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Quinta-feira, 16 de Novembro de 2006 I Série — Número 20 
X LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2006-2007) 
REUNIÃO PLENÁRIA DE 15 DE NOVEMBRO DE 2006 
Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama 
Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia 
Fernando Santos Pereira 
SUMÁRIO  O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.
 Antes da ordem do dia.— Em declaração política, o Sr. Deputado Bernardino Soares (PCP), a propósito da decisão do Ministério Público de absolver os dirigentes da ARS de Lisboa no caso do acompanhamento da gestão do Hospital Amadora-Sintra concessionada ao Grupo Mello, chamou a atenção para as consequências da privatização da saúde, contra a qual se insurgiu. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento da Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira (PS).
Também em declaração política, o Sr. Deputado João Semedo (BE) acusou o Presidente da Câmara Municipal do Porto de ter criado um clima de hostilidade e de confronto com as instituições da cidade, tendo condenado o recente anúncio de corte de todos os subsídios camarários às actividades culturais. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José de Aguiar Branco (PSD) e Manuel Pizarro (PS).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Abel Baptista (CDS-PP), considerando haver ausência de propostas para minorar os problemas causados pelos incêndios florestais e pelas cheias, teceu críticas ao Governo, nomeadamente aos Ministros da Agricultura e do Ambiente.
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Agostinho Branquinho (PSD) acusou o Governo de ingerência no serviço público de rádio e de televisão e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Alberto Arons de Carvalho (PS) e Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP).
Finalmente, em declaração política, o Sr. Deputado Marcos Perestrello (PS) deu conta à Câmara das conclusões do XV Congresso Nacional do Partido Socialista, que teve lugar no último fim-de-semana, em Santarém, e respondeu depois aos pedidos de esclarecimento dos Srs.
Deputados Miguel Frasquilho (PSD), Luís Fazenda (BE), António Filipe (PCP) e José Paulo Carvalho (CDS-PP).
 Ordem do dia. — Foi apreciada, na generalidade, a proposta de lei n.º 97/X — Aprova a Lei de Finanças das Regiões Autónomas, revogando a Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro, que foi aprovada. Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Ministro de Estado e das Finanças (Teixeira dos Santos), os Srs. Deputados António Filipe (PCP), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Victor Baptista (PS), Luís Fazenda (BE), Maximiano Martins (PS) — na qualidade de relator da Comissão de Orçamento e Finanças —, Mota Amaral (PSD), Ricardo Rodrigues (PS), Diogo Feio (CDS-PP), Luís Fazenda (BE), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Guilherme Silva (PSD).
Foi debatido o projecto de resolução n.º 159/X — Propõe a realização de um referendo nacional sobre as questões da procriação medicamente assistida (Comissão de Saúde), tendo intervindo os Srs. Deputados Maria de Belém Roseira (PS), Carlos Miranda (PSD), João Semedo (BE), Francisco Madeira Lopes (Os Verdes), Bernardino Soares (PCP) e Pedro Mota Soares (CDS-PP).
A Câmara apreciou ainda o projecto de resolução n.º 158/X — Constituição de uma Comissão Eventual para a Política Energética (PSD). Intervieram os Srs. Deputados Miguel Almeida (PSD), Afonso Candal (PS), Agostinho Lopes (PCP), José Paulo Carvalho (CDS-PP) e Francisco Madeira Lopes (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 10 minutos.
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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão. 
Eram 15 horas e 10 minutos. 
Srs. Deputados presentes à sessão: 
Partido Socialista (PS): 
Agostinho Moreira Gonçalves 
Alberto Arons Braga de Carvalho 
Alberto Marques Antunes 
Alberto de Sousa Martins 
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho 
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes 
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha Almeida Pereira 
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto 
António Alves Marques Júnior 
António Bento da Silva Galamba 
António José Ceia da Silva 
António José Martins Seguro 
António Ribeiro Gameiro 
Armando França Rodrigues Alves 
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho 
Carlos Alberto David dos Santos Lopes 
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira 
David Martins 
Deolinda Isabel da Costa Coutinho 
Elísio da Costa Amorim 
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires 
Fernanda Maria Pereira Asseiceira 
Fernando Manuel de Jesus 
Fernando dos Santos Cabral 
Glória Maria da Silva Araújo 
Horácio André Antunes 
Hugo Miguel Guerreiro Nunes 
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida 
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge 
Jaime José Matos da Gama 
Joana Fernanda Ferreira Lima 
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura 
Joaquim Barbosa Ferreira Couto 
Joaquim Ventura Leite 
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches 
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão 
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro 
Jorge Manuel Monteiro de Almeida 
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro 
José Carlos Bravo Nico 
José Carlos Correia Mota de Andrade 
José Eduardo Vera Cruz Jardim 
José Manuel Pereira Ribeiro 
Jovita de Fátima Romano Ladeira 
João Barroso Soares 
João Carlos Vieira Gaspar 
João Cândido da Rocha Bernardo 
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano 
Leonor Coutinho Pereira dos Santos 
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal 
Luís António Pita Ameixa 
Luís Miguel Morgado Laranjeiro 
Luísa Maria Neves Salgueiro 
Lúcio Maia Ferreira 
Manuel Alegre de Melo Duarte
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Manuel António Gonçalves Mota da Silva 
Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro 
Manuel Luís Gomes Vaz 
Manuel Maria Ferreira Carrilho 
Marcos Sá Rodrigues 
Marcos da Cunha e Lorena Perestrello de Vasconcellos 
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos 
Maria Celeste Lopes da Silva Correia 
Maria Cidália Bastos Faustino 
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa 
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis 
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues 
Maria Hortense Nunes Martins 
Maria Irene Marques Veloso 
Maria Isabel Coelho Santos 
Maria Jesuína Carrilho Bernardo 
Maria José Guerra Gambôa Campos 
Maria Júlia Gomes Henriques Caré 
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira 
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo 
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco 
Maria Odete da Conceição João 
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal 
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz 
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina 
Maria de Fátima Oliveira Pimenta 
Maria de Lurdes Ruivo 
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro 
Maximiano Alberto Rodrigues Martins 
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque 
Nelson Madeira Baltazar 
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá 
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão 
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro 
Paula Cristina Barros Teixeira Santos 
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte 
Paula Cristina Nobre de Deus 
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto 
Renato Luís Pereira Leal 
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio 
Ricardo Jorge Teixeira de Freitas 
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves 
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues 
Rita Susana da Silva Guimarães Neves 
Rosalina Maria Barbosa Martins 
Rui do Nascimento Rabaça Vieira 
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa 
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos 
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes 
Teresa Maria Neto Venda 
Umberto Pereira Pacheco 
Vasco Seixas Duarte Franco 
Victor Manuel Bento Baptista 
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho 
Vítor Manuel Pinheiro Pereira 
Partido Social Democrata (PSD): 
Adão José Fonseca Silva 
Agostinho Correia Branquinho 
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso 
António Alfredo Delgado da Silva Preto 
António Joaquim Almeida Henriques
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Arménio dos Santos 
Carlos Alberto Garcia Poço 
Carlos Manuel de Andrade Miranda 
Domingos Duarte Lima 
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco 
Emídio Guerreiro 
Feliciano José Barreiras Duarte 
Fernando Mimoso Negrão 
Fernando Santos Pereira 
Fernando dos Santos Antunes 
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva 
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves 
Jorge Fernando Magalhães da Costa 
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado 
José António Freire Antunes 
José Eduardo Rego Mendes Martins 
José Luís Fazenda Arnaut Duarte 
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro 
José Mendes Bota 
José Pedro Correia de Aguiar Branco 
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos 
João Bosco Soares Mota Amaral 
Luís Filipe Alexandre Rodrigues 
Luís Filipe Carloto Marques 
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes 
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes 
Luís Miguel Pais Antunes 
Luís Miguel Pereira de Almeida 
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira 
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa 
Maria Irene Martins Baptista Silva 
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro 
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas 
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva 
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas 
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz 
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho 
Mário Patinha Antão 
Mário da Silva Coutinho Albuquerque 
Nuno Maria de  Figueiredo Cabral da Câmara Pereira 
Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel 
Paulo Miguel da Silva Santos 
Pedro Miguel de Azeredo Duarte 
Pedro Miguel de Santana Lopes 
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos 
Ricardo Jorge Olímpio Martins 
Sérgio André da Costa Vieira 
Vasco Manuel Henriques Cunha 
Zita Maria de Seabra Roseiro 
Partido Comunista Português (PCP): 
Abílio Miguel Joaquim Dias Fernandes 
António Filipe Gaião Rodrigues 
Artur Jorge da Silva Machado 
Bernardino José Torrão Soares 
Eugénio Óscar Garcia da Rosa 
José Batista Mestre Soeiro 
José Honório Faria Gonçalves Novo 
Maria Luísa Raimundo Mesquita 
Miguel Tiago Crispim Rosado 
Partido Popular (CDS-PP):
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Abel Lima Baptista 
António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro 
Diogo Nuno de Gouveia  Torres Feio 
José Helder do Amaral 
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho 
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo 
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo 
Luís Pedro Russo da Mota Soares 
Nuno Miguel Miranda de Magalhães 
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia 
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro 
Bloco de Esquerda (BE): 
Fernando José Mendes Rosas 
Francisco Anacleto Louçã 
Helena Maria Moura Pinto 
João Pedro Furtado da Cunha Semedo 
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda 
Maria Cecília Vicente Duarte Honório 
Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV): 
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes 
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia 
ANTES DA ORDEM DO DIA 
O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, vamos dar início ao período de antes da ordem do dia.
O primeiro orador inscrito, para uma declaração política é o Sr. Deputado Bernardino Soares, a quem dou a palavra.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Hospital Amadora-Sintra voltou de novo à ribalta noticiosa, agora pela decisão do Ministério Público no sentido de absolver os dirigentes da Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa no caso do acompanhamento da gestão concessionada ao Grupo Mello.
Sobre esta matéria, apetece começar por dizer o seguinte: «A gestão de unidades públicas de saúde entregues ao sector privado, hospitais públicos geridos por sociedades anónimas, e as futuras parcerias público/privado são os traços mais marcantes e visíveis da actual política de saúde. O actual Ministro da Saúde assumiu inegável opção política em favor do sector privado.
A área da saúde é, hoje em dia, um sector particularmente apetecido pelo sector privado, não certamente por milagre de filantropia súbita mas, sim, pelos lucros obtidos quando exploram este sector tão sensível para as pessoas.
Por isso, consideramos que é de primordial importância o aprofundamento do estudo da experiência do Hospital Amadora-Sintra, de forma a podermos recolher todos os ensinamentos e a evitar erros e conflitos futuros.
Assim, ressalta desta experiência, Srs. Deputados, o seguinte: deu origem ao mais grave conflito entre o sector privado e o Estado na área da saúde, e no qual estão envolvidos milhões de contos; a gestão privada não atingiu a produção esperada nalgumas importantes valências de acordo com o definido no contrato; a gestão privada não resolveu a questão das listas de espera; com a gestão privada, os custos previstos foram sucessivamente ultrapassados; a gestão privada não acautelou os riscos de promiscuidade a que os hospitais públicos ficam sujeitos, quando neles coexistem as actividades pública e privada.» Quem tais palavras disse — todas estas palavras — foi o Partido Socialista num debate sobre a criação de uma comissão de inquérito sobre a concessão de gestão do Hospital Amadora-Sintra.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Bem lembrado!
O Sr. António Filipe (PCP): — Quem diria!
O Orador: — Só que, depois, veio o Ministro Correia de Campos, velho admirador desta experiência privada, tanto que até tratou de desvalorizar, na sua anterior passagem pelo governo, um relatório apresentado pelos próprios dirigentes do Ministério da Saúde, designadamente da ARS de Lisboa e Vale do Tejo, rotulando-o imediatamente de «infundamentado» e ostracizando os seus responsáveis, ao ponto de até
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lhes recusar o apoio jurídico devido para se defenderem das acções entretanto interpostas pelo Grupo Mello em relação a actos decorrentes do mais estrito cumprimento das suas funções.
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Orador: — É claro que o Ministro Correia de Campos, já nesta Legislatura, renovou o contrato e sedimentou as suas normas, dizendo até que gostaria de ter mais experiências como esta, que qualifica de globalmente positiva.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Uma vergonha!
O Orador: — A história deste Hospital tem muitos episódios, e muitos episódios escandalosos: desde logo, foi entregue à gestão privada praticamente em cima das eleições de Outubro de 1995, que o PSD perdeu, por um governo do PSD; foi incluída uma cláusula de arbitragem neste contrato, sem habilitação legal para a sua existência; foi propositadamente entregue o seu acompanhamento, não ao IGIF, que tinha capacidade para tal, mas à ARS, que a não tinha; foram pagos 3,75 milhões de euros à entidade gestora, referentes a Novembro e Dezembro de 1995, meses em que ainda foi o Estado a assegurar a gestão daquele Hospital.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Uma vergonha!
O Orador: — No período da execução do contrato, sucessivamente não se cumpriu o funcionamento das valências que estavam previstas: cardiologia, cirurgias vascular, oftalmológica, maxilo-facial e reconstrutiva.
Foi visível o subdimensionamento do pessoal para as necessidades: durante um certo período, instalou-se uma prática remuneratória, pelo menos para alguns profissionais, assente no número de altas praticadas, com reflexos significativos nos salários, que se traduzia, na prática, em altas precoces e respectivo reenvio dos doentes para o domicílio ou para o médico de família; muitos serviços, como oftalmologia e neurologia, encerravam às 20 horas, remetendo os seus utentes para os hospitais públicos; apenas 68,8% das altas da área deste Hospital são dele provenientes, sendo as outras de outros hospitais da rede pública.
Nunca se explicou por que é que jamais foram facturadas ao Hospital Amadora-Sintra as despesas com o envio destes doentes para outros hospitais, quando eram da sua competência.
Nunca se explicou por que é que o Ministério da Saúde aceitou a interpretação que o Grupo Mello fez do contrato e da sua remuneração, que, por exemplo, definiu que a actualização feita do montante não se fazia a partir do final de cada ano em que vencia o contrato mas, sim, do primeiro dia de cada ano, multiplicando assim por muitos o valor das disposições a receber.
Nunca se justificou por que é que foi permitido a este Hospital de gestão privada enviar utentes doentes para uma clínica de rectaguarda, absolutamente ilegal e sem condições, perante a negligência e a conivência do Ministério da Saúde.
Nunca se explicou por que é que o Hospital não era obrigado a entregar, como o contrato previa, os seus contratos de gestão, a sua execução orçamental, os seus planos e tudo o mais.
Nunca se explicou como é que se processou a demissão do Conselho de Administração presidido pela Dr.ª Manuela Lima, que denunciou esta situação. Nunca se explicou por que é que o anterior Ministro da Saúde, do PSD, para analisar este caso, convocou uma empresa de consultoria, que também trabalhava para o Grupo Mello, detentor da concessão do Hospital Amadora-Sintra.
Nunca se explicou também como é que o Grupo Mello só se lembrou de reivindicar 38 milhões de euros depois de o Estado, através da Inspecção-Geral de Finanças, detectar o pagamento em falta de 75 milhões.
Nada disto foi sendo explicado ao longo dos anos!
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Um escândalo!
O Orador: — O Tribunal Arbitral foi sempre a tábua de salvação deste negócio, por isso foi imposto desde o início. Trata-se de uma instância em que as partes abdicaram, convenientemente, do direito de recorrer da decisão e em que, no caso concreto, os juízes foram nomeados pelas partes, isto é, pelo Grupo Mello e pelo ministro, que era e voltou a ser um alto quadro do mesmo Grupo Mello. Por isso, todos os responsáveis políticos nunca quiseram saber das conclusões não só da Administração Regional de Saúde presidida pela Dr.ª Manuela Lima, mas também da Inspecção-Geral de Finanças e do Tribunal de Contas, que, aliás, ainda não encerrou o processo. Só quiseram, sempre, saber das conclusões do dito — e sem legitimação legal — Tribunal Arbitral. E, assim, se beneficiou o Grupo Mello em 113 milhões de euros! Repito: 113 milhões de euros!
António Filipe (PCP): — Para isso já não há défice!
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O Orador: — Não houve, da parte de nenhum governo, a intenção de acompanhar nem de fiscalizar este negócio. Montou-se, por isso, deliberadamente, um sistema de acompanhamento ineficaz e inexistente, aceitando-se todas as imposições do Grupo Mello, sem discutir. Por isso é que este processo é tão importante: não, fundamentalmente, a questão da absolvição dos dirigentes do Ministério da Saúde mas, sim, o facto de nunca ter sido montada uma rede para controlar este negócio e para defender o interesse público, porque isso significaria pôr em causa as apregoadas vantagens da gestão privada.
Bem o disse Salvador de Melo, Presidente da José de Mello Saúde, quando da decisão do Tribunal Arbitral: «Estamos muito satisfeitos com esta decisão. (…) É um bom prenúncio para as parcerias públicoprivadas. Esta decisão dá-nos ânimo para avançarmos com a nossa candidatura a todos os 10 novos hospitais públicos que vão ter gestão privada.»
António Filipe (PCP): — Pudera!
O Orador: — Claro que se a decisão fosse ao contrário, o contrário também teria de ser dito e seria posta em causa a continuação da privatização e a continuação da gestão privada nas unidades públicas.
O Hospital Amadora-Sintra é um exemplo da impunidade e do favorecimento de interesses privados, e é uma lição decisiva para demonstrar as reais consequências da privatização da saúde, quer para os portugueses, quer para o erário público.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, inscreveu-se a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira, a quem dou a palavra.
A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, ouvi atentamente a sua intervenção.
Como sabe, e bem, iniciei funções no Ministério da Saúde imediatamente a seguir à celebração do contrato de gestão privada do Hospital Amadora-Sintra.
Gostaria de deixar muito claro, hoje e aqui — penso que era importante que o Sr. Deputado fizesse essa justiça —, é que a questão que o Sr. Deputado pretende sublinhar da inadequação da gestão privada de um hospital do Serviço Nacional de Saúde não tem que ver com a gestão privada em si, mas com a possibilidade de o Estado ter ou não instrumentos para vigiar a forma como essa gestão privada é feita.
Como o Sr. Deputado sabe, e bem, a legislação então aplicável não permitia ao Estado assegurar meios de adequada vigilância daquele contrato. Muitas vezes, as declarações políticas dos responsáveis do Ministério da Saúde foram nesse caminho, no entanto, em nome da verdade, devo esclarecer que o próprio contrato, que teve visto do Tribunal de Contas antes das eleições de Outubro de 1995, dava competência a uma comissão arbitral para decidir nos conflitos existentes com o Estado. Tratou-se, pois, de um contrato visado por quem tinha competência para o fazer, que atribuiu a essa comissão arbitral a capacidade de decidir — e não estou a emitir qualquer juízo de valor sobre isso — e, portanto, é inadequado dizer que se deve e quanto se deve, quando quem tem competência para o fazer o fez de acordo com premissas contratuais visadas pelo Tribunal de Contas.
Isto só para dizer que, por vezes, é fácil atribuir acusações no meio de um emaranhado de decisões políticas, de sucessão de visões políticas sobre a saúde e a inadequação dos instrumentos públicos para fazer face, por vezes, a experiências inovadoras. A resposta que o Ministério da Saúde sempre deu relativamente a essas experiências foi a de ter apostado na modernização da Administração Pública, na batalha sistemática pela existência de instrumentos jurídicos que permitissem uma mais adequada gestão por parte do sector público e uma equiparação em termos de instrumentos de eficácia de gestão que permitissem avaliar quem é que gere melhor, se o Estado ou o privado, perante os mesmos instrumentos facilitadores.
Penso que ficou suficientemente demonstrado, durante a gestão do Partido Socialista do Ministério da Saúde, que não só foram qualificadas em primeiro lugar as experiências de gestão, quer da Feira quer sobretudo da unidade local de Matosinhos, para que se possa também, sem abdicar e sem omitir parte da verdade, dizer que a aposta do Partido Socialista sempre foi na competência e na adopção de instrumentos de gestão capazes para garantir, simultaneamente, o aperfeiçoamento, a modernização e a eficiência e eficácia do Serviço Nacional de Saúde como instrumento estratégico ao serviço da saúde dos portugueses.
Gostaria, pois, que o Sr. Deputado também pudesse comentar isto.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira, temos uma profunda discordância nesta matéria.
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Abordámos duas questões a propósito deste caso: uma, são as conclusões que tiramos em relação à questão da gestão privada de unidades públicas. Mas há mais do que isso, Sr.ª Deputada: é que houve um interesse do Estado, um interesse público, que foi lesado neste processo, independentemente das considerações que façamos em relação à bondade ou à maldade da gestão privada. O interesse do Estado foi lesado!
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Orador: — A Sr.ª Deputada, que era ministra na altura, diz que não havia condições legais para acompanhar o contrato. Então, que lei é que impunha que a Administração Regional de Saúde tivesse uma pessoa que se dedicava um dia por semana a acompanhar um hospital daquela dimensão? Era uma lei que impunha esta insuficiência? Por que é que a Sr.ª Deputada, que era então ministra, não questionou que se tivessem pago 3,75 milhões de euros ao Grupo Mello por gerir dois meses do ano de 1995, Novembro e Dezembro, que não foram da gestão do Grupo Mello porque o Hospital só passou para a sua gestão a partir de 1 de Janeiro? A Sr.ª Deputada, que então era ministra, nunca questionou isso?!
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Bem lembrado!
O Orador: — Quanto ao visto do Tribunal de Contas — que foi dado, aliás, sem inventário do equipamento nem quadro de pessoal, o que a lei exigia —, é verdade que existiu, mas tinha essas insuficiências.
E quando era ministra, a Sr.ª Deputada nunca se questionou por que é que a Administração Regional de Saúde aceitava as interpretações do contrato em relação aos montantes a auferir que o Grupo Mello apresentava, sem questionar nem discutir essas interpretações?
A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — Não é verdade!
O Orador: — É verdade! Constatou a Inspecção-Geral de Finanças! Nem foi o PCP! E, quanto às valências, não é verdade que muitas delas abriram muito depois do que estava previsto no contrato? Não é verdade que algumas valências fechavam às 20 horas, porque não era economicamente rentável tê-las abertas,…
A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — Não é verdade!
O Orador: — … enviando os utentes que eram daquele hospital para os outros hospitais públicos, que arcavam com os custos dessas populações? É ou não verdade que isto tudo aconteceu? É ou não verdade que enviavam os utentes que necessitavam de cuidados continuados ou em estado terminal para uma clínica ilegal que foi denunciada, repetidas vezes, pelo PCP, pelos utentes e por muitas entidades, incluindo autarquias, e que demorou anos até ser encerrada, apesar de ser ilegal e não ter quaisquer condições para funcionar? Isto tudo é ou não verdade? É ou não verdade que se ignorou «olimpicamente» não só a Administração Regional de Saúde, mas a Inspecção-Geral de Finanças, o Tribunal de Contas?! Tudo isso foi ignorado por sucessivos governos, só se agarrando a um tribunal arbitral, que foi incluído no contrato sem haver habilitação legal para que essa cláusula tivesse sido incluída, porque impedia o Estado de recorrer para outras instâncias, com o resultado que agora está à vista. O tribunal arbitral foi incluído no contrato,…
A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — Afinal, não é verdade!
O Orador: — … e foi incluído ilegitimamente. E o seu dever, Sr.ª Deputada, quando foi ministra, era o de ter questionado esse contrato, mesmo que não tivesse condições plenas para desdizer aquilo que é verdade, ou seja, que foi assinado à pressa pelo PSD, antes das eleições que já sabia que ia perder. Mesmo que isso tivesse dificuldades, alguma coisa podia ter sido questionada — e esta era uma delas —, pelo menos o contrato podia ter sido acompanhado, coisa que não foi, como ao fim destes anos pudemos constatar.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — Não é verdade, Sr. Deputado!
O Sr. Presidente: — Também para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.
O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Rui Rio é hoje um homem só, um homem mais só.
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Vozes do PSD: — Oh!…
O Orador: — Só, mas arrogante, um homem que não aceita as críticas e vive do confronto permanente com as instituições da cidade para, no meio da confusão, desviar as atenções do fracasso da sua gestão, da ausência de um projecto para a cidade e do incumprimento de grande parte das suas promessas eleitorais.
Como no Porto já todos perceberam, quem não concorda com Rui Rio é rapidamente rotulado e tratado como um inimigo da cidade e dos seus interesses. Foi assim com os clubes de futebol da cidade, com todos os que se opuseram à megalomania irresponsável do Túnel de Ceuta, com os moradores do bairro de Aldoar, que apenas teimavam e desejavam uma habitação condigna, e é também assim com os jornalistas, que — suprema heresia —, persistem em fazer perguntas nas conferências de imprensa com o Sr. Presidente Rui Rio.
Vozes do BE: — Muito bem!
O Orador: — O último alvo deste «clima geral de hostilidade que se sente na cidade do Porto» — para citar o Sr. Deputado Pedro Duarte — são os artistas. O anúncio de que vai cortar todos os subsídios camarários às actividades culturais é todo um programa sobre o seu entendimento da democracia e da cultura, que surge duas semanas depois da contestação dos meios artísticos e de alguns sectores da cidade contra o abandono e a indiferença a que Câmara votou o Teatro Rivoli.
Rui Rio decidiu-se pela retaliação. No pequeno mundo do Sr. Presidente, as críticas ao seu mandato pagam-se caro, e pagam-se com o dinheiro dos contribuintes.
Segundo Rui Rio, a Câmara não tem dinheiro e tem de cortar em algum lado, até porque existe um «preocupante fenómeno de desajustada subsidiodependência». A demagogia, Sr.as e Srs. Deputados, tem destas coisas mas, de facto, não se «aguenta» cinco segundos.
Tentando agitar as pessoas contra o «despesismo» dos criadores culturais, Rui Rio esqueceu-se de dizer que o valor em causa, cerca de 200 000 €, é 12 vezes inferior à despesa com a propaganda camarária, que atinge 2,5 milhões de euros, um valor que serve para, entre outras coisas, pagar o site institucional da Câmara Municipal do Porto, um instrumento de luta partidária, pago com o dinheiro dos contribuintes e que mais parece ser redigido pelo ex-ministro da informação do Iraque.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Uma vergonha!
O Orador: — Quanto à subsidiodependência, ela só parece preocupar Rui Rio quando estão em causa as criticas à sua gestão, ou não tivesse sido a Câmara Municipal do Porto a principal financiadora dos milhões gastos numa corrida de calhambeques nas ruas da cidade. Tudo isto, e apenas, porque o Sr. Presidente da Câmara é um confesso apreciador de carros antigos e gosta de conduzir e deixar-se fotografar ao volante das «Donas Elviras».
Protestos do PSD.
Para quem, como Rui Rio, gosta de se apresentar como um rigoroso e impoluto defensor dos dinheiros públicos, um acérrimo crítico dos vícios da chamada subsidiodependência, a gestão camarária no Porto é um bom exemplo de promiscuidade política que Rui Rio tem promovido.
Se existe um problema de contas na Câmara Municipal do Porto, se existe um «preocupante fenómeno de desajustada subsidiodependência», como diz Rui Rio, a responsabilidade é, como não podia deixar de ser, do próprio Rui Rio e dos critérios que determinam as suas escolhas e decisões.
Apenas para falarmos na empresa responsável pela divulgação e promoção de actividades de lazer e desporto, a conhecida Porto Lazer, registamos a nomeação, sem concurso, de um ex-deputado do PSD para um dos cargos da Porto Lazer, um verdadeiro e autêntico mistério. Não se conhece nada no seu passado, no seu currículo que recomende este ex-Deputado do PSD para esta nomeação.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Uma vergonha!
O Orador: — O mesmo acontece com a irmã do vice-presidente da Câmara Municipal do Porto, nomeada para a direcção da Culturporto – Associação de Produção Cultural, um caso estranho de sucesso na acelerada conversão profissional de uma engenheira alimentar em responsável pelas actividade culturais, e que tem o patrocínio de Rui Rio.
O problema de Rui Rio não é a subsídiodependência, nem tão-pouco acabar com ela, caso exista. Olhando para a sua gestão, é óbvio que nunca poderia ser esse o seu problema. O problema de Rui Rio, aquilo que o determina, é exactamente o contrário, é construir, instalar e impor uma subsídiodependência que compre fidelidades políticas e eleitorais. Esse é o seu objectivo!
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Neste contexto, a Sr.ª Ministra da Cultura não pode ficar de braços cruzados e a olhar para o lado. É necessário que o Governo, sem prejuízo da autonomia dos municípios, encontre os mecanismos necessários para salvaguardar e proteger a criação artística e cultural.
Por último, a Câmara Municipal do Porto tem esse original e ilegal voto de silêncio a que obriga todas as colectividades, associações ou promotores culturais como condição necessária à obtenção de apoios camarários, que por esta via ficam impedidas de criticar o Sr. Presidente da Câmara.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Um escândalo!
O Orador: — Não deve ser por acaso que Marques Mendes manifestou recentemente a sua total confiança e solidariedade para com Rui Rio. De facto, o exemplo do Presidente Rui Rio tem cada vez mais semelhanças com o modelo instalado por Alberto João Jardim, na Madeira, de onde, aliás, o dito Marques Mendes regressava de viagem, também ela de cumprimentos e de solidariedade.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José de Aguiar Branco.
O Sr. Honório Novo (PCP): — Parece que estamos na Assembleia Municipal do Porto!
O Sr. José de Aguiar Branco (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Honório Novo, não estamos na Assembleia Municipal, mas quando se toca em questões de seriedade e de carácter tanto faz estar na Assembleia da República como na Assembleia Municipal, porque «quem não se sente não é filho de boa gente».
Vozes do PSD e do CDS-PP: — Muito bem!
O Orador: — Sr. Deputado João Semedo, a verdade é que surpreende-me que sendo o Bloco de Esquerda sempre tão rigoroso naquilo que deve ser a gestão dos dinheiros públicos, não reconheça a primeira das missões que foi necessário implementar na Câmara Municipal do Porto, perante a autêntica catástrofe em que as suas finanças ficaram após a gestão do Partido Socialista, e não venha, em primeiro lugar, aplaudir a afectação rigorosa e correcta dos seus dinheiros.
