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Sexta-feira, 5 de Março de 2004 I Série - Número 59
IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 4 DE MARÇO DE 2004
Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral
Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Ascenso Luís Seixas Simões
Henrique Jorge Campos Cunha
S U M Á R I O
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n.º 116/IX, do projecto de lei n.º 419/IX, do voto n.º 136/IX, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Rodeia Machado (PCP) deu conta das conclusões do Congresso Alentejo XXI, realizado em Montemor-o-Novo, tendo feito o levantamento de problemas com que se depara esta região, que urge serem superados com vista ao seu desenvolvimento. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Rui Cunha (PS) e Miguel Raimundo (PSD).
Também em declaração política, a Sr.ª Deputada Alda Sousa (BE) condenou o comportamento do Presidente da Câmara Municipal de Marco de Canaveses, Avelino Ferreira Torres, durante um jogo de futebol, a sua actuação política e algumas reacções públicas relativas a este comportamento. No final, respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Miguel Coelho (PS), o qual deu explicações ao Sr. Deputado Telmo Correia (CDS-PP), que exerceu o direito de defesa da consideração.
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado José Miguel Medeiros (PS) criticou o Governo por não incentivar investimentos no distrito de Leiria que conduzam à resolução de problemas e carências com este se depara, após o que respondeu a pedidos de esclarecimentos do Sr. Deputado José António Silva (PSD).
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 84.º do Regimento, a Sr.ª Ministra da Ciência e do Ensino Superior (Maria da Graça Carvalho) deu conta da entrega na Assembleia de uma proposta de lei que aprova o novo regime de mecenato científico. Seguiu-se um debate, no qual intervieram, a diverso título, além da Sr.ª Ministra, os Srs. Deputados Massano Cardoso (PSD), Luísa Mesquita (PCP), Francisco Louçã (BE), Isabel Castro (Os Verdes), Augusto Santos Silva (PS) e João Pinho de Almeida (CDS-PP).
Ordem do dia. - Foi apreciada, na generalidade, a proposta de lei n.º 109/IX - Regulamenta a Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho, tendo-se pronunciado, a diverso título, além do Sr. Ministro da Segurança Social e do Trabalho (Bagão Félix), os Srs. Deputados Pedro Roque (PSD), Jerónimo de Sousa (PCP), Luísa Portugal (PS), Diogo Feio (CDS-PP), Luís Fazenda (BE), Francisco José Martins (PSD), Rui Cunha (PS), Ana Manso (PSD), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Jerónimo de Sousa (PCP), Luís Carito (PS) e Isabel Castro (Os Verdes).
Entretanto, a Câmara aprovou três pareceres da Comissão de Ética autorizando um Deputado do PSD e dois do PS a deporem, como testemunha, em tribunal, após o que o Sr. Presidente da AR prestou um esclarecimento à Câmara sobre a sua decisão, tomada
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na sessão plenária anterior, relativamente à votação nominal, requerida para a votação dos diplomas em debate na mesma.
Por último, foi debatida, na generalidade, a proposta de lei n.º 111/IX - Transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva 98/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Maio de 1998, relativa às acções inibitórias em matéria de protecção dos interesses dos consumidores. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro (José Luís Arnaut), os Srs. Deputados Gonçalo Capitão (PSD), Pedro Silva Pereira (PS), Bruno Dias (PCP) e Miguel Paiva (CDS-PP).
A Sr.ª Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 15 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Alberto Pedro Caetano
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Carlos de Sousa Pinto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eduardo Artur Neves Moreira
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Jorge Pinto Lopes
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel de Matos Correia
José Manuel dos Santos Alves
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José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Miguel Gonçalves Miranda
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Soromenho Gomes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscata Lourenço de Oliveira Pegado
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Paula Barral Carloto de Castro
Maria Teresa da Silva Morais
Mário Patinha Antão
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Alberto de Sousa Martins
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
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Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Cabodeira
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Guilherme Valdemar Pereira D'Oliveira Martins
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Cardona Gomes Cravinho
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Santos de Magalhães
José Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
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Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo
Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
António Herculano Gonçalves
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Henrique Jorge Campos Cunha
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró
Paulo Daniel Fugas Veiga
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Botelho Correia Sousa
Francisco Anacleto Louçã
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, a proposta de lei n.º 116/IX - Aprova o regime jurídico aplicável à realização de ensaios clínicos com medicamentos de uso humano, que baixou às 1.ª e 8.ª Comissões, e o projecto de lei n.º 416/IX - Terceira alteração à Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto (Lei de Enquadramento Orçamental) (PS), que baixou às 5.ª e 6.ª Comissões.
Deu também entrada na Mesa o voto n.º 136/IX - De protesto pelos acontecimentos ocorridos durante um jogo de futebol, em Marco de Canavezes.
Deram ainda entrada na Mesa os requerimentos que passo a enunciar.
Nas reuniões plenárias de 18 e 20 e no dia 19 de Fevereiro - aos Ministérios da Economia, da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, da
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Cultura, da Segurança Social e do Trabalho, da Saúde e à Câmara Municipal de Alcobaça, formulados pelos Srs. Deputados José Apolinário, Odete Santos, Luís Fazenda, Alda Sousa, Custódia Fernandes, Fausto Correia, Gonçalo Breda Marques e Francisco Louçã; ao Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro e ao Ministro da Presidência, formulado pelo Sr. Deputado Bruno Dias; aos Ministérios da Educação, da Ciência e do Ensino Superior, da Economia e da Segurança Social e do Trabalho, formulados pelo Sr. Deputado Honório Novo; ao Ministério da Administração Interna, formulado pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita; à Ministra de Estado e das Finanças, formulado pela Sr.ª Deputada Isménia Franco; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Luís; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Herculano Gonçalves.
Nas reuniões plenárias de 25 e 26 de Fevereiro - aos Ministérios da Segurança Social e do Trabalho e dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Eduardo Moreira; à Ministra de Estado e das Finanças e aos Ministérios da Saúde, da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, da Economia, das Obras Públicas, Transportes e Habitação e à Secretaria de Estado do Ambiente, formulados pelos Srs. Deputados Ana Manso, Luísa Portugal, Miguel Paiva, Manuel Cambra, Bernardino Soares, Alda Sousa e Artur Penedos; aos Ministérios das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, da Saúde e à Concessionária Auto-Estradas do Atlântico, formulados pelos Srs. Deputados António Galamba e Lino de Carvalho; ao Ministro da Presidência e aos Ministérios das Obras Públicas, Transportes e Habitação, da Segurança Social e do Trabalho, da Economia e da Cultura, formulados pelos Srs. Deputados Marques Júnior, Diogo Feio, Honório Novo e Miranda Calha; aos Ministérios da Administração Interna, das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, das Obras Públicas, Transportes e Habitação, da Justiça, da Economia, dos Negócios Estrangeiros, da Educação e da Defesa Nacional, formulados pelos Srs. Deputados Miguel Coelho, António Filipe, Rodeia Machado e Isabel Castro.
Na reunião plenária de 27 de Fevereiro - ao Ministério da Cultura, formulado pela Sr.ª Deputada Manuela Melo; ao Ministério da Segurança Social e do Trabalho, formulados pelos Srs. Deputados Jamila Madeira e Lino de Carvalho; ao Sr. Primeiro-Ministro e a diversos Ministérios, formulados pelos Srs. Deputados José Apolinário, Miranda Calha e Paula Duarte; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Luís Carito; ao Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro, formulado pelo Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo; ao Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente (Instituto Nacional da Água), à Secretaria de Estado do Ambiente, à Câmara Municipal, Assembleia Municipal, Junta de Freguesia e Assembleia de Freguesia de Vila Franca de Xira, formulados pelo Sr. Deputado Paulo Veiga; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Habitação, à Secretaria de Estado do Ambiente, à Câmara Municipal e Assembleia Municipal de Lisboa, formulados pelo Sr. Deputado João Rebelo.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.
O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Realizou-se recentemente, em Montemor-o-Novo, mais um Congresso do Alentejo, onde se debateram mais uma vez as potencialidades de uma importante zona do País, a região do Alentejo, que, como é sabido, ocupa um terço do território nacional.
Ao longo de dois dias de debate analisaram-se os velhos e novos problemas, as dificuldades e as potencialidades, e apontaram-se as saídas que são necessárias ao nível do investimento público para que a região possa ser factor de atracção também do investimento privado, com a consequente dinamização e criação de emprego, com a revitalização do tecido económico, que pode inverter o envelhecimento da população.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Uma questão decisiva para o desenvolvimento do Alentejo é a sua unidade geográfica, que pode e deve potenciar uma maior harmonia para o desenvolvimento, sendo que essa manutenção da unidade do Alentejo deve ser garantida.
O Alentejo tem potencialidades que podem e devem ser aproveitadas.
Com efeito, são conhecidas as dificuldades do Alentejo, com uma densidade populacional bastante baixa e uma população envelhecida. Mas não é menos verdade que as suas potencialidades são enormes, quer a nível dos três grandes projectos mais conhecidos - Alqueva, Base Aérea de Beja e Porto de Sines - e também de outros que igualmente podem contribuir para o desenvolvimento regional e nacional, como são os casos da exploração de mármores e da faixa piritosa do Alentejo, mais conhecida pelos jazigos de Neves Corvo e Aljustrel, e ainda a vertente turística, que pode e deve ser também um factor de desenvolvimento sustentável deste território.
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Igualmente importantes são a agro-pecuária, a vitivinicultura e o azeite, a par dos produtos regionais de qualidade, como é o caso do queijo e dos enchidos e de novas produções que estão a surgir no litoral Alentejano, como a horticultura, a fruticultura e a floricultura, que, como produtos de qualidade, têm um nicho de mercado emergente ao nível da Europa.
É igualmente verdade que existe uma população jovem e qualificada que está a sair das escolas superiores existentes no Alentejo, quer dos institutos politécnicos, quer da Universidade de Évora, jovens que anseiam ficar na região e não ter que partir para o litoral, para as zonas industriais de Portugal ou para o estrangeiro, isto é, imigrar ou emigrar à procura do trabalho que na sua terra não encontram.
É urgente inverter esta tendência. É urgente pôr cobro a esta situação. Mas isto só se consegue se o investimento público, que há muito é reclamado e igualmente prometido por sucessivos governos, tiver uma aplicação prática, passando da palavra aos actos. Dito de outra forma, é preciso existir vontade política do poder central para que o desenvolvimento do Alentejo seja uma realidade.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Mas vamos aos factos. É certo que a barragem de Alqueva avançou, e o Partido Comunista Português, que foi durante muito tempo o único partido a defender a sua construção, congratulou-se em devido tempo por tal facto e pelo fecho das suas comportas.
Mas Alqueva não é, nem pode ser, só a barragem. Alqueva é um projecto global, um empreendimento de fins múltiplos, com as suas valias de grande reserva de água para abastecimento das populações e para regadio agrícola de cerca de 110 000 ha, para a produção de energia eléctrica e potenciadora de turismo e, como tal, deve ser mantido. Para que isto aconteça, é necessário garantir a sua sustentabilidade.
O PCP, ciente dessa necessidade, há mais de um ano que requereu a vinda dos Srs. Ministros do Ambiente e da Agricultura à Comissão do Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente e reiterou o pedido para a Comissão de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, sem que numa ou noutra Comissão essa solicitação tenha sido concretizada até hoje, pese embora o compromisso assumido pelo Sr. Ministro Marques Mendes aqui no Plenário.
Nestas condições, a questão que queríamos e queremos debater, que se mantém actual, é a garantia do Governo quanto à sustentabilidade do projecto, porque sabemos que existem dificuldades que não foram ainda superadas - nomeadamente na rede de rega primária e secundária -, e prazos de execução, mas também quanto à produção de energia e ainda a entidade que a vai explorar.
Quanto à Base Aérea de Beja e à sua abertura para fins civis, conhecemos a validade do projecto e não aceitamos que o mesmo venha a ter mais contratempos do que os até agora tem tido.
O outro grande projecto é o do Porto de Sines, que, sabe-se, tem também sofrido vários entraves. O Terminal XXI, entregue para exploração ao operador de Singapura (PSA), tem visto adiada a sua entrada em funcionamento, sendo público que foi equacionada a venda da posição desta entidade. Afinal, quais são os condicionalismos? O que está a entravar o processo?
Quando a Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações se deslocou a estes empreendimentos, questionámos os responsáveis por estas matérias. As respostas foram evasivas e tudo parece caminhar, mas a realidade é outra: a realidade é que estão atrasados e não existem garantias quanto ao futuro.
Por isso, queremos que o Governo nos dê respostas, e para isso apresentámos requerimentos.
A importância destes projectos para o Alentejo e para o País não pode ser contestada. Mas eles por si só não desenvolvem a região. Por isso, são necessárias as acessibilidades rodoviárias e ferroviárias e nessa matéria mais uma vez se verifica que existem atrasos enormes na sua execução.
Por exemplo, o projecto do IP8, que liga Sines a Beja e Beja a Vila Verde de Ficalho, só agora está na fase de estudo de impacte ambiental, o que significa dizer que só dentro de alguns anos o projecto será realidade, quando deveria sê-lo já hoje. Mas o mesmo se passa com o IC33 ou com o IC27, que deriva para o Algarve a partir do IP2, que não passam de realidades virtuais.
No que toca à ferrovia, essa nem projecto tem, no que à ligação a Beja diz respeito, e está manifestamente atrasada a sua ligação a Espanha, pois só agora o projecto de modernização da ferrovia está a ser desenvolvido.
De uma coisa temos a certeza: a não execução destas obras rodoviárias e ferroviárias tem condicionado fortemente o aproveitamento de potencialidades que os projectos do Porto de Sines, Alqueva e Base Aérea 11 potenciam, nomeadamente no trânsito de mercadorias e no que ao turismo directamente reporta.
Vozes do PCP: - Muito bem!
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O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Outra das empresas que é referência no Alentejo é a SOMINCOR - empresa que explora o importante filão de minério de Neves Corvo.
Quanto a esta empresa, que até agora era detida pelo Estado português, através da Empresa de Desenvolvimento Mineiro, SA, com a maioria do capital de 51%, enquanto a Rio Tinto tinha 49%, o Governo decidiu a sua privatização total. É um bem precioso que o País perde, pela decisão política de um Governo que não olha a meios para conseguir os seus fins, ou seja, a baixa do défice.
A SOMINCOR, que é uma empresa bastante equilibrada e que tem presentemente 750 trabalhadores ao seu serviço directo e mais cerca de 300 de empresas contratadas, teve durante o ano de 2003 um lucro líquido de 7 milhões de euros, o que a configura como uma empresa apetecível à privatização.
Em vez disso, apenas uma empresa concorreu, a Eurozinc, que é já proprietária das Minas de Aljustrel e que até hoje não as colocou a produzir, conforme se comprometeu. A referida empresa Eurozinc não tem referências no mercado, apenas lhe é conhecida uma mina no Utah, nos EUA, mas mesmo essa sem estar em funcionamento.
Outras empresas de referência nesta área chegaram a levantar o caderno de encargos mas desistiram do concurso, não se percebendo o porquê destas desistências.
Os trabalhadores estão preocupados com esta situação, porque como experiência conhecem-se os compromissos nas Minas de Aljustrel, que não estão a ser cumpridos.
Além disso, acresce que o Estado, através do caderno de encargos, permite que possam ser despedidos anualmente até 10% dos trabalhadores, sem que para tal seja necessária autorização do Governo. É uma vergonha! Agora que a mina de Neves Corvo se preparava para a exploração do zinco, para naturalmente rentabilizar mais os seus investimentos e dar mais lucros, é que o Governo se lembra de a privatizar!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - A uma situação estável e equilibrada, como é a da SOMINCOR, este Governo contrapõe com uma privatização total, a uma empresa desconhecida e sem garantias, que vai criar instabilidade para os trabalhadores e incertezas quanto ao futuro.
Não é desta política que o Alentejo precisa. O que o Alentejo precisa é de investimento público que contribua para o seu desenvolvimento e que consequentemente sustenha a desertificação.
Com as políticas deste Governo, dificilmente o Alentejo e os Alentejanos terão o desenvolvimento que tão justamente anseiam.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, dispondo de 3 minutos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Cunha.
O Sr. Rui Cunha (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rodeia Machado, ouvi com a maior atenção e interesse a intervenção que acaba de produzir em relação à região do Alentejo e, designadamente, ao Baixo Alentejo.
Entendo que esta região tem condições para ser uma das regiões mais aprazíveis da Europa. Trata-se de uma das regiões onde a qualidade de vida poderá ser uma realidade e onde poderá dar gosto viver, em contrapartida com a desertificação que ao longo dos anos se verificou e em contrapartida com o abandono a que este Governo vota o Alentejo, designadamente o Baixo Alentejo.
É incompreensível que o chamado triângulo de desenvolvimento, constituído por Sines, Alqueva e o aeroporto de Beja - triângulo cuja bissectriz deverá ser a IP8, via rodoviária fundamental que liga Sines à fronteira, a Vila Verde de Ficalho -, continue a sofrer atrasos, e que não se vejam os processos avançar.
Em relação ao aeroporto de Beja, por exemplo, estava tudo preparado para, em meados do ano passado, poder começar a operar, acolhendo a maior parte dos voos da Gimnestrada, mas isso não aconteceu. O Sr. Primeiro-Ministro comprometeu-se, em várias deslocações que fez a Beja, no sentido de que o aeroporto iniciaria as operações até ao fim de 2003, mas estamos em Março de 2004 e continuamos a ver azinheiras no sítio onde deveríamos estar a ver as infra-estruturas aeroportuárias.
Em relação a Sines, Sr. Deputado, terminadas as obras, e quando se esperava que se procedesse à admissão de pessoal para pôr a infra-estrutura a funcionar, surpreendentemente, verifica-se que se procedeu ao despedimento de pessoal.
Quanto ao Alqueva, é preciso que nos entendamos rapidamente, pois tem de ser um investimento com aproveitamentos múltiplos e não podemos ficar em posições retrógradas ou conservadoras.
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Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A componente ambiental é fundamental para o futuro deste país, bem como a reserva de água, pois a água é o bem mais precioso com cuja falta a humanidade se vai debater nos próximos anos. Mas é também a componente turística e outras componentes correlativas que é preciso desenvolver.
Em torno do aeroporto, o road show efectuado veio dizer-nos que a componente manutenção poderá criar 4000 postos de trabalho, o que promoverá todo o desenvolvimento da zona envolvente.
O Sr. Presidente: - O tempo de que dispunha terminou, Sr. Deputado. Agradeço que conclua.
O Orador: - Termino, Sr. Presidente, perguntando o seguinte: como é que se pode compreender que tudo isto continue estagnado, Sr. Deputado?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Raimundo.
O Sr. Miguel Raimundo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rodeia Machado, o Congresso do Alentejo XXI, realizado no fim-de-semana de 14 e 15 do mês passado em Montemor-o-Novo, permitiu efectivamente que as diversas forças políticas com representatividade na região consensualizassem quanto às grandes questões que afectam este terço do território, o que me apraz registar.
Foi possível diagnosticar de forma comum os graves problemas que afectam o Alentejo: a escassez da população, o envelhecimento da mesma, a falta de água, a falta de investimento, a quebra da agricultura, a ausência de indústria ou a inactividade socioprofissional da população, em que uma grande parte vive de pensões de reforma ou de subsídios de desemprego.
Por outro lado, também foi possível detectar factores positivos no Alentejo: a qualidade e a cultura das suas gentes, o facto de se tratar de um território vasto com muitas potencialidades de desenvolvimento industrial, comercial, agro-pecuário, no sector do turismo ou da vertente cultural, o seu património rico e preservado e o sector do conhecimento onde pontificam a Universidade de Évora e os Institutos Politécnicos de Beja e Portalegre.
Também é verdade que foi comum ouvirmos dizer que falta uma estratégia global para o Alentejo, que é preciso captar investimento, fomentar o espírito empreendedor e promover a competitividade. Tudo isto é verdade!
É minha convicção que os responsáveis máximos deste país têm conhecimento bastante das nossas insuficiências. E a nós, alentejanos, que aí vivemos, não nos incumbe, de alguma forma, procurar melhores soluções?
Vozes do PSD: - Exactamente!
O Orador: - E, meus senhores, o poder local? As câmaras municipais alentejanas, de esmagadora maioria comunista ou socialista, não têm grandes e graves responsabilidades em toda esta problemática?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em vez de continuarem a ser os maiores empregadores dos respectivos concelhos, não seria mais vantajoso dedicarem-se a adoptar medidas que pudessem vir a fixar as suas populações, designadamente os mais jovens?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Parece-me que a esta questão terá de ser respondido forçosamente que sim. É que toda esta situação não se resolve, como fizeram alguns que foram a esse Congresso, esporadicamente, exigindo que a administração central olhe para o Alentejo.
Pergunto, Sr. Presidente e Srs. Deputados: não é olhar para o Alentejo por parte do actual Governo a continuação, a excelente ritmo, de todas as vertentes do projecto do Alqueva? Tivemos oportunidade de constatar isto numa visita há pouco tempo realizada a esse empreendimento. O Alqueva vai finalmente regar, só a partir deste mês de Março, através da famosa Infra-estrutura 12, devido a erros estruturais que tiveram agora de ser reparados e de que é responsável o anterior governo socialista devido a inaugurações
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precipitadas dessa infra-estrutura.
Não é olhar para o Alentejo por parte deste Governo a central hidroeléctrica do Alqueva já a produzir para a Rede Eléctrica Nacional em fase experimental?
O Sr. Presidente: - O tempo de que dispunha terminou, Sr. Deputado. Agradeço que conclua.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Não é também olhar para o Alentejo a construção da rede ferroviária de alta velocidade, o conhecido TGV? E a rede de mercadorias? E a construção do novo hospital central em Évora? E os cinco novos centros de saúde do distrito de Évora?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado. Dispõe, para o efeito, de 5 minutos.
O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, quero começar por agradecer os pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Rui Cunha e Miguel Raimundo, porque me permitem, naturalmente, dar uma resposta cabal - penso eu - em relação àquilo que pensamos sobre a situação e àquilo que é a realidade prática no terreno.
É evidente que a desertificação do Alentejo não começou hoje, começou no governo de Cavaco Silva, e até um pouco antes, continuou com o governo do Partido Socialista e está agora também bem patente e numa fase crucial com este Governo.
Mas é preciso inverter esta tendência e é preciso, naturalmente - e com isto respondo ao Sr. Deputado Rui Cunha -, que o celebérrimo triângulo do desenvolvimento do Alentejo (Alqueva, Base Aérea n.º 11 e Sines) tenha, efectivamente, uma progressão, não sofra atrasos sistemáticos e não tenha apenas palavras bonitas, ditas por este ou por outros governos, que, na prática, não passam disso mesmo, não havendo, portanto, execução e vontade política para o seu desenvolvimento.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Senão, vejamos o que é que tem acontecido: o Terminal XXI, que foi apresentado como uma solução e a sua concessão entregue à PSA, para avançar o mais rapidamente possível, tem sofrido enormes entraves. E não se compreende porquê, porque, quando se fala com os responsáveis, como eu dizia há pouco, eles são evasivos sobre esta matéria e não chegam a dizer o que é que está no cerne da questão, qual é o problema, o que é que é necessário fazer e que problemas é que existem para que, efectivamente, o Terminal XXI seja uma realidade. E os anúncios públicos sobre esta matéria são um exemplo gritante disso mesmo, pois a PSA, neste momento, já diz que quer vender a sua posição no Terminal XXI, em Sines.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Se falarmos na Base Aérea n.º 11, também ela tem problemas acrescidos e atrasos sistemáticos. O Sr. Presidente da República já foi por duas vezes a Beja e, naturalmente, fez um levantamento da situação. As empresas e os responsáveis estiveram lá e nós, Deputados, também lá estivemos e ouvimos as comunicações sobre a matéria, mas, passados dois anos sobre isto… O Sr. Primeiro-Ministro, Durão Barroso, a seguir, também foi a Beja dizer que rapidamente se avançaria: primeiro, era no 2.º semestre de 2003, depois, era no 1.º semestre de 2004, mas, afinal, não foi numa data nem noutra e os entraves são sucessivos.
Ora, naturalmente, isto condiciona o investimento e condiciona uma coisa que é muito importante: os próprios potenciais investidores que estão interessados na Base Aérea n.º 11 para fins civis, que, naturalmente, têm tido problemas acrescidos, poderão desaparecer se a situação não for debelada o mais rapidamente possível.
Mas falemos também do projecto do Alqueva e do problema que ele representa. O Sr. Deputado dizia, há pouco, que estão em franco progresso todas as vertentes do Alqueva, mas nós, sobre esta matéria, dizemos que há um problema acrescido, que é a sustentabilidade do empreendimento de fins múltiplos do Alqueva. Ele não pode ser entendido só como barragem, tem de ser entendido com todas as suas componentes, com todas as suas valias, mas há problemas acrescidos sobre esta matéria, Sr. Deputado Miguel Raimundo, que são estes: a EDIA não sabe, neste momento, qual é a garantia para o futuro da
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sustentabilidade do projecto. A quem é que vai pertencer a mais-valia da produção da central hidroeléctrica? É à EDIA? É à EDP? É à REN? A quem é? Neste momento não se sabe! Não há uma definição concreta sobre esta matéria.
Portanto, Sr. Deputado, não venha colocar a situação como se isto fosse um "mar de rosas" ou um "mar de laranjas", que não o é. É, de facto, uma situação preocupante e a responsabilidade é deste Governo, em particular dos Ministros da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas e das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, cuja presença quer na Comissão do Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente, quer na Comissão de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas há muito reclamamos, para responderem sobre estas matérias, pois têm fugido ao debate. Não têm vindo aqui porque, de facto, se passa alguma coisa de preocupante sobre esta matéria.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Caso contrário, já teriam cá vindo, já teriam dado as respostas concretas sobre isto, porque, naturalmente, é numa situação clara que se quer que as situações evoluam.
Mas falemos também das acessibilidades no Alentejo. Os projectos não estão atrasados, Sr. Deputado? Estão imensamente atrasados e não se atrasaram só no tempo deste Governo, também se atrasaram no tempo do governo do Partido Socialista. No entanto, é este Governo que governa e a responsabilidade directa tem de lhe ser assacada neste momento.
Concretamente, a situação que temos é que o IP8 ainda está em fase de estudo de impacte ambiental, quando já devia estar no terreno, quando as obras já deviam estar feitas, e isso condiciona, naturalmente, o desenvolvimento da região.
Esta é uma situação calamitosa, como é a da ferrovia, e, em relação a isto, basta ver aquilo que é colocado no PIDDAC e o que é aplicado em cada ano. Este ano não ultrapassámos os 35 a 40% do que estava previsto para a área do Alentejo, embora estivesse lá dinheiro para se fazerem, algumas obras, nomeadamente no que diz respeito à ferrovia, que apareceu no distrito de Beja quando pertencia ao distrito de Évora. Portanto, veja lá a preocupação que o seu Governo tem sobre esta matéria! É aplicar numa zona quando ela, na prática, está consignada noutra.
