o que os senhores querem é as mulheres vão três anos cumprir pena de prisão. O que não podem, depois, é chorar "lágrimas de crocodilo".
Aplausos do PS e do BE.
O Sr. Primeiro-Ministro não pode ignorar que houve uma alteração política das circunstâncias. Este jornal que aqui tenho na mão não é o Acção Socialista, é o Diário de Notícias. E o Diário de Notícias diz "PSD está disponível para descriminalizar o aborto". E não foi qualquer fonte anónima que o disse,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não! Foi o jornal que disse!
O Orador: - … foi o porta-voz do PSD. E isto é uma mudança das circunstâncias.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Sr. Primeiro-ministro, sejamos sérios sobre esta matéria: se a questão é o referendo, então, façamos o referendo, mas assumam-no com clareza. Porque, Sr. Primeiro-Ministro, para nós, a questão também é de consciência e sabemos que isso divide todas as bancadas, por isso damos a liberdade aos Deputados da nossa bancada que pensam de uma forma diversa do PS sobre esta matéria para se expressarem na Assembleia da República de acordo com a sua consciência. Quem, aparentemente, não vai ter liberdade de voto nesta Assembleia não é a bancada do PS é, sim, a bancada do PSD.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E sabe qual é a razão fundamental pela qual eu sou contra a criminalização? Por estar de acordo consigo de que é uma questão de consciência e por saber que a democracia liberal não criminaliza consciências, porque numa democracia liberal não há delitos de consciência. Isso é dos Estados totalitários, não dos Estados democráticos e liberais, onde as questões de consciência têm de ser resolvidas no íntimo, sem sanção penal, em função da opção que cada um possa fazer livremente.
Aplausos do PS e do BE.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Costa, tirando esse "número" de mostrar um jornal, com o devido respeito, quem exprime as posições do partido…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É o porta-voz!
O Orador: - … é o partido e não qualquer jornal, e o porta-voz já esclareceu o que disse exactamente. A posição do partido ainda hoje foi aqui expressa pelo presidente do grupo parlamentar e vice-presidente do próprio partido.
Isso de tentar justificar a vossa mudança por causa de um título num jornal é quase ridículo, desculpem-me que vos diga.
Uma garantia dada pelo líder do partido a todo o eleitorado muda agora porque se terão alterado as condições políticas, porque houve um jornal que disse que o PSD estaria, eventualmente, a reponderar esse assunto. Francamente, não é credível nem séria essa justificação.
O Sr. António Costa (PS): -Então, vamos ao referendo!
O Orador: -Mas quanto à questão de fundo, Sr. Deputado, vamos lá ser sérios: há uma questão de consciência e há uma questão de processo ou método político para resolver,…
O Sr. António Costa (PS): - Estamos abertos para isso!
O Orador: - … porque há uma questão legislativa que tem de ser resolvida.
Quanto à questão de consciência, já disse que nem eu nem o meu partido - embora não quisesse aqui
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confundir o plano partidário com o plano de Governo, mas, visto que V. Ex.ª me interpelou pessoalmente, fá-lo-ei - nunca demos orientação de voto nessa matéria, isto é, se é "sim" ou "não". Portanto, se houver ou quando houver um referendo, o meu partido não vai, como partido, dar uma orientação de voto, porque entendemos que é uma questão de consciência de cada um. E eu, como Primeiro-Ministro, manterei também essa posição, o que, aliás, não me impedirá de, se assim o entender, dizer numa altura dessas o que é que eu pessoalmente penso ou como eu pessoalmente votarei. Poderei fazê-lo, como fiz já, aliás, no passado.
Agora, outra questão é a questão política, o processo ou método político de resolvermos isso.
O Sr. António Costa (PS): - Só há referendo com o voto da vossa bancada!
O Orador: - E aí nós temos compromissos e VV. Ex.as também, só que VV. Ex.as afastaram-se do compromisso que assumiram.
O Sr. António Costa (PS): - Não! Vamos para o referendo!
O Orador: - Por amor de Deus! Já fez n citações! Tenho aqui n citações a garantirem que não aceitavam mudança sem ser através de referendo. Ainda ontem VV. Ex.as disseram que iriam patrocinar ou apoiar qualquer iniciativa legislativa para liberalizar a interrupção voluntária da gravidez.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Por isso, Srs. Deputados, do ponto de vista político, a maioria, se quiser ser coerente - e tenho a certeza de que será -, não pode, obviamente, agora pôr em causa aquilo que disse antes das eleições. Estes Srs. Deputados que foram eleitos não o foram com mandato para mudar a legislação sobre a interrupção voluntária da gravidez! Não foram! Nenhum dos partidos que se apresentou ao eleitorado pôs isso no seu Programa! E não só não pusemos isso no nosso Programa como dissemos, e disse eu, como candidato a Primeiro-Ministro na altura e hoje como líder da maioria, que não aceitaria a revisão dessa matéria durante esta Legislatura.
O Sr. António Costa (PS): - O referendo!
O Orador: - VV. Ex.as também disseram isso, só que já se esqueceram do que disseram! Essa é a grande diferença.
O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, o seu tempo esgotou-se.
O Orador: - Por isso, vamos distinguir o que é uma questão de consciência, de liberdade total - V. Ex.ª não será mais liberal do que eu, há-de conceder - da consciência da cada um, do que é um compromisso político, e aí há regras que todos os Deputados e todos nós como responsáveis políticos temos o dever de subscrever. VV. Ex.as parece que se esqueceram desta regras.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Vozes do PS: - Não, não!
O Sr. Presidente: - Para formular uma pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Duarte.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, tenho duas perguntas concretas a colocar-lhe sobre o tema que aqui nos traz hoje, nomeadamente a Constituição europeia. Contudo, todos compreenderão que, pelo facto de, há pouco, não ter tido a oportunidade de usar da palavra quando fui aqui citado, abra um pequeno parêntesis para deixar claro e, no fundo, serenar ou sossegar a preocupação, que, aliás, agradeço, dos Srs. Líderes do Partido Socialista e do Partido Comunista Português com a minha autoridade enquanto porta-voz do Partido Social Democrata.
Quero, de facto, sossegá-los, dizendo que a posição do Partido Social Democrata sobre esta matéria…
O Sr. José Magalhães (PS): - Qual delas?!
O Orador: - … é cristalina, já hoje foi aqui exemplar e exaustivamente citada pelo Sr. Primeiro-
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Ministro, e é aquela que é assumida hoje pelo PSD e que foi assumida na última campanha eleitoral, e a esse respeito não vacilamos e não vacilaremos.
Contudo, quero dizer que o Partido Socialista ou a oposição em geral escusam de tentar criar brechas nesta coligação.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Essa é uma jogada política que rejeitamos e, permitam-me mesmo que vos diga, julgo que VV. Ex.as já deveriam ter percebido que não vão ter qualquer sucesso.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Estamos coesos, esta coligação está sólida, por uma razão fundamental: é que aquilo que nos une, aquilo que nos liga, é algo muito, muito forte que se chama Portugal, e não é com estas tricas, com estas jogadas, que vai ser alterada esta nossa postura.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
E, portanto, não posso deixar de lamentar que VV. Ex.as tenham confundido aquilo que foi dito por mim - quero acreditar que por leviandade…
O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Por leviandade?!
O Orador: - … e por distracção, não por má fé -, …
Risos do PSD.
… uma manifestação e abertura para se participar numa discussão pública, na sociedade portuguesa, sobre um tema que é, com certeza, importante para a sociedade portuguesa, com aquilo que é, suposta e delirantemente, uma manifestação de vontade ou uma qualquer decisão sobre uma proposta concreta,…
O Sr. José Magalhães (PS): - Uma cambalhota!
O Orador: - … venha ela da oposição ou, até, como também, de modo delirante, chegou a ser dito, seja ela de iniciativa própria deste grupo parlamentar. Isso não corresponde à verdade e tenho pena que o Sr. Deputado António Costa tenha citado o título mas não tenha tido a hombridade de citar aquelas que foram de facto as minhas declarações e que estão entre aspas no jornal.
Contudo, quero dizer - para sossegar esses espíritos - que os Srs. Deputados Eduardo Ferro Rodrigues e Carlos Carvalhas escusam de se preocupar com a minha autoridade no Partido Social Democrata, até porque, se me permitem o desabafo, julgo que ambos já têm clivagens suficientes nos vossos partidos…
Risos do PSD.
… para não precisarem de inventar problemas nos outros partidos.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Quanto à questão concreta (e não vou ter muito tempo, lamentavelmente), Sr. Primeiro-Ministro, queria referir o seguinte: como aqui foi dito, de facto, foram conseguidos vários pontos de convergência no âmbito da discussão do Tratado Constitucional, aliás, naquilo que seriam 80 pontos controversos, numa fase inicial.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.
O Orador: - Para terminar, Sr. Presidente.
Dizia eu que houve pontos de convergência, o chamado acquis negocial, e quero recolocar uma questão ao Sr. Primeiro-Ministro, que já a abordou, no sentido de se perceber se Portugal se sente realmente satisfeito com aquilo que já foi conseguido a esse respeito e se vai continuar, naturalmente, a batalhar por
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essas conquistas para o nosso país.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Duarte, muito obrigado também pelo esclarecimento tão definitivo que trouxe sobre a questão que, incidentalmente, entrou neste debate europeu.
Na questão europeia, penso que a solução que estava gizada seria aceitável por Portugal e era aceite pelo Governo português.
Como sabem, dissemos que a Convenção tinha produzido um texto globalmente positivo e quisemos melhorá-lo: fizemos várias propostas, participámos em várias iniciativas, com outros países também, nomeadamente na questão da Comissão, para garantir que houvesse um princípio de igualdade na representação da Comissão Europeia.