Esse rigor obriga a que haja prioridades, que foram sufragas pelo acto eleitoral que ocorreu. E a primeira das prioridades – também me surpreende que o Bloco de Esquerda não a considere como tal – é a coesão social e a necessidade de reabilitação dos bairros sociais da cidade do Porto.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Orador: — 20% da população do Porto vive em bairros sociais que, por causa da afectação de dinheiros a outras prioridades, que não as necessidades básicas, se encontravam em estado de completa degradação.
E, como é preciso fazer uma gestão rigorosa dos dinheiros, a Câmara Municipal do Porto, o seu Presidente, nessa gestão rigorosa e de coesão social, afectou as suas prioridades à coesão social, à reabilitação da habitação social.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — É evidente que também é preciso apoiar a cultura, e a Câmara Municipal do Porto fá-lo. E o Sr. Deputado sabe que o faz na Casa da Música, na Fundação de Serralves, no Teatro do Campo Alegre.
Portanto, também é preciso não ter um discurso que esqueça o que é feito e os apoios que são dados pela Câmara na área da cultura.
A minha pergunta concreta é a seguinte: o Bloco de Esquerda entende que os dinheiros públicos da Câmara devem ser aplicados em primeiro lugar em zonas de cultura, como as que o Sr. Deputado referiu, ou na coesão social, na habitação social, na reabilitação, dando melhores condições de vida aos portuenses que delas carecem?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Há mais uma inscrição para pedidos de esclarecimento. Suponho que o Sr. Deputado João Semedo desejará responder em conjunto.
O Sr. João Semedo (BE): — Sim, Sr. Presidente.
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O Sr. Presidente: — Assim sendo, tem a palavra, também para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Manuel Pizarro.
O Sr. Honório Novo (PCP): — É da mesma Assembleia Municipal!
O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Semedo, considero que a sua intervenção sobre esta matéria foi bastante oportuna e adequada.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Orador: — E se é bem verdade que não estamos aqui na Assembleia Municipal do Porto, também não é menos verdade que à Assembleia da República diz respeito tudo o que é relativo ao povo português e tudo o que se passa no Porto.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Orador: — O Porto é conhecido por ser a pátria da liberdade, desde a gesta da arraia-miúda contada pelo colunista Fernão Lopes até àquilo que foi o peso decisivo da cidade e dos seus habitantes na gesta liberal, que é, aliás, perpetuada num fresco desta Assembleia, em que Manuel Fernandes Thomaz, um Deputado eleito pelo Porto, teve um peso decisivo na elaboração da Constituição liberal de 1822.
O que se vive, hoje, no Porto é um estado de excepção democrática, com um pequeno Presidente autocrático, que apouca a imagem do Porto e que, com dificuldade, arranja, na cidade do Porto ou fora dela, quem queira defender o seu comportamento.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Orador: — O que se passa no apoio às instituições culturais da cidade, com a imposição de uma cláusula infamante e censória, que obriga aqueles que aceitem os subsídios a prescindirem do seu direito de criticar a câmara, é uma verdadeira vergonha, indigna de uma cidade de pergaminhos liberais!
Aplausos do PS.
É, aliás, significativo que, em várias matérias, em dois casos concretos o Sr. Provedor de Justiça já se tenha pronunciado contra esta e outras normas da Câmara Municipal do Porto, designadamente contra uma que queria impedir os munícipes de participarem nas reuniões públicas da Câmara se o Sr. Presidente considerasse que o seu caso não era de interesse para a cidade, como se essa fosse uma prerrogativa de que se podia arrogar em relação à participação dos seus munícipes.
Destaca-se este espírito de conflitualidade permanente. No mandato anterior, o inimigo da Câmara era o mundo do futebol, e aí conseguiu, seguramente, muitos aplausos populistas. Neste momento, os inimigos são quaisquer uns, tanto servem os vendedores do Mercado do Bolhão, como os agentes culturais, é o inimigo que estiver mais à mão, numa estratégia que não valoriza a sociedade democrática que todos devemos preservar.
Sobre esse ponto de vista, no que diz respeito ao Teatro Rivoli, que foi recuperado com fundos públicos, com base num elevado investimento que se insere numa política cultural que o Estado e o Ministério da Cultura vêm desenvolvendo, na cidade do Porto, com instituições de grande prestígio e de grande impacto na vida cultural de toda a região, designadamente com o Museu de Serralves, com a Casa da Música e com o Teatro Nacional São João, a tentativa de entregá-lo a interesses privados sem respeito pelos valores culturais é, de facto, muito lamentável.
Gostaria, pois, de ouvir um comentário do Sr. Deputado sobre a forma como esse processo tem vindo a ser conduzido, visto que, ainda por cima, já foram ultrapassados todos os prazos que haviam sido dados para a concessão desse espaço, de acordo com o pretenso concurso inventado pelo Presidente da Câmara Municipal do Porto.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para responder aos dois pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.
O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José de Aguiar Branco, Sr. Deputado Manuel Pizarro, a primeira constatação que gostaria de fazer é a de que é inteiramente natural, é mesmo uma razão nobre nesta Assembleia e no nosso debate parlamentar, discutirmos algumas coisas que se passam na cidade do Porto.
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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sem dúvida!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Temos é de fazê-lo com seriedade!
O Orador: — Estas e eventualmente outras. De certa forma, talvez até tenhamos pecado, no passado, por discutirmos demasiadamente pouco alguns assuntos relativos a uma cidade como a do Porto.
A segunda constatação é a seguinte: quando olhamos para a nossa estratégia política, para o nosso pensamento, para o nosso projecto de sociedade e para as soluções concretas que em cada cidade queremos implementar, não caímos na armadilha de ter de escolher entre a coesão social ou a criação artística e cultural.
Certamente que gerir uma cidade é definir as necessidades e encontrar os equilíbrios. O que não está correcto na cidade do Porto é exactamente esse desequilíbrio. Mas, pior do que o desequilíbrio, é que nós — o Sr. Deputado José de Aguiar Branco vive na cidade do Porto como eu, aliás, como o Sr. Deputado Manuel Pizarro – passeamos pela cidade, vamos aos bairros sociais e não verificamos aí os progressos que o Sr. Deputado José de Aguiar Branco referiu.
O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Não é verdade!
O Orador: — Aliás, melhor do que as minhas palavras ou do que as suas, se me permite, são as palavras e os protestos dos residentes nesses mesmos bairros sociais.
Por outro lado, há uma outra questão a que os senhores também têm de responder: é que o investimento da Câmara Municipal do Porto nessas instituições, a que o Sr. Deputado se referiu, como sabe, é subsidiário, é pequeno, é mínimo, não é significativo! Essas instituições existiriam para além da vontade do Presidente Rui Rio e da própria Câmara Municipal do Porto. Refiro-me é ao investimento da própria Câmara no apoio e no incentivo à vida cultural! Acha suficiente uma verba de 200 000 €, menor do que a da Câmara Municipal da Guarda?!
Risos do Deputado do BE Francisco Louçã.
Sr. Deputado, convenhamos que é muito pouco. E pior do que isso é usar esses escassos 200 000 € para obter cumplicidades, fidelidades políticas eleitorais!
Vozes do BE: — Muito bem!
O Orador: — A minha intervenção visava fundamentalmente denunciar e alertar a sociedade e esta Câmara para isso. O Presidente Rui Rio usa a cultura como um instrumento para arregimentar associados políticos e partidários! E nós não aceitamos isso! É essa a denúncia que queríamos aqui fazer.
Vozes do BE: — Muito bem!
O Orador: — Passo agora à questão do Teatro Rivoli, colocada pelo Sr. Deputado Manuel Pizarro.
Não compreendemos, nem aceitamos, como é que uma Câmara, depois de ter investido larguíssimos milhões de euros na recuperação do Teatro Rivoli, agora se reconhece incapaz de gerir esse equipamento cultural, servindo do ponto de vista da vida artística e cultural a população da cidade do Porto! Achamos que isto é o grau zero da imaginação e da capacidade política e que é demonstrativo da pequena estatura política que tem o Sr. Presidente Rui Rio.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Abel Baptista.
O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O País viveu, nas últimas semanas, um período de forte instabilidade meteorológica. A precipitação ocorrida em território nacional durante o mês de Outubro foi de 200% a 250 % acima da média de 1951 a 1990. Em algumas zonas do País caíram mais de 300 ml/m
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Com as chuvas intensas ocorreram cheias em diversas localidades, por exemplo em Leiria, em Pombal, em Tomar, na Golegã, em Constância, em Vila Nova da Barquinha, em Reguengo do Alviela, na aldeia de Abela em Santiago do Cacém, em Monte Gordo, em Castro Marim, em Vila Real de Santo António, entre muitas outras.
As cheias provocaram a destruição de várias habitações e de estábulos de animais; causaram elevados prejuízos nas residências, nos estabelecimentos comerciais e na actividade agrícola das populações; destruíram e danificaram muitos equipamentos e mobiliário urbano.
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Foram destruídas várias vias de comunicação rodoviárias. Cito, a título de exemplo, a estrada que liga a aldeia de Abela a São Domingos, que ficou destruída, e o concelho de Leiria, no qual ruíram completamente três pontes rurais e cinco ficaram inoperacionais.
Estiveram fechadas diversas estradas nacionais e municipais.
As ligações ferroviárias entre a capital e o Norte e entre a capital e o Sul do País estiveram cortadas durante vários dias, devido à cedência das infra-estruturas de circulação.
Houve necessidade de socorrer centenas de pessoas por causa das inundações.
O País esteve paralisado e submerso em mais de 1/3 da sua área territorial.
Portugal está parado e é devastado, no Verão, com os fogos florestais e agora, associado também a eles, com as cheias.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Orador: — Perante este cenário, o que fez o Governo? Fez o mesmo de sempre: nada!
Vozes do CDS-PP: — Uma vergonha!
O Orador: — Os Srs. Ministros do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional e da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas não disseram uma palavra, não apresentaram uma ideia, não apresentaram uma proposta para minorar o problema, não tiveram uma intervenção de apoio ou de solidariedade nem de esperança para com as pessoas atingidas.
Está mais do que provado e demonstrado que a floresta desempenha um importante papel ambiental, para além do económico e do social, principalmente como facilitadora da infiltração das águas no solo.
É sabido que, após um incêndio florestal, é necessário actuar imediatamente, numa situação de estabilização de emergência, para controlar a erosão e para proteger a rede hidrográfica.
É sabido que o combate aos incêndios se faz com maior eficiência e com muito menores custos se for feito o ordenamento da floresta.
O Sr. Ministro da Agricultura, que também tutela as florestas, tem sido criticado por todas as organizações de agricultores por não pagar ou por suspender medidas de apoio ao sector. É por nós também sabido que este Ministro é o principal problema da agricultura portuguesa.
Aplausos do CDS-PP.
Ora, este Ministro, que suspendeu os pagamentos da «electricidade verde», que suspendeu o apoio à instalação de jovens agricultores, que suspendeu o pagamento das medidas agro-ambientais, é o mesmo que, pasme-se, suspendeu a apresentação de candidaturas à reflorestação, servindo para justificação disso mesmo a «existência de um elevado número de projectos em análise» e o facto de com esta suspensão «evitar a desnecessária sobrecarga dos serviços com tarefas associadas à gestão» Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Isto poderia ser anedótico se não estivesse escrito, letra por letra, na Portaria n.º 953/2006, de 12 de Setembro.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Orador: — É esta a forma de actuar do Ministro da Agricultura: suspender para não sobrecarregar os serviços Portugal não pode continuar a conviver com esta realidade e ficar parado.
Os incêndios florestais são também responsáveis pela forma como ocorrem as cheias, na medida em que a erosão dos solos não favorece a infiltração das águas nos mesmos.
O País, também por força dos fogos florestais, está a desertificar a um ritmo assustador: cerca de 1/3 do País corre o risco de ficar deserto e seco nos próximos 20 anos, sendo as zonas mais afectadas as do interior, desde o Algarve até Trás-os-Montes.
Ora, o Sr. Ministro da Agricultura tem tido uma postura de ausência face a estes problemas do País, mas sobre isto, bem como sobre as cheias, o Sr. Ministro do Ambiente também nada disse.
Não sabe o Sr. Ministro do Ambiente destes problemas? Não sabe o Sr. Ministro do Ambiente que Portugal tem que cumprir as metas de Quioto, no que diz respeito à emissão do carbono, e que a floresta representa, também nessa área, um extraordinário papel como consumidor de carbono? Regressando à situação de calamidade pública que se viveu no início do mês com as cheias, ficou demonstrada a fragilidade das nossas infra-estruturas, muito em particular da via-férrea. Mas os portugueses têm o direito de saber qual o nível de segurança, de garantia e de previsibilidade que podem ter nas suas vias de comunicação. É importante que os responsáveis políticos e gestores das políticas ambientais e de planeamento dêem garantias de confiança e de fiabilidade das infra-estruturas que os portugueses utilizam. É por isso que o CDS estranha que o Governo sobre esta situação ainda nada tenha dito.
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Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Orador: — Acham os nossos governantes que as cheias do início de Novembro ocorreram só porque choveu muito? Não é essa a nossa opinião.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Claro que não é!
O Orador: — Seguramente que se não chovesse não teria havido cheias. Mas é seguramente verdade que se houvesse uma boa, eficaz e planeada floresta o impacto das chuvas seria muitíssimo menor. É seguramente verdade que se o planeamento urbano e rural fosse feito tendo em conta o respeito das linhas de água, das zonas de infiltração de águas no solo, os efeitos das cheias seriam muito menores.
É seguramente verdade que se as obras públicas, nomeadamente as das vias de comunicação rodoviária e ferroviária, fossem executadas de acordo com os melhores critérios técnicos e de respeito pelos factores ambientais e naturais as chuvas não provocariam os estragos que provocaram.
É seguramente verdade que se houvesse uma boa politica de gestão das diversas bacias hidrográficas e de limpeza das linhas de águas as cheias teriam um efeito muito menor.
É, em conclusão, por manifesta inércia dos poderes públicos e por má gestão na aplicação de verbas que assistimos a estas tragédias ou calamidades que muitos gostam de dizer que são causas naturais.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Orador: — Da nossa parte, não entendemos, nem aceitamos, que se culpe a natureza por esta situação.
É possível fazer melhor. Há medidas mitigadoras que podem e devem ser aplicadas.
Não somos um País rico que se possa dar ao luxo de gastar anualmente milhões de euros no combate a fogos florestais e no salvamento de pessoas e de deixar tudo na mesma para os anos seguintes. Deve o Governo informar o País quais as medidas de salvaguarda que pretende aplicar e de que forma.
Como o Governo não o disse ainda por sua iniciativa, o CDS já requereu a vinda a este Parlamento dos Srs. Ministros da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, para se explicarem.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Orador: — Não aceitamos ficar, de varanda, a ver o País arder, inundar, desertificar, fechar, enfim, desaparecer.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Orador: — Não aceitamos, ao contrário de outros, a ideia de que quanto pior melhor.
Não aceitamos, ao contrário de outros, a ideia de que o País tem de ser suspenso.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Agostinho Branquinho, tem a palavra, também para uma declaração política.
O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não há hoje dúvidas de que estamos perante um Governo que usa e abusa das técnicas da propaganda para promover a sua imagem, escamotear a clara violação das promessas eleitorais e dar a falsa ideia de estar a promover as reformas de que o País necessita.
O Sr. Jorge Costa (PSD): — É verdade!
O Orador: — Os portugueses vão percebendo que este Governo privilegia os grandes anúncios mediáticos, esbanjando dinheiros públicos, com o objectivo de criar um país virtual, bem diferente daquele em que vivemos.
Porém, a situação é bem mais grave quando a essa estratégia mediática o Governo alia uma prática de pressão e ingerência objectivas no serviço público de rádio e televisão.
A Sr.ª Isabel Jorge (PS): — Tanta mentira!
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O Orador: — O Governo e a sua central de comunicação cultivam a máxima segundo a qual seeing is believing, ou seja, é verdade porque passou na televisão. É uma lógica que comporta um risco — e se a televisão for inconveniente e passar o que não deve?! Aqui chegados, o salto é curto: a necessidade de controlo torna-se uma premissa e da premissa passa-se à prática.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Importa concretizar.
Comecemos pela questão dos fogos florestais e da ingerência de assessores do Sr. Primeiro-Ministro junto da RTP — ingerências que acabaram por ter os resultados conhecidos, criando inibições na cobertura pela RTP desse enorme flagelo, inibições e silêncios gritantes, quando comparada com os canais privados. Por muito que seja o esforço em desmentir ou criar ruído sobre esta matéria, os números concretos sobre os espaços noticiosos são esmagadores e não deixam margem para dúvidas.
Mas podemos adiantar mais alguns exemplos em que a comparação é igualmente elucidativa.
Em primeiro lugar, a cobertura dada à eleição dos líderes do PSD e do PS, na RTP, em claro favorecimento do partido do Governo, com o serviço público a dar directos de enorme relevo, no seu principal telejornal, às acções de campanha do Secretário-Geral do PS.
O Sr. Jorge Costa (PSD): — Uma vergonha!
O Orador: — No caso do PSD, não houve qualquer directo e as notícias foram, sistematicamente, remetidas para os noticiários com menores audiências.
Segundo exemplo: as jornadas parlamentares do PS e do PSD. O tratamento da RTP foi, claramente, discriminatório em relação ao PSD, como tivemos oportunidade de relevar em queixa que apresentámos e em que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) deu como provados os factos por nós adiantados.
A Entidade Reguladora determinou, aliás, à RTP, a necessidade de rever os critérios adoptados para a cobertura de eventos de natureza partidária.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — É verdade!
O Orador: — Um terceiro exemplo: as jornadas de trabalho do Grupo Parlamentar do PSD com Deputados da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.
Vozes do PS: — Oh!
O Orador: — Essa reunião foi encerrada pelo líder do PSD.
A RTP correu a convidar o Ministro que detém a tutela da comunicação social para fazer de comentador político das posições do PSD,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Uma vergonha!
O Orador: — … coisa que nunca aconteceu nas quase diárias aparições do Primeiro-Ministro na televisão.
Inqualificável, não é?! Mas foi mesmo assim que se passou.
Um quarto caso, bem paradigmático do condicionamento da programação do serviço público em favor do Governo, é o programa Prós e Contras.
O Sr. Jorge Costa (PSD): — Bem lembrado!
O Orador: — Membros do Governo e presidentes de institutos públicos estiveram presentes em treze programas. Pois bem, o principal partido da oposição foi convidado apenas para quatro, sendo certo que, nos nove programas onde o Governo se passeou sem contraditório político, discutiram-se temas tão «banais» como a situação económica do País, as Forças Armadas, o preço dos medicamentos, o estado da justiça, o desemprego, a política cultural e a sustentabilidade da segurança social.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Uma vergonha!
O Orador: — A «cereja no bolo», espelho de uma completa falta de vergonha e de sentido de responsabilidade, foi o recente programa sobre o Orçamento do Estado para 2007. Dos quatro convidados, um era o Ministro das Finanças, dois eram especialistas que apoiam o Orçamento e o quarto um ilustre economista do Partido Comunista.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Era o único «Contra»!
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O Orador: — Tratou-se de um exercício do mais rematado desrespeito pela pluralidade de opiniões a que a RTP deve obedecer.
Aplausos do PSD.
Podia continuar com mais exemplos, já para não falar das inúmeras situações, insólitas, em que a estação pública acompanha e faz reportagens de iniciativas do líder do PSD para, depois, nada aparecer em nenhum noticiário da RTP. Há coisas fantásticas, não há?!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No levantamento que qualquer um pode fazer da ocupação do espaço televisivo noticioso, no serviço público, nos últimos meses, regista-se uma presença avassaladora do Governo e do Partido Socialista,…
O Sr. Jorge Costa (PSD): — Vale tudo!
O Orador: — … à revelia dos princípios da proporcionalidade e do pluralismo que a RTP está obrigada a respeitar.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Nesse sentido, assume carácter de urgência a publicitação da monitorização rigorosa e sistemática, qualitativa e quantitativa, a cargo da Entidade Reguladora.
Mas isto não se passa só no serviço público.
No afã de tudo controlar e de se autopromover, nem a figura do Sr. Presidente da República escapa ao Partido Socialista e ao seu Governo.
Numa situação cujos contornos é necessário esclarecer, o Governo utilizou, com dinheiros públicos, a revista Fortune para veículo da sua propaganda, usando, de forma ignóbil, a primeira figura do Estado.
No seu texto propagandístico, depois de reiteradas loas à excelência governativa, diz o Governo: «Cavaco Silva optou por uma eficaz gestão do silêncio, apoiando Sócrates no objectivo comum de melhorar a competitividade da economia portuguesa».
Denunciado o despautério, todos se apressaram a sacudir responsabilidades. Ainda vamos descobrir que a culpa terá sido do excesso de zelo socrático de um qualquer obscuro funcionário e que os custos foram suportados não por dinheiros públicos mas pelo magro salário dessa personagem.
Aplausos do PSD.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A ingerência do Governo no serviço público de comunicação social é um assunto sério para a qualidade da democracia.
Nos últimos três anos, tinham sido dados passos muito positivos na defesa da independência da informação da RTP, a par de um excelente trabalho de gestão para o seu equilíbrio económico-financeiro.
Há evidentes retrocessos na área da informação e são claros os indícios de ingerência e de tentativa de governamentalização.
O Sr. Maximiano Martins (PS): — Quais são?
O Orador: — A situação só não é mais grave porque tem havido uma resistência activa de jornalistas da RTP, que se saúdam pelo seu profissionalismo e deontologia.
Numa sociedade mediática, sabemos que, não raras vezes, a repetição de uma mentira cria, pouco a pouco, a ilusão de uma verdade. Sabemos, também, que este Governo utiliza, sem ética nem decoro, a propaganda política como estratégia de afirmação.
O Sr. Renato Leal (PS): — Não apoiado!
O Orador: — Não está em causa a necessidade de informar os portugueses, o que está em causa é o exagero evidente que este Governo pratica, confundindo informação necessária com propaganda enganosa,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — … sem olhar a meios, atropelando princípios de isenção e não hesitando na utilização da sua posição de poder e de disposição dos dinheiros públicos.
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Exige-se de todos, especialmente dos partidos da oposição, a reacção firme e a denúncia corajosa da estratégia em curso, em nome da verdade e da qualidade da democracia…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — … mas também na defesa de um serviço público de rádio e de televisão onde exista liberdade e independência, onde haja pluralismo e se respeite o confronto das diferentes correntes de opinião.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — A Mesa registou a inscrição de dois Srs. Deputados para pedir esclarecimentos.
Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Arons de Carvalho.
O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): — Sr. Presidente, creio não ser muito saudável nem muito curial que se discuta hoje, aqui, aquilo que neste momento está em equação na Entidade Reguladora para a Comunicação Social, mas, se é esse o caminho que o PSD prefere seguir, nós também seguiremos por esse caminho.
Sr. Deputado Agostinho Branquinho, em primeiro lugar, quero dizer que, tal como o PSD, não temos nenhuma saudade de centrais de comunicação,…
O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!
O Orador: — … com uma importante diferença: os senhores tiveram uma central de comunicação, como foi público e notório, e nós nunca a constituímos.
Aplausos do PS.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Não! Que ideia!
O Orador: — O PSD tem saltitado de informação em informação: primeiro, disse que tinha havido um jornalista pivot que, durante um noticiário, tinha sido pressionado; mais tarde, perante a fragilidade desta argumentação, já tinha havido um intermediário e já teria sido à hora do almoço e já teria sido durante os incêndios, em Agosto.
Porém, o PSD ainda não foi capaz de dizer, concretamente, quem pressionou, quem foi pressionado, em que momento, em que dia concreto é que isso aconteceu.
Vozes do PS: — É verdade!
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Se não diz, mente!
O Orador: — Por outro lado, custa-me ver o PSD chegar ao ponto de acusar de manipulação a produção do programa Prós e Contras, feita por uma jornalista que é isenta e reputada e cujo nome, aliás, curiosamente, os senhores nunca pronunciam, que é a jornalista Fátima Campos Ferreira. Por alguma razão é assim, e era bom que isso fosse esclarecido.
Vozes do PSD: — Essa agora!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — O que é que quer insinuar?
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Essa foi muito baixa!
O Orador: — Finalmente, quero dizer o seguinte: o PSD chegou ao ponto de dizer que, para se saber de cada vez que houve pressões sobre jornalistas, bastaria examinar a lista dos telefonemas recebidos pelos jornalistas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Para quem tem dúvidas!
O Orador: — Ora bem, de acordo com o PSD, creio que ficamos a saber que, de cada vez que o assessor de imprensa do Grupo Parlamentar do PSD entra na galeria destinada à comunicação social, nesta Sala, e fala com os jornalistas, está a realizar uma pressão injustificada.
Aplausos do PS.
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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Nunca telefona para a redacção da RTP! Isso não!
O Orador: — Finalmente, dois pontos, o primeiro dos quais é o seguinte: este Governo não criou nenhuma cadeia hierárquica de controlo político; não foi ele que nomeou a actual administração da RTP nem foi durante o seu tempo que foi nomeada a actual Direcção de Informação.
O Sr. José Junqueiro (PS): — Bem lembrado!
O Orador: — Segundo ponto: quando as coisas correm mal, quando as sondagens não ajudam, quando o eleitorado, aparentemente, de acordo com elas, vira costas e foge,…
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Quem fugiu foram os senhores!
O Orador: — … há, normalmente, duas saídas possíveis. A primeira saída é olhar para o espelho e verificar o que está a correr mal; a segunda é encontrar um culpado qualquer.
O PSD, no fim de contas, o que é que fez? Fez exactamente como Humphrey Bogart, na parte final do filme Casablanca, quando se virou para o chefe da polícia e disse: «Prendam os suspeitos do costume».
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Agostinho Branquinho, não vou tentar fazer aqui nenhuma insinuação acerca da ligação entre pessoas, de onde sejam, porque isso levavanos longe, a começar por este Governo e pelas nomeações que são feitas, e pelos estudos que são pedidos, e pelas ligações entre os assessores e quem faz os estudos, e tudo mais. Não vou por aí! Não vou por aí, e é pena que o Sr. Deputado Arons de Carvalho tenha ido, pois devo dizer-lhe que lhe fica muito mal.
Gostava de dizer uma coisa ao Sr. Deputado Agostinho Branquinho: o Sr. Deputado falou de um programa específico e terá, porventura, sobre ele, razão de queixa. Mas, então, o que diremos nós, nesta bancada?! Vou dar-lhe alguns exemplos.
Houve um debate, nesse programa, sobre o aborto.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Nós também não fomos!
O Orador: — Se bem me recordo, o único partido que, neste Hemiciclo, até apresentou uma proposta de alteração à pergunta a ser colocada em referendo foi o CDS.
Se bem me recordo, o único partido que, por acaso, na última sessão legislativa, até recorreu da decisão do Sr. Presidente da Mesa, em relação ao agendamento da questão do referendo, foi exactamente o CDS.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!
O Orador: — Se bem me recordo de uma bancada que tem tido particular intervenção nessa matéria, e em bloco, porque teve uma posição também muito definida, e bem definida, é a do CDS.
A verdade é que assisti a esse frente-a-frente sobre o aborto, vi lá o PS e vi lá o PSD, que, curiosamente, à data, nesse debate, até teve uma posição de liberdade, como é legítimo nessa bancada, mas não vi lá o CDS, e achei extraordinário.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Bem lembrado!
O Orador: — Vou dar-lhe outro exemplo: um debate sobre as maternidades.
Também neste caso, se bem me recordo, o partido que, à data, aqui apresentou um voto de protesto pelo encerramento de várias maternidades, uma das quais a de Barcelos — e houve um Deputado do PSD, membro da Mesa, que teve uma intervenção muito particular nessa matéria —, foi o CDS. Fui eu, inclusivamente, que subscrevi esse voto e fui eu que o apresentei.
Na sequência disso, toda a comunicação social deu o relevo e o destaque adequado à questão, porque era importante e preocupava os portugueses.
Assisti ao dito frente-a-frente sobre o encerramento das maternidades — chamo-lhe frente-a-frente, porque não quero particularizar aqui nenhum programa e, de facto, há um frente-a-frente —, vi lá o PS, vi lá o PSD, mas não vi o CDS, e também não me parece normal. Vi, ao menos, no início do programa — aí, sim! —, depois de uma diligência do nosso assessor de imprensa, que não foi de pressão mas de lembrança, uma
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passagenzinha sobre o que sucedeu no Parlamento, numa discussão em que, por acaso, fui eu quem proferi a intervenção.
Um outro exemplo, Sr. Deputado Agostinho Branquinho: o debate sobre a segurança social. Trata-se de uma questão relevantíssima que preocupa todos os portugueses e está na ordem do dia. Sobre isto, o CDS tem posição própria, tem até uma proposta legislativa, na última Legislatura, inclusivamente, indicou alguém para o Governo, que é bem conhecido e assistiu ao debate, e também temos sobre isso pensamento escrito.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Não foi um debate, foram dois!
O Orador: — No dito programa, vi representantes do PSD, vi representantes do Partido Socialista, mas não vi ninguém do CDS, o que me leva a colocar a seguinte questão: concordando com a preocupação de pluralismo, que expressou na sua intervenção e que um programa desses deve manifestar, neste país, o pluralismo não se resume ao bloco central.
Aplausos do CDS-PP.
E bom seria que, nestes casos concretos, isso fosse tido em conta. Parecer-me-ia, no mínimo, de meridiana justiça que, nestes debates, para não falar noutros, o CDS tivesse estado representado ou, pelo menos, alguém relacionado com o CDS tivesse estado presente.
Mas, Sr. Deputado, também em relação ao debate em causa, que justificou a reacção do PSD, que foi o do Orçamento do Estado, curiosamente, o CDS não esteve presente e, também nessa matéria, na última Legislatura, o CDS indicou alguém para Ministro das Finanças — curiosamente, o mesmo que tinha tido a tutela da segurança social.
Portanto, Sr. Deputado, se nos associamos àquilo que aqui nos trouxe, também lhe dizemos que, no que nos toca, pluralismo é muito mais do que bloco central. E espero bem que, no futuro, a RTP também possa ter essa preocupação e reflecti-la nos convites que faz para programas desta natureza, como de muitas outras.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Arons de Carvalho.
