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Quinta-feira, 16 de Setembro de 2004 I Série - Número 1

IX LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2004-2005)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 15 DE SETEMBRO DE 2004

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Henrique Jorge Campos Cunha

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas.

Antes da ordem do dia. - Após ter sido anunciada a apresentação do voto n.º 199/IX, de requerimentos e de respostas a alguns outros, dos projectos de resolução n.os 275 e 276/IX e da interpelação ao Governo n.º 14/IX, o Sr. Presidente saudou os Srs. Deputados no início da 3.ª sessão legislativa da IX Legislatura.
Foi aprovado o voto n.º 199/IX - De pesar pelo falecimento do Presidente do Tribunal Constitucional Juiz-Conselheiro Luís Nunes de Almeida (Presidente da AR), sobre o qual intervieram os Srs. Deputados Almeida Santos (PS), Guilherme Silva (PSD), Narana Coissoró (CDS-PP), António Filipe (PCP), Francisco Louçã (BE) e Francisco Madeira Lopes (Os Verdes), bem como o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Rui Gomes da Silva). No fim, a Câmara guardou 1 minuto de silêncio.
O Sr. Deputado Bernardino Soares (PCP) interpelou a Mesa acerca do envio à Assembleia de um relatório sobre o acidente de uma das refinarias da Galp.
Em declaração política, o Sr. Deputado Francisco Louçã (BE) condenou as políticas centralizadoras do Primeiro-Ministro Santana Lopes e falou de erros e incompetência da sua governação.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Guilherme Silva (PSD) fez um balanço das jornadas parlamentares do PSD, realizadas nos Açores, e criticou a forma como o PS tem desempenhado a sua oposição ao Governo. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Francisco Louçã (BE) Bernardino Soares (PCP) e António José Seguro (PS). Ainda a este propósito usaram da palavra, em interpelação à Mesa, os Srs. Deputados Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Bernardino Soares (PCP), António José Seguro (PS) e Guilherme Silva (PSD).
A Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes), em declaração política, denunciou os resultados da política do anterior governo e contestou os objectivos que o Governo pretende levar a cabo no Orçamento do Estado.
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Bernardino Soares (PCP) falou das consequências das políticas do governo anterior e manifestou-se contra as medidas que o Governo se propõe incluir no próximo Orçamento do Estado, tendo, no fim, respondido ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP).
O Sr. Deputado António José Seguro (PS), ainda em declaração política, criticou a forma como tem decorrido o concurso para a colocação dos professores e os meios utilizados para o cumprimento do défice imposto pelo PEC e solicitou a presença do Ministro das Finanças e da Administração Pública no Parlamento para esclarecer várias questões. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP) e António Charrua (PSD).
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 84.º do Regimento, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Rui Gomes da Silva) defendeu, em nome do Governo, a realização de um referendo ao Tratado Constitucional Europeu, para o qual propôs a data de 5 de Junho do próximo ano, tendo manifestado abertura para a discussão dessa matéria. Seguiu-se um debate, no qual intervieram, além do Sr. Ministro, os Srs. Deputados Alberto Costa (PS), Almeida Henriques (PSD), Honório Novo (PCP), Francisco Louçã (BE), Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).

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Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 135/IX e do projecto de lei n.º 287/IX (PCP) - Altera a Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro de Estado e da Presidência (Nuno Morais Sarmento), os Srs. Deputados João Teixeira Lopes (BE), António Filipe (PCP), José de Matos Correia (PSD), Vitalino Canas (PS), Narana Coissoró (CDS-PP) e Francisco Madeira Lopes (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, temos quórum, pelo que está aberta a sessão.

Eram 15 horas.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adão José Fonseca Silva
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Alexandre Bernardo Macedo Lopes Simões
Álvaro José Martins Viegas
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Carlos de Sousa Pinto
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Delmar Ramiro Palas
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eduardo Artur Neves Moreira
Elvira da Costa Bernardino de Matos Figueiredo
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando António Esteves Charrua
Fernando José Pimenta Rodrigues
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino

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José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Soromenho Gomes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim dos Santos Ferreira
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa da Silva Morais
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Pedro Manuel Cruz Roseta
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Susana Maria de Moura Alves da Silva Toscano
Vasco Jorge Valdez Ferreira Matias
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís

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Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Gustavo Emanuel Alves de Figueiredo Carranca
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Jaime José Matos da Gama
João Cardona Gomes Cravinho
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José da Conceição Saraiva
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Santos de Magalhães
José Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Carlos das Dores Zorrinho
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo José Fernandes Pedroso
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins

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0006 | I Série - Número 001 | 16 de Setembro de 2004

 

Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Barreto Marinho da Cunha
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor José Cabrita Neto
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
António Herculano Gonçalves
Henrique Jorge Campos Cunha
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Maria Abrunhosa Sousa
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Marcelo Sanches Mendes Pinto
Manuel de Almeida Cambra
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Paulo Daniel Fugas Veiga

Partido Comunista Português (PCP):
Ângela Ricarda Carriço Sabino
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Maria Luísa Raimundo Mesquita

Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Francisco Miguel Baudoim Madeira Lopes
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa diversos requerimentos.
Nos dias 31 de Agosto e 1 de Setembro - aos Ministérios da Segurança Social, da Família e da Criança e da Educação, formulados pelo Sr. Deputado Artur Penedos; ao Ministério da Defesa e dos Assuntos do Mar, formulado pelo Sr. Deputado Gustavo Carranca; ao Primeiro-Ministro, formulado pelo Sr. Deputado José Apolinário.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados.
No dia 1 de Setembro - Nuno Teixeira de Melo, Rodeia Machado, Isabel Castro e Miguel Paiva.

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Deu entrada na Mesa, e foi admitida, a interpelação ao Governo n.º 14/IX - Direitos reprodutivos das mulheres, não cumprimento de resoluções da Assembleia da República e violação do direito comunitário no caso do navio Borndiep (BE).
Deram, ainda, entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projectos de resolução n.os 275/IX - Sobre a necessidade de urgente revogação da proibição de acesso do navio Borndiep a porto nacional (PS) e 276/IX - Correcção da zonagem do Continente e das zonas críticas no que respeita aos incêndios florestais (Os Verdes).
Deu igualmente entrada na Mesa o voto n.º 199/IX - De pesar pelo falecimento do Presidente do Tribunal Constitucional Juiz-Conselheiro Luís Nunes de Almeida (Presidente da AR).

O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, antes de mais, permitam-me que saúde todos nesta primeira reunião plenária da 3.ª sessão legislativa da IX Legislatura.
Durante o período legalmente estabelecido estiveram interrompidos os trabalhos da Assembleia da República, tendo-se realizado reuniões da Comissão Permanente. Hoje mesmo, de manhã, tiveram lugar reuniões de comissões em preparação de trabalhos que se seguirão.
Faço votos de que todos tenham tido boas férias e venham cheios de energia para o muito trabalho que nos aguarda.
Srs. Deputados, passamos à apreciação e votação do voto n.º 199/IX - De pesar pelo falecimento do Presidente do Tribunal Constitucional Juiz-Conselheiro Luís Nunes de Almeida, para o que peço a maior atenção da Câmara.
Eu próprio vou proceder à leitura deste voto, que é o seguinte:
"A morte súbita de Luís Nunes de Almeida cobre de luto a sua Família e os seus muitos Amigos e empobrece a Democracia portuguesa e Portugal.
Nascido na capital, em 16 de Julho de 1946, Luís Nunes de Almeida revelou-se como um aluno brilhante no Liceu Francês e na Faculdade de Direito de Lisboa.
A Revolução do 25 de Abril veio encontrá-lo dando os primeiros passos na sua actividade profissional como advogado e na sua intervenção cívica.
Perfilhando convicções de esquerda, veio a aderir ao Partido Socialista, nele se revelando como militante de alto valor. Foi Deputado à Assembleia da República entre 1979 e 1983.
A sua reconhecida competência nas questões de Direito Constitucional qualificaram-no para pertencer à Comissão Constitucional do Conselho da Revolução, desde a primeira hora. Com a criação do Tribunal Constitucional, em 1982, para ele transitou como juiz, com absoluta naturalidade, mantendo-se ao seu serviço continuadamente, assumindo funções como Vice-Presidente, entre 1996 e 2002 e, nos últimos anos, como Presidente.
O prestígio de que gozava, como magistrado constitucional, assentava no permanente estudo e no discernimento das opiniões, ultrapassando as fronteiras do País.
A Luís Nunes de Almeida fica devendo muito a nossa Democracia avançada, balizada pela Constituição da República de 1976, sucessivamente revista.
A sua dedicação à causa dos direitos humanos, entroncada na tradição de livre-pensamento, a que aderia com forte compromisso, fica pesando na jurisprudência do Tribunal Constitucional.
Profundamente penalizada pela perda de um tão distinto cidadão, em pleno verão da vida, de quem muito ainda, legitimamente, se esperava, a Assembleia da República apresenta à sua Família e Amigos e ao Tribunal Constitucional, do qual era o juiz-conselheiro mais antigo e agora Presidente, sentidas condolências."
Participei esta nossa evocação do Presidente Nunes de Almeida à sua família e, também, ao Sr. Vice-Presidente do Tribunal Constitucional.
A assistir à sessão na galeria reservada às altas individualidades, encontram-se a viúva e as filhas de Luís Nunes de Almeida, bem como o Sr. Vice-Presidente do Tribunal Constitucional juntamente com diversos magistrados do Tribunal Constitucional, todos os quais saúdo cordialmente.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É com luto no coração que iniciamos esta nova sessão legislativa.
Eu próprio interrompo voluntariamente o silêncio a que me tenho remetido, nesta Casa, porque, ao contrário do que acontecia antigamente em que os novos deviam ouvir os velhos, entendo que, hoje, é necessário que os velhos oiçam os novos. Interrompo-o para poder prestar uma homenagem, pessoal e em representação do meu grupo parlamentar, à memória de um grande português e de um grande amigo, o Doutor Luís Nunes de Almeida, que acaba de ser objecto do voto de pesar brilhantemente apresentado por V. Ex.ª, Sr. Presidente.

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Luís Nunes de Almeida, creio que toda a gente o reconhece, foi uma das inteligências mais lúcidas do Portugal moderno. Como V. Ex.ª disse, ele começou por ser um aluno brilhante nas escolas que frequentou, depois, advogado, jurista, docente universitário, parlamentar desta Casa - e é importante que rememoremos isso - e, sobretudo, nos últimos 20 anos, juiz do Tribunal Constitucional. Foi aí que ele encontrou a plenitude do brilho da sua inteligência.
Dedicou-se particularmente ao estudo do Direito Constitucional mas foi um brilhante jurista do Direito, todo ele.
Quem, hoje, quiser familiarizar-se com o Direito Constitucional português terá de conviver o melhor que puder com os brilhantíssimos estudos e acórdãos do Juiz-Conselheiro Luís Nunes de Almeida.
Ele, que dominou não apenas a dimensão teórica do Direito Constitucional mas a sua dimensão prática, não pode deixar de estar presente na vida e no futuro dos estudiosos do Direito Constitucional português.
Para além disso, ele foi um carácter. É muito importante este aspecto porque, quando uma grande inteligência se junta com um grande carácter, aí está o cidadão perfeito. Ora, Luís Nunes de Almeida foi um brilhante, um admirável, um exemplar cidadão em todos os aspectos e em todas as manifestações da sua vida.
Viveu, todos o reconhecemos, de acordo e segundo princípios e valores. Desde logo, os princípios e os valores do humanismo laico, mas também os do Grande Oriente Lusitano a que pertenceu e de que foi um membro destacado. Diria que tais valores, juntamente com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, sempre foram, verdadeiramente, o seu evangelho. Viveu de acordo com essa escala de valores mas em coerência com eles, não apenas defendendo-os, mas praticando-os no dia-a-dia da sua existência.
Um homem destes é um homem exemplar, que deve ser lembrado, e os mais novos devem, quanto possível, tentar viver na sua imitação, à semelhança do que, antigamente, os nossos pais nos diziam que vivêssemos na imitação de Cristo. Entendo, pois, que os juristas portugueses, sobretudo os que se dedicam ao Direito Constitucional, devem tentar viver na imitação de Luís Nunes de Almeida, da sua inteligência, da sua lucidez, da sua coragem e, sobretudo, da sua perseverança e da sua dedicação ao que fazia.
Cedo, foi destacado como Vice-Presidente do Tribunal Constitucional e, nos últimos dois anos, Presidente, ilustre e brilhante, do Tribunal Constitucional que honrou com a lucidez e o brilho do seu trabalho e da sua actuação. Por isso mesmo, também o Tribunal Constitucional está de luto.
Quero, pois, endereçar uma saudação muito especial ao Sr. Vice-Presidente do Tribunal Constitucional, presente na galeria das altas individualidades, e que, aliás, no funeral de Luís Nunes de Almeida, revelou bem o luto que fere neste momento o Tribunal Constitucional.
Igualmente presentes na galeria das altas individualidades estão - e perdoem-me que a trate assim - a querida Rosa bem como os seus filhos. É importante que enderece à família de Luís Nunes de Almeida a expressão do profundíssimo pesar pessoal e dos Deputados do Partido Socialista. Eles sabem que os acompanhamos na sua dor.
A morte derrotou-nos quando derrotou Luís Nunes de Almeida. É tremenda pena que uma lucidez, uma riqueza de pensamento e de saber tão grandes se apaguem num momento, de chofre, como uma luz que se apaga. É doloroso pensar que tem de ser assim.
De qualquer modo, há esta Assembleia onde ele também brilhou.
O meu primeiro conhecimento com ele foi na Comissão Constitucional, quando fizemos a primeira revisão da Constituição que contribuiu tão fortemente para que o Direito Constitucional e o Estado de direito português atingissem o primeiro estádio da sua maturidade a caminho do pleno Estado de direito que hoje somos e que viemos sendo com a ajuda de homens como Luís Nunes de Almeida.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Querida Rosa, Sr. Vice-Presidente do Tribunal Constitucional, pessoalmente e em nome do Partido Socialista, quero endereçar-vos a expressão profunda do nosso pesar. Acompanhamo-vos na vossa dor e sentimo-la, também, como uma dor própria de quem muito amou e admirou Luís Nunes de Almeida.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Falar nestas circunstâncias do meu amigo Luís Nunes de Almeida não é apenas um ritual ou uma obrigação parlamentar enquanto representante do Grupo Parlamentar do PSD. Fui colega do Luís Nunes de Almeida, pelo que guardo dele a recordação que vem de longe, dos bancos da Faculdade de Direito.
Diria mesmo que o mais importante a realçar, neste momento, é a pessoa do Nunes de Almeida, o seu carácter. Era um jurista insigne, dos melhores do seu curso, mas o que fez com que ele fosse um dos melhores juízes do Tribunal Constitucional e Presidente do Tribunal Constitucional talvez tenha sido

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mais a pessoa dele, o seu carácter e as suas qualidades, do que, embora jurista insigne, a sua superior qualificação jurídica.
É que o desempenho do cargo de juiz do Tribunal Constitucional e, particularmente, do cargo de Presidente do Tribunal Constitucional exige qualidades que estão para além e acima da sua superior qualificação jurídica: era a dimensão da pessoa do Luís Nunes de Almeida, com equidistância, isenção e equilíbrio, sem sectarismo e naturalmente convicto das suas ideias, mas sempre exercendo a sua função de magistrado do Tribunal Constitucional e, em particular, de Presidente do Tribunal Constitucional, com um sentido institucional que nele era apuradíssimo.
Esta imagem, que não foi feita para o cargo que ele veio a desempenhar, já o marcava nos bancos da Faculdade de Direito e permitia que ele tivesse amigos, profundos amigos, dos mais variados sectores ideológicos, porque a tolerância, a compreensão pelos outros, era uma característica do Luís Nunes de Almeida.
Nestas ocasiões, revemo-nos todos naquilo que nos ouvimos dizer reciprocamente, porque temos sempre a sensação de que algo mais era necessário dizer e salientar relativamente à pessoa do falecido Presidente do Tribunal Constitucional.
Dava-se até a circunstância de fazermos anos no mesmo dia, pelo que travávamos uma pequena disputa para ver qual dos dois telefonava primeiro a felicitar o outro. Infelizmente, não vou ter, no meu próximo aniversário, o telefonema habitual do Luís Nunes de Almeida, mas vou lembrar-me em cada aniversário do exemplo que ele foi para todos nós.
Quero, em meu nome pessoal e em nome do Grupo Parlamentar do PSD, dirigir uma palavra de profundo pesar à Rosa e aos demais familiares de Luís Nunes de Almeida. E, naturalmente, ao Tribunal Constitucional, instituição que encerra em si o luto de todos nós pela morte do Luís Nunes de Almeida, quero, na pessoa do seu Vice-Presidente, Dr. Moura Ramos, transmitir as minhas profundas condolências.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Minha Querida Amiga Rosa, Sr. Vice-Presidente do Tribunal Constitucional: Depois de ouvirmos o Sr. Deputado Almeida Santos, que, com o seu habitual brilho de grande orador, fez o retrato fiel de Nunes de Almeida, é muito difícil acrescentar o que quer que seja. Lembrarei apenas duas ou três notas.
A primeira é a qualidade de um humanista laico e homem que não professou qualquer religião formal, mas que teve a grande religião do humanista convicto e exemplar. Um verdadeiro Homem, que praticou o primeiro mandamento: ama o teu próximo como a ti mesmo. Amou a Humanidade, amou Portugal, amou os portugueses e, acima de tudo, deu o exemplo raro da tolerância para com todos os que o conheceram e foram seus amigos.
Em segundo lugar, a sua rara qualidade de juiz constitucional. Não basta ser jurista, não basta ser um grande doutrinador de Direito Constitucional, não basta ser um grande conhecedor das intrincâncias dos pleitos e dos advogados; é necessário ter uma visão ampla de quem decide, de quem sabe e ponderar, em cada momento, qual o interesse que mais deve prevalecer naquilo que lhe é dado julgar, é necessário, acima de tudo, saber o que é defender o conceito democrático intrínseco a cada norma, isto é, um acto para valorização e aprofundamento da democracia, e pôr o Direito ao serviço da justiça, da Democracia e do bem-estar de cada português que pede ou bate às portas do seu pretório.
O Conselheiro Nunes de Almeida foi, acima de tudo, um grande, grande juiz do nosso tempo. São exemplares os acórdãos de que ele foi relator e mesmo a sua doutrina exercida nos votos de vencido.
Não foi por ser Presidente do Tribunal Constitucional que ganhou o respeito institucional de uma figura do Estado. Ele era, em si próprio, uma grande figura do Estado, onde quer que servisse.
Por isso mesmo, hoje, faz falta a todos. Faz falta à Assembleia da República, para sabermos como devemos interpretar a Constituição. Faz falta ao Governo, para saber como deve pautar o seu respeito pela Constituição. Faz falta ao País, por ter perdido um juiz de quem tanto se esperava e que era o exemplo dos outros juízes. E faz falta, acima de tudo, como é natural, à sua família, que dele guardará o exemplo para os seus netos e para todos aqueles que usarem o seu nome e souberem que são seus parentes.
Por isso mesmo, eu e o CDS curvamo-nos muito tristemente perante o desaparecimento de um dos nossos grandes amigos e, ao mesmo tempo, fazemos votos de que o Tribunal Constitucional não se esqueça do seu exemplo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

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O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos nós fomos brutalmente surpreendidos com a notícia do súbito falecimento do Conselheiro Luís Nunes de Almeida. A falta do Conselheiro Luís Nunes de Almeida deixa um vazio irreparável na Democracia portuguesa e na justiça constitucional.
No dia do funeral do Conselheiro Luís Nunes de Almeida, um antigo conselheiro do Tribunal Constitucional dizia-nos que o Conselheiro Luís Nunes de Almeida era a memória viva do Tribunal Constitucional, por ter uma memória impressionante de tudo o que se tinha feito naquele Tribunal desde a sua instalação até à data, e que com ele desaparecia essa memória viva, pelo que as coisas iriam ser muito mais difíceis para quem trabalha na justiça constitucional em Portugal, o que, obviamente, será sentido por todos nós.
O Conselheiro Luís Nunes de Almeida era, como se sabe, Presidente do Tribunal Constitucional, cargo que exercia brilhantemente, mas, mais do que isso, era o mais antigo dos seus conselheiros.
Como Deputado desta Assembleia, como jurista de grande mérito por todos reconhecido, como juiz, como vice-presidente e, ultimamente, como Presidente do Tribunal Constitucional, o Conselheiro Luís Nunes de Almeida destacou-se como um dos cidadãos mais notáveis da nossa vida pública, sendo inteiramente merecedor da homenagem que a Assembleia da República hoje lhe tributa.
Todos nós - sublinho, todos nós - vamos sentir muito a sua falta.
Em nome do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, quero expressar as nossas mais sentidas condolências à sua esposa, Rosa, ao Tribunal Constitucional, aqui representado pelos Srs. Conselheiros, e ao Partido Socialista, que aqui representou como Deputado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Luís Nunes de Almeida foi um grande Deputado, um orador brilhante e um jurista notável.
Como Deputado, interveio, como se nos exige, dando a sua opinião, controversa, empenhada e fundamentada. Interveio - e de uma forma influente, senão decisiva - numa das revisões constitucionais que foram formando o texto da Constituição como hoje o conhecemos.
Mas foi sobretudo como jurista, como juiz e como Presidente do Tribunal Constitucional que mais se destacou. E creio ser imperativo dizer-se que o Tribunal Constitucional foi e tem sido um exemplo único no País, de seriedade e de credibilidade, e que o esforço, a participação, o empenho, a dedicação e até a militância de Luís Nunes de Almeida foram um contributo muito importante nesse sentido, tendo sido lamentado o seu desaparecimento, por essa razão, por todos aqueles e todas aquelas que acompanham a justiça portuguesa e a credibilidade da Constituição.
Por isso mesmo, dirijo à sua família os mais sentidos pêsames por parte do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda e os meus respeitos ao Tribunal Constitucional na sua totalidade, a todos os amigos e naturalmente também ao Partido Socialista, de que Nunes de Almeida fez parte.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A morte do Conselheiro Luís Nunes de Almeida, Presidente do Tribunal Constitucional, veio, mais uma vez este ano, roubar à República Portuguesa um dos seus mais destacados cidadãos.
O súbito desaparecimento do Conselheiro Luís Nunes de Almeida representa a perda de um eminente jurista, cuja vida está intimamente ligada ao Tribunal Constitucional, tendo contribuído com a sua intervenção, ao longo de anos, para o enriquecimento, a credibilização e o enorme prestígio deste Tribunal a que presidia.
O seu legado, nos acórdãos e na jurisprudência que nos deixou, constitui uma herança preciosa e continuará, ainda por muitos anos, a iluminar os caminhos da justiça e da verdade.
A sua morte representa verdadeiramente um empobrecimento da nossa Democracia.
Em nome do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista "Os Verdes", gostaria de dirigir à família aqui presente e ao Sr. Vice-Presidente do Tribunal Constitucional as nossas mais profundas condolências.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Rui Gomes da Silva): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do Governo, quero também curvar-me perante a memória de Luís Nunes de Almeida.
Luís Nunes de Almeida foi Presidente do Tribunal Constitucional desde Abril de 2003, seu Vice-Presidente e Juiz-Conselheiro, durante os 20 anos de existência do Tribunal Constitucional.

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Foi eleito Deputado em 1980 e, em 1982, participou, de forma empenhada e construtiva, refundando a própria Constituição (nas palavras felizes do Prof. Jorge Miranda), na revisão constitucional de 1982.
Recorde-se que, nessa revisão constitucional, foi extinto o Conselho da Revolução, foi criado o Tribunal Constitucional e foi clarificada a formulação do sistema de governo.
Membro da Comissão Constitucional com 30 anos, o Conselheiro Nunes de Almeida tinha uma vastidão de conhecimentos jurídicos e uma acutilância de argumentação, era um homem permanentemente preocupado com a justiça social, com a liberdade, com a democracia e com o progresso social.
Mas, como já alguém aqui disse, o que mais impressionava na personalidade de Luís Nunes de Almeida era a sua dimensão humana, tão grande que, para além destas áreas, o levou certamente a procurar caminhos bem importantes de participação cívica, para praticar e tornar efectivas estas suas preocupações.
À família, aos colegas do Tribunal Constitucional e ao Partido Socialista, de que era ilustre militante, as nossas sentidas condolências.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto que acabámos de apreciar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Peço à Câmara que me acompanhe no minuto de silêncio em homenagem ao Presidente do Tribunal Constitucional, Luís Nunes de Almeida.

A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.

Além da viúva e demais família do Presidente Luís Nunes de Almeida, assistem também a esta homenagem o Sr. Vice-Presidente e outros juízes do Tribunal Constitucional, cuja presença agradeço.
Srs. Deputados, vamos prosseguir os trabalhos do período de antes da ordem do dia de hoje.
O Sr. Deputado Bernardino Soares pediu a palavra para interpelar a Mesa sobre a condução dos trabalhos
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, nos últimos dias foi anunciado um relatório sobre o acidente de uma das refinarias da Galp e o Ministro que o fez anunciou, também - e muito bem -, que o mesmo seria enviado de imediato a todos os grupos parlamentares. É um relatório com uma enorme importância, como se tem constatado nos últimos dias. Porém, no Grupo Parlamentar do PCP - e suponho que noutros - não foi recebido esse relatório até hoje.
Portanto, peço ao Sr. Presidente que diligencie para que a promessa do Sr. Ministro Nobre Guedes possa ser cumprida e não esteja a ser inviabilizada por qualquer outro Ministro ou por uma decisão do Governo em sentido contrário.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa não registou a entrada de qualquer documento dessa natureza, mas transmitirei ao Governo as apreensões de V. Ex.ª. Está, de resto, aqui presente o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, que tomou, de certo, boa nota do problema.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No Verão de 2004, Portugal é o país mais pobre, mais atrasado e que vive a crise mais grave entre os Quinze que constituíram o núcleo da União Europeia.
Desde o segundo trimestre de 2002, semana após semana, diminuiu o produto e aumentou o desemprego; o investimento público está agora ao nível de há sete anos atrás, o desemprego no nível de há 20 anos atrás; a pobreza atinge um record, o défice está em 6% e continuam as manigâncias para o ocultar.
O País vai mal, mas o portugueses vão pior.
O "velho" Governo das direitas tem, evidentemente, uma solução: reduzir subsídios de desemprego, reduzir protecção social aos pobres, acusar os funcionários públicos. O resultado está à vista! Mesmo quando a economia da Europa recupera, Portugal continua a crescer no desemprego, enquanto os outros países crescem em 3%, o Governo revê a sua projecção para este ano para 0,5%, a pior da Europa.
Estamos no último lugar entre os Quinze, e continuamos a atrasar-nos.