Fizemos também parte daqueles que lutaram - e fomos dos que o fizeram com mais energia, devo dizer - por um reconhecimento explícito do princípio da igualdade entre os Estados-membros, sendo que esse princípio, obviamente, não contradiz uma representação de algum modo diferenciada em função da demografia em determinadas instituições, nomeadamente no Parlamento Europeu e no sistema de votos no Conselho Europeu. Por isso, estávamos bastante animados para que fosse possível resolver a questão que, formalmente, bloqueou as negociações.
Nessa questão, a nossa posição também foi clara: preferimos um sistema de dupla maioria. Consideramos ser melhor ir para um sistema de dupla maioria do que manter o complexo e bastante "embrulhado" sistema de Nice. Mas a verdade é que também dissemos sempre que podíamos viver com Nice e esta Assembleia da República ratificou o Tratado de Nice que, aliás, foi negociado por outro governo. Por isso, não tínhamos razões para nos opormos a que se mantivesse o sistema que ficou fixado no Conselho Europeu de Nice.
De qualquer modo, e é por isso que julgo, sinceramente, não haver razões para uma dramatização excessiva, estas regras vigorariam sempre até 2009. Portanto, não subestimando a dificuldade existente (porque existe uma dificuldade, e deram-se vários acontecimentos na história recente da União Europeia que preocupam aqueles que acreditam que o nosso futuro colectivo passa por aí, e é seguramente o nosso caso), a verdade é que penso não haver razões para dramatizar excessivamente.
Há tempo para se chegar a um compromisso aceitável. Pela nossa parte, vamos continuar a fazer tudo o que estiver ao nosso alcance, juntamente com outros países, e quero referir a grande capacidade de diálogo e de entendimento que temos, nomeadamente com países como a França e a Alemanha, por um lado, ou a Espanha, por outro, que aqui, nesta matéria, estiveram divididos e para que haja um compromisso, insisto, que satisfaça uma ideia avançada da Europa e a defesa do interesse nacional português.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao orador seguinte, há um pedido de palavra com precedência.
O Sr. Deputado António Costa pediu a palavra para que efeito?
O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, por mim, ficaria satisfeito com a interpelação à Mesa, a não ser que o Sr. Presidente entenda que a figura indicada é a da defesa da honra…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu não entendo que haja ofensa da honra seja de quem for, pois cada um é que é o juiz da sua própria honra. Assim sendo, dou-lhe a palavra.
O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Pedro Duarte intimou-me por eu ter tido falta de hombridade na citação das suas palavras e por só ter referido o título da notícia. Peço desculpa ao Sr. Deputado Pedro Duarte e gostaria de reparar perante a Câmara esta minha falta, lendo as declarações, postas entre aspas, do Sr. Deputado Pedro Duarte.
Começo a citar: "a abertura da parte do PSD para se discutir a moldura penal do aborto". Segue dizendo: "é um assunto que deve ser discutido e ponderado". Nova citação: "chocante, até do ponto de vista humano, penalizar uma mulher que já sofre";…
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
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O Orador: - … e acrescenta "vale a pena discutir o tema". Também a palavra "abertura" foi empregue pelo Sr. Deputado Pedro Duarte.
Espero estar assim reparado o meu equívoco, de que não manifestou abertura para discutir a questão da penalização do aborto.
Sr. Presidente, permita-me, já agora, também, porque é útil para a condução dos trabalhos, alertar o Sr. Primeiro-Ministro (o Sr. Ministro Marques Mendes tinha saído por pouco tempo e não lhe deve ter chamado a atenção para esse problema legal, constitucional e regimental) para o facto de que só pode haver referendo havendo prévia iniciativa legislativa.
Vozes do PS: - Claro!
O Orador: - Gostaria também de esclarecer mais uma vez o Sr. Primeiro-Ministro que isto significa que não há qualquer contradição. Se entenderem que o problema é de procedimento político e quiserem um referendo, vamos a ele. Agora, não venham é "chorar lágrimas de crocodilo", não deixando mudar a lei nem permitindo o referendo que possibilitaria mudá-la.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a sua pergunta dirige-se à Mesa e a Mesa responde-lhe dizendo o seguinte: quanto à leitura que fez, não tenho comentários a fazer; talvez o Sr. Deputado Pedro Duarte…
O Sr. Pedro Duarte (PSD): - Sr. Presidente, peço a apalavra.
O Sr. Presidente: - … que pediu a palavra, queira dizer alguma coisa.
Sobre os aspectos de natureza legal e regimental, o debate que decorreu ao longo de toda a tarde de hoje é um abundante comentário a essas questões.
Se porventura algum Sr. Deputado, depois, quiser responder, dar-lhe-ei a palavra. Mas gostava que não perdêssemos muito tempo, porque há outros oradores inscritos e temos de cumprir a nossa ordem do dia.
Sr. Deputado Pedro Duarte, tem a palavra, mas peço-lhe para ser muito breve.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente. Serei com certeza breve.
Com o respeito e a consideração que o Sr. Deputado António Costa sabe que por ele nutro, queria apenas dar nota e agradecer que tenha feito essa citação, porque, na verdade, referiu…
O Sr. António Costa (PS): - "Chocante"!
O Orador: - … "abertura", "ponderação", "reflexão", "discussão"; não conseguiu citar qualquer palavra a dizer "decisão", "vontade", "intenção" seja do que for, por parte do Partido Social Democrata. Portanto, cada qual vê as coisas como melhor entende e tenho pena que não seja de facto com rigor.
Mas, Sr. Deputado António Costa, para culminar, deixe-me dizer que aprecio a sua insistência, a sua resistência. De facto, perante este debate e a forma como ele está a decorrer, os senhores não desistem e continuam a tentar "dar a volta ao texto".
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E o "texto" é muito simples, porque aquilo que é completamente incontornável, neste debate, aqui, hoje, é que a única pessoa que mudou de posição foi o Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues. E o mais triste é que o tenha feito movido pelo mais primário oportunismo político.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito?
O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, para defesa da honra.
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Vozes do PSD: - Oh!…
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Para isso, é preciso ter honra!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, mas não sem eu dizer antes que, no princípio, omiti um apelo que costumo fazer nestes debates no sentido de os Srs. Deputados medirem as palavras que usam, para evitar esta controvérsia de defesas da honra que prolongam os nossos trabalhos excessivamente.
De qualquer modo, dou a palavra ao Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues. Ainda assim, a apreciação não lhe era dirigida.
O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, não sei se o Sr. Deputado Pedro Duarte se encontrava no Hemiciclo quando este debate se iniciou, mas tive o cuidado de não colocar esta questão na agenda política do debate;…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Pudera, não era fácil!
O Orador: - … ela foi colocada por outros partidos e o meu nome foi referido, em primeiro lugar, pelo Sr. Primeiro-Ministro, Dr. Durão Barroso.
Devo dizer ao Sr. Deputado Pedro Duarte que não lhe admito, politicamente,…
Vozes do PSD: - Oh!…
O Orador: - … qualquer julgamento de carácter como aquele que acabou de fazer.
Como ficou claro da intervenção do Deputado António Costa, não pode haver qualquer referendo sem haver uma iniciativa legislativa.
Vozes do PS: - Exacto!
O Orador: - Já manifestámos a nossa disposição para apresentarmos uma iniciativa legislativa, ficamos à espera que os senhores da maioria manifestem a sua disposição para o referendo.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Agora, querem o referendo; antes, não queriam!
O Orador: - Não há qualquer contradição entre aquilo que eu disse…
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Há, há!
O Orador: - … e aquilo que eu estou a fazer neste momento.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Duarte. Peço-lhe para ser tão breve como foi o Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): - Serei, com certeza, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues, quero dizer que se compreende que não tenha trazido esse tema na sua primeira intervenção, dado o incómodo que o mesmo lhe causa. Isso é perfeitamente razoável!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. José Magalhães (PS): - Não era o tema do debate!
O Orador: - Mas quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que tenho o princípio de pautar a minha actividade política (e não só, mas, neste caso, política) por não fazer qualquer ofensa ou insulto ao carácter seja de quem for. Limitei-me, exclusivamente, a fazer uma avaliação política daquilo que tem vindo a ser o percurso de V. Ex.ª nesta matéria. É tão-só isso!
Perdoar-me-á mas eu considero que é oportunismo político mudar de posição devido a uma manchete de jornal.
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Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Está a fazer autocrítica!
O Sr. Presidente: - Para fazer uma pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Dr. Durão Barroso, que é e continuará a ser por muitos anos Primeiro-Ministro de Portugal, ainda - e aqui é que entra o "ainda", Sr. Deputado Francisco Louçã - que isso custe ao Bloco de Esquerda, ao Partido Comunista Português ou ao Partido Socialista.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Ou aos portugueses!
O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, neste debate que tem como tema essencial a questão das relações internacionais, quero dizer-lhe que eu, como V. Ex.ª, como o Sr. Deputado Telmo Correia, continuamos à espera que haja um representante de qualquer um dos partidos da oposição que venha aqui congratular-se pelo facto de um dos mais sanguinários ditadores do nosso século…
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Foi o Salazar!
O Orador: - … ter sido preso, no passado fim-de-semana, pelas forças internacionais, no Iraque. Chama-se Saddam Hussein. Estamos à espera que qualquer um dos partidos tenha, em relação a isso uma palavra.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
Risos do PCP e do Deputado do BE Francisco Louçã.
O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro lançou-nos o tema da Europa. Sobre essa matéria, quero começar por dizer-lhe que consideramos esse um dos temas mais importantes para o nosso futuro colectivo, um tema que deve e tem de ser discutido. Mas quanto a isso e em relação àquela que é a posição do partido, não pretendendo fazer banda desenhada mas pretendendo fazer História, devo dizer-lhe que, desde 1998 e de uma forma muito clara, se tem marcado uma posição de convicção firme na necessidade de evolução da União Europeia e também na necessidade de evolução da União Europeia tendo especial respeito pela igualdade entre os vários Estados-membros.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Em relação a essa matéria, Sr. Primeiro-Ministro, quero fazer-lhe uma pergunta. Refiro-me à questão do número de comissários, à questão daquela que tem sido a posição que vários Estados têm tomado em relação a essa matéria e pergunto se será possível, em relação à mesma, considerarmos que é importante, independentemente da formulação que se alcance, que cada um dos Estados tenha um representante na Comissão Europeia.
