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Sábado, 24 de Janeiro de 2004 I Série - Número 43
IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 23 DE JANEIRO DE 2004
Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral
Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Ascenso Luís Seixas Simões
Henrique Jorge Campos Cunha
António João Rodeia Machado
S U M Á R I O
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas.
Foi anunciado o resultado da eleição de um Secretário da Mesa da Assembleia da República à Assembleia, tendo sido proclamado eleito o Sr. Deputado Henrique Campos Cunha (CDS-PP).
Procedeu-se ao debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 383/IX - Colocação de guardas de segurança metálicas nas vias de comunicação públicas, integradas ou não na rede rodoviária nacional, contemplando a perspectiva da segurança dos veículos de duas rodas (PSD e CDS-PP). Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Rodrigo Ribeiro (PSD), Mota Andrade (PS), Rodeia Machado (PCP), Isabel Castro (Os Verdes), Isabel Gonçalves (CDS-PP) e Francisco Louçã (BE).
Foram apreciados os Decretos-Leis n.os 173/2003, de 3 de Agosto, que estabelece o regime das taxas moderadoras no acesso à prestação de cuidados de saúde no âmbito do sistema nacional de saúde, e 188/2003, de 20 de Agosto, que regulamenta os artigos 9.º e 11.º do Regime Jurídico da Gestão Hospitalar, aprovado pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro [apreciações parlamentares n.os 56/IX e 57/IX (PCP)]. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde (Adão Silva), os Srs. Deputados Bernardino Soares (PCP), Clara Carneiro (PSD), Luísa Portugal (PS), Isabel Castro (Os Verdes), João Rui de Almeida (PS) e Afonso Candal (PS).
O Sr. Presidente submeteu à discussão o projecto de resolução n.º 199/IX - Estrutura e competências dos serviços da Assembleia da República (Conselho de Administração da AR), não se tendo registado quaisquer inscrições.
Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de resolução n.os 206 e 207/IX.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 12 horas e 10 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas.
Srs. Deputados presentes à sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Ribeiro dos Santos
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Matos Correia
José Manuel dos Santos Alves
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Miguel Gonçalves Miranda
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Soromenho Gomes
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Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa da Silva Morais
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Alberto Bernardes Costa
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Cabodeira
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Guilherme Valdemar Pereira D'Oliveira Martins
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Rui Gaspar de Almeida
Jorge Lacão Costa
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
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José Carlos Correia Mota de Andrade
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Santos de Magalhães
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo
Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
António Herculano Gonçalves
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Henrique Jorge Campos Cunha
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
José Helder do Amaral
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró
Paulo Daniel Fugas Veiga
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Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã
Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a acta da eleição para o cargo de Secretário da Mesa, é do seguinte teor:
"Aos vinte e dois dias do mês de Janeiro de dois mil e quatro, procedeu-se à eleição de um Secretário da Mesa da Assembleia da República, proposto pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP.
Votantes - 195
Candidato proposto - Henrique Jorge Campos Cunha
Votos 'sim' - 125
Votos 'não' - 39
Abstenções - 7
Votos brancos - 21
Votos nulos - 3
Face ao resultado obtido, declara-se eleito o candidato proposto.
Para constar se lavrou a presente acta que vai ser devidamente assinada.
Os Deputados escrutinadores, Manuel Oliveira - Miguel Coelho."
O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Deputado Campos Cunha o favor de ocupar o seu lugar na Mesa.
Srs. Deputados, vamos passar à nossa ordem de trabalhos, sendo que o primeiro ponto da ordem do dia é o debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 383/IX - Colocação de guardas de segurança metálicas nas vias de comunicação públicas, integradas ou não na rede rodoviária nacional, contemplando a perspectiva da segurança dos veículos de duas rodas (PSD e CDS-PP).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rodrigo Ribeiro.
O Sr. Rodrigo Ribeiro (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de começar não posso deixar de dizer algumas breves palavras em relação às centenas de motociclistas e presidentes de motoclubes de norte a sul do País que nos honram com a sua presença aqui, na Assembleia da República.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Vieram de norte a sul do País, nesta sexta-feira de manhã, de zonas tão a norte como Bragança, ou de zonas tão a sul como o Algarve; vieram de motoclubes aqui tão perto quanto o de Lisboa, ou de zonas tão longe como a bonita ilha de São Miguel, nos Açores. A todos eles o meu muito obrigado pela comparência, que só mostra a justeza do projecto de lei que aqui hoje apresentamos.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não é a primeira vez que este assunto vem aqui, à Assembleia, mas, infelizmente, este problema não se resolve com palavras, com discursos ou com boa
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vontade; resolve-se com leis e com obras concretas! E é isso que hoje aqui começamos a fazer, porque até hoje - e salvo raríssimas excepções - o pouco que já está feito deve-se quase exclusivamente aos muitos motoclubes e a algumas edilidades que, à sua custa e com o seu esforço, protegeram o melhor que souberam e puderam os prumos dos rails portugueses.
Actualmente, Portugal continua com milhares e milhares de quilómetros de estrada com prumos de rails desprotegidos, com milhares e milhares de quilómetros em que qualquer embate, qualquer acidente, com ou sem responsabilidade do motociclista, quase sempre provoca a morte ou a amputação do respectivo condutor, e isto tem de terminar de uma vez por todas!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É isso que aqui hoje estamos a fazer.
Dizem-me alguns políticos e algumas pessoas, porventura menos esclarecidas, que essas mortes e essas amputações se ficam a dever exclusivamente à velocidade excessiva dos condutores. É falso! Todos os relatórios técnicos indicam claramente - e, infelizmente, as muitas autópsias também - que os rails são perigosos e que provocam a morte a velocidades tão baixas quanto 40 ou mesmo 35 kms/h. Essa é a velocidade de uma qualquer bicicleta, que poderá ser conduzida por qualquer um dos nossos filhos.
Dizem-me também algumas pessoas, porventura menos esclarecidas, que os motociclistas portugueses são "uma minoria". Ora bem, num País com pouco mais de 10 milhões de habitantes, considerar mais de 600 000 portugueses "uma minoria" parece-me, no mínimo, ridículo…, mas ainda que fossem "uma minoria"…!
Será que algum dos Srs. Deputados estaria disposto a aceitar que um hospital português ministrasse uma vacina que protegesse 90% dos nossos pacientes, mas provocasse a morte aos restantes 10%? Não me parece.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E como não me parece que autorizassem essa vacina boa para uns, mas mortal para outros, também creio que não serão senão defensores da presente lei, que visa proteger a estrada para todos.
Dizem-me também que esta lei terá um encargo elevado, muito elevado. É verdade, estamos a falar de muitos milhões de euros. Mas, seja qual for o preço que tenhamos de pagar para proteger os rails, ele será, com certeza, inferior às vidas humanas que são "ceifadas" todos os anos por virtude da sua não protecção.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Entre prevenir agora e tentar remediar depois esta maioria prefere optar pela prevenção, porque é assim que se faz a verdadeira prevenção rodoviária.
O que os motociclistas hoje pedem a esta Assembleia não é um milagre; é tão-somente uma lei. Para milagres, infelizmente, apenas podemos contar, até hoje, com a protecção do nosso padroeiro São Rafael, que nos protege até quando a estrada não o faz, mas hoje temos uma hipótese de proteger a estrada portuguesa, onde tanto sangue é derramado, nomeadamente pelos motociclistas.
Os motociclistas portugueses não são nem mais nem menos do que os restantes utentes da estrada; não são nem melhores nem piores do que os restantes utentes da estrada; são diferentes, muito diferentes, e temos muito orgulho nessa diferença, mas não admitimos, nem por mais um dia, que essa diferença seja marcada, nomeadamente, a sangue.
A prevenção rodoviária também passa por nós e, nesta matéria, como em tantas outras, como no trânsito, no estacionamento ou na poluição, as motas não fazem parte do problema, fazem parte da solução.
Sr. Presidente, "Mota" Amaral, cujo nome, aliás, faz-me pensar ser o primeiro defensor desta lei,…
Risos.
… não posso pedir a nenhum dos colegas Deputados ou Deputadas que aprovem a lei apenas por vir desta maioria ou de qualquer outra; não vos posso pedir que aprovem ou aplaudam esta lei por ser o fim último ou a solução de todos os problemas de segurança rodoviária, porque não é, mas é um bom começo, e, se houvesse mais bons começos como este, porventura as nossas estradas seriam mais seguras. É por isso que vos peço que aprovem e aplaudam esta lei.
Não vos peço que a aprovem por ser perfeita, porque não o é, com certeza, nenhuma lei o é, mas ela
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poderá ainda ser melhorada, e esta maioria faz tenção de o fazer, agora, o que vos peço, o que vos exijo, é que aprovem e aplaudam esta lei, porque é feita para garantia dos muitos milhares de motociclistas que, de norte a sul do País, chamam à nossa responsabilidade esta competência de legislar bem. E, acima de tudo, esta lei merece ser aplaudida e aprovada porque foi feita, nomeadamente, em memória das muitas centenas de motociclistas que hoje, infelizmente, já cá não podem estar para a aplaudir. Teremos de ser nós a fazê-lo por eles.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Neste momento registaram-se alguns aplausos do público nas galerias.
O Sr. Presidente: - Chamo a atenção aos cidadãos que se encontram nas galerias a assistir ao debate de que não é permitido, de modo algum, manifestar-se, quer para apoiar quer para contradizer aquilo que os eleitos do povo dizem livremente da tribuna.
Para apresentar o relatório da Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações, na qualidade de relator, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Andrade.
Vozes do PSD, do PS e do PCP: - "Mota"!…
Risos.
O Sr. Mota Andrade (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: De uma forma sucinta, e enquanto relator do relatório respeitante ao projecto de lei que estamos a discutir, que é subscrito pelo PSD e pelo CDS-PP e que tem em vista a colocação de guardas de segurança metálicas nas vias de comunicação públicas, integradas ou não na rede rodoviária nacional, contemplando a perspectiva da segurança dos veículos de duas rodas, quero dizer que é de salientar esta iniciativa porque ela abarca um conjunto de medidas de carácter relevante que promovem a defesa da integridade física de muitos motociclistas.
De facto, a generalidade dos especialistas e responsáveis em segurança rodoviária tem reconhecido, ao longo dos últimos anos, que muitas das guardas de segurança colocadas nas bermas das vias de comunicação públicas não contemplam eficazmente a perspectiva da segurança dos veículos de duas rodas, principalmente tratando-se de motociclos e de ciclomotores.
Ainda hoje, uma significativa quantidade das guardas de segurança das nossa estradas continua sem qualquer dispositivo que contemple a perspectiva da segurança dos utentes dos veículos de duas rodas. Neste sentido, o presente projecto de lei estabelece a obrigação de as guardas de segurança a colocar nas vias de comunicação públicas rodoviárias, integradas ou não na rede rodoviária nacional, contemplarem a perspectiva da segurança dos utentes dos veículos de duas rodas.
Cumpre-me também informar, Sr. Presidente, que o relatório e parecer foram aprovados por unanimidade na Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações, focando já alguns elementos que devem ser introduzidos na discussão na especialidade, para que esta lei cumpra os objectivos a que se propõe.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.
Vozes do PCP: - Rodeia de "roda"…!
Risos.
O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A presente iniciativa, oriunda dos Grupos Parlamentares do PSD e do CDS-PP, sobre a colocação de "saias" metálicas para protecção e segurança, em caso de acidente, dos condutores dos veículos de duas rodas, que deve ser feita nas guardas de segurança metálicas nas vias de comunicação públicas já existentes ou em novas vias ou ainda em novos pontos que se considerem perigosos nas estradas existentes vem trazer para a ordem jurídica uma nova norma de segurança, que há muito devia estar implementada.
Esta velha questão, há muito reclamada pelos condutores de veículos de duas rodas como factor de segurança em caso de acidente, pode efectivamente contribuir para diminuir o número de acidentes mortais, que, há muito, enxameiam as nossas estradas. Isto mesmo é reconhecido no Plano de Segurança
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Rodoviária que o Governo apresentou, durante o ano passado, aqui, na Assembleia da República, onde eram referidos os acidentes mortais nas estradas portuguesas.
Tivemos oportunidade de afirmar na altura que o Plano era - e é - um importante instrumento de trabalho, mas que não era suficiente a sua elaboração, que era também necessário, para além de ele estar disponível, colocá-lo no terreno e criar as condições para a sua aplicação prática, ou seja, criar parcerias com as várias entidades, nomeadamente com os bombeiros, a quem cabem as missões de socorro, com as autarquias locais, com as forças de segurança, com a Prevenção Rodoviária Nacional, com as escolas de condução e também, naturalmente, com os condutores e com a população de uma forma geral.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Esta última questão, ou seja, a sensibilização da população, deve ser feita através dos meios de comunicação social, mas, mais importante do que isso, deve ser feita através da escola e do ensino, onde as crianças devem ser sensibilizadas e onde deve ser começada toda esta acção, para que, mais cedo do que tarde, ela possa e deva dar os seus frutos. Ora, acontece que há ainda muito a fazer nesta área, pese embora já se tenha caminhado nesse sentido.