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O "novo Governo velho" ocupou S. Bento, prometendo continuar esta política. Com a força absoluta de quem tem o poder sem nunca ter sido eleito para este cargo, Santana Lopes garantiu que tudo fica na mesma. Mas a "marca Santana" exibe-se como uma evolução na continuidade, e é esta "marca" que devemos discutir hoje, Sr.as e Srs. Deputados.
O Primeiro-Ministro começou por governar com promessas de modernidade - o e-government, a descentralização -, tudo perdido no espaço sideral e na viagem de secretários de Estado para o "exílio" com os seus motoristas.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Mas a centralização, essa, continua. O seu aliado Alberto João Jardim ameaça expropriar o único jornal que não controla, e essa não é a única ameaça à comunicação social. Depois de dois anos e meio, a concentração cresceu, a RTP foi atacada, um assessor do Governo toma conta do Diário de Notícias, outro da Lusa e, agora, o inevitável Luís Delgado é nomeado comissário político para a PT/Lusomundo.
Santana Lopes só governa para o seu próprio poder absoluto e o abuso do poder torna-se assim a regra do poder.
É claro que o Primeiro-Ministro sabe o que faz quando autoriza Paulo Portas a usar a Marinha de Guerra para proibir a entrada de um grupo de holandesas que protestam contra a criminalização das mulheres que abortam em Portugal; é claro que o Primeiro-Ministro sabe que assim o País percebe que as direitas preferem unir-se em defesa da regra taliban do que deixar de perseguir e humilhar as mulheres; as direitas preferem ridicularizar o País a discutirem soluções para os problemas,…

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - … porque o Governo aumentou e agravou os problemas. E não nos regozijamos com isso!
É errado o que se passa na justiça; é errado o que se passa na abertura do ano escolar, porque as famílias sabem que o ano escolar não começa amanhã, como prometido, em muitas escolas - o Governo apresentou três listas, o Governo não sabe quando vai começar o ano escolar, a Ministra da Educação anunciou ontem que a lista final das colocações prevista para hoje, para aulas a começar amanhã, é adiada até dia 20! E os portugueses perguntam-se como é que o Governo é tão incapaz de fazer uma lista que é apresentada todos os anos.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Os erros e a incompetência são as marcas do "novo Governo velho". Quando é de esperar trabalho e preocupação, temos leveza e publicidade; quando é de exigir rigor, temos improviso e confusão; quando se espera responsabilidade, temos confusão entre os Ministros, como no caso do relatório sobre o incêndio em Leça da Palmeira.
A responsabilidade, Sr. Presidente, é de um só homem: o Primeiro-Ministro. É ele que nos envergonha com os barcos de guerra na perseguição às mulheres; é ele que dirige a operação sobre a comunicação social; é o Dr. Santana Lopes que deve responder pelo atraso das aulas com a atrapalhação do Governo.
Mas o Primeiro-Ministro vive tudo isto com tranquilidade. Escolheu mesmo o Brasil para declarar a uma televisão que agora já conhece os dossiers, que agora já lhe podem fazer perguntas…! É sempre tranquilizante saber a notícia fresca de que o Primeiro-Ministro agora já conhece os dossiers!...
Ora, conhecedor dos dossiers, o Primeiro-Ministro anunciou então a boa-nova: as taxas moderadoras vão ser pagas com cartões de cores diferentes, segundo o IRS de cada um; no dia seguinte já não eram as taxas, mas uma nova cobrança dos serviços de saúde; mais um dia, veio o Ministro da Saúde dizer que os cartões não serão de cores diferentes, que logo se vê…; mais outro dia, vem o porta-voz do Ministério da Saúde dizer que não sabe quando vai ser ou se vai ser. Afinal, a medida já tinha sido anunciada no dia 15 de Junho de 2003.
Conhecedor dos dossiers, o Primeiro-Ministro julga que, declarando perseguir implacavelmente os abusos do Dr. Jardim Gonçalves, do Dr. Ricardo Salgado ou de outros ricos no Serviço Nacional de Saúde, fica de bem com os pobres. É mero fogo de vista!
Com este Governo é mais fácil a um camelo passar pelo buraco da agulha do que alguma vez ser exigido aos ricos que cumpram as suas obrigações e paguem os seus impostos.

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O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Este discurso incendiário sobre os ricos só tem uma explicação: o Governo quer desviar as atenções, porque quer impor - amanhã vai discuti-la - uma lei para o aumento das rendas, agravando os custos das famílias, a começar pelos mais pobres e pelos jovens. Esse é o centro da política do Governo e será, certamente, o centro da oposição do Bloco de Esquerda, porque é necessária uma resposta alternativa que resolva, de uma vez, o problema deste situacionismo que mantém casas degradadas e falta de habitação para o arrendamento.
A lei do Governo, do "novo Governo velho" obrigará 400 000 famílias a renegociar rendas, e três em quatro dessas famílias não terão apoio; um milhão de pessoas ficará sujeito ou ao aumento das rendas ou ao despejo. E o Bloco de Esquerda entende que esta situação é inaceitável.
A banca é o grande senhorio nacional. Há 800 000 casas a desfazerem-se, 2 milhões de pessoas que vivem sem casa de banho, ou sem saneamento, ou sem cozinha. E o imobiliário português é o terceiro mais rentável de toda a Europa.
Uma lei decente, Sr.as e Srs. Deputados, tem de dar prioridade à reconstrução das casas, à protecção aos idosos, à manutenção do esforço das famílias em limites aceitáveis, à criação de uma bolsa de habitação, à penalização fiscal das casas devolutas e a um grande investimento público. É isso que é necessário.
O País, Sr.as e Srs. Deputados, não quer ser entretido, quer medidas concretas, propostas exequíveis, quer responsabilidade; o País não quer os "ralhetes" e a conversa em família do Ministro Bagão Félix,…

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - É verdade!

O Orador: - … não quer as confusões entre os Ministros do Ambiente e da Economia, os relatórios escondidos acerca da responsabilidade do actual Ministro das Obras Públicas; o País não quer a "tonitruância" do Ministro da Defesa.
Portugal não tem, aliás, funcionários públicos incompetentes, trabalhadores mandriões e serviços públicos a mais. O País tem, há dois anos e meio, um Governo arrogante, que escolheu a saúde para o negócio do século XXI e quer impor aos pobres e trabalhadores salários baixos, rendas altas e paciência infinita.
O Governo escolheu estes terrenos para o conflito com a população - a saúde e o aumento generalizado das rendas. Pois este Governo terá oposição.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, ao iniciar esta sessão legislativa, queria cumprimentar na pessoa de V. Ex.ª, Sr. Presidente, todos os Srs. Deputados e desejar-lhes as maiores felicidades no exercício das suas funções nesta 3ª sessão legislativa da IX Legislatura.
Iniciámos agora o ano parlamentar, com a 3.ª sessão legislativa da IX Legislatura, e o Grupo Parlamentar do PSD fá-lo na sequência das jornadas parlamentares que realizou nos Açores, que tiveram início no domingo último e terminaram ontem de manhã, em Ponta Delgada.
Para além da maior importância dos temas que debatemos, das reflexões que fizemos sobre o nosso próprio funcionamento e sobre a programação dos trabalhos desta sessão legislativa, regressámos dos Açores com a profunda convicção de que os açorianos anseiam a mudança e querem concretizá-la no próximo dia 17 de Outubro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Durante anos os Açores tiveram, com Mota Amaral, uma liderança a sério, forte e prestigiada. Com isso, os açorianos ganharam. Nos últimos 8 anos os açorianos tiveram, com Carlos César, um político limitado e de vistas curtas. Por essa razão, os Açores ficaram a marcar passo.

O Sr. Álvaro Castello-Branco (CDS-PP): - Muito bem!

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O Orador: - Nos próximos 4 anos abre-se aos açorianos a oportunidade de, com Victor Cruz à frente do Governo Regional, terem liderança, prestígio, capacidade reivindicativa, condições para afirmar os Açores nos planos nacional, europeu e internacional.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Decorre neste momento a campanha eleitoral para a escolha da nova liderança do Partido Socialista. Naturalmente que quanto às questões internas do PS nada temos a dizer, mas no que o debate político dentro do PS tem de incidência na vida política nacional é obrigatória uma palavra clara, simples e directa.
E a verdade, nua e crua, é óbvia: o que se passa actualmente no PS é um espectáculo lastimável.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Acusações pessoais entre três candidatos, muitas; insinuações de défice democrático, de fraude eleitoral e de clientelismo bastantes; propostas de soluções para os problemas do País nenhumas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não é verdade!

O Orador: - A sensação que os portugueses têm é a de que o PS se mobiliza para uma solução para os seus problemas internos mas não tem nem soluções, nem ideias, nem propostas concretas para os problemas de Portugal e dos portugueses.

O Sr. José Magalhães (PS): - Já vai ver!

O Orador: - Alguém há-de vencer aquela eleição - esse é um problema dos militantes do PS -, mas dessa eleição, como se tem visto, não resultará qualquer parcela de vitória para Portugal e para o futuro do nosso país.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A Democracia constrói-se com uma oposição forte e credível, que é exactamente o que não temos.
Daqui a um mês veremos a nova liderança do PS, muito radical no verbo e muito pobre no conteúdo; muito agressiva no discurso e muito frouxa na substância; muito confrontacional na forma e completamente ausente nas propostas e soluções.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O radicalismo do discurso servirá, apenas, para tentar disfarçar a pobreza de ideias.
É tudo isto, Srs. Deputados, que reforça a nossa responsabilidade, a responsabilidade da governabilidade, da solidariedade e da estabilidade.
Nós falamos e actuamos a pensar, apenas e só, em Portugal e nos portugueses. Aprendemos isso, desde cedo, com Sá Carneiro e continuámo-lo com Cavaco Silva, Durão Barroso e, agora, com Santana Lopes.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Esqueceu-se do Marcelo!?

O Orador: - Esta 3.ª sessão legislativa ocorre num momento singular da vida do nosso país.
Acabou um ciclo, começou outro. Mas entre um e outro há um mesmo denominador comum - a mesma política de exigência e de rigor, a mesma preocupação com a retoma e o crescimento, o mesmo propósito reformista, modernizador e de aposta na justiça social. Um mesmo Programa para concluir e executar.

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Temos hoje fundadas razões para estar confiantes: a consolidação orçamental está em curso, os sinais de retoma e de recuperação são, trimestre a trimestre, cada vez mais visíveis, o sentimento de investidores e de consumidores tem vindo a tornar-se claramente mais positivo e a nossa credibilidade na Europa foi reforçada.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Acabou o tempo da recessão; começou o tempo da recuperação e do crescimento.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Nenhum português deve embandeirar em arco, porque recuperação e crescimento não podem nem devem significar laxismo, facilitismo ou abrandamento do ritmo reformador.
Nenhum português deve esperar menos esforço e menos exigência. É que sem esforço não ganhamos a batalha da produtividade e sem exigência não vencemos o desafio da competitividade.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Nenhum português deve alimentar ilusões. O nosso caminho é o da segurança e da solidez, não é nem nunca será o caminho da ilusão, do artificialismo, do facilitismo ou da expectativa falsa.
Mas todos os portugueses sabem, agora melhor do que antes, que o caminho já percorrido valeu a pena e que começa agora a dar resultados.

Aplausos do PSD.

E, sobretudo, os portugueses sabem que, com a nossa governação, o crescimento económico será usado em benefício de todos, particularmente dos mais carenciados, nunca ficará confinado ao privilégio de alguns.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Os objectivos são, para nós, claros: queremos consolidar o crescimento económico para diminuir as clivagens sociais, para atenuar as desigualdades regionais, para promover maior e melhor justiça social.
Estamos orgulhosos do trabalho feito nos primeiros dois anos da legislatura. Temos orgulho de, apesar de tantas incompreensões e ataques, termos prosseguido, por imperativo nacional, uma política de contenção e de rigor nas finanças públicas, assumindo os ónus das restrições e da consolidação orçamental, mercê dos desmandos e desperdícios dos governos socialistas que nos antecederam.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Para os que proclamavam que o Dr. Durão Barroso não servia para governar Portugal, a história encarregou-se de dar a adequada resposta, através da unanimidade de 24 Chefes de Estado e de Governo, legitimados pelo voto dos seus concidadãos, que o escolheram para governar a Europa.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Como solução de recurso!

O Orador: - Lamentamos o sectarismo dos que, cegamente, numa visão puramente partidária, espezinharam o interesse nacional e não souberam compreender a projecção que tem para Portugal e para a sua afirmação externa caber a um português a presidência da Comissão Europeia.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Foi esse mesmo sectarismo que levou aos ataques desenfreados, e sem precedentes, ao Primeiro-Ministro e aos Membros do Governo indigitados, ainda antes da sua posse.
Quero daqui dirigir uma palavra ao Primeiro-Ministro, Dr. Santana Lopes. Sei que é um homem de grandes desafios e um político que os enfrenta de forma determinada e sem medo, como sei que os vence e desempenha com sucesso as funções em que é investido. E não tenhamos ilusões: é exactamente por

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essa razão que esses ataques vão continuar, com as mais vis deturpações e falsidades em que os nossos adversários se especializaram e sem o que já não sabem sobreviver politicamente!!
Adversários, dentro e fora deste Parlamento, a todos deixamos uma mensagem clara: estamos legitimados pelo voto popular e não consentiremos que o radicalismo das oposições ou os poderes fácticos, não legitimados democraticamente, ponham em causa o que de mais sagrado há em democracia, a vontade popular, livre e soberanamente expressa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em 2006 cá estaremos, de Norte a Sul do País, do continente às Regiões Autónomas, para o julgamento democrático. O julgamento de quem herdou um País sem rumo e à deriva, o julgamento de quem começou a preparar um futuro de maior crescimento, maior justiça e melhor solidariedade para todos os portugueses.

Aplausos do PSD (de pé) e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há quatro pedidos de palavra para solicitar esclarecimentos ao orador.
Por ordem de inscrição, em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, gostava de começar por saudá-lo, bem como a todo o Grupo Parlamentar do PSD, na pessoa do Sr. Deputado, pelas jornadas parlamentares recentemente realizadas nos Açores, onde estive presente juntamente com o Sr. Deputado Herculano Gonçalves a convite do PSD, o que muito nos honrou.
Nessas jornadas pudemos constatar - como, de resto, a comunicação social também o pode fazer, bem como os muitos convidados presentes - que a coligação que formamos, para benefício de Portugal, está de boa saúde, que o projecto que celebrámos se mantém e, certamente, com a esperança de que no final da legislatura se produzirão os resultados que os portugueses tanto esperam.
Nestas jornadas também tivemos ocasião de verificar que Vítor Cruz é um dos mais recentes e felizes exemplos de como esta coligação é fonte de esperança para os portugueses. Verificámos como nos Açores, hoje, todos vêem em Vítor Cruz e na equipa do PSD e do CDS-PP uma forte expectativa de mudança. Têm a certeza, até, de que essa mudança muito em breve permitirá inverter o triste estado de coisas em que, infelizmente, os interesses dos açorianos têm vindo a ser utilizados apenas em benefício dos interesses partidários do Partido Socialista, mesmo que com isso em nada beneficiem o interesse do arquipélago.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Sr. Deputado Guilherme Silva, a propósito de uma recente constatação que tem que ver com as implicações de uma estratégia do governo do Partido Socialista, em matéria de vias de comunicação, para o estado económico e financeiro do País, gostaria de colocar-lhe uma questão sobre as SCUT e das suas implicações financeiras. Ou seja, entre 2007 e 2023, em cerca de 20 anos, as portagens virtuais (sem custos para o utente) implicarão para o Estado português uma despesa fixa entre 500 e 650 milhões de euros, o que, grosso modo, daria entre 100 e 140 milhões de contos por ano. De facto, é um encargo que me parece verdadeiramente absurdo e que não permitirá, entre outras coisas, a existência de outra verba para a manutenção, conservação e requalificação das estradas que temos.
Assim, não só atribuíram ao Estado um encargo muito difícil, que tem implicações nas nossas contas públicas, como não foram capazes de antever soluções.
Em relação a esta estratégia, a esta opção do Partido Socialista, o que pensa da opção pelas SCUT e quais as implicações para o Estado português? O que considera dever ser feito, nomeadamente em sede parlamentar, para se poder apurar o que se passou e onde pode o Governo investir no futuro de forma a resolver este problema?

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

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O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, quero agradecer, em primeiro lugar, a sua presença e a do Sr. Deputado Herculano Gonçalves nas jornadas parlamentares do PSD e, em segundo lugar, palavras que agora me dirigiu a propósito das nossas jornadas.
Quero dizer-lhe igualmente que concordo consigo quando diz que as jornadas parlamentares do PSD realizadas nos Açores, numa projecção para os Açores e para o País, foram a renovação, a reafirmação da solidez da coligação da maioria que governa Portugal e que vai passar também, em breve, a governar os Açores.
Sr. Deputado, a questão concreta que me colocou é um exemplo acabado da forma de governar socialista. Não se bastaram em desperdiçar e ter encargos e despesas "à tripa forra", conduzindo as finanças públicas ao descalabro a que conduziram; oneraram também os governos seguintes, as gerações seguintes. "É preciso arranjar uma solução que depois, mais para a frente, alguém pague..." Não é verdade?... É isto que o espírito socialista tem de mais característico. Pagar não é com eles. Por isso, essa solução é uma solução intrinsecamente socialista.
Ora, este Governo deparou-se agora com os encargos que esta situação envolve e tem a obrigação de informar o País do que decorreu da solução SCUT's que os socialistas adoptaram. Aliás, o Sr. Ministro das Obras Públicas já se disponibilizou a vir à Assembleia da República fazer esse inventário e trazer essa informação à comissão competente.
Mas quem assumiu essa solução vai estar, certamente, disponível para ir também à Comissão fazer um inventário e dar a informação das virtudes, das altas virtudes, do efeito multiplicador que esta solução ia trazer…! E levará no bolso os 500 milhões que temos de pagar como primeira prestação - vai ter de ser, certamente, um fato especial para que esses 500 milhões caibam no bolso… - e a solução passará por pedi-los emprestados em qualquer lado, mas esse será um problema socialista. Vamos aguardar que haja essa disponibilidade por parte dos socialista responsáveis por essa solução para explicarem ao País o motivo pelo qual optaram por aquela solução e como é que ajudam o Governo a resolver esse problema.
Não gostam que se fale na "herança", mas esta é realmente uma herança de que temos de falar, pois o que é deixado para os portugueses resolverem para o futuro são os governos que a cada momento estão ao serviço do País que têm de encarar essas soluções e de partilhar com a Assembleia da República o que está a ser um ónus para as novas gerações.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Certamente, vamos tratar desta matéria, também convergentemente com o CDS-PP.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputado Guilherme Silva, ouvi a sua intervenção e queria colocar-lhe perguntas concretas acerca das jornadas parlamentares do PSD e, sobretudo, do que nos explicou, respostas - estou seguro que as dará - que beneficiarão da sua qualidade de membro da direcção política do PSD/Madeira e de assessor do Governo Regional da Madeira.
Como sabe, na Madeira não há portagens nas auto-estradas. Quando serão implantadas as portagens nas SCUT da Madeira?

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - É importante sabermos essa informação que, certamente, preocupa os madeirenses.
Em Julho, Alberto João Jardim exigiu ao Governo 130 milhões de euros de dotação suplementar. Sr. Deputado, queria ter a confirmação de que esse dinheiro já foi pago.
Agradecia ainda que tivesse a bondade de nos explicar por que razão vai ser expropriado o Diário de Notícias da Madeira. Alberto João Jardim anunciou que nacionalizaria e expropriaria o Diário de Notícias da Madeira porque, "escandalosamente" publicou uma notícia, confirmada pela Polícia Judiciária, acerca da pornografia no arquipélago. Gostava, pois, que nos dissesse o que se passa a esse respeito - se é que o Governo vai nacionalizar outros órgãos de comunicação social quando publicarem algo que o incomode...
Em último lugar, registei e fiquei sensibilizado por a coligação estar de boa saúde, como disse o Deputado Nuno Melo. Não esperaria outra coisa e desejo a melhor saúde a essa coligação.

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Mas Alberto João Jardim explica que não faz a coligação na Madeira porque o PP é "velho, fascista e reaccionário". Sei que é velho, fascista e reaccionário na Madeira, mas nos Açores é novo, progressista, e revolucionário, como é evidente!...

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - Não se podia esperar outra coisa aqui também.
Como conhece bem a Madeira, explique-me lá quando começam as portagens na Madeira, quando e porquê vai ser expropriado o Diário de Notícias da Madeira e o que vai ser feito para corrigir a velharia, o fascismo e o reaccionarismo do PP na Madeira.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares, sendo que o Sr. Deputado Guilherme Silva informou a Mesa de que responderá conjuntamente a estes pedidos de esclarecimento.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, faz bem, pois assim tem mais tempo para preparar a resposta.
Já agora, poderá também responder-nos se considera que a Comissão Nacional de Eleições é uma instituição "bafienta e salazarenta", se é também este o seu entendimento sobre este órgão, que, aliás, tem representantes eleitos pela Assembleia da República.
Mas o Sr. Deputado Guilherme Silva, que falou muito da oposição e pouco da situação do País, poderia, pelo menos, ajudar o Ministro das Finanças, na passagem da sua mensagem, na palavra que quis trazer a todos os portugueses, explicando-nos por que razão, afinal, agora o Governo reconhece que não houve consolidação orçamental e vai continuar a pedir sacrifícios aos portugueses, uma vez que o Ministro das Finanças não se comprometeu - e não sei se o Sr. Deputado está em condições de se comprometer - com aumentos reais para a recuperação do poder de compra dos trabalhadores da função pública, com uma verdadeira justiça fiscal, como, por exemplo, no que diz respeito aos benefícios fiscais do offshore da Madeira. E isto porque não chega dizer que se vai actuar segundo os princípios da ética fiscal. Olhe, até lhe dou uma sugestão: se o que falta são 2000 milhões de euros de receita para atingirmos o défice exigido pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento, este é precisamente o montante que é desperdiçado nos benefícios fiscais do offshore da Madeira. Tem aqui uma boa solução para resolver o problema do défice, assim o Governo queira optar por esta solução.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Uma outra questão tem a ver com a orgânica dos interesses, que é a Lei Orgânica do Governo.
Temos um Ministro dos Assuntos do Mar que espartilha as competências sobre esta área com uma série de outros ministérios.
Temos um Ministro das Finanças, que, e pode dizer-se, é Ministro das Finanças, mas pouco, porque a parte dos fundos comunitários, a parte do plano de investimentos da Administração Central, ficou para o Ministro Arnaut, certamente por nada ter a ver com o aparelho do PSD e com a aproximação das eleições autárquicas.
Finalmente, temos ainda na orgânica dos interesses do Governo o Ministro Nobre Guedes, Ministro do Ambiente, que produz e divulga um relatório sobre a Galp, o qual é entretanto mantido em segredo, porventura por indicação do Ministro de Estado e dos Assuntos Económicos - e até hoje ainda não conseguimos ver esse relatório -, e que divide as competências com o seu Secretário de Estado da seguinte forma: as matérias estritamente de política ambiental ficam com o Secretário de Estado, as matérias dos negócios ambientais, tais como o tratamento dos resíduos, a privatização da água e outras matérias muito lucrativas e interessantes, ficam com o Ministro.
Há pouco, e com isto termino, Sr. Presidente, o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo disse que a coligação está de boa saúde para governar Portugal. Ó Sr. Deputado Guilherme Silva, o que me parece é que Portugal não está nada de boa saúde com o Governo que esta coligação lhe dá!

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António José Seguro.

O Sr. António José Seguro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, já percebemos por que é que os senhores realizaram as jornadas parlamentares nos Açores e não na Madeira. Ficou patente com o pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo e com a resposta que o Sr. Deputado Guilherme Silva deu.

Vozes do PSD: - Já fizemos na Madeira!

O Orador: - De facto, a coligação, que os senhores dizem estar de boa saúde, na Madeira, não regista nenhuma boa saúde, nem sequer nenhuma saúde.
Não deixa de ser elucidativo, Sr. Deputado Guilherme Silva, que a primeira intervenção, a seguir às vossas jornadas, que o senhor faz como líder do grupo parlamentar do maior partido da maioria tenha uma única conclusão: atacar o Partido Socialista, chegando ao cúmulo de dizer que considera lamentável uma disputa eleitoral interna para a escolha de um líder partidário.

Vozes do PS: - É lamentável!

O Orador: - Nós compreendemos o vosso embaraço. É que os senhores procedem à eleição dos vossos líderes através de processos administrativos…

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - Compreendemos o vosso embaraço!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

E foi por esta razão que, tarde e a más horas, depois de continuarem agarrados ao poder, vieram dizer: é melhor fazermos o Congresso em Novembro, senão eles vão atacar-nos porque fazem o Congresso deles em Outubro.

Risos do PS.

É lamentável! Simplesmente lamentável, Sr. Deputado Guilherme Silva!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E, Sr. Deputado, poderia aqui responder-lhe na mesma moeda, recordando palavras que o agora indigitado Presidente da Comissão Europeia disse a propósito do actual Primeiro-Ministro. Porém, não o faço por respeito à vivacidade dos debates eleitorais no interior dos partidos políticos.

Aplausos do PS.

Mas não posso deixar de dizer-lhe que o espectáculo lamentável não é a liberdade de expressão, a disputa viva no interior de um partido pela sua liderança. O espectáculo lamentável são os erros da vossa governação e o facto de não haver memória nas últimas duas décadas de uma trapalhada tão grande como a abertura do ano escolar 2004/2005.

Aplausos do PS.

