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Sábado, 31 de Março de 2007 I Série — Número 67

X LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2006-2007)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 30 DE MARÇO DE 2007

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Fernando Santos Pereira
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 10 minutos.
Foi lida a acta da eleição de seis juízes designados pela Assembleia da República para o Tribunal Constitucional, tendo sido proclamados eleitos os candidatos propostos.
Deu-se conta do relatório da Comissão de Educação, Ciência e Cultura informando da caducidade do processo relativo à apreciação parlamentar n.º 39/X na sequência da discussão e votação ocorrida na especialidade.
Procedeu-se à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 120/X — Aprova a lei da televisão, que regula o acesso à actividade de televisão e o seu exercício, sobre a qual usaram da palavra, além Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva), os Srs. Deputados Luís Campos Ferreira (PSD), Pedro Mota Soares (CDS-PP), Carlos Alberto Gonçalves e Agostinho Branquinho (PSD), António Filipe (PCP), Alberto Arons de Carvalho (PS), Fernando Rosas (BE) e Teresa Diniz (PS).
A Câmara apreciou a petição n.º 151/X (1.ª)— Apresentada pelo Movimento Cívico «Não apaguem a memória», solicitando à Assembleia da República que crie um espaço público nacional de preservação e divulgação pedagógica da memória colectiva sobre os crimes do chamado Estado Novo e de resistência à ditadura, condenando a conversão do edifício da sede da PIDE/DGS em condomínio fechado, e apelando a todos os cidadãos e organizações para preservarem, de modo duradouro, a memória colectiva dos combates pela democracia e pela liberdade em Portugal. Proferiram intervenções, além Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, os Srs. Deputados João Soares (PS), Bernardino Soares (PCP), Zita Seabra (PSD), João Rebelo (CDS-PP), Fernando Rosas (BE) e Francisco Madeira Lopes (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 12 horas e 25 minutos.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha Almeida Pereira
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Ceia da Silva
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
Armando França Rodrigues Alves
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
David Martins
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Horácio André Antunes
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jaime José Matos da Gama
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Eduardo Vera Cruz Jardim
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Barroso Soares
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel José dos Mártires Rodrigues
Manuel Luís Gomes Vaz

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Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos Sá Rodrigues
Marcos da Cunha e Lorena Perestrello de Vasconcellos
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Renato Luís Pereira Leal
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Jorge Teixeira de Freitas
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Umberto Pereira Pacheco
Vasco Seixas Duarte Franco
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Joaquim Almeida Henriques
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Domingos Duarte Lima
Emídio Guerreiro

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Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Freire Antunes
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel de Matos Correia
José Mendes Bota
José Pedro Correia de Aguiar Branco
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pais Antunes
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário Henrique de Almeida Santos David
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Quartin Graça Simão José
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Vasco Manuel Henriques Cunha
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Francisco José de Almeida Lopes
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Batista Mestre Soeiro
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Miguel Tiago Crispim Rosado

Partido Popular (CDS-PP):
António Carlos Bívar Branco de Penha Monteiro
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
José Hélder do Amaral
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo

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João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Maria Cecília Vicente Duarte Honório
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai proceder à leitura do expediente.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, vou ler a acta da eleição de seis juízes para o Tribunal Constitucional ontem realizada.
«Aos vinte e nove dias do mês de Março de 2007 procedeu-se à eleição de seis juízes para o Tribunal Constitucional.
Candidatos propostos: Doutora em Direito, Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ana Maria Guerra Martins; Juiz Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha; Juiz Desembargador João Eduardo Cura Mariano Esteves; Juiz Conselheiro José Manuel Cardoso Borges Soeiro; Doutora em Direito, Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Maria Lúcia da Conceição Abrantes Amaral Pinto Correia; Mestre em Direito Rui Carlos Pereira.
O resultado obtido, nos termos da alínea h) do artigo 163.º da Constituição e do artigo 16.º da Lei n.º 13A/98, de 26 de Fevereiro, foi o seguinte: votantes 205, votos a favor 156, votos brancos 39, votos nulos 10.
Face ao resultado obtido declaram-se eleitos os candidatos propostos.» Há ainda mais um ofício da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, relativo à caducidade de um processo de apreciação parlamentar, de que vou dar conta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, «(…) venho informar V. Ex.ª de que a Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura, na sua reunião de 20 de Março corrente, procedeu ao debate e votação na especialidade das propostas de alteração apresentadas no âmbito da apreciação parlamentar n.º 39/X, do PCP, relativa ao Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, tendo estas sido rejeitadas, conforme relatório da votação, que anexo.
Remetem-se igualmente as declarações de voto apresentadas pelos Deputados do PS Teresa Portugal, João Bernardo, Júlia Caré e Odete João; uma declaração conjunta dos Deputados do PSD Emídio Guerreiro, Pedro Duarte e Fernando Antunes; e uma declaração de voto apresentada pela Deputada do BE Cecília Honório.
Em face da votação referida, deverá o processo de apreciação parlamentar em causa considerar-se caduco.» Em termos de expediente é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos dar início ao debate da proposta de lei n.º 120/X — Aprova a Lei da Televisão, que regula o acesso à actividade de televisão e o seu exercício.
Para apresentar o diploma, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A revisão do enquadramento normativo da actividade de televisão é uma tarefa urgente por duas razões principais. Por um lado, porque o concurso para a Televisão Digital Terrestre requer a alteração do regime de acesso à actividade televisiva que utiliza o espectro radioeléctrico; por outro lado, porque os compromissos assumidos pelo Estado português junto da Comissão Europeia, em matéria de financiamento do serviço público, implicam a clarificação legal das condições de avaliação da prossecução do serviço público e dos princípios de transparência e de proporcionalidade do financiamento.

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Não podemos, pois, esperar pela conclusão do processo de revisão da Directiva Televisão sem Fronteiras, mas o seu avançado estado permite que se antecipem, na nossa própria dinâmica legislativa, as orientações centrais.
O Governo propõe a aprovação de uma nova lei da televisão, tal a abrangência e a profundidade das mudanças que é necessário introduzir. Elas situam-se em quatro domínios fundamentais: a regulação das múltiplas formas e suportes televisivos; o regime de acesso à actividade; a relação entre os direitos e as obrigações dos operadores de televisão e os direitos dos públicos; a definição, a avaliação e o financiamento do serviço público.
Quanto à regulação da actividade de televisão, o objectivo é adaptar a lei à evolução muito rápida e transformadora do audiovisual, de modo a que estimule e enquadre as múltiplas formas de produção e difusão de conteúdos televisivos organizados como serviços de programas, vulgarmente chamados canais.
Todos notamos como está a evoluir o panorama audiovisual, que já hoje vai muito além da clássica televisão generalista nacional emitida através das ondas hertzianas. Ora, a nova lei compreenderá as diversas realidades, trate-se da actividade dos operadores de televisão — isto é, os que organizam os serviços de programas — ou da actividade dos distribuidores — isto é, os que agregam e seleccionam serviços de programas; trate-se dos meios de distribuição já bem consolidados, como o espectro hertziano terrestre, o cabo, o satélite, ou dos novos meios de distribuição, como o fio de cobre telefónico, a rede de electricidade, a Internet ou o Sistema Universal de Telecomunicações Móveis (UMTS); trate-se da televisão que nos chega através dos aparelhos tradicionais de recepção ou daquela a que acedemos através dos ecrãs de computadores e telemóveis ou ainda da que vemos nos painéis colocados em espaços públicos ou abertos ao público; trate-se da televisão em sinal aberto ou codificado; trate-se da televisão generalista ou temática, de cobertura nacional, regional ou local.
A todos os canais difundidos por qualquer um dos meios tecnológicos e comunicacionais existentes ou emergentes se aplicará uma mesma lei da televisão. Todos estarão sujeitos a um quadro «regulatório» orientado pela defesa da liberdade de expressão e pela sua compatibilização com os restantes direitos fundamentais dos cidadãos e, designadamente, os direitos de personalidade; um quadro «regulatório» orientado pela promoção dos princípios constitucionais do pluralismo, da independência face ao poder político e económico e da protecção das crianças e adolescentes; um quadro «regulatório» orientado pela prossecução das finalidades formativas, informativas, culturais e lúdicas inerentes à produção e à recepção de televisão.

A Sr.ª Manuela Melo (PS): — Muito bem!

O Orador: — Este quadro «regulatório» será adequado à diferente natureza e alcance dos diversos canais: é mais vasto e exigente o conjunto de obrigações e responsabilidades que a lei atribui aos canais generalistas nacionais de sinal aberto que são licenciados para o uso desse bem público, que é o espectro radioeléctrico, e sucessivamente adaptado à medida em que passamos da cobertura nacional para a local, da programação generalista para a temática, dos canais de sinal aberto para os sujeitos a subscrição, da difusão hertziana para a Internet.
A proposta que apresento abre o enquadramento normativo à televisão de amanhã. Só por «miopia» doutrinária ou preconceito político se poderá, pois, dizer que lhe falta visão ou estratégia.
A segunda mudança fundamental, Sr. Presidente e Srs. Deputados, diz respeito ao regime de acesso à actividade de televisão.
Todos estaremos recordados do debate que aqui tivemos em 2005 e de como fomos concordantes na constatação de que o regime de licenciamento em vigor era demasiado permissivo, porque induzia renovações quase automáticas das licenças de televisão. Pois bem, é agora o momento de tirarmos as devidas consequências, mudando a lei.
O Governo defende, ao mesmo tempo, maior flexibilidade e maior exigência.
Por um lado, maior flexibilidade no acesso à televisão que não é de sinal aberto e/ou não usa o espectro radioeléctrico. Assim, propõe-se que os distribuidores de televisão que operem na parte paga da Televisão Digital Terrestre beneficiem de uma licença que lhes permita, depois, compor e recompor as suas ofertas de canais apenas com recurso a autorizações administrativas; e propõe-se que a televisão exclusivamente difundida através de redes abertas e virtualmente infinitas, como a Internet, apenas esteja sujeita a registo.
Por outro lado, maior exigência na atribuição e na renovação das licenças dos operadores e distribuidores de televisão que usam o bem público que é o espectro radioeléctrico.
Há quem defenda a não renovação, em qualquer circunstância, das licenças. Não estou de acordo: isso significaria a impossibilidade de desenvolvimento de uma indústria audiovisual portuguesa.
A entidade reguladora deve, porém, a meu ver, acompanhar o cumprimento, por parte dos operadores licenciados, das respectivas obrigações legais e contratuais e deve, ao renovar as licenças, actualizar tais obrigações. A previsão expressa de avaliações intercalares em cada cinco anos, de que podem resultar recomendações, tem por finalidade conceder maior estabilidade e segurança jurídica aos operadores.
Passo, agora, à terceira grande mudança contida nesta proposta de lei. O que está nela em causa é a relação entre os direitos e as obrigações dos operadores e os direitos dos espectadores.

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Com a nova lei ficarão claras as responsabilidades das televisões generalistas nacionais quanto à diversidade e pluralismo na programação e quanto à promoção da cultura e do audiovisual europeu e nacional.
Serão também definidos, com mais precisão e melhor fundamento constitucional, os limites à programação decorrentes da interdição do incitamento ao ódio e da exibição de violência gratuita, assim como aqueles limites que resultam da protecção de crianças e adolescentes.
Aumenta ligeiramente — de 15 para 20% — a quota mínima de obras criativas de produção originária em língua portuguesa.
E, enfim, convidam-se as nossas televisões a uma atitude de escrupuloso respeito para com o respectivo público, através, nomeadamente, da estabilização da programação anunciada, regra geral, com antecedência de 48 horas.
Finalmente, Sr.as e Srs. Deputados, a missão, configuração e financiamento do serviço público de televisão.
Ficam reforçadas as suas obrigações específicas, permitindo-me destacar três: quotas mais elevadas para a emissão de obras criativas e de produção independente;…

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

O Orador: — … apoio à produção cinematográfica e audiovisual nacional; promoção da educação para os media.
Acaba-se com a chamada concessão especial do canal de televisão A Dois, integrando na mesma concessão todos os serviços de programas constitutivos do serviço público: dois canais generalistas nacionais, com missões distintas e complementares; os canais regionais e internacionais; o canal de arquivo.
Propõem-se novas vias de desenvolvimento do serviço público, designadamente nas áreas do conhecimento e da programação infanto-juvenil.
Afirma-se a ligação umbilical entre informação, formação, cultura e entretenimento no canal de maior audiência nacional.
Determina-se que o contrato de concessão explicite os critérios qualitativos e quantitativos para a avaliação do cumprimento do serviço público.
E arquitecta-se um sistema de controlo do financiamento, de modo a garantir a sua proporcionalidade e transparência e a prevenir qualquer forma de sobrecompensação.

A Sr.ª Manuela Melo (PS): — Muito bem!

O Orador: — Creio que, com os contributos que as diferentes bancadas parlamentares entenderem fazer, a nova lei da televisão se orientará para o futuro, promovendo e regulando as diferentes formas e meios de emissão televisiva; estimulará o desenvolvimento dos operadores de televisão e distribuição, pedindo-lhes maior responsabilidade social e cultural e convidando-os a serem protagonistas do mercado audiovisual português; respeitará melhor os direitos dos espectadores e, em particular, dos menores; e será muito mais exigente com o serviço público, a quem incentivará a que actue em várias plataformas, mas sempre como exemplo de isenção e rigor, facilitador do acesso à informação e à cultura, factor de pluralismo e de diversidade e referencial de qualidade.
É por isso, Srs. Deputados, que peço a aprovação da proposta de lei do Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Há três inscrições para pedidos de esclarecimento.
Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Luís Campos Ferreira.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, queria colocar-lhe uma questão muito simples, mas provavelmente de resposta muito complicada.
Na sua intervenção e no próprio diploma que apresentam não consigo encontrar, talvez por falta de imaginação e de criatividade da minha parte, qualquer coisa que justifique que o canal RTPN, a funcionar em cabo, se enquadre dentro da concessão de serviço público.
O artigo 52.º, n.º 5, alínea a), do diploma que o Sr. Ministro hoje nos traz diz o seguinte: «A prestação especializada de informação, concedendo particular atenção a temas com interesse para regiões e comunidades específicas (…)». É talvez a única aproximação, embora a quilómetros de distância, daquilo que é serviço público.
Há uma coisa que não sei, porque não conheço o caderno de concessão de serviço público, mas mesmo não sabendo há uma coisa de que tenho a certeza, Sr. Ministro: é que o serviço público deve ter diferenças em relação ao outro serviço de televisão.
E a questão que lhe coloco é muito simples: será que a RTPN, a funcionar em cabo, a fazer «serviço público» em cabo, o que já é uma realidade atípica no panorama de serviço público europeu, tem alguma diferença, na sua informação ou na sua programação, em relação a outros canais privados, que também

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são distribuídos por cabo? Qual é o enquadramento de serviço público que o Sr. Ministro encontra para a RTPN? No fundo, é esta a questão.
Nós não conseguimos ter os custos separados por canais, temos o «bolo» conjunto do custo de serviço público de televisão e, por isso, não sabemos quanto é que custa a RTPN. Sabemos que a RTPN tem sinergias com os canais abertos, mas a pergunta que lhe deixo ficar, Sr. Ministro, é esta: o que a RTPN produz é serviço público, está dentro dos seus parâmetros, do seu conceito e do seu caderno de concessão de serviço público ou não? Se é, agradecia que me dissesse porquê; se não, agradecia que me dissesse o que pensa fazer da RTPN.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Ninguém aplaude?! Nem o PSD aplaude!!