Portanto, Sr. Deputado, a preocupação tem de ser comum, tem de ser no sentido de nós, que representamos os alentejanos, nos entendermos, para que, efectivamente, falemos a uma só voz,…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se.
O Orador: - … a fim de que o Governo rapidamente coloque em funcionamento os projectos que são fundamentais para o desenvolvimento do Alentejo.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Sousa.
A Sr.ª Alda Sousa (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, quero falar aqui do Portugal profundo, esse que é dirigido pela confusão absoluta entre a construção civil, o futebol e os autarcas. E é esse Portugal que exige uma política de modernização democrática, tolerante, responsável. É esta grande questão de Estado que importa discutir.
O País tem acompanhado a "telenovela" de um homem, ele mesmo construtor civil, dirigente desportivo e autarca, de um dirigente nacional do CDS-PP, de um representante da direita profunda. Tem-se falado dele por ter pontapeado uma cadeira e equipamentos dos árbitros num estádio que tem o seu nome. O estádio tem o seu nome, a avenida tem o seu nome e há bustos seus espalhados por um concelho que trata como se fosse a sua república.
Mas o pontapé é talvez somente a parte anedótica. Claro que não deixa de ser irónico o comportamento, uma semana depois do Ministro José Luís Arnaut ter prometido mão pesada para a violência no desporto.
O que importa, hoje, neste debate nesta Assembleia, e é o único motivo que determina a intervenção do Bloco de Esquerda, é apreciar a seriedade que deve ser imposta como padrão da vida política e da actividade social de dirigentes desportivos, autarcas, Deputados e titulares de responsabilidades, de todos e sem exclusões.
Vozes do BE: - Muito bem!
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A Oradora: - O desporto deve ter a sua organização autónoma, não se deve misturar com política e as autarquias devem ter a credibilidade da preocupação com o bem-estar das populações, não contribuindo para guerras de interesses.
Por isso mesmo, chocam as reacções desculpabilizantes, irresponsáveis e ligeiras que se seguiram a estes episódios, como ver o Ministro da Administração Interna dizer que a GNR se portou adequadamente, ouvir o Primeiro-Ministro dizer que não viu nada e que não sabe nada, nem quer saber, e observar o Deputado Telmo Correia a dizer que não comenta excessos de agentes desportivos.
Ferreira Torres é autarca e dirigente partidário, mas uma benevolência colectiva parece ter tomado conta dos responsáveis políticos da direita portuguesa.
Mas o que é mais grave não é nada disto. O mais grave é a longa história política de Avelino Ferreira Torres, um dirigente político que tem insultado opositores e jornalistas; que é acusado de usar a ameaça e a agressão física contra pessoas dentro das instalações da Câmara Municipal;…
O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Muito bem!
A Oradora: - … e que se gaba de não respeitar nada nem ninguém; que faz dos seus caprichos portarias camarárias, tão extraordinárias como as que proíbem a venda de flores no mercado ou que as pessoas cantem na via pública. Este é um comportamento de quem não aprendeu as regras democráticas, as regras de civilidade e as regras de convivência e que faz de tudo isso o seu programa político.
Marco de Canavezes vive em estado de sítio desde há muitos anos. O silêncio e a cumplicidade do silêncio garantem que tudo pode continuar na mesma, e trata-se de alguém com responsabilidades políticas. Ferreira Torres é membro do Senado do CDS-PP, apoiado em todas as eleições à presidência da Câmara de Marco de Canavezes pelo CDS-PP e candidato, agora que a autarquia de Marco de Canavezes está falida, a outra câmara municipal, a de Amarante, também pelo CDS-PP. É um homem de quem a direita se pode envergonhar mas que não dispensa para vitórias eleitorais. Este comportamento é o símbolo da direita profunda, a caricatura de uma cultura política de impunidade e de abuso de poder. E isto, sim, é intoleráve1.
Quinta da Segoiva de Baixo, Campo e Lameiro de Segoiva, Campo da Portela, Quintas de Vilar e Campo, Quinta da Várzea, um prédio urbano no lugar de Maria do Gil, Quinta da Mata das Salgueirinhas, Leiras do Monte de Vale Cidreiros, um prédio urbano no lugar de Segoiva, Mata da Quinta, Campo de Sorte da Vinhola, Monte Alto dos Reis, Mata da Fonte do Marão, Leira e Mata de Nespreta, Tapada do Chelo e um prédio rústico no lugar das Fontainhas é o património de Avelino Ferreira Torres, a dar como certo o que diz a imprensa de referência. Tudo isto na posse de um homem que refere na sua declaração de rendimentos nem mais um tostão do que o seu salário de autarca.
A câmara municipal que dirige há 20 anos encontra-se em situação de pré-falência.
Os seus terrenos, a sua propriedade privada, foram avaliados pelas Finanças do Marco pouco tempo antes de o responsável dessas mesmas Finanças se transformar em assessor de Avelino Ferreira Torres. São, entretanto, noticiadas vendas de propriedades ao presidente da câmara por preços surpreendentes, como a Quinta de Vilar e Campo, que foi vendida por 200 euros. Entretanto, a Câmara compra terrenos a preços exorbitantes, sem que alguém se dê ao trabalho de explicar o valor das aquisições. O IGAT, considerando tudo isto, pediu a perda de mandato do autarca. Tudo ficou na mesma, até ao pontapé no estádio e até ao início do julgamento, tudo em simultâneo.
Para quem julgue que o CDS-PP pretende deixar cair o homem, aí esteve o Dr. Álvaro Castello-Branco, coordenador autárquico nacional do CDS-PP e presidente da distrital do Porto daquele partido, a garantir que manteria todo o seu apoio a Ferreira Torres na sua candidatura a Amarante, independentemente da conclusão do julgamento que está agora a decorrer.
Sobre o processo em tribunal nada direi, porque não se trata da competência do Parlamento, competindo exclusivamente ao tribunal julgar, mas sublinharei que quem pediu o afastamento de Fátima Felgueiras e eleições antecipadas em Felgueiras, como aconteceu, entre outros, com o PSD e o CDS-PP, está a viver a incoerência absoluta e vergonhosa se aceitar que possa estar no exercício de funções quem, com o seu cargo, determine ou influencie o decurso da justiça.
O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!
A Oradora: - O PSD e o CDS-PP, em nome da seriedade, deviam aconselhar Ferreira Torres a suspender ou a abandonar o cargo até à conclusão do processo em que responde por peculato e abuso de poder.
Em qualquer país civilizado, esta situação exigiria respeito pela lei e pela justiça; em qualquer partido civilizado, esta situação exigiria prudência e atenção, mas em Portugal e no CDS-PP Avelino Ferreira
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Torres é entronizado no mais alto órgão político - no Senado -, ao lado do Ministro Bagão Félix e de outros altos representantes da direita, onde a elite se junta para aconselhar e escolher.
Avelino Ferreira Torres é a política profunda deste país, em que a tradição do caciquismo, dos negócios e dos seus clubes locais sequestram a nossa democracia. E quem os apoia não tem autoridade moral para falar em responsabilidade política, porque em política todas as acções têm de ter consequências.
Por isso, quem gosta da companhia de Avelino Ferreira Torres para ganhar câmaras municipais tem de responder politicamente por Avelino Ferreira Torres. Isto, mais do que um pontapé dentro de um campo de futebol, é que tem de ser debatido. Portanto, ou o CDS-PP diz aqui claramente que este homem perdeu a sua confiança ou responde politicamente por cada um dos seus actos. Porque todas as evasivas têm limites, têm o limite da democracia.
E porque somos democratas e porque respeitamos profundamente o pluralismo político, a diversidade de opiniões e, em particular, os nossos adversários, aqui estamos a apelar à responsabilidade e à seriedade, que tem faltado em Marco de Canavezes.
Aplausos do BE, do PS e do PCP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O CDS-PP não pede?! O CDS-PP não diz nada?!
O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Alda Sousa, quero cumprimentá-la pela sua intervenção e dizer-lhe que subscrevo aquilo que disse. Eu próprio fiz um requerimento sobre os acontecimentos que todos nós pudemos ver e o Partido Socialista vai apresentar hoje um voto sobre esta matéria.
No requerimento que fiz, coloquei algumas questões sobre as quais era importante podermos reflectir e sobre as quais gostava também de ouvir a sua opinião.
De facto, aquilo que pudemos ver pela televisão foi típico, foi digno de uma autêntica "república das bananas": um presidente de câmara, que, como disse, estava no seu camarote VIP - não era dirigente -, resolveu descer ao relvado e manifestar a sua revolta contra aquilo que ele acha que se passa na arbitragem, porque não terá sido marcada uma falta qualquer. Aquilo que vimos foi um "belo exemplo" para as crianças, e, por acaso, eu estava a ver televisão e tinha o meu filho de oito anos ao lado, que estava de boca aberta e fartou-se de me fazer perguntas sobre o que estava a acontecer e se aquilo podia acontecer.
O Sr. António Costa (PS): - É o modelo CDS-PP!
O Orador: - Foi, na realidade, um "belo exemplo". E, como sucedeu no ano em que há em Portugal o EURO 2004, também foi uma bela propaganda da imagem desportiva e até cívica do nosso País.
Depois, também vimos como reagiram as forças da ordem. Até percebo a reacção dos agentes locais da força da ordem, porque trata-se do presidente da câmara da terra, que agride a oposição e que segue o lema "quero, posso e mando", o que não percebo é o facto de o Sr. Ministro da Administração Interna ter dito que elas agiram correctamente.
O Sr. António Costa (PS): - É o modelo CDS-PP!
O Orador: - Isso é que eu não percebo e até tinha quase vontade de perguntar ao Sr. Primeiro-Ministro se não tenciona demitir o Ministro da Administração Interna.
O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Mas, Sr.ª Deputada, esta questão coloca uma outra, sobre a qual gostava de ouvir a sua opinião. O Governo anunciou pomposamente, talvez até de uma forma discutível, embora eu, tendencialmente, até possa concordar, que iria brevemente propor uma lista de cidadãos que não podem assistir aos jogos de futebol, a tal lista dos adeptos indesejáveis. Não concorda que está aqui uma bela oportunidade, se o Governo é sincero, para dar o exemplo…
Risos do PS e do PCP.
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… e colocar o cidadão Avelino Ferreira Torres na lista dos adeptos indesejáveis, para que não possa mais assistir aos jogos de futebol?
Aplausos do PS.
Gostava de ouvir a sua opinião sobre esta matéria.
Uma outra pergunta que também lhe quero colocar tem a ver com o facto de ter ouvido, com espanto, a reacção do líder da bancada do CDS-PP dizendo que não comentava atitudes de adeptos e que, portanto, o cidadão agiu enquanto cidadão e não enquanto político.
O Sr. António Costa (PS): - Ora bem!
O Orador: - Será que a Sr.ª Deputada ou eu, irritados com o atraso do autocarro ou com uma qualquer contravenção de rua, podemos também desatar aos pontapés ou aos insultos a um qualquer cidadão e isso será desculpável porque estamos a agir não enquanto Deputados mas, sim, enquanto meros cidadãos? Será que isto é lícito? Diga-me o que pensa sobre esta matéria, Sr.ª Deputada, porque acho que isso é importante para o debate e para o esclarecimento de tudo aquilo que se passou, que nos envergonha a todos.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Sousa.
A Sr.ª Alda Sousa (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Coelho, de facto, este comportamento de Avelino Ferreira Torres no estádio, como disse na minha intervenção, não é, provavelmente, a única coisa nem sequer a mais grave que ele fez em toda a sua vida. Portanto, o que está em causa é todo o seu comportamento de autarca, que justamente controla ou procura controlar todas as forças da terra, porque se trata de um autarca que entra numa avenida com o seu nome e, a seguir, num estádio também com o seu nome. Penso que isto diz tudo sobre o exercício e abuso do poder de alguém como Avelino Ferreira Torres.
O Sr. António Costa (PS): - É o modelo CDS!
O Sr. José Magalhães (PS): - É o modelo PP!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, creio que para defesa da minha consideração pessoal, uma vez que fui várias vezes citado, primeiro pela Sr.ª Deputada do Bloco de Esquerda e, a seguir, pelo Sr. Deputado Miguel Coelho, e, portanto, gostaria de esclarecer a minha posição sobre esta matéria.
O Sr. Presidente: - Dar-lhe-ei, então, a palavra no momento oportuno, Sr. Deputado. Fica inscrito para usar da palavra no fim do debate.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - No final?
O Sr. Presidente: - É o que está previsto no Regimento.
O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, pareceu-me ouvir o Sr. Deputado Telmo Correia invocar a defesa da honra pessoal e não a da sua bancada. Ora, não me constando, apesar de tudo, que o Sr. Deputado Telmo Correia seja um heterónimo do Sr. Avelino Ferreira Torres, não percebo como é que invoca a sua honra pessoal. Se fosse a honra da bancada, ainda compreendia, agora a sua honra pessoal…
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Fico absolutamente perplexo por o Sr. Deputado Telmo Correia "vestir" a personalidade do Sr. Avelino Ferreira Torres. Isso, então, extravasa e excede tudo aquilo que seria admissível nesta Câmara.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Costa, a sua intervenção não merece qualquer resposta da parte da Mesa, mas obriga a Mesa a dar a palavra ao Sr. Deputado Telmo Correia, que explicará qual é a sua posição sobre essa matéria, e, se for a da defesa da honra, deverá indicar perante quem, para que eu, depois, possa dar a palavra para explicações à pessoa visada.
Tem a palavra, Sr. Deputado, Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, a única coisa que diria neste momento é que mantenho a defesa da honra e da consideração pessoal, que é o que me preocupa e é com isso que tenho de lidar.
E porquê, Sr. Deputado António Costa? Por uma razão muito simples, que é esta: os Srs. Deputados que falaram, designadamente o seu colega de bancada, Dr. Miguel Coelho,…
O Sr. António Costa (PS): - Meu camarada!
O Orador: - … afirmou, daquilo que depreendi das palavras dele, que eu, de alguma forma, tinha fugido a uma questão quando fui interrogado sobre ela, coisa que, de resto, já estava também dita, ou seja, que eu tinha sido demasiado tolerante, que tinha procurado fugir a uma questão.
O Sr. José Lello (PS): - E é verdade!
O Orador: - Mas há uma coisa, Sr. Deputado, que ofende a minha consideração pessoal e o meu percurso político, antes de chegar aqui e aqui, e que é bom que isso fique inequívoco: nunca fugi a questão alguma na minha vida e não é agora que vou fugir,…
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - … por muito delicada e complicada que seja. E é aí que os senhores ofendem a minha consideração.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - É que eu não fujo à questão e quero responder a esta, como a qualquer outra, sem qualquer receio.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho.
O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Presidente, presumo que o Sr. Deputado Telmo Correia acabou por defender a sua honra pessoal neste momento…
Vozes do CDS-PP: - Ainda não!
O Orador: - … e, portanto, pergunto: é, ou não é, a altura de eu lhe responder?
O Sr. Presidente: - Eu interpretei como tal!
Vozes do PCP: - Exactamente!
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Isto é muito complicado!
Protestos do Deputado do CDS-PP Telmo Correia.
O Sr. Presidente: - Afinal, não é altura e portanto, não vale a pena. O Sr. Deputado Telmo Correia falará no final e o Sr. Deputado Miguel Coelho, então, responder-lhe-á.
Vou dar a palavra ao Sr. Deputado José Miguel Medeiros, para proferir uma declaração política.
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O Sr. José Miguel Medeiros (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Dois anos após a entrada em funções deste Governo, o distrito de Leiria apresenta já um capital de queixa que se cifra em mais de quatro dezenas de investimentos públicos totalmente paralisados.
Com excepção daquelas obras e investimentos que haviam sido lançados pelo anterior governo e que este não conseguiu manifestamente parar, nem uma única obra ou investimento público novo ou significativo foram inaugurados ou iniciados na área geográfica do distrito nestes últimos dois anos. Dia após dia, semana após semana, a comunicação social da região e também a nacional fazem eco das queixas dos autarcas, dos responsáveis pelas instituições e dos cidadãos em geral relativamente ao total impasse em que se encontram os investimentos e as obras da responsabilidade do Governo.
O Governo não pode continuar a iludir os cidadãos de Leiria, "fingindo que anda, mas não anda". Decorridos dois anos após a subida ao poder do executivo PSD/PP, o distrito de Leiria vê o progresso e o desenvolvimento passarem-lhe ao lado.
É longa e variada a lista de obras que aguardam uma decisão deste Governo, obras que, por exclusiva culpa do actual Executivo, tardam em recolocar o distrito de Leiria no lugar a que tem direito no contexto nacional.
Como se tudo isto não bastasse, as autarquias locais vêem-se ainda a braços com constrangimentos financeiros e limitações no recurso ao crédito totalmente injustas e que inviabilizam os seus próprios investimentos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em Janeiro deste ano, em Leiria regozijámo-nos com o facto de o Conselho de Ministros se realizar em Óbidos, um município do distrito. E o caso não era para menos, sabendo-se, como se sabe, que estas visitas têm sido frutuosas para os concelhos e regiões que as têm acolhido, no que respeita aos investimentos anunciados.
Esperava-se, assim, que o Dr. Durão Barroso fosse portador de boas novas para um distrito e uma região que se encontram totalmente parados em relação aos investimentos da administração central.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Era, pois, legítimo ter expectativas em relação a decisões concretas por parte do Governo, no que respeita a alguns desses investimentos. Citarei, a título de exemplo, apenas alguns desses casos: a construção do aeroporto da Ota e definição do traçado do TGV em relação a Leiria e à Região Centro; a abertura da loja do cidadão e da delegação do ICEP (Investimento, Comércio e Turismo de Portugal) em Leiria; a construção do centro de formação profissional do Instituto do Emprego e Formação Profissional em Leiria; a reconversão da Linha do Oeste; a situação dos portos de Peniche e Nazaré e da Escola Superior de Tecnologia do Mar; a construção da pousada do Forte de Peniche; a conclusão do IC8 e do IC3; a construção do IC9 e do IC11; as fases finais dos hospitais de Caldas da Rainha, sejam eles o distrital ou o termal; os novos centros e extensões de saúde por todo o distrito; a despoluição da baía de S. Martinho, da lagoa de Óbidos, ou as obras associadas à requalificação da Maceira; a situação dos projectos de urbanismo comercial; os apoios aos concelhos inseridos no PRASD que tão lesto o Governo tem sido em anunciar e que criou para apoiar essas regiões; os dispositivos de prevenção e combate aos incêndios numa região que foi inserida nas zonas de calamidade pública;…
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - … as instalações das forças de segurança, sejam da PSP sejam da GNR, retiradas do PIDDAC; o incumprimento de protocolos com autarquias, numa atitude que não honra o Estado nem a administração central.
Infelizmente, a lista é ainda mais longa. Poderia, mesmo, dar-lhes muitos outros exemplos de obras totalmente paralisadas, indispensáveis ao desenvolvimento da região.
Neste contexto, o Conselho de Ministros em Óbidos teria sido uma excelente oportunidade, decorrida que está metade da Legislatura, para o Governo demonstrar a Leiria que as sucessivas afirmações de apreço que os governantes lhe dirigem não são palavras vãs, de circunstância, ou com objectivos exclusivamente eleitorais.
O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!
O Orador: - No entanto, acerca dos investimentos estruturantes para a região, o Governo nada disse. Nem uma palavra se ouviu a este respeito!
Assim e face a estes resultados, antes e depois do Conselho de Ministros, somos forçados a concluir
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que Leiria e o seu distrito não fazem parte da agenda de prioridades do Governo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Alertei, na ocasião, para a possibilidade de o Conselho de Ministros de Óbidos não vir a passar de uma reunião de amigos e de uma sessão de propaganda político-partidária, sem qualquer proveito para a região. A realidade veio, infelizmente, dar-me razão. Tal como eu temia, em vez de um Conselho de Ministros descentralizado e com respostas para os problemas da região, aquilo que tivemos foi uma "romaria" de Ministros que vieram passar o dia a Óbidos, em passeio turístico organizado e com almoço incluído.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - No final, a sensação com que se fica é a de que tudo não passou de uma extraordinária e mal disfarçada operação mediática, com evidentes objectivos de marketing político-eleitoral por parte do Governo e para afirmação de alguns protagonismos locais.
Em suma, o Dr. Barroso foi a Óbidos e ao distrito de Leiria "com uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma", numa demonstração inequívoca do desinteresse com que o Governo e a maioria vêem o distrito de Leiria,…
Protestos do Deputado do PSD Paulo Batista Santos.
… aliás, numa proporção exactamente inversa ao peso eleitoral que têm nesse mesmo distrito.
Vozes do PS: - Muito bem! Bem lembrado!
O Orador: - Será que no mapa do tão apregoado "Portugal em acção" não estão assinalados o distrito de Leiria e as suas gentes?
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me, por tudo o que aqui vos disse, que duvide das verdadeiras intenções do Governo e da maioria em relação ao distrito de Leiria. Permitam-me também que pergunte onde está a voz dos Deputados e dirigentes regionais da maioria que suporta o Governo, o que dizem a isto e o que fazem.
Ao tempo do anterior governo, era vê-los correr a integrar movimentos antiportagens, a promover cortes de estradas ou a interpelar Ministros e até o Primeiro-Ministro, em atitudes de duvidosa cortesia.
O Sr. Miguel Coelho (PS): - Bem lembrado!
O Orador: - Actualmente e depois de mais esta incrível falta de consideração do Governo relativamente ao distrito, aquilo a que assistimos é a um silêncio ensurdecedor.
O Sr. António Costa (PS): - Bem lembrado!
O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há poucos dias, o Secretário-Geral do PS, Dr. Ferro Rodrigues, em visita ao distrito e às suas instituições, teve a oportunidade de chamar a atenção para a paralisia total dos investimentos públicos na região, em praticamente todos os sectores, e de exigir que o Governo lhe dê respostas concretas.
Pela minha parte e por parte dos Deputados do PS eleitos pelo círculo de Leiria, não vamos baixar os braços, muito menos ceder ao conformismo e continuaremos a interpelar os únicos responsáveis por esta inaceitável situação - o Governo e a maioria que o suporta - de abandono em que se encontra a região.
Temos a convicção de que as respostas hão-de chegar e que o Governo não terá como fugir das promessas que os seus responsáveis fizeram nem das expectativas que criaram aos leirienses na última campanha eleitoral.
É tempo de respostas e de esclarecimentos, mas, sobretudo, de acção. O distrito de Leiria não pode continuar parado.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José António Silva.
O Sr. José António Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Miguel Medeiros, ouvi-o com muita atenção e tenho de lhe agradecer a oportunidade que me dá de poder intervir e esclarecer um pouco as dúvidas que subsistem na sua mente acerca do distrito de Leiria e do trabalho deste Governo.
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O Sr. Paulo Batista Santos (PSD): - Muito bem!
O Sr. José Magalhães (PS): - Não agradeça, que talvez se arrependa!
O Orador: - Efectivamente, Sr. Deputado, acredito que teve e tem alguma dificuldade em proferir a intervenção que fez, por duas ordens de razões. Em primeiro lugar, porque esta é a hora em que devíamos estar, repousadamente e depois de um belo almoço, a "passar pelas brasas", a fazer a pequena sesta que todos merecemos.
Risos do PS e de alguns Deputados do PSD.
Depois, porque V. Ex.ª fez efectivamente uma visita ao distrito de Leiria, na companhia do Secretário-Geral do seu partido que já foi cabeça de lista por Leiria, e, de facto, passados estes anos todos, principalmente depois de 1995, encontraram todas as promessas que fizeram para o distrito de Leiria, porque algumas delas só agora é que foram iniciadas, por este Governo.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
Risos do PS.
O Orador: - Os senhores fizeram uma visita a um distrito e constataram que, relativamente a tudo aquilo que prometeram durante os anos que estiveram no governo, nada foi feito.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado José Miguel Medeiros reconheceu na sua intervenção que, de facto, nestes dois anos não fizemos inaugurações em Leiria. Nisso, foi justo, Sr. Deputado, porque esta é a grande diferença entre os governos do PS e o do PSD: enquanto no governo do PS os senhores, nos dois primeiros anos fizeram muitas inaugurações no distrito de Leiria, nós não fizemos uma sequer. Mas a razão é simples: é que nós deixámos obras para os senhores inaugurarem e os senhores nada nos deixaram para nós podermos inaugurar!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Mas, Sr. Deputado José Miguel Medeiros, o Sr. Presidente da República, que o senhor se esqueceu de mencionar, também visitou o distrito de Leiria, três ou quatro dias depois do Secretário-Geral do seu partido e o senhor o terem visitado.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - É verdade!
O Orador: - E olhe que ele foi diferente, não fez as mesmas críticas que o Secretário-Geral do seu partido…
Vozes do PSD: - É verdade! Bem lembrado!
O Orador: - … e reconheceu, de facto, que Leiria é um pólo em constante desenvolvimento e que este Governo tem apoiado o distrito, apesar das dificuldades económicas em que o País se encontra.
Apesar de o Sr. Deputado, de facto, encontrar uma listagem enorme de promessas feitas pelo Partido Socialista enquanto governo para o distrito de Leiria, a verdade é que nós não podemos fazer tudo, mas estamos a fazer alguma coisa. A prova disto, Sr. Deputado, é que esta semana um membro do nosso Governo se deslocou a dois concelhos do PS, dos poucos que o PS tem no distrito de Leiria, e a um concelho social-democrata para anunciar duas obras que constavam do vosso programa para o distrito de Leiria.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Refiro-me concretamente a Vieira de Leiria, com a construção do quartel para a GNR que os senhores
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prometeram e nós vamos fazer,…
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - … e à Nazaré, com o edifício para a PSP que os senhores prometeram e nós vamos fazer.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Miguel Medeiros.
O Sr. José Miguel Medeiros (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José António Silva, quero naturalmente agradecer-lhe as questões que me colocou e a oportunidade que me dá de lhe resolver o problema do incómodo que sei que sente nestas alturas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O senhor é uma pessoa que se preocupa com os problemas do distrito e que luta pela região, como eu luto também, de facto, está incomodado e quero ajudá-lo a resolver o problema.
Tenho aqui duas listagens comparativas, que terei muito gosto em dar-lhe, com as obras feitas nos seis anos do governo do Partido Socialista e com aquelas que os senhores não fizeram, que pararam, nestes anos todos. Portanto, tenho-as aqui prontinhas e, insisto, no final terei muito gosto em dar-lhas, para o senhor ver efectivamente a diferença.