E a responsabilidade do Governo e da sua maioria não é a de atacar o partido da oposição, é a de resolver os problemas do País.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - E os senhores estiveram nos Açores, nas vossas jornadas parlamentares, à custa do erário público, apenas com um objectivo: atacar o Partido Socialista. Eu sei que vos preocupamos; eu sei que vos incomodamos e quero dizer-lhe, Sr. Deputado Guilherme Silva, que vos incomodaremos ainda mais depois da realização do nosso congresso nacional.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva. Dispõe de um tempo máximo de 5 minutos.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, eu já sabia da sua visão profundamente centralista, da sua falta de qualquer sentido e de consideração pelas autonomias políticas regionais. Mas, se eu tinha dúvidas, hoje elas ficaram aqui esclarecidas: V. Ex.ª quer suprir a insuficiência de representação na Assembleia Legislativa Regional pela limitada representação que tem na Assembleia da República.
Não vou colaborar consigo nesta visão centralista, porque sou um autonomista convicto, e espero que V. Ex.ª tenha alguém, com a sua habilidade, para fazer perguntas sobre a Madeira na Assembleia Legislativa Regional da Madeira. Foi para isto que se criou a autonomia; não é para isto que existe a Assembleia da República.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Não tem resposta!

O Orador: - O Sr. Deputado Bernardino Soares anda distraído! O Partido Social Democrata tem, de há muito, uma posição relativamente à Comissão Nacional de Eleições: entende que a maturidade democrática do País neste momento não se compadece com a existência deste órgão, com a forma como muitas vezes funciona, com sectarismos, partidarizado…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É tempo de dizer que já não é necessário. Há um Tribunal Constitucional para resolver as questões eleitorais,…

O Sr. António Filipe (PCP): - É espantoso!

O Orador: - … não é preciso um órgão como a Comissão Nacional de Eleições, que teve a sua razão de ser no momento da implantação da democracia…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É claro!

O Orador: - … mas que não tem razão de ser por ser um órgão que não tem a representação proporcional e que muitas vezes tem um sentido partidário no seu funcionamento.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Também temos o dever de fazer funcionar a democracia da forma mais autêntica e mais profunda, e esta forma é assegurado pelo Tribunal Constitucional, não é pela Comissão Nacional de Eleições.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Isso é grave!

O Orador: - Relativamente à função pública, quero dizer-lhe que sentimos uma gratidão muito especial para com os funcionários públicos,…

Risos do PCP e do BE.

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… particularmente para com aqueles que durante dois anos não obtiveram qualquer aumento, tirando os funcionários a que, por pertencerem a um escalão menor, foi possível dar um aumento, ainda que não muito significativo, e há a promessa, adquirida, de que neste Orçamento iremos fazer os aumentos possíveis, os aumentos responsavelmente possíveis.

Risos do PCP e do BE.

Mas não é possível exigir mais aos funcionários públicos que não têm tido qualquer aumento. Aliás, temos todos de estar gratos pela forma como compreenderam as dificuldades em que o Partido Socialista deixou o País e a necessidade que houve em lhes pedir essa restrição durante dois anos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Quero também dizer-lhe, relativamente à questão do offshore da Madeira que o Sr. Deputado agita sempre, que o offshore da Madeira está regulamentado, é fiscalizado pela Inspecção-Geral de Finanças e pelo Banco de Portugal, cumpre as regras e nunca apareceu em qualquer "lista negra" de offshore internacionais.
Mas o problema que o Sr. Deputado coloca não é do offshore da Madeira, é um problema de operações offshore, que podem ser feitas na Madeira ou noutro lado!

Vozes do PSD: - Exactamente!

O Orador: - As que são feitas na Madeira trazem algum benefício para Portugal!

Vozes do PCP: - Benefício?!…

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Qual benefício?!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Só se for para o Millennium!

O Orador: - Estas o Sr. Deputado deveria proteger. Deveria saber distinguir as coisas e não "meter tudo no mesmo saco"!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em relação ao Ministro do Ambiente, eu pasmo! O senhor foi um dos maiores atacantes do Ministro do Ambiente, dizendo que era o homem dos lobbies, que o homem não servia para nada, que o homem vinha para o Governo ao serviço destes ou daqueles, e, em 15 dias, o senhor é um defensor acérrimo do Ministro do Ambiente.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Eu?!…

O Orador: - Inventou um conflito que não existe!

Protestos do PCP.

Ainda ontem mostrei a interpretação, feita por três jornais, daquilo que o Ministro Álvaro Barreto disse sobre esta matéria.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Já mostrou! Escusa de mostrar outra vez!

O Orador: - Desde o título Barreto e Nobre Guedes de acordo no dossier Galp ao título Barreto acusa Nobre Guedes de ter prejudicado o Governo,…

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Depois do "puxão de orelhas"!

O Orador: - … temos as mesmas palavras interpretadas à forma e à conveniência de cada um! V. Ex.ª foi para a mais radical, mas é esta que está errada, porque aquilo que o Sr. Ministro Álvaro Barreto disse é que estava efectivamente de acordo, substantivamente, com o relatório da Galp.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Deputado António José Seguro, permita-me que, antes de responder às questões que colocou, lhe faça aqui uma observação. V. Ex.ª introduziu, aqui, lateralmente, a ideia de que o Grupo Parlamentar do PSD, implicitamente, ao contrário de outros grupos parlamentares, faz as suas jornadas à custa do erário público.

Vozes do PSD: - Exactamente!

O Sr. António José Seguro (PS): - Não foi essa a minha intenção!

O Orador: - Sr. Deputado, não fazemos, com certeza, à custa de lobbies ou de sponsors com quem temos compromissos! Não fazemos com certeza!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Fazemo-las, nos termos regimentais e nos termos constitucionais, de harmonia com aquilo que está estabelecido para as jornadas parlamentares de todos os grupos parlamentares, o que, como todos sabemos, é considerado trabalho parlamentar.
Em relação às críticas que me moveu por ter criticado o processo de eleição, é evidente que, e foi muito claro, não tenho de me imiscuir no processo de eleição do Partido Socialista, e respeitamo-lo. Mas, Sr. Deputado, uma coisa é a liberdade de expressão, é o empenho, outra coisa é a falta de educação, é a falta de elevação no discurso político.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há vários pedidos de interpelação à Mesa. Peço aos Srs. Deputados que os façam dentro dos precisos termos regimentais, tendo em conta que há mais oradores inscritos para declarações políticas e que temos uma ordem do dia muito pesada.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, com muita brevidade, apenas para, por intermédio da Mesa, pedir que sejam informados os Srs. Deputados António José Seguro, Bernardino Soares, Francisco Louçã e as respectivas bancadas de que o CDS-PP vai, precisamente, realizar as suas jornadas parlamentares nos dias 20 e 21, na Madeira, onde, como verificarão, seremos recebidos com toda a cordialidade.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Cuidado!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, essa notícia já era do domínio público, de modo que não é necessário a Mesa funcionar de núncio do Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.
Também para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, uso da palavra para, em primeiro lugar, solicitar à Mesa o envio ao Sr. Presidente da Comissão Nacional de Eleições (CNE) da parte da Acta desta sessão, quando estiver reproduzida, onde o Sr. Deputado Guilherme Silva diz que a CNE funciona de forma sectária e partidarizada.

Risos do PCP.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sim, sim! Até pode ser já!

O Orador: - Em segundo lugar, peço também à Mesa para, quando nos enviar a informação sobre as jornadas parlamentares do CDS, nos esclarecer se, tal como o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo participou nas jornadas do PSD nos Açores, o Sr. Deputado Guilherme Silva também vai participar nas jornadas parlamentares do CDS na Madeira.

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O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Com certeza!

O Sr. José Magalhães (PS): - Vai servir de guarda-costas ao Deputado Nuno Teixeira de Melo!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Bernardino Soares, a Acta das sessões é o Diário da Assembleia da República, que é do conhecimento universal. Portanto, a Mesa não envia demos especiais a qualquer entidade.
Quanto às jornadas parlamentares do CDS-PP, as mesmas já foram divulgadas e são conhecidas. Não faço ideia de quem serão os seus participantes, mas saberemos isso certamente através da imprensa.
Também para uma interpelação à Mesa, tem, agora, a palavra o Sr. Deputado António José Seguro.

O Sr. António José Seguro (PS): - Sr. Presidente, há pouco, na minha intervenção, aludi à utilização de recursos públicos nas jornadas parlamentares do PSD, estão no seu direito, como, aliás, todos os partidos políticos. Aquilo que eu disse, Sr. Guilherme Silva, é que essa utilização poderia ter sido melhor concretizado se os senhores tivessem debatido os problemas do País em vez de terem debatido o Partido Socialista!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por favor, façam silêncio, para podermos ouvir o orador.

O Orador: - Sr. Deputado Narana Coissoró, se quiser dirigir-me algum pedido de esclarecimento terei todo o gosto em responder-lhe.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não está previsto haver pedidos de esclarecimento neste caso. Desde já fica dito!

O Orador: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Narana Coissoró utiliza um tom de voz muito elevado e eu próprio tenho dificuldade em me ouvir.

Vozes do CDS-PP: - Se tem dificuldade esforce-se mais!

O Orador: - O Sr. Deputado Guilherme Silva, em reposta, disse e referiu-se a lobbies e sponsors no financiamento de actividades. E eu gostaria, Sr. Presidente, que, através da Mesa, fosse solicitado ao Sr. Deputado Guilherme Silva a concretização do que disse.
Caso assim não seja, o Sr. Deputado Guilherme Silva deve retratar-se e retirar de imediato a expressão que utilizou.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Por sinal, o Sr. Deputado Guilherme Silva também pediu a palavra para uma interpelação à Mesa, e é natural que tenha em conta a solicitação de V. Ex.ª.
Sr. Deputado Guilherme Silva, tem a palavra.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, primeiro, gostaria de dizer que já fizemos jornadas parlamentares na Madeira e que estarei com muito gosto nas jornadas parlamentares do PP, que também se irão realizar na Madeira.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Isso vai ser engraçado!

O Sr. Honório Novo (PCP): - Vai de máscara?!

O Orador: - Em relação ao Sr. Deputado Bernardino Soares, peço ao Sr. Presidente que solicite aos serviços a recolha de intervenções minhas no passado para se ver que aquilo que eu hoje disse em relação à Comissão Nacional de Eleições já o havia dito anteriormente…

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Podem juntar as minhas também!

O Orador: - Aliás, já agora, pode juntar-se todas as intervenções dos Deputados do PSD sobre esta matéria, relativamente à qual mantemos, coerentemente, a mesma postura, e não nos repugna, em nada, a sua preocupação. Mais, se quiser, podemos poupar-lhes o trabalho, enviamos as nossas declarações à Comissão Nacional de Eleições.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado António José Seguro deixou no ar a insinuação de que o Grupo Parlamentar do PSD tinha usado indevidamente recursos públicos para a realização das suas jornadas. Perante isto perguntei se efectivamente o mesmo não acontecia com o Partido Socialista, ou se as jornadas do Partido Socialista eram suportadas por sponsors.

Protestos do Deputado do PS José Magalhães.

Fiz a pergunta; V. Ex.ª já esclareceu dizendo que não. Ficamos satisfeitos!
Quanto ao podermos ter utilizado os recursos públicos, o Sr. Deputado António José Seguro foi membro de um governo que não deixa nenhum exemplo do que deve ser a boa utilização dos recursos públicos.

Protestos de Deputados do PS.

V. Ex.ª não deveria atrever-se a fazer perguntas desta natureza!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Por um tempo, pelo menos, pois ainda está em período de nojo relativamente a esta matéria.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - A interpelação à Mesa do Sr. Deputado Guilherme Silva não foi muito canónica, mas, enfim, está feita e o assunto encerrado.
Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Teria ficado bem ao Sr. Ministro das Finanças reconhecer, na declaração que fez ao país na segunda-feira, que a generalidade dos portugueses vive hoje pior do que vivia há aproximadamente dois anos.
Afinal, a obsessão do Governo com o défice e com o cumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento, o que levou o Governo a exigir tantos sacrifícios aos portugueses, não levou à consolidação das contas públicas e, agora, o Governo vem querer que os portugueses, mais uma vez, suportem a factura da sua incompetência, ou seja, a promessa dos bons tempos na segunda metade do mandato, que já se transformou em continuação do "aperto de cinto".
Más notícias para os portugueses num mês que, para muitas famílias, se transforma numa completa asfixia financeira, devido ao início do ano lectivo, com algumas delas a terem de recorrer ao crédito bancário para garantir aos filhos o direito fundamental à educação, de que o Governo se vai desresponsabilizando de garantir, e num país onde os encargos com a educação são dos mais elevados para as famílias, onde o abandono escolar é extremamente preocupante, tal como é, mais uma vez, exposto no relatório da OCDE, onde os professores são dos mais mal pagos, onde o número professores/alunos é abaixo da média e onde, ainda assim, há inúmeros professores no desemprego.
A isto acresce a incompetência do Governo na colocação de professores, fingindo que amanhã se inicia um ano lectivo, onde a componente da docência está mais do que coxa, agravada com um novo adiamento da publicação das listas de colocação de professores.
É num país onde o desemprego continua a subir, onde os salários mínimos são dos mais baixos ao nível europeu, com um custo de vida muito elevado, que o Governo assegura o aumento das rendas e o aumento trimestral, em função dos preços dos combustíveis, dos títulos dos transportes públicos - num ano em que estes já aumentaram muito acima da inflação e mais do que é usual aumentarem -, o mesmo Governo que nunca conseguiu encontrar uma estratégia para aliciar utentes para uma maior utilização dos

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transportes colectivos e que teima na ineficácia no cumprimento dos objectivos do Acordo de Partilha de Responsabilidade associado ao Protocolo de Quioto.
Na saúde, o Governo, contrariando o princípio constitucional da tendência de gratuitidade deste sector, anuncia que vai diferenciar as taxas moderadoras, utilizando vergonhosamente a capa da justiça social. Mas, na sua declaração ao País, Bagão Félix deixou claro que o objectivo não é promover a justiça social mas, sim, aumentar os encargos dos utentes com a saúde, porque o Estado tem outras prioridades de intervenção, e, portanto, não direccionará tanto dinheiro para esse sector. Assim, o Governo intensifica o princípio de que "quem quer saúde que a pague", quando aqui a questão não é sequer quem quer mas, sim, quem precisa.
Como é que o Governo garante que isto se vai processar? As pessoas vão ser distinguidas no Serviço Nacional de Saúde pelo cartão dos mais abastados e pelo cartão dos mais pobres, em função do rendimento declarado. E, como todos sabemos que neste país as declarações de rendimentos são tão diferentes dos rendimentos reais, à excepção dos trabalhadores por conta de outrem, o que vai acontecer é que os cartões em muitas situações não vão corresponder a essa eventual capacidade de pagamento. Há que perguntar, portanto, se para o cartão de utente de saúde vão contribuir também os sinais exteriores de riqueza.
Mas estamos, ainda por cima, a falar sobre um pagamento que os utentes não têm sequer de suportar, porque já pagam impostos, justamente para que o Estado lhes ceda esses serviços, sendo que o que o Governo quer é que as famílias suportem duplamente o sector da saúde. E não estamos a falar de serviços de que as pessoas usufruem porque lhes apetece mas, sim, porque têm necessidade disso. E, aliás, o Governo bem tem contribuído para agravar esta necessidade, quando, devido à sua inércia ou a políticas absolutamente erradas, intensifica níveis de poluição que muito se têm reflectido no agravamento de doenças crónicas, nomeadamente nos centros urbanos.
Se os nossos impostos não servem para pagar estes serviços públicos tão essenciais, é caso para perguntar: então para que servem?! Aplicar aqui o princípio do utilizador-pagador é abdicar totalmente do princípio da solidariedade, que, na verdade, o Governo insiste em transformar em diferentes áreas no princípio da caridade.
Isto é imoral num país onde os índices de pobreza são tão elevados e profundos: 22% da população vive no limiar da pobreza, onde os riscos de pobreza aumentam preocupantemente e onde o fosso entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres é dos mais profundos da Europa. Ora, se o Governo continua ao serviço de quem já pode mais, a tendência é, obviamente, para aumentar esse fosso.
Não é por acaso que, enquanto a generalidade dos portugueses se queixa, legitimamente, de que o orçamento familiar já não consegue cobrir os gastos em bens e serviços essenciais, uma pequena minoria, designadamente ligada à banca, se regozija por estes dois últimos anos terem sido muito proveitosos e de significativa obtenção de lucro. Aqui bem se aplica o princípio de que "uns são filhos e outros enteados" e bem se vê ao serviço de quem está o Governo PSD/PP.
O Governo diz que o Orçamento do Estado não dá para pagar tudo, não dá para suportar tantos serviços públicos essenciais, como a saúde, a educação ou os transportes, mas dá para permitir paraísos fiscais em Portugal, para pagar chorudos salários a directores e administradores e para adquirir material de guerra. E para quê? Para os utilizar na vigilância de barcos, como o da organização Women on Waves, inventando um tão potencial risco para a saúde pública dos portugueses?!
De um Governo que, para sobreviver numa coligação com o PP, prefere adiar a resolução da despenalização da interrupção voluntária da gravidez não se pode, de facto, esperar que esteja muito preocupado com os problemas concretos dos portugueses.
De um Governo que anda desacertado e zangado, porque o relatório do acidente da Petrogal, de Matosinhos, veio dizer coisas que não devia, porque é preciso salvaguardar a imagem dos ministros, sendo que o Ministro António Mexia tem óbvias responsabilidades na existência de um plano de emergência da Galp altamente ineficaz, não se pode esperar isenção no trabalho subsequente, que é o de aprofundar a segurança das indústrias sediadas em Portugal. Mas sobre isto teremos oportunidade de, em sede de Comissão, ouvir os ministros às avessas sobre a matéria.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao Governo pede-se pudor.
Ao Sr. Presidente da República, que deu o poder a esta coligação PSD/PP e que se assumiu como vigilante das suas políticas, Os Verdes pedem que não aceite inconstitucionalidades declaradas.
Aos portugueses pede-se inconformismo com estas políticas e acção na defesa dos seus direitos.
Nós, Os Verdes, não abdicaremos de denunciar e de contestar veementemente aos profundas injustiças que este Governo ameaça aprofundar já com o próximo Orçamento do Estado.

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Definitivamente, com este Governo, a demagogia e o populismo estão à solta. O País assistiu, nos últimos tempos, às mais extraordinárias intervenções e anúncios do Governo e do Primeiro-Ministro. O PPD, que Santana Lopes, a todo o momento, refere, parece ser, afinal, o "Partido do Populismo Demagógico". Vale tudo para esconder a gravidade das políticas do Governo.
Santana Lopes ensaiou, em mais uma situação de aperto, perante a insustentável recusa da direita em alterar a lei que penaliza a interrupção voluntária da gravidez (IVG), nova falsa abertura para alterações, que rapidamente Paulo Portas, verdadeiro comandante do navio governamental nesta matéria, tratou de mandar desmentir.
Perante a dificuldade em voltar a recusar a alteração da lei e perante a não concretização das medidas com que a maioria se comprometeu, em Março passado, em relação ao planeamento familiar e à educação sexual, Santana Lopes afirmou aceitar o debate, mas nada mais do que isso.
Desengane-se a maioria se pensa que o PCP e todos os que lutam pelo fim desta medieval criminalização das mulheres que interrompem a gravidez vão abrandar esta luta. Apresentámos hoje na Mesa da Assembleia da República o nosso projecto de lei sobre a despenalização da IVG, e não desistiremos desta questão, na certeza de que cada julgamento, cada incriminação e cada humilhante investigação a que mulheres deste país vierem a ser sujeitas será uma condenação do Governo e dos partidos da direita, que querem manter a lei como está.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

Mas Santana Lopes lançou também a mais desbragada demagogia a propósito da questão das taxas moderadoras ou, como depois corrigiu, do pagamento directo dos cuidados de saúde, parecendo até que não sabia bem do que estava a falar.
O que o Primeiro-Ministro sabe, mas não diz, é que fazer pagar a saúde segundo o escalonamento fiscal dos rendimentos significa repetir a injustiça fiscal que já temos agora no sector da saúde, significa penalizar duplamente os trabalhadores por conta de outrem.
O que o Primeiro-Ministro sabe, mas não diz, é que o seu Governo e o do seu antecessor nada fizeram para combater seriamente a iniquidade fiscal no nosso país.
O que o Primeiro-Ministro sabe, mas não diz, é que as despesas de saúde devem ser financiadas pelas receitas fiscais e que é nestas que se deve fazer a diferenciação dos rendimentos e a redistribuição da riqueza.
O que está errado não é que quem é rico possa recorrer ao Serviço Nacional de Saúde, é que quem é rico não pague os impostos que deve pagar.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Na verdade, o que está por detrás destas medidas é a tentativa de transferir crescentemente para a população o pagamento directo da saúde e reduzir o Serviço Nacional de Saúde, que hoje mesmo faz 25 anos, a uma estrutura degradada, assistencialista e sem recursos, abrindo, simultaneamente, o mercado para os interesses privados nesta área. É o regresso em força da velha máxima "quem quer saúde paga-a".

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - O que já se notou também é que a central de informações do Ministro Morais Sarmento já funciona. Na anunciada lei das rendas tratou de ir anunciando algumas almofadas sociais, cujo conteúdo exacto ainda está por concretizar, procurando abrir caminho para uma alteração que, previsivelmente, trará sérios prejuízos para centenas de milhares de famílias portuguesas.
O último momento alto da propaganda governamental foi a pomposa e passadista mensagem ao País do Ministro das Finanças, que, para além disso, ainda conseguiu ser entrevistado em dois canais públicos na mesma semana.
O Ministro das Finanças, qual "lobo com pele de cordeiro", explanou toda a sua pedagogia salazarenta no estilo hipócrita e de mal contida arrogância que há muito se lhe conhece. Utilizou-se da mentira, da demagogia e da desonestidade intelectual para tentar convencer os portugueses de que o Governo está a trabalhar para eles.

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Mas o discurso do Ministro das Finanças não resiste à prova da realidade. Repetindo uma mentira anterior, Bagão Félix afirmou que 60% dos impostos são para pagar aos funcionários públicos e voltou a dizer que há funcionários públicos a mais. Bagão Félix sabe perfeitamente que há várias administrações públicas na União Europeia que têm maior peso do que a nossa.

O Sr. Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP): - São melhores! São muito melhores!

O Orador: - Mas o que deveria dizer aos portugueses, a quem procura fazer crer que os funcionários públicos são os responsáveis pelos males do Estado, é a quem se está a referir.
Está a dizer que estão a mais os médicos e os enfermeiros que nos tratam nos hospitais e centros de saúde?! Está a dizer que estão a mais os professores e educadores nas escolas?! Está a dizer que estão a mais os agentes das forças de segurança, que zelam pela tranquilidade pública e pelo combate ao crime?! Está a dizer que estão a mais os guardas florestais, que vigiam e protegem as nossas florestas?!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Demagogia!

O Orador: - Afinal, quem são os trabalhadores a mais na Administração Pública para o Ministro Bagão Félix?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - São os que os senhores trazem para as galerias!

Vozes do PCP: - São os boys!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - São os dos gabinetes dos ministros!

O Orador: - Pelos vistos, o que não o preocupa são as nomeações feitas pelos seus colegas do Governo, que ascendiam, já na passada semana, a 806, com destaque para as 56 nomeações de Paulo Portas, para as 41 de Santana Lopes, para as 50 do Ministro da Agricultura, Pescas e Florestas e para as 39 do Ministro da Saúde, apesar de se manter do Governo anterior, a que se juntam mais 23 do seu Secretário de Estado Patinha Antão.
No resto não houve qualquer compromisso firme com aumentos acima da inflação e que recuperem algum do poder de compra perdido nos últimos anos e a questão dos benefícios fiscais dos offshore ficou reduzida a um vago princípio de ética fiscal.
Entretanto, a repartição de poderes segundo os interesses, que se traduziu na orgânica do Governo, já vai causando estrago. Finalmente concretizou-se a ameaça do Ministro Paulo Portas de que o Ministro do Ambiente faria uma declaração que deixaria todos de cara à banda.

O Sr. António Filipe (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Só que, afinal, não foram os partidos da oposição que ficaram de cara à banda mas, sim, os Ministros Álvaro Barreto, António Mexia e ainda Ferreira do Amaral, com aquela apresentação, sem aviso prévio, de um relatório sobre o acidente na refinaria de Matosinhos, que, entretanto, de tão incómodo, continua a ser secreto.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - E, num momento em que o Governo retoma o estafado discurso das pactos de regime, queremos afirmar que, da nossa parte, mais do que a propaganda dos factos o que não aceitamos é a manutenção de uma política que mantém o desemprego, a precariedade e os baixos salários. Não aceitamos a política da privatização do direito à saúde e da destruição do Serviço Nacional de Saúde.
Combatemos um governo que olha para as despesas sociais de educação ou saúde como gastos desnecessários e não como investimentos indispensáveis para a modernização do País e para a melhoria da qualidade de vida dos portugueses.
Combatemos um governo que corta nos apoios sociais e que diminuiu em 14% as crianças abrangidas pelo abono de família e em quase 4% as verbas gastas nesta prestação.
Combatemos um governo que defende a manutenção de vastos privilégios fiscais para os sectores financeiros e especulativos e que quer ainda exigir mais sacrifícios à generalidade dos portugueses.
É por isto que, no início desta Sessão Legislativa, reafirmamos o nosso pacto com a defesa dos direitos dos portugueses,…

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Queira concluir.

O Orador: - … com o desenvolvimento do País e com a exigência de outra política e de outro governo.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, confesso-lhe que não tencionava colocar-lhe qualquer questão, não fora a insistência que V. Ex.ª tem revelado desde ontem, num debate televisivo em que participámos, acerca de um facto político que, como bem sabe, nunca ocorreu e que já foi esclarecido nomeadamente pelo Deputado Guilherme Silva, até por razão de conhecimento próprio nas Jornadas Parlamentares do PSD de que há pouco falámos, o que demonstra da parte do Sr. Deputado - deixe-me dizer-lhe - uma má-fé parlamentar, que não seria suposto ter.

Protestos do PCP.

O Sr. Deputado sabe muito bem que, perante um acidente grave como aquele que ocorreu em Matosinhos, o Sr. Ministro do Ambiente fez o que lhe competia: tratou de diligenciar no sentido do apuramento da verdade. E, para apuramento dessa verdade, nomeou uma comissão independente, facto que V. Ex.ª deveria salientar e até, de certo modo, manifestar muito apreço, de que faziam parte peritos indicados por cinco ministérios. Esta comissão concluiu em termos que foram públicos e o Sr. Ministro do Ambiente comunicou ao País, sem qualquer tipo de escamoteamento da verdade, as conclusões a que ela chegou.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Onde é que está o relatório?!

