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Quarta-feira, 20 de Dezembro de 2006 I Série — Número 29
X LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2006-2007)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 19 DE DEZEMBRO DE 2006
Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama
Secretários: Ex.mos Srs. Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Fernando Santos Pereira
SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de resolução n.os 45 e 46/X, dos projectos de lei n.os 330 a 332/X, do projecto de resolução n.º 164/X e do inquérito parlamentar n.º 2/X.
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 93/X — Aprova o regime jurídico de entrada, permanência e saída de estrangeiros do território nacional e dos projectos de lei n.os 248/X — Altera o regime de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional (Quarta alteração do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, alterado pela Lei n.º 97/99, de 26 de Julho, pelo Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10 de Janeiro, e pelo Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro) (PCP) e 257/X — Altera o Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, introduzindo mecanismos de imigração legal, de regularização dos indocumentados e de reagrupamento familiar mais justo, na defesa de uma política de direitos humanos para os imigrantes (BE).
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna (António Costa) e do Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna (José Magalhães), os Srs. Deputados Feliciano Barreiras Duarte (PSD), Cecília Honório (BE), Nuno Magalhães (CDSPP), Celeste Correia (PS), Luís Montenegro (PSD), Francisco Madeira Lopes (Os Verdes), António Filipe (PCP), Vitalino Canas (PS) e Luís Fazenda (BE).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 17 horas e 20 minutos.
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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados presentes à sessão:
Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Marques Antunes
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha Almeida Pereira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Ceia da Silva
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
Armando França Rodrigues Alves
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
David Martins
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jaime José Matos da Gama
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Bravo Nico
José Manuel Pereira Ribeiro
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Barroso Soares
João Cardona Gomes Cravinho
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel Alegre de Melo Duarte
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Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro
Manuel Luís Gomes Vaz
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos Sá Rodrigues
Marcos da Cunha e Lorena Perestrello de Vasconcellos
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria José Guerra Gambôa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maria de Lurdes Ruivo
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Renato Luís Pereira Leal
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Jorge Teixeira de Freitas
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Umberto Pereira Pacheco
Vasco Seixas Duarte Franco
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Vítor Manuel Pinheiro Pereira
Partido Social Democrata (PSD):
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Paulo Martins Pereira Coelho
António Ribeiro Cristóvão
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
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Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
José de Almeida Cesário
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pereira de Almeida
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Irene Martins Baptista Silva
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário Henrique de Almeida Santos David
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Sérgio André da Costa Vieira
Zita Maria de Seabra Roseiro
Partido Comunista Português (PCP):
Abílio Miguel Joaquim Dias Fernandes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
José Batista Mestre Soeiro
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
Miguel Tiago Crispim Rosado
Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro
José Helder do Amaral
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Paulo Sacadura Cabral Portas
Bloco de Esquerda (BE):
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Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Maria Cecília Vicente Duarte Honório
Mariana Rosa Aiveca Ferreira
Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai dar conta do expediente.
A Sr.ª Secretária (Rosa Maria Albernaz): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: propostas de resolução n.os 45/X — Aprova a Convenção sobre a Protecção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais e respectivo Anexo, adoptados pela 33.ª Sessão da Conferência Geral da UNESCO, em Paris, a 20 de Outubro de 2005, que baixou à 2.ª Comissão, e 46/X — Aprova a Convenção entre a República Portuguesa e a Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China sobre os Privilégios Fiscais Aplicáveis às suas Delegações e Membros do seu Pessoal, assinado em Lisboa em 23 de Junho de 2006, que baixou à 2.ª Comissão; projectos de lei n.os 330/X — Limita os aumentos das tarifas e preços de venda de electricidade a clientes finais (PCP), que baixou à 6.ª Comissão, 331/X — Torna obrigatória para as empresas concessionárias da distribuição de gás natural a instalação de postos públicos de abastecimento de gás natural comprimido (GNC) nas capitais de distrito das suas respectivas áreas geográficas (PCP), que baixou à 7.ª comissão, e 332/X — Revisão do Regulamento das Contrastarias (PSD), que baixou à 6.ª comissão; projecto de resolução n.º 164/X — Protocolo do Esgotamento das Reservas Mundiais de Petróleo (PCP); e o inquérito parlamentar n.º 2/X — Sobre as responsabilidades dos XV, XVI e XVII Governos Constitucionais e de organismos sob a sua tutela na utilização do território nacional, pela CIA ou por outros serviços similares estrangeiros, para o transporte aéreo e detenção ilegal de prisioneiros (PCP).
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa sobre o ponto único da ordem de trabalhos que se segue.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, vamos hoje debater uma matéria que é da maior importância e sobre a qual existem três iniciativas legislativas: uma proposta de lei e projectos de lei do PCP e do BE.
Por força da revisão do Regimento operada na fase final da última Legislatura, iremos proceder ao debate desta matéria confrontados com a situação iníqua de o PCP dispor apenas de 10 minutos e o BE de 8 minutos para intervir, dispondo o Governo e a maioria, no seu conjunto, de 60 minutos. Repito que esta situação é uma decorrência da última revisão regimental, mas creio que a discussão de hoje coloca bem em evidência a iniquidade desta disposição.
Quero, pois, anunciar que o Grupo Parlamentar do PCP irá propor uma revisão ao Regimento para que, no futuro, esta injustiça possa ser corrigida.
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Sr. Presidente: — A Mesa tomou devida nota, Sr. Deputado António Filipe.
Sr.as e Srs. Deputados, vamos então dar início aos nossos trabalhos. O período da ordem do dia de hoje tem como ponto único o debate conjunto, na generalidade, da proposta de lei 93/X — Aprova o regime jurídico de entrada, permanência e saída de estrangeiros do território nacional e dos projectos de lei n.os 248/X — Altera o regime de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional (Quarta alteração do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, alterado pela Lei n.º 97/99, de 26 de Julho, pelo DecretoLei n.º 4/2001, de 10 de Janeiro, e pelo Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro) (PCP) e 257/X — Altera o Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, introduzindo mecanismos de imigração legal, de regularização dos indocumentados e de reagrupamento familiar mais justo, na defesa de uma política de direitos humanos para os imigrantes (BE).
O Sr. José Junqueiro (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra.
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O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. José Junqueiro (PS): — É também para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Junqueiro (PS): — Sr. Presidente, quero apenas referir que este debate foi agendado na Conferência de Líderes e que, nessa altura, o representante do PCP não levantou qualquer problema.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, também para uma interpelação à Mesa, o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, para encerrar rapidamente este assunto, quero dizer que, desde a anterior Legislatura, o PCP tem colocado muitas vezes o problema na Conferência de Líderes.
O Sr. José Junqueiro (PS): — Nessa Conferência de Líderes não colocou!
O Orador: — Esta situação tem-se repetido sucessivamente nos nossos agendamentos. Não deixaremos de chamar à atenção para ela sempre que entendermos necessário.
Hoje o problema é especialmente grave porque a proposta de lei, que beneficia dos tais 60 minutos entre Governo e maioria, foi a última iniciativa a dar entrada.
O Sr. José Junqueiro (PS): — Esse problema não foi levantado!
O Orador: — Portanto, não se verifica a justificação que foi dada para esta forte limitação dos tempos para o contraditório das várias propostas, que era a de os partidos da oposição irem a correr apresentar iniciativas para verem o seu tempo majorado.
Neste caso, quem apresentou, no final, legitimamente, uma iniciativa foi o Governo. E o que acontece é que o Governo tem o tempo máximo, o PS tem o tempo máximo e os primeiros proponentes, o PCP e o BE, têm um tempo mínimo!
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.
O Sr. José Junqueiro (PS): — Sr. Presidente, quero apenas voltar a referir — e sublinhar — que esta intervenção do Sr. Deputado Bernardino Soares não teve lugar em Conferência de Líderes.
Protestos do Deputado do PCP Bernardino Soares.
O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, vamos cumprir a nossa ordem do dia, com acatamento e observância do Regimento, que, aliás, ninguém põe em causa.
Para iniciar o nosso debate de hoje tem, então, a palavra o Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna.
O Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna (António Costa): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs.
Deputados: A transformação da Europa, em geral, e de Portugal, em particular, em destino de fluxos migratórios relevantes é historicamente recente, mas não é um fenómeno conjuntural.
A imigração constitui, sem dúvida, um grande desafio, mas também uma grande oportunidade para as sociedades de acolhimento. A manutenção de gritantes desequilíbrios de rendimento entre a Europa e as regiões vizinhas, em especial o continente africano, e a assimétrica evolução demográfica contribuirão quer para uma pressão migratória crescente quer para uma maior necessidade de acolhimento de imigrantes na Europa.
As sociedades europeias têm vindo a sofrer um impacto fortíssimo do declínio e envelhecimento demográfico, facto que tende a agravar-se. Mesmo com os fluxos migratórios actuais, o declínio da população activa da União a 25 implicará uma diminuição do número de trabalhadores em cerca de 20 milhões, até 2030, e de 48 milhões, até 2050, do mesmo passo que a população maior de 65 anos aumentará em cerca de 58 milhões.
Ao mito da «Europa Fortaleza» é, assim, necessário contrapor uma parceria para o co-desenvolvimento, assente numa abordagem global e integrada das migrações, que vise o enriquecimento económico, social e cultural das sociedades de origem e de destino, e que permita a regulação dos fluxos migratórios, a luta contra a imigração clandestina e a integração dos imigrantes nas sociedades de acolhimento.
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Aplausos do PS.
É neste contexto, Sr. Presidente, que apresentamos esta proposta de lei, que beneficiou de muitos e válidos contributos, que nos chegaram dos mais diversos sectores da sociedade, no período de discussão pública, desde os parceiros sociais aos representantes das associações de imigrantes, e que a Assembleia da República acompanhou muito activamente.
Quanto à regulação dos fluxos migratórios, existe, a médio e a longo prazos, uma necessidade de atrair imigrantes, de forma a garantirmos a sustentabilidade do nosso mercado de trabalho e do sistema de segurança social.
A actual lei de imigração revelou-se, a este respeito, desadequada, com um claro desajustamento entre as reais necessidades da nossa economia, a oferta de mão-de-obra e as autorizações concedidas pela administração.
Assim, as entidades empregadoras manifestaram, em 2004, interesse na contratação de estrangeiros para cerca de 12 000 postos de trabalho. O relatório de oportunidades já só reconheceu 8500 vagas para trabalhadores estrangeiros. Até Outubro do ano passado, só 899 vagas vieram a ser efectivamente preenchidas no âmbito das quotas sectoriais fixadas e, ainda hoje, das 8500 vagas, só 3727 se encontram preenchidas. Dir-se-ia que Portugal não consegue satisfazer nem metade das suas necessidades oficiais de mão-de-obra estrangeira.
É necessário, portanto, criar canais legais de imigração que sejam mais adequados à mobilidade e flexibilidade crescente, não só dos fluxos migratórios, mas da própria economia portuguesa. Só a existência destes canais permitirá um melhor controlo e gestão dos fluxos imigratórios; só a existência destes canais permitirá uma política mais pró-activa que seja ao mesmo tempo preventiva da imigração ilegal.
Aplausos do PS.
Apesar da necessidade de admissão de imigrantes, a nossa capacidade de acolhimento não é ilimitada, pelo que temos de gerir os fluxos migratórios de uma forma equilibrada e ajustada às nossas necessidades.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Ai temos?! Sejam bem-vindos!
O Orador: — Por isso, o novo regime é devidamente enquadrado pela fixação anual, e mediante parecer da Comissão Permanente de Concertação Social, de um contingente global de oportunidades de emprego, não preenchidas por cidadãos nacionais, cidadãos comunitários ou estrangeiros, residentes em Portugal.
Em segundo lugar, como forma de tornar Portugal mais atractivo para uma mão-de-obra altamente qualificada, e seguindo as orientações europeias, propomos um regime simplificado de concessão de autorização de residência a investigadores estrangeiros que pretendam desenvolver a sua actividade em centros de investigação no País ou em estabelecimentos de ensino superior, bem como um regime mais simplificado de concessão de autorização de residência a estudantes estrangeiros.
A terceira medida que gostaria de salientar é a da simplificação da concessão de autorização de residência a estrangeiros que desenvolvam uma actividade empresarial no País, contribuindo, assim, para a atracção de investimento, criador de emprego e riqueza.
Por fim, propõe-se um regime especial de imigração meramente temporária para trabalhadores sazonais e trabalhadores destacados, no âmbito de empresas ou de grupos de empresas com actividade em Portugal.
O segundo eixo estruturante desta iniciativa é, como não podia deixar de ser, a luta contra a imigração ilegal, que passa por um controlo rigoroso das fronteiras, uma política de afastamento eficaz, complementada por uma política activa e eficaz de repatriamento em segurança daqueles que entram ilegalmente no País.
Neste domínio, permitam-me que destaque quatro medidas. Em primeiro lugar, prevê-se um agravamento da moldura penal do crime de auxílio à imigração ilegal, sempre que o mesmo seja praticado com circunstâncias particularmente agravantes, como o transporte em condições desumanas ou que façam perigar a integridade física ou a vida dos migrantes.
Em segundo lugar, criminalizam-se os casamentos de conveniência, ou seja, aqueles casamentos que têm como objectivo, único e exclusivo, a fraude à lei de imigração ou à Lei da Nacionalidade.
O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!