É que, Sr. Deputado, há aqui uma questão tão simples como esta: os investimentos que os senhores pararam, que retiraram do PIDDAC, que não estão a fazer, que estão a adiar e a atrasar, impede que nos quatro anos seguintes (nos próximos dois anos nem pensar!) dificilmente recuperemos o atraso que os senhores estão a provocar ao distrito de Leiria. Esse é que é o problema!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Paulo Batista Santos (PSD): - E o centro de formalidades?!
O Orador: - Quanto às obras, dou-lhe apenas dois ou três exemplos.
O Sr. Deputado disse que inaugurámos uma ou duas obrazitas enquanto fomos governo, mas lembro-lhe a ligação das auto-estradas a Leiria e a Pombal, que eram um autêntico "metropolitano" que passava no distrito e não tinha ligações às principais cidades, a A8, cinco novos centros de saúde, etc. Podia dar-lhe uma listagem enormíssima de todas as obras que foram feitas, coisa que o Sr. Deputado não pode fazer e, por isso, compreendo o seu problema.
Mas o que é dramático nisto tudo é que a única inauguração que o Sr. Primeiro-Ministro foi fazer ao distrito de Leiria foi a do mercado de Santana, que é uma obra feita, toda ela, com verbas devidamente programadas pelo governo do Partido Socialista,…
Vozes do PS: - Exactamente!
O Orador: - … como foi, aliás, reconhecido pela própria Sr.ª Presidente da Câmara.
Aplausos do PS.
O Sr. Paulo Batista Santos (PSD): - E o centro de formalidades?
O Orador: - Portanto, Sr. Deputado, vai desculpar-me mas os senhores é que estão em dificuldades e, por isso, compreendo o seu problema. E se não fosse um conjunto de iniciativas que ainda estão em marcha e que os senhores, de facto, não conseguiram travar, felizmente para o desenvolvimento da região, como as do Euro 2004 e outras que estão em desenvolvimento, seria pior. Mas deixaram paralisar completamente o IC11, por exemplo, que tinha o concurso pronto, faltando apenas lançar a obra, praticamente, e todo um conjunto de outras obras, apenas com o argumento de um corte "cego" perfeitamente incrível.
E o mesmo se diga do atraso do IC36 e do IC2 e de todos os problemas que o Sr. Deputado conhece, cuja lista tenho aqui e que, para não estar a cansar os nossos pares aqui na Câmara, lhe disponibilizarei no
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final, até para que o Sr. Deputado possa indagar junto do Governo.
Mas podíamos ainda falar das extensões de saúde, que o Sr. Deputado bem conhece. Inclusivamente, a extensão de saúde de São Mamede, na Batalha, tem deixado preocupado o Sr. Deputado Paulo Batista, como bem sabe.
Podíamos falar também da comarca da Batalha, que foi uma promessa que os senhores fizeram, do tribunal de Caldas da Rainha ou até do centro de saúde de Caldas da Rainha, onde os médicos tiveram de fazer greve para reivindicar condições de trabalho, ou mesmo das ameaças que os senhores andam a fazer no sentido de retirar a PSP da Marinha Grande, de Pombal e de vários locais. Enfim, temos um conjunto de questões que, de facto, nos dão vantagem, infelizmente para o distrito, o que lamento, Sr. Deputado, porque gostaria de estar aqui, hoje, com dificuldade em responder-lhe. Sinceramente, como cidadão do distrito de Leiria, gostaria de estar aqui a dizer-lhe "Sr. Deputado, realmente, o senhor tem razão nisto ou naquilo", mas não posso.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esgotou-se o tempo de que dispunha.
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Lamento imenso, Sr. Deputado, compreendo as suas dificuldades mas, olhe, trabalhemos juntos - estou disponível para isso -, vamos ver a lista e ajudá-lo-ei a fazer os requerimentos e os pedidos ao seu Governo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para defender a sua honra pessoal perante o Sr. Deputado Miguel Coelho, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Coelho, pedi, de facto, para defender a minha consideração pessoal por razões simples: primeiro, porque o Bloco de Esquerda, pela voz da Sr.ª Deputada Alda Sousa - que, de resto, não está presente na Sala neste momento -, e depois V. Ex.ª referiram o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Marco de Canavezes, Avelino Ferreira Torres, e comportamentos que ele teve, tanto quanto me apercebi, na sequência ou durante um jogo de futebol.
O Sr. António Costa (PS): - Apercebeu-se?!
O Orador: - Apercebi-me, porque não estava presente e, portanto, só vi uns pequenos excertos televisivos, mas vi o suficiente.
A primeira coisa que lhe quero dizer, Sr. Deputado Miguel Coelho, e digo-a também ao Bloco de Esquerda, é que há, de facto, uma diferença, pelo menos nesta matéria, entre o CDS-PP e o Bloco de Esquerda e o Partido Socialista.
A Sr.ª Manuela Melo (PS): - Ainda bem!
O Orador: - Há, pelo menos, uma diferença e essa diferença é mais clara ainda, Sr. Deputado Miguel Coelho, em relação ao Bloco de Esquerda do que em relação a si, o que também é normal e salutar.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Por enquanto, ainda é normal!
O Orador: - E a diferença, a primeira diferença, é que nós não utilizamos a situação de um autarca que está a ser sujeito a um julgamento para tentar apressadamente, sobre a hora, desrespeitando o julgamento e o poder judicial, fazer um julgamento político dessa pessoa.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Nunca o fizemos e nunca o faremos! Houve, recentemente, no País, julgamentos de autarcas, inclusivamente o de uma autarca do Partido Socialista da área de Lisboa que, ao que sei - também ligeiramente, Sr. Deputado António Costa, porque é o que nos chega pela comunicação social -, até foi condenada. Ouviram-me uma palavra sobre esse julgamento?! É que nem antes nem depois!
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
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O Orador: - Ora, os senhores, durante um julgamento, estão a tentar tirar conclusões, tentando substituir-se ao tribunal.
Aplausos do CDS-PP.
Vozes do PS: - Mas qual julgamento?!
O Orador: - Mas vamos à parte do futebol. Não comentei essa situação, é verdade, ou, melhor, comentei o mínimo que podia. E porquê? Por uma razão simples: estava à saída de uma instituição chamada "Ajuda de Mãe", aqui, em Lisboa, onde tinha ido fazer uma visita e uma declaração relativa ao debate que ontem travámos e não é meu hábito, quando estou numa determinada instituição para falar de um determinado tema a convite dessas pessoas, falar e perder tempo com outro tema completamente diferente. Não é meu hábito! Foi apenas por isso que não comentei, mas não deixei de dizer que era infeliz.
Se quer a minha opinião sobre o comportamento do Sr. Avelino Ferreira Torres no estádio do Marco de Canavezes, digo-lhe que, do meu ponto de vista, é um comportamento infeliz e inaceitável para qualquer pessoa de bom senso.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Como é óbvio, não se pode concordar com aquele tipo de comportamento.
Agora, digo-vos, Srs. Deputados do Bloco de Esquerda e…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o tempo de que dispunha.
O Orador: - Sr. Presidente, permita-me que termine com duas pequenas referências.
Quero dizer ao Bloco de Esquerda que há muitos comportamentos inaceitáveis mas o Bloco de Esquerda não tem legitimidade para falar neles quando ainda ontem, depois das votações, Deputados que ocuparam lugares nesta Assembleia taparam as cabeças,…
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - … desrespeitaram esta Câmara e insultaram a vontade de todos nós. Não tem qualquer legitimidade!
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
Ao Partido Socialista quero dizer, com a mesma tranquilidade, que, provavelmente, há autarcas que têm comportamentos que não são os mais correctos - e isto não é nem deve ser o Donos da Bola - mas, antes de pensarem em falar muito sobre comportamentos de autarcas, ponham os olhos em Sintra ou, se quiserem, mais longe, no Brasil, em Felgueiras ou onde vos apetecer.
Aplausos do CDS-PP e de Deputados do PSD.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho.
O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, o senhor perdeu uma boa oportunidade para pedir desculpa ao País,…
Vozes do PS: - Muito bem!
Protestos do CDS-PP.
O Orador: - … porque um dirigente do seu partido, ao que consta, senador do seu partido, deu um péssimo exemplo à juventude do País, envergonhou o País e envergonhou o CDS-PP.
Protestos do CDS-PP.
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O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Fale de Felgueiras!
O Orador: - Sei que envergonhou o CDS-PP porque já conversei com muitas pessoas do seu partido e há muita gente envergonhada.
Protestos do CDS-PP.
Em segundo lugar, Sr. Deputado Telmo Correia, o senhor devia pedir desculpas pela comparação que fez entre o Sr. Avelino Ferreira Torres e a minha camarada e amiga Deputada Edite Estrela.
Aplausos do PS.
Protestos do CDS-PP.
Olhe, o Professor Adriano Moreira foi testemunha abonatória da Sr.ª Deputada Edite Estrela. O Sr. Deputado devia ter vergonha de fazer essa comparação,…
Aplausos do PS.
… porque aquilo que fez o Sr. Avelino Ferreira Torres foi uma vergonha para o País, foi um péssimo exemplo e os senhores deviam ter pedido desculpa.
O Sr. António Costa (PS): - Foi uma vergonha para si e para o CDS-PP!
O Orador: - Sr. Deputado Telmo Correia, V. Ex.ª, de facto, devia ter defendido a honra e a consideração da bancada e não a sua, pessoal, desde logo porque não foi o senhor que invadiu o campo e protagonizou aquelas cenas mal educadas e, em segundo lugar, porque aquilo que o senhor fez aqui foi tentar encontrar uma justificação política, um branqueamento político do comportamento do Sr. Avelino Ferreira Torres. Isto foi o que o senhor fez aqui e que é, de facto, impensável.
Protestos do CDS-PP.
Registo, no entanto, o recuo…
Vozes do CDS-PP: - Recuo?!
O Orador: - … que o senhor acabou de fazer (é sempre bom recuar) ao classificar o comportamento do Sr. Avelino Ferreira Torres como infeliz e inaceitável.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Fi-lo sempre, desde a primeira hora!
O Orador: - E foi um recuo porque V. Ex.ª disse ontem que "o que não falta são adeptos de futebol exaltados"…
Vozes do CDS-PP: - Leia mais!
O Orador: - … e que "qualquer atitude de um adepto mais exaltado - e, infelizmente, o País tem muitos exemplos neste momento - não merece qualquer comentário".
Vozes do CDS-PP: - Ah!
O Orador: - Sr. Deputado, hoje, isso, já lhe mereceu comentário, hoje já recuou,…
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Onde é que está o recuo?!
O Orador: - … o que só lhe fica bem. Apenas lhe resta, em nome da direcção do CDS-PP, pedir desculpas ao País pelo comportamento vergonhoso de um dirigente político do seu partido.
Aplausos do PS.
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Protestos do CDS-PP.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, permite-me uma interpelação à Mesa?
O Sr. Presidente: - É sobre assuntos relacionados com a condução dos trabalhos, Sr. Deputado?
O Sr. Francisco Louçã (BE): - É verdadeiramente nos termos da condução dos trabalhos, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, acabámos de assistir a uma defesa da honra pessoal que me suscita duas questões à Mesa.
Em primeiro lugar, presumo que possa ter havido, porventura, alguma dificuldade da Mesa em registar a informação da bancada do PP, porque a figura regimental da defesa pessoal de uma acusação que não foi particularizada e que, depois, se transferiu para uma resposta a duas bancadas diferentes é estranha. Por isso, posso presumir, Sr. Presidente, que talvez a bancada do PP tenha querido fazer uma intervenção, um pedido de esclarecimento ou uma defesa da honra da bancada, porque era do seu partido que se tratava. Portanto, gostaria de saber, Sr. Presidente, se não terá havido algum erro de comunicação que tenha deixado o Sr. Deputado Telmo Correia nesta situação tão difícil.
Em segundo lugar, Sr. Presidente, quero também dizer-lhe que registei aqui a dificuldade de fazer comunicações quando se sai de uma associação como a "Ajuda de Mãe"…
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Não misturo os temas!
O Orador: - … e percebo que esta defesa da honra tenha sido, sobretudo, uma "ajuda ao partido".
Protestos do CDS-PP.
O Sr. Deputado Telmo Correia talvez tivesse ganho em assumir, claramente, do ponto de vista político, o debate que aqui travamos.
Vozes do CDS-PP: - Fale das suas Deputadas, nas galerias!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Francisco Louçã, a segunda parte da sua interpelação não se dirigia à Mesa e agradeço-lhe imenso que quando pede a palavra para um efeito a utilize para esse efeito. Aliás, várias vezes temos falado sobre esta matéria.
Quanto à primeira questão, Sr. Deputado Francisco Louçã, o Sr. Deputado Telmo Correia pediu a palavra, expressamente, para defesa da sua honra pessoal e a Mesa não o pode obrigar a fazer a defesa da honra da sua bancada nem a pedir a palavra para este efeito. As leituras políticas são livres para cada uma das bancadas e para cada um dos membros do Parlamento.
Vou agora dar a palavra à Sr.ª Ministra da Ciência e do Ensino Superior, que a pediu ao abrigo do que dispõe o artigo 84.º, n.º 2, do Regimento, para falar ao Parlamento sobre o mecenato científico, a que se seguirá um debate nos termos previstos na disposição regimental que citei.
Tem a palavra, Sr.ª Ministra da Ciência e do Ensino Superior.
A Sr.ª Ministra da Ciência e do Ensino Superior (Maria da Graça Carvalho): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acaba de dar entrada nesta Assembleia a proposta de lei que aprovou o novo regime do mecenato científico. Trata-se de um importante instrumento legal para incentivar o apoio à ciência e à investigação. O Estado tem a obrigação de estimular a iniciativa privada a investir mais no conhecimento e na investigação científica.
O novo regime do mecenato científico é claro quanto aos beneficiários, quanto aos projectos a apoiar, quanto aos incentivos fiscais a conceder pelo Estado.
Quanto aos beneficiários do mecenato, podem ser todas as entidades, públicas ou privadas, cuja actividade consista predominantemente na realização de actividades de natureza científica. Poderão ser fundações, associações, institutos públicos ou privados, instituições de ensino superior, bibliotecas, mediatecas, centros de documentação, laboratórios do Estado, laboratórios associados, unidades de investigação e desenvolvimento, órgãos de comunicação social e empresas nas quais se desenvolvam
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acções de demonstração inovadora.
Quanto aos projectos a apoiar, eles podem ser projectos de investigação, aquisição de equipamento científico, formação de recursos humanos, acções de divulgação científica e iniciativas de inovação ou aplicação industrial. Esta tipologia permite cobrir uma multiplicidade de situações, que vão desde os donativos para aquisição de equipamento à cedência de investigadores, passando pelo desenvolvimento de acções de divulgação científica e de projectos de investigação.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Quanto aos benefícios fiscais a conceder pelo Estado, abrangem o IRS, o IRC e o IVA.
No que diz respeito ao IRS, a dedução à colecta será de 25%, sem qualquer limite quando se trate de donativos a entidades públicas que façam investigação e terá como limite 15% da colecta quando se trate de donativos a entidades privadas.
Aplausos do PSD.
Quanto ao IRC, um donativo concedido por uma empresa para um projecto de investigação corresponderá, para o efeito de determinação da matéria colectável, a um custo de 130%, isto é, a empresa beneficiará de um incentivo fiscal de 30%.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Mas o novo regime de mecenato científico vai ainda mais longe: acaba com qualquer limite à dedutibilidade dos donativos se as entidades beneficiárias forem públicas e alarga os limites de deduções dos donativos se as entidades beneficiárias forem privadas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Actualmente, tais limites situam-se em 6/1000 do volume de negócios, passando, com o novo regime, para 8/1000 do volume de negócios da empresa mecenas.
Através da consagração de tais benefícios, o Estado recompensa quem dá, abdicando da correspondente receita.
Aplausos do PSD.
Mas a forte aposta no apoio à ciência e à investigação não se fica por aqui. Cria-se, também, o Certificado Ciência 2010, um instrumento totalmente inovador através do qual se comprova a afectação do donativo a uma actividade de natureza científica. Com este certificado, será possível uma contabilização mais ágil e mais célere do volume de investimento e, assim, proceder ao acompanhamento, a par e passo, da evolução de Portugal no cumprimento dos objectivos nesta área. Com este certificado, institui-se, na linha das recomendações europeias para o sector da investigação e desenvolvimento, um regime simples e fiável. Dá-se, assim, um passo significativo para a transparência, ao estabelecer um regime de acreditação e de incompatibilidades.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Criam-se também incentivos não fiscais. A Rede Nacional do Mecenato Científico permitirá a divulgação das acções desenvolvidas e apoiadas, servirá como pólo agregador de mecenas e beneficiários e representará uma ponte para a internacionalização da ciência feita em Portugal.
A tudo isto acresce a atribuição dos Prémios Mecenas, os quais serão atribuídos a quem mais se destaque no âmbito do mecenato científico, em todas as suas modalidades.
Aplausos do PSD e do Deputado do CDS-PP Miguel Paiva.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei relativa ao estatuto do mecenato científico representa um marco decisivo para a ciência no nosso País, uma aposta na investigação, na qualificação e no desenvolvimento.
Com a Estratégia de Lisboa, a Europa colocou no topo da agenda política o objectivo fundamental de
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tornar a economia europeia a mais competitiva do mundo e baseada no conhecimento. O Conselho Europeu de Barcelona quantificou esse desiderato, ao fixar nos 3% a percentagem do PIB aplicada em investigação como a média a atingir em 2010.
De acordo com os dados oficiais mais recentes, há ainda um distanciamento entre a média europeia, situada em 1,9%, e a norte-americana e japonesa, situada quase nos 3%. O Plano de Acção para a Europa, definido pela Comissão Europeia, reconhece esta realidade e propõe um conjunto de medidas a adoptar pelos Estados-membros para evoluir em conjunto. Parte substancial destas medidas incide na criação de condições favoráveis ao investimento privado, que se pretende que atinja 2/3 da média europeia em investigação.
Portugal não se pode dissociar desse objectivo. Com mais esta decisão, o Governo dá um passo corajoso no sentido de estimular a iniciativa privada a investir em ciência e em investigação.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vivemos um tempo de mudança orientado para a excelência científica e tecnológica, para a optimização dos recursos e para o crescimento económico. Estão em curso reformas estruturais a nível europeu a que Portugal não pode e não deve ficar alheio. Sem avanço científico e tecnológico dificilmente pode haver desenvolvimento económico.
Os dados estão lançados, as metas estão estabelecidas, os obstáculos estão identificados.
É preciso aumentar o investimento privado em investigação.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - É preciso combater a chamada "fuga de cérebros" que se verifica hoje em dia em Portugal e no resto da Europa.
É preciso aproximar cada vez mais o mundo empresarial do mundo científico. Numa palavra, é preciso aproveitar ao máximo o potencial científico e tecnológico do nosso País.
Aplausos do PSD e do Deputado do CDS-PP Miguel Paiva.
Mais e melhor investigação, mais e melhor tecnologia, mais e melhor saber são indispensáveis para um crescimento económico estrutural.
Investir em projectos de investigação, em equipamento científico, em recursos humanos, em acções de demonstração é investir no aumento da competitividade da nossa economia.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Com o mecenato científico, todos saem a ganhar: os mecenas e os beneficiários. Ganham os investigadores e especialistas, que podem levar a cabo mais projectos, com melhores recursos; ganham as instituições científicas, que aumentam o seu nível de qualidade; ganham os órgãos de comunicação social, que também podem ser destinatários do mecenato, através da divulgação científica; ganham as empresas, que, ao fazerem uso dos resultados científicos e tecnológicos, aumentam a sua capacidade concorrencial; ganha, acima de tudo, o País, que muda e avança para maiores níveis de conhecimento e, assim, para uma maior qualidade de vida.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estou confiante de que esta medida contribuirá para gerar investimento e, com ele, maior conhecimento e mais progresso. É uma batalha essencial a da aposta no conhecimento como instrumento decisivo para a melhoria da nossa competitividade.
É neste projecto estratégico que estamos empenhados e por aqui passa a construção do nosso futuro: um futuro à altura da nossa história e dos nossos desafios colectivos, um futuro de maior desenvolvimento para Portugal, de maior solidariedade e de mais riqueza para todos os portugueses.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dando início ao período de debate, tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Massano Cardoso.
O Sr. Massano Cardoso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: São várias as fontes de riqueza dos povos. Muitos têm a fortuna de dispor de recursos naturais, mas podemos considerar, sem sombra de dúvida, que a principal fonte assenta na massa cinzenta do cidadão.
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Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Significa esta afirmação que o nível de conhecimento de uma nação é determinante para o seu desenvolvimento.
Portugal ocupa um lugar bastante agradável no contexto mundial, mas está muito aquém dos seus parceiros europeus ocidentais, os quais constituem os nossos pontos de referência.
As razões para este distanciamento são bem conhecidas de todos: falta de investimento na área da ciência e da tecnologia e um atraso substancial na maturação científica e cultural dos nossos concidadãos, que apesar de tudo participaram numa verdadeira explosão nas últimas décadas, digna de registo mas ainda insuficiente face às nossas ambições.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!
O Orador: - A criatividade e a inovação científica e tecnológica constituem o primo movens das sociedades modernas. No mundo do século XXI, os inúmeros problemas que afligem a humanidade giram ou estão intimamente relacionados com a ciência e a tecnologia.
Como podemos estimular o crescimento numa economia de informação? Como prevenir as agressões ambientais globais e regionais? Como responder à emergência e progressão de novas e velhas doenças? Como incorporar no nosso dia-a-dia os benefícios tecnológicos? São apenas algumas, de muitas, perguntas comuns a qualquer povo deste planeta. Para responder temos, naturalmente, de socorrer-nos cada vez mais da ciência e da tecnologia.
O Governo, consciente da importância deste sector nuclear, definiu um conjunto de actividades susceptíveis de desenvolver o sector do conhecimento e inovação através de programas concretos e da disponibilização de verbas consideráveis, da ordem de 1000 milhões de euros.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - É do conhecimento geral que a União Europeia pretende, até 2010, gerar cerca de 700 000 novos investigadores. Portugal, para concretizar o objectivo de aplicação de 3% do PIB em investigação e desenvolvimento precisa de saltar dos actuais 22 000 trabalhadores para 75 000, mas dos 3% do PIB despendidos, ou a despender, no coração do conhecimento dois terços terão de vir do sector privado, sendo deste modo imperioso que avultadas fontes de financiamento tenham a sua origem através do denominado mecenato científico.
A promoção e o estímulo de sectores privados e públicos são cruciais para todos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Os mecenas não podem encarar estas iniciativas apenas como meio de obter benefícios fiscais mas, sim, como uma necessidade de desenvolver novas áreas de produção e inovação cujas mais-valias permitirão um enriquecimento a todos os níveis da economia.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A interacção entre os centros de investigação e os diferentes sectores da actividade económica constitui uma parceria, que pode revestir inúmeros figurinos, entre os criadores do conhecimento e os produtores de bens. Salientamos que nesta interacção a independência do conhecimento científico deverá constituir a imagem de marca e símbolo de dignidade dos cientistas e das instituições.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Estamos cientes de que as medidas propostas irão responder a grandes desafios. Importa, no entanto, que a política de emprego e de aproveitamento de mão-de-obra tão intelectualizada seja incrementada, permitindo aos jovens cientistas e técnicos um mercado diversificado e atraente, de forma a evitar dois fenómenos: a fuga de cérebros, a qual se traduz por graves hemorragias, capaz de originar irremediáveis e permanentes lesões na nossa sociedade; e o humilhante desemprego da alta tecnologia.
Não querendo estabelecer qualquer primado sobre outros profissionais também vítimas deste flagelo, a situação de não aproveitamento destes verdadeiros mineiros do conhecimento moderno constituiria um
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ultraje à auto-estima nacional.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O nosso país precisa de várias iniciativas, em diferentes níveis, para se desenvolver e se aproximar dos países da frente, mas sem investimento prioritário nas áreas da educação e da ciência e tecnologia nunca poderemos atingir os nossos objectivos.
Estamos certos de que o mecenato científico constitui um dos vários mecanismo capazes de contribuir para o desenvolvimento do País. A forma como o Governo pretende renovar esta tão importante fonte de investimento afigura-se-nos correcta e prometedora,…
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!
O Orador: - … já que dos 5,7% das verbas consignadas através de mecenato, no período de 2000 a 2002, apenas 0,6% foram para a ciência e tecnologia.
A Sr.ª Ministra não inventou a pólvora, mas espero que a sua conduta possa ser verdadeiramente explosiva, no bom sentido, no futuro, na área da ciência e tecnologia.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - É mais seguro não haver explosão!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Ciência e do Ensino Superior, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: A Sr.ª Ministra veio a esta Câmara, num segundo momento, reafirmar a estratégia de Óbidos - provavelmente, virá cá num terceiro momento reafirmar a reafirmação da estratégia de Óbidos -…
O Sr. Honório Novo (PCP): - Parece uma cassete!
A Oradora: - … e tentar explicar que não temos política científica, que não temos recursos financeiros e que andamos à procura de algum milagre que seja capaz de nos dizer que, de vez em quando, ainda falamos de actividades de I&D.
A Sr.ª Ministra bem se esforça - esforçou-se da última vez que veio a Plenário e esforçou-se agora, mais uma vez -, mas hoje foi mais evidente o seu esforço e menos evidentes os resultados.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes): - Oh!
A Oradora: - É que há aqui uma grande confusão, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares!
A Sr.ª Ministra veio aqui referir um objectivo da Comunidade Europeia, dizendo que esta medida vai inserir-se na directiva comunitária que definiu o objectivo de, em 2010, os países europeus investirem cerca de 3% do PIB em investigação, sendo dois terços da responsabilidade do sector privado e um terço da responsabilidade do sector público, até porque aquele indicador é de 1,9% na União Europeia e de 0,7% em Portugal.
A Sr.ª Ministra veio, então, aqui dizer que por causa e a propósito deste objectivo descobriu uma coisa chamada mecenato científico. Não o descobriu, pois o PS descobriu-o antes, por acaso, na minha opinião, numa perspectiva mais englobante e mais correcta, porque não trata do mecenato científico mas, sim, do mecenato na sua maior abrangência, incluindo o científico e o cultural.
Na perspectiva de poupança de recursos financeiros, o PSD só quer o mecenato científico por uma janela e o cultural por outra porque assim sempre se pouparão alguns euros. Mas mais grave do que a poupança é a leitura política que faz do que é o mecenato e do que é esta directiva da Comunidade Europeia.
Sr.ª Ministra, o que a Comunidade Europeia diz nos seus textos, quer nos que estão escritos em língua inglesa quer nos que estão escritos em língua francesa, é que os Estados-membros têm de convencer as empresas a investigar no seu seio.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Exactamente!
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A Oradora: - Isto não é nenhum mecenato científico, Sr.ª Ministra! As empresas têm de investigar no seu seio para fazerem mais actividades de I&D, para que a produtividade e a competitividade do nosso país, a qualificação dos nossos quadros e o desenvolvimento geral de Portugal seja uma realidade.