Mas, para além disso, e lendo, aliás, as afirmações do Sr. Primeiro-Ministro italiano, considero que o passado fim-de-semana nos trouxe evoluções. Foi dito que se evoluiu em mais de 80 pontos, na reunião do passado fim-de-semana. Em relação a essa matéria, Sr. Primeiro-Ministro, poderá também trazer-nos algumas notícias?
Sr. Primeiro-Ministro, nesta época natalícia, terminaria dando-lhe especiais cumprimentos e aos membros do seu Governo,…
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Ding, dong, ding, dong…
O Orador: - … esperando que o ano de 2004 seja um bom ano para V. Ex.ª, seja um bom ano para o Governo que lidera, porque, com toda a certeza, assim, também será um bom ano para os portugueses.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
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O Orador: - E desta bancada poderá contar com um apoio firme, porque sabemos que há princípios fundamentais, como a estabilidade política, e apoiamos um governo que está no bom caminho.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, muito obrigado por estes votos tão apropriados à quadra mas que sei que não são apenas durante a quadra, pois vai continuar ao longo de vários anos, espero, o nosso trabalho de convergência a favor de Portugal.
Aliás, quero aqui agradecer também os votos que me foram dirigidos pelo Sr. Deputado Telmo Correia, pois, há pouco, houve um factor de distracção que me levou a não lhe agradecer.
Mas queria dizer mais uma vez que a estabilidade política é essencial para o nosso país, até para além de algumas diferenças ou divergências que possam existir, e que, naturalmente, existem entre pessoas que não pensam, necessariamente, todas pela mesma cartilha ou pela mesma sebenta. A verdade é que é essencial darmos o exemplo que temos vindo a dar, de cooperação leal e séria, a favor do nosso país.
Quanto à questão europeia, há uma conclusão a retirar deste debate: perdem toda a legitimidade alguns dos Srs. Deputados da oposição para, como é previsível, daqui a algum tempo, virem dizer que não há debate em Portugal sobre as questões europeias, porque, hoje, vim aqui trazer a questão europeia,…
O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Não respondeu às perguntas!
O Orador: - … que é de transcendente relevância para o futuro de Portugal e vários dos partidos - não todos, é verdade! - escolheram outras questões, que também são importantes, sérias e graves mas que não eram as que estavam, hoje, na agenda parlamentar.
O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Não respondeu às perguntas!
O Orador: - Estou a dizer isto porque já sei como é que é, no nosso país, a tendência para tentar sempre responsabilizar o Governo, quando não há debate. Há, um pouco, a ideia centralista de que o Governo tem de dirigir os debates, mas eu não penso assim e parece-me que temos dado o exemplo - o Governo e a maioria - ao lançar o debate sobre a questão europeia. Já nem sei quantas vezes aqui viemos, por nossa iniciativa, para discutir esta questão, mas também já ouvi, aqui e além, a ideia de que não há um suficiente esclarecimento, como se a responsabilidade disso fosse do Governo e não de todas as forças políticas, dos líderes de opinião, das universidades, das associações cívicas, de todos aqueles que podem ajudar o nosso país a ter uma opinião mais fundamentada sobre a questão europeia.
Ainda hoje, antes deste debate, vi uma sondagem que mostra que a esmagadora maioria dos nossos compatriotas não sabe o que está em discussão na Constituição europeia. Esta é a verdade! Por isso, não teremos nós, eleitos pelo povo, a obrigação de dar um contributo positivo para esse esclarecimento?! Penso que temos essa obrigação e foi por isso que aqui viemos! E, sem revelar, obviamente, o conteúdo do Conselho de Estado mas referindo-me ao comunicado público que foi afixado, registei que, ontem, o Conselho de Estado e o Sr. Presidente da República fizeram um apelo a que esta questão seja, de facto, debatida.
Mas devo dizer que, no que respeita à questão europeia, este debate ficou um pouco aquém daquilo que seria desejável. É certo que vimos uma linha geral de consenso com o maior partido da oposição, e congratulo-me com isso, mas não vimos ainda o aprofundar, tanto quanto estaríamos prontos para o fazer, das questões europeias.
O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, esgotou-se o tempo de que dispunha.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Portanto, Srs. Deputados, virei aqui as vezes que quiserem para discutir as questões europeias, mas, por favor, que nenhum dos Srs. Deputados ou das forças políticas da oposição venha mais tarde dizer que não houve suficiente debate sobre a questão europeia.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
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O Sr. Presidente: - Para formular a sua pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, de facto, hoje, não se tratava de fazer um debate sobre a Europa, tratava-se um pouco mais de avaliar o posicionamento do Governo nas últimas negociações da CIG. E deixe-me dizer-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, que não vale a pena continuarmos o debate, porque, sobre a importante reunião do passado fim-de-semana, o Governo português pode dizer que teve uma acção interventiva, activa e operante na defesa dos interesses nacionais, que ninguém acredita, Sr. Primeiro-Ministro! Nem os Deputados da maioria, nem os Deputados desta Casa, nem a comunicação social, nem o País acreditam!
É que o Sr. Primeiro-Ministro e o seu Governo deram a noção exacta de que iriam aceitar tudo o que lhe oferecessem! O Governo português, nesta matéria, comportou-se não como um aluno bem comportado mas como um óptimo aluno, com uma característica específica: entrou mudo e saiu calado e esteve completamente inoperante na defesa dos interesses do País e dos portugueses!
Protestos do PSD.
Mas bem se compreende que o Sr. Primeiro-Ministro tenha insistido em trazer aqui, hoje, as questões relativas à última CIG e ao seu fracasso, uma vez que, e este debate tem-no provado à saciedade, as questões nacionais incomodam-no sobretudo e incomodam, naturalmente, o seu Governo. Tal é o caso, por exemplo, do que disse mas não disse o Sr. Deputado Pedro Duarte, que está perfeitamente transcrito, entre aspas, no Diário de Notícias do dia 17 de Dezembro e também não deixa dúvidas a ninguém;…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!
O Orador: - … tal é o caso das questões relacionadas com o julgamento de Aveiro e o completo e mais do que evidente domínio do Governo pelo CDS e pelas suas concepções de extrema direita; tal é o caso, no fundo, e lamentavelmente, Sr. Primeiro-Ministro, da sua recusa em encarar de frente, olhos nos olhos, as mulheres deste País, não tendo uma posição clara perante o drama daquelas que decidiram interromper uma gravidez e estão agora sob a ameaça de ir parar à prisão, por efeito do julgamento.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Mas, Sr. Primeiro-Ministro, é também este o caso, por exemplo, da Fundação Minerva/Lusíada, relativamente ao qual todos os dias surgem dados novos que adensam as questões por esclarecer. O Sr. Primeiro-Ministro não terá lido a imprensa de hoje mas surgem mais dados, mais questões que avolumam a falta de transparência de todo este processo. Por isso, pela nossa parte, continuaremos a exigir do Governo e do Sr. Primeiro-Ministro todos os esclarecimentos. Aliás, também por isso, desafiamos a maioria, o Governo e o Sr. Primeiro-Ministro…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esgotou-se o tempo de que dispunha. Tenha a bondade de concluir.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, também por isso, desafiamos a maioria, o Governo e o Sr. Primeiro-Ministro a dizerem aqui se apoiam ou não a proposta do PCP para a realização de uma audição parlamentar alargada que transforme esta questão numa questão transparente.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não!
O Orador: - Se o Governo não deve nem teme, então, não bloqueie a necessidade que o País tem de perceber exactamente o que se passou com a Fundação Minerva e com a Universidade Lusíada.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Honório Novo, começando por esta questão que me coloca, sejamos claros: o Governo já deu todos os esclarecimentos que tinha a dar,…
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O Sr. Honório Novo (PCP): - Não deu, não! Há dados novos!
O Orador: - … já cá veio o Sr. Ministro da Presidência, precisamente por iniciativa do Governo. Agora, quanto à Assembleia, a Assembleia decidirá aquilo que pode e deve fazer em relação a qualquer iniciativa que o vosso partido tome.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Ainda não leu a imprensa de hoje?!
O Orador: - No que diz respeito à questão da Europa, o Sr. Deputado Honório Novo sabe que ainda não são públicas as reuniões do Conselho Europeu e menos ainda as sessões da Conferência Intergovernamental, nomeadamente o chamado "confessionário", em que a presidência tratou de vários temas com os diferentes governos ali representados.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Pelos vistos, só lá foi o Sr. Primeiro-Ministro!
O Orador: - Ora, o que lhe posso dizer, Sr. Deputado, embora nestas questões não me agrade estar a colher alguns louros, é que, nas conclusões da presidência, aquilo que ficou retido como contribuição de Portugal foi precisamente o empenho colocado na defesa do princípio da igualdade dos Estados-membros. E eu fiquei satisfeito com isto, porque significa que já nos associámos positivamente a essa imagem.
Mas, de facto, VV. Ex.as tentaram, por todos os meios, fugir à questão europeia e fugiram também à questão do Iraque.
Vozes do PCP: - Outra vez?!
O Orador: - É um silêncio ensurdecedor este, do Partido Comunista, em relação a uma ditadura que caiu.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Protestos do PCP.
O Orador: - Perguntei-me se VV. Ex.as mantinham a ideia selectiva de que uma ditadura é boa numas ocasiões e não é boa noutras mas encontrei a resposta e vou dar-lhes uma sugestão para reverem a vossa posição, a menos que os renovadores do vosso partido já vos tenham feito esquecer o princípio do internacionalismo proletário.
Protestos do PCP.
É que acabo de ver o que diz o líder do Partido Comunista do Iraque. Hamid Mayid Musa diz o seguinte: "aquilo que os europeus chamam resistência não é isso mas, sim, terrorismo". E diz ainda, o líder do Partido Comunista do Iraque, vosso camarada, tanto quanto sei:…
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente! Tanto quanto sabe! Cartão 1163!
Risos do PCP.
O Orador: - … "Nós opusemo-nos à guerra, quando ela se produziu para pôr fim à mais férrea ditadura do planeta, mas não enfrentámos uma ocupação, enfrentámos, sim, uma ditadura fascista". É a ditadura de Saddam Hussein, a que ele chama a ditadura fascista do Partido Baas.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, esgotou-se o tempo de que dispunha.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
O Partido Comunista do Iraque diz que não são os norte-americanos que fazem uma ocupação e que a verdadeira resistência não é aquilo que fazem os terroristas. "A verdadeira resistência consiste em trabalhar para conseguir que a situação se normalize. Quando isso ocorrer, as forças estrangeiras não terão
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necessidade de permanecer no país".
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Pois é!
O Orador: - Esta é a posição do Partido Comunista do Iraque que, curiosamente, deve à determinação do Presidente Bush, dos norte-americanos e da coligação internacional…
Risos do PCP.
… o direito de poder, hoje, em liberdade, exprimir a sua opinião e viver em democracia.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes): - Por que é que não aplaudem agora?!
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Carvalhas inscreveu-se para defesa da honra. Qual é o motivo do seu agravo, Sr. Deputado?
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, creio que é claro na intervenção do Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Presidente: - Devo confessar que não notei, Sr. Deputado.
O Sr. Primeiro-Ministro leu um comunicado do Partido Comunista do Iraque e confesso ao Sr. Deputado…
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, se me der a palavra, posso explicar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Carlos Carvalhas.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, quero apenas dizer ao Sr. Primeiro-Ministro, mais uma vez, que não fomos nós que vendemos armas ao ditador Saddam, que não fomos nós que estivemos calados quando Saddam liquidou os comunistas, que não fomos nós que estivemos calados quando Saddam bombardeou os curdos, foram os senhores, o PSD e V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro!
Aplausos do PCP.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Congratulam-se ou não?!
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, mais uma vez, apesar desta oportunidade soberana que generosamente lhe dei, o Sr. Deputado não teve uma palavra de congratulação pela queda do ditador Saddam. É curioso, não é?!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
É extraordinário o quase bloqueamento psicológico que VV. Ex.as têm em relação a esta matéria.
Não nos disse, e eu, por acaso, gostava de saber, até por uma questão de curiosidade cultural ou intelectual, se VV. Ex.as subscrevem ou não o que diz o Partido Comunista do Iraque.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Peça uma audiência ao partido que eu digo-lhe! Peça uma audiência na Soeiro Pereira Gomes!
O Orador: - Parece-me que era interessante saber isso, para compreender a actual situação do movimento comunista internacional.
Vozes do PCP: - Peça uma audiência!
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O Orador: - Gostava de saber se concordam com o Partido Comunista do Iraque quando diz que o problema não é a ocupação norte-americana, o problema é, de facto, o terrorismo daqueles que se opõem à normalização, à situação que hoje se cria e que é bem melhor do que aquela do fascismo do Partido Baas.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Peça uma audiência na Soeiro Pereira Gomes, que eu digo-lhe!
O Orador: - Penso que era útil saber o que pensam sobre esta matéria, até para os chamados debates da esquerda que VV. Ex.as devem promover, mas a verdade é que ficámos, lamentavelmente, sem o saber. Pode ser que a revisão em curso, no Partido Comunista, um dia, nos esclareça acerca desta questão.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Isto não lhe correu bem!
O Sr. Bruno Dias (PCP): - Está mesmo aflito!
O Sr. Presidente: - Para formular a sua pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.
O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, quanto ao Programa de Estabilidade e Crescimento e ao Pacto de Estabilidade e Crescimento, notamos que o Governo está profundamente confuso, está perdido, está dividido. Mas não é apenas o Governo, também o PSD está contra si próprio. E tem toda a razão, porque há um fracasso indesmentível da política orçamental e um fracasso total do programa de convergência, no sentido da aproximação à Europa, uma vez que nos afastamos.
Assim, gostaria de recordar que o défice em 2003 é de 5,2%, conforme já disse o Banco Central Europeu,…
O Sr. António Costa (PS): - Mais 2,2%!
O Orador: - … e gostaria que o Sr. Primeiro-Ministro desmentisse o Banco Central Europeu e publicasse um comunicado para esse efeito; a dívida pública cresceu de 55%, em 2001, para, praticamente, 60%; a despesa corrente, em relação ao PIB, cresceu de 40,3% para 42% e a despesa de capital desceu 16%. Não creio que seja possível haver desastre maior! Trata-se do maior desastre da democracia portuguesa!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Diz o Governo que um dos seus principais objectivos é acelerar a convergência real com a União Europeia, mas há apenas uma aceleração da convergência real em termos de desemprego, ou seja, de facto, estamos a aproximar-nos das taxas de desemprego dos países que, persistentemente, estão bastante acima da média, com mais 120 000 desempregados desde que este Governo existe, isto é, 35% de crescimento do desemprego.
Mas gostaria ainda de dizer ao Sr. Primeiro-Ministro que a confusão em que o Governo está é tal que vemos, em relação ao Pacto de Estabilidade e Crescimento, a seguinte situação: olho para um jornal e vejo, em título, "Barroso contra sanções à França", dizendo o Sr. Primeiro-Ministro que Portugal compreende o não cumprimento do défice por parte da França.
Onde é que está o princípio da igualdade entre Estados, Sr. Primeiro-Ministro?
Por outro lado, vejo que o Sr. Primeiro-Ministro está solidário com a França por razão da nossa emigração. O milhão de portugueses que lá está merece, enfim, que a França não tenha défice. Mas Portugal tem 10 milhões de portugueses a quem o Sr. Primeiro-Ministro inflige essa perda.
Por outro lado ainda, Sr. Primeiro-Ministro, diz o Sr. Ministro Marques Mendes, contra si, que foi um gravíssimo erro Portugal não ter votado a favor de sanções.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Não!
O Sr. António Costa (PS): - Diz, diz! É também como o Pedro Duarte!
O Orador: - Diz também Santana Lopes que não está de acordo com o Pacto, considera-o gravoso para Portugal e que Portugal tem é de lutar por ter um programa de crescimento à altura para estarmos
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cada vez mais dentro da Europa.
Ora, o Sr. Primeiro-Ministro tem contra si o Sr. Ministro Marques Mendes, tem contra si declarações do Dr. Santana Lopes, número dois do partido, mas agora vem dizer-nos que não é nada disso. Não vale a pena…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Afinal de contas, Sr. Primeiro-Ministro, quem tem razão: é o Dr., Marques Mendes? É o Dr. Santana Lopes? É V. Ex.ª?
O Sr. Primeiro-Ministro pode iludir esta pergunta como quiser, mas não pode evitar, de maneira nenhuma, que esteja na comunicação social a prova provada de que o seu Governo está profundamente desorientado. O seu partido começa a ver o fracasso, por força da vossa política sem perspectiva, sem horizonte, a favor do desemprego.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Cravinho, mais uma vez a trica, a tentativa de intriga,…
Vozes do PS: - Intriga?!
O Orador: - … a tentativa de procurar criar divisões artificiais,…
O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Artificiais?!
O Orador: - Se quiser um guia para saber o que é que está certo, posso dar-lho: aquilo que eu digo é exactamente aquilo que mostra onde está o que é certo para o País.
Risos do PS.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Isso já é arrogância!
O Orador: - Portanto, V. Ex.ª pode estar seguro disso.
Ao contrário de VV. Ex.as. Mas foram VV. Ex.as que colocaram Portugal no Pacto de Estabilidade e Crescimento! A verdade é essa!
O Sr. Honório Novo (PCP): - Com o vosso apoio!
O Orador: - Aliás, com o nosso apoio.
Vozes do PS e PCP: - Ah!
O Orador: - Contudo, VV. Ex.as, de algum tempo a esta parte, porque agora as coisas são mais difíceis e porque, aparentemente, é popular dizer mal, dizem mal do Pacto. Que convicção é essa? Que consistência? Que coerência?
Ainda bem que VV. Ex.as não têm a responsabilidade de governar, porque, se governássemos assim, em função do que é a conjuntural opinião, não teríamos a capacidade de impor uma linha de rumo ao nosso país.
Disse aqui hoje que o Pacto de Estabilidade e Crescimento colocou em dúvida a credibilidade das regras da União Europeia. Manifestei-me crítico em relação ao modo como esta questão foi, ou não, gerida pela União Europeia. Mas isso não quer dizer que estejamos contra o Pacto! Essa é que é a grande diferença! Consideramos que o Pacto deve ser credibilizado, e VV. Ex.as aproveitam a primeira dificuldade séria para dizer: "Abandone-se o Pacto, abandone-se a disciplina orçamental!"
O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - É falso!
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O Orador: - E nunca se compreende a vossa política.
Penso que nenhum português, hoje, sabe exactamente, se VV. Ex.as fossem governo, se estariam a tentar aplicar o Pacto de Estabilidade ou não! Não se sabe. Eu próprio não sei, e procuro ser uma pessoa informada. É que VV. Ex.as dizem sempre que é preciso aumentar a despesa para gerar crescimento.
A Sr.ª Elisa Guimarães Ferreira (PS): - Não!
O Orador: - Essa é, talvez, a grande diferença que há entre nós.
Vozes do PS: - Não!
O Orador: - E nós continuamos a dizer que não! Continuamos a dizer que a situação que hoje em dia o País vive, nomeadamente o problema sério e grave do desemprego, se deve não à política orçamental que está a ser seguida, que era inevitável, mas aos custos de um ajustamento, que era, esse sim, evitável. Connosco está toda a teoria económica; está, por exemplo, o Governador do Banco de Portugal, que já disse, claramente, que a política orçamental deve ser basicamente esta e não outra e que seria uma ilusão com custos pesadíssimos se agora nos afastássemos desta política.