O referido Plano de Segurança Rodoviária aponta uma série de acções, quer a nível de socorro quer a nível de segurança, que devem ser, efectivamente, prosseguidas. E a recente audição do INEM na Comissão Eventual para a Análise e Fiscalização dos Recursos Públicos Envolvidos na Organização do EURO 2004 demonstra, efectivamente, que nas acções de socorro muito está ainda por fazer.
Face à previsibilidade do aumento de tráfego que, naturalmente, envolve o Campeonato da Europa, que irá decorrer no nosso País dentro de poucos meses, convém lembrar que não estão ainda ensaiados os planos de emergência nem testada a capacidade de socorro em casos de acidente. É necessário, por isso, que o Governo e as entidades que têm esta responsabilidade actuem com rapidez e com eficácia.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Todos conhecemos os números da sinistralidade rodoviária, que configura, efectivamente, uma verdadeira calamidade nacional. Face a esta questão, a Assembleia da República criou, no âmbito da Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações, a Subcomissão de Segurança Rodoviária, que tem vindo a desempenhar um importante papel e tem estado atenta e a trabalhar sobre estas matérias da segurança rodoviária. Ouvimos já nesta Legislatura várias entidades ligadas ao sector, onde avaliámos as questões de segurança e os números fatídicos dos acidentes rodoviários.
Por isso mesmo a Subcomissão de Segurança Rodoviária vai levar a efeito, no início do mês de Fevereiro, aqui, na Assembleia da República, um fórum sobre estas matérias, por onde passarão dezenas de especialistas e muitas entidades ligadas ou não ao sector, no sentido de contribuir para se encontrarem soluções ou, melhor dizendo, para se tirarem as necessárias ilações e elaborar possíveis propostas que se tornem leis da República.
É um passo extremamente significativo que o Parlamento dá ao prever este fórum e fazemos votos para que o mesmo possa, efectivamente, contribuir para um amplo esclarecimento e sensibilização da população, sobretudo daqueles que utilizam as estradas portuguesas.
É imperioso baixar a sinistralidade em Portugal e tudo quanto possamos fazer nesse sentido é, manifestamente, importante. Por isso mesmo e porque consideramos que este projecto de lei pode contribuir nesse sentido, o Grupo Parlamentar do PCP irá votá-lo favoravelmente, mas esperamos que, em sede de especialidade, o possamos melhorar, como, de resto, o relatório, também o aponta, para uma melhor e maior segurança dos condutores dos veículos de duas rodas em Portugal.
Aplausos do PCP e de alguns Deputados do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Andrade.
O Sr. Mota Andrade (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A mobilidade rodoviária dos cidadãos, sempre crescente, tem um preço elevado que são mais de 40 000 mortos e 1 700 000 feridos/ano, na União Europeia. O custo, directo ou indirecto, desta hecatombe foi avaliado em cerca de 160 000 milhões de euros.
Mas, pior, as vidas destruídas, os traumas insuplantáveis mudam para sempre - com sentimentos de dor e revolta - aqueles que presenciam o acidente, os que sobrevivem, ou quem neles perde um entre próximo.
Fruto disto, a sinistralidade rodoviária deve ser encarada como um grande problema de saúde pública, com as inerentes consequências sociais e económicas.
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Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A Comissão Europeia propôs, no livro branco sobre a política europeia de transportes, que a União Europeia se atribua como objectivo "reduzir para metade o número de mortos em acidentes de viação no horizonte 2010".
O mesmo é proposto no Plano Nacional de Prevenção Rodoviária: a redução de 50% do número de mortos e feridos graves, até ao ano de 2010, a partir das mesmas bases propostas pela Comissão Europeia, ou seja, com referência à média de sinistralidade dos anos de 1998 a 2000. Considera-se tal meta ambiciosa, mas entendemos que é indispensável.
Segundo fontes da GNR, as principais causas prováveis dos acidentes são: a velocidade excessiva; o desrespeito à prioridade; a circulação fora da faixa normal de trânsito; o atravessamento indevido; e as ultrapassagens irregulares. Existe, pois, necessidade de analisar e actuar nestas causas, sendo necessária uma maior e melhor fiscalização, a par de um ambiente rodoviário mais seguro.
Sublinhe-se ainda que, para o Plano Nacional de Prevenção Rodoviário ser cumprido, e dada a estrutura da sinistralidade rodoviária nacional, a redução das vítimas mortais e dos feridos graves deve ser, na ordem dos 60%, nos seguintes casos: nos peões, nos utentes acidentados dentro das localidades e nos utentes de veículos de duas rodas a motor.
No campo da sinistralidade rodoviária, Portugal tem de acelerar a tendência decrescente no sentido da aproximação à média europeia. Temos de nos aproximar dos números considerados "aceitáveis" pela maioria dos países da União Europeia.
Para funcionar eficazmente, uma infra-estrutura de transportes não tem de contemplar o sacrifício mortal dos seus utentes. Não é necessário que o sofrimento e, muitas vezes, a morte sejam um efeito colateral do desenvolvimento da mobilidade rodoviária dos cidadãos.
Melhorar as infra-estruturas rodoviárias e eliminar os "pontos negros" é essencial para a redução das lesões, em caso de colisão, e pode influenciar positivamente os comportamentos.
O projecto de lei n.º 383/IX - Colocação de guardas de segurança metálicas nas vias de comunicação públicas, integradas ou não na rede rodoviária nacional, em apreciação, contemplando a perspectiva da segurança dos veículos de duas rodas, visa o melhoramento das infra-estruturas rodoviárias.
É de sublinhar que 27% dos mortos nas nossas estradas são utentes de duas rodas e que esta taxa é superior ao dobro da taxa da União Europeia.
Acresce que a análise da estrutura do parque motorizado em toda a União Europeia, bem como a relação entre o número de veículos de duas rodas e o de veículos de passageiros, fazem evidenciar uma correlação entre aquela estrutura e o número de acidentes, sendo superior a sinistralidade e os seus efeitos humanos em países com maior peso de veículos de duas rodas.
Ao contemplar a "(…) segurança dos veículos de duas rodas, principalmente nos denominados pontos negros das nossas estradas (…)", o projecto de lei n.º 383/IX constitui um contributo importante para o melhoramento das condições de segurança nas nossas estradas e do ambiente rodoviário.
A Sr.ª Maria Santos (PS): - Muito bem!
O Orador: - É um facto que a generalidade dos especialistas e responsáveis em segurança rodoviária tem reconhecido ao longo dos últimos anos, que muitas das guardas de segurança colocadas nas bermas das vias de comunicação não contemplam eficazmente a perspectiva da segurança dos utentes dos veículos de duas rodas.
Ainda hoje, uma significativa quantidade das guardas de segurança das nossas estradas continua sem qualquer dispositivo que contemple a perspectiva da segurança dos veículos de duas rodas. Esta matéria já foi objecto de um despacho, com o n.º 22 428/2000, do anterior governo, através do Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas. Aí se solicitava aos vários institutos das estradas que avaliassem as acções necessárias à prossecução dos seguintes objectivos: rever as normas para colocação de guardas de segurança, contemplando a perspectiva da segurança dos veículos de duas rodas; promover, nas obras em curso e em toda a rede sob administração directa do ICERR, a adequação das guardas de segurança à segurança dos veículos de duas rodas; promover ainda, em toda a rede concessionada, que as concessionárias também adoptem medidas de adequação das guardas de segurança à segurança dos veículos de duas rodas.
Certos de que, em sede de especialidade, este projecto de lei pode e deve ser melhorado, estamos totalmente de acordo com esta iniciativa legislativa, que visa melhorar as condições de segurança dos utentes dos veículos de duas rodas.
O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!
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O Orador: - Alerto desde já para o artigo 6.º deste projecto de lei que define a responsabilidade: o n.º 1 deste artigo, como consta do relatório, não se encontra redigido de forma a tornar-se perceptível e exequível, mas se intenção é a de que os responsáveis políticos decisores (autarcas, secretários de Estado, ou Ministros) passem a responder civilmente pela decisão de abertura ao tráfego, além do que resulta do amplo quadro sancionatório actual, parece-nos poder ter efeitos mais restritivos do que dinamizadores numa área, a das infra-estruturas rodoviárias, onde ainda há tanto para fazer.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de dizer que o projecto de lei apresentado pela maioria, visando uma medida adicional de protecção rodoviária de enorme pertinência em particular para os motociclistas, é, naturalmente - como imaginam -, uma medida que recolhe a nossa total adesão.
Dirijo-me, desde já, ao Sr. Deputado Rodrigo Ribeiro que na sua intervenção dramatizou muito a questão, tendo afirmado que não nos podíamos guiar por razões economicistas, nem adiar a adopção de uma medida importante. Estou perfeitamente de acordo: há muito que esta medida já devia ter sido tomada e as razões economicistas não podem, de modo nenhum, sobrepor-se à adopção de medidas importantes.
O Sr. Deputado referiu estarem em causa 600 000 motociclistas, mas se, porventura, fossem muito menos, o problema punha-se na mesma. Estamos a falar de medidas como parte integrante daquele que é seguramente - e julgo que a realidade é demasiado dura para que possa ser ignorado - um gravíssimo problema nacional. Aliás, a sinistralidade rodoviária portuguesa é um problema nacional gravíssimo,…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - … que nos coloca, lamentavelmente, no topo das estatísticas internacionais.
Estamos a falar de, aproximadamente, 24 000 mortes, ocorridas em cerca de 10 anos, e estamos a falar da primeira causa de morte não natural. Este é por certo um problema demasiado grave para que, invocando problemas pontuais, se possam atrasar medidas destinadas a pôr em marcha um plano de prevenção rodoviária, com um reflexo directo aqui, e que tem uma medida muito específica proposta, mas que - como o Sr. Deputado bem sabe - passa por muitas outras coisas. Desde logo, estamos a falar - para Os Verdes, esta é sempre uma visão de prevenção - na questão de saber em que medida se educa para circular de modo diferente. Tenho para mim que o problema essencial não é de velocidade mas de aprendizagem de segurança e de boa aprendizagem na condução, se bem que a condução da velocidade nos coloque outros problemas - mas esses são nos domínios ambientais e dos gastos energéticos,…
Risos do Deputado do PSD Rodrigo Ribeiro.
… que, porventura, não serão propriamente aqui a questão mais importante, pelo menos nesta discussão e para a maioria…
A questão da sinistralidade e a sua prevenção implicam a aplicação do conhecimento técnico nos traçados que são feitos e nos cuidados que devem existir para se adoptarem medidas no sentido de corrigir muito daquilo que nomeadamente a Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados tem identificado como "pontos negros", que exigem correcção porque foram erros técnicos e são razões acrescidas de perigosidade na circulação.
Há problemas que se prendem com a imensa confusão da sinalização, que sempre existiu no nosso país de há muitos anos, que é um enigma que dificilmente muitos conseguem interpretar na estrada, constituindo mais um factor de sinistralidade. Há outros problemas naturalmente que remetem para a própria forma, do nosso ponto de vista pouco eficaz, como ao longo dos anos se pensou sempre a responsabilização dos cidadãos bem como a penalização daqueles que cometem atropelos graves. É o caso, por exemplo, da questão da definição das taxas de alcoolémia, que, entre outras, devem ser pensadas não da forma simplista, aparentemente muito eficaz, mas que nada resolve, que é a da multa muito elevada mas, sim, com um sistema eficaz de fiscalização nas estradas que se constitua como factor de persuasão de modificação de comportamentos negativos, onde eles existam, e que permita que a impunidade com que alguns circulam não se possa manter.
Em resumo, esta é uma proposta que acolhemos, que vem ao encontro daquilo que, em 2001, Os Verdes,
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entre muitas outras coisas, propunham num projecto de resolução, sendo uma questão que recolhe unanimidade nesta Câmara.
Penso, sim, que em sede de especialidade, como já foi referido por um dos Srs. Deputados do PS, há pelo menos um aspecto que merece ser trabalhado para melhorar. Julgo ser um objectivo - porventura excepcional, mas que neste caso, pelo menos, existe -, que nos une e isso poderá tornar-se num contributo da Assembleia para resolver um problema que se arrasta há demasiados anos.
Vozes de Os Verdes e do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Gonçalves.
A Sr.ª Isabel Gonçalves (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O incremento da segurança rodoviária para os motociclistas, em particular no que concerne à protecção dos prumos que suportam os rails, tem sido um assunto amplamente debatido e mediatizado.
Quero começar por enquadrar este debate. Em nossa opinião, esta discussão situa-se claramente num debate mais amplo sobre a sinistralidade rodoviária. Repetimos, hoje, aquilo que sempre dizemos sobre esta matéria: a sinistralidade rodoviária é um problema complexo que exige uma intervenção séria em diversas áreas, uma reflexão profunda na forma da sua abordagem e uma estratégia adequada para o seu combate.