Então, a Sr.ª Ministra, para responder a esta directiva, vem dizer que vai fazer um mecenato científico?! Então, em vez de investigarmos no seio das empresas são estas que vão financiar as actividades de I&D nos laboratórios associados e nos centros de investigação?! Mas que confusão é esta, Sr.ª Ministra?!
Se ler atentamente os textos da Comunidade Europeia reparará que o sentido é exactamente inverso, Sr.ª Ministra! É dito que há que fomentar a investigação nas empresas.
Sr.ª Ministra, mesmo que tivesse havido alguma dificuldade nos textos, quer em língua inglesa quer em língua francesa, olharíamos para os nossos parceiros da Comunidade, para os 14, sem nenhuma excepção, e para os Estados Unidos da América, como a maioria gosta de olhar, e veríamos que é exactamente assim que se faz.
Protestos do Deputado do CDS-PP Narana Coissoró.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, peço-lhe que conclua, pois o tempo de que dispunha esgotou-se.
A Oradora: - Concluo já, Sr. Presidente.
Quer na Áustria quer nos restantes países da Comunidade Europeia o que se faz é exactamente convencer as empresas, por incentivos fiscais e outras medidas, de que devem investir no seu seio para que a competitividade e a investigação aconteçam. E isto independentemente do investimento que o Governo tem de fazer, em concreto a sua tutela, nos laboratórios do Estado e nos centros de investigação públicos para não diminuir e não minimizar o investimento no nosso país.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, confesso que estou muito atrapalhado.
Risos.
Um Deputado da maioria veio dizer que a Sr.ª Ministra não inventou a pólvora e desejou-lhe que seja o mais explosiva possível. Depois destas afirmações, não consigo criticar o Governo…
Mas registo que o Sr. Primeiro-Ministro já veio duas vezes a esta Câmara falar deste assunto e que a Sr.ª Ministra também o faz pela segunda vez. No entanto, há uma diferença: desta vez, traz consigo um Secretário de Estado do Ministério das Finanças, o que é uma óptima garantia.
Queria mesmo convidar o Governo a que, sempre que queira dar a entender que leva a sério as propostas que faz à Assembleia, traga um Secretário de Estado do Ministério das Finanças, pois é uma óptima garantia, pelo menos para a credibilidade financeira da matéria.
A Sr.ª Ministra disse-nos que o Estado tem a obrigação de apoiar a ciência, mas reparo que a sua intervenção é a explicação de como o Estado deixa de apoiar a ciência, de como o Estado espera que as empresas - o que vai ter um custo fiscal, um custo do Estado - escolham os projectos científicos que querem apoiar. Ou seja, a Sr.ª Ministra, num momento de contenção orçamental, de redução de verbas para a investigação científica, de limitação da actividade do seu Ministério, vem pedir que seja o mercado a decidir quais são os projectos de investigação que devem ou não ser aprovados. Segundo a Sr.ª Ministra - que tem sido professora do ensino superior -, os cientistas, os investigadores devem esperar os donativos que lhes concedam a benesse e andar de chapéu na mão, a bater de porta em porta das empresas, à espera que alguém lhes dê uma pequena esmola para fazer uma investigação.
É claro, Sr.ª Ministra, que deve haver mecenato científico e outras formas de mecenato, mas mal do país que espere ser o mecenato científico a resolver os problemas do seu atraso na investigação e no desenvolvimento fundamental das tecnologias e do conhecimento! Mal do país, mal do ministério e mal da ministra, por mais ou menos explosiva que seja, que não considere que o aspecto determinante é haver uma estratégia pública concentrada, orientada e com uma visão de futuro sobre o que deve ser a ciência! É que a ciência é que vai distinguir os que têm futuro dos que não têm, os que estão atrasados e ficam no atraso dos que conseguem compensá-lo e responder a esses problemas.
Por isso, Sr.ª Ministra, aquilo que aqui nos trouxe é, seguramente, uma nota de pé de página daquilo
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que têm de ser as políticas sobre esta matéria.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar, pois esgotou o tempo de que dispunha.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Surpreende a sua insistência, Sr.ª Ministra, porque boa notícia seria que, com o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ao seu lado, nos desse a garantia de que haverá mais investimento em investigação, mais desenvolvimento da ciência, e que assim será em 2004 e em 2005.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, V. Ex.ª faz parte de um Governo que até agora se notabilizou como nenhum outro por ser inimigo do ambiente, porém a Sr.ª Ministra tem o condão de ser, pelo seu exemplo, uma defensora acérrima da reutilização. De facto, aquilo que hoje aqui vem fazer é reutilizar, tanto quanto me lembro, pelo menos pela terceira vez, um anúncio do Governo em relação a um grande equívoco.
Digo que é um grande equívoco porque, independentemente de ter dito como importante é a investigação científica, como importante é a investigação e a aposta na inovação para a transformação dos processos produtivos, para a modernização da economia e para a sustentabilidade do desenvolvimento, no fundo, para que Portugal vença os seus atrasos, velhos de anos, a Sr.ª Ministra vem hoje com uma inovação linguística, porque mecenato significa protecção. Ora, o que o Governo vem anunciar não é que passa a haver protecção em relação à investigação mas tão-só que as empresas passam a fazer utilização da investigação, com isso obtendo benefícios fiscais. Ou seja, não só não se apoia mais a investigação como se perde dinheiro em relação à mesma, porque o Estado concede benefícios fiscais sem que faça o que é fundamental, abdicando da sua função estratégica.
O que a Sr.ª Ministra vem dizer é que as empresas passam a interferir em domínios de definição estratégica de um Governo, pois é suposto ser este a saber os sectores para os quais interessa orientar a investigação, os desenvolvimentos e as modernizações em processos. Portanto, a Sr.ª Ministra perverte absolutamente a investigação, transformando-a, para proveito próprio das empresas, num instrumento e não naquilo que deveria ser.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, peço que conclua, pois já esgotou o tempo de que dispunha.
A Oradora: - Concluo já, Sr. Presidente.
Por isso, independentemente de ter tido a virtude de reutilizar a ideia, não a reutiliza em função daquilo que anunciou, ou seja, partindo da consideração de que a investigação é uma necessidade, não um luxo. Esta proposta de lei, tal qual foi anunciada, é uma fraude.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Santos Silva.
O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Vem a Sr.ª Ministra da Ciência e do Ensino Superior apresentar a proposta de lei sobre o mecenato científico, a qual desenvolve e aperfeiçoa um instrumento que está em prática. O aperfeiçoamento e o desenvolvimento desse instrumento é em si mesmo um coisa positiva - 0,1 é maior que zero-, pelo que considero esta iniciativa positiva. Posso repeti-lo várias vezes, se quiser.
Estou totalmente de acordo com o que é dito no primeiro parágrafo da exposição de motivos, isto é, com a inscrição desta iniciativa - a qual sofre de "burocratice" a mais, tendo de ser corrigido o excesso burocrático na discussão na Assembleia da República - no quadro da Estratégia de Lisboa, isto é no objectivo de chegar aos 3% de investimento científico no conjunto do PIB, dos quais 2%, desejavelmente, da iniciativa privada.
Acontece, porém, que esta proposta é absolutamente lateral em relação a este objectivo. Portanto, vamos recentrar a discussão onde ela deve ser centrada. E ela deve ser centrada justamente na questão essencial do nosso desenvolvimento: a expansão da investigação e desenvolvimento em todo o nosso tecido, Administração Pública e empresas, com particular relevância nas empresas.
Ora, não é a essa questão que responde o mecenato. Quando a EDP gasta 500 000€/ano para financiar, como mecenas, a Companhia Nacional de Bailado, penso que a EDP faz muito bem, porque ganha em imagem, ganha em publicidade e ganha em afirmação institucional e pública. Mas o
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financiamento que a EDP faz à actividade do bailado nacional não pertence ao core business da EDP!
Ora, não é nada disto o que se passa com a ciência! Não queremos que as nossas empresas sejam benfeitoras de uma coisa que é estranha, exterior ao seu core business e que seria a investigação científica. Pelo contrário, queremos que as nossas empresas tenham no seu seio, como já disse a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, mesmo no centro da sua actividade, valor em inovação, em investigação e em desenvolvimento. E isso faz-se com incentivos fiscais, que o Estado pode e deve dar à investigação e desenvolvimento no interior das empresas.
Era esse sistema de incentivos fiscais, que existia desde 1998 e que esta maioria impediu que fosse renovado para 2004, que estimulava as empresas a investir em investigação e desenvolvimento na sua cadeia de valor, na sua criação de valor, e que os senhores impediram que se prolongasse para 2004, com o argumento de que esse sistema era substituído, com proveito, pela chamada reserva fiscal de investimento.
Ora, isso é falso. O decreto-lei foi publicado em Janeiro e, portanto, posso demonstrar aqui que é falso. E é falso porquê? Porque se eu for empresário posso beneficiar da reserva fiscal de investimento através do investimento que fizer em imobilizado corpóreo ou em investigação e desenvolvimento. Isto é, como o tecto, aliás, é muito baixo, eu posso beneficiar de toda a reserva fiscal de investimento sem gastar um cêntimo em investigação e desenvolvimento, posso beneficiar de toda a reserva fiscal de investimento gastando tudo em maquinaria, por exemplo, ou em outro imobilizado corpóreo. Não se trata, portanto, de nenhum incentivo próprio, específico, qualificante à investigação e desenvolvimento nas empresas.
Mais: a descrição das actividades nas quais as empresas podem beneficiar da reserva fiscal de investimento é extremamente restrita, já que se limita a empresas ligadas às indústrias extractiva e transformadora e ao turismo. Se eu tiver uma mina, posso beneficiar de uma reserva fiscal de investimento, mas se eu tiver uma empresa de informática, se eu trabalhar nos serviços de apoio à indústria, se eu trabalhar, portanto, no terciário mais qualificado posso beneficiar zero de reserva fiscal de investimento.
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - É uma vergonha!
O Orador: - Entretanto, a maioria chumbou em 2002 a proposta do Partido Socialista, na discussão do Orçamento para 2003, para incentivos fiscais a I&D, chumbou-a em 2003, no Orçamento para 2004, chumbou o projecto de lei do PS que melhorava o regime já vigente de apoio à investigação e desenvolvimento nas empresas.
Mas, brevemente, voltaremos a apresentar esse projecto aqui, na Assembleia, confrontando o Governo com mais uma oportunidade para corrigir o tiro que deu na I&D nas empresas, porque este Governo deu cabo de um regime que a OCDE considerou como uma das melhores práticas no conjunto dos países que fazem parte dessa organização, substituindo-o por uma coisa absolutamente lateral.
Não queremos que o mecenato científico seja a resposta ao problema de I&D nas empresas, porque não é! Portanto, o que a Sr.ª Ministra aqui anunciou é tão positivo como o 0,0001 ser superior a zero, mas não responde ao problema essencial.
Sr.ª Ministra, como comecei esta intervenção por apontar coisas positivas gostaria de a acabar também com coisas positivas. Gostaria, pois, de lhe dizer que não sigo o Sr. Deputado Massano Cardoso, meu querido colega e amigo, académico como eu, quanto à "explosão". Tenho todo o gosto em assumir, em nome do meu partido, as funções de porta-voz para esta área, mas confesso-me exausto porque, em 21 meses, já vi dois ministros, três secretários de Estado e, nos serviços centrais, quatro directores-gerais. Portanto, por mim, chega de "explosões" no Ministério da Ciência e do Ensino Superior.
Risos e aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos aqui, numa primeira análise, a proposta de lei para o mecenato científico. Todos nós podemos querer centrar esta discussão onde considerarmos mais conveniente ou até onde nos der mais jeito, mas eu centrá-la-ia exactamente naquilo que estamos a tratar, ou seja, na proposta de lei para o mecenato científico.
O Sr. Honório Novo (PCP): - É o que lhe dá mais jeito!
O Orador: - E partimos, em relação ao mecenato científico, de dois pressupostos e de duas
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exigências que resultam da nossa participação na União Europeia: por um lado, da Estratégia de Lisboa e, por outro lado, do que resultou do Conselho de Barcelona. Ou seja, partimos, em primeiro lugar, de um objectivo que a União Europeia estabeleceu até 2010: o facto de, a nível da União Europeia, 3% do PIB resultarem em investimento em I&D. Isto tem claramente o objectivo de tornar a Europa competitiva, mas competitiva exactamente com outras realidades, como os Estados Unidos ou como o Japão, que estão muito mais desenvolvidas nesta área.
Para que este objectivo seja atingido estabeleceu-se também, na Estratégia de Lisboa, que seria importante que a participação dos sectores público e privado neste objectivo não fosse arbitrária, que houvesse, claramente, uma participação de 2/3 do sector privado neste objectivo, ou seja, que a maior participação no cumprimento deste objectivo fosse a do sector privado.
Qual é a realidade neste momento? Obviamente que, em relação a 2010, ainda há um longo caminho a percorrer para que se atinjam os 3% do PIB, mas também em relação àquilo que, neste momento, já se investe em I&D, principalmente em Portugal, o desfasamento entre o que é investimento público e o que é investimento privado está também muito longe de cumprir os objectivos. E é do incumprimento de parte destes objectivos que resulta a apresentação deste diploma.
Ninguém disse que esta proposta de lei existia para resolver todo esse compromisso ou que o mecenato científico iria cumprir a totalidade dos 2/3 do investimento privado na área da investigação e desenvolvimento. Portanto, quando queremos recentrar a discussão desta matéria é bom que o façamos de uma forma séria e clara, é bom que discutamos as iniciativas apresentadas e com quem as apresenta.
O Governo apresentou aqui uma iniciativa clara para a área do mecenato científico. Com certeza que outras forças políticas apresentaram, noutras alturas, iniciativas em relação a outras áreas do investimento em investigação e em desenvolvimento e com certeza que, nessa altura, elas mereceram a análise e o voto de todas as bancadas, da maioria e da oposição. O que nos interessa saber hoje é o que pensa a oposição, o que pensa a maioria e o que pensa o Governo sobre o mecenato científico.
Em relação ao que esta proposta de lei estipula (e deveria estipular) não ouvimos nenhuma crítica de fundo; em relação ao que está previsto nesta proposta de lei - e deveria estar previsto - ninguém conseguiu criticar, como ninguém conseguiu evitar reconhecer que há um avanço claro nesta matéria.
Obviamente que, depois, são feitas outras críticas, em relação ao que esta proposta de lei não prevê (que não deveria prever). Ora, em relação ao que esta proposta de lei não prevê (e que não deveria nem teria de prever), a discussão não tem de se fazer hoje.
É por isso, Sr.ª Ministra, que, claramente, o que a bancada do CDS-PP tem a dizer é que, em matéria de mecenato científico, com esta proposta de lei, há um avanço, não só no cumprimento de objectivos no investimento na área da investigação e desenvolvimento, mas também no que respeita a uma política fiscal de futuro, que apresente novos instrumentos e novas formas de participação neste esforço, que é colectivo.
Mas percebemos que, à esquerda, não se compreenda este tipo de política fiscal, porque não tem nada a ver com a política fiscal defendida pelas bancadas da esquerda.
O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - É ao contrário!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.
O Orador: - Sr.ª Ministra, por nós segue bem este caminho. Sabemos que este é um contributo que poderá ser modesto na visão de algumas bancadas da oposição, mas para nós trata-se de um contributo significativo para que cumpramos os nossos objectivos.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Ciência e do Ensino Superior.
A Sr.ª Ministra da Ciência e do Ensino Superior: - Sr. Presidente, irei juntar as questões que me foram colocadas em grandes grupos, começando por dar conta por que estou aqui.
Em Óbidos, foi anunciada a tomada de algumas medidas e neste momento, passados menos de dois meses, aqui estamos para concretizar uma delas. Prometemos, cumprimos em tempo. Connosco nada fica no papel, passamos à acção.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
E como se trata de uma matéria que envolve os assuntos fiscais, encontra-se connosco o Sr. Secretário
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de Estado dos Assuntos Fiscais. É assim que tratamos todos os assuntos: com a delicadeza e a profundidade que eles merecem.
Este mecenato é uma medida de um conjunto grande de medidas, que corresponde ao nosso plano nacional para a Estratégia de Lisboa, que passa por um investimento público em I&D, por um aumento do número de investigadores, de doutorados, o que cria, simultaneamente, emprego científico para os já existentes e para os que se vão formando, porque uma certa percentagem do PIB corresponde a um número de doutores e de trabalhadores em I&D. Portanto, temos de fazer acompanhar o nosso plano de acção, de formação, com um plano de acção de emprego científico. Mas corresponde também a um plano no sentido de aumentar a investigação em empresas, de colocar doutores em empresas e promover a investigação não só no seio das empresas como em todos os sectores de actividades (na Administração Pública, nas autarquias, etc.). Temos de incluir ciência e doutorados em todos os sectores de actividades nacionais e isso também faz parte do nosso plano de acção.
Trata-se também de aumentar o investimento privado em I&D, o que passa por um auto-investimento das empresas e também pela cultura do mecenato, que, como sabem, é uma cultura existente nos países desenvolvidos. Nomeadamente nos Estados Unidos, a cultura de mecenato é complementar.
Todas as medidas previstas nesta proposta de lei são complementares. Nós não estamos a substituir uma medida por outra mas, sim, a acrescentar, a desenvolver os nossos planos de formação, de emprego científico, de introdução dos doutores nos laboratórios de Estado, na Administração Pública e nas empresas, e esta é uma medida complementar a todas as outras.
Temos uma estratégia global, temos uma estratégia de financiamento público que apoia esta estratégia global. Já repeti variadíssimas vezes- e, se for preciso, digo-o novamente - qual é o nosso plano de reestruturação e de reformulação dos fundos estruturais para os próximos três anos. Aumentámos o financiamento na área da ciência e da inovação com a consequente contrapartida nacional. Portanto, implementámos um aumento substancial de investimento na ciência, na inovação e na sociedade do conhecimento para 2004 e 2005. Trata-se de uma linha de acção para elevar Portugal ao nível dos outros países europeus, no âmbito da Estratégia de Lisboa. É esse o nosso objectivo.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Falando agora em mecenato, direi que o mecenato geral existia, estando individualizado o mecenato cultural: segundo fontes das Finanças - já mostrei isso várias vezes -, temos 45% para o mecenato cultural e 0,6% para o mecenato científico (era muito pouco utilizado).
Estudámos a origem desta pouca utilização do mecenato científico e neste momento temos uma maneira muito simples de o instituir: criámos um selo de ciência, que será dado por uma instituição do MCES, que dá a garantia que se trata de uma actividade de ciência feita numa instituição de ciência, sendo enviada para as Finanças uma lista, que dá origem aos benefícios fiscais.
Portanto, agilizámos e criámos um processo muito simples para promover o mecenato científico, cujo processo era mais complicado, menos transparente na sua articulação. Mudámos, pois, não só para incentivar o mecenato científico para estas medidas mas também para, no fundo, o aproximar do que se passa com o mecenato cultural e ter outras medidas não fiscais de promoção do mecenato. E isto é complementar a tudo o resto que estamos a fazer e que já várias vezes foi divulgado.
O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Mas tudo o resto foi liquidado!
A Oradora: - Passando, agora, às medidas concretas, o Sr. Deputado Massano Cardoso falou na aplicação de 3% do PIB em investigação e desenvolvimento. Na verdade, 3% numa regra da OCDE, corresponde a 75 000 investigadores. Estamos a fazer os nossos cenários de evolução. É muito difícil para Portugal - ainda não temos o número concreto - chegar a este número em 2010.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Não chegam, não! No Orçamento do Estado para 2004 descem!
A Oradora: - Todos os países da Europa ao nosso nível estão neste momento a apontar para 1,5%, 1,6% em 2010. Portanto, muito brevemente, apresentaremos os nossos cenários para evolução do número de investigadores e de percentagem do PIB até 2010.
Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, quanto a concretizar os objectivos, o mecenato não vem do tempo dos governos do Partido Socialista, vem muito de trás. Há uma grande tradição do mecenato. É importante que as empresas investiguem no seu seio. E isto é complementar.
Sr. Deputado Francisco Louçã, não vamos ficar ao sabor do mercado. É o MCES que certifica, acredita e dá o selo do Ciência 2010 para as instituições de investigação. Por outro lado, o que fazemos
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aqui é aproximar a ciência do tecido produtivo e das empresas.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Deputado Augusto Santos Silva, em relação à burocracia, como já lhe expliquei, é mais simples.
O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Não é, não!
A Oradora: - É muito menos burocrático, muito mais rápido e mais transparente.
Também falou no desenvolvimento da ciência na Administração Pública e nas empresas. Tem sido sempre rebatido por nós que é importante que isso aconteça e, como sabe, foi publicado um novo regime de reserva fiscal já em 2004.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!
O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Que retira o incentivo às empresas!
O Sr. Presidente: - Sr.ª Ministra, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.
A Oradora: - Sr.ª Deputada Isabel Castro, quanto à interferência do privado na parte científica, como já expliquei, nós é que fazemos a certificação e definimos as prioridades. Há aqui uma maior proximidade do tecido empresarial às unidades de I&D, para que, no fundo, as unidades de I&D e as universidades sejam os catalizadores do sector privado, complementarmente à investigação feita dentro das empresas.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Eram 16 horas e 50 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início à apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 109/IX - Regulamenta a Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho.
Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Ministro da Segurança Social e do Trabalho.
O Sr. Ministro da Segurança Social e do Trabalho (António Bagão Félix): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No dia 15 de Julho do ano passado, esta Câmara aprovou o Código do Trabalho, após um amplo e participado debate na sociedade e na concertação social.
Com a respectiva entrada em vigor, no passado dia 1 de Dezembro, concluiu-se a primeira fase da reforma laboral que o Governo decidiu empreender.
A segunda fase é constituída pelo texto que hoje se debate, relativo à regulamentação do Código.
Estamos já a trabalhar na terceira fase da reforma laboral, que será constituída pelos contratos especiais, cuja discussão se iniciará muito em breve com a entrega aos parceiros sociais do anteprojecto de diploma relativo ao contrato de trabalho temporário.
A legislação aqui hoje em debate é, mais uma vez, reveladora de que o Governo se mantém firme nos seus propósitos de reformar através de instrumentos legislativos que dignifiquem o trabalho e responsabilizem os trabalhadores e os empregadores.
A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Tal como já acontecera com o Código, a presente proposta de lei foi objecto de ampla discussão na concertação social: entre Abril e Outubro de 2003, realizaram-se cerca de três dezenas de reuniões, das quais resultou um importante contributo para o conteúdo da proposta de lei.
Continuamos a ver na concertação um método de construção e uma mais-valia, mas sem nunca recusar decidir quando é chegado o momento. Não nos deleitamos na busca de soluções anódinas, que sempre conduzem à paralisação bloqueadora da acção ou à inutilidade dos resultados através de leis
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transformadas em vacuidades contemplativas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me que, ainda que sumariamente, enuncie as principais linhas orientadoras da proposta de lei.
O estrito cumprimento da Constituição da República e a incorporação do acervo comunitário através da transposição de directivas, facto importantíssimo para a construção do modelo social europeu.
A ideia da cooperação solidária no seio da empresa. A empresa tem de ser um espaço de realização, de solidariedade e de uma melhor conciliação entre os direitos e os deveres dos empregadores e dos trabalhadores, elegendo a ética do esforço, do mérito e da responsabilidade como bases do progresso social. O que é melhor objectivamente para o trabalhador é o que é melhor para a empresa. E o inverso também é verdadeiro.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Uma visão personalista da qual resulta uma especial tutela dos direitos fundamentais, tendo presente que estamos perante uma relação laboral na qual existem situações de especial debilidade.
A harmonização entre competitividade económica, personalismo, coesão social e justiça distributiva, tendo presente também que é possível e necessário que os ganhos de competitividade fundamentais se façam sem perdas de solidarismo.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!
O Orador: - A consagração e o desenvolvimento dos valores da igualdade e de não discriminação. É bom considerarmos que o princípio da igualdade exige que se trate de forma diferente o que é diferente, afastando, deste modo, o igualitarismo artificial de resultados.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - A pior injustiça é a que nivela aquilo que é diferente.
Também a protecção da família, consubstanciada, em particular, na promoção da maternidade e da paternidade, e de uma organização laboral que assegure a melhor partilha entre o trabalho, a família e os tempos livres das pessoas. Por isso, propomos na regulamentação do Código do Trabalho: o dever de o empregador informar o trabalhador dos seus direitos e deveres nesta matéria, pois sem informação não há participação, justiça e inclusão; o aumento da licença do cônjuge por adopção em caso de falecimento do trabalhador; o aumento do número mínimo de férias obrigatórias, em caso de redução do período normal de trabalho para assistência a filho portador de deficiência ou doença crónica; o alargamento da assistência ao agregado familiar, passando a incluir-se, por exemplo, parentes e afins no 2.º grau da linha colateral e acrescentando um dia de falta justificada por cada filho, adoptado ou enteado, além do primeiro.
Por outro lado, Srs. Deputados, e durante a discussão na especialidade, estamos seguros que a maioria terá em conta o nosso recente propósito de flexibilizar a licença por maternidade, permitindo à mãe trabalhadora escolher entre uma licença de 16 semanas com um subsídio de 100% do seu salário bruto ou de 20 semanas com um subsídio de 80% do salário bruto, o que ainda assim fica, na maioria dos casos, acima da sua remuneração líquida no activo.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Seja-me permitido, ainda, anunciar neste momento o propósito de se concretizar, em breve, mais uma medida que procura ser socialmente ajustada e empresarialmente adequada. Trata-se de, por ocasião da licença de maternidade, e durante seis meses, a entidade patronal poder beneficiar da isenção do pagamento da contribuição da taxa social única pela contratação de um trabalhador desempregado para a realização da actividade correspondente à da beneficiária da licença de parto.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Continuando nas linhas orientadoras desta proposta de lei, refiro agora o reforço intransigente das regras de segurança laboral. Sem segurança laboral não há justiça social nem reais direitos fundamentais.
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A ciência evolui e as garantias dos trabalhadores têm de acompanhar essa evolução. A ciência tem de estar ao serviço da pessoa humana e foi isso que fizemos, onde há muito se ouvia o silêncio ensurdecedor do legislador, as seguintes propostas: protecção do património genético; definição das condições e garantias da prestação do trabalho nocturno, que desde 1998 se aguardava; eleição dos representantes dos trabalhadores para a segurança, higiene e saúde no trabalho, que há 12 anos se esperava; atribuição de estatuto especial aos trabalhadores eleitos para representantes dos trabalhadores para a segurança, higiene e saúde no trabalho, podendo referir, entre outros aspectos, crédito de horas, faltas justificadas e protecção em matéria de procedimento disciplinar, bem como em caso de transferência do local de trabalho.