Por isso, penso que nesta questão pode haver tudo, menos ambiguidade. Vamos manter esta linha com Pacto ou sem Pacto. Defendemos que o Pacto deve ser credibilizado, defendemos também que pode ser melhorado e, mais, que já tem dado provas de alguma flexibilidade. A verdade é que, por alguma razão, a União Europeia, hoje em dia Zona Euro, se concentra no défice estrutural, isto é, no défice ajustado ao ciclo económico. E VV. Ex.as continuam a referir números mirabolantes do défice, que existiriam "se" o Governo não tomasse determinado tipo de medidas.
O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Mas para a História e para os registos lá estará: 2001, o último ano da vossa governação, o último número do Eurostat é défice em 4,3%. Portugal, por vossa iniciativa, foi o primeiro país a violar o Pacto de Estabilidade e Crescimento. Esta é a História, e não há volta a dar-lhe, Sr. Deputado. Por isso é que lhe digo: não vamos por aí, vamos manter a mesma política económica, que acreditamos que é a única que pode dar um desenvolvimento sustentado ao nosso país.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Cravinho, pede a palavra para que efeito?
O Sr. João Cravinho (PS): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente. Muito rápida, aliás, mas devida e necessária.
O Sr. Presidente: - Espero que seja a última interpelação à Mesa de hoje.
Tem a palavra.
O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, muito brevemente, queria dizer o seguinte: o Sr. Primeiro-Ministro tem o direito de responder como entender, excepto numa matéria muito precisa, que é quando vem aqui representar com opinião, seja de partidos, seja da Assembleia, matéria votada expressamente nesta Assembleia que é contrária àquilo que o Sr. Primeiro-Ministro diz. Isto corresponde a uma falsidade!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isto não é nenhuma interpelação à Mesa, Sr. Presidente!
O Orador: - Não é tolerável que o Sr. Primeiro-Ministro venha aqui dizer falsidades.
Portanto, queria pedir a V. Ex.ª, na qualidade de Presidente da Assembleia,…
Protestos do PSD e do CDS-PP.
O Orador: - … que recordasse ao Sr. Primeiro-Ministro a resolução aqui votada no dia 9 de Janeiro deste ano - foi votada pelo partido do Sr. Primeiro-Ministro, como pelo nosso e julgo que por outros - cujo primeiro ponto é o seguinte:…
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O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, isto é uma interpelação?
O Orador: - … "Reiterar o seu apoio ao Pacto de Estabilidade e Crescimento, entendendo também que Portugal se deve empenhar na sua reavaliação de modo a que este instrumento não comprometa, antes beneficie, o crescimento, a coesão económica e social da União Europeia.
O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Não fizeram nada!
O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro não fez nada a este respeito. Que tenha os membros do seu Governo divididos uns contra os outros, que tenha o seu partido contra si,…
Protestos do PSD e do CDS-PP.
… não o autoriza a referir-se a uma matéria aqui votada na Assembleia da maneira como o fez.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Cravinho, a sua intervenção não foi uma interpelação à Mesa.
O Sr. João Cravinho (PS): - Foi!
O Sr. Presidente: - Foi uma abusiva segunda intervenção no debate, contrária às regras estabelecidas. Fica isso esclarecido.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Tem a palavra, para formular uma pergunta, o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Primeiro-Ministro?
O Sr. Primeiro-Ministro: - Penso, Sr. Presidente, com o devido respeito, que tenho o direito, depois de ter sido interpelado…
O Sr. Presidente: - Tem razão. Peço desculpa.
Tem a palavra.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Cravinho, V. Ex.ª pediu a palavra para uma interpelação à Mesa e, como disse o Sr. Presidente da Assembleia, fez tudo menos uma interpelação.
Protestos do Deputado do PS João Cravinho.
Ou seja, o entendimento que o Partido Socialista tem das regras de funcionamento desta Assembleia é seguramente ainda mais flexível do que aquele que tem das regras do Pacto de Estabilidade.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Daqui temos uma indicação do que seria, de facto, o Partido Socialista a aplicar o Pacto de Estabilidade. Conheço perfeitamente essa resolução que V. Ex.ª citou,…
O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Zero!
O Orador: - … mas o que verifico - e constato com pena, devo dizer-lhe, porque gostava que o Partido Socialista se juntasse à maioria num esforço sério para conseguirmos, como ainda há dias apelou o Sr. Presidente da República, um pacto em matéria de finanças públicas numa perspectiva plurianual - é que, depois, o VV. Ex.as fazem entra em contradição, na prática, com aquilo que, em tese, defenderam
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nessa resolução.
O Sr. António Costa (PS): - Não! Os senhores é que sim!
O Orador: - Por exemplo, quando teve lugar o debate orçamental, VV. Ex.as, que me lembre, não fizeram nenhuma proposta séria para redução de despesa…
O Sr. António Costa (PS): - Essa é boa!
O Orador: - … e, pelo contrário, fizeram só propostas para aumentar a despesa.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Exactamente!
O Orador: - Por isso é que digo que há uma contradição total na vossa posição em relação ao Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Espero ainda, porque não sou de desistir à primeira, que o Partido Socialista entenda que, do ponto de vista nacional, para além das divergências que existem entre nós e que se mantêm, há, apesar de tudo, interesse em conseguir um acordo plurianual em matéria de despesa pública.
O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Com base em quê?
O Orador: - Como tenho o dever de vos lembrar, foi tentado por um ministro das finanças ou da economia dos vossos governos, só que foi imediatamente desautorizado pelo então primeiro-ministro.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Exactamente!
O Orador: - Da nossa parte, não serão desautorizados os senhores. Se connosco celebrarem um pacto, garanto-vos que darei a cara por esse pacto, mas porque entendo que é do interesse do País termos uma política de longo prazo consistente em matéria de rigor da despesa pública.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Agora, sim, tem a palavra, para formular perguntas, o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, já vai longo o debate, mas eu gostaria de voltar de novo às conclusões da cimeira europeia de 12 de Dezembro.
Gostaria, Sr. Primeiro-Ministro, retomando o tema da declaração sobre relações entre a Europa e os Estados Unidos e o Canadá, de realçar que essa mesma cimeira entendeu sublinhar a importância desse relacionamento, a importância da NATO e acabar com um determinado conjunto de dúvidas e de tentativas de conflito que poderiam existir na União Europeia sobre esta matéria.
Realço, em relação a essa matéria, a identificação das ameaças, o terrorismo, as armas de destruição maciça, os Estados párias, ou os Estados em decomposição, e também, por outro lado, o crime organizado. Como também é de sublinhar as identidades em relação ao conjunto de princípios que existem entre os dois lados do Atlântico: os direitos humanos, a liberdade, a paz, a democracia.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, as minhas perguntas são não para constatar aquilo que entendo como um mau perder - o debate está no fim e nenhuma das bancadas da oposição veio aqui referir uma palavra sequer, a qualquer pretexto, sobre a prisão do ex-ditador do Iraque.
O Sr. António Costa (PS): - Leia o voto que apresentámos na Mesa!
O Orador: - Portanto, entendo, única e exclusivamente, que isso tem a ver com um mau perder das bancadas da oposição em relação a esta matéria.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
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Sr. Primeiro-Ministro, gostaria de exprimir, em nome do PSD, a congratulação por essa linha de apoio ao relacionamento transatlântico tomada pelo Governo, que em nosso entender é fundamental, e gostaria também de lhe perguntar, mais uma vez, se pensa que esta tentativa que houve, durante algum tempo, por parte de alguns partidos da oposição, de criar conflitos, divisões, fracturas no relacionamento transatlântico não foi, única e exclusivamente, determinada por razões de política interna.
Solicitava ainda ao Sr. Primeiro-Ministro que, de uma vez por todas, explicasse à oposição que não há nada na vida, nem mesmo razões de mera oportunidade, que justifiquem a alteração de princípios que, durante anos e anos, têm vindo a ser mantidos em relação a questões tão fundamentais como a da política externa e a do relacionamento com os Estados Unidos da América.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, fez bem em sublinhar a essencialidade das relações transatlânticas. Congratulo-me - e penso que Portugal se deve congratular - com o teor da declaração do Conselho Europeu sobre essas relações, que é inequívoco, segundo o qual as relações transatlânticas são insubstituíveis referindo valores e interesses comuns.
Congratulo-me também com o facto de se ter resolvido um problema que é tão difícil e que, em muitos casos, chegou a ameaçar a solidez da aliança atlântica, que foi o problema das operações conjuntas NATO/União Europeia e da definição de tarefas entre NATO e União Europeia no capítulo da defesa.
É verdade que o impasse a que se chegou na Conferência Intergovernamental, que - quero, aliás, assinalá-lo - se preparava para aprovar, sem mais discussões, todo o capítulo da defesa do tratado constitucional, por alguma razão escamoteou o êxito que foi o Conselho Europeu, na sequência de um documento conjunto do Reino Unido, da França e da Alemanha, ter chegado a um acordo numa questão que era, naturalmente, das mais divisivas. Isso mostra que a posição de Portugal era uma posição baseada em algo profundo, que temos todo o interesse em defender uma Europa unida, mas sem prejudicar, duplicar ou, de alguma forma, fragilizar a solidez da relação transatlântica. E vamos continuar nessa via.
Aliás, queria chamar a atenção para um facto que não é muita vezes sublinhado: no Iraque estão, neste momento, mais de 30 nações a colaborar no esforço de reconstrução e de pacificação, obviamente mandatadas por uma resolução das Nações Unidas, também aprovada por unanimidade. Desses 30 países, 13 são da União Europeia alargada.
Portanto, a nossa de forma alguma é uma posição desconfortável ou minoritária. Pelo contrário, é a posição que tem mais apoio nesta nova União Europeia agora emergente.