Se é certo que, quando questionada sobre esta problemática, a maioria dos portugueses parece entender que a principal causa da sinistralidade rodoviária em Portugal é a falta de civismo dos condutores, também é certo que problemas vários condicionam a sinistralidade rodoviária, para além dos relacionados com comportamentos menos correctos por parte dos utentes da infra-estrutura rodoviária. Estas causas prendem-se com deficiências na própria infra-estrutura, desde o projecto, passando pela construção, por bermas adequadas, pela conservação, e não esquecendo, é claro, também os equipamentos de segurança.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!
A Oradora: - Se o comportamento do utente é um factor importante para a redução da sinistralidade rodoviária, as condições e o ambiente em que esse utente se movimenta não o são menos. E é por melhores condições e melhores equipamentos de segurança que, há já alguns anos, os motociclistas se batem, numa justa pretensão: a sua segurança, a segurança dos ocupantes de veículos de duas rodas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Este não é, portanto, um problema novo, mas é também um problema que tem de ser resolvido com a máxima urgência, porque é da segurança das pessoas que estamos a falar, do direito à vida das pessoas, porque é do direito à vida e à integridade física dos motociclistas que estamos a falar.
Existe, hoje, um amplo consenso quanto ao facto de as guardas de segurança, usualmente colocadas nas bermas das vias de comunicação, não garantirem a segurança de todos os utilizadores dessas mesmas vias. Convém relembrar que os rails de protecção são dispositivos concebidos para instalação na rede viária com o objectivo de elevar a segurança dos utentes das infra-estruturas rodoviárias. De todos os utentes!
Mas a instalação de rails com os prumos metálicos desprotegidos e cravados verticalmente no solo constitui um claro atentado à segurança daqueles que usam veículos de duas rodas para as suas deslocações. Disso são, infelizmente, exemplo inúmeros acidentes ocorridos com motociclistas!
Cabe aqui também uma palavra de apoio e de solidariedade para com os motociclistas, pela persistência e pela concentração nos objectivos práticos que sempre tiveram, pela capacidade em manterem viva uma reivindicação em relação à qual todos sentimos que a razão os assiste.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
Mas que grande contradição existe! Um equipamento que, afinal, garante a segurança de alguns, transforma-se, num ápice, num perigo para outros.
Ao aprovar, em 2000, o Despacho n.º 22428/2000, de 4 de Outubro, que fixou regras para a colocação das guardas de segurança, na perspectiva de aumentar a segurança dos veículos de duas rodas, o governo de então reconheceu que a razão estava do lado dos motociclistas. Mas, desde então, pouco foi feito, já que a maioria das guardas de segurança das nossas estradas não assegura a adequada e necessária segurança aos utentes dos veículos de duas rodas.
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Com o projecto de lei hoje em discussão dá-se, na nossa opinião, um decisivo e convicto passo no sentido de garantir, por via legislativa, a obrigatoriedade de as guardas de segurança contemplarem também a segurança dos veículos de duas rodas.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em último lugar, cumpre-nos também apreciar o esforço económico inerente à protecção dos prumos desprotegidos dos rails. É um esforço elevado, muito elevado, e por isso se propõe que seja realizado de acordo com prioridades. As guardas de segurança devem ser, primeiramente, colocadas nas zonas que apresentam elevado risco de acidente, os designados "pontos negros", e, depois, em auto-estradas, itinerários complementares, circulares, variantes e, sempre que necessário, em zonas que, pelas suas características específicas, assim o exijam.
Aprovar este projecto de lei é reconhecer, finalmente, a razão a quem, há muito, a tem. Por isso, o CDS, que também subscreve o referido diploma, pede à Câmara o consenso na sua aprovação.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Aprovar este projecto de lei é também reconhecer uma lógica colectiva no combate à sinistralidade rodoviária, com sensibilização e actuação de todos os intervenientes, porque um efectivo combate à sinistralidade rodoviária, independentemente do empenhamento político, passa também por uma mudança de atitudes e por uma cultura de respeito de cada cidadão por si próprio e pelos outros.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Parece estar a gerar-se um momento, que é, certamente, raro nesta Assembleia, de algum consenso fundamentado acerca de uma medida urgente. E é raro, porque, no mesmo debate sobre política de segurança rodoviária, esta Assembleia dividiu-se sempre, até agora, e dividiu-se, nomeadamente, em questões constitutivas do que deve ser uma boa política de segurança rodoviária.
Vale a pena, talvez, lembrar às Sr.as e Srs. Deputados da maioria que, em Espanha, o limite máximo de alcoolémia permitido aos condutores baixou para 0,2,…
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - E na Inglaterra?! E na Suécia?!
O Orador: - … quando este Governo e esta maioria se ilustraram pela medida extraordinária de terem aumentado esse limite, por pressão, disseram então, da queda do negócio dos vendedores de vinho e de bebidas alcoólicas, que se queixavam de que a factura andava deficiente.
Tivemos, portanto, divergências e, por isso, desse ponto de vista, é um bom sinal que apareça um projecto de lei como este, até porque, como foi aqui lembrado, o governo anterior, em 2000 - há quase quatro anos -, emitiu um despacho que permitia não só iniciar o processo de identificação dos pontos críticos mas também tomar medidas urgentes. Esse governo teve quase dois anos em que não desenvolveu tal política e o Governo actual teve, aliás, mais dois anos em que a poderia ter aplicado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O Governo ainda não está em funções há dois anos!
O Orador: - Assim não aconteceu e, portanto, temos agora um projecto que pretende adoptar um calendário com aplicação para depois do final de 2004, intervenção em pontos críticos até final de 2005 e generalização da construção das guardas de segurança até 2007, em todas as regiões onde tal se aplique.
Como há esse acordo e como essa medida parece absolutamente indispensável, sendo até lamentável que não tenha sido tomada anteriormente, verificados os altos níveis de sinistralidade em Portugal, ao contrário de outros países da Europa, e uma vez que um terço das mortes nas estradas portuguesas é de ocupantes de veículos de duas rodas, então, é bom que sejam tomadas medidas. Saudamo-las, aplaudimo-las e apoiamo-las.
Queremos adiantar, no entanto, que, em nossa opinião e pelo menos em duas matérias, o texto deve ser completado. E a primeira matéria tem a ver com os calendários.
Dois anos, até ao final de 2005, que é o que temos pela frente, são, sem dúvida alguma, um prazo longo para que se cuide dos pontos fundamentais onde se verifica maior sinistralidade. Devo dizer-vos, porém, Sr.as e Srs. Deputados, que estaria mais tranquilo se a assinatura da Ministra Manuela Ferreira Leite estivesse neste diploma,…
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Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - … porque, no dia em que a conta chegar ao Governo, teremos sempre de ponderar entre restrições orçamentais tão permanentemente invocadas e princípios de prioridade social como aqueles que são aqui apontados.
A Sr.ª Maria Santos (PS): - Bem lembrado!
O Orador: - Em segundo lugar, temos um problema no artigo 6.º. O artigo fala de responsabilidades, e ainda bem, pois não se podem tomar decisões sem falar de responsabilidades. E, num projecto de lei que a Assembleia ainda não discutiu, o Bloco de Esquerda propôs uma lei de bases de segurança rodoviária que continua a ser um convite em aberto ao Governo, à maioria e, naturalmente, a todos os partidos, para que as discussões, além de emergências como a que estamos a tratar, possam tratar todo o capítulo da política de segurança rodoviária, numa dimensão que abranja todos os problemas que devem ser tratados neste contexto, como, por exemplo, os problemas de educação, de formação do cidadão, de responsabilidade, de planeamento, de articulação das várias políticas.
Mas, neste contexto, propusemos e insistimos em que se introduzisse a figura do crime rodoviário e parece-nos indispensável que tal aconteça. É preciso definir responsabilidades de todos os que planeiam, executam e cumprem contratos, bem como dos que cuidam da manutenção das estradas, para que, em qualquer momento, a irresponsabilidade possa ser punida, do ponto de vista do crime rodoviário.
Não é bastante que digamos, sistematicamente, que há crimes cometidos nas nossas estradas contra os automobilistas ou contra os motociclistas por incúria, por incompetência, por falta de execução dos contratos. Não podemos permitir que esse crime, assim anunciado, não possa ser respondido pela perseguição dos criminosos. É insuficiente falar, em termos genéricos, de responsabilidade, tal como sucede no artigo 6.º, sem dizer quem fica responsabilizado, como é que é responsabilizado, de que é responsável e qual a punição. Portanto, havendo acordo unânime nesta Assembleia sobre este diploma, ele deve traduzir-se na concretização da medida da responsabilidade, de tal forma que o apelo ao sentido da responsabilidade de todos aqueles que acompanham o processo de construção das estradas e da sua manutenção e que são, portanto, o garante da segurança rodoviária, não represente palavras vãs.
Se o artigo 6.º for concretizado dessa forma, teremos a certeza de que haverá medidas adoptadas em Portugal. Se numa coisa o consenso tem, naturalmente, de se desenvolver é nessa responsabilização, nessa obrigatoriedade de levarmos a sério as leis da Assembleia, para que esta não tenha o mesmo destino do despacho que, há quatro anos atrás, pretendia iniciar um processo que "ficou no tinteiro".
O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rodrigo Ribeiro.
O Sr. Rodrigo Ribeiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Posso dizer-vos que têm hoje, perante vós, um Deputado feliz e surpreendido.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Pela primeira vez, em muito tempo, é agradável verificar que foi possível obter um consenso nesta Câmara. E estes raros dias em que eu próprio e, por exemplo, o Deputado Francisco Louçã estamos de acordo…
Risos do PSD.
… são sinal de que algo de novo e muito importante aqui se fez.
É agradável ver este consenso em volta deste projecto de lei e desta maioria e é com todo o agrado que conto com a colaboração de todos os Srs. Deputados para que, na especialidade, se possa corrigir e melhorar, o melhor que soubermos e pudermos, a presente lei.
O Sr. Deputado Francisco Louçã falou em casos problemáticos da sinistralidade rodoviária, nomeadamente no caso da alcoolémia e no de um terço dos falecidos nas estradas portuguesas ser oriundo de veículos de duas rodas. É verdade! Mas já alguma vez lhe passou pela cabeça olhar para as estatísticas e ver que, de facto, os motociclistas têm taxas de alcoolémia muito inferiores à média da dos automobilistas?! Já alguma vez se deu ao trabalho de ver, nomeadamente, qual o número de motociclistas que são apanhados a falar ao telemóvel?! Zero!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
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Risos.
Neste momento, registaram-se aplausos de público presente nas galerias.
O Sr. Presidente: - Peço desculpa, Sr. Deputado, mas preciso de fazer, de novo, uma chamada de atenção.
Já preveni os cidadãos que se encontram nas galerias, embora os que agora aplaudiram não estivessem presentes, de que não podem manifestar-se de forma nenhuma.
Faça o favor de prosseguir, Sr. Deputado.
O Orador: - Já alguma vez se deu ao trabalho de verificar, por exemplo, que, de facto, nos acidentes que envolvem veículos de duas rodas, regra geral, a culpa é do outro veículo, com quatro ou mais rodas?! Já alguma vez se deu ao trabalho de verificar que a percentagem de acidentes por veículo de duas rodas é inferior à percentagem de acidentes por veículo de quatro rodas?! Infelizmente, as sequelas são muito maiores para os motociclistas e é por isso que se torna necessário que este diploma vá, quanto antes, para a frente.
Não vale a pena fazer despachos, como sucedeu há quatro anos, para que, depois, não sejam passados à prática! Este problema não se resolve com leis, resolve-se com quem as cumpre, com quem as executa!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Não é com boas vontades que se protegem os motociclistas, é protegendo os rails e evitando que os motociclistas morram nas estradas portuguesas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Falaram os Srs. Deputados em velocidade excessiva e volto a lembrar que todos os relatórios, todas as autópsias mostram que a 35 km/hora temos mortes e amputações. Não tentem arranjar bodes expiatórios com as velocidades, quando não podem arranjá-los! Como diz, aliás, o Padre José Fernando, e muito bem, "até 100 km/hora, Deus protege; a partir de 100 km/hora, Deus acolhe"! E as protecções nos rails não protegem quem não respeita os limites, protegem pessoas que, mesmo à velocidade de uma bicicleta, correm o risco de perder a vida por causa de um mecanismo chamado de "protecção".
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Disseram que convém que Portugal tenha baixas de sinistralidade para números aceitáveis. Não há números aceitáveis nem baixas aceitáveis! Consigo compreender que haja sinistralidade mas não consigo compreender que haja baixas em virtude de um mecanismo que todos nós, até os motociclistas, pagamos e que se dizem de "protecção".
Sejamos coerentes! O Estado não pode assumir ou permitir que haja mortes provocadas por um mecanismo pago por todos nós! Isso, sim, seria uma hipocrisia!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas conto com os vossos contributos e espero que acolham esta lei como se tivesse sido iniciada por VV. Ex.as. Garanto-vos, no entanto, que luto por ela há mais de 10 anos e nunca estive sozinho.
Tive todo o prazer em ver mais de uma centena de Deputados desta maioria subscreverem o projecto de lei e tenho todo o prazer em saber que há mais de 600 000 portugueses que nunca esmoreceram nesta luta, porque sabem que a causa é justa. É graças a eles que hoje estamos aqui. Talvez a causa não seja muito mediática, talvez não seja muito pomposa, mas é uma causa justa e para ela peço a vossa colaboração.
Sei que estão preocupados com os custos - é verdade, são elevados -, mas termino como comecei: seja qual for o custo da protecção, ele será, com certeza, inferior ao custo das vidas humanas que se perdem todos os dias.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
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Sei que neste País há bons e maus exemplos, como foi referido. Aliás, espero sinceramente ver como ficará a Câmara Municipal de Salvaterra de Magos e o que é que já terá feito nesta matéria. Em Portugal - e perdoem-me se a memória não for a perfeita -, só conheço dois bons exemplos de fio a pavio, os da ilha da Madeira e de Lisboa.
Na Madeira, o Dr. Alberto João Jardim, ao lançar obra nova, não esteve à espera que esta lei aparecesse e fez trabalho bem feito de raiz. Não tem de se preocupar com esta lei, o trabalho já está feito! É pena que seja no meio do Atlântico e não no continente.
Outro bom exemplo é o da Câmara Municipal de Lisboa, onde desempenhei funções antes de ser Deputado. A obra estava lá, mas estava desprotegida na maioria dos sítios. Porém, tivemos um vereador que, com coragem, trabalho e despesa, protegeu de fio a pavio os rails lisboetas. Esse vereador, que tinha a seu cargo a rede viária, chama-se Eng.º Carmona Rodrigues e é a ele que irá ser colocada a exigência de fazer no resto do País o que já fez em Lisboa, será nele que irão cair as exigências de tantos portugueses, de tantos contribuintes, cidadãos de primeira como os outros, que confiam nesta Assembleia para fazer a melhor lei que puder.
Srs. Deputados, conto com VV. Ex.as. Foi um prazer saber que ainda é possível obter consensos e espero que este não seja o último, tal como este não será o último dia da luta dos motociclistas. De norte a sul, de Bragança ao Algarve, de Lisboa à bela ilha de S. Miguel, todos estão presentes nesta luta, que é comum, que é justa e que irá ser votada por unanimidade aqui, na Assembleia da República.
Aplausos do PSD, do CDS-PP e do Deputado do PS Ricardo Gonçalves.
O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Andrade.
O Sr. Mota Andrade (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como disse o Sr. Deputado Rodrigo Ribeiro, um dos proponentes do projecto, na intervenção que agora fez, de facto, o diploma apresentado gerou o largo consenso desta Câmara, porque, efectivamente, é necessário implantar rails de protecção de forma a evitar o sofrimento e, muitas vezes, a morte de tantos motociclistas.
O Partido Socialista irá perguntar à Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças se tem acompanhado este processo e se está disposta a disponibilizar as verbas elevadas que este projecto exige, como todos sabemos, para que obra seja feita e para que, de forma definitiva, se proteja a vida dos utentes de veículos de duas rodas.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Não há mais oradores inscritos e eu, como apesar de me chamar Mota não ando de mota, senti-me dispensado de intervir neste debate, embora o meu irmão mais velho e o meu pai sejam grandes apreciadores do motociclismo. O meu pai teve uma mota com sidecar, que já não existe e que hoje seria uma verdadeira relíquia. Foi uma mota que existiu na família antes de eu nascer.
Em todo o caso, o Sr. Deputado Rodrigo Ribeiro de tal modo se empenhou nesta tarefa que julgo que deverá acrescentar ao seu nome, pelas vias previstas na lei, o apelido Mota. Poderá chamar-se "Mota Ribeiro" ou "Ribeiro das Motas". Talvez este último fosse mais adequado, dada a sua paixão pelo motociclismo.
Risos.
Foi dito pelo Sr. Deputado Rodrigo Ribeiro que este projecto de lei é subscrito por mais Deputados do que o número regimentalmente previsto, que é de 20. É evidente que só tomei em conta as 20 primeiras assinaturas; as restantes considerei-as apenas simbólicas neste apoio que, hoje, é lhe manifestado no Parlamento por todas as bancadas, com o que me congratulo.
Com isto, dou por encerrado o debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 383/IX, que havemos de votar na primeira oportunidade regimental.
Aproveito a oportunidade para saudar os representantes dos diversos clubes de motards que tiveram o gosto e o empenho de assistir a este debate no Parlamento e dizer-lhes que serão sempre bem vindos a esta Casa, em qualquer altura. Faço votos para a realização dos objectivos definidos nesta lei, que visam assegurar melhor a vida e a integridade física de todos os que se dedicam ao desporto que com tanto perigo praticam.
Já agora, desejo que no regresso vão devagar, porque, citando a tal expressão, "até 100km/hora, Deus protege; a mais de 100km/hora, Deus acolhe". Uma boa citação!
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Srs. Deputados, passamos agora à apreciação conjunta dos Decretos-Leis n.os 173/2003, de 3 de Agosto, que estabelece o regime das taxas moderadoras no acesso à prestação de cuidados de saúde no âmbito do sistema nacional de saúde, e 188/2003, de 20 de Agosto, que regulamenta os artigos 9.º e 11.º do Regime Jurídico da Gestão Hospitalar, aprovado pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro [apreciações parlamentares n.os 56/IX e 57/IX (PCP)].
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Quis o acaso e a Conferência de Líderes que no dia em que discutimos estas apreciações parlamentares decorresse uma importante greve dos trabalhadores da Administração Pública, na qual o sector da saúde é uma parte importante, uma greve que não podemos deixar de assinalar como uma justa e importante resposta a uma política que o Governo quer levar por diante, de desmantelamento da Administração Pública e de ataque aos direitos destes trabalhadores,…
O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Muito bem!
O Orador: - … sabendo-se que, com esta política, estão em causa não só os direitos dos trabalhadores e a qualidade dos serviços públicos mas também o carácter democrático da própria Administração Pública.
Quero igualmente dizer, no início deste debate, que são intoleráveis as pressões exercidas em muitos hospitais, designadamente nos hospitais S.A., sobre os trabalhadores, no sentido de limitar o exercício do seu direito à greve. Sabemos que isso tem vindo a acontecer.
O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Esta greve, justa e oportuna, é também uma oportunidade para o Governo poder ainda emendar a mão na sua política para a Administração Pública e para o Estado, "virando a agulha" de uma política que é prejudicial para todos os portugueses e também para os trabalhadores da Administração Pública.
Os dois diplomas que hoje o PCP chama aqui à apreciação parlamentar, embora incidindo sobre matérias bastante diferentes, são duas peças de uma mesma política de ataque ao Serviço Nacional de Saúde, uma política que assenta na lógica de privatização de vários sectores do Serviço Nacional de Saúde, na imposição de um método economicista de restrição de financiamentos e de recursos humanos, financeiros e materiais, para as instituições públicas de saúde, uma política que, para além disso, utiliza como instrumento a redução dos direitos dos trabalhadores da saúde como forma de abrir caminho a estes objectivos, uma política que, afinal, para além de prejudicar os trabalhadores do sector, é - e isso é o mais importante e o mais grave - causadora da existência de piores serviços, de pior acesso aos serviços de saúde e de diminuição da qualidade dos mesmos.
O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Muito bem!
O Orador: - As alterações ao Regime Jurídico da Gestão Hospitalar, que hoje aqui apreciamos também, não são aquelas a que o preâmbulo se refere. É que, ao contrário do que diz o preâmbulo deste diploma, quando fala, por exemplo, numa maior descentralização, aliás, imposta pela Constituição da República Portuguesa, quando exige que o Serviço Nacional de Saúde seja gerido com participação democrática e descentralizada, a prática do Governo e a letra deste decreto-lei vão no sentido de uma progressiva e cada vez maior centralização das decisões no Ministério da Saúde nas estruturas que, junto da organização central do Ministério, ditam as orientações rígidas para todas as unidades de saúde, fazendo-as aplicar sem nenhuma forma de descentralização e de governo autónomo, que pode adequar-se melhor às necessidades de cada realidade.
O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Muito bem!
O Orador: - O preâmbulo fala também no contributo insubstituível dos profissionais. E isto é dito - vejam bem! - por um Governo que ataca os seus direitos, que lhes diminui a participação na gestão das unidades de saúde, o que é um factor imprescindível para a adequação da gestão àquela que deve ser a missão das unidades de saúde, que é a prestação de cuidados de saúde de qualidade. E é este mesmo Governo que, ao praticar uma política de desvalorização do contributo dos profissionais, ao mesmo tempo, se refere ao seu contributo como valioso no preâmbulo do decreto-lei que aqui apreciamos!
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Por outro lado, fala também da produtividade e da contratação por objectivos, escondendo que o que tem estado por detrás desta linguagem e deste discurso é uma progressiva restrição dos recursos financeiros atribuídos às unidades de saúde e uma imposição de regras economicistas que prejudicam a qualidade dos serviços e diminuem a capacidade de muitas unidades de saúde responderem à missão que lhes está atribuída.
Estas alterações consagram, portanto, o dirigismo centralista do Ministério de Saúde, consagram o contrato individual de trabalho como regra, desvalorizando os direitos dos profissionais e fazendo crer que é aí, nos seus direitos e no seu vínculo à função pública, que residem os problemas das unidades de saúde, o que não é verdade. Estas alterações afastam a participação dos profissionais e consagram um modelo de financiamento insuficiente e de gestão economicista da saúde que não é admissível num Portugal que ainda precisa de melhorar e de investir mais nos seus cuidados de saúde.
O outro diploma que hoje apreciamos aqui tem a ver com as taxas moderadoras, o qual foi logo seguido, passadas umas semanas, da portaria que aumentou as taxas moderadoras. Este aumento representou um profundo agravamento dos custos da saúde, a juntar ao que muitos utentes pagam já nos medicamentos, quando os seus médicos não autorizam a substituição dos medicamentos de marca por medicamentos genéricos e se aplica o sistema de preços de referência, aprovado pela Governo e pela maioria, que, sem apelo nem agravo, impõe que os utentes paguem mais, nesses casos, do que aquilo que pagavam anteriormente, sem que tenham tido qualquer possibilidade de escolher outra opção.
Este agravamento dos custos junta-se também ao agravamento causado pela necessidade progressiva de quem ainda pode, ou de quem se endivida até para isso, recorrer ao sector privado, por falta de acesso aos serviços públicos de saúde em tempo útil e em condições aceitáveis.
Com este aumento, os principais prejudicados são os que têm menos recursos, porque são estes que mais necessidade têm de recorrer à oferta pública dos cuidados de saúde. Como não têm outras opções, terão de suportar o aumento que o Governo agora impôs. Os aumentos são de 30 a 40% nas consultas e nas urgências, quer nos hospitais, quer nos centros de saúde, e o Governo aumenta os actos taxados de 143 para 355. Muitos actos que até aqui eram feitos gratuitamente no Serviço Nacional de Saúde passam a ser pagos, onerando ainda mais as populações que a eles recorrem.
O Sr. Rodeia Machado (PCP): - É uma vergonha.
O Orador: - E, por exemplo, fazem algumas habilidades, se me permitem a expressão, relativamente a alguns meios de diagnóstico e de tratamento. Vejamos o exemplo da litotrícia, que é o tratamento para a chamada "pedra nos rins". Antes, o tratamento global custava 150€, que já era uma taxa elevada; agora, o Governo resolveu baixar essa taxa para 60€. O problema é que, antes, os 150€ abrangiam todas as sessões necessárias ao tratamento e, agora, os 60€ são pagos por sessão. Ora, como este tratamento implica, na maioria das vezes, quatro, cinco ou seis sessões, isto significa que, em alguns casos, o custo deste tratamento, já alto, duplica. E este é um exemplo que se multiplica por muitos outros tratamentos e meios complementares de diagnóstico.
Portanto, o que está por detrás deste decreto-lei é um agravamento real, e grave, das taxas moderadoras, que acentua a ideia de que, como dissemos desde o início da imposição das taxas moderadoras, nos governos do PSD anteriores a 1995, estas taxas ditas moderadoras não moderam nada, não servem para moderar um consumo eventualmente excessivo de cuidados de saúde, servem apenas para onerar as populações com mais um custo de um serviço que lhes devia ser prestado gratuitamente, e impedem, quanto mais aumentam os seus custos, quanto maiores são as taxas, o acesso de muitos cidadãos aos cuidados de saúde, porque o custo começa a ser cada vez mais oneroso.
As taxas moderadoras são cada vez mais encaradas como uma fonte de receitas próprias e isto não se desliga, evidentemente, da política de restrição financeira às unidades públicas, que são obrigadas a procurar receitas, neste caso através das taxas moderadoras. E esta é mais uma peça na política de subfinanciamento pelo Orçamento do Estado que o Governo impõe ao Serviço Nacional de Saúde.
De resto, desafio o Governo a provar que todas as taxas aplicadas são, como já dizia, desde 1992, o decreto-lei, menos de 1/3 do custo real, porque a verdade é que em muitas delas isso não está comprovado e serão, segundo se diz, nalguns casos, muito próximas ou até acima do custo real.
O Governo tem forma de nos garantir, aqui, que todas estão abaixo de um 1/3 do custo real, como diz o decreto-lei que as aprovou? Isso não está garantido!
Alarga-se a aplicação de taxas a actos até aqui gratuitos, numa curiosa e pelo menos um pouco forçada aplicação do princípio constitucional de que o acesso aos cuidados de saúde é tendencialmente gratuito. Não se percebe como é que o "tendencialmente gratuito" suporta o aumento de actos que passam a ser taxados. Mas esta é, sem dúvida, uma interpretação criativa que o Governo faz desta matéria, no seu conhecido incómodo com o texto constitucional.
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Estes aumentos são especialmente chocantes quando o Governo aumenta os preços de vários serviços públicos, diminui os salários e o poder de compra dos trabalhadores e aumenta os administradores nomeados.
Vozes do PCP: - Uma vergonha!
O Orador: - Pode o Sr. Secretário de Estado vir aqui dizer que aplica um estatuto que já existia, que a lei foi apenas estendida a estes administradores, mas o que é certo e inegável é que aumentam as regalias destes administradores nomeados pelo Governo ao mesmo tempo que aumentam as taxas moderadoras. Os administradores ganham mais, as populações pagam mais. Esta é a lógica do Governo para o sector da saúde.
Estas taxas são inúteis para moderar, são injustas socialmente e os seus aumentos agravam essa injustiça, dificultam o acesso aos cuidados de saúde e contrastam chocantemente com as benesses dadas aos administradores nomeados pelo Governo, designadamente para os hospitais S.A.
Por isso, de uma vez por todas, as taxas moderadoras devem ser revogadas.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Clara Carneiro.
A Sr.ª Clara Carneiro (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Comunista Português coloca hoje à apreciação parlamentar o diploma que regula as taxas moderadoras e o diploma que regula o regime jurídico da gestão hospitalar.
De facto, ao Partido Comunista Português custa-lhe muito aceitar que seja o Partido Social Democrata a reformar o sector da saúde com base numa lógica sujeita ao primado do cidadão - porque, Srs. Deputados, estamos a cumprir as nossas promessas eleitorais.
Com este diploma, o Governo reconheceu que a gestão hospitalar é um dos vectores prioritários e de maior impacto no programa da reforma da saúde a que estamos a assistir.
A satisfação das necessidades dos doentes, em tempo útil, com qualidade técnica e humana - ao contrário do que diz o Sr. Deputado Bernardino Soares, de que há pior serviço e acesso - e o rigor na despesa pública são objectivos essenciais deste Governo.
Os Srs. Deputados do Partido Comunista queriam que o crescimento da despesa pública se continuasse a dar sem que tal correspondesse a melhoria dos serviços prestados ou sem que tal correspondesse a sensíveis variações na utilização dos serviços de saúde?
Nem este país nem nenhum outro pode utilizar os seus recursos de forma ineficiente.
A aposta deste Governo, de que a legislação que agora apreciamos é um dos muitos exemplos, é precisamente na melhor afectação de recursos humanos, físicos e financeiros e no combate à baixa produtividade, à rigidez da gestão e à falta de estímulos à eficiência, à produtividade e à qualidade.
A criação de incentivos adicionais, que se traduzem na melhoria das condições de trabalho e no desenvolvimento de uma cultura que fomenta o mérito e a produtividade, são eixos de desenvolvimento estratégico presentes na reforma em curso.
Foi este Governo que, no âmbito da reforma da Administração Pública, criou um sistema integrado de avaliação do desempenho.
É com este Governo e com esta legislação, que aqui hoje apreciamos, que se reforça (ao contrário do que disse o Sr. Deputado Bernardino Soares) a capacidade directiva dos órgãos máximos e intermédios da gestão hospitalar e se identifica, de uma forma clara, a cadeia hierárquica das responsabilidades, que antes não existia.
É com este Governo e com esta legislação que o tradicional modelo de hospital financiado em orçamentos históricos dá lugar a um novo regime de pagamento por actos, técnicas ou serviços efectivamente prestados.
A eterna crítica ao Estado, simultaneamente financiador e prestador, deixou de existir. A eterna crítica à ausência de incentivos ao mérito, à competência e ao desempenho profissionais também deixou de existir, assim como a eterna crítica à diluição das responsabilidades através de toda a cadeia de comando.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há uma clara racionalização para obter melhores resultados.
Numa área onde o défice não deixava margem de manobra na gestão do sistema; numa área onde, a
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partir de 1996, durante todo o governo do Partido Socialista, os défices económicos e financeiros dispararam, sextuplicando - chegaram a tal gravidade que um ex-ministro do Partido Socialista chegou a estimar, para finais de 2002, um défice acumulado de valor igual a metade do orçamento do SNS, a que até chamou "barreira psicológica"; numa área onde o défice era um símbolo, chegamos a 2003 e os custos com a saúde são, pela primeira vez, inferiores ao valor orçamentado. E não houve, em 2003, qualquer orçamento rectificativo.
As despesas totais do ano de 2003, ao ficarem abaixo do orçamentado, são um facto inédito no Serviço Nacional de Saúde em Portugal.
O Sr. Deputado Bernardino Soares costuma dizer que "gastar menos, por si só, pode não ser bom" e estou inteiramente de acordo consigo.
Mas também há números a demonstrarem que, por exemplo, no terceiro trimestre, entre 2002 e 2003, no sector público administrativo (não me refiro aos hospitais SA, porque parece que os senhores não gostam de ouvir os números referentes a esses hospitais), as consultas realizadas aumentaram 5,1%, o que significa que mais 134 478 doentes ou, melhor, pessoas (porque estes números traduzem-se em pessoas) tiveram consultas, e as cirurgias realizadas aumentaram 14,5%, ou seja, mais 28 667 pessoas foram operadas no sector público administrativo.
Estes números - que são pessoas - demonstram bem o incremento da eficiência técnica e social, a melhoria do acesso e da qualidade do atendimento e dos cuidados prestados.
Mas, Srs. Deputados, na agenda do Ministério da Saúde para 2004, para além do potencial de melhoria da rede dos hospitais SA e da revisão do modelo de gestão dos hospitais universitários, o reenfoque da gestão dos hospitais SPA nos factores críticos de melhoria é uma matéria que exige um particular acompanhamento.
Também a questão das prioridades no acesso e no tipo de prestação é vital que seja acompanhada nas políticas de saúde, porque nem todos os consumos que se fazem em saúde correspondem a necessidades efectivas e estas necessidades nem sempre têm a mesma importância para o indivíduo e para a sociedade.
A intervenção reguladora do Estado em matéria de custos sugere a racionalização da oferta e da prestação de cuidados e a disciplina da procura nas suas formas de utilização.
A Lei de Bases da Saúde, de 1990, estabeleceu a possibilidade de serem cobradas taxas moderadoras no acesso à prestação dos cuidados de saúde, com o objectivo de complementar as medidas reguladoras do uso dos serviços de saúde.
Como os Srs. Deputados sabem, este é um modelo que vigora em todos os países europeus que adoptaram um sistema do tipo Serviço Nacional de Saúde, de que o nosso é exemplo.
A actual legislação alargou a base dos actos médicos e procedeu a ajustes, que desde 1992 não se praticavam, mas alargou também o leque das isenções.
Os doentes mais carenciados, quer os de menores recursos quer os portadores de doenças mais incapacitantes, estão isentos das taxas moderadoras, como os Srs. Deputados sabem pela quantidade de decretos-leis que sistematicamente têm vindo a ser publicados e que isentam todos estes doentes mais necessitados.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É assim com este Governo. É assim que, de facto, se garante o reforço efectivo do princípio de justiça social.
Foi também a realidade que mostrou que os modelos de organização e de gestão dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde se encontravam desajustados das necessidades da população.
Os novos padrões de doença, as novas oportunidades e os novos modelos terapêuticos colocavam a este Governo novas e urgentes exigências.
Sr. Deputado Bernardino Soares, por muito que doa à oposição, é isso que este Governo está a fazer: a cumprir estas exigências!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Portugal.
A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde: O Decreto-Lei n.º 173/2003, hoje aqui em apreciação parlamentar, que o seu Ministério assinou e fez publicar, estabelece o regime aplicável às taxas moderadoras, apontando como objectivos principais "moderar, racionalizar e regular o acesso à prestação de cuidados de saúde para realizar justiça social". Segundo o mesmo diploma, a actualização dos valores tem essencialmente por base uma ideia de diferenciação positiva dos grupos mais carenciados e desfavorecidos.
Até aqui, tudo bem, Sr. Secretário de Estado.
No entanto, analisando em substância o conteúdo do decreto-lei vertente, o que verdadeiramente está
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em causa é o financiamento da saúde, mais uma vez à boa maneira do seu Ministério.
O que está verdadeiramente em causa é que o Ministério da Saúde procura encontrar mais uma forma adicional de financiamento.
O que está verdadeiramente em causa é um co-pagamento dos cuidados de saúde, de uma outra forma, directamente do bolso e do orçamento familiar dos cidadãos doentes, pondo em crise o tão propagandeado discurso de justiça social do seu Governo.
Colocar barreiras ao acesso, actuando somente na vertente "procura de cuidados", sabemos todos que é profundamente injusto. São os mais doentes e os que mais precisam os que mais pagam, com a agravante de esse pagamento ser realizado no momento em que é necessária a intervenção dos serviços de saúde.
Também contrariamente ao que anuncia, não se descortina qualquer norma no citado diploma legal que aponte para a aplicação clara e inequívoca do princípio da diferenciação positiva. Antes pelo contrário.
O Partido Socialista entende que as taxas moderadoras podem ser um instrumento de alguma racionalização do acesso, mas a sua aplicação terá de ser balizada por um sistema de saúde que tenha por base uma política consistente e coerente, baseado nas necessidades de saúde dos cidadãos e organizado de forma clara, com circuitos conhecidos e lógicos, com porta de entrada pelos cuidados de saúde primários estruturados, prestigiados e autónomos. Nenhum destes princípios foi levado em conta neste decreto-lei.
As taxas moderadoras não podem ser um instrumento desgarrado, burocrático e penalizador do ponto de vista económico e social dos cidadãos com maiores necessidades de saúde ou com necessidades especiais.
O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!
A Oradora: - Não devem servir para financiar o sistema nem racionalizar a prescrição e oferta dos serviços que, sendo também objectivos a atingir, devem mobilizar outros instrumentos que não as taxas moderadoras unicamente.
Vejamos no concreto.
O artigo 1.º, ao definir a actualização anual do valor das taxas moderadoras tendo em conta "nomeadamente" (é o que lá está escrito) o índice de inflação, encerra uma mudança profunda face ao regime anterior, na medida em que não estabelece um tecto máximo para aquela actualização, que pode ser feita, a partir daqui, ao sabor de critérios e necessidades financeiras do momento. Esta é uma preocupação de fundo, Sr. Secretário de Estado!
Quanto ao artigo 2º, que prevê isenções, estão isentos de pagamento as crianças até aos 12 anos, deixando de fora todos os adolescentes e jovens adultos.
Pergunto-lhe, Sr. Secretário de Estado: que resposta se pretende dar aos problemas de consumos, à saúde sexual e reprodutiva, ao problema grave da infecção pelo HIV neste grupo etário, quando os atendimentos de adolescentes são taxados e, portanto, ao contrário de promover o acesso (grande objectivo enumerado neste diploma), estamos a criar barreiras?
Sr. Secretário de Estado, os diabéticos fazem parte dos doentes com patologias crónicas que estão isentos. No entanto, ao lado, este Ministério assina um protocolo com a Associação Nacional de Farmácias, segundo o qual os doentes integrados num programa dito "de vigilância", pelos farmacêuticos, pagam uma taxa à farmácia.
Sr. Secretário de Estado, onde está a coerência das políticas adoptados pelo seu Ministério?
A Sr.ª Celeste Correia (PS): - Muito bem!
A Oradora: - Onde estão as isenções para as consultas de planeamento familiar e pré-concepcionais, as vigilâncias induzidas e continuadas ou os actos de promoção da saúde?
Num momento em que vozes da maioria clamam por um investimento positivo e qualitativo nas causas do aborto e das gravidezes indesejadas, prescrevem-se taxas moderadoras nas consultas de planeamento familiar…
Vozes do PS: - Um escândalo!