Queremos igualmente assegurar o cumprimento das obrigações resultantes de um Estado justo, responsável e solidário no que diz respeito ao trabalho de menores, pois uma sociedade que não protege os mais frágeis não assegura o Estado de direito, propondo, deste modo, uma efectiva tutela dos menores que participam em espectáculos e outras actividades culturais, artísticas ou publicitárias, estabelecendo limites temporais e criando mecanismos de respeito pela sua integridade física e da escolaridade que, em caso algum, poderão ser preteridos.
A responsabilidade social de todos os actores laborais. A educação e a formação são investimentos estratégicos, verdadeiros activos das empresas e dos trabalhadores. Aos jovens que entram no mercado de trabalho têm de lhes ser dadas especiais condições para prosseguirem a sua qualificação, sob pena de hipotecaram o seu futuro e o de Portugal.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Deste modo, propomos a esta Câmara: a atribuição concreta e precisa do direito individual à formação; a atribuição de uma bolsa para o menor que passe a regime de trabalho a tempo parcial, em virtude da frequência de modalidade de educação ou formação, matéria que aguardava regulação desde 1991; e a conciliação da actividade profissional com a condição de estudante, reforçando naturalmente os direitos, mas igualmente os deveres.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Artur Penedos (PS): - Reforçando que direitos?
O Orador: - Srs. Deputados, no que ainda diz respeito à proposta de lei, refiro agora a majoração da taxa social única em função do aumento da duração dos contratos de trabalho, concretizando o princípio de maior flexibilidade, maior contribuição para a solidariedade social.
A responsabilização dos sujeitos laborais, o reforço intransigente da ética e do Estado de direito que erradique o sentimento de impunidade. A realidade continua a demonstrar que o ordenamento jurídico nem sempre tem resposta eficaz e adequada para um dos problemas que há muitos anos se vem colocando: o dos chamados "encerramentos selvagens de empresas". Alguns poucos empregadores, cujo comportamento afecta a generalidade dos empregadores responsáveis e cumpridores, têm revelado pouco respeito pelo Estado de direito e, em especial, pelos direitos dos trabalhadores. Esta situação não é admissível nem tolerável, e ao contrário de alguns, que preferem o silêncio do legislador, propomos regras que permitam combater esse flagelo, fixando-se procedimentos, garantias, inibições de práticas de certos actos durante o encerramento temporário e, naturalmente, a responsabilidade contra-ordenacional e penal para os infractores.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A definição das regras para garantir o efectivo funcionamento do instituto da arbitragem obrigatória. Recorde-se também neste caso que, desde do Acordo Económico e Social celebrado em Outubro de 1990, se aguardava e se aguarda pela sua existência efectiva.
Efectividade da responsabilidade contra-ordenacional, assegurando que o incumprimento das leis não é um investimento cujo retorno está assegurado, mas que os infractores são punidos pelo seu comportamento. Deste modo, propomos a regulação da matéria da pluralidade de infracções, cujo objectivo central é introduzir maior clareza e justiça na aplicação deste instituto, além de criarmos novos tipos criminais e actualizarmos a classificação de algumas contra-ordenações e do montante das coimas.
A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Muito bem!
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O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A reforma laboral é necessária para fortalecer as empresas, dignificar o trabalho, proteger os que trabalham. Ganhará com ela o País que trabalha e quer trabalhar,…
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - … os empresários responsáveis e com sentido de risco, os trabalhadores que anseiam por uma oportunidade no mercado de emprego.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Queremos, Srs. Deputados, que a reforma laboral seja uma inequívoca supremacia daquilo a que chamo os cinco cc sobre os cinco ii: c de consciência social, de coerência, de coragem de decidir, de concertação e de capacidade contra o i de imobilismo, impunidade, indiferença, ilusão e incapacidade.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Para alguns, obsessivamente críticos, a melhor reforma é sempre a que está para vir.
Mas para o Governo mais vale uma reforma com imperfeições do que uma não-reforma angelicamente pura e sem contestação expressa. Não se conte comigo para ser Ministro da acomodação.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!
O Sr. Artur Penedos (PS): - É mais ilusionismo do que outra coisa!
O Orador: - Prefiro decidir do que adiar. Não quero ser cúmplice da indiferença disfarçada num discurso às vezes simpático, outras vezes vago, quase sempre falsamente profético ou redondo.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Srs. Deputados, são estes os valores que nos guiam, são estes os nossos propósitos, é esta a nossa proposta. Foi isso a que nos comprometemos, foi isso para que fomos mandatados, foi isso, naturalmente, que fizemos, na certeza de que governar é a busca incessante da melhoria das condições de vida de todos os portugueses e do sucesso do nosso país.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao orador, seis Srs. Deputados.
Tem, em primeiro lugar, a palavra o Sr. Deputado Pedro Roque, que dispõe de 3 minutos.
O Sr. Pedro Roque (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, em Portugal, nos últimos tempos, assiste-se a um movimento constante de encerramento de algumas empresas pelas mais diferentes razões: algumas motivadas pelo próprio mercado e pelo ajustamento da própria economia; mas, paralelamente, assiste-se também a encerramentos que consideraria selvagens e que obedecem a uma lógica que nada tem a ver com o mercado e com o ajustamento da economia, nos quais alguns empregadores com menos escrúpulos põem em causa os trabalhadores, o seu emprego e os seus direitos.
Por outro lado, durante a discussão do Código do Trabalho, assistimos a uma tentativa, por parte de alguns partidos políticos e também de algumas forças sindicais, de descredibilizar fortemente o Código e de tentar expurgar-lhe aquilo que nele se pode considerar como mais positivo, isto é, regular as situações que actualmente estão, diria (perdoem-me a expressão), "ao Deus-dará" e que não são minimamente reguladas através de qualquer tipo de legislação.
Ora, conjugando estes dois aspectos, gostava de perguntar ao Sr. Ministro de que forma é que, no quadro legal que foi revogado, estas situações, designadamente a responsabilidade penal e contra-ordenacional relacionada com o encerramento selvagem destas empresas que põe em causa os direitos dos trabalhadores e os seus próprios empregos, estão reguladas e como é que algo de tão terrível nas palavras de alguns, como é o Código do Trabalho e esta sua regulamentação, afinal de contas, põe o tónus nesta matéria, criando novos tipos de crimes e a responsabilidade penal e contra-ordenacional destas situações.
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Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro fez saber à Mesa que responderá por grupos de três pedidos de esclarecimento.
Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, o tempo de que disponho é escasso, mas gostaria de registar o silêncio do Sr. Ministro em relação àquilo que consideramos as matérias mais gravosas desta proposta de lei regulamentadora. Passou por cima da questão da acção sindical nas empresas e do crédito dos dirigentes sindicais, da alteração à lei das comissões de trabalhadores, das questões que têm a ver com a igualdade no trabalho, das questões relacionadas com o estatuto do trabalhador-estudante.
De qualquer forma, falou da terceira fase da regulamentação do Código do Trabalho, mas limitou-se a falar sobre o trabalho temporário. Por que é que omitiu, por exemplo, a questão central e urgente em relação ao regime dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais? Omitiu, também, a questão das incapacidades. Isto tem a ver com algum incómodo para as seguradoras?
Em relação à proposta de lei, pergunto-lhe por que é que foi incluída matéria nova que não decorria do próprio Código do Trabalho, designadamente sobre a redução da actividade e a suspensão do contrato, o que, após leitura atenta, equivalerá, na prática e inevitavelmente, por legalizar o lock-out, coisa proibida pela Constituição da República.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Portugal.
A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, como já tivemos oportunidade de afirmar noutras ocasiões, nomeadamente aquando da discussão do Código do Trabalho, pensamos que o discurso e a prática deste Governo são, no mínimo, contraditórios.
Em nosso entender, esta proposta de lei, que regulamenta a lei que aprovou o Código do Trabalho, é, de facto, um exemplo do que acabo de dizer.
Com efeito, o Governo não aproveita esta regulamentação, nomeadamente na parte atinente à igualdade e não discriminação e à protecção da maternidade e da paternidade, para dar um sinal claro e positivo à sociedade, traduzido na eventual instituição de mecanismos que promovam, de forma efectiva, a partilha da responsabilidade entre os pais e a conciliação da vida familiar com a vida profissional.
Sr. Ministro, creio que este é um problema que muitas vezes se diz ser de mulheres, mas, de facto, não é apenas de mulheres, é um problema que tem em si um objectivo de organização social democrática, como penso que todos pretendemos.
No entanto, Sr. Ministro, registo com agrado que o Governo acolheu propostas do PS que foram apresentadas para integrar o Código do Trabalho e que, na altura, tão vivamente foram rejeitadas pela maioria, designadamente a irrenunciabilidade da licença de paternidade, ou a equiparação do parto à consulta pré-natal, ou, ainda, como, aliás, referiu, a manutenção do direito ao subsídio da segurança social nos primeiros 15 dias de licença parental a gozar pelo pai, desde que imediatamente a seguir à licença de maternidade ou paternidade.
Contudo, esta regulamentação continua com várias omissões e insuficiências - podemos usar vários adjectivos - no mesmo sentido.
Para além da já aludida ausência completa de mecanismos que promovam a partilha e a conciliação, estranhamos, por exemplo, a inexistência de qualquer norma de indiciação de discriminação ou de enquadramento orgânico funcional da CITE (Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego), o que, provavelmente, determinará a extinção desta entidade que, como sabemos, tem competências para assegurar os direitos de igualdade no trabalho e no emprego.
Verificamos, ainda, a adopção de conceitos incorrectos como o do valor de trabalho igual, o que só contribuirá para penalizar as mulheres trabalhadoras. Mais uma vez, Sr. Ministro, o vosso discurso e a vossa prática são, de facto, contraditórios.
Posto isto, deixo-lhe duas perguntas muito concretas.
Está V. Ex.ª, o Governo e os partidos que o apoiam, em condições de assumir, neste Plenário, aqui e agora, o compromisso de aceitar que, em sede de especialidade, sejam supridas as omissões que referi e corrigidas as insuficiências?
Está V. Ex.ª na disposição de acertar o passo entre o discurso que tem e a prática que o seu Ministério segue em matéria de igualdade e não discriminação e de conciliação da vida familiar com a vida profissional?
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Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder em conjunto aos três pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Ministro da Segurança Social e do Trabalho.
O Sr. Ministro da Segurança Social e do Trabalho: - Sr. Presidente, em primeiro lugar, agradeço aos Srs. Deputados as questões que me colocaram.
Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado Pedro Roque, também aflorada pelo Deputado Jerónimo de Sousa, gostaria de deixar várias coisas muito claras.
Em primeiro lugar, temos vindo a assistir, particularmente nos últimos 10 anos, a encerramentos selvagens de empresas - e, curiosamente, com maior incidência no final dos anos 90. Certo é que há um total vazio de legislação nesta matéria.
A partir momento em que o Governo apresenta uma proposta de lei com um determinado tipo de regras procedimentais, nomeadamente garantias para os trabalhadores quanto aos seus salários e quanto a garantias futuras em termos cessação do contrato de trabalho, proibição de os empresários poderem praticar determinados actos, designadamente ao nível da transmissão de activos da empresa, imposição de pesadas sanções contra-ordenacionais e levando mesmo a pena de prisão até 2 anos - respondo também à Sr.ª Deputada Luísa Portugal -, "aqui D'el-rei" porque, de repente, o que aconteceu é que passamos do zero para algo que certamente pode ser melhorado com propostas concretas (e não tenho quaisquer dúvidas que a maioria estará aberta a isso) e não apenas com um discurso que, além do mais, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, procura confundir duas coisas bem distintas: o lock-out e os encerramentos selvagens.
Como sabe, o lock-out é uma situação que, embora inconstitucional, só pode ser visto no âmbito de um conflito colectivo. Ora, muitas vezes, estes encerramentos ditos selvagens de empresas ocorrem em circunstâncias que não estão inseridas numa lógica de conflito colectivo. Portanto, pretende-se assimilar a ideia do lock-out à ideia destes encerramentos selvagens que, até agora, como ainda ontem disse o Sr. Secretário de Estado numa entrevista, podiam ser feitos de segunda para terça-feira, overnight. Agora que há este tipo de regras, os senhores preocupam-se com o que se deviam ter preocupado anteriormente, ou seja, a inexistência de regras.
Em segundo lugar, respondo à questão muito concreta colocada pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa relativamente a acidentes de trabalho, doenças profissionais e trabalhadores com capacidade de trabalho reduzida.
Tratando-se de uma matéria não só sensível do ponto de vista social mas exigente do ponto de vista processual e técnico, foi consensual entre todos os parceiros sociais, em sede de concertação social, que a mesma deveria ser tratada à parte relativamente à proposta de lei que regulamenta o Código do Trabalho que apresentamos nesta Câmara. Foi apenas essa a razão e, repito, numa lógica que teve não só a concordância como, de um modo geral, o apoio de todos os parceiros sociais em sede de concertação social.
Na minha intervenção, dada a limitação de tempo, não pude citar todos os aspectos importantes desta regulamentação. Como disse, passei ao lado de alguns.
Registo ainda que o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa e, de algum modo, a Sr.ª Deputada Luísa Portugal passaram ao lado de duas importantes medidas de apoio à maternidade, de conciliação de tempos de trabalho e de família, que há pouco referi, as quais vêm juntar-se a muitas outras que temos vindo a tomar: discriminação positiva dos jardins de infância e das creches das instituições de solidariedade social que tenham um horário mais alargado; uma portaria recente que permite apoios à contratação e à formação profissional concedidos a empresas que se criem no âmbito da guarda e apoio de crianças e de assistência a crianças e jovens com dificuldades escolares. Enfim, um conjunto de medidas que vêm sendo tomadas e que revelam esta grande preocupação de diminuir as dificuldades que resultam justamente da sempre difícil conciliação dos tempos para o trabalho e para a família.
Quanto à questão concreta que a Sr.ª Deputada colocou, respondo-lhe que, em sede de especialidade, o Governo, em articulação com a maioria, está disposto a melhorar alguns aspectos em que possa haver melhoria, como é óbvio.
No entanto, deixe-me dizer-lhe que, por exemplo, a questão da irrenunciabilidade à licença de paternidade, aspecto que a Sr.ª Deputada citou, não foi considerada no Código do Trabalho porque entendeu-se que, tecnicamente, era mais ajustado considerá-la em sede de regulamentação, conforme está expresso na presente proposta de lei.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
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O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, este é, com toda a certeza, mais um momento marcante em relação à aprovação de uma legislação laboral, em Portugal, que se caracteriza pela inovação, pela modernidade e pelo acompanhamento do que é, também, a legislação de outros Estados da União Europeia.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Esta é, claramente, uma aposta da actual maioria, esta é, claramente, uma aposta do Governo.
Claro que, perante isto, a oposição muitas vezes berra,…
O Sr. Artur Penedos (PS): - Quem berra é o senhor!
O Orador: - … muitas vezes mostra incómodo, como, aliás, poderemos ver perante a reacção das várias bancadas da esquerda.
As propostas que hoje discutimos dizem respeito a matérias extraordinariamente importantes, desde logo no modo como se determina a aplicação do princípio da igualdade, o qual consiste em tratar de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente. É o abandono da perspectiva meramente igualitária que alguns têm, independentemente das circunstâncias. Eis um bom avanço.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - De igual modo, há bons avanços em relação à matéria da não discriminação e, ainda, quanto à nova atenção que é prestada à realidade familiar e à protecção da maternidade e da paternidade.
Sr. Ministro, queria questioná-lo quanto ao trabalho de menores e à participação de menores em actividades artísticas e culturais.
Gostaria de saber se é possível especificar os avanços que se verificam em relação a essa matéria, no âmbito da saúde, no do desenvolvimento físico e moral, no da educação e no âmbito do aproveitamento escolar. É que são caminhos como este que devem ser seguidos pela legislação laboral.
Por outro lado, também há novidades em relação à formação profissional, domínio em que as apostas são claras.
Queremos um Portugal moderno, queremos uma legislação laboral moderna e, para isso, com certeza poderá contar com a bancada do CDS-PP.
Aplausos do CDS-PP.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Lino de Carvalho.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro Bagão Félix, disse o Sr. Primeiro-Ministro Durão Barroso à Câmara e ao País que tinha fé num acordo social para a competitividade. Ora, a avaliar pelos pareceres das organizações sindicais e até de organizações patronais sobre a regulamentação do Código do Trabalho, parece que esse objectivo não vai de feição. A avaliar também pela sua intervenção, Sr. Ministro, parece que as coisas não correm bem e, no entanto, o Sr. Primeiro-Ministro deixou-o como penhor desse propósito.
Não sei, mas parece-me que esse tal acordo social para a competitividade estará nos termos a que o Sr. Ministro aludiu - a vacuidade contemplativa -, o que faz toda a diferença política.
Aliás, o azedume com que nos falou do diálogo e da capacidade de tomada de decisões parece que contradiz o que foi a manifestação de esperança do Sr. Primeiro-Ministro.
Vamos à regulamentação do Código do Trabalho.
É nosso entendimento que a regulamentação do Código do Trabalho visa, em alguns aspectos, dificultar a acção dos sindicatos, das comissões de trabalhadores, piorar direitos dos trabalhadores, penalizar o trabalho. Mas talvez que o mais lamentável, pelo simbolismo que implica, e o que é verdadeiramente mais simbólico e negativo é o que se passa com o regime do trabalhador-estudante.
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Quando há um diagnóstico comum de que é necessário desenvolver a qualificação, é necessário garantir que no trabalho haja a possibilidade de estudar, quando sabemos que o nosso país tem elevadíssimos índices de abandono escolar precoce, o que nos traz a regulamentação do Código do Trabalho em relação à lei vigente? É dado um sinal às entidades patronais de que podem violar aqueles direitos.
No código, dizia-se que a violação de direitos do regime do trabalhador-estudante constituía uma contra-ordenação grave; agora, só a violação de alguns direitos constitui contra-ordenação grave, enquanto que a violação de outros já é uma contra-ordenação leve. Por exemplo, a marcação de férias para um trabalhador-estudante e a não concessão dos direitos que tem quando está em regime de adaptabilidade já são contra-ordenações leves.
Mas, mais: são restringidos os factores impeditivos do aproveitamento escolar e onde antes, na lei em vigor, se podia ler que os factores poderiam ser todos aqueles que não fossem imputáveis ao trabalhador, neste momento, só são considerados alguns factores para a possibilidade de não aproveitamento escolar e para a manutenção desse regime do trabalhador-estudante.
Outras questões são aqui limitativas, ou seja, sem entrar no máximo detalhe sobre isto, aquilo que deveria ser exactamente o ponto principal para a produtividade, para o desenvolvimento dos direitos e para uma mutação no modelo económico-social, que era favorecer a escolarização e a qualificação, aparece-nos aqui de forma mitigada.
Assim, chego à seguinte conclusão (e o Sr. Ministro contradiga-me, se eu estiver errado): serão necessários 10 relatórios McKinsey encomendados por este mesmo Governo para entender que é preciso apostar na qualificação? Para entender que estamos a andar para trás, quando retiramos direitos aos trabalhadores-estudantes? É que esta é a realidade que aqui observamos.
Sr. Ministro da Segurança Social e do Trabalho, este é o símbolo deste Governo…
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado, o seu tempo chegou ao fim há bastante tempo. Tem de concluir.
O Orador: - … e da limitação dos direitos sociais e do modelo económico alternativo que tem vigorado.
O empecilho não é a legislação do trabalho. O empecilho é a política deste Governo.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Muito bem!
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.
O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Segurança Social e do Trabalho, em 27 de Abril de 2003, esta Câmara aprovou o Código do Trabalho, a Lei n.º 99/2003. Fê-lo em consequência de uma promessa do Governo, de que era absolutamente indispensável rever as leis laborais. Fê-lo na sequência de um processo de formação de lei, que é seguramente uma matriz de referência daquilo que deve consubstanciar um processo de formação de lei laboral, à luz da concertação social, à luz daquilo que é o diálogo social, à luz daquilo que é a participação efectiva daqueles que devem discutir toda esta problemática. Fê-lo também num debate permanente com a própria sociedade civil, como nunca anteriormente tinha sucedido.
Estamos, por isso, satisfeitos, considerando que o Código do Trabalho é um diploma que, por um lado, compatibiliza aquilo que é a promoção de melhores níveis de produtividade e competitividade, ao mesmo tempo que acentua os direitos dos trabalhadores, o premiar do mérito, ao fim e ao cabo, aquilo que é indispensável para uma relação de trabalho.
Chegamos, hoje, à discussão da regulamentação do Código do Trabalho. Estamos a fazê-lo à luz de mais uma promessa do Governo, a de que toda a legislação especial deveria ser apresentada em um ou dois diplomas.
O Sr. Ministro já referiu que, relativamente aos acidentes de trabalho, e, porventura, na sequência daquilo que é uma opinião comum dos parceiros sociais, importava pensar um pouco melhor, pelo que, em matéria de acidentes de trabalho, teremos um diploma próprio.
Mas, neste diploma, está todo um conjunto de institutos que vêm regulamentar e dar vida total, quase na íntegra, àquilo que é o Código do Trabalho. Saudamos esta situação.
Queremos também dizer que é bom que o Governo traga esta proposta assente em dois pressupostos: por um lado, num conjunto de directivas comunitárias que são transpostas, e, por outro, no respeito integral pela Constituição da República Portuguesa e pelos seus princípios fundamentais.
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É isto que encontramos, desde logo, no instituto da igualdade e na protecção da maternidade e paternidade, sublinhando aqui a importância do direito à informação - a necessidade de as entidades empregadoras terem um espaço próprio de informação para os trabalhadores e de todos e cada um, enquanto sujeitos de uma relação de trabalho, saberem quais são os seus direitos.
Sublinhamos também aquilo que é o trabalho de menores e, muito em particular, as normas especiais relativamente aos menores que intervêm enquanto sujeitos de uma relação de trabalho, com a representação dos seus pais, em espectáculos públicos, um regime especial que encontra correspondência e apoio da própria CGTP.
Enfim, todo um conjunto de matérias.
Permito-me deixar ainda aqui duas notas finais: a importância da segurança, higiene e saúde no trabalho, como forma de prevenir os acidentes de trabalho, um instituto que, de uma vez por todas e finalmente, é regulamentado dessa forma.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado, o seu tempo chegou ao fim. Tem de terminar.
O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente, com duas questões muito concretas, porque o tempo não dá para mais.
O Sr. Ministro referiu que, em sede de especialidade, muito se pode fazer, particularmente em termos de protecção da maternidade e da paternidade. Gostaria que deixasse muito claro, pela importância que esta matéria tem, aquilo em que, em concreto, se pode ir mais além.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado, tem mesmo de terminar.
O Orador: - Só uma nota final: a importância do instituto da segurança, higiene e saúde no trabalho, quanto aos direitos, e a prevenção que pode significar para os próprios acidentes de trabalho.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para responder, tem a palavra o Sr. Sr. Ministro da Segurança Social e do Trabalho.
O Sr. Ministro da Segurança Social e do Trabalho: - Sr. Presidente, Srs. Deputados Diogo Feio, Luís Fazenda e Francisco Martins, agradeço-lhes as questões que me colocaram.
Sr. Deputado Diogo Feio, o trabalho de menores é, de facto, para nós, uma questão importante, fundamentalmente em termos de protecção do seu desenvolvimento intelectual, físico e psíquico, de aproveitamento escolar e da erradicação de fórmulas às vezes um pouco sofisticadas, nesta área da cultura, da publicidade e dos espectáculos, relativamente ao trabalho de menores.
Creio que o que está previsto nesta proposta de lei consagra um conjunto de responsabilidades importantes ao nível do número de horas em que é possível realizar esse tipo de trabalho, dos intervalos e dos descansos a que há lugar, da autorização prévia da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens, justamente um conjunto de defesas fundamentais para atingir estes objectivos, sem pôr em causa necessariamente a possibilidade, dentro destas regras, destas actividades culturais, artísticas e de outra natureza.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado Luís Fazenda começou por fazer uma observação no que se refere à concertação social. Certamente, tem memória curta, porque se esqueceu de que o Código do Trabalho, aprovado nesta Câmara, resulta de um compromisso, que foi possível encontrar, entre o Governo e um parceiro empresarial e sindical, depois de um grande trabalho ao nível do diálogo e da concertação social.
Naturalmente, para o Bloco de Esquerda, teria sido preferível que não tivesse havido esse acordo, mas o que é certo é que ele existiu e foi uma mais-valia, foi um elemento patrimonial indiscutível do Código do Trabalho que hoje temos em vigor.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes): - Sem dúvida!
O Orador: - Quanto à questão dos trabalhadores-estudantes, a reformulação do Estatuto do Trabalhador-Estudante, prevista nesta proposta de lei, tem subjacente uma ideia fundamental, que é esta: quem tem direitos, tem deveres. E, nesta matéria, temos de reconhecer, designadamente no artigo 151.º da
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proposta de lei, que, de algum modo, o Sr. Deputado citou, que, por exemplo, a existência de falsas declarações tem de ser punida, face à necessidade de credibilizar a figura do trabalhador-estudante.
O Sr. Luís Fazenda (BE): - Não é essa a questão!
O Orador: - Também se esqueceu, por exemplo, de dizer que os trabalhadores-estudantes passaram a ter um dia de dispensa por mês, quando estão em regime de adaptabilidade do horário de trabalho.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Esqueceu-se!
O Orador: - Ou seja, há aqui uma visão de conjugação adequada entre direitos e deveres. Não há direitos retirados; o que há é deveres reforçados,…
Vozes do PS, do PCP e do BE: - É falso!
O Orador: - … em nome da exigência, da seriedade, da responsabilidade e da solidariedade com todos os trabalhadores que trabalham no seio de cada uma das empresas. E este aspecto é tanto mais importante quanto nós sabemos que, nesta matéria, há excelentes exemplos, mas também há maus exemplos, que a todos nós compete eliminar e erradicar.
Sei que os Srs. Deputados do Bloco de Esquerda têm uma visão fóbica do dever, da empresa, da iniciativa, do risco e do mérito,…
Risos do Deputado do BE Luís Fazenda.
… mas esta é uma questão que têm de resolver dentro da vossa própria casa,…
O Sr. Luís Fazenda (BE): - Isso é uma fantasia!
O Orador: - … porque é isso que faz o progresso e alimenta o futuro, e não a tirania do igualitarismo (para citar o Deputado Diogo Feio). A tirania do igualitarismo é inimiga do progresso e, pelo contrário, a igualdade de oportunidades é amiga do desenvolvimento e da justiça social.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado Francisco José Martins, quero agradecer-lhe os incitamentos e o modo como analisou a proposta de lei que o Governo hoje apresenta. Espero que esta proposta permita, de facto, alargar o direito à informação, um direito fundamental, bem como o direito à prevenção, aliás, mais do que o direito à prevenção, diria, o direito à promoção (sendo a promoção uma etapa mais exigente da prevenção), em termos da segurança, higiene e saúde no trabalho.
Neste sentido, creio que também a nova legislação relativa aos acidentes de trabalho, às doenças profissionais e aos trabalhadores com capacidade de trabalho reduzida vai ser um elemento de grande exigência para todos - para a administração social, isto é, para o Estado, para os empregadores e para os trabalhadores -, numa matéria em que a cooperação é fundamental porque todos ganham e ninguém perde com o desenvolvimento da promoção, da prevenção e da reparação, na segurança, higiene e saúde no trabalho.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para apresentar o relatório da Comissão do Trabalho e dos Assuntos Sociais, tem a palavra, por 3 minutos, o Sr. Deputado Rui Cunha.
O Sr. Rui Cunha (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O relator optou por apresentar à Comissão do Trabalho e dos Assuntos Sociais um relatório factual em torno da proposta de lei n.º 109/IX, remetendo para Plenário as posições políticas dos vários grupos parlamentares. As conclusões e o parecer foram aprovados com os votos a favor do PSD, do CDS-PP e do PS e a abstenção do PCP.
Através da proposta de lei n.º 109/IX, visa o Governo proceder à regulamentação das matérias constantes do Código do Trabalho, aprovado através da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto.
O Código do Trabalho, composto por 689 artigos, que procedeu à reunificação num único diploma dos vários regimes jurídico-laborais dispersos, contém um vasto conjunto de matérias, cuja entrada em
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vigor está dependente da aprovação de regulamentação através de legislação especial, objectivo este que o Governo pretende alcançar através da proposta de lei objecto do presente relatório e parecer.
A proposta de lei vertente, composta por 38 capítulos e 480 artigos, vem regulamentar grande parte daquelas matérias, embora ainda deixe de fora outras matérias que carecem de igual modo de regulamentação, maxime as atinentes ao regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais e aos trabalhadores com capacidade reduzida.
O relator salienta ainda o facto de a regulamentação proposta incidir sobre algumas matérias que deveriam, na sua opinião, ter sido objecto de inclusão no próprio Código do Trabalho e não em sede regulamentar.
Finalmente, o relator chama a atenção para a necessidade da Comissão Parlamentar do Trabalho e dos Assuntos Sociais promover a realização de audições parlamentares com os principais destinatários da regulamentação que se pretende ver aprovada, que deveriam ter já decorrido antes da realização do presente debate.
De acordo com os considerandos formulados pelo relator ao longo do relatório, a Comissão do Trabalho e dos Assuntos Sociais aprovou as seguintes conclusões:
A Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho, veio reunir num único instrumento jurídico toda a disciplina jurídico-laboral até então dispersa, contendo um vasto conjunto de normativos, quer no âmbito do direito individual quer no âmbito do direito colectivo, cuja entrada em vigor está dependente da aprovação de legislação especial;
Através da proposta de lei n.º 109/IX, visa o Governo proceder à regulamentação das matérias constantes do Código do Trabalho, que carecem de regulamentação;
A proposta de lei em apreço incide sobre um vasto conjunto de matérias, sem embargo de, como, aliás, em alguns casos, o próprio Código já previa, estar ainda dependente da aprovação de legislação especial;
No plano da sistematização e das soluções normativas que espelha, deve a proposta de lei vertente ser objecto de uma aturada reflexão em sede de especialidade, com a participação de todas as forças políticas e das estruturas representativas dos trabalhadores e dos empregadores, por forma a que o Parlamento possa adoptar um enquadramento jurídico equilibrado, adequado e conforme aos interesses que importa tutelar;
A proposta de lei n.º 109/IX foi, nos termos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis, remetida pela Comissão do Trabalho e dos Assuntos Sociais para discussão pública, que decorreu no período entre 30 de Janeiro e 28 de Fevereiro de 2004, tendo sido recebidos 2428 pareceres, dos quais 38 de comissões, 1 de federações sindicais, 28 de sindicatos, 6 de uniões sindicais, 2 de confederações sindicais (UGT e CGTP-IN), 1 de confederação patronal (CIP) e 2352 pareceres de sindicatos e de comissões de trabalhadores;
A generalidade dos pareceres recebidos apresenta uma apreciação negativa sobre várias normas da proposta de regulamentação do Código do Trabalho apresentada pelo Governo;
A proposta de lei n.º 109 /IX deverá ser objecto de audições no decurso da discussão na especialidade, a realizar com os parceiros sociais, de modo a que o Parlamento possa melhor conhecer as posições dos principais destinatários da regulamentação a aprovar.
Por último, a Comissão do Trabalho e dos Assuntos Sociais considerou que a proposta de lei n.º 109/IX preenche, salvo melhor e mais qualificado entendimento, os requisitos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis para poder ser discutida e votada pelo Plenário da Assembleia da República.
Os Grupos Parlamentares reservam as suas posições de voto para o Plenário da Assembleia da República.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.
O Sr. Ana Manso (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Segurança Social e do Trabalho, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos aqui hoje para discutir uma iniciativa legislativa do Governo que representa mais um marco no percurso decisivo de modernizar Portugal, de desenvolver o País em condições económicas e sociais harmoniosas, criando mais e melhor emprego.
Mas é também a adopção de um novo modelo de relações laborais, mais equilibradas, que envolva trabalhadores e empregadores na mesma luta de vencer as batalhas da competitividade e da produtividade, colocando Portugal ao nível dos demais parceiros europeus.
De facto, Portugal surge como o país da União Europeia, e mesmo da OCDE, que apresenta maior
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rigidez na legislação de protecção ao emprego. E, como é sabido, segundo os estudos científicos existentes, uma legislação de protecção ao emprego rígida, reduz a criação do emprego e destrói o emprego já existente.
O Governo tem vindo a contrariar esta situação, procurando combater o desemprego e aumentar a produtividade do País, através da adopção de medidas concretas de política social e económica sérias e responsáveis que, a breve trecho, darão, certamente, os seus resultados.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - A reforma da legislação laboral em curso configura, pois, um inegável combate a estas situações, através do aumento da flexibilidade do mercado de trabalho.
O objectivo é a adequação da legislação laboral ao mundo actual e às actuais necessidades dos trabalhadores e das empresas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - O objectivo é permitir uma melhor organização interna, mediante uma flexibilidade horária, funcional e geográfica, que permita atingir maiores níveis de produtividade e competitividade, gerar mais investimento e criar mais e melhor emprego.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
A Oradora: - Com efeito, o Código do Trabalho, que entrou em vigor no passado dia 1 de Dezembro, após um processo discutido em toda a sociedade civil - verdadeiro referencial de concertação social e de debate nesta Assembleia da República -, constitui um diploma estrutural que regulamenta as relações laborais em Portugal. Mas é também um instrumento imprescindível na modernização das leis laborais e, ainda, uma exigência do espaço europeu e da economia mundial.
Na verdade, o grande desafio da economia portuguesa é o da competitividade no mercado europeu e global, sendo essencial criarmos condições para aumentar a produtividade e a competitividade das nossas empresas, facilitando a sua adaptação aos desafios das novas tecnologias e da globalização dos mercados.
Impõe-se, pois, modernizar as leis laborais como forma, por excelência, de enfrentar os novos desafios que a todos nos são propostos em resultado das modificações da sociedade, da economia e, sobretudo, das novas relações de trabalho.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - É preciso regular as novas formas de organização do trabalho, sem esquecer os direitos dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, perseguindo os objectivos da competitividade e da produtividade, como única forma de garantir os postos de trabalho existentes e de criar novos empregos.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Desde logo, porque permite a criação de condições para o desenvolvimento da competitividade e da maior produtividade, pelo recurso à flexibilidade horária, funcional e geográfica bem como ao regime da adaptabilidade. Depois, porque consagra de forma expressa e inequívoca, novos e melhores direitos dos trabalhadores, designadamente ao nível dos direitos da personalidade bem como da igualdade e da não discriminação. E, ainda, porque se reforçam os direitos relativos à maternidade e paternidade, com vista à compatibilização da vida familiar e das responsabilidades educativas dos trabalhadores com a sua vida profissional, através da adopção de medidas até aqui inexistentes, como a passagem voluntária a um regime laboral de tempo parcial ou com flexibilidade de horário para quem tem filhos menores de 12 anos ou as faltas para assistência a netos.
O Sr. Artur Penedos (PS): - O pior são os baixos salários!
A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Código do Trabalho é, para além de uma reforma necessária e corajosa, efectivamente amigo da economia e amigo dos trabalhadores.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
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A Oradora: - Mas, para a plena entrada em vigor e completo sucesso deste Código, torna-se necessário aprovar a respectiva regulamentação. É o que a todos se nos pede, hoje e aqui nesta Câmara.
Estão em causa matérias que, devido ao seu conteúdo não se justificava que constassem de um diploma com a natureza de código mas que não deixam, por isso, de ser importantes, na medida em que condicionam a aplicação e a exequibilidade de grande parte das suas normas. As regras adoptadas na proposta em discussão revelam uma visão personalista da sociedade, evidenciando as preocupações humanistas e sociais deste Governo.
Conforme prometido, esta proposta consagra quase que o universo de matérias sujeitas a regulação especial, de modo a concentrar num só diploma o que até aqui se repartia por uma panóplia imensa de diplomas, objectivo, aliás, também perseguido e alcançado pelo Código do Trabalho.
Por outro lado, o PSD evidencia, uma vez mais e com enorme satisfação, o espaço de diálogo e de concertação social que esteve subjacente ao processo de formação desta proposta.
Mas, permitam-me que destaque, entre outros, os seguintes estatutos: a igualdade e não discriminação; a protecção do património genético; a protecção da família, em particular, na promoção da maternidade e da paternidade; a protecção do trabalho de menores; o trabalhador-estudante; a formação profissional; a segurança, higiene e saúde no trabalho; o regulamento das comissões de trabalhadores e das associações sindicais; a responsabilidade penal, com a criação de novos tipos de crime e a responsabilidade contra-ordenacional.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com a aprovação e entrada em vigor deste novo diploma, Portugal terá um novo quadro legal regulador das relações de trabalho mais moderno e mais conforme com um país da União Europeia.
O Código do Trabalho, agora complementado pela respectiva legislação regulamentar,…
O Sr. Artur Penedos (PS): - Complementado, disse bem! E não regulamentado!
A Oradora: - … concretiza um quadro normativo que, simultaneamente, permite, a empregadores e a trabalhadores, promover melhores níveis de produtividade, gerar empresas mais competitivas e criar melhores condições de trabalho.
Mais: o Código do Trabalho e a legislação regulamentar são um compromisso sério e responsável para com as gerações do futuro. Da sua aplicação concreta, estamos seguros de que retiraremos os benefícios que melhor interessam ao País, às empresas e especialmente aos trabalhadores.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Cunha.
O Sr. Rui Cunha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 109/IX, que regulamenta a Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho, é uma iniciativa que vem confirmar as opções erradas que o Governo, o PSD e o CDS-PP impuseram no Código do Trabalho. Mas é também uma iniciativa decepcionante, que não cumpre sequer os mínimos que lhe eram exigíveis à luz dos critérios que os seus autores escolheram.
É decepcionante, em primeiro lugar, porque deixa por resolver parte dos problemas criados pelo próprio Código do Trabalho de que derivam, para já, três problemas principais: a inadequação sistemática e a vastidão excessiva coexistem com lacunas regulamentares de indiscutível relevância.
O Sr. Artur Penedos (PS): - Muito bem!
O Orador: - Se a presente proposta de lei for aprovada sem modificações profundas, o direito do trabalho português continuará a ter uma sistematização incompreensível, com matérias idênticas reguladas em diferentes sedes ou dispersas por múltiplas sedes.
A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - Muito bem!
O Orador: - No que respeita à vastidão, lembremos que aos 21 artigos da Lei n.º 99/2003 e aos 689 artigos do Código do Trabalho se somam, desde já, os 480 artigos da proposta de lei que hoje debatemos.
A estes 1190 artigos juntar-se-ão, entre outros, e em prazo que se não conhece, os que hão-de vir a regulamentar os regimes da segurança social aplicáveis às licenças, faltas e dispensas por maternidade e paternidade, os períodos de funcionamento das empresas, os trabalhadores com capacidade reduzida, os inúmeros aspectos respeitantes à segurança, higiene e saúde no trabalho, os aspectos quer da arbitragem
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obrigatória quer da arbitragem de serviços mínimos em caso de greve.
O Sr. Artur Penedos (PS): - Bem lembrado!
O Orador: - Estamos, pois, a caminho de não ter nem menos normas nem um ordenamento juslaboral mais compreensível, o que não podemos deixar de considerar decepcionante.
Acresce que muitas das soluções substantivas contidas na proposta de lei que regulamenta o Código do Trabalho não podem merecer o nosso acordo. Não nego que, num ou noutro aspecto, há pontos positivos; são disso exemplo a irrenunciabilidade do uso da licença por paternidade, a que juntaria a regulamentação da participação dos menores em espectáculos e outras actividades, a equiparação das consultas de preparação do parto às consultas pré-natais e, no domínio colectivo, a regulamentação da eleição dos representantes dos trabalhadores para a segurança, higiene e saúde no trabalho e a das arbitragens.
Mas, em alguns destes domínios, o mérito do Governo consiste em dar seguimento a projectos que estavam em preparação ou, noutros casos, a aceitar agora o que antes recusara. Infelizmente, trata-se de um pequeníssimo número de excepções.
É também verdade que, em diversos regimes jurídicos, a proposta em apreço segue de perto e acolhe em larga medida as soluções em vigor, mas, num vasto elenco de matérias, afigura-se pouco clara e contém soluções que, uma vez mais, vêm penalizar os direitos dos trabalhadores.
Na generalidade dos casos, as soluções propostas merecem a discordância frontal do Partido Socialista. Vejamos alguns exemplos: qual é a vantagem para a economia nacional de alargar o conceito de trabalho no domicílio?
Por que não se instituíram normas que regulem de forma adequada a conciliação entre a vida pessoal e a vida familiar e a partilha de responsabilidades entre pais e mães? E por que motivo não se incluiu na regulamentação do Código do Trabalho a definição dos critérios que indiciam a prática da discriminação?
O que poderá justificar que o regime de participação dos menores em espectáculos, ou em outras actividades, não se aplique ao trabalho independente, precisamente um dos regimes de trabalho mais frequente neste grupo etário?
O Sr. Artur Penedos (PS): - Bem lembrado!
O Orador: - Em que se fundamentam as decisões de instituir, quanto aos trabalhadores-estudantes, a restrição do conceito de aproveitamento escolar ou de se fazer depender o gozo do período de 15 dias de férias da sua compatibilidade com o mapa de férias elaborado pelo empregador? Como se justificam tais restrições, num País com as consabidas insuficiências de formação?
Quais são as razões que justificam a total omissão da regulamentação da formação inicial não destinada a jovens? Alguém se atreverá a justificar tal decisão com futuras iniciativas, dois anos após o início da legislatura e depois de o PSD e do CDS-PP terem, aqui, reprovado uma iniciativa legislativa do Partido Socialista que visava dar cumprimento às medidas do Acordo sobre Política de Emprego, Mercado de Trabalho, Educação e Formação?
Quais são os imperativos do aumento da produtividade empresarial que justificam a diminuição dos créditos de horas dos representantes dos trabalhadores nas empresas de maior dimensão?
Por que motivo a proposta de lei em apreço inclui uma regulamentação da eleição dos representantes dos trabalhadores para a segurança, higiene e saúde no trabalho que ambas as confederações sindicais com assento na comissão permanente consideram inaceitável? E em que motivos se fundamenta um regime contra-ordenacional que deixa sem sanção o incumprimento de diversas normas e que não consagra, frente à pluralidade de infracções, a proporcionalidade da sanção em função do número de trabalhadores afectados?
O Sr. Artur Penedos (PS): - Expliquem lá isso!
O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A atitude dos parceiros sociais, quanto a esta proposta de lei, é explícita e de recusa unânime. Pela nossa parte, compreendemos que assim seja.
Como dissemos em devido tempo, o Código do Trabalho, cuja regulamentação hoje discutimos, não faz o que deve e faz o que não deve,…
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - … porque assenta numa concepção excessivamente estatista - impõe legalmente
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soluções de pronto-a-vestir quando a compatibilização entre os direitos dos trabalhadores e as necessidades das empresas exigem normas adaptáveis, que valorizem e promovam a negociação colectiva.
Porque desconfiam da negociação colectiva, o Código primeiro e as soluções propostas para o regulamentar depois, não resolvem, ou resolvem mal, as limitações ao objecto da negociação colectiva, deixam por resolver aspectos relevantes das contradições já detectadas entre as normas do Código, quanto à vigência e denúncia das convenções colectivas, e tratam de forma insuficiente e inadequada a regulamentação das arbitragens.
O Sr. Artur Penedos (PS): - Bem lembrado!
O Orador: - Porque se afadigam em reduzir o poder dos sindicatos, o Código primeiro e a sua regulamentação agora, limitando a actividade dos representantes dos trabalhadores no local onde ela é mais necessária - no interior das empresas -, burocratizam as eleições dos seus representantes e restringem-lhes o acesso à informação.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Às más soluções impostas pelo Código do Trabalho vem agora juntar-se uma proposta de regulamentação decepcionante que consagra opções inadequadas e, em alguns pontos, piora o mal que já estava feito.
Em nosso entender, nenhuma regulamentação poderia transformar o Código do Trabalho numa lei à altura dos desafios actuais, mas uma boa regulamentação poderia esclarecer equívocos e colmatar lacunas. E, no nosso entender, não faz bem nem uma coisa nem outra, e, por isso, votaremos contra. Porém, não deixaremos de apresentar, na fase que se segue, propostas que entendemos que podem diminuir os inconvenientes e a inadequação das soluções que o Código do Trabalho consagrou.
Veremos se os Srs. Deputados do PSD e do CDS-PP adoptam, como aconteceu com o Código do Trabalho, uma atitude de bloqueio destas propostas, independente de juízos quanto ao seu mérito, ou se, na linha do que o Sr. Ministro aqui propugnou, desta vez, aceitam votar de acordo com o mérito que a cada proposta assiste.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Segurança Social e do Trabalho, Sr. Secretário de Estado do Trabalho, Sr.as e Srs. Deputados: O novo Código do Trabalho representa um passo decisivo na construção do Portugal do futuro, um futuro ambicioso; representa uma nova forma de pensar o trabalho, a produtividade, o investimento e o emprego.
É um significativo sinal de um Portugal moderno, produtivo e competitivo, pronto a percorrer o século XXI como país europeu que é, adaptado às novas realidades da economia, capaz de enfrentar os desafios de um mundo globalizado, com competência, eficácia e modernidade, e, acima de tudo, um país com capacidade de afirmação.
Em muitos casos, a entrada em vigor do Código ficou dependente da aprovação de legislação especial. É isto que se pretende fazer com a proposta de lei n.º 109/IX, hoje em apreciação nesta Câmara.
Muitos casos há, em que esta regulamentação, que hoje discutimos, modificou, e bem, legislação existente, tendo tornado a legislação laboral portuguesa mais justa, mais equitativa e mais moderna.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Vejamos, então, alguns exemplos das modificações introduzidas: a matéria de igualdade e não discriminação, regulada no Capítulo IV, foi objecto de um evidente reforço de garantias; foi estabelecido um dever geral de informação relativo aos direitos e deveres do trabalhador em matéria de igualdade e não discriminação, na sequência do II Plano Nacional para a Igualdade (2003-2006).
Os factores de discriminação foram alargados, foram introduzidas definições de discriminação e a protecção contra actos desta natureza foi também ela ampliada.
Por último, mas muito importante, também não foi esquecida a formação profissional.
Outra das marcas caracterizadoras desta regulamentação é a sua essência personalista e a nova atenção que é dada à família. No Capítulo VI está regulada a protecção à maternidade e paternidade, a sua disciplina, embora se mantenha no essencial, sofre algumas alterações reveladoras da atenção que é dada a estes temas; a licença do conjugue por adopção em caso de falecimento do trabalhador foi
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aumentada; o número mínimo de férias obrigatórias foi também ele aumentado em caso de redução do período normal de trabalho para assistência a filho portador de deficiência ou de doença crónica.
O Sr. Artur Penedos (PS): - Quando é que entra em vigor?!
O Orador: - Faz-se uma referência expressa à obrigatoriedade do médico do trabalho determinar a dispensa da prestação de trabalho nocturno quando identificar qualquer risco para a trabalhadora grávida, puérpera ou lactante.
Também o trabalho de menores sofre inovações de relevo nesta nova regulamentação. Esta área é, desde há muito, referida como preocupante, mas é agora que se encontra uma resposta clara e política definitiva.
Aplausos do CDS-PP.
Concretiza-se, entre outras, uma norma que data de 1991 mas que nunca foi aplicada, procedendo à regulamentação da atribuição de uma bolsa para o menor que faça um regime de trabalho a tempo parcial, em virtude da frequência de modalidade de educação ou formação, para que ele seja recompensado pela perda de retribuição que sofrer como consequência.
Também não foram esquecidas as situações de menores que participam em espectáculos e outras actividades. Esta matéria está regulamentada no Capítulo VIII e a ampla difusão que obteve na comunicação social mostra bem a importância que tem esta legislação e a resposta que o Governo agora lhe dá.
Com efeito, são muitas as situações de menores de idade inferior a 16 anos que têm participações remuneradas em espectáculos e outras actividades culturais, artísticas ou publicitárias. Há diversos factores de risco nestas situações que podem, devem e têm de ser acautelados, sob pena de estarmos a pôr em risco o aproveitamento escolar, o desenvolvimento moral e/ou físico e mesmo a saúde destas crianças.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - O Governo - e muito bem - vem com esta regulamentação pôr fim a este vazio legislativo.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Também no Capítulo XVIII, que trata das faltas para assistência à família, são consagradas algumas alterações dignas de nota, passando a incluir parentes e afins no 2.º grau da linha colateral e acrescentando um dia de falta justificada por cada filho, adoptado ou enteado, para além do primeiro.
Por último, é ainda de salientar uma medida essencial na protecção do emprego e que se consubstancia no aumento da taxa social única com base no número de trabalhadores que estejam contratados a tempo parcial. É, também ela, uma medida de restrição do abuso do trabalho a tempo parcial.
No fundo, esta regulamentação do Código do Trabalho, que hoje aqui é apresentada, tem, naturalmente (como o próprio Programa do Governo para esta área), objectivos, tais como o aumento da produtividade e da competitividade, a afirmação e a capacidade de afirmação de Portugal nos contextos europeu e mundial, mas tem, acima de tudo, princípios que presidem a esta reforma legislativa, que são, primeiro que todos os outros, a justiça e a equidade.
Aplausos do CDS-PP.
Neste momento, reassume a presidência o Sr. Presidente, Mota Amaral.
O Sr. Presidente: - Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, tendo em conta que o relógio marca 18 horas, passamos ao período regimental de votações, pelo que vamos interromper esta discussão.
Antes, porém, temos de proceder à verificação do quórum, utilizando, para o efeito, o cartão electrónico.
Pausa.
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Srs. Deputados, o quadro electrónico regista 163 presenças, pelo que temos quórum mais do que suficiente para proceder às votações.
O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, é para uma interpelação à Mesa sobre a condução dos trabalhos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, foi apresentado, pelo Partido Socialista, um voto sobre os acontecimentos do último fim-de-semana num estádio de futebol.
Partimos do princípio de que, tendo havido já declarações sobre esses acontecimentos por parte de outros órgãos de soberania, nomeadamente do Sr. Presidente da República, do Sr. Primeiro-Ministro e de outros membros do Governo, que a Assembleia da República também se deveria pronunciar sobre os mesmos. Tive agora a informação de que a votação desse voto de protesto terá sido adiada.
Por conseguinte, gostaria de perguntar a V. Ex.ª se o confirma e qual a razão do adiamento.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Vitalino Canas, de facto, o voto de protesto a que se refere deu entrada em devido tempo.
No entanto, como V. Ex.ª terá, com certeza, presente, o Regimento, no n.º 5 do artigo 79.º, atribui, a um grupo de, pelo menos, 10 Deputados, a possibilidade de requererem potestativamente o adiamento da votação, para a sessão plenária seguinte, dos votos que não tenham sido distribuídos na sessão anterior, e foi o que se passou.
Deu entrada na Mesa, e foi distribuído, um requerimento subscrito por 11 Srs. Deputados, que identifico como sendo do CDS-PP, prevalecendo-se da prerrogativa prevista na norma que citei do Regimento.
Assim, este voto será apreciado e votado na próxima sessão plenária em que haja período regimental de votações, o que ocorrerá na próxima semana.
Vozes do PCP: - Ainda vão pensar!
O Sr. José Magalhães (PS): - Ainda não estão esclarecidos sobre a matéria!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o poder de apresentar este requerimento é potestativo. Cada um tira livremente as conclusões políticas.
Srs. Deputados, em matéria de votações, apenas temos os pareceres da Comissão de Ética, visto que a discussão dos diplomas que constam da ordem do dia de hoje ainda não está terminada e que ontem procedemos a votações.
Informo já que, no final das votações, tenho uma comunicação a fazer à Câmara sobre um assunto com interesse.
O Sr. Secretário vai proceder à leitura dos relatórios e pareceres da Comissão de Ética.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 3.º Juízo do Tribunal da Comarca da Moita - Processo n.º 299/02.8TASSB -, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado José Magalhães (PS) a prestar depoimento, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o parecer está em apreciação.
Pausa.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado
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pela 2.ª Secção do 3.º Juízo do Tribunal Criminal de Lisboa - Processo n.º 508/00.8TDLSB (94/02) -, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira (PS) a prestar depoimento, por escrito, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Pausa.
Visto não haver objecções, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Por último, de acordo com o solicitado pelo 1.º Juízo B do Tribunal de Instrução Criminal do Porto - Processo n.º 8909/00.5TDPRT -, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado António Nazaré Pereira (PSD) a prestar depoimento, por escrito, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.
Pausa.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
A comunicação que tenho a fazer à Câmara, Sr.as e Srs. Deputados, é a seguinte: ontem, na reunião plenária, para se submeter à apreciação da Assembleia um pedido de votação nominal, exigi que fosse apresentado um requerimento subscrito por um determinado número de Deputados, aplicando o n.º 1 do artigo 107.º do Regimento e o n.º 2 da mesma norma como argumento de maioria de razão.
Posteriormente, foram-me apresentados argumentos que me levam a ficar em dúvida sobre os fundamentos da minha tomada de posição.
Quero não só agradecer a toda a Câmara o modo como acatou a minha interpretação mas também comunicar que hoje escrevi uma carta à Sr.ª Presidente da 1.ª Comissão a pedir um estudo dos precedentes que haja sobre essa matéria e uma interpretação da norma para que, em futura ocasião em que a situação se verifique, possamos seguir um critério que seja mais claro.