O Orador: — Em terceiro lugar, e para tornar mais eficaz a perseguição das redes de tráfico de pessoas, prevê-se, de uma forma específica, a protecção das vítimas de tráfico de seres humanos e de acções de auxílio à imigração ilegal.
Por fim, revê-se o regime de coimas aplicáveis às entidades empregadoras de imigrantes em situação ilegal, de forma a torná-lo mais dissuasivo da exploração do trabalho ilegal, e prevê-se a concessão de autorização de residência aos trabalhadores que, sendo vítimas de exploração laboral, colaborem com as autoridades na repressão deste tipo de ilicitude.
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Aplausos do PS.
Por outro lado, a prossecução de uma politica de imigração rigorosa, dissuasiva da utilização de canais ilegais de imigração, e promotora de canais legais, tem de assegurar uma execução eficaz das decisões de expulsão, o que esta proposta assegura, no estrito respeito pelos direitos fundamentais de todo o ser humano.
O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!
O Orador: — Gostaria, por isso, de referir a consagração de limites genéricos à expulsão de imigrantes, que hoje apenas são aplicáveis à pena acessória de expulsão, e que decorrem directamente da Constituição e da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Assim, todos aqueles estrangeiros que nasceram e vivem em Portugal ou que aqui vivem desde tenra idade ou que aqui têm filhos sobre os quais exerçam o poder paternal efectivo deixam de poder ser expulsos, seja por decisão judicial, seja, por maioria de razão, por decisão administrativa.
Aplausos do PS.
Do mesmo modo, elimina-se a prisão preventiva no âmbito de processos de expulsão de estrangeiros irregulares, adoptando-se, em alternativa, a possibilidade de detenção em centros de instalação temporária ou o recurso à vigilância electrónica, quando se verifique a necessidade da aplicação de medida coerciva.
Por fim, uma política de imigração só o será, verdadeiramente, se associada a uma política coerente de integração, como o Governo desenvolveu e ainda ontem apresentou, com o plano nacional para a integração.
Esta política pressupõe, neste particular e, desde logo, que, ao imigrante seja assegurado um estatuto jurídico transparente e não discriminatório.
A proposta de lei do Governo elimina a desigualdade de estatutos jurídicos inerente à existência de nove títulos diversos que permitem, hoje, a permanência legal de imigrantes em Portugal. Em vez desses nove títulos, passa a existir um único título habilitante da residência no País: a autorização de residência.
Assim, todos os estrangeiros que vivem em Portugal passarão a gozar dos mesmos direitos, no reagrupamento familiar, no acesso à educação ou no acesso à saúde.
Em matéria de reagrupamento familiar, a nossa proposta, além de proceder, finalmente, à transposição integral da directiva de 1986, introduz uma série de inovações, das quais me permito destacar, neste momento, duas fundamentais: por um lado, alarga-se o reagrupamento familiar aos parceiros de facto e aos filhos maiores que se encontrem a cargo; por outro, os membros da família reagrupados passam a ter uma autorização de residência própria e, consequentemente, o direito ao exercício de uma actividade profissional ou à educação sem restrições e, sobretudo, à estabilização do seu estatuto, independentemente das vicissitudes da relação familiar.
Aplausos do PS.
A proposta prevê ainda, e por fim, no cumprimento da directiva europeia, um estatuto de residente de longa duração, o qual pode ser concedido ao fim de 5 anos de residência legal e proporciona ao imigrante integrado na nossa sociedade um estatuto jurídico mais estável, uma protecção acrescida, nomeadamente contra a expulsão, e aceder à livre circulação no espaço da União Europeia.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como afirmámos desde o início do debate público, recusamos o recurso à regularização extraordinária. Estas medidas tiveram o seu tempo e são, hoje, irrepetíveis.
Contudo, para resolver situações de grande injustiça social, a proposta prevê um alargamento do regime de concessão de autorização de residência a uma série de situações que ou não estavam anteriormente previstas ou ainda aguardam solução efectiva.
Refiro-me a quatro situações em concreto: todos aqueles que foram abrangidos pelo processo de regularização extraordinária, em 2003, pelo chamado «Acordo Lula», ou em 2004, pelo regulamento da lei da imigração em vigor e que, por entraves de ordem burocrática, ainda não conseguiram regularizar a sua situação; crianças que tenham nascido em Portugal, que aqui tenham permanecido, mesmo ilegalmente, e se encontrem a frequentar o 1.º ciclo do ensino básico ou o ensino pré-escolar, bem como os progenitores que exerçam sobre elas efectivo poder paternal;…
Vozes do PS: — Muito bem!
O Orador: — … os maiores que, em Portugal, habitem desde os 10 anos de idade; os que tenham perdido a nacionalidade portuguesa mas aqui tenham permanecido, mesmo ilegalmente, nos últimos 15 anos; finalmente, as vítimas do tráfico de pessoas, que, enquanto vítimas de um crime grave de violação dos direitos humanos, são merecedoras da nossa protecção e não da nossa perseguição.
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Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta é a proposta de lei que dá expressão a uma política de imigração global e ajustada.
Uma política de imigração ajustada às nossas necessidades e à nossa capacidade, mas, sobretudo, uma política de imigração ajustada aos nossos valores, aos valores que decorrem da Constituição da República e da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Há várias inscrições para pedidos de esclarecimento. O Sr. Ministro, depois, fará o favor de indicar à Mesa como pretende responder.
Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Feliciano Barreiras Duarte.
O Sr. Feliciano Barreiras Duarte (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna, para o PSD, a imigração não é um problema, é, antes de mais, uma oportunidade.
Para nós, uma verdadeira política de imigração deve assentar em dois pilares fundamentais: o pilar da segurança e do rigor nas entradas e o pilar da integração com responsabilidade. Foi isso que fizemos, quando estivemos no Governo, é isso que continuamos a defender, agora, na oposição, e é isso que voltaremos a fazer quando os portugueses voltarem a dar-nos responsabilidades.
Para o PSD, a «partidarite» deve ficar de fora da discussão desta matéria. Daí que, Sr. Ministro, não nos custe, hoje, dizer que registamos como positiva não só esta proposta, que consideramos equilibrada, bem como que o Sr. Ministro e a sua equipa, durante o período em que esta proposta tem estado em discussão, tenha acolhido algumas das nossas propostas.
Para nós, o debate sobre a imigração deve ser feito sem recorrer, como outros fazem, ao «efeito-papão» e ao «efeito-chamada». Estes dois efeitos não são parte da solução mas, sim, parte dos problemas.
Mas, Sr. Ministro, parece-nos que o País exige ainda mais e, por isso, o PSD está disponível para, em sede de especialidade, apresentar outras propostas, para conseguirmos melhorar ainda mais esta lei. E, nesse sentido, permita-me que lhe coloque algumas questões.
Em primeiro lugar, está disponível para aceitar mudar algumas matérias em sede de especialidade? Por exemplo, está disponível para institucionalizarmos, na lei, a figura do imigrante empreendedor? Está disponível para, no âmbito da redacção final do artigo 59.º, envolver ainda mais as autarquias locais e as associações de imigrantes no processo de admissão dos imigrantes?
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Orador: — Estão disponíveis, o Sr. Ministro e o Governo, para melhorar ainda mais o regime de apoio judiciário aos imigrantes? Está o Sr. Ministro disponível para, em sede de especialidade, acolher algumas propostas que visam desburocratizar ainda mais a lei, de forma a não continuarmos a ter o que tivemos, no passado, várias vezes, que foi alguns serviços da Administração Pública boicotarem, de forma clara e objectiva, a aplicação de uma lei como esta, que consideramos vir a ser positiva? Por último, Sr. Ministro, concorda ou não connosco, quando defendemos que, nesta matéria da imigração, e já o fazemos de há uns anos a esta parte, se justifica iniciarmos uma nova geração de direitos políticos para os imigrantes, assente em quatro pilares: o pilar da língua, o pilar do trabalho, o pilar da habitação e o pilar dos direitos políticos. Se concorda connosco, gostaríamos que nos dissesse hoje, se fosse possível, porque pensamos que se justifica que falemos disto hoje, neste debate, qual é a opinião do Governo sobre o princípio da reciprocidade. Sabemos que é uma matéria constitucional, mas nós, no PSD, já começámos a fazer a nossa reflexão sobre ela e entendemos que chegou o momento de começarmos a discutir se se justifica ou não a sua manutenção.
O Sr. António Filipe (PCP): — Bem-vindos!
O Orador: — Temos exemplos claros de que, em muitos domínios, este princípio não tem resolvido problemas, e poderíamos dar aqui vários exemplos.
Uma última questão, da nossa parte, para lhe dizer que, à semelhança do que fizemos, aquando da discussão e aprovação da Lei da Nacionalidade, consideramos que o nosso objectivo é procurar contribuir para encontrar as melhores soluções para defender os interesses de Portugal e dos portugueses e também dos cidadãos estrangeiros residentes em Portugal.
Para nós, o «efeito-chamada» ou o «efeito-papão» não resolvem os problemas. Todos gostaríamos de viver num mundo sem guerra, sem problemas de qualquer ordem, sem insegurança, mas o que conta é sermos práticos no encontrar das soluções.
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A terminar, Sr. Ministro, uma coisa que, para nós, PSD, também parece importante e, recentemente, tivemos oportunidade de constatar que é uma falha do Governo. Refiro-me ao seguinte: o Sr. Ministro, por acaso, tem conhecimento das razões que levaram o Governo, nos últimos quase dois anos, a encerrar um gabinete de reconhecimento de habilitações e competências, que havia sido criado pelos anteriores Governos,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — E muito bem!
O Orador: — … precisamente para contribuir para a qualificação dos cidadãos imigrantes no nosso país? Este é um exemplo de uma coisa que consideramos importante na área da integração e que, para nós, faz sentido colocar em cima da mesa, em sede de discussão da lei de imigração.
Muito obrigado e, mais uma vez, o PSD disponibiliza-se para dar o seu contributo, sempre pelo lado positivo, e felicita o Sr. Ministro e o Governo por, nesta matéria, na prática, terem continuado as políticas do Governo anterior, que têm servido bem os interesses de Portugal.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna, parece que o bloco central sai revitalizado em torno da imigração.
O Sr. Ministro fez aqui um discurso que parece relativamente limpo, não fosse ele não corresponder, efectivamente, nem ao conteúdo da proposta de lei que aqui traz, nem àquelas que têm sido as práticas deste Governo.
Infelizmente, os imigrantes em Portugal foram-se habituando à diferença entre o discurso, a cor do discurso, o calor do discurso e as medidas que, efectivamente, podem mudar a vida das pessoas.
O Sr. Ministro teve mesmo a ousadia de fazer aqui uma crítica sobre a lei das quotas, reconhecendo os seus limites no passado. E, no entanto, está a ocultar ao País que aquilo que propõe, no seu texto, é uma nova lei das quotas. Uma nova lei das quotas ou um contingente global com um novo nome, mas com os mesmos limites e com a mesma burocracia. Está a ocultar isto ao País! O Sr. Ministro tem, igualmente, um discurso colorido sobre os direitos humanos, mas não responde à pergunta de fundo, que é aquela a que é preciso responder: o que é que vai fazer às dezenas de milhar de pessoas que vivem neste país, trabalham neste país, descontam para a segurança social e, efectivamente, não têm a sua situação regularizada? O que é que lhes vai fazer, Sr. Ministro? Esta é uma lei cheia de medos! Esta é uma lei em que, ao contrário do discurso que foi aqui feito, se olha para o imigrante com medo! Esta é uma lei em que as soluções não são as mais sérias e as mais justas! Esta é, aliás, uma proposta de lei que mais se parece com um labirinto, Sr. Ministro!
O Sr. José Junqueiro (PS): — Ah!
O Orador: — Um labirinto onde se vão perder dezenas de milhar de oportunidades e de pessoas que mereciam, efectivamente, da parte do Partido Socialista e do Governo, medidas sérias, justas e claras sobre o seu futuro.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna, o CDS, ao contrário de outros, mantém, hoje, a sua posição de sempre sobre esta matéria tão complexa da imigração.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Orador: — A política de imigração, para nós, tem de ser rigorosa nas entradas, justamente para ser humana na integração, como nos é exigido.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Orador: — Hoje isso é tão evidente que, aliás, vemos o PS e o Sr. Ministro António Costa utilizarem expressões como «regulação de fluxos», «capacidade limitada de integração e ajustada às necessidades reais
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do País», o que, há uns anos, mereceria de V. Ex.ª encómios a quem, de facto, desde sempre defendeu esta política.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Orador: — Registamos isso. O PS vai no bom caminho.
Como terei oportunidade de referir na intervenção que irei fazer, esta proposta de lei contém, na realidade, propostas e aspectos que consideramos positivos, nomeadamente porque muitos deles vêm de directivas da União Europeia e outros, inclusive, resultam na prossecução de políticas anteriores, e não deixaremos, com honestidade política, de salientar isso em matéria de intervenção. Mas há uma pequena norma, um pequeno artigo que nos merece a maior das dúvidas e cujos efeitos podem pôr em causa todos os objectivos, aqui enunciados por V. Ex.ª, de uma política de imigração regulada e europeia.
Estou a falar do artigo 59.º, que introduz um tertio genus para a concessão de um visto: a manifestação de interesse de uma entidade empregadora. Até aqui, e mantém-se, era exigido um contrato de trabalho normal ou uma promessa de contrato de trabalho, também normal. O que não é normal nem nos parece correcto é a introdução desta terceira forma, que não é mais do que uma manifestação de interesse, não se sabendo a forma que assume, se é escrita, se é oral, e que pode empurrar o cidadão imigrante para uma situação em que entra no País por três meses — há quem até já chame a este visto o visto para procurar emprego — com uma mera manifestação de interesse de uma entidade patronal.
Já agora, Sr. Ministro, já pensou que esta entidade patronal pode ser precisamente patrocinada por uma rede de tráfego ilegal de pessoas,…
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — É verdade!
O Orador: — … que através desta janela de oportunidade vem explorar os cidadãos que V. Ex.ª e nós também pretendemos justamente defender?
Aplausos do CDS-PP.
Por isso, Sr. Ministro, gostaríamos de dizer-lhe que, a ir para a frente, esta redacção é um erro político. E, mais do que um erro, esperamos que não seja uma abertura para a possibilidade de realização de um processo de regularização extraordinária. Não siga o exemplo do PSOE, que quis legalizar 400 000 imigrantes ilegais, passado dois meses já eram 800 000 e hoje, por força do «efeito de chamada», que não é um papão, é uma realidade, o país tem 1,2 milhões de imigrantes ilegais,…
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Orador: — … sendo que todos nós assistimos diariamente a imagens horrendas que passam na televisão. Não siga esse exemplo, Sr. Ministro! E se registamos com apreço que V. Ex.ª tenha terminado a sua intervenção dizendo que recusam regularizações extraordinárias, gostaria de fazer duas perguntas. Então, por que não aceita a sugestão política apresentada pelo seu colega do PSOE e introduz uma norma clara, uma regra jurídica, nesta proposta de lei que proíba a realização de processos de regularização extraordinária? Por que não o fez?
Aplausos do CDS-PP.
Já agora, gostaria de saber se se trata de algum receio em avançarem na vanguarda da União Europeia ou se é justamente por V. Ex.ª ter algum receio de o PS, lá mais para a frente, pressionado pela extremaesquerda, ir recorrer à tal flexibilização de que falou para, justamente com este artigo 59.º, fazer um processo de regularização extraordinária, ainda que com outro nome.
Vozes do CDS-PP: — Bem lembrado!
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Mas que medos!
O Orador: — Se assim fizer terá a oposição do CDS-PP, Sr. Ministro. Se assim não fizer contribuiremos positivamente para esta lei.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Celeste Correia.
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A Sr.ª Celeste Correia (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna, era fatal e previsível sermos acusados à esquerda e à direita.
O Sr. António Filipe (PCP): — Ainda não acusei ninguém!
A Oradora: — À direita por fazermos de mais, à esquerda por fazermos de menos.
O CDS-PP, pela voz do Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, no mês de Junho, salvo erro, acusou-nos de abrir e facilitar, através desta lei, a entrada e a permanência de estrangeiros em Portugal. O Sr. Deputado Paulo Portas, em Odivelas, também disse que o CDS-PP contribuiu para o controlo dos fluxos de imigração enquanto foi governo e que esta lei era uma lei irresponsável. Esqueceram-se de que a imigração legal, na altura em que foram governo, não cresceu, mas cresceu bem a imigração ilegal.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Não é verdade!
A Oradora: — Isso só quer dizer uma coisa, Sr. Presidente e Srs. Deputados, na minha opinião: ao sermos acusados de fazer de mais ou de fazer de menos, isso quer dizer que estamos no bom caminho, no caminho do bom senso,…
O Sr. António Filipe (PCP): — Não necessariamente!
A Oradora: — … no caminho do equilíbrio e no caminho de procura de soluções justas e ajustadas.
Olhe, Sr. Ministro, o caminho que V. Ex.ª traçou nesta Casa, vai fazer 15 anos no próximo mês de Janeiro, quando apresentou aqui os projectos de lei n.os 1/VI, 2/VI e 3/VI, da VI Legislatura, pretendia lançar já nessa altura as bases de uma política integrada de imigração.
O Sr. Ministro dizia nessa altura, o seguinte, que vou relembrar, porque vale a pena: «Não pretendemos uma libertinagem fronteiriça, não pretendemos nem impor nem permitir a regularização de todos, não pretendemos que se ameace a segurança dos portugueses e a ordem pública, não pretendemos pôr em causa as obrigações de Portugal no quadro comunitário ou das suas relações internacionais». Isto foi dito há 15 anos, Srs. Deputados!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): — Era um jovem promissor!
A Oradora: — Mas vamos ao presente. Esta é uma boa iniciativa, é justa e ajustada! A pergunta que queria colocar-lhe, Sr. Ministro — tinha outras, mas já foram colocadas — tem que ver com a nossa próxima presidência da União Europeia.
Foi dito pelo Primeiro-Ministro que um dos quatro domínios que Portugal considera deverem concentrar as acções do trio Alemanha, Portugal e Eslovénia é «o aprofundamento das políticas comuns em matéria de liberdades, segurança, justiça e imigração».
Sr. Ministro, como é que o Governo pensa concretizar isto? Como é que pensa dar destaque às imigrações durante a presidência da União Europeia, para além da Cimeira União Europeia-África, pela qual devemos dar os parabéns ao Governo e à diplomacia portuguesa, porque desde 2003 não se conseguiam ultrapassar os obstáculos para a sua concretização?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Montenegro para pedir esclarecimentos.
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna, gostaria de colocar-lhe duas questões muito rápidas e muito concretas acerca desta iniciativa legislativa.
A primeira delas diz respeito ao facto de considerarmos, nesta bancada, que a nossa rede consular, os nossos consulados, são uma peça vital e que contribuem também para uma política positiva de imigração.
Como sabe, Sr. Ministro, nos termos da lei, e tendo em conta, nomeadamente, os princípios do regime de admissão previstos no artigo 59.º, é relevantíssimo que os imigrantes tenham consulados nos países, nas cidades de onde provêm, porque é lá que verdadeiramente se inicia o processo de imigração.
Ora, o Governo anunciou recentemente o encerramento de 24 consulados. A questão que quero colocarlhe muito directamente é a seguinte: foi o Sr. Ministro ouvido sobre esta matéria, mormente no âmbito da preparação dos processos de que este diploma trata? Estão ou não acautelados nessa política de encerramento de consulados o respeito e a preocupação com os fluxos migratórios de onde provêm os imigrantes para o nosso país? Vai fechar algum consulado no Brasil? Vão fechar outros consulados em países de onde provêm os nossos imigrantes? Era importante que deste debate esta questão também saísse clarificada.
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Passo a uma segunda questão, Sr. Ministro: há quem associe fenómenos de imigração com fenómenos de criminalidade, nomeadamente criminalidade grave, como o terrorismo.
Bem sabemos que no caso português essa ligação não está fundamentada, não há, pelo menos que se conheçam, grandes exemplos de ligação estreita entre estas duas realidades. De resto, sabemos que a nossa imigração não é propriamente igual à imigração de outros países, onde este fenómeno é bem mais preocupante e premente acerca das suas regras.
De qualquer das formas, julgamos importante — e é esta a questão que lhe deixo — colher do Governo a sua posição relativamente aos mecanismos que na lei de imigração podem evitar situações em que, à luz do aproveitamento das regras dessa mesma lei, possam potenciar-se fenómenos de criminalidade grave, como o terrorismo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.
O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, não sei se V. Ex.ª, no curto debate que tivemos até este momento, tem razão para se sentir mais incomodado com as críticas da esquerda ou com o apoio generalizado que recebeu das duas bancadas da direita.
O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Está baralhado!
O Orador: — Recebeu apoio do CDS-PP, sim! O CDS-PP fez referência a uma única questão,…
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — «A questão»!!
O Orador: — … e disse que se a mesma fosse resolvida cá estaria para apoiar as posições do Governo! Foi isso o que ouvi da parte do Sr. Deputado, mas terá certamente ocasião de me desmentir se não foi isso que disse.
Gostaria de fazer notar, antes de mais nada, que o Sr. Ministro começou por reconhecer — e bem, como, aliás, hoje é generalizadamente reconhecido — a importância dos fluxos migratórios para Portugal e para os países da União Europeia, designadamente por factores conhecidos, de demografia, porque contribuem, de facto, de uma forma fundamental para a produtividade do nosso país, para o crescimento do PIB e também para a própria sustentabilidade da segurança social.
Mas parece-nos que olhar para a imigração apenas como um factor de produtividade, apenas como mãode-obra que vem trabalhar é uma perspectiva errada e tememos que a proposta do Governo padeça por excesso dessa visão. Esta é a interpretação que fazemos da proposta de lei.
O Sr. Ministro foi claro ao dizer que a nossa capacidade de acolhimento não é ilimitada e que temos de adequá-la às nossas necessidades, o que é claramente o reconhecimento de que o actual sistema das quotas vai continuar com este Governo e que os senhores não têm vontade de mudá-lo.
Por outro lado, Sr. Ministro, também ficou claramente visível na sua intervenção que o Governo está preocupado em tornar a imigração mais selectiva, quando diz que querem «tornar Portugal mais atractivo à imigração qualificada ou à simplificação dos mecanismos de atracção de imigrantes empresários».
Contudo, parece-nos que está a ficar para trás uma questão fundamental, que diz respeito à salvaguarda dos direitos humanos dos imigrantes em Portugal, designadamente daquela fracção a que se chama «imigrantes ilegais».
Em relação a isso, Sr. Ministro, eu gostaria de dizer que pode contar com Os Verdes para combater a imigração ilegal, no que diz respeito ao tráfico de pessoas e à violação dos direitos humanos, em que as pessoas são tratadas como escravos, são literalmente traficadas como carne. Neste aspecto, pode contar com o empenho de Os Verdes.
Gostaria de dizer, no entanto, que imigrar em si não é crime. As pessoas, quando imigram, quando vão à procura de melhores condições de vida, estão a tentar defender a sua vida e a dos seus e estão a fazê-lo com a melhor das intenções. Portanto, imigrar não é crime e nem todos os imigrantes que chegam a Portugal, apesar de não terem papéis e durante muitos anos se manterem nessa posição, não devem ser considerados «menos pessoas» e devem ter um tratamento adequado.
Nesse sentido, parece-nos que a proposta de lei não salvaguarda, de uma forma coerente, a defesa dos direitos humanos dos imigrantes ilegais. De resto, o plano para integração dos imigrantes, que o Governo apresentou ontem, tem aspectos positivos, muitos deles, inclusivamente, já existentes na lei, mas a verdade é que parece muito mais dirigido para os imigrantes que já estão legalizados do que para os imigrantes ilegais.
De facto, não vemos nas intenções do Governo a necessidade de tomar medidas no sentido de legalizar os imigrantes que se encontram neste momento ilegais no nosso país, aos quais lhes está, por isso, vedado um conjunto de direitos fundamentais, quer no que respeita à área laboral, como a higiene no trabalho, quer no que respeita à protecção na saúde ou na educação.
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Assim, Sr. Ministro, seria fundamental que o Governo estivesse disponível, em sede de especialidade, para alterar um conjunto de situações e para melhorar substancialmente a proposta de lei que aqui traz.
Finalmente, Sr. Ministro, gostaria de deixar uma nota e lhe pedir um comentário no que se refere à criminalização do casamento por conveniência.
Salvo o devido respeito, esta medida parece-nos mais de «fogo de vista» do que outra coisa.
A Sr.ª Celeste Correia (PS): — Não é, não!
O Orador: — Penso que era importante reflectir sobre isto, porque as pessoas, quando se casam, fazemno sempre por conveniência…
Risos.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna (José Magalhães): — Ai é?... Então e o amor? Já não há casamentos por amor?
O Orador: — Fazem-nos por amor, que é também uma questão de conveniência.
Risos.
Parece-me excessivo que o Governo se queira intrometer na vida das pessoas e tentar moralizar a razão pela qual as pessoas se casam. Se calhar, se fossemos ver por que razão é que as pessoas se casam, todas elas… Penso que não faz parte das exigências da nossa lei civil, nem é desejável, a exigência do amor.
Risos.
Uma voz do CDS-PP: — Já se percebe por que é que é solteiro.
O Orador: — Parece-me excessivo que o Governo pretenda controlar o que não é controlável, porque não pode entrar no coração das pessoas e saber se existe, ou não, amor. Parece-me que o Sr. Ministro está a tentar criminalizar uma área que é bastante complexa e por onde o Governo não se devia meter.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna.
O Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, vou escusar-me à intimidade da análise das motivações matrimoniais a que o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes fez referência.
No entanto, gostaria de sublinhar um dado importante deste debate e com a expectativa de ainda ouvir hoje o Grupo Parlamentar do PCP falar sobre esta matéria: registo como positiva a postura com que o PSD se apresentou neste debate e aproveito para cumprimentar, mais uma vez, o Sr. Deputado Feliciano Barreiras Duarte pela coragem e integridade com que tem defendido, sobre esta matéria, posições que são corajosas,…
Vozes do PS: — É verdade!
O Orador: — … não tanto hoje, que está na oposição, mas enquanto foi elemento do anterior governo ou do anteanterior governo e enquanto foi secretário de Estado. Assumiu uma postura sobre esta matéria em momentos em que, sabíamos, era difícil tomar algumas posições pelo equilíbrio naturalmente muito delicado que existia numa coligação em que, além do PSD, estava também o CDS-PP, que tem um discurso, quanto à imigração, essencialmente simétrico ao do Bloco de Esquerda — é uma espécie de «bloco de direita» em matéria de imigração.
A postura que o PSD assumiu aqui assegura que a matéria da imigração não voltará a ser, em Portugal, um tema de fractura social mas, pelo contrário, de consenso e de coesão social, como é essencial.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): — Muito bem!
O Orador: — E essa é a primeira condição para que a política de imigração seja um sucesso; para que não seja um drama agitado em torno daquilo a que designou o «papão do terror da invasão imigrante » e o «papão do efeito de chamada», mas seja impulsionada por uma visão humanista e de respeito escrupuloso pelos direitos humanos e pela integridade da pessoa humana.
Vozes do PS: — Muito bem!
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O Orador: — Sr. Deputado, a sua postura é positiva e por isso lhe digo que, relativamente às quatro questões concretas que colocou, estamos disponíveis para melhorar a lei, em sede de especialidade.
Obviamente, não me compete a mim pronunciar-me sobre matéria que implica revisão constitucional, mas dir-lhe-ei, sem dificuldade, que, do ponto de vista pessoal, partilho da sua visão também pessoal sobre o tema da reciprocidade. Além do mais, conforme fomos diversificando as fontes de imigrantes para Portugal e tendo em conta que manifestamente não é exigível à Ucrânia atribuir a portugueses que não existem na Ucrânia direitos que faz sentido atribuirmos a ucranianos que existem em Portugal, o tema da reciprocidade faz, obviamente, cada vez menos sentido. Partilho, assim, desse seu ponto de vista.
Queria dizer também ao PS que a questão da imigração será prioridade na nossa presidência da União Europeia: desde logo, com a realização de uma conferência de alto nível sobre a imigração legal — a imigração legal como mecanismo mais eficaz para combater a imigração ilegal; em segundo lugar, realizaremos, para além da cimeira Europa-África, a cimeira Euromed a nível ministerial sobre as migrações; e, em terceiro lugar, a nossa presidência será marcada pela eliminação dos controlos de fronteira e pela plena adesão ao Espaço Schengen dos 10 novos Estados-membros que, até 31 de Dezembro de 2007, passarão a circular livremente em todo o espaço europeu.
Relativamente às posições que os «blocos» aqui assumiram, queria dizer o seguinte: recusamos a regularização extraordinária. É um erro e não queremos cometer esse erro. Quando se justificou a regularização extraordinária quem tomou a iniciativa de propô-la não foi o BE mas o PS, e ela realizou-se.
Hoje, não se justifica! Hoje, justifica-se, sim, como indiquei, a regularização de determinadas situações, mas essas não devem ser feitas de forma a terem um «efeito de chamada». Justifica-se regularizar quem, em tempo devido, se inscreveu ao abrigo do Acordo Lula ou quem, em devido tempo, se inscreveu ao abrigo do artigo 71.º do decreto regulamentar da actual Lei da Imigração. Justifica-se regularizar as crianças que nasceram em Portugal, que frequentam o pré-escolar, que frequentam o ensino básico, e os seus pais, porque é uma forma de incentivar a inscrição das crianças na escola e a escola deve ser o grande veículo de integração na sociedade portuguesa.
As situações que justificam regularização serão regularizadas. A regularização extraordinária não terá lugar.
É por isso, Sr. Deputado Nuno Magalhães, que não alimentamos também o papão inverso. Já dissemos que não queremos regularização extraordinária e esta lei não o permite, mas, como o Sr. Deputado sabe, pôr aqui uma norma a dizer «é proibida a regularização extraordinária» seria absolutamente inútil,…
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — É uma proposta do seu colega espanhol!
O Orador: — … porque, como a regularização extraordinária precisará sempre de uma lei da Assembleia da República, essa lei revogaria a proibição que esta lei da Assembleia da República estabeleceria.
Portanto, Sr. Deputado, para alimentar slogans não contará connosco: nem o «papão do efeito de chamada», nem o «papão do terror da invasão imigrante» que aí se avizinha.
Sr. Deputado Luís Montenegro, relativamente às questões da criminalidade organizada e, em particular, do terrorismo, não há qualquer correlação estabelecida, havendo, aliás, estudos desenvolvidos pelo ACIME (AltoComissariado para a Imigração e Minorias Étnicas) sobre o assunto. Em Portugal, entre criminalidade e imigração não há qualquer tipo de correlação, tal como não há correlação entre imigração e terrorismo.
As maiores acções terroristas que têm ocorrido na Europa nos últimos anos — acções terroristas essas de inspiração islâmica — não foram perpetradas por alguém vindo de fora, por alguém que tivesse entrado recentemente nos países. Não! Os seus autores ou, pelo menos, os suspeitos da autoria desses crimes são nascidos, criados e educados, designadamente na Grã-Bretanha, são nacionais do Reino Unido!! Portanto, temos de ter extrema cautela para não construir uma correlação que os factos não sustentam, que é perigosa para a estigmatização dos imigrantes e, também, porque nos levará a desconhecer as causas reais, profundas e efectivas, quer do terrorismo quer de outras formas de criminalidade.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Dando cumprimento a um compromisso assumido no seu programa eleitoral, o PCP foi o primeiro a apresentar, nesta Legislatura, um projecto de lei que visa alterar em profundidade a chamada lei da imigração.
A necessidade quase unanimemente reconhecida de alterar esta legislação resulta, inequivocamente, do fracasso das sucessivas leis que têm sido aprovadas sobre esta matéria. Desde 1993 que a Assembleia da República aprova ciclicamente, ao sabor de diversas maiorias, alterações à «lei da imigração». Não houve, desde então, legislatura em que isso não acontecesse: aconteceu em 1996, em 1998, em 1999, em 2001 e em 2003. E hoje, em 2006, estamos de novo confrontados com a necessidade de mudar a lei.
E tudo isto por uma razão muito simples: porque não é a lei que se impõe à realidade mas a realidade que se impõe à lei!
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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!
O Orador: — Porque os governos que temos tido se têm revelado incapazes de compreender a realidade da imigração em Portugal e têm legislado para algo que não existe.
Os governos do PSD e do CDS aprovaram uma legislação de «portas fechadas» para combater uma suposta legislação de «portas escancaradas» que só existia na sua fantasiosa imaginação. Os anteriores governos do Partido Socialista preferiram entender-se com o CDS-PP — o tal «bloco de direita»! — nesta matéria…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente! Bem lembrado!
O Orador: — … e aprovaram uma tal «lei das quotas», neste caso para a imigração, baseada num tal relatório sobre oportunidades de trabalho, que nunca serviu rigorosamente para coisa alguma, e criaram uma chamada «autorização de permanência» que se traduziu no aparecimento de uma nova figura do imigrante «descartável», a quem se autoriza a permanência para trabalhar e a quem se recusa qualquer outro direito.
Estas atitudes do legislador, assentes em clamorosos equívocos quanto à realidade dos fenómenos migratórios, têm contribuído objectivamente para que, em torno da imigração, se tenham gerado graves problemas sociais.
É falsa, embora muito difundida, a ideia de que Portugal tem uma legislação de «portas abertas». Não tem nem nunca teve!! Pelo contrário, Portugal tem seguido uma política de «portas quase fechadas» à imigração legal, o que constitui, objectivamente, um factor de crescimento de imigração ilegal, com tudo o que de negativo se lhe associa.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Orador: — O que acontece é que nenhuma lei de «portas fechadas» é capaz de impedir o fenómeno social incontornável que a imigração constitui, em Portugal e em qualquer parte do mundo.
É falsa a ideia por vezes difundida de que Portugal, não sendo um país rico, não está em condições de acolher imigrantes. Ideia falsa porquanto os imigrantes não são parasitas, não vêm viver à custa de ninguém; vêm trabalhar e produzir mais do que aquilo que ganham. São trabalhadores que contribuem para a criação de riqueza e para o desenvolvimento do nosso país. A imigração não gera desemprego. Pelo contrário, é um importante factor de dinamização da economia.
A imigração não é algo de negativo com que o País esteja confrontado. A imigração é necessária e desejável. Todos os estudos indicam, não apenas relativamente a Portugal mas à Europa em geral, que o equilíbrio demográfico, a sustentabilidade dos regimes de segurança social e a própria actividade económica carecem de um forte contributo da população imigrante.
O que constitui, de facto, um problema, a todos os níveis, é a imigração ilegal e as práticas que lhe estão associadas.
É a exploração da mão-de-obra ilegal por parte de empresários sem escrúpulos que cria graves problemas no mercado de trabalho, que afectam todos os trabalhadores, nacionais e estrangeiros.
Para que a imigração ilegal seja combatida com eficácia é necessário, antes de mais, viabilizar a imigração legal, acabando com o absurdo e fracassado sistema de «quotas» constante da actual «lei da imigração» e adoptar critérios mais flexíveis de entrada em Portugal com propostas de contrato de trabalho.
É necessário, também, fiscalizar e sancionar devidamente o patronato sem escrúpulos que se aproveita da imigração ilegal para explorar os trabalhadores estrangeiros, aproveitando-se da sua situação de fragilidade, fazendo-os trabalhar sem quaisquer direitos e violando, muitas vezes de forma execrável, os mais elementares direitos humanos.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!
O Orador: — Importa, evidentemente, combater pela via policial as redes de tráfico de mão-de-obra ilegal e as associações criminosas que dela se alimentam, mas é preciso não confundir as vítimas com os criminosos.
É indispensável permitir que os trabalhadores estrangeiros em Portugal tenham a possibilidade de legalizar a sua situação e de viver entre nós com os seus familiares sem terem os seus direitos diminuídos e sem estarem reféns daqueles que beneficiam com a imigração ilegal.
Torna-se claro que, para que isso seja possível, a legislação portuguesa tem de ser repensada.
Combater a imigração ilegal e o trabalho clandestino, fonte de exploração desumana de tantos portugueses e estrangeiros, exige, entre outras medidas, uma lei de imigração diferente e mais democrática que assegure o respeito pelos direitos de todos os trabalhadores, sem discriminações quanto à sua origem nacional, e que trate todos os imigrantes como cidadãos de corpo inteiro que aspiram justamente a uma vida melhor e querem ser respeitados na sua dignidade; uma lei que não crie novas categorias de imigrantes com direitos mais
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condicionados, mas que aceite corajosamente estabelecer um enquadramento legal permanente que possibilite a regularização dos que, vivendo e trabalhando cá, sofrem todos os dramas da ilegalidade, deixando, de facto, de alimentar as redes internacionais de abastecimento da imigração ilegal e do trabalho clandestino que prejudicam todos os trabalhadores.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Orador: — O projecto de lei que o PCP hoje apresenta propõe uma revisão global da «lei da imigração» que o exíguo tempo de que dispomos neste debate não me permite desenvolver. Em todo o caso, importa sublinhar, como aspectos fundamentais do nosso projecto: A conversão do visto de residência e da autorização de residência em regime-regra para a admissão e para a regularização da permanência em Portugal, para o exercício de uma actividade profissional por conta de outrem ou por conta própria, bem como para a prossecução de actividades de estudo, de formação ou de investigação científica; A consequente eliminação da figura dos vistos de trabalho e de estudo que serão substituídos por vistos de residência, a conceder de acordo com as finalidades requeridas; A eliminação das «autorizações de permanência», garantindo aos cidadãos abrangidos o direito à obtenção de autorização de residência, a conceder oficiosamente; O abandono das fracassadas políticas de quotas para imigrantes no acesso ao mercado de trabalho; A limitação dos poderes discricionários em matéria de expulsão de cidadãos estrangeiros, reforçando as garantias destes quanto à possibilidade de recorrer judicialmente, com efeito útil, das decisões administrativas que afectem os seus direitos; A eliminação de critérios de selectividade económica na renovação das autorizações de residência; A eliminação de obstáculos e restrições ao direito ao reagrupamento familiar, nomeadamente com o reconhecimento da união de facto; A redução da possibilidade de aplicação de penas acessórias de expulsão, excluindo de todo essa aplicação nos casos em que os cidadãos estrangeiros possuam autorização de residência permanente em Portugal, tenham nascido em Portugal e cá residam, se encontrem habitualmente em Portugal desde idade inferior a 10 anos ou tenham filhos menores residentes em Portugal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este processo legislativo constitui uma oportunidade, que não deve ser desperdiçada, para dotar finalmente o nosso país de uma «lei da imigração» minimamente decente, que seja parte da solução e que não seja, como até aqui, parte do problema.
O projecto de lei do Bloco de Esquerda constitui, na nossa opinião, um bom contributo nesse sentido.
A proposta de lei, do Governo, contém aspectos positivos que importa salientar, embora se recuse a ultrapassar alguns dogmas que têm marcado negativamente as políticas de imigração em Portugal.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!
O Orador: — A proposta de lei, do Governo, reconhece finalmente o óbvio: que a imigração é um fenómeno social incontornável e que se impõe a adopção de um quadro regulador que proporcione aos imigrantes um estatuto que favoreça a sua integração na sociedade portuguesa. Reconhece finalmente que a legislação actual não é adequada à realidade social e que conduziu ao crescimento do número de estrangeiros em situação ilegal.
Salienta-se como positiva a criação de um único tipo de visto e a adopção da autorização de residência como único tipo habilitante da fixação de residência em Portugal.
Regista-se a possibilidade de obtenção de autorizações de residência por parte dos titulares de autorizações de permanência, visto de trabalho, visto de estada temporária com autorização para trabalho e prorrogação de permanência com autorização de trabalho.
Regista-se o alargamento do regime de concessão de autorização de residência com dispensa de visto.
Salientam-se, finalmente, os melhoramentos propostos em matéria de reagrupamento familiar e de reforço de garantias dos cidadãos estrangeiros contra a expulsão.
Mas salienta-se também que esta proposta de lei continua prisioneira da política das quotas de imigração, cujo falhanço é reconhecido e clamoroso.
Não se entende como é que o Governo e o PS, conhecedores da inutilidade do chamado «relatório sobre as oportunidades de trabalho» enquanto mecanismo regulador da imigração, insistem em fazer depender a entrada legal de imigrantes de um «contingente global» de oportunidades de emprego, não preenchidas por cidadãos nacionais, comunitários ou estrangeiros já residentes. O Governo insiste no erro em vez de corrigi-lo.
Por outro lado, embora sejam dados passos importantes em matéria de regularização dos trabalhadores em situação ilegal, não parece que as soluções propostas sejam suficientes para ultrapassar um grave passivo económico e social que enfrentamos devido à imigração ilegal gerada por muitos anos de políticas erradas.
É sabido, mas importa repeti-lo, que o PCP não é entusiasta dos processos de regularização extraordinária, dado o seu carácter precário e limitado e dados eventuais efeitos indesejáveis que deles possam decorrer. Mas não podemos fechar os olhos à realidade e ignorar que vivem em Portugal muitos
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trabalhadores ilegais que poderiam e deveriam, com vantagem para todos, residir e trabalhar legalmente entre nós.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Orador: — Se a legislação que vamos aprovar não tiver um impacto significativo na regularização de ilegais e se não forem adoptados mecanismos capazes de prevenir a imigração ilegal no futuro, estaremos, de novo, dentro de poucos anos, na contingência de ter de aprovar uma nova lei.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É verdade!
O Orador: — Esta previsão fizemo-la por várias vezes no momento em que esta Assembleia aprovou leis de imigração, cujo falhanço, para nós, era previsível. Por esta vez, gostaríamos de não ter razão.
Trabalharemos para isso, mas depende, fundamentalmente, do Governo e da maioria optar entre uma lei que regule o fenómeno da imigração de uma forma adequada e justa, que possa durar no tempo, ou uma lei agarrada a dogmas e condenada a falhar pelas mesmas razões por que as anteriores falharam.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados, Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna: Na proposta de lei da imigração, do Governo, não há a inspiração dos melhores exemplos europeus, como vimos. Os «bons ventos» de Espanha não vos servem.
A regularização de dezenas de milhares de pessoas que aqui vivem, aqui trabalham, fazem declarações de impostos e descontos para a segurança social, não é, ainda, a prioridade deste Governo, por mais que afirmem o contrário. É uma injustiça — e os senhores sabem-no —, é uma oportunidade perdida.
Nesta proposta de lei, também escasseia a inspiração da ciência. O Governo ignora o que os estudos mais credíveis sobre migrações demonstram: que as pessoas que circulam são obrigadas a atravessar arames e a fixar-se, porque as políticas não agilizam a circulação; que a Europa e Portugal precisam de imigrantes, pela sobrevivência dos sistemas de segurança social, pela vitalidade demográfica.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!
A Oradora: — A proposta de lei reflecte a indecisão, reflecte a vontade de criar consensos delicados ao centro, encostando-se ao PSD, para uma lei que, em muitos aspectos, é um labirinto.
Onde se exigia a coragem para a regularização de todas as pessoas que aqui vivem e trabalham, temos uma resposta dúbia à possibilidade de regularizar algumas situações. Sr. Ministro, mas quantas pessoas vão ficar de fora deste processo? Onde se exigia agilização dos mecanismos de circulação das pessoas, temos a disputa, a que já assistimos aqui, no Hemiciclo, com o PSD e o CDS, a propósito do artigo 59.º que se sabe como começa, não se sabe exactamente como acaba. Onde se esperava que se reconhecesse o direito ao exercício de actividade profissional, subordinada ou não, vemos indecisões e ardis. Onde se esperava, ao menos em nome dos direitos humanos, que o direito de defesa fosse um pilar do diploma, encontramos modestas hipóteses. É inaceitável que continuem a existir afastamentos do País, sem intervenção judicial, por mera decisão administrativa. Onde se esperava, ainda, a simplificação dos títulos, temos a multiplicação dos vistos de residência e das autorizações de residência.
O projecto que o Bloco de Esquerda aqui apresenta, hoje, tem um nome claro: política de direitos humanos para os imigrantes.
Os imigrantes não nos metem medo. Apostamos no estímulo à imigração legal. Sabemos que só agilizando a imigração legal se combate a imigração ilegal. Sabemos que só políticas corajosas combatem a clandestinidade do trabalho, a clandestinidade das vidas, a cidadania amordaçada.
Apostamos claramente na regularização de todas as pessoas que o não puderam fazer até ao momento.
Recusamos a política de quotas cujo fracasso foi largamente demonstrado. Apostamos num único título, o visto de residência, para todos os que queiram entrar em Portugal e aqui exercer uma actividade, subordinada ou não, e na autorização de residência para todos os que aqui queiram permanecer. Apostamos no direito de defesa, claramente, sem equívocos, incluindo a disponibilização gratuita de serviços de gabinete jurídico da Ordem dos Advogados. Apostamos na limitação do poder discricionário do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Defendemos que a renovação da autorização de residência deve ser feita da mesma forma que a renovação de um bilhete de identidade para os cidadãos nacionais. Defendemos a redução dos montantes das taxas para a atribuição e renovação dos vistos e autorizações de residência. Recusamos excrescências atávicas que se mantêm na proposta de lei, nomeadamente o boletim de alojamento.
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O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!
A Oradora: — O projecto de lei que aqui apresentamos é a resposta séria que os tempos exigem e que o País merece. Não é o labirinto onde o Governo e o Partido Socialista procuram higienizar as más consciências de muitos anos de medidas injustas e incorrectas. No entanto, não damos por fechado este processo legislativo. Por isso, aguardamos a abertura que aqui foi proclamada pela maioria. Vamos aguardar essa abertura, em nome dos direitos e da dignidade e de uma política séria e justa para a imigração, no nosso país.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barreiras Duarte.
O Sr. Feliciano Barreiras Duarte (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna, Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna, Sr.as e Srs. Deputados: Há 41 anos e 4 dias, foi aprovada aquela que veio a ser a primeira lei da imigração, em Portugal.
O Decreto n.º 46 748, de 15 de Dezembro de 1965, foi a primeira das oito leis da imigração que já tivemos até ao momento. Os anos de 1972, 1981, 1993, 1998, 1999, 2001 e 2003 ficaram associados a mudanças significativas no regime jurídico enquadrador da entrada, permanência e saída de estrangeiros.
Mais de 40 anos passados da aprovação dessa primeira lei da imigração, discutimos hoje aqui aquela que, a ser aprovada, será a nona lei da imigração, em Portugal.
Após 40 anos, com um mundo muito diferente, com uma Europa muito mais complexa e com um Portugal muito mais aberto e moderno e a necessitar cada vez mais de um choque de universalismo e de pragmatismo na abordagem do fenómeno migratório e fiéis à nossa história de povo, que nunca teve medo de cruzar relacionamentos com outros povos.
E, Sr.as e Srs. Deputados, não somos só nós a fazê-lo, a mudar a nossa lei da imigração, são muitos outros países, sobretudo na Europa, porque a imigração está no topo das agendas políticas, à escala mundial e europeia, por razões diversas.
Os «países-concha» têm os dias contados. As migrações no mundo são um dos fenómenos mais relevantes na vida dos povos, com impactos decisivos a vários níveis: cultural, político, económico e social.
Estimam-se em quase 200 milhões o número de pessoas que, a nível mundial, vivem actualmente fora do sítio onde nasceram — são quase 3% da população mundial. Só na Europa, são 65 milhões de pessoas, cerca de 8% da sua população residente. Actualmente, 75% desses quase 200 milhões de migrantes encontram-se em 12% dos países do mundo.
Os migrantes representam uma fatia considerável na força laboral nos países da OCDE, com diferenças que tendem a esbater-se. Se, por exemplo, no Japão são apenas 1,5% da população activa, na Alemanha já são 12% e, na França e Austrália, 25%. Nós, portugueses, já temos 10% da nossa população activa enquanto imigrantes. E cada vez mais se sente e percebe que o emprego por conta própria e os chamados «imigrantes empreendedores» estão a começar a ganhar terreno aos imigrantes por conta própria. Mas a sua importância retira-se com base em outros indicadores.
Por enquanto, o impacto económico das remessas é cada vez maior — e Portugal que o diga. O impacto das remessas dos emigrantes portugueses no desenvolvimento do nosso país, nas últimas décadas, foi extraordinariamente importante (dizem-no e atestam-no os últimos números de 2006). E, hoje, é consensual, em todo o mundo, que muitos países se apoiam, a par do investimento estrangeiro, nas remessas dos seus migrantes para potenciar o seu desenvolvimento. Aliás, nos últimos anos, o volume das remessas dos migrantes cresceu muito: de 58 biliões de dólares, em 1995, para 233 biliões de dólares, em 2005.
Sr.as e Srs. Deputados, entende, por isso, o PSD que, neste debate, a propósito da aprovação da chamada «lei da imigração», se deve falar não só deste diploma mas também de muitas outras matérias, que reputamos de relevantes para a concretização de uma verdadeira política de imigração.
Em primeiro lugar, para nós, PSD, é indispensável que, quando se fale da imigração, se tenha sempre presente «o outro lado da moeda», que é a da emigração portuguesa, a nossa diáspora, de quem nunca nos esquecemos. É que algumas pessoas, às vezes, parecem esquecer-se disso. Esquecem-se que nós temos quase um terço dos portugueses a viver fora de Portugal, em mais de 100 países, nos quatro cantos do mundo. São quase 5 milhões de pessoas, por quem temos, ao longo das últimas décadas, lutado para defender a sua efectiva integração nos países de acolhimento.
E tudo isso faz sentido porque a emigração portuguesa, nos últimos anos, voltou a crescer, estimando-se em 60 000 os portugueses que têm saído, sobretudo para vários países da Europa.
Daí que para nós a imigração não seja um problema mas, sim, uma oportunidade.
Hoje, na oposição, como, ontem, no governo e, no futuro, quando os portugueses o entenderem, de novo na governação de Portugal, continuaremos a defender o mesmo e a contribuir para pôr em prática uma verdadeira política de imigração, assente em dois pilares: rigor e humanismo nas entradas; e responsabilidade e humanismo na integração.
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Daí que não nos custe dizer que o Governo nos apresenta um diploma equilibrado, onde estão presentes estes dois pilares. Reconhecemos que o Ministro António Costa foi sensível a propostas que apresentámos, no período de discussão pública, e que vieram melhorar o diploma.
O diploma é bem melhor do que a versão originária antes da discussão pública. Observa vários princípios do nosso Direito e tem em conta o quadro jurídico da União Europeia e outros compromissos internacionais do nosso país.
De resto, este diploma vem trazer avanços importantes na melhoria do Estatuto Jurídico do Residente, no Estatuto Comunitário do Residente de Longa Duração, na imposição de limites genéricos à expulsão administrativa e judicial, introduz medidas para tornar mais eficazes a execução de ordens de expulsão, em especial de imigrantes em situação ilegal, entre muitas outras matérias.
Mas o PSD entende que, em sede de especialidade, devem ser introduzidas mais alterações. E, desde já, anuncio, em nome do Partido Social Democrata, que iremos apresentar as seguintes propostas, para as quais esperamos o melhor acolhimento: Em primeiro lugar, a inclusão no preâmbulo ou no corpo do diploma de uma referência à obrigatoriedade de observância do código de fronteiras, que contém disposições da maior relevância e grande detalhe; Em segundo lugar, a institucionalização da figura do «imigrante empreendedor», como forma de apostar ainda mais na imigração qualificada; Em terceiro lugar, alterações no regime de admissão (concretamente, no artigo 59.º), de forma a tirar a carga excessivamente negativa das chamas «quotas» e promovendo o envolvimento das autarquias locais e das associações de imigrantes no processo de admissão e gestão dos fluxos migratórios; Em quarto lugar, a melhoria das condições de acesso ao apoio judiciário por parte dos imigrantes; Em quinto lugar, alterações diversas, no que diz respeito aos menores nascidos de casamento polígamo, ao cancelamento de autorização de residência, entre outras matérias; Em sexto lugar, sugestões por forma a que o Ministério da Administração Interna possa ter uma palavra a dizer no trabalho a efectuar por parte de muitos dos consulados dos países emissores de imigrantes para Portugal.
A par destas propostas, entendemos que se justifica que também se inicie o debate para a concretização de uma nova geração de direitos e deveres dos imigrantes, assente em quatro pilares: língua; trabalho; habitação; e direitos políticos.
Nesse sentido e em sede própria, apresentaremos as iniciativas adequadas e promoveremos as diligências necessárias para que tal possa vir a acontecer, no curto e no médio prazos.
E afirmamos neste debate que consideramos ter chegado o momento de se questionar as matérias referentes à reciprocidade. Sabemos que, em primeiro lugar, é uma matéria de foro constitucional. Mas parece-nos que se justifica que se equacione ou não a sua manutenção. Parece-nos que, cada vez mais, a reciprocidade é mais um problema do que uma solução — e são muitos os exemplos de que dispomos para o atestar. Aliás, sobre esta matéria da reciprocidade são cada vez mais os novos conceitos que têm surgido e que devem merecer toda a atenção, desde a cidadania de geometria variável a cidadania múltipla e cidadania inclusiva.
Por tudo isto, Sr.as e Srs. Deputados, o PSD entende estas matérias de imigração como uma matéria de regime. Hoje, na oposição, ontem, no governo e, amanhã, de novo no governo, estaremos empenhados em contribuir para encontrar as melhores soluções jurídicas e políticas.
Imunes a estratégias exclusivamente partidárias, temos uma agenda política clara para a imigração. O que nos interessa é o País; a imigração não é um problema, é uma oportunidade. Nem sequer os que falam mais vezes e ruidosamente têm a razão do seu lado. O «generalismo» destas matérias é tão mau como o populismo e a demagogia, venham de que lado vierem.
À semelhança do fizemos com a discussão e aprovação da nova lei da nacionalidade, o PSD está empenhado e disponível para que a nova lei da imigração seja o mais justa e equilibrada possível, para defender os interesses de Portugal e dos portugueses e dos cidadãos imigrantes que estão no nosso país.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.
O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Com a proposta de lei n.º 93/X, apresentada pelo Governo, e com os projectos de lei do PCP e do BE sobre a mesma temática, a Assembleia da República é chamada a pronunciar-se, de novo, sobre o regime de entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros do território português.
As relativamente frequentes incursões da Assembleia da República e do Governo neste regime jurídico não são forçosamente sintoma de instabilidade normativa ou de indecisão, ou até de inflexões na nossa política de imigração. Ao invés, pode observar-se que os pilares fundamentais desta política estão traçados há vários anos, sobrevivendo, de um modo geral, à mudança de governos e de responsáveis políticos.
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As alterações legislativas têm obedecido no essencial, ou ao ritmo das políticas e iniciativas europeias, que se vêm afirmando neste domínio, ou à necessidade de alguns ajustamentos de desigual importância.
Neste contexto, são pouco numerosas as grandes inovações introduzidas ao longo da última década.
Talvez as mais relevantes, embora com impactos muito diferenciados, diga-se, tenham sido a introdução das autorizações de permanência e a introdução de contingentes, ora indicativos, ora vinculativos, para o número de novos imigrantes admitidos.
A presente iniciativa do Governo, sem pôr em causa os referidos pilares fundamentais, vai um pouco mais além do que o habitual na reponderação de algumas das opções clássicas da lei portuguesa. E, em qualquer dessas duas vertentes, uma conservadora, outra progressiva, a estratégia legislativa que o Governo ora nos propõe merece certamente aplauso.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Orador: — Com a aprovação deste novo quadro jurídico, continuaremos a endereçar uma mensagem de moderação e de tolerância em relação aos fenómenos de imigração. Sendo Portugal uma nação desde sempre aberta ao mundo, essa mensagem só nos prestigia e nos dignifica.
O novo quadro jurídico agora proposto, como, de resto, aquele que está em vigor, rejeita dois tipos de discursos com que deparamos aqui e ali, às vezes envergonhados, outras vezes brutalmente expressos.
O primeiro discurso é o de uma certa direita europeia, retrógrada ou populista, que cavalga os sentimentos de insegurança e os medos de cidadãos europeus temerosos em relação ao futuro. É o discurso de uma direita velha, alimentada por aqueles cuja única ambição é encerrar-se em casa «a sete chaves», à espera de uma morte lenta e sem glória. É o discurso daqueles que olham para os cidadãos, que escolhem os nossos países para viver e para trabalhar, com desconfiança e com receio. É a opção dos que não confiam em si mesmos e desconfiam daqueles que ostentam alguma diferença.
Esta é uma posição que uma nação que apostou na globalização mais cedo do que os outros, que se abriu a novos povos e a novas culturas e baseou muito do seu sucesso na absorção desses novos povos e culturas, não pode adoptar.
Aplausos do PS.
Mas há também um outro discurso que continuaremos a rejeitar. O discurso de uma certa esquerda que defende as portas escancaradas, a desregulação e, paradoxalmente, a liberalização total dos fluxos migratórios, quiçá apostando na anarquia que julga ser-lhe favorável.
Sr. Presidente, a proposta do Governo que hoje discutimos tem o apoio do Partido Socialista por reunir três características fundamentais: simplifica o regime de concessão de vistos e autorizações; é genericamente mais generosa para os imigrantes do que o quadro jurídico em vigor; elimina alguns elementos de desnecessária rigidez que a última alteração a este quadro jurídico tinha introduzido, sem, contudo, descurar o continuado combate à imigração clandestina e àqueles que a exploram.
A generosidade entremostra-se em numerosos aspectos, dos quais destaco quatro: facilitação do reagrupamento familiar, que deixa de estar dependente de algumas das condições até aqui exigíveis, entre as quais a do período mínimo de residência legal em Portugal do imigrante com direito ao reagrupamento dos seus familiares; transformação dos vistos de estudo, dos vistos de trabalho, das autorizações de permanência e de outros títulos habilitadores de trabalho subordinado em autorizações de residência; concessão de autorização de residência a cidadão estrangeiro que seja ou tenha sido vítima de infracções penais ligadas ao tráfico de pessoas ou ao auxílio à imigração, mesmo que tenha entrado ilegalmente no País; acesso a autorização de residência para os menores nascidos em Portugal que se encontrem a frequentar qualquer nível de educação não superior, extensível aos seus ascendentes em 1.º grau.
A eliminação de factores de rigidez do sistema que, ou por o burocratizarem em demasia, ou por dificultarem o recurso aos mecanismos legais, alimentaram afinal, perversamente, o recurso aos mecanismos ilegais, também é demonstrada por significativos exemplos: Primeiro, possibilidade de um imigrante que tenha entrado e se encontre legalmente em Portugal, mesmo sem visto de residência, poder obter, em certas circunstâncias, uma autorização de residência; Segundo, faculdade de a prova da existência de contrato de trabalho poder ser substituída pela comprovação de uma relação laboral através de sindicato, de associação com assento no COCAI (Conselho Consultivo para os Assuntos da Imigração) ou da Inspecção-Geral de Trabalho; Terceiro, possibilidade de um estrangeiro obter um visto de residência quando disponha de qualificações reconhecidas e adequadas e beneficie de uma simples manifestação individualizada de interesse da entidade empregadora; Quarto, eliminação da proibição de reentrada em Portugal, por um período de 5 anos, do imigrante apoiado pelo Programa de Regresso Voluntário.
Ainda no contexto da flexibilização do quadro legal, merece especial relevo a supressão do «limite máximo imperativo de entradas de cidadãos estrangeiros para o exercício de uma actividade profissional» — sublinho, «limite máximo imperativo» —, previsto no artigo 36.º, n.º 2, do regime em vigor.
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Tratou-se de uma opção baseada na ilusão de que o mercado pode ser espartilhado por decreto. Tal opção errada teve, certamente, uma quota parte de responsabilidade no deslizamento de muitos trabalhadores imigrantes necessários à actividade económica para esquemas de imigração ilegal. Na proposta do Governo que discutimos hoje consagra-se apenas a definição de um contingente global meramente indicativo, como está no artigo 59.º, n.º 2.
A toda esta simplificação e aligeiramento da lei, pode seguir-se agora um desejável esforço de desburocratização do funcionamento dos serviços e de aumento da sua convivialidade em relação aos imigrantes.
Sr. Presidente, a aprovação e vigência de uma lei de imigração moderna e equilibrada é um imperativo moral e humanista, mas também económico e estratégico.
Não quero aludir apenas ao problema, que nos preocupa a todos, da sustentabilidade do Estado social num País a braços com uma população a envelhecer gradualmente.
Já seria uma boa razão para recebermos bem no nosso país aqueles estrangeiros que o escolhem para viver e trabalhar, sabermos que parte da viabilidade futura dos nossos sistemas sociais passa por eles.
Mas muito mais importante do que isso é o valor estratégico da imigração e dos imigrantes na perspectiva dos desafios que um pequeno país como o nosso enfrenta no mundo moderno.
Nesse mundo, cada vez mais são as pessoas que contam, são as pessoas que são decisivas. Um país com a população a decrescer é um país condenado à mediocridade e, a prazo, ao desaparecimento. Um país sem recursos humanos é um país sem massa crítica e com crescentes dificuldades de enfrentar os gigantes económicos actuais e emergentes. A competição com a China ou com a Índia, mas também com outras potências económicas e políticas do futuro, como o Brasil, a Rússia ou a Indonésia, não exige apenas que nos tornemos melhores e mais qualificados. Exige também que tenhamos dimensão. No mínimo, é imperativo que mantenhamos a nossa dimensão actual.
O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!
O Orador: — E se tivermos possibilidade de ganhar mais dimensão, dentro da nossa capacidade de absorção e de boa integração, tanto melhor.
Tudo isto vale para Portugal e vale para a generalidade da União Europeia, cujos desafios não são diferentes daqueles que enfrentamos.
É por isso que olhar para os imigrantes como uma ameaça, como o inimigo, como um encargo, ou tão-só com indiferença, além de renegar os valores do humanismo que permitiram à Europa ser forte e livre, é um absurdo que devemos evitar.
Aqueles cidadãos estrangeiros que, por opção livre, decidiram partir dos seus próprios países, deixando raízes e família e escolheram a nossa comunidade para viver e trabalhar, contribuindo para o progresso de Portugal e participando connosco no esforço diário de o tornar mais forte e mais capaz de se impor no mundo, só podem merecer apreço e reconhecimento.
Criar condições para a sua plena integração, dentro do respeito dos nossos valores fundamentais, não é uma mera manifestação de generosidade ou uma prodigalidade. É um dever para com quem, proveniente de sítios tão díspares como o Brasil, a China, Cabo Verde, Ucrânia, Índia ou Roménia, entre muitos, nos honrou com a sua preferência. É um imperativo com aqueles cuja escolha homenageia os nossos valores, a hospitalidade do nosso povo, a liberdade em que vivemos, o progresso económico que atingimos, a estabilidade das nossas instituições, o regime democrático que instaurámos, as oportunidades que criamos.
Aplausos do PS.
É por isso que merecem relevo especial, nesta ocasião, dois factos: Em primeiro lugar, as reiteradas manifestações de intenção por parte do Primeiro-Ministro e do Governo, também já hoje aqui reafirmadas pelo Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna, de colocar a questão da integração de imigrantes no centro do debate europeu durante a presidência portuguesa do Conselho; Em segundo lugar, a elaboração e apresentação, para discussão pública, do Plano para a Integração dos Imigrantes, um programa de referência para o Estado e para a sociedade civil a ser executado até 2009. Este plano, que envolve 13 ministérios e 123 medidas, é inegavelmente ambicioso e traduzir-se-á em melhorias em áreas fulcrais como o trabalho, a habitação, a saúde, a educação, a segurança social, a cultura, a língua e a justiça.
Sr. Presidente, a presente proposta de lei articula-se bem com a nova Lei da Nacionalidade, publicada já em 2006 e recentemente regulamentada.
Ambas as iniciativas legislativas honram um Governo e uma maioria parlamentar que inscreveram no seu programa o objectivo de desenvolvimento de políticas abertas e progressivas em relação a cidadãos estrangeiros que participam na vida nacional. Ambas as iniciativas honram a nossa história e os nossos valores universalistas. Ambas as iniciativas serão recordadas como pontos altos desta Legislatura.
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Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Vitalino Canas, registo que nesta sua intervenção, ao contrário do Ministro António Costa, o Sr. Deputado veio elogiar os quadros legislativos anteriores e que este quadro legislativo vai «um pouco mais além», repito «um pouco» — é de registar a expressão. Quem tem pecados antigos, sempre os confessa, Sr. Deputado Vitalino Canas!…
Vozes do BE: — Muito bem!
O Orador: — Quero registar, também, que, com o devido respeito, utilizando alguns dislates, falou acerca do projecto de lei do Bloco de Esquerda. Creio que não o terá lido, não o conhece, porque, se o conhecesse, não adoptava o discurso tremendista que a direita europeia tem acerca da entrada de imigrantes no nosso país.
Mas o que verdadeiramente importava, sobretudo no momento em que, claramente, abranda o fluxo migratório para Portugal, era que o Sr. Deputado Vitalino Canas nos dissesse, através dos vários mecanismos algo labirínticos em que pode ser feita a regularização de indocumentados actualmente no País, quanto tempo isso vai demorar, quantos vão ficar de fora, se tem qualquer estimativa, se tem qualquer previsão, porque isso é que realmente importa. É impossível fazer uma lei generosa, humanista e abrangente e escamotear os que cá estão em situação de indocumentados.
Vozes do BE: — Muito bem!
O Orador: — Não vamos poder legalizar acanhada e envergonhadamente pela porta dos fundos, porque esse é o tal «efeito papão» que o Ministro António Costa quis aqui criticar a direita e que os senhores importam numa versão clonada, embora low-profile.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Luís Fazenda, foi não só uma pergunta do Bloco mas também em bloco! Sr. Deputado Vitalino Canas, pode responder.
O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, agradeço a pergunta que me colocou, porque me permite perceber algo que não era objectivo da minha intervenção. É que o Sr. Deputado, aparentemente, terá «enfiado a carapuça» por alguma das coisas que eu disse da tribuna sem me referir, aliás, ao Bloco de Esquerda…
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Há disparates que não merecem comentários!
O Orador: — … e sem me referir, sequer, ao projecto do Bloco de Esquerda.
Em relação ao projecto do Bloco de Esquerda, esse será avaliado pelo seu mérito, mas a ele não me referi em nenhuma parte da minha intervenção. Da tribuna, referi-me objectivamente a duas correntes que existem na Europa, uma corrente de fechamento total e outra de abertura total. Se o Sr. Deputado se revê em algumas dessas correntes da forma como eu as descrevi, é algo que lhe compete a si fazer, é algo que lhe compete a si «enfiar essa carapuça»!
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Não gosto de chapéus!
O Orador: — Sr. Deputado, não tenho qualquer dúvida de que a proposta de lei que o Governo hoje aqui nos apresenta vai mais além que aquilo que têm sido as opções tradicionais de política de imigração portuguesa. É uma proposta de lei generosa, é uma proposta de lei que facilita os processos de obtenção de vistos e de autorizações de residência em Portugal, além do mais simplificando bastante a existência desses vistos. O Sr. Deputado falou de labirinto. De facto, existe, hoje em dia, um labirinto, temos de reconhecê-lo — e o Governo já o fez —, mas esse labirinto vai ser encerrado com esta proposta de lei. Os oito vistos que existem, hoje em dia, para obtenção da possibilidade de trabalhar em Portugal vão ser reduzidos a apenas um. Há aqui, portanto, uma simplificação, que o Sr. Deputado deveria reconhecer.
E existem também mecanismos que permitem a imigrantes que tenham entrado legalmente em Portugal, ainda que não com um visto de trabalho ou com um visto que lhes possibilite trabalho, vir a poder obter, a partir de Portugal, essa possibilidade.
Sr. Deputado, creio que ficaria bem ao Bloco de Esquerda reconhecer que esta proposta de lei vai no sentido correcto, como muitas pessoas fora da Assembleia, pessoas relacionadas com os imigrantes,
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reconheceram. Ficaria bem ao Bloco de Esquerda reconhecer isso, em vez de estar aqui numa posição fechada, que, creio, não é a posição correcta em relação a uma proposta de lei que vai, em certa medida, no sentido de algumas medidas que o próprio Bloco de Esquerda tem defendido.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje alterações ao regime de entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros do território nacional, matéria que constitui agenda prioritária da actual política europeia.
Ao contrário de outros, o CDS mantém o que sempre defendeu: uma política de imigração consciente deve ser rigorosa nas entradas para ser humana na integração e receber bem quem procura melhores condições de vida em Portugal, por uma questão de princípio e por razões históricas.
Temos uma visão positiva da imigração que contribuiu — quando regulada — para o desenvolvimento não só económico mas social e cultural do País.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Orador: — Sintetizámos a nossa proposta na frase: rigor nas entradas, humanidade na integração e combate firme às redes de imigração ilegal.
O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Exactamente!
O Orador: — Desde sempre defendemos o que hoje é tão evidente que até o Ministro António Costa utiliza estas expressões então totalmente proscritas no léxico do Partido Socialista.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Orador: — Todos se lembram, certamente, o que o Dr. António Costa — então Deputado — dizia sobre as quotas e os adjectivos com que «mimoseava» quem proferia esta frase.
A memória, na vida como na política, é tão importante quanto traiçoeira… E hoje, justamente, é o Ministro António Costa que apresenta uma proposta de alteração à Lei de Imigração que mantém o regime de quotas.
Mudam-se os tempos, as vontades, mas também as responsabilidades, e o tempo, neste caso, parece ter sido bom conselheiro para o PS. É que o último governo do PS, do qual faziam parte o actual Primeiro-ministro e o Ministro António Costa, fez com que a comunidade imigrante duplicasse em dois anos, como resultado de um política de entradas desregulada, com a realização continua de processos de regularização extraordinários.
O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — É verdade!
O Orador: — É bom relembrar que políticas mais rigorosas entretanto adoptadas, com uma imigração regulada a partir dos países de origem e a promoção da imigração legal, permitiram sinais opostos em matéria de imigração. Só leituras menos atentas poderão concluir o contrário.
De forma ordenada e paciente, Portugal privilegiou a imigração legal, e um relatório independente da OCDE sobre as «Perspectivas das Migrações Internacionais» assinalou que, a partir de 2003 — curiosa data! — registou-se uma acentuada diminuição dos fluxos migratórios.
Por tudo isto e por a maioria das alterações propostas resultarem da transposição de sete directivas, a primeira crítica a esta proposta de lei prende-se com a oportunidade da alteração.
Nesta área, os regimes devem ser estáveis, previsíveis até. Ora, Portugal, em oito anos, com a aprovação da presente proposta de lei, vai ter quatro regimes diferentes. A nosso ver, seria bem melhor que o Governo criasse condições reais para a efectiva execução de uma lei que até teve a abstenção do PS e que continha medidas que mereciam «o aplauso (…) e o especial apreço» do PS, pela voz do Deputado Vitalino Canas.
Reforçou a rede consular existente? Não, até fechou consulados. Aumentou o número de oficiais de ligação do SEF que o anterior governo tinha iniciado? Não, nem mais um oficial foi nomeado. Criou uma rede integrada e actualizada de informação entre o SEF, a Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e o IEFP? Não, limita-se a mudar a lei… Quanto ao mérito, é caso para dizer que o que é novo e resulta da União Europeia é bom; o que é novo e resulta do PS, no mínimo, é preocupante.
Concordamos com a agravação da moldura penal do crime de auxílio à imigração ilegal, com o aumento das coimas às empresas que explorem conscientemente imigrantes em situação ilegal e, ainda, com a criminalização dos chamados casamentos por conveniência.
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Todavia, a verdade é que o PS não consegue refrear o seu ímpeto imaginativo quanto à política de imigração. E, anos depois de ter «presenteado» o País com as autorizações de permanência, figura única na União Europeia e que resultou num trágico processo de regularização extraordinário que redundou na duplicação da população imigrante em apenas dois anos (de cerca de 220 000 para 437 000), sem que o País tivesse capacidade de absorção ou alguma medida adicional tivesse sido tomada, hoje, apresentam-nos uma nova cujos efeitos podem ser não menos graves.
Refiro-me ao artigo 59.º, que consagra um tercio genius para a obtenção de um visto, a chamada manifestação individualizada de interesse da entidade empregadora. A partir de agora, um visto pode ser obtido por uma simples «manifestação de interesse» que nunca existiu, não é normal, nem se sabe como e porquê aparece nesta nova legislação! Sr. Ministro, este artigo, repito, é um erro político grave.
O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Gravíssimo!
O Orador: — Já pensou V. Ex.ª que estas «entidades patronais interessadas» podem ser redes de tráfico ilegal de pessoas que demonstram justamente esse pseudo interesse para promover a imigração ilegal? O que acontecerá a estes imigrantes se, no fim deste período, não conseguirem arranjar emprego? Ficam ilegais e à mercê de todo o tipo de exploração. E o SEF terá meios para aplicar a lei? Sr. Ministro, se isto não é uma forma encapotada de promover uma certa «legalização» de uma forma de imigração ilegal, não sei o que será! Por isso, não só somos contrários a este artigo como reiteramos a crítica de não ter sido consagrada uma norma que proíba a realização destes processos, como, aliás, tem sido amplamente discutido na União Europeia — e V. Ex.ª não o desconhece Estranhamos que não tenha respondido claramente a esta questão e que não tenha garantido que o Governo não irá realizar uma regularização extraordinária, ainda que com outro nome, justamente através desta disposição legal.
Já agora, embora nada tenha a ver com esta proposta de lei, mas é muito importante e tem a ver com a questão da integração, pergunto: em que fase se encontra a instalação do Observatório de Fluxos Migratórios, anunciado, com pompa e circunstância, em Maio passado? E, relativamente ao Plano para a Integração dos Imigrantes, anunciado ontem pelo Ministro da Presidência com pompa e circunstância, na véspera deste debate (que coincidência!), e que propõe a implementação de 123 medidas de 13 ministérios, muitas delas já anunciadas como redundantes, pergunto: com que verbas irá operar este Plano se nada está previsto no Orçamento do Estado recentemente aprovado nesta Casa? Só agora o Governo se lembrou destas 123 medidas?! Nada está previsto ou trata-se da propaganda do costume? Parece-nos que sim.
O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Exactamente!
O Orador: — Em suma, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o CDS não pode viabilizar uma proposta de lei que, embora contenha alguns aspectos positivos, tem graves riscos e erros políticos que vão ao arrepio de uma politica de imigração consciente, regulada, rigorosa e integradora, que defendemos hoje como sempre fizemos.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Celeste Correia.
A Sr.ª Celeste Correia (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Como é natural, os partidos políticos fazem leituras diferentes da realidade e apresentam soluções distintas para mudar essa mesma realidade.
Desde os anos 90, os projectos na área da integração de imigrantes têm merecido uma generalizada concordância entre os partidos — foi o que aconteceu recentemente, por, exemplo, com a Lei da Nacionalidade —, mas nunca estivemos todos de acordo na vertente do controlo e da fiscalização de fluxos migratórios, pelo contrário.
Mais uma vez, foi o que aconteceu neste debate. Tenho a certeza, porém, que ficamos todos, nesta Assembleia e fora dela, extremamente sensibilizados quando vemos chegar, ou a tentar chegar, às Canárias, a Ceuta, a Melilha ou a Lampeduza seres humanos exaustos, famintos, exangues, de olhar vazio, desesperados.
Aplausos do PS.
Vítimas de governos corruptos, vítimas de catástrofes sociais e/ou naturais, vítimas de guerras, vítimas da fome. Sempre vítimas!
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Aí, mais uma vez, constatamos que esta é uma das problemáticas mais complexas destes nossos tempos.
Que fazer? Que caminhos justos e ajustados seguir, a nível europeu e nacional? Receber toda a gente em nome de um ainda complexo de culpa colonial europeu, ou de alguma má consciência de quem vive na abundância? Será que legalizar e entregar todos os que procuram esta finisterra estanca esses fenómenos ou, pelo contrário, contribui para que eles se multipliquem? Como pode o Estado de direito e a democracia construir formas eficazes de combate à exploração humana? Como conseguir um justo equilíbrio entre as responsabilidades do governo, de qualquer governo, e o justo tratamento da pessoa humana? Como encarar o facto de a Comissão Europeia estimar, para a União, a necessidade de receber 50 milhões de imigrantes, até 2050, e conciliar este facto com a resistência crescente à vinda de mais imigrantes das opiniões públicas dos países de destino, mesmo sabendo essas opiniões públicas que grandes sectores da economia europeia dependem do trabalho imigrante?
Vozes do PS: — Muito bem!
A Oradora: — Que pensar do facto dos fluxos migratórios serem uma componente incontornável da globalização e que a pressão imigratória tende a manter-se, a aumentar, diversificando-se? Que fazer quando a imigração ilegal organizada e o tráfico de seres humanos é associado ao terrorismo, identificação extremamente injusta mas que não pode ser ignorada? Já agora, deixem-me destacar, de entre as várias medidas propostas, a criação do observatório do tráfico de seres humanos, incluído no Anteprojecto do Plano para a Integração dos Imigrantes, ontem apresentado e em discussão pública até Janeiro.
O que fazer quando os fluxos também interessam aos governos dos países em desenvolvimento, porque as remessas são a segunda fonte de fluxos financeiros, logo a seguir ao investimento directo estrangeiro? E que fazer quando bancos e agências financeiras cobram biliões em taxas de transferências de remessas? Ou quando, num registo mais prosaico, se capitula perante o «politicamente correcto», quando empresas no Reino Unido deixam de festejar o Natal para não ferir susceptibilidades de algumas comunidades imigrantes? Como reagir ao medo? Não temos todas as respostas a estas e outras perguntas, mas sabemos que é nossa obrigação honrar a tradição social do PS.
Vozes do PS: — Muito bem!
A Oradora: — Há quase duas décadas que gente deste partido, e também de outros, tem procurado agir em conformidade, com avanços e alguns recuos, mas sempre com determinação.
Mais uma vez, um Governo do PS aqui está para honrar essa tradição.
O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!
A Oradora: — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Se este debate se realizasse há poucos anos atrás, estaria aqui a dizer-vos que estamos a discutir três instrumentos de uma política de controlo e de regularização de fluxos migratórios e que isso não poderia ser confundido como sendo a política de inserção dos imigrantes na sociedade portuguesa. Contudo, é hoje bastante claro que a integração dos imigrantes e o controlo dos fluxos migratórios são conceitos que caminham em paralelo, sim, mas que se interligam cada vez mais.
De facto, quando se combate a burocracia que inferniza a vida dos imigrantes dia-a-dia, estamos a trabalhar na integração das pessoas; quando se alarga o direito ao reagrupamento familiar a estrangeiros que hoje estão dele excluídos, estamos a agir no sentido da integração; quando se cria o estatuto de residente de longa duração, concedido a todos aqueles que aqui residem há cinco anos, estamos também a falar de integração; quando se envolvem as autarquias na renovação dos títulos de residência, encaminhando o imigrante para uma relação de maior proximidade com a autarquia onde reside, também aí estamos a integrar.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Acreditamos que a proposta do Governo é muito positiva porque, em primeiro lugar, consolida os aspectos positivos de um percurso legislativo de cerca de duas décadas; em segundo lugar, cristaliza e tem como matriz os direitos humanos e respectivas garantias no tratamento das questões relativas à regulação e controlo dos estrangeiros; em terceiro lugar, integra a evolução legislativa comunitária e, em quarto lugar, é uma proposta tecnicamente conseguida, etc., etc.
Vozes do PS: — Muito bem!
A Oradora: — Esta proposta é um importante instrumento de uma política de controlo de fluxos migratórios e de integração, que pretende ajustar Portugal às exigências, comunitárias e nacionais, que se colocam hoje ao nosso país.
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O Governo apresentou à sociedade portuguesa, no seu Programa, uma política global de imigração coerente e integrada que vem, paulatina e determinadamente, a desenvolver. A essa política não é alheia a experiência colectiva portuguesa como País de emigração e a convicção de que só é possível promover, dignificar e integrar de forma adequada todos os imigrantes, partilhando com eles o bem-estar para o qual também contribuem, desde que o seu número não cresça descontrolada e permanentemente, o que não é o caso português.
O equilíbrio da nossa sociedade impõe um dever de integração, mas esta também pressupõe situações de equilíbrio não comprometido por crescimentos bruscos da população.
É este o caminho que encontramos, de novo, nesta iniciativa do Governo do PS e é por isso que a vamos apoiar.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna: — Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs.
Deputados: Foi dito durante o debate que o diploma que hoje apreciamos é melhor do que o anteprojecto — foi o Sr. Deputado Barreiras Duarte que o afirmou. Julgo que, parlamentarmente, não pode haver melhor e maior elogio ao trabalho que foi desenvolvido durante estes meses.
De facto, o debate feito tanto a nível público como em sede institucional, que permitiu notadas contribuições, como a do Conselho Económico e Social, por exemplo, no seu extenso e bem elaborado parecer, como a do COCAI (Conselho Consultivo para os Assuntos da Imigração) ou as de várias associações, de várias entidades públicas e privadas, e o debate parlamentar, que agora acaba de juntar a esse acervo de reflexão, convergem num ponto absolutamente essencial: é preciso corrigir algumas disfunções do nosso quadro legal e ajustá-lo à hora que vivemos, à escala europeia e à escala mundial, em matéria de migrações.
O debate e a proposta foram cuidadosamente preparados. Escolhemos, por convicção e por utilidade, essa metodologia e os seus resultados estão à vista. Julgo que o clima em que o debate se tem travado, e em que se travou hoje aqui, é exemplar politicamente. Este é o clima adequado para discutir uma questão de tão elevada complexidade, que no passado tanto nos dividiu e tantos danos causou do ponto de vista político e do ponto de vista social. É que esta matéria tem a ver com a vida das pessoas, de muitas pessoas concretas. E essa diferença, digo-vos, é uma diferença que também sabe bem e é muito importante.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): — Muito bem!
O Orador: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não me surpreende que tenha colhido bem a ideia subjacente a este debate de que temos de fazer reformas articuladas. A reforma da lei da nacionalidade, que obteve um consenso tão alargado, está articulada com esta, assim como a revisão do Código Penal, que reforçará, e muito, o combate ao tráfico de seres humanos e que penalizará clientes de vítimas do tráfico de seres humanos para efeitos sexuais, entre outras coisas, e a reforma do Código de Processo Penal, que concederá novos meios de intervenção aos órgãos de polícia criminal também para estes efeitos, e não são pouco relevantes. Todas essas reformas, tal como o plano de integração de imigrantes, estão articuladas e são para levar a cabo de forma conjunta, fazem sentido e são de grande importância para Portugal e para as nossas comunidades.
Neste debate voltaram mais uma vez — o que também não é surpreendente — vários aspectos positivos da proposta apresentada. Em primeiro lugar, a perspectiva inovadora de sistematizar. «Remendar» o quadro legal actual ao fim de tantas décadas, de tanto tempo, não seria solução. É preciso um quadro ressistematizado, que seja claro, que se aproxime de um verdadeiro código, tal como é desejável para que o tal «labirinto» seja percorrível por qualquer um. Depois, teremos os guias complementares e explicativos.
Em segundo lugar, julgo que seguimos as melhores práticas. Quanto a esse ponto, pedimos meças em matérias de soluções inovadoras. Devo confessar que uma das que consagramos aqui recebeu aplausos há dias na Conferência do Diálogo 5+5, que junta cinco países de um lado do Mediterrâneo e cinco países árabes do outro lado do Mediterrâneo, em que tive a honra de representar a República Portuguesa. A ideia de imigração circular, que é uma ideia inovadora constante desta proposta, não só colheu aplausos como, por insistência dos nossos parceiros, que é isso que eles são, foi incluída nas conclusões finais. Essa ideia está nesta proposta e, desde Março, está nos nossos trabalhos preparatórios. Esta é uma grande ideia a defender, tanto no plano nacional como no plano internacional. É uma inovação, portanto.
Em terceiro lugar, a perspectiva Simplex. É que, na verdade, eliminar démarches inúteis, procedimentos que são uma tortura para quem os suporta e uma trabalheira para quem tem de os aplicar, é um imperativo e esta lei não podia ser alheia a este espírito, não fosse ela também vinda da mesma matriz que dirige hoje o processo Simplex à escala nacional.
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Em quarto lugar, a filosofia humanista, como não podia deixar de ser, contra qualquer ideia do «imigrante descartável» ou daquele que possa afundar-se num cayuco, dando notícia num jornal com indiferença total e passando ao dia seguinte. Essa filosofia não é a nossa e não é, felizmente, a desta Câmara, como hoje vemos.
Aplausos do PS.
Mas, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, como em tudo na vida, há um pomo da discórdia. O pomo da discórdia não são as benfeitorias, e também nessa matéria pedimos meças.
Diz-se: «Bom, mas podia haver uma melhor vigilância dos centros de instalação temporária. Talvez pedir ao ACIME (Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas) que participe nisso». Sr. Presidente, Srs.
Deputados, temos uma solução que vem funcionando razoavelmente, com avaliação internacional e que supera esse patamar.
Temos o Centro de Instalação Temporária de Santo António, no Porto, certificado pela Organização Internacional para as Migrações e pelo Serviço Jesuíta de Apoio aos Refugiados, que participam constantemente na sua gestão e o acompanham no dia a dia, nem mais nem menos! É essa a solução em que apostamos e não menos do que isso.
A ideia de regularizar todos os imigrantes registados ao abrigo do Decreto Regulamentar n.º 6/2004, de 26 de Abril, ou ao abrigo do «Acordo Lula» foi uma óptima ideia, mas consta da nossa proposta, Srs. Deputados.
Por favor, não a apresentem como uma ideia apresentada contra nós! Não, não! É a nossa ideia desde o primeiro momento.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Orador: — O mesmo pode dizer-se da ideia de converter autorizações permanentes, vistos de trabalho ou vistos de estudos em autorizações de residência. A ideia é óptima e, por isso, quem esteve no nosso colóquio de Março e, mais tarde, quem esteve na apresentação da proposta — e estiveram muitos dos Srs.
Deputados — ouviu essa proposta nessa altura, não agora.
Quanto às limitações à expulsão, consagrámo-las sem hesitação, acolhendo, aliás, a jurisprudência do Tribunal Constitucional.
Deixem-me assinalar com alguma estupefacção que, em matéria de uniões de facto, por exemplo, a proposta de lei do Governo, além de contemplar os efeitos do reagrupamento familiar – artigo 100.º, como terão visto os Srs. Deputados –, ainda permite o exercício desse direito em relação aos filhos adoptados da pessoa em união de facto, coisa de que o projecto de lei do Bloco de Esquerda se esquece, o que francamente assinalo com grande estranheza. Distracção! O debate na especialidade permitirá certamente outras melhorias e a proposta sairá daqui melhor do que entrou.
O pomo da discórdia está em que o Governo, como o Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna aqui assinalou e dispensa reforço, não levará a cabo um processo de regularização extraordinária e menos ainda pede à Assembleia que crie uma espécie de cláusula aberta de regularização extraordinária permanente — com um sabor algo trotskiano… Será assim?! –,…
Risos do PS.
… como propõe o artigo 51.º-A do projecto de lei do Bloco de Esquerda.
Por outro lado, exige o bom senso que ninguém proponha a concessão de vistos de trabalho sem ter uma ideia de quais são as oportunidades de emprego e o que a economia no momento concreto oferece. Nesse sentido, o artigo 59.º do proposta de lei visa reflectir um equilíbrio.
Finalmente, o Sr. Ministro de Estado chamou a atenção para este aspecto mas gostaria de sublinhar que uma análise atenta da nossa proposta, eu diria de cada uma das normas da nossa proposta, revelará que, sem provocar qualquer efeito de chamada, se a Assembleia da República nos conceder todos estes instrumentos, o Governo ficará dotado de um diversificado conjunto de meios bastantes para retirar da ilegalidade homens e mulheres empurrados para a clandestinidade por factores do actual quadro legal.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Orador: — Ora, esses instrumentos são absolutamente fundamentais e são os instrumentos adequados.
Gostaria ainda de sublinhar que o debate revelou que se há discordâncias do Bloco de Esquerda, há discordâncias do «bloco de direita», e o Sr. Deputado Nuno Magalhães aqui as sintetizou de forma lapidar. O «bloco de direita» não quer inovações fundamentais que acertem o nosso relógio com o relógio das melhores práticas europeias. Ficamos completamente elucidados, também não é uma surpresa.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados, permitem-me ainda que sublinhe o enorme esforço em curso para a reforma profunda do modus operandi e dos meios de trabalho do SEF.
A futura lei será aplicada num quadro tecnológico totalmente renovado, que vai somar-se ao call center, ao centro de contacto multicanal que já criámos e está em plena laboração, que faculta acesso em cinco línguas de várias matrizes culturais e excelentes experiências de marcação de actos fundamentais, desburocratizando, simplificando, «desinfernalizando» a vida dos imigrantes.
Também vamos intensificar a acção do SEF móvel, em que apostámos já este ano.
Mas a grande novidade, em 2007, será o início do funcionamento do workflow do SEF. Em combinação com o sistema de informação de segunda geração do SEF, o workflow permitirá a desmaterialização dos documentos, da vasta papelada que marca os processos que são necessários, informatizará as fases de decisão, criará para a direcção do SEF e para a tutela novos meios de controlo e de acompanhamento da produção dos actos decisionais e será, portanto, uma ferramenta de «guerra ao papel» que é absolutamente fundamental para garantir a celeridade a que os nossos imigrantes têm direito.
A aposta fundamental, como temos afirmado e cumpriremos, será a melhoria na qualidade do atendimento.
Contaremos para isso com estes meios tecnológicos, mas não só. Já estão disponíveis novas instalações em cidades fulcrais, como Setúbal, Bragança, Vila Real e Braga e, brevemente, todos esses equipamentos estarão à disposição dos imigrantes.
Permitam-me ainda que refira que o processo de recuperação de pendências a que aqui aludi quando o Sr.
Ministro fez a pré-apresentação da proposta foi cumprido nos termos exactos que garantimos aos Deputados.
Ou seja, dos cerca de 20 318 processos que estavam pendentes, em 2005, estão pendentes zero. O número é «zero»!
Aplausos do PS.
Em segundo lugar, em relação aos 4091 processos de nacionalidade que estavam pendentes em Junho deste ano, foram concluídos durante o Verão 3730, mas como deram entrada 1400 novos processos, temos pendentes neste momento 2050, que, gostaria de vos garantir, serão concluídos da forma mais expedita que sejamos capazes.
Por último, julgo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que devemos saudar o esforço feito pelos funcionários do SEF, que, de facto, não pouparam esforços para cumprir as determinações da tutela para garantir os direitos dos cidadãos e o combate à «praga» das pendências e aos tráficos que vitimam imigrantes.
É esse o caminho que queremos percorrer e é esse o caminho que vamos percorrer, reforçados por uma lei aprovada por um consenso alargado. Esse caminho não tem alternativa e é fundamental para Portugal e para os nossos imigrantes.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está concluído o debate, pelo que chegámos ao fim dos nossos trabalhos de hoje.
A próxima reunião plenária terá lugar amanhã, quarta-feira, pelas 15 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: período de antes da ordem do dia, a que se seguirá o período da ordem do dia de que constará a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 95/X — Autoriza o Governo a alterar o regime dos recursos em processo civil e o regime dos conflitos de competência, seguida do debate, também na generalidade, dos projectos de lei n.os 325/X (BE) — Regime de preços de energia para o consumo doméstico e 330/X (PCP) — Limita os aumentos das tarifas e preços de venda de electricidade a clientes finais. Haverá ainda um período de votações às 18 horas.
Nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Partido Socialista (PS):
António Ribeiro Gameiro
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Carlos Correia Mota de Andrade
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Partido Social Democrata (PSD):
Arménio dos Santos
Carlos Jorge Martins Pereira
Domingos Duarte Lima
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Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
José Pedro Correia de Aguiar Branco
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel
Pedro Augusto Cunha Pinto
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Vasco Manuel Henriques Cunha
Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
Francisco José de Almeida Lopes
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Partido Popular (CDS-PP):
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro
Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:
Partido Socialista (PS):
Alberto de Sousa Martins
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
José Eduardo Vera Cruz Jardim
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Partido Social Democrata (PSD):
João Bosco Soares Mota Amaral
José António Freire Antunes
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Mendes Bota
Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missão parlamentar:
Partido Socialista (PS):
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Partido Socialista (PS):
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Nelson Madeira Baltazar
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Teresa Maria Neto Venda
Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Joaquim Almeida Henriques
Carlos António Páscoa Gonçalves
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Luís Miguel Pais Antunes
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Mário Patinha Antão
Pedro Miguel de Santana Lopes
Partido Popular (CDS-PP):
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL