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Quinta-feira, 5 de Maio de 2005 I Série - Número 16

X LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2005-2006)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 4 DE MAIO DE 2005

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex. mos Srs. Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Fernando Santos Pereira
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Artur Jorge da Silva Machado

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de requerimentos e da resposta a alguns outros, das propostas de lei n.os 6 e 7/X, dos projectos de lei n.os 44 a 49/X e dos projectos de resolução n.os 25 e 26/X.
Foi lida uma mensagem do Sr. Presidente da República acerca da sua decisão de não convocar o referendo proposto pela Assembleia sobre a interrupção voluntária da gravidez, após o que intervieram os Srs. Deputados Heloísa Apolónia (Os Verdes), Luís Fazenda (BE), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Bernardino Soares (PCP), Luís Marques Guedes (PSD) e Alberto Martins (PS).
Em declaração política, o Sr. Deputado Francisco Louçã (BE), a propósito da decisão do Sr. Presidente da República sobre o referendo acerca do aborto, defendeu a necessidade de suspender a lei vigente e a realização de um referendo sobre a matéria ainda em 2005.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Bernardino Soares (PCP) criticou a opção pela via referendária para a alteração da lei em vigor relativa à interrupção voluntária da gravidez e propôs que fosse a Assembleia a aprová-la.
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes (BE) considerou esgotada a solução do referendo com vista à despenalização da interrupção voluntária da gravidez e que deve ser a Assembleia a assumir a alteração da actual lei.
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 84.º do Regimento, o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social (Vieira da Silva) anunciou a reabertura dos trabalhos da Comissão Permanente da Concertação Social, com vista à revisão do Código do Trabalho, centrada na promoção da contratação colectiva, do emprego e formação profissional, da segurança, higiene e saúde no trabalho, da produtividade e competitividade e do combate à fraude e evasão fiscais. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Almeida Henriques (PSD), Luís Fazenda (BE), Pedro Mota Soares (CDS-PP), Ricardo Freitas (PS) e Francisco Lopes (PCP).

Ordem do dia. - Foram apreciados, conjuntamente, dois recursos do PSD de admissibilidade dos projectos de lei n.os 39/X (PCP) e 42/X (BE) - Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, tendo-se pronunciado os Srs. Deputados Paulo Rangel (PSD), Vitalino Canas (PS) - que usou da palavra na qualidade de relator da Comissão

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de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias -, Jacinto Serrão (PS), Luís Fazenda (BE), António Filipe (PCP), Nuno Magalhães (CDS-PP) e Guilherme Silva.
Após leitura, foi depois aprovado o parecer daquela Comissão no sentido de admitir os projectos de lei e de indeferir os recursos apresentados.
Procedeu-se a um debate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar do PSD, sobre a grave situação de seca que o País atravessa, tendo intervindo, a diverso título, além dos Srs. Ministros da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas (Jaime Silva) e do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional (Francisco Nunes Correia), os Srs. Deputados Jorge Moreira da Silva e Mendes Bota (PSD), Ceia da Silva (PS), Alda Macedo (BE), José Soeiro (PCP), Pedro Mota Soares (CDS-PP), Francisco Madeira Lopes (Os Verdes), José Raúl dos Santos (PSD), José Apolinário (PS) e Adão Silva (PSD).
Entretanto, foi aprovado um parecer da Comissão de Ética relativo à substituição de um Deputado do CDS-PP.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 50 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 5 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Ceia da Silva
António José Martins Seguro
António Manuel de Carvalho Ferreira Vitorino
António Ramos Preto
António Ribeiro Gameiro
Armando França Rodrigues Alves
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Carlos Cardoso Lage
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elísio da Costa Amorim
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Glória Maria da Silva Araújo
Guilherme Valdemar Pereira de Oliveira Martins
Horácio André Antunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jacinto Serrão de Freitas
Jaime José Matos da Gama
João Cândido da Rocha Bernardo
João Cardona Gomes Cravinho
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Luís Pereira Carneiro
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Garcia Braga da Cruz
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Luiz Manuel Fagundes Duarte

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Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro
Manuel Luís Gomes Vaz
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos da Cunha e Lorena Perestrello de Vasconcellos
Marcos Sá Rodrigues
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Renato Luís Pereira Leal
Ricardo Jorge Teixeira de Freitas
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Susana de Fátima Carvalho Amador
Teresa Maria Neto Venda
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Pinheiro Pereira
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Joaquim Almeida Henriques

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António Paulo Martins Pereira Coelho
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Domingos Duarte Lima
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando dos Santos Antunes
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Gonçalo Nuno Mendonça Perestrelo dos Santos
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Jaime Carlos Marta Soares
João Bosco Soares Mota Amaral
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Manuel Lopes Moreira da Silva
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Freire Antunes
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Amaral Lopes
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Mendes Bota
José Pedro Correia de Aguiar Branco
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Filipe Correia de Jesus
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Henrique de Almeida Santos David
Mário Patinha Antão
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Zita Maria de Seabra Roseiro

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Partido Comunista Português (PCP):
Abílio Miguel Joaquim Dias Fernandes
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Francisco José de Almeida Lopes
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
Miguel Tiago Crispim Rosado

Partido Popular (CDS-PP):
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Teresa Margarida Figueiredo Vasconcelos Caeiro

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
Ana Isabel Drago Lobato
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai proceder à leitura do expediente.

A Sr.ª Secretária (Maria Carrilho): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: propostas de lei n.os 6/X - Estabelece regras para as nomeações dos altos cargos da Administração Pública, que baixou à 1.ª Comissão, e 7/X - Segunda alteração da Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, que estabelece a Lei de Bases do Sistema Educativo, regulando a organização de Graus e Diplomas do Ensino Superior, na sequência do processo Europeu de Bolonha, que baixou à 8.ª Comissão; projectos de lei n.os 44/X - Consagra as associações dos direitos e interesses dos utentes do sector da saúde (BE), que baixou à 10.ª Comissão, 45/X - Institui um novo regime para a remissão de pensões resultantes de acidentes de trabalho (BE), que baixou à 11.ª Comissão, 46/X - Altera o Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, que aprova o Código de Processo do Trabalho, e a Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, que cria o Fundo de Acidentes de Trabalho, instituindo um novo regime processual para o processo para a efectivação de direitos resultantes de acidentes de trabalho (BE), que baixou à 11.ª Comissão, 47/IX - Alteração à Lei n.º 5/2001, de 2 de Maio, que considera o tempo de serviço prestado na categoria de auxiliar de educação pelos educadores de infância habilitados com cursos de formação a educadores de infância para efeitos da carreira docente (PCP), que baixou à 8.ª Comissão, 48/X - Regime jurídico do mergulho desportivo (PCP), que baixou à 8.ª Comissão, e 49/X - Criação da freguesia de Rapoula, concelho da Guarda, distrito da Guarda (PS), que baixou à 7.ª Comissão; e projectos de resolução n.os 25/X - Recomenda ao Governo a renegociação do contrato de concessão da sociedade FERTAGUS (PCP) e 26/X - Constituição de uma Comissão Eventual para a Revisão Constitucional Extraordinária (Presidente da AR).
Foram também apresentados diversos requerimentos no dia 26 e na reunião plenária de 27 de Abril -

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aos Ministérios da Saúde, da Economia e da Inovação e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Heloísa Apolónia, António Galamba e Honório Novo; aos Ministérios do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional e da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulados pelos Srs. Deputados António Gameiro e José Soeiro; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Miranda Calha; e aos Ministérios dos Negócios Estrangeiros, da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e do Trabalho e da Segurança Social, formulados pelas Sr.as Deputadas Luísa Mesquita e Alda Macedo.
O Governo respondeu a um requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Francisco Louçã no dia 28 de Abril.
Em termos de expediente é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, vou dar-vos conta de uma mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República, que é do seguinte teor: "Decidi não convocar o referendo proposto pela Assembleia da República sobre a interrupção voluntária da gravidez porque entendi não estarem asseguradas as condições mínimas adequadas a uma participação significativa dos portugueses.
Com efeito, face aos prazos e limites em vigor no actual quadro jurídico, o referendo que me foi proposto teria de ser obrigatoriamente convocado para um domingo no próximo mês de Julho, ou seja, seria necessariamente realizado numa altura em que muitos portugueses já se encontram de férias. Para tal facto alertei antecipadamente os partidos com representação parlamentar.
Não obstante a importância do referendo enquanto instrumento privilegiado de exercício democrático do poder político, há que reconhecer que, do ponto de vista da participação dos cidadãos, a nossa anterior experiência revelou fragilidades cuja repetição importa prevenir, sob pena de o próprio instituto acabar por ser decisivamente posto em causa.
Acresce que o tema da interrupção voluntária da gravidez foi já objecto de um referendo de muito escassa participação, mas cujo resultado, se bem que não juridicamente vinculativo e com uma votação muito dividida entre o "não" e o "sim", resultou, na prática, num bloqueio legislativo cuja persistência é cada vez mais discutida. Importa, pois, assegurar que a próxima consulta popular sobre a mesma matéria se realize em condições de significativa participação cívica.
De resto, a conveniência de realização de um novo referendo é hoje partilhada por um amplo conjunto das forças políticas representadas na Assembleia da República, pelo que a recusa de convocação de que agora dou conta não deve ser interpretada como rejeição política do conteúdo da proposta que me foi apresentada, mas antes como incentivo à realização do referendo em circunstâncias mais adequadas na perspectiva de uma cidadania activa e participada.
Por último, as dificuldades objectivas que relativamente a esta proposta e à que incide sobre o tratado constitucional europeu tão evidentemente se manifestaram, colocam-nos perante a inadiável necessidade de repensarmos a adequação do conjunto dos prazos e limites circunstanciais, temporais e materiais que, entre nós, envolvem a realização dos referendos. Tendo sido desencadeado um processo de revisão constitucional extraordinária, será essa uma oportunidade excelente para correcção prévia dos requisitos e condicionamentos que se têm revelado mais problemáticos ou desajustados."
Srs. Deputados, está aberto um período de debate para os partidos que o desejarem se pronunciarem sobre o conteúdo desta mensagem. Cada grupo parlamentar disporá de 2 minutos para o efeito.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Presidente da República decidiu pela não realização do referendo sobre o aborto, considerando que não havia condições objectivas para a sua realização.
Na perspectiva de Os Verdes, a figura do referendo ao aborto está, neste momento, totalmente esgotada. Por isso, Os Verdes consideram que a Assembleia da República e os seus Deputados têm de assumir as suas responsabilidades e, de uma vez por todas, assumir a alteração à lei penal, por forma a despenalizar a interrupção voluntária da gravidez, a pedido da mulher, nas primeiras semanas de gravidez.
Perante o drama do aborto clandestino em Portugal; perante o drama a que assistimos regularmente nos últimos tempos de mulheres sentadas no banco dos réus por terem optado por fazer um aborto; perante o drama com que o País se confronta, os Deputados têm de assumir a sua responsabilidade. E os portugueses não compreenderiam a teimosia de alguns grupos parlamentares de não assumirem esta responsabilidade.
Assim, Os Verdes consideram que os portugueses não compreenderiam que alguns grupos parlamentares fossem invocando outras invenções, outros mecanismos, de modo a adiar, mais uma vez, a resolução deste problema, como, por exemplo, alguns que já foram anunciados: a possibilidade de reflectirmos sobre o términos e o início de sessões legislativas ou a utilização do processo já aberto de revisão constitucional para encontrar outras possibilidades de realização de referendos não coincidentes com actos eleitorais,…

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, queira concluir.

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A Oradora: - … especificamente para que se pudesse concretizar este referendo ao aborto.
Os portugueses não compreendem que o Partido Socialista "passe a bola" para o Sr. Presidente da República e não entenda que o Sr. Presidente da República voltou a "passar a bola" para esta Assembleia da República. A leitura que fazemos é que o Sr. Presidente da República foi muito claro: a Assembleia da República tem de resolver este drama do aborto clandestino em Portugal e tem, de uma vez por todas, de alterar a legislação.
Assumamos as nossas responsabilidades, Srs. Deputados!

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Sr. Presidente da República recusou a realização do referendo que lhe era proposto pela Assembleia da República, acrescentando que não tem objecção política à iniciativa mas, contudo, acha inadequado que se ele realize num domingo de Julho, previsivelmente no primeiro.
O Bloco de Esquerda respeita a decisão do Sr. Presidente da República, no entanto manifesta veementemente a sua discordância política pelo acto e pela decisão.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, o motivo invocado é, a nosso ver, um falso pretexto. Alega o Sr. Presidente da República que no primeiro domingo de Julho há muitos portugueses em férias. Dando de barato que a maioria dos portugueses passa férias na sua residência habitual, o que haveria aqui que averiguar era se haveria uma deslocação anómala de uma parte do eleitorado no período em questão, uma deslocação para fora da sua residência habitual. Ora, isso não se verifica nos primeiros dias de Julho.
Diremos até, ao invés, que durante o mês de Junho, e na sequência do conjunto de feriados e de "pontes", seria até uma altura bastante pior para a mobilização do eleitorado, ou até no período de Outubro, uma altura também de "pontes", pois aí, sim, há uma deslocação muito significativa do eleitorado.
Na verdade, já tivemos actos eleitorais quer em Junho quer em Outubro, próximos dessas "pontes" ou no seu limite, e sempre soubemos lidar com essas dificuldades inerentes à participação dos eleitores.
Temos, por isso, a nosso ver, que o Sr. Presidente da República, quanto a nós erradamente, tomou uma decisão política,…

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - … embora não se pronunciando quanto ao fundo da questão e não enjeitando a possibilidade de um referendo sobre o aborto, deixando uma situação extremamente difícil, para não dizer impossível, para que se realize um referendo sobre a despenalização voluntária da gravidez no limite do seu mandato.
Acerca disto, só podemos manifestar o nosso protesto, criticar a opção assumida pelo Sr. Presidente da República e entender que, nestas circunstâncias, a Assembleia da República tem todas as capacidades e legitimidade para levar o processo legislativo até ao fim. Não poderemos adiar mais, não deveremos adiar mais.
Os partidos que se comprometeram na campanha eleitoral com a realização de um referendo tudo teriam de fazer e tudo fizeram para que ele se realizasse o mais depressa possível. Não podendo ocorrer essa possibilidade, creio, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, que aqueles que assumiram esses compromissos estão neste momento desobrigados deles e estão, única e simplesmente, obrigados pela sua consciência e pela política necessária para despenalizar o aborto, sem mais adiamentos, sem mais burocracias e sem mais conflitos de competências, que os portugueses, especialmente as portuguesas, jamais entenderiam.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quando, no passado dia 20 de Abril, se discutiram aqui, em Plenário, as várias iniciativas legislativas da esquerda e da extrema esquerda sobre a descriminalização e a despenalização do aborto, o CDS, reiterando o que em conferência de imprensa já dissera dias antes, denunciou uma fraude de uma pergunta que, devendo dirigir-se aos portugueses em referendo, não reproduzia a solução que o Partido Socialista queria aprovar.

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Vozes do CDS-PPP: - Muito bem!

O Orador: - Dissemos, então, que o PS queria despenalizar o aborto até às 16 semanas, mas que o PS queria perguntar aos portugueses a posição acerca de coisa completamente diferente, ou seja, acerca da descriminalização do aborto e apenas até às 10 semanas.
Recordo como, então, a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos, desde aquela bancada, nos atacava e violentamente apelidava de "estapafúrdia" a nossa intervenção. E afirmava aqui que a pergunta tinha total coerência com o projecto de lei.

Protestos da Deputada do PS Sónia Fertuzinhos.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - É verdade!

O Orador: - Pois é! A verdade é que, passados dias, o PS lá deixou cair o aborto até às 16 semanas e lá fez, ao menos nessa parte, a coincidência entre a solução legislativa e o que pretendia perguntar aos portugueses.

Aplausos do CDS-PP.

Foi a primeira grande vitória parlamentar do CDS nesta Legislatura, porque se tratou, em bom rigor, de uma questão suscitada pelo CDS, dias antes, em conferência de imprensa.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Mota Andrade (PS): - Que exagero!

O Orador: - Mas, muito mais do que isso, foi uma grande vitória de todos aqueles que defendem a vida como princípio de civilização.

O Sr. Francisco Louçã (BE) - Com mulheres na prisão!

O Orador: - Antes disto, tínhamos também criticado a forma como o Partido Socialista vinha alterando aquilo que seria a sua normal agenda parlamentar para ceder ao populismo da extrema esquerda, a propósito de um referendo em Julho, contra tudo aquilo que seria razoável.
Dissemos, nessa altura, que, se o problema era o da abstenção, então, o Partido Socialista teria de ser coerente com o que defendera a propósito do referendo ao Tratado Constitucional Europeu. A propósito deste referendo, invocando a questão da abstenção, o Partido Socialista defendeu que ele fosse feito em simultâneo com as eleições autárquicas.

Vozes do CDS-PP: - É verdade!

O Orador: - E então, dissemos nós, se este era o critério (porque em Julho, mandava a razão, nunca essa abstenção seria combatida com eficácia), fosse o referendo ao aborto, a ser inevitável, cumulado, por exemplo, com as eleições presidenciais. Não nos ouviram!
Verificamos, Sr. Presidente - e termino -, que o Sr. Presidente da República acolheu aquilo que era o essencial da nossa argumentação.

Protestos do Deputado do PCP Bernardino Soares.

Mais uma vez, o Partido Socialista se enganou. Mas, desta vez, o Sr. Presidente da República teve bom senso, teve muito sentido de Estado, e saudamo-lo por isso.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Intervirei com brevidade sobre esta mensagem, uma vez que vamos fazer uma declaração política sobre esta temática, dizendo que se trata de uma decisão que não se pode qualificar de imprevisível, que reconduz a questão aonde, julgamos, ela nunca deveria ter saído, ou seja, à Assembleia da República e à sua competência para legislar sobre esta matéria, e vem confirmar que o caminho seguido, no respeitante à opção de referendo nesta matéria, foi um caminho que trocou o certo pelo incerto e criou dificuldades naquilo que deve ser um objectivo

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imediato da Assembleia da República e da maioria dos partidos e dos Deputados que defendem a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, isto é, levar por diante esta reforma sem mais subterfúgios. E se isto era verdade a 20 de Abril, é verdade também, e ainda mais, neste momento em que intervimos sobre esta mensagem.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É evidente que o Partido Social Democrata se congratula com esta decisão do Sr. Presidente da República, no sentido de não convocar o referendo sobre o aborto.
Trata-se, a nosso ver, de uma decisão do Sr. Presidente da República que é sensata, acertada, e que vem ao encontro das posições que o Partido Social Democrata defendeu sobre o tema. É uma decisão sensata porque vem pôr algum bom senso sobre a disparatada disputa que se abriu entre a bancada do Partido Socialista e a do Bloco de Esquerda relativamente à agenda de funcionamento desta Casa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - De resto, abriu-se uma disputa disparatada à revelia daquilo que era a agenda política anunciada pelo Governo socialista aquando da sua tomada de posse.

A Sr.ª Zita Seabra (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É também uma decisão acertada porque, indiscutivelmente, acolhe uma definição clara de prioridades políticas dentro da agenda que temos pela frente em termos de sufrágios, sejam eles eleitorais sejam eles sufrágios referendários.
O Partido Social Democrata foi sempre muito claro relativamente às suas prioridades, o Partido Socialista pareceu, num primeiro momento, ter também clareza nas suas prioridades mas rapidamente descambou para um desvario político que acabou nisto, com prejuízo evidente para quem entende que deve haver um novo referendo sobre o aborto.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em terceiro lugar, Sr. Presidente, quero afirmar que esta decisão do Sr. Presidente da República vem pôr um ponto final num assunto em que, de uma forma algo incompreensível, um partido maioritário, a reboque de um partido minoritário desta Câmara, se deixou enredar numa querela de agendas políticas,…

Aplausos do PSD.

… criando uma enorme trapalhada que terá até originado problemas e atrasos sérios relativamente à concretização de uma matéria que, manifestamente, merecia ter tido outro tratamento, um tratamento de maior elevação e de maior responsabilidade por parte do Partido Socialista.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista compreende e respeita a posição do Sr. Presidente da República. Aliás, o Partido Socialista sempre respeitou, hoje como no passado, as decisões e as posições do Sr. Presidente da República.

O Sr. Mota Andrade (PS): - Muito bem!

Vozes do PSD: - Tem dias!

O Orador: - Estamos de acordo com o Sr. Presidente da República quando ele manifesta um conjunto de preocupações que nos levam a concluir que o referendo deve ser feito em condições de participação. E nós iremos tomar a iniciativa da realização desse referendo, em nome do respeito pelos portugueses.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - O Governo e o Partido Socialista foram sufragados pela maioria dos portugueses e assumiram um compromisso perante eles de realizarem o referendo. E vão fazê-lo!

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Vão fazê-lo em respeito pelo Programa de Governo, em respeito pelos nossos objectivos, em respeito pela nossa responsabilidade, em respeito pela nossa agenda. Nós não temos as agendas dos outros.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Não há, felizmente para as mulheres portuguesas e para a justiça na sociedade portuguesa, um ponto final nesta matéria. Por isso, no início da próxima sessão legislativa, em 15 de Setembro - como já o dissemos -, apresentaremos um projecto de referendo em termos idênticos àqueles que apresentámos em sede de especialidade, para ser sufragado pelos portugueses.

Protestos do Deputado do PCP Honório Novo.

Faremos isto, naturalmente, em 15 de Setembro de 2005, como a Constituição consagra e exige. Está no texto constitucional.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado este período de reflexão sobre a mensagem do Sr. Presidente da República.
Dou agora a palavra ao Sr. Deputado João Pinho de Almeida, que a pedira, para uma interpelação à Mesa.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, interpelo V. Ex.ª no sentido de obter um esclarecimento sobre a organização dos nossos trabalhos.
Temos agendado, para reunião plenária a realizar de amanhã a oito dias, um debate sobre a proposta de lei relativa à alteração da Lei de Bases do Sistema Educativo. Acontece que tal documento é, obviamente, muito importante, é estruturante da política de educação, mas ainda não temos conhecimento do texto dessa proposta apresentada pelo Governo.
Estamos a pouco mais de uma semana deste debate mas não podemos prepará-lo com a antecedência que entendemos ser necessária e, pior ainda, estamos condicionados na apresentação de iniciativas alternativas, porque não conhecemos o alcance da alteração proposta pelo Governo.
O que solicito ao Sr. Presidente, uma vez que foi anunciado já ter a proposta dado entrada na Mesa, é se nos pode ajudar no sentido de termos conhecimento o mais depressa possível da proposta apresentada pelo Governo.
Em segundo lugar, solicito o esclarecimento do Sr. Presidente sobre a interpretação que a Mesa faz do artigo 153.º do Regimento, dizendo-nos nomeadamente qual o prazo que a Mesa vai conferir a todos os grupos parlamentares para apresentarem iniciativas alternativas a serem discutidas nessa quinta-feira, dia 12.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Pinho de Almeida, a proposta de lei deu entrada na Mesa, como foi anunciado no início desta sessão plenária, foi distribuída à comissão competente e aos grupos parlamentares. O prazo para apresentação de propostas de alteração em relação a esta iniciativa é o normal para um debate parlamentar normal. Penso que as propostas de alteração serão acolhidas.
Este debate reveste-se de grande importância para o nosso país e o Sr. Deputado tem ao seu alcance todos os meios regimentais para nele intervir, dispondo também, a partir de agora, do conhecimento oficial da proposta governamental anunciada.
Srs. Deputados, vamos, então, passar à parte do debate destinada às declarações políticas.
Para proferir uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Presidente da República comunicou hoje à Assembleia da Republica a sua decisão de não convocar o referendo sobre o aborto, que tinha sido proposto por grande maioria desta Assembleia, com dois grupos parlamentares em oposição, o do CDS e o do PCP.
Naturalmente, respeitamos a decisão do Presidente, mas não concordamos com ela. O Presidente, aliás, aceita o princípio do referendo e considera importante e inadiável a alteração da lei, como a sua carta ao Parlamento torna explícito, mas competia-lhe exclusivamente a decisão sobre o momento dessa

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consulta, para assegurar as melhores condições democráticas.
É certo que o facto de o Parlamento ter votado a resolução propondo o referendo somente no dia 20 de Abril, reduziu excessivamente os prazos de consulta ao Tribunal Constitucional para que o referendo se pudesse realizar antes do Verão. E esta é uma responsabilidade exclusiva desta Câmara, em que o atraso de uns e o boicote de outros favoreceram o impasse.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - Está, assim, o Parlamento confrontado com a decisão presidencial e forçado, em consequência, a retomar o debate sobre como deve ser alterada a lei que criminaliza e persegue as mulheres que abortam em Portugal.
Começando pelo princípio: alterar ou não a lei é a primeira escolha que devemos fazer e ela opõe profundamente a esquerda e a direita.
A direita finge inocência, alegando que se trata agora de uma mera questão de agenda política. Ora, pelo contrário, o que importa é saber por que é que durante os últimos sete anos se manteve a situação criminalizadora e a consequente perseguição e humilhação das mulheres, e se queremos ou não acabar com esta vergonha.
A direita quer que tudo fique na mesma. Aliás, a direita e a extrema-direita apresentam dois únicos argumentos para manter a lei, um novo e um velho. O argumento novo é de Zita Seabra: a lei portuguesa seria igual à espanhola mas os médicos recusam-se a aplicá-la e é a infinita maldade da polícia e do ministério público que provoca os julgamentos.
Como é curioso ver o PSD agora a usar como argumento, para que o crime fique na lei, que as mulheres podem fazer um aborto quando quiserem, apesar de a lei as condenar a 3 anos de prisão. Registemos, com emoção, este momento único em que o PSD atribui as culpas da lei ao sistema de justiça, que tem por dever aplicar a lei.
O outro argumento, mais velho, é o da extrema-direita, segundo o qual se pode evitar sempre o aborto e, portanto, deve impor-se a ameaça da prisão. Em cada debate, apresentam-nos o que alegam ter sido feito para proteger as mulheres - pura hipocrisia!
Já há cinco anos respondia aqui a Deputada Ana Manso, do PSD, a estas alegações. Dizia ela: "Sejamos francos e directos, o problema, no essencial, mantém-se. E tudo isto sucede porque, passado o tempo do referendo, nada de importante foi feito (…)". E concluiu ela: "Nada de essencial foi feito porque também nesta matéria - ou sobretudo nesta matéria - a hipocrisia é mais do que muita".

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - Só se combate o aborto clandestino, que vitima muitas mulheres, mudando a lei, como em toda a Europa.
Ora, a direita quer manter a lei mas está dividida sobre isso. No PSD, na anterior legislatura, mais de 30 Deputados defenderam a despenalização; no CDS-PP, onde um Deputado, que já não está na Sala, defende que uma mulher violada e que aborte deve ser julgada e presa, também Pires de Lima defende a despenalização. E é porque está dividida que a direita só se unifica na sabotagem legislativa e na chantagem com o objectivo de adiar ao máximo a mudança da lei.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - Ora, pelo contrário, a esquerda une-se na necessidade de mudar a lei tão depressa quanto possível. E foi por isso que defendemos, depois do referendo não vinculativo de 1998, que a mudança da lei deveria ser apoiada por uma consulta popular. Nunca concordámos com a ideia de que assim "se trocaria o certo pelo incerto", pois não temos nenhuma dúvida de que uma consulta popular participada determinará a alteração da lei e que a maioria das portuguesas e dos portugueses assim o exige.
O referendo é a forma democraticamente mais forte e mais conclusiva para acabar com a vergonha da perseguição às mulheres, e quem tem medo do referendo tem sempre uma posição fraca e temerosa. Nós não temos medo da maioria; somos a maioria e assim se provará quando houver referendo.

Aplausos do BE.

Mas, porque fizemos tudo para que houvesse referendo e sempre constatámos que o referendo assustou a direita, insistiremos também, agora, na sua realização em tempo útil.
Fizemos tudo e não se poderia ter feito mais pela realização do referendo, mas não aceitamos o adiamento para 2007. Nenhum Deputado ou nenhuma Deputada de esquerda pode aceitar o adiamento do referendo para 2007, porque é irresponsável, é desumano e seria uma mentira aos eleitores.
O PS comprometeu-se a mudar a lei. Poderá esperar até metade da legislatura para cumprir uma

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promessa feita aos seus eleitores?
A esquerda comprometeu-se com a mudança da lei. Poderemos aceitar mais julgamentos, mais perseguições e mais humilhações?
Todos os estudos de opinião provam que os portugueses querem esta mudança, e querem-na agora! E ela não é a agenda do Bloco de Esquerda, como sugere Ribeiro e Castro ou como repete Marques Mendes, é a agenda da prioridade do respeito pelas mulheres e do fim dos julgamentos, porque a esquerda está com as vítimas e a direita com os carrascos e os perseguidores.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, não podemos esperar mais. Compete por isso ao Partido Socialista, que é maioria absoluta no Parlamento, esclarecer se garante as condições para a realização de um referendo ainda em 2005, ou seja, se garante uma maioria para a revisão da Constituição e de outras leis que torne possível esse referendo agora. Pelas indicações actuais, essa garantia não está em condições de ser afirmada neste Parlamento.
Por isso, o Bloco de Esquerda, nunca se afasta do essencial: o Parlamento tem de escolher agora entre continuar o processo referendário em 2005 ou aprovar a nova lei sem esperar pelo referendo, se este for adiado para 2007. E essa decisão deve ser tomada agora.
Se não houver referendo em 2005, a Assembleia não pode esperar mais tempo, deve alterar a lei. Tem mandato para isso, tem legitimidade para isso e, acima de tudo, tem a obrigação de o fazer.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Faz um despacho!

O Orador: - Naturalmente, em 2007, poderá a direita vir pedir um referendo para revogar a nova lei e para voltar a impor a pena de três anos para as mulheres que tenham abortado. Aceitaremos esse referendo, Sr.as e Srs. Deputados do PSD e do CDS, mas estamos certos de ganhá-lo se a direita o propuser. O País não aceita que a perseguição continue e quando voltarem a propô-la ela será rejeitada.
Portanto, estamos aqui, como sempre, empenhados em corrigir uma injustiça. Não se adia uma lei justa e é a democracia que nos exige que a maioria deste Parlamento tome a iniciativa sem ceder à chantagem da direita.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Infelizmente confirmaram-se as nossas previsões em relação ao imbróglio a que conduziria a opção pela via referendária, escolhida pelo PS e pelo Bloco de Esquerda no passado dia 20, no que respeita à questão da despenalização da interrupção voluntária da gravidez.
No final desse debate afirmámos que, afinal, quem tinha vencido era mais uma vez a direita e as suas posições, e o resultado está à vista.
A situação criada pela recusa do Presidente da República em convocar o referendo então proposto é bem demonstrativa do desastre em que esta opção se tornou.
A direita rejubila com a situação e mantém a hipócrita e repugnante defesa da situação actual. Nalguns casos vai falando, com o desplante de quem não se importa que as mulheres sejam perseguidas e julgadas, na similitude das leis portuguesa e espanhola, como se não houvesse pelo menos uma diferença fundamental: é que, em Espanha, nenhuma mulher é tratada como criminosa, nenhuma mulher se senta no banco dos réus por ter tido que recorrer à interrupção voluntária da gravidez, mas, em Portugal, isso continua a acontecer, porque a aplicação prática da nossa lei a isso conduz.
Há até quem, como o PSD, mesmo estando em minoria, consiga impor a realização primeira de um referendo sobre a Europa, que poderia realizar-se durante todo o ano de 2006, antes de qualquer abordagem da questão do aborto.
À direita nada de novo; tudo velho, tudo na mesma!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas muitas portuguesas e portugueses olham hoje estupefactos para esta situação, não por causa dos partidos que contrariam a despenalização do aborto, já se conhecem as suas posições, mas por causa da posição daqueles que a defendem. É hoje cada vez mais incompreensível, mesmo para muitos que admitiram a opção do referendo, que se continue a desperdiçar a capacidade de a Assembleia da República, com toda a legitimidade jurídica e política que efectivamente tem, decidir sobre a matéria.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!

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O Orador: - Na realidade, a monumental trapalhada em que esta questão está envolvida não tem fim à vista e confirma que, tal como dissemos em 20 de Abril, não despenalizar na Assembleia da República foi trocar o certo pelo incerto.

Vozes do PCP: - É verdade!

O Orador: - Os anúncios de que pelo menos o Partido Socialista pretende reincidir no mesmo caminho deixam-nos estupefactos, e as justificações ainda mais.
Anuncia o Partido Socialista que quer voltar a apresentar o mesmo referendo, apesar da limitação constitucional que impede que isso aconteça na mesma sessão legislativa, baseando-se na mais do que frágil interpretação de que em Setembro próximo iniciaremos outra sessão legislativa.
Outros vão avançando com a ideia da tripla consulta: eleições autárquicas, referendo europeu e referendo sobre a despenalização do aborto, o que seria a confusão total. É uma proposta que só pode compreender-se pelo desespero de quem vê que conduziu o processo a um beco sem saída.
Outros ainda levantam a possibilidade de ser o Governo a apresentar a proposta de referendo, esquecendo que este só pode propor referendos em questões da sua competência e que a matéria criminal integra a reserva de competência da Assembleia da República.
Entretanto, alguns, como o Bloco de Esquerda no seu projecto de revisão constitucional, avançam com a alteração dos prazos do referendo, matéria que em abstracto merece certamente discussão, mas que no concreto significa reabrir a porta a um eventual referendo após as autárquicas, tão incerto na sua concretização como o que acabou de claudicar, e que seria viável se houvesse alteração da Constituição, se houvesse acordo do PSD ou se o Presidente da República o convocasse. Se,… se,… se…
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A 20 de Abril já não havia nenhuma razão para que a Assembleia da República não assumisse plenamente as suas competências nesta matéria; agora muito menos.
É preciso pôr fim às hesitações, aos taticismos, às sucessivas querelas que abrem o campo à direita e que perpetuam esta lei. Enquanto hesitam e cedem à agenda da direita, os partidos que defendem a despenalização adiam esta tão urgente reforma. E com isso se mantém a lei da humilhação, da perseguição das mulheres, dos julgamentos e eventuais condenações; com isso se mantém o drama do aborto clandestino para mais de 20 000 mulheres portuguesas por ano. Cada dia que passa, muitas dezenas de mulheres são empurradas para esta clandestinidade e indignidade em que arriscam a saúde e a vida.

Aplausos do PCP.

É pois tempo de dizer basta! Já chega desta vergonha!
Por isso nos dirigimos hoje, em particular, aos Srs. Deputados do Partido Socialista, não já para discutir o percurso passado mas o futuro.
Há momentos da vida política em que é preciso um assomo de coragem e de determinação para enfrentar as questões difíceis. É isso que se exige neste momento do Partido Socialista: que não se deixe mais enredar nas teias que, de incidente em incidente, vão adiando a tão indispensável como justa despenalização da interrupção voluntária da gravidez.
Por isso, estando inviabilizado o referendo proposto pelo PS e pelo Bloco de Esquerda, fazemos um desafio: que se conclua o processo legislativo…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - … iniciado com a aprovação, na generalidade, do projecto de lei do Partido Socialista, com vista à aprovação de uma lei justa para as mulheres, tolerante com todas as convicções e que contribua para resolver o grave problema de saúde pública que constitui o aborto clandestino.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Para além da retrógrada direita, que contestará tudo o que for no sentido de uma lei penal justa nesta matéria, ninguém virá cobrar ao Partido Socialista o compromisso de repetir a proposta de um referendo que já tentou fazer mas que acabou por não ter vencimento.
O que os portugueses cobrarão ao Partido Socialista é o seu compromisso de despenalização. O PS precisa de clarificar que o seu compromisso não é meramente o de convocar um referendo mas o de despenalizar a interrupção voluntária da gravidez.
O que ninguém compreenderá é que o Partido Socialista troque mais uma vez aquilo que está na sua mão, a despenalização na Assembleia da República, por aquilo que não depende de si, a convocação de um referendo. É este sobressalto democrático que se exige agora ao Partido Socialista e a todos os

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homens e mulheres empenhados, que consideram que o país não pode mais ter uma lei que faz das mulheres criminosas.
Daqui a pouco menos de dois meses terão passado sete anos sobre o referendo à despenalização do aborto. É o tempo mais do que justo, mais do que suficiente, para que a questão seja definitivamente resolvida! O tempo é agora! Despenalização já!

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Sr. Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, em mensagem dirigida à Assembleia da República, informou, sem surpresa, que não iria convocar o referendo proposto para a interrupção voluntária da gravidez (IVG).
Com efeito, no seguimento dos vários sinais que o Sr. Presidente da República vinha dando a todos os responsáveis políticos, muito antes da discussão e votação dos projectos de lei sobre a despenalização da IVG apresentados nesta Legislatura, designadamente declarando que não era favorável à realização de uma consulta referendária antes do Verão e que havia necessidade de respeitar a possibilidade de existir um debate democrático aprofundado, era absolutamente previsível que o referendo não seria convocado.
O Sr. Presidente da República já assumiu que vê com bons olhos a alteração da actual lei que criminaliza as mulheres que se vêem obrigadas a realizar a IVG.
No discurso que o Chefe de Estado proferiu na celebração dos 31 anos do 25 de Abril, intervenção durante a qual o Sr. Presidente da República não referiu directamente o grave drama da nossa sociedade actual, o aborto clandestino, deixou, no entanto, bem claro para quem quis ouvir que "Cabe aos dirigentes políticos, a todos os dirigentes políticos, assumir as suas responsabilidades com auto-exigência, conscientes de que as soluções de rotina e de continuidade não chegam para enfrentar os graves desafios que temos. Há muito a fazer e ninguém pode olhar para o lado e achar que a responsabilidade é do outro.".

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E continua: "Repito: não há tempo a perder nem responsabilidades a transferir. Que cada um assuma as suas."
Ora, a leitura que nós, Os Verdes, entendemos ter de fazer-se desta postura é precisamente a de que o próprio Presidente da República entende que a Assembleia da República deveria assumir as suas responsabilidades nesta matéria em lugar de remeter e de adiar a questão para um referendo de verificação e de resultados incertos.
Ora, é exactamente isso que este Parlamento, por culpa de quem defende o referendo, não está a fazer; a assumir as suas responsabilidades. As suas responsabilidades de, enquanto órgão legiferante máximo e Casa da democracia representativa pluralista, agir, na senda do compromisso eleitoral assumido não só pelo partido que ganhou as eleições mas por todas as forças de esquerda que viram a sua representatividade reforçada depois de 20 de Fevereiro, no sentido de mudar a actual lei penal no que toca ao aborto.
Para nós, é clara a actual situação criada pelo Partido Socialista, que se tornou cúmplice do prolongamento da actual situação de sofrimento, de repressão e de morte e do adiamento da sua resolução sem data marcada, ao recusar-se a assumir as responsabilidades que lhe cabem enquanto grupo parlamentar que defendeu a despenalização da IVG, e presumo que ainda defende, e não agindo nesta sede, na Assembleia da República saída das últimas eleições com uma clara vitória das forças de esquerda nela representadas, como o fizeram Os Verdes e o PCP, no sentido de realizar de imediato a mudança desejada da nossa actual lei penal, claramente injusta e desajustada face à realidade social existente e absolutamente desastrosa em termos de saúde pública para as mulheres portuguesas.
É ainda absolutamente claro, para Os Verdes, que está na altura de reconhecer que, tendo falhado o recurso ao referendo, as responsabilidades de mudarmos desde já a lei saem ainda mais reforçadas.
Com efeito, pela nossa parte, sempre defendemos que deveria ser a Assembleia da República a desenvolver o processo legislativo para alterar a lei, desde logo porque tratando-se, como é reconhecido, de uma questão de consciência individual e pessoal de cada um, não só dos Deputados mas principalmente das mulheres que se vêem confrontadas com o drama pessoal de ter fazer essa escolha, ela não deve ser referendada. Mas, para além disso, é preciso reconhecer que a solução de referendo se encontra esgotada e que sem uma actuação imediata deste Parlamento não há solução à vista.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - É verdade!

O Orador: - O PS, nesta matéria, tem andado permanentemente a fugir e a "chutar a bola", ora para a frente ora para trás, demonstrando que não está, de facto, empenhado na resolução desta questão.
O PS não pode esquecer-se de que se assumiu no seu programa eleitoral a realização do referendo,

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solução agora esgotada, assumiu igualmente para com os portugueses o compromisso de despenalizar a IVG. A prioridade dada ao compromisso do referendo em detrimento do compromisso de mudar a lei não pode deixar de ter essa leitura política.
É aflitivo, de facto, ver como o PS tem agido ao longo de todo este processo.
Começou por "lavar as mãos" passando a questão para o Presidente da República, já sabendo de antemão que este lhe devolveria a "batata quente" na volta do correio.
De seguida, cedeu vergonhosamente às pressões e aos argumentos ilógicos e injustificados da direita e reduziu o seu projecto de lei apenas à questão a submeter a referendo, tendo, assim, não só excluído todo um conjunto de outras situações que deveriam igualmente ser despenalizadas como desconsiderado outras questões que a lei deveria acautelar, como o importante papel dos estabelecimentos oficiais de saúde ou o próprio direito de objecção de consciência por parte dos médicos.
E agora, apesar de se deparar a olhos vistos com os naturais escolhos do caminho sinuoso e de resultados incertos que escolheu traçar, o PS, em vez de arrepiar caminho, concretizando sem mais delongas ou mecanismos dilatórios a necessária e urgente reforma do nosso Código Penal nesta Assembleia, insiste teimosamente que ainda é possível fazer um referendo este ano, como ainda há pouco insistia que era possível fazê-lo antes do Verão, querendo "tapar o sol com a peneira".
Mas a dura realidade, Sr.as e Srs. Deputados, é a de que não está garantido, nem ninguém pode garantir, que, ainda este ano, as mulheres portuguesas deixarão de ter razões para continuarem na clandestinidade, sendo perseguidas mutiladas e maltratadas, como se não tivesse passado já tempo demais.
Com efeito, mesmo que se admita que, por força de uma alteração apressada e casuística da nossa lei fundamental e da lei do referendo, se venha a permitir a realização simultânea de referendos e de actos eleitorais, o que nos parece extremamente grave e prejudicial para o nosso sistema democrático que se deseja participado, crítico e esclarecido, ou que seja possível a interpretação dos artigos da nossa lei fundamental no sentido de existirem cinco sessões legislativas, não é líquido que, ainda assim, o Sr. Presidente da República convoque o referendo para o final deste ano.
Para nós, Os Verdes, é inaceitável que o PS continue obstinadamente, de mãos dadas com o BE, a insistir num referendo que já ninguém acredita que ainda seja possível realizar este ano e durante este mandato da presidência da República, sendo o futuro, depois de Janeiro de 2006, absolutamente incerto no que respeita ao se, ao como e ao quando poderemos voltar a página negra do aborto clandestino em Portugal.
Volto a citar o Sr. Presidente da República na sua alocução supra-referida: "Quando formos avaliados pelas gerações que nos sucederão, a pergunta que será feita é esta: foram eles capazes de enfrentar as dificuldades, vencer os desafios e pôr Portugal no rumo do futuro? Não esqueçamos nunca que a resposta a esta pergunta somos nós que, agora, quotidianamente, a estamos a dar. Não há, por isso, tempo a perder. É a hora!"
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É a hora! Está nas nossas mãos, apenas nas nossas mãos, e em particular nas de quem detém a maioria absoluta nesta Câmara, fazer a diferença, ousar operar a mudança, já, hoje! Se o quiserem fazer, poderão contar com o apoio de Os Verdes.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para intervir, ao abrigo do n.º 2 do artigo 84.º do Regimento, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social (Vieira da Silva): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Reiniciaram-se hoje os trabalhos da Comissão Permanente de Concertação Social. Quisemos vir hoje, aqui, dar testemunho deste facto pela importância central que o Governo atribui aos parceiros e ao diálogo social.
No actual momento que o país atravessa, o Governo considera que o diálogo social é um instrumento fundamental para a superação das nossas dificuldades, em particular para a promoção do crescimento e do desenvolvimento económico.
Valorizamos acordos bipartidos, que consideramos próprios da natureza da concertação, mas assumimos a responsabilidade de sermos agentes activos da promoção do diálogo social e da procura de consensos alargados na sociedade portuguesa.

Aplauso do PS.

A estratégia que o Governo propôs, e que mereceu o acolhimento generalizado dos parceiros sociais, é ambiciosa mas realista. Não nos propomos negociar um qualquer mirífico acordo de natureza global, que pela sua abrangência se pudesse traduzir numa dinâmica infindável de debates sem consequências nem resultados. Essa foi a experiência do passado, não é esse o nosso caminho.

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Aplausos do PS.

Pelo contrário, acordámos numa estratégia assente na discussão e procura de consensos sobre matérias específicas, de grande importância para a vida dos portugueses.
Temos um mandato para seguir, temos um rumo: o do Programa do Governo que os eleitores sufragaram.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Não ficaremos reféns do diálogo, nem esqueceremos o papel essencial dos órgãos de soberania, mas encaramos, com total abertura e motivação, o processo de concertação hoje iniciado, sempre no máximo respeito pela Assembleia da República e pelos seus poderes constitucionais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr.as e Srs. Deputados: Tendo em conta a experiência de 20 anos de concertação social, o Governo entende que ela deve ser organizada em torno de temas concretos, desde logo e em primeiro lugar, da reforma das relações laborais.
Mantemos, por inteiro, a intenção de rever o Código do Trabalho, nos termos e com os objectivos do Programa do Governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Propusemos, assim, aos parceiros sociais, e no sentido da intervenção que já aqui fiz, nesta Assembleia, dar início à revisão urgente do Código do Trabalho, centrada na promoção da contratação colectiva. Apresentámos hoje aos parceiros sociais a intenção firme de finalizar esse debate e tentativa de acordo tripartido até ao final do próximo mês de Junho, após o que apresentaremos na Assembleia as propostas de revisão urgente do Código do Trabalho.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Ao mesmo tempo, e como previsto, daremos início aos trabalhos de avaliação das relações laborais, numa óptica mais profunda. Estes trabalhos conduzirão, no prazo de um ano, a uma proposta de revisão do mesmo Código.
Um segundo tema para a concertação social é o do emprego e formação.
A nossa economia reflecte, hoje, os baixos níveis de qualificação de jovens e adultos, com consequências agravadas por uma conjuntura difícil. Colocam-se, pois, fortes exigências às políticas de emprego e formação profissional.
Propusemos, assim, aos parceiros, proceder à avaliação das políticas de emprego dos últimos anos, de modo a lançar, no quadro do novo Plano Nacional de Emprego para 2005, uma nova geração de políticas para responder às necessidades do País. O referencial está traçado: reforço da empregabilidade dos activos; aprendizagem ao longo da vida; qualidade e qualificação do trabalho e emprego; resposta aos problemas dos desempregados.

Aplausos do PS.

Ainda nesta matéria, julgo essencial lembrar aqui que é fundamental discutir com os parceiros sociais as orientações estratégicas do Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN) para 2007-2013, relativamente à qualificação dos recursos humanos e do emprego. Esta é uma oportunidade que não podemos desperdiçar.
Um terceiro tema será o da segurança, higiene e saúde no trabalho.
O acordo sobre este tema, celebrado em 2001, e assinado por todos os parceiros sociais, consagrou uma série de medidas, muitas das quais estão ainda em fase embrionária de execução e outras nem sequer chegaram a ser activadas. Nesta matéria, Srs. Deputados, foram quase quatro anos de tempo desperdiçado.
Assumimos o compromisso, que aqui quero reafirmar, de executar, até final de 2006, as medidas desse acordo que sejam da exclusiva responsabilidade do Governo.
Um quarto tema para o relançar da concertação é o da produtividade e competitividade.
O Governo ouvirá os parceiros sociais sobre as medidas constantes do Plano Tecnológico e, igualmente, sobre as grandes opções do Quadro de Referência Estratégica Nacional. A produtividade e a competitividade são matérias em que a concertação social se revelou, no passado, complexa mas onde é possível e desejável haver avanços concretos, porque a estratégia de crescimento da economia portuguesa passa, necessariamente, pelo papel dos parceiros sociais.

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Um quinto tema, de grande prioridade, é o da segurança social.
Também aqui, retomaremos a concretização do Acordo sobre a Modernização da Protecção Social, celebrado em 2001. É agora fundamental complementá-lo, à luz da evolução recente do sistema de segurança social.
Apresentaremos aos parceiros sociais um estudo de sustentabilidade da segurança social, o qual será discutido e servirá de base para as medidas de reforço da sustentabilidade do sistema.
Anunciámos, ainda hoje, aos parceiros sociais a intenção de apresentar propostas de revisão da protecção no desemprego em matéria de desenvolvimento dos regimes complementares e também em matéria de convergência dos diversos regimes de protecção social.
Um sexto tema seleccionado para a concertação é o do combate à fraude e à evasão fiscais.
Esta é, seguramente, uma das nossas maiores prioridades e está intimamente associada a toda a política orçamental.

O Sr. Mota Andrade (PS): - Muito bem!

O Orador: - A prioridade do combate à fraude e à evasão fiscais é essencial para o equilíbrio das finanças públicas mas também para uma maior justiça fiscal e social.
Assim, o Governo apresentará aos parceiros, com vista à obtenção de acordo, medidas de promoção da equidade fiscal e da sã concorrência entre empresas, bem como de combate à economia informal.

Aplausos do PS.

Um sétimo tema que propusemos à concertação social é o da reforma da Administração Pública.
A modernização e eficácia da Administração é essencial à nossa estratégia de crescimento. O Governo discutirá com os parceiros os princípios orientadores da reforma da Administração Pública, tendo em vista a modernização dos serviços, um melhor ambiente para o desenvolvimento de negócios e uma maior eficácia da Administração.
Finalmente, o oitavo tema é o da criação de um centro de relações de trabalho, um centro tripartido, que corresponde a uma ambição velha dos parceiros e poderá ter um papel essencial na retoma da negociação colectiva.
Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: São, pois, vastos e decisivos os desafios que temos diante de nós. Por isso, o Governo apresentou já, relativamente a todos estes temas, uma proposta de calendário para discussão.
Estou confiante no potencial e no êxito do processo que hoje iniciámos.
A concertação social é uma visão que partilhamos, essencial para a modernização das relações laborais, do emprego e da protecção social em Portugal. Este objectivo e as suas orientações para os próximos anos foi sufragado democraticamente pelos portugueses e por esta Câmara, e dele não abdicaremos. Agiremos, pois, com a máxima determinação e clareza na concertação, no Governo e na Assembleia, em nome desse desígnio essencial para o futuro do País.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Segue-se um período de debate, tendo-se inscrito, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Almeida Henriques, a quem dou a palavra.

O Sr. Almeida Henriques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, começo por cumprimentá-lo e ao Governo pelo regresso à concertação social, que é um tema muito grato ao Partido Social Democrata. Aliás, nestes 20 anos de concertação social, sempre manifestámos um forte empenho e sempre entendemos que a concertação social será a base estrita das reformas de que o País precisa e também da criação de um clima favorável ao desenvolvimento económico.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Nessa medida, não podemos deixar de saudar, como é óbvio, o reinício da concertação social.
Sabemos também, e penso que há hoje alguns consensos sobre isto na sociedade portuguesa, que é em sede de concertação social, falando com os patrões, falando com os sindicatos, isto é, falando com as partes mais directamente interessadas no desenvolvimento, que se devem procurar alguns acordos. E ainda bem que o Governo regressa à concertação social, pois ainda há relativamente pouco tempo tivemos algo que se deve realçar na democracia portuguesa: enquanto estávamos em campanha eleitoral, houve, da parte dos parceiros sociais, a assunção de uma grande responsabilidade, quando assinaram um acordo, em sede de negociação colectiva, dando um exemplo extremamente positivo de como os parceiros, mesmo sem a mediação do Governo, naquele caso, se conseguiram entender.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Era importante saber, Sr. Ministro, qual a posição do Governo em relação a esse acordo bilateral e se, efectivamente, o Governo vai voltar ao ponto zero nesta matéria ou vai dar continuidade a esse acordo bilateral que, entretanto, ocorreu.
Há também aspectos na sociedade portuguesa que têm a ver, designadamente, com o esgotar do nosso modelo de desenvolvimento económico. Todos temos consciência de que, hoje, para darmos o salto qualitativo, para além do envolvimento das partes interessadas, é necessário mudar de modelo, é necessário subirmos na cadeia de valor, até para evitar situações como as que se verificam hoje, de deslocalização de empresas, de empresas que se vão embora, porque apostaram na mão-de-obra barata e nós já não somos competitivos a esse nível. Portanto, é óbvio que o emprego deve ser um dos temas centrais da concertação social e é, claramente, um dos temas que deve ser valorizado.
O mesmo se diga em relação à qualificação dos recursos, Sr. Ministro. É óbvio que uma das grandes debilidades que Portugal tem hoje, do ponto de vista internacional, do ponto de vista de conseguir captar investimento, do ponto de vista da produtividade e da competitividade, reside nas qualificações dos nossos recursos humanos, das nossas pessoas, dos nossos trabalhadores mas também dos nossos patrões. Por isso, era importante que, também aqui, se conseguisse um salto efectivo e um plano que permitisse elevar as qualificações, pois disso dependerá, com certeza, futuramente, o desenvolvimento da economia do País.
Em relação à metodologia, também queremos saudar o facto de ela não trazer, efectivamente, nada de novo. No fundo, em sede de concertação social, está a dar-se continuidade a uma metodologia que já vinha sendo adoptada. Na verdade, o tal acordo que foi celebrado entre os parceiros sociais incidiu sobre a matéria da negociação colectiva e os parceiros sociais já haviam anunciado que, a seguir, iriam celebrar um acordo sobre formação e, logo depois, um acordo sobre inovação. Aliás, trata-se de temas que são por todos reconhecidos como temas candentes, que devem ser abordados. Portanto, até é bom que se veja que a metodologia que estava a ser seguida anteriormente era a indicada.
O que quero dizer ao Sr. Ministro e ao Governo é que, da parte da bancada do PSD, quanto à forma, estamos de acordo, quanto ao conteúdo, iremos apreciá-lo, designadamente os documentos iniciais que vão ser apresentados e, depois, toda a discussão que for ocorrendo, porque, para nós, acima de tudo está o desenvolvimento do País, a situação dos trabalhadores e da economia portuguesa. E já demos provas de abertura, inclusivamente pela voz do nosso presidente, quando aqui, na sexta-feira, propôs que houvesse uma forte concertação em relação a matérias que são estratégicas para o desenvolvimento do País.
Esta continua a ser a nossa postura, porque somos coerentes e gostamos de estar na oposição da forma como estivemos no poder, isto é, com sentido de responsabilidade, com sentido de Estado e com sentido do bem comum.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por último, Sr. Ministro, quero dizer-lhe que, apesar de saudarmos esta iniciativa, não nos parece que seja a melhor metodologia para discutir um aspecto tão importante como o da concertação social. Reservar-nos-emos, por isso, com toda a certeza, para, em sede de comissão, e sempre que constatarmos que há evoluções no processo, chamar V. Ex.ª para nos dar conta dessas evoluções, porque nos parece fundamental que este assunto não seja tratado apenas no curto espaço de tempo como o que é proporcionado por este figurino de debate. Fica, pois, da nossa parte, este reparo.
Relativamente às matérias, concordando genericamente com elas e introduzindo, eventualmente, mais alguns temas, esperamos apenas que esta reabertura do processo de revisão do Código do Trabalho não seja um retrocesso no tempo e que não se venham a introduzir aqui factores que já haviam sido ultrapassados e que possam vir agora prejudicar a economia e a confiança e colocar novos entraves.

O Sr. Hermínio Loureiro (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É este o voto que fazemos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - De seguida, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, acerca de prazos, disse-nos já aqui, no debate de urgência que o Bloco de Esquerda solicitou e no debate que teve lugar em comissão, que a promoção da contratação colectiva era uma questão instante e que abordaria a questão na concertação social até ao mês de Junho, após o que apresentaria à Assembleia da República uma iniciativa legislativa.
Concordamos com a urgência e com um prazo razoável para que possa haver diálogo social mas, em

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todo o caso, discordamos daquela que começa a ser a solução patenteada pelo Governo, que é a de aceitar a caducidade das convenções colectivas e, para o vazio contratual, promover não a contratação colectiva mas a arbitragem obrigatória. Esta arbitragem obrigatória causa-nos a maior perplexidade e a maior das preocupações, pelo que significa de retrocesso em relação a clausulados e a direitos e conquistas dos trabalhadores e porque é uma solução inclusivamente contestada pela Organização Internacional do Trabalho.
Uma novidade é que, recentemente, até o Prof. Monteiro Fernandes veio contestar essa solução governativa, dizendo: "A adopção da arbitragem obrigatória, mesmo como alternativa para a famosa caducidade das convenções, não parece boa ideia. É preciso contar, realisticamente, com duas hipóteses desagradáveis: uma, a do descrédito do processo, por as partes em conflito se manterem alheias ao seu resultado e não o aceitarem como 'solução'; outra, a da generalização desse recurso, por desaparecer inteiramente o élan negocial".
O que nós tememos não é que a solução não agrade a "gregos e troianos", é que ela só agrade a "gregos", ou seja, ao patronato e que, realmente, a arbitragem obrigatória seja uma espécie de "cavalo de Tróia" neste conflito e na equidade e equilíbrio das relações sociais.
Sr. Ministro, o que nos disse sobre o prazo da revisão do Código do Trabalho é alarmante, é extremamente preocupante e é completamente inexplicável. Garantiu-nos, ainda recentemente, que o Partido Socialista honraria os seus compromissos e reapresentaria as propostas que fez, enquanto oposição, no debate do Código do Trabalho. As propostas estão feitas, Sr. Ministro! Para que é preciso um ano? Um ano na concertação? Um ano de debate parlamentar? Para que é preciso um ano? Vamos estar mais um ano com contratos a prazo de seis anos? Com os sistemas de horários de trabalho profundamente injustos para os trabalhadores? Um ano é tempo perdido! Um ano é rejeição de direitos!

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Muito bem!

O Orador: - Para quem tinha propostas, para quem as apresentou em programa eleitoral, para quem as verteu para Programa do Governo, para quem disse que daria toda a urgência à revisão do Código do Trabalho, um ano, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, não é diálogo social, é bloqueamento dos justos direitos a que os trabalhadores têm de ter acesso e é mais um ano de prejuízo das relações de trabalho. É mais um ano de "Código Bagão" e a isso, francamente, Sr. Ministro, o Bloco de Esquerda diz "não!".

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, antes de mais, cumprimento V. Ex.ª por ter vindo ao Parlamento no seguimento de algo que é tão fundamental e importante como é a reabertura da concertação social. É prova disso o acordo bipartido que teve lugar, mas, mais do que isso, é prova disso o facto de as relações laborais e até o nosso modelo de desenvolvimento e a nossa produtividade estarem, obviamente, sempre interligados, de uma forma muito directa, aos parceiros sociais e a esse palco privilegiado para se encontrarem acordos essenciais para o futuro dos trabalhadores e para o futuro da nossa economia.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Por isso mesmo, parece-me muito importante que o Sr. Ministro, no seguimento de uma reunião da concertação social, venha aqui, ao Parlamento, dar conta de algumas medidas.
Só que, entretanto, Sr. Ministro, gostaria de perceber, em concreto, e penso que a bancada do CDS-PP também, algumas das alterações que o Sr. Ministro vai propor. E vou dar-lhe três pequenos exemplos.
Penso que é a terceira ou a quarta vez que, em Plenário ou em comissão, debatemos o tema da contratação colectiva. E hoje, mais uma vez, Sr. Ministro, V. Ex.ª chega aqui com um discurso tão redondo, tão redondo, tão redondo, que eu, por momentos, até pensei estar a ouvir o Eng.º Guterres. A verdade é que, mais uma vez, o Sr. Ministro ainda não conseguiu explicar o que vai acontecer na contratação colectiva. Como é que vai alterar as regras da contratação colectiva? É através da arbitragem voluntária? É que, quando o Sr. Ministro disse isso, nós, desta bancada, avisámos que há um conjunto de obrigações internacionais do Estado português, no seguimento das Convenções da OIT, que proíbem, claramente, um recurso sistemático à arbitragem voluntária.
Hoje, o Sr. Ministro trouxe aqui uma coisa nova, que é a criação de um centro de relações de trabalho. Mas o que é este centro? Este centro serve para quê, em matéria de contratação colectiva? Como é que se vai conseguir revitalizar a contratação colectiva?
Pela nossa parte, tínhamos a proposta que está no Código do Trabalho…

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A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … e a verdade é que, este ano, começa a dar alguns frutos; a verdade é que, neste ano, comparado com períodos homólogos, ultrapassam-se valores dos últimos oito anos. Estávamos, pois, a conseguir desbloquear as coisas mas, mais uma vez, o Sr. Ministro diz que quer voltar atrás, e nem sequer diz como.
A mesma questão se coloca relativamente às matérias da segurança social. O Sr. Ministro disse aqui, e muito bem, que quer fazer um conjunto de estudos sobre a sustentabilidade da segurança social. Nós não achamos mal, mas a verdade é que já existem, no seu Ministério, dezenas ou centenas de estudos exactamente sobre a sustentabilidade. Portanto, não é por falta de estudos que não se avança nesta matéria e parece-nos que o Sr. Ministro já estaria em condições de conseguir avançar com algumas coisas.
A mesma questão se coloca - é o último exemplo que dou - relativamente à criação de emprego. Mais uma vez, o Sr. Ministro disse que levou a matéria à Comissão Permanente de Concertação Social, o que, do nosso ponto de vista, é muito importante, mas gostaríamos de saber como é que, em concreto, V. Ex.ª vai cumprir a promessa de criação dos 150 000 empregos. A única coisa que conhecemos desses empregos são 1000 vagos estágios; nem sequer empregos são, trata-se única e exclusivamente de estágios.
Sr. Ministro, penso que seria importante, exactamente para haver uma intervenção mais clara e mais precisa do Parlamento, que V. Ex.ª especificasse muito bem o que quer fazer e de que modo.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Segue-se no uso da palavra o Sr. Deputado Ricardo Freitas.

O Sr. Ricardo Freitas (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, ainda os ecos do 1.º de Maio estão presentes e já V. Ex.ª apresenta aqui a concretização do diálogo social. O simbolismo de surgir nesta Casa precisamente após uma reunião de concertação social é um bom augúrio desta capacidade de diálogo e da importância que o Governo atribui a esta matéria.
O Sr. Ministro apresentou-nos um calendário de reformas, nomeadamente quanto às relações de trabalho, ao emprego, à formação, à segurança, higiene e saúde no trabalho, à produtividade e à segurança social, ou seja, um conjunto de matérias fundamentais e necessárias.
Apontou também V. Ex.ª a capacidade que terá para interagir com os parceiros sociais no sentido de encontrar as melhores soluções, tentando que, apesar de haver um diálogo bipartido, surja também uma intervenção administrativa da parte do Governo, sendo, portanto, nesse sentido, um diálogo tripartido.
Sr. Ministro, ainda há bem pouco tempo, precisamente em acordo estabelecido entre os parceiros sociais, estes reivindicaram a criação de um centro de relações de trabalho, ideia que V. Ex.ª acolhe, pelo que me apercebi. Gostaria que concretizasse como é que vai criar esse centro e que tipo de apoio será necessário, dado que o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social está muito carecido de instrumentos administrativos de apoio precisamente na área da contratação colectiva.
Dadas as graves preocupações que, neste momento, a todos surgem em termos do emprego, da produtividade e da globalização, que marcos de contacto e de diálogo terá o Governo em sede de concertação e, eventualmente, quando não existir esse mesmo diálogo, na capacidade de determinar actos concretos que possam ultrapassar os desafios, muitas vezes não só a nível nacional mas também a nível europeu? Falo da ligação transnacional que, mesmo nestas matérias, terá de preocupar o Governo de forma a encontrar soluções na área da União Europeia (basta recordar as directivas de que muito se fala quanto a uma eventual liberalização de serviços, à livre circulação de serviços ou outras).
Sr. Ministro, deixo-lhe, pois, esta questão, aguardando que seja prolífera a capacidade de diálogo social que se tem vindo a verificar na sociedade portuguesa, manifestada quer pelos parceiros quer, naturalmente, pela intervenção do Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Lopes.

O Sr. Francisco Lopes (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, a propósito da concertação social, V. Ex.ª traz à Assembleia da República, pela terceira vez, as mesmas ideias gerais que já apresentou, sem as concretizar, nomeadamente no que se refere ao Código do Trabalho.
O PS, quando na oposição, pela voz do actual Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, criticou a pressão exercida sobre os trabalhadores pelo mecanismo da caducidade.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

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O Orador: - De facto, o mecanismo da caducidade é uma chantagem exercida sobre os trabalhadores que lhes dita que ou aceitam o que as organizações patronais declaram como alteração negativa aos seus direitos ou ficam ameaçados de eliminação da contratação colectiva de trabalho.
O problema, Sr. Ministro, é que a sua posição parece ter passado da crítica ao apoio aos mecanismo coercivos da caducidade aprovados pelo PSD e pelo CDS-PP. É certo que o Sr. Ministro tem dito estar preocupado com o vazio da contratação, mas agora parece apoiar os mecanismos da caducidade na vertente em que estes contribuem para fazer pressão sobre os trabalhadores no sentido de eliminar os seus direitos na contratação.
Sr. Ministro, várias vezes o Governo tem sido confrontado com estas questões, respondendo com evasivas. Da última vez que esteve presente na Comissão de Trabalho e Segurança Social, o Sr. Ministro referiu que ia apresentar as propostas do Governo na reunião de concertação social. Acontece que hoje se realizou a primeira reunião da Comissão Permanente da Concertação Social, tendo nós a expectativa de que tanto aí como na sua primeira intervenção no Parlamento depois dessa reunião o Sr. Ministro trouxesse ideias concretas quanto a este gravíssimo problema da contratação e do Código do Trabalho. Porém, mais uma vez, isso não aconteceu.
Entretanto, aconteceu uma coisa grave: o protelamento da abordagem do problema. Quando o Sr. Ministro refere que as questões mais urgentes passam a ser tratadas até final de Junho isso significa que o serão quase quatro meses depois de o Governo tomar posse, numa situação em que há risco de caducidade, nos próximos meses, de muitos contratos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Tal quer dizer que quando o Governo apresentar as suas propostas e quando, finalmente, as mesmas puderem ser resolvidas haverá já uma situação de facto de muitos contratos colectivos de trabalho caducados. Ora, isso é inaceitável, como é inaceitável que se perspective para um ano a revisão e revogação completa do Código do Trabalho.
Sr. Ministro, é evidente que não será por este caminho que haverá mudança. O povo português, em 20 de Fevereiro, mostrou um efectivo desejo de mudança, mas começam a ser manifestados muitos traços de continuidade, que defraudam as expectativas dos trabalhadores e do povo português.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Henriques, agradeço as suas observações a propósito da valorização deste tema.
Começando pelo fim da sua intervenção, o Sr. Deputado questionou que o modelo utilizado pelo Governo para vir dar conta da primeira reunião da Comissão Permanente da Concertação Social fosse o de intervenção no período de antes da ordem do dia de uma reunião plenária da Assembleia da República.
Sr. Deputado, aquilo que o Governo pretendeu fazer no dia em que o Sr. Primeiro-Ministro, o Sr. Ministro de Estado e das Finanças, o Sr. Ministro da Economia e da Inovação e eu próprio estivemos reunidos com a Comissão Permanente da Concertação Social foi valorizar duas dimensões fundamentais na vida democrática para a produção de respostas aos problemas do País: em primeiro lugar, a concertação social, que no dia em que reuniu pela primeira vez com este Governo deu origem a esta intervenção na Assembleia da República; e, em segundo lugar, a própria Assembleia da República,…

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - … que é, ao fim e ao cabo, o lugar onde, depois de qualquer processo de concertação, as decisões do povo são efectivamente tomadas.

Aplausos do PS.

Tratou-se de um acto de respeito pelas duas instituições e, desse ponto de vista, julgo que a opção do Governo não pode ser criticável.
Também lhe digo, Sr. Deputado, que agora, que até existe uma comissão especializada para o trabalho e segurança social com particular vocação para acompanhar estes temas, terei todo o prazer em lá voltar para discutir aprofundadamente a agenda da concertação social.
Passo agora a referir-me à questão do acordo bipartido, colocada por vários Srs. Deputados. Naturalmente, saudamos o acordo bipartido celebrado em Janeiro de 2005, que, aliás, foi o primeiro acordo de concertação social que se verificou desde 2001. Portanto, o primeiro acordo de concertação social celebrado em Portugal desde 2001 foi um acordo bipartido, num momento em que o País estava já em pleno processo

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de debate eleitoral (talvez não haja aqui apenas coincidência).
Obviamente, quando há acordo bipartido, aos governos compete apoiar e incentivar essa relação bipartida,…

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - … sem deixar de assumir as suas responsabilidades de promover também essa concertação social.
Sr. Deputado Almeida Henriques, a metodologia que seguimos reuniu, de facto, um consenso generalizado dos parceiros sociais, porque é uma metodologia temática, ambiciosa mas realista. E há, de facto, uma rotura com o passado, ao contrário do que o Sr. Deputado diz. O que aconteceu no passado, há dois anos ou pouco mais, foi o lançamento da tentativa de um grande acordo de modernização e competitividade que envolvia tudo e mais alguma coisa e que, no final, se reduziu a quase nada.
Portanto, a nossa metodologia é outra. É óbvio - e nisso estou de acordo consigo - que se trata de uma metodologia que já está a ser construída na própria concertação social pelos parceiros, mas que assumimos como a metodologia correcta.
Sr. Deputado, naturalmente que a questão da qualificação dos recursos é essencial. E é de tal maneira essencial que, talvez pela primeira vez, fizemos a proposta, também ela bem aceite pelos parceiros, no sentido de as grandes orientações do próximo quadro de referência estratégico, do próximo Quadro Comunitário de Apoio, em matérias de recursos humanos (refiro-me às grandes orientações, antes de o Quadro ser construído), serem discutidas também pelos parceiros sociais.
Desta forma é que se valoriza a dimensão do investimento nos recursos humanos e se faz a avaliação do que correu mal, desse ponto de vista, na utilização dos fundos comunitários, dando-se uma resposta estratégica para aquilo que vai ser decisivo para o futuro dos portugueses: a utilização racional, correcta e eficaz dos recursos do próximo Quadro Comunitário de Apoio em matéria de recursos humanos.
Sr. Deputado Luís Fazenda, vim a esta Assembleia fazer algo que é, para mim, muito claro. No último debate em que aqui estive presente (um agendamento potestativo do Bloco de Esquerda), disse qual era a nossa estratégia e que passos íamos dar. Ora, um passo foi dado.
Perguntaram-me, na altura, qual era o prazo, tendo eu dito que seria apresentado na sequência da primeira reunião da Comissão Permanente da Concertação Social. Fizemos a primeira reunião da Comissão e no mesmo dia eu vim aqui dizer qual é o prazo: o final de Junho para a apresentação da revisão urgente do Código do Trabalho. Disse-o, primeiro, na reunião da Comissão Permanente da Concertação Social e, logo a seguir, na Assembleia da República.

Aplausos do PS.

Isto é simples e linear!
O Sr. Deputado refere que, para além desta intervenção urgente, mencionei uma revisão no prazo de um ano, o que seria uma notícia alarmante, pois estaria a defraudar as expectativas dos portugueses. Admito que possa defraudar as expectativas de alguns Srs. Deputados, mas não estou a defraudar as expectativas de quem votou no partido que tem hoje a responsabilidade de governar,…

Aplausos do PS.

… porque o compromisso que hoje assumimos na concertação social é aquele que consta do Programa do Governo.
Se os Srs. Deputados consideram que discutir na concertação social e apresentar essa revisão em Junho na Assembleia não é uma intervenção urgente, então não sei o que consideram urgente!
No Programa do Governo prevê-se, depois dessa intervenção urgente, a realização, com base nas propostas apresentadas pelo PS quando estava na oposição, de uma revisão global do Código do Trabalho.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Daqui a um ano?!

O Orador: - Esse foi o compromisso assumido com os portugueses e esse é o compromisso que seguiremos, não independentemente mas apesar das vozes do Sr. Deputado do Bloco de Esquerda.

Aplausos do PS.

O Sr. Deputado Luís Fazenda referiu ainda a questão, também alarmante, da arbitragem obrigatória. Sr. Deputado, daqui a poucas semanas conhecerá em detalhe a proposta que o Governo apresentará para a intervenção urgente no Código do Trabalho.
Relativamente a essa questão, quero dizer o que já disse. E se me repito o problema não é meu, é porque me fazem as mesmas perguntas e não concordam com o nosso timing, mas julgo que o nosso faseamento

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é o adequado.
O Governo tem sobre essa questão uma posição muito clara: não aceita o imobilismo das relações laborais e das relações contratuais, como não aceita o vazio contratual. Mais: o Governo considera que a arbitragem obrigatória é o último recurso para ultrapassar situações de vazio contratual.
Essa é a posição clara do Governo e todas as nossas propostas serão nesse sentido. E se isto não é incentivar a contratação colectiva, digam-me como é que se incentiva a contratação colectiva. Não é, decerto, mantendo a legislação do passado.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado Pedro Mota Soares, sobre a questão da arbitragem obrigatória já disse tudo e sobre a criação do centro de relações de trabalho lembro-lhe que essa é, precisamente, uma ambição do acordo bipartido, à qual o Governo dá uma resposta positiva. É uma velha ambição e, finalmente, alguém lhe dá uma resposta positiva! Não é mau, Sr. Deputado!
Sobre a sustentabilidade da segurança social, o Sr. Deputado poderá ajudar-me, dizendo-me qual é a gaveta do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social onde estão escondidos os estudos de sustentabilidade de que falou. Devem estar escondidos! Se existissem, o governo anterior tinha cumprido o que determina a lei de bases que os senhores aprovaram e que diz que todos os anos, na altura da apresentação do Orçamento, esse estudo deve ser apresentado à Assembleia da República. E nunca foi apresentado! Onde é que está, Sr. Deputado?

Aplausos do PS.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Está na gaveta de onde o Sr. Ministro tirou o socialismo!

O Orador: - O que posso dizer-lhe é que no Ministério da Segurança Social, da Família e da Criança, pelo qual os senhores foram responsáveis durante alguns anos, esse estudo não está.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sobre a criação de emprego, zero!

O Orador: - Sr. Deputado Pedro Mota Soares, o senhor faz as perguntas que entende e eu dou as respostas que entendo. Quando eu quiser falar sobre a criação de emprego, falarei! O senhor fala mais de destruição do emprego, que foi o que fizeram; eu falarei de criação de emprego.

Aplausos do PS.

Protestos do Deputado do CDS-PP Pedro Mota Soares.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Governo está a beneficiar de uma transferência de tempo do Grupo Parlamentar do PS.
Faça favor de continuar, Sr. Ministro.

O Orador: - Sr.as e Srs. Deputados, peço desculpa por não poder responder a todas as questões - o tempo é limitado -, mas vou terminar dizendo que o centro de relações de trabalho é, de facto, uma instituição - e repondo ao Sr. Deputado Ricardo Freitas - que, nascida do acordo bipartido que o Sr. Deputado também referiu, pode ter, de facto, um papel fundamental como instância de produção de reflexão conjunta e de consensualização de respostas para os estrangulamentos da contratação colectiva. Nós acreditamos neste esforço tripartido e vamos, naturalmente, dar-lhe todo o apoio.
Sr. Deputado Francisco Lopes, sobre a caducidade já disse o que tinha a dizer. Nós não tememos a caducidade, tememos o vazio, tudo faremos para promover a contratação colectiva e nada faremos a favor ou do imobilismo ou do vazio. O trabalho para o vazio ou para o imobilismo outros que fiquem com ele, não contem connosco para isso.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está concluído o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 35 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à discussão conjunta dos recursos de admissibilidade,

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apresentados pelo PSD (nos termos do artigo 140.º do Regimento), dos projectos de lei n.os 39/X (PCP) e 42/X (BE) - Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.
Cada grupo parlamentar disporá de 3 minutos para intervir, havendo também lugar a uma intervenção de 4 minutos do Sr. Deputado Relator da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rangel.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Assistimos ontem, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a propósito da votação do relatório e parecer sobre o recurso apresentado pelo PSD, a um episódio singular.
A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira apresentou, em tempo, uma proposta de lei de revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da madeira e de alteração da lei eleitoral. Com isto fez mais do que outros fizeram, porque a proposta não só revê a lei eleitoral como revê todas as normas eleitorais que eram de sua iniciativa - aliás, essa é a única forma de cumprir o que está estipulado na revisão constitucional feita em 2004 - e fá-lo em tempo, tendo-a apresentando nesta Casa no dia 15 de Abril.
Depois, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista apresentaram dois projectos de lei, que foram admitidos, invocando que a iniciativa legislativa estava precludida, que a reserva de iniciativa que a Assembleia Legislativa tinha estava esgotada. Ora, ou bem que se admite a proposta da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, ou bem que se admitem estes dois projectos. O que não se pode é admitir os três.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, se se admitiu a proposta de lei, a hipótese de admitir os projectos de lei estava precludida.
Depois disto, e o relatório reconhece que a Assembleia Legislativa exerceu a sua iniciativa, vem-se com o argumento puramente formal de que as normas eleitorais têm um regime de votação e as normas do Estatuto têm outro.
Ora, minhas senhoras e meus senhores, nesta Casa votam-se todos os dias diplomas em que certas normas têm um regime de votação e outras normas têm outro regime de votação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Nunca isso foi impedimento para que fosse aprovado qualquer diploma. Portanto, aquilo que a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira fez foi exercer a sua iniciativa em tempo, fazendo-o com toda a fairness, porque ela traz aqui todas as normas eleitorais que estão na sua disposição e não apenas aquelas que estavam na lei eleitoral.

Aplausos do PSD.

De resto, é de chamar aqui a atenção para outro ponto fundamental: esta iniciativa da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira em nada impede que nós, Assembleia da República, possamos pronunciar-nos, alterando, eventualmente, ou alterando até bastante, a proposta que ela fez.
Por isso, ao pretender aceitar estes dois projectos de lei e precludir a iniciativa legislativa da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, o acto desta Casa não pode senão representar um agravo, uma ofensa deliberada a uma Assembleia Legislativa que interpretou correctamente a Constituição.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não quero dizer que seja o único modo de interpretá-la, mas é um modo sustentável, admissível, conforme, aliás, aceita a doutrina do Tribunal Constitucional.
Sendo assim, isto só pode representar um agravo, uma ofensa deliberada à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, violando as regras de relação institucional, de confiança institucional, de respeito institucional entre dois parlamentos eleitos democraticamente.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas, na qualidade de relator da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este é, seguramente, um tema da maior delicadeza, quer do ponto de vista do relacionamento institucional entre esta Assembleia da República e a

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Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira quer do ponto vista da adequada interpretação constitucional. Portanto, o parecer que foi elaborado, e votado favoravelmente na 1.ª Comissão, é um parecer que procura ser objectivo e neutral do ponto de vista da leitura da Constituição.
A questão que está aqui em causa, como é sabido, é verificar se a proposta de lei n.º 3/X, da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, cumpre ou não os requisitos dos n.os 1 e 3 do artigo 47.º da Lei Constitucional n.º 1/2004. É esta a questão central.
No dia 15 de Abril deste ano foi apresentada, e entrou na Mesa nesse mesmo dia, a proposta de lei n.º 3/X, da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira - Revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira e alteração da lei eleitoral.
A primeira questão a definir é o que, efectivamente, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira pretendeu fazer com esta iniciativa legislativa. E há duas hipóteses.
Primeira hipótese: pretendeu, simplesmente, rever o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.
Segunda hipótese: pretendeu também, para além de rever o Estatuto Político-Administrativo, rever leis ou normas eleitorais vigentes nas eleições para Deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.
A primeira hipótese teria aqui algumas dificuldades relacionadas com um tema que tem sido doutrinal e jurisprudencialmente tratado, o de saber até que ponto os estatutos político-administrativos podem conter normas de natureza eleitoral - eles contêm-nas efectivamente, quer nos Açores quer na Madeira, mas discute-se até que ponto podem contê-las - e sobre isso a doutrina é maioritariamente desfavorável e a jurisprudência do Tribunal Constitucional relativamente ambígua.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É preciso ter "lata"!

O Orador: - Portanto, o tema não tem uma resposta clara.
Sobre a segunda hipótese, a do dois-em-um, num único instrumento legislativo, numa única iniciativa legislativa faz-se a revisão das leis eleitorais e a revisão do respectivo Estatuto Político-Administrativo. O parecer, embora com dúvidas, adopta esta segunda visão como a hipótese de trabalho e em relação a ela existem argumentos de ordem formal e de ordem substancial que nos parecem intransponíveis; e foi isso que ficou consagrado no parecer.
Quanto aos argumentos de ordem formal, acontece que a Constituição separa claramente as leis eleitorais do Estatuto Político-Administrativo - separa-os porque os menciona separadamente e separa-os porque também confere a cada um deles regimes de aprovação e regimes formais próprios -, para além de consagrar também o regime de fiscalização da constitucionalidade para uns para outros, que também são diferenciados. Mas, em relação às questões de natureza formal, aquilo que importa aqui, sobretudo, assinalar é que em relação aos Estatutos Político-Administrativos dos Açores e da Madeira a Constituição consagra como forma requerida a forma de lei simples - é uma lei reforçada, tem valor reforçado, mas é uma lei simples - aprovada, em princípio, por maioria simples dos Deputados, excepto em algumas matérias, que estão também previstas constitucionalmente, que requerem maioria de dois terços.
Por outro lado, em relação às leis eleitorais, a Constituição determina que elas adoptem a forma de lei orgânica.
Ora bem, sabemos que as leis simples têm um regime de aprovação determinado e que as leis orgânicas têm um outro regime de aprovação.

O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - A questão intransponível, do ponto de vista formal, que aqui enfrentamos é a de saber qual o regime de aprovação em votação final global, havendo apenas um diploma e não dois, como deveria ser.
As questões de natureza substantiva - e termino, Sr. Presidente - são as relacionadas com a concatenação entre os n.os 1 e 3 do artigo 47.º da Lei Constitucional, porque esses dois preceitos exigem, para que a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, e também a dos Açores, fique com o poder de iniciativa exclusivo para as leis eleitorais, que elas promovam a alteração dessas leis eleitorais no prazo de seis meses, mas preenchidos certos parâmetros materiais, que estão no n.º 3. Ora, analisada a proposta de lei da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira esses parâmetros materiais parecem não estar preenchidos.
Portanto, conclui o parecer que a iniciativa da Região Autónoma da Madeira não cumpre os n.os 1 e 3 do artigo 47.º da Lei Constitucional n.º 1/2004, pelo que os Deputados desta Casa continuam a ter poder de iniciativa concorrencial no âmbito das leis eleitorais para Deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jacinto Serrão.

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O Sr. Jacinto Serrão (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Relativamente a esta matéria, estou perfeitamente à vontade para falar, porque acompanhei grande parte dos trabalhos que se desencadearam no parlamento regional acerca da proposta que estamos aqui a analisar.
Quero manifestar a esta Assembleia, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que o parecer que foi ontem aprovado em comissão merece a nossa concordância total. Esse parecer vem dar razão ao Partido Socialista/Madeira e a outros partidos da oposição na Região Autónoma da Madeira que alertaram, em tempo, o PSD/Madeira para seguir o caminho certo. Alertámos, de facto, no parlamento regional, que o caminho que eles estavam a seguir não era o mais adequado. E a prova está no parecer ontem aprovado na 1.ª Comissão, que atesta isso mesmo.
Olhando para a proposta de lei n.º 3/X, apresentada pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, podemos constatar que juridicamente não se pode compatibilizar dois em um, ou seja, uma iniciativa de lei eleitoral e uma iniciativa de estatuto político-administrativo no mesmo diploma.
Olhando para esta proposta de lei, podemos concluir que, por um lado, não se trata de uma lei eleitoral para a Região Autónoma da Madeira. Este diploma apenas contém três artigos alusivos à lei eleitoral. Uma iniciativa de lei eleitoral para a Região Autónoma da Madeira tem de ser muito mais ampla, tem de conter muito mais do que está neste diploma.
Por outro lado, pudemos constatar que este figurino de proposta de lei de dois-em-um não é aceitável do ponto de vista constitucional, como atesta claramente o parecer jurídico que o Dr. Vitalino Canas acabou de referir.
Como autonomista convicto que sou,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Vê-se!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Nota-se!

O Orador: - …e defensor, desde a primeira hora, das autonomias regionais, só tenho de lamentar o comportamento inadequado do PSD/Madeira, que foi claramente lesivo dos interesses da Região Autónoma da Madeira, dos interesses da autonomia, porque não tomou a atitude mais adequada no parlamento regional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não quiseram ouvir os partidos da oposição, não quiseram seguir o caminho de uma proposta de iniciativa de alteração da lei eleitoral e, por fim, apresentaram esta proposta, que representa um autêntico imbróglio, que não tem ponta por onde se lhe pegue.
Por isso mesmo, o Partido Socialista está de acordo com o parecer da 1.ª Comissão e vai votá-lo favoravelmente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o Bloco de Esquerda apresentou, em tempo útil, a sua iniciativa legislativa, porque entendeu que a Assembleia Legislativa da Madeira não tinha cumprido com os objectivos da última revisão constitucional nem, sequer, com os prazos estipulados.
Foi, pois, com muita surpresa que vimos o PSD recorrer da iniciativa do Bloco de Esquerda, porque já tínhamos levantado este debate aqui, em Plenário, e na Assembleia Legislativa da Madeira.
Não cremos que a maioria da Assembleia Legislativa da Madeira tenha exercido correctamente a iniciativa: nem quanto ao regime da iniciativa, nem quanto aos prazos, nem quanto ao seu modo de votação. Na verdade, aquilo que a Assembleia Legislativa da Madeira apresentou não é uma lei eleitoral como a Constituição e, em particular, o espírito e a letra da última revisão constitucional prevêem.
Nesse sentido, concordamos com o relatório e parecer aprovado em sede de 1.ª Comissão - aliás, excelentemente elaborado pelo Sr. Deputado Vitalino Canas -, mas não sem alertar para a questão principal, já hoje referida pelo Sr. Deputado Paulo Rangel, que é a tentativa de criar um clima de confrontação e de crispação política entre a Assembleia da República, órgão de soberania, e a Assembleia Legislativa da Madeira. Essa técnica é velha e revelha e é verdadeiramente inaceitável.

Protestos do PSD.

Quando o Sr. Deputado diz que o acto desta Casa é um agravo à Assembleia Legislativa da Madeira está a querer iniciar as hostilidades, já pré-anunciadas pelo Presidente do Governo Regional, de uma técnica antiga que cria um contencioso das autonomias apenas para proteger um poder formalmente democrático, mas realmente oligárquico, vigente na Madeira e detido por um velho senhor já em fase de

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decadência, que é o Dr. Alberto João Jardim.

Protestos do PSD.

É apenas isso que os senhores querem proteger. E a gravidade política desse clima de confrontação é de sublinhar, porque significa que o Presidente do PSD, o Dr. Marques Mendes, deu o aval a mais este episódio de contencioso de autonomia, de tentativa de desestabilização das relações entre os órgãos de soberania e os órgãos de autonomia, o que é verdadeiramente lamentável. Alberto João Jardim continua a mandar no PSD/nacional e a julgar que pode impor-se à Constituição da República. Não pode!
Andou mal o Sr. Presidente da República quando pensou, talvez com excessiva benevolência, que com a última revisão constitucional se "enterraria o machado de guerra" do PSD/Madeira. Ele aí está, mais afiado do que nunca.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendemos que esta questão deve ser tratada com todo o sentido de responsabilidade, sem dramatismos artificiais.
A Assembleia da República tem tido, em relação à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, como também em relação à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, um comportamento institucional exemplar e que não tem oferecido qualquer reparo. Entendemos que é esse o caminho adequado, que é o que temos seguido e que devemos continuar a seguir.
Também neste processo creio que não pode ser feito à Assembleia da República qualquer reparo de que esteja a ter um comportamento menos correcto relativamente à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.
A Lei Constitucional n.º 1/2004, no seu artigo 47.º, fez depender o exclusivo de direito de iniciativa das assembleias legislativas em relação às respectivas leis eleitorais da aprovação de novas leis eleitorais no prazo de seis meses após as eleições regionais, que ocorreram no dia 17 de Outubro. Acontece que a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira não apresentou à Assembleia da República qualquer proposta de lei eleitoral para as eleições para a assembleia legislativa dessa Região Autónoma.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - O que fez foi apresentar a esta Assembleia uma proposta de alteração ao Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma, contendo dois artigos com disposições sobre matéria eleitoral.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Não é a lei eleitoral a que o artigo 47.º da Lei n.º 1/2004 se refere.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Isso é inequívoco, é manifesto! E são coisas completamente diferentes, porque, como muito bem refere o relatório elaborado pelo Sr. Deputado Vitalino Canas, o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma é objecto de lei desta Assembleia, enquanto que a lei eleitoral é objecto de lei orgânica e têm, inclusivamente, maiorias de votação distintas. Portanto, são processos legislativos diferentes em razão da matéria e também em razão da forma, e obedecem a processos de votação diversos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Verificou-se, no entanto, que a Assembleia Legislativa da Região não apresentou a proposta que lhe garantiria o exclusivo de iniciativa nessa matéria. Não fazemos juízos de valor acerca disso. Não vamos dizer que a Assembleia Legislativa da Região Autónoma o fez para agravar a Assembleia da República. Não vamos entrar por aí! Limitamo-nos a registar que não o fez e, se não o fez, os grupos parlamentares desta Assembleia da República têm plena legitimidade, nos termos constitucionais, para apresentar projectos de lei sobre essa matéria. E, pela nossa parte, foi isso que fizemos.
Consideramos que, de facto, o relatório elaborado pelo Sr. Deputado Vitalino Canas para a 1.ª Comissão equaciona devidamente a questão e daí votámo-lo favoravelmente na Comissão e vamos voltar a fazê-lo em Plenário.
Esta é a questão formal, resta a questão substancial, Sr. Presidente e Srs. Deputados.

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Esperamos que a Assembleia da República possa usar da sua competência para aprovar, como lhe compete, uma lei eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira que seja justa e que respeite a Constituição, designadamente o princípio da proporcionalidade. Provavelmente, é o que alguns querem evitar, mas é por isso que nos bateremos. Entendemos que a Assembleia deve assumir as suas responsabilidades.

Aplausos do PCP.

Vozes de Os Verdes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com a toda a serenidade e sem personalizar questões, porque se trata de matéria importante, gostaria de reafirmar, em nome do CDS-PP, duas notas prévias: em primeiro lugar, enquanto partido conservador, o total respeito pelas instituições e, nomeadamente, pelas Assembleias Legislativas da Madeira e dos Açores; e, em segundo lugar, o também total respeito pela autonomia destas Regiões Autónomas.
Compreendemos o que está aqui em causa - bastante pormenorizado, aliás, no relatório e parecer elaborado pelo Sr. Deputado Vitalino Canas e votado na 1.ª Comissão. No fundo, o Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata invoca que se trata de uma matéria de reserva de iniciativa legislativa da Região Autónoma da Madeira. Compreendemos as dúvidas doutrinárias e até constitucionais levantadas pelo Sr. Deputado Paulo Rangel. No entanto, não podemos deixar de afirmar que é importante que, se for caso disso, o Tribunal Constitucional possa pronunciar-se, como nunca fez, sobre esta matéria.
Mas há uma matéria mais importante, que não oferece qualquer dúvida nem é despicienda, que é de índole política. É o facto de a Região Autónoma da Madeira carecer de um regime eleitoral que respeite integralmente os princípios constitucionais da representatividade e da proporcionalidade, como hoje não ocorre, pois o CDS-PP tem mais de 8% dos votos e tem apenas 3% de Deputados.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Isto não é representatividade! Isto não é proporcionalidade! Isto não aproxima os cidadãos da Democracia!

Aplausos do CDS-PP.

Por isso mesmo, e porque não quero partidarizar uma questão que neste momento é sobretudo jurídica - a seu tempo, falaremos sobre essa matéria!… -, gostaria de dizer, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, que o CDS-PP analisou, com toda a profundidade, o relatório e parecer que foi ontem apresentado pelo Sr. Deputado Vitalino Canas e aprovado em sede de 1.ª Comissão e irá, por todas estas razões e por considerar que, de facto, está respeitada a legalidade, votar favoravelmente este parecer, em nome de uma matéria que consideramos da maior importância e que deve ser discutida de forma apaixonada e com seriedade, mas sem pessoalizar ou personalizar.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço à Mesa para informar a Câmara se foi admitida a proposta de lei da Assembleia Legislativa Regional que altera o estatuto e a lei eleitoral ou se houve reservas por parte da Mesa nessa admissão.
Em segundo lugar, peço para informar a Câmara se a Assembleia Legislativa Regional dos Açores apresentou alguma proposta de alteração, nos seis meses constitucionalmente fixados, das normas eleitorais contidas no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, como sabe, foi apresentada uma proposta de lei pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, nos termos em que foi apresentada, que também foi admitida, e a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores procedeu de idêntica forma no que se refere à modalidade escolhida para apresentar a respectiva proposta legislativa. Como

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também sabe, ambas as propostas foram admitidas, tal como foram admitidos os projectos de lei apresentados, respectivamente, pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP, respeitantes ao sistema eleitoral da Região Autónoma da Madeira.
Seguiu-se um recurso de admissibilidade, apresentado pelo vosso grupo parlamentar que, nos termos regimentais, foi objecto de um relatório e parecer da 1.ª Comissão.
Agora, uma vez que está terminado este debate, vamos proceder à votação daquele parecer. Antes, porém, vou dar a palavra à Sr.ª Secretária para proceder à leitura do parecer da 1.ª Comissão.
Chamo a atenção da Câmara para que o recurso interposto pelo Grupo Parlamentar do PSD não carece de votação mas, sim, o parecer da 1.ª Comissão.
Tem, pois, a palavra a Sr.ª Secretária.

A Sr.ª Secretária (Maria Carrilho): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, é o seguinte o teor do parecer: "Os projectos de lei n.os 39/X e 42/X, apresentados, respectivamente, pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português e pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, reúnem as condições respeitantes à iniciativa legislativa prevista na Constituição da República Portuguesa e no Regimento da Assembleia da República, pelo que se dão por admitidos os mencionados projectos de lei, indeferindo-se o recurso apresentado por alguns Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata."

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à verificação do quórum, utilizando o cartão electrónico.

Pausa.

Srs. Deputados, registam-se 157 presenças, pelo que temos quórum para proceder à votação.
Vamos, pois, votar o parecer da 1.ª Comissão que acabou de ser lido.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, do CDS-PP, do BE e de Os Verdes e votos contra do PSD.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, é para anunciar que vou apresentar na Mesa uma declaração de voto escrita sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pode fazê-lo nos três dias subsequentes.
Tem agora a palavra a Sr.ª Secretária para dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Ética.

A Sr.ª Secretária (Maria Carrilho): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer da Comissão de Ética refere-se à substituição do Sr. Deputado Idalino Pereira (CDS-PP), círculo eleitoral de Viana do Castelo, pelo Sr. Deputado Manuel Armando Dias Alves, sendo o parecer no sentido de admitir a substituição em causa, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente: - Vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos iniciar, então, o debate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata, sobre a grave situação de seca que o País atravessa.
Para a intervenção de abertura deste debate, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Moreira da Silva, em representação do Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. Jorge Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estamos perante uma calamidade pública.
A seca que assola Portugal é, quanto à área afectada, a mais grave dos últimos 25 anos, com 63% do território continental em situação de seca severa ou extrema.
Ora, este fenómeno climático está a afectar de forma séria, por um lado, o sector agrícola e agro-pecuário e, por outro, o abastecimento público de água a algumas povoações.
A situação é de tal modo grave, como constatou no terreno o líder do PSD, que algumas associações de agricultores estimam prejuízos na ordem dos 1,8 mil milhões de euros. Justifica-se, pois, a iniciativa tomada pelo PSD de solicitar um debate de urgência sobre tão grave situação que afecta tantas famílias.
Um debate que, na nossa opinião, deve servir para discutir as políticas e as medidas de redução dos

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danos da seca no curto prazo, mas também as políticas públicas de carácter estrutural que permitam mitigar as consequências de futuros fenómenos climáticos análogos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Começando pelo curto prazo e pela urgência da compensação àqueles que foram mais afectados pela seca deste ano, consideramos insuficiente a abordagem que o Governo tem vindo a seguir neste domínio - insuficiente porque manifesta um inaceitável conformismo face às parcas ajudas comunitárias atribuídas por Bruxelas.
O Governo tem o dever de desencadear todas as iniciativas políticas, junto do Conselho e da Comissão, que convoquem a solidariedade comunitária quando ela é mais necessária.

Aplausos do PSD.

Isto é, não pode o Governo português deixar de insistir na elegibilidade dos danos da seca ao Fundo de Solidariedade Europeu, nem que para isso seja necessário desencadear um processo político de revisão do regulamento desse Fundo.
Mas a abordagem do Governo é igualmente insuficiente no plano interno.
Por um lado, porque, concentrando-se na abertura de linhas de crédito, esquece que o essencial passa pela definição de ajudas directas que compensem os danos sobre a agricultura, dando sequência, aliás, às ajudas, deliberadas pelo anterior governo, de 20 milhões de euros, à alimentação do gado e ao combate à doença da língua azul, num momento em que, recorde-se, ainda se considerava possível a inversão da seca, nos meses de Fevereiro, Março e Abril.
Por outro lado, o Governo está a atrasar-se na declaração de calamidade pública para as zonas mais afectadas. Essa declaração de calamidade é não apenas justa como facilita a operacionalização em tempo útil das compensações aos agricultores e aumenta a capacidade negocial portuguesa em Bruxelas.
Mas é também urgente providenciar o aconselhamento aos agricultores sobre as culturas a desenvolver nesta situação de contingência e desencadear as campanhas, nos órgãos de comunicação social, de apelo à utilização racional da água.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, este debate é também uma oportunidade para discutir e construir as políticas públicas que permitirão mitigar, no futuro, os efeitos da seca.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em primeiro lugar, é fundamental assumirmos uma nova gestão dos recursos hídricos.
Queremos dar o nosso contributo e, por isso, acabei de apresentar, em nome do PSD, na Mesa da Assembleia da República, um projecto de lei-quadro da água que não apenas assegura uma completa transposição da directiva-quadro como o faz com recurso a um único instrumento legislativo, consolidando a legislação relativa à titularidade e à protecção dos recursos hídricos.

Aplausos do PSD.

Um projecto de lei-quadro da água que:
Assume a dimensão ambiental da água, assegurando um elevado nível de protecção dos recursos hídricos, num quadro de solidariedade intergeracional;
Assume o valor económico da água, reconhecendo a escassez deste recurso e a necessidade de garantir a sua utilização economicamente eficiente, tendo por base os princípios do utilizador/pagador e do poluidor/pagador;
Assume a gestão integrada dos recursos hídricos e dos ecossistemas, definindo a região hidrográfica como unidade básica de planeamento e de gestão.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A seca que estamos a viver tenderá a repetir-se mais frequentemente e a agravar-se se não assumirmos o combate às alterações climáticas como uma prioridade política nacional e internacional.
Durante estes 10 anos de debate sobre o regime climático global, assente no Protocolo de Quioto, tornaram-se mais evidentes os sinais de inexorabilidade da mudança climática e mais graves as previsões dos cientistas quanto ao aumento da temperatura, à subida do nível médio do mar e ao surgimento de fenómenos climáticos extremos nos próximos 100 anos. Os mesmos cientistas estimam que Portugal será um dos países mais afectados pelas alterações climáticas.
É no Protocolo de Quioto que residem as nossas esperanças para o combate à mudança climática.
Com Quioto, nasceu a "Economia do Carbono": quem for capaz de produzir o mesmo fazendo uso de

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tecnologias mais limpas vencerá.
Portugal fez uma má negociação do Protocolo de Quioto e acordou tarde para o dossier das alterações climáticas.
E foram os governos liderados pelo PSD a assumir como prioritário o dossier das alterações climáticas e a desenvolver uma estratégia nacional, visando o cumprimento de Quioto de modo custo-eficiente, num quadro de equidade de esforços entre todos os sectores.
Os governos liderados pelo PSD aprovaram: o Plano Nacional para as Alterações Climáticas; o comércio de emissões; o plano de mitigação e avaliação das alterações climáticas; a rede ibero-americana de alterações climáticas; as bases para a participação nacional nos mecanismos flexíveis de Quioto; a isenção de imposto sobre produtos petrolíferos nos biocombustíveis; um novo financiamento para as energias; o regime de eficiência energética e qualidade do ar interior dos edifícios que obriga à instalação de painéis solares em todos os novos edifícios.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas esta arquitectura política e estas medidas carecem de consolidação e de continuidade.
Face à omissão patente no programa eleitoral do PS e no Programa de Governo, faz sentido perguntar: qual é, afinal, a política do Governo para combater as alterações climáticas?
Não é possível enfrentar, a médio prazo, a seca sem assumirmos o combate às alterações climáticas e ao efeito de estufa como uma prioridade nacional e internacional.
Sr. Presidente e Srs. Deputado, é igualmente indispensável afirmar uma nova realidade política: a protecção do solo.
A mesma Europa que foi capaz de caminhar rápida e eficazmente na regulamentação da protecção do ar, da água e da biodiversidade, tem de ser capaz de demonstrar sensibilidade e energia na protecção dos solos, cujos empobrecimento e degradação afectam especialmente os países do sul da Europa.
A seca, mas também a erosão, a exaustão e a poluição são elementos que afectam, hoje, mais de um terço do território europeu. É urgente a definição de legislação-quadro europeia nesta matéria, mas também é indispensável um sistema nacional de monitorização regular da qualidade do solo.
Em resumo, este é o tempo para compensar os mais afectados pela seca, mas também para impulsionar políticas duradoiras de prevenção e de mitigação futura da seca.
O PSD não abdica, como se verifica neste debate, de desenvolver respostas políticas às maiores interpelações dos cidadãos, num quadro responsável de alternativa de governação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.

O Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas (Jaime Silva): - Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República, Ex.mos Sr.as e Srs. Deputados: Esta é a primeira vez que me dirijo a esta Câmara e, por isso, não poderia deixar de referir quanto constitui para mim um privilégio e uma honra fazê-lo. É aqui que a Democracia bate mais forte.
Gostaria de iniciar o meu contacto com esta Assembleia, apresentando o que é a actividade nobre de qualquer ministro: apresentar a política que o Governo se propõe realizar, nesta legislatura, na área que tutela. Creiam, Srs. Deputados, que estarei sempre disponível para o fazer, mesmo que alguns desvalorizem a importância da agricultura - e há mesmo quem considere que a existência de apenas uma subcomissão parlamentar é o corolário disso mesmo. Esse não é o meu entendimento nem o do Governo.
Digo-o não porque a seca prove a relevância do sector mas, sobretudo, porque estou apostado em colocar a agricultura na linha do crescimento económico, da competitividade e, assim, provar que o sector agrícola pode e deve participar no crescimento económico do País, no emprego e na coesão nacional.
Não devemos esquecer-nos, Sr.as e Srs. Deputados, de que uma das políticas que combate a desertificação, o êxodo rural, é, seguramente, a da agricultura, já que 80% do território nacional é rural.

Aplausos do PS.

Quiseram as circunstâncias e a vontade desta Assembleia que o primeiro assunto fosse o problema sério e grave que é a seca.
O Governo, desde a primeira hora, identificou este problema como um assunto prioritário. O Ministro da Agricultura, desde a tomada de posse, elegeu-o como o combate da sua primeira acção.
Em boa hora este debate foi agendado, mas podia tê-lo sido há mais tempo.
É que a seca, Srs. Deputados, sabem muito bem, não começou ontem nem na tomada de posse deste Governo! A seca, segundo os dados da meteorologia nacional, já vem do ano passado. É verdade, Sr.as e

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Srs. Deputados!
O Instituto Nacional de Meteorologia identificou os meses de Novembro e Dezembro como de pluviosidade anormalmente baixa. Nos meses de Janeiro e Fevereiro, a situação continuou a agravar-se e passou a ser mais do que visível o fraco desenvolvimento vegetativo das pastagens, das culturas cerealíferas de Outono/Inverno, tanto as destinadas à produção de grão como à alimentação animal.
Em 15 de Março, três dias depois da tomada de posse do Governo, o relatório, realizado no âmbito do acompanhamento da seca, indicava que 88% do território continental se encontrava numa situação de seca severa ou extrema, ou seja, comparativamente aos números evocados pelo Sr. Deputado Moreira da Silva, números bem mais importantes do que os 63%, verificados a 30 de Abril. Ou seja, Srs. Deputados, não se chegou a 88% de seca severa e extrema três dias depois da tomada de posse do Governo; chegou-se lá de Novembro a Março, aquando da tomada de posse do Governo!
Face à gravidade da situação, seria de esperar que o governo anterior tivesse, então, considerado o problema da seca nas suas reais proporções.

Aplausos do PS.

No entanto, o governo limitou-se, então, a esconder a seca por trás de um outro problema, também grave, que era o da doença da língua azul, estabelecendo como única acção do Estado uma ajuda de 15 milhões de euros para alimentação animal e 5,5 milhões de euros para despesas relacionadas com a vacinação. E ambas as medidas, Srs. Deputados, para a zona da doença da língua azul, que está longe de chegar aos 88% de seca severa e extrema que atingia o País.
Para além disso, o governo pediu a Bruxelas duas medidas que possibilitassem o pastoreio nas zonas de set-aside, bem como a possibilidade de aumentar o encabeçamento de animais, devido à doença da língua azul - e, mais uma vez, para as zonas a sul do Tejo e uma pequena parte da Beira Interior, quando a seca extrema e severa era de 88% e atingia globalmente quase todo o País.
Como disse o Sr. Primeiro-Ministro, e também já o reafirmei, não vou passar o tempo a debruçar-me sobre o passado, mas antes pegar nos problemas e resolvê-los.

O Sr. Hermínio Loureiro (PSD): - Até agora…!

O Orador: - Mas enquanto Ministro da Agricultura, não abdicarei de fazer um inventário da "herança" e de, no momento oportuno, trazê-lo a esta Casa. Isto, por uma razão muito simples: apenas pretendo ser julgado pela política que executarei e da qual prestarei contas.
Permitam-me, pois, que dê já conta hoje daquilo que fizemos. Em primeiro lugar, friso bem, visamos minorar os efeitos da seca, porque a solução da seca, que é um problema estrutural e periódico que atinge o País, exige medidas estruturais.
Permitam-me, todavia, referir previamente o grau de responsabilidade e de profissionalismo demonstrado pelos agricultores e pelas respectivas confederações, que reconheceram, no âmbito das consultas que tenho periodicamente com eles, o quadro de rigor orçamental em que nos encontramos. Tive, então, a oportunidade de garantir que o Governo reconhecia a gravidade do problema e era solidário.
Elenco, agora, os passos que já demos. Pela primeira vez, a 14 de Março, o Governo português sensibilizou o Conselho Europeu de Agricultura e a Comissão para a situação de seca em Portugal e para a consequente necessidade de derrogações de determinadas disposições.
Permitam-me, pois, que apresente as medidas que discuti e tiveram o apoio da Comissária Europeia para a Agricultura. Em primeiro lugar, notifiquei o auxílio de Estado, os apoios dados pelo anterior governo que corriam o risco de ser considerados incompatíveis porque eram ajudas de Estado para a doença da língua azul e não para a seca e sem provarem que tinha havido quebras de rendimento, em todas as regiões abrangidas, de 30%.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, tenha a bondade de concluir a sua intervenção, porque esgotou o seu tempo.

O Orador: - Permita-me, Sr. Presidente, concluir, enunciando as linhas de crédito que o Governo obteve, no montante de 125 milhões de euros: linhas de crédito para a alimentação animal, sem juros; linhas de crédito para investimentos em infra-estruturas de abeberamento de animais, com juros bonificados, durante três anos, de 80,% 60% e 40%; e uma linha bonificada, sem juros, para as culturas atingidas.
Introduzimos ainda flexibilização na gestão da actividade pecuária, nomeadamente nas zonas de pastoreio, e pedimos um conjunto de derrogações que permitam antecipar, já este ano, aos agricultores portugueses um montante total de ajudas de 250 milhões de euros.
Sr.as e Srs. Deputados, esta foi a abertura que encontrei em Bruxelas. E encontrei mais, para responder a um outro problema: a alimentação animal, no caso de a seca se prolongar.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, o seu tempo está esgotado. Terá a oportunidade de, na segunda volta

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de perguntas, concluir a sua exposição. Agora, para haver neste debate um uso equitativo do tempo, tenho de pedir-lhe que conclua.

O Orador: - Sr. Presidente, concluirei, dizendo que a situação é grave e séria, mas ainda não é de calamidade, como, mais tarde, nas respostas, referirei.
Permitam-me reafirmar que o Governo considera a seca um problema grave, que os agricultores sabem que podem contar com o Governo e comigo e que o Governo conta com o realismo deles, de que, ainda ontem, deram conta ao considerarem que as soluções avançadas pelo Governo para os seus problemas são as soluções que eles próprios preconizaram, aceitaram e aprovaram.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar início à primeira volta de pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, antes de mais, gostaria de fazer um pequeno comentário à intervenção que acabámos de ouvir.
O Sr. Ministro da Agricultura, seguramente, é um excelente técnico, mas aqui, nestas lides parlamentares, demonstrou alguma inexperiência, perante a qual evidentemente também mostraremos alguma indulgência.
No entanto, lamentamos que tenha sido tão mal assessorado ao ponto de ter gasto a quase totalidade do tempo que lhe estava destinado com ataques ao governo anterior, quando, neste momento, não é essa a questão que está em cima da mesa.

Aplausos do PSD

Assim sendo, sugiro que os seus assessores lhe dêem a ler a Acta da Comissão Permanente de 26 de Janeiro de 2005, onde o então ministro da Agricultura explanou perante esta Câmara as acções que, na altura, eram as mais adequadas.

O Sr. Hermínio Loureiro (PSD): - Bastava ter lido!

O Orador: - Até o Sr. Deputado Carlos Zorrinho, do Partido Socialista, confirmou - está aí escrito -, aliás em tom de semicrítica, que muitas dessas medidas eram uma cópia de medidas que, em tempos, o governo do Partido Socialista teria tomado.
Seja como for, Sr. Ministro, lamentando não ter tido a oportunidade de ouvir as medidas que o Governo propõe para mitigar a seca e, sobretudo, discutir connosco algumas daquelas que já anunciou, gostaria de aproveitar a minha intervenção - e, como Deputado eleito pelo Círculo Eleitoral do Algarve, tenho a obrigação de fazê-lo - para dizer que não tenho ouvido no seu discurso, nas muitas vezes que vai e vem de Bruxelas e quando vai à Ovibeja, qualquer referência à situação gravíssima que, neste momento, ocorre na região do Algarve.
O Algarve sofreu já três grandes pragas seguidas: os incêndios de 2003 e de 2004, em que arderam 100 000 ha de terra, correspondendo a um quinto do seu território, e, a seguir, veio a geada, também ela uma consequência da seca. E é uma consequência da seca porquê, Sr. Ministro? Porque, com a falta de humidade que havia e com as temperaturas extremamente baixas que se verificaram no mês de Janeiro, a geada negra assumiu, dessa vez, um carácter extremamente mortífero, atingindo cerca de 100% das produções por onde passou.
E importa dizer, pois não tenho ouvido fazê-lo, que os citricultores do Algarve estão com graves problemas: 1500 ha de pomares arderam completamente, perdendo-se 50 milhões de euros de produção, o que afectou muitas pessoas. Ademais, na zona do perímetro de rega do rio Arade, 1000 ha de terra estão com falta de água, havendo apenas 2 milhões de metros cúbicos de água na barragem do Arade e sendo as necessidades, só para este ano, em termos de rega, de cerca de 9 milhões de metros cúbicos de água. E, sobre isso, não temos ouvido qualquer palavra do Ministério da Agricultura, qualquer palavra de V. Ex.ª…!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas o problema não se cingiu à citricultura, pois atingiu também a horticultura, que está completamente esquecida - foram 100 ha de estufas, 20 ha das quais ao ar livre, foram 10 000 t de produtos que se perderam e 5 milhões de euros de prejuízos!! As pastagens dos pequenos ruminantes foram igualmente afectadas!
E convém não esquecer também, apesar de se falar de seca, que as culturas de sequeiro - do figo, da amêndoa, da alfarroba e da oliveira - vão ter uma quebra de produção de 50% este ano!

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Tudo isto constitui o conjunto da agricultura do Algarve. É porque, ao olhar para o Algarve, importa pensar não apenas no turismo mas também nas pessoas que vivem da terra, nas 20 000 famílias que vivem da terra!!

Aplausos do PSD.

Sr. Ministro, quero dizer-lhe que o governo anterior tomou as medidas adequadas ao tempo em que estava. Nessa altura, ainda ninguém poderia adivinhar que não iria chover em Fevereiro, nem em Março, nem em Abril. Por isso, nessa altura, não se ia declarar a situação de calamidade pública, mas, neste momento, a declaração de calamidade pública, em algumas regiões do País, justifica-se plenamente. Agora, é o timing certo e o Governo não pode alhear-se de tomar essa medida!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E a linha de crédito concedida, que o Sr. Ministro agora chama de pesada herança, foi preparada pelo anterior governo. Mas devo dizer-lhe, Sr. Ministro, que a linha de crédito é um paliativo, ela não resolve o problema de fundo, adia-o, porque os agricultores, nomeadamente os do Algarve, estão endividados "até ao pescoço". Do que eles precisam não é de uma linha de crédito de curto prazo, de um, dois ou três anos, mas de uma linha de crédito de desendividamento, que tenha dois anos de carência, oito anos para reembolso e taxas de juro degressivas. E, sobretudo, quando o Governo, quando todos os governos dizem que bonificam as taxas de juro, deviam era preocupar-se com as elevadíssimas taxas de juro que a banca pratica aos agricultores.

Protestos do PCP e do BE.

É que os agricultores são sempre os deserdados da situação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - São eles as vítimas de seguros de colheita que não resolvem problema algum. Desafio o Sr. Ministro da Agricultura a lançar um inquérito independente à questão dos seguros de colheita, um dos maiores escândalos nacionais hoje existente em Portugal. É que, enquanto os agricultores ficam na miséria, as seguradoras enchem-se com o dinheiro do Estado - são mais de 50 milhões de euros por ano!!

O Sr. Presidente: - Faça favor de concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Tinha muito mais coisas para dizer, Sr. Ministro, mas teremos mais oportunidades para debatê-las.
Quero, no entanto, fazer-lhe um desafio, Sr. Ministro: venha ao Algarve falar, em discurso directo, com os agricultores, as associações e as cooperativas. A seca não acaba no Baixo Alentejo! Ela estende-se ao Algarve! É importante que o Sr. Ministro vá ao Algarve, porque lá também há agricultores, citricultores e horticultores. E no dia em que deixar de haver floresta e agricultura, então, provavelmente, o Ministério da Agricultura deixará de ter razão para existir e a sua apreciada presença também.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ceia da Silva.

O Sr. Ceia da Silva (PS): - Sr. Presidente, Srs. Ministros e Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados, Srs. Deputados do PSD: De facto, chegámos todos hoje a uma conclusão nesta Câmara: os senhores não estiveram no governo nestes últimos três anos - nós já o sabíamos e a população portuguesa também.

Aplausos do PS.

A problemática da seca é uma situação que deve merecer de todos nós uma postura de Estado e uma intervenção nacional acima dos aproveitamos políticos ou das questiúnculas partidárias. Essa, Srs. Deputados do PSD, não deveria ser a vossa atitude e não deveria ser, ainda mais, face ao modo como a vossa velha maioria geriu este dossier no governo.
E permitam-me que lhes ofereça dois elementos preciosos de diagnóstico da seca, que lhes fazem muita falta: um calendário de bolso e um relatório dos serviços de meteorologia e hidrologia. É que a seca não começou com a tomada de posse deste Governo, Srs. Deputados! A seca começou a registar-se, em Portugal, em Novembro do ano transacto, e, mais, em Dezembro, a seca era excepcional, em 50 anos de recorrência em relação ao passado.

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E qual foi a atitude de VV. Ex.as, então, no governo? Praticamente inexistente. Aliás, em Janeiro deste ano, nesta mesma Câmara, afirmavam - e também podia referir a actas, mas o Sr. Deputado Mendes Bota já o fez - os Srs. Deputados do PSD e do CDS-PP que "os problemas climáticos extravasavam largamente a actuação dos governos". Mudou-se o tempo, muda-se o discurso!!…

Aplausos do PS.

É claramente uma postura que não aceitamos, ao contrário da postura que as associações de agricultores, que os homens ligados à agricultura têm tido em relação ao comportamento e à atitude do Ministério da Agricultura.
Em nome da bancada do PS, quero aqui elogiar este Governo, cuja atitude neste dossier é irrepreensível, já que, apenas duas semanas após a tomada de posse, acabou por criar a Comissão para a Seca 2005, comissão esta que reflecte o verdadeiro sentido de Estado deste Governo (contrariamente à vossa atitude!), envolvendo a sociedade civil, as associações ambientalistas, as autarquias e os bombeiros - aliás, no âmbito desta mesma Comissão, os próprios bombeiros já redefiniram a sua estratégia de forma concertada em relação ao combate aos incêndios, face aos baixos níveis de água nas albufeiras, e também numa perspectiva integrada, como sabem, já o Governo socialista, através do Ministério da Administração Interna, antecipou a época de fogos para 15 de Maio, ao contrário da vossa atitude no governo também já com a situação de seca.
Srs. Deputados do PSD, quando os senhores desvalorizaram a seca - e foram os senhores que a desvalorizaram! - aqui, em Janeiro, anunciava, nessa data, o vosso ex-ministro da Agricultura - que, pelos vistos e para bem do País, não foi eleito no círculo eleitoral de Portalegre -…

Protestos do PSD.

… anunciava, nessa mesma data, o vosso ex-ministro da Agricultura, repito - e com pressupostos da resolução não do problema da seca mas da doença da língua azul -, um apoio de 20 milhões de euros. Pois bem, a única medida da velha maioria em relação à questão da seca foi esta: ignorar e desvalorizar, numa atitude irresponsável, aquilo de que, agora, de repente, se lembra. Mais uma vez, Srs. Deputados do PSD, fazem-no tarde e a más horas!
Quando o PS chegou ao Governo existiam apenas duas cartas da Comissária Europeia da Agricultura, cartas que solicitavam ao Sr. Ministro da Agricultura que fundamentasse os pedidos mal elaborados pelo anterior governo - o Sr. Deputado Mendes Bota esqueceu-se de o referir… Ora, perante esta situação, qual foi a atitude (que quero realçar e elogiar) do nosso Ministro da Agricultura? De imediato, e apenas dois dias após ter tomado posse, o Sr. Ministro da Agricultura estava em Bruxelas a renegociar e a obter ajudas europeias para a agricultura portuguesa.

O Sr. Mota Andrade (PS): - Essa é que é a verdade!

O Orador: - Muito ganhou, não o PS, não o Governo, mas o País com a sua investidura, Dr. Jaime Silva, como Ministro da Agricultura!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Afinal, já está tudo bem…!

O Orador: - O seu conhecimento profundo desta área e dos dossiers comunitários foi decisivo para a concretização das medidas que agora anunciou e que considero vitais para a nossa agricultura - linhas de crédito bonificadas a 100%, no valor de 125 milhões de euros.
Os Srs. Deputados da velha maioria falam hoje da seca e do abastecimento de água, mas o que fizeram, nos últimos três anos, ao plano de regadio aprovado nos governos socialistas? O que fizeram ao regadio do Alqueva? O que fizeram à barragem do Pisão no Crato, anunciada em 21 de Abril de 2001, já lá vão quatro anos?… O que fizeram à barragem de Estremoz? Então, agora é que se lembram da seca e da falta de água?!…
Parece-me, mais profundamente, falta de senso - o senso e o conceito de Estado que uma situação como esta mereceu deste XVII Governo!
Falam do Fundo de Solidariedade da União Europeia e eu pergunto: será que desconhecem os regulamentos comunitários? Não sabiam que tinham um prazo de 10 semanas, o mais tardar, para comunicar à União Europeia que o Estado sinistrado solicitou um pedido de intervenção do referido Fundo?

Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Orador: - Então, por que não accionaram esse pedido à União Europeia em devido tempo? E o que fizeram ao plano de regadio?

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Protestos do PSD.

Falam hoje do Fundo de Calamidades, mas, Srs. Deputados do PSD, o Fundo de Calamidades foi criado em 1996 por um governo socialista e, entretanto, os senhores estiveram no governo, não o alteraram e podiam tê-lo feito! Mais: no Orçamento do Estado para este ano, dotaram esse mesmo Fundo de Calamidades com uma verba de 2 milhões de euros…!!
Se o Sr. Ministro da Agricultura tivesse accionado esse Fundo, sabem o que isso significava? Cerca de um quarto dos apoios que os agricultores vão receber através das medidas anunciadas pelo Sr. Ministro!
Há pouco, também falaram da "lei-quadro da água". Pois bem, no tempo em que estiveram no governo elaboraram quatro "leis-quadro da água", sem saberem qual delas haviam de apresentar. Nunca as concretizaram! E hoje, na oposição, apresentam um projecto de lei-quadro da água…

Protestos do PSD.

Também é bom recordar os Srs. Deputados que, em 2002, havia um Plano Nacional de Alterações Climáticas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Na "gaveta"!

O Orador: - Para concluir, gostava de reforçar que, em vez de palavras, são necessárias atitudes, actuação no terreno, e é essa actuação no terreno, essa atitude certa no momento certo que quero registar em relação ao Governo.
O povo português reconhecerá a atitude e a postura, a determinação e a competência deste Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Macedo.

A Sr.ª Alda Macedo (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, há algumas semanas atrás, o Bloco de Esquerda trouxe a esta Assembleia, em Período de antes da ordem do dia, alguma discussão justamente sobre este problema, que se vai agravando à medida que o tempo vai passando.
A seca que avassala o nosso país, como já aqui foi dito, é um problema que afecta mais de 60% do território nacional e constitui uma situação de gravidade excepcional - o relatório do INAG, de 30 de Abril, caracteriza-a como "a situação mais grave dos últimos 25 anos". É, portanto, como excepcional que deve ser tratada.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Muitas coisas afligem os portugueses neste momento e eu resumi-las-ia em três vertentes centrais: a situação de ruptura financeira a que estão a chegar os produtores agrícolas e as pecuárias; a perspectiva das quebras de abastecimento da água ao domicílio, o que poderá, num futuro próximo, repercutir-se em problemas de saúde pública; e o risco agravado de dificuldade na prevenção do combate aos incêndios florestais, dado o estado de secura do coberto florestal e de redução das disponibilidades hídricas.
Digamos que o problema, ou a dificuldade, que temos pela nossa frente é amplo, multifacetado, não é um problema exclusivamente da agricultura em Portugal, ainda que sejam os agricultores aqueles que, em primeira mão, estão a senti-lo com maior gravidade.
Esta situação de calamidade - que o é, de facto! - já devia ter sido equacionada como tal. Na verdade, não se percebe a inércia a que assistimos no início do ano, quando se sabia já que Novembro e Dezembro foram meses com uma taxa de pluviosidade absolutamente anómala e que as previsões meteorológicas só faziam prever e indicavam que a situação tenderia a agravar-se nos meses seguintes. Parece que só o PSD precisou de mais quatro meses para perceber a situação a que poderíamos chegar até hoje.
Estamos perante a situação de "pôr trancas na porta" depois de a "casa ter sido assaltada" e, o que é mais grave, quando o assaltante se fez anunciar com tempo. É que, desde o princípio de Janeiro, tornou-se evidente que iríamos atravessar o Inverno mais seco das últimas décadas!!
Há, portanto, que promover soluções de emergência que mitiguem os efeitos desta situação.
Sr. Ministro, a abertura de linhas de crédito por V. Ex.ª anunciada, em nossa opinião, não resolve a totalidade da situação das empresas agrícolas que já se encontram numa situação financeira absolutamente precária. Portanto, a abertura destas linhas de crédito, a prazo, vai agravar ainda mais a sua situação.

Aplausos do BE.

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Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente António Filipe.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.

O Sr. José Soeiro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, é com perplexidade e, não o escondo, contida indignação que intervenho neste debate de urgência agendado pelo Grupo Parlamentar do PSD sobre a severa seca que se faz sentir por todo o País, e muito em particular no Alentejo e no Algarve.
Perplexidade pela forma frenética como o PSD e o PS concorrem entre si, desde há algum tempo para cá, no sentido de procurarem apresentar-se, perante a opinião pública, como os paladinos da luta contra a seca e as suas calamitosas consequências para as populações, muito em particular para os agricultores e produtores de pecuária.
Perplexidade ainda pela forma como ambos intervêm nesta matéria: como se estivéssemos perante algo de inédito, surpreendente e imprevisível, algo de que só ao inacessível São Pedro poderemos atribuir responsabilidades e pedir contas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - As medidas manifestamente insuficientes e de carácter conjuntural que timidamente ambos têm vindo a avançar testemunham a forma superficial como o PS e o PSD, insistem em encarar um problema que é cíclico e cujas consequências negativas poderiam ser drasticamente minimizadas se atempadamente tivessem sido tomadas as medidas há muito conhecidas e que só a irresponsabilidade, a incompetência ou o deliberado boicote de sucessivos governos pelo PSD e pelo PS sustentados não permitiu concretizar.
Sejamos claros!
Como há muitos anos é unanimemente reconhecido, a água é um bem precioso, escasso, essencial à vida e ao bem-estar das populações. Sem água a vida não é possível e a actividade humana está condenada.
A ocorrência de secas não só é previsível como, em climas mediterrânicos como o nosso, é frequente. Os seus efeitos nefastos são, no entanto, passíveis de ser minimizados e, para isso, só há uma solução: assegurar a captação de águas superficiais que, para além de assegurarem o consumo corrente, devem constituir em si uma reserva para fazer face a situações de seca como a que estamos a atravessar, preservando as águas subterrâneas como reserva estratégica para fazer face a situações extremas de seca que, como sabemos, se podem prolongar por mais de um ano consecutivo.
A verdade é que PSD e PS nunca assumiram esta realidade e os resultados estão à vista: barragens que aguardam, nalguns casos, há mais de 30 anos para ser construídas; proliferação de furos com a utilização descontrolada dos aquíferos subterrâneos até a sua exaustão; prejuízos económicos, sociais e ambientais incomensuráveis a cada período de seca que nos atinge.
O Grupo Parlamentar do PCP, para dar resposta ao imediato, mas também para acautelar o futuro, apresentou hoje um projecto de resolução que contém 12 medidas concretas que consideramos indispensáveis e de que sublinho a declaração de calamidade pública, a constituição de um fundo especial para a construção das inúmeras barragens há muito inventariadas e a mobilização das unidades de engenharia militar, bem como outros recursos técnicos e humanos existentes no aparelho do Estado para a sua concretização.
Fica aqui o desafio para a sua aprovação.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, a situação de seca em Portugal é, nas palavras do Sr. Presidente da República, "terrível". Todos nós o reconhecemos.
Porém, como consideração prévia, gostaria de dizer que não me parece que seja de bom-tom ou, sequer, útil para este debate que se tente fazer aqui um arremesso de culpas de parte a parte.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Muito sinceramente, Sr. Ministro - e permita-me que o diga com toda a honestidade e com toda a franqueza -, entendo que tal atitude não ajuda minimamente a que todos possamos tentar resolver este problema, que é, de facto, terrível e dramático.

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Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - De acordo com os últimos dados disponíveis, neste mês de Abril, 85% do território nacional está em situação de seca, sendo que 63% desse território se encontra em situação de seca extrema ou grave. Em comparação com o mês anterior, verificou-se um aumento de 19% dos casos de seca extrema ou severa. Aliás, a seca extrema ou severa chegou a atingir 80% do território nacional na primeira quinzena de Abril, baixando para 63% nos últimos 15 dias, devido à pluviosidade entretanto registada.
Esta situação levanta problemas dramáticos no abastecimento de água às populações e, obviamente, problemas dramáticos no nosso sector agrícola.
As previsões das produções agrícolas comparadas com as do ano passado registam quebras da ordem dos 60% para produtos como a cevada, a aveia, o triticale, o trigo duro ou o trigo mole e na casa dos 20% para produtos com o centeio ou a batata de regadio.
Relativamente às forragens, prados e pastagens, a situação é desastrosa. Na maior parte das explorações agrícolas das zonas afectadas, os stocks de palhas, fenos e silagens esgotaram-se, não restando outra opção que não seja o recurso anormal às rações ou à importação de palhas e fenos, com o consequente agravamento dos custos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, os Eurodeputados do CDS propuseram, através do Grupo Parlamentar do PPE, a realização de um debate de urgência no Parlamento Europeu. Através deste esforço, esse debate foi realizado em meados de Abril e dele resultou uma resolução que insta a Comissão Europeia, entre outras medidas, a: primeiro, antecipar a totalidade dos pagamentos das ajudas aos agricultores; segundo, promover a mobilização dos stocks de cereais resultantes dos excedentes de alguns Estados-membros para Portugal; terceiro, autorizar o Governo português a conceder ajudas directas aos agricultores; quarto, derrogar regulamentos comunitários relativos ao set-aside.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Pela nossa parte, sentimos que fizemos o que estava ao nosso alcance. Gostaríamos de saber agora o que é que o Governo tenciona fazer.
A verdade é que foram anunciadas medidas, como linhas de crédito, mas ao bolso dos agricultores portugueses ainda não chegaram quaisquer apoios. A verdade é que, até agora, o único apoio que os agricultores portugueses receberam foi a antecipação do pagamento dos subsídios relativos à "língua azul" e à seca, feitos ainda pelo anterior governo.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É, por isso, fundamental que o Governo anuncie hoje o que vai fazer em relação a estas matérias. Vai ou não o Governo declarar o estado de calamidade pública, como defende o CDS? Vai ou não pedir à Comissão que seja accionado o Fundo de Solidariedade Europeu, alterando, se for preciso, os regulamentos europeus? Vai ou não pedir à Comissão a antecipação dos pagamentos directos aos agricultores? Está ou não o Governo disposto a conceder ajudas directas aos agricultores? Ou vai ficar, única e exclusivamente, pela concessão de linhas de crédito, que ajudam mas aumentam o endividamento dos agricultores portugueses?

O Sr. Presidente (António Filipe): - Faça favor de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Nós não esquecemos que também é preciso tomar, neste campo, medidas estruturais. Ora, uma das medidas estruturais que estava preparada pelo anterior governo era a adopção de uma nova lei-quadro da água. Sentimos que essa lei é fundamental para ajudar o nosso desenvolvimento, que queremos rápido e sustentável.
Por isso mesmo, esta bancada, recebendo essa herança, a qual nos orgulha e nos enche de satisfação, muito brevemente, vai apresentar nesta Assembleia uma nova lei-quadro da água. Esperamos que o Governo nos acompanhe nesse esforço.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados,

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a água é um bem precioso e fundamental à vida. O ouro azul, como já é chamada, apontado como principal causa de discórdia no deflagrar de conflitos armados no futuro, é um bem escasso, o que é frequentemente esquecido.
Com efeito, apesar de o nosso planeta azul ter a maior parte da sua área coberta por água, a verdade é que de todo esse universo hídrico, esmagadoramente constituído pelas grandes massas de água salgada dos oceanos, apenas muito menos de 1% de toda a água do nosso planeta está em condições de ser captada e utilizada para satisfazer as necessidades de consumo humano e dos outros seres vivos e ecossistemas que dele dependem.
A necessidade de o homem estimar a água como bem e direito fundamental inalienável da humanidade e geri-la de forma sustentável, acautelando o futuro, garantido o seu uso racionalizado e a sua repartição de forma justa e equilibrada, é, porventura, um dos maiores desafios que se coloca à humanidade.
Tudo isso são lugares comuns, património do discurso de ambientalistas e ecologistas de há muito anos, que importa hoje ter bem presente durante este debate. Por uma razão simples, Srs. Deputados e Srs. Ministros: se é verdade que Portugal se encontra, neste momento, a viver uma situação verdadeiramente catastrófica em resultado da profunda seca que assola o nosso país, seca esta cujas causas remontam ao ano passado quando já havia dados que apontavam para a probabilidade séria de ela vir a acontecer durante este ano, a verdade é que este não pode ser encarado como um problema pontual. A escassez de água é um problema permanente em Portugal e o défice hídrico tem que ser um dado adquirido.
Em nosso entender, se esta seca, em concreto, começou apenas no ano passado, é preciso dizer que a falta de preparação para esta situação começou a verificar-se há muitos anos, com responsabilidades óbvias a repartir entre todos, com especial responsabilidade para os sucessivos governos que nos têm governado.
Compreendemos que ao PS interesse dizer que foi o governo do PSD/PP que não soube prever a aproximação desta seca, assim como compreendemos que não interessará ao PSD procurar responsáveis, remetendo-se unicamente para a necessidade de responder à actual situação que todos reconhecemos ser deveras preocupante.
Mas a importância desta questão, Srs. Deputados e Srs. Ministros, não pode ser reduzida a um atirar de culpas do PS para o PSD, e vice-versa. A situação é demasiadamente grave para ser encarada desse ponto de vista.
O que tem de ser dito é que, mais uma vez, se verifica que no nosso país se governa por reacção. Infelizmente, só se age quando a desgraça nos "bate à porta". Foi assim em relação ao caso do Aquaparque, ou em relação à tragédia da ponte de Entre-os-Rios, ou em relação aos incêndios de 2003. Só depois de morrerem pessoas, de se perderem bens, património humano e natural é que se acorda para o problema, constituem-se comissões, prometem-se ajudas financeiras e outras, legisla-se, etc. Até lá, os avisos da oposição ou são alarmistas ou são importantes mas não prioritários, ou simplesmente são utópicos e irrealistas.
Srs. Deputados e Srs. Ministros, é certamente tarefa fundamental e inadiável gerir esta crise com que nos deparamos, procurando assegurar ao máximo a minimização de danos.
É certamente importante acudir a esta seca que já atinge 32 000 pessoas directamente e que se abate sobre cerca de 70% do território nacional de forma extrema ou grave.
É certamente importante acudir às populações que mais estão a sofrer com ela, populações cujo abastecimento está em perigo ou a ser racionado, agricultores e criadores de gado que assistem impotentes ao definhamento de culturas e à morte de animais, mas também ao tecido produtivo e aos serviços públicos.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Sr. Deputado, faça favor de terminar.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
É certamente importante acautelar muitas situações, e algumas medidas já foram tomadas. No entanto, há medidas estruturais para as quais Os Verdes vêm alertando há muitos anos, como o saneamento básico ou as ETAR. Mas o que é importante dizer é que esta seca não se deve a uma situação pontual. Deve-se, sim, a uma situação cada vez mais de futuro, como apontam os estudos.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.

O Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, sendo a primeira vez que intervenho nesta Assembleia, é natural que não conte bem os tempos. Por isso, como agora disponho de 9 minutos para responder, talvez tenha tempo de detalhar as medidas que já tomei e as que me proponho tomar.
Sr. Deputado Mendes Bota, permita-me que lhe responda com o mesmo ênfase com que o senhor, ao evocar o "seu Algarve", se referiu aos incêndios e às geadas, dando-lhe uma resposta muito simples.
Quanto ao Fundo de Solidariedade referido pelo seu partido, já foi lembrado que esse Fundo tem prazos - 10 semanas. Ora, a seca não começou há 10 semanas!

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Relativamente aos incêndios, devo lembrar ao Sr. Deputado que quem vai a Bruxelas tem alguma dificuldade em olhar a Comissão, lembrar que os incêndios de 2003 foram uma tragédia, que a Comissão deu 48 milhões de euros e que o seu governo não os gastou!

Aplausos do PS.

O seu governo podia ter gasto esse dinheiro até 3 de Dezembro do ano passado e o Governo de que faço parte vai ter de devolver mais de 6 milhões de euros, que seriam muito úteis para quem sofreu na carne os incêndios que o senhor evocou!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Relativamente às geadas, lembro ao Sr. Deputado que o Partido Socialista, em 1996, criou o Sistema Integrado de Protecção contra as Aleatoriedades Climáticas (SIPAC), um sistema de seguros, e que a ele recorreram 103 agricultores do Algarve, sendo agora compensados pelo prejuízo que tiveram. Mas compreenderá que, tendo em conta o rigor orçamental em que nos encontramos, a resposta a esse problema não é a de "atirar" dinheiro. É, sim, a de dizer aos Srs. Agricultores que existe um sistema de seguros - sistema, esse, que decerto poderá não funcionar da melhor maneira -, criado pelo Partido Socialista, e, coincidências!, a Comissão Europeia já lançou um debate para a respectiva revisão e o Governo português, por meu intermédio, já disse que era bom que houvesse, a nível europeu, um sistema de seguros harmonizado que também cobrisse questões como a da seca. Portanto, o Governo já tomou posição.
Lembro ao Sr. Deputado que não só disponibilizámos água para a sobrevivência dos citrinos no Algarve mas também - aliás, há pouco não tive tempo de expor, hélas!, não estou habituado a estas maratonas parlamentares - a linha de crédito que o Governo vai decidir amanhã contempla as hortofrutícolas, contempla a maior parte das produções do Algarve. Todavia, como óbvio, ela só será aplicada depois das colheitas. É uma exigência de qualquer ajuda de Estado provar que houve uma quebra substancial das colheitas.
E aí, mais uma vez, reconheço a dignidade e a responsabilidade das organizações e das confederações que representam os agricultores quando, evocando a solidariedade do Governo, souberam distinguir - e respondo ao Partido Popular - entre o que é quebra de produção do que é simplesmente receber um subsídio, desligado da produção, e não cultivar. Temos de saber distinguir quebra de produção de alguns cereais, como é o caso do trigo mole, mas não no trigo duro, que o senhor citou. Neste caso, há, simplesmente, uma decisão livre - que respeito - dos agricultores em não cultivarem trigo duro. Mais uma vez, as associações da lavoura mostraram a tal responsabilidade de que tenho falado.
O Sr. Deputado do Partido Popular referiu uma iniciativa que tomou no Parlamento Europeu, que foi seguida pelos outros grupos parlamentares, e eu, enquanto membro do Governo, só a posso louvar. Mas devo lembrar ao Sr. Deputado que aquilo que enumerou foi aquilo que pedi à Sr.ª Comissária - e obtive! - três semanas antes.

Aplausos do PS.

Obtive, três semanas antes, as derrogações que o senhor muito bem enumerou. E mais: obtive a legalização da ajuda dada pelo governo anterior - os tais 15 milhões de euros e os 5 milhões adicionados especificamente para a "língua azul".
Permita-me, ainda que certas pessoas não gostem, que continue a falar do inventário. É que esse dinheiro não estava orçamentado. Tive alguma esperança quando o Sr. Deputado Marques Mendes e a sua bancada referiram a necessidade de um Orçamento rectificativo - e é pena ele não estar presente, porque não gosto de falar das pessoas na sua ausência -, pois pensei que viessem dizer que esse Orçamento seria necessário para repor o dinheiro que o Ministro da Agricultura já tinha gasto para a seca e que tinha retirado de outras medidas veterinárias importantíssimas em termos de segurança alimentar.

Protestos do Deputado do PSD Luís Marques Guedes.

Aguarde, Sr. Deputado, porque há mais: é que relativamente aos incêndios, encontrei os sapadores florestais com salários em atraso.
Srs. Deputados, compreendo que todos queiramos mostrar que fazemos o nosso trabalho. Obviamente, eu quero mostrar que fiz o meu e não só eu como o Governo vamos continuar a fazer o nosso trabalho.

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Penso que o Governo e as confederações de agricultores já ganharam um desafio: o de tratar o problema da seca com o rigor que o Orçamento e a situação económica do País exigem, com a dignidade que o assunto merece, sem as lamúrias do costume e sem os aproveitamentos de muitos quando evocam os problemas regionais. Espero que a oposição também ganhe esse desafio, que já foi conseguido pelo Governo e pelas confederações de agricultores quando, ontem, saudaram as medidas que este Governo tomou.

Aplausos do PS.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Quais medidas?!

O Sr. Presidente (António Filipe): - Srs. Deputados, vamos passar à segunda volta do debate.
Para um pedido adicional de esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Raúl dos Santos.

O Sr. José Raúl dos Santos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, acabámos de ouvir o Sr. Ministro, mas ficámos com as mesmas dúvidas. Ou seja, vai ou não o Governo declarar a calamidade pública? É a primeira questão.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Encarar os problemas associados à seca como questões conjunturais denota uma preocupante falta de perspectiva sobre as verdadeiras razões que estão por detrás dos factos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tem sido sempre assim. Sucessivos governos têm empurrado para diante o encontro de respostas à altura dos acontecimentos. E o actual está a gerir o problema como se fosse algo que acontece de vez em quando, importando apenas atenuar os efeitos imediatos da seca. Esta lógica tem de ser posta de parte, Srs. Deputados. Temos de fazer outra leitura de acordo com a realidade que, progressivamente, se apresenta mais problemática.
A actuação perante o fenómeno da seca tem de ser vista na base da prevenção. Prevenir, antecipar os acontecimentos, é o método que as políticas governamentais têm de seguir no imediato, deixando-se de acreditar que é a mãe-natureza que vem repor a normalidade climatérica.
Vivo numa região frequentemente assolada com os efeitos de secas prolongadas e cíclicas. Dizer que os alentejanos suportam melhor o intenso calor, a crónica falta de água e as culturas perdidas é não querer ver o que custa estarmos habituados a pesadelos destes. Ninguém se habitua a coisas assim! Os dados demonstram que a seca extrema aflige, sobretudo, o Baixo Alentejo, onde os casos dramáticos se sucedem diariamente.
O próximo Verão vai revelar ao País a dimensão do pesadelo que estamos a suportar desde o início do ano. O que lhe está associado vai muito além do abastecimento de água às populações, que, aliás, não está assegurado e continua a ser protelado, como temos visto no projecto de abastecimento de água em alta, que marca passo desde que José Sócrates era ministro do Ambiente.
Queremos que se olhe o problema da seca com a pertinência que requer e, sobretudo, com indiscutível competência. Agora, se o actual Governo continua apostado em aproveitar as vantagens do estado de graça para escamotear a falta de respostas ao flagelo da seca, é pensar que as pessoas se podem calar ou conformar com meia dúzia de euros, trombeteados como se fosse a descoberta da pólvora.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Temos de encarar o problema de outra forma. No nosso país, existem meios científicos e técnicos à altura de tratar as questões associadas à seca na forma preventiva.
Deve ser encarado como prática normal fazer a avaliação dos impactes resultantes de um ciclo de seca antecipadamente, porque já é possível fazê-lo.
Os exemplos que temos colhido na situação actual dão bem o testemunho do que teria valido em termos económicos, sociais e até políticos, prevenir os efeitos mais nefastos da presente seca.
O que este novo ciclo de seca nos veio dizer é que deixou de ser possível actuar como fizemos até aqui. É um fenómeno que se tem revelado progressivamente mais doloroso para as populações do interior do País.
Mas, se este tipo de interpretações não tem feito eco, faria imediatamente se a população de Lisboa ou do Porto tivesse de ser abastecida de autotanque. O montante já anunciado de prejuízos causados pela presente seca - 1000 milhões de euros - deve servir-nos de aviso sobre a importância da prevenção. Não podemos continuar a apostar apenas nas medidas paliativas à espera que chova nos

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momentos adequados, visto que a natureza está a zombar cada vez mais da estupidez dos homens.
Por conseguinte, é tempo de este problema ter uma evolução qualitativa para evitar a aplicação de medidas draconianas num futuro próximo. Basta que no próximo Outono a precipitação não compense a que escasseou em Outubro de 2004 para termos o ano de 2006 dedicado às preces a "Nossa Senhora dos Aflitos" e à caça aos bodes expiatórios.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para formular um pedido adicional de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.

O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, antes mesmo de colocar uma questão concreta, não posso deixar de referir o conjunto de perguntas que há pouco foram formuladas sobre os incêndios ocorridos no Algarve em 2004. Deste modo, destaco que os apoios sociais de emergência, 90 dias depois das conferências de imprensa feitas perante as televisões, estavam, na sua maioria, por pagar, só tendo sido pago um no Baixo Alentejo e três no Algarve. Por outro lado, cumpre realçar que o Ministro da Agricultura, Pescas e Florestas do anterior governo, o Dr. Costa Neves, declarou publicamente que não havia condições para accionar o Fundo de Solidariedade da União Europeia. Como tal, o que sobre esta matéria aqui foi dito é fugir à realidade.
No caso concreto do Algarve e do incêndio da serra do Caldeirão, que também foi referido, remeto o Sr. Deputado Mendes Bota para as declarações dramáticas proferidas na altura pelo Presidente da Câmara Municipal de Loulé, chamando a atenção para a descoordenação e para a falta de meios que permitiram o alastrar desse incêndio.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas o que é que isso tem a ver com a seca?!

O Orador: - Sr. Ministro da Agricultura, sobre a questão da seca gostaria de colocar duas ou três questões globais.
Em primeiro lugar, no que respeita à questão dos seguros, penso ser necessário enfrentar este problema, como, aliás, o Sr. Ministro já afirmou na sua primeira intervenção. De todo o modo, gostaria de saber se o Sr. Ministro está disponível para assumir um compromisso respeitante a uma avaliação do funcionamento do sistema de seguros. A nossa perspectiva, resultante de muitos contactos com agricultores, é a de que há um certo defraudar de expectativas em alguns casos, nomeadamente nos relativos aos citrinos e aos produtos hortícolas, em consequência dos sistemas de seguros. Tais problemas sentem-se, entre outras regiões, no Algarve. Nesse sentido, o repto que lhe lanço é o de saber se V. Ex.ª está disponível para a criação de uma comissão independente, como já foi aqui referido, ou seja, para um quadro de avaliação do funcionamento do sistema de seguros.
Em segundo lugar, gostava de clarificar a abrangência geográfica das medidas anunciadas. Nós recebemos um comunicado de uma associação de produtores - a Uniprofrutal, do Algarve - que se queixa, dizendo que a Direcção-Geral da Agricultura não lhe dá informação sobre a abrangência das medidas anunciadas. Gostaria, portanto, que o Sr. Ministro nos dissesse qual a abrangência das medidas em causa.
Por outro lado, gostaria também de saber, em relação aos produtos hortícolas, qual a perspectiva que V. Ex.ª tem a curto e médio prazo.
Finalmente, e porque o Sr. Ministro do Ambiente ainda não foi aqui interpelado, gostaria que nos falasse das medidas preparadas sobre a gestão sustentável da água. Não faz sentido lançar campanhas de prevenção e de poupança de água quando, três dias depois, constatamos que há câmaras municipais que têm água a correr a céu aberto, água que perdem sem qualquer tipo de controlo, verificando-se mesmo aumentos descontrolados do consumo de água. É necessário saber aquilo que cada um de nós, como cidadão, pode fazer, dizendo-nos ainda o Governo se haverá da sua parte, numa perspectiva de médio prazo, uma atenção especial, nomeadamente para o Algarve, onde a questão da água é essencial para o desenvolvimento sustentável da região.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para formular um pedido adicional de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Macedo.

A Sr.ª Alda Macedo (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, visto que ambos temos problemas de gestão do tempo de que dispomos, aproveito para lhe colocar agora algumas questões que gostava de ter abordado há pouco, aquando do meu primeiro pedido de esclarecimento.

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A primeira destas questões está relacionada com o facto de termos constatado que o Sr. Ministro não se pronunciou sobre a declaração de calamidade pública. Esta é, contudo, no entender do Bloco de Esquerda, a medida necessária e correcta para desencadear processos de atribuição de apoios que, a prazo, não agravem a situação dos pequenos produtores agrícolas. Pensamos que esta declaração é a medida que faz falta no contexto da situação de extrema calamidade que vivemos neste momento.
Outra questão que gostaria de lhe colocar está relacionada com os seguros de colheitas. Devo dizer que a forma como estes seguros são hoje oferecidos pelas entidades seguradoras permite-lhes cobrar prémios de montantes absolutamente exorbitantes, não compatíveis com os rendimentos das pequenas explorações. Isto, para além de haver uma relação entre a seguradora e o segurado que nem sempre tem a transparência que se exigiria. Como tal, são os produtores, sobretudo os pequenos produtores, aqueles que mais frequentemente são prejudicados nesta relação de poder, em consequência da sua incapacidade de se impor neste processo. O Bloco de Esquerda pretende, aliás, apresentar um projecto de lei sobre o desenvolvimento de um programa de seguro público. Não se trata de um seguro subvencionado, que, no fundo, é o que temos actualmente, mas de um seguro público agrícola capaz de oferecer protecção contra as quebras de produção decorrentes de fenómenos naturais, mediante o pagamento de uma taxa administrativa, financiando o Estado uma percentagem do prémio de seguro. Desta forma, pensamos, consegue oferecer-se uma garantia para benefício dos produtores, perante as imponderabilidades do clima que tenderão a agravar-se no futuro próximo.
Finalmente, deixo apenas uma breve nota relacionada com a eco-eficiência na gestão da água. Na verdade, a maior parte dos nossos municípios conta com redes de distribuição de água ao domicílio que são velhas, pouco eficientes e com taxas de perda de água excessivamente elevadas. Diria que, no plano nacional, estas perdas correspondem a cerca de 40%, se bem que nalguns casos os valores sejam mais elevados e noutros um pouco menos.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Sr.ª Deputada, terminou o tempo de que dispunha.

A Oradora: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Nesta altura, é absolutamente necessário promover o apoio a estes municípios no sentido de reabilitar as suas redes de distribuição e de começar a promover uma nova filosofia de reutilização das águas tratadas para fins compatíveis, o que implica um investimento que está muito para além da capacidade financeira da maior parte dos nossos municípios.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado José Apolinário fez aqui menção de um comunicado da Uniprofrutal, pelo que gostaria de solicitar à Mesa que entregasse cópia desse comunicado ao Sr. Ministro da Agricultura, nomeadamente porque nele se refere que a 4 de Abril passado esta associação lhe solicitou uma audiência sobre este assunto, não tendo, até agora, obtido resposta.
Penso, portanto, que a distribuição deste comunicado é muito útil para o Sr. Ministro e para os demais grupos parlamentares.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Politiquices!

O Sr. Presidente (António Filipe): - O documento será, então, encaminhado de acordo com o solicitado, Sr. Deputado.
Para formular um pedido adicional de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.

O Sr. José Soeiro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, gostava de relembrar a situação das barragens e do plano de irrigação do País. A barragem do Pisão, no concelho do Crato, já conta com 30 anos de promessas eleitorais. As barragens de Veiros e Frei Joaquim, no concelho de Estremoz, tendo a primeira contado com uma festa há quatro anos, eram exigidas há 150 anos! A barragem de Odelouca, em Monchique, esperou 12 anos, estando as obras actualmente paralisadas. A barragem da

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Choupana, em Castro Marim, aguarda desenvolvimento desde 1995. A barragem das Cercas, em Aljezur, leva mais de 10 anos de atraso. As barragens de Gema e Água Branca, no concelho de Odemira, estão previstas há 20 anos. A barragem de Oeiras, em Almodôvar, espera há 12 anos. A reconstrução dos açudes da serra de Loulé aguarda decisão. O sistema de cinco barragens do vale da Vilariça, no distrito de Bragança, iniciado na década de 60, está longe da sua conclusão. A segunda e terceira fases do regadio da Cova da Beira, Blocos do Fundão e Covilhã, previstas há 40 anos e que, por não existirem, impedem o regadio de 14 000 dos 18 000 ha, aguardam conclusão. A estas podíamos juntar muitas outras situações!
O Sr. Ministro da Agricultura disse-nos que são necessárias medidas estruturais. Aliás, todas as bancadas dizem que são medidas estruturais as que fazem falta. Quais são essas medidas, Srs. Deputados?!

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Barragens!

O Orador: - As barragens! E por que é que não estão construídas, Srs. Deputados?!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Terá sido S. Pedro quem impediu que, ao longo destes 29 anos de democracia, sucessivos governos não tenham construído as barragens que, agora, garantiriam aos agricultores a água necessária para assegurar os regadios e a sobrevivência das suas explorações?!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não há responsáveis por isto?!

O Sr. José Apolinário (PS): - O Alqueva foi…

O Orador: - Os senhores atrasaram o Alqueva durante muitos anos! E se a barragem do Alqueva prova alguma coisa neste momento, é precisamente a razão que nos assistia quando reivindicávamos a sua construção e os vossos governos a mantinham parada! É isto que está hoje demonstrado! Há, portanto, responsáveis para esta situação!
Mas este debate mostra que não é apenas o problema da seca aquele que se coloca hoje mas, também, o das más políticas e o das políticas erradas que têm sido praticadas ao longo dos anos.
Por isso, os portugueses têm de pedir contas aos senhores do PS e do PSD, que não podem ser bons apenas quando estão na oposição! Ou, então, temos de pôr os dois partidos na oposição!

Risos do PCP.

Talvez assim resolvam os problemas do País!

Aplausos do PCP.

É disso, se calhar, que o País precisa!
Nós apontámos medidas concretas que constam de um projecto de resolução sobre este tema entregue nesta Câmara. Na altura da sua discussão, veremos se, como dizia o Sr. Deputado Ceia da Silva, teremos mais medidas e menos palavras ou se vamos continuar a ter palavras e vão continuar a faltar as medidas!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para formular um pedido adicional de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, é preciso, certamente, acautelar os prejuízos económicos com a abertura de linhas de crédito e a disponibilização de ajudas directas que cheguem rápida e efectivamente aos visados. Com certeza que as medidas pontuais previstas na Resolução do Conselho de Ministros n.º 83/2005, de 19 de Abril, são importantes, destacando-se a criação da Comissão para a Seca 2005 ou a aprovação do Programa de Acompanhamento e Mitigação dos Efeitos da Seca 2005. De facto, é muito importante declarar a situação de calamidade pública.
Todavia, Srs. Deputados e Srs. Ministros, tal é manifestamente insuficiente, pois, se é verdade que estamos perante um desastre natural, como se diz na referida Resolução do Conselho de Ministros, não

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estamos de acordo em afirmar que esta catástrofe não podia ser evitada na sua génese. Pensamos mesmo que ela podia, certamente, ter sido pelo menos minorada. Há medidas que deviam ter sido tomadas e que têm de ser tomadas quanto antes com os olhos postos no futuro, visto que, para além de ser indissociável das alterações climáticas ou dos fogos florestais, esta é, de acordo com os cenários previstos através dos dados disponíveis nos estudos recentemente publicados do SIAM (Scenarios, Impacts and Adaptation Measures), que analisou o estado dos ecossistemas no mundo e em Portugal, uma situação cada vez mais corrente e comum no futuro. É, por isso, importante que se invista a sério.
Como tal, importa saber se vão ser tomadas não apenas medidas pontuais mas também medidas profundas de médio e longo prazos que já antes tive oportunidade de referir.
Importa, por isso, saber - e saliento que ainda não ouvimos hoje o Sr. Ministro do Ambiente, o que, espero, não significará que o Governo entende que esta é uma questão apenas relativa à agricultura - se o Governo vai tomar medidas estruturais. E, de entre estas, destaco as seguintes: a revisão do Convénio Luso-Espanhol da Gestão dos Rios Internacionais Ibéricos, no sentido de corrigir as suas insuficiências, designadamente em relação aos caudais ecológicos ou à distribuição e gestão desses caudais ao longo do ano; a aposta no apoio às autarquias para o saneamento básico e abastecimento de águas, designadamente dando atenção aos problemas resultantes da poluição dos nossos recursos hídricos, de linhas de água, dos rios e dos lençóis freáticos; e o investimento governamental na requalificação das nossas Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR), a maioria das quais funciona de forma deficiente, não garantindo a qualidade mínima desejável para que essas águas recicladas possam ser reutilizadas. A este propósito, gostávamos de anunciar que o Partido Ecologista "Os Verdes" apresentou um projecto de lei que visa, precisamente, introduzir regras minimizadoras no que respeita aos campos de golfe em Portugal, abordando a necessidade de passarmos a reutilizar e reciclar as águas que vêm das ETAR.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Sr. Deputado, terminou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
É importante, finalmente, aplicar o Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água.
Ora, ainda não ouvimos o Governo dizer o que quer que fosse sobre estas questões estruturais de fundo que importa abordar, visto que o debate de hoje não se deve restringir unicamente às questões pontuais, antes devendo analisar também as questões de longo prazo.

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para formular um pedido adicional de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro da Agricultura, digo-lhe com sinceridade e com a maior das bonomias que espero que V. Ex.ª seja melhor a gerir o Ministério da Agricultura do que tem sido a gerir o tempo de que dispõe neste debate. Digo-lho porque reparei que na sua última intervenção não esgotou o tempo de que dispunha, apesar de, infelizmente, não ter respondido a algo que penso ser fundamental ficar aqui esclarecido, hoje, neste debate. Falo-lhe de medidas conjunturais muito importantes para os agricultores. É muito importante que os agricultores portugueses saibam, hoje, com o que verdadeiramente podem contar.
É, pois, importante que lhe pergunte, mais uma vez, Sr. Ministro, se o Governo vai ou não declarar o estado de calamidade pública, como o CDS defende.
Sr. Ministro, sinceramente, tendo ficado muito grato por o ouvir dizer que acompanha a Resolução que saiu do Parlamento Europeu e que foi proposta por vários grupos políticos, de acordo com um debate de urgência requerido pelos Eurodeputados do CDS-PP, também entendo que era importante saber se o Governo vai ou não conceder ajudas directas aos agricultores. É que, Sr. Ministro, ouvi-o falar, e bem, do Orçamento rectificativo mas acontece que o Orçamento do Estado para 2006 está "à porta". Pergunto: vai contemplar alguma espécie de ajudas directas? É importante que esta Câmara e que os agricultores portugueses o saibam, hoje.
É também importante que os agricultores e esta Câmara saibam se o Governo conseguiu ou não a antecipação do pagamento das ajudas aos agricultores. É muito importante sabermos todas estas questões.
Sr. Ministro, falámos muito sobre questões conjunturais, que são, de facto, importantes, mas também é importante que consigamos falar de questões estruturais.
Quero salientar a presença do Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional e saudá-lo. Entendo que é muito importante que, num debate como o que estamos a travar, o Sr. Ministro esteja presente e estou certo de que ainda vamos ter o prazer de o ouvir ao longo do debate.
É importante que perguntemos aqui que medidas estruturais vão ser tomadas no âmbito do problema com que nos confrontamos hoje. Vai existir algum mecanismo de compensação aos agricultores para as alterações climáticas? Isto é fundamental. É verdade que estamos hoje a debater o problema da seca

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mas há alguns anos estivemos a debater um problema oposto, que foi o do excesso de água nas culturas.
Anunciámos aqui, hoje, algo que nos parece fundamental - o PSD fê-lo e a nossa bancada também -, que é a apresentação da lei-quadro da água. Para nós, esta é uma medida estrutural não só porque transcreve a Directiva n.º 2000/60/CE mas também porque tentamos que haja uma política correcta de gestão e de ordenamento sustentável dos recursos hídricos nacionais. Isto é fundamental. Todos sabemos que, hoje, o problema da seca está intimamente ligado ao das alterações climáticas e o facto de Portugal ter um regime estável, ter uma lei-quadro da água, é algo absolutamente fundamental para podermos fazer uma previsão e um desenvolvimento de futuro.
Mas, Sr. Ministro, também é importante perguntar o que pensa sobre o Convénio Luso-Espanhol. Ou, então, uma vez que tanto foram citadas as barragens assim como o Algarve - Algarve que também é meu e de que gosto tanto! -, é importante saber o que está o Sr. Ministro a pensar fazer, nomeadamente em Bruxelas, para se concluir o mais rapidamente possível a construção da barragem de Odelouca. Vai acompanhar os esforços feitos pela anterior maioria?

O Sr. Presidente (António Filipe): - Para responder, à segunda volta de perguntas, tem a palavra o Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional.

O Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional (Francisco Nunes Correia): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, sendo a primeira vez que uso da palavra nesta Câmara, também quero dirigir uma saudação muito especial a todos os Deputados desta Assembleia. É para mim uma honra, é mesmo um privilégio, poder usar da palavra aqui.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Está a começar bem!

O Orador: - Como já hoje foi dito, o Sr. Primeiro-Ministro tem-nos recomendado que não percamos tempo com os erros do passado, que não percamos tempo a criticar o muito que foi mal feito e o muito pouco que foi feitos nos últimos governos. Identifico-me completamente com essa orientação.
Mas, tendo sido interpelado em áreas onde o falhanço foi tão flagrante, não posso deixar de referir algumas coisas que aconteceram no domínio da política da água em Portugal nos últimos anos, porque penso que daí se podem tirar boas lições para todos nós no futuro.
O Sr. Deputado Jorge Moreira da Silva falou na lei da água, tema, aliás, referido por vários Srs. Deputados, nomeadamente da bancada do CDS.
Recordo que, no início de 2002, o ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, Eng.º José Sócrates, antes de abandonar as funções governativas, deixou entregue, no Conselho Nacional da Água, uma versão praticamente concluída da lei da água,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Faltava o "praticamente"!

O Orador: - … que permitia a transposição da Directiva-Quadro. E fê-lo bem a tempo de se iniciar todo o processo de análise no Conselho Nacional da Água e de discussão pública para que, no prazo previsto - aliás, acordado por Portugal, a quem coube, ainda durante o governo de que fazia parte o Eng.º José Sócrates, conduzir a negociação a nível europeu (e recordo que a Directiva-Quadro da Água foi aprovada durante a presidência portuguesa) -, que era até Dezembro de 2003, a Directiva fosse transposta, pelo que estávamos bem a tempo de conseguir fazer essa transposição dentro do prazo.
Mas o que aconteceu, entretanto? Entretanto, veio o ministro do PSD Isaltino Morais, que começou por declarar que ia utilizar o excelente trabalho que tinha sido feito, mas a verdade é que introduziu inflexões monumentais, desvirtuando completamente os pontos essenciais da lei que tinha recebido, alguns dos quais foram referidos pelo Sr. Deputado Jorge Moreira da Silva.
O Ministro Isaltino "saiu de cena" e entrou o Ministro Theias, que, embora tenha dito que ia dar continuidade ao esforço feito, produziu uma nova versão da lei da água. A terceira versão desta lei!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Passe à frente!

O Orador: - Houve debate público, o Conselho Nacional da Água produziu um parecer e foi com base nisto tudo que foi produzida uma quarta versão da lei da água.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Passe à frente!

O Orador: - O País não sabe em pormenor o que se passou nesta matéria.

O Sr. Hermínio Loureiro (PSD): - Sabe, sabe!…

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O Orador: - O currículo é de tal modo vergonhoso que não pode deixar de ser referido!

Aplausos do PS.

O ministro Arlindo Cunha produziu uma quinta lei da água, alterando substancialmente as orientações dos seus antecessores, todos do mesmo partido.
Por fim, o ministro Nobre Guedes produziu uma sexta versão da lei da água.
Fico muito contente pelo facto de a bancada do PSD apresentar uma lei e estou curioso em saber qual é a "carta" que vão tirar do "baralho", porque produziram tantas leis com orientações tão díspares que, francamente, estou curioso em saber qual é aquela que vão escolher para efeito de apresentação da lei!

Aplausos do PS.

Srs. Deputados, Sr. Deputado Jorge Moreira da Silva, a lei da água é uma peça fundamental e de importância transcendente, mas não é a única questão importante no que diz respeito à política da água.
Até 2001, foram produzidos 15 planos de bacia hidrográfica e um Plano Nacional da Água. O que foi feito deles? Foram atirados para a "prateleira"!
Foi discutido e aprovado, em Conselho Nacional da Água, o Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água. O que foi feito dele? Foi atirado para a "prateleira"!
O que aconteceu à Convenção Luso-Espanhola? A Conferência das Partes nunca reuniu e a Comissão para a Aplicação e o Desenvolvimento da Convenção (CADC) não reúne há mais de dois anos. Não há adjectivos que classifiquem a situação de incúria que encontrámos nesta matéria específica e, portanto, francamente, parece-me arriscada a interpelação do Sr. Deputado em relação a esta matéria. Prezo muito que pensem apresentar uma lei da água e que outras bancadas o procurem fazer. Isso significa que, com certeza, vamos ter debates importantes.
Aproveito para esclarecer que essa, em consonância com o Programa do Governo, é uma das nossas mais importantes prioridades e estamos a trabalhar para, a muito curto prazo, apresentar também uma lei da água, que me parece que vai dar resposta a muitas das questões que aqui foram colocadas.
Por sua vez, estamos a ultimar uma resolução do Conselho de Ministros que aprova o programa nacional para o uso eficiente de água, dando assim resposta a algumas destas questões. Estas críticas ao passado não podiam deixar de ser feitas, porque o registo é lastimável!
Mas falemos, então, do futuro, que é o que importa. Falemos do que tem sido feito recentemente.
Recordo que, duas semanas depois de entrarmos em funções, estávamos a aprovar, em Conselho de Ministros, uma resolução sobre a seca. Os sinais de seca anunciavam-se há três ou quatro meses e nada, como hoje já ficou aqui provado, tinha sido feito, entretanto.

O Sr. Hermínio Loureiro (PSD): - Não é verdade!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é mentira!

O Orador: - Coube-nos a nós aprovar uma resolução em Conselho de Ministros sobre a seca.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Fica-lhe mal dizer isso!

O Orador: - Foi, então, criada a Comissão para a Seca 2005, que reuniu, pela primeira vez, a 15 de Abril e, pela segunda vez, a 2 de Maio, na qual estão representados organismos de vários ministérios, a sociedade civil e os agentes económicos. Importa sublinhar que o clima construtivo e de concertação tem sido excelente. Estão a ser tomadas medidas muito importantes no terreno.
Devo dizer aos Srs. Deputados que, provavelmente, se colheriam melhores efeitos políticos se as situações não fossem atacadas preventivamente. No entanto, estamos a atacar muitas situações preventivamente. Há muitas localidades que não teriam água se não estivéssemos a adoptar um conjunto de medidas, que têm permitido fazer face a alguns dos problemas mais sérios.

O Sr. Hermínio Loureiro (PSD): - Estão a ser adoptadas pelas autarquias!

O Orador: - Nos próximos tempos, pretendemos estabelecer um regime jurídico excepcional de atribuição de licença precária para pesquisa e captação de águas subterrâneas durante o período de seca, pelo menos até 31 de Dezembro, ou até mais tarde, se a seca se prolongar. Esperemos que não!
Estamos a estudar as condições especiais de suporte à realização de investimentos pelas entidades públicas e à instalação de soluções excepcionais para abastecimento alternativo de água. Estamos a dar apoio técnico à pesquisa de origens de água alternativas e estamos a reforçar o controlo sanitário da

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água.
O Instituto Regulador de Águas e Resíduos (IRAR), a Direcção-Geral da Saúde e o Instituto da Água (INAG) estão a proceder a um reforço do controlo da qualidade da água.
Estamos a avaliar a biomassa nas albufeiras no sentido de prevenir aquilo que é quase inevitável, que é a mortandade de peixes e estão a ser montadas operações para retirar essa biomassa no sentido de prevenir esse tipo de problemas.
Há várias campanhas de sensibilização para a questão da água a nível regional e estamos, neste momento, a preparar uma campanha nacional de sensibilização das populações.
Estamos a cuidar, também, das questões ambientais através da preparação de um plano de emergência para a salvaguarda da ictiofauna endémica ameaçada na bacia hidrográfica do rio Guadiana.
Enfim, estão a ser tomadas um sem número de medidas que permitem responder aos problemas imediatos.
Mas a política da água não se faz com as circunstâncias nem com as emergências. Os especialistas da água costumam dizer que um país que atinge um estádio grande de desenvolvimento deve discutir a cheia durante a seca e deve discutir a seca durante a cheia.
Quem nos dera poder estar a discutir a cheia! Infelizmente, temos que atender a questões de curto prazo. Mas estamos preocupados com as questões de longo prazo e a tomar um conjunto de iniciativas para que uma gestão efectiva por bacia hidrográfica possa ter lugar em Portugal a muito curto prazo.

Aplausos do PS.

Neste momento, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Jaime Gama.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar no período de encerramento do debate.
Em representação do Governo, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.

O Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Cabe-me encerrar este debate, que constitui, finalmente, a oportunidade de poder responder a algumas questões que alguns estimam terem ficado sem resposta e por isso começarei por essas questões.
O Sr. Deputado José Apolinário colocou a questão do compromisso sobre a avaliação do sistema de seguros em Portugal. Posso garantir que ela já começou. Começou no dia 14 de Março quando tomei posição, em nome do Governo, no Conselho de Agricultura e Pescas em Bruxelas e na semana seguinte quando abri o debate com as confederações representativas da agricultura portuguesa.
Portanto, o debate está aberto. Essa avaliação vai ser feita e, obviamente, o sistema só pode modificar-se para responder àquilo a que ele hoje não responde, ou seja, às questões relacionadas com a seca.
Por isso, gostaria também de clarificar uma matéria relativamente aos seguros. O sistema de seguros que funciona hoje já tem muito apoio do Estado, que cobre os prémios em mais de 85%. Obviamente, o Sr. Deputado pode considerar que não é suficiente. Mas dir-lhe-ei que teremos de ser rigorosos: ou o sistema não é compreendido ou há muitos agricultores que não estão em condições de o implementar. Não é liquidando e dando ajudas directas que o problema se vai resolver, no futuro.
Mas, como lhe disse, há um compromisso do Governo nessa matéria, e, portanto, o sistema vai ser modificado, para melhor forçosamente, uma vez que ele não responde hoje a esta questão, que é séria, da seca.
No que se refere às ajudas directas, curiosamente, Sr. Deputado - que relaciona as ajudas directas e a calamidade pública -, parece-me que há um divórcio, em parte desta Assembleia, relativamente ao mundo agrícola. É que os agricultores não me pediram ajudas directas. Os agricultores disseram que têm um problema com a alimentação animal, querem "cereais da intervenção". Têm um problema de abastecimento de água, querem dinheiro a crédito para furos e abeberamento dos animais. Os agricultores do Algarve e do Oeste dizem-me que perderam as culturas dos citrinos e da batata, querem crédito para poderem fazer as novas culturas nas próximas campanhas. Os agricultores têm responsabilidade, que parece que outras pessoas não têm, e não têm a coragem de dizer, se querem ajudas directas, qual é a rubrica do Orçamento do Estado onde pedem ao Governo para "cortar".

Aplausos do PS.

Mas sobre as ajudas directas, Srs. Deputados, quero dizer-lhes que elas existem. Quem conhece a política agrícola comum - felizmente, há quem a conheça, e nos partidos da oposição também, não estão aqui, mas há - sabe que há 250 milhões de euros…

Protestos do CDS-PP.

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Sr. Deputado Telmo Correia, oiça! Estou a dizer que há 250 milhões de euros de ajudas directas, que viriam no próximo ano mas vêm já neste, e fui eu que negociei isto com a Comissária.

Aplausos do PS.

Finalmente, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, fala-se em calamidade pública nesta Casa. Os agricultores ainda não falaram em calamidade pública. A seca é séria, como diz o Presidente da República "é terrível", mas ainda não é uma situação de calamidade pública.
Mais: quem fala em calamidade pública ignora as condições de aplicação da mesma. Está lá indicado "50% de quebra de rendimentos". Ora, Srs. Deputados, 50% de quebra na produção não é o mesmo que quebra de rendimento. Vejam os preços dos ovinos, dos bovinos e dos cereais e avaliarão a dificuldade que tive em justificar as ajudas que o vosso governo deu.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Afinal, sempre demos alguma coisa!

O Orador: - Por isso, Srs. Deputados, termino garantindo a esta Assembleia e aos agricultores portugueses que o Governo acompanha a questão da seca, que o Governo já tomou e vai tomar as medidas necessárias (isso posso garantir-lhes!), mesmo na situação orçamental económico-financeira em que os senhores deixaram o País.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para encerrar o debate, em representação do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Adão Silva.

O Sr. Adão Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, Sr. Ministro da Agricultura, quero manifestar-lhe a minha muito grande desilusão, e seguramente que os portugueses, lá fora, estão também desolados. V. Ex.ª não fez aqui um anúncio, não assumiu um compromisso e, em relação à questão das ajudas directas, foi, de facto, decepcionante. No que diz respeito à declaração de situação de calamidade, não sei, Sr. Ministro, quando é que o Governo vai avançar com esta declaração.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Confrontados com o drama crescente da seca, os portugueses querem respostas concretas e operacionais, no imediatíssimo prazo mas também no médio e longo prazo. A situação urge!
Por isso, o Partido Social Democrata quis conferir prioridade máxima a esta questão de vital importância para os portugueses, numa postura responsável e de comprometimento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Governo não pode escamotear a gravidade da seca que, em 2005, está e vai continuar a fustigar o quotidiano dos portugueses. O Governo não pode "enroupar-se" em medidas frouxas, de débil impacto, avantajando minudências e adiando soluções.
A situação é já muito grave na agricultura, de norte a sul, de Trás-os-Montes ao Algarve, e tenderá, como sabem, a agravar-se.
A situação começa a ser preocupante no abastecimento público de água em diversas localidades de diferentes distritos e poderá ficar aflitiva para centenas de milhar de portugueses. Estamos, pois, perante uma situação de excepcional gravidade.
Ora, como diz o Presidente do PSD, situações de excepcional gravidade têm de ser enfrentadas com medidas de excepcional acuidade, oportunidade e determinação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Desde logo, o Governo tem de ser excepcionalmente célere na avaliação da situação, na determinação de medidas e, sobretudo, na sua implementação.
Porém, o que se constata é que este Governo se está a deixar enlear numa complicada burocracia de processos, criando comissões e grupos de acção pesadíssimos, que não responderão em tempo útil a quem está necessitado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em muitos aspectos assistimos já a "esperas que desesperam", Sr. Ministro!

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Em segundo lugar, exigem-se medidas de excepcional abrangência, no imediato.
Reiteramos a necessidade de serem implementadas medidas que apoiem os agricultores, procurando compensá-los das perdas de rendimentos que já se constatam e daquelas que se anunciam com irrefragável certeza. E esta compensação deve envolver um amplo leque de medidas, incluindo a redução das contribuições para a segurança social dos produtores agrícolas.
Por outro lado, têm de ser contempladas medidas de apoio aos autarcas, para que se encontrem as melhores soluções para o abastecimento de água, em quantidade e em qualidade.
O Governo tem esta obrigação, até para igualar o comportamento responsável e pró-activo de muitos autarcas, prevenindo, em vez de remediar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Exige-se também uma excepcional coordenação, Sr. Ministro, numa articulação exemplar entre diferentes departamentos públicos dependentes do Governo e destes com as autarquias locais, com associações de agricultores, com os cidadãos e muito especialmente com a União Europeia.
No que tem a ver com a União Europeia, não é aceitável uma atitude de subserviência, ditada por receios de quem tem medo de perder as boas graças com os máximos responsáveis dos organismos da União Europeia, mas antes a afirmação de uma linha de exigência, de reivindicação que se traduza em reais benefícios para os nossos agricultores, como aconteceu na situação de seca (bem menos grave) que se verificou em 1991/1992, em que chegou a ser aprovado, lembro ao Sr. Ministro, um regulamento relativo a medidas específicas a favor dos produtores afectados pela seca de 1991/1992, em Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A situação é extrema e, por isso, não podem ser toleradas vontades tíbias, indecisões, amedrontamentos.
Finalmente, advogam-se medidas de excepcional visão de futuro.
Se a gravidade da situação nos deve impelir para acções imediatas de mitigação dos graves danos que a seca acarreta, deve também ser um momento de concretização de medidas com forte sentido estrutural e projectivo.
Quero, aqui, destacar uma dessas medidas, recorrendo, aliás, ao que se anuncia no texto da Resolução do Conselho de Ministros n.º 83/2005, de 19 de Abril, deste Governo. Nele se refere como medida de longo prazo particularmente relevante "a criação de armazenamentos de água, de modo a amenizar as variações sazonais e anuais dos recursos hídricos".
É certo que "Portugal exibe ainda uma situação confortável relativamente à disponibilidade de recursos hídricos", como se refere num documento recente, intitulado "Desertificação em Portugal", coordenado pelo Professor Francisco Nunes Correia.
Porém, como também se acrescenta naquele documento, aquela situação é só aparente. Na verdade, há condicionantes que podem empurrar Portugal para uma situação de grave escassez hídrica: a acentuada variação interanual de precipitação; a variação intersazonal, com concentração da precipitação, em 80%, entre Outubro e Março; as Primaveras cada vez mais secas, num registo dos últimos 50 anos; a recorrência, em ciclos cada vez mais curtos, da situação de seca e de ondas de calor e, sobretudo, a nossa dependência de Espanha em 41% dos recursos hídricos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha terminou.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Os diagnósticos estão feitos (excelentemente feitos!), por pessoas que dominam à exaustão as questões dos recursos hídricos, como é o caso do actual Ministro do Ambiente. O que agora se reclama é acção, sem sofismar os problemas nem adiar as soluções.
Ora, o PSD teme que este Governo, em vez de decisões, nos anuncie estudos, consultas, comissões, enleios. Tememo-lo porque ainda temos bem presente que foi esta a resposta que o actual Primeiro-Ministro, em 2000, como Ministro do Ambiente, deu à imperiosa necessidade de se avançar com a construção da barragem do Sabor, no distrito de Bragança.
Num ano de seca como aquele que vivemos, com os agravamentos que tememos, com a inevitável redução ao limite do tolerável dos caudais oriundos de Espanha, uma barragem no curso superior do rio Douro, dispondo de centenas de hectómetros cúbicos de água, constituindo-se, aliás, como a terceira maior albufeira do País, bem poderia assumir-se já, em 2005, como um elemento de amenização para a situação de seca.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Dizemos "bem poderia", já que, se não tivessem sido as hesitações do então Ministro do

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Ambiente e Ordenamento do Território, Eng.º José Sócrates, a barragem estaria agora concluída.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Oxalá que em 2005, e nos próximos anos, a população não venha a pagar o preço de quem costuma governar iludindo os problemas, cedendo a pressões da circunstância, incapaz de concretizar as soluções de futuro, optimizando recursos e capacidades de que o País dispõe.
Termino, fazendo um sublinhado. O PSD e outras bancadas também, quiseram dar hoje, no Parlamento, um contributo para enfrentar a catástrofe que é a seca no ano 2005. Trouxemos alertas, enunciámos medidas, propusemos acções concretas no âmbito da água, da protecção dos solos e das alterações climáticas, entre outras. Cumprimos o nosso papel Esperamos que o Governo cumpra o seu!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dou por concluído este debate de urgência sobre a grave situação de seca que o País atravessa, requerido pelo Grupo Parlamentar do PSD.
A próxima sessão plenária realiza-se amanhã, às 15 horas. Haverá período de antes da ordem do dia e a ordem do dia é destinada à apreciação do projecto de resolução n.º 24/X, a que se seguirá a discussão conjunta da proposta de lei n.º 4/X e dos projectos de lei n.os 34/X e 35/X.
Decorrerão, ainda, eleições para diversos órgãos, nomeadamente para organizações internacionais, para o Conselho Superior de Magistratura, para o Conselho Superior do Ministério Público e para o Conselho de Gestão do Centro de Estudos Judiciários, após o que se seguirá o período regimental de votações.
Nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 50 minutos.

Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, relativa à votação do recurso interposto pelo PSD de admissão dos projectos de lei n.os 39 e 42/X

Os signatários votaram contra a proposta de indeferimento do recurso interposto da admissão por Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República dos projectos de lei supra referidos, pelas razões que passam a consignar:
1. A lei eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira está consubstanciada no Decreto-Lei n.º 318-E/76, de 30 de Abril e suas sucessivas alterações.
2. Por sua vez, desde o Estatuto Provisório da Região Autónoma do Arquipélago da Madeira (Decreto-Lei n.º 318-D/76, de 30 de Abril), que inclui normas relativas ao sistema eleitoral regional, que hoje se contêm na Lei n.º 130/99, de 21 de Agosto, nos seus artigos 13.º a 19.º, solução que bem se justifica, pois não seria compreensível que o Estatuto Político-Administrativo da nossa Região Autónoma não contivesse as regras da eleição ou de escolha dos titulares dos seus órgãos de Governo próprio.
3. Importa ter presente o que vem referido no requerimento de interposição de recurso e que se passa a reproduzir:
- "Uma das inovações da última revisão ordinária da Constituição da República Portuguesa (CRP), aprovada pela Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho, consistiu na atribuição às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas de iniciativa legislativa exclusiva em matéria relativa à eleição dos deputados regionais.
- Tal inovação materializou-se nas alterações que foram introduzidas nos artigos 226.º e 227.º, n.º 1, alínea e), da Lei Fundamental.
Segundo o artigo 226.º, n.º 1, da CRP revista: "Os projectos de estatutos político-administrativos e de leis relativas à eleição dos deputados às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas são elaborados por estas e enviados para discussão e aprovação à Assembleia da República".
- Por sua vez, o actual artigo 227.º, n.º 1, alínea e), da CRP dispõe que as regiões autónomas têm o poder de "exercer a iniciativa estatutária, bem como a iniciativa legislativa em matéria relativa à eleição dos deputados às respectivas Assembleias Legislativas, nos termos do artigo 226.º".
- Todavia, o artigo 47.º, n.º 1, da Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho, fixou a seguinte norma transitória:
"A reserva de iniciativa legislativa em matéria de leis eleitorais para as Assembleias Legislativas, prevista no n.º 1 do artigo 226.º e na alínea e) do n.º 1 do artigo 227.º, depende da aprovação das alterações às respectivas leis nos seis meses subsequentes às primeiras eleições regionais realizadas após a entrada em vigor da presente lei constitucional".
Ou seja, a VI Revisão Constitucional veio consagrar a reserva de iniciativa legislativa das Regiões Autónomas em matéria de leis eleitorais para as respectivas Assembleias Legislativas, fazendo-a depender, contudo, da aprovação das alterações das referidas leis eleitorais nos seis meses subsequentes às

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primeiras eleições regionais realizadas após a entrada em vigor da Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho.
- As primeiras eleições regionais realizadas após a entrada em vigor Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho, ocorreram em 17 de Outubro de 2004 (cfr. Decreto do Presidente da República n.º 39/2004, de 2 de Agosto), pelo que o prazo de seis meses a que se refere o artigo 47.º, n.º 1, da referida Lei Constitucional terminou no passado dia 17 de Abril.
- Antes dessa data, contudo, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, visando dar cumprimento à norma constitucional - artigo 47.º, n.º 1, da Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho - que prevê a revisão da lei eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, aprovou o projecto de proposta de lei de revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira e de alteração da lei eleitoral, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PSD/Madeira, aprovação essa que teve lugar a 12 de Abril de 2005."
4. Tal iniciativa legislativa deu entrada na Assembleia da República a 15 de Abril de 2005, dando lugar à proposta de lei n.º 3/X, que foi admitida sem reservas pelo Presidente da Assembleia da República, antes mesmo da admissão dos projectos de lei n.os 39 e 42/X e que não foi objecto de qualquer recurso ou impugnação por parte de quaisquer Deputados ou grupos parlamentares.
Ora, tendo a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira exercido o impulso legislativo para a alteração da respectiva lei eleitoral dentro do prazo de seis meses a que alude o artigo 47.º, n.º 1, da Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho, porquanto antes de decorrido esse prazo fez aprovar o projecto de proposta de lei para o efeito e apresentou-o na Assembleia da República, não perdeu a exclusividade da iniciativa em matéria eleitoral regional.
5. Assim, a primeira questão que se coloca tem a ver com a admissão da proposta de lei n.º 3/X (Revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira e alteração da lei eleitoral), apresentada pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, que envolve o reconhecimento da sua conformação constitucional, designadamente quanto à reserva de iniciativa daquela Assembleia.
6. A contrario, significa que, tendo admitido aquela proposta de lei, o Presidente da Assembleia da República não podia admitir os projectos de lei n.os 39 e 42/X, porquanto ao reconhecer que se mantinha a reserva de iniciativa da Assembleia Legislativa da Madeira, excluía que esta tivesse sido perdida ou revertido para a Assembleia da República.
7. Como se pode ver do relatório da 1.ª Comissão respeitante ao recurso em causa, os fundamentos para a sua rejeição envolvem uma sindicância aos procedimentos da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, que não compete à Assembleia da República, ainda por cima em causa própria, pois, tratou-se de subtrair à região um poder de iniciativa legislativa que constitucionalmente lhe cabe.
8. Fundamentalmente, tudo se resume ao entendimento absurdo de que não era possível a Assembleia da região ter acoplado numa só lei as alterações ao Estatuto Político-Administrativo e à lei eleitoral, atenta a circunstância de, na Assembleia da República, o Estatuto Político-Administrativo exigir uma maioria simples, enquanto as normas eleitorais exigiriam uma maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções.
9. Trata-se de uma falsa questão inventada pelo relator e defensores da rejeição do recurso para forçarem, de forma escandalosa, um agravo à Assembleia da Região Autónoma da Madeira e à autonomia regional, sem paralelo e que ficará na história como a mais despótica ofensa a uma região por parte de uma maioria absoluta conjuntural, na Assembleia da República.
10. Repare-se que se foi ao ponto de afirmar o que se segue no Relatório do Deputado Vitalino Canas, do PS, apresentado na 1.ª Comissão, a propósito do recurso em causa:
"Se revestisse a forma de lei orgânica, teria de ser submetida a uma votação final global por maioria absoluta, abrangendo nessa votações normas próprias de lei orgânica e normas de lei. Contudo, isso violaria a Constituição, porque sujeitaria matérias para as quais esta define a forma de lei a uma votação final global diversa daquela que o texto constitucional estipula"
11. Fica-se a saber que, exigindo a Constituição apenas maioria simples para aprovação do Estatuto Político-Administrativo, se, porventura, ele for aprovado, em votação final global, por dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções, tal é inconstitucional, o que significa que, qualquer dia, o Presidente da Assembleia da República terá de mandar sair Deputados do Plenário para cumprir a Constituição?!
12. Mas o absurdo de toda esta questão é que a Assembleia da República está a censurar a Assembleia da Região Autónoma da Madeira, não por não cumprir as suas regras de funcionamento mas por não cumprir as regras de funcionamento do Parlamento nacional que, naturalmente, obrigam os Deputados nacionais mas não os Deputados regionais.
13. A Assembleia da República e os seus Deputados, e em especial a sua maioria, têm a obrigação de dar às propostas de lei das Assembleias das Regiões Autónomas o tratamento que legal, regimental e constitucionalmente lhes compete, para que prossigam a sua normal tramitação até final, aprovando ou rejeitando, como soberanamente entenderem e assumindo as naturais responsabilidades políticas que, de uma ou outra das posições, lhes advenha.

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14. O que a Assembleia da República não pode é forçar pretextos processuais para, de uma cajadada, não só comprometer uma proposta de lei de uma Assembleia Regional com a importância do Estatuto Político-Administrativo e da lei eleitoral, e, ao mesmo tempo, apoderar-se ilegitimamente e em proveito próprio de competências constitucionalmente conferidas à região, criando um grave conflito institucional com a Assembleia da Região Autónoma da Madeira.
15. À Assembleia da República cabe tão-só adoptar os procedimentos adequados e submeter às votações próprias as normas eleitorais e as demais normas estatutárias, separando tais votações, e se dúvidas houvesse quanto à votação final global, no limite, aprovaria, em Comissão, dois textos distintos, um destinado à lei eleitoral propriamente dita e outro relativo ao Estatuto Político-Administrativo, sendo que nada impede que continuem no estatuto, antes é desejável, normas relativas ao núcleo do sistema eleitoral, como acontece com a Constituição da República Portuguesa relativamente à Assembleia da República (vd. artigos 147.º a 155.º da CRP).
16. Aliás, a Assembleia da República tem sido confrontada diversas vezes com a votação de diplomas que contêm normas para as quais a Constituição exige maiorias especiais e tudo tem sido resolvido de forma simples - votando-se em Plenário as normas para as quais a Constituição exige maioria especial, com observância dessa maioria e votando-se as demais sem tal exigência (maioria simples).
Isso mesmo aconteceu na sessão plenária de 7/6/90, a propósito da proposta de lei n.º 151/V (Lei Eleitoral para a Assembleia da República), que deu lugar à Lei n.º 18/90, de 24 de Julho, lei esta que, por ser lei orgânica, carecia de votação por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções (n.º 5 do artigo 168.º da CRP), enquanto que as normas da mesma lei relativas à definição dos círculos eleitorais e ao número de Deputados por cada círculo carecia de aprovação por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria dos Deputados em efectividade de funções (vd. DAR, I Série, n.º 84, de 8/6/90, págs. 28, 80 e seguintes).
Do mesmo modo se procedeu na Lei Eleitoral para o Presidente da República, em que as normas relativas ao direito de voto dos cidadãos não residentes exige maioria especial (vd. votação final global da proposta de lei n.º 19/VIII, in DAR I Série, n.os 87/8, de 2000/7/7).
17. Demonstrado ficou pelas intervenções dos diferentes grupos parlamentares, na 1.ª Comissão e no Plenário da Assembleia da República, que, não obstante a Assembleia da Região Autónoma da Madeira ter adoptado o procedimento correcto - alteração do estatuto e da lei eleitoral - foi penalizada na Assembleia da República por uma maioria que, por não ter tido ganho de causa na região, não hesitou em, sectariamente, pondo acima das questões institucionais e de Estado meras conveniências partidárias, espezinhar a autonomia regional e ofender um Parlamento livremente eleito pelos madeirenses, pondo em causa a própria dignidade da Assembleia da República, que, independentemente das maiorias conjunturais, tem a obrigação de ser exemplar no seu relacionamento com as Assembleias das Regiões Autónomas, em particular quando se trata de matérias sensíveis como as do Estatuto Político-Administrativo e do seu sistema eleitoral.
18. O procedimento adoptado pela Assembleia da Região Autónoma da Madeira visou, e bem, evitar alterar apenas a lei eleitoral, deixando no Estatuto Político-Administrativo sem alteração, as normas eleitorais em vigor, abrindo caminho à polémica sobre qual o assento normativo que prevaleceria, como acontecerá com a iniciativa da Assembleia da Região Autónoma dos Açores, se não for apresentada, entretanto, já fora do prazo de seis meses fixado na Lei de Revisão Constitucional, alteração ao estatuto daquela região autónoma na parte relativa ao sistema eleitoral.
19. Por outro lado, como se demonstrou, a mero título de exemplo, com as soluções adoptadas nos casos da proposta de lei n.º 151/V e da proposta de lei n.º 19/VIII, "a dificuldade intransponível" relativa às votações de que se fala no relatório da 1.ª Comissão, foi uma desculpa de "pés de barro", que cai totalmente por terra e é demasiado frágil para justificar tanto atropelo à Constituição e tamanha ofensa à autonomia regional por parte da actual maioria na Assembleia da República.
Por todas estas razões, os Deputados signatários, eleitos pelo PSD pelo círculo eleitoral da Madeira, votaram contra a proposta de rejeição do recurso interposto dos despachos de admissão das propostas de lei n.os 39 e 42/X.

Os Deputados do PSD, Guilherme Silva - Correia de Jesus - Hugo Velosa

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Apolinário Nunes Portada
José Carlos das Dores Zorrinho
Jovita de Fátima Romano Ladeira

Página 640

0640 | I Série - Número 016 | 05 de Maio de 2005

 

Luís Manuel Carvalho Carito
Miguel João Pisoeiro de Freitas
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves

Partido Social Democrata (PSD):
Manuel Joaquim Dias Loureiro

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
Manuel Armando Dias Alves
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
Melchior Ribeiro Pereira Moreira

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
João Barroso Soares
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Paula Cristina Nobre de Deus

Partido Social Democrata (PSD):
Carlos Alberto Pinto
José de Almeida Cesário
José Manuel Pereira da Costa
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Miguel Pais Antunes

Partido Popular (CDS-PP):
Paulo Sacadura Cabral Portas

Bloco de Esquerda (BE):
Fernando José Mendes Rosas
Helena Maria Moura Pinto

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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