Era isto que eu queria comunicar à câmara, para que não fiquem dúvidas sobre a matéria.
Srs. Deputados, vamos agora retomar a discussão da proposta de lei n.º 109/IX.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Primeiro tivemos o Código do Trabalho apresentado como documento da sistematização de todo o edifício jurídico-laboral. Agora somos confrontados com uma proposta de regulamentação com quase 500 artigos, que não se limita a desenvolver princípios e normas já enunciadas no Código do Trabalho mas, antes, pela sua extensão e conteúdo, configura como que um segundo código. E ainda falta uma outra fase que trata, entre outras matérias, das incapacidades, acidentes de trabalho e doenças profissionais.
Como um "mostrengo jurídico", três vezes há-de rondar a Assembleia da República sempre com o objectivo de desvirtuar e fragilizar o direito do trabalho enquanto direito de protecção dos trabalhadores.
Estamos perante um agendamento e um debate friamente pensado e executado, encostado e tapado pela grande questão da despenalização do aborto, ontem relevantemente tratado na Assembleia da República e hoje, logicamente, ainda a concentrar a atenção da comunicação social.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É verdade!
O Orador: - Percebe-se agora melhor a posição irredutível e a pressa do Governo em fixar para hoje na ordem do dia a proposta de lei n.º 109/IX.
Vozes do PCP: - Muito bem!
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A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Bem visto!
O Orador: - Não pôde a Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais sequer ouvir as organizações dos trabalhadores e associações patronais antes da votação na generalidade. Isto apesar de ali terem chegado quase 2500 pareceres de diversas organizações sindicais, de comissões de trabalhadores e patronais, reduzindo assim a um mero formalismo um direito consagrado na Constituição da República.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Uma vergonha!
O Orador: - Aliás, Constituição entendida por este Governo como um obstáculo, enquanto a sede legislativa Assembleia da República corre o risco de se transformar numa caixa de ressonância da vontade e ditames da maioria PSD/CDS-PP.
Aplausos do PCP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta complexa e emaranhada proposta de 480 artigos, onde naturalmente nem tudo é malfeitoria, importa descodificar e sublinhar, ainda que em discussão na generalidade, os aspectos essenciais que comportam os principais objectivos do Governo.
O primeiro aspecto é o prosseguimento do ataque aos direitos colectivos dos trabalhadores, designadamente o direito à acção sindical nas empresas e das comissões de trabalhadores, na linha do que já está expresso no Código do Trabalho em relação ao direito à contratação colectiva e à greve e das comissões de trabalhadores, no que se refere ao direito ao crédito de horas para o exercício das suas funções.
O Governo propõe-se agora, através dos artigos 395.º e 396.º da proposta regulamentadora, criar uma desigualdade entre dirigentes sindicais, ou seja, haveria dirigentes sindicais de primeira, com crédito de horas atribuído e direito a faltas justificadamente, e outros de segunda, sem créditos de horas e com faltas justificadas até ao limite de 30 horas/ano. Tal proposta colide com o artigo 55.º da Constituição e com a Convenção n.º 87 da OIT, sobre liberdade sindical e protecção do direito sindical, já que, para além da ingerência do Estado na organização das associações sindicais, mutila o livre e legítimo exercício das funções dos dirigentes eleitos para as associações sindicais. Para um Governo que enche a boca sobre a participação dos sindicatos e dos trabalhadores no desenvolvimento económico e social, fica clara a hipocrisia.
Na mesma linha vai o ataque aos direitos das comissões de trabalhadores. Primeiro, no Código restringiu-se o crédito de horas e, agora, na proposta regulamentadora, apesar de tais direitos estarem inseridos no capítulo dos direitos, liberdades e garantias, da Constituição, sofrem, por um lado, uma redução significativa e, por outro, tenta-se que tais comissões sejam mais de empresas e menos dos e para os trabalhadores, tentando transformar o direito ao controlo de gestão em mera co-responsabilização.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Uma vergonha!
O Orador: - Por falar da Constituição, o PCP chama a atenção desta Assembleia e dos restantes órgãos de soberania com poderes constitucionais para as normas inscritas nos artigos 290.º a 293.º, tituladas "redução de actividade e suspensão do contrato", que constitui matéria nova em relação ao Código do Trabalho.
Fazendo um exercício de memória, o PSD e o CDS-PP, em sede de Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais, tiveram em cima da mesa esta proposta durante a discussão do Código.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Bem lembrado!
O Orador: - Alertada a maioria para o seu conteúdo inconstitucional, porque na prática queria legalizar uma inconstitucionalidade, pondo fim à proibição do lock-out, acharam os Deputados da maioria que seria avisado retirar tal proposta.
A não haver previsão dos motivos susceptíveis de fundamentar o encerramento temporário da empresa, a não se saber qual a duração deste encerramento temporário (porque se é temporário haveria que ter necessariamente uma duração determinada), nem em que momento se converte em definitivo, porque não determina quais as consequências deste encerramento temporário para os trabalhadores, nem que direitos lhes assistem para além do direito à retribuição, visto que não determina as obrigações do empregador, o que está inscrito é que o empregador tem legitimidade para encerrar, total ou parcialmente,
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a empresa mediante uma mera comunicação aos trabalhadores, para fixar os motivos, a duração e as consequências do encerramento, negando aos trabalhadores qualquer mecanismo de reacção de impedimento contra tal decisão.
Aplausos do PCP.
Podem, os Srs. Deputados e os Srs. Membros do Governo, chamar redução de actividade avisada aos despedimentos civilizados, ou selvagens; podem chamar-lhe, se quiserem, um "pífaro",…
Risos do PCP.
… mas o que é proposto é o lock-out encapotado e, por isso mesmo, deve ser considerado inconstitucional.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!
O Orador: - Porque é de generalidades que estamos a tratar, não desenvolveremos a crítica na especialidade sobre as normas restritivas, regulamentistas e de entrega do poder discricionário ao patronato em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho e a eleição sobre os representantes dos trabalhadores; sobre a fraude que constitui o agravamento da taxa social única para combater o uso e o abuso dos contratos a prazo; sobre a frustração de finalidade da norma do Código quanto à pluralidade das infracções e à sua aplicação, considerando o número de trabalhadores afectados. Não vamos agora provar que o Ministro do Trabalho e da Segurança Social faltou à verdade quando afirmou que o Código e alguma desta regulamentação não se aplica aos trabalhadores da função pública.
Mas, com peso aparentemente menor, refiram-se dois exemplos que são imagem de marca deste Governo.
Primeiro, ao introduzir conceitos sobre o esforço físico e psíquico como factores de aferição para cometer e promover desigualdades entre o trabalho do homem e da mulher, esta proposta quer fazer-nos recuar, por exemplo, à norma que vigorava nos contratos colectivos antes de Abril de 1974, em que as mulheres ganhariam sempre menos 10% do que os homens, porque tinham menos força física e eram mulheres!
O segundo exemplo é sobre o Estatuto do Trabalhador-Estudante. Estes trabalhadores, estes jovens, quantas vezes forçados ao abandono escolar para fazer face à vida, que procuram adquirir saberes para se valorizarem pessoal e profissionalmente, são entendidos nesta proposta como um custo e não como um investimento quando se propõe a redução dos factos impeditivos, não imputáveis ao trabalhador, do aproveitamento escolar, a redução da garantia dos direitos e das regalias por falta de realização de horas de avaliação, a restrição na marcação e gozo de férias por parte do trabalhador-estudante.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem razão o Ministro Bagão Félix quando diz que a Constituição é um obstáculo, que não se pode atender a todas as reivindicações fundamentalistas dos sectores mais ultraneoliberais na lapidação do edifício jurídico-laboral que comporta o Direito do Trabalho.
O Governo, que já não sabe bem se é do PSD/CDS-PP ou se é do CDS-PP/PSD, quer desmontar, peça a peça, o que a luta dos trabalhadores, Abril e a Constituição conquistaram e consagraram como componente indissociável do regime democrático, do progresso social e do desenvolvimento económico.
Já fez muito mal este Governo. Quer continuar a fazer mal, até um dia, que não há-de ser muito longínquo! A luta de quem conquistou tais direitos e as forças democráticas que os reconheceram hão-de determinar o futuro!
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Carito.
O Sr. Luís Carito (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A necessidade de compatibilizar o desenvolvimento e o progresso económico com a melhoria das condições de trabalho, nomeadamente no plano da higiene, saúde e segurança no trabalho, constitui na actualidade um dos mais importantes desafios que se colocam nas sociedades modernas.
Os problemas relacionados com a segurança, higiene e saúde no trabalho e, em particular, com o infortúnio laboral são problemas globais que exigem respostas adequadas quer no plano normativo, administrativo e regulamentar quer no plano das políticas de prevenção e reparação da sinistralidade laboral e das doenças profissionais.
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A promoção das condições de segurança, higiene e saúde no trabalho deve, em nosso entendimento, constituir um eixo fundamental da política laboral, nomeadamente enquanto factor estratégico nacional para a melhoria das condições de trabalho, para a prevenção e redução dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais e para o aumento da qualidade, da competitividade e da produtividade das nossas empresas.
Neste contexto, ainda no decurso da discussão do Código do Trabalho, defendemos que no mesmo fossem incluídos os princípios e as regras gerais atinentes ao regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais e da segurança, higiene e saúde no trabalho, o que veio de facto a acontecer.
Com a proposta de lei hoje em discussão, que visa regulamentar o Código do Trabalho, constata-se, desde logo, que as matérias atinentes aos acidentes de trabalho e às doenças profissionais, bem como aos trabalhadores com capacidade reduzida, não são objecto de regulamentação, perdendo-se, assim, a oportunidade de integrar num importante diploma legal matérias e regimes estruturantes para os trabalhadores portugueses.
Esta situação, que não podemos deixar de registar, contribuirá em si mesma para que o tão almejado esforço de sistematização da legislação laboral que todos defendemos seja colocado em crise e que a melhoria no acesso ao Direito do Trabalho saia "ferida".
No que concerne em concreto às matérias relativas à segurança, higiene e saúde no trabalho, embora se reconheça que a proposta de lei em apreciação segue de perto o regime jurídico em vigor e que apresenta como aspecto inovador o regime de eleição dos representantes dos trabalhadores na área da segurança, higiene e saúde no trabalho, deve a mesma, no nosso entendimento, ser objecto de melhorias em diversos domínios e apostar menos em soluções burocratizantes e omissas que se revelam incompatíveis com uma matéria desta natureza.
Entre os aspectos que, na nossa opinião, carecem de maior densificação, clarificação ou correcção permito-me destacar os seguintes: exclusão da aplicação do regime aos sectores da marinha de comércio e das pescas sem estabelecer qualquer prazo para a aprovação de regulamentação específica; indefinição sobre quem detém a responsabilidade pela formação dos representantes dos trabalhadores; possibilidade do empregador poder, no mesmo estabelecimento, adoptar diferentes modalidades de organização de serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho; remissão para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) da promoção e da vigilância da saúde de determinadas categorias de trabalhadores, sem que no âmbito do SNS estejam asseguradas condições para a prossecução de tais incumbências;…
A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - Muito bem!
O Orador: - … adopção de critérios menos rigorosos do que os vigentes para a dispensa da organização de serviços internos de segurança, higiene e saúde no trabalho (um exemplo: um empregador que tenha sido punido por infracções muito graves em estabelecimentos diferentes nos últimos dois anos mantém o direito à dispensa dos serviços internos); a aferição de taxas de incidência e de gravidade de acidentes de trabalho com base nos balanços sociais (método pouco fiável até porque nem todas as empresas estão sujeitas à sua apresentação); inexistência de critérios quanto à duração do desempenho da actividade dos serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho e indefinição quanto à formação dos técnicos afectos àquelas actividades; eliminação da disposição, que consta da lei vigente, que garante expressamente ao médico de trabalho o exercício das suas funções com independência técnica e observância dos princípios de deontologia profissional.
Em suma, como facilmente se pode constatar, a regulamentação das matérias de segurança, higiene e saúde no trabalho, pela importância que assumem no quadro das condições de trabalho, devem ser objecto dos necessários ajustamentos e correcções, ouvindo para o efeito os parceiros sociais, de modo a assegurar-se uma tutela jurídica adequada e conforme aos interesses em presença.
O Sr. Artur Penedos (PS): - Muito bem!
O Orador: - Neste, contexto, à semelhança do que fará noutros domínios, o Partido Socialista apresentará em sede de especialidade propostas de alteração e de correcção com vista a que o enquadramento jurídico a aprovar pelo Parlamento possa responder de modo eficaz e efectivo a uma matéria que se afigura fundamenta1 quer para os trabalhadores, quer para as empresas, quer mesmo para o País.
Espera-se, assim, que os grupos parlamentares da maioria assumam a abertura necessária para que, pelo menos, numa matéria que deve estar acima de querelas político-partidárias, sejam encontrados os necessários e desejáveis consensos.
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Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Depois da aprovação do Código do Trabalho, que tinha sido anunciado, como muitos se recordarão, como o grande instrumento aglutinador e modernizador - dizia-se - de toda a legislação de trabalho, e da enorme contestação que essa aprovação suscitou, porquanto não revelou ser um instrumento capaz de sintetizar ou de aglutinar toda a legislação neste domínio, tendo muita dela ficado para regimes especiais, este diploma vem, uma vez mais, com o seu conteúdo, confirmar, porventura agravando, se é que é possível, aquela que era a matriz desse diploma.
Em nosso entender, este não é seguramente um diploma que permite uma transformação da sociedade no sentido da sua modernização, porque não é possível transformar, modernizar e desenvolver uma sociedade que, pura e simplesmente, ignora as pessoas. E muitos foram os que disseram, nomeadamente alguns sectores da Igreja católica, que o Código do Trabalho não só incorpora aqueles que são os retrocessos civilizacionais como não é capaz de garantir nem assegurar a adequada protecção aos cidadãos, desde logo às famílias, cuja vida será, seguramente a prazo, afectada por este diploma. Logo, não é um Código respeitador da dignidade da pessoa humana em diferentes perspectivas.
O que é visível neste diploma, que de algum modo - também ele próprio complexo - vem densificar e explicitar as muitas omissões que o Código do Trabalho consagrou, são os muitos aspectos que ficam por responder e que se mantêm em domínios de enorme ambiguidade, deixando adivinhar que a sua interpretação vem acentuar perdas significativas em termos do direito ao trabalho e que a matriz que geneticamente marcava o Código do Trabalho se acentua em aspectos que nos parecem negativos.
Destes aspectos, permitir-me-ia sublinhar alguns, desde logo, uma questão que, como muitos recordarão, foi profundamente discutida e que era de enorme contestação, que é a precariedade de trabalho que o Código veio a proclamar, abrindo a possibilidade de as pessoas ficarem com a vida tal qual os seus contratos, a termo. Apesar do que na altura foi dito sobre a possibilidade de a taxa social única, suportada pelo empregador, vir a desencorajar essa prática, revela-se, afinal, no Código, uma enorme fraude, na medida em que é extraordinariamente limitado o âmbito do uso desse mecanismo, que se confina a contratos a prazo por mais de cinco anos.
Em suma, tenderão a generalizar-se a precariedade, com tudo o que isso implica na vida das pessoas.
O segundo aspecto que nos parece extraordinariamente negativo é a forma como se vem antecipar a simplificação do encerramento de empresas e a legitimação do lock-out.
O terceiro aspecto que nos parece de enorme importância política tem a ver com as questões da discriminação, da família e com aquilo que, de uma forma clara, esta regulamentação deixa de fora, tornando por isso cada vez mais oco o discurso da maioria PP/PSD em relação à protecção da família, aos direitos das mulheres e à igualdade de oportunidades. Refiro-me, em concreto, àquilo que, sendo uma realidade reconhecida por todos, pura e simplesmente, é omitido como razão de ser e como base da discriminação, ou seja, a gravidez. Esta matéria é omissa nesta regulamentação, favorecendo uma realidade que todos conhecemos em várias regiões do País, designadamente no Norte. E dou-vos o seguinte exemplo: em Arcos de Valdevez, uma grande empresa têxtil, suspende, pura e simplesmente, contratos de trabalho a mulheres durante a gravidez.
O quarto aspecto que se revela negativo para Os Verdes (e é uma omissão que tem, seguramente, uma leitura política) é a não garantia da reintegração pós-período de licença de parto - a não garantia expressa, porque era isto que faltava, e não a ambiguidade, em relação ao retomar pleno de todos os direitos e deveres.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.
A Oradora: - Vou terminar, Sr. Presidente.
O quinto aspecto negativo tem a ver com a formação profissional, designadamente em relação às mulheres, a qual não é considerada uma prioridade, bem como outros aspectos que são politicamente graves e que dizem respeito ao Estatuto do Trabalhador-Estudante, pelo modo como a questão é equacionada, não favorecendo a formação e a qualificação que, no caso português, deveriam ser consideradas uma prioridade e um incentivo e não, ao contrário do que a regulamentação deste Código prevê, mais um obstáculo, que, seguramente, muitos vão desistir de procurar vencer.
Vozes de Os Verdes: - Muito bem!
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O Sr. Presidente: - Não havendo mais oradores inscritos, declaro encerrado o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 109/IX. Procederemos à sua votação na primeira ocasião regimental.
Srs. Deputados, passamos imediatamente à discussão do ponto seguinte da nossa ordem de trabalhos, que é a proposta de lei n.º 111/IX - Transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva 98/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Maio de 1998, relativa às acções inibitórias em matéria de protecção dos interesses dos consumidores.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro.
O Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro (José Luís Arnaut): - Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados: Em 19 de Maio de 1998, o Parlamento Europeu e o Conselho adoptaram a Directiva 98/27/CE, relativa às acções inibitórias em matéria de protecção dos interesses colectivos dos consumidores.
Tendo em vista proceder à transposição para o Direito interno da citada Directiva comunitária, o Governo aprovou, em reunião de Conselho de Ministros do passado dia 22 de Janeiro, um projecto de proposta de lei, que apresento a esta Assembleia.
Permitam-me que refira, antes de mais, que se trata, tão simplesmente, de uma transposição parcial desta Directiva, dado que desde há alguns anos que as acções inibitórias, como meio processual, se encontram já contempladas no ordenamento jurídico português.
Efectivamente, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, que introduziu o regime da fiscalização judicial das cláusulas contratuais gerais, bem como da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, vulgarmente denominada por Lei de Defesa do Consumidor, a qual veio consagrar um regime mais eficaz de protecção dos consumidores, a acção inibitória passou a constituir o meio processual por excelência destinado à protecção dos interesses colectivos, individuais homogéneos e difusos dos consumidores.
No que respeita à Lei de Defesa do Consumidor, a acção inibitória ali prevista visa prevenir, corrigir ou fazer cessar "práticas lesivas" (também designadas de práticas ilícitas, na terminologia utilizada na Directiva 98/27/CE), relativamente aos direitos dos consumidores consignados na lei, sendo, nesse âmbito, reconhecida a legitimidade processual activa ao Ministério Público, ao Instituto do Consumidor, às associações que prosseguem a defesa dos interesses dos consumidores e, em certos casos, ainda, ao consumidor a título individual (desde que directamente lesado nos seus direitos).
A presente proposta de lei que adoptou a expressão jurídica "prática lesiva" define-a como "qualquer prática contrária aos direitos dos consumidores, designadamente as que contrariem as legislações dos Estados-membros que transpõem as directivas comunitárias constantes do anexo a este diploma, do qual faz parte integrante.".
Tendo em consideração que as práticas que lesam os interesses dos consumidores ultrapassam, em muitos casos, as "fronteiras" entre os Estados-membros da Comunidade Europeia, a transposição para a ordem jurídica interna desta Directiva vem, assim, permitir aproximar as disposições nacionais que impõem a cessação de efectivas práticas lesivas, independentemente do país em que tais práticas tenham produzido os seus efeitos.
O desenvolvimento significativo do mercado interno e o consequente aumento das trocas comerciais impõem, pois, a adopção de medidas destinadas a estabelecer o direito de acção conferido a certos organismos públicos ou a certas organizações que tenham por finalidade defender os interesses dos consumidores perante a verificação de determinadas infracções intracomunitárias.
Como resulta do previsto na Directiva, incumbirá a cada Estado-membro tomar as medidas necessárias para assegurar que, no caso de uma infracção com origem no mesmo, qualquer entidade competente, ainda que de outro país do espaço comunitário, em que os interesses por ela protegidos sejam afectados pela infracção possa recorrer ao tribunal ou à autoridade administrativa competente para conhecer dos processos intentados, com o objectivo de prevenir, corrigir ou fazer cessar tal infracção.
A Directiva 98/27/CE entende por "entidade competente" para intentar a acção qualquer organismo ou organização que, devidamente constituído segundo a legislação de um determinado Estado-membro, tenha interesse legítimo em fazer respeitar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-membros relativas às acções inibitórias.
Por isso, cabendo aos Estados-membros designar os tribunais ou as autoridades administrativas competentes para conhecer dos processos intentados, para transpor esta legislação comunitária para o Direito nacional tornar-se-á necessário, apenas, estabelecer as regras referentes à atribuição de legitimidade processual activa para as acções inibitórias, assente na inscrição em lista das entidades consideradas competentes nos diversos países da União Europeia.
Essa lista deverá ser organizada por cada Estado-membro e coordenada pela Comissão Europeia.
Assim, o exercício transnacional do direito de acção pelas entidades portuguesas, que, nos termos
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previstos na lei, têm legitimidade para propor e intervir nas acções e procedimentos cautelares passa, nos termos da presente proposta de lei, a estar dependente de inscrição em lista disponível pelo Instituto do Consumidor, a quem competirá a elaboração e a permanente actualização da mesma.
Dado que incumbe à Comissão Europeia assegurar a publicação de uma lista das entidades competentes no Jornal Oficial da União Europeia, caberá ao Instituto do Consumidor a tarefa de dar conhecimento da referida lista e respectivas actualizações à Comissão.
Sr.as e Srs. Deputados: Estes são os aspectos primordiais contemplados no âmbito desta proposta de lei.
Mas os seus objectivos não se esgotam nos pontos já referidos, dado que o projecto de diploma que ora se apresenta vem, ainda, complementar a matéria respeitante às acções inibitórias, já prevista no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, bem como na Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, estendendo, igualmente, a protecção ali conferida, entre outras, às questões relativas à publicidade enganosa, aos contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais e ao crédito ao consumo.
Por fim, cumpre ainda frisar que o anterior executivo não cumpriu o prazo limite para a transposição desta Directiva, cuja data era 1 de Janeiro de 2001. Impunha-se, pois, ser-se célere na concretização desta tarefa.
Ainda assim, e dado que um dos grandes objectivos deste XV Governo Constitucional em matéria de política de defesa dos consumidores é a criação de um código do consumidor, enquanto instrumento normativo destinado a congregar num único documento os múltiplos diplomas dispersos nesta área do Direito, foi equacionada a possibilidade de a matéria relativa às acções inibitórias vir a ser enquadrada no âmbito desse código, a exemplo do que sucederá quanto à transposição da directiva relativa à segurança geral dos produtos.
Contudo, embora se preveja a publicação do código do consumidor para o decurso do corrente ano, em virtude de estarem praticamente concluídos os seus trabalhos, deverá seguir-se, em breve, uma fundamental fase de consulta pública às diversas entidades com interesses nesse âmbito, facto que é susceptível de provocar alguma demora na calendarização.
Assim, não querendo continuar a manter esta situação de incumprimento, optou-se por não incluir esta matéria naquele código.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta é, em suma, a proposta de lei que o Governo considera adequada, tendo como principal objectivo garantir uma protecção adequada e firme dos direitos dos consumidores.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Capitão.
O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados, gostaria de começar por me dirigir ao Sr. Ministro José Luís Arnaut, de saudá-lo e de dizer-lhe que, nesta como noutras áreas, vemos com apreço o seu trabalho, por um lado na área do desporto, em que implementou uma lógica de rigor com o que tem a ver com os dinheiros públicos e, por outro lado, na sociedade de informação, pelo apoio que tem dado à Unidade de Missão, Inovação e Conhecimento, matéria em que tem feito um trabalho magnífico, sobretudo para o "Governo electrónico" e para as iniciativas de banda larga.
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas quais iniciativas?
O Orador: - É o nosso trabalho que fala por nós e, portanto, Sr. Ministro, quanto a isso esteja tranquilo.
Ficámos a perceber que há um atraso - aliás, já o sabíamos - na transposição desta Directiva. Percebemos as razões por que o Governo demorou mais tempo a transpô-la. Fica por perceber a razão da inércia do Partido Socialista…
O Sr. José Magalhães (PS): - Inércia?! Mas quem é que está no Governo?!
O Orador: - Quanto às perguntas: a terminologia contida na Directiva refere-se a "práticas ilícitas" ou "infracções". Qual é a intenção - porque se presume que há uma intenção de doutrina jurídica - da proposta de lei ao utilizar a terminologia "práticas lesivas"? Gostaria que esta matéria ficasse clara porque também é importante de futuro.
Por outro lado, a proposta de lei apresenta no seu anexo uma lista de directivas que vai para além das que estão anexadas à própria directiva. Pergunto: qual a razão por que se alargou o escopo?
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São estas as perguntas que tenho para fazer-lhe, Sr. Ministro.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro fez saber à Mesa que responderá conjuntamente às perguntas que lhe são dirigidas, pelo que tem a palavra, também para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Pedro Silva Pereira.
O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro-Adjunto, está, aqui, hoje, na sua qualidade de Ministro responsável pela política do consumidor e esse simples facto é digno de registo, visto que não tem sido muito frequente apresentar-se como Ministro responsável pela política do consumidor. Não é sequer arriscado dizer que muitos portugueses certamente desconhecem a existência, no elenco governamental, de um ministro responsável pela política do consumidor, e por alguma razão será…
Nessa qualidade, portanto, bons olhos o vejam, Sr. Ministro. Esperamos que a sua presença aqui signifique uma vontade de dar um novo dinamismo a esta área, como já aconteceu no passado.
O Sr. Ministro está, aqui, hoje, para apresentar uma proposta de lei que corresponde à transposição de uma directiva comunitária, a qual tem naturalmente o nosso apoio e, portanto, a sua transposição terá o nosso empenhamento construtivo.
Nesse sentido, Sr. Ministro, quero colocar-lhe duas questões em relação à proposta que o Governo aqui apresenta.