O Orador: - Relativamente ao facto político que o Sr. Deputado ficciona no que toca a uma qualquer crítica do Sr. Ministro Álvaro Barreto, teve já oportunidade de ouvir o esclarecimento do Sr. Deputado Guilherme Silva, por indicação e explicação directa do próprio Ministro, de que essa dita divergência nunca aconteceu.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Não?!

O Orador: - Simplesmente, a dado passo, o Sr. Ministro, não conhecendo o relatório, proferiu uma declaração, que foi corrigida imediatamente após o seu conhecimento. É tão simples quanto isto.
Pelo que, Sr. Deputado Bernardino Soares, peço-lhe, com franqueza, até na base dessa boa-fé parlamentar que há pouco referia e faz sentido neste nosso relacionamento, que, sabendo V. Ex.ª isto, tendo-lhe sido explicado, não persista num facto que ficciona apenas por razão de mera conveniência político-partidária do Partido Comunista, que quer agitar.
Neste caso concreto, num sector tão importante para a economia nacional, porque em causa está a Galp, está Matosinhos e está o ambiente,…

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Em causa está a segurança!

O Orador: - … que são valores que nos deveriam unir a todos, fale verdade e não ficcione mais na base da mentira e aceite a explicação daqueles que, em boa-fé, não querem fazer mais discussões, que são os portugueses.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, confesso que não fiquei de cara à banda com a sua pergunta. Não fiquei!

Risos do PCP.

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Quero dizer-lhe que o Sr. Deputado não pode querer convencer-nos de que é inocente e normal um ministro do Ambiente divulgar as conclusões de um relatório, numa área em que tem tutela conjunta com outro ministro, o Ministro de Estado, das Actividades Económicas e do Trabalho, e sobre uma empresa cujo anterior Presidente do Conselho de Administração é membro do Governo,…

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - … em que há fortes críticas à gestão desse seu agora colega de Governo, sem lhes ter dito nada.
O Sr. Deputado quer convencer alguém de que esta é a situação normal de funcionamento de qualquer governo?! Quer negar - e até parece que este nas jornadas parlamentares do PSD e, portanto, pode comprovar - que o Ministro Álvaro Barreto criticou, pelo menos, essa forma de divulgação do relatório?!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não! Porque não foi isso que aconteceu, como sabe!

O Orador: - Não pode negá-lo!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Estou a negá-lo!

O Orador: - Porque, independentemente das diversas notícias que surgiram, há uma que é verdadeira certamente, porque vem em todas as notícias, e até já foi confirmada pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, é que houve uma crítica à forma de divulgação do relatório.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não! Houve um erro!

O Orador: - Agora raciocine comigo, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo: se o relatório tivesse tão ampla concordância em relação ao seu conteúdo, por que é que, então, está a demorar tanto a ser enviado para a Assembleia da República, como no próprio dia da conferência de imprensa o Ministro Nobre Guedes prometeu.

O Sr. Honório Novo (PCP): - E não fez o que prometeu!

O Orador: - Até hoje, mais de uma semana depois, ainda não cumpriu.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Por que é que o relatório ainda não veio? Será que isto quer dizer que, para além de uma discordância com a forma do processo, há problemas de fundo nas conclusões do relatório e que agora, após a sua divulgação, o Governo quer mudar e corrigir para salvar a face, depois da apressada divulgação do Ministro Nobre Guedes?

O Sr. Honório Novo (PCP): - Estão a mudar!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Delírio!

O Orador: - E, já agora, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, vejo que não se quis referir a uma questão, que também é importante, do Ministério do Ambiente, é que na repartição das competências entre o Ministro e o Secretário de Estado o Ministro, curiosamente, ficou com as competências de todas as áreas que envolvem negócios de privatizações, concessões ou outras matérias em que entram interesses privados com intuitos lucrativos na área do ambiente.

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O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - O que é que quer dizer com isso?!

O Orador: - É curioso que não se tenha referido a esta questão e a esta espantosa divisão de tarefas, que parece convir e assentar muito bem naqueles alertas que o PCP e outros partidos da oposição fizeram aquando da nomeação do Ministro Nobre Guedes para a pasta do ambiente.

Aplausos do PCP e do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado António José Seguro.

O Sr. António José Seguro (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Iniciamos hoje um novo ano parlamentar. Infelizmente, o mesmo não poderão dizer as centenas de milhar de professores e alunos que deveriam amanhã iniciar o novo ano escolar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Governo fixou um objectivo: iniciar o ano lectivo a 16 de Setembro. O Governo não cumpriu o seu próprio objectivo, tendo todas as condições para o ter feito.
Há mais de 20 anos que os portugueses não assistiam a uma trapalhada destas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!

O Orador: - A razão do fracasso é conhecida: a trapalhada do concurso de colocação de professores no ensino básico e secundário. Esta trapalhada tem um único responsável: o Governo e esta maioria.

Aplausos do PS.

A colocação dos professores, que deveria estar concluída em Maio, teve um atraso de três meses e apenas se concretizou no final de Agosto.
Os professores, que já deveriam estar todos colocados nas respectivas escolas, encontram-se, na véspera da data oficial para a abertura das aulas, a aguardar resultados de uma nova fase do concurso, que o Ministério da Educação já adiou para o dia 20 de Setembro, ou seja, para quatro dias depois da data prevista para o início das aulas.
Mas o dia 20 de Setembro não é o último dia do prazo. Após esta data, faltará preencher os lugares vagos por professores contratados, num número estimado em mais de 10 000.
Estas trapalhadas têm consequências, quer no início das aulas, quer na boa e adequada preparação do ano escolar, com a agravante de, este ano, ter início uma nova reforma curricular no ensino secundário.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!

O Orador: - Ou seja, num ano em que se exigia uma redobrada atenção na preparação do ano escolar, assistimos, incrédulos, a uma confusão de que não há memória.

Aplausos do PS.

Actualmente, no momento em que estou a usar da palavra, há milhares de professores que não sabem para que escola vão, quais as disciplinas que vão leccionar e de que anos, quem vão ser os seus alunos e quais os livros que vão ser adoptados, porque esta é uma responsabilidade de cada escola.

Vozes do PS: - Fantástico!

O Orador: - Os alunos e os pais desconhecem os seus horários e, mais grave do que isto, quando vão iniciar-se realmente as aulas, e estamos na véspera da abertura oficial das aulas.

Vozes do PS: - Fantástico!

O Orador: - O que está em causa não é a abertura dos portões, Srs. Deputados da maioria, porque estes há muito que estão abertos, o que está em causa são as condições efectivas do ensino e a necessária estabilidade escolar exigida para o bom funcionamento e início do ano escolar.

A Sr.ª Ana Benavente (PS): - É uma vergonha!

O Orador: - O Governo e a actual maioria demonstraram uma total incompetência na preparação do ano lectivo de 2004/2005.

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O Sr. José Junqueiro (PS): - Como era de esperar!

O Orador: - "A culpa não pode morrer solteira",…

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - … nem ser atribuída aos computadores ou ao sistema informático. O PS exige conhecer, em detalhe, os resultados das averiguações em curso e que sejam apurados todos os seus responsáveis.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Fracasso foi também o que o Governo veio reconhecer publicamente na passada segunda-feira, através do Ministro das Finanças e da Administração Pública: fracasso na consolidação das contas públicas.
No início do seu mandato, o Governo fixou como objectivo alcançar o défice orçamental próximo de zero no ano de 2004, que depois corrigiu, para o final da Legislatura, no primeiro Programa de Estabilidade e Crescimento que apresentou em Bruxelas.
Em nome desse objectivo, exigiu sacrifícios sérios aos portugueses. Exemplos, e cito apenas alguns: o aumento do IVA; o congelamento de salários na função pública; a redução do poder de compra das famílias.
O Partido Socialista denunciou, desde o início, essa estratégia suicida do Governo, alertando que teria como consequência uma quebra do consumo das famílias e que lançaria Portugal numa redução económica, o que agravaria a situação das finanças públicas, pois uma verdadeira consolidação da despesa pública só pode ser feita com Portugal a crescer e não com Portugal em recessão.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Infelizmente, tínhamos razão, porque o Governo transformou um problema orçamental na mais profunda e prolongada recessão de que há memória: seis trimestres consecutivos em recessão!
Tínhamos também razão ao afirmarmos, uma e outra vez, que o Governo não estava a fazer qualquer consolidação orçamental, que só conseguia apresentar défices nas contas públicas inferiores a 3% com o recurso a receitas extraordinárias. É o próprio Ministro das Finanças quem vem dizer que o Governo apenas utilizou uma solução de recurso, transitória e ilusória (sublinho, ilusória): vender bens para cobrir o que se gasta a mais.

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem dito!

O Orador: - Vou repetir, para que os Srs. Deputados tomem nota na vossa memória: "uma solução de recurso, transitória e ilusória: vender bens para cobrir o que se gasta a mais".
Chegou tarde e a más horas, Sr. Ministro, à mesma conclusão para a qual o PS, desde o início, sempre alertou. É que, como bem referiu, agora, o Ministro, "'esgotados os anéis', o problema continua e a solução torna-se mais dramática".
Foi, pois, este o resultado de três anos de sacrifícios, impostos aos portugueses, e em especial aos 450 000 desempregados, Srs. Deputados, aos funcionários públicos, às classes médias e às famílias com menos recursos, ou seja, com mais dificuldades perante a crise.
O Sr. Ministro das Finanças teve um mérito, reconheça-se, o de quantificar as receitas com "a venda dos anéis": em 2002 e em 2003 foram 5210 milhões de euros - mais de 1000 milhões de contos de "herança" vendida!; 2004, para não se ultrapassar o limite do défice de 3%, dependerá em particular de receitas adicionais de cerca de cerca de 2000 milhões de euros, ou seja, de mais 400 milhões de contos - e continuo a citar o vosso Ministro das Finanças.
Assim, o défice público real, que foi de 4,1%, em 2002, de 5,3%, em 2003, será, em 2004, de aproximadamente 6%.

Vozes do PS: - Uma vergonha!

O Orador: - Mas o Sr. Ministro das Finanças reconheceu, ainda, que os truques não se ficaram por aqui, e vem, agora, afirmar que tem de regularizar dívidas para com terceiros, sem subterfúgios aos expedientes,

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ainda que tal implique aumentar o peso da dívida pública - dívida pública que, neste momento, já se situa acima do limite dos 60% que é fixado pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Ora, isto tem um nome, Srs. Deputados: desorçamentação.

Vozes do PS: - Exacto!

O Orador: - O que o Sr. Ministro está a dizer é que vai pagar despesa sem passar pelo Orçamento, sem contar para o défice, e isto dá-nos razões acrescidas para dizer ao Sr. Ministro das Finanças que não pode dirigir-se aos portugueses sem contraditório e que tem de vir à Assembleia da República discutir connosco.

Aplausos do PS.

Por isso, e de imediato, vamos requerer a sua presença na Comissão de Economia e Finanças para esclarecer várias questões, entre elas estas duas: que património vai ser vendido este ano e em que condições para se obterem os tais 2000 milhões de euros;…

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - … qual o montante da dívida por regularizar que se propõe pagar e levar directamente à dívida pública.
Todos estes factos reforçam a nossa proposta e o nosso desafio, que voltamos a colocar-vos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Agradeço que conclua.

O Orador: - Termino, Sr. Presidente, com esta questão: se os senhores têm alguma dúvida sobre os números que aqui deixei, porque não aceitam a criação da comissão para certificação das contas públicas?

Aplausos do PS.

É que, quando se pretende falar verdade aos portugueses, tem de se lhes dizer toda a verdade! E para dizer toda a verdade é preciso, fazê-lo numa base de total rigor - constitua-se a comissão com os mesmos critérios que os senhores criaram para as contas de 2001! É que só a verdade gera confiança, e só a confiança é que gera credibilidade!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo está largamente excedido. Tem de terminar.

O Orador: - Não pode mobilizar-se um país sem confiança, sem verdade e sem credibilidade!
É este o desafio que aqui vos deixamos, esperando ouvir a vossa resposta.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António José Seguro, sei que V. Ex.ª vai dizer, mais uma vez: os senhores têm é de governar e não de falar do passado,…

O Sr. José Junqueiro (PS): - Outra vez?!…

Risos de Deputados do PS.

O Orador: - … pois o Partido Socialista já foi julgado; portanto, não venham agora argumentar com o passado!
Mas, Sr. Deputado António José Seguro, VV. Ex.as, ainda no 6.º ano de governo socialista, falavam no Prof. Cavaco Silva; para nós só passaram dois anos, portanto, ainda temos alguma legitimidade para falar do vosso passado.

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Vozes do PS: - Ah!…

O Orador: - A minha pergunta é muito simples, Sr. Deputado António José Seguro. Segundo aquilo que se ouve de V. Ex.ª, ter-se-á verificado realmente aqui uma alteração, um equívoco dos portugueses ao darem a maioria ao PSD e ao iniciar-se uma outra governação completamente diversa da vossa,…

Vozes do PCP: - Já não falam é do Dr. Durão Barroso!

O Orador: - … e que VV. Ex.as, de harmonia com aquilo que aqui veio dizer, estavam no caminho certo.

Vozes do PS: - Claro que estávamos!

O Orador: - Estavam no caminho certo e agora há este erro de percurso por parte desta maioria.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Bem percebido!

O Orador: - Então, por que é que VV. Ex.as se foram embora, se estavam no caminho certo?!

Protestos do PS.

Por que é que o Eng.º Guterres se foi embora?! E não foi só o Eng.º Guterres, porque o Sr. Presidente da República deu-vos a oportunidade de indicarem outro Primeiro-Ministro, VV. Ex.as também se foram embora. Foram todos! Portanto, não se percebe.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS.

Segunda questão: se estava tudo certo, por que é que a União Europeia levantou um processo contra Portugal, com o risco de elevadas sanções, multas e perda de fundos comunitários?!

Protestos do PS.

V. Ex.ª queria que essas sanções fossem sido aplicadas? Queria continuar nesse caminho e deixar que a União Europeia retirasse os fundos a Portugal? Esse é que era o caminho certo?!

Protestos do Deputado do PS José Junqueiro.

E por que é que VV. Ex.as, discordando do caminho que prosseguimos, são desmentidos, relativamente à correcção da sua opção, pela Comissão Europeia, pela OCDE, pelo Fundo Monetário Internacional, pelo Banco de Portugal? Ou seja, VV. Ex.as são desmentidos por todos os que têm credibilidade e não estão a fazer mera política partidária.
V. Ex.ª, perdoe-me, mas foi àquela tribuna fazer um discurso partidário, e só por isso é que tem este "descaramento" de continuar a defender as vossas soluções e de fazer a crítica àquele que é o nosso caminho.
É óbvio que, infelizmente, não foi possível nestes dois anos, chegar onde gostaríamos de ter chegado. É óbvio também que só foi possível chegar aos limites do défice, alienando património do Estado. É verdade! Não era esta a nossa opção, mas a alternativa era a de tributar mais os portugueses, mas também não quisemos ir por aqui.
Já reconhecemos que este não é o caminho certo, que temos de resolver estruturalmente o problema do défice. Mas VV. Ex.as não podem deixar o País na situação em que o deixaram e virem criticar todas as soluções que são, internacionalmente, reconhecidas como boas.

Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Leonor Beleza.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, já esgotou o tempo regimental. Conclua, por favor.

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O Orador: - Vou já concluir, Sr.ª Presidente.
Os portugueses deram-vos a resposta e nós vamos continuar por este caminho, o de conciliar o rigor e a contenção, mesmo que haja uma folga para podermos crescer economicamente.

Protestos do PS.

Vamos fazer a conciliação destas duas coisas. E o grande erro de termos passado o que passámos, foi o de VV. Ex.as, numa conjuntura favorável, terem gerido mal o País.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António José Seguro.

O Sr. António José Seguro (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, há duas maneiras de termos esta discussão: uma é dizer palavras em cima de palavras; outra é apurarmos os factos, neste caso, os números.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é que é mais complicado!

O Orador: - Nós reconhecemos que os senhores herdaram, do nosso governo, um problema orçamental.

Vozes do PSD: - Só um?!

Risos do PSD e do CDS-PP.

O Orador: - Sempre o reconhecemos!
Mas os senhores transformaram esse problema orçamental numa grave crise económica e social.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Ah! Não havia crise!

Protestos do Deputado do PSD Guilherme Silva.

O Orador: - Sr. Deputado Guilherme Silva, se quiser, dou-lhe tempo para falar e sento-me para o ouvir.

Risos do PS.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quem dá tempo é a Mesa!

O Orador: - A Mesa, com certeza, vai ter em atenção este tempo, porque esta questão tem de ficar clarificada e esclarecida.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Não estamos na Madeira!

O Orador: - Sr. Deputado Guilherme Silva, o que quero dizer-lhe, com toda a clareza, é que os senhores não receberam só como herança o défice público, os senhores também receberam como herança a situação social, que foi consequência de políticas sociais e de investimento público, que nós deixámos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - E receitas!

O Orador: - Por que é que os senhores apenas se fixam num ponto?!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A situação social era outra!

Página 35

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O Orador: - Bem, de qualquer maneira, Sr. Deputado Guilherme Silva,…

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Eu sei que os senhores tentam impedir que eu fale.
Sr. Deputado Guilherme Silva, quero propor-lhe um desafio. Os senhores disseram, designadamente, que o défice de 2001 não era o que tinha sido apresentado e criaram uma comissão e tinham dois valores para apurar: 3,6% e 4,1%. Aplicaram os critérios que, nessa altura, não tinham de aplicar e fixaram o défice em 4,1%.
O défice real de 2003 é superior a este e o de 2004 também já é superior, o que quer dizer que os senhores não só não resolveram um problema como o agravaram.

Vozes do PS: - Exactamente!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Orador: - Mas admito que o senhor não acredite no que estou a dizer.
Sr. Deputado Guilherme Silva, por que é que tem receio de aceitar a constituição de uma comissão que aplique os mesmos critérios e que tenha a mesma composição que teve a comissão que os senhores criaram para certificar as nossas contas?

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - Qual é o receio?!

Aplausos do PS.

Por que é que o Sr. Ministro das Finanças, em vez de vir ao Parlamento, vai à televisão falar directamente com os portugueses?!

Protestos do Deputado do PSD Guilherme Silva.

Em democracia, há contraditório!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Vai ter o contraditório no Orçamento!

O Orador: - Portanto, Sr. Deputado Guilherme Silva, devo dizer-lhe que estamos à vontade neste debate. Volto a desafiá-lo, com todo o respeito democrático, para aceitar a proposta que acabei de fazer.
Mais, tanto ontem como hoje os senhores falaram muito em SCUT, porque julgam que temos algum receio. Mas devo dizer-lhe, como prova de boa-fé, que estamos disponíveis para que a mesma entidade ou entidades que avaliaram os impactos e benefícios da realização do EURO 2004 com a construção dos estádios se aplique também às SCUT…

Aplausos do PS.

… para verificarmos aquilo que tem de ser custeado nos próximos anos e os benefícios que decorrem para as populações.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quem paga?!

O Orador: - Mas os senhores não têm a mesma atitude.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, conclua, por favor.

O Orador: - Vou já terminar, Sr.ª Presidente.

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Os senhores são incapazes porque estão à defensiva, estão prisioneiros de políticas erradas. Os senhores estão a dar cabo deste país.

Aplausos do PS.

Os senhores não só criaram um problema económico, com mais desemprego, como estão a vender os activos do País!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Foi o próprio Primeiro-Ministro quem disse que estavam a vender-se os anéis, Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!

O Sr. José Junqueiro (PS): - Uma vergonha!

O Orador: - Com total sinceridade, temos de resolver um problema que os senhores têm, e ou o resolvemos agora, ou o resolvemos nas eleições legislativas de 2006. Mas os senhores deveriam dar um contributo ao viabilizarem a criação dessa comissão independente para a certificação das contas públicas. Para isto é que os senhores não têm resposta!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado António José Seguro, antes de mais, quero realçar a confissão que acabou de fazer. Julgo que, com tanta convicção, durante cerca de três anos, ainda não tínhamos ouvido um Deputado dessa bancada reconhecer com tanta veemência que tinham deixado à maioria um grave problema orçamental.

O Sr. António José Seguro (PS): - Não é verdade!

O Orador: - Mas o que também é verdade é que o Sr. Deputado não reconheceu o óbvio: tudo o mais de que agora acusa a maioria é precisamente reflexo desse grave problema orçamental.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - O que o Sr. Deputado não podia querer era legar ao País e ao Governo um problema dessa grandeza e esperar que, com a solução,…

O Sr. Afonso Candal (PS): - Qual solução?!

O Orador: - … não houvesse qualquer tipo de impacto social no nosso país, porque, como é evidente, esse impacto tinha de existir.
Pede V. Ex.ª que seja criada uma comissão independente que avalie as contas públicas. Ó Sr. Deputado quero crer que a União Europeia, com técnicos certificados e muito competentes, avaliou, de forma independente, as contas públicas que Portugal apresentou. E sabe o que disseram essas entidades independentes, em sede de União Europeia, Sr. Deputado? Disseram que as contas públicas apresentadas pelo Governo português estavam certas, que o défice foi controlado e, por causa disso, o processo levantado a Portugal, em razão da violação do Pacto de Estabilidade e Crescimento por parte do Governo do Partido Socialista, já não tinha razão de ser.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - E sabe o que se conseguiu com isso, Sr. Deputado? Que o risco iminente de perdermos os fundos comunitários, tão fundamentais para o nosso desenvolvimento, afinal deixou de existir. E deixou de existir porquê? Porque, de facto, o Partido Socialista criou um grave problema orçamental, não soube controlar as contas públicas e permitiu que fosse instaurado esse processo ou, pelo contrário, porque a maioria teve o engenho e a arte de voltar a colocar ordem nas contas públicas,…

Protestos do PS.

… de garantir que o Pacto de Estabilidade e Crescimento era, de novo, cumprido e que, com isso, Portugal voltava a ser, de novo, um País credível, com um Governo credível, no espaço da União? Como é evidente, a resposta é a segunda.
Mais: por que é que o Sr. Deputado entende que o ex-Primeiro-Ministro de Portugal, José Manuel Durão Barroso, foi convidado para presidir à Comissão Europeia? Parece-lhe que foi pelos seus lindos olhos? Entende que foi por ser incompetente? Entende que foi por não ter credibilidade? Como é evidente, Sr. Deputado, só o foi, porque, durante dois anos de governação, demonstrou, na União Europeia, que tinha competência, que tinha credibilidade e que teve capacidade para transformar a situação catastrófica em que os senhores deixaram as contas públicas na situação possível, em face dessa conjuntura.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Sr. Deputado, como é evidente, V. Ex.ª sabe bem que foi assim que as coisas se passaram.
Deixo-lhe uma pergunta, que tem a ver com o seguinte: já percebi que o Sr. Deputado quer falar de SCUT, mas não quer falar agora.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, terminou o tempo de que dispunha. Conclua, por favor.

O Orador: - Termino já, Sr.ª Presidente.
O Sr. Deputado quer relegar a conversa, quanto ao vosso desvario de umas SCUT que ninguém percebe, para o resultado de uma comissão que sabe que nunca vai existir. Portanto, Sr. Deputado, lanço-lhe já um repto: independentemente dessa comissão, deixe-nos a sua opinião, explique-nos o que é que o Governo pode fazer, perante um encargo de 500 a 650 milhões de euros por ano, só com as SCUT, e analise a situação económica e financeira do País também à luz dessa vossa opção política. Não espere pela comissão, responda já, Sr. Deputado!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António José Seguro.

O Sr. António José Seguro (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, respondo já e de forma muito directa.
Em primeiro lugar, não propus uma comissão, propus um estudo,…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não! Propôs uma comissão independente!

O Orador: - … feito pelas mesmas entidades a que o Governo recorreu para a elaboração de um estudo sobre o impacto do Euro 2004 na nossa economia. Aliás, recomendo-lhe que leia o último relatório do INE sobre o último trimestre e o impacto que o Euro 2004 - que resultou de uma decisão do Governo socialista - teve na economia nacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, o Sr. Deputado diz que a Comissão aceitou as contas públicas e, portanto, estão certificadas. Mas eu digo-lhe que a Comissão também aceitou as de 2001…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Porque os senhores fizeram batota!

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O Orador: - … e os senhores, mesmo assim, criaram uma comissão. Portanto, só queremos que se aplique às vossas contas públicas e à vossa gestão o mesmo critério que os senhores aplicaram à nossa gestão. E não percebemos de que é que os senhores têm medo!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - De nada!

O Orador: - Em terceiro lugar, Sr. Deputado Nuno Melo, a economia cresce, basicamente, através das exportações ou do consumo interno, como, aliás, se verificou recentemente. O que é que sucedeu? Os senhores, com o vosso discurso obsessivo do défice, com o vosso discurso obsessivo da tanga, minaram a confiança, quer das famílias, que se retraíram no consumo interno, quer dos próprios empresários, que se retraíram em termos de investimento. Inclusive o próprio investimento estrangeiro caiu.
Ora, isto, aliado ao congelamento de salários e aos cortes cegos no investimento público, tinha de dar asneira. E aquilo que se verificou foi que os senhores recorreram a uma medida que consideraram excepcional, mas que agora transformaram em definitiva, que foi a do aumento do IVA, porque entenderam que, com esse aumento, iam cobrar mais receitas.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não está a responder a nada!

O Orador: - Os senhores deviam era ter passado pelo 1.º ano de uma Faculdade de Economia para perceberem que, neste momento, as políticas deviam ser não a favor do ciclo mas de contra ciclo.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Olhe que o Dr. Silva Lopes não diz isso!

O Orador: - O Sr. Deputado disse também que o Dr. Durão Barroso é tão bom e conseguiu tanto - sobretudo alcançar o objectivo dos 3% do défice público - que até foi escolhido, por essa razão, para ser presidente da Comissão.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não deve ter sido por isso!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não foi por essa razão, foi por ser competente!

O Orador: - Ó Sr. Deputado Nuno Melo, sejamos sérios! O Sr. Governador do Banco de Portugal disse, e escreveu, que o défice real, em 2003, foi de 5,3%. Mas, se o senhor tivesse alguma desconfiança em relação ao Governador do Banco de Portugal, poderia perguntar ao Sr. Dr. Bagão Félix, que, na segunda-feira, falou ao País e explicou aos portugueses que havia dificuldades. Ora, não percebo! Se o Dr. Durão Barroso deixou o País num oásis, por que é que o Dr. Bagão Félix vem falar em dificuldades?!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - De oásis falavam vocês!