Srs. Deputados, quero dizer-vos que espero que sejam ultrapassadas as divergências que, durante algum tempo, houve sobre este assunto, nomeadamente porque, podendo ter havido divergências quanto à oportunidade de uma actuação ao lado da coligação, a verdade é que, hoje, temos já uma resolução das Nações Unidas que legitima essa actuação e temos compatriotas nossos no Iraque. Assim, é importante para eles saberem que são apoiados, independentemente de eventuais divergências que tenham existido no passado. Este é, pois, o meu último apelo neste debate.
Termino, dizendo que me congratulo com o debate realizado e quero, em meu nome e do Governo, enviar ao Sr. Presidente da Assembleia da República e a todos os Srs. Deputados os meus sinceros votos de Boas-Festas e de Bom Ano.
Quero continuar a garantir-vos que 2004, ano em que vamos comemorar os 30 anos do 25 de Abril, será um ano em que o Governo vai continuar a dar um exemplo de respeito pela Assembleia da República, Casa-mãe da democracia, de respeito e gosto sincero pelo debate democrático.
Aplausos do PSD e do CDS-PP, de pé.
O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, presumo que seja para retribuir os cumprimentos do Sr. Primeiro-Ministro, pelo que tem a palavra.
O Sr. António Costa (PS): - Exactamente, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, em nome da bancada do Partido Socialista, e não obstante as divergências que nos separam, é também para desejar Festas Felizes ao Sr. Primeiro-Ministro, às Sr.as Ministras, aos Srs. Ministros e aos Srs. Secretários de Estado e expressar votos de que 2004 possa ser um bom ano para vós
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mas, sobretudo, para todos os portugueses.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - É também com prazer que retribuo os cumprimentos que, em nome do Governo, o Sr. Primeiro-Ministro me dirigiu e que estendo a todos os Membros do Governo.
Está, pois, concluído este debate.
Srs. Deputados, passamos ao ponto seguinte da ordem do dia, que consta da apreciação conjunta do projecto de deliberação n.º 27/IX - Alteração à Deliberação 15-PL/89, de 7 de Dezembro (Conselho de Administração da AR), e do Orçamento suplementar da Assembleia da República para 2003.
Pausa.
Chamo a atenção da Câmara para que, durante toda esta sessão, decorre a eleição de um Secretário da Mesa proposto pelo CDS-PP. A urna continua aberta e relembro que a eleição requer maioria absoluta dos Deputados.
Entretanto, verifico que não há inscrições para uso da palavra relativamente aos diplomas que anunciei para discussão, pelo que passamos à discussão do projecto de lei n.º 389/IX - Altera o artigo 5.º, n.º 2, da Lei n.º 14/90, de 9 de Junho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 193/99, de 7 de Junho, e pela Lei n.º 9/2003, de 13 de Maio (Altera a composição do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida) (PSD, PS, PCP, BE e Os Verdes).
Pausa.
Verifico que também não há inscrições quanto a este ponto. Passamos, então, ao último ponto da ordem do dia de hoje, que consta da apreciação do inquérito parlamentar n.º 10/IX - Concessão da gestão do Hospital Amadora-Sintra a uma entidade privada, à utilização dos dinheiros públicos nesta unidade e ao efectivo acompanhamento da execução do contrato (PCP).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A primeira coisa que é preciso dizer quando, finalmente, discutimos esta proposta de comissão de inquérito à gestão do Hospital Amadora-Sintra é que a mesma não perdeu oportunidade.
Em primeiro lugar, porque, em torno deste processo, existem e continuam a existir numerosas questões que continuam por esclarecer, as quais elencámos na nossa proposta de inquérito - e são 50 questões que continuam por esclarecer!
Mas há também outras razões.
Temos, por exemplo, o facto de que as conclusões de um organismo do Estado, como a Inspecção-Geral de Finanças, e o que acabou por ser decidido por um tribunal arbitral de duvidosa legitimidade é absolutamente contraditório. E o Governo menorizou e prescindiu do que são as conclusões do organismo que ele próprio tutela e que, se saiba, a Inspecção-Geral de Finanças não foi desautorizada pela Ministra que a tutela.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Desde logo, também porque o montante que o Estado perde - 118 milhões de euros -, adoptando as conclusões que foram indicadas pelo tribunal arbitral, corresponde a 80% do valor que está disponível para a recuperação de listas de espera no âmbito do programa especial do Governo, corresponde a duas vezes o orçamento, para 2004, dos hospitais psiquiátricos do País ou, por exemplo, a mais do que todo o PIDDAC para o Ministério da Saúde.
Uma outra razão é a coisa espantosa de o Governo querer avançar com novas experiências com privados em hospitais a construir, mas não querer sequer fazer a avaliação da única experiência de gestão privada que até agora existiu no nosso país.
Afinal, não seria indispensável avaliar o que funcionou desde 1995/1996, antes de avançar para novas experiências? Ou o Governo tem medo que essa avaliação prejudique o já anunciado interesse do Grupo Mello em concorrer aos 10 novos hospitais cuja entrega à iniciativa privada está em preparação?
Depois, porque, neste momento, já está anunciado que o contrato está em renegociação. Aliás, a renegociação do contrato é assessorada pelo escritório de advogados Rui Pena, Arnaut e Associados. Repito: é este o escritório de advogados que está a assessorar o Governo na renegociação do contrato. Mas não
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sabemos em que termos o mesmo está a ser renegociado, se o Estado está a ter em conta, pelo menos, o que foi denunciado pela Inspecção-Geral de Finanças, pelo Tribunal de Contas, pela Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo…
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Muito bem!
O Orador: - … ou, simplesmente, se está a claudicar mais uma vez perante os interesses do Grupo Mello.
De igual modo, não sabemos se se mantém o argumento, utilizado pela maioria há uns meses, noutra votação sobre esta matéria, dizendo que não poderia aceitar uma comissão de inquérito porque estava em curso o trabalho do tribunal arbitral. É que, agora, esse tribunal já não existe. Aliás, até o Sr. Salvador de Mello, que suponho ter influência nalguma reflexão que a maioria queira fazer sobre esta matéria, disse há uns meses atrás, em entrevista ao Diário Económico, que não admitia que, durante o funcionamento do tribunal arbitral, houvesse esta comissão de inquérito, mas acrescentou que, depois, estava de acordo com o inquérito parlamentar, embora naquela altura o considerasse prematuro - imagine-se porquê!? Portanto, a maioria também já não tem esse argumento, já não pode dizer que uma comissão de inquérito perturbaria o funcionamento do tribunal arbitral, o que não é verdade. Veremos qual é o argumento que hoje será aduzido sobre esta matéria.
É que, na verdade, as questões que continuam por esclarecer não são poucas nem são pouco graves.
Continua por esclarecer, por exemplo, por que é que o contrato foi assinado à pressa, já depois das eleições de Outubro de 1995 e já com o governo que o assinou em fase de saída das respectivas funções governativas.
Por que é que o contrato foi assinado sem numerosos instrumentos exigíveis perante a lei, como inventários de bens e de equipamentos, que nem o visto do Tribunal de Contas acautelou neste processo?
Por que é que foi assinado o contrato, incluindo uma norma, permitindo o famoso tribunal arbitral que não tinha lei habilitante para poder constar deste contrato, como exige o Direito Administrativo, algo que, aliás, o próprio Tribunal de Contas já pôs em causa?
Por que é que, apesar de não ter funções de gestão nos dois meses finais de 1995, o Grupo Mello recebeu mesmo assim 750 000 contos para pagar um serviço que não prestou porque o hospital ainda estava sob a tutela da Administração Regional de Saúde?
Por que é que, por exemplo, a maioria não quer avaliar se, no funcionamento do hospital durante estes anos, se verificaram ou não práticas remuneratórias conducentes à existência de altas precoces, de reenvios para centros de saúde e para médicos de família?
Por que é que a maioria não quer avaliar a conclusão fundamentada da Inspecção-Geral de Finanças de que é o Grupo Mello que deve devolver 75,6 milhões de euros ao Estado por causa de pagamentos indevidos durante todos estes anos?
Por que é que a maioria não quer avaliar o processo nebuloso, ainda do tempo do governo do Partido Socialista, em que estava encaminhada e, até à última da hora, quase consumada, a entrega ao Grupo Mello do novo hospital de Sintra, sem concurso público, facto relativamente ao qual há documentos e que muito gostaríamos de perceber como se processou?
Por que é que a maioria não quer avaliar o facto de o aumento, para o Estado, da despesa com o Hospital Amadora-Sintra ter sido de 105,1%, de 1995 a 2000, enquanto, por exemplo, no Hospital Garcia da Orta foi de apenas 7,8%?
Por que é que a maioria não quer explicar e avaliar o motivo por que o Grupo Mello impôs uma interpretação do contrato que - imagine-se! - lhe permitia actualizar desde o primeiro dia os valores que estavam em pagamento e não ao fim de cada ano de contrato, como acontece em regra com estes contratos?
Por que é que a maioria não quer avaliar como foi permitido a este hospital enviar doentes para clínicas de retaguarda sem licenciamento e em condições precárias?
Portanto, a maioria continua a não querer apurar a verdade sobre esta matéria, porque não quer que se saiba e se veja, numa comissão de inquérito, quais são as orientações que o Governo verdadeiramente deu no tribunal arbitral, nem quer que se saiba como está a decorrer a renegociação deste contrato, nem, por exemplo, por que é que uma auditoria a este hospital foi atribuída a uma empresa que também trabalha para o Grupo Mello e para o Hospital Amadora-Sintra.
Aplausos do PCP.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Narana Coissoró.
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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Pavão.
O Sr. José Manuel Pavão (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Uma vez mais, o Partido Comunista Português insiste na criação de uma comissão de inquérito para discutir a situação do Hospital Amadora-Sintra, à semelhança do inquérito parlamentar n.º 8/IX, requerido na anterior sessão legislativa, em Julho de 2003, e que não mereceu aprovação.
Com mais esta iniciativa, o que agora se põe em causa é a dignidade e as decisões de um órgão de soberania como é o tribunal arbitral…
Risos do PCP.