Risos.
Peço desculpa, Srs. Deputados, para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Branquinho.
Como o Sr. Deputado Arons de Carvalho foi muito invectivado, reorientei, subjectivamente, o uso da palavra. Não é que o Sr. Deputado não merecesse ter o dever de responder!… Tem a palavra, Sr. Deputado Agostinho Branquinho.
O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Sr. Presidente, não há problema, pode ser o PS a responder.
Aliás, assim confirmava-se, também aqui, essa presença avassaladora.
Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Melo, permita-me que comece por si, para dizer que, para nós, o que é importante é que, no serviço público de rádio e televisão, haja pluralismo e confronto das diferentes correntes de expressão. Não somos nós que fazemos o alinhamento e os convites, pelo que registamos que o CDS também se associe a esta preocupação.
Nós nunca defendemos, nunca nos viu defender, nem pelos números que temos na nossa mão, nem pelos números que vamos indicando, um confronto directo entre aquilo que sucede com o PSD e o PS. Aquilo que referimos tem a ver com o confronto entre a presença avassaladora do Governo e do Partido Socialista na televisão e na rádio públicas e a presença dos outros partidos, das diferentes correntes de opinião, nesses mesmos órgãos de serviço público. Esta é que é a questão fundamental e, com isto, estamos, obviamente, de acordo.
Sr. Deputado Arons de Carvalho, percebo que este assunto seja incómodo para o Partido Socialista e que V. Ex.ª não esteja à vontade a falar sobre esta matéria. Mas permita-me que lhe diga, Sr. Deputado, que no final da sua intervenção o que é de relevar é que o senhor não negou nenhuma das afirmações que fiz.
Nenhuma das afirmações que fiz!
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Não as provou!
O Orador: — Porque as afirmações que fiz são verdades, e como são factos verdadeiros V. Ex.ª não negou nenhuma delas!
Protestos do Deputado do PS Alberto Arons de Carvalho.
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O PSD, no governo que constituiu com o CDS-PP, anunciou que para a gestão do governo dever-se-ia criar, a exemplo do que acontece em muitos países da Europa, um gabinete que foi conhecido como a central de comunicação. Mas fizemo-lo de uma forma transparente, não ocultámos. O problema, Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho, é que o Governo do PS não criou a central de comunicação,…
O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): — Quantos milhões é que isso custou?
O Orador: — … o problema é que o Governo do PS é uma central de comunicação! O Governo do PS é uma central de comunicação!
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Sr. Deputado, sendo V. Ex.ª uma pessoa com reflexão sobre esta matéria, permita-me que deixe ficar aqui a minha admiração pelo facto de o senhor, na sua intervenção, não ter aproveitado o tempo para dizer o que o PS pensa sobre as questões relacionadas com a isenção do serviço público e a necessidade de haver pluralismo na RTP e na RDP. Sobre isso V. Ex.ª disse nada!
O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): — Não é preciso dizer o óbvio!
O Orador: — Há aí algum peso de consciência, olhando para a actuação do seu Governo e do seu partido? Por que é que V. Ex.ª, de repente, ficou mudo sobre esta matéria? Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho, hoje e noutras intervenções, aqui, na presença do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, e na 1.ª Comissão, na presença do Director de Informação da RTP — tem sido sempre olhos nos olhos —, tenho vindo a denunciar aquilo que considero ser manobras claras, indícios claros de ingerência…
O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): — Diga nomes!
O Orador: — … do PS e do Governo.
O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): — Concretize!
O Orador: — Muito me espanta que o Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho faça a afirmação que fez aqui. Julgava que o Sr. Deputado — e tenho a firme convicção disso — tinha sobre esta matéria dos nomes uma posição num plano ético completamente distinto. Julgo que isso tem que ver com o calor da discussão.
Não vamos por aí, Sr. Deputado.
A questão fundamental é que, de há largos meses a esta parte, temos vindo, em concreto, a denunciar os sinais, os factos e os indícios da ingerência do PS e do seu Governo no serviço público de televisão.
O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): — Provas!
O Orador: — E sobre isso V. Ex.ª disse nada, zero! Assim, permita-me que tire a seguinte conclusão: com o seu silêncio e com a ausência de refutar os argumentos que aqui apresentei, V. Ex.ª tem o tal peso na consciência e sabe melhor do que eu que este Governo é, ele todo, uma central de comunicação.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Marcos Perestrello.
O Sr. Marcos Perestrello (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A cidade de Santarém acolheu, no passado fim-de-semana, o XV Congresso Nacional do Partido Socialista.
Assistimos, na cidade de onde partiu Salgueiro Maia na madrugada memorável do 25 de Abril de 1974, a um congresso participado, democrático e aberto, um congresso com um debate sério e plural. Um debate centrado nos problemas do País, não para os lamentar mas para encontrar as soluções que se impõem.
A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Muito bem!
O Orador: — Um congresso à altura da tradição do PS, um partido moderno, reformista e solidário, um partido responsável, corajoso e rigoroso, um partido europeu e cosmopolita, com o qual Portugal sempre contou nos momentos difíceis.
Aplausos do PS.
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Um partido dinâmico e renovado, que não se esgota no Governo e que, como se viu, não quer nem a governamentalização do partido nem a partidarização do Governo.
Quero, neste momento, dirigir um agradecimento muito especial aos partidos políticos que nos honraram com a sua presença na sessão de encerramento. Encaramos a vossa presença no nosso Congresso não como um mero ritual de cortesia mas antes como uma boa e bela tradição democrática de respeito mútuo entre os partidos políticos.
Aplausos do PS.
Não existe democracia sem partidos, e é aos partidos que, em primeiro lugar, compete prestigiar a democracia. Esse grande desígnio deve unir-nos a todos no salutar respeito pelas diferenças.
O XV Congresso do PS mostrou um partido unido, que apoia o Governo com empenhamento e com solidariedade, mas que mantém o espírito crítico; um partido que quer ser uma voz das realizações do Governo junto da sociedade, mas também uma voz dos anseios e das expectativas da sociedade junto do Governo.
Não restam dúvidas hoje de que o PS está motivado e pronto para as batalhas que o País tem pela frente: a batalha pelo equilíbrio e pela disciplina das contas públicas; a batalha pela qualificação dos portugueses; a batalha contra a pobreza e a exclusão, por uma maior igualdade de oportunidades, pela justiça social, pela inclusão e pela solidariedade; a batalha pelo crescimento económico e pelo emprego; a batalha pela reforma da Administração Pública e pela qualificação dos serviços públicos; a batalha por um modelo de desenvolvimento assente na investigação, na ciência e na tecnologia; a batalha pela defesa do Estado social, assegurando a sustentabilidade da Segurança Social; a batalha por uma justiça justa, isto é, atempada e eficaz; e a batalha por uma justiça fiscal e pela equidade contributiva.
Srs. Deputados, o maior desafio actual de uma política de esquerda é assegurar a sustentabilidade financeira do Estado social. O Governo do PS está a enfrentá-lo, e está a fazê-lo quando vivemos em condições de austeridade financeira, de crescimento económico moderado, de competitividade fiscal e de envelhecimento da população.
A marca da governação de uma esquerda moderna é o reformismo, na fidelidade aos princípios que sempre foram os nossos e que, no actual momento político, se declinam: na preservação da esfera pública enquanto espaço de realização democrática e comunicacional; na prevalência do interesse público sobre os interesses privados; na igualdade de oportunidades e de género, para o que a recente lei da paridade e o referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez são dois importantes contributos; na coesão e inclusão social e territorial; na promoção da escola como centro de uma cidadania democrática responsável; na promoção e defesa do modelo social europeu e de uma globalização regulada e solidária.
O reformismo de esquerda em Portugal está onde sempre esteve: no Partido Socialista. Aqui, entre o imobilismo conservador à nossa esquerda, conducente à falência do Estado social em virtude da sua inviabilidade financeira, e o neoliberalismo, que, como se viu nas últimas eleições americanas, já é anacrónico, de uma direita apostada no desgaste dos serviços públicos, que quer a retirada do Estado para um patamar mínimo, deixando aos privados as prestações na saúde e na educação, encaradas como meros negócios.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Orador: — Sr.as e Srs. Deputados: O Congresso do PS constituiu um momento de afirmação mas também um momento de mobilização para os grandes desafios políticos que se colocam ao País e para a responsabilidade de assumirmos a Presidência da União Europeia no segundo semestre do próximo ano.
Defendemos uma Europa forte, justa e solidária, factor indispensável da paz e dos equilíbrios internacionais, espaço privilegiado de afirmação de Portugal. Lutamos por uma Europa mais activa na cooperação com os países africanos e da bacia do Mediterrâneo; lutamos por uma Europa que assuma renovada e plenamente a Agenda de Lisboa, no que ela tem de desafio à inovação, de aposta na qualificação da pessoas, na ciência e no conhecimento e de desenvolvimento tecnológico, condições indispensáveis do crescimento e do emprego.
Aplausos do PS.
A próxima presidência portuguesa será, assim, uma grande oportunidade, que aproveitaremos, para bem de Portugal e da Europa, afirmando estes grandes princípios e valores.
Srs. Deputados, há ano e meio, perante os resultados desastrosos causados pelo desnorte e pela irresponsabilidade da governação de direita, o País reclamava um governo responsável e determinado, que o pusesse no rumo certo. Foi por isso, e para isso, que o eleitorado deu a maioria absoluta ao PS. Desde há ano e meio que o País tem esse Governo – responsável e determinado e que pôs o País no rumo certo.
Curiosamente, agora, que são visíveis os primeiros frutos do trabalho feito, começaram a surgir algumas vozes que, parecendo fatigadas pelo esforço que apenas se iniciou, gostariam de afrouxar a determinação e
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escolher de novo o caminho da facilidade. Essas vozes prevaleceram sempre nos piores momentos da nossa História. Pelo contrário, nos seus melhores momentos, imperou a coragem de levar até ao fim o trabalho a fazer, mantendo o rumo traçado com patriotismo e visão. Parar agora seria trair o futuro. Mas nós queremos que as próximas gerações olhem para o nosso presente como um bom momento da nossa História, por isso não desistiremos. E sabemos que temos o País connosco neste grande esforço nacional.
Neste ano e meio, o Governo traçou um rumo com objectivos de médio e longo prazos, mas em apenas ano e meio, no curto prazo, uma conquista já ninguém lhe tira – a da credibilidade na procura de uma vida melhor para Portugal e para os Portugueses.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — A Mesa regista quatro inscrições para pedidos de esclarecimento ao orador.
Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Frasquilho.
O Sr. Miguel Frasquilho (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Marcos Perestrello, cumpre-me felicitar o PS, e em particular V. Ex.ª, como orador, pela realização do Congresso do PS. Estivemos presentes no seu encerramento e pudemos testemunhar o que se lá passou.
Sr. Deputado, deixemos o congresso e vamos ao que interessa, vamos à realidade do País, vamos aos dados que o Banco de Portugal ainda ontem apresentou.
No espaço de uma semana apenas, primeiro, a Comissão Europeia e, agora, o Banco de Portugal indicam que o crescimento em 2006 vai ser de 1,2%. O Governo, notando um optimismo excessivo, como vem acontecendo sistematicamente, previa um crescimento de 1,4%. É uma questão de décimas, mas é importante porque são muitos milhões de euros a menos.
A verdade é que, num ano em que a União Europeia cresce 2,8% e a zona euro cresce cerca de 2,5%, Portugal nem a metade desse crescimento chega, o que significa que vai continuar a divergir e, pior, que o fosso da divergência até se agrava em relação a anos anteriores. Ora, isto são muito más notícias para as famílias e para as empresas portuguesas.
Sr. Deputado, se é verdade que foram as exportações que permitiram manter a projecção do Banco de Portugal, o que é que V. Ex.ª tem a dizer sobre a queda do investimento? Há seis trimestres consecutivos que o investimento decresce e, pelos vistos, assim vai continuar. O Banco de Portugal reviu para menos 3,2% a evolução do investimento este ano.
Sr. Deputado, é evidente que com as políticas que o Governo tem seguido esta seria a situação a que, infelizmente, iríamos chegar. Todos podiam observar isso, todos podiam esperar isso, mas o Governo, infelizmente, continua a negar a realidade, que é uma realidade desgraçada para o País. Em 2006, será o sexto ano consecutivo em que divergiremos da média europeia mas, segundo a Comissão Europeia, 2007 e 2008 serão anos em que essa divergência não será abrandada.
Com tudo isto o que é que observámos neste fim-de-semana? Um congresso partidário de apoio ao Governo que continua sempre em festa, sempre com anúncios, mas que, depois, é contrariado sistematicamente pela realidade.
Sr. Deputado, era sobre isto que gostava de o ouvir, pedindo que comentasse as dificuldades que o País continuar a atravessar e a que os senhores, pelos vistos, não conseguem dar uma solução.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Marcos Perestrello, manifestamos o nosso respeito institucional pelo PS, pelo seu Congresso e pela Direcção eleita.
Quanto ao Congresso, que é o tema do debate neste momento, apesar de invocadas virtudes romanas, ele foi mais de propaganda do que propriamente de debate político, devo dizer-lhe sem acinte. E essa propaganda iludiu qualquer autocrítica do Governo em relação a qualquer medida, a qualquer política sectorial. «Está tudo bem e tudo se recomenda, nada há a examinar na política do Governo»...! Acerca disso o País olhou para lá e não viu qualquer exame de consciência, qualquer argumentação da parte do PS, qualquer justificação adicional em relação a medidas que eventualmente julguemos erróneas, não tem qualquer argumentação suplementar. Limitaram-se ao estribilho das argumentações já anteriormente produzidas, e são essas que têm de carregar a música e as trombetas da propaganda governamental.
Vozes do BE: — Muito bem!
O Orador: — O PS tem claramente duas violações de contrato eleitoral — para não falar do conjunto da sua política. Uma delas é em relação à política fiscal e foi assumida pelo Primeiro-Ministro — embora não
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tenha tido qualquer eco no Congresso do PS, nem essa, sobre o conjunto da política económica, nem, sobretudo, a outra violação de contrato eleitoral acerca das medidas da segurança social.
E esta outra violação de contrato eleitoral, gravíssima!, é relativa às medidas da segurança social não anunciadas durante as eleições, não apresentadas em programa eleitoral, ausentes do Programa do Governo e que, no entanto, são hoje o facto, o «alfa» e o «ómega» daquilo que o PS eufemisticamente diz acerca da sustentabilidade do Estado social. Pensamos que não é, mas nem uma palavra, uma explicação sequer aos portugueses sobre o anúncio dessas medidas, sobre a «necessidade inexorável» (para o PS) dessa política não comunicada, não debatida, não informada aos portugueses durante a campanha eleitoral, ausente do programa eleitoral, ausente até do Programa do Governo.
Não competiria ao Congresso do PS, numa relação directa entre eleitores e eleitos, explicar ao povo português por que há duas violações de contrato eleitoral tão flagrantes como estas que o PS desenvolveu? Creio que a bem da democracia, numa relação saudável entre os partidos e a cidadania, competiria ao PS fazer isso, mas este «atirou o lixo para debaixo do tapete», como sói dizer-se.
Sr. Deputado, não gostei da explicação do Secretário-Geral do PS acerca da «rua e das urnas».
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Nem tem de gostar!
O Orador: — Embora manifestando formalmente o seu respeito pela «rua» — existe na Constituição o direito de todos os portugueses à livre manifestação, o direito de fazerem ouvir as suas vozes, o direito de livre expressão —, a mim soou-me mais como uma ameaça do que como um respeito pela «voz da rua».
Não creio que possa pôr-se em oposição, nem competirá ao líder de um partido democrático fazê-lo, aquilo que é a expressão da democracia representativa e aquilo que são manifestações da democracia participativa.
Será que o PS quer reabrir alguma querela acerca de valores constitucionalmente consagrados há muito tempo? Ou será que o PS, não tendo qualquer autocrítica sobre nenhuma medida do Governo, quer ainda aí estigmatizar, contender a livre contestação na rua dos movimentos sociais, da participação dos cidadãos? Será que o PS está irritado com as manifestações de rua? E porquê? Devia, em primeiro lugar, congratular-se com a maior vivacidade do «direito à indignação» — para usar uma inspiração do PS —, que, aliás, esteve notavelmente ausente nos balanços políticos do PS. E as eleições presidenciais são qualquer coisa que desapareceu do universo e do passado próximo do PS em termos de análise política.
Por isso, Sr. Deputado, lamento dizer-lhe que não posso acompanhar o seu grau de satisfação, porque ficaram muitas coisas por responder e, acerca de tudo o mais, fica a nota bastante insólita de que só podemos esperar propaganda. Não temos qualquer diálogo político nem qualquer debate à esquerda! Quanto à acusação que nos faz de imobilismo conservador, devolvemo-la, de uma forma muito simples: aquilo que o Partido Socialista, neste momento, patenteia é uma mobilidade liberal e essa, de certeza, não acompanhamos, porque é bastarda em relação a toda a história do Socialismo. A mobilidade liberal é o abastardamento de qualquer história do Socialismo.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Marcos Perestrello comunicou à Mesa que responderá no fim aos pedidos de esclarecimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Marcos Perestrello, queria saudar o Partido Socialista pela realização do seu Congresso e agradecer as palavras que dirigiu aos partidos que estiveram presente, um dos quais, como se sabe, foi o PCP.
Quer parecer-me que o Sr. Deputado, com a intervenção que aqui trouxe, retomou um certo espírito que resultou, para quem assistiu pela comunicação social, do Congresso do Partido Socialista, que é o de que os senhores confundem o Congresso com a generalidade do País. Não se iludam, porque o tom aclamatório que se verificou no Congresso do PS relativamente à política do Governo não é, nem de perto nem de longe, o sentimento geral que perpassa pela sociedade portuguesa.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — É o contrário!
O Orador: — O sentimento geral não é o dos congressistas do Partido Socialista.
Sr. Deputado Marcos Perestrello, não é de esquerda quem se afirma ser de esquerda.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Claro!
O Orador: — É de esquerda quem leva à prática uma política de esquerda — e esse não é o caso! Pergunto: o que é que distingue as políticas do Partido Socialista das políticas de direita? Os senhores reclamam-se da esquerda moderna e a direita também se reclama da direita moderna. Os senhores fazem a
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mesma política que a direita faz quando está no governo — a única diferença é que eles afirmam-se de direita e os senhores de esquerda.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É verdade!
O Orador: — De facto, Sr. Deputado, não basta afirmar, porque não é de esquerda uma política que lesa os portugueses no seu direito à saúde constitucionalmente consagrado, que lesa os portugueses no seu direito à educação, que lesa os portugueses no seu direito à segurança social, que lesa os portugueses no acesso a serviços públicos essenciais, que ataca os funcionários públicos, que ataca as camadas mais desfavorecidas da sociedade portuguesa como se fossem os culpados pelas dificuldades que o País atravessa.
Mesmo assim, Sr. Deputado Marcos Perestrello, apesar do ambiente geral do Congresso do Partido Socialista, não passaram completamente despercebidas as manifestações de algum desagrado ou as poucas palmas que o Sr. Ministro da Saúde obteve, quando foi ao Congresso defender as taxas moderadoras,…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Já nem convence o Congresso!!
O Orador: — … tal como não passou completamente despercebida a acusação feita por alguns congressistas de práticas anti-sindicais levadas a cabo pelo Governo ou a insensibilidade do Governo perante o protesto social. Apesar de tudo, isso não passou completamente despercebido! Os senhores dizem que o Governo está a tomar estas medidas, que lesam muitos portugueses, em nome da defesa do Estado social. É muito curioso porque desde o início dos anos 80 que a direita assumiu, como seu objectivo estratégico, a destruição do Estado social e obteve grandes retrocessos sociais, designadamente nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, por força da administração Thatcher. A direita conseguiu, de facto, em larga medida, destruir o Estado social e conduzir os países onde isso se verificou a um retrocesso social de graves consequências para o bem-estar e para a qualidade de vida das respectivas populações.
E, em Portugal, o Partido Socialista lança essas medidas, precisamente em nome de quê? Em nome não da destruição mas da defesa do Estado social. É caso para perguntar como é que as mesmas medidas, que para uns servem para destruir e destroem, postas em prática por outros que se dizem de esquerda, em vez de destruir, constroem e defendem.
O Sr. Deputado Marcos Perestrello devia explicar-nos como é que as políticas da direita adoptadas pelo Partido Socialista podem ser apresentadas como medidas de esquerda, quando têm precisamente as mesmas consequências negativas de quando são postas em prática pelos partidos da direita. É isso que os Srs.
Deputados nunca explicaram.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Paulo Carvalho.
O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Marcos Perestrello, antes de mais, em nome do CDS-PP, gostava de manifestar o nosso profundo respeito pela instituição que é o Partido Socialista. Sem dúvida que é um partido democrático, com um funcionamento democrático e, portanto, manifestamos, aqui, também o nosso respeito por esse órgão democrático de funcionamento do Partido Socialista que é o seu Congresso.
No entanto, a verdade é que, quanto ao conteúdo do Congresso, a nossa discordância é total. Antes de mais, realça-se o facto de que este Congresso serviu para criar o pano de fundo para o Sr. Primeiro-Ministro justificar toda a inconsistência das políticas desenvolvidas actualmente pelo Governo e suportadas pelo Partido Socialista.
O Partido Socialista aproveitou o Congresso para nos mostrar um «filme», que é a sua visão do País, que é a sua visão da governação. Infelizmente, esse é o «filme» do Partido Socialista, mas não é o filme do País. E, por isso, o PS esqueceu-se de dizer, no final, algo que era importante, ou seja, que qualquer adequação com a realidade seria, pura e manifesta, coincidência.
De facto, notamos que o Sr. Primeiro-Ministro aproveitou o Congresso para dizer que era altura de desenvolver e iniciar políticas de natalidade, políticas de apoio à família… É de algum mau gosto fazer essa referência quando é o Partido Socialista que apoia o Governo a promover o encerramento de maternidades, exactamente numa altura em que inicia uma campanha em defesa da liberalização do aborto.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Orador: — Tudo isto parece manifestamente inconsistente. Há uma desadequação total entre o «filme» que o Partido Socialista nos quis mostrar, quis vender ao povo, e aquele filme que todos os cidadãos vão vivendo e sentindo no dia-a-dia. De facto, qualquer comparação seria pura coincidência…!
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Por fim, resta-nos ainda sublinhar que este Congresso serviu para o Sr. Primeiro-Ministro justificar aquilo que era injustificável. De facto, o povo português já percebeu que há aqui uma enorme mentira: o PS fez uma campanha baseando-se num conjunto de propostas e promessas e o desenvolvimento da governação deste Governo, apoiado pelo Partido Socialista, mais não é do que um triste desenrolar de promessas não cumpridas, de violação total dos compromissos eleitorais, de que a introdução de portagens nas SCUT ou o aumento dos impostos são apenas dois exemplos pontuais.
Por isso, manifestando mais uma vez todo o respeito pela instituição que é o Partido Socialista, temos de manifestar, aqui, que não acompanhamos nem o caminho que o PS defende, nem as políticas que apoia neste Governo, nem o caminho futuro da governação, aprovado e consensualizado neste último Congresso do Partido Socialista.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para responder a todos estes pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Marcos Perestrello.
O Sr. Marcos Perestrello (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, queria começar por agradecer as simpáticas palavras que me dirigiram e ao Partido Socialista, em relação à realização do nosso Congresso.
Lamento que, no Congresso do PS, não se tenha discutido aquilo que os senhores queriam que se discutisse, mas gostava de vos dizer, com modéstia e humildade, que no Congresso discutimos aquilo que o PS e os delegados ao Congresso entenderam discutir.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Orador: — O Sr. Deputado Miguel Frasquilho veio referir, aqui, o relatório o Banco de Portugal. Ora, relativamente a essa matéria, o Sr. Deputado deveria ser a última pessoa a falar.
Vozes do PS: — Bem lembrado!
O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): — Porquê?
O Orador: — Porque os senhores, quando saíram do governo (e ainda me lembro e o Sr. Deputado também se deve lembrar, com certeza), deixaram um défice nas contas públicas de 6,83% do PIB e um crescimento económico negativo!! O Banco de Portugal já reviu várias vezes as suas previsões desde que o PS está no Governo, e reviu-as sempre em alta.
O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): — Isso não é verdade!
O Orador: — Não é o Governo que está a rever as previsões em alta. As previsões que o Governo tem feito, normalmente têm pecado por defeito, porque a realidade da economia tem correspondido de forma mais positiva do que aquela que o Governo e que o próprio Banco de Portugal têm previsto.
Portanto, o Banco de Portugal já reviu várias vezes as suas previsões em alta…
O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): — Mas isso não aconteceu, desta vez!
O Orador: — … e esperemos que, até ao fim do ano, estas também sejam revistas em alta.
Só este ano, Sr. Deputado Miguel Frasquilho, a economia portuguesa cresceu mais do que nos três anos em que os senhores estiveram no governo, do qual o Sr. Deputado fez parte.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Orador: — Por isso, podíamos esperar observações dessa natureza de outro Deputado que não um que esteve no governo, como o senhor.
Aplausos do PS.
Sr. Deputado Luís Fazenda, os senhores não gostam, mas o Congresso do PS reafirmou a política do Governo e o apoio do PS à política do Governo! Os senhores não gostam, mas o PS gosta de reafirmar que apoia a política do Governo!
Vozes do PS: — Exactamente!
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O Orador: — Quanto ao aspecto da segurança social que referiu, gostaria de ler-lhe parte do Programa do XVII Governo Constitucional: «Em nome de mais emprego e mais produtividade, o caminho é o do envelhecimento activo (…). Neste quadro, é condição essencial que a idade de reforma vá acompanhando a evolução da esperança média de vida; uniformizar-se-ão, ainda, progressivamente, os diversos regimes de protecção social (segurança social, Caixa Geral de Aposentações, etc.), nomeadamente no que respeita à idade de reforma (…).»
Aplausos do PS.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Fala em baixa das pensões de reforma?
O Orador: — Portanto, não vejo aquilo que o Sr. Deputado vê e onde é que existe o não cumprimento do Programa do Governo em matéria de concertação social.
Aplausos do PS.
O que justifica, aliás, a concordância dos parceiros sociais na assinatura do acordo de concertação social.
Vozes do PS: — Bem lembrado!
O Orador: — O Sr. Deputado António Filipe diz que confundimos o sentimento do Congresso do PS com o sentimento do País. Sr. Deputado, tenho comigo um recorte de jornal de sábado passado que fala de uma sondagem — e não me vou referir, agora, ao título, que diz que o PSD está há sete meses consecutivos em queda, porque esse é um problema do PSD e não é consigo que queria falar sobre isso.
O Sr. António Filipe (PCP): — Pode referir!
O Orador: — Gostava apenas de chamar-lhe a atenção para a parte onde diz que «todos os partidos registam resultados cada vez mais baixos, com excepção do PS».
Aplausos do PS.
Risos do PCP e do BE.
Sr. Deputado, ser de esquerda não é ficar a assistir ao ruir do Estado social. Ser de esquerda é intervir para salvar o essencial do Estado social!!
Vozes do PS: — Muito bem!
O Orador: — Portanto, no Partido Socialista não aceitamos lições do que é ser de esquerda de ninguém, muito menos do Partido Comunista.
Aplausos do PS.
O Sr. Deputado José Paulo Carvalho viu o «filme» do Congresso e não gostou; eu também o vi e gostei!
O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Gostos não se discutem!
O Orador: — E deixe-me dizer-lhe que no filme da vida, como demonstrei há pouco, os portugueses estão mais de acordo com o PS do que com o CDS-PP.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Eram 16 horas e 45 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos dar início ao período da ordem do dia com a apreciação da proposta de lei n.º 97/X — Aprova a Lei de Finanças das Regiões Autónomas, revogando a Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro.
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Para apresentar o diploma, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e das Finanças.
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças (Teixeira dos Santos): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de Lei de Finanças das Regiões Autónomas reveste-se de uma enorme importância no contexto da actual política financeira do País. Isso mesmo tem sido patente na frequência e também, diria, na interessada discussão que, antes mesmo de ser presente a este Parlamento, este projecto legislativo já suscitou, não só na comunidade política mas também junto da opinião pública em geral.
Por isso mesmo, estou aqui com a redobrada missão de tornar claros os objectivos que norteiam esta iniciativa legislativa do Governo, apresentando os grandes princípios configuradores desta proposta e as principais alterações à actual Lei de Finanças das Regiões Autónomas que o Governo propõe a esta Assembleia.
Entre os mais importantes objectivos que o Governo prossegue com a proposta de lei de finanças das regiões autónomas está o incontornável e inadiável compromisso do controlo e da consolidação orçamentais.
Controlo e consolidação orçamentais que o Governo assumiu no seu Programa (onde, aliás, se prevê a revisão da Lei de Finanças das Regiões Autónomas) e que tem firmemente prosseguido desde o início da Legislatura.
Compromisso que o Governo tem vindo a cumprir de forma credível, mas também de forma equilibrada, no que respeita ao esforço que tem sido preciso exigir. É que o esforço da consolidação orçamental tem sido e deve ser pedido a todos e tem de ser partilhado por todos: pelos diversos níveis da Administração Pública e, portanto, também pelas regiões autónomas.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Orador: — É isso, antes de mais, o que está hoje em debate neste Parlamento: trata-se de aprovar uma lei que, em absoluto respeito pela autonomia regional, permita criar condições sustentáveis de estabilidade orçamental e que assente numa autonomia que seja ela própria responsável por um esforço (que é nacional) e não numa autonomia geradora de riscos e de indisciplina financeira.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Orador: — O Governo não ignorou a questão da autonomia regional; antes pelo contrário, irá reforçá-la com a proposta de lei aqui em debate.
Posso afirmar, Sr.as e Srs. Deputados, que, com esta proposta de lei, fica clarificada a autonomia das regiões autónomas, porque os princípios que densificam essa mesma autonomia são agora apresentados de uma forma mais explícita e mais completa, mas também de uma forma mais consequente.
Aplausos do PS.
Na verdade, os princípios da legalidade, da estabilidade das relações financeiras, da estabilidade orçamental, da solidariedade nacional, da coordenação, da transparência e do controlo têm, pela primeira vez, não só uma concretização clara na lei mas também um plasmar de consequências coerentes entre si ao longo de todo o articulado.