A primeira diz respeito ao seguinte: a proposta de lei do Governo visa, aplicando os princípios da Directiva, estabelecer um sistema de elaboração de uma listagem das entidades com legitimidade processual activa para desencadear as acções inibitórias e, aliás, também as acções populares em matéria de defesa dos consumidores. Até aqui, tudo bem - é o que decorre da directiva! No entanto, a proposta do Governo estabelece que esta listagem deve ser feita por via de um requerimento a apresentar pelas entidades interessadas junto do Instituto do Consumidor, que iria verificar as condições dessas entidades para exercerem essa legitimidade. Sucede, porém, Sr. Ministro, que a Directiva prevê que também organismos públicos independentes possam ter legitimidade para essas acções. Ora, nos termos da legislação nacional, também o Ministério Público e o Instituto do Consumidor têm legitimidade, pelo que não faz muito sentido que o Ministério Público peça, por requerimento, a inscrição numa listagem dependente de uma decisão do Instituto do Consumidor e menos sentido faz que o Instituto do Consumidor requeira a si próprio a inscrição nessa listagem!!…
Estaria o Governo disponível para, na versão final deste diploma, estabelecer um duplo critério de inclusão na lista: entidades que têm legitimidade por direito próprio e outras que dependem de requerimento? Penso que isto beneficiaria a versão final do diploma.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, e mais importante, Sr. Ministro: disse o Sr. Ministro que, por via desta iniciativa legislativa, é alargado o âmbito das acções inibitórias e da acção popular. Mas, Sr. Ministro, em vão se procura esta solução no articulado que o Governo aqui nos propõe; em nenhuma disposição da lei proposta pelo Governo se alcança a conclusão de que o âmbito dessas acções é, de facto, alargado para as directivas em anexo - isto quanto às acções inibitórias interpostas em Portugal por parte de entidades nacionais.
Portanto, Sr. Ministro, entendo que existe aqui, provavelmente, um erro técnico na elaboração do diploma, até porque não corresponde à sua vontade. Por isso gostava de saber da disponibilidade do Governo para corrigir aquelas que me parecem ser imperfeições técnicas na proposta que aqui apresenta.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro.
O Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gonçalo Capitão, agradeço ao Sr. Deputado a oportunidade e as questões pertinentes que me colocou.
Quanto à questão da utilização da terminologia "práticas ilícitas" em vez de "infracção" tratou-se de uma questão de harmonização de linguagem, de uniformização, se assim é possível. Tanto mais que se adoptou a terminologia que constava da Lei de Defesa do Consumidor, cujo artigo 10.º já falava em "práticas lesivas", uniformizando-se, assim, o ordenamento jurídico quanto à terminologia jurídica empregue neste domínio.
Quanto à lista das directivas, dado que se pretende tutelar uma matéria tão importante como a dos
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direitos dos consumidores - não é preciso estar sempre em "bicos dos pés" para se afirmar que há defesa dos consumidores, porque a defesa dos consumidores é um "facto efectivo", diário, não é uma questão de propaganda política, pelo menos para este Governo, e muito menos de afirmação pessoal…! -, é necessário que se criem modos de proteger estes cidadãos e estes direitos. Por isso, optou-se por colocar no anexo do diploma todas as directivas, como é o caso da Directiva 2000/31/CE, e de outras sobre os aspectos legais da sociedade de informação e até sobre o comércio electrónico. Portanto, fez-se esta amplitude com este objectivo.
Quanto ao Sr. Deputado Pedro Silva Pereira, também agradeço as suas questões e quero sossegar o Sr. Deputado dizendo que nós, no Governo, não aparecemos quando os senhores querem, mas quando é necessário!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E recordo-lhe que os portugueses têm coisas determinadas, concretas que foram feitas. Enquanto outros gostavam de dialogar e não tinham coragem para o fazer, foram criadas a ficha técnica da habitação, que cria responsabilidade, foram feitas normativos importantes no âmbito do crédito ao consumo, o código do consumidor está numa fase final… Há um conjunto de normas muito importantes que estão a ser feitas, não há é apenas propaganda, há realidade!! Vamos contra muitas vontades, fizemo-lo quando elaborámos a ficha técnica da habitação, estamos seguros, estamos determinados e, pessoalmente, estou muito tranquilo pelo que tenho feito e pelo que tenho sentido poder fazer na defesa do consumidor em Portugal.
Portanto, Sr. Deputado, nessa matéria, quero dizer-lhe simplesmente isto.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Aqui tocam os sinos!
Risos do PS.
O Orador: - "Dobram"! Espero bem que "dobrem"!
O Orador: - Srs. Deputados, a questão é esta: quanto às questões concretas que colocou, a listagem que anexámos vem alargar o número de directivas em que as acções inibitórias são aplicáveis. Daí a necessidade do alargamento do âmbito do diploma à matéria da electrónica, tal com já frisei, e a outras. No entanto, se houver alguma precisão a ser feita, naturalmente, estamos abertos para, em sede de comissão, encontrar outras soluções.
No que diz respeito à outra questão que colocou quanto ao requerimento por parte do Instituto do Consumidor, o que se passa é que há actividades que têm, por direito próprio, competências próprias que decorrem das leis orgânicas, e há outras que querem ter essa legitimidade de acção, sendo estas que têm de fazer a inscrição.
Em todo o caso, se for necessário fazer qualquer clarificação deste espírito, é grande a nossa abertura para o fazer e é importante que ela venha a ocorrer de modo a que a protecção dos direitos dos consumidores seja potenciada e efectivada.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Leonor Beleza.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Capitão.
O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados, não resisto a começar por coisas que aqui ouvi em relação ao facto de não aparecer um ministro responsável pelos interesses do consumidor. De facto, agora aparece quando é preciso um ministro responsável pelos interesses do consumidor. Antes, tal era a cultura de laxismo e de facilitismo, quem aparecia eram os responsáveis pelos interesses do consumismo!
Risos do PSD e do CDS-PP.
Por outro lado, Sr. Deputado Hasse Ferreira, dir-lhe-ia que, de facto, "tocam os sinos"…, mas quanto ao Partido Socialista tocaram os sinos "a finados" em matéria de defesa dos interesses do consumidor!
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A Sr.ª Celeste Correia (PS): - Olhe que não!
O Orador: - Tratamos hoje da transposição da Directiva 98/27/CE, de 19 de Maio, relativa às acções inibitórias em matéria de protecção dos interesses do consumidor.
Este assunto é da mais capital importância, porquanto, como diz o académico de Coimbra Pinto Monteiro, convém intentar a denúncia da situação de debilidade do consumidor enquanto vítima indefesa da sociedade de consumo.
Do mesmo modo, Calvão da Silva lembra que vivemos numa sociedade de abundância, em que os métodos agressivos proliferam e na qual se regista um desequilíbrio de forças, verificando-se, assim, a necessidade de o Estado reequilibrar essas forças em nome da justiça social, sempre numa visão humanista que procure "descoisificar" o homem, como também lembra Calvão da Silva.
De facto, seja nos contratos de adesão em geral, seja no comércio electrónico, seja em relação àquelas "férias de sonho" que nos prometem, que nos tentam vender, verifica-se uma relativa desumanização, uma certa objectivação do sujeito, e o embuste lesa sempre a parte mais fraca, que é o consumidor.
É por isso que tem sido feito um longo caminho, desde a Constituição da República Portuguesa a várias disposições legais: a Lei das Condições Gerais dos Contratos, a Lei de Acção Popular e até, porque não - para cumprimentarmos outros partidos que se esforçaram nesta matéria -, o Código de Defesa do Consumidor, onde aparece, aí sim, a acção inibitória como meio de tutela dos interesses do consumidor com maior amplitude, sendo que esta acção inibitória visa prevenir, corrigir ou pôr cobro a práticas lesivas dos interesses dos consumidores.
Contudo, com o avanço da construção europeia, têm de ser harmonizadas as disposições dos Estados-membros nesta matéria relativamente à defesa dos interesses colectivos dos mesmos consumidores.
Importa assegurar que a deslocação da prática lesiva de um país para o outro não deixe de ser punível. É necessário que as entidades competentes dos outros Estados-membros possam, na área por si tutelada, em matéria de interesses do consumidor, demandar os seus interesses e proteger esses mesmos interesses em Portugal, sendo que não se retira ao tribunal a possibilidade de avaliar da premência desta acção.
E vice-versa, evidentemente. As entidades portuguesas devidamente credenciadas devem poder proteger esses mesmos interesses noutro Estado-membro, junto da autoridade administrativa competente ou tribunal competente.
No que à aferição (e é disto também que aqui tratamos) da legitimidade processual activa diz respeito, estabelece-se no Instituto do Consumidor a incumbência de elaborar a lista de entidades credenciadas e de a enviar à Comissão Europeia, que posteriormente procederá à sua publicação.
Alarga-se, por fim, o escopo de matérias a abranger pela protecção da acção inibitória, o que nos parece bastante positivo neste mundo de desequilíbrio de forças, como já mencionei.
Em suma, deixo, Sr. Ministro, um apontamento e um cumprimento. O apontamento no sentido de urgir a codificação. Não entro sequer na polémica de saber se a codificação deve ser feita ao abrigo do Direito Civil ou de um ramo próprio do Direito, que é uma polémica doutrinal que hoje não nos interessa. Mas este é o tempo de uma certa bulimia optativa e de uma certa profusão de leis, em que é difícil o conhecimento do Direito, é difícil integrar lacunas e é difícil evitar repetições ou até planear a inovação. Importa por isso caminhar no sentido da codificação como este Governo - e bem! - está a fazer.
Por outro lado, o cumprimento tem a ver com o facto de não se ter limitado o Governo à mera reprodução da Directiva. Há casos, sabemo-lo, de transposições relativamente supérfluas, em que se repetem excessivamente os termos das directivas e em que se transpõem normas que já existem no Direito nacional. Mas este Governo não prestou subserviência ao Direito comunitário. Respeita o Direito comunitário, que vincula, sobretudo, quanto aos resultados e não tanto quanto aos meios, mas não lhe presta subserviência, respeitando assim a ordem jurídica nacional. É, portanto, uma transposição inteligente, Sr. Ministro, e também por aí está de parabéns.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Silva Pereira.
O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Esta proposta de lei do Governo visa, como já aqui foi dito, promover a transposição de uma directiva comunitária relativa às acções inibitórias em matéria de protecção dos consumidores.
A necessidade de harmonizar as disposições sobre estas acções é muito clara. Decorre da própria existência de um mercado interno, com condições de funcionamento que devem ser, tanto quanto possível e necessário, uniformes. Mas decorre sobretudo da consciência de que o comércio jurídico cruza
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abundantemente e cada vez mais as fronteiras e que isso permite aos consumidores intervirem em relações contratuais diversas, com conexão com diferentes Estados-membros, e portanto com a sujeição a ordens jurídicas também diferentes.
Por conseguinte, do que se trata, afinal de contas, é de harmonizar a posição do consumidor nessas relações contratuais, garantindo a sua protecção, concretamente no que diz respeito à legitimidade para promover estas acções inibitórias. Estas já existem na nossa lei da defesa do consumidor e combinam-se com o mecanismo de acção popular também já previsto entre nós. Sendo assim, a questão que se coloca é a de saber o que é que falta fazer.
Não obstante, convém sublinhar aquilo que o Governo reconhece na sua exposição de emotivos, que é que falta apenas tratar da questão do sistema da legitimidade comunitário. Não é pouca coisa! Significa ao menos reconhecer que o resto já existe, que estes instrumentos estão disponíveis, como, aliás, o Sr. Deputado Gonçalo Capitão aqui reconheceu.
Digo que não é pouca coisa porque ao menos aqui, pelos vistos, a "herança" não será tão pesada quanto isso…! Mas sempre lhes digo, Sr. Ministro e Srs. Deputados, que é bem evidente que o Sr. Ministro teve alguma dificuldade em recordar nestes dois anos a listagem das intervenções em matéria de defesa do consumidor. Recordou-se da ficha de identificação dos imóveis e de pouco mais foi capaz de se recordar!…
Ora, o combate na área da defesa do consumidor que foi travado anteriormente teve resultados não apenas nestes instrumentos de que aqui falamos mas no regime dos serviços públicos essenciais, da facturação detalhada, do seguro automóvel, do regime sobre o time-sharing, dos livros de reclamações, enfim, uma abundante intervenção.
Gostaria, aliás, neste momento, porque é a primeira vez que a Assembleia da República discute a temática da defesa do consumidor depois do desaparecimento do nosso Colega Deputado Acácio Barreiros, de recordar e prestar homenagem ao trabalho que ele desenvolveu neste domínio.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - Agora, o problema, Sr. Ministro, é que, na parte em que não se trata de transpor, pura e simplesmente, o texto da Directiva para a legislação nacional, encontramos algumas dificuldades no texto exacto da proposta de lei, como há pouco procurei chamar a atenção.
O Sr. Ministro admitiu - e eu registo isso com muito apreço - a disponibilidade do Governo para corrigir algumas disposições que possam ser menos precisas, mas gostaria de ser claro quanto à imprecisão que se verifica.
De facto, no diploma proposto pelo Governo, o que está em causa é o seguinte: o Governo define o objecto do próprio diploma, diz que, para efeitos deste diploma, se adopta uma definição de prática lesiva. Mas depois o que acontece é que este diploma trata de quê, Sr. Ministro? Trata do direito de acção transnacional, isto é, da possibilidade de entidades nacionais intervirem em defesa de consumidores junto de outros Estados-membros, e trata, em contrapartida, do direito de entidades estrangeiras intervirem nos tribunais portugueses utilizando os nossos mecanismos de acção inibitória e a acção popular.
Ora bem, há aqui um outro problema, Sr. Ministro, que é o que diz respeito aos direitos que as entidades nacionais têm para desenvolver acções inibitórias e a acção popular ao abrigo da legislação nacional. Disso este diploma não trata! Mas, pelos vistos, o Governo gostaria que tratasse.
Quer dizer, esta proposta de lei que o Governo apresenta efectivamente para as acções inibitórias e para a acção popular desenvolvida no território nacional por entidades nacionais não especifica que é o âmbito dessas acções que pode ser alargado ao conjunto das directivas do anexo - só trata disso para o direito exercido no estrangeiro e para o direito que os estrangeiros exerçam em Portugal. Portanto, é disto que se trata, Sr. Ministro: há aqui uma imprecisão ou uma contradição entre a vontade do Governo e aquilo que escreveu na proposta de lei - e é isso que entendo que deve ser corrigido.
Por outro lado, diz o Sr. Ministro que apenas as entidades do tipo associações teriam de requerer a inscrição na lista. Mas, mais uma vez, também não é isso que está na proposta de lei que o Governo aqui apresenta. Portanto, Sr. Ministro, do que se trata é de corrigir o modo como o Governo concebe a elaboração dessa lista. Ela precisa de ter aquelas entidades que, de direito próprio nos termos da legislação nacional, têm essa faculdade e além disso, e muito bem, a possibilidade de entidades terceiras requererem a sua inscrição.
Por conseguinte, Sr. Ministro, o Partido Socialista está com esta disposição construtiva no debate deste diploma com vontade de contribuir para a sua aprovação. Por isso, estamos na disposição de votar favoravelmente esta proposta de lei, esperando que se confirme a disponibilidade construtiva por parte da maioria e, mais do que isso, ousando esperar mais, isto é, que daqui possa resultar uma vontade renovada do Governo de relançar esta área política da defesa do consumidor.
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Era, afinal de contas, disso que o País mais precisava!
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.
O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Sendo esta uma iniciativa referente aos actuais mecanismos de protecção dos consumidores e dos seus direitos, ela é dirigida no fundamental à integração e adaptação desses mecanismos no âmbito da uniformização dos regimes em vigor nesta matéria no espaço comunitário.
Em bom rigor, devemos constatar que os princípios gerais e os conceitos que terão presidido à Directiva comunitária agora parcialmente transposta já estavam, no essencial, consagrados na legislação portuguesa, designadamente a acção inibitória e a acção popular, enquanto instrumentos de protecção e de defesa dos direitos dos consumidores.
Do que se trata agora é de colocar a peça que faltava neste mecanismo da legislação de modo a torná-lo compatível, também em termos formais e funcionais, com o sistema europeu, que acolhe e integra estas acções de forma comum aos países da União Europeia. Ou seja, a definição de critérios e padrões para o reconhecimento das entidades com competência nesta matéria.
É consagrado nos termos da lei e no próprio Texto Constitucional o direito de acção popular em termos individuais ou associativos como forma de defesa dos interesses em causa, para a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções previstas neste plano.
Por outro lado, é a Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, que estabelece o regime legal da defesa do consumidor, definindo inclusive o direito à prevenção e à acção inibitória face a práticas lesivas dos direitos dos consumidores, acção inibitória essa que pode ser desencadeada por diversas entidades já hoje reconhecidas no contexto nacional, sendo aqui útil e necessário reflectir e corrigir alguns erros e imperfeições no texto, as quais já foram aqui aduzidas no debate.
O que está em discussão, no fundamental, é a decisão de passarmos a ter essas mesmas entidades reconhecidas também no contexto comunitário, reconhecimento esse que é concretizado através da emissão de forma coordenada e publicação oficial das listagens das organizações em questão - no caso do nosso país, pelo Instituto do Consumidor.
Outro aspecto introduzido por este diploma é a referência contida no seu anexo, remetendo este enquadramento de acções para uma dúzia de directivas comunitárias atinentes a outras tantas vertentes de intervenção nesta área, desde o comércio electrónico até ao crédito ao consumo, passando pelo chamado time-sharing, viagens, etc.
No fundo, estamos perante um detalhe de funcionamento do regime já em vigor no nosso país, que não suscita da nossa parte objecções quanto à proposta de lei em que se apresenta, na medida em que permite contribuir para uma resposta necessária à crescente dimensão transnacional que estas trocas comerciais e prestações de serviços têm assumido num quadro de liberalização, e até de concentração monopolista, que no quadro da União Europeia temos verificado.
Mas, Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro, há uma referência que, naturalmente, não podemos deixar de fazer neste debate, justamente para que não perpasse o erro de nos determos no detalhe e perdermos a perspectiva do essencial no que à política do Governo diz respeito.
É que se torna no mínimo preocupante, por exemplo, que no momento em que esta Assembleia discute esta proposta de lei, em que se aproxima a data simbólica, no próximo dia 15 de Março, do Dia Mundial dos Direitos do Consumidor, ecoem pelo País as vozes de protesto e indignação face ao ataque aos direitos dos consumidores que se traduziu na recente aprovação - com os votos favoráveis do PSD, do CDS-PP e do PS - da nova lei das comunicações electrónicas.
Penso que o Sr. Ministro, com esta tutela, poderá ter alguma palavra a dizer. Naturalmente, é lamentável que ela não tenha acontecido, porque é inaceitável que ao mesmo tempo em que se fala em defesa dos consumidores se opte por retirar o serviço do telefone do âmbito da lei de defesa do consumidor, como se não estivéssemos perante um serviço que é, obviamente, um serviço público essencial.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - E é, afinal, politicamente significativo que uma orientação aparentemente minimalista e errática, mas na verdade deliberadamente penalizadora, da defesa do consumidor, venha espelhada na própria concepção do texto preambular deste diploma, que considera a acção inibitória, por exemplo,
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como um meio, por excelência, para a protecção dos interesses colectivos, individuais, homogéneos e difusos dos consumidores, numa visão que é para nós claramente redutora. Porque, para nós, Sr. Ministro, o meio para a defesa desses direitos é, antes de mais e primordialmente, a concretização, a actuação política, uma orientação coerente, responsável e justa, que respeite e promova os direitos dos consumidores portugueses. E, tal como já vimos, continua a não ser ainda essa política que estamos a verificar!
Para consolo do Governo e da maioria, há quem se detenha no detalhe e é o detalhe que será aprovado com esta proposta de lei.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Paiva.
O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que agora discutimos tem um objectivo muito simples e não visa, ao contrário do que consta no seu título, transpor a Directiva 98/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Maio, mas apenas completar essa transposição.
Com efeito, as acções inibitórias de que cura a referida Directiva já se encontram em vigor na ordem jurídica nacional, quer através da Lei n.º 24/96, de 1 de Julho, que estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores, quer através do regime de fiscalização judicial das cláusulas contratuais gerais consagrado no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, anterior mesmo à nossa adesão à então CEE.
Estando, portanto, a maioria das medidas previstas na referida Directiva já contempladas no Direito nacional, do que se cura agora é de consagrar as regras referentes à atribuição de legitimidade processual activa para as acções inibitórias, mediante inscrição em lista, organizada pelo Estado português e coordenada pela Comissão Europeia, das entidades que passam a ser consideradas competentes para o efeito de intentarem judicialmente acção inibitória.
As acções inibitórias destinam-se a dar efectividade à defesa de interesses colectivos, de interesses individuais homogéneos e de interesses difusos dos consumidores.
É mister distinguir, porém, o que deve ser distinguido.
Os direitos e interesses dos consumidores estão no mesmo patamar que os direitos à saúde pública, à qualidade de vida e à preservação do ambiente e do património cultural, em termos de acção popular. Ou seja: podem, individualmente ou através de associações, ser defendidos através do recurso à acção popular, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 52.º da Constituição da República Portuguesa.
No entanto, esta realidade não se confunde com a das acções colectivas de defesa do consumidor, reservadas exclusivamente a associações de defesa do consumidor, previstas no artigo 60.º, n.º 3, da Constituição.
Uma referência particular merecem as acções inibitórias propostas pelo Ministério Público, cuja especial legitimidade na tutela dos interesses difusos e colectivos lhe advém da sua lei orgânica, da sua qualidade de defensor da Constituição e da lei e de promotor dos direitos fundamentais.
Esta actuação tem sido particularmente intensa no que respeita à protecção dos consumidores contra as cláusulas abusivas nos contratos pré-elaborados, que se estendem a aspectos da vida dos cidadãos tão comezinhos como a apólice do seguro de saúde, o cartão de crédito, a lavandaria, os direitos reais de habitação periódica, as agências de viagens, o crédito à habitação, etc.
Com efeito, no âmbito da protecção dos interesses difusos, o Ministério Público desempenha claramente uma função social que se exprime nos seguintes vectores: defesa dos consumidores, através da atribuição de legitimidade activa em acções administrativas e cíveis tendentes à tutela dos interesses individuais homogéneos, bem como de interesses colectivos ou difusos dos consumidores, nos termos da Lei n.º 24/96; legitimidade activa para a instauração de acções destinadas a obter a condenação na abstenção do uso ou recomendação de cláusulas contratuais gerais, nos termos do Decreto-Lei n.º 446/85; e guarda e protector do ambiente, nos termos da Lei de Bases do Ambiente.
Deste modo, a legitimidade pública que assiste ao Ministério Público, generalizadamente aceite, entronca com a sua missão de defesa dos interesses do Estado, no sentido de comunidade ou colectividade estadual, e de garantia de observância da legalidade democrática.
Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Quer pela exposição de motivos da proposta de lei, quer pela designação da própria Directiva a transpor, embora parcialmente, quer pelo próprio articulado da proposta de lei, facilmente se percebe que o enfoque é posto sobre as acções inibitórias
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destinadas à protecção de direitos e interesses dos consumidores.
Ora, e maugrado apenas a esta se referir a Constituição, a verdade é que a acção popular regulada na Lei n.º 83/95 não é a única forma de tutela jurisdicional dos interesses difusos na área do consumo. Com efeito, também o artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 24/96 prevê uma acção inibitória para a defesa dos interesses dos consumidores e, por outro lado, o artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 446/85 regula uma acção inibitória destinada a obter a condenação na abstenção do uso ou da recomendação de cláusulas nulas.
Distinguir quem tem legitimidade para qual das várias acções inibitórias é questão que só pode resolver-se atribuindo a natureza de acção popular às acções intentadas por consumidores e associações de consumidores, ao abrigo de qualquer das disposições legais acima indicadas.
Diferente será a solução quando o autor da acção não possa ser qualificado como autor popular pelo facto de a legitimidade lhe não advir directamente de tais diplomas, mas antes dos seus próprios diplomas estatutários. Estão, neste caso, como é óbvio, o Ministério Público e o Instituto do Consumidor.
Tais entidades não actuam nem em representação nem em substituição mas, sim, no âmbito de uma legitimidade originária específica, a qual é independente da mediação de um direito material ou de um interesse material, que não têm.
Em resumo, dir-se-á que não é por falta de mecanismos legislativos e de sujeitos com legitimidade para intervir processualmente em sede de interesses difusos que estes deixarão de ser defendidos.
A proposta de lei ocupa-se da legitimidade de pessoas colectivas, e só destas, para defenderem interesses difusos que ou se situam noutro Estado-membro, tendo a violação origem em Portugal, ou o inverso, isto é, quando se trata do exercício transnacional do direito de acção popular por entidades sedeadas em Portugal. Em ambos os casos, os titulares desse direito de acção terão de constar, enquanto tal, de uma lista elaborada pela Comissão Europeia e publicada no Jornal Oficial da União Europeia, como, de resto, o Sr. Ministro aqui explicou.
Em Portugal, a elaboração e a permanente actualização desta lista de entidades portuguesas competem ao Instituto do Consumidor.
Com vista à sua inscrição nessa lista, deverão as entidades interessadas solicitá-la ao Presidente do Instituto do Consumidor e comprovar quer a sua denominação quer o seu objecto estatutário. Ao Presidente do Instituto do Consumidor, pelo seu lado, caberá certificar-se de que a entidade requerente prossegue objectivos de defesa dos interesses dos consumidores.
Trata-se de uma compreensível cautela, uma vez que, através da mera inscrição nessa lista, a entidade passará a estar legitimada para litigar em país estrangeiro do espaço comunitário, com o beneplácito de um organismo do Estado português.
Concluo, Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, acrescentando que a pertinência desta proposta de lei radica, no fundo e para além de tudo quanto foi dito, no reconhecimento de que os consumidores se encontram numa situação de desprotecção jurídica.
Em razão disso, justifica-se a atribuição de mecanismos jurídicos, expeditos, eficazes e adequados à nova realidade decorrente, designadamente, do desenvolvimento do espaço europeu.
É essa incumbência que o Governo aqui assume. Em nossa opinião, em boa hora o faz!
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, chegámos ao fim da ordem de trabalhos de hoje.
A próxima sessão plenária realizar-se-á amanhã, sexta-feira, às 10 horas, tendo como período da ordem do dia a discussão do projecto de lei n.º 229/IX e a discussão conjunta das petições n.os 27/VIII (1.ª), 3/IX (1.ª) e 31/IX (1.ª).
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Fernando de Pina Marques
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
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Elvira da Costa Bernardino de Matos Figueiredo
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Henrique José Monteiro Chaves
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Pedro Filipe dos Santos Alves
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Partido Socialista (PS):
Alberto Marques Antunes
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Manuel de Medeiros Ferreira
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:
Partido Social Democrata (PSD):
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
José Manuel Carvalho Cordeiro
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Partido Socialista (PS):
Francisco José Pereira de Assis Miranda
João Barroso Soares
José da Conceição Saraiva
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Partido Popular (CDS-PP):
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.