Vozes do PCP: - Um órgão de soberania?!
O Orador: - … e de uma decisão já transitada em julgado.
Importa, Srs. Deputados, recordar algumas causas deste litigio e a sua origem, de forma a tentarmos esclarecer este assunto, a meu ver em definitivo.
Recordo que a experiência do Hospital Amadora-Sintra foi planeada e decidida, em 1995, por um governo social-democrata e posta em prática pelos governos socialistas nos anos seguintes. Todavia, o que se tem vindo a debater são problemas nascidos há seis anos, período durante o qual não existiu um controlo rigoroso da execução do contrato.
Estamos perfeitamente convencidos que o que faltou nos últimos anos foi o acompanhamento e a respectiva fiscalização, bem como não foi tido em conta o crescimento explosivo da população utente.
Sr.as e Srs. Deputados: No entanto, vou recordar alguns pontos que considero importantes.
O que sempre esteve em causa não foi o relatório da Inspecção-Geral de Finanças mas, sim, a execução do contrato com a sociedade gestora do hospital.
As posições expressas no relatório da Inspecção-Geral de Finanças serviram de argumento do Estado. Contudo, a outra parte, a sociedade gestora, não estava obrigada a aceitar aquelas posições, já que sempre as contestou e rebateu todos os argumentos da Inspecção-Geral de Finanças.
Como estamos perante um contrato assinado entre duas partes, nenhuma delas é obrigada a aceitar a opinião da outra sem mais, havendo, assim, que respeitar os procedimentos que o mesmo contrato estabelece para estes casos de litígio.
Importa, ainda, recordar que o contrato foi aprovado em 1995 e, nesse mesmo ano, obteve um visto do Tribunal de Contas.
O Sr. Ministro da Saúde, como lhe competia na defesa dos interesses do Estado, avançou para uma fase consensual, de acordo com a cláusula 43.ª. Porém, e como não trouxe resultados, passou à fase seguinte, a da arbitragem, nos termos da cláusula 44.ª, já que esta é a única fórmula expressamente prevista para resolver conflitos.
O último ponto que considero útil exaltar é a defesa dos interesses dos Estados, que aqui passou pelo tribunal arbitral, constituído em Janeiro de 2003, daquilo com que o próprio Estado se vinculou contratualmente, tendo este processo decorrido de forma normal.
A decisão do tribunal arbitral concluiu que o Estado foi condenado por ter argumentado com base nos pressupostos constantes do referido relatório da Inspecção-Geral de Finanças.
A condenação do Estado na maioria dos pedidos apresentados traduz-se, afinal, na certificação de que a relação contratual existente estava correcta e que o modelo de gestão dos hospital não foi sequer posta em questão.
Este diferendo produzido, de alguma forma, pela Administração Regional de Saúde e Vale do Tejo em 2001 trouxe graves sobrecustos resultantes de tomadas de decisão baseadas em argumentos que se mostraram insustentáveis.
Sr.as e Srs. Deputados, não existe, assim, qualquer razão para se questionar no futuro a relação com o hospital ou mesmo tomar qualquer opção por uma rescisão unilateral do contrato ora em vigor.
Por outro lado, está agora em curso a negociação do novo contrato de gestão entre a sociedade gestora e a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo. Não existe, pois, qualquer razão para que se crie uma comissão de inquérito sobre este assunto visto o poder de decisão sobre o mesmo se ter esgotado com o acórdão do tribunal arbitral.
Sr.as e Srs. Deputados, a empresarialização dos 31 hospitais representa uma significativa mudança para o País, para os profissionais de saúde e para os utentes, que, como bem este Governo tem dito e anunciado, foram colocados no horizonte e nos objectivos principais desta importante reforma política.
O conjunto desses hospitais, recordo, representa apenas uma parte, ainda que significativa, do sistema hospitalar nas suas mais abrangentes dimensões. Nos hospitais SA já hoje há mais doentes tratados, mais
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consultas externas, mais intervenções cirúrgicas e os indicadores assistenciais e de gestão no primeiro semestre da sua criação certificam que o caminho escolhido por este Governo é, afinal, o caminho certo.
A verdade é que os números falam por si. Segundo os dados fornecidos pela unidade de missão, os custos dos 31 hospitais desceram 7,9 em Julho deste ano relativamente ao mesmo mês de 2002; os hospitais-empresa gastaram menos 20% do que o orçamentado, poupando assim 88 milhões de contos.
Paralelamente, existia uma variação positiva na ordem dos 10% de aumento nas consultas externas e de 17% nos internamentos. No que respeita às intervenções cirúrgicas, houve um aumento de quase 25% do número de actos clínicos, incluindo cirurgia programada, cirurgia urgente, cirurgia ambulatória e também no que respeita às listas de espera.
No contexto das listas de espera, gostava de referir o incómodo demonstrado pelo Partido Comunista face às novas medidas anunciadas, das quais destaco o combate às listas de espera cirúrgicas, que demonstrou vontade política e o respeito pelos concidadãos.
A isto, Sr.as e Srs. Deputados, não se chama cortar ou poupar na saúde, mas sim investir melhor na saúde. É que investir bem na saúde dos portugueses é a forma mais digna, mais expedita e mais inteligente de fazer política social.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a saúde tornou-se uma confusão. Aliás, seguindo as palavras do orador que me precedeu, até nas listas de espera a saúde é uma confusão.
O Ministério nunca conseguiu explicar os números das listas de espera antigas e actuais e muito menos o que se vai passar no futuro. Isso não seria, no entanto, uma razão suficiente para se aprovar esta proposta de inquérito parlamentar, porque ela tem um outro objectivo: visto que há conclusões contraditórias de vários órgãos a respeito da gestão do Hospital Amadora-Sintra, ela procura que o Parlamento possa ter a informação suficiente e esclarecer o País acerca do que foi a primeira grande experiência do Serviço Nacional de Saúde de gestão entregue aos privados.
Havendo uma conclusão do tribunal arbitral, havendo outra posição do Ministério da Saúde, havendo ainda outra posição da Inspecção-Geral das Finanças, parece razoável querer saber-se a verdade, até porque tem consequências não só sobre quem teve a responsabilidade da administração mas muito mais sobre o futuro deste contrato que está a ser renegociado e mais ainda sobre o futuro do que vai acontecer na gestão privada do serviço de saúde em Portugal.
Apoiando, então, esta exigência de esclarecimento, não quero no entanto deixar de tratar um argumento que tenho ouvido com alguma frequência a respeito dos inquéritos parlamentares.
Tem sido dito que o fracasso de anteriores inquéritos parlamentares não recomenda iniciativas como esta do PCP que estamos a apreciar. Creio que, pelo contrário, o fracasso e as dificuldades de outros inquéritos parlamentares merecem e exigem a este Parlamento que responda positivamente ao desafio de se reconsiderar o estatuto do inquérito parlamentar. Por isso mesmo, em recente Conferência de Líderes, o Bloco de Esquerda insistiu - repetimos que continuamos a fazê-lo - em que, brevemente, espero que ainda em Janeiro, as iniciativas legislativas sobre a alteração do estatuto do inquérito parlamentar - as que já existem e as futuras que venham a existir - possam ser discutidas. É que a regra da maioria política não tem sido uma boa regra sobre a condução dos inquéritos e é preciso que, no respeito da regra democrática, haja a capacidade de todas as bancadas poderem questionar conclusões e, nomeadamente, apresentarem, como grupos de Deputados que têm opinião contraditória do relatório que venha a ser sugerido pela maioria, relatórios alternativos, como é feito no desenvolvimento de inquéritos parlamentares noutros países, em particular nos Estados Unidos.
Por isso, quero sublinhar que, qualquer que seja a conclusão, qualquer que seja o ponto de vista, qualquer que seja a proposta, a credibilidade do instituto do inquérito parlamentar é parte integrante da credibilidade do Parlamento, na sua função de controlar e acompanhar a actividade governamental.
Sabendo que esta proposta vai ser rejeitada, espero, no entanto, que possa e tenha de haver uma resposta positiva de todos os partidos pelo menos ao convite para que sejam apresentadas alternativas a alterações ao actual regime dos inquéritos, de tal modo que um consenso reforçado sobre um regime que permita total transparência e credibilidade do debate político em termos de inquéritos possa ser aprovado no próximo ano.
Fica, portanto, o convite. Espero obter resposta positiva, em particular da parte dos partidos da maioria.
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O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Igualmente para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Carito.
O Sr. Luís Carito (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta minha intervenção surge na sequência, por um lado, da apresentação deste pedido de inquérito parlamentar e, por outro lado, da intervenção do Sr. Deputado do PSD José Pavão, que referiu claramente que, apesar de a concessão do Hospital Amadora-Sintra ter sido efectuada ainda na altura do governo do PSD, foi o governo do PS que não fiscalizou e avaliou correctamente a actividade do Hospital Amadora-Sintra.
A este propósito, queremos aqui afirmar que estamos completamente disponíveis e iremos apoiar este pedido de inquérito parlamentar, da iniciativa da bancada do PCP, porque entendemos que é preciso avaliar o que se passou no Hospital Amadora-Sintra, como também entendemos que era bom que o Governo avaliasse o que se foi passando anterioremente, antes de avançar para outro tipo de experiências. Refiro-me claramente ao que se passa hoje em dia nos hospitais SA, em que há falta de transparência e opacidade nos dados - não sabemos se os dados que nos são fornecidos são ou não os correctos. Portanto, seria positivo que fossem claramente avaliados antes de se avançarem para outras experiências, nomeadamente de parcerias público/privado.
Por parte do Partido Socialista, a viabilização deste inquérito parlamentar está assegurada e esperamos que também da parte do PSD isso possa acontecer, até para se apurar de quem são as culpas do que se passou com o Hospital Amadora-Sintra.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Somos convocados para discutir um tema que é sério mas - vindo de quem vem a sugestão da discussão - com o preconceito do costume. Ou seja, ao debatermos a saúde não estamos a falar do que é essencial no sistema de saúde mas, mais uma vez, a discutir o preconceito que alguns têm em relação a esse mesmo sistema.