É porque, há que dizê-lo, a autonomia regional não é, nem pode ser, um princípio vago, onde tudo cabe, sem limites — não! A autonomia regional é um princípio fundamental da nossa ordem jurídico-constitucional, mas que se configura e se deve articular com outros princípios igualmente importantes, como seja o da solidariedade recíproca entre regiões e a administração central ou o da coordenação com as políticas financeiras do Estado.
E, naturalmente, a autonomia financeira regional tem limites, entre os quais estão os da sua sujeição à legalidade, ao controlo administrativo e ao controlo jurisdicional, constitucionalmente previstos.
Ora, as propostas do Governo vão precisamente nesse sentido.
Destaco, por exemplo, a propósito do princípio da coordenação, as novidades introduzidas a respeito do Conselho de Acompanhamento das Políticas Financeiras. Nesta proposta de lei, há um claro reforço da função de coordenação a desempenhar por este Conselho, que vê potenciada a eficácia da sua actuação e melhorado o seu modo de funcionamento. Com efeito, as suas atribuições e funções ultrapassam agora o mero acompanhamento e a articulação entre políticas financeiras, sendo-lhe atribuída a tarefa de emissão de um parecer prévio em matéria de empréstimos públicos, limites ao endividamento e projectos de interesse comum.
Este é, pois, o primeiro grande contributo e novidade da lei que aqui nos traz.
Mas, como referi, os princípios que a presente proposta consagra para concretizar a autonomia regional reflectem-se ao longo de todo o articulado. Assim, relativamente à matéria das receitas regionais, a proposta de lei mantém o princípio de que as receitas cobradas na região são receita da região, isto é, as receitas fiscais da região revertem para a região. Mas também este princípio é reforçado, pois, no que respeita ao IVA, adoptou-se uma redacção que tem em vista que o valor efectivamente recebido não seja estimado numa base
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per capita, evitando-se, assim, a redistribuição que estava implícita neste modo de estimar as receitas deste imposto. Se as regiões pretendem manter uma taxa de IVA mais reduzida (de 15%, como sabemos), inferior à do Continente, não podem exigir que devam ser os demais contribuintes a compensá-los pela diferença existente.
Aplausos do PS.
Trata-se, também neste ponto, de legislar no sentido do reforço da transparência das relações financeiras entre o Estado e as regiões autónomas.
E se em matéria de receitas regionais o Governo deu primazia ao princípio da transparência das relações financeiras entre o Estado e as regiões autónomas, no tocante à matéria da dívida há também novidades muito significativas que visam reforçar o princípio da estabilidade orçamental.
Como as Sr.as e os Srs. Deputados bem sabem, o texto da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, ainda em vigor, foi definido num contexto anterior ao da introdução do euro. Tornou-se, por isso, necessário actualizá-lo, de modo a reflectir não só a realidade em que se processa actualmente o financiamento das regiões autónomas mas também, e principalmente, o quadro em que hoje se definem os compromissos orçamentais de Portugal no seio da União Europeia.
Neste contexto, o Governo consagrou na lei a regra de que o endividamento público regional tem de orientar-se precisamente pelos mesmos princípios estratégicos a que está sujeito o endividamento do Estado e que são, no fundo, os ditados pelos compromissos assumidos no âmbito do Tratado que instituiu a Comunidade e a União Económica e Monetária.
Por outro lado, o Governo prevê também nesta proposta de lei que a prossecução dos objectivos orçamentais consagrados nos Programas de Estabilidade e Crescimento não pode ser alheia às regiões autónomas. Neste contexto, esta proposta prevê que, conforme estipula a Lei de Enquadramento Orçamental, a Lei do Orçamento do Estado para 2007 fixe os limites de endividamento das regiões autónomas.
Entretanto, as sanções aplicáveis em situação de violação dos limites de endividamento estão, hoje, já plasmadas na Lei de Enquadramento Orçamental, pelo que o Governo se limita a retomar essa solução na proposta de lei vertente, em homenagem à adequada articulação entre as diversas fontes normativas em presença.
Sr.as e Srs. Deputados, nesta matéria, quero ser muito claro: o Governo não dará cobertura à pura resistência ao cumprimento da lei e, por isso, não deixará de aplicar todas as sanções previstas na lei para o incumprimento dos deveres de respeito pela saúde financeira do Estado!!
Aplausos do PS.
Se os limites de endividamento forem ultrapassados pelas regiões autónomas, estas devem ser sancionadas, porque esse incumprimento lesa o Estado e o Estado somos todos nós. É também o respeito pelos órgãos de soberania que, em última instância, está aqui em causa, porque quem se considera no direito de desrespeitar inconsequentemente uma norma legal considera-se acima do poder legislativo.
Ainda em matéria de endividamento, gostaria de sublinhar outra das novidades importantes desta proposta de lei. Fica clarificado que os empréstimos das regiões autónomas não podem beneficiar de garantias pessoais do Estado. Pretende-se evitar, à partida, a desresponsabilização dos decisores públicos e, em contrapartida, levar os decisores a assumir plenamente as consequências dos empréstimos contraídos. Por isso mesmo, a nova lei proibirá a assunção de compromissos das regiões autónomas pelo próprio Estado.
Não há (contrariamente ao que tem sido dito), nesta matéria, qualquer falta de solidariedade com as regiões autónomas; há, sim, uma vez mais, a defesa de uma autonomia regional, assente na responsabilidade daqueles que a exercem pelas decisões e compromissos que assumem ao abrigo dessa mesma autonomia.
Importa ainda fazer menção à matéria das transferências orçamentais, cujas novidades visam garantir a aplicação do princípio da solidariedade recíproca, permitindo às regiões autónomas maior previsibilidade dos recursos financeiros de que irão dispor.
Na lei em vigor, a fórmula definida veio a revelar-se inadequada, de tal modo que nunca foi accionada, tendo funcionado, desde o início da sua vigência, o critério alternativo que fazia com que as transferências variassem de acordo com a taxa de crescimento das despesas correntes inscritas no Orçamento do Estado.
Ora, a solução que o Governo agora propõe salvaguarda o interesse das regiões autónomas, porque o montante global das transferências orçamentais passa a ser indexado à taxa de variação da despesa corrente do Estado, mas excluindo a transferência do Estado para a segurança social e a contribuição do Estado para a Caixa Geral de Aposentações.
Simultaneamente, é definido um tecto máximo de variação igual à taxa de variação do PIB a preços de mercado correntes, o que constitui uma base de referência mais consentânea com o princípio da solidariedade nacional.
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O que se pretende, Sr.as e Srs. Deputados, é que a evolução da transferência para as regiões autónomas — que é usada para financiar uma parte da respectiva despesa — acompanhe, por princípio, a evolução da correspondente despesa corrente do Estado.
Para manter essa correspondência, exclui-se dessa evolução rubricas da despesa, as quais continuarão a ser inteiramente suportadas pelo Orçamento Geral do Estado e não pelos orçamentos das regiões autónomas.
O tecto estabelecido é activado em eventuais situações em que a despesa corrente esteja, por razões transitórias, a aumentar em peso no PIB, de modo a evitar que um maior aumento do montante da transferência agrave ainda mais essa situação.
A repartição entre as duas regiões autónomas do montante global das transferências anuais rege-se por princípios de equidade e, adicionalmente, procura induzir comportamentos mais eficientes.
Assim, em cada região autónoma, atende-se à população total, à população jovem e idosa (que geram maior despesa), ao índice de periferia da cada região e a um índice de esforço fiscal. O objectivo deste último indicador é premiar a região autónoma que mais esforço faça para obter as suas receitas fiscais.
Com o índice de periferia — que é definido para cada região autónoma como uma média ponderada da menor distância entre Lisboa e o respectivo arquipélago e o número de ilhas com residentes —, pretende-se entrar em linha de conta com a despesa acrescida derivada de maiores distâncias e de maior dispersão territorial.
Finalmente, gostaria de deixar uma nota respeitante ao Fundo de Coesão. As transferências para este Fundo são fixadas como uma função decrescente do rácio entre o PIB a preços de mercado per capita da região e nacional, em coerência com a finalidade de «assegurar a convergência económica com o restante território nacional». De facto, não se justifica a manutenção do Fundo de Coesão numa região que já tenha atingido o nível de PIB per capita nacional, excepto em situações transitórias.
Adicionalmente, e tendo em vista minimizar o impacto negativo decorrente da aplicação da nova fórmula de cálculo do Fundo de Coesão, estabelece-se uma cláusula salvaguardando a aplicação gradual no tempo da nova fórmula.
Sr.as e Srs. Deputados: Há palavras que, nos últimos tempos, têm sido repetidamente ditas nesta Assembleia pelo Governo e entre elas estão «credibilidade» e «rigor» na despesa pública. Hoje, e mais uma vez, essas palavras são aqui invocadas, porque também nesta matéria essas palavras fazem sentido.
A proposta de lei que hoje aqui apresento, e que me disponho a debater, é precisamente disso que trata.
Trata de credibilizar e responsabilizar a própria autonomia financeira das regiões autónomas; trata de colocar, de forma mais visível e coerente, as regiões autónomas como elemento participante do esforço que o Estado tem vindo a pedir a todos os portugueses; e trata também de incutir disciplina e controlo financeiro não só nas contas públicas nacionais mas também nas regionais.
Não precisamos de nos deslocar do continente a nenhuma região autónoma para defender a autonomia regional. A autonomia regional pode e deve ser defendida, mas na sua sede própria, que é a lei e, em particular, a lei que cuida das suas finanças. E esta lei, não tenhamos dúvidas, não viola, antes reforça, o núcleo essencial da autonomia das regiões autónomas, porque vem dar substância a essa mesma autonomia.
Este Governo defende, e defenderá sempre, a autonomia regional dos Açores e da Madeira, aliás como é seu dever constitucionalmente consagrado, mas pedirá a estas regiões autónomas exactamente o mesmo que tem pedido a todos os portugueses e a várias entidades e de que tem dado exemplo na sua esfera de actuação mais directa: contenção nos gastos públicos, rigor na gestão financeira e cumprimento escrupuloso da lei e da Constituição da República.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Inscreveram-se quatro Srs. Deputados para pedir esclarecimentos, tendo o Sr.
Ministro informado a Mesa de que responderá a grupos de dois.
O primeiro inscrito é o Sr. Deputado António Filipe, a quem dou a palavra.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, vou ser breve, na medida em que o tempo é escasso e o meu grupo parlamentar ainda tem de fazer uma intervenção. Gostaria de fazer um comentário prévio e, depois, de colocar uma questão concreta, a que gostaria que o Sr. Ministro respondesse.
O comentário prévio é para dizer que nos recusamos a encarar este processo legislativo como se estivéssemos perante uma guerra entre o Governo da República e o Governo Regional da Madeira. Isso poderá servir a guerrilhas de baixa política,…
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva): — Mas não há qualquer guerrilha!
O Orador: — … mas não é o nosso propósito, porque o que nos interessa aqui discutir e nos preocupa são as consequências concretas que esta proposta de lei terá na autonomia regional e, particularmente, na qualidade de vida das populações das regiões autónomas.
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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Orador: — E aí quer-nos parecer que, objectivamente, a população da Região Autónoma da Madeira sai, no imediato, prejudicada com a aplicação desta proposta de lei. Isto é reconhecido não apenas pela oposição mas até, em termos públicos, pelo próprio Partido Socialista na Região Autónoma da Madeira, o qual inclusivamente propõe a revisão dos critérios utilizados na proposta de lei e a não utilização do indicador do PIB per capita na região.
Tenho comigo um documento subscrito pelo PS/Madeira, que, entre as suas propostas, formula a da utilização do indicador de desenvolvimento económico, social e humano, alternativo ao PIB, reflectindo melhor o estádio de desenvolvimento das regiões autónomas. Defende, portanto, em alternativa, a hipótese da introdução na região do indicador do PIB per capita corrigido com o facto da existência da zona franca, ou a hipótese de utilizar um indicador como o poder de compra ou outro disponível de fonte oficial e com publicação regular. E propõe também a manutenção, até 2009, do Fundo de Coesão previsto na Lei de Finanças das Regiões Autónomas nos mesmos níveis percentuais para a Região Autónoma da Madeira e para a Região Autónoma dos Açores.
Estas propostas não são nossas. Como acabei de referir, foram feitas publicamente na Região Autónoma da Madeira pelo Partido Socialista. Gostaria, pois, de saber qual é a posição que o Governo do Partido Socialista, na República, tem relativamente a essas propostas — se concorda com elas, se encara, em sede de especialidade, poder alterar esta matéria, ou se, pelo contrário, o Partido Socialista diz uma coisa em Lisboa e outra no Funchal.
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, as políticas estruturais e de coesão têm por fim reduzir disparidades económicas e sociais no território da União Europeia. E no nosso país ninguém duvida, nem mesmo na Madeira, que a realidade dos Açores é, de facto, muito diferente da realidade da Madeira. Isto não só pelo número de ilhas (nos Açores são nove) mas também pela dispersão entre si (a distância entre as ilhas mais afastadas nos Açores é superior à maior distância que se pode medir, por exemplo, no continente, a ponto de se poder dizer hoje que os Açores vivem uma dupla insularidade, uma insularidade em relação ao continente e uma insularidade no arquipélago em si mesmo).
Também ao nível de muitos indicadores económicos, parece hoje evidente que a realidade da Madeira não é comparável à dos Açores e é mais favorável do que a realidade açoriana.
O CDS é obviamente a favor de uma política de rigor nas contas públicas e de uma justa distribuição de recursos, que, de facto, possibilite uma correcção de assimetrias regionais e de desigualdades. Mas isto em todo o território nacional.
É porque, Sr. Ministro, desigualdades e assimetrias não existem só entre os Açores e a Madeira! Existem em todo o território nacional, a ponto de podermos afirmar que, no continente, há muitas regiões onde se vive muito pior do que nos Açores e na Madeira. Lembrava, por exemplo, que, até há bem pouco tempo (não sei se essa realidade já se alterou), o menor rendimento per capita do País encontrava-se exactamente em Celorico de Basto, que é um concelho do distrito de Braga (e Braga não é um distrito qualquer) — as assimetrias verificam-se, pois, ao nível do próprio distrito. Portanto, resumir-se esta questão ao que sucede nos Açores e na Madeira é redutor.
Quero ainda dizer que faz sentido que se exija às regiões autónomas o mesmo esforço de coesão que se exige em todo o território nacional. Mas o que não é admissível — e este é outro ponto da discussão — é que, sob o pretexto dessa coesão, se aja motivado politicamente contra alguma região…
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Orador: — … ou alguém se sinta tentado a visar pessoas, partidos ou até eventuais ganhos eleitorais.
E é exactamente sobre isso que hoje queremos ter a certeza, isto é, da motivação do Governo em relação à Região Autónoma da Madeira. E esta é uma questão que, para nós, tem de ficar completamente esclarecida neste debate: a de perceber se, em algum momento, alguma desta motivação pode estar implícita na iniciativa política do Governo.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!
O Orador: — Daí, Sr. Ministro, que tenhamos apresentado várias propostas de alteração que têm em vista a situação específica, nomeadamente na Madeira, que na avaliação técnica da sua realidade, técnica, repito, não política, tem todo o direito de exigir que sejam considerados aspectos que, supomos nós, o Governo não tem em consideração.
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De resto, há um estudo do Dr. Augusto Mateus, insuspeito por isso — estou a falar de um ministro socialista muito recente, numa governação do Eng.º António Guterres —, que o demonstra e que afirma, entre outras coisas, que «o PIB regional é, decisivamente, influenciado pelos valores assumidos pela zona franca e, dentro desta, por um número muito limitado de empresas em actividades financeiras, imobiliárias e de comércio internacional».
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Exactamente!
O Orador: — E isto em termos do PIB per capita que traduz um empolamento de cerca de 8,3% ou 7,5% respectivamente, nas referências «UE a Vinte e Cinco igual a 100» e «UE a Quinze igual a 100».
Portanto, isto não foi dito por uma pessoa qualquer, trata-se do Dr. Augusto Mateus, alguém por quem, tenho a certeza, tecnicamente o Sr. Ministro e todo o Governo se revêem em termos de rigor. E daí, na base deste estudo, mas não só, as propostas de alteração que o CDS apresenta e em relação às quais gostávamos de ter, para já, uma opinião preliminar de V. Ex.ª e a propósito das quais também eu, desde aqui, gostaria de agradecer ao Alvarino Pinheiro e ao José Manuel Rodrigues, respectivamente Presidentes do CDS/Açores e CDS/Madeira que nelas colaboraram com o conhecimento específico do que passa nas regiões.
E, por isso, Sr. Ministro — no espírito das nossas propostas, que depois melhor precisará o Sr. Deputado Diogo Feio —, eu gostaria de saber o que pensa do reforço do princípio da solidariedade nacional para que se refira não apenas às transferências orçamentais mas também ao Fundo de Coesão para as regiões ultraperiféricas.
O que pensa, Sr. Ministro, de uma nova regulamentação quanto à receita do IVA que deve incluir o imposto cobrado, mas também o imposto gerado nas regiões autónomas? E aqui saliento uma imprecisão de V. Ex.ª no discurso de há pouco para dizer que, ao contrário do que disse, em relação aos Açores e à Madeira, as taxas de IVA reduzido resultam de uma negociação do Estado português e da União Europeia, em 1986, e não de uma vontade das regiões autónomas, precisamente para combater a circunstância ultraperiférica das regiões autónomas, nomeadamente com os transportes.
O que pensa, Sr. Ministro, sobre um regime próprio e faseado em relação às transferências do IVA e o que pensa quanto à consideração, no cálculo do Fundo de Coesão, dos indicadores do poder de compra per capita e não do PIB, como consta da proposta do Governo? São aspectos que as nossas propostas de alteração traduzem e das quais dependerá o voto do CDS para que aquilo que, para já, poder ser um mero exercício de poder absoluto do Partido Socialista se transforme numa proposta mais alargada nesta Câmara.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e das Finanças.
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, gostaria de responder às questões que foram colocadas tornando muito claro que partilho da opinião avançada pelo Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo quando vincou o facto de que as Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores são duas realidades muito distintas.
E são duas realidades muito distintas que até agora tinham vindo a ser tratadas de forma muito análoga em termos de Lei de Finanças Regionais.
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Muito bem!
O Orador: — Por isso mesmo, esta proposta de lei que aqui está a ser discutida procura eliminar essa analogia, porque nos parece que ela é injusta, não faz justiça à realidade, de facto, que se vive em cada uma dessas regiões.
Isto para esclarecer que, de facto, a motivação do Governo em avançar com esta proposta de lei sobre a lei de finanças das regiões autónomas tem que ver, com certeza, por um lado, com as preocupações de um enquadramento financeiro de maior rigor e de estabilidade, no quadro do processo de consolidação orçamental, que temos de levar a cabo, e, por outro lado, tem que ver com o quadro dos compromissos que subsistem, apesar dessa consolidação, no âmbito do Pacto de Estabilidade e Crescimento, em termos europeus, mas visa, também, corrigir essa situação injusta que era a de tratar de forma quase idêntica duas realidades que, como reconhece e eu concordo, são, de facto, duas realidades muito diferentes.
Com efeito, a proposta de lei que o Governo aqui apresenta assenta no resultado de um grupo de trabalho técnico de académicos e de representantes das próprias regiões autónomas que apontaram um conjunto de critérios nos quais devemos assentar a repartição da transferência do Orçamento para estas regiões.
E foi à luz desses critérios, que reflectem a diversidade das duas regiões, que nós chegámos a um resultado onde, com efeito, essa justiça é reposta. E a reposição dessa justiça implica que a Madeira receba menos e que os Açores mantenham ou aumentem, de forma ligeira, a sua transferência de acordo com o que historicamente têm vindo a receber.
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Não há aqui qualquer motivação política! A motivação que existe é, de facto, assegurarmos um quadro financeiro de rigor, de moderação, de disciplina e só esse!! Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, quanto à questão do indicador que referiu e de alguma forma também aqui respondo ao Sr. Deputado António Filipe, essa foi uma questão que nós ponderámos muito seriamente.
Eu não ignoro a possibilidade de teoricamente se poderem usar outros indicadores, só que, Sr. Deputado, nós não dispomos com a regularidade necessária de indicadores de poder de compra de base regional que nos permitissem usá-los como um critério na repartição, por exemplo, das transferências a que se refere o Fundo de Coesão.
Mais: optámos por um critério que nos parece um critério objectivo e que é usado para os mais variados efeitos, não só a nível nacional como também a nível europeu — e eu recordo aos Srs. Deputados Nuno Teixeira de Melo e António Filipe que a repartição dos fundos de comunitário é feita na base de um critério, são os PIB per capita.
Portanto, não vejo por que é que aqui devemos usar um critério diferente daquele que é usualmente utilizado a nível europeu, que é o PIB per capita.
Mas dir-me-ão: «— Ah, mas temos a questão da zona franca da Madeira!» Sr. Deputado, o artigo 58.º desta proposta de lei é claro ao dizer que, durante o período de aplicação gradual da nossa fórmula do Fundo de Coesão, é exigido que se faça uma reavaliação da posição relativa das regiões e que, também, se indague se nessa ocasião a consideração ou não das zonas francas é susceptível de ter um impacto negativo.
A avaliação que fazemos do impacto da zona franca não é susceptível, neste momento, de introduzir uma mudança qualitativa. Isto é: a Madeira continua a apresentar um índice de PIB per capita, mesmo corrigido, superior à média nacional e daí que não fosse teoricamente elegível para receber o Fundo de Coesão. Mas mesmo assim eu gostaria de salientar que o Governo propõe uma solução que é uma aplicação mitigada da nova fórmula, impedindo que haja, de facto, um corte ou uma ruptura, uma descida acentuada e abrupta das transferências para as regiões em virtude da aplicação do novo critério.
E, em vez de receber 20% como receberia se, por acaso, estivesse numa situação análoga à dos Açores, vai receber 17,5%, no próximo ano. Portanto, estamos a falar aqui de uma diferença muito pequena, mesmo no Fundo de Coesão, porque há aqui uma cláusula de salvaguarda que atenua a aplicação dessa nova fórmula ao longo do tempo. Portanto, o Governo não foi insensível a isso, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo! Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado António Filipe, creio que a resposta é clara: a posição do Governo quanto a esta matéria está plasmada na proposta que apresenta e, mais, o Governo aqui tem uma postura que é a de colocar aquilo que nos parece ser o interesse nacional, na defesa de um quadro de relacionamento financeiro estável e rigoroso com as regiões, acima das próprias opiniões de partidários do partido que apoia o Governo.
O Governo tem uma proposta sua, independentemente das opiniões que alguns Deputados do próprio Partido Socialista na região possam ter quanto a essa matéria, e o Governo não sacrifica aquilo que entende ser o interesse nacional àquilo que são as opiniões particulares de alguns Deputados, ainda que do partido que apoia o Governo.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E as palmas?...
Risos do PCP.
Curiosamente, o Sr. Ministro também não levou palmas no Congresso…!
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Victor Baptista.
O Sr. Victor Baptista (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, nós, Grupo Parlamentar do Partido Socialista, consideramos esta proposta de nova lei de finanças das regiões autónomas uma lei mais equilibrada e mais justa.
E consideramos, também, que esta lei contribuirá para uma maior acuidade e maior coesão territorial.
Tem vindo a público, sucessivamente, que há uma perda, para a Região Autónoma da Madeira, de 34 milhões de euros… Confesso que devo ler mal o Orçamento porque vamos ao Orçamento e o Quadro 18, anexo ao Orçamento, diz o seguinte: «Transferência para a Região Autónoma da Madeira — 212,602 milhões de euros».
Ora, comparando o mesmo quadro com o ano anterior e vejo, de novo, para a Região Autónoma da Madeira uma transferência, em 2006, de 204,881 milhões de euros.
Isto é, as transferências em 2007, o esforço orçamental em 2007, do Orçamento do Estado são mais 7,7 milhões de euros!! Sr. Ministro, será que leio mal…
O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Lê, lê!!
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O Orador: — … o Orçamento ou os mapas estão errados? É porque, pelos vistos, não querem contar com os montantes que estão inseridos na transferência.
Segunda questão: também tenho lido atentamente algumas intervenções, em particular do PSD, e fico com a sensação de que, mesmo tendo em consideração os 34 milhões de euros, isso seria uma «catástrofe» para a Madeira — a ser verdadeira essa perspectiva de leitura, porque há diferentes formas de ler os números… Bom, mas vou verificar o orçamento da Madeira para o ano de 2006 e constato que o orçamento global da Madeira são 1558 milhões de euros.
Isto é: os 34 milhões de euros representam apenas 2% no orçamento da Madeira. Sr. Ministro, será possível que se considere que esta nova lei de finanças das regiões autónomas, ainda que a leitura dos números, nas várias perspectivas, possam considerar os 34 milhões, então a Região Autónoma da Madeira não será capaz de gerir uma diminuição da transferência de 2%, no seu orçamento? Então, como é que o Sr. Ministro consegue gerir o Orçamento do Estado com tanta contenção no País? Fico francamente preocupado e gostaria que o Sr. Ministro me esclarecesse.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, devo dizer que o Bloco de Esquerda é muito contrário, muito crítico, muito antagónico, até, ao tipo de gestão das finanças públicas que se faz no Governo Regional da Madeira.
Talvez isso lhe dê alguma possibilidade acrescida de, também, dizer que contesta a solução sobre a lei de finanças das regiões autónomas que é aqui apresentada pelo Governo da República, pelo Governo do Partido Socialista.
Eu gostaria de colocar algumas questões ao Sr. Ministro, a primeira das quais sobre a constitucionalidade da proposta de lei. O Sr. Ministro partilha da ideia de que quando há um conflito de normas entre, por exemplo, a Lei de Finanças Regionais o Estatuto Político-Administrativo, no caso da Madeira, prevalece a Lei das Finanças Regionais — e dir-se-á, então, que o que é inconstitucional são algumas normas do Estatuto Político-Administrativo? É essa a concepção que perfilha a maioria do Partido Socialista, aqui, no Parlamento.
Enfim, algumas normas do Estatuto Político-Administrativo que — dizem — são «invasivas» das competências da Assembleia da República. Bom, mas este facto, independentemente do seu valor do ponto de vista da leitura constitucional, é perigoso do ponto de vista político, porque hoje retalha-se um estatuto de autonomia em relação a uma matéria que regula fluxos financeiros e amanhã sabe-se lá em que matéria!… E o Estatuto, que é uma lei paraconstitucional, que regula um valor constitucional maior — o da autonomia —, vai sendo retalhado às fatias.
Será que o Sr. Ministro de Estado e das Finanças se revê nestas interpretações? O que é que prevalece: a Lei de Finanças das Regiões Autónomas ou o Estatuto? Considera que o Estatuto deve ser retalhado às fatias? Creio que esta discussão é bem mais importante do que a questão do dinheiro, embora a questão do dinheiro seja bastante importante.
Sr. Ministro de Estado e das Finanças, em matéria de IVA, havia a concepção de que a possibilidade de a taxa de IVA ser menor nas regiões autónomas era uma compensação pela insularidade. Neste momento, o que o Governo procura atribuir é a possibilidade de fixar essa taxa menor, mas sem que com isso haja qualquer compensação nas receitas. Ou seja, a anterior filosofia de compensação fiscal é transformada numa filosofia de punição fiscal: podem ter uma taxa de IVA menor, mas recebem muito menos. Ora, não há aqui qualquer compensação.
Pergunto-lhe, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, se o Estado tem autoridade moral e política para adoptar esta posição quando, ao mesmo tempo e para a população da mesma região, em relação ao offshore financeiro, se verifica um aumento perceptível de despesa fiscal neste Orçamento do Estado. De um lado corta-se, do outro é visível que há um aumento de despesa fiscal por parte do Estado. Considera que há aqui alguma proporção? Alguma autoridade política e moral da parte do Governo da República? Ponha-se, Sr.
Ministro de Estado e das Finanças, na posição de um cidadão da Madeira e veja se consegue entender este paradoxo acerca das transferências financeiras.
Sr. Ministro, em relação ao Fundo de Coesão, está previsto que seja feito, no quarto ano, um estudo acerca da incidência da zona franca da Madeira, que todos percebemos ser o empolamento artificial do PIB da Madeira. Por que é que o estudo é feito no quarto ano?! Creio que a previsão de realização deste estudo revela, à partida, que o Governo tem consciência de que há um rendimento gerado que não é rendimento disponível da Madeira e que causa um empolamento artificial do PIB, em função do qual se realizam as transferências e os fluxos do Fundo de Coesão, mas prefere fazer primeiro e estudar mais tarde!
Vozes do BE: — Muito bem!
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O Orador: — Diga-me, Sr. Ministro de Estado e das Finanças: isto tem alguma lógica? Será que algum cidadão da Madeira entende que primeiro aplica-se e mais tarde estuda-se? Por que é que não se estuda antes e se aplica depois? Ou será que as regras do Pacto de Estabilidade são tão rígidas, tão drásticas que subvalorizam tudo, a Constituição da República e a atenção devida à população de uma região autónoma? Nós não entendemos esta duplicidade de critérios, nem estes paradoxos, nem — perdoe-me que o diga, Sr. Ministro — uma certa insensatez. O estudo é feito no quarto ano?!… Porquê?...
O Sr. Ministro tentou dizer que este facto até funcionaria a favor da Madeira, porque existe uma cláusula de salvaguarda — e até admite que, desse estudo, saia uma consideração mais majorada para a Madeira do que possamos julgar. Portanto, defende que a aplicação gradual, ao longo destes anos, até seria mais favorável se o estudo fosse mais tardio. Mas isto faz algum sentido?! Não creio que faça, Sr. Ministro!! Julgo que o que se exigiria era que o estudo fosse feito já. E a cláusula de salvaguarda — diga-me se o que estou a dizer é ou não aceitável — deveria ir no sentido de que, até à realização desse estudo, pelo menos tudo o que é apurado do ponto de vista do produto na zona franca fosse considerado líquido em relação ao PIB da Madeira para efeitos da aplicação deste critério. Assim, haveria alguma justificação, justeza e equidade.
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Já existe!
O Orador: — Não se trataria de uma regra cega, que não vê ninguém, não vê a população, não vê cidadãos, não vê pessoas! Vê apenas a aplicação drástica de uma receita de contracção financeira.