O Sr. Presidente: — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, começo, obviamente, por agradecer a sua intervenção, pois entendo que foi eloquente e esclarecedora, mas, mesmo assim, continuo a ter algumas dúvidas, muitas das quais vou falar na minha intervenção. Há, no entanto, dois aspectos concretos sobre os quais pretendo questionar directamente o Sr. Ministro, porque considero que são matérias absolutamente essenciais quando estamos a falar de uma lei de televisão.
A primeira matéria sobre a qual pretendo questioná-lo diz respeito à protecção dos públicos mais sensíveis.
Como é óbvio, qualquer operador de televisão que tem liberdade de programação tem de ter limites a essa liberdade, nomeadamente quando essa liberdade mexe com direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, concretamente com os que têm a ver com o desenvolvimento de personalidades de públicos mais sensíveis, dos quais especifico crianças e adolescentes. Estamos a falar, obviamente, de limites à programação que tenha excesso de violência, violência injustificada e, eventualmente, conteúdos pornográficos ou eróticos.
Ora, fiquei muito admirado ao ver que, na actual proposta de lei, toda a referência aos públicos mais sensíveis desapareceu. Hoje, a Lei da Televisão ressalva, claramente, além das crianças e dos jovens, a protecção dos públicos mais sensíveis, mas a verdade é que, na proposta de lei em apreciação, essa referência aos públicos mais sensíveis desapareceu, não consta da proposta de lei! Isto é algo que me preocupa, porque, obviamente, os públicos mais sensíveis, em Portugal, não são, única e exclusivamente, as crianças e os jovens (agora denominados adolescentes), ainda que sejam, obviamente, à cabeça, um dos públicos sensíveis que merecem protecção mais específica.
A segunda questão que também me deixou preocupado foi a de que há, de facto, um aumento do período horário durante o qual esses programas podem passar. Hoje, na actual Lei da Televisão, e muito por sugestão da bancada do CDS-PP, há uma limitação, no sentido de esses programas só poderem passar a partir das 23 horas. A verdade é que o Governo actual dá um passo atrás e permite, agora, a emissão desses programas, com conteúdos violentos ou outros, a partir das 22 horas e 30 minutos, uma hora a que, obviamente, ainda muitas crianças e, acima de tudo, muitos adolescentes estão a ver televisão, havendo, também, a este nível, uma desprotecção.
Uma terceira nota que também me parece muito importante é a seguinte: nesta proposta de lei, deixa de haver uma obrigação legal para a afixação de um sistema de classificação dos programas.
Ora, o Sr. Ministro sabe que nós, nesta bancada, somos firmes defensores da co-regulação. E uma das áreas onde a co-regulação funcionou — e bem! — foi exactamente na criação de um novo sistema de classificação dos programas. Mas a verdade é que, não obstante essa co-regulação ter funcionado, continuava a estar na lei, um sistema segundo o qual os operadores de televisão tinham de afixar, obrigatoriamente, essa classificação. Defendo até que esse sistema possa ser derrogado pela auto-regulação, agora, o que não posso defender é a ausência total de previsão legal.
Defendo que, em algumas matérias, a co-regulação dos operadores pode suspender ou afastar alguns aspectos legais — Sr. Ministro, não faça esse ar de admiração, porque se trata de uma situação muito normal, designadamente em matérias de Direito de Trabalho. Bom! Isso não me choca, agora, o que me choca é que deixe de haver, na lei, esta obrigação.
A última questão que me preocupa e para a qual gostava de ouvir uma resposta directa tem a ver com o regime de atribuição e renovação de licenças. Até hoje, existia na lei a consagração expressa de que a atribuição de novas licenças ou a alteração do quadro legislativo não constituía fundamento para a alteração das condições de exercício da actividade de televisão e, acima de tudo, não dava direito a qualquer indemnização por parte do Estado. Ora, nomeadamente, quando estamos a falar da atribuição de novas licenças no âmbito da televisão digital terrestre, a ausência de um artigo que especifique esta obrigação de não indemnização por parte do Estado é algo que me preocupa tremendamente e sobre o qual gostava de ouvir uma resposta muito directa.

O Sr. Presidente: — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Alberto

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Gonçalves.

O Sr. Carlos Alberto Gonçalves (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, no momento em que estamos a falar de televisão e de serviço público de televisão, o meu grupo parlamentar não quer deixar de falar de um canal, para nós, fundamental, que é a RTP Internacional. E dizemo-lo porque, para nós, ele é essencial naquilo que tem a ver com a imagem de Portugal no mundo, com a afirmação das nossas Língua e Cultura no mundo e com a ligação e aproximação das nossas comunidades a Portugal, ou seja, essencial para a nossa política externa.
Foi com esse propósito que contribuímos para a sua criação e o seu desenvolvimento e, no sentido de adequar o seu conteúdo programático a esses objectivos, introduzimos um conjunto de alterações à sua programação quando fomos, até há bem pouco tempo, Governo.
Assim, introduzimos alterações no espaço de informação relativo às comunidades, começaram a ser transmitidos os telejornais dos Açores e da Madeira, foram criados programas próprios, específicos de entretenimento, nos quais as comunidades portuguesas participavam e se reviam, muito particularmente num, que era o Portugal no Coração, e foi aberto à RTP Internacional um conjunto de conteúdos dos canais privados.

O Sr. António Filipe (PCP): — Era o Governo que mandava na programação!…

O Orador: — Sr. Ministro, passados que são dois anos da sua governação, a programação da RTP Internacional caiu na mais profunda mediocridade, incapaz de transmitir a imagem de um Portugal moderno e, sobretudo, incapaz de atrair públicos, muito particularmente os mais jovens, sejam adolescentes ou crianças. E digo-lhe ainda mais: a RTP Internacional é vista por muita gente como uma «prateleira», em termos de conteúdos programáticos — como os Srs. Deputados têm oportunidade de verificar, quando vão ao estrangeiro e vêem a RTP — e em termos de recursos humanos, o que consideramos perfeitamente inaceitável, num canal com a importância que este tem para Portugal.
Por isso, gostaríamos de ouvir, do Governo, o que pensa desta situação que consideramos grave.
Permita-me ainda que lhe diga, Sr. Ministro, que até princípios de 2005, a RTP Internacional garantia aquilo que é fundamental em serviço público e democracia — pluralismo ideológico e político — e estava aberta à participação de diversos representantes das comunidades, forças políticas e Deputados destas bancadas, havendo aqui pessoas que o podem testemunhar. Infelizmente, depois disso, acabou esse tipo de programas, que eram programas temáticos sobre política das comunidades, debates quinzenais com participação dos telespectadores e programas semanais que cobriam a área política e de governação das comunidades portuguesas.
Por mais incrível que pareça, Sr. Ministro, é mais fácil para um Deputado desta Casa, sobre matérias das comunidades portuguesas, dar entrevistas a canais públicos estrangeiros do que propriamente à RTP Internacional. Por exemplo, sobre a reestruturação consular, tão falada, ontem, nesta Câmara, tive oportunidade de ser entrevistado três vezes pelo canal público France 3 e a RTP Internacional, aparentemente, ignorou que, nesta Casa, há representantes desta área política.
Portanto, Sr. Ministro, na minha opinião, esta situação é insustentável e, permita-me que lhe diga, não serve o interesse de Portugal, dos portugueses e, muito particularmente, das comunidades portuguesas.
Sinceramente, este caso configura mesmo um claro atentado ao serviço público de televisão.
Por isso, gostaria de ouvir o Governo sobre esta situação grave da RTP Internacional e da falta de pluralismo na transmissão da política das comunidades portuguesas e da diáspora portuguesa no mundo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para responder a este primeiro grupo de pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, começo, justamente, por esta última intervenção, para dizer que estou absolutamente espantado com o teor da pergunta do Sr. Deputado e mais espantado ainda com o facto de a sua bancada não ter aplaudido o primeiro pedido de esclarecimento e ter aplaudido este.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Agora é medidor de palmas?! É um «palmómetro»?!

O Orador: — O Sr. Deputado usou, sistematicamente, o pronome pessoal na primeira pessoa do plural, «nós», e desatou a dizer o que «nós», isto é, os senhores fizeram na programação dos canais internacionais: debates, programas, etc.
Ó Sr. Deputado, o senhor está muito enganado, porque eu não sou director de conteúdos da RTP!!

Vozes do PSD: — Pois parece!

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O Orador: — Nada tenho a ver com os seus programas, não emito qualquer instrução, nem faço qualquer grelha!

Aplausos do PS.

O Sr. Deputado está a convencer esta Casa de que, no anterior período de governação, quem fazia a grelha de programação da RTP era o Governo?! Era a maioria?!

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Não é nada disso!

O Orador: — E está a pedir-me satisfações, a mim, pela actual grelha de programas da RTP Internacional? Pois escusa de mo pedir, Sr. Deputado, porque não respondo…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Isso sabemos nós!

O Orador: — … por qualquer grelha de programas, seja da RTP1, da RTP2, da RTP Internacional, da RTP África, da RTP Madeira, da RTP Açores ou por aí fora!! Portanto, estou absolutamente espantado com a sua pergunta, Sr. Deputado,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Não vale a pena «vestir a pele de cordeiro»!…

O Orador: — … porque ela revela um profundo desconhecimento de como funciona o preceito constitucional da independência do serviço público face ao poder político.

Vozes do PS: — Uma vergonha!

O Orador: — Sr. Deputado Carlos Alberto Gonçalves, a única coisa referida na sua pergunta que tem a ver com uma decisão do Governo foi a participação no acordo de co-regulação entre a RTP, a SIC e a TVI, da qual resultou a emissão de conteúdos provindos da SIC e da TVI no canal internacional da RTP. Esse acordo está a ser absolutamente respeitado pela RTP, como é natural, com o empenho do Governo.
Segundo espanto: o Sr. Deputado Luís Campos Ferreira faz-me perguntas a mim que deve dirigir ao Conselho de Administração da RTP. Em primeiro lugar, o Sr. Deputado Luís Campos Ferreira diz que não conhece o caderno de concessão. Que não conheça o caderno de concessão eu compreendo, porque ele não existe, mas o contrato de concessão?! Sr. Deputado, ele é público e foi celebrado, em 2003, pelo Estado, representado pelos então Ministra das Finanças, Dr.ª Manuela Ferreira Leite, e Ministro da Presidência, Dr. Morais Sarmento, e a administração da RTP, presidida pelo Dr. Almerindo Marques!! Esse contrato é público e especifica os custos canal a canal, incluindo os custos da RTPN!!

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — Isso tem três anos!

O Orador: — O Sr. Deputado não tem razão quando diz que só conhece o «bolo» conjunto dos custos do serviço público. Não! O contrato de concessão em vigor é aquele que foi celebrado publicamente, que todos conhecem e que especifica os custos do canal 1, do canal 2 e por aí fora.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — Os custos de há três anos!

O Orador: — É o contrato que está em vigor, Sr. Deputado! Sei que incomoda o Sr. Deputado, e incomoda muito a sua bancada, o facto de este Governo ter prosseguido um acordo celebrado pelo governo anterior,…

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — A RTPN é serviço público, ou não?

O Orador: — … de este Governo ter mantido, tal qual estava, a administração da RTP e de esta ter mantido, tal qual estavam, as Direcções de Informação e de Conteúdos, de este Governo ter concluído o processo que estava em curso…

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — A RTPN é serviço público ou não?

O Orador: — … e de até estar a dar, desde as minhas primeiras declarações, todo o merecimento devido aos autores desse acordo.
Quanto à questão da RTPN, em que o Sr. Deputado insiste, tem de dirigir essa pergunta ao Conselho de

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Administração da RTP, porque este também não recebe instruções da minha pessoa ou do meu colega das Finanças, que somos a tutela da empresa, em matéria de organização do seu sistema de canais.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — E não tem opinião sobre isso?

O Orador: — As instruções que recebe do accionista Estado são aquelas contidas na lei e no contrato de concessão, e a nova Lei da Televisão, que aprovaremos certamente com o vosso apoio, será ainda mais clara no que diz respeito aos canais que o serviço público pode ter. Portanto, não diz que é missão do serviço público definir canais apenas por serem temáticos ou informativos; diz, sim, que é um valor que o serviço público pode e deve acrescentar ao panorama audiovisual ter em conta as realidades regionais e o ponto de vista regional na informação. E esse é um valor acrescentado, porque esse valor não está contido hoje em qualquer outro segmento do panorama audiovisual.
Sr. Deputado Pedro Mota Soares, em primeiro lugar, com toda a simpatia, deixe-me dizer-lhe que V.
Ex.ª parece ter parado a meio da leitura da proposta de lei, visto que o artigo que diz que deixou de existir não deixou de existir, apenas passou para o fim da lei, é o artigo 95.º Tem toda a razão o Sr. Deputado, mas está na lei que qualquer alteração legal ou novo licenciamento não confere alteração alguma das regras do jogo e, portanto, não atribui aos operadores hoje licenciados quaisquer direitos de compensação ou indemnização.
Quanto à questão da protecção dos direitos de personalidade, o Sr. Deputado também está enganado quando diz que os conteúdos violentos devem ser protegidos do olhar das crianças e adolescentes. Não, à luz da actual lei, e a lei seguinte dirá a mesma coisa, a violência gratuita não pode ser exibida em canal de televisão algum, seja ele de sinal aberto ou de sinal fechado. Portanto, como vê, acompanhamos essa boa regra da actual lei, que manter-se-á na lei futura.
O que procuramos é dar um melhor fundamento constitucional aos limites à liberdade de programação.
Só deve haver limites à liberdade de programação com um claro fundamento constitucional. Do meu ponto de vista, a expressão que estava na actual lei, «públicos vulneráveis», era tão imprecisa e tão ambígua que podia ter pouca sustentação constitucional em matéria tão sensível como o é a matéria dos limites à liberdade de programação. E, portanto, do nosso ponto de vista, «públicos vulneráveis ou sensíveis» que devem ser protegidos pelo Estado, e essa protecção deve configurar limites à liberdade de programação, são as crianças e os adolescentes, aliás, na tradição da legislação europeia, que também é a nossa.
Quanto à questão do horário da programação alternativa, o diploma de 1998 previa para a mesma um intervalo entre as 22 horas e 30 minutos e as 6 horas e 30 minutos. Na lei actual esse intervalo passou a ser entre as 23 horas e as 6 horas. Acho que não vale a pena discutirmos por 30 minutos… O que digo é que alguma da programação alternativa que hoje existe e que começa às 22 horas e 30 minutos não carece de ser adiada para horas mais tardias só por causa de uma determinação legal que pode ser facilmente corrigida, na minha opinião. De qualquer modo, poderemos discutir isto na especialidade, se assim entender.
Por fim, no que respeita à sua observação sobre o sistema legal, apostamos justamente na autoregulação também. Aliás, é muito curioso fazer-me a mim essa observação crítica, que tenho sido atacado de querer ser intervencionista. O Sr. Deputado dá-me razão quando digo que não, que aposto na regulação, quer na regulação pública, quer na auto-regulação, quer na co-regulação. E justamente a autoregulação das televisões, o acordo entre elas, em matéria de sistema de classificação tem progredido consistentemente e, portanto, a determinação legal contida na actual lei, do meu ponto de vista, deixa de ser necessária.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Branquinho.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos hoje a discutir uma iniciativa legislativa do Governo que pretende alterar a Lei da Televisão. Nesta discussão na generalidade, importa, desde já, realçar quatro questões que são centrais na política do audiovisual.
Em primeiro lugar, importa dizer que esta é a terceira alteração de que a Lei da Televisão é alvo nos últimos oito anos. Ora, assumindo esta legislação um carácter enquadrador da política do audiovisual, os sinais que se dão à sociedade e ao mercado são de uma grande ausência de estabilidade e de incerteza, o que torna bem mais difícil o exercício desta actividade, já de si, do ponto de vista económico, muito cíclica.
Porém, mais grave é que, muito brevemente, ter-se-á que voltar a introduzir alterações na Lei da Televisão, uma vez que o Governo, no frenesim legislativo que o caracteriza neste sector, não esperou pelas alterações que a nova directiva comunitária «televisão sem fronteiras», em discussão, vai provocar, nem tão-pouco teve em linha de conta as mutações tecnológicas em curso, que estão a mudar, de forma radical, o panorama do audiovisual. A WebTV, a MobileTV, a par de novos serviços do audiovisual em termos de conteúdos, estão já a provocar profundas alterações na actividade empresarial deste sector, o que merecia uma atenção especial do legislador, que, infelizmente, não sucede nesta iniciativa governamental.

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Impunha-se que a iniciativa legislativa do Governo tivesse a visão de antecipar ou, no mínimo, acompanhar a evolução tecnológica em curso, o que manifestamente não aconteceu. É uma revisão datada e que quando produzir efeitos já estará obsoleta.
Em segundo lugar, a questão do serviço público. Em 2007, em média, cada família portuguesa vai pagar 75 €, que vão exclusivamente para a RTP, empresa concessionária do serviço público. Estamos a falar em mais de 225 milhões de euros que só este ano aquela empresa pública vai receber através do Orçamento do Estado e da taxa do audiovisual, a que há que acrescer as verbas destinadas ao aumento do capital social e que se cifram em 59 milhões de euros. Se tivermos em linha de conta todo o período de concessão de serviço público à RTP, estaremos a falar de um total de subsídios públicos superior ao valor que o actual Governo projecta gastar com a construção do projecto faraónico que é o aeroporto da OTA.
Assim, a questão central a que importa responder é a de saber o que diferencia hoje o canal RTP1 dos canais dos operadores privados e o que justifica um apoio tão substancial por parte dos portugueses.
Sabemos bem como, em 2002, o XV Governo Constitucional encontrou a RTP, do ponto de vista quer do caos económico-financeiro, quer dos conteúdos tendenciosos e de fraca qualidade, quer, ainda, das baixas audiências então existentes. Devido à estratégia seguida, e fortemente contestada pelo PS neste Parlamento, foi possível recuperar a empresa e colocá-la numa situação de equilíbrio nas vertentes antes referidas. Infelizmente, nos últimos tempos, essa situação está já a dar sinais de inversão, nomeadamente com a nítida governamentalização da informação e da programação da RTP, e com o aumento, em 2006, dos custos operacionais e dos custos com pessoal daquela empresa pública.
Aliás, ainda bem recentemente, o Sr. Presidente da República, no dia do 50.º aniversário da RTP, alertou para que esta empresa deve ter «especiais exigências de rigor e de imparcialidade e de qualidade da programação». Porém, os dados que se vão conhecendo, como é o caso de um estudo recente da empresa de estudos de mercado que audita as audiências dos canais televisivos, demonstram, de forma bem evidente, aquilo que tem sido a crítica do PSD à governamentalização da RTP — nos noticiários, ou seja, sem contar com o que se passa escandalosamente nos espaços da Direcção de Programas da RTP, o Governo socialista teve 7529 notícias, um peso manifestamente excessivo, quando comparado com o tratamento que aos mesmos factos é dado pelos operadores privados.
O Governo, nos noticiários da RTP, tem um número de notícias que é quase igual ao somatório das que são veiculadas pela SIC e pela TVI. Se isto não é governamentalização da informação, então, o que será? De acordo com a nossa visão estratégica para o audiovisual, deverá abrir-se, agora, um debate sobre qual o âmbito do serviço público, a par da resposta à questão de se saber quem pode e quem deve prestar esse mesmo serviço.
Após se ter feito a recuperação da credibilidade da concessionária do serviço público e de se ter estancado o desequilíbrio económico-financeiro da empresa, é preciso mudar de paradigma quanto ao futuro da RTP. Para o PS, o caminho é o de sempre: governamentalizar, instrumentalizar, mais despesa e menos sociedade.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Para o PSD, o novo modelo passará, necessariamente, por mais exigência, mais pluralismo, menos Estado e mais sociedade.

Aplausos do PSD.

Uma coisa, aliás, temos por certa: serviço público não pode ser sinónimo de serviço governamentalizado, como tem sido prática e entendimento do actual Governo.
O PSD tem uma larga tradição de abertura e de liberdade em matérias de comunicação social. Foi pela acção de governos liderados pelo PSD que o Estado deixou de ter jornais, que existem centenas de rádios locais devidamente legalizadas e que se quebrou o monopólio público televisivo e foi aberta a actividade televisiva à iniciativa privada. Sempre, e há que recordá-lo, em iniciativas que contaram com a feroz oposição do Partido Socialista.

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): — Falso! Completamente falso!

O Orador: — Por isso mesmo, temos um património de que nos orgulhamos e que queremos respeitar, continuando a ser inovadores na reflexão e nas propostas. Nesse sentido, assumimos, hoje, o compromisso de promover esta reflexão prospectiva sobre qual o âmbito do serviço público no sector do audiovisual e sobre como deve ser assegurado o seu exercício, tendo em vista a apresentação, em momento oportuno, de uma iniciativa legislativa sobre esta matéria, necessariamente em clara ruptura com o modelo actual, ultrapassado e que custa uma fortuna aos portugueses. Repito, em nome da liberdade de expressão, do respeito pela pluralidade de opiniões, da economia de mercado, da concorrência e do respeito pelos cidadãos.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Em terceiro lugar, o aumento dos poderes e das atribuições da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), sobretudo no que diz respeito à avaliação qualitativa e sistemática da actividade desenvolvida pelos operadores televisivos. Apesar de o Governo ter recuado — e bem, ainda que de forma envergonhada! — em relação ao anteprojecto que apresentou para discussão pública, quanto à atribuição de poderes à Entidade Reguladora, em matérias manifestamente do âmbito da auto-regulação (que o Governo, nesta iniciativa legislativa, não estimula, bem pelo contrário), como é, por exemplo, o caso dos «códigos de conduta» ou do estatuto editorial dos órgãos de comunicação social, não deixa de nos causar apreensão o facto de haver uma tendência para se ir, paulatinamente, aumentando os poderes da Entidade Reguladora levando-a a intervir em áreas que podem beliscar a liberdade de informação. Aliás, essa situação de exagerado aumento de poderes da Entidade Reguladora é bem mais gravosa e preocupante numa outra iniciativa legislativa governamental, em discussão pública, relativa à concentração de meios de comunicação social.
Uma última questão também de enorme relevo: na presente proposta de lei, o Governo estabelece um conjunto alargado de exigências aos operadores privados de televisão. Paradoxalmente, ao operador público, essas exigências são bem mais ténues e pouco explicitadas.
Com este tipo de sinais errados, o que se está a dizer ao mercado é que a concessionária do serviço público poderá alargar, quase sem limites, a sua oferta de conteúdos.

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): — Inacreditável!

O Orador: — Ou seja, há o perigo óbvio de haver concorrência desleal, tendo em atenção que a RTP recebe fortes apoios do Orçamento do Estado e das taxas pagas pelos cidadãos. Ora, isto não sucede, obviamente, com os operadores privados, sejam os que já actuam neste mercado, sejam os que venham a surgir, em virtude do alargamento, do ponto de vista técnico, da possibilidade de oferta de novos conteúdos, em canais nacionais, regionais ou locais ou em outras plataformas tecnológicas.
A proposta de lei que o Governo apresenta não responde, de forma alguma, às questões centrais da política do audiovisual. O tempo escolhido para este debate e para estas alterações é errado.
Em síntese, no final, o que fica é a tentativa apressada e pouco séria de se retocar uma lei, no preciso momento em que o paradigma do sector exigia mais ambição, mais visão, menos Estado, menos «controleirismo».
Uma vez mais, o Governo socialista, em questões de comunicação social e da política do audiovisual, está atrasado em relação àquilo que é já hoje o «estado da arte» do sector. As suas preocupações não vão para além do controlo da informação e da programação do serviço público.
Não é esse o nosso caminho. Não são essas as respostas que o sector reclama.
Por tudo isto, não será com o nosso voto que esta iniciativa legislativa será aprovada.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Srs. Deputados: Compreendemos a necessidade da actualização da Lei da Televisão não apenas porque estava prometida, correspondia a um compromisso do Governo, mas porque essa necessidade é inquestionável face à evolução deste sector…

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): — Muito bem!

O Orador: — … e face à necessidade de actualizar a legislação que lhe é aplicável.
Vou passar a dar conta da nossa opinião acerca daqueles que consideramos os aspectos principiais desta proposta de lei, referindo os que nos parecem positivos e criticando aqueles que nos parecem negativos.
Começo, precisamente, por um ponto com o qual concordamos, que é o regresso da RTP2 em pleno ao serviço público de televisão. Criticámos, veementemente, a decisão tomada pelo anterior governo de retirar o segundo canal da RTP da concessão de serviço público, criando aquela figura híbrida que actualmente se chama 2, mas que, apesar de tudo, já correspondeu a um recuo muito significativo relativamente às intenções iniciais do governo anterior. Concordamos que a RTP2 deve ser um segundo canal generalista de serviço público.
A proposta de lei prevê a existência de um órgão consultivo especificamente para a RTP2, o que nos parece superabundante. Fica-se com a sensação de que há aqui uma espécie de tributo ainda pago à opção do ministro Morais Sarmento, que seria desnecessária. Há um provedor, há um conselho de opinião da RTP, pelo que parece que é superabundante a existência, ainda, de um conselho consultivo só para a

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RTP2. Enfim, os conselhos consultivos não fazem mal a ninguém e, portanto, não é por aí que vamos discordar, mas quer parecer-nos que há alguma redundância na existência desse conselho.
Salientamos também, como sendo positivo, um maior rigor nos concursos, nos cadernos de encargos para a concessão de canais privados generalistas, a actuar no espectro radioeléctrico. E parece-nos que é importante que haja uma avaliação periódica do grau de cumprimento dos compromissos assumidos por parte desses operadores. Portanto, também aqui consideramos que é positivo que isto seja previsto.
Terceira questão: a televisão digital terrestre. Fica-se com a sensação de que há algum défice de regulação nesta proposta de lei neste ponto, porque este diploma é apresentado, tendo a televisão digital terrestre como uma das suas motivações essenciais e, depois, percorrendo o articulado, quase não se encontra referência à televisão digital terrestre. Fico com a sensação de que o Governo propõe que os canais digitais terrestres, em matéria de autorização, tenham um regime semelhante ao dos canais por cabo — de mera autorização. É o que nos parece, mas a proposta de lei não é muito explícita relativamente ao enquadramento legal dos futuros canais, no âmbito da televisão digital terrestre.
Há um ponto relativamente ao qual discordamos. O artigo 12.º, retomando uma disposição que já vem de trás, da Lei da Televisão, estabelece limitações quanto à propriedade de canais de televisão, designadamente não permite que autarquias locais, partidos, sindicatos possam ser proprietários de canais de televisão. Esta definição vem de trás, mas quer parecer-nos que, relativamente à possibilidade da utilização da Internet para efeitos de actividade de televisão, já não faz sentido. Quer dizer, é uma definição sempre discutível, mas, se poderia fazer sentido até agora, com a possibilidade da utilização da Internet que todos têm, isto releva, pura e simplesmente, da liberdade de expressão, não nos parece que seja possível ou constitucional proibir seja que entidade for de utilizar a Internet para a actividade de televisão. Nesse sentido, há aqui uma limitação que nos parece absurda. Assim, há o regime de registo que o Governo propõe para quem exerça a actividade de televisão por via da Internet e parece-nos que essas entidades devem poder exercer essa actividade ao abrigo da liberdade de expressão que a Constituição lhes confere, desde que, obviamente, cumpram as regras de registo que estão previstas.
Consideramos que a proposta de lei vai bem ao estabelecer limites à contraprogramação e estabelecer, em defesa dos telespectadores, a proibição de as televisões alterarem em cima da hora a programação a seu bel-prazer, em tácticas de contraprogramação. Isso parece-nos positivo.
Assim como nos parece que tem justificação, no artigo 57.º, a proibição de práticas que não sejam justificadas segundo as regras do mercado e que possam implicar ou um aumento de custos desproporcionado ou uma redução de proveitos por parte do serviço público. Quero, no entanto, lembrar que isso contraria a prática do anterior governo do Partido Socialista, que impôs limites à RTP quanto ao acesso ao mercado publicitário, por forma a facilitar a vida e a viabilização económica dos canais privados.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Orador: — Parece-nos que essa é uma das práticas que este artigo 57.º vem proibir, pelo que o Governo deveria ter, naturalmente, isso em atenção e não limitar a RTP quanto à possibilidade de concorrer com os canais privados no acesso ao mercado publicitário, criando aqui uma situação de desigualdade, que não é justificada.
Esta proposta de lei prevê a autonomia dos centros regionais (refiro-me às regiões autónomas, obviamente) da RTP e da RDP. Quer parecer-nos que se devia prever a existência de conselhos de redacção específicos para os centros regionais, tendo em conta a sua autonomia.
Vou entrar, agora, Sr. Ministro, na grande discordância que temos relativamente a esta proposta de lei.
Trata-se da possibilidade de a Entidade Reguladora (que, aliás, tem poderes absolutamente exorbitantes, neste diploma) poder suspender programas. O artigo 85.º prevê a suspensão cautelar e o artigo seguinte prevê limitações à retransmissão, permitindo que a Entidade Reguladora possa suspender a retransmissão de serviços de programas televisivos.
Ora bem, admitimos perfeitamente que, como sanção, um operador de televisão possa ver suspensa a sua licença ou ver temporariamente suspensa a sua programação. Consideramos, no entanto, que isso não pode ser decidido, a título cautelar, por uma entidade administrativa relativamente a um programa em concreto, porque, daqui até à censura, é um terreno muito inclinado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Orador: — Ou seja, atribuir a uma entidade administrativa, como é a Entidade Reguladora, o poder de considerar que um determinado programa corresponde a uma infracção grave à Lei da Televisão e determinar que esse programa não é emitido parece-nos um caminho muito perigoso. Admitimos que isso possa ser feito pelos tribunais,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Orador: — … que possa ser interposta uma providência cautelar para que um determinado programa,

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por violar direitos, liberdades e garantias ou incorrer numa violação grave à Lei da Televisão, seja judicialmente impedido de ser emitido. Contudo, ao conferir este poder a uma entidade administrativa relativamente a um programa em concreto e a título cautelar, pergunto o que é que acontece se a Entidade Reguladora proibir uma televisão de emitir um determinado programa, causando-lhe, com isso, eventuais prejuízos que podem ser significativos, e, passado 15 dias, vier o tribunal dizer que a Entidade Reguladora não tinha razão e que aquele programa não podia ser permitido. Gostaria de saber quem é que responde pelas consequências que, entretanto, decorreram.
No entanto, esta até é uma questão acessória. A questão principal é que nos parece ser um precedente muito grave permitir que uma entidade administrativa possa dizer: «Não, esse programa não é emitido!» Pergunto como é que se controla um eventual abuso de poder por parte desta Entidade Reguladora — que é uma entidade administrativa, porque é essa, evidentemente, a sua natureza.
Quer parecer-nos que a possibilidade de entidades administrativas poderem proibir a emissão de programas é de má memória.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Orador: — Vou concluir, Sr. Presidente.
Evidentemente, admitimos que, da parte do Governo, não há qualquer intenção de voltar a regimes de censura prévia, mas este é um caminho muito inclinado e não devíamos ir por aqui. Portanto, qualquer possibilidade de proibição de programas a título cautelar, em nosso entender, só deveria poder ser feita por uma entidade judicial.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Arons de Carvalho.

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Estou em crer que, se estivesse presente nesta Sala o ex-Deputado e ex-ministro Nuno Morais Sarmento, sentir-se-ia extremamente incomodado com uma parte da intervenção do Sr. Deputado Agostinho Branquinho.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Olhe que não!

O Orador: — É que, de facto, as verbas que o Sr. Deputado Agostinho Branquinho referiu como sendo absolutamente exorbitantes, que considerou como subsidiação exageradíssima ao serviço público de televisão, foram estabelecidas — e bem, devo dizê-lo — pelo governo do PSD, sob a responsabilidade daquele ex-ministro assim como da então ministra Manuela Ferreira Leite.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — Isso era ao serviço público!

O Orador: — Como se sabe, hoje, o serviço público de televisão, felizmente, tem um financiamento plurianual estabelecido para o período 2003-2007, pelo que as verbas que hoje são destinadas à RTP, nem um tostão a mais nem um tostão a menos, provêm exactamente desse contrato de concessão e do quadro anexo ao mesmo que estabelecia as verbas disponibilizadas para a RTP.
Aliás, devo dizer que, ao contrário da demagogia em que o PSD incorre nesta matéria, as verbas atribuídas ao serviço público de televisão, em Portugal, não são exageradas, não são superiores à média europeia — não falo em termos absolutos, falo em percentagem do produto interno bruto. A subsidiação do serviço público, em Portugal, está perfeitamente na média europeia e é perfeitamente coerente com o conjunto de serviços de programas que a RTP tem obrigação de desenvolver.
Falo agora noutra questão recorrente, nos últimos tempos, nas intervenções do Sr. Deputado Agostinho Branquinho e do PSD. Refiro-me à acusação, sem qualquer prova concreta, de pura difamação, segundo a qual a RTP seria governamentalizada.
De facto, para o PSD, a RTP continua a ser um inimigo externo útil como desculpa para todos os insucessos, como factor unificador de um partido com claros problemas de afirmação e de coesão interna.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!

O Orador: — Além disso, o PSD está convencido de que ganha alguns minutos de tempo de antena nos telejornais se continuar o seu periódico queixume. Isto, sim, é uma pressão continuada sobre os responsáveis da RTP.
Onde é que estão as provas? Onde é que estão os dados concretos, desde as notícias até às estatísticas?

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O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Isso é chicana!

O Orador: — Onde estão as testemunhas, que o Sr. Deputado já deveria ter apresentado, de casos de pressão sobre a RTP ou de manipulação da informação?

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — São as estatísticas!

O Orador: — Como um náufrago que está prestes a afogar-se, o Sr. Deputado Agostinho Branquinho agarrou-se agora a uma estatística que refere apenas — e sublinho «apenas» — os tempos de notícia sobre o Governo na RTP. Mais uma vez, a sua acusação não tem qualquer fundamento. Onde está o quadro comparativo entre os tempos dos partidos da oposição na RTP e nos operadores privados que permitam provar a existência de favorecimento do Governo? Onde está a análise qualitativa das notícias que permita provar que as que são emitidas sobre o Governo lhe são favoráveis ou são manipuladas a seu favor? Ao contrário dos operadores públicos do centro e do norte da Europa, a RTP não tem uma tradição de independência, mas é, hoje, bem mais independente do que há 15 anos, aliás, quando a tutela era exercida pelo agora Deputado Marques Mendes. Isto por várias razões. Porque a RTP está sujeita a um escrutínio que resulta de uma permanente comparação com os operadores privados por vontade política dos governos, quer pelas melhorias no seu modelo de governação quer por entenderem que o custo político da ingerência na informação é bem superior aos benefícios que obteriam com essa ingerência, sobretudo numa altura em que são inúmeras e muito diversificadas as fontes de informação, desde os jornais até à blogoesfera, e também, obviamente, devido à consciência profissional dos jornalistas e, neste caso, da televisão pública.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!

O Orador: — É claro que a informação da RTP não é inatacável.
Por exemplo, recordo-me de, há poucos dias, ter visto uma notícia sobre uma iniciativa do Sr. Deputado Mendes Bota, do Algarve, acerca da recuperação da água do mar, em que foram ouvidos, sucessivamente, este último e, a seguir, o presidente da câmara municipal em causa e também presidente da associação de autarcas do Algarve, Macário Correia, igualmente do PSD. Onde estava o contraditório nesta notícia? Onde estava a opinião das outras forças políticas ou do Governo sobre esta a matéria? Não existiu.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — E ontem, no debate sobre o cartaz racista?

O Orador: — Aliás, sobre esta questão da suposta ingerência do Governo importa referir ainda o seguinte: este foi o primeiro Governo que, mudada a maioria política, não substituiu a administração da RTP, o que, até agora, sempre tinha acontecido no nosso país. A este respeito, devo mesmo dizer que não mudava apenas a administração; passadas poucas semanas da entrada em funções de um novo governo também mudava, invariavelmente, a direcção de informação e a direcção de programas.
Ora, pela primeira vez, repito, mudou a maioria governamental e mantiveram-se os responsáveis da RTP, administradores e directores designados pela anterior maioria ou no tempo da mesma.
Era, pois, preferível que o Sr. Deputado Agostinho Branquinho deixasse de fazer estas intervenções que não credibilizam ninguém, nem o próprio, nem o seu partido, nem muito menos o regime democrático.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Por fim, quero referir que o Sr. Deputado Agostinho Branquinho fez uma longa enumeração dos pontos controversos da actual lei. Eu sublinho apenas duas omissões.
A primeira sobre a questão da renovação das licenças, relativamente à qual o PSD e o Sr. Deputado Agostinho Branquinho, há alguns meses, quando a Media Capital mudou de mãos colombianas, inglesas e alemãs para mãos espanholas, defenderam a realização de um concurso público. Pelos vistos, actualmente, o PSD mudou de campo, passou, claramente, para o lado dos operadores privados e esqueceu-se da questão da renovação das licenças.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — É a sua opinião! Errada!

O Orador: — Portanto, o PSD mudou completamente nesta matéria.
A segunda omissão significativa no discurso do PSD é a de que se esqueceu completamente da questão do segundo canal. Ou seja, o PSD começou por apoiar o segundo canal da RTP; depois, teve aquele lapso em que prometia a alienação e a privatização do mesmo; mais tarde, «corrigiu o tiro» e enveredou

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pela opção da autonomia do segundo canal entregue à sociedade civil. Hoje em dia, o Governo pretende, e muito bem, fazer regressar o segundo canal à RTP. O PSD, sobre isso, guarda um prudente silêncio, o que significa que já percebeu a sucessão de ziguezagues que teve sobre esta matéria…

Protestos do PSD.

… e os profundos erros que cometeu neste domínio.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, muito obrigado por dar-me a palavra mas, sinceramente, não sei se estou em condições de fazer uso dela. É que, confesso, ainda estou «de cara à banda», ainda estou pasmado com a afirmação do Sr. Deputado do Partido Socialista queixando-se de que, na RTP, o Partido Socialista não tem direito ao contraditório nem há pluralismo. Sr. Presidente, confesso que a minha alma não cabe em mim de tão pasmado que estou com esta afirmação!

A Sr.ª Helena Terra (PS): — É uma alma enorme!…

O Orador: — Olhe, Sr. Deputado Arons de Carvalho, no CDS, há já 30 anos que sabemos exactamente isso! Pelos vistos, o Sr. Deputado só o descobriu através de uma peça sobre o Algarve. Deve ter andado um bocadinho distraído nestes últimos 30 anos, Sr. Deputado! De qualquer forma, Sr. Presidente, ainda que esteja pasmado com isto, vou tentar fazer o meu melhor e, sinteticamente, debruçar-me sobre alguns pontos desta proposta de lei que merecem alguma preocupação da nossa parte e outros até o nosso aplauso.
Sintetizaria esta proposta de lei em seis aspectos essenciais.
Primeiro, a criação de um novo quadro para atribuição e renovação de licenças. Entendo que é algo muito importante, embora não possa deixar de referir que o Governo vem um pouco tarde a esta discussão.
Gostava até de dizer muito claramente, quando, há um ano e pouco, foram renovadas as licenças, que ainda me lembro de qual foi o comportamento deste Governo: derrogou, afastou aspectos que estavam previstos no nosso ordenamento jurídico; repristinou leis anteriors — sei que, lá em casa, poucos compreendem estas expressões, mas querem dizer que o Governo tentou afastar totalmente o regime jurídico, as leis da República Portuguesa que estavam em vigor —, porque, eventualmente, lhe seria mais conveniente.
Quero dizer-lhe, Sr. Ministro, que, daqui a 15 anos, quando, provavelmente, outros partidos estiverem no governo, espero que as leis que agora estão a ser votadas possam vir a ser cumpridas — nós não temos o mesmo comportamento que criticamos aos outros.
Segundo, uma questão também muito importante é a da introdução, em Portugal, da televisão digital terrestre. Aliás, lembro que uma das grandes justificações para aprovação da nova lei da televisão era exactamente essa realidade que vai ser muito importante, em Portugal e noutros países da Europa.
Verificamos nesta proposta de lei que, mesmo assim, há um conjunto de aspectos muito importantes relativamente à televisão digital terrestre e às possibilidades que a mesma vai introduzir no panorama audiovisual português que continuam a não estar claramente definidos. Por isso, muito provavelmente, daqui a um ano ou um ano e meio, cá estaremos de novo, nesta Câmara, a discutir mais uma vez a aprovação de uma nova lei de televisão porque, claramente, nesta proposta de lei não estão vertidos aspectos que deverão ser essenciais.
A televisão digital terrestre vai proporcionar a todos os operadores novas perspectivas em número quase ilimitado. Mas, obviamente, essas perspectivas vão colocar novos problemas. O Governo continua a não responder a um conjunto de questões que vão ser muito importantes, como, por exemplo, a de saber onde vai terminar o nível de emissões dos próprios operadores públicos. Há ou não um limite? Teremos, ou não, dentro do serviço público, operadores claramente concorrenciais com operadores privados, provavelmente introduzindo até distorções ao mercado? Não sabemos! Nesta proposta de lei nada disso é especificado.
Portanto, é algo que, no futuro, com as possibilidades da televisão digital terrestre, muito provavelmente o Parlamento vai ser forçado a corrigir.
Um segundo aspecto para nós muito importante é aquele de que já falei há pouco, da defesa dos públicos mais sensíveis. Para nós, esta é uma matéria que tem a ver com direitos, liberdades e garantias pessoais, com a evolução da nossa sociedade e com a capacidade que cada família tem, na nossa sociedade, de ter liberdade ou não de educar os seus filhos, liberdade ou não de proteger pessoas e públicos que são claramente mais sensíveis.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

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O Orador: — Concluo já, Sr. Presidente.
E a verdade é que até essa afirmação dos públicos mais sensíveis, que já tem hoje uma consagração e uma vertente constitucional, é retirada da lei.
Um último aspecto prende-se com o segundo canal do serviço público, a 2. Hoje, há uma experiência que é positiva e que está a dar os seus passos fora do limite do Estado, chamando a si a sociedade civil.
Ora, vê-se que há claramente uma objecção ideológica deste Governo ao novo projecto da 2, que está a fazer o seu caminho e a dar os seus frutos. Essa opção ideológica vincada tem uma consequência que vai ser muito negativa para o serviço público.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados, a proposta de lei n.º 120/X, a chamada lei da televisão, contém indiscutivelmente aspectos positivos e progressos relativamente à legislação e às práticas em vigor que nos apraz registar: o regresso da RTP2 ao serviço público de televisão, uma maior exigência relativamente às obrigações dos operadores, a monitorização do sistema e a criação de cadernos de encargos.
Tudo questões que esta bancada tem vindo a salientar serem indispensáveis para acabar com o regabofe de uma programação mercantilizada, sujeita aos imperativos da publicidade e das audiências muito para além do que é razoável, de uma informação secundarizada e por vezes manipulada ou de uma informação cultural quase inexistente ou, o que é pior, muitas vezes roçando a indigência, características estas que estão longe de ser apanágio exclusivo dos canais privados.
Não obstante, subsistem, no entender do Bloco de Esquerda, problemas de fundo que não encontram solução nesta proposta de lei. O primeiro respeita às suas omissões.
A proposta de lei do Governo não comporta nenhuma previsão, designadamente em termos de estatuto regulamentar, sobre os caminhos de adaptação da televisão que temos às novas realidades tecnológicas, no entanto iminentes. Por exemplo, como é que se vai fazer a conversão dos canais de acesso livre da tecnologia analógica para o digital (que directivas da União Europeia recomendam seja uma «transição suave»), estando nós a apenas cinco anos do limite máximo dessa transição, a realizar-se em 2012? Qual vai ser o período de transição? Como serão suportados os custos quer da aquisição das caixas de conversão dos telespectadores quer da indispensável emissão simultânea em analógico e digital, que tem, durante algum tempo, de conviver? E os novos canais, que o digital permite, serão de acesso livre ou condicionado, isto é, pago? E como é que serão atribuídos? E como é que se vai gerir e distribuir a publicidade nos novos canais? E, permitindo o digital a interactividade, como é que ela será regulada nas novas formas de televisão? Sobre isto, a proposta de lei é completamente omissa.
Será possível, em 2007, aprovarmos uma lei da televisão obviamente provisória, pois deixa de fora realidades fundamentais que, em escassos cinco anos, transformarão completamente o sector? Não nos parece razoável. A primeira objecção que temos, por isso, é que, ainda antes de ser aprovada, esta proposta de lei já está, em aspectos essenciais, desactualizada.
Mas passemos ao que lá vem efectivamente previsto.
A segunda objecção respeita à lógica de apartheid cultural que vemos reeditar quanto ao serviço público de televisão. Explico-me: é certo que a RTP2 regressou, e bem, ao serviço público. Mas, analisando os artigos 34.º, 51.º e 53.º da proposta de lei, retém-se a ideia de concentrar a «cultura» e a qualidade numa espécie de gueto da RTP2 e, inclusivamente, ser menos exigente relativamente às obrigações do canal generalista da RTP1 do que quanto aos canais generalistas privados. Uma espécie de admissão implícita do trash televisivo para o canal público, o que é totalmente contrário ao que deveria ser o seu nível de exigência, mesmo com o estatuto específico de canal generalista, designadamente num país com elevados níveis de iliteracia e grandes debilidades nas áreas da educação e da cultura.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Orador: — Entendemos, pelo contrário, que é indispensável, pelo menos, nivelar as obrigações do serviço público generalista com os demais, introduzir, quer a uns quer a outros, avaliações de três em três anos e assegurar não só a participação do público nessas avaliações como a certeza da divulgação pública dos seus resultados.
Também não se compreende, nem nos parece aceitável, a existência, prevista no artigo 52.º e outros da proposta, de canais de acesso público condicionado, ou seja, pago. O serviço público é, por definição, universal e deveria ser proporcionado a todos os cidadãos em condições de igualdade do seu usufruto.
Da mesma forma entendemos que não têm sentido, nem justificação, as restrições do artigo 12.º, proibindo aos partidos, às autarquias e aos sindicatos, mas não às confissões religiosas, exercerem actividades de televisão, até porque os patrões continuam a poder exercê-las livremente, desde que não seja através

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das suas associações profissionais.
No tocante aos operadores generalistas privados, entende esta bancada que o desafio principal que esta proposta de lei coloca, e bem, é o da efectiva aplicação e fiscalização dos dispositivos a que passam a estar formalmente vinculados estes canais. Saliente-se, em todo o caso, que não estamos perante meros serviços comerciais, como por aí se ouve dizer, mas perante serviços públicos explorados por empresas privadas e, por isso, sujeitos a claras e incontornáveis obrigações de serviço público, traduzidas, designadamente, e bem, nos cadernos de encargos que condicionam o respectivo licenciamento.
Isto porque se verifica que os progressos registados com esta proposta de lei nesses domínios continuam a poder ser flanqueados por um articulado com fugas e indefinições, provavelmente resultantes da submissão excessiva da proposta de lei a uma directiva europeia ainda demasiado marcada por critérios mercantilistas e, por isso, sem as fortes especificidades direccionadas para o caso português, que, a nosso ver, deveria conter.
Chamou-nos a atenção, por exemplo, que as justas limitações anti-racistas, anti-sexistas, antixenófobas e contra a pornografia e a violência gratuitas, previstas no artigo 27.º, podem ser, com relativa facilidade, rodeadas pela porta dos serviços noticiosos (artigo 8.°), ou que se pode esvaziar a obrigação de os operadores dedicarem 20% da sua emissão à difusão de obras criativas e produção originária do nosso país, se não for, como não é, exigível a diversidade de géneros, o que permite transformar a programação num mar de telenovelas, ou que o artigo 40.º continua a não prever, como a nosso ver devia prever, a impossibilidade de interromper os filmes, serviços noticiosos e documentários por blocos publicitários.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Entende o Bloco de Esquerda que esta proposta de lei avança alguma coisa, mas, tanto pelo que não diz e se esperava que dissesse, como pelo que diz e pelas sujeições externas que aceita, ainda há muito caminho para andar. Veremos se o debate, na especialidade, permite os progressos indispensáveis ao que com ela se começou todavia a esboçar.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Diniz.

A Sr.ª Teresa Diniz (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: A reintegração da 2 no operador público do sector televisivo é um marco importante para o serviço público de televisão, em Portugal.
A manutenção de um serviço público de televisão ao lado de vários operadores privados corresponde a uma política portuguesa consentânea com a generalidade dos países europeus.
Na verdade, ao falarmos em serviço público, pretendemos afirmar que não nos referimos a qualquer actividade da Administração mas, antes, à qualificação de um certo tipo de tarefas que se consubstanciam no conceito de prestação, isto é, um serviço prestado por uma entidade pública, justificado pela conveniência em assegurar um conjunto de objectivos que se consideram essenciais, designadamente no plano da informação, da educação, da cultura, do entretenimento, da promoção e defesa da língua portuguesa, do apoio às comunidades portuguesas, entre outras.
Por outro lado, a existência e funcionamento de um serviço público de televisão é uma imposição constitucional — «O Estado assegura a existência e o funcionamento de um serviço público de rádio e de televisão», diz a Constituição —, que, por isso, não pode, nem deve ser abolida, até porque está subjacente a essa imposição constitucional a garantia institucional da própria liberdade e pluralidade da comunicação social, em que o serviço público é o garante de actividades como a televisão não serem submetidas a interesses económicos ou a orientações doutrinais particulares (políticas, religiosas ou outras).
A revisão da Lei da Televisão, agora em discussão, ao readmitir o segundo canal na concessão do serviço público (e, em 2003, o Governo PSD levou por diante a cisão em duas concessões, com o objectivo de a 2 ser entregue a um consórcio de entidades da sociedade civil), faz com que o serviço público de televisão passe a ter dois canais.
Ora, a Constituição da República Portuguesa é omissa sobre a dimensão e composição (número de canais, por exemplo) do serviço público de televisão. Contudo, o Governo do Partido Socialista entende, e bem, que, para assegurar as funções essenciais de informação, de educação, de formação e de cultura para todos, bem como a promoção de debates, o reforço da identidade cultural europeia, a que acresce a produção nacional (de qualidade), só é possível com a existência de dois canais de serviço público, que, pelo seu pendor universal, chegam a todo o território nacional.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As obrigações inerentes a um serviço público de televisão são, por si só, mais do que evidentes para entendermos a posição do Governo nesta matéria e daí extrairmos quão importante é o reforço dado pela presente proposta de lei apresentada pelo Governo ao serviço público de televisão, ao incluir a 2 na RTP e fazer renascer a RTP2.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parla-

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mentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, gostaria de me pronunciar sobre o conteúdo deste debate dizendo o seguinte: primeira questão, a posição que o PSD expressou na sua intervenção.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Coerência!

O Orador: — O facto político evidente é que o PSD quer regressar à linha «Dr. Marques Guedes», à linha do projecto de lei de 1997, «privatização da RTP», e o PSD não hesita perante o facto de isso representar uma ruptura, não com a proposta do PS mas, sim, com o modelo de serviço público que reunia hoje o consenso do Partido Socialista, do PSD e do CDS-PP.
Este é que é o facto político evidente, neste debate!

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — Mas há outra proposta nesse sentido?

O Orador: — Segunda questão: poderes excessivos da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Não há uma única competência que a Lei da Televisão atribua à Entidade Reguladora que esteja fora das atribuições definidas na Constituição e das atribuições e competências definidas na lei que cria a Entidade Reguladora para a Comunicação Social.
O acordo constitucional foi subscrito pelo PSD, pelo PS e pelo CDS-PP, a lei que cria a ERC foi aprovada pelo PS, pelo PSD e pelo CDS-PP.
Mesmo a ideia da avaliação intercalar cumpre o artigo 24.º, n.º 3, alínea i), que diz que a ERC deve verificar o cumprimento, por parte dos operadores de rádio e televisão, dos fins genéricos e específicos das respectivas actividades, etc., etc.
Portanto, não há qualquer poder excessivo da Entidade Reguladora; se o PSD se quer colocar nessa linguagem, quer colocar-se na posição daqueles que estão contra a Revisão Constitucional de 2004 e a criação de uma regulação pública para a comunicação social.
Quanto às questões do «controleirismo», intervenção que espelha bem esta posição foi a pergunta feita pela bancada do PSD sobre a grelha de programação da RTP Internacional.
Quanto às acusações que o PSD teima em fazer em matéria de alegada interferência do Governo nos conteúdos da RTP, devolvo, como sempre devolvi, respondo, como sempre respondi, que são mentiras,…

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Factos!

O Orador: — …mentiras sem quaisquer elementos de prova e, portanto, são calúnias; quem repete constantemente mentiras não pode ter outra qualificação que não a de mentiroso.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!

O Orador: — É esta a posição em que o PSD se está a colocar em matéria de serviço público de televisão.

Aplausos do PS.

Quarta questão: televisão digital terrestre.
Os Srs. Deputados Pedro Mota Soares e Fernando Rosas disseram que esta lei tinha uma lacuna, a lacuna é que não regulamentava a televisão digital terrestre, e, portanto, era uma lei obsoleta antes mesmo de ser aprovada.
Estamos a ver, julgo eu, na minha modéstia opinião, as coisas mal. O princípio fundamental da Lei da Televisão, como da Directiva Televisão sem Fronteiras, como da própria Constituição, é o princípio da neutralidade tecnológica.
Isto é, a liberdade de expressão, a protecção dos direitos de personalidade, a protecção dos menores, a promoção da independência e do pluralismo, a promoção dos fins informativos, formativos, lúdicos e culturais de qualquer actividade de televisão, tudo isso independe do suporte e da plataforma de emissão e a lei regula para tudo, como, aliás, eu disse na minha intervenção inicial.
Evidentemente que não compete à Lei da Televisão definir o preço das set up boxes. Isso não faria qualquer sentido, porque esta é uma lei, não é o regulamento do concurso para televisão digital terrestre, nem muito menos é o conjunto de decisões que os operadores licenciados para essa actividade tomarão no âmbito das suas competências.
Insisto: esta lei, que é preciso aprovar agora para que possa ser lançado o concurso para a televisão digital terrestre, não tem qualquer preceito que se torne obsoleto com a concretização desse concurso.
Agora, o que é preciso é mudar, porque — e respondo aqui a uma objecção do Sr. Deputado António

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Filipe — se não mudássemos o regime de licenciamento de modo a que haja um licenciamento para a parte paga da televisão digital terrestre em bloco, e depois haja autorização, canal a canal, só na parte paga da TDT, não teríamos verdadeira concorrência no mercado do audiovisual da televisão paga. Isto porque é esse o regime que vigora na rede cabo e, evidentemente, o futuro operador da parte paga da televisão digital terrestre não pode ter desvantagens competitivas com o operador da rede cabo, sob pena de não haver concorrência. Este é o racional óbvio da proposta de alteração que fazemos.
Outra questão: a 2 e a participação da sociedade civil.
Quero sossegar o Sr. Deputado Pedro Mota Soares, se me permite, dizendo-lhe que a mudança da natureza jurídica da 2 não significa em nada a diminuição da participação de organismos da Administração Pública e da sociedade civil na sua programação. Por isso é que não se trata de um conselho consultivo mas de um conselho de acompanhamento, que não é esgotado pelas soluções do conselho de opinião, porque é uma plataforma que reúne aqueles que comparticipam na programação da 2.
Uma outra questão tem que ver com os limites à propriedade. Sou muito sensível à observação feita pelo Sr. Deputado António Filipe e, em doutrina, estou de acordo com ela.
Isto é, quando a rede de distribuição é infinita, deve aplicar-se à televisão o mesmo que se aplica à imprensa; quando ela não é infinita, não se deve permitir que partidos políticos, associações profissionais, associações empresariais, associações sindicais, autarquias, regiões autónomas ou o próprio Estado, ocupem um espaço que, por ser ocupado por essas entidades, deixa de poder ser ocupado por outras.
Mas quando se trata de uma rede infinita, como é a Internet, as operações de autorização ou licenciamento não devem existir, deve existir, apenas, o simples registo, e as limitações à emissão de órgãos doutrinários, científicos ou institucionais devem cair e devem obedecer à mesma regra que a Lei de Imprensa define. Portanto, liberdade de criação e de emissão total.
Outra observação que pretendo fazer, ainda no que diz respeito a considerações do Sr. Deputado António Filipe, quanto à necessidade de os canais regionais do público terem conselho de redacção, isso está previsto na lei, Sr. Deputado – qualquer serviço de programas, qualquer canal, com mais de cinco jornalistas deve ter um conselho de redacção.
O mesmo se diga em relação à questão da publicidade na RTP, que, hoje, está resolvida. Ou seja, há um limite horário à emissão de publicidade no primeiro canal e as receitas provindas da publicidade são apenas afectadas ao serviço da dívida e, posteriormente, a investimento.
Finalmente, gostaria de me demorar mais um pouco — e, para isso, preciso que o Partido Socialista me ceda mais 2 minutos — numa questão que me parece absolutamente essencial e sobre a qual não deve resultar qualquer dúvida neste debate, que é a questão posta pelo Sr. Deputado António Filipe sobre a possibilidade da suspensão cautelar de programas.
Primeiro: é uma medida que consta da actual lei e que vai ser mantida, embora seja mais claramente delimitada. O que a actual lei diz é que «Em caso de indícios de infracção grave, a Entidade Reguladora pode suspender cautelarmente um programa» e nós dizemos que apenas o pode fazer no caso de indícios de cometimento de uma infracção submetida a sanções muito graves, portanto, uma contra-ordenação muito grave.
Ora, para que não reste qualquer dúvida no espírito do Sr. Deputado António Filipe nem no de outros Srs. Deputados, vamos ver quais são as circunstâncias em que, em matéria de programação, portanto, em matéria de emissão de conteúdos, segundo a proposta de lei, um operador pode cometer contraordenações muito graves.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Ministro!

O Orador: — Termino já, Sr. Presidente! Como dizia, essas circunstâncias são apenas três: quando o operador recusa a transmissão de mensagens do Presidente da República, em caso de declaração de estado de sítio ou de estado de emergência (portanto, é uma omissão, não entra para a nossa discussão), quando o operador emite propaganda política fora dos tempos de antena, quando o operador emite programas pornográficos, programas que incitem ao ódio racial, sexual, religioso ou por outro motivo, quando emite programas com violência gratuita.

O Sr. António Filipe (PCP): — Não é o que lá está!

O Orador: — É assim, é! Estas são as únicas circunstâncias, em matéria de programação. E, nesse caso, defendo — e julgo que todos defenderemos — a possibilidade de haver uma suspensão cautelar em caso de infracção reiterada. Isto é, se estiver a ser exibido um programa pornográfico em sinal aberto e o operador mantiver essa exibição, defendo que uma entidade administrativa reguladora para a comunicação social possa ordenar a suspensão cautelar desse programa e, depois, o tribunal decidirá.

Aplausos do PS.

O Sr. António Filipe (PCP): — Não é o que está no artigo 85.º, que diz: «Qualquer contra-ordenação

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muito grave»!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Branquinho, que dispõe de 1 minuto e 30 segundos.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): —Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares pretendeu dar alguns ares de autoridade durante este debate, mas esqueceu um pequeno grande pormenor. É que V. Ex.ª foi responsável pela RTP.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Já foi ministro dessa área!

O Orador: — V. Ex.ª já esqueceu a herança que, em 2002, deixou na RTP?! Já esqueceu o caos administrativo e financeiro em que estava a RTP?! Já esqueceu a total ausência de credibilidade da RTP em 2002?! Percebemos que o Sr. Deputado Arons de Carvalho venha fazer hoje uma autocrítica e o elogio das medidas que nós tomámos, porque a sua herança foi desastrosa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Mas passemos à frente.
O que hoje importa registar é que, com a actuação firme e estrategicamente bem orientada do PSD e da sua governação em conjunto com o CDS-PP, deixámos uma RTP que é hoje o oposto do que era —
credível do ponto de vista dos conteúdos — e recuperámo-la do ponto de vista económico-financeiro.
Hoje estamos num outro momento, em que é preciso discutir qual é o novo modelo, o novo paradigma.
Esta, sim, é a questão fundamental.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Orador: — Concluo já, Sr. Presidente.
Sobre a governamentalização, Sr. Ministro, os dados de uma empresa de estudos de mercado apontam 7529 notícias sobre o Governo na RTP.

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): — E sobre o PSD?!

O Orador: — Exactamente o somatório do número de notícias que a TVI e a SIC transmitiram sobre o Governo. Se isto não é governamentalização, o que é? Sr. Ministro, pode ter a certeza de que, no momento oportuno, cá estaremos para apresentar o nosso modelo sobre o que deve ser o serviço público de televisão, de acordo com o tempo adequado e não fora de prazo, tal como ocorreu com esta proposta que V. Ex.ª aqui apresentou. E pode ter a firme convicção de que esse modelo será objectivamente diferente daquele que os senhores hoje aqui defenderam.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Arons de Carvalho, que dispõe de 1 minuto.

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados, em primeiro lugar, em matéria de heranças, também gostaria de falar um pouco da herança que o governo socialista recebeu em 1995: uma RTP crivada de dívidas; uma RTP com uma enorme quebra de audiências, de cerca de 10% ao ano; uma RTP que fazia uma programação absolutamente mimética em relação aos operadores privados. Essa foi a herança que o governo socialista recebeu em 1995 de uma RTP tutelada então pelo Dr. Marques Mendes.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — É bom lembrar!

O Orador: — Em segundo lugar, queria referir o seguinte: o PSD é verdadeiramente um partido catavento. Depois de, durante vários anos, ter assumido a defesa da RTP e do serviço público de televisão, é hoje um partido que se opõe à forma actual de financiamento do serviço público, que se opõe à solução da RTP2, que omite agora a questão da renovação das licenças quando, há uns meses atrás, esse era o seu leitmotiv fundamental de ataque.

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Em suma, o PSD continua a não ter uma política consistente e coerente de comunicação social. É, verdadeiramente, um partido cata-vento, à procura de um rumo, à procura da última moda demagógica para tentar obter alguns votos do eleitorado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, concluída a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 120/X, vamos passar à apreciação da petição n.º 151/X (1.ª)— Apresentada pelo Movimento Cívico «Não apaguem a memória», solicitando à Assembleia da República que crie um espaço público nacional de preservação e divulgação pedagógica da memória colectiva sobre os crimes do chamado Estado Novo e de resistência à ditadura, condenando a conversão do edifício da sede da PIDE/DGS em condomínio fechado, e apelando a todos os cidadãos e organizações para preservarem, de modo duradouro, a memória colectiva dos combates pela democracia e pela liberdade em Portugal.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Soares.

O Sr. João Soares (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A primeira nota que queria deixar tem a ver com a qualidade do trabalho que foi feito, ao nível do relatório, na 1.ª Comissão, pelo Sr. Deputado Marques Júnior. É um relatório notável, que resultou, aliás, da concertação com os vários grupos políticos representados nesta Assembleia e que não pode passar sem um elogio da minha parte.
Em segundo lugar, queria saudar os representantes do Movimento Cívico «Não apaguem a memória», nas pessoas do Eng.º Fernando Vicente, do Edmundo Pedro e de todos os que aqui quiseram estar hoje, pela sua iniciativa política, com a qual o Grupo Parlamentar do Partido Socialista se identifica, como é óbvio.
Não podem ficar esquecidos 48 anos de polícia política, 48 anos de censura, 48 anos de prisão arbitrária e de prática sistemática da tortura por parte da polícia política e, nesta matéria, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem uma posição que é perfeitamente clara.
Gostava de assegurar aos representantes do Movimento Cívico «Não apaguem a memória» o facto, que me parece especialmente relevante, de nesta Assembleia haver, ao nível de todas as bancadas, uma clara memória directa e uma identificação com aqueles que foram capazes de dizer «não» e que foram capazes de resistir. Tal como escreveu Manuel Alegre num poema tão bonito, «Mesmo na noite mais triste/Em tempo de servidão//Há sempre alguém que resiste/Há sempre alguém que diz não».
Esta é matéria que toca a todas as bancadas representadas nesta Assembleia. Estou a ver a Sr.ª Deputada Zita Seabra, que muito jovem foi obrigada, por razões de convicção, a passar à clandestinidade e a dar prova de coragem extrema.
Felizmente, também nesta Assembleia, há uma memória viva e directa da parte mais terrível dessa resistência e dessa capacidade de dizer «não», «mesmo na noite mais triste» e mesmo «em tempo de servidão», que se deve ao facto de aqui estarem muitas pessoas que foram presas e que, como presos políticos da PIDE, passaram pela tortura, que era uma prática sistemática.
Na bancada do Bloco de Esquerda estou a ver o Sr. Deputado Fernando Rosas, que foi preso duas vezes, se bem me lembro, tal como aconteceu também com o Sr. Deputado Francisco Louçã — não sei se estou a cometer alguma gaffe esquecendo-me de alguém.
Na bancada do Partido Socialista permitam-me que refira com orgulho o facto de termos como Presidente da Assembleia da República o Sr. Deputado Jaime Gama, que foi preso e objecto de tortura e que, enquanto militar miliciano de Abril, foi um dos que integrava a coluna que partiu da Figueira da Foz para libertar o Forte de Peniche.
Também o líder da bancada do Partido Socialista, o Sr. Deputado Alberto Martins, que hoje não se encontra presente, foi preso e objecto de tortura.
O Sr. Presidente da 1.ª Comissão (onde, aliás, foi discutido o relatório do Sr. Deputado Marques Júnior), o meu amigo Osvaldo Castro, também foi preso e objecto de tortura.
O Sr. Deputado Vítor Ramalho, Presidente da Comissão de Trabalho e Segurança Social, membro do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, também foi preso e objecto de tortura.
O Sr. Vice-Presidente da Assembleia da República Manuel Alegre, que já aqui referi a propósito de um poema tão bonito, também esteve várias vezes na prisão.
Refiro ainda o Sr. Deputado José Lamego, também meu particular amigo, que foi, seguramente, um dos presos políticos que durante mais tempo foi sujeito à tortura do sono e a cuja libertação assisti na madrugada de 26 para 27 de Abril, junto ao Forte de Caxias.
Há, portanto, uma clara identificação da bancada parlamentar do Partido Socialista, como penso que haverá por parte de todas as bancadas, com os objectivos do Movimento Cívico «Não apaguem a memória».
A questão da sede da PIDE está resolvida. Confesso, com toda a sinceridade, que não conheço nenhum outro caso no mundo onde se tivesse utilizado a sede de uma polícia política para se erigir um monumento ou para se constituir um museu que recordasse, justamente, o esforço da resistência contra a ditadura.
Penso, pois, que a questão está bem resolvida, com a criação de um espaço de memória do que foi

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aquele edifício nos terríveis 48 anos da ditadura, um espaço para intervenção cívica e para iniciativas que serão encontradas em coordenação com as autarquias e com o Governo, como sugere, e muito bem, o relatório do Sr. Deputado Marques Júnior.
Todavia, creio que também não devemos cometer o erro de cair em excesso de iniciativas. Vejo como um aspecto muito positivo o facto de o actual Ministro da Justiça, Alberto Costa, também ele preso político e alguém que passou pela tortura, ter-se disponibilizado para fazer diligências no sentido da cedência do Aljube. Trata-se de um espaço que, como referência, é muito importante, com uma localização excelente em Lisboa. Confesso que quando fui autarca e quando avancei para a criação da Biblioteca Museu República e Resistência, que ainda hoje é uma referência — aliás, como o Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra, muito importante em termos de memória da ditadura e da resistência — sonhei com o Aljube. Porém, nessa altura não foi possível. Portanto, talvez esse fosse o espaço para relocalizar a Biblioteca Museu República e Resistência e dar-lhe uma dimensão nacional.
Mas penso que não podemos cometer o erro de nos dispersarmos por muitas iniciativas que depois perdem o impacto. Sobretudo temos de estar atentos às novas tecnologias e à possibilidade de criação de um portal na Internet, onde se possam tocar as novas gerações para estes temas.
Lembro-me de, quando estive em Bruxelas como Deputado europeu, ter visto, em 1995, uma exposição que fez um sucesso admirável que se chamava «J’avais 20 ans en 45». A exposição, em memória desses tempos terríveis na Europa, teve um número absolutamente extraordinário de visitantes (cerca de 800 000).

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Orador: — Sr. Presidente, a terminar, queria sublinhar que há aqui espaço para a intervenção cívica.
Ainda ontem, o Sr. Ministro Augusto Santos Silva me lembrava que o monumento ao Marquês de Pombal foi feito por subscrição pública, o mesmo acontecendo com o monumento a Camões. É, pois, altura de se lançar, a partir da iniciativa do Movimento Cívico «Não apaguem a memória», uma grande subscrição pública para o monumento que querem fazer.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A petição que hoje discutimos convoca-nos para um tema da maior importância, tendo merecido um circunstanciado relatório do Deputado Marques Júnior. Saudamos, por isso, os peticionários que tomaram esta iniciativa.
Ao aproximarmo-nos das comemorações de 33.º aniversário da Revolução de Abril, é impossível não sentir uma enorme indignação e revolta perante a situação de desconhecimento e desvalorização da realidade e dos aspectos do fascismo português e da resistência antifascista.
O Estado, sucessivos governos e as instituições democráticas em geral não cumpriram o seu dever de preservação do conhecimento e da divulgação, quer das atrocidades da ditadura fascista, quer da perseverança, coragem e heroísmo da resistência.
O fascismo português, a ditadura de Salazar e de Caetano, que, sendo velho na forma e no conteúdo, se auto-intitulava perversamente de Estado Novo, foi uma agressão contra toda a sociedade e o povo português.
Hoje, muitos desconhecem, mas não pode ser esquecido, que durante 48 anos a liberdade foi confiscada e a democracia proibida.
Não podem ser esquecidos a polícia política, a censura, os tribunais plenários e as suas condenações predeterminadas e prolongadas com arbitrárias medidas de segurança.
Não pode ser esquecido o colonialismo e a guerra colonial, bem como o conluio com o fascismo e o nazi-fascismo europeus.
Não pode ser esquecido o atraso e a pobreza extrema do País, o obscurantismo, o bloqueio no acesso à instrução e à cultura.
Não pode ser esquecida a tortura, o assassínio, a perseguição, a prisão dos que resistiram, o exílio forçado de muitos.
E se o que foi o fascismo não pode ser esquecido, igualmente tem de ser lembrada a luta antifascista que durante toda a ditadura se desenvolveu, apesar da ausência de liberdades e de regras democráticas.
Trabalhadores, camponeses, jovens estudantes, intelectuais, gente de todo o País e de diversas origens, resistiram e lutaram contra a ditadura e por isso, muitas vezes, «pagaram um elevado preço».

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Não há preservação da memória!

O Orador: — O PCP teve, como é sabido — embora não se pudesse concluir isso se ouvíssemos apenas a intervenção do Deputado João Soares —, um papel fundamental nesta resistência antifascista: foi a principal força política organizada e a única que resistiu e lutou durante toda a «longa noite fascista». Natu-

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ralmente, foram militantes comunistas a maioria dos torturados, dos perseguidos, dos presos e dos que sucumbiram às mãos do fascismo português.
Felizmente, muitos outros democratas, não só comunistas, evidentemente, resistiram e lutaram e foram, consequentemente, vítimas da repressão. A luta antifascista congregou muitos cidadãos de diferentes origens políticas, com diversas formas de participação e de intervenção, convergindo para o objectivo do derrube do fascismo e da conquista da liberdade e da democracia.
Se tudo isto aconteceu, assume especial gravidade que esteja, em muitos casos, cada vez mais escondido. Na escola portuguesa as crianças e os jovens abordam de forma totalmente insatisfatória o período do fascismo e a luta dos que lhe resistiram.

Vozes do PCP: — Exactamente!

O Orador: — Existem preconceitos que levam à procura de uma neutralidade que não existe — não existe neutralidade perante o fascismo —, que muitas vezes reduzem a uma abordagem «asséptica» o período da nossa história que constitui o fascismo e a luta antifascista que lhe correspondeu.
É, pois, a máquina do «branqueamento do fascismo» que existe e funciona, como nos últimos tempos tem ficado claro e evidente com a «bafienta» insidiosa promoção do ditador.
O revisionismo neofascista em Portugal, na Europa e no mundo procura obter a reabilitação do fascismo e o apagamento dos seus crimes. E também ao mesmo tempo, muitas vezes, acentua o anticomunismo, assomando já por aí ideias de criminalização da ideologia comunista e dos comunistas. As duas coisas são, vezes de mais, «faces da mesma moeda».
Os que prosseguem estes objectivos aproveitam, aliás bem, algumas tendências actuais, felizmente minoritárias, de desvalorização do papel dos comunistas na luta antifascista, não percebendo que essa desvalorização é, ao mesmo tempo, uma ajuda a um «branqueamento do fascismo».

Vozes do PCP: — Exactamente!

O Orador: — Concluindo, Sr. Presidente, o tema que a petição nos propõe não é um tema do passado, mas, sim, um tema do presente e determinante para o que vier a ser o futuro da nossa sociedade. É um tema que, depois desta petição, deve merecer desta Assembleia uma tomada de posição concreta, desejavelmente consensual, para a qual nos manifestamos empenhados e disponíveis para que se construa um quadro institucional e concreto que combata o «branqueamento do fascismo» e valorize a luta antifascista em Portugal.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Compete-nos hoje analisar a petição do Movimento Cívico «Não apaguem a memória». Com este título procura um grupo de cidadãos que se dirigiu à Assembleia da República salvaguardar a memória da resistência ao Estado Novo, ao regime de Salazar, com a proposta de diversas iniciativas que passam por manter vários edifícios no Estado, transformá-los em espaços museológicos, designadamente os que pertenceram à PIDE-DGS ou ao Tribunal Plenário. É uma iniciativa meritória e feita certamente com a melhor das intenções: não fazer esquecer aqueles que sofreram com a ditadura, que foram suas vítimas e que merecem objectivamente ser recordados e homenageados.
No entanto, quando se fala de memória, não podemos esquecer que a memória faz parte da história. E a história portuguesa do século XX parece que começa e acaba no Estado Novo e que essa história não deve ser feita pelos historiadores, não deve ser objecto prioritário das investigações académicas, mas sim objecto de decisão política de ministros da cultura ou de presidentes de câmara municipais. Como se o correcto fosse escrever a história com decisões políticas avulsas, espalhar iniciativas que «nascem mortas», porque nenhuma delas é por si só relevante e meritória de ser olhada ou visitada e acarinhada por todos.
Os espólios estão espalhados por múltiplos locais a acrescentar aos que já existem na Biblioteca Museu República e Resistência, em Lisboa, e no Museu do Neo-realismo, em Vila Franca de Xira, bem como, e sobretudo, na Fundação Mário Soares, aqui na Rua de S. Bento.
Parece que os factos não são factos, mas que são argumentos ideológicos para servir interesses políticos actuais. E não existe neste domínio pior do que tentar transformar a história em arma de arremesso político presente.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Que vergonha!

A Oradora: — É verdade que não há história neutra. Mas o que se tem feito da história portuguesa do

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século XX é transformá-la em arma política da esquerda contra a direita e da direita contra a esquerda.
Como se tivéssemos sempre em Portugal, olhando para a memória, duas historiografias, uma de direita, outra de esquerda. Como se a história fosse escrita não por historiadores, mas por movimentos políticos e ideológicos, como se fosse escrita a preto e branco.
Todos os esforços políticos e ideológicos para definir quais são os factos políticos relevantes, e o que num sentido ou noutro vale a pena preservar, estão condenados ao fracasso e aos resultados opostos ao pretendido.
Em vez de se procurar o consenso do que vale efectivamente a pena preservar — a casa de José Relvas, aliás doada, ou a fortaleza de Peniche, para dar dois exemplos que certamente ninguém contesta —, procura-se a instrumentalização dos factos históricos, em que deliberadamente se «apagam» ou «eliminam» pessoas e acontecimentos, levando a que cidadãos de um ou outro campo político, ideológico, partidário ou religioso não se revejam na história e não se consiga nunca obter consensos historiográficos nos quais todos os portugueses, sem excepção, se possam rever.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Isso não existe! Não existem consensos históricos!

A Oradora: — A tentação de pôr ministros da cultura, a Assembleia, ou outras entidades políticas a definir por decreto o que deve ou não integrar a história, ou os edifícios que devem ser preservados, ou museus que devem ser criados leva à multiplicação de iniciativas pobres, contestadas e sobretudo polémicas, quando não contraproducentes. Leva a que se tente criar uma historiografia oficial, uma memória oficial e politicamente correcta.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Já se esqueceu!

A Oradora: — A história tem de ser escrita por historiadores, tem de ser objecto de investigação e de estudo nas universidades portuguesas, tem de ser — e desculpem o meu interesse pessoal — objecto de livros, tem de ser escrita e publicada por universitários, enquanto os políticos têm a obrigação de garantir os meios para que efectivamente os investigadores o possam fazer.
A história portuguesa do século XX é rica em factos importantes, desde a Monarquia Constitucional, ao Estado Novo, ao fim do Império, à resistência à ditadura, às guerras coloniais,…

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Ao fascismo!

A Oradora: — … ao 25 de Abril — para citar só alguns, que merecem ser estudados e o mais consensualmente possível ensinados nas escolas.
Transformar o século XX na resistência ao salazarismo, reduzindo-o a meros rituais antifascistas através de actos a imposições administrativas conduz aos resultados que ficaram à vista de todos num lamentável concurso de televisão.
É tempo de respeitar a história portuguesa do século XX, porque, não tenhamos dúvidas, nas suas páginas terão lugar, por direito próprio, os que sofreram as torturas na António Maria Cardoso, na Rua do Heroísmo no Porto, ou no Aljube de Lisboa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Rebelo.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria, antes de mais, de cumprimentar os representantes do Movimento Cívico «Não apaguem a memória» aqui presentes, saudando-os em nome da minha bancada.
Sobe à discussão em Plenário uma petição, subscrita por um número significativo de concidadãos nossos, que se dirige, fundamentalmente, à preservação da memória dos acontecimentos marcantes de um período da história recente da nação portuguesa, que ficou conhecido pelo período do Estado Novo.
Para tanto, entendem os subscritores da petição, em primeiro lugar, reclamar dos poderes públicos a criação de um espaço nacional de preservação e divulgação pedagógica da memória colectiva que não só dê a conhecer os crimes perpetrados pelos responsáveis pelos destinos da nação durante aquele período, mas que também divulgue a realidade da resistência à ditadura nesse mesmo período. Em segundo lugar, os subscritores da petição condenam a conversão do edifício da sede da PIDE/DGS em condomínio fechado e exigem a criação de um espaço e de um memorial naquela área. Em terceiro lugar, apelam a todos os cidadãos e organizações que multipliquem, partilhem e tomem nas suas mãos, pela forma e iniciativas que entenderem, a preservação duradoura da memória colectiva dos combates pela democracia e liberdade em Portugal.
Esta petição foi ainda complementada com reuniões dos peticionantes com os grupos parlamentares e com membros do Governo, para os porem ao corrente dos objectivos do Movimento. Nessas reuniões,

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formaram os signatários da petição a convicção de que havia, da parte da Assembleia da República, a melhor receptividade para iniciativas que garantam a preservação, investigação e divulgação da memória da resistência à ditadura.
A preservação da memória e da identidade de um País, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, é certamente algo que não deixa indiferente o CDS-PP, enquanto partido que professa ideais conservadores e de exultação dos valores nacionais. Mas aquilo que aqui está em causa é algo diferente. Os subscritores da petição pretendem impedir a transformação em condomínio de luxo do edifício que foi a sede da PIDEDGS, em Lisboa. Foi esta a génese deste movimento, foi contra isso que os subscritores do Movimento se pretenderam revoltar em primeiro lugar. Só depois o Movimento se estendeu à salvaguarda da memória dos presos políticos, dos dissidentes do regime, das torturas e sevícias que sofreram às mãos da PIDE e do regime de Salazar.
De algum modo, a ideia de transformar num condomínio de luxo um edifício que foi sede da polícia política que serviu um regime ditatorial, com toda a carga histórica e emocional que o rodeia, pode parecer uma menorização não apenas dos factos em si mesmo considerados, mas igualmente dos retalhos das vidas que ali foram deixados pelas pessoas que ali estiveram contra a sua vontade e que foram torturadas.
Mas o que não podemos é concordar com coisas absurdas que ouvimos dizer, como, por exemplo, que com a demolição do edifício se limparia de tal forma a memória que ninguém saberia, de futuro, que a PIDE existiu. Um perfeito lapso de raciocínio, obviamente, pois bastaria que lessem a Constituição aprovada em 1976 e revista em 1982. Durante todo esse tempo, lá esteve um artigo que lembrava ser necessário extinguir, e bem, a PIDE-DGS!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — A memória não se apaga, está na mente das pessoas, está nos livros, é transmitida nas cátedras e não está na Rua Antónia Maria Cardoso. A memória não está naquele edifício concreto e não será destruída pelo desaparecimento ou transfiguração desse mesmo edifício! Estejamos certos ou errados na nossa forma de pensar, há, contudo, uma dúvida que não deixa de se nos pôr. Porquê agora, quando já decorreram mais de 30 anos sobre o 25 de Abril de 1974? Qual a razão que determinou os peticionantes a constituírem-se em movimento cívico e a exortarem agora as autoridades públicas a preservarem os edifícios que constituem a memória da resistência aos desmandos dos governos ditatoriais do Estado Novo, designadamente o edifício da Rua António Maria Cardoso, em Lisboa? É conveniente referir, como se faz no relatório da petição — cujo relator, o Sr. Deputado Marques Júnior, aproveito para saudar e cumprimentar pelo seu excelente trabalho —,…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): — Muito bem!

O Orador: — … que este edifício era propriedade da Casa de Bragança, que esteve abandonado praticamente desde 25 de Abril de 1974 (com excepção do período em que lá funcionou a Comissão de Extinção da PIDE-DGS) e que foi adquirido por particulares.
A razão dos peticionantes parece óbvia. Passados 33 anos, a memória colectiva do País parece ter esquecido os crimes e a violência perpetrados pela PIDE e pelo regime de Salazar.
No entanto, segundo algumas notícias, esteve delineado um acordo de princípio para que, na futura construção, seja reservado um espaço para perpetuar a lembrança da sede da PIDE naquele local. Segundo outras notícias, estariam bem encaminhados alguns projectos de construção de memoriais na Rua António Maria Cardoso, em frente à sede da PIDE, na Prisão do Aljube, na Cadeia de Caxias, no Forte de Peniche e na sede da delegação da PIDE no Porto.
Em último caso, parece-nos que a solução para a preservação deste edifício implicaria a sua aquisição pelo Estado, o que, de algum modo, nos parece um objectivo pouco realista.
Em conclusão, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, somos favoráveis aos princípios expressos nas conclusões do relatório sobre esta petição, desde que não se levem as convicções que a mesma transmite ao exagero e se tenha a noção de que a História não é propriedade de ninguém nem se impõe a ninguém.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — E que não há boas ou más ditaduras, sejam elas de esquerda ou de direita.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — Todos os regimes e ideais totalitários devem ser recordados nos seus horrores e combatidos sem tréguas no presente e no futuro, a bem da democracia e da liberdade.

Aplausos do CDS-PP.

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O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Desejo, em primeiro lugar, saudar a delegação do Movimento Cívico «Não apaguem a memória», aqui presente, saudando em particular o Sr. Edmundo Pedro, ex-Tarrafalista, onde esteve preso 10 anos, e que é hoje, se não me engano, decano dos presos políticos portugueses sobreviventes.

Aplausos do BE, do PS, do PCP e de Os Verdes.

Desejo também cumprimentar o Sr. Deputado Marques Júnior pelo excelente relatório que fez desta petição. Mas, muito para além do seu trabalho como relator, cumprimento-o também pelo entendimento que promoveu e que permitiu elaborar um documento consensual.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, tenho para mim que a memória é a argamassa da identidade nacional. Um povo sem memória, anestesiado nesse presente contínuo de que nos fala o historiador Hobsbawm, é um povo indefeso, pronto a ajoelhar perante a ignomínia.
Na realidade, como se pode lutar pela liberdade de associação sindical, pelo direito à greve, pelas oito horas de trabalho, todas elas realidades que estão hoje sob ameaça real, se se perder a memória do rio de sangue e de sacrifícios que cada uma dessas conquistas custou a impor e a defender? Como se pode defender a liberdade, a democracia e o progresso social quando a nossa televisão pública nos diz, pretextando falar de história, que Salazar foi o maior português de sempre?

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Muito bem!

O Orador: — É por isso que em torno das representações da memória há disputa, há contradição, há pluralidade de opiniões, há, em suma, um processo social de debate, de construção e de desconstrução da memória. É bom que assim seja. O que é inadmissível é que se tente impor pelo subterfúgio, pelo apelo ou pseudo-apelo aos consensos sem princípios, pelo pseudo-entretenimento pseudo-inocente uma espécie de monismo interpretativo implícito, assente em lugares comuns populistas e antidemocráticos, como mais uma vez fez, para vergonha nossa, a televisão pública.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Orador: — Nesse sentido, o regime democrático, a democracia enquanto regime não pode ser neutra em relação à memória do seu passado recente. Porque ela nasceu da negação e da destruição dessa infâmia política e moral que foi a ditadura, tem, por isso, o preciso dever de recusar activamente o fascismo e de praticar a democracia.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Muito bem!

O Orador: — Isso não quer dizer que o Estado democrático se deva alcandorar a fazer história. Não há nem pode haver histórias oficiais ou oficiosas. O que se pede é que ele crie todas as condições para que as pessoas, os movimentos e as escolas de pensamento o possam fazer livremente. O que se pede é que crie espaços, organize e disponibilize arquivos, apoie iniciativas, promova estudos que tenham como sujeitos a sociedade civil na sua pluralidade e riqueza. O que se pede é que ele assinale a memória e ajude os que a querem promover a levar a cabo essa tarefa.
O Estado democrático deve fazer tudo o que está ao seu alcance para ajudar à preservação da memória, sobretudo quando se trata da memória da resistência. Quero dizer com isto que deve fazer democracia também quanto ao processo social de produção da memória e abster-se de contribuir para a banalizar, perverter, tutelar ou inviabilizar.
Nesse sentido, saudamos e secundamos a justa e oportuna iniciativa de petição do Movimento Cívico «Não apaguem a memória», bem como os seus objectivos. Entendemos até, sem discordar de qualquer resolução que dela possa resultar e reunir amplos consensos parlamentares, que haveria tal petição de poder dar lugar a algo mais do que isso: a uma lei-quadro da memória que, dentro da perspectiva que apontamos, estabelecesse um quadro preciso e não meramente retórico dos deveres do Estado em matéria da preservação da memória histórica da resistência à ditadura.
Sr. Presidente, Sr.as e Sr. Deputados: A memória não é propriedade nem feudo de ninguém. A memória é terreno de liberdade, de disputa, de construção, de iniciativa cidadã.
Cabe ao Estado abrir campo a que as escolas de interpretação se manifestem e as várias cores das memórias identitárias floresçam.

A Sr.ª Zita Seabra (PSD): — Muito bem!

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O Orador: — Se assim for, estou seguro de que o povo português jamais consentirá que a mentira ou a ignorância lhe roube das mãos a liberdade. A memória viva da resistência não é senão isso mesmo: a capacidade de segurarmos a liberdade nas mãos.

Aplausos do BE e do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Poucos períodos da nossa História serão tão negros e sinistros como os 48 anos de fascismo que a ditadura de Salazar e Caetano impôs ao povo português. Durante quase meio século, o País definhou do ponto de vista social, educacional e cultural, atrasou-se de quase todos os pontos de vista, isolou-se na cena internacional, e arrastou muitos homens e jovens na «flor da idade» para uma guerra inútil e injusta no ultramar, até onde chegava a tirania, oprimindo outros povos que também aspiravam à liberdade, à autodeterminação e ao direito de conduzir os seus destinos.
Com efeito, poucos factos da nossa História se aproximam da sangrenta história do nacional-fascismo lusitano e do obscurantismo, da vergonha dos criminosos métodos de perseguição e de tortura praticados durante aquele período.
A comparação com a Inquisição, pela irracionalidade, desumanidade e loucura atroz da perseguição, motivada, também nesse caso, por fins políticos e de poder económico, justificada em bases ideológicas que só admitem um pensamento, uma forma de estar, é, por isso, absolutamente justa e magistralmente conseguida na peça O Judeu de Bernardo Santareno, em que se retrata a perseguição feita pelo Santo Ofício a António José da Silva, ele próprio dramaturgo como o autor escalabitano, este perseguido pela PIDE já no séc. XX.
Muitos eram os pilares em que se apoiava o Estado Novo: as altas chefias militares, interessadas na continuidade da guerra colonial, uma certa Igreja Católica do Cardeal Cerejeira, a máquina de propaganda da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT) e de António Ferro, a Mocidade Portuguesa e algumas poucas — poucas — famílias que detinham a indústria, a banca e a alta finança e prosperavam, mas também a própria ignorância, a miséria e o medo.
Aquele em que melhor se via, se vê, o rosto desse regime torcionário, criminoso e fascista era no seu braço direito da opressão, a polícia política. Primeiro com a designação de Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, ou PVDE, também conhecida popularmente por «pevide»; depois como Polícia Internacional de Defesa do Estado, a PIDE de má memória, e, mais tarde, como Direcção-Geral de Segurança, a DGS, foi na verdade, apesar das mudanças semânticas, sempre a mesma estrutura, com os mesmos métodos, prosseguindo os mesmos objectivos e uma só essência: uma força de segurança e defesa do regime contra todos aqueles que se opunham ou que se suspeitava sequer poderem vir a opor-se.
Francisco Miguel, militante comunista e um dos que durante mais tempo sofreu às mãos dos algozes nos cárceres do fascismo, esteve mais de 21 anos preso e sujeito a brutais espancamentos e às tristemente célebres torturas da «estátua» ou do «sono», conheceu a «frigideira» do Tarrafal, e escreveu, dirigindose ao tribunal plenário: «Embora do ponto de vista pessoal a prisão me arruíne a saúde cada vez mais, do ponto de vista político o Governo nada adiantará com a continuação do meu encerramento. A minha prisão ainda por mais tempo será por si mesma um factor de esclarecimento do povo que verá na minha situação os métodos violentos do Governo, que são ao mesmo tempo a prova da sua fraqueza.» A PIDE, mais conhecida por «ignóbil polícia», durante toda a ditadura, perseguiu, prendeu, interrogou, sujeitou a torturas, espancamentos e maus tratos físicos e psicológicos, cruéis e degradantes, assassinou, condenou à clandestinidade ao longo de décadas muitos e muitos democratas, comunistas, republicanos, anarquistas, antifascistas e, de uma forma geral, todos aqueles que considerava uma ameaça à estabilidade e imobilidade podre do regime, apenas por cometerem o pecado capital de ter uma ideia e um pensamento livres, não condizentes com a cartilha única de «Deus, Pátria e Família», e ousarem levantar-se para os defender.
Poetas, músicos, escritores, artistas, académicos, professores e investigadores foram proibidos de escrever, publicar, editar, ensinar e trabalhar e obrigados a emigrar ou a limitar-se a sobreviver num País onde tudo lhe era negado, num País que lhe fora roubado, num País que, felizmente, «já era uma vez».
Mas esta é a história que é preciso contar e recontar vezes sem conta, para que jamais caia no esquecimento e para que se preserve a memória de outros tempos e seja o garante que salvaguarde o futuro de perigosos e indesejáveis retrocessos ou regressos a um passado de horror e de terror.
A petição n.º 151/X (1.ª), que hoje discutimos, surgiu da indignação pela possibilidade de transformação do edifício onde estava instalada a antiga sede da PIDE/DGS, ainda em 1974, em condomínio fechado e contra o apagamento da memória do fascismo e do sofrimento causado aos portugueses, e por cujo relatório aproveitamos para saudar o Sr. Deputado Marques Júnior, saudando, ao mesmo tempo, os representantes do Movimento «Não Apaguem a Memória».
Trata-se da uma petição que manifesta francas e justas preocupações pelas muitas tentativas a que todos assistimos de quando em vez, nos jornais e televisão, de branqueamento da memória ou de descul-

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pabilização de factos em si mesmos indesculpáveis e que a democracia jamais pode esquecer.
O Partido Ecologista «Os Verdes» manifesta o seu apoio à pretensão apresentada pelos peticionantes de criação de uma rede museológica e educativa, que inclua diferentes estruturas e diferentes espaços significativos da resistência e luta contra a ditadura, como sejam o Aljube, o Forte de Caxias, o edifício da ex-sede da PIDE da António Maria Cardoso, a sala do extinto Tribunal Plenário na Boa Hora, entre outras, incluindo o já existente Museu da Resistência na Fortaleza de Peniche, onde se fazem visitas guiadas a escolas, ou o futuro Museu Salgueiro Maia, em Santarém, idealmente no espaço da Escola Prática de Cavalaria (unidade já transferida para Abrantes), de onde saiu, na madrugada de 25 de Abril de 74, ao som das senhas do E depois do Adeus e Grândola Vila Morena, a principal coluna militar que faria a «revolução dos cravos», durante a qual só a PIDE, igual a si mesma, conseguiu derramar sangue com os últimos assassinatos que perpetrou, disparando contra a população que, à porta da sede nacional, exigia a sua rendição.
Relembramos, finalmente, o inestimável papel de muitas associações e entidades, públicas e privadas, e individualidades que têm lutado para que não se esqueça o que o fascismo fez ao nosso país e ao povo português, dos quais nos permitimos destacar a Associação 25 de Abril, a União dos Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP) e o Centro de Documentação 25 de Abril, sedeado na Universidade de Coimbra.
Resta agora à Assembleia da República agir de forma mais concreta e ao Governo escutar esta justa chamada de atenção e actuar ao nível dos Ministérios da Cultura e da Educação, sobre a forma de melhor levar à prática o desígnio de preservar a nossa memória recente.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, desejo associar-me também à saudação que todas as bancadas parlamentares já dirigiram à delegação presente dos subscritores desta petição e intervir sobre este assunto, como julgo ser a minha obrigação.
A petição teve uma génese e uma evolução. Hoje, já a discutimos num ponto avançado da sua evolução.
Convém não esquecer que na génese esteve uma indignação legítima e justificada, perante uma espécie de «branqueamento» de um lugar onde se cometeu tortura, onde se combateu a liberdade e onde foram perseguidas pessoas nos seus corpos e nas suas consciências.
Quem ainda tiver problemas de recordação desses tempos, pode sempre ler, com muito proveito a vários títulos, o nosso Nobel de Literatura José Saramago e a belíssima descrição da tortura que é feita no Levantado do chão a partir da perspectiva de uma pequena formiga que assiste à tortura de um grande militante comunista.
A petição do Movimento «Não Apaguem a Memória» tem uma mensagem muito simples, a qual não devemos obscurecer, que é esta: houve uma ditadura e houve resistência à ditadura, e não podemos esquecer este facto. A maneira como essa ditadura se pode definir, a sua génese, a sua evolução, a sua conformação ao longo das décadas que durou é matéria de História, é de memória pessoal, grupal ou colectiva, e está sempre sujeita — como bem disse o Sr. Deputado Fernando Rosas — à controvérsia, à discussão, ao debate, quer intelectual e científico, quer político e doutrinário.
Quais foram os resistentes que mais se sobressaíram? Quem foi a força política que mais combateu? É outra matéria sobre a qual os historiadores, e também certamente o pensamento político, se debruçarão e se podem dividir e debater entre si.
Mas a ditadura existiu e houve muita resistência à ditadura, por parte de comunistas, de socialistas, de republicanos, de sociais-democratas, de católicos, de liberais, de conservadores! Houve resistência feita politicamente pelos militantes na clandestinidade ou na legalidade, mas também por centenas de milhares de portugueses que, à primeira oportunidade, responderam com a emigração maciça para países democráticos, sobretudo a resistência de uma enorme maioria da população portuguesa, que estava oprimida e esmagada e que, ao primeiro sinal dos libertadores, entre os quais se encontrava o nosso Marques Júnior, rapidamente encheu as ruas em massa e transformou um golpe militar numa revolução democrática e numa revolução democrática imparável, que foi a primeira de muitas revoluções democráticas da Europa dos fins do séc. XX.
Portanto, cabemos todos. O que não podemos é esquecer que houve ditadura e que houve resistência à ditadura. Do meu ponto de vista, é esse o principal mérito da petição que hoje discutimos.
Isto não significa confiscar politicamente a História, nem achar que possa haver uma propriedade política da História. Os Srs. Deputados que pensam assim estão muito confundidos. Quem pensava que se confiscava politicamente a História e que havia uma propriedade política da História era o fascismo!

Aplausos do PS e de alguns Deputados do PCP.

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O meu mestre, Vitorino Magalhães Godinho, foi impedido de fazer o doutoramento que se propôs fazer e que versava sobre o pensador político português do séc. XIX Joaquim Pedro de Oliveira Martins, com o argumento de que isso era subversivo. Eu próprio, como estudante de História, fui impedido de estudar qualquer coisa de História, quer nacional quer internacional, a partir do séc. XVIII…! Portanto, a democracia é que libertou a produção científica para o seu campo próprio e a democracia é que percebe que não há nem confiscação de política nem leituras políticas da História ou, melhor dito, nem manipulações políticas da História.
Aqueles que, ainda agora, ainda hoje, querem que Portugal rasure o seu passado e elimine antecipadamente o seu futuro, pensando que Portugal alguma vez foi composto só de portugueses e alguma vez possa ser composto só por portugueses, esses é que querem confiscar politicamente a História e querem confiscar politicamente o nosso presente e o nosso futuro.

Aplausos do PS e do Deputado do PCP Honório Novo.

Por isso, nós não apagamos a memória porque a memória é constitutiva do nosso presente e do nosso futuro, e porque sem memória não temos presente e não temos futuro! E não confundamos os nossos eventuais problemas pessoais, a nossa própria memória no nosso percurso anterior, com o problema que está aqui em causa: que é o da relação entre a democracia e a ditadura.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!

O Orador: — Nós celebramos os resistentes, porque sem eles não estaríamos aqui! Repito, não estaríamos aqui, não haveria democracia e não haveria Assembleia da República!

Aplausos do PS.

E essa memória nós nunca apagaremos! Por conseguinte, a petição tem outro mérito. E o mérito que tem a petição — e que, aliás, é muito bem desenvolvido no relatório subscrito pelo Sr. Deputado Marques Júnior, de resto, ao que sei, acompanhado por todas as bancadas parlamentares — é justamente também o de desafiarmos todos para encontrar formas modernas de não apagar a nossa memória.
Portanto, não se propõe apenas que todos os edifícios sejam convertidos em museus. Não se propõe que se tenha uma atitude tradicionalista do ponto de vista patrimonial. O que se propõe é que haja um roteiro nacional de lugares de resistência à ditadura, que pode assumir várias formas, na consciência colectiva, mas também na inscrição patrimonial, com lápides, com memoriais, com exposições, com colecções permanentes.
O que é preciso é que todos saibamos que, sempre que o Edmundo Pedro, na cela do Aljube, onde passou dias e dias e dias seguidos — uma cela de dois metros por três metros, se não me engano, que tinha uma pequena fresta pela qual ele via as pombas da fachada da Sé —, dizia para si próprio: «Não me vencerão! Não me abaterão!», ele, Edmundo Pedro, e muitos milhares e milhões com ele estavam era a fundar a nossa democracia! A ditadura é adversária da democracia, portanto, a democracia não deve ter qualquer espécie de contemplação para com a ditadura!

Aplausos do PS, do BE e de alguns Deputados do PSD e do PCP.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está concluído o debate, pelo que chegámos ao fim dos nossos trabalhos de hoje.
A próxima reunião plenária terá lugar na próxima terça-feira, 3 de Abril, pelas 15 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: período de antes da ordem do dia, a que se seguirá o período da ordem do dia, que constará da discussão dos projectos de resolução n.os 190/X — Constituição de uma comissão eventual para análise do processo de renovação do aeroporto internacional de Lisboa (PSD) e 196/X — Sobre a construção de um novo aeroporto internacional de Lisboa (BE), seguida da apreciação, na generalidade, do projecto de lei n.º 226/X — Cria o subsídio social de maternidade e paternidade (PCP), depois do que, sublinho, haverá lugar ao período de votações.
Nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.

Eram 12 horas e 25 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):

Página 32

32 | I Série - Número: 067 | 31 de Março de 2007

Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Ribeiro Gameiro
Glória Maria da Silva Araújo
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Augusto Clemente de Carvalho
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosalina Maria Barbosa Martins
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos

Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Paulo Martins Pereira Coelho
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
José Manuel Pereira da Costa
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Miguel Pereira de Almeida
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
José Honório Faria Gonçalves Novo
Maria Odete dos Santos

Partido Popular (CDS-PP):
Paulo Sacadura Cabral Portas
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS):
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Júlio Francisco Miranda Calha

Partido Social Democrata (PSD):
Manuel Filipe Correia de Jesus

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Pedro Nuno de Oliveira Santos

Partido Social Democrata (PSD):
Carlos António Páscoa Gonçalves
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José de Almeida Cesário
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Pedro Miguel de Santana Lopes

Página 33

33 | I Série - Número: 067 | 31 de Março de 2007

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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