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10 | I Série - Número: 073 | 20 de Abril de 2007

desproporcionalidade de património, tem a obrigação de acusar, e o arguido, se usar do direito de ficar calado em julgamento, será condenado, porque se verifica a desproporcionalidade.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Bem lembrado!

O Orador: — É que a presunção de inocência em julgamento encontra corolário no princípio de in dubio pro reo.

O Sr. Alberto Martins (PS): — Muito bem!

O Orador: — Assim, o actual texto proposto viola grosseiramente todos os princípios constitucionais que vigoram em Direito Penal, na medida em que o novo crime constitui uma forma indirecta, e devo até dizer «ardilosa», de punir, sem prova, fenómenos como o da corrupção, o de tráfico de influência e o de branqueamento ou ainda outros, como o das infracções fiscais e económico-financeiras em geral.
O que se pretende, contra todas as regras do Estado de direito democrático, é que, sem qualquer demonstração de situação ilícita subjacente, o centro do ilícito seja deslocado para o plano das consequências objectivas.
Chamar facto ao enriquecimento ilícito nesse contexto corresponde a um eufemismo, porque não estamos a falar de qualquer facto, mas antes da diferença entre uma situação patrimonial passada e uma situação patrimonial presente.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!

O Orador: — Nestes termos, as exigências de imputação subjectiva, a começar pela prova do dolo, que constitui o título de imputação subjectiva por excelência no domínio desta criminalidade, tendem a tornar-se uma ficção.
Por tudo isto, como faz o PSD, o princípio da culpa decorrente da especial dignidade da pessoa humana — artigo 1.º da nossa Constituição — é posto em causa por esta incriminação.
Por outro lado, esta intenção do PSD pune de forma parametrizada várias realidades distintas, como são distintas as acções cujo desvalor deve ser penalizado de forma diversa e graduada. Ou seja: este artigo pune de forma idêntica realidades que vão desde a corrupção passiva para acto ilícito até ao tráfico de influências, considerando a mesma pena para os diversos tipos e factos em concreto.
Por isso, promove desigualdades, porque a situação material subjacente ao enriquecimento pode ser lícita ou ilícita, constituir ilícito criminal ou administrativo, mas é igualizada através da cominação de uma pena comum. Esta constatação e a nova incriminação também contrariam o princípio da igualdade, que está contido no artigo 13.º da nossa Constituição.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!

O Orador: — Tudo isto faz com que o Partido Socialista tenha de votar contra este projecto de lei.
Mas, para além destas razões de fundo, muitas outras podem ser invocadas, que, não relevando do Estado de direito democrático, revelam alguma confusão de conceitos ao nível dogmático.
O PSD apresenta um novo tipo de crime de perigo abstracto, mas o perigo é incluído na descrição típica, tal como acontece nos crimes de perigo concreto. A palavra perigo inserida no normativo é utilizada em sentido impróprio, como se tratasse de linguagem coloquial, não para significar um acontecimento futuro e incerto, como referência negativa, mas sim como sinónimo de ignorância sobre um acontecimento actual cuja causa se não conhece, que é a situação patrimonial.
Dá-se por demonstrado aquilo que se devia demonstrar e o PSD, assim, viola flagrantemente os princípios da presunção de inocência e de in dubio pro reo.
Mas o que não se percebe é o proposto artigo 5.º (Da responsabilidade civil do Estado pelos danos causados pelo enriquecimento). Então, Srs. Deputados, cabe perguntar: quem é o lesado pelo enriquecimento ilícito? Quem é que o Estado deve indemnizar pelos prejuízos sofridos? O que se locupletou à custa de terceiros? Não percebo este artigo 5.º do vosso projecto de lei, e parece-me que ele tem alguma dificuldade de percepção.
Quanto à protecção das testemunhas, estamos disponíveis para a alargar a outros tipos de crime, como forma de tornar mais eficaz a colaboração de terceiros.
Por todas estas razões o Partido Socialista não cede ao populismo. Sabemos que percorremos o caminho mais difícil, mas colocamos os valores acima de qualquer oportunismo conjuntural.
Os portugueses esperam do Partido Socialista que defenda o Estado de direito e que não vacile quando estão em causa questões de princípio.
A presunção de inocência ainda é um valor fundamental das liberdades e garantias individuais e, por isso mesmo, votaremos contra, de consciência tranquila.

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