O Orador: - Sr. Deputado Nuno Melo, vamos ao que interessa…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Vamos! Até agora não respondeu a nada!

O Orador: - … e de que os senhores parecem querer fugir: a questão do estudo. Nós entendemos que a melhor maneira de apurar a verdade sobre as contas públicas e sobre esse défice real é, como lhe disse,…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Um grupo de trabalho!

O Orador: - … com a criação dessa comissão e o apuramento desse resultado.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, conclua, por favor.

O Orador: - Sobre o assunto das SCUT, o que proponho é a elaboração de um estudo…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Um estudo?! Não tem opinião?!

O Orador: - … pela mesma entidade que avaliou o impacto do Euro 2004. E devo perguntar-lhe uma coisa, Sr. Deputado: quem é que disse que não haveria portagens na A23, quando a inaugurou? Sabe

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quem foi? O Dr. Durão Barroso, que mereceu os elogios do Sr. Deputado há bem pouco tempo. E disse-o em relação à A23 e à via do Algarve!

Aplausos do PS.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Mas qual é a sua opinião?!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Charrua.

O Sr. Fernando Charrua (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado António José Seguro, gostaria de lhe colocar uma questão e, para fazer o respectivo enquadramento, quero dizer-lhe que metade do seu discurso, na tribuna, foi justamente sobre a colocação de professores.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Metade, não! Cerca de 90%!

O Sr. José Magalhães (PS): - E bem!

O Orador: - Compreendemos a legitimidade que tem de o fazer, uma vez que se trata de um problema nacional, sentido pelos professores, pelos pais, pelas famílias, pelos encarregados de educação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Compreendemos e aceitamos, humildemente, a crítica de que nem tudo correu bem na colocação dos professores neste ano lectivo.

Vozes do PS: - Nem tudo?! Nada!

O Orador: - Aceitamos também, e com humildade, que, de facto, o instrumento de análise das candidaturas teve variadíssimas histórias complexas, de modo que nem tudo correu bem, a tempo e horas.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Foi uma catástrofe!

O Orador: - No entanto, devo dizer-lhe também o seguinte: foi este Governo que, pela primeira vez, unificou os dois decretos-leis existentes num único instrumento legal. Tal instrumento legal teve, como é do conhecimento público, uma ampla adesão, quer dos sindicatos, quer na concertação social em torno dos concursos de professores. A legislação foi avaliada como sendo boa e adaptada.
O instrumento de avaliação, provavelmente, terá de ser melhorado, mas tem, neste momento, uma potencialidade para deixar para os anos vindouros, que é uma base de dados credível, de maneira a que os professores não tenham de fazer todos os anos o mesmo tipo de inscrição, com os nomes, as moradas, os telefones e as escolas para onde querem concorrer. Há, portanto, uma redução de burocracia monumental.

Vozes do PS e do BE: - Vê-se!

O Orador: - Por outro lado, gostaria de dizer-lhe que, nos anos de governação socialista, os professores provisórios eram colocados, grande parte das vezes,…

Vozes do PS: - A tempo e horas!

O Orador: - … até ao último dia da primeira semana de Novembro.

Vozes do PSD: - Novembro!

Protestos do PS.

O Orador: - Estamos hoje a 15 de Setembro e já estão a levantar um problema que os senhores não resolviam até ao dia 15 de Novembro.
Sr. Deputado António José Seguro, gostaria de ouvir a sua opinião acerca deste assunto.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António José Seguro.

O Sr. António José Seguro (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Fernando Charrua, agradeço-lhe as considerações que fez e, sobretudo, reconheço-lhe muita sinceridade, designadamente na parte inicial da sua intervenção.

Vozes do PSD: - Em toda!

O Orador: - Parece-me que o Parlamento ganha com intervenções como aquela que o senhor fez.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Disse a verdade para ser perdoado!

O Orador: - Mas, Sr. Deputado, o reconhecimento do erro não iliba os seus responsáveis.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto! Muito bem!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Fica-lhe bem dizer isso!

O Orador: - Ou seja, o Sr. Deputado, na sua consciência, não considera estranho que, ao fim de duas décadas sem problemas, que no Governo do Prof. Cavaco Silva e nos Governos do Eng.º António Guterres não tenha havido problemas e exista este ano esta trapalhada, precisamente no ano em que se vai aplicar a reforma curricular no ensino secundário, a qual exigia redobrada atenção?!

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - E passamos sobre isto sem chamar ninguém à responsabilidade?! O Sr. Deputado não entende que é função da oposição e dos Deputados desta Casa dar voz, dar expressão à angústia de professores, pais e alunos?!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A Sr.ª Ministra já cá esteve! Ninguém se furta ao debate!

O Orador: - Qual é o papel que a educação tem na vossa agenda política? É que, na nossa agenda política, tem prioridade!
Por isso, Sr. Deputado, os senhores têm responsabilidades, o Governo tem responsabilidades sérias e nós queremos apurar essas responsabilidades. E não refira um ou dois casos isolados para tentar "tapar o sol com a peneira", porque o que está aqui em causa é a opção entre um modelo que dava mais autonomia à escola, na colocação e no recrutamento dos professores, sobretudo na fase final, e um modelo mais centralista, que é o que os senhores estão, neste momento, a aplicar, que aplicaram mal e que teve as consequências que o senhor referiu. Não estou a dizer que o vosso modelo não tenha virtualidades, o que estou a dizer é que o vosso modelo, com a opção política por detrás, aliado a uma má preparação, redundou num fracasso no início do ano escolar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas qual fracasso?! Ainda não começou o ano escolar!

O Orador: - E pergunto-lhe: qual é a credibilidade de um Governo quando falha no mais elementar?! Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que se não tivessem feito nada o ano escolar tinha aberto no dia 16.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Dia 16 é amanhã!

O Orador: - Como fizeram alguma coisa e mudaram o sistema geraram esta trapalhada.

Vozes do PS: - Bem lembrado!

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O Orador: - Tenho pena que a mesma verdade que o Sr. Deputado utilizou não tenha sido utilizada por outros Srs. Deputados, designadamente pelo Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, quando falou das SCUT. Aliás, a propósito, Sr. Deputado Nuno Melo, qual é o modelo de construção dos 10 hospitais que os senhores anunciaram que vão construir até ao final da Legislatura?

O Sr. José Magalhães (PS): - Boa pergunta!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Faz a pergunta porque sabe que não posso responder!

O Orador: - Mas as políticas avaliam-se pelos resultados e aquilo que vos quero dizer é o seguinte: demos prova de total tranquilidade ao aceitarmos e propormos a elaboração de um estudo sobre as vantagens da criação das SCUT.
Mais uma vez vos lanço o apelo, a que os senhores não respondem, de viabilizar uma comissão que faça a certificação das contas públicas, porque desse modo tiraríamos a prova dos nove.
Do que os senhores têm medo é da verdade, porque é a verdade que vos dói na vossa consciência, porque é a verdade que melhor ilustra o fracasso da vossa política económica, social e orçamental.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares fez saber que desejava usar da palavra nos termos do artigo 84.º, n.º 2, do Regimento, o que fará de seguida, abrindo-se depois um período de debate, também previsto no Regimento, nos termos conhecidos pelos grupos parlamentares.
Tem a palavra, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Rui Gomes da Silva): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A construção europeia, após a concretização da adesão de 10 novos países a uma União Europeia alargada a 25, enfrenta um novo e determinante desafio: a assinatura do Tratado que corporiza a Constituição Europeia, cujo texto final, depois de encontrados os consensos necessários, vai ser assinado em Roma, no próximo dia 29 de Outubro.
Este crescente aprofundamento da integração europeia e o reforço da coesão económica e social entre os Estados-membros, não tem sido, contudo, isento de dificuldades, muito especialmente no que respeita ao crescente alheamento dos cidadãos europeus face a tal realidade.
As matérias sobre as quais a União Europeia decide, no âmbito das atribuições que lhe são conferidas pelos Estados-membros, são cada vez mais abrangentes e determinantes nas condições de vida dos cidadãos europeus.
Argumenta-se que tal afastamento das decisões que são tomadas no seio da União Europeia se deve, entre outras razões, ao alegado défice democrático que crescentemente marcaria a construção europeia pela ausência de participação directa, por um lado, e, por outro, ao hermetismo e consequente ininteligibilidade da linguagem usada pelos decisores e intervenientes políticos nestas instâncias, com o consequente desinteresse por parte dos destinatários.
Este Governo, honrando o compromisso assumido pelo anterior Governo, defende a realização de uma consulta popular, mediante referendo, ao Tratado Constitucional da União Europeia aprovado pelo Conselho Europeu em 20 e 21 de Junho últimos. Fá-lo por um conjunto de razões que importa relembrar.
Em primeiro lugar, ao contrariar a tendência de alheamento a que me referi, entendemos ser esta uma soberana oportunidade para que forças políticas e a sociedade civil, em conjunto, contribuam activamente para a divulgação e para o debate das questões comunitárias.
Consideramos ser nosso dever dar este decisivo contributo para uma efectiva percepção e compreensão das medidas que no quadro da União Europeia são tomadas e que visam o bem-estar de todos os cidadãos europeus.
Estamos convictos que com tal debate, empenhado e aprofundado, será possível fazer um balanço extremamente positivo da nossa experiência europeia, iniciada em 1986, pela comparação que, necessariamente, se fará entre o grau de desenvolvimento alcançado em Portugal decorrente dessa própria adesão.
Será, seguramente, um debate estimulante e da maior utilidade e pertinência pelo momento em que vai ocorrer.
Decorrem já as negociações sobre as perspectivas financeiras da União Europeia, compreendendo os anos entre 2007 e 2013.

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Portugal está empenhado em tal negociação, com vista a minimizar os efeitos que, em termos de fundos estruturais, comporta o recente alargamento e adesão de 10 novos países.
Sendo verdade que a aposta no aumento da produtividade e, por essa via, da competitividade de Portugal no contexto europeu tem que ser uma constante, não é menos verdade que, para que possamos consolidar o nosso crescimento económico, continuamos a necessitar do apoio que nos é prestado por intermédio dos fundos comunitários transferidos para o nosso país.
Existem várias propostas que estão a ser objecto de intensas negociações no quadro da União Europeia, atinentes a tais perspectivas financeiras, correspondentes às diferentes sensibilidades que, numa Europa a 25, necessariamente se formam.
Reporto-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, designadamente, às propostas do Presidente da Comissão ainda em exercício, apontando para uma indexação com a correcção de valores na ordem de 1,24% do Rendimento Nacional Bruto, por contraponto à proposta inicial do Grupo dos Contribuintes Líquidos - Alemanha, França e Áustria, designadamente - de apenas 1% do PNB, confrontados que estão com situações muito delicadas no plano orçamental e económico, comprovadas pelo reiterado incumprimento dos limites do PEC e, ainda, por entenderem que, face a tais dificuldades, deverá ser dada prioridade ao investimento estrutural nos 10 novos países-membros.
Serão negociações muito difíceis, a que todos teremos, sem excepção, de fazer face. É fundamental, pois, a realização do referendo europeu, que possibilite informação e divulgação, para que os portugueses encarem a União Europeia como um desafio determinante para consolidar não só o desenvolvimento de Portugal mas também o melhoramento das condições de vida de todos os portugueses.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, este acto referendário terá a virtualidade de, pela informação acrescida que necessariamente comporta, poder motivar e mobilizar os portugueses e portuguesas para continuarmos a trilhar o caminho europeu com sucesso.
O Sr. Primeiro-Ministro, dando expressão do empenhamento do Governo em concretizar o compromisso já assumido pelo XV Governo Constitucional, indicou a data de 5 de Junho de 2005 para a realização da consulta popular, mediante referendo.
Estamos abertos à discussão quanto à pertinência dessa data, assim como do texto e de todos os procedimentos legislativos que precedem a realização do referendo, atento o calendário eleitoral que se avizinha.
Para além da atenção e do respeito que nos merecerá a posição do Sr. Presidente da República, nessas matérias queremos auscultar os partidos representados na Assembleia da República.
Há que atender ao essencial, e o essencial é motivar as portuguesas e os portugueses para as questões europeias, exprimindo a sua vontade através do voto.
Desta forma, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, honramos os nossos compromissos, não deixando de procurar - e é isso que aqui buscamos - consensos alargados, convictos que estamos de que, para a maioria dos partidos representados nesta Câmara e para os eleitores que os elegeram, será fundamental obter a legitimação popular directa da ratificação do nosso empenhamento numa nova etapa da construção europeia.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Dando início ao debate, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados, é sabido que o Partido Socialista sustenta a realização de um referendo sobre as matérias do Tratado Constitucional da União Europeia, não constituindo, pois, esse ponto factor de divisão, nos últimos anos, entre o Governo e o Partido Socialista.
O ponto acerca do qual divergimos é o do calendário. E é preciso recordar, para que algumas declarações governamentais não induzam em erro, que quem fixa o dia da realização do referendo é o Presidente da República, que o faz em função da decisão do Tribunal Constitucional e de dois prazos que a Lei Orgânica do Regime do Referendo estabelece. Portanto, não se dê para o exterior a ideia de que alguma entidade governamental, ou esta Assembleia, pode fixar essa data.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Enquanto a Assembleia não aprovar a resolução o Presidente não fixa a data!

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O Orador: - Srs. Deputados, continuamos a desejar um entendimento sobre a melhor data para a realização deste referendo. Saudamos, pois, a atitude do Governo de procurar que haja consenso em relação a esse momento, que, por razões internas e por razões europeias, para nós, deve estar o mais perto possível daquele em que discutimos.
Por razões internas, porque quer a Constituição, quer a lei, quer a análise política, aconselham a que se distancie o mais possível o acto do referendo de outro acto eleitoral. Isso decorre dos textos, decorre de qualquer leitura política e pode constituir um factor de autenticidade, de genuinidade da consulta referendária como consulta distinta de uma consulta a partidos, que o referendo não é.
Portanto, pela nossa parte deve haver a máxima distância legalmente possível em relação ao acto eleitoral subsequente. E essa preocupação não é apenas nossa, é também a da Constituição e da lei, que fixa limites, que são obviamente limites mas que denotam uma visão do timing político.
Por razões europeias, porque passámos de uma fase em que havia três países que referendavam - a Irlanda, a Dinamarca e a França - para uma nova fase, em que muitos países vão referendar, estando todos eles à procura do seu calendário. Por exemplo, a Espanha escolheu já como data, e não inocentemente, ou pelo menos não contraproducentemente, o mês de Fevereiro do próximo ano, assim como outros países animam neste momento discussões sobre as melhores datas, estando até a procurar concertação de datas.
A este respeito, gostava de fazer uma pergunta ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
Vários membros da Comissão Europeia informaram os seus parlamentos que tinha havido no Conselho uma tentativa de concertação, uma troca de impressões sobre a possibilidade de as datas dos referendos serem conjugadas, dado o seu elevado número e dado o interesse que poderia haver nessa concertação. Ora, era importante, diria mesmo um dever, que o Governo desse também conta a esta Assembleia do conteúdo dessa discussão e de qual foi a posição do Governo português sobre o melhor timing para o referendo, que, a certo títulos, é um referendo europeu, embora decorra sob o império da lei interna, a Lei Constitucional, e da lei ordinária.
Reafirmo, Sr. Ministro, que, com essa clarificação dos actos e das suas diferentes naturezas, estamos dispostos a colaborar no sentido de encontrar uma data que favoreça quer a democracia no plano interno, quer a posição europeia de Portugal. Não queremos que Portugal se atrase no debate sobre a Europa e na sua conclusão, quer a nível de referendo quer a nível de Parlamento. Muitas vezes os governos dizem que querem situar Portugal no pelotão da frente desta ou daquela política, desta ou daquela vertente da construção europeia e nós pensamos que, também em sede de legitimação democrática da construção europeia, é importante que Portugal não fique para trás.
Portanto, nesta matéria, julgando interpretar um interesse da genuinidade democrática e um interesse de afirmação portuguesa na democratização da Europa, incitamos o Governo a ser rápido, a ser diligente, a iniciar os trâmites necessários para que todo o processo, constitucional e legal, respeitante a este referendo possa estar em condições de tornar efectiva a consulta o mais rapidamente possível. Apontamos, por isso - porque sabemos que nenhum dos intervenientes neste processo dispõe da data final -, para um período que gostaríamos que caísse no primeiro trimestre do próximo ano.
Compreendemos que há trâmites legais, mas o que consideramos conforme ao interesse da democracia e do País é que se ande depressa, que não se perca tempo. A data de 15 de Setembro já teria sido uma boa data para uma iniciativa governamental - podia ter uma de duas iniciativas governamentais no plano regimental - no sentido de desencadear, com diligência e rapidez, este processo.
Mas pode o Governo contar com o nosso total empenhamento no sentido de encontrar a data que melhor sirva os interesses do País e os seus valores democráticos.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Henriques.

O Sr. Almeida Henriques (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados, gostava de começar por cumprimentar o Governo na pessoa de V. Ex.ª, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, pela oportunidade de ter trazido hoje aqui, à primeira reunião plenária desta sessão legislativa, uma questão tão importante como esta. Estou convicto que esta discussão vai, com certeza, suscitar nesta bancada muito mais entusiasmo do que aquele que suscitou na bancada do Partido Socialista. Sendo esta uma questão tão importante e dado o diminuto número de pessoas que nela se encontra, constato que a matéria não desperta paixão no Partido Socialista.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Pelos vistos ainda andam em campanha

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O Orador: - Gostava também, desde logo, de enfatizar aqui dois aspectos: por um lado, a data de 5 de Junho proposta pelo Governo e a abertura, manifestada por V. Ex.ª e pelo Governo, numa lógica de se estabelecer aqui um amplo consenso; por outro lado, o espírito aberto subjacente à intervenção de V. Ex.ª, designadamente quanto à questão da pergunta e à objectividade que esta deverá comportar e quanto à oportunidade soberana de levar os portugueses a participarem numa discussão que se pretende tenha o empenhamento de todos.
O referendo é, pois, uma excelente oportunidade para combater o visível e tradicional adiamento dos cidadãos quanto às questões europeias e pensamos - isso fico expresso na sua intervenção - que é também uma oportunidade de ouro para combater o unanimemente reconhecido défice de participação dos cidadãos.
Esse é um momento particularmente importante, porque para além de toda esta unanimidade que conseguimos e de todo este consenso, temos hoje um factor que pode ajudar - e de que maneira! - a motivar os portugueses para esta discussão: o de termos um Presidente da Comissão português, o Dr. José Manuel Durão Barroso.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Estou perfeitamente convicto de que a presença do Dr. Durão Barroso enquanto presidente da Comissão é também um factor que ajuda os portugueses a estarem mais atentos a estas questões.
Mas é importante que não se desvirtue este debate. Sabemos que quando ele começar a ser travado alguns irão procurar lateralizar a discussão e confundir "alhos com bugalhos", irão procurar reabrir a discussão do primado da lei, quando isto ficou resolvido com a sexta revisão constitucional.
É pena que não tenhamos no nosso normativo a possibilidade de se fazer, como em Espanha, uma pergunta simples, que se limite a perguntar ao cidadão se concorda ou não com os termos do novo Tratado Constitucional da União Europeia. Mas não sendo possível balizar a discussão, é preciso centrá-la no Tratado. Não podemos "embarcar" na técnica utilizada por aqueles que estão contra o processo da construção europeia,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Mas não aceitaram a nossa proposta!

O Orador: - … não podemos assistir ao que se passou nas recentes eleições europeias, em que alguns partidos falaram de tudo menos destas questões.
Sr.as e Srs. Deputados, penso que não podemos motivar os cidadãos para essa discussão se não fizermos a própria discussão. Portanto, é fundamental que partamos para o referendo com a convicção de que é preciso explicar que este Tratado consagra uma maior simplificação, através da fusão dos tratados e do abandono da estrutura e pilares, sendo também necessário explicar que houve uma melhor clarificação das competências, que esta é a forma de permitir que a Europa a 25, e futuramente a 28, funcione e que, de outra forma, dificilmente ela conseguiria funcionar.
Não podemos, pois, deixar que alguns aproveitem o referendo para o secundarizar, para discutir questões menores ou colaterais. Há que centrar o debate nas questões europeias, nos aspectos positivos e negativos, no sentido de ajudar os portugueses a dizerem "sim" ou "não".
Penso que esta é uma boa oportunidade para, de uma forma responsável, combatermos o trauma associado a anteriores referendos e levar a que mais de 50% de cidadãos nele participem, para que este referendo seja vinculativo. Seria, pois, um bom ponto de partida para a discussão que, depois, travaremos aqui, neste Plenário, e que conduzirá, espero, à ratificação deste mesmo Tratado constitucional.
E se esta é uma matéria a que presidiu, de facto, um amplo consenso, devemos continuar nesse caminho - o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares deixou bem, aqui, o enfoque na necessidade desse caminho.
Nessa perspectiva, o desafio de todos - da Assembleia da República, do Governo, de todos os partidos sem excepção - é conseguir esclarecer os cidadãos, levar a que compreendam melhor o funcionamento da União Europeia e aquilo que o novo Tratado Constitucional traz de benefícios e de funcionamento para a própria União e para os cidadãos portugueses.
Portanto, por um lado, temos de nos concentrar no tema e, por outro, temos de assumir o compromisso de que nos comprometeremos em relação a este referendo, no sentido de ser esclarecido e vinculativo para Portugal e para os portugueses.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, a sua intervenção volta a confirmar a ideia de que o Governo, afinal, já defende o referendo. E passo a explicar porquê: porque, quer o texto do Programa do Governo, quer a intervenção do Sr. Primeiro-Ministro em Julho passado na apresentação do Programa do Governo, não tinham sido claros, tendo o Primeiro-Ministro fugido claramente à afirmação se defendia ou não a realização de um referendo de ratificação do Tratado da União Europeia. Ainda bem, pois, Sr. Ministro, que hoje acabámos de ouvir da sua boca que o Governo, afinal, defende o referendo!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sempre defendeu!

O Orador: - Era o que faltava - digo eu - que a ratificação de um tratado que diminui fatias importantes da nossa soberania ou a capacidade de influência e de poder de Portugal passasse à margem da opinião e do voto popular!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Fiquem o Sr. Ministro e o Governo tranquilos que, do nosso ponto de vista, nunca levantaremos qualquer problema sobre data escolhida. Desde que a data que venha a ser proposta resulte daquilo que impõe a legislação e a Constituição e desde que não se tente, a reboque da marcação da data, uma repetição da confusão recente criada pelo governo que o antecedeu, isto é, realizar o referendo em simultâneo ou na proximidade de um acto eleitoral qualquer, pode criar a expectativa de que o PCP não levantará nenhum problema.
Pelo contrário, o PCP exige que exista um debate próprio, nacional e autónomo sobre a matéria que está em discussão, que o povo português possa ter capacidade de perceber o que é que está em jogo e, naturalmente, em função desse debate alargado, se possa pronunciar em consciência, de uma forma clara.
Sobre clareza, importa que nos entendamos. O Sr. Deputado Almeida Henriques acabou de referir que, infelizmente, em Portugal não é possível fazer-se uma pergunta clara do tipo "concorda ou não com o novo Tratado da União Europeia?". Se não é possível fazer essa pergunta é porque o PSD - aliás, com o apoio do PS - não deixou! É que na última revisão constitucional o PCP propôs que fosse possível fazer uma pergunta deste tipo e o PSD e o PS rejeitaram essa proposta!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - Isso não invalida, Sr. Ministro, que nós não exijamos, na proposta que vier a ser formulada, uma clareza e uma simplicidade inequívoca, para evitar repetições de triste memória do passado, em que os "arranjismos" sobre o teor da pergunta levaram à declaração da sua inconstitucionalidade.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Para isso, não contem com a colaboração do PCP!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Vou terminar, Sr.ª Presidente.
Já agora, importava também que o Sr. Ministro aqui nos esclarecesse, porque é determinante, sobre as consequências do resultado deste referendo. É vinculativo ou não? O que é que o Governo fará num cenário de rejeição pelo povo português deste Tratado? E, perante um cenário eventual de que, dos 25 países da União Europeia, dois ou três não ratifiquem este Tratado, o que é que o Governo português vai defender no Conselho Europeu? Que se continue sem esses dois ou três países ou que se volte à estaca zero na redefinição de um tratado que seja consensual e ratificável pelos 25 membros da União Europeia?
Isto é que era importante que o Sr. Ministro aqui nos dissesse, hoje, para além daquilo que veio anunciar.

Aplausos do PCP.

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0046 | I Série - Número 001 | 16 de Setembro de 2004

 

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, há três semanas atrás, o Primeiro-Ministro tomou uma decisão - que não tomou em Julho, porque dependeria de muitas outras ponderações que ele não tinha feito até então -, tendo dito ao País que queria a realização de um referendo para o qual sugeria a data de 5 de Junho. Ainda bem que assim aconteceu! É escusado criarmos divergências onde não as temos. Insistimos na necessidade de um referendo e congratulamo-nos com a decisão do Governo a este respeito.
Mas, Sr. Ministro, dito isto, é difícil perceber o sentido da sua intervenção, porque é meramente uma repetição, três semanas depois, do que já disse o Sr. Primeiro-Ministro. Se assim acontecer, vamos tê-lo muitas vezes aqui - com muito gosto, aliás - a comunicar-nos alguma coisa sobre os cartões coloridos para o Serviço Nacional de Saúde ou sobre muitas outras matérias interessantes.
Mas, três semanas depois, esperávamos de si uma proposta. Quando se discute a data e, sobretudo, já que é rigoroso sobre a proposta da data, esperávamos que o fosse também sobre a questão decisiva, que é a questão do texto. Em algum momento, aliás, vai ter de nos dizer o que é que pensa a este respeito. Não vai dizer hoje - bem sei que não -, mas em algum momento o Governo vai ter de dizer como é que viabiliza o referendo para que não haja a malandrice de 1998, que, vou admitir, quer evitar.
Em 1998 fez-se um acordo quanto a uma pergunta para ser chumbada no Tribunal Constitucional. Isso seria uma vergonha pela segunda vez - a vergonha da vergonha - e impossibilitaria o referendo! Não é, sequer, admissível que isso possa acontecer e a forma de o evitar é chegar-se a um acordo sério, nos termos da lei, sobre uma, duas ou três perguntas concretas, que permitam dar aos portugueses a oportunidade de responder sobre o essencial deste Tratado.
Por isso, a pergunta é sobre quê? Sobre política de segurança? Sobre política institucional? Sobre o pacto económico de estabilidade ou sobre política económica? Sobre a evolução da União Europeia? Nos termos da lei, tem de ser sobre matéria ou matérias que dêem respostas ao debate para que, dessa forma, não passemos estes meses a entreter-nos e terminemos proibindo o referendo.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Vou terminar, Sr.ª Presidente.
Queria (penso que não o vai fazer, o que lamento) que nos dissesse quando é que o Governo nos vai dizer o que é que propõe para a discussão a esse respeito, manifestando desde já, naturalmente, a nossa abertura e o nosso empenho em que essa discussão seja produtiva, concreta e conclusiva para termos a certeza de que a malandrice não se repete e que, portanto, temos mesmo referendo na Primavera ou no Verão de 2005.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia.