Gostaria que o Sr. Ministro me confirmasse esta informação: por exemplo, nas regiões espanholas, mais concretamente nas Canárias, não é aplicado o critério do PIB no interior do Estado espanhol em relação à redistribuição das finanças regionais. Diz o Sr. Ministro de Estado e das Finanças que os indicadores que temos em relação ao poder de compra não são fiáveis. Mas a pergunta é a mesma: será que, primeiro, não poderemos estabelecer outros indicadores fiáveis que não o do PIB, a partir dos quais se pudesse fazer a transferência? Por que é que se aplica o critério do PIB desde já? É o único disponível? Então, castiga-se uma região?! Gostava, sinceramente, que o Sr. Ministro nos respondesse, porque entendemos que os paradoxos e as contradições são demais e que há aqui uma punição injustificada do povo de uma região autónoma, que não tem culpa do presidente de governo regional que tem e que, a partir da aprovação desta lei, também não tem culpa do Governo da República que tem.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para responder aos dois pedidos de esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e das Finanças.
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, começo por chamar a atenção para a posição paradoxal do próprio Bloco de Esquerda: de facto, tudo faz para justificar uma posição de total cobertura e de complacência com aquilo a que chamaria o quadro de indisciplina orçamental, que em nada é justificável.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — É falso!
O Orador: — Por outro lado, o Sr. Deputado alega que há falta de solidariedade quando ela existe, e vou demonstrar que assim é.
Gostaria de chamar a atenção para o facto de as regiões autónomas, sejam os Açores ou a Madeira, receberem exactamente os mesmos impostos do que o continente. Com os impostos do continente suportamos as funções de soberania das regiões autónomas; com os impostos do continente financiamos as nossas autarquias e as autarquias das regiões autónomas; com os impostos do continente ainda transferimos para as regiões autónomas cerca de 550 milhões de euros no próximo ano.
Portanto, o Sr. Deputado não vai dizer que ignoramos as pessoas das regiões autónomas e que não temos solidariedade para com as regiões autónomas. Se quer mais, diga!!
Aplausos do PS.
Creio que o que eu disse revela bem o quadro financeiro que existe entre a República e as regiões autónomas.
O Sr. Deputado fala-me nas Canárias, mas garanto-lhe que se fossemos propor, quer aos Açores quer à Madeira, o quadro financeiro das Canárias, eles não gostariam nada. E eu até poderia propor: é igual ao das Canárias com mais 10% que nem assim quereriam!!
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O Sr. Luís Fazenda (BE): — A questão que coloquei foi a de as Canárias não terem o critério do PIB!
O Orador: — Não têm o critério do PIB, mas terão outros! Nós temos o critério do PIB.
A outra questão que o Sr. Deputado ignora é que não temos problemas em defender o critério do PIB — e, aliás, defendemo-lo nesta proposta. Entendemos que o critério que deve ser usado, o mais correcto, o mais objectivo e o mais «confiável», pela forma e pela regularidade com que é obtido, é, de facto, o PIB per capita.
Este é o indicador que devemos usar e que, também, é usado a nível europeu, como referi, para efeitos muito semelhantes.
E não me venham dizer que a questão da zona franca da Madeira introduz uma grande discrepância entre o PIB per capita tout court e o PIB per capita corrigido. Introduzirá alguma, mas se queremos fazer correcções, então façamo-las a todo o nível! Retiremos do PIB nacional o que é produzido cá e que também não reverte a favor dos portugueses e comparemos o que fica na Madeira com o que, de facto, fica a nível nacional.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Mas porquê? A Madeira é outro país?!
O Orador: — Não, não é! Porque os rendimentos gerados na Madeira vão para fora da Madeira, que não necessariamente para o continente, e muitos dos rendimentos gerados no continente não ficam no continente, como sabe, também vão para fora, para outros cidadãos não residentes no nosso país.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Mas o senhor é Ministro de Portugal e não do continente!
O Orador: — Portanto, se quisermos fazer comparações, comparemos realidades comparáveis e não façamos correcções apenas quando elas nos interessam.
Protestos do Deputado do BE Luís Fazenda.
Não invoquemos a zona franca só para dizer que ela introduz aqui um efeito negativo. Se a Região Autónoma da Madeira defende e realça a importância da zona franca para a economia regional, creio que é porque retira daí benefícios. Não vamos agora dizer que a zona franca é um fardo, um peso. Não!! A zona franca existe porque as próprias autoridades da Região Autónoma da Madeira entendem que é algo de muito positivo para a economia regional! Portanto, não devemos ter a dupla atitude de dizer: se a zona franca dá jeito, sim senhor, defendemos a zona franca; se não convém, não defendemos a zona franca.
Vozes do PS: — Muito bem!
Protestos do BE.
O Orador: — Nós queremos a zona franca para o bem e para o mal! Não vamos estar aqui com subterfúgios em torno dessa matéria.
Mais: independentemente destas considerações, o efeito da zona franca também não será tanto assim, a ponto de subverter completamente as posições relativas, em termos de níveis de desenvolvimento, entre regiões.
Comparando Açores, Madeira e continente… Ou, para ser mais correcto, se atendermos à média nacional, a Madeira está acima da média nacional e os Açores estão abaixo da média nacional. E isto não pode ser ignorado na repartição do Fundo de Coesão! O Fundo de Coesão é algo que visa apoiar o desenvolvimento regional das zonas menos favorecidas.
Então, antes de termos uma atenção com a Madeira, deveríamos olhar para Trás-os-Montes, para as Beiras, para o Alentejo e para muitas outras zonas do País que também têm níveis de desenvolvimento inferiores à média nacional.
Aplausos do PS.
Quanto à questão do impacto financeiro desta redução de transferências para a Madeira, o Sr. Deputado Victor Baptista tem toda a razão no que disse, isto é, que representa 2%. E creio que acomodar uma redução de 2% no orçamento global não é, de facto, um custo excessivo, até atendendo ao esforço que estamos a fazer noutros sectores, com reduções bem mais significativas.
Gostaria de salientar que, com efeito, para além de receberem os impostos que são cobrados lá, mesmo assim as regiões autónomas têm uma contribuição muito significativa do Orçamento do Estado, que se cifra em quase 550 milhões de euros, como referi há pouco.
Aplausos do PS.
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O Sr. Presidente: — Sobre a proposta de lei que estamos a apreciar, vai usar da palavra o Sr. Deputado Maximiano Martins, na qualidade de relator da Comissão de Orçamento e Finanças, que dispõe de 5 minutos para o efeito.
O Sr. Maximiano Martins (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O ponto de partida do relatório ontem aprovado na Comissão de Orçamento e Finanças tem a ver com a conclusão da 1.ª Comissão e deste Plenário relativa à admissão da proposta de lei n.º 97/X. E a conclusão é clara: «A proposta de lei n.º 97/X, apresentada pelo Governo, cumpre os requisitos constitucionais, pelo que se dá por admitida».
Acrescenta ainda que a iniciativa do Governo respeita o princípio constitucional da prevalência hierárquica dos estatutos político-administrativos das regiões autónomas, respeita o regime autónomo insular, respeita a competência legislativa exclusiva das assembleias legislativas das regiões autónomas e respeita o princípio da solidariedade nacional.
O relatório e parecer parte, também, da conformidade da proposta de lei com a Constituição, sobretudo no que decorre da revisão constitucional de 1997, que torna obrigatória a existência de uma lei de finanças para as regiões autónomas, e da análise da motivação e objecto da proposta — ponto sobre o qual despenderei mais algum tempo.
A lei das finanças das regiões autónomas procura regular e estabilizar o relacionamento financeiro entre a República e as regiões autónomas, e procura tornar transparente este relacionamento.
Sob vários pontos de vista, esta é uma revisão necessária, primeiro, porque este relacionamento tem sido objecto de controvérsia política e de um casuísmo que interessa ultrapassar e, segundo, porque a situação económica e financeira do País (e a que decorre do Pacto de Estabilidade e Crescimento) obriga a uma imperiosa consolidação orçamental.
Também é a própria sustentabilidade das finanças públicas das regiões autónomas que torna obrigatória a tomada de medidas urgentes de consolidação orçamental num quadro de estabilidade e de rigor.
Os princípios em que assenta a proposta de lei em alguns aspectos, em muitos dos aspectos, reúnem consenso maioritário, para não dizer total, desta Câmara no que diz respeito às receitas próprias das regiões, à afirmação da solidariedade nacional e da coesão territorial, não só apenas em relação à lei de finanças regionais mas ao conjunto de transferências — e isso é raramente referido —, no relacionamento financeiro entre a República e as regiões. Isto é, as transferências para a convergência do tarifário de electricidade que permite que as populações das regiões autónomas paguem um preço de electricidade mais baixo daquele que pagariam a preços de mercado, o subsídio estatal para o transporte aéreo, o pagamento na área da imprensa nacional, as pensões sociais e as pensões de reforma de regime não contributivo…
O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sabe quantas é que o Governo tem em atraso?!
O Orador: — … e tantas outras transferências que a República faz — e bem! — ao serviço das populações das regiões autónomas.
Também a aceitação da discriminação positiva dos Açores não mereceu reparo por qualquer dos grupos parlamentares em sede de Comissão de Orçamento e Finanças. Julgo que todos os grupos parlamentares estarão de acordo com a consagração do princípio da continuidade territorial que a lei expressamente refere no que diz respeito à igualdade de oportunidades dos cidadãos em todo o território face à realização das suas potencialidades, bem como a consagração do reconhecimento da importância estratégica que têm as regiões insulares portuguesas para o País e para a União Europeia.
Todos estes princípios são comungados pelos diversos grupos parlamentares, embora se possa divergir dos aspectos formais e constitucionais e da motivação da proposta, do seu timing, etc.
Também os aspectos nucleares da proposta parecem claros, bem como a afirmação dos princípios que enformam a proposta.
O processo foi participado, e o Sr. Ministro já fez referência a isso, e os órgãos próprios das regiões têm posições diversas. A Região Autónoma dos Açores, através da sua Assembleia Legislativa, diz «sim» à lei e a Região Autónoma da Madeira, através da sua Assembleia Legislativa, diz «não» à lei.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Claro!
O Orador: — Resta compreender por que razão isso ocorre. Segundo o relatório ontem aprovado, isso ocorre pelo facto de a Madeira enfrentar, a partir de 2007, um desafio específico e difícil, temos de convir. Ora, esse desafio decorre não da lei de finanças regionais mas, sim, do facto de, a partir de 2007, confluírem vários factores em simultâneo: a redução das transferências por parte da Comunidade Europeia reduzem para metade, com uma perda de cerca de 500 milhões no período que vai desde 2007 a 2013 — essa poderá ser uma discussão que se venha a ter em algum momento nesta Casa, mas nada tem a ver com a lei de finanças regionais; o facto de a Madeira continuar a enfrentar um serviço de dívida crescente decorrente de um endividamento muito superior àquele que tem a Região Autónoma dos Açores; finalmente, devido às
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dificuldades económicas deste modelo económico que tem a Madeira — aliás, o estudo mandado fazer pela Associação de Comércio e Indústria do Funchal à Universidade Católica Portuguesa «coloca o dedo na ferida», ou seja, a Madeira enfrenta um conjunto de dificuldades que levam a que o seu Governo Regional tenha obrigação de alterar as suas políticas, mas passar pelo papel de colocar o ónus na lei de finanças regionais é que parece manifestamente errado e despropositado.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Informo os Srs. Deputados que, por acordo de todos os grupos parlamentares, a votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 97/X ocorrerá no final do debate da mesma, prosseguindo depois a discussão dos outros dois pontos da ordem do dia, sendo a votação destes dois diplomas amanhã no primeiro período de votações.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.
O Sr. Mota Amaral (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Ministros e Secretários de Estado, Sr.as Deputadas e Srs.
Deputados: A autonomia dos Açores e da Madeira é uma das mais profundas transformações institucionais derivadas da Revolução do 25 de Abril.
Foi, talvez por isso, uma das mais difíceis de levar a cabo. Estruturar os dois arquipélagos como regiões autónomas não afectou apenas a organização político-administrativa deles e o conteúdo da cidadania das suas populações: alterou também profundamente a própria estrutura do Estado português, vibrando uma machadada decisiva nas tradições e práticas de um centralismo ancestral, aliás de perversas consequências.
Pôr de pé órgãos de governo próprio democrático nos dois arquipélagos foi tarefa simples, bastando para tal que se realizassem eleições livres, por sinal convocadas para o mesmo dia da primeira eleição do Presidente da República, a 27 de Junho de 1976.
Organizar a administração regional já foi mais complicado… Sobretudo porque era necessário transferir competências e serviços até aí no âmbito da administração central — e ceder poder não é coisa que o centralismo da capital ainda hoje aprecie, muito menos naquela altura, quando tão vivos estavam os traumatismos do fim do império colonial.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Orador: — Quanto à autonomia financeira, instrumental para operacionalizar a autonomia política e a autonomia administrativa, em serviço das necessidades das populações, tudo foi mais difícil ainda.
A Constituição dispôs sobre a matéria em termos muito genéricos. Os recursos financeiros cobrados em cada uma das regiões autónomas eram, e continuam a ser, escassos, correspondendo então ao lamentável estado de subdesenvolvimento em que elas se encontravam. Face ao atraso patente, as necessidades eram enormes e as expectativas acalentadas por açorianos e madeirenses muito elevadas. A dinâmica da autonomia não consentia, porém, hesitações nem paragens. Aliás, todo o País se equipava e progredia e seria inaceitável deixar ficar para trás os Açores e a Madeira.
Aplausos do PSD.
Ao fim da primeira década de vigência, a autonomia de ambas as regiões tinha atingido altitude de cruzeiro.
Quase tudo o que havia para regionalizar tinha sido regionalizado, nomeadamente os serviços de educação e de saúde. Mais de dois terços das despesas e quase três quartos do funcionalismo regional correspondiam a estes serviços, cujos padrões decorrem de leis gerais da República e exprimem afinal direitos de cidadania, iguais em todo o País.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Orador: — E era do remanescente — julgo que ainda continua a ser! — que saía tudo o mais que havia que fazer na agricultura, nas pescas, no comércio, na indústria, na energia, no turismo, nas comunicações e transportes terrestres, marítimos e aéreos, na cultura, na comunicação social, no apoio às comunidades de emigrantes espalhados pelo mundo, sei lá que mais… Bem se reclamava então, em sintonia, de Ponta Delgada e do Funchal para Lisboa, um novo arranjo financeiro que tivesse em conta a dimensão de Estado da autonomia insular. Na falta do desejado novo esquema, estável, de repartição dos recursos financeiros públicos entre o Estado e as regiões autónomas, persistiam negociações anuais, desgastantes para ambas as partes. E a insuficiência da parcela atribuída aos governos regionais tinha por consequência, em fase de acelerado investimento em infra-estruturas, o crescimento da dívida.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
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O Orador: — É de justiça referir que foi no tempo do governo do Partido Socialista liderado pelo primeiroministro António Guterres, imbuído de um ideário personalista, que foram dados passos decisivos no sentido de uma alteração qualitativa da atitude do poder central quanto à autonomia financeira regional.
Ajudou muito também a eleição de Carlos César para Presidente do Governo Regional dos Açores, em Outubro de 1996, por vincular o PS às responsabilidades directas da governação insular.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — E, ainda, a escolha de António Luciano Sousa Franco para ministro das Finanças — o único que até agora cumpriu em tal cargo um mandato de legislatura completo —, profundo conhecedor dos problemas financeiros das regiões autónomas, acompanhados em pormenor ao longo do seu notável desempenho como Presidente do Tribunal de Contas.
O primeiro sinal desta mudança surgiu logo na revisão constitucional de 1997, com a introdução, denodadamente promovida pelo então Deputado José Manuel Medeiros Ferreira, da figura da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, da competência reservada da Assembleia da República, elevada à categoria de lei orgânica.
Sem perda de tempo, um grupo de trabalho, com decisiva participação dos governos regionais e presidido pelo académico que mais sabia e sabe sobre finanças regionais, o Professor Eduardo Paz Ferreira, promoveu um amplo processo de diálogo que envolveu as forças vivas dos dois arquipélagos e no qual a longa experiência directa do Presidente Alberto João Jardim também se revelou fundamental.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Orador: — A proposta do diploma daí resultante, vivamente debatida neste Parlamento e nele melhorada, veio a transformar-se, mediante aprovação por unanimidade, na Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro.
O novo diploma foi saudado, em ambas as regiões autónomas — que por ele tanto tinham lutado unidas (A união faz a força!) e com tão bons argumentos de justiça e de solidariedade —, como um marco histórico na consolidação da autonomia constitucional.
Aplausos do PSD.
Gostaria de analisar aqui o conteúdo desta lei, as suas inovações e os seus limites, até porque com isso forneceria elementos de reflexão acerca do diploma que agora temos para aprovar. Porém, o tempo regimental não mo consente.
Limito-me a assinalar que, aliviado o sufoco financeiro do período anterior, beneficiando ainda por cima de quantiosos recursos provenientes da União Europeia, reforçados em função do conceito de ultraperiferia, as regiões autónomas aceleraram nesta última década o seu processo de desenvolvimento. Tomando por base as infra-estruturas essenciais realizadas no período anterior, os Governos Regionais dos Açores e da Madeira, secundados pelo poder local democrático, e ambos estimulando a iniciativa privada, têm levado a efeito uma missão de progresso geral e de melhoria do bem-estar de açorianos e madeirenses, de evidente ressonância nacional.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Orador: — Sr. Presidente, Srs. Ministros e Secretários de Estado, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: A Assembleia da República deve avaliar positivamente a Lei de Finanças das Regiões Autónomas em vigor, congratulando-se com os resultados dela derivados. Muito bem se legislou, em 1998, por iniciativa do governo então em funções, da responsabilidade política do PS, mas com o envolvimento de todos os partidos parlamentares e o seu voto unânime! Assim nos comprometemos todos, em nome do Estado e da Nação portuguesa, para darmos a indispensável dimensão e viabilidade financeiras à autonomia insular. Em face dos sucessos obtidos, a conclusão é que fizemos a aposta certa e valeu a pena!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — E tão prioritária se configura a tarefa do desenvolvimento das ilhas portuguesas do Atlântico que, mesmo apesar dos apertos derivados do Pacto de Estabilidade e Crescimento que assegura a participação de Portugal na moeda única europeia e nas enormes vantagens daí decorrentes, a primeira opção do Estado foi respeitar integralmente os compromissos assumidos com as regiões autónomas.
Assim, reconhecendo a justeza das reclamações feitas pelos responsáveis insulares, tanto em 2003 como em 2004 e, mesmo, em 2005, as faculdades limitativas previstas na lei da estabilidade orçamental não foram
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accionadas. Só em 2006 tal veio a acontecer, implicando o congelamento das transferências do Estado no valor do ano precedente.
Do que se trata agora, porém, não é já da suspensão de alguns preceitos da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, por grave motivo de salvação pública, que é sempre a lei suprema, embora imperioso se torne demonstrar a sua existência e o seu concreto conteúdo, conforme até determina a lei da estabilidade orçamental.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Com a proposta de lei n.º 97/X, o que o Governo pretende é substituir a Lei n.º 13/98, em vigor, revogando-a integralmente, para não deixar lugar a dúvidas e substituindo-a por um outro diploma inspirado por objectivos diferentes.
Ora, para o PSD, a lei em vigor, sendo boa e mesmo muito boa, não é perfeita e pode por isso, nos devidos termos, ser aperfeiçoada. Temos, de resto, alertado a opinião pública e o Governo para a insuficiência dos recursos financeiros atribuídos às regiões autónomas face ao novo patamar de necessidades públicas decorrentes do avanço do desenvolvimento insular.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Orador: — É que, à medida que as regiões autónomas investem em infra-estruturas e em equipamentos colectivos, aumentam logicamente os custos da respectiva manutenção. No caso dos Açores, com a dispersão por nove ilhas, este problema é seriíssimo. Basta pensar nos aeroportos e sobretudo nos portos, submetidos a condições de mar notoriamente duras e até mesmo algumas vezes assustadoras neste quadro global da mudança climática. Na Madeira, é a orografia que mais castiga, tornando o rasgar de estradas e a sua conservação numa verdadeira aventura.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Por outro lado, os novos serviços de apoio às populações, nomeadamente transportes, energia, educação e, sobretudo, saúde, num quadro de dispersão arquipelágica, têm custos em crescimento exponencial. Há urgentes desafios ambientais e energéticos a enfrentar. A população é jovem, as carências habitacionais são muitas. O escape demográfico da emigração praticamente desapareceu, e seria vergonhoso tornar a encará-la como solução de recurso.
Aplausos do PSD.
A diversificação da economia não é fácil, a criação de empregos também não. Surgem problemas novos, como a insegurança e a droga, requerendo acção urgente dos poderes públicos, para atalhar o seu agravamento.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Como se tudo isto não bastasse, não têm faltado catástrofes naturais, de vário tipo, com destaque para as crises sísmicas nos Açores, que têm uma periodicidade já calculada.
Os responsáveis regionais não se têm atemorizado — honra lhes seja! — perante a magnitude dos problemas da governação insular. E têm vindo a ensaiar soluções criativas para que o processo de desenvolvimento não sofra qualquer frustrante travagem. Reflexo disso é o crescimento da dívida pública regional, agora indirecta, por interpostas entidades adrede instituídas, reclamando já medidas adequadas antes que o problema se complique.
Perante este elenco de questões tão complexas, e tendo em conta as suas graves implicações nacionais e externas, o que razoavelmente se deveria esperar do Governo da República era a aproximação e o diálogo com os governos das regiões autónomas, num esforço de consensualização e acerto sobre as soluções a adoptar.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — A proposta de lei do Governo segue por outro caminho e vai contra o consenso parlamentar que originou e suporta a Lei n.º 13/98.
Aplausos do PSD.
A um diploma de rasgada visão solidária e nacional, proveniente de árdua consensualização entre o Governo da República e os governos das regiões autónomas, catalizador do apoio unânime do Parlamento por
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ter em conta os problemas então identificados, pretende-se agora opor um verdadeiro diktat sem quaisquer lampejos de grandeza, que faz tábua rasa da nova dimensão das questões regionais e até parece inspirado pelo maquiavélico propósito de dividir para reinar, porque vai dividir o Parlamento e também o País.
Aplausos do PSD.
Ora, em matéria tão melindrosa de estruturação do Estado democrático, a boa tradição da Constituição de Abril é o consenso parlamentar alargado, que no domínio da autonomia logrou já tornar-se unânime. Embora como tal não seja formalmente qualificada, a Lei de Finanças das Regiões Autónomas é uma verdadeira lei de regime e, como tal, não pode nem deve ficar na disponibilidade de uma qualquer maioria, mesmo absoluta, sempre circunstancial.
Aplausos do PSD.
Objectivos como o de fazer a solidariedade nacional funcionar nos dois sentidos, responsabilizando as regiões mais ricas, como é o caso da Madeira, dentro das suas possibilidades, ou o de reforçar os apoios aos Açores, reconhecendo as especiais dificuldades da sua peculiar configuração geográfica, muito extensa e dispersa, são razoáveis e têm o meu apoio pessoal e o apoio do Partido Social Democrata.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Seria perfeitamente possível encontrar enquadramento para eles, numa revisão dialogada da lei em vigor que trouxesse todas as partes à mesa das negociações, em vez de as hostilizar, ignorando as posições respectivas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Sr. Presidente, Srs. Ministros e Secretários de Estado, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Um debate legislativo de generalidade não pode confinar-se a questões prévias e prejudiciais, sobre as quais abundam sempre pareceres para todos os gostos. O PSD já se pronunciou sobre esses temas em diversas ocasiões e dispenso-me, por isso, de repetir aqui o seu argumentário. É preciso analisar agora o fundo das propostas, a sua substância, conveniência e oportunidade, sobretudo a sua conformidade com o bem comum e o interesse nacional. E é quanto a estes pontos que marcamos a nossa discordância e a nossa diferença.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Para o PSD, muito mais prático e simplificador seria determinar as receitas fiscais das regiões autónomas segundo um princípio geral de capitação sobre a tributação nacional. Há para tal abertura na Constituição, que diz expressamente que as regiões têm o poder de dispor de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efectiva solidariedade nacional.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — O aumento das receitas próprias assim determinado facilitaria a gestão da dívida regional e tornaria razoável uma redução das transferências orçamentais. Com a solução proposta pelo Governo para o IVA, que elimina um esquema que vem já do consulado do primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva, caminha-se exactamente no sentido oposto.
Discordamos também da ostensiva e mesmo acintosa «dessolidarização» do Estado em relação à dívida pública das regiões autónomas. Trata-se de um sinal de separação e de ruptura que remete cada uma delas para um rating próprio, presumivelmente menos favorável do que aquele a que têm acesso no quadro da República Portuguesa.
Notamos a falta, na presente proposta do Governo, das declarações enfáticas da Lei n.º 13/98 sobre a garantia de recursos suficientes às regiões autónomas, a co-responsabilização para o desenvolvimento, a convergência real das economias e a coesão social. Parece até que, agora, a única motivação é a do equilíbrio orçamental, esquecendo a sábia recomendação presidencial, tão aplaudida noutras eras: «Há mais vida além do Orçamento!»
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Verificamos a proclamação de um extenso elenco de princípios, mas lamentamos a significativa ausência do princípio da compreensão para com as peculiares dificuldades do desenvolvimento
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derivadas da insularidade, do princípio do compromisso nacional para ajudar a dar-lhes solução e do princípio da coerência das posições políticas do Estado e dos partidos, como pessoas de bem. A este respeito, julgamos particularmente reprovável alterar as regras do apoio financeiro do Estado no meio de uma legislatura regional, dificultando ou impedindo mesmo a realização de compromissos de desenvolvimento legitimamente sufragados pelos eleitorados insulares.
Aplausos do PSD.
E nem se diga que algumas das limitações constantes da proposta do Governo transitam já da lei da estabilidade orçamental, pois esta rege uma situação transitória a superar com a desejada consolidação financeira, prometida para 2008, enquanto a Lei de Finanças das Regiões Autónomas é um diploma estruturante com alargada estabilidade, só se antevendo a sua revisão em 2014.
E quanto à previsibilidade de recursos disponíveis pelas regiões autónomas, que se afirma ficar assim garantida, tenha-se em conta que é atingida em baixa, relativamente aos valores anteriormente praticados, restando saber se a lei da estabilidade orçamental não poderá mais ser invocada para determinar ainda maiores reduções.
A propósito da recolha de informações e da reconfiguração do Conselho de Acompanhamento das Políticas Financeiras, ressalta a desvalorização do princípio da confiança nas instituições democráticas regionais, para o exercício de cujas competências se prevêem formas de controle inapropriadas, senão mesmo vexatórias.
Aplausos do PSD.
É que as regiões autónomas não são possessões portuguesas para as quais de Lisboa possa determinar o que lhe apetecer, mas sim a própria organização do Estado português nas longínquas ilhas do Atlântico, Portugal, aí, prolongando-se e reinventando-se no meio do mar, no histórico protagonismo dos povos insulares. E os governos regionais não são entidades hierarquicamente subordinadas ao Governo, mas sim, no domínio das suas competências, exercendo o poder executivo que a Constituição lhes confere, o Governo português de cada um dos arquipélagos estabelecidos ao abrigo dos respectivos estatutos, que são actos do Parlamento, o poder supremo na República.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — É por tudo isto que estamos em profundo desacordo com a proposta de lei do Governo! A Lei de Finanças das Regiões Autónomas é, porém, matéria da competência reservada da Assembleia da República e envolve, por isso, maximamente, as suas responsabilidades constitucionais e nacionais. As regiões autónomas, como parcelas importantes do Estado e do povo português, necessitam e merecem respostas justas aos problemas que enfrentam. A proposta de lei do Governo não satisfaz, como se demonstrou, tais objectivos. Por isso, no entendimento do PSD, tal como está, não pode ter aprovação na generalidade.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Apelamos ao Parlamento para que, numa missão patriótica, visando o máximo consenso e em diálogo com as Assembleias Legislativas dos Açores e da Madeira, dê ao País a necessária revisão desta lei fundamental.
Aplausos do PSD com Deputados de pé.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O ruído que tem envolvido a discussão pública desta proposta de lei de finanças das regiões autónomas ficará como um exemplo de escola daquilo que não deve ser um debate político sério e responsável.
O Governo tem apresentado a sua proposta perante o País como se ela fosse um «puxão de orelhas» ao Presidente do Governo Regional da Madeira e a prova de que finalmente aparece um Governo da República capaz de o meter na ordem.
O Presidente do Governo Regional da Madeira serve-se desta proposta de lei para se fazer de vítima às mãos do Governo de Lisboa e esconder as fragilidades da sua governação.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!
O Orador: — A proposta do Governo surge aos olhos dos madeirenses como uma sanção pelas suas opções eleitorais e surge aos olhos dos açorianos como um piscar de olho. As consequências imediatas da lei
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de finanças regionais afectarão de forma diferente os madeirenses e os açorianos, e tanto uns como outros saberão porquê.
Pela nossa parte, rejeitamos essa lógica de que quem não está com Sócrates está com Jardim, ou viceversa, e deploramos vivamente que uma questão tão relevante como a das finanças das regiões autónomas possa servir de pretexto para guerrilhas, para manobras de baixa política, ou para criar divisões artificiais entre portugueses.
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Orador: — O que hoje discutimos nesta Assembleia não é um diferendo entre o Eng.º Sócrates e o Dr.
Alberto João Jardim. Essa encenação serve a ambos para esconder o essencial. Enquanto o Eng.º Sócrates se apresenta como disciplinador implacável e o Dr. Jardim como vítima indefesa do centralismo, ficam por discutir as consequências concretas da proposta de lei do Governo para a vida das populações insulares e ficam por avaliar as responsabilidades de quem há 30 anos governa com maioria absoluta a Região Autónoma da Madeira.
Esta proposta não é contra o Dr. Jardim. É contra os povos das regiões autónomas e, de forma mais directa e imediata, contra o povo da Madeira.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!
O Orador: — Para o Governo do Eng.º José Sócrates, também os povos das regiões autónomas são culpados da crise e têm de pagar a respectiva factura.