Vozes do PCP: - É verdade!
A Oradora: - … e coloca-se um travão ao seu acesso, quando devia ser rigorosamente o contrário.
Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!
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A Oradora: - Há várias coisas que não batem certo e, o que é mais grave, com uma capa de justiça social. Onde está a justiça social, Sr. Secretário de Estado?
Mas o nosso espanto não fica por aqui.
Quando analisamos a portaria que estabelece a tabela das taxas moderadoras, ficam-nos muitas outras questões por responder.
Coloco-lhe uma, muito concretamente, Sr. Secretário de Estado: será que alguém acredita que um doente se submeta a exames complementares de diagnóstico invasivos ou a tratamentos por hipocondria ou por abuso de utilização?! Será que alguém acredita?!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Só na cabeça do Governo!
A Oradora: - Só o seu Ministério e os seus adjuntos é que podem acreditar nisto. Não há outra hipótese.
Só mesmo este Ministério acredita que uma litotrícia, um gesso ou uma tracção ortopédica possam ser realizados abusivamente a pedido do doente!
A racionalização, como sabemos e repito mais uma vez, faz-se pelo lado da oferta e da prescrição, nunca penalizando o doente financeiramente com aumento de taxas moderadoras.
Gostaria de lhe colocar ainda uma outra questão, à qual agradecia que respondesse aquando da sua intervenção.
Pretende-se também racionalizar o acesso aos serviços privados convencionados no exterior do Serviço Nacional de Saúde, Sr. Secretário de Estado? Ou estamos, de forma encapotada, a exigir ao doente um pagamento que competia ao Ministério da Saúde, que paga mal e tardiamente aos seus convencionados?
Com esta solução, o Ministério da Saúde encontrou a forma mais fácil, mas a mais injusta, para solucionar um problema que manifestamente não tem coragem para enfrentar. O seu Ministério não faz a revisão das convenções para preços justos, mas remete para o doente o pagamento adicional através do aumento das taxas moderadoras.
Sr. Secretário de Estado, o Partido Socialista não pode estar de acordo com esta política economicista, baseada apenas em aspectos financeiros da saúde, abandonando definitivamente a justiça social, os cidadãos e os doentes em particular, a análise e a resolução concreta, objectiva e dirigida às necessidades de saúde.
Sr. Secretário de Estado, a rentabilidade e o financiamento não podem encobrir a equidade em saúde na utilização dos seus serviços.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos hoje a apreciar dois diplomas do Governo com incidência numa área particularmente sensível, que é a da saúde.
O direito à saúde tem comando e protecção constitucional, porque é um domínio de enorme sensibilidade. Seguramente que nenhuma sociedade democrática, que procura a justiça social, se pode dispensar de garantir a todos os cidadãos o acesso a um direito constitucionalmente protegido que é da maior importância para os cidadãos.
Estamos a falar de gestão hospitalar, de taxas moderadoras, e fazêmo-lo num momento que, quanto a nós, não pode ser divorciado do que já são sinais muito inquietantes quanto ao resultado da política da maioria neste domínio.
Tal política tem consequências extremamente negativas que se revelam na inaceitável diferenciação de tratamento dos cidadãos no acesso aos cuidados de saúde, isto é, categorias de cidadãos em função do que são modelos de gestão.
Estamos a falar em limitações orçamentais cada vez maiores, implementadas de forma abrupta e acrítica que estão a penalizar e a desumanizar o acesso aos cuidados de saúde.
A maioria não pode pretender confundir a realidade, refugiando-se na necessidade da produtividade e de trabalhar com eficácia na saúde. Esse é um objectivo nacional relativamente ao qual, aliás, a interrogação que se faz é a de saber por que razão nunca se agiu no sentido de o cumprir também no serviço público. Obviamente, percebe-se que essa desatenção teve a ver com a necessidade de encontrar pretextos para o que está a acontecer que é fazer da saúde um grande mercado em que os grandes grupos económicos - aliás, não são "os grandes grupos", é só um! - estão predominantemente a instalar-se.
Uma segunda questão que gostaria de abordar, quando estamos a fazer a apreciação parlamentar destes
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diplomas, é algo totalmente inaceitável do ponto de vista dos cidadãos, politicamente desastroso para a maioria e, sobretudo, uma afronta e um insulto aos cidadãos, no momento em que, a pretexto de dificuldades do País, se apela ao sacrifício, se cerceiam brutamente aumentos e se cortam direitos sociais. Ora, é precisamente este o momento escolhido para, brilhantemente, se aumentar de forma insultuosa e escandalosa as benesses e os vencimentos dos gestores hospitalares.
Passando a abordar, concretamente, os diplomas que estão em apreciação, gostaria de cingir-me a um deles, o que é relativo às taxas moderadoras.
Faço-o para dizer que, efectivamente, não estamos a falar em taxas moderadoras, como poderia fazer crer o decreto-lei do Governo. O que o Governo está a fazer é a criar outras e adicionais fontes de receita própria, no fundo para mascarar e tentar suavizar o que é brutal, o seu gradual desinvestimento e a desresponsabilização no que toca ao investimento em matéria de saúde. É disso que se trata e há uma questão concreta, que já foi sublinhada pela Sr.ª Deputada Luísa Portugal e que eu própria não gostaria de deixar passar por ser verdadeiramente espantosa. Refiro-me à obrigatoriedade de pagamento de taxas moderadoras em consultas de planeamento familiar.
Num país como o nosso, onde o número de jovens mães é o mais elevado de toda a Europa, onde não está garantido o acesso nem às consultas de planeamento familiar e de saúde sexual e reprodutiva nem à educação sexual, é verdadeiramente espantoso que, decorrendo na sociedade portuguesa a discussão sobre a despenalização ou não da prática do aborto, este Governo, que aceita com despudor que mulheres sejam consideradas criminosas pela prática do aborto, seja o mesmo que obriga ao pagamento do acesso ao que é um direito de todas as mulheres e de todos os jovens.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - Isto é inaceitável e revela bem a natureza das medidas deste Governo e a forma como atenta contra direitos fundamentais, não só das mulheres mas também de todos os cidadãos, no acesso à saúde, matéria que é determinante numa democracia.
Aplausos do PCP e de Deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco.
O Sr. Álvaro Castello-Branco (CDS-PP): - Ex.mo Sr. Presidente, Ex.mo Sr. Secretário de Estado, Ex.mos Sr.as e Srs. Deputados: Estamos hoje, novamente, nesta Câmara, a requerimento do Partido Comunista Português, para apreciar duas das iniciativas do Governo sobre a profunda reforma que tem vindo a ser implementada no sector de saúde.
Quanto ao Decreto-Lei n.º 188/2003, de 8 de Novembro, que regulamenta os artigos 9.º e 11.º do Regime Jurídico da Gestão Hospitalar, aprovado pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro, foi aprovado no estrito cumprimento do disposto na Lei da Gestão Hospitalar, a qual determina que o Governo deve aprovar um regulamento que estabeleça a estrutura orgânica das instituições hospitalares públicas, nomeadamente a composição, as competências e o funcionamento dos órgãos de administração, de apoio técnico, de fiscalização e de consulta, assim com os respectivos modelos de financiamento e de avaliação da actividade realizada.
É inegável, e penso que, quanto a este ponto, todos estamos de acordo, que é fundamental introduzir novos métodos de organização nos cuidados de saúde, sendo também fundamental racionalizar os gastos excessivos em determinadas áreas, pois é evidente que não é por se gastar mais que, necessariamente, se gasta melhor.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - É precisamente nestes pontos que a intervenção deste Governo é decisiva. É esta organização e esta racionalização que o Governo corporiza através da regulamentação da Lei de Gestão Hospitalar.
Não obstante os progressos já alcançados, a realidade tem demonstrado que os modelos de organização dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde estão desajustados às necessidades actuais das populações, aos novos padrões de doença e às oportunidades terapêuticas, justificando-se, por isso, as alterações legislativas em curso.
A nova Lei de Gestão Hospitalar vem ao encontro desta nova realidade e a regulamentação desta lei traduz-se numa verdadeira aposta na reestruturação dos planos logísticos, tecnológicos e de recursos humanos das instituições hospitalares.
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Este novo modelo organizacional exige de todos os profissionais habilitações para trabalho em equipas de saúde multiprofissionais e aos gestores capacidade de liderança e conhecimentos que lhes permitam utilizar de forma eficiente os instrumentos de gestão ao seu dispor.
Um outro aspecto que não se pode deixar de salientar, cuja contribuição para a melhoria da gestão nos hospitais é evidente, é a atribuição de maior autonomia aos profissionais de saúde, libertando-os de restrições burocráticas e funcionais, agilizando-se, deste modo, o sistema.
É óbvio que tudo isto beneficia o cidadão utente do Serviço Nacional de Saúde.
É óbvio que tudo isto contribui para a melhoria na prestação dos cuidados de saúde, com a vantagem de uma melhor gestão financeira.
O CDS não tem dúvidas que, com a regulamentação dos artigos 9.º e 11.º do Regime Jurídico da Gestão Hospitalar, contida no Decreto-Lei n.º 188/2003, de 20 de Agosto, se deu um importante e significativo passo em frente ao serviço daquilo que é mais importante: a qualidade na prestação de cuidados de saúde aos portugueses.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Relativamente ao Decreto-Lei n.º 173/2003, de 1 de Agosto, que estabelece o regime das taxas moderadoras no acesso à prestação de cuidados de saúde no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, que o Partido Comunista aqui questiona, importa, antes de qualquer consideração, situar em que âmbito se insere esta problemática.
Ora, se o utente não estiver abrangido por alguma das 18 abrangentes isenções - onde se incluem, por exemplo, os pensionistas que recebam pensão não superior ao salário mínimo nacional, seus cônjuges e filhos menores, os desempregados, assim como os familiares directos, os trabalhadores que recebam rendimento mensal não superior ao salário mínimo nacional, dadores de sangue, portadores de doenças crónicas entre muitos outros casos - e se, no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, lhe forem prestados cuidados de saúde, na realização de exames complementares de diagnóstico e terapêutica em serviços de saúde públicos ou privados convencionados, nos serviços de urgência hospitalares e centros de saúde ou nas consultas nos hospitais, nos centros de saúde e noutros serviços de saúde públicos ou privados convencionados, então, pagará uma taxa moderadora pelo respectivo serviço que lhe for prestado, estando previstas na Portaria n.º 985/2003, de 13 de Setembro, 366 designações, cuja média do montante da taxa moderadora se situa nos 3,82€ por acto.
Sr.as e Srs. Deputados, a As taxas moderadoras são um instrumento regulador do acesso ao Serviço Nacional de Saúde, que envolve directamente os utentes e, em geral, a comunidade, na melhoria da gestão dos estabelecimentos de prestação de cuidados de saúde.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - As taxas moderadoras constituem um meio adequado para estabelecer um regime que é capaz de servir de instrumento moderador, racionalizador e regulador de acesso à prestação de cuidados de saúde e que, simultaneamente, garanta o reforço efectivo do princípio de justiça social no Sistema Nacional de Saúde.
Deste modo, facilmente concluímos que o desconforto do Partido Comunista Português não se prende com as iniciativas sujeitas às presentes apreciações parlamentares mas, sim, com todo o espírito renovador que este Governo tem empreendido no sector da saúde.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É uma renovação ao estilo do século XIX!
O Orador: - Não era isso que eu ia dizer, mas ainda estão bem patentes alguns princípios.
Sr.as e Srs. Deputados, a realidade é uma: com o início de funções deste Governo, em Abril de 2002, iniciou-se, finalmente, uma reforma da saúde em Portugal, que está em curso e de que estes dois diplomas, hoje em apreciação parlamentar, são mais um passo, como já referi, para aquele que é o objectivo fundamental do Governo e desta maioria: a melhoria dos cuidados de saúde, ou seja, o bem-estar do cidadão.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.
O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados, o diploma que regulamenta a gestão hospitalar dos hospitais SA tem, em nosso entender, uma característica fundamental: está direccionado para garantir que será cumprida, fiel e cegamente, quase acefalamente, a linha de orientação política deste Governo, a qual pode resumir-se em duas vertentes fundamentais. Uma,
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é a do desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde, outra, a de ter uma perspectiva economicista.
Assim sendo, compreende-se melhor que, contrariamente à legislação anterior, não tenha sido minimamente pedida qualquer qualificação a estes gestores dos hospitais SA; não é necessário que tenham nenhuma qualificação, apenas é necessário que estejam presentes, que não pensem, que só ouçam e que cumpram cegamente. Surgiram, pois, as cunhas, os favores, os primos, os tios, os filhos, chegando mesmo a fazer parte do anedotário nacional essa ignorância escancarada.
A este propósito, vou contar aos Srs. Deputados uma anedota que circula pelo País. Um destes gestores perguntava: "Por que é que se gasta tanto dinheiro em 'algarviar' os doentes?"