O Sr. Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria, sobretudo, de assinalar que, no primeiro dia desta nova sessão legislativa, o Governo tenha escolhido trazer a esta Casa talvez o assunto mais importante com que os portugueses vão ter de se defrontar nos próximos meses, que é o problema da clarificação da sua relação com a União Europeia.
É importante que essa relação resulte, de uma vez para sempre, perfeitamente clara, sobretudo depois da conclusão do Tratado Constitucional, e, por isso, o meu partido, ao longo dos últimos meses, sempre foi perfeitamente claro a propósito da vantagem da realização de um referendo e sempre fez uma análise globalmente positiva sobre o Tratado Constitucional, ainda que, em alguns aspectos, pensássemos que se poderia ter avançado de forma diferente.
Congratulo-me, pois, com esta posição do Governo. Parece-nos bem a data proposta pelo Governo, mas vamos discuti-la, visto que há outros parâmetros a considerar. De resto, o Governo não a propõe de forma fechada, mas para ser discutida.
Não queria deixar de estranhar que, numa altura em que o Governo anuncia aquilo que poderia chamar o princípio de um processo conducente a um acto de consulta popular, que diz respeito ao Parlamento, ao Governo e à Presidência da República, já hoje se queiram obter, da parte do Governo, respostas fechadas, estilo diktat - o que é que o Governo pensa como matérias a discutir, o que é que o Governo

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pensa como perguntas a colocar, o que é que o Governo pensa sobre consequências -, sobretudo num momento em que muitas destas questões ainda estão a rodar no cenário europeu.
Sr. Ministro, queria dizer-lhe, portanto, que pode contar com a bancada do meu partido de forma inteiramente positiva para este debate e não cheio de "mas" e de "senãos" como se as coisas tivessem intenções reservadas. Acreditamos que, neste referendo, todos temos interesse na sua maior transparência e na sua maior limpidez.
Queria também assinalar que, ao longo dos dois últimos anos, sempre obtivemos da parte do Governo uma informação completa sobre as nossas relações com as instituições comunitárias e a forma como se desenvolvia o nosso processo, muito por mérito dos ministros e dos secretários de Estado que tiveram essas matérias a cargo. Neste momento, essa informação, mercê do calendário da Assembleia da República e do calendário político, não pode ser a mesma que foi no passado.
Nesse sentido, gostaria de saber se o Sr. Ministro nos podia informar, um pouco no sentido do que aqui já foi colocado pelo meu colega Alberto Costa, se realmente tem havido diligências ao nível dos vários países da União Europeia para que as datas dos referendos europeus sejam concertadas numa só ou em alguns dias de forma a evitar a dispersão. Se, por acaso, o Sr. Ministro está ao corrente, agradecemos a informação; se não estiver, aguardaremos a próxima vinda do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros à Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa para nos informar.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: Depois de tantas voltas e hesitações, o Governo já defende o referendo ao Tratado Constitucional da União Europeia. Primeiro, não consideravam absolutamente imprescindível este instrumento; depois, embicaram na data do 13 de Junho, em simultaneidade com as eleições europeias, mas foi a própria realidade e a falta de consenso na União Europeia que veio inviabilizar essa proposta do então Primeiro-Ministro Durão Barroso. Entretanto, temos já a garantia de que, depois de tantas hesitações, este Governo defende o referendo a este Tratado.
De facto, era inexplicável que não o defendesse. Desde logo, porque os portugueses sempre foram permanentemente arredados da discussão e da decisão sobre o processo de construção europeia - até quanto à própria composição da Conferência Intergovernamental que elaborou a proposta de Tratado Constitucional onde, desta Assembleia, só dois grupos parlamentares tiveram representação, tendo todos os outros sido excluídos do processo. O processo foi, de facto, fechado a algumas forças políticas e reduzido na sua representatividade. Portanto, é fundamental alargar esta discussão, compreender as diferentes posições e debater o processo de construção europeia.
A posição do Governo português relativamente ao Tratado Constitucional também sempre foi muito clara: aceitar qualquer texto que lhe chegasse à mão.
Sobre a questão do referendo, Sr. Ministro, entendemos que aquilo que é, de facto, fundamental, mais do que a questão da data, é a questão das perguntas que vão estar na base da decisão dos portugueses relativamente a esta matéria, que têm, obviamente, de ser concretas, sobre matérias concretas e claras. O ideal seria, com certeza, que os portugueses se pudessem pronunciar sobre a vinculação, ou não, do Estado português a este Tratado, apesar de, infelizmente, a maioria parlamentar, juntamente com o PS, já se terem antecipado em sede de revisão constitucional sobre aquilo que prevalece sobre o quê.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

A Oradora: - Termino, Sr.ª Presidente, referindo que fiquei preocupada com a intervenção do PSD, quando refere que não podemos ir atrás dos que contestam este modelo de União Europeia. Isto denota já muita parcialidade no ponto de partida, porque, na verdade, querem a vossa perspectiva a fazer o guião, mas aquilo que nós queremos é verdade, objectividade e pluralidade nas opiniões. Assim, por último, gostaria de saber como é que o Governo quer assegurar essa imparcialidade no debate prévio ao referendo, o que me parece extremamente importante.
Obrigada pela tolerância, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - A concluir o debate, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

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O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, em primeiro lugar, gostaria de agradecer as questões e as intervenções feitas em relação a esta matéria, congratulando-me com a unanimidade manifestada em relação aos propósitos e à realização do referendo. Os Srs. Deputados Alberto Costa, Almeida Henriques e até mesmo Deputados dos outros partidos da oposição vieram aqui concordar com a ideia da realização do referendo.
No entanto, o que aqui trouxemos, Srs. Deputados, não foi a realização do referendo. Viemos, sim, demonstrar e anunciar a nossa disponibilidade para discutir essas matérias, isto é, a questão, ou as questões para quem entender que são várias as que se colocam, de debatermos e "decidirmos" - tomo boa nota da indicação do Sr. Deputado Alberto Costa sobre a competência em relação à fixação quer da matéria quer da data. Portanto, não me parece que haja divisão nesta matéria.
O Sr. Deputado Honório Novo apelou - e lamento que o faça - à necessidade de cumprirmos a lei e a Constituição. Ora, não precisamos que nos digam que temos de cumprir a lei e a Constituição. Por princípio, por formação, porque esta é a nossa maneira de ser, cumprimos a Constituição e a lei.
Srs. Deputados, há, todavia, uma questão que me parece importante esclarecer.
Refiro-me à ideia lançada pelo Sr. Deputado Francisco Louçã e também pelo Sr. Deputado Honório Novo de que, no debate do Programa do Governo, este último não se teria comprometido claramente com a matéria do referendo e que, em relação à mesma, o Sr. Primeiro-Ministro não terá dito que o desejava.
Passo, pois, a citar o Programa do XVI Governo Constitucional e, então, os senhores poderão dizer-me qual a dúvida que têm em relação à nossa assunção do referendo: "(…) O Governo empenhar-se-á numa célere conclusão do processo de ratificação do Tratado bem como no devido e completo esclarecimento da população sobre o alcance do mesmo e das suas implicações, com vista à possibilidade de um referendo sobre a matéria (…)"

O Sr. Honório Novo (PCP): - Possibilidade!

O Orador: - Então, os senhores entendem que, constando do Programa do Governo a possibilidade de um referendo, ele não viria a ser realizado?!
Em segundo lugar, respondo à questão colocada pelo Sr. Deputado Francisco Louçã.
Sr. Deputado, quanto a essa ideia de que, quando da discussão do Programa do Governo, o Sr. Primeiro-Ministro não se comprometeu com a realização de um referendo, respondo-lhe com citações de declarações do Sr. Primeiro-Ministro, tal como vieram publicadas em jornais: "Todos desejamos que aconteça o referendo, mas não posso, neste momento, anunciar datas ou as condições da sua realização", tendo acrescentado que "Vamos procurar a melhor data e estabelecer um acordo", lembrando que, de entre os países europeus onde a respectiva Constituição permite a realização de referendo, alguns irão proceder à consulta popular no primeiro semestre de 2005 e outros, no segundo semestre.
Portanto, é preciso que esclareçamos e afastemos de vez qualquer dúvida que tenha ficado, aquando da discussão do Programa do Governo, sobre o não comprometimento do Sr. Primeiro-Ministro em relação à realização de um referendo sobre esta matéria.
Passo a uma outra questão, colocada pelos Srs. Deputados Anacoreta Correia e Alberto Costa, que tem a ver com a conciliação entre todos os países relativamente à data de realização do referendo.
Como sabem, no que toca aos nove países europeus, incluindo Portugal, que se comprometeram a realizar o referendo, ainda não há uma data fixada, com excepção de Espanha, que penso ser o único país que já o fez. Portanto, tanto o Reino Unido, como a Irlanda, como os países do Benelux, como a Dinamarca e a França ainda não fixaram uma data. Assim, de entre nove países, há apenas um que marcou a realização do referendo para Fevereiro de 2005.
A ideia será, porventura, a de concentrar no menor curto espaço de tempo a realização de tais referendos, mas não podemos comprometer-nos quanto à conciliação de datas com outros países pois, como é evidente, por razões constitucionais ou eleitorais, a respectiva marcação poderá ser arrastada para outras datas que, possivelmente - e sigo a intervenção do Sr. Deputado Alberto Costa -, nos convirão mais.
Por fim, congratulo-me com a posição dos diferentes grupos parlamentares quanto à possibilidade de encontrarmos unanimidade, tanto em relação à pergunta ou perguntas que deverão ser colocadas aos portugueses como à data de realização do referendo.
Este, Srs. Deputados, é o "pontapé de saída" desta matéria e esperamos que os grupos parlamentares concretizem esta ideia. Por parte do Governo, haverá toda a disponibilidade para colaborar no sentido de que o referendo seja uma realidade no mais curto espaço de tempo possível.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 55 minutos.

ORDEM DO DIA

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, o período da ordem do dia de hoje consiste na discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 135/IX - Altera a Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa e do projecto de lei n.º 287/IX - Altera a Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa (PCP).
Para proceder à apresentação da proposta de lei, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e da Presidência.

O Sr. Ministro de Estado e da Presidência (Morais Sarmento): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É com particular satisfação que, em nome do Governo, apresento hoje, perante esta Câmara, a proposta de lei de alteração da Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa. Uma satisfação que resulta, desde logo, de três razões fundamentais.
Em primeiro lugar, por me encontrar aqui na data de abertura desta sessão legislativa, momento que deve ser sempre assinalado, pelo significado político que encerra.
Depois, porque a sua aprovação resulta daquilo que temos vindo a afirmar como uma das principais prioridades deste Governo: reforçar as instituições e praticar a inclusão democrática, convidando outros a construir plataformas políticas mais alargadas nas questões fundamentais para o País.
Em terceiro lugar, porque estamos perante um quadro jurídico de substantiva relevância que comporta uma reforma há muito reclamada e, agora, finalmente concretizada.
Antes de mais, referindo-me à abertura da nova sessão legislativa, aproveito esta oportunidade para dirigir, em meu nome e em nome do Governo, cumprimentos a esta Câmara, a todos e a cada um dos Srs. Deputados, o que, por todos, faço na pessoa da Sr.ª Presidente da Assembleia da República em exercício.
Trata-se também de uma oportunidade para expressar os votos de que esta seja uma nova sessão marcada pelo exemplo. Exemplo no debate democrático, exemplo na capacidade de apresentação de iniciativas e propostas inovadoras, exemplo, ainda, de, com coragem e com responsabilidade, ser esta Câmara capaz de rasgar as fronteiras do nosso atavismo, antecipando hoje os novos desafios do futuro.
Pela parte do Governo, contarão sempre - reafirmo, contarão sempre! - com a disponibilidade total para que esta sessão legislativa constitua um marco na dignificação das instituições democráticas e um impulso decisivo no desenvolvimento de Portugal.
Em segundo lugar, a aprovação desta reforma concretiza uma prioridade deste Governo: reforçar as instituições, praticar a inclusão democrática.
Quero, por isso, neste momento, sublinhar, em particular, a atitude do Grupo Parlamentar do Partido Socialista que, percebendo a dimensão e a importância da matéria em discussão, soube dialogar e interagir com o Governo para a estabilização e a modernização de um sistema que deve estar sempre acima de qualquer disputa partidária. Uma responsabilidade que, esperamos, se mantenha ao longo de toda a sessão legislativa, acima da afirmação de lideranças e imune à ânsia de uma qualquer oposição sistemática.
Ao Governo, mas também ao maior partido da oposição, é exigido sentido de Estado nos assuntos de Estado, capacidade de saber convergir, com soluções equilibradas, em todas as matérias em que o interesse nacional se sobreponha às divergências político-partidárias.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Mas é a terceira razão - ser este um quadro jurídico de decisiva relevância e que comporta uma reforma há muito reclamada - que constitui a razão essencial das minhas palavras.
Depois dos trágicos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001, tomou-se um lugar-comum afirmar que o mundo mudou.
Mudaram as ameaças e mudaram os riscos que todos corremos. Em consequência, mudaram as percepções e os procedimentos dos Estados democráticos perante estes novos riscos e estas novas ameaças, num quadro que pode, e deve, ser de diálogo permanente entre liberdade e segurança.
Falo de criminalidade organizada, de tráfico de droga e de pessoas, mas também do terrorismo transnacional, que se apresenta hoje como uma nova ameaça externa, uma ameaça verdadeiramente global a que nenhum Estado e nenhuma democracia estão imunes.
Acontecimentos como os de 11 de Setembro de 2001, em Nova Iorque e Washington, ou, mais recentemente, os de 11 de Março, em Madrid - não esquecendo jamais as imagens de barbárie e caos no passado dia 2, em Beslan, na Rússia -, alteraram profundamente a agenda político-estratégica internacional.

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Criaram, também, novos desafios no âmbito da segurança e defesa, introduzindo um novo aspecto qualitativo de "ameaça" na cena internacional e nas ordens internas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Tornaram eloquente e tragicamente nítida a ideia do alcance que as novas ameaças poderão configurar e evidenciaram os riscos que o futuro próximo pode importar.
Ao apresentar, hoje, a proposta de lei n.º 135/IX, que visa alterar a Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa, o Governo está a propor a indispensável reforma de um diploma que se encontrava consensualmente desactualizado.
A lei vigente é datada de 1984, tornando evidente e inquestionável a necessidade desta alteração. Como evidente e inquestionável foi, desde sempre, a preocupação do Governo em a concretizar num clima de consenso, cooperação e co-responsabilização institucional, tanto com a Presidência da República como com o Parlamento.
Com o supremo objectivo de garantir a segurança e o bem-estar dos cidadãos, fomos todos obrigados a repensar e a adequar os conceitos e os instrumentos de segurança e defesa ao novo ambiente internacional, designadamente no que diz respeito à sensível actividade de informação e dos respectivos serviços.
Tornava-se imperioso dotá-los de meios adequados de prevenção e combate, parecendo-nos óbvio que o modelo até agora prevalecente apresentava evidentes lacunas e limitações a que urgia pôr cobro. Destaco três.
Em primeiro lugar, o papel da comissão técnica, estrutura a que deveria caber a responsabilidade primeira na articulação entre os serviços de informações.
Em segundo lugar, o facto de a dependência dos serviços de informações relativamente ao Primeiro-Ministro ser assegurada através dos Ministros da tutela e não de forma directa.
Por último, as indefinições geradas em matéria de informações militares, desde logo no que diz respeito aos termos e condições da intervenção do Conselho de Fiscalização.
Na reforma que, agora, se submete a votação, e tendo em conta as posições defendidas pelo maior partido da oposição, o Governo apresenta uma solução consensual que assenta naquilo a que poderemos chamar "fusão de topo" e não fusão de estruturas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mantêm-se os dois serviços de informações juridicamente autónomos - o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e o Serviço de Informações de Segurança -, obtendo-se a efectiva coordenação e complementaridade através da criação de um responsável máximo, comum a ambos, com a designação de "Secretário-Geral do Sistema de Informações da República".
É um modelo de comando único destinado a garantir uma maior coesão e eficácia na cooperação internacional como na acção interna e a evitar, ao mesmo tempo, desperdícios desnecessários e duplicações prejudiciais.
Consegue-se, parece-nos claro, um esforço acrescido de coordenação e de articulação entre os serviços.
Mas não só: o secretário-geral do Sistema de Informações da República adquire um estatuto adequado, reportando directamente ao primeiro-ministro e ao Conselho de Fiscalização parlamentar.
Numa área tão sensível como a das informações, é indispensável existir um só e único responsável pelos dois serviços, com poderes de gestão de topo, que possa estabelecer ligação directa ao primeiro-ministro, a quem está naturalmente reservada a responsabilidade última e a orientação estratégica.
Por delegação do primeiro-ministro, acrescente-se e sublinhe-se, deverá ainda o mesmo secretário-geral manter devidamente informado o Sr. Presidente da República.
Sublinhe-se, também, a vantagem decorrente de um responsável único pelo funcionamento dos serviços nas vantagens ao nível da agilização das relações do Sistema de Informações com as restantes forças e serviços de segurança, implicando naturais ganhos de eficácia no que respeita aos resultados.
Note-se, por outro lado, que a fiscalização democrática dos serviços de informações sai fortemente reforçada com a aprovação do presente diploma.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O Conselho de Fiscalização passará a ter mais amplitude no âmbito das suas funções: para além da actividade do próprio secretário-geral, terá a competência acrescida de fiscalização das informações militares.

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Em suma, com esta lei-quadro conseguimos um upgrading simultâneo de priorização e de plena responsabilização de todos os actores envolvidos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No estabelecimento das condições adequadas a permitir o desenvolvimento da actuação destes serviços, o Governo teve sempre presente a preocupação de que tal melhoria não fosse conseguida, em circunstância alguma, à custa de um menor respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático, nomeadamente no que se refere aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Daí a decisão, que a presente proposta de lei contempla, de reforçar o papel da Assembleia da República, quer através da presença de Deputados no Conselho Superior de Informações quer através do reforço dos mecanismos de relacionamento entre o Parlamento e o Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações.
Mas não é só a fiscalização parlamentar que sai ampliada: a própria participação da Assembleia da República na actividade do órgão supremo do sistema de informações ganha relevo suplementar.
O sistema português, com a fórmula agora proposta, passará a ser, muito provavelmente, um dos mais fiscalizados da União Europeia.
A intenção do Governo, tal como afirmei inicialmente, foi a de manter um diálogo permanente, também neste campo, entre a segurança que exigimos e a liberdade de que não abdicamos. É que, tal como dizia Victor Hugo, "tudo o que aumenta a liberdade, aumenta a responsabilidade".

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro de Estado e da Presidência, ouvimo-lo com atenção, importando, desde logo, dizer que temos um receio fundado - aliás, baseado na história recente do Sistema de Informações da República - de que a instrumentalização possa acontecer. Ora, a proposta do Governo é claramente uma forma de concentrar poder, nomeando uma espécie de czar absoluto e todo poderoso, no que diz respeito ao Sistema de Informações da República.
O mandato coincide com o de primeiro-ministro e estará na dependência directa deste. Isto é, há claramente uma tendência para um poder unipessoal e para uma governamentalização ainda mais acentuada e directamente dependente do primeiro-ministro dos serviços de informações.
Esta é a primeira objecção e questão que lhe coloco.
Uma segunda questão prende-se com a fiscalização. O Sr. Ministro diz que este será um dos sistemas mais fiscalizados da Europa, mas a entidade fiscalizadora principal é interior à orgânica do sistema. Então, como é que pode ser tendencialmente imparcial, independente e transparente, sendo interior à orgânica e não exterior, como deveria ser?
Já agora, Sr. Ministro, permita-me colocar-lhe uma outra questão: por que razão, uma vez mais, o Serviço de Informações Militares (SIM) passa ao lado da proposta de lei e da fiscalização que se pretende assegurar? Teremos aqui um terreno de não-fiscalização, de autonomia absoluta dos serviços de informações? Por que razão não há também preocupação com uma intensa fiscalização nesses serviços?
Estas são questões que gostaríamos de ver respondidas.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e da Presidência.

O Sr. Ministro de Estado e da Presidência: - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado João Teixeira Lopes, ouvi com atenção as suas questões e a dúvida que me fica, quando se apresenta uma reforma destas e se ouvem comentários como os seus, é a de saber qual o modelo alternativo com que poderíamos trabalhar.
Gostaria de saber quais são os países da União Europeia, de entre todos os que queira citar, que não avançaram numa lógica ou de integração absoluta de serviços (e sempre, mesmo aqueles que mantiveram separação entre serviços) ou de uma integração de comando e de responsabilização, seja ao nível do Governo ou outro, mas sempre com uma responsabilização directa e individualizada.
Portanto, gostava de saber que raio de modelo é que, em alternativa, podemos considerar que, simultaneamente, nos permita aquilo que reclama e aquilo que, por outro lado, critica.

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O Sr. António Filipe (PCP): - Pode ser o "raio de modelo" que temos!

O Orador: - Ou seja, que haja responsabilidade por parte dos serviços, mas que, ao mesmo tempo, não se permita que haja um responsável pelos mesmos serviços.
Devo dizer que, no início, achei, pelas questões que colocou, que ia, um pouco em substituição do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, que agora comenta, mas não questionou, tecer aqueles comentários contidos no preâmbulo do projecto de lei do PCP, de contratação de um espião sul-africano, de treino do SIS pela CIA e outras ideias tão peregrinas quanto estas, tais como a do controlo de movimentos sociais ou outros pelos serviços de informações, tudo isso não traduzindo mais do que uma complexada ideia daquilo que deve ser, no dia de hoje, o trabalho de serviços desta natureza, em que - e com isto, respondo à sua segunda questão - se deve separar, de facto, o problema das informações militares.
Uma das dificuldades que se colocou ao longo do tempo e foi constatada nos tempos do SIEDM foi, não havendo clareza de separação de um trabalho em matéria de segurança externa e de um trabalho em matéria de informações militares, o deficiente controlo que essa situação colocava. Por isso, é agora afirmado, de maneira clara, qual é o papel do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), qual é o papel do SIS e a quem cabe a responsabilidade das informações militares, assim como a delimitação do âmbito de actuação desse trabalho de informações.
Assim sendo, penso que o modelo é mais claro. De facto, o modelo assume claramente quais são as competências de cada um dos serviços, clarifica os níveis de responsabilidade e aumenta, de forma inquestionável - e era isso que poderia comentar, mas a questão não foi colocada -, nas soluções concretas que apresenta relativamente aos centros de dados, aos serviços e ao secretário-geral directamente, a possibilidade de controlo pelos diferentes órgãos de fiscalização.
Portanto, e sem prejuízo de ser "iluminado" com a apresentação de um qualquer modelo que espero não seja terceiro-mundista e de má memória, penso que o modelo apresentado avança indiscutivelmente na direcção em que mostra resultado do desenvolvimento do trabalho feito na maioria dos países desenvolvidos.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para apresentar o projecto de lei n.º 287/IX, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr.ª Presidente, antes de fazer a apresentação do projecto de lei do PCP, gostaria de interpelar a Mesa, como forma de poupar a Câmara a uma defesa da honra, que, creio, apesar de tudo, poderia ter lugar, em face do que o Sr. Ministro disse a nosso respeito.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, ou é uma interpelação ou uma defesa da honra.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr.ª Presidente, para que possamos poupar tempo a todos, propunha-me fazer uma interpelação à Mesa, se V. Ex.ª consentisse.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, só posso consentir se se tratar de uma interpelação à Mesa sobre a condução dos trabalhos.