Para quem conhece a actuação deste Governo, era fatal como o destino que assim fosse. Se o equilíbrio das finanças públicas tem de ser feito à custa das autarquias, dos funcionários públicos, dos utentes do Serviço Nacional de Saúde, dos estudantes do ensino superior, dos utentes dos serviços públicos, dos consumidores de energia eléctrica, das populações do interior, dos reformados e dos deficientes, era inevitável que a factura da crise também chegasse à Madeira.
Mas também recusamos a ideia de que esta proposta beneficia o povo dos Açores à custa do povo da Madeira. Seria um logro pensar que a Região Autónoma dos Açores está a ser beneficiada pelo simples facto de não ser imediatamente prejudicada nas transferências financeiras do Estado para a Região. É um facto objectivo que a Madeira é directa e imediatamente prejudicada e os Açores não o são. Mas daí a podermos falar em benefício para os Açores vai uma grande distância.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Orador: — Não só porque a situação ultraperiférica da Região Autónoma dos Açores e a sua especificidade insular justificam plenamente um acrescido esforço de solidariedade nacional, mas também porque uma lei de finanças regionais como esta, que representa um retrocesso no compromisso do Estado com o financiamento das regiões autónomas, pode lesar negativamente no imediato apenas uma delas, mas não deixará, a prazo, de afectar negativamente as duas.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Orador: — Sendo claro que o nosso compromisso não é com o Governo da República, nem com o Governo Regional da Madeira, nem com o Governo Regional dos Açores, mas unicamente com o povo português, com a coesão social e com a solidariedade nacional, importa deixar muito claras as razões da nossa discordância com esta proposta de lei.
A primeira razão está na própria Constituição. É tarefa fundamental do Estado, segundo o artigo 9.º da Constituição da República, promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, tendo em conta, designadamente, o carácter ultraperiférico dos arquipélagos dos Açores e da Madeira. E, nos termos do artigo 229.º, os órgãos de soberania asseguram, em cooperação com os órgãos de governo próprio das regiões, o desenvolvimento económico e social destas, visando, em especial, a correcção das desigualdades derivadas da insularidade.
Por outro lado, é a própria Constituição que impõe o respeito pelo estatuto político-administrativo das regiões autónomas. Como escreve o Prof. Gomes Canotilho, «os estatutos ocupam uma posição hierárquica privilegiada no plano da hierarquia das fontes. Embora não tenham valor constitucional, eles devem considerar-se como leis reforçadas com valor paramétrico relativamente aos diplomas legislativos regionais e às restantes leis da República. Neste sentido, já se chamou aos estatutos a mais reforçada das leis ordinárias reforçadas».
Ora, é inquestionável que esta proposta de lei contraria frontalmente o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, pelo menos em dois pontos, com consequências muito relevantes.
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Antes de mais, o Estatuto proíbe o retrocesso no relacionamento financeiro entre o Estado e a Região.
Dispõe o artigo 118.º, n.º 2, que em caso algum as transferências orçamentais podem ser inferiores ao montante transferido pelo Orçamento do ano anterior, multiplicado pela taxa de crescimento da despesa pública corrente no Orçamento do ano respectivo. No entanto, a proposta de lei não respeita este princípio.
Por outro lado, o Estatuto dispõe, no seu artigo 117.º, que «os empréstimos a emitir pela Região Autónoma da Madeira podem beneficiar da garantia pessoal do Estado». A proposta de lei diz exactamente o contrário.
A última revisão do Estatuto ocorreu em 1999. Foi objecto de uma intensa e demorada apreciação nesta Assembleia, foi aprovado por unanimidade, nunca foi invocada a sua inconstitucionalidade e só agora, quando o Governo pretende legislar ao contrário do que dispõe esse Estatuto, é que o PS invoca a sua inconstitucionalidade.
A segunda razão por que discordamos da lei proposta é a de que a Região Autónoma da Madeira é objectivamente prejudicada, devido aos critérios que são usados para determinar as transferências para as regiões autónomas e, mais concretamente, o Fundo de Coesão, conjugados com a perda de fundos comunitários que decorre do facto de a Madeira deixar de ser considerada «região de objectivo 1» e com a perda de receitas de compensação do IVA que decorre do abandono da regra da capitação.
O novo regime de compensação pelo diferencial do IVA não está em causa. Não contestamos que a compensação seja feita de acordo com um critério verdadeiro, que é o do IVA efectivamente gerado em cada região. Só que a perda destas receitas, fiscais e de fundos comunitários, numa região que mantém enormes fragilidades de desenvolvimento económico, social e humano decorrentes da sua condição ultraperiférica e de longos anos de más políticas, não deixará de ter consequências negativas para a população madeirense, sabendo-se desde logo que, lá como cá, os primeiros a pagar a crise serão certamente os mais desfavorecidos.
O cumprimento do princípio do não retrocesso estabelecido no Estatuto Político-Administrativo da Madeira exigiria, portanto, que, designadamente através do Fundo de Coesão, fossem encontrados mecanismos de compensação dessas perdas inevitáveis de receitas. Mas isso não acontece. Se as transferências do Fundo de Coesão forem calculadas, como se prevê na proposta de lei, em função do PIB per capita, o povo da Região Autónoma da Madeira será lesado por um critério artificial, que não tem em conta a sua realidade socioeconómica. Isto porque ninguém ignora que a existência da zona franca sobrevaloriza o PIB da Região, devido à contabilização da riqueza gerada por empresas financeiras e serviços internacionais que não se repercute na realidade económica local.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!
O Orador: — Impõe-se, por isso, em nossa opinião, que o Fundo de Coesão seja calculado, não em função do PIB per capita, mas de acordo com um critério mais justo, que reflicta a realidade do poder de compra e da qualidade de vida das populações.
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Orador: — A terceira razão é a da falta de respeito pela autonomia financeira das regiões autónomas.
Neste aspecto, esta proposta de lei é «irmã» da proposta de lei das finanças locais. Os valores pelos quais se rege a actividade legislativa deste Governo não têm nada a ver com o desenvolvimento equilibrado do País, com a coesão, com a solidariedade nacional, ou com o respeito pela autonomia regional. Estão unicamente relacionados com o princípio sagrado da estabilidade orçamental. E é assim que o Governo se arroga do direito de fixar unilateralmente os limites de endividamento das regiões autónomas, em cada ano, na lei do Orçamento do Estado e de criar mecanismos de tutela financeira governamental sobre as regiões, como o Conselho de Acompanhamento das Políticas Financeiras, que não está previsto em qualquer estatuto e que possui competências violadoras da autonomia política e administrativa das regiões.
A nossa oposição a esta lei de finanças regionais não se deve ao facto de ela ser aprovada a meio do mandato dos órgãos de governo próprio das regiões. Não é legítimo opor limitações dessa natureza à actividade legislativa do órgão de soberania competente, que é a Assembleia da República.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Claro!
O Orador: — A questão não é essa. A questão é de conteúdo e de justiça.
Esta proposta de lei contraria valores constitucionais de solidariedade nacional e de respeito pela autonomia regional e é lesiva das aspirações e interesses legítimos das populações insulares. São essas, e não outras, as razões da nossa oposição.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.
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O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Neste debate sobre a aprovação da lei de finanças regionais, gostava de começar por abordar duas questões prévias.
Uma está relacionada com a minha declaração de interesses sobre esta matéria. Devo dizer com toda a clareza que nunca fui e não sou advogado de nenhum departamento de um governo regional. Nunca fui, nem sou, advogado de nenhum presidente de governo regional. Não sou advogado de nenhuma empresa pública sob tutela de um governo regional.
O Sr. Maximiano Martins (PS): — Muito bem!
O Orador: — Respondo, assim, ao Sr. Deputado Guilherme Silva, que, em comissão, sugeriu que me declarasse impedido para não fazer o parecer que acabou de ser aprovado na Assembleia da República.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Não acabou nada!
O Orador: — A outra questão prévia que gostava de referir está relacionada com as intervenções anteriores.
A autonomia regional, como sabem, é uma conquista dos povos regionais. Não tem paternidade. Foi o povo dos Açores, da Madeira, o povo de Portugal, todos nós, quem fez e quem constrói a autonomia regional.
Aplausos do PS.
Fizemo-lo, naturalmente, porque a democracia no-lo permitiu. Devo recordar com alguma lisonja que o Partido Socialista teve a maioria dos votos nas primeiras eleições e a maioria dos mandatos na altura da aprovação da Constituição de 1976. E lembro-o porque, se alguém tivesse direito a louros nesta matéria, deveriam ser os Deputados constituintes e o povo português. Como tal, a história deve relembrar, sim, esse momento de fundação da autonomia como uma grande conquista de todos os portugueses.
Aplausos do PS.
Devo dizer que, ouvindo dois terços da intervenção do Sr. Deputado Mota Amaral, pensei que o Partido Social Democrata tinha mudado o seu sentido de voto. Pensei que o PSD tinha reconsiderado a sua posição relativamente a esta proposta de lei. Com o último terço percebi, porém, que continuamos em desacordo. É um salutar desacordo que mantemos há longos anos entre nós, tanto nos Açores como em Portugal.
Devo dizer ainda que, para os Açores, para a Madeira e, acima de tudo, para as autonomias, a ideia da capitação aqui defendida por alguns dos Srs. Deputados que me antecederam é uma fixação e não legitima as autonomias. Como autonomista convicto, não tenho dúvidas em afirmar que o princípio das receitas criadas e geradas nas regiões autónomas é o princípio que deve reger o relacionamento financeiro entre as regiões e o Estado no que às transferências de impostos respeita. É evidente que me dirão que, se o IVA das regiões obedecesse à capitação, estas receberiam mais. Mas a verdade é que nós, insulares, não estamos aqui para pedir esmolas. Estamos aqui para reivindicar aquilo a que temos direito e aquilo a que temos direito são as receitas que derivam dos impostos criados e gerados nas regiões autónomas.
Aplausos do PS.
Passemos, então, à proposta hoje apresentada pelo Governo da República a esta Câmara, a proposta de lei relativa à lei de finanças regionais.
Em primeiro lugar, porquê rever a lei de finanças regionais? Porquê rever a lei de finanças regionais neste timing? De facto, tínhamos uma lei de finanças regionais até 1999, altura em que, todos se recordarão, a Sr.ª Ministra das Finanças Manuela Ferreira Leite fez aprovar aqui, na Assembleia, a lei de enquadramento orçamental, que redundou em que nesse ano as receitas das regiões autónomas fossem determinadas não pela lei de finanças regionais mas, sim, pela lei da estabilidade orçamental. Ou seja, na prática, tínhamos uma lei nos termos da qual a República, quando queria, podia deixar de aplicar os critérios da lei, aplicando os critérios da lei da estabilidade orçamental.
Assim não tínhamos estabilidade. Assim não tínhamos previsibilidade na receita. Estávamos sempre à mercê da conjuntura. Por isso, era exigível que tivéssemos uma lei com a qual as regiões autónomas pudessem contar de modo a terem previsibilidade nos seus orçamentos. Por esta razão, concordamos também com o timing de agora revermos esta Lei.
Trata-se de uma proposta de lei que se destina às regiões autónomas, ou seja, não há uma proposta de lei para a Região Autónoma da Madeira e outra para a Região Autónoma dos Açores. É a Lei de Finanças das Regiões Autónomas.
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E se é verdade que muitas vezes já ouvi os Deputados do PSD e outros Deputados da Câmara dizerem que concordam com a discriminação positiva dos Açores, o facto é que quando, na prática e em concreto, a lei coloca a discriminação positiva, o PSD mostra o seu desacordo. Não pode ser! Se concordamos que existem diferenças entre os Açores e a Madeira, diferenças essas que são efectivas — temos nove ilhas e até o Deputado Nuno Melo já referiu a dupla insularidade —, então, sim, temos de fazer essa discriminação positiva.
E se temos hipótese de a fazer, porquê voltar-lhe as costas? É esta a pergunta que quero colocar ao PSD: porquê voltar as costas? Mas vamos às questões da constitucionalidade.
Até certo ponto, o PSD entendeu que tinha encontrado o busílis da questão. Acreditou que, pela inconstitucionalidade, conseguia inviabilizar a aprovação da proposta de lei. Tivemos oportunidade de, em sede da 1.ª Comissão, aprovar um parecer sobre esta matéria. Mas depois disso tivemos oportunidade também de ouvir dois constitucionalistas ilustres — o Professor Jorge Miranda e o Professor Gomes Canotilho —, os quais não têm dúvidas em afirmar que a presente proposta de lei é constitucional. E, pasme-se, após dar um parecer ao PSD, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, num programa televisivo, quando lhe disseram: «Mas o senhor deu um parecer em que dizia que era inconstitucional», ele respondeu: «Mas não me perguntaram se a norma do Estatuto era inconstitucional». Portanto, fugiu à pergunta, já mudou de opinião, e agora também considera que assim o entendia, que o artigo 118.º do Estatuto é inconstitucional.
Aplausos do PS.
Eu sou, repito, um autonomista convicto! Devo dizer que considero que os Estatutos PolíticoAdministrativos das Regiões Autónomas têm um valor reforçado. E têm esse valor reforçado para as normas que a Constituição determina que o estatuto preveja. Estou a falar da atribuição das autonomias e estou a falar dos órgãos próprios das autonomias, que são as matérias que, por direito e por dever constitucional, devem constar no estatuto. Todas as outras têm o mesmo regime de qualquer norma jurídica. Por isso mesmo serão inconstitucionais todas as normas, mesmo que no estatuto possam prever contra outras normas.
Para não cansar mais, gostaria de citar o Professor Jorge Miranda, que disse: «Se antes da revisão constitucional de 1997 já se podia considerar que as finanças regionais não se incluíam no âmbito estatutário, a partir de agora nenhuma dúvida é admissível. Doravante, qualquer preceito do estatuto de qualquer das regiões autónomas que pretenda dispor sobre o objecto próprio da lei de finanças regionais deve reputar-se inconstitucional, tanto por insuficiência de forma quanto por desvio de forma». Não nos esqueçamos de que esta é uma lei orgânica e, por isso, aprovada por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções, enquanto que os estatutos político-administrativos são aprovados pela maioria que houver no dia da votação e não por uma maioria qualificada. Ou seja, uma norma que está no estatuto sobre matéria de finanças regionais é uma norma que tem desvio de forma, porquanto a lei orgânica tem uma exigência suplementar. Ora, a localização em lei inadequada conduz, naturalmente, ao desvio do órgão próprio e competente para legislar sobre a matéria.
Por estas razões, não há dúvida — pelo menos, o Partido Socialista não as tem — de que a presente proposta de lei é constitucional, está conforme os ditames da Constituição, que é a «mãe» de todas as leis.
Não se pode dizer que o estatuto vigora acima de outras leis. Sim, é verdade! Mas está abaixo da Constituição. A Constituição é que nos rege e é ela que determina em que sentido temos de andar em termos legislativos.
Resta a questão, à qual não quero fugir, do valor constitucional, de que a lei de finanças regionais deve vigorar em coincidência com o tempo de legislatura das regiões autónomas. Esta afirmação, que já ouvi em sede de Comissão e que hoje voltei a ouvir aqui pela voz do Sr. Deputado Mota Amaral, deixa-me espantado, porque era necessário dizer qual a norma constitucional que se violou com essa norma da lei de finanças regionais. Não indicam!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Não indicam?!
O Orador: — Não existe, na minha opinião! Aquilo que estamos a fazer é a lei de finanças regionais, que regula a transferência anual das receitas próprias e do Fundo de Coesão. Ora, a implicação que isso tem nas regiões autónomas é uma implicação anual, não é de legislatura. Todos os anos temos transferências da República para as regiões. A lei de finanças regionais regula ano a ano, não regula para o tempo da legislatura. Por isso, não vemos qualquer inconstitucionalidade, também aí.
Para finalizar, Sr.as e Srs. Deputados, o que verdadeiramente assusta a Madeira é o rigor que todos temos de ter na gestão da coisa pública.
Aplausos do PS.
Em Portugal, ninguém com responsabilidades políticas está acima da lei. Em Portugal, não vai ser possível contrair dívida sem que se saiba. E quem prevarica deve ser chamado à responsabilidade.
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Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs.
Deputados: Quanto a esta proposta de lei sobre as finanças regionais, o CDS assume, como sempre tem feito, uma postura de Estado. Não discutimos matérias de regime com base em meras guerrilhas partidárias.
Respeitamos a nossa tradição partidária. Relembramos que foi o CDS/Madeira o primeiro partido a ter ideias concretas sobre um regime de finanças regionais.
Aplausos do CDS-PP.
O CDS continua hoje a defender de forma patriótica o princípio da solidariedade nacional, da autonomia regional e da necessária coesão com as regiões ultraperiféricas. Não discutimos esta proposta de lei com base em críticas ou aplausos a diferentes governos regionais.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!
O Orador: — Não a projectamos com base em conflitos políticos concretos. Assumimos uma postura pela positiva.
Esta não é a nossa proposta — é a proposta do Governo —, mas achamos que devemos dar um contributo para a poder tornar numa melhor lei de finanças regionais. Por isso mesmo, apresentámos propostas de alteração e por essa razão vamos abster-nos na votação na generalidade. Esperamos convictamente que as modificações apresentadas sejam genericamente aceites para que não tenhamos de alterar, na votação final, o nosso sentido de apreciação para uma versão de negação.
Temos a perfeita noção das nossas responsabilidades. Por essa razão, não confundimos planos. O Partido Socialista parece fazê-lo. E directamente para o Partido Socialista e para o Governo dizemos: basta! Parem de tratar as regiões autónomas conforme o nome dos seus presidentes regionais, sejam eles Alberto João Jardim ou Carlos César.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Orador: — Não é com a lei de finanças regionais que se ganham eleições regionais. Essencial é que o próximo regime de finanças seja o melhor possível para as duas regiões. Não tentem, mais uma vez, criar conflitos artificiais e de grande peso na comunicação social. Não é essa a chave para o sucesso político.
Ao PSD também dizemos que muito do que hoje se passa é devido a opções económicas erradas no plano da política económica, claramente assumidas na Região Autónoma da Madeira. O CDS defende aqui, mas também na Madeira, que o peso do sector público deve ser controlado.
Aplausos do CDS-PP.
Já agora, não compreendemos o discurso do «coitadinho» quando se discute finanças regionais e do sucesso quando se trata de ir a votos!
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Orador: — A nossa postura de responsabilidade leva a que tenhamos nesta matéria uma posição de bom senso e moderação. É certo que a Região Autónoma dos Açores tem uma posição diferente se comparada com a Região Autónoma da Madeira. Assim o demonstra desde logo a geografia e as claras necessidades de desenvolvimento económico sentidas nos Açores, muito devidas a erros sucessivos do Partido Socialista.
Mas também não se pode esquecer — e estudos assim o demonstram — que o PIB da Madeira tem muito de artificial, que há na Região enormes disparidades na repartição dos rendimentos, que a coesão económica e social está a 70% da média nacional e que o poder de compra é dos mais baixos do País.
Por isso mesmo, consideramos que, com realismo quanto às contas públicas, se pode estabelecer um regime financeiro que tenha em atenção as necessidade de faseamento, a defesa da autonomia regional e, fundamentalmente, dos contribuintes.
Por essa razão, trazemos um conjunto de propostas que são um caderno de encargos. A saber: Primeiro, clarificação do princípio da solidariedade nacional, esclarecendo o seu conteúdo de forma a considerar as transferências orçamentais e o Fundo de Coesão para as regiões ultraperiféricas;
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Segundo, determinação da composição do Conselho de Acompanhamento das Políticas Financeiras, de forma a nele incluir um representante do Ministério das Finanças e um representante dos governos regionais dos Açores e da Madeira; Terceiro, nova regulamentação quanto à receita do IVA, que deve incluir o imposto cobrado e gerado nas regiões autónomas; Quarto, regime próprio de faseamento relativamente às transferências do IVA; Quinto, nova solução quanto ao regime das garantias do Estado e da assunção de compromissos das regiões autónomas, de modo a ultrapassar dúvidas relativamente à constitucionalidade da proposta; Sexto, consideração, no cálculo do Fundo de Coesão, do indicador do poder de compra per capita de cada região autónoma; Sétimo, determinação das entidades que podem transferir montantes relativos às comparticipações em sistemas de incentivos; Oitavo, enumeração exemplificativa das situações em que se admite a existência de projectos de interesse comum; Nono, adopção do sistema fiscal no sentido de conferir uma maior autonomia quanto à matéria das deduções à colecta em sede de IRS.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, o tempo de que dispunha terminou.
O Orador: — Vou terminar, Sr. Presidente.
Este é o nosso contributo para uma lei de finanças regionais que atenda à actual situação das finanças públicas, caminhe para uma maior solidariedade, coesão e defesa dos contribuintes.
Não pretendemos com isto tratar de casos políticos concretos ou resolver problemas eleitorais. Queremos o melhor possível para os Açores e para a Madeira. Apenas isso nos move, a bem de Portugal.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e das Finanças: Lamentamos que tenha tido um modo discursivo em que se diminuiu no seu papel de Ministro de Estado e das Finanças de Portugal. A sua recorrente análise e método discursivo de comparar o continente com as regiões autónomas é uma diminuição do seu papel, que nós, francamente, deploramos.
Acusa-nos o Sr. Ministro de Estado e das Finanças, naquela lógica simples de que «quem não é por si é contra si», de sermos complacentes com a indisciplina financeira da Madeira? Creio que lhe faltará — peço perdão por o dizer — alguma autoridade para dizer isso. Pois não foi o Sr. Ministro de Estado e das Finanças membro da equipa governativa que perdoou a dívida à Madeira de «olhos fechados», sem qualquer auditoria à sua constituição!? O Sr. Ministro de Estado e das Finanças foi membro dessa equipa governativa. Então, por que é que faz hoje esse tipo de acusações? Creio que deveria ter em conta que tudo tem um processo, tem um passado, tem um momento presente, tem aquilo que nós hoje discutimos para o futuro.
Acabámos por descobrir que, neste debate, não há só a «vaca sagrada» do Pacto de Estabilidade e Crescimento e de quaisquer soluções mais flexíveis que não impliquem prejuízo para as populações, no caso, nomeadamente, para a população da Região Autónoma da Madeira. Há também — e isso é um ponto em comum entre o PSD e PS — a «vaca sagrada» da zona franca e, particularmente, do Centro Internacional de Negócios.
Vozes do BE: — Muito bem!
O Orador: — Perpassa neste debate, como uma sombra, uma constatação que todos tiram, uns mais e outros menos, mas para a qual não há resposta, a não ser uma resposta adiada por três anos, que é o estudo do impacto da zona franca no empolamento artificial do produto interno bruto da Região Autónoma da Madeira. E, em relação a este aspecto, o Sr. Ministro de Estado e das Finanças nada tem a dizer, entende que não tem qualquer valor nem qualquer consequência. Pois nós entendemos que tem e pensamos que a população da Madeira vai entender que tem e que teria direito a um outro tratamento e a um outro enfoque, por parte do Governo da República, em relação às suas finanças regionais.
Vozes do BE: — Muito bem!
O Orador: — Sr. Ministro de Estado e das Finanças, em relação a todas as medidas que digam respeito ao aumento da disciplina orçamental, ao controlo orçamental, ao impedimento de constituição de dívidas públicas directas ou indirectas somos absolutamente a favor e o Governo da República ter-nos-á sempre a seu lado.
Agora, para fazer uma lei de finanças regionais que é motivada politicamente e tem um único objectivo que é o de prejudicar a população da Madeira não pode contar connosco.
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Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os Verdes gostavam de realçar dois pontos prévios.
O primeiro diz respeito aos timing do Governo e do PS. O Governo apresenta à Assembleia da República um Orçamento do Estado que tem em conta critérios definidos numa lei que não existe, que é, justamente, a proposta de lei que estamos hoje a discutir e que, entretanto, vai ser aprovada, à pressa, a meio do Orçamento do Estado para ver se produz efeitos a tempo, isto é, antes da votação final global do Orçamento do Estado. Ora, isto é, evidentemente, criticável, na perspectiva de Os Verdes, até porque estes timing do Partido Socialista e do Governo quebraram a necessária participação devida e atempada das partes interessadas nesta proposta de lei.
O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Muito bem!
A Oradora: — Basta ver, por exemplo, o parecer dado pela Região Autónoma dos Açores, que foi favorável, mas que foi dado justamente na véspera da aprovação desta proposta de lei em Conselho de Ministros, produzindo os efeitos que produziu.
O segundo ponto prévio é para deixar bastante claro que, na apreciação desta proposta de lei, não se trata de estar a favor ou contra as políticas desenvolvidas pelos governos regionais. Não é a avaliação das políticas das regiões autónomas que está em causa mas, sim, o enquadramento das transferências financeiras para as regiões autónomas e as finanças regionais.
Pensamos que é importante deixar isto muito claro, porque, de alguma forma, o Partido Socialista já teve a tendência, não apenas hoje mas numa outra discussão feita neste Plenário a propósito do parecer da 1.ª Comissão, de procurar «colar» aqueles que estão contra esta proposta de lei às políticas desenvolvidas, neste caso, na Madeira, quando ele próprio sabe, designadamente em relação a Os Verdes, que somos profundamente críticos em relação à política desenvolvida na Madeira, especialmente quanto ao seu conteúdo de défice democrático, às opções políticas e orçamentais da Madeira, à carência de políticas sociais e a graves opções em termos do ordenamento do território e de atentados ambientais.
Realçados estes pontos prévios, Os Verdes gostariam de dizer o seguinte: de acordo com a nossa apreciação, esta proposta de lei não tem como objectivo a coesão territorial. O Governo não tem, de resto, essa preocupação, como prova, aliás, o Orçamento do Estado e como o Sr. Ministro das Finanças acabou por referir, porque, se tivesse essa preocupação, também teriam de a ter relativamente à interioridade do País, às regiões que sofrem verdadeiramente a interioridade neste país.
Portanto, a coesão territorial não é verdadeiramente um objectivo do Governo do Partido Socialista. O objectivo do Governo relativamente a esta proposta de lei em concreto é o saldo que é preciso oferecer ao Pacto de Estabilidade e Crescimento, custe o que custar.
Perspectiva-se, pois, que a Madeira venha a perder, nos próximos anos, 45 milhões de euros, quando já perde 500 milhões de euros do QREN, por ter saído do «Objectivo 1» — aliás, ainda estamos para perceber como é que o PSD/Madeira votou no Parlamento da Madeira um voto de congratulação pelo novo QREN, que é extremamente prejudicial para ela — e que os Açores venham a ter um aumento de cerca de 7 milhões de euros. Quem ganha, então, os restantes 38 milhões de euros? Este é um dos custos da quebra de solidariedade que é oferecido directamente aos objectivos do Pacto de Estabilidade e Crescimento, matéria relativamente à qual, nos mais diferentes aspectos, nos temos manifestado sobejamente contra não só nesta Assembleia da República mas também fora dela.
Uma outra questão tem a ver com os critérios injustos, nos quais se baseia esta proposta de lei, para a transferência de receitas. Ela tem em conta o PIB, que é, como já foi referido neste debate, um critério que o próprio PS/Madeira propõe que seja alterado por um outro indicador de desenvolvimento económico, social e humano alternativo, que reflicta melhor o estádio de desenvolvimento das regiões autónomas e corrija, designadamente, a distorção de indicadores decorrentes da zona franca da Madeira. Isto porque nos apercebemos que o critério do PIB não corresponde à verdadeira realidade da Madeira em termos da sua condição económica e social e por isso é verdadeiramente um critério irrealista e injusto, que vai distorcer os objectivos que se deveriam garantir relativamente a estas transferências financeiras.
Os Verdes gostariam de referir que esta proposta de lei de finanças regionais viola claramente o estatuto autonómico. Porém, como este estatuto, de acordo com a sua perspectiva, viola o Pacto de Estabilidade e Crescimento e também a lei de enquadramento orçamental, o Partido Socialista considera que há objectivos — estes últimos que referi — superiores a defender. Temos, portanto, o Pacto de Estabilidade e Crescimento como a verdadeira «Bíblia» do Governo do Partido Socialista, pondo em causa, designadamente, uma lei de valor reforçado, como são os estatutos autonómicos. Trata-se, na nossa perspectiva, da abertura de um
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precedente extremamente preocupante e não é, evidentemente, uma questão menor a ser traçado neste debate.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nós, Os Verdes, temos objecções relativamente ao timing desta lei de finanças regionais, à violação da autonomia que nela se consagra, à inconstitucionalidade de que ela padece no seu conteúdo e à falta de objectividade da realidade concreta das regiões autónomas.
Por isso, votaremos, evidentemente, contra a proposta de lei de finanças regionais.
O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Muito bem!
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Victor Baptista.
O Sr. Victor Baptista (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 97/X, apresentada pelo Governo, cumpre os requisitos constitucionais e foi apresentada em conformidade com a alínea t) do artigo 164.º da Constituição da República.
A lei de finanças regionais regula as relações financeiras entre a República e as regiões, tendo por finalidade a concretização e desenvolvimento da autonomia das regiões, consagrada na Constituição e nos estatutos político-administrativos das regiões.
As leis financeiras não são imutáveis e devem acompanhar o grau de desenvolvimento económico e social e contribuir para uma melhor coesão territorial. Quando alguns afirmam que a presente proposta de lei não respeita o Estatuto Político-Administrativo da Madeira em matéria das finanças regionais e insinuam que pretendemos criar condições políticas para a conquista do poder, estão a esquecer-se de que esses não foram, não são e nem nunca serão os métodos do PS e, sobretudo, que foi precisamente um governo do PS, presidido pelo Eng.º António Guterres, que, em 1998, fez aprovar a actual e primeira lei de finanças regionais no País, ainda que, ao longo do tempo, lhe tenham sido introduzidas correcções pontuais.
Pretendia-se, então, uma lei que estabilizasse o relacionamento financeiro entre a República e as regiões e, simultaneamente, tornasse transparente o relacionamento financeiro. Mas teremos de reconhecer que a concretização da transparência em tal relacionamento nunca foi totalmente conseguido e temos assistido, com frequência, a controvérsias à volta do relacionamento financeiro entre a República e as regiões, com protagonistas que, por vezes, esquecem as normas mais elementares de relacionamento entre os titulares de órgãos de soberania.
A sustentabilidade das finanças públicas exige um esforço entre todos, um esforço das autarquias locais e um esforço das regiões. É neste contexto que se enquadra a revisão da actual Lei de Finanças Locais e da actual Lei de Finanças das Regiões Autónomas.