Risos do PCP.
Sr. Secretário de Estado, se é que isto é verdade, diga àquele Sr. Gestor que não se diz "algarviar" os doentes mas, sim, algaliar os doentes!
Portanto, as coisas já chegaram a este ponto! Já se conta esta anedota pelo País fora.
Como dizia, para garantir que tudo é cegamente cumprido, concentraram-se todos os poderes numa pessoa, que é o presidente do conselho de administração, ou seja, o director do hospital.
Os senhores nem se deram conta que criaram um corpo estranho dentro de cada hospital - são verdadeiros corpos estranhos dentro dos hospitais! Há até casos de conselhos de administração cujos membros quase não saem dos respectivos gabinetes, porque eles próprios sentem-se como corpos estranhos dentro dos hospitais. Os senhores são os responsáveis por esta situação.
Perante isto, também se compreende, por exemplo, que tenham sido banidos deste processo os que exerciam o cargo de administrador-delegado e que, ao longo de anos, através da frequência de cursos na Escola Nacional de Saúde Pública, tinham sido preparados para garantir a qualidade do exercício do seu cargo. Ora, a este Governo não interessa a qualidade na gestão.
Diga-se, de passagem, que o acto de gerir um hospital tem características próprias; não é o mesmo que gerir uma fábrica de pregos ou de adubos. Gerir um hospital é algo completamente diferente, tem de haver sensibilidade. Sr. Secretário de Estado, tem mesmo de haver sensibilidade para gerir estes hospitais!
Por último, chamo a atenção para uma questão que está bem explícita na lei, embora um pouco escondida em determinado artigo. É que precisamente em relação aos serviços com maior rentabilidade, os serviços complementares de diagnóstico e terapêutica, aparece uma nota importante, a de que podem ser nomeados directores destes serviços outros profissionais, ou seja, não médicos, não técnicos do próprio hospital. Isto é inaceitável! Imagine-se, por exemplo, um gestor de uma fábrica de adubos, a quem pode vir a caber a tarefa de tornar a saúde lucrativa, questionando os gastos efectuados naqueles serviços, com reagentes, com seringas, com algodão, ou mesmo com EDTA…!
Sr. Secretário de Estado, se, no futuro, algum destes gestores vier perguntar-lhe o que é EDTA, faço votos que saiba explicar-lhe bem o que é!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde (Adão Silva): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A reforma do sector da saúde foi assumida pelo XV Governo Constitucional como um vector prioritário no quadro das reformas a adoptar na presente legislatura.
A sua finalidade essencial passa pela modernização do Serviço Nacional de Saúde, por forma a torná-lo mais justo, solidário e eficiente e eficaz, na prestação de cuidados de saúde, tendo como único referencial o cidadão utente.
As razões da necessidade de modernizar o SNS são, desde há muito e por todos, bem conhecidas e reiteradamente enunciadas.
Dentro das reformas levadas já a cabo, destaca-se, pela sua importância nuclear, a definição e regulamentação de um novo estatuto jurídico para os hospitais, introduzindo novos instrumentos, regras e modelos de gestão, designadamente de natureza empresarial.
É este o objectivo que nos propusemos alcançar.
Para o efeito, foram concebidos os princípios fundamentais que constituem os pilares desta reforma, consagrados e enunciados na lei que aprova o regime jurídico da gestão hospitalar - a Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro - e desenvolvidos e concretizados no Decreto-Lei n.º 188/2003, de 20 de Agosto.
Desses princípios, permito-me salientar, designadamente, os seguintes: a garantia da liberdade de
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escolha, colocando o cidadão como referencial do funcionamento e da finalidade última dos serviços de saúde; o reforço da autonomia e da capacidade de organização das unidades de saúde; a valorização das estruturas intermédias de gestão dos hospitais; a institucionalização de mecanismos que garantam a responsabilização e a gestão com competência; a consagração de instrumentos que permitam a avaliação do desempenho das administrações, premiando o mérito, a eficácia e a qualidade na prestação de cuidados de saúde; a introdução gradual, como processo de financiamento, do pagamento dos actos efectivamente realizados; o redimensionamento dos hospitais e a melhoria da cooperação interdisciplinar e entre os estabelecimentos de saúde, de forma a criar uma verdadeira rede nacional de prestação de cuidados da saúde.
Tendo por base estes princípios, entre outros, as reformas que estamos a realizar visam reforçar e ampliar as características fundamentais do SNS, tal como se encontram expressamente previstas na Lei de Bases da Saúde.
Com efeito, disponibilizar mais e melhores cuidados de saúde aos cidadãos alarga o princípio da universalidade quanto à população abrangida, enriquecendo consequentemente o direito de acesso à prestação de cuidados de saúde.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - E, se me permitem, devo agora fazer um parêntesis na minha intervenção, para referir alguns dados do mês de Novembro, relativos aos hospitais SA (mais uma vez tão diabolizados esta manhã neste Parlamento), que vale a pena registar: no que diz respeito aos custos, houve uma redução de 2,4%, em relação ao valor orçamentado, e, em relação à produção,…
O Sr. Afonso Candal (PS): - Lá vem o senhor com os números!
O Orador: - Sr. Deputado Afonso Candal, faça favor de ouvir, porque, com certeza, tem muita coisa a aprender.
Como dizia, em relação à produção, a consulta externa aumentou 9,4%, o hospital de dia 16,3%, as urgências 1,7% (um aumento moderado, como deve ser), as intervenções cirúrgicas 17,7% e a gestão das camas dos hospitais SA registou uma utilização muito mais racional.
Percebo a incomodidade do Partido Socialista e percebo até a forma cada vez mais abnegada de encontrar justificações para dizer o que não é verdade, nomeadamente o modo como o Sr. Deputado João Rui de Almeida, hoje, até recorreu a um lapsus linguae, para dizer que, afinal, os hospitais SA não estão a funcionar. Ó Sr. Deputado também não vale a pena recorrer a argumentos tão extremos! E, já agora, se me permite, não é verdade que os administradores hospitalares, aqueles excelentes profissionais formados na Escola Nacional de Saúde Pública, estejam arredados da administração desses hospitais. Como sabe, há variadíssimos administradores hospitalares que dirigem e são presidentes dos hospitais SA, como, por exemplo, dos de Amarante e de Santa Marta, entre muitos outros.
Retomando agora a minha intervenção, direi que garantir ou prestar integradamente cuidados de saúde globais reforça a capacidade de resposta do SNS, através de um melhor aproveitamento da capacidade instalada em meios humanos e equipamentos e da inserção, na rede nacional de prestação de cuidados de saúde, de entidades dos sectores social e privado, numa base de complementaridade e colaboração. O direito de acesso aos cuidados de saúde fica também, por esta via, qualitativamente enriquecido e melhorado.
E o conjunto das reformas já efectuadas e em curso não têm tocado no princípio constitucional da tendencial gratuitidade do acesso à prestação de cuidados de saúde, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Porém, este princípio da tendencial gratuitidade não pode, nem deve, confundir-se com a necessidade de regular, disciplinar e racionalizar o acesso dos cidadãos ao SNS.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Ou seja, a garantia da prestação de cuidados de saúde com qualidade e eficácia passa também pela utilização racional, por parte dos utentes, dos meios que são postos à sua disposição.
A existência de regras que disciplinem o acesso ao SNS surge, neste âmbito, como um meio ou instrumento
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que garante um melhor direito de acesso, envolvendo, assim, directamente os utentes e a comunidade em geral na melhoria da gestão dos estabelecimentos e da própria prestação de cuidados de saúde.
E é aqui - e apenas aqui - que se situam as designadas taxas moderadoras.
Vozes do PCP: - É?!
O Orador: - Como sabemos, as taxas moderadoras foram instituídas em 1992, através do Decreto-Lei n.º 54/92, de 11 de Abril, no desenvolvimento da própria Lei de Bases da Saúde.
A sua institucionalização teve, precisamente, como objectivo moderar a procura desnecessária de actos clínicos ou, em geral, dos serviços de saúde, muitas vezes por pessoas com rendimentos relativamente elevados - repito, pessoas com rendimentos relativamente elevados.
Vozes do PCP: - Ah!
O Orador: - Trata-se, portanto, e tão-só, de uma medida, entre outras possíveis, que visa regular e completar outras medidas disciplinadoras do uso dos serviços de saúde.
Este conceito de moderação foi aceite pela sociedade portuguesa nestes últimos 12 anos, sendo hoje praticamente consensual a necessidade da sua existência.
Mas, decorrida mais de uma década sobre a sua institucionalização, sem que tivesse havido qualquer intervenção legislativa posterior, não obstante se prever, no próprio diploma de 1992, a revisão e a actualização anual das taxas, aquele conceito foi perdendo o seu significado e eficácia.
Julgámos, por isso, necessária uma intervenção, de forma a revitalizar o objectivo essencial que presidiu à sua criação.
Pois bem, a reanálise e a actualização das taxas moderadoras, ao fim de 12 anos, concretizada através do Decreto-Lei n.º 173/2003, de 1 de Agosto, teve precisamente por objectivo não perder o atrás referido conceito de moderação. Mas não só. Podemos dizer que, à medida que as taxas se foram desactualizando, tornou-se relativamente mais fácil a procura, nem sempre justificada, de cuidados de saúde para as classes com rendimentos relativamente mais elevados, configurando uma situação socialmente injusta.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É preciso "ter lata"!
O Orador: - Significa isto que à existência de taxas moderadoras, enquanto instrumento regulador do acesso aos serviços de saúde, se associa também um princípio de justiça social.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Exactamente!
O Orador: - O objectivo fundamental da reanálise e actualização das taxas moderadoras não foi de ordem financeira, como foi aqui repetido várias vezes.
Vozes do PSD: - Claro!
O Orador: - Não foi, Sr.ª Deputada Luísa Portugal!
Aliás, vale a pena reter dois números: o valor total das taxas moderadoras cobradas no SNS representava, em 1992/93, 1,17% do orçamento do SNS e, em 2002, representou apenas 0,7% dos custos totais do SNS.
Para além da actualização que se impunha, trata-se, na verdade, de uma revisão do sistema actual.
Em primeiro lugar, alargou-se o âmbito das isenções subjectivas aos grupos mais desfavorecidos, de que são exemplo os beneficiários do Rendimento Social de Inserção.
Em segundo lugar, e de forma a garantir o princípio da igualdade, através do novo diploma e da portaria que o concretiza, ampliou-se o número de actos clínicos sujeitos a taxa moderadora. Com efeito, temos agora um sistema universal, no sentido da existência de taxas moderadoras em quase todos os actos clínicos (cerca de 355) e não apenas em 143, como era o caso até agora.
Reconhecemos que ainda não atingimos o sistema mais justo, mas estamos empenhados em consegui-lo através da introdução de um modelo que dê concretização ao princípio da discriminação positiva.
O Sr. Patinha Antão (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Isto é, que o valor da taxa moderadora a pagar pelos cidadãos varie em função dos seus rendimentos, garantindo sempre a isenção total para aqueles que possuem baixos rendimentos ou são
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portadores de situações específicas, como os doentes crónicos, as grávidas, etc.
O Sr. Patinha Antão (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Em síntese, com as reformas que têm vindo a ser adoptadas, estamos a conseguir que o SNS cumpra, cada vez mais e melhor, a nobre finalidade social e humana para que foi criado: servir o cidadão e não apenas o doente.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Secretário de Estado não garantiu que as taxas aplicadas fossem menos de um terço do custo dos actos taxados - esqueceu-se desta parte. Também se esqueceu de referir o facto de os aumentos dos administradores dos hospitais SA serem chocantes, no contraste com os aumentos das taxas moderadoras.
O Sr. Patinha Antão (PSD): - Outra vez?! Isso foi ontem!
O Orador: - O Sr. Secretário de Estado e Deputados da maioria referiram-se às taxas moderadoras como um instrumento moderador e racionalizador de justiça social. Não, Sr. Secretário de Estado, não é assim! Quando o Governo aumenta as taxas moderadoras, esse aumento não prejudica especialmente os ricos - esses podem pagá-las e podem até ir ao sector privado, pagando a totalidade dos custos!
O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Exactamente!
O Orador: - Os que não podem fazê-lo são os mais pobres e mais carenciados, que não estão abrangidos pelas isenções, as quais, como sabe, não abrangem todas as situações, nem muitas das situações dos mais carenciados - esses são os principais atingidos por este aumento das taxas moderadoras.
Por isso, o aumento é injusto socialmente: prejudica mais aqueles que mais precisam do apoio dos serviços públicos. E esta é a política do Governo nesta matéria.
Para terminar, Sr. Secretário de Estado, quero dizer que, para avaliarmos o erro que tem sido a política de nomeações do Governo nos hospitais,…
O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Muito bem!
O Orador: - … podíamos também dar aquele outro exemplo do administrador hospitalar, recentemente empossado, que, ao visitar um bloco operatório, e confrontado pelos médicos com a necessidade de adquirir um novo ventilador para apoio a esse bloco operatório, olhou para cima e respondeu que lhe parecia que a sala já tinha ar condicionado.