O Sr. António Filipe (PCP): - E é uma interpelação, Sr.ª Presidente, pelo seguinte: o Sr. Ministro, a propósito de um aparte feito por mim próprio, referiu o facto de o PCP não ter formulado qualquer pergunta. Ora, eu desejava esclarecer a Câmara de que teria todo o gosto em ter pedido um esclarecimento se não se desse o caso de, apesar de o PCP ter apresentado há 16 meses um projecto de lei sobre esta matéria e de ter feito todos os esforços, em Conferência de Líderes, para que fosse agendado, apenas dispormos de 9 minutos para o apresentar, sendo ele ainda mais extenso do que a proposta do Governo.
Só por estas circunstâncias nos vimos impossibilitados de formular uma pergunta ao Sr. Ministro que bem gostaríamos de ter feito. Talvez o possamos fazer no decorrer do debate, se a maioria não esgotar o extenso tempo de que dispõe e nos quiser ceder algum…!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, sigamos as regras. Aliás, V. Ex.ª vai intervir de imediato e, seguramente, terá oportunidade de dizer o que entende.
Para fazer a apresentação do projecto de lei n.º 287/IX (PCP), tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

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O Sr. António Filipe (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O papel que a Assembleia da República é chamada a desempenhar neste processo legislativo não é digno das suas funções constitucionais, pois vai limitar-se a sancionar um acordo celebrado há alguns meses entre o Governo e um dos partidos da oposição - no caso, o Partido Socialista - quanto à reorganização dos serviços de informações. O processo legislativo ainda está no início, mas o resultado, mais vírgula ou menos vírgula, já está previamente combinado.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - E um partido como o PCP, que responsavelmente reflectiu sobre esta matéria, considerando a sua relevância nacional e democrática, e que há 16 meses apresentou um projecto de lei, propondo uma reformulação profunda do Sistema de Informações da República, dispõe hoje apenas de 9 minutos para apresentar o seu projecto de lei e defender as suas posições numa matéria tão importante e complexa.
Esta situação em nada dignifica a Assembleia da República e o debate parlamentar e põe em causa direitos fundamentais da oposição.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O facto de haver uma parte da oposição que prefere entender-se com o Governo à porta fechada não pode fazer esquecer que há outra oposição, na qual o PCP se inclui, que entende que o debate sobre os serviços de informações da República deve ser um debate democrático, aberto, transparente e que não aceita ser excluída de participar nesse debate.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - O funcionamento dos serviços integrados no Sistema de Informações da República Portuguesa tem suscitado frequentes controvérsias, quer por suspeitas de actuações ilegais, quer por fugas de informações relativas a relatórios confidenciais, quer relacionadas com a debilidade e a ineficácia da fiscalização democrática da actuação dos serviços, que tem passado por longas fases de total paralisia e que, mesmo nos períodos em que existiu Conselho de Fiscalização, se remeteu a uma total irrelevância.
Notícias de que várias personalidades da vida política portuguesa teriam sido investigadas pelo SIEDM e de que movimentos sociais de protesto contra a política do Governo teriam sido objecto de vigilância do SIS; provas nunca refutadas de que um antigo espião sul-africano, perseguido por vários crimes cometidos no tempo do apartheid, foi contratado pelo SIS, permanecendo ilegalmente em Portugal com a sua cumplicidade; notícias de que altos funcionários da CIA se teriam deslocado a Portugal para ensinar os agentes dos serviços de informações portugueses a fazer escutas, intrusões ou interrogatórios, ou de que se desenvolveriam no SIEDM processos de "assalto ao poder", são suspeitas, imputações ou acusações que em nada prestigiam os serviços de informações portugueses e que põem gravemente em causa as suas credibilidade e idoneidade democráticas, tanto mais quanto algumas dessas acusações nunca foram cabalmente esclarecidas e nunca mereceram qualquer atenção por parte dos Conselhos de Fiscalização que existiram.
O PCP entende que esta situação não se pode manter. Os serviços de informações não podem continuar a ser motivo de frequente suspeita quanto à sua utilização abusiva por parte dos governos e quanto à ilegalidade das suas actuações, pelo que constitui um imperativo nacional encontrar os mecanismos legais que impeçam a instrumentalização político-partidária dos serviços e que equacionem em termos eficazes a sua fiscalização democrática.
Assim, o PCP propõe uma alteração institucional profunda do Sistema de Informações da República Portuguesa em três domínios essenciais.
Em primeiro lugar, enquadrando institucionalmente o Sistema de Informações, de forma a assegurar uma relação dos serviços com o Presidente da República mais conforme com a importância deste órgão de soberania, tendo sobretudo em consideração o seu papel de Comandante Supremo das Forças Armadas e as suas responsabilidades na representação externa da República. Os serviços de informações não são instrumentos exclusivos do governo mas do Estado, pelo que se impõe, sem prejuízo das competências governamentais de direcção e superintendência sobre esses serviços, um reequilíbrio institucional que credibilize a actividade do sistema, em conformidade com o regime democrático e no respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

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Em segundo lugar, no domínio da fiscalização dos serviços, reforçando as competências do Conselho de Fiscalização e as suas garantias de independência e reforçando as possibilidades de fiscalização directa dos serviços por parte da Assembleia da República.
Em terceiro lugar, clarificando alguns aspectos do regime do Sistema de Informações da República Portuguesa de modo a assegurar uma maior confiança quanto à conformidade constitucional da sua actuação.
A proposta apresentada pelo Governo conta com a frontal oposição do PCP quanto a alguns aspectos essenciais.
Desde logo, pela total governamentalização dos serviços que continua a consagrar e que, do nosso ponto de vista, não é conforme com os princípios constitucionais. Os serviços de informações não podem continuar a ser os serviços de informação do governo da República, com total marginalização dos demais órgãos de soberania.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Também pela manifesta ausência de mecanismos credíveis de fiscalização democrática. A proposta de lei aponta claramente para a continuação da situação absurda em que temos vivido: nos últimos 10 anos, apenas existiu Conselho de Fiscalização durante quatro anos e dois meses, e quando existiu limitou-se à emissão de pareceres anuais meramente formais, indiciadores de uma total ausência de fiscalização real sobre o funcionamento dos serviços.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Estamos há 8 meses sem Conselho de Fiscalização e, mais uma vez, o adiamento - hoje decidido pela maioria - da eleição dos membros do Conselho de Fiscalização pela Assembleia da República, apesar de ter sido apresentada uma lista por vários partidos da oposição, é indiciador da vontade política da maioria de continuar com este impasse que tem vindo a inviabilizar qualquer tipo de fiscalização democrática dos serviços de informações!

Aplausos do PCP.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Por último, e fundamentalmente, porque a proposta de lei dá passos significativos no sentido de uma maior concentração dos serviços que pode traduzir-se, na prática, num verdadeiro processo de fusão.
É certo que o Governo, supostamente em nome das negociações com o PS, desistiu de consagrar formalmente a fusão do SIS e do SIEDM. Mas, bem vistas as coisas, as tutelas diferenciadas sobre o SIS e o SIEDM serão substituídas pela tutela directa do primeiro-ministro, que será exercida por um secretário-geral da sua confiança, equiparado a membro do governo. Não se trata, como bem se vê, de uma coordenação a nível superior mas de uma tutela conjunta, o que suscita sérias perplexidades e preocupações.
Nos termos da Lei-Quadro do Sistema de Informações da República, o SIS tem como missão a produção de informações que contribuam para a salvaguarda da segurança interna e a prevenção da sabotagem, do terrorismo, da espionagem e a prática de actos que, pela sua natureza, possam alterar ou destruir o Estado de direito constitucionalmente estabelecido.
Por seu lado, o SIEDM tem a missão de produzir informações que contribuam para a salvaguarda da independência nacional, dos interesses nacionais, da segurança externa do Estado português, para o cumprimento das missões das Forças Armadas e para a segurança militar.
São, como se pode constatar, funções claramente distintas. Uma fusão de ambos os serviços, implicando a recolha de informação conjunta em matéria de defesa nacional e de segurança interna, é tributária de uma lógica de fusão de missões entre forças militares e de segurança que, a nosso ver, a Constituição não permite.
É óbvio que a acção dos serviços de informações deve ser coordenada a nível superior, mas essa necessidade de coordenação não implica que tenha de haver uma fusão de serviços que têm lógicas e missões distintas, seja essa fusão explícita ou implícita, como é o caso, através da direcção única de serviços formalmente distintos.
Esta proposta de lei aponta, assim, para um caminho preocupante, sobretudo numa situação mundial como a que vivemos, em que, a pretexto da luta contra o terrorismo, começamos a assistir, em diversos países, à generalização de regimes de excepção de carácter securitário que entram em conflito directo

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com as liberdades públicas e com garantias dos cidadãos que constituem o património civilizacional das democracias.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Os serviços de informações devem servir para, em nome da Democracia, defender os cidadãos das ameaças à sua segurança mas não devem poder, em nome da segurança, ser uma ameaça para a própria Democracia.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José de Matos Correia.

O Sr. José de Matos Correia (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Não é certamente exagero afirmar que a questão que nos ocupa - a reforma do Sistema de Informações - se encontra no cerne das preocupações de segurança dos Estados democráticos.
De facto, só aqueles cujo comportamento é determinado pela má fé ou que insistem em ficar presos a fantasmas do passado continuam a encarar os serviços de informações como uma ameaça à Democracia e aos direitos fundamentais. A verdade é exactamente a inversa: os serviços de informações constituem actualmente um dos instrumentos essenciais de defesa da liberdade e de protecção dos cidadãos.
O papel central que lhes cabe na garantia da nossa segurança colectiva impõe, por isso, uma reflexão profunda sobre a adequação das soluções de que dispomos à natureza das ameaças que enfrentamos. Trata-se, aliás, de uma preocupação que não nos é exclusiva e que atinge mesmo os países mais influentes do sistema internacional, como acontecimentos recentes têm bem demonstrado.
As razões de tal facto são por demais conhecidas: todos presenciámos as consequências do terrorismo global que esteve na base do 11 de Setembro nos Estados Unidos ou do 11 de Março em Madrid. E, na nossa memória recente, estão ainda impressas as imagens de crueldade e horror na Escola de Beslan.
A dura realidade dos acontecimentos tem-se assim encarregado de nos demonstrar que o leque de riscos internacionais se modificou radicalmente e que o mundo se defronta com um perigo verdadeiramente global. Um perigo face ao qual fronteiras, geografias e políticas de alianças ou neutralidade se encontram visivelmente fragilizadas.
Acresce que o terrorismo nos surge agora com características inéditas: é uma ameaça cobarde, sem rosto, sem códigos de conduta, que não distingue grupos ou faixas etárias e que visa provocar o máximo caos e terror ao maior número possível de pessoas e de países.
Um terrorismo ultra-moderno, sem problemas financeiros, que trabalha em redes de geometria variável; um terrorismo que se apoia noutra temível realidade transnacional - o crime organizado -, em todas as vertentes que este apresenta: lavagem de dinheiro, narcotráfico, redes de imigração ilegal.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por tudo isso, o combate ao terrorismo constitui, certamente, um dos desafios mais críticos deste início de século, e tão determinante ele é que alguns não hesitam em classificar tal combate como uma nova guerra mundial.
Esta é uma batalha que todos, sem excepção, somos chamados a travar.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas uma batalha em que não se joga apenas - e isso já seria muito - uma certa forma de governo ou um determinado regime politico.
De facto, o que o terrorismo pretende verdadeiramente é pôr em causa a ideia essencial em que assenta a vida em sociedade - o princípio da confiança - e, ao fazê-lo, destruir a nossa própria forma de organização social e os valores e princípios por que nos regemos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Num contexto de semelhantes contornos nada poderia ficar na mesma no que toca ao papel dos serviços de informações. Não é mais possível que esses serviços trabalhem isoladamente, como se de compartimentos estanques se tratasse, pois o inimigo é muito mais difícil de identificar e encontra-se em permanente

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mutação, fazendo com que, paradoxalmente, a ameaça seja crescentemente difusa mas massivamente letal.
Novos riscos impõem, portanto, novas soluções, daí que a palavra-chave deva aqui ser cooperação: cooperação no domínio nacional e cooperação no plano internacional.
No fundo, não mais do que "duas faces da mesma moeda", agora que perde progressivamente sentido a tradicional separação entre segurança interna e segurança externa.
Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: A constatação da evolução da realidade internacional e da natureza diversificada dos riscos e das ameaças determinaria, por si só, a necessidade de uma aprofundada reflexão sobre o sistema de informações da República Portuguesa. Mas tal análise é também exigida pela constatação das próprias limitações que o sistema tem revelado e que se encontram de há muito identificadas.
Importa, por isso, nesta ocasião, relembrar que a matriz do Sistema de Informações da República continua largamente a ser a estabelecida no diploma original, que data já de 1984 - 20 anos, nesta matéria, são uma eternidade -, com as alterações ocorridas em meados da década de 90.
Daí que a própria proposta de lei identifique algumas das razões endógenas que determinaram a necessidade de intervir na estrutura do sistema: a debilidade dos mecanismos de articulação e coordenação dos serviços; a dispersão desses serviços por várias tutelas em vez da necessária unificação de direcção política; a insuficiência em matéria de fiscalização da actividade de produção de informações.
Foi justamente neste contexto que o anterior governo decidiu dar início ao processo de reforma do sistema de informações da República, iniciativa essa a que, em boa hora, o actual Executivo deu rápido seguimento.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E o objectivo central desta reforma é claro: construir um modelo que melhor se adeque à dimensão do nosso país e aos seus variados interesses estratégicos e de segurança nacional, nunca esquecendo que Portugal, pelas suas características históricas, é um país que tem interesses muito mais vastos em Estados da nossa dimensão.
Um modelo que, ao mesmo tempo, contribua para eliminar conflitos positivos ou negativos de competências, que contribua para combater o desperdício de recursos e para prevenir a descoordenação de intervenções.
Inicialmente - e isso é do conhecimento público -, foi colocada a possibilidade de fusão dos dois serviços de informações actualmente existentes, solução por muitos considerada como a mais adequada, à semelhança, aliás, do que sucedeu - e não terá sido, certamente, por acaso, em vários dos nossos parceiros europeus.
Mas o Governo, assim como o anterior, deixou também sempre claro que considerava ser esta uma questão de regime, a exigir decisões participadas e com estabilidade.
Daí a preocupação de construir um indispensável consenso político, em especial, como bem se compreenderá, embora não agrade a todos, com o maior partido da oposição. É sobre o resultado desse consenso que hoje aqui nos debruçamos.
Não cabe entrar agora em pormenores sobre o teor da proposta de lei. Mas vale a pena determo-nos um pouco sobre as respostas que avança em dois aspectos essenciais: a arquitectura global do sistema e a redefinição dos mecanismos de fiscalização.
No que à primeira questão diz respeito (a arquitectura global do sistema), a solução pela qual se optou passa pela manutenção da autonomia dos dois serviços - o agora designado serviço de informações estratégicas e de defesa e o serviço de informações de segurança - e, ao mesmo tempo, pela definição de uma fórmula do tipo "união pessoal", destinada a garantir uma maior coesão e eficácia na acção interna e na cooperação internacional.
O funcionamento de tal fórmula é assegurado pela criação de uma figura nova - o secretário-geral do Sistema de Informações da República -, a quem é conferido um estatuto reforçado, neste caso, equiparado a Secretário de Estado, e que passará a reportar ao primeiro-ministro.
Não se trata, porém, nem isso faria qualquer sentido, de um mero coordenador. Esse, aliás, é um dos principais problemas que a lei actual demonstra, nomeadamente no que diz respeito ao funcionamento da comissão técnica e do secretário da comissão técnica. É que, mais do que coordenar, importa sobretudo definir e distribuir, com clareza, tarefas e afectar, sem duplicações ou omissões, os meios necessários à prossecução dessas mesmas tarefas.
Fica também definido que tanto o secretário-geral como os dois serviços dependem directamente do primeiro-ministro, assumindo-se assim, com clareza, a importância de elevar o nível de responsabilidade política e da direcção estratégica do sistema.

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Abordemos então o segundo aspecto: a questão da fiscalização, que nos surge, com a presente proposta, substancialmente melhorada.
Esta opção de melhorar ou de reforçar os mecanismos de fiscalização é uma opção que facilmente se compreende: é que, se vai haver um acréscimo de meios e de eficácia dos serviços de informações, deve ao mesmo tempo assegurar-se o reforço dos meios de controlo, em ordem a garantir, em toda e qualquer a circunstância, o respeito estrito pelas leis e pelos limites de acção que estas determinam aos serviços de informações.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Nesse quadro, o Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações passará a exercer competências mais alargadas, desde logo, sobre o próprio secretário-geral do Sistema, cuja acção ficará, naturalmente, sujeita também ao escrutínio do Conselho de Fiscalização. Mas será uma competência que se exercerá também sobre os serviços que assumam responsabilidades em matéria de produção de informações militares, assim se colocando um ponto final numa situação de indesejável indefinição.
Especialmente beneficiado ficará, igualmente, o estatuto do Parlamento, o que não pode deixar de nos causar perplexidade quando ouvimos alguns comentários sobre o teor da proposta de lei. É que, por um lado, passam a integrar o Conselho Superior de Informações dois Deputados eleitos pela Assembleia da República. Por outro, porque fica expressamente acolhida a possibilidade de a Assembleia da República solicitar a presença, em sede de comissão, do Conselho de Fiscalização, em ordem a obter esclarecimentos adicionais sobre o exercício, por este, da sua actividade, para pedir também esclarecimentos sobre o relatório anual do conselho de fiscalização para que a apresentação desse relatório nunca possa ser considerada como uma mera liturgia de apresentação de papéis.
Estas são, indiscutivelmente, alterações de monta, perante as quais passará a ser impossível, a alguém de boa fé, lançar suspeições ou dúvidas sobre a regularidade do funcionamento do Sistema de Informações da República ou sobre aquelas que são as intenções do Governo ao promover as alterações que está a promover nesta matéria.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A reforma dos serviços de informações que o Governo está a promover é condição necessária para a garantia da tranquilidade da nossa vida colectiva, mas não pode ser encarada como uma condição suficiente. Com efeito, no mundo dos nossos dias, a maior das certezas que temos é, porventura, o carácter incerto das ameaças que nos afectam.
Ora, isso tem uma consequência directa: a questão da segurança deixou de poder ser encarada como uma espécie de dever profissional de alguns para ter de ser compreendida como uma preocupação cívica de todos.
Todos temos, por isso, a nossa quota-parte de responsabilidades nesta tarefa e todos devemos ser capazes de assumir, em cada momento, essa mesma responsabilidade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro de Estado e da Presidência e Sr.as e Srs. Deputados, estão em discussão duas iniciativas legislativas: a proposta de lei do n.º 135/IX e o projecto de lei n.º 287/IX, do PCP, ambas respeitantes à Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa.
Espera-se que no final deste processo legislativo o Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) saia reforçado e com melhores condições operacionais, num contexto em que as ameaças à liberdade e à segurança parecem crescentes e requerem maior vigilância e melhores instrumentos.
Convém recordar alguma coisa da História.
Em 1984, quando foi desenhada a primeira versão do SIRP, Portugal tinha sido descoberto pelo terrorismo internacional, aquele mesmo que atormenta hoje os povos e os governos.
Em 10 de Abril de 1983, Issam Sartawi foi alvo de um atentado terrorista em Montechoro quando participava num conclave da Internacional Socialista.
Alguns meses mais tarde, em 27 de Julho de 1983, um grupo terrorista atacou a embaixada turca, em Lisboa, tendo daí resultado vários mortos. Portugal acordava sobressaltado para o terrorismo mais irracional e mais violento e sentia que tinha de se munir de instrumentos de que outras democracias já dispunham.

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Alguns meses depois estava aprovada a Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro, Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa, cuja alteração, hoje, aqui discutimos.
Com esta Lei-Quadro procurava-se, desde logo, reabilitar a imagem das agências de informações de segurança. A memória de uma experiência totalitária gerava a desconfiança em relação aos serviços de informação. Um certo imaginário popular facilmente tendia a identificar estes serviços com a polícia política de Salazar. Havia, portanto, uma batalha de opinião pública e de pedagogia cívica a travar.
Desde então, travaram essa batalha, em primeira linha, os próprios serviços de informações. Originariamente e durante alguns anos, apenas o Serviço de Informações de Segurança (SIS), objecto do Decreto-Lei n.º 225/85, de 4 de Julho; depois, também o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e Militares (SIEDM), objecto do Decreto-Lei n.º 254/95, de 30 de Setembro.
Mas tal batalha de pedagogia e de reforço da legitimação pública dos serviços de segurança não cabe apenas, nem cabe prioritariamente sequer, aos serviços de informações e aos seus funcionários. Tal tarefa cabe-nos, sobretudo, a nós e às instituições políticas em geral, e hoje mais do que nunca.
De novo sobressaltados por ameaças, que não sabemos ainda se seremos capazes de dominar, agora com dimensão mais irracional e mais geral, temos a obrigação de aperfeiçoar todos os mecanismos de defesa da democracia e da liberdade. E, sem quaisquer hesitações ou fórmulas dúbias, deve dizer-se que os serviços de informações, num quadro de funcionamento e controlo democráticos, são instrumentos insubstituíveis de protecção dos direitos e das liberdades dos cidadãos, de preservação da democracia e de protecção das instituições legítimas.
Esta é a doutrina que prevalece nos Estados democráticos. Esta é também a doutrina a que o Partido Socialista manifesta, uma e outra vez, a sua total adesão. O presente projecto legislativo, que introduzirá certamente a mais importante reforma estrutural desde a criação do SIRP, deve, além do mais, atribuir-lhe um suplemento de legitimidade e de reconhecimento público que terá seguramente um impacto positivo no desempenho destes serviços.
Foi com este espírito e com estes objectivos que o Partido Socialista analisou e debateu com o Governo os aspectos centrais desta reforma. O trabalho foi satisfatório e decorreu em ambiente construtivo (para o que muito contribuiu, aproveito para salientar, o trabalho do Sr. Deputado Matos Correia, que aqui quero saudar), o que permitiu inclusive que o Partido Socialista prescindisse de apresentar a sua própria iniciativa legislativa sobre esta matéria.
Sem prejuízo de aperfeiçoamentos que possam vir a ser introduzidos na especialidade por iniciativa dos vários partidos representados neste Hemiciclo, há um consenso de partida entre o Partido Socialista e o Governo em torno da proposta por este apresentada, a qual resultou de trabalho profícuo entre os dois. Para este trabalho o Partido Socialista partia com uma doutrina bem estabelecida em relação à arquitectura do SIRP, tal doutrina havia sido enunciada pelo então Primeiro-Ministro, António Guterres, pouco tempo depois de 11 de Setembro, em sessão plenária nesta Câmara, realizada em 31 de Outubro de 2001.
Sublinhava então António Guterres que deveria continuar a haver dois serviços de informações, o SIS e o SIEDM, devendo evitar-se a sua fusão. Além disso, os serviços de informações não deveriam passar a assumir a natureza de polícias de investigação criminal.
Quanto à arquitectura do sistema, defendia o então Primeiro-Ministro que ele deveria depender directamente (isto é, sem delegação) do Primeiro-Ministro com coordenação dos dois serviços por uma autoridade nacional de informações, nomeada pelo chefe do Governo e dele directamente dependente. A composição do Conselho Superior de Informações deveria ser revista, de forma a assumir um papel mais activo de coordenação política.
Foi possível criar consenso sobre os pilares essenciais desta doutrina e é isto que está espelhado na proposta de lei, apresentada pelo Governo. Mantêm-se dois serviços autónomos, o SIS e agora o SIED.
Cada um destes dois serviços dispõe de uma área de competências específica, de um director próprio, coadjuvado por um director-adjunto, e de estruturas administrativa e de pessoal próprias, sem prejuízo da eventual criação de estruturas comuns na área da gestão administrativa, financeira e patrimonial. Cada serviço (e isto é muito importante) mantém centros de dados exclusivos, insusceptíveis de cruzamento ou de conexão entre si e, por maioria de razão, com outros centros de dados.
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Sobre a questão da autonomia e da existência de mais do que um serviço, existe alguma discussão ao nível nacional e internacional.
Outros países, como a Espanha, através do CESID, e a Holanda, optaram por um só serviço vocacionado quer para as vertentes externas quer para as internas.
Contudo, embora seja certo que entre nós não há razão para que se receie que os serviços de informações sejam pervertidos ou utilizados para fins não democráticos, há razões ponderosas que aconselham à manutenção de dois serviços autónomos. Por um lado, este é ainda o panorama geral nos países que constituem para nós referência; por outro lado, há razões de efectiva especialização dos serviços, até por questões relacionadas com os perfis próprios dos seus agentes.

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Acresce que, mesmo não havendo perigo sério de perversão, a existência de mais do que um serviço facilita inegavelmente o controlo democrático dos seus agentes.
Finalmente, havendo já dois serviços em pleno funcionamento, a sua fusão poderia traduzir-se em indesejável instabilidade numa área extremamente sensível e em problemas de reajustamento interno.
No contexto da temática da autonomia dos serviços, importa deixar uma palavra sobre as actividades de produção de informações das Forças Armadas.
Sabe-se que a orientação inicial do legislador de 1984 foi a estruturação de três serviços, um dos quais o Serviço de Informações Militares (SIM). Esta orientação seria ulteriormente abandonada, optando-se por concentrar a actividade de recolha e tratamento de informações militares no SIEDM logo que foi instalado. Por isto foi extinta, em 1998, a Divisão de Informações do Estado-Maior-General das Forças Armadas, manteve-se, porém, em funcionamento a Divisão de Informações Militares (DIMIL), devido ao reconhecimento da necessidade de as Forças Armadas manterem uma actividade mínima virada para a informação operacional.
Com a proposta de lei em discussão regista-se uma subtil mas relevante evolução. Sem se retornar à orientação de há 20 anos, baseada na estruturação de três serviços de informações, isto é, sem se atribuir relevo orgânico à autonomia material da actividade de informações das Forças Armadas, retira-se do actual SIEDM as informações militares. Isto terá como consequência o futuro reajustamento da repartição de competências entre o agora SIED e a estrutura das Forças Armadas encarregue da actividade de produção de informações necessárias ao cumprimento das suas missões específicas e à garantia da segurança militar.
Deste modo, parece garantida uma melhor calibragem do SIED, suprimindo-se também algum desfasamento entre as incumbências legais do SIEDM e as suas capacidades reais.
A contrapartida para tal reforço da actividade de informações militares nas Forças Armadas é a que resulta do novo artigo 6.º-A, que prevê a integral aplicação das disposições do Capítulo I da Lei-Quadro do SIRP, designadamente as relacionadas com a protecção dos direitos, liberdades e garantias, e também a sujeição aos mecanismos de fiscalização a que estão submetidos os serviços integrantes do SIRP.
Um dos aspectos do funcionamento dos componentes do SIRP que tem causado maior preocupação prende-se com a articulação entre eles. Surgidos em momento diferentes, distanciados em alguns anos, com graus de maturação e de implantação distintos, o SIS e o SIEDM mostraram, logo que passaram a coexistir, dificuldades de articulação, algumas vezes propiciadoras de conflitos positivos e negativos de competências. Estas dificuldades foram gradualmente atenuadas, mas, porventura, não totalmente resolvidas.
Para a resolução destas dificuldades de articulação e de coordenação não se mostrou inteiramente eficaz o quadro institucional existente.
O Secretário-Geral da Comissão Técnica ou a própria Comissão Técnica do Conselho Superior de Informações tem unicamente competências de coordenação técnica dos serviços de informações. O Conselho Superior de Informações, sendo um órgão interministerial de consulta e de coordenação, tem, todavia, uma estrutura e uma composição excessivamente pesadas para um órgão de coordenação corrente.
Por outro lado, a dependência dos dois serviços em relação ao Primeiro-Ministro é actualmente uma dependência mediata e, por isso, não efectiva, uma vez que a própria lei estabelece que essa dependência se processa através de dois ministros, o da Defesa, para o SIEDM, e o da Administração Interna, para o SIS.
Estas insuficiências ao nível das estruturas ou dos mecanismos formais de coordenação parecem ser adequadamente superadas pela proposta de lei em discussão.
Na verdade, é criado um Secretário-Geral do Sistema de Informações da República, nomeado pelo Primeiro-Ministro, após audição em sede de comissão parlamentar, e dele directamente dependente, sem prejuízo de delegação num membro do Governo da Presidência do Conselho de Ministros. Este secretário-geral, equiparado para todos os efeitos gerais a Secretário de Estado, conduzirá superiormente a actividade dos serviços, inspeccionando-os, coordenando-os e superintendendo na sua actuação.
Concentrando no Primeiro-Ministro, ou num membro do Governo da Presidência do Conselho de Ministros, a dependência dos serviços e atribuindo-lhes uma cabeça única, estará garantida a unidade de comando político, mas também a unidade de direcção. Neste contexto, o Secretário-Geral do SIRP será verdadeiramente a pedra nuclear do SIRP, correspondendo à ideia de uma autoridade nacional de informações.
Sabe-se que em outros países soluções equivalentes estão neste momento a ser ponderadas; é, por exemplo, o caso dos Estados Unidos da América.
Ainda no contexto institucional, regista-se a extinção da Comissão Técnica e do Secretário-Geral da Comissão Técnica.