A cooperação entre o Estado e as regiões autónomas no dever constitucional e estatutário de solidariedade deverá ter em conta as disponibilidades orçamentais e a necessidade de assegurar um tratamento igual a todas as parcelas do território nacional, a fim de corrigir as desigualdades derivadas da insularidade na convergência económica e social com o restante território nacional.
O princípio da solidariedade nacional é recíproco e abrange todo o território nacional. Este princípio é compatível com a autonomia financeira e com a obrigação de as regiões autónomas contribuírem para um desenvolvimento equilibrado do País.
Muita da discussão tem esquecido as virtualidades desta nova proposta de lei e tem-se limitado ao facto da redução do montante a transferir para a Madeira, esquecendo que, apesar de tudo, o esforço orçamental em 2007 é superior em 3% relativamente a 2006.
A Madeira tem o segundo maior PIB per capita do País, com 15 113 €, quando a média nacional é de 12 500 €, e um PIB per capita superior ao da Região Autónoma dos Açores, com mais 31,6%; ao da região Norte, com mais 34,5%; ao da região Centro, com mais 32,2%; ao do Algarve, com mais 12%; e ao do Alentejo, com mais 26,8%.
Bem sabemos que este não é o único indicador de avaliação do desenvolvimento, mas é o indicador consagrado oficialmente para a avaliação da riqueza nacional. Entendemos não ser muito, se solicitarmos aos grupos parlamentares que deveríamos todos comungar na defesa de alguns princípios, como: o de todas as receitas fiscais e outras geradas nas regiões autónomas serem receitas próprias das regiões — e é exactamente o que a presente proposta de lei consagra —; o da aceitação da discriminação positiva dos Açores pela sua condição mais periférica e mais dispersa, observados critérios de equilíbrio e proporcionalidade; o do valor da «continuidade territorial» como forma de garantir, pela solidariedade, a todos os portugueses, igualdade de oportunidades, equidade na usufruição de bens públicos e plena realização das potencialidades de todos e de cada um.
A presente proposta de lei assenta em princípios de solidariedade recíproca e de coesão nacional, sem esquecer os compromissos do Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Neste sentido, indexa o montante a transferir para as regiões autónomas à taxa de variação da despesa corrente do Estado, excluindo as transferências para a segurança social e para a Caixa Geral de Aposentações, definindo um tecto máximo de variação igual à variação da riqueza nacional.
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A repartição do montante global entre as regiões rege-se por princípios de equidade e tem subjacente a população total, a população jovem e idosa, o índice de periferia de cada região e o índice de esforço fiscal.
E, no princípio da coesão nacional, assume que as transferências para as regiões autónomas se fixam, como uma função decrescente do rácio entre o PIB per capita a preços de mercado da região autónoma e nacional. Adicionalmente, tem uma cláusula de salvaguarda, a fim de minimizar o impacto negativo decorrente da aplicação da nova fórmula de cálculo.
E, como não poderia deixar de ser, quanto ao endividamento, define-se um quadro sancionatório a aplicar em caso de violação dos seus limites.
O PSD tem muitas boas razões para estar preocupado com a Madeira, não com a nova lei de finanças regionais mas, sobretudo, com o modelo de desenvolvimento que foi incrementado e cujos resultados são bem conhecidos.
O futuro da Madeira exige rigor na aplicação dos recursos financeiros, exige uma clara definição de prioridades no investimento, exige um desenvolvimento ao serviço do bem-estar dos madeirenses, exige um repensar da trajectória de desenvolvimento económico e social da Madeira.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Enganam-se os que, menos atentos e levados pela aparência do marketing político em que este Governo é, aliás, exímio, privilegiando a forma para ocultar a substância, pensem que estamos hoje, num exercício de rotina, a debater, pura e simplesmente, mais uma qualquer lei.
E o logro será ainda maior se, sugestionados pela propaganda socialista, em que a actual maioria gasta os dinheiros públicos, apesar das restrições que impõe à administração regional e à administração local, julguem que estamos perante uma qualquer medida séria, e necessária, à reforma do Estado.
Não, Srs. Deputados. Não é isso que acontece! Estamos, sim, perante questão bem mais profunda que tem a ver com um pilar fundamental da nossa estrutura política e do próprio regime saído da Revolução de Abril. Estamos num confronto, que o Governo e a maioria já não podem ocultar ou, sequer, disfarçar, sobre a concepção da autonomia política regional. Como estamos face a uma tentativa, sem precedente, de impor uma leitura constitucional da autonomia, ferozmente centralista, que a esvazia de sentido e alcance e a desacredita perante a opinião pública.
E, como se tal não bastasse e não fosse, de per si, suficientemente grave para ambas as regiões autónomas, assistimos, ainda, à mais despudorada instrumentalização político-partidária do Estado e das finanças públicas contra a Região Autónoma da Madeira.
Sr. Ministro de Estado e das Finanças, confesso que tem sido para mim confrangedor ver um professor universitário, com a carreira académica e o currículo político que V. Ex.ª tem, prestar-se, neste particular, a colaborar, não com o Primeiro Ministro, mas com o Secretário-Geral do Partido Socialista, na deturpação da verdade e na negação da evidência.
Foi doloroso ver V. Ex.ª, apressadamente, no dia em que a comunicação social dava conta de sondagem em que o Partido Socialista caía 16 pontos, prestar-se à manobra de diversão que foi o anúncio público da aplicação de sanção à Região Autónoma da Madeira.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — De forma patética, com o devido respeito, V. Ex.ª, ao mesmo tempo que bradava pelo cumprimento da Lei, fazia de acusador e de juiz, sem deixar de ser parte, e fazer tudo isso, ao fim e ao cabo, em causa própria.
Protestos do PS.
E V. Ex.ª sabe bem porque precisou de provocar e de urdir a alegada violação dos limites de endividamento por parte da Região Autónoma da Madeira. A razão é simples. A justificação que o Governo apresenta para rever a Lei de Finanças das Regiões Autónomas é a necessidade de reduzir drasticamente a dotação orçamental e demais verbas para a Região Autónoma da Madeira, em virtude de esta ter atingido um valor de PIB muito acima do PIB nacional. Só que o seu Governo quer usar aquele pretexto, sem reconhecer o mérito e o sucesso da governação social-democrata da Região Autónoma da Madeira.
Aplausos do PSD.
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Era preciso, pois, passar por cima dessa evidência, esquecê-la e ocultá-la! Não vale a pena o Sr. PrimeiroMinistro assumir o seu ar puro e ingénuo, como aconteceu nesta Câmara aquando do debate do Orçamento do Estado, para proclamar que está a fazer justiça ao retirar de uma região que já não precisa, para dar a outra com maiores carências, porque toda a gente percebeu que as suas motivações são puramente partidárias.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Orador: — Sejamos claros: as primeiras eleições que o Eng. Sócrates e o Partido Socialista têm de enfrentar são as regionais de 2008; o Eng. Sócrates quer ganhar essas eleições a qualquer preço e, por isso, nunca se viu tamanha instrumentalização político-partidária do Estado e das finanças públicas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
Protestos do Deputado do PS Mota Andrade.
O Orador: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É a prevalência do interesse partidário sobre o interesse geral, é a falta de sentido de Estado nas relações com as regiões autónomas e os seus órgãos de governo próprio, é a provocação irresponsável da acentuação do contencioso das autonomias,…
Vozes do PS: — E a declaração de interesses?
O Orador: — … é o estimular do conflito entre as regiões autónomas, dividindo os portugueses e pondo em causa a coesão e a unidade nacionais.
Os atropelos à Constituição e aos estatutos político-administrativos das regiões autónomas que esta proposta de lei contém revelam bem que o Eng. Sócrates e o Partido Socialista convivem mal com as autonomias.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Está, porém, o Primeiro-Ministro completamente enganado, ao tentar dividir as populações das regiões autónomas: os madeirenses não confundem a maioria dos portugueses com quem, conjunturalmente, governe o País, com uma lógica meramente partidária, discriminando entre socialistas e não socialistas; sabemos bem que os portugueses têm sido sempre solidários com as autonomias regionais e continuarão unidos na sua defesa, reforçando assim a unidade nacional, valor indissociável do nosso destino colectivo que este Governo e o partido que o apoia, com o seu pendor internacionalista, irresponsavelmente desprezam.
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
Os ziguezagues do Governo a respeito da revisão da Lei de Finanças das Regiões Autónomas são bem elucidativos da falta de seriedade no tratamento de matéria tão delicada.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Temos visto o que tem sido o sucessivo incumprimento das promessas eleitorais por parte deste Governo e desta maioria. Neste particular já nada nos surpreende! Porém, no caso da Lei de Finanças das Regiões Autónomas não está em causa a mera violação de mais uma promessa eleitoral. Trata-se de algo bem mais grave, que envolve mesmo uma inadmissível desconsideração pela Assembleia da República e um desrespeito da maioria por si própria. É que do Programa do Governo, aprovado por esta Câmara, consta, nada mais nada menos — ouçam bem, Srs.
Deputados! —, o seguinte, que passo a ler: «(…) o Governo garantirá o pleno cumprimento da lei que estabelece as relações financeiras entre o Estado e as regiões autónomas, quer no tocante às transferências nelas fixadas quer no que respeita às receitas fiscais que lhes são devidas (…)» Nem uma palavra sobre a alteração da Lei de Finanças das Regiões Autónomas! O compromisso solene no Programa do Governo, aqui aprovado, é que cumpriria a lei vigente e as decorrências que dela advinham para as transferências para ambas as regiões autónomas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Elucidativo! Os portugueses (os do continente, os das regiões autónomas e os da diáspora) saberão, no momento próprio, dar a resposta que esta maioria merece.
Aplausos do PSD.
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O Sr. Presidente: — Vou dar agora a palavra ao Sr. Ministro de Estado e das Finanças, que é o último orador inscrito para intervir. Faça favor, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O País tem um sério desequilíbrio orçamental para resolver.
Vozes do PSD: — Oh!…
O Orador: — O País precisa de equilibrar as suas finanças públicas.
Protestos do PSD.
E o desequilíbrio orçamental que se verifica no nosso país não é o resultado de qualquer maldição lançada sobre os portugueses, é o resultado de um conjunto de regras de financiamento, de políticas, cujo financiamento tem vindo a onerar cada vez mais os nossos orçamentos e tem vindo a fazer com que a nossa despesa tenha subido bem acima das reais capacidades do País.
Por isso mesmo, este Governo encara com determinação a necessidade de reformar muitas das leis que determinam a progressão da despesa. Fizemo-lo no âmbito de políticas sociais, alterando os quadros dos regimes de aposentação da função pública, alterando os sistemas de assistência na saúde, alterando ou reformando o sistema de segurança social, e fazemo-lo também agora alterando o enquadramento do financiamento local e regional. É disso que estamos a falar, Sr.as e Srs. Deputados!
Aplausos do PS.
A lei de finanças das regionais, de 1998, foi uma lei aceite e aprovada nesta Assembleia na base de um pressuposto: o de que, a partir daí, iríamos ter estabilidade financeira nas regiões. E o que os dados indicam é que, apesar de termos, na altura, assumido as dívidas das regiões, colocando-as num nível aceitável para essas regiões, em pé de igualdade, a partir daí com o compromisso político dessas regiões de que iriam ter disciplina orçamental, o que os números indicam é tão somente isto (e refiro só os anos de 2000 a 2006): em 2000, a dívida dos Açores era de 261 milhões de euros; em 2006, é de 275 milhões de euros, ou seja, aumentou 14 milhões em seis anos. A dívida da Madeira, que, em 2000, era de 414 milhões de euros, é, em 2006, de 703 milhões, isto é, aumentou a sua dívida em 290 milhões
Aplausos do PS.
Vozes do PS: — Uma vergonha!
O Orador: — A dívida dos Açores aumentou a menos de 1% ao ano e a da Madeira aumentou em mais de 10% ao ano, ao longo destes últimos seis anos.
Vozes do PS: — Uma vergonha!
O Orador: — Por isso, a proposta que aqui apresentamos, Sr.as e Srs. Deputados, é uma proposta que respeita a autonomia mas exige estabilidade, solidariedade e responsabilidade por parte dos governos regionais.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Orador: — E é uma proposta que, para além de exigir essa solidariedade e estabilidade, procura também repor justiça e equidade. Recusamo-nos a tratar de forma idêntica realidades muito diferentes. Não me venham dizer que se está a querer prejudicar os habitantes da Madeira. Não, Srs. Deputados, as realidades são diferentes e não podemos tratar de forma idêntica uma região que tem o seu PIB per capita 20% acima da média nacional, ao passo que há uma outra região que representa somente 80% desse mesmo PIB per capita nacional. Não podemos tratar essas duas realidades de forma idêntica!
O Sr. Alberto Martins (PS): — Muito bem!
Protestos da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.
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O Orador: — Temos uma região mais próxima só com duas ilhas, com população, com residentes, e temos uma outra realidade mais afastada do continente com 9 ilhas habitadas. São realidades muito diferentes e não podemos ignorar isso na forma como manifestamos a nossa solidariedade para com estas regiões.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Orador: — Ora, não é tratar mal seja quem for. Seria tratar mal todos os portugueses, e também os portugueses do continente menos favorecidos, dar mais a quem tem 20% do seu PIB per capita acima da média nacional.
Aplausos do PS.
Mas introduzimos estas correcções, Sr.as e Srs. Deputados, com um elevado sentido de razoabilidade e de bom-senso. Dialogamos com as regiões, falamos com as regiões, ouvimos as regiões, contudo, dialogar não é ceder naquilo que achamos que é fundamental.
Protestos do PSD.
E, tratando-se de justiça e de equidade, não cedemos. Por isso, temos aqui a nossa proposta.
Mas devo dizer-lhes que desse diálogo nasceu também um sentido de razoabilidade e de bom-senso, como referi. E, por isso mesmo, tendo consciência das dificuldades que acarretaria, em particular para a Região Autónoma da Madeira, uma aplicação brusca e imediata dos recentes critérios desta nova lei, definimos um período de transição ao longo do qual procuramos atenuar o impacto financeiro,…
Protestos do PSD.
… garantindo condições financeiras à Madeira para prosseguir as suas políticas.
O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Caridade!
O Orador: — Assim, é com grande sentido de responsabilidade que levamos a cabo as nossas propostas.
Aplausos do PS.
E termino, Srs. Deputados, subscrevendo grande parte das considerações do Sr. Deputado Ricardo Rodrigues quanto à questão da constitucionalidade desta proposta.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Uma área de que ele percebe muito!
O Orador: — Gostaria de referir que o Governo teve o cuidado de ouvir dois reputados constitucionalistas nesta matéria, o Prof. Jorge Miranda e o Prof. Gomes Canotilho, e os seus pareceres não nos deixam dúvidas quanto à constitucionalidade desta proposta.
Lamento que o Sr. Deputado António Filipe tenha citado o Prof. Gomes Canotilho não referindo as suas conclusões quanto à constitucionalidade dessa lei e quanto à conformidade do estatuto político-administrativo da região com a nossa Constituição.
O Sr. António Filipe (PCP): — Citei o manual, aquilo que ele ensina aos alunos!
O Orador: — Recordo aos Srs. Deputados que se há alguma lei de valor reforçado essa lei é, sem dúvida, a Constituição da República Portuguesa.
Vozes do PS: — Muito bem!
Protestos da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.
O Orador: — E a nossa lei fundamental diz, no seu artigo 164.º, na alínea t), que é reserva absoluta da competência desta Assembleia o regime de finanças das regiões autónomas.
Vozes do PS: — Bem lembrado!
O Orador: — Repito: reserva absoluta! E o artigo 229.º, n.º 3, dessa mesma Constituição estabelece que as relações financeiras entre a República e a regiões autónomas são reguladas através da lei prevista nesta alínea t).
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O Sr. António Filipe (PCP): — Isso não está em causa!
O Orador: — E mais: o artigo 227.º da Constituição, ao falar sobre os poderes das regiões autónomas, diz que lhes compete legislar, no âmbito regional, em matérias do seu respectivo estatuto político-administrativo que não estejam reservadas a outros órgão de soberania.
O Sr. António Filipe (PCP): — Os senhores não querem é legislar!
O Orador: — Ora, o que a lei diz é que a matéria de regime financeiro é reserva absoluta desta Assembleia. É isto que diz a Constituição, é este o meu entendimento. Mas esta minha opinião vale tanto como às outras — reconheço. Porém, o País tem órgãos que devem pronunciar-se sobre isto…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Disso não tenha dúvidas!
O Orador: — … e esperemos com tranquilidade aquilo que o Tribunal Constitucional dirá quanto a esta matéria.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, vamos passar ao período regimental de votações, no qual será votado este diploma, na generalidade.
Antes disso, vamos proceder à verificação do quórum de votação.
Pedia aos Srs. Deputados o favor de ocuparem os seus lugares, para introduzirem os seus cartões electrónicos. Os Srs. Deputados que tiverem dificuldades já sabem que devem sinalizar à Mesa e também, depois, assinar presencialmente, para que não haja lugar a marcação de falta.
Pausa.
Srs. Deputados, o quadro electrónico regista 202 presenças e há mais duas registadas pessoalmente. Há, portanto, 204 presenças, pelo que temos quórum para proceder às votações.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 97/X — Aprova a Lei de Finanças das Regiões Autónomas, revogando a Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, votos contra do PSD, do PCP, do BE e de Os Verdes e a abstenção do CDS-PP.
A proposta de lei baixa à 5.ª Comissão.
O Sr. Maximiano Martins (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Maximiano Martins (PS): — Sr. Presidente, queria referir que, conjuntamente com alguns colegas, apresentarei uma declaração de voto.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Mas tem de ser mesmo boa!
O Sr. Presidente: — Assim será registado, Sr. Deputado Maximiano Martins.
Srs. Deputados, vamos passar ao segundo ponto da nossa ordem do dia, que é a apreciação do projecto de resolução n.º 159/X — Propõe a realização de um referendo nacional sobre as questões da procriação medicamente assistida (Comissão de Saúde). Cada grupo parlamentar tem 5 minutos para se pronunciar sobre o mesmo.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.
A Sr.ª Maria de Belém de Roseira (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apreciamos hoje o texto relativo ao pedido de realização de um referendo sobre a procriação medicamente assistida, que foi apresentado por um grupo de cidadãos.
Esse projecto de resolução foi apreciado na Comissão de Saúde e foi objecto de um relatório. A Comissão entendeu, sobre esse projecto e esse relatório, votar no sentido de que seria em Plenário que se decidiria o sentido de voto de cada um dos partidos.
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No que tem que ver com o Partido Socialista — e tendo eu tido o honroso encargo de coordenar o grupo de trabalho que elaborou, na sessão legislativa anterior, o projecto de lei de consenso relativo à procriação medicamente assistida e que foi aprovado neste Plenário nessa mesma sessão legislativa —, consideramos que essa matéria deveria ser objecto de legislação, e foi-o bem nessa sessão legislativa anterior, pelo que, em nosso entender, não carece de ser submetida a referendo.
Quero recordar que a preparação de legislação sobre procriação medicamente assistida (PMA) e sobre as técnicas inovadoras no domínio da procriação começou a ser tratada, neste País, através da criação de um grupo de trabalho específico, em 1986.
Foram sucessivas as tentativas de legislar sobre esta matéria e, por vicissitudes, as mais variadas, quer pela decisão de veto presidencial, em 1998, quer por sucessivas dissoluções do Parlamento ou por dificuldades de agendamento desta matéria, só na sessão legislativa anterior foi possível iniciar e concluir um processo que todos nós, os vários grupos parlamentares, consideramos ter sido desenvolvido com profundidade, com muita abertura e com a audição dos sectores mais representativos da sociedade que entenderam emitir opinião sobre este problema.
Descrevendo sucintamente esse processo, direi que foi realizada uma audição pública, nos primeiros dias de Janeiro de 2005, audição essa que decorreu durante cerca de um dia e meio, nesta Assembleia.
Posteriormente, a Comissão de Saúde criou um grupo de trabalho para tratar especificamente desta matéria, integrado, como é evidente, por todos os grupos parlamentares com assento na Comissão de Saúde e presidido por mim própria.
Nesse contexto, procedeu-se à audição de todas as entidades que não haviam tido a oportunidade de se pronunciar, através de intervenções escritas, naquela audição pública, audições estas que abrangeram mais de duas dezenas de entidades. Ouvimos não só peritos mas também representantes institucionais, desde pessoas que integram o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida até às várias ordens profissionais, bem como as associações de doentes, uma vez que, como todos sabemos, alguns dos problemas que hoje se colocam e que são relativamente sensíveis a este tipo de legislação passam pela adopção ou não da possibilidade, no texto legal, da investigação com células estaminais embrionárias. Este campo foi aberto e tem sido muito sustentado pelas associações de doentes, não só as de doentes diabéticos mas também as de doentes da área neurodegenerativa, precisamente por causa do enorme potencial que se pensa existir nas linhas de investigação com células estaminais, quer nas adultas, quer nas embrionárias, tendo em conta a evolução da ciência.
Um outro aspecto sensível que se suscitou teve a ver com a questão do acesso a estas técnicas, que estava decidido em alguns dos projectos apresentados e não estava noutro. A solução de consenso a que se chegou foi para uma restrição do acesso a estas técnicas, entendidas como técnicas terapêuticas e não como formas alternativas de procriação.
Uma outra área sensível, que é a do acesso à fecundação heteróloga, foi decidida no sentido de que pudesse ter lugar na aplicação destas técnicas.
É fundamentalmente sobre estes aspectos que se continua a suscitar um amplo debate na sociedade portuguesa, que nós consideramos importante e sempre actual. E, numa área de progressivo desenvolvimento científico, é bom termos a noção de que nunca haverá palavras finais sobre esta matéria.
O Partido Socialista, na altura, expôs e fez valer as razões pelas quais sustentava as soluções contidas no texto legal e continua a sustentá-las, razão pela qual se considera que não deve haver lugar, neste momento, a um referendo sobre esta matéria, não só porque, em nossa convicção, a sua complexidade não preenche os requisitos jurídicos do referendo mas porque está colmatado um vazio jurídico que era perigoso, preocupante e inaceitável, num Estado de direito e democrático, inserido, hoje em dia, numa comunidade científica internacional, na qual Portugal também quer participar e relativamente à qual coloca enormes esperanças.
Não somos pela proibição ilimitada, somos pela regulação sustentada na ética e na preocupação relativa às questões sociais e jurídicas que esta matéria suscita e consideramos que o texto legislativo que hoje vigora entre nós, mercê da promulgação que o Sr. Presidente da República entendeu conferir-lhe, regula adequadamente esta matéria.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Andrade Miranda.
O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A regulamentação do exercício das técnicas de procriação medicamente assistida há muito que se impunha.
A permanente evolução dessas técnicas, o aumento da taxa de infertilidade conjugal, a multiplicação das instituições em que a PMA se pratica e o avolumar das questões éticas implicadas tornavam ainda mais premente a necessidade de tutela legal.
Era imperioso que o legislador introduzisse na ordem jurídica nacional um controlo ético sobre as aventuras científicas que se vinham praticando.
A Sr.ª Zita Seabra (PSD): — Muito bem!
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O Orador: — Desde a primeira hora que o PSD assumiu, com toda a clareza, esta premência legislativa.
Desde cedo que o PSD deu sinais claros de que participaria muito activamente na elaboração dessa lei e que não delegaria a sua responsabilidade no controlo político da sua criação, necessariamente, à luz dos critérios axiológico-normativos por que se rege.
Assim, chegada a hora, o PSD apresentou nesta Assembleia a sua própria iniciativa, o projecto de lei n.º 176/X. Participou activa e empenhadamente em todos as iniciativas preparatórias da discussão desta lei.
Empenhou-se em diminuir, tanto quanto lhe foi possível, a extensão dos danos éticos e civilizacionais que, necessariamente, adviriam da adopção das soluções defendidas pela extrema-esquerda parlamentar. Por isso, este grupo parlamentar honra-se das vitórias alcançadas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Posto isto, Sr.as e Srs. Deputados, importa notar que o princípio da representatividade constitui uma das pedras basilares do nosso sistema democrático.
O referendo, por seu lado, como votação popular directa sobre determinada questão política, só é admitido pela Constituição em termos que não ponham em causa aquele princípio.
O referendo mantém uma posição subordinada e secundária face ao órgão representativo, por excelência, que é a Assembleia da República. Só em situações políticas excepcionais é que se justifica chamar directamente os cidadãos a condicionar determinado processo legislativo.
Ora, desde o início que o PSD deixou claro que não se demitiria da iniciativa legislativa nesta matéria, que não delegaria a sua responsabilidade política, que entendia que não se justificava uma consulta directa aos portugueses, que era a esta Assembleia da República que competia, em exclusivo, legislar sobre a procriação medicamente assistida. E é exactamente este o entendimento que mantém hoje.
Mas, apesar da clareza com que esta posição foi, desde cedo, por nós assumida, nada autorizava a abafar a voz daqueles que entendiam que a matéria deveria ser submetida a referendo.
A petição para um referendo de iniciativa popular sobre as questões da procriação medicamente assistida, subscrita por quase 80 000 portugueses, constituiu um acto político tão raro e tão valioso que nos mereceu profunda vénia e respeito.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Foi responsável por um movimento de reflexão nacional e por um debate público que, até à sua entrada na Assembleia da República, se prolongou por muitos meses. O impacto desse debate foi directamente sentido e recebido nesta Assembleia.
Perante tal força política, só os representantes de todos os portugueses, reunidos em sessão plenária da Assembleia da República, é que estariam legitimamente investidos para apreciar e votar aquela petição popular.
A Sr.ª Zita Seabra (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Mas, para aqui chegar hoje, muito teve o Grupo Parlamentar do PSD de trabalhar.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Até queria adiar!…
O Orador: — Sob a influência ideológica do Partido Socialista, esta Assembleia titubeou e quase caía na vergonha de escorraçar aqueles que são a razão da sua existência.
O Partido Socialista, no afã de calar esta petição, depois de ter recusado dar-lhe oportunidade para ser votada, por duas vezes, ainda a vetou.
Depois de muitos sobressaltos, de todos conhecidos, a petição foi admitida e o processo legislativo pôde, enfim, continuar. Fez-se justiça! A Constituição foi cumprida e aos peticionantes foi devolvido o direito de cidadania.
Aplausos do PSD.
Sr.as e Srs. Deputados: A Assembleia da República legislou, entretanto, sobre a PMA.
Diga-se, no entanto, em abono da verdade, que a Lei n.º 32/2006 está longe de constituir um modelo ou, sequer, de reproduzir o que o PSD havia proposto no seu projecto.
Contém este texto a permissão da inseminação artificial com sémen de terceiro, que não do marido ou daquele com quem a mulher viva em união de facto, o que representa uma tentativa falhada de os beneficiários encobrirem uma infertilidade não eliminada, representa a negação da base genética da
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paternidade e, em relação ao nascituro, priva-o da relação filial com o progenitor, desinserindo-o das suas raízes genéticas.
O anonimato, ou quase-anonimato, que lhe anda associado constitui uma flagrante violação do n.º 3 do artigo 26.º da Constituição da República, que consagra a garantia da dignidade pessoal e da identidade genética do ser humano, nomeadamente na criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias na experimentação científica.
Também não é aceitável a moldura penal escolhida, que não garante adequada prevenção geral e especial dos crimes que andam associados a esta matéria.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Quem, como nós, privilegia o respeito pela dignidade humana e o valor intrínseco não instrumental da pessoa não pode manifestar a sua adesão a esta lei.
A natureza híbrida das soluções adoptadas em torno do estatuto ético-jurídico do embrião humano desfigurou irremediavelmente esta lei. Assim, o PSD manter-se-á atento a tudo o que venha permitir corrigir estas entorses e não deixará de procurar rever as soluções jurídicas em sede parlamentar, sem necessidade, no entanto, de recorrer à consulta directa aos portugueses.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.
O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda votou favoravelmente a lei da procriação medicamente assistida, na sequência do contributo que fomos dando à sua elaboração e redacção, a partir de um projecto de lei que, na altura própria, apresentámos sobre PMA e direitos reprodutivos.
Portanto, é natural que o Bloco de Esquerda vote contra a realização deste referendo sobre as questões da procriação medicamente assistida, tal como já tinha votado contra o parecer da Comissão de Saúde, quer por razões formais quer por razões substanciais, e isto sem sentirmos a necessidade de voltar à discussão sobre todo o processo que conduziu à admissão da petição que esteve na origem deste projecto de resolução, sobre o qual expressámos, na altura própria, as nossas reservas e discordâncias.
O referendo que nos é proposto é sobre a PMA, mas na realidade visa inviabilizar a PMA, impedir o acesso às técnicas que a PMA hoje permite, como resulta claramente da combinação das duas primeiras perguntas.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Exactamente!
O Orador: — O sucesso deste referendo seria o insucesso e a frustração de muitos milhares de casais no seu esforço para vencer a infertilidade e alcançar a procurada felicidade de ser mãe e de ser pai.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!
O Orador: — Não é legítimo, é mesmo moralmente reprovável, impedir a realização das expectativas pessoais de tantos seres humanos quando os avanços da ciência e da técnica permitem abrir-lhes uma janela de oportunidade e de esperança nas suas vidas.
Esta Assembleia aprovou, há pouco mais de três meses, uma lei sobre a PMA. É uma lei que surge com duas décadas de atraso. O referendo que nos é proposto, a realizar-se, traduzir-se-ia em novo adiamento e em novos atrasos que os portugueses não compreenderiam que esta Assembleia viesse a permitir três meses depois de aprovada a própria lei.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Muito bem!
O Orador: — O referendo que nos é proposto inclui três perguntas e todas elas contrariam o que a lei do referendo determina quanto à sua formulação: à primeira falta objectividade, clareza e precisão; a segunda sugere o sentido da resposta e a terceira radica numa evidente falsidade, na exacta medida em que a lei aprovada por esta Assembleia não autoriza a maternidade de substituição, ao contrário, proíbe-a e sanciona-a.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — É uma mentira!