Risos do Deputado do PS João Rui de Almeida.
Este é um bom exemplo de que como estas nomeações não servem o Serviço Nacional de Saúde.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Clara Carneiro.
O Sr. Clara Carneiro (PSD): - Sr. Presidente, quero só perguntar ao Sr. Deputado Bernardino Soares e, particularmente, ao Sr. Deputado João Rui de Almeida, que usaram aqui um trocadilho, dizendo que os gestores não sabem o que é o EDTA - e, Sr. Deputado, com certeza que os gestores poderão não saber o que é o ácido etilenodiaminotetracético! -, se acham que, para gerir um hospital, os gestores precisam de saber o que isso é.
Então, pergunto: os médicos ou os outros profissionais de saúde, dos quais também sou um exemplo, se estiverem a gerir um hospital, por acaso, saberão o que é o PSBR, que, pelos vistos, na gíria da gestão, é uma designação muito usada? Pedia ao Sr. Deputado que se informasse sobre o que é esse PSBR, que é usado na gíria da gestão e que, se calhar, os técnicos de saúde também não conhecem. Eu digo-lhe: quer dizer public sector borrowing requirements. De facto, trata-se de um termo "pior" do que o EDTA!
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Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado? É que já não tem tempo.
O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, é só para dar um esclarecimento à Câmara.
O Sr. Presidente: - Sendo assim, dou-lhe 30 segundos, para o efeito, Sr. Deputado.
O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, quero só dizer à Sr.ª Deputada Clara Carneiro que o caso da "ventoinha", referido pelo Sr. Deputado Bernardino Soares,…
Vozes do PSD: - Não é ventoinha, é ventilador!
O Orador: - … e o do "algarviar", referido por mim, são exemplos que já fazem parte do anedotário nacional e traduzem o que se está a passar com estes gestores hospitalares, que demonstram um desconhecimento total daquilo que se passa dentro dos hospitais.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde: - Sr. Presidente, em boa verdade, esta minha segunda intervenção serve para responder às intervenções sob a forma de perguntas, feitas pelos Srs. Deputados que tiveram a bondade de intervir neste segundo momento.
Sr. Deputado Bernardino Soares, a questão das remunerações dos gestores dos hospitais SA faz parte de um processo de coerência. Isto é, criaram-se entidades que são empresas públicas, e, obviamente, os responsáveis pela gestão destas empresas públicas devem ser remunerados segundo o que está estabelecido na legislação para os gestores públicos.
Vozes do PS: - É verdade!
O Orador: - Quando se estabelece numa legislação a criação de empresas desta natureza, naturalmente tem de se ser consequente e aplicar-lhes, em plenitude, a legislação dos benefícios e regalias que estão inerentes aos gestores públicos.
Mais: face à acrescida exigência, face à acrescida responsabilização que é dada e exigida a estes responsáveis, tinha de se ser coerente nesta lógica das contrapartidas.
Agora, o que é verdadeiramente grave não é isto mas, sim, o que hoje aqui se passou. É seguramente a primeira vez que os hospitais SA são, de algum modo, banalizados, recorrendo-se ao anedotário, recorrendo-se a um nível de tratamento destes aspectos tão relevantes, tão sensíveis como se fossem aspectos de anedota. E há aqui um percurso preocupante.
No princípio, foram feitos ataques violentos à questão dos orçamentos, à incerteza da possibilidade de haver produções acrescidas, como, aliás, se anunciava. Neste momento, o PS, nomeadamente, e o PCP, que já começaram a perceber que os números são absolutamente incontornáveis,…
Risos dos Deputados do PS Afonso Candal e João Rui de Almeida.
… quer em termos do controlo e racionalização da despesa, quer em termos do aumento da produção, não recorrem ao argumento baseado nestas duas questões essenciais, que são as que interessam à população.
Protestos do Deputado do PS João Rui de Almeida.
Os Srs. Deputados não falam mais das questões orçamentais! Os Srs. Deputados não falam mais do aumento do número de consultas externas, de cirurgias, de melhores urgências, porque, obviamente, Srs. Deputados, esta é matéria para a qual já não vos interessa chamar a atenção, mas é o que importa para os cidadãos.
O que interessa aos Srs. Deputados é achincalhar,…
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O Sr. António Filipe (PCP): - Achincalhar?!
O Orador: - … é banalizar, é pôr num plano de anedota instituições da maior relevância para os cidadãos, instituições que foram, de algum modo, categorizadas numa nova estrutura como novas entidades, justamente para agilizar as respostas aos cidadãos, que é o que verdadeiramente importa. Isto é, mais consultas, mais cirurgias, melhores urgências, melhor acessibilidade aos cuidados de saúde, afinal.
Srs. Deputados, peço-vos que reencaminhem o vosso argumento na questão dos hospitais SA para o que é sério e para o que interessa aos cidadãos, que é dizer-lhe como é que os hospitais SA estão a servir as populações, e não coloquem esta matéria num nível intolerável e inaceitável de fait divers e de anedota.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Afonso Candal (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Afonso Candal (PS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - V. Ex.ª pretende interpelar a Mesa sobre a condução dos trabalhos? É para isto que se destina a interpelação à Mesa.
O Sr. Afonso Candal (PS): - Exactamente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como os trabalhos estão a terminar, penso que não valia a pena… De qualquer modo, visto que o procedimento da Mesa é muito liberal neste domínio, tem a palavra.
O Sr. Afonso Candal (PS): - Sr. Presidente, se me permite, gostaria de pedir a V. Ex.ª que intercedesse junto do Governo no sentido de este responder a 31 requerimentos, relativos a cada uma das sociedades anónimas e onde se solicitava os orçamentos e as contas desses hospitais, que foram entregues na Mesa há quase 1 ano - 1 ano!
Protestos do Deputado do PSD Luís Marques Guedes.
Nesta Casa, não podemos discutir números absolutamente desconhecidos. O Sr. Secretário de Estado apenas fala em números globais e esta Câmara não tem à sua disposição os números referentes a cada hospital.
Sr. Presidente, é impossível exercer a nossa competência fiscalizadora quando o Governo não cumpre a sua obrigação de responder aos requerimentos formulados pelos Deputados.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - A Mesa toma nota do pedido do Sr. Deputado Afonso Candal e, como está presente o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, imediatamente lhe remete a questão suscitada.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Para exercer o direito regimental da defesa da honra da bancada, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Qual é o motivo do agravo, Sr. Deputado?
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, sentimo-nos agravados porque o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde acusou-nos de vir a este debate "achincalhar" - foi a expressão utilizada - as entidades públicas de saúde. E sendo esta acusação, tão grave e até tão deselegante, não pode ficar sem resposta.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, não viemos "achincalhar" seja o que for, e os exemplos que demos - …
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - As anedotas!
O Orador: - … e também os que foram dados pela bancada do Partido Socialista - são apenas a constatação de que a lógica de gestão e de nomeação com critérios políticos e partidários que presidiu à acção do Governo nesta área dos hospitais SA prejudica gravemente os hospitais do Serviço Nacional de Saúde.
O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Exactamente!
O Orador: - Esta é a questão.
Portanto, não é o PCP que achincalha as unidades públicas e o serviço prestado à população, é o Governo que desrespeita os direitos das populações quando nomeia gestores que, ainda por cima, de forma um pouco seráfica, o Sr. Ministro vem dizer que até ganham o ordenado que tinham nos postos anteriores, escondendo que a maioria deles ganhava mais nos postos anteriores do que ganham os administradores dos hospitais, vindo por isso ganhar mais do que todos os seus pares noutros hospitais. É, portanto, isto que desprestigia o Serviço Nacional de Saúde e, sobretudo, pela gestão que fazem e pelos princípios que aplicam, que prejudica as populações, que, crescentemente, apesar dos números fictícios apresentados pelo Governo, se deparam com maiores dificuldades no acesso aos serviços de saúde.
Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde: - Sr. Presidente, se me permite, antes de mais, quero dar uma informação relevante ao Sr. Deputado Afonso Candal: a resposta aos requerimentos formulados pelos Srs. Deputados vem a caminho, e, portanto,…
O Sr. Afonso Candal (PS): - O Sr. Ministro da Saúde já nos disse o mesmo há seis meses atrás!
O Orador: - … sobre esta matéria, talvez aconselhasse um pouco de tranquilidade.
Sr. Deputado Bernardino Soares, livre de mim querer ter um comportamento deselegante com qualquer bancada que seja, inclusive a bancada a que V. Ex.ª preside.
Agora, verdadeiramente, o que interessa às populações é que os hospitais SA funcionem bem, e é manifesto que estão a funcionar muito bem.
Risos dos Deputados do PS João Rui de Almeida e do PCP Bernardino Soares.
Estão a responder plenamente ao desafio inicialmente lançado e que é, de algum modo, o desafio no qual o Governo se envolveu, e isto pode verificar-se nos indicadores mais objectivos, que são os indicadores de bom serviço às populações. Se praticamos mais actos clínicos nos hospitais, se respondemos com maior prontidão às necessidades das pessoas, naturalmente é isto que importa às populações.
V. Ex.ª, no entanto, não quis discutir esta matéria, preferiu trazer o processo para um nível menor, para um nível de fait divers, para um nível de anedotário.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Outra vez?!
O Orador: - Não querendo, obviamente, ofender o Sr. Deputado, nem a bancada a que preside, o que está verdadeiramente em causa é que V. Ex.ª não olha para a lua, olha para a ponta do dedo que está a indicar a lua.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, com esta intervenção dou por concluído o debate sobre as apreciações parlamentares dos Decretos-Leis n.os 173/2003, de 3 de Agosto, e 188/2003, de 20 de Agosto [apreciações parlamentares n.os 56 e 57/IX (PCP)], e informo que deram entrada na Mesa propostas de alteração relativas a estes diplomas. Já dei conhecimento à Câmara das minhas dúvidas sobre as implicações da eventual caducidade constitucional dos processos de apreciação parlamentar, mas este assunto está pendente de um parecer da 1.ª Comissão. Porém, até lá, e em função do que for assente pelo parecer da 1.ª Comissão, ser-lhes-á dado o andamento devido.
Srs. Deputados, sobre a apreciação do projecto de resolução n.º 199/IX - Estrutura e competências dos serviços da Assembleia da República (Conselho de Administração da AR), que é o ponto seguinte da nossa ordem de trabalhos, não há inscrições, o que evidencia o cuidado com que este assunto foi preparado e a qualidade do trabalho feito por parte quer da Sr.ª Secretária-Geral e respectiva equipa quer do Conselho de Administração. Felicito os intervenientes neste processo, que visa adaptar as estruturas e as competências dos serviços da Assembleia da República às novas necessidades, em aplicação da lei orgânica que foi aprovada há algum tempo.
O projecto de resolução n.º 199/IX será votado na próxima oportunidade regimental.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os projectos de resolução n.os 206/IX - Medidas prioritárias para a defesa de uma floresta sustentável (Os Verdes) e 207/IX - Renovação do mandato da Comissão Eventual para a Reforma do Sistema Político (PSD, PS e CDS-PP).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim dos trabalhos de hoje.
Na próxima terça-feira haverá reuniões de comissão, sendo várias as que já estão convocadas, cuja ordem de trabalhos é indicada no Boletim Informativo.
A próxima reunião plenária realizar-se-á quarta-feira, dia 28, às 15 horas, e, para além do período de antes da ordem do dia, terá como ordem do dia a discussão, conjunta, do projecto de lei n.º 384/IX (PS) e do projecto de resolução n.º 206/IX (Os Verdes) e o debate, também conjunto, dos projectos de lei n.os 341/IX (Os Verdes) e 406/IX (PSD, CDS-PP).
Está encerrada a sessão.
Eram 12 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando Jorge Pinto Lopes
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Henrique José Monteiro Chaves
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Isilda Viscata Lourenço de Oliveira Pegado
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
António Bento da Silva Galamba
António Luís Santos da Costa
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia
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Fernando dos Santos Cabral
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Manuel de Medeiros Ferreira
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Partido Popular (CDS-PP):
João Rodrigo Pinho de Almeida
Partido Comunista Português (PCP):
Jerónimo Carvalho de Sousa
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
António Carlos de Sousa Pinto
Bernardino da Costa Pereira
Carlos Jorge Martins Pereira
Eduardo Artur Neves Moreira
Elvira da Costa Bernardino de Matos Figueiredo
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José Manuel de Lemos Pavão
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Sérgio André da Costa Vieira
Partido Socialista (PS):
Francisco José Pereira de Assis Miranda
João Barroso Soares
João Cardona Gomes Cravinho
José da Conceição Saraiva
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
Partido Popular (CDS-PP):
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
Partido Comunista Português (PCP):
José Honório Faria Gonçalves Novo
Bloco de Esquerda (BE):
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.