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Merece também referência a evolução do Conselho Superior de Informações. Subjacente a algumas alterações à sua composição está uma alteração da sua natureza.
Embora na proposta de lei isto ainda não esteja, porventura, totalmente explícito, uma vez que não é feita qualquer proposta de alteração do n.º 1 do artigo 18.º da Lei-Quadro do SIRP, o Conselho Superior de Informações deixa de ser um órgão interministerial de consulta e coordenação para passar a ser um órgão interinstitucional de consulta e coordenação. O facto de a sua composição passar a integrar dois Deputados designados pela Assembleia da República por dois terços dos Deputados presentes assim o indicia. Esta é, necessariamente, uma das alterações propostas que maior relevo assume, contribuindo, além do mais, para o aperfeiçoamento do controlo democrático do funcionamento do SIRP e para o enraizamento de uma lógica suprapartidária na sua condução.
Aliás, o tema do controlo democrático do SIRP está evidente em outras das alterações agora discutidas.
A proposta de lei mantém o modelo pré-existente, reforçando embora as competências da Assembleia e do Conselho de Fiscalização.
O reforço das competências de fiscalização da Assembleia da República é, aliás, imperioso. Actualmente, a apreciação por nós realizada, aqui, dos pareceres anuais do Conselho de Fiscalização sobre o funcionamento dos serviços é pouco mais do que formal.
Os pareceres, por serem públicos, estão sujeitos a fortes limitações quanto ao conteúdo, uma vez que têm de respeitar as disposições sobre o segredo de Estado e o dever de sigilo. A Assembleia da República, carecendo de qualquer informação profunda, não pode fazer mais do que tomar conhecimento da sua existência e do seu limitado conteúdo, sendo inviável qualquer avaliação substantiva.
Na proposta de lei em discussão, os pareceres do Conselho de Fiscalização deixam de estar expressamente condicionados pelo segredo de Estado e pelo dever de sigilo e passam a ser apresentados anualmente em sede de comissão parlamentar, em reuniões à porta fechada, cujos participantes estão sujeitos ao dever de sigilo. Estas reuniões serão certamente um momento importante da actividade fiscalizadora da Assembleia da República.
Além disso, a Assembleia da República pode requerer a qualquer momento a presença do Conselho de Fiscalização, em sede de comissão parlamentar, com o objectivo de obter esclarecimentos sobre a sua actividade.
O próprio Conselho de Fiscalização vê reforçadas as condições de funcionamento e as respectivas competências.
Merece realce o que se verifica com a produção de informações pelas Forças Armadas. Esta actividade passa a estar integralmente sujeita aos poderes de fiscalização do Conselho, bem como à fiscalização de dados pela Comissão de Fiscalização de Dados agora institucionalizada.
Até aqui a Lei-Quadro do SIRP concedia ao Conselho apenas o poder de apreciação de relatórios de actividades do trabalho de informação operacional específica produzida pelas Forças Armadas, podendo o Conselho solicitar esclarecimentos e relatórios ao Ministro da Defesa. Com o novo regime passam a valer todas as competências do artigo 8.º, n.º 2, com as necessárias adaptações, designadamente o recebimento da lista integral dos processos em curso, realização de visitas de inspecção, emissão de pareceres anuais, etc.
Um dos aspectos em que mais notoriamente se distinguem as iniciativas legislativas em discussão, do Governo e do PCP, tem a ver com a posição e o papel do Presidente da República face ao SIRP. O projecto de lei apresentado pelo PCP inclina-se para uma presidencialização do sistema, o que não parece desejável nem coerente com o nosso sistema de governo. Por seu turno, a proposta de lei mantém no essencial o figurino actual, embora se reforcem os mecanismos de acompanhamento da actividade do SIRP pelo Presidente da República. Assim, este passa a ser "especialmente" informado sobre essa actividade pelo Primeiro-Ministro, podendo também relacionar-se directamente com o Secretário-Geral do SIRP.
Um aspecto controverso que visita reiteradamente o debate sobre as competências dos serviços de informações é o da possibilidade de estes disporem de certos instrumentos similares aos usados por órgãos de investigação criminal.
É ponto assente que em Estado de Direito os serviços de informações devem distinguir-se com clareza dos órgãos de polícia e de investigação criminal. Mas têm surgido sugestões de que os serviços deveriam poder, por exemplo, efectuar intercepção de comunicações ou escutas telefónicas. Esta sugestão parece esbarrar, entre nós, com limites constitucionais que não permitem ir mais longe do que o quadro legal existente, pelo que se aplaude o facto de a proposta de lei não ter avançado por aí.
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O processo seguido para a preparação e aprovação destas alterações legislativas à Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa visava também, na nossa percepção, dar estabilidade aos serviços de informações. A estabilidade não

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tem sido plena, infelizmente, nos últimos anos, nos últimos meses. Esperamos, contudo, que os serviços possam permanecer imunes à instabilidade política e às mudanças de governo. Só deste modo poderão desempenhar a importantíssima missão de Estado que lhes entregamos.

Aplausos do PS.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: "A fraqueza do nosso sistema de segurança interna não tem paralelo noutros Estados da União Europeia, em que os serviços de informações dispõem do quadro legal adequado à prevenção das ameaças ao Estado de Direito" - estas palavras são do actual Ministro da Administração Interna, Dr. Daniel Sanches, e foram proferidas em 19 de Maio passado, num seminário sobre terrorismo internacional.
Em tese, acompanhamos aquele antigo Director do SIS, e hoje um dos responsáveis pelos serviços que vamos criar.
Com efeito, a República Portuguesa tem dois serviços de informações e segurança que foram profundamente pensados e debatidos nesta Câmara antes de serem uma realidade.
Todavia, se esses serviços não comunicarem entre si, não desempenharão eficazmente o papel absolutamente fundamental que lhes está reservado na recolha de informação que permite aos responsáveis máximos conhecerem antecipadamente o tipo e a natureza das ameaças internas, ou o tipo e a natureza das ameaças externas. Do mesmo passo, não ajuda em nada a actividade e a credibilidade destes serviços a existência de suspeitas sobre a ineficácia da fiscalização democrática da sua actuação.
É por isso que a proposta de lei de reorganização do Sistema de Informações da República Portuguesa, que hoje aqui discutimos, visa, essencialmente, dois grandes objectivos: a melhoria da eficácia da actividade de informações e o aumento do papel da Assembleia da República na fiscalização da actividade destes mesmos serviços.
Com as alterações à Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa que o Governo hoje nos propõe, mantém-se a autonomia dos dois serviços de informações já existentes, mas cria-se uma direcção unificada, que ficará a cargo do novo Secretário-Geral do Sistema de Informações da República.
A este novo responsável, ao qual incumbirão as funções de elo de ligação e também de transmitir directamente ao Sr. Presidente da República as suas informações, para além do Primeiro-Ministro, é atribuído um vasto conjunto de competências das quais se destacam as seguintes, pela sua importância: conduzir superiormente, através dos respectivos directores, a actividade do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e do Serviços de Informações de Segurança e exercer a sua inspecção, superintendência e coordenação; executar as determinações do Primeiro-Ministro e as deliberações dos órgãos de fiscalização; transmitir informações pontuais e sistemáticas às entidades que lhe forem indicadas pelo Primeiro-Ministro; e dirigir a actividade dos centros de dados dos serviços.
Tendo em atenção tal conjunto de importantes competências, é natural que este novo órgão tenha um estatuto equivalente ao de Secretário de Estado, para todos os efeitos legais, como diz a proposta de lei, sendo por isso um mandato de natureza política coincidente com um mandato governamental, como, aliás, bem frisa o relatório da Comissão.
Dar um passo mais ousado do que este seria muito arriscado.
Com efeito, e tal como se pode ler na exposição de motivos da proposta de lei, a maneira de melhor assegurar a eficácia da actividade dos serviços de informações, evitando dispêndios desnecessários e duplicações prejudiciais, seria a criação de um só serviço de informações, como existe hoje noutros países europeus - a Suíça, a Bélgica, a Espanha, a Itália ou a Holanda, só para referir os países da União Europeia.
No entanto, proceder-se agora à fusão de dois serviços, que, ainda assim, têm missões distintas, diferente pessoal operacional e diferentes serviços de apoio, equivaleria, na prática, a deixar a República Portuguesa, neste momento, sem serviço de informações durante largo tempo.
A ameaça terrorista global, como referiu o Deputado José de Matos Correia, referindo-se aos acontecimentos de 11 de Setembro, nos Estados Unidos, de 11 de Março, em Espanha e de 2 de Setembro, na Rússia, para não falar de casos quotidianos de raptos, de bombas e de rebentamentos de carros no Iraque, são a prova de que não estamos seguros em parte alguma.
Ainda em 19 de Junho passado se pôde ler no semanário Expresso que a polícia temeu um atentado terrorista por ocasião da abertura do EURO 2004 e do jantar de cerimónia da véspera, dado ter-se considerado real a possibilidade de perigo de um atentado terrorista, baseado em informações recebidas de

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serviços de informações holandeses sobre a deslocação para Portugal de elementos ligados ao fundamentalismo islâmico.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo Sr.as e Srs. Deputados: O segundo objectivo do Governo passa pelo afastamento das recorrentes, mas nunca provadas, alegações de ilegalidade da actividade do serviço de informações, reforçando o papel fiscalizador da Assembleia da República através destas medidas principais: assegurar a presença de Deputados no Conselho Superior de Informações e reforçar os mecanismos de relacionamento entre o Parlamento e o Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações.
Neste último ponto em particular, há a referir que o Conselho de Fiscalização passa a dispor de competência para efectuar visitas de inspecção destinadas a colher elementos sobre o modo de funcionamento e a actividade do Secretário-Geral do Sistema de Informações e dos serviços de informações.
Ou seja, apesar de ter um estatuto equivalente ao de Secretário de Estado, este novo órgão do sistema não se limita a responder perante o Primeiro-Ministro, terá de prestar toda a colaboração ao Conselho de Fiscalização, sempre que este o entender necessário, seja no âmbito de um procedimento inspectivo por competência própria do Conselho de Fiscalização, seja no âmbito de inspecção proposta ao Governo pelo Conselho de Fiscalização, competência esta que se mantém na presente lei.
Os serviços de informações passarão ainda a poder ver a sua actividade controlada por três vias: pelo Secretário-Geral dos Serviços de Informações, que detém competência inspectiva sobre os mesmos, pelo Conselho de Fiscalização, no âmbito de competência inspectiva própria, e ainda pelo Governo, a pedido do Conselho de Fiscalização.
Estamos certos de que a todos deixa descansados o facto de os serviços de informações - os quais, já um dia o dissemos, mais se enquadram na lógica de um "jogo de espelhos" do que na da transparência total, dada a específica natureza das suas missões - serem controlados pelo Governo, pelo Conselho de Fiscalização e pelo Sr. Secretário-Geral, e até o próprio Presidente da República pode ter aqui uma palavra.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Mas, será que o entrecruzar de todas estas competências inspectivas funcionará em total benefício da actividade e da eficácia destes mesmos serviços de informações? É uma pergunta a que só o tempo poderá dar razão.
Por último, é ainda de referir que a Assembleia da República passa a poder requerer a presença do Conselho de Fiscalização em sede de comissão parlamentar para prestar informações sobre o exercício da sua actividade e para apreciar os pareceres anuais sobre o funcionamento do sistema de informações, que àquele Conselho cabe produzir.
Há um terceiro objectivo na proposta de lei que se explica por si próprio e que não poderia deixar de ser contemplado numa reorganização do sistema de informações. Referimo-nos à questão da produção de informações militares, que a proposta de lei reserva exclusivamente às Forças Armadas, dado tratar-se de uma actividade relacionada com o cumprimento das suas missões específicas, ficando tal actividade de recolha de informações submetida, nos termos gerais, ao controlo do Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações e da Comissão de Fiscalização de Dados.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei do Partido Comunista é mais um exercício do seu velhíssimo complexo de desconfiar de tudo o que diga respeito à palavra "informações", sendo a exposição de motivos elucidativa a este respeito ao dizer que o SIS vigia movimentos sociais de protesto, que a CIA ensinou agentes do SIS a fazer escutas, que o SIS subcontratou um antigo espião sul-africano, porque estes casos, de pura boataria, nunca foram esclarecidos e não afectaram a credibilidade do serviço.
Por outro lado, o Partido Comunista Português, no seu projecto de lei, "preto no branco", faz fé nos ruídos difamatórios contra os serviços de informações, que, desde há anos, são lançados e depois retomados no Parlamento, e já se sabe quem os provoca, e sempre, sempre, condena o Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações, apenas porque nele não está presente como sempre pretendeu.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Este tipo de alegações só tem por objectivo descredibilizar a actividade dos serviços de informações.
Não posso deixar de recordar o Prof. Adriano Moreira, que o PCP teve a honra de citar no seu projecto de lei, ao trazer a sua opinião de que o Sr. Presidente da República deveria ter acesso directo às informações destes serviços. Mas o Partido Comunista Português esqueceu-se de ler outra parte onde o Prof. Adriano Moreira diz textualmente o seguinte: "Por outro lado, e no que toca à discrição dos serviços, é

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necessário ter em conta que eles, ocupando-se da segurança do País, atendendo a factores externos mas debruçados necessariamente sobre a vida interna do País, precisam de ter credibilidade e confiabilidade em relação ao estrangeiro".

O Sr. António Filipe (PCP): - Exactamente!

O Orador: - "E estamos talvez esquecidos que, entre 1974 e 1984, Portugal deixou de ser receptor de informações da NATO, porque não era confiável como membro da Aliança Atlântica".

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Queira concluir.

O Orador: - Sr. Presidente, vou já terminar, peço-lhe apenas 1 minuto.
O Prof. Adriano Moreira diz ainda: "Não foi uma humilhação para o País mas uma lição de humildade que ele teve de sofrer. Portanto, este problema da confiabilidade e da credibilidade em relação ao estrangeiro é uma questão que temos de pôr na primeira linha".

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - É dever da Assembleia da República assegurar esta credibilidade e, ao mesmo tempo, assegurar que os serviços cumprem as regras que a lei e a Constituição lhes impõem no desenvolvimento da sua actividade, como, aliás, sempre têm feito.
Estes objectivos não são garantidos pelo projecto de lei do PCP, o qual, além do mais, está desenquadrado do enquadramento institucional dos serviços de informações e da partilha de responsabilidades dos diferentes órgãos de soberania, comprometendo o equilíbrio entre os mesmos.
Por tais motivos não votaremos favoravelmente o projecto de lei do PCP.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quando as ameaças à liberdade resultam da acção dos Estados, em nome da segurança ou em nome dessa mesma liberdade, temos razões para nos preocuparmos.
O que acontece, por exemplo, nos Estados Unidos é motivo de preocupação. Os defensores dos direitos cívicos têm apontado o dedo ao presidente Bush precisamente no seu intuito de criar uma espécie de Senhor Antiterrorismo, concentrando poderes nunca antes concentrados.
O que se passa na Federação Russa a propósito do terrorismo com a deturpação da ordem constitucional é também motivo de preocupação.
Por isso mesmo, quaisquer serviços de segurança, ou qualquer Sistema de Informações da República, devem ter uma óptica cidadã e jamais poderão ser instrumentalizados. Ora, o que se verifica nesta proposta de lei é uma clara tendência de governamentalização desses serviços de informações, tendência essa tanto mais grave quanto a história recente está marcada por um manto de opacidade em relação a muitas questões já aqui referidas. Ainda por cima, numa altura em que tanto se discute o bloco central dos interesses na vida política portuguesa, uma vez mais esse bloco central vem, no "segredo dos bastidores", impor uma solução que, neste caso, não só ultrapassa o bloco central como atinge o extremo parlamentar à nossa direita desta Assembleia.

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Está enganado!

O Orador: - A eleição de apenas dois Deputados visa garantir que somente o PSD e o PS possam ter um controlo efectivo do que se passa nestes serviços.
Ainda por cima, a concentração de poder no tal Secretário-Geral, ou, se assim quisermos, no "czar" do Sistema de Informações da República, tem como contraponto um conceito de fiscalização organicamente integrado na própria estrutura, o que não garante condições de imparcialidade.
Por outro lado, o serviço de informações militares continua a ser uma ilha fora de tutela e de fiscalização.

Protestos do Deputado do PSD Jorge Nuno Sá.

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Por isso mesmo, seria de todo em todo aconselhável que o Sr. Presidente da República fosse responsável por esse serviço de informações, já que ele é, ou ainda é, o supremo comandante das Forças Armadas.
Pelas razões aduzidas, pensamos que todo o espírito desta proposta de lei não vai no sentido daquilo que deveria ser hoje, em período de ameaças, em período de terrorismo, não só de grupos mas também de Estados. É precisamente em alturas de dificuldade como estas que se testam as virtudes democráticas e que mais se deve revelar a exigência democrática.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sistema de Informações da República Portuguesa, aprovado pela Lei n.º 30/84, sofreu entre 1995 e 1997 três alterações sem que com isso conseguisse, no essencial, resolver de forma satisfatória os problemas, as questões e as dúvidas levantadas pela não existência de um real e efectivo controlo democrático dos seus serviços - o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e Militares e o Serviço de Informações de Segurança.
Esta questão é tão delicada quanto importante, precisamente por estar em causa, em nosso entender, antes de mais nada, a definição de limites precisos aos serviços de informações obrigatoriamente existentes em democracia, quando se trata de acautelar possíveis violações e legítimas restrições de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos. Como tal, seria desejável que este assunto fosse objecto do mais amplo e cuidado processo de discussão e reflexão, que realmente pusesse em cima da mesa não apenas meras alterações à lei actual, mas também repensasse os serviços de informações que queremos, que, de facto, nos faça sentir mais seguros e de que Portugal precisa.
Seria igualmente desejável que esse processo de discussão e aprofundamento de ideias, tendente à criação dos consensos possíveis, tivesse tido lugar de forma aberta e transparente no seio desta Câmara, quando o próprio sistema de informações, peça fundamental na defesa do Estado de direito democrático, é uma peça defeituosa como tem sido, assim o entendemos desde o seu início, que, em lugar de contribuir para a estabilidade, segurança e saúde da democracia, corre antes o risco de converter-se num factor de insegurança e desconfiança.
A falta de definição clara e objectiva da actividade dos serviços de informações em Portugal, permitindo, escandalosamente, a possibilidade de ingerência nos movimentos e forças livres da sociedade civil, fundamentais para o pulsar da democracia participativa, como é o caso do movimento estudantil, sindical e, até mesmo, o dos partidos políticos, falta essa que, aliada a uma generalizadamente reconhecida e preocupante fragilidade institucional de todo o sistema, por sua vez, levou à total inoperância do Conselho de Fiscalização nos últimos meses, constitui motivos bastantes para nos preocuparmos todos e, reflectindo, reconhecermos ser urgente arrepiar caminho.
Enquanto a lei vigente sancionar ou permitir, sequer, a mera possibilidade de os Serviços de Informações da República Portuguesa virem a ser instrumentalizados, numa completa subversão dos valores da segurança e estabilidade do Estado, no sentido de poderem agir como meios de contenção ao controlo social, ao serviço de interesses e conveniências político-partidárias do momento, o que está posto em causa é a democracia e, por meio dela, o próprio Estado, entendido não como ente abstracto mas como unidade social política e histórico-cultural.
Em nosso entender, os serviços de informações, tal como neste momento estão definidos na actual lei orgânica, não possuem as indispensáveis condições de transparência e controlo democráticos que os coloquem acima das suspeitas e desconfianças que têm minado a sua imagem.
A proposta de lei que hoje analisamos não vem, infelizmente, resolver as insuficiências de que padece o actual quadro legislativo, antes tende ao seu agravamento, quando nos parece estar a dar um passo no sentido da futura unificação dos dois serviços de informações - o SIS e o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa -, ao colocá-los sob a alçada de um mesmo secretário-geral do Sistema de Informações da República, algo que constituiria, a nosso ver, uma solução altamente duvidosa, pela promiscuidade que criaria entre os diferentes planos da segurança interna e externa. Esperemos que tal não venha a acontecer.
Só através do reforço do controlo democrático e do reforço das garantias e direitos fundamentais dos cidadãos será possível devolver a confiança perdida no Sistema de Informações da República Portuguesa. Ora, esse reforço aparece claramente no projecto de lei que o PCP apresentou, quando, por um lado, convoca a participação da figura do Presidente da República não só como garante de direitos liberdades e garantias constitucionais a presidir ao Conselho Superior de Informações e, por outro lado, alarga a composição

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do Conselho de Fiscalização, permitindo, entre outros, a participação fundamental de um alto magistrado judicial, remodelando e alargando ainda os seus poderes efectivos de controlo - razões pelas quais merecerá este projecto de lei a nossa aprovação.

Vozes de Os Verdes e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, uma segunda intervenção brevíssima para me referir a um problema, aqui tratado em diversas intervenções, que é o da fiscalização democrática.
Vários Srs. Deputados de vários partidos falaram da necessidade de fiscalização democrática. Ora, importa salientar a esse respeito que fiscalização democrática sobre os Serviços de Informações é coisa que manifestamente não tem havido.

Vozes do PCP: - Evidentemente!

O Orador: - Em 10 anos de existência legal do Conselho de Fiscalização, ele apenas existiu durante quatro anos e dois meses, isto é, em mais de metade do tempo, ao longo destes 10 anos, pura e simplesmente não houve Conselho de Fiscalização.
Aliás, isso acontece há oito meses e ainda hoje foi adiada mais uma vez a eleição dos membros do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações. Ao contrário do que foi insinuado, não reivindicamos a nossa participação no Conselho de Fiscalização, reivindicamos, sim, que os senhores elejam os vossos representantes e é isso que os senhores não fazem!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Têm o dever legal estrito de o fazer, sob pena de não haver qualquer fiscalização.
Sabemos que, mesmo quando funcionou, o Conselho de Fiscalização nada fiscalizou. Recebemos o último "parecer-chapa" desse Conselho, que diz não ter recebido qualquer informação da DIMIL sobre as suas informações. Depois, o Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional veio à respectiva comissão parlamentar dizer em que data tinha sido enviada. Isto é, as Forças Armadas enviaram a informação e o Conselho de Fiscalização ou não a recebeu ou não a quis receber e fez um parecer a dizer que não tinha recebido. Ora, isto é o descrédito total da fiscalização. Inclusivamente, a pessoa que assinou esse "parecer-chapa" é a actual directora dos Serviços de Informações de Segurança, nomeada pelo XV Governo.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Ora, prezamos muito a credibilidade dos Serviços, mas é preciso dizer que, até à data, os Serviços não fizeram fosse o que fosse para se credibilizarem e que a maioria actual e também (temos de dizê-lo, porque é verdade) o Partido Socialista nada têm feito para que os Serviços possam ter credibilidade e se possam prestigiar aos olhos dos portugueses. E isso que reivindicamos.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Não fomos nós que inventámos a notícia sobre um espião sul-africano do tempo do apartheid que esteve em Portugal a colaborar com o SIS. Isto foi provado judicialmente e não está em segredo de justiça. Pura e simplesmente, o Conselho de Fiscalização não se pronunciou sobre suma questão tão grave como essa.
Apelamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a esta maioria alargada, que vai aprovar esta proposta de lei, que tenha em atenção a necessidade estrita de a Assembleia da República poder fiscalizar, efectiva e democraticamente, os Serviços de Informações, sendo para isso necessário que os senhores, no mínimo dos mínimos, elejam os membros do Conselho de Fiscalização.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, declaro encerrado o debate conjunto, na generalidade, da proposta de lei n.º 135/IX e do projecto de lei n.º 287/IX.
A respectiva votação terá lugar amanhã, à hora regimental.

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Lembro a todos, Sr.as e Srs. Deputados, que amanhã se realizará a cerimónia de transladação e sepultura no Panteão Nacional dos restos mortais do primeiro Presidente Constitucional da República Portuguesa eleito, Dr. Manuel de Arriaga, em execução de uma deliberação tomada unanimemente na Assembleia da República.
Os Srs. Deputados que participarem nesta cerimónia de Estado deverão comparecer junto do Panteão Nacional até às 11 horas e 40 minutos, para se respeitar o protocolo estabelecido.
A próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 15 horas, com período de antes da ordem do dia, constando do período da ordem do dia o debate do projecto de resolução n.º 45/IX - Sobre transparência nas contas públicas (PS) e da apreciação, na generalidade, do projecto de lei n.º 422/IX - Promoção e valorização dos bordados de Castelo Branco (PS).
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Bruno Jorge Viegas Vitorino
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Socialista (PS):
Alberto de Sousa Martins
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves

Partido Popular (CDS-PP):
José Miguel Nunes Anacoreta Correia

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
João Carlos Barreiras Duarte
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira

Partido Socialista (PS):
António Bento da Silva Galamba
José Manuel de Medeiros Ferreira

Partido Popular (CDS-PP):
Manuel Miguel Pinheiro Paiva

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Carlos Manuel de Andrade Miranda
José Manuel Carvalho Cordeiro

Partido Socialista (PS):
João Barroso Soares
José Alberto Sequeiros de Castro Pontes

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José Apolinário Nunes Portada
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho

Partido Comunista Português (PCP):
Maria Odete dos Santos

Bloco de Esquerda (BE):
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOV

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