Protestos do Deputado do PCP Rodeia Machado.
Basta falar de um apelido que tudo muda em relação à política de saúde em Portugal, e quem introduz esse apelido, em qualquer discussão que se faça sobre saúde, é sempre o PCP.
O que aqui está em causa, muito mais do que saber avaliar a gestão feita no Hospital Amadora-Sintra, é o facto de o PCP não conseguir resistir a levantar, mais uma vez, qualquer coisa que esteja ligada a um determinado grupo - neste caso, um grupo que tem intervenção na área da saúde.
Nesta matéria somos claros, não temos complexo algum em relação à forma como o sistema de saúde é gerido. Temos um objectivo definido, que é o de apresentar resultados junto dos cidadãos, ou seja, para nós será sempre mais importante a prestação dos cuidados de saúde por parte do Estado a quem deles precisar do que a forma de gestão ou do que qualquer outra questão instrumental ligada ao sistema de saúde.
O Sr. Bruno Dias (PCP): - E o cumprimento da lei?!
O Orador: - Sabemos que com o PCP não é assim! Até é capaz de desviar o olhar da solução do problema dos portugueses, como faz, por exemplo, em relação às listas de espera: conseguem mascarar os factos. Tínhamos 125 000 pessoas em listas de espera quando este Governo assumiu essa responsabilidade; neste momento, 80 000 casos já estão resolvido e, até Março de 2004 - já aqui foi assumido pelo Sr. Ministro da Saúde -, todos esses casos estarão resolvidos.
Os partidos da oposição argumentam com a lista de espera que, entretanto, se formou. Ora, acontece que tal deve-se a algo muito simples: na lista de espera de então, o tempo médio de espera dos 125 000 doentes era de seis anos;…
O Sr. Luís Carito (PS): - Não!
O Orador: - … na actual lista de espera o tempo médio de espera é de seis meses. Portanto, ter 10 pessoas à espera durante seis anos, cada uma delas espera muito mais do que 50 que estejam à espera seis
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meses. Basta fazer as contas! Nós sabemos que o Partido Socialista nunca foi especialista nisso: de facto, fazer contas não é convosco.
Também ficámos a saber que é possível que o maior partido da oposição esteja três dias a discutir a política de saúde e não consiga apresentar qualquer alternativa para o sistema de saúde! Depois de três dias de discussão, continuamos a não perceber qual é o nível de abertura do Partido Socialista para novas formas de gestão no sistema de saúde, do que é que são a favor e do que é que são contra;…
O Sr. Luís Carito (PS): - Vai perceber!
O Orador: - … do que é que continuam a ter complexos, como acontece com a restante oposição, ou, pelo contrário, se manifestam abertura a novos tipos de solução.
Vamos à questão concreta que aqui nos traz hoje. Não vemos utilidade neste inquérito parlamentar, mas não por razão de complexos, como acontece com o PCP, ao propor esse mesmo inquérito. E não vemos utilidade, porque há factos que justificam que o mesmo não se realize.
Risos do PCP.
Em primeiro lugar, esta questão já foi amplamente debatida…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Onde?
O Orador: - … e rebatida, inclusivamente na Assembleia da República, quer em sede de comissão quer em sede de Plenário.
Em segundo lugar, estamos perante uma situação que foi analisada e decidida por um acórdão válido, e transitado em julgado, por um tribunal arbitral que resulta exactamente do contrato. Portanto, é legal esta decisão e, para além do mais, transitou já em julgado.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, esse mesmo acórdão julgou encerradas, aprovadas e liquidadas as contas dos exercícios de 1996 a 1999. Ou seja, exactamente as mesmas que refere o Grupo Parlamentar do PCP.
Em terceiro lugar, como é óbvio, acreditamos no princípio da separação de poderes e entendemos que não é legítimo que seja agora a Assembleia da República a vir pôr em causa exactamente essa decisão dos tribunais que foi tomada com toda a legitimidade e dentro dos termos da lei.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Não é nada disso!
O Orador: - O que o PCP quer, mais uma vez, é questionar um acórdão dos tribunais. E nós não estamos disponíveis para o fazer!
Também não queremos entrar na discussão do contrato, discussão que seria interessante nomeadamente em relação a algumas cláusulas desse contrato. Mas não é isso que está em causa neste momento. O que está em causa são as contas das quais houve variadíssimas auditorias, que foram inspeccionadas pela Inspecção-Geral de Finanças e que tiveram o visto do Tribunal de Contas. Havendo visto do Tribunal de Contas, auditorias e a inspecção da Inspecção Geral de Finanças, para nós, não há qualquer razão para que a Assembleia da República questione estas instituições nem a decisão dos tribunais sobre esta matéria.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, em primeiro lugar, gostaria de dizer que, das intervenções dos Srs. Deputados da maioria, foi visível que o que os incomoda é que continuam a existir tantas questões por resolver.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Estamos a resolver!
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O Orador: - Que se saiba, a Sr.ª Ministra Manuela Ferreira Leite não desautorizou a Inspecção-Geral de Finanças nem disse que os seus relatórios deixaram de ter fundamentação ou validade. Muito pelo contrário. Por isso, há esta questão difícil para a maioria. É que há um relatório de um organismo do Estado que conclui fundamentadamente por diversas irregularidades e ilegalidades e a maioria não quer falar dele.
O Sr. Bruno Dias (PCP): - Essa é que é essa!
O Orador: - Os Srs. Deputados da maioria disseram também que o contrato foi visado pelo Tribunal de Contas. Ora, é o próprio Presidente do Tribunal de Contas que, em entrevista, admite que "Se não veio toda a informação e se da análise do processo merecia reparo e o Tribunal de contas visou, então falhou." Admite, portanto, que houve um falhanço nesse visto porque o contrato não trazia toda a informação.
Os senhores também não querem discutir se, por exemplo, esta cláusula do Tribunal Arbitral era ou não legal, se tinha lei habilitante para existir; esta cláusula do Tribunal Arbitral, sem direito a recurso, que fez a vontade ao grupo privado que ganhou este contrato e que - imaginem!… e este é um outro dado que não referi na minha primeira intervenção -, poucos meses depois de ter ganho o concurso comprou o concorrente vencido. Imaginem a transparência deste processo que os senhores não querem ver esclarecido!
O Sr. Bruno Dias (PCP): - Espantoso!
O Orador: - O que está aqui em causa não é questionar as decisões dos tribunais. Lembre-se que este não é um tribunal no sentido que o Sr. Deputado João Pinho de Almeida quis dar. É uma convenção de arbitragem que criou um tribunal arbitral, o que é bem diferente!! Não é um órgão de soberania como foi dito pelo Sr. Deputado José Manuel Pavão, do PSD.
O que está aqui em causa é saber se neste processo queremos ou não ver a Assembleia da República a fiscalizar com toda a transparência. Não é impor as opiniões que reconhecidamente temos sobre esta matéria. É permitir que todos os factos venham à luz do dia e para que os Srs. Deputados da maioria também possam avaliar estas situação, se é que querem saber verdadeiramente o que está em causa em todo este processo.
O que não pode acontecer - e aqui também respondo ao repto lançado pelo Sr. Deputado Francisco Louçã - é continuarmos a ter aqui este regime que impede o exercício do direito de fiscalização pelos Deputados, pelo facto de na prática deixarem de existir comissões de inquérito. Isto é que não pode acontecer. Ainda por cima esta Comissão de Inquérito incide sobre um período que abrange vários governos. Pelo menos, essa situação devia permitir à maioria ter um espaço maior para abordar esta questão.
O que os senhores não querem é fiscalizar o Governo nesta matéria nem permitir que a Assembleia da República fiscalize porque sabem bem que as contradições são imensas. Sabem bem que o que está aqui em causa é a avaliação de um contrato que pode ter consequências para um determinado grupo privado. E porque a vontade desse grupo privado continua, pelos vistos, a ter uma imensa força nas políticas do Ministério da Saúde, nada que possa prejudicar os seus interesses avança. É isso que está também à vista na decisão que agora a maioria anuncia de não deixar passar, mais uma vez, este processo de fiscalização.
Fica-vos garantido que esta matéria não morrerá e que continuará a merecer a nossa atenção e a nossa intervenção, porque com os dinheiros públicos e com a transparência dos negócios do Estado não se brinca, nem que as maiorias queiram impedir a realização de comissões de inquérito.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Está encerrado este debate sobre o Inquérito Parlamentar n.º 10/IX (PCP).
Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 10 horas, e terá como ordem do dia a discussão da proposta de lei n.º 104/IX - Estabelece o regime de autorização a que estão sujeitas a instalação e a modificação de estabelecimentos de comércio a retalho, de comércio por grosso em livre serviço e a instalação de conjuntos comerciais e a discussão conjunta dos projectos de lei n.os 228/IX - Proíbe a entrada em águas territoriais, portos nacionais, terminais ou ancoradouros de navios de casco único que transportem petróleos e fracções petrolíferas pesadas (Os Verdes) e 239/IX - Interdita a entrada de navios constantes da lista negra na zona económica exclusiva (ZEE) portuguesa (Os Verdes) e o projecto de resolução n.º 123/IX - Recomenda o reforço de meios de intervenção e medidas para a protecção da costa e a segurança marítima (Os Verdes).
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Também amanhã anunciaremos o resultado da eleição de um Secretário da Mesa da Assembleia da República, cuja contagem dos votos está a decorrer neste momento.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 55 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
António Bento da Silva Galamba
João Barroso Soares
Partido Comunista Português (PCP):
Jerónimo Carvalho de Sousa
Maria Odete dos Santos
Srs. Deputados que faltaram à sessão.
Partido Social Democrata (PSD):
António Carlos de Sousa Pinto
Gonçalo Nuno Mendonça Perestrelo dos Santos
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Partido Socialista (PS):
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Bloco de Esquerda (BE):
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.