O Orador: — Nos termos que nos são propostos, este referendo não pode ser aprovado – não pode e não deve! O problema da infertilidade e o recurso às técnicas da PMA são matérias extremamente complexas. É uma problemática que deve manter-se no terreno da objectividade e da racionalidade científicas, sem cair na vulgarização, no preconceito ou na crendice, para onde a realização deste referendo inevitavelmente deslocaria o debate.
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Por último, mas não menos importante, esta proposta de referendo é uma criação politicamente assistida pela direita mais conservadora, que teima em mergulhar a sociedade portuguesa nas trevas da ignorância e das falsas certezas.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!
O Orador: — Uma direita que instrumentaliza o direito à vida e o contrapõe à vida com direitos; uma direita que manipula a vida humana e a opõe à pessoa humana; uma direita que prefere o atraso ao progresso; uma direita que estacionou e vive no passado.
Se fosse vivo e tivesse sido português, o inquisidor Torquemada estava bem entre os mandatários desta petição.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.
O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deu entrada na Assembleia da República uma petição, com mais de 68 000 assinaturas recolhidas, a exigir um referendo sobre uma lei já aprovada pelo Parlamento. Faz-nos lembrar a situação do referendo sobre o aborto, só que aí, infelizmente, a intenção referendária levou a sua avante, conseguindo a manutenção criminosa da lei penal, que tanto penaliza as mulheres portugueses, condenando-as à marginalidade, à vergonha, ao ultraje, à mutilação e à morte.
Neste caso, a intenção de realizar o referendo veio mais tarde, tendo sido entregue no momento em que o processo legislativo já estava praticamente concluído, pelo que, inexistindo projecto de lei pendente sobre o qual pudesse exigir o referendo, caiu-se num processo pouco comum — salvo o devido respeito por doutas opiniões contrárias ou as boas intenções respeitáveis — de chamar os peticionantes a corrigir a sua proposta a fim de que esta não se perdesse, o que nos levanta sérias reservas.
Contudo, Os Verdes querem afirmar aqui que tiveram ocasião de defender a premente necessidade de legislar sobre esta matéria aquando da sua discussão e votação, que apoiámos, apesar de termos lamentado, na altura, que faltasse a coragem de não ceder a concessões retrógradas e unívocas do modelo familiar tradicional, não reconhecendo a legitimidade da diversidade de modelos familiares hoje existentes na nossa sociedade e que a mesma já sanciona, com toda a legitimidade, e cujos cidadãos não deveriam ter sido excluídos do acesso às técnicas de procriação medicamente assistida.
Sr. Presidente, era isso mesmo que estava em causa com a aprovação, no dia 25 de Maio deste ano, da actual lei — a consagração de um direito de acesso a técnicas que o conhecimento científico disponibilizou à humanidade e que por mera falta de legislação e de regulamentação, aliás, em desrespeito pela imposição constitucional, estava arredado das portuguesas e dos portugueses que dela podiam e deviam beneficiar para combater o drama que constitui o problema da infertilidade, problema de saúde de proporções crescentes e cada vez mais preocupantes.
Depois de um processo moroso, ponderado e para o qual concorreu uma alargada audição de múltiplas entidades, amplamente participada, já temos a lei. Falta regulamentá-la e falta que os serviços de saúde tornem essas técnicas acessíveis a todos os que delas careçam, tornando real o que na letra da lei é apenas mera possibilidade. Nesta matéria, a acessibilidade parece-nos fundamental. É fundamental que este direito não dependa das condições económicas daquelas que dele necessitam. Esta é, aliás, uma matéria susceptível, pela sua própria natureza, de suscitar polémica, de agitar consciências, de levantar temores e receios que, embora compreensíveis e respeitáveis, não devem servir para atrasar a entrada em vigor de um regime que faz falta e que já vem com atraso.
Finalmente, as questões em concreto que os peticionantes pretendem alterar, como se depreende das três perguntas formuladas propostas para referendo, são questões que, independentemente das diferentes posições assumidas por várias entidades e dentro dos vários grupos parlamentares, nos parecem revestir, pela sua natureza técnica, uma extrema complexidade e que dificilmente subsumirão o regime legal do referendo, onde se reduzem a uma mera questão de resposta «sim» ou «não».
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É verdade!
O Orador: — Por outro lado, a própria natureza especial do referendo, que não deve ser banalizado, aponta também para a indesejabilidade de submeter esta questão a referendo, razão pela qual não somos favoráveis à aprovação do presente projecto de resolução.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares, para uma intervenção.
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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República aprovou uma lei sobre procriação medicamente assistida e em boa hora o fez. É uma lei progressista e que permite avanços no tratamento da infertilidade e na investigação científica, criando um quadro legal que há muito faltava no nosso país e cuja falta era sentida por investigadores, por profissionais de saúde e por muitas pessoas interessadas nesta matéria.
Não estamos de acordo com a realização de um referendo sobre esta matéria porque se trata de um problema de saúde pública, de direitos fundamentais no acesso a esta saúde e em que, portanto, a Assembleia da República tem, e deve ter, a legitimidade e a competência para produzir legislação que a enquadre. É preciso salientar que estes são os mesmos argumentos que se aplicariam também à questão da interrupção voluntária da gravidez, mas, infelizmente, nessa matéria o PS não teve a mesma posição.
A infertilidade é um problema de saúde que afecta 300 000 casais no nosso país e que deve ser considerado como fonte de sofrimento, como fonte de problemas de saúde e de complicações na vida das famílias e das pessoas.
Esta lei versa também sobre a possibilidade de abrir um campo essencial para a investigação científica, designadamente em relação às células estaminais, que poderão permitir encontrar soluções e tratamentos para doenças que causam grande sofrimento humano a muitas pessoas, e também a muitos portugueses.
É importante que no prosseguimento deste debate se lute contra as confusões que alguns pretendem fomentar a propósito de certos aspectos desta lei. É que alguns pretendem confundir a clonagem terapêutica de algumas células com a clonagem reprodutiva, sendo que a nossa lei proíbe, e bem, a clonagem reprodutiva, mas também sabe distinguir, na criminalização apenas da implantação do útero, aquilo que é a clonagem terapêutica, permitindo-a e permitindo que ela seja utilizada para a investigação científica, o que é uma matéria imprescindível nos tempos que correm.
E é também é preciso dizer que, ao contrário do que alguns procuram, pretendo criar a confusão, não é clonagem a transferência para o útero de um embrião com transferência do núcleo, caso em que o embrião, aliás, tem os genes do pai e da mãe e que, portanto, não pode ser confundido com um processo de clonagem.
O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Muito bem!
O Orador: — Quanto à matéria processual, esta é uma proposta evidentemente fora de tempo, cuja entrega na Assembleia da República foi apressada, como bem nos deu nota, na altura, o Sr. Presidente, porque os proponentes descobriram que o processo legislativo, que, aliás, foi longuíssimo, estava prestes a concluir-se, tendo os principais subscritores vindo «a correr», entretanto, apresentar esta proposta.
Não concordámos, na altura, com a decisão de admissão que o Sr. Presidente proferiu nesta matéria – e já discutimos no tempo próprio essa divergência –, pois essa decisão permitiu que os subscritores adaptassem a iniciativa que tinham feito de referendar uma iniciativa legislativa que tinha estado em discussão na Assembleia da República mas que, entretanto, já tinha sido aprovada em votação final global, propondo, eles próprios, as normas legislativas sobre as quais deveria incidir o referendo.
Mas é justo perguntar se as pessoas que subscreveram esta iniciativa o fizeram para referendar uma iniciativa que então estava na Assembleia ou se o fizeram para referendar uma coisa que foi depois acrescentada e que, quando foi da subscrição, não estava presente naquilo que era proposto às pessoas que, no seu legítimo direito, a subscrevam.
Há, portanto, aqui uma dissonância, que não foi explicada e que é ignorada por alguns mas que existe na realidade, e nem é de excluir que algum dos subscritores desta iniciativa pudesse não estar de acordo com a nova iniciativa, tendo dado a sua assinatura àquela que originariamente versava sobre o que tinha estado em discussão na Assembleia da República.
Resumindo, é uma iniciativa que está fora do tempo regimental e, evidentemente, fora do tempo político, porque o tempo político é de regular, permitindo a investigação científica, permitindo o quadro de acesso ao tratamento da infertilidade a que tantos casais, tantas famílias e tantos portugueses individualmente considerados anseiam poder ter direito e que temos obrigação de lhes poder dar.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, permita-me que comece por tentar explicar um bocadinho o que é que este debate não é.
Este debate não é sobre a posição de cada um dos grupos parlamentares quanto à Lei da Procriação Medicamente Assistida.
Vozes do CDS-PP: — Exactamente!
O Orador: — Esse debate já foi aqui feito e essa lei já foi votada.
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Este debate também não é a obstaculização à existência de uma lei que regule a procriação medicamente assistida. Se calhar, alguns de nós preferiam que a lei fosse diferente, mas a lei está em vigor e a convocação deste referendo não afecta a lei que está em vigor.
Este debate não é, ainda, sobre a oportunidade política da convocação do referendo. Não é a Assembleia da República que procede à convocação do referendo. Essa competência é constitucionalmente atribuída ao Presidente da República. A Assembleia da República tem, quanto ao referendo, a capacidade de iniciativa.
Também se diga, verdadeiramente, que penso que este debate não é para saber se as perguntas deviam estar melhor formuladas. As perguntas não foram apresentadas por nenhum grupo parlamentar, mas por cidadãos, e sobre elas terá de se pronunciar o Tribunal Constitucional, obrigatoriamente, nos termos da lei do referendo.
Este debate também não é uma clivagem ou uma divergência entre a democracia representativa e a democracia participativa.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!
O Orador: — Aliás, não se percebe como é que alguns fazem aqui umas hossanas e privilegiam — se calhar, bem — a apresentação de iniciativas legislativas por parte, por exemplo, da Ordem dos Arquitectos, que já aqui discutimos, mas depois, quando a iniciativa popular é sobre um referendo que não lhes agrada, a palavra dos cidadãos já não interessa.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Orador: — A questão que está a ser hoje discutida é a de saber se os portugueses devem, ou não, ser chamados a pronunciar-se sobre três aspectos concretos do regime jurídico sobre a procriação medicamente assistida — e sobre isto, Sr. Presidente, não posso deixar de lembrar que estamos a realizar este debate contra a vontade do Partido Socialista e da esquerda parlamentar.
A verdade é que, quando esta iniciativa popular de referendo deu entrada no Parlamento, subscrita por quase 80 000 portugueses, propusemos que a votação da Lei da Procriação Medicamente Assistida fosse adiada por uma semana para que se pudesse fazer este debate a tempo. Curiosamente, é quem recusou, na altura, esse pedido que hoje vem dizer que o debate que estamos a realizar é um debate serôdio, é um debate que está fora de tempo.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Está fora de tempo, está!
O Orador: — Permitam-me que lhes diga que esses Srs. Deputados não têm legitimidade para o dizer, porque, nesse caso, deviam ter viabilizado, na altura, quem queria fazer o debate desta lei.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Não, eles é que deviam ter entregue mais cedo!
O Orador: — A verdade, Sr. Presidente, é que a 26 de Maio, no dia logo a seguir à entrada desta iniciativa popular, o Partido Socialista fez aprovar um parecer na Comissão de Saúde que dizia que surgiram dúvidas quanto à admissibilidade desta proposta. O PS votou a favor; o CDS-PP votou contra. O Partido Socialista fez aprovar, na 1.ª Comissão, um parecer que dizia que «a iniciativa popular de referendo viola a lei, cabendo ao Sr. Presidente da Assembleia da República dar cumprimento ao disposto na Lei Orgânica do Regime do Referendo, não a admitindo». O PS votou a favor; o CDS-PP votou contra. No dia 27 de Junho, a maioria do PS aprovou um parecer em que se dizia que a iniciativa popular violava o disposto na lei e não devia ser admitida. Mas mesmo assim, contra a vontade do PS, hoje aqui estamos.
Penso, Sr. Presidente, que este elogio é merecido. É justo reconhecer o papel que o Presidente da Assembleia da República desempenhou e o trabalho que teve, porque, se não fosse ele, se calhar, este debate não estaria a acontecer.
Aplausos do CDS-PP.
Este debate versa sobre o respeito que a Câmara tem de ter pelos portugueses, pelos cidadãos que, legitimamente, a nós se dirigem. Penso que é o respeito pelo próprio Parlamento que está aqui, hoje, também em debate.
Queria dizer, com muita frontalidade, que não entendo o argumento de quem diz que esta questão é muito delicada e que, como tal, os portugueses não estão preparados para sobre ela se pronunciarem. Peço desculpa, mas esse é o argumento de quem, sistematicamente, é contra a instituição do referendo, seja sobre que matéria for. E também não aceito o argumento de quem diz que os portugueses não se querem
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pronunciar sobre esta matéria, quando, curiosamente, estamos a falar da primeira vez que, na nossa história constitucional, quase 80 000 portugueses se dirigem ao Parlamento, pedindo que tome a iniciativa de enviar ao Sr. Presidente da República uma convocação de um referendo.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não é a primeira vez!
O Orador: — É a primeira vez que há um pedido de iniciativa popular de um referendo.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — É falso!
O Orador: — Nunca houve outro, nestas condições.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Nem isso é verdade!
O Orador: — Reafirmo, aqui, o que há pouco dizia, Sr. Presidente. A convocação deste referendo não põe em causa a existência de uma lei que regule a procriação medicamente assistida. A Assembleia devia dar a possibilidade às portuguesas e aos portugueses de se pronunciarem sobre aspectos concretos, polémicos e não consensuais deste regime. E convenhamos que estes aspectos são, de facto, muito pouco consensuais e polémicos — reconhece-o o próprio Sr. Presidente da República na mensagem fundamentada que enviou à Assembleia da República, quando promulgou a lei.
Compreendo que esta matéria mexe com o plano da ética, com a ideia que cada um dos portugueses tem da sociedade, com o âmbito axiológico-jurídico, porque é complexa. Mas será que não é verdadeiramente em nome dessa complexidade que os portugueses se devem poder pronunciar? Não é exactamente por estarmos a falar de valores jurídicos e, acima de tudo, de valores de convivência social que esta decisão seria muito mais legítima se fosse tomada em referendo? Pelos vistos, a única bancada que considera que isto devia acontecer é a bancada do CDS-PP.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!
O Orador: — Pelos vistos, a única bancada que apoia a convocação deste referendo é a bancada do CDSPP. Não me importo. Penso que, quando estamos com a razão, estaremos sempre bem acompanhados.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, vamos passar ao último ponto da ordem do dia, que é a apreciação do projecto de resolução n.º 158/X — Constituição de uma Comissão Eventual para a Política Energética (PSD).
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Almeida.
O Sr. Miguel Almeida (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As questões energéticas e, designadamente, as opções estratégicas em termos nacionais e internacionais atingiram, nos nossos dias, muito em função da ascendência contínua dos preços do crude nos mercados e das restrições decorrentes das alterações climáticas, uma acuidade e uma relevância redobradas.
As opções estratégicas que Portugal adoptar para o sector são decisivas para o futuro económico e ambiental do País.
À semelhança da Comissão Europeia, que lançou o Livro Verde sobre a Estratégia Europeia para uma Energia Sustentável, Competitiva e Segura, também Portugal deve definir o seu plano de acção para as próximas décadas, sendo urgente prosseguir com um debate nacional, do qual a Assembleia da República não se pode nem deve excluir.
Nunca, como agora, a chamada sociedade civil sentiu tanto a necessidade de debater este tema. São vários os caminhos que podem ser trilhados, são várias as opções que podem ser tomadas. Mas o que ninguém perceberá é que, numa matéria que todos reconhecem que hoje, mais do que nunca, marca a agenda política e económica do mundo inteiro, se debata e se decida sem a participação do Parlamento.
Foi por esse motivo que o Grupo Parlamentar do PSD apresentou esta proposta de resolução.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Portugal tem pela frente um desafio enorme, do qual depende o futuro da sua economia. O mundo mudou. Os combustíveis fósseis que, há poucas décadas, pareciam ser um bem infinito, percebe-se agora que «depois de amanhã» se esgotarão.
Temos de caminhar rápido e com passos seguros. Temos de assegurar a segurança do abastecimento nacional, partindo da assumpção de que Portugal importa cerca de 85% da energia que consome — ou seja, o equivalente a 4000 milhões de euros/ano de importações — e tem um dos piores níveis de eficiência dos 15 Estados-membros da União Europeia na utilização da energia, com evidentes reflexos negativos na competitividade da economia, por via de uma maior incorporação relativa dos custos energéticos por unidade de PIB.
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Urge reduzir a dependência externa de energia primária, basicamente através da promoção dos aproveitamentos hidroeléctricos, do incentivo às energias renováveis e aos biocombustíveis e da actuação no lado da procura energética, promovendo a utilização racional da energia, onde existe um potencial de poupança de 60%.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Subscrevemos o Protocolo de Quioto e temos de implementar os mecanismos para concretizá-lo.
O compromisso firmado no quadro do Protocolo de Quioto sobre as alterações climáticas de, até 2012, não aumentar as emissões de gases com efeito de estufa para além de 27%, relativamente a 1990, já se sabe que não vai ser possível cumprir. De acordo com projecções apresentadas em Fevereiro deste ano pela Agência Europeia do Ambiente, Portugal deverá vir a atingir um nível de acréscimo de emissões de 42,2%, índice este que, multiplicadas as correspondentes toneladas pelos valores que têm vindo a ser praticados no mercado de emissões, colocará o nosso país no constrangimento de ter de pagar anualmente várias centenas de milhões de euros para poder continuar a produzir.
Em 2005, o Governo aprovou uma Estratégia Nacional para a Energia, que mantém, no essencial, o aprovado já em 2003 e que merece, nas suas grandes linhas, total apoio, mas que traça vastos e ambiciosos objectivos que merecem, mais do que o consenso, a força política que este Parlamento pode emprestar a algumas das corajosas decisões que têm de ser tomadas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Por tudo isto, parece-nos evidente a necessidade de envolver o Parlamento neste debate.
Aliás, já foi aprovado, em sede de Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional, a realização de um colóquio intitulado «Energia 2020 — Metas e Políticas», que deverá servir como ponto de partida para o trabalho desta comissão eventual, pelo que propomos que os trabalhos desta comissão, a ser aprovada, se iniciem imediatamente a seguir à realização do referido colóquio.
Para terminar, permita-me, Sr. Presidente, que, com a devida vénia, use uma citação de V. Ex.ª no encerramento do colóquio sobre as alterações climáticas: «O nosso intuito e o nosso objectivo é o de colocar a Assembleia da República na agenda da discussão não apenas da rotina política mas também dos grandes temas nacionais».
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Afonso Candal.
O Sr. Afonso Candal (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta é, de facto, uma matéria importante e relevante, no presente, e toda a informação que há, relativamente ao futuro, vem no sentido do reforço e do aumento da sua importância e relevância.
Muitos debates estão a ser promovidos em torno desta matéria e deste tema, a Assembleia da República, como já foi referido pelo Sr. Deputado Miguel Almeida, tem também previstas iniciativas no âmbito da Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional, mas este é um tema que exige aprofundamentos.
Daí que esta comissão eventual para a política energética, cuja constituição é proposta neste projecto de resolução, possa desempenhar aqui um importante papel no aprofundamento de algumas vertentes do problema que surjam no seguimento das iniciativas já previstas no âmbito da Comissão de Assuntos Económicos.
É verdade que tem havido alguns pontos de continuidade nas políticas governamentais — a Resolução do Conselho de Ministros de 2005 vem ao encontro do essencial da Resolução do Conselho de Ministros de 2003 —, mas também é verdade (e este texto omite esse facto) que há alterações noutros capítulos, nomeadamente naqueles que decorrem de estratégias de reorganização do sector que não mereceram a aprovação de Bruxelas e que obrigaram o País a revê-las.
Portanto, há diferenças, em termos estratégicos, de reorganização do sector em concreto, mas isto não impede que a preocupação e a relevância dadas ao tema sejam comuns, penso, a todos os partidos com assento nesta Câmara, independentemente das soluções que preconizem.
É fundamental que a Assembleia promova e aprofunde este debate, para que ele chegue também a todos os cidadãos portugueses, porque também eles vão ser chamados a fazer algum esforço no futuro e a, de alguma forma, alterar comportamentos, seja em que sentido for, mas com a inevitabilidade de que os comportamentos que temos hoje não serão sustentáveis durante muito tempo no quadro que conhecemos.
Assim sendo, e considerando que a proposta apresentada pretende fazer o aprofundamento e o seguimento das iniciativas já previstas, o que apontará para o final do primeiro trimestre do próximo ano a
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constituição em concreto e a entrada em funcionamento desta comissão, a sua criação merece o apoio da bancada do PS.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.
O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a iniciativa do Grupo Parlamentar do PSD começa por nos suscitar a seguinte reflexão: o que imperiosamente se impunha em matéria de política energética era a criação da comissão de inquérito parlamentar, como a que o Grupo Parlamentar do PCP propôs e a Assembleia da República rejeitou, em 27 de Janeiro passado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP.
Os factos subsequentes à nossa iniciativa, nomeadamente as «negociatas» em torno da privatização da Galp, da EDP e da REN e empresas de gás, as «trocas e baldrocas» em torno dos nomes dos dois principais responsáveis pela Galp, em que, salvaguardando os quadros envolvidos, o Governo acabou por ceder ao Grupo Amorim e aos italianos da Eni, a distribuição dos 870 milhões de euros, como dividendos extraordinários da receita encaixada pela Galp da venda dos activos da Transgás à REN, o escândalo do aumento das tarifas para consumidores domésticos (6%, em média) e industriais (9%, em média) por um sector electroprodutor que afixa resultados fabulosos, de milhões de euros, como aconteceu em 2005 (o Governo, de facto, não assegura lucros à EDP, mas uma «renda» aos accionistas da EDP),…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Orador: — … tudo isto, confirma e amplia os pressupostos da nossa iniciativa, com os interesses nacionais postos em causa num sector estratégico, com a promiscuidade entre interesses públicos e interesses privados, com a falta de transparência do processo, com a sistemática recusa do Governo e do Ministro da Economia em esclarecer, recusando a entrega de documentos necessários, com atropelos à legalidade do Estado de direito e a ausência de uma informação clara e completa à Assembleia da República.
O Grupo Parlamentar do PCP não está de acordo com alguns dos pressupostos apresentados pelo PSD para sustentar a sua iniciativa, pois o PSD enfatiza como positivo aquilo que consideramos negativo, a privatização das actividades de produção, transporte e distribuição de energia; louva a privatização da EDP e da Galp, privatização da EDP que está na base da situação a que estamos a assistir, a da vergonha das tarifas para consumidores domésticos; enfatiza e valoriza as políticas de liberalização do XV e XVI Governos Constitucionais, semelhantes em tudo o que é essencial, quando as experiências portuguesas e comunitárias confirmam o aspecto profundamente negativo da liberalização e privatização na área energética; aprecia positivamente os Livros Verdes da Comissão, quando estes não tocam, nem ao de leve, em questões estratégicas fundamentais como as do petróleo e dos transportes, apoiando, sim, mais e mais liberalização; e ficciona e aplaude o Mibel, como se este fosse um verdadeiro mercado de energia quando se trata de subordinar totalmente o sector energético português aos interesses dos oligopólios espanhóis e aos jogos do próprio Estado espanhol.
Não estando de acordo com parte dos pressupostos apresentados pelo PSD, o Grupo Parlamentar do PCP, ao contrário do que fez o Grupo Parlamentar do PSD aquando da votação da nossa proposta de criação de uma comissão de inquérito,…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Bem lembrado!
O Orador: — … e considerando que Portugal se encontra, de facto, em matéria de energia, numa encruzilhada vital para o seu futuro modelo de desenvolvimento, aprovará o projecto de resolução proposto, pois julga actual, pertinente e importante que a Assembleia da República possa ter uma avaliação e intervenção diferente e significativa numa questão verdadeiramente estratégica para o País como é a da energia.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Paulo Carvalho.
O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de resolução aqui apresentado pelo PSD é, de facto, pertinente e actual, acautela o futuro e, por isso, deve merecer acolhimento.
A questão da energia assume, sem dúvida, grande relevância e actualidade, desde logo, pela elevada complexidade técnica inerente às opções no âmbito da energia, mas também pela sua transversabilidade. De facto, esta questão diz respeito não só a matéria de defesa do ambiente mas também a matéria de competitividade da nossa economia e das nossas empresas.
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Por outro lado, apresentam-se também enormes desafios, desde logo, no cumprimento das obrigações emergentes do Protocolo de Quioto e das obrigações assumidas perante a União Europeia.
Por outro lado, é importante também acautelar as penalizações que são inerentes ao incumprimento destas mesmas obrigações, atendendo a que estas matérias carecem de acompanhamento constante e de mecanismos que permitam a tomada das opções políticas necessárias atempadamente.
Todos nós sabemos que o preço da energia é um dos factores muito relevantes no preço final dos produtos das nossas empresas. Não podemos ter empresas com preços mais competitivos a nível nacional e internacional se não soubermos trabalhar também nesta área dos custos da energia que essas empresas têm de suportar.
Sendo assim e porque se trata de uma questão de complexidade técnica assinalável e que impõe opções estratégicas relevantes e transversais, entendemos que é necessário um acompanhamento específico e atempado, que se impõem opções políticas estratégicas constantes, sendo, por isso, relevante a proposta apresentada pelo PSD. Portanto, o CDS acompanha esta proposta e votará favoravelmente este projecto de resolução.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.
O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Ecologista «Os Verdes» considera a questão da discussão dos modelos energéticos do nosso país extremamente importante, aliás, à semelhança dos Srs. Deputados que me antecederam.
Está em jogo a capacidade de o País produzir de uma forma sustentável e sem degradar o meio ambiente, estão em causa os problemas de ineficiência energética e o desperdício com que nos deparamos, está em causa a dependência do exterior relacionada com o petróleo e com o sector dos transportes e está em causa a questão das alterações climáticas e o Protocolo de Quioto, que assinámos e devemos respeitar.
Gostaríamos ainda de dizer que, quando se discute a questão energética, o fundamental nem sempre é discuti-la mas forma como se discute.
Por exemplo, relativamente a Quioto, lamentamos que o debate tenha incidido quase sempre, designadamente por parte do Governo, à volta do mercado de carbono, à volta da compra e venda de emissões, o que revela que os sucessivos governos andaram durante demasiado tempo literalmente «a dormir». Deixaram que a situação se agravasse a este ponto, não investiram na modernização do tecido produtivo nacional, no sentido de alterar o actual modelo de desenvolvimento, fundamentalmente assente no carbono.
Esta é que nos parece a questão que deve estar em cima da mesa na discussão da questão energética e não as questões da privatização ou não, que também são importantes por razões económicas, aliás, com malefícios profundamente devastadores para os portugueses e para a sua qualidade de vida, dado todo o modelo de desenvolvimento no qual se assentou, baseado no petróleo e no carbono, modelo esse para cujos resultados o Partido Ecologista «Os Verdes», entre outros, em sessões de ambientalistas, alertou, há muitos anos.
Por isso, não podemos concordar quando se diz que esta é uma questão nova ou que assumiu, neste momento, outra preponderância. Admitimos que tenha assumido outra visibilidade, mas esta é uma questão para a qual ecologistas de todo o mundo avisaram há muitos anos, referindo a necessidade fundamental de mudar o actual modelo de desenvolvimento, que está relacionado com o problema dos nossos estilos de vida, profundamente errados, do ordenamento do território, com problemas relacionados com a floresta e com a desertificação que afecta o nosso País, com impactos na saúde, no ambiente e na sustentabilidade dos ecossistemas de que todos dependemos.
Por isso mesmo, porque entendemos que é fundamental colocar na mesa estas questões com toda a franqueza, porque esta é uma questão acerca da qual a Assembleia da República pode fazer mais, devendo envolver-se de uma forma mais empenhada, e por considerarmos que a criação desta comissão eventual pode contribuir para esse envolvimento, votaremos a favor.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, estão terminados os nossos trabalhos de hoje.
A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, dia 15, às 10 e às 15 horas e terá como ordem do dia a votação, na especialidade, da proposta de lei n.º 97/X — Lei de Finanças das Regiões Autónomas.
Está encerrada a sessão. 
Eram 20 horas e 10 minutos. 
Srs. Deputados que entraram durante a sessão: 
Partido Socialista (PS):
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16 DE NOVEMBRO DE 2006
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José Alberto Rebelo dos Reis Lamego 
José Augusto Clemente de Carvalho 
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal 
Pedro Nuno de Oliveira Santos 
Partido Social Democrata (PSD): 
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado 
António Paulo Martins Pereira Coelho 
Carlos Jorge Martins Pereira 
Hugo José Teixeira Velosa 
Jorge José Varanda Pereira 
José Manuel de Matos Correia 
Melchior Ribeiro Pereira Moreira 
Mário Henrique de Almeida Santos David 
Pedro Augusto Cunha Pinto 
Pedro Quartin Graça Simão José 
Partido Comunista Português (PCP): 
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes 
Francisco José de Almeida Lopes 
Jerónimo Carvalho de Sousa 
Partido Popular (CDS-PP): 
Paulo Sacadura Cabral Portas 
Bloco de Esquerda (BE): 
Mariana Rosa Aiveca Ferreira 
Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais: 
Partido Socialista (PS): 
António Ramos Preto 
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida 
Júlio Francisco Miranda Calha 
Luiz Manuel Fagundes Duarte 
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz 
Vitalino José Ferreira Prova Canas 
Partido Social Democrata (PSD): 
Henrique José Praia da Rocha de Freitas 
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte 
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto 
Manuel Filipe Correia de Jesus 
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva 
Srs. Deputados que faltaram à sessão: 
Partido Socialista (PS): 
João Cardona Gomes Cravinho 
Partido Social Democrata (PSD): 
António Ribeiro Cristóvão 
Carlos Alberto Silva Gonçalves 
Carlos António Páscoa Gonçalves 
José de Almeida Cesário 
José Manuel Pereira da Costa 
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves 
Bloco de Esquerda (BE):
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Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo 
Srs. Deputados que faltaram à verificação do quórum de deliberação (n.º 29 da Resolução n.º 77/2003, de 
11 de Outubro): 
Partido Socialista (PS): 
João Barroso Soares 
Partido Social Democrata (PSD): 
Arménio dos Santos 
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes 
Luís Miguel Pais Antunes 
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho 
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL