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Sábado, 26 de Maio de 2007 I Série — Número 88
X LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2006-2007)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 25 DE MAIO DE 2007
Presidente: Ex.mo Sr. António Filipe Gaião Rodrigues
Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 15 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de resolução n.º 210/X.
Procedeu-se à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 127/X — Define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2007/2009, em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio, que aprova a Lei-Quadro da Política Criminal. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (Alberto Costa), os Srs. Deputados Luís Fazenda (BE), Nuno Magalhães (CDS-PP), João Oliveira (PCP), Francisco Madeira Lopes (Os Verdes), António Montalvão Machado (PSD) e Ricardo Rodrigues e Marcos Perestrello (PS).
Foram apreciados os Relatórios de Participação de Portugal no Processo de Construção Europeia — 20.º e 21.º anos, 2005 e 2006. Intervieram, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Europeus (Manuel Lobo Antunes), os Srs. Deputados Regina Ramos Bastos (PSD), Umberto Pacheco (PS), Nuno Magalhães (CDS-PP), Honório Novo (PCP) e Luís Fazenda (BE).
Procedeu-se ao debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 133/X — Autoriza o Governo a adaptar o regime geral das contra-ordenações no âmbito da transposição da Directiva 2004/39/CE, relativa a Mercados de Instrumentos Financeiros, da Directiva 2006/73/CE, que aplica a Directiva 2004/39/CE no que diz respeito aos requisitos em matéria de organização e às condições de exercício da actividade das empresas de investimento e aos conceitos definidos da referida directiva, da Directiva 2004/109/CE relativa à
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harmonização dos requisitos de transparência no que se refere às informações respeitantes aos emitentes cujos valores mobiliários estão admitidos à negociação num mercado regulamentado e da Directiva 2007/14/CE da Comissão, de 8 de Março de 2007, que estabelece as normas de execução de determinadas disposições da Directiva 2004/109/CE, e a estabelecer limites ao exercício das actividades de consultoria para o investimento em instrumentos financeiros e de comercialização de bens ou serviços afectos ao investimento em bens corpóreos, e a adaptar o regime geral das contra-ordenações às especificidades desta última actividade. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças (Carlos Costa Pina), os Srs. Deputados Diogo Feio (CDS-PP), António da Silva Preto (PSD) e Aldemira Pinho (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 12 horas e 50 minutos.
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O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a ses-
são.
Eram 10 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados presentes à sessão:
Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto de Sousa Martins
Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha Almeida Pereira
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Ceia da Silva
António José Martins Seguro
Armando França Rodrigues Alves
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
David Martins
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Eduardo Vera Cruz Jardim
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro
Manuel José Mártires Rodrigues
Manuel Luís Gomes Vaz
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos da Cunha e Lorena Perestrello de Vasconcellos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
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Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Renato Luís Pereira Leal
Ricardo Jorge Teixeira de Freitas
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rita Manuela Mascarenhas Falcão dos Santos Miguel
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Umberto Pereira Pacheco
Vasco Seixas Duarte Franco
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Vítor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Pinheiro Pereira
Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Zita Barbas Marvão Alves Gomes
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Joaquim Almeida Henriques
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos António Páscoa Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Domingos Duarte Lima
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Jorge Fernando Magalhães da Costa
José António Freire Antunes
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José Eduardo Rego Mendes Martins
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Mendes Bota
José Pedro Correia de Aguiar Branco
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
José de Almeida Cesário
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pais Antunes
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Vasco Manuel Henriques Cunha
Zita Maria de Seabra Roseiro
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Francisco José de Almeida Lopes
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
António Carlos Bívar Branco de Penha Monteiro
José Hélder do Amaral
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro
Bloco de Esquerda (BE):
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Maria Cecília Vicente Duarte Honório
Mariana Rosa Aiveca Ferreira
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Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes
Álvaro José de Oliveira Saraiva
O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai proceder à leitura do expediente.
A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitida, a seguinte iniciativa legislativa: projecto de resolução n.º 210/X — Recomenda ao Governo que promova a extinção da Fundação Dom Pedro IV, a reversão para o Estado de todo o seu património e o apuramento de responsabilidades por ilegalidades cometidas em seu nome (PCP).
Em termos de expediente, é tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, vamos iniciar os nossos trabalhos com a apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 127/X — Define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2007/2009, em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio, que aprova a Lei-Quadro da Política Criminal.
Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça (Alberto Costa): — Sr. Presidente, Sr.as Srs. Deputados: Aprovada nesta Assembleia por uma expressiva maioria, está em vigor a Lei-Quadro da Política Criminal.
A aprovação dessa Lei-Quadro significou a restituição aos órgãos de soberania da plenitude da definição da política criminal e representou a clarificação do papel do Ministério Público como participante na execução dessa política. Isto através de inovações decorrentes do princípio democrático e em consonância com o quadro resultante da revisão constitucional de 1997, que durante quase uma década tinha ficado sem cumprimento.
A revisão constitucional de 1997 introduziu o princípio de que cabe aos órgãos de soberania definir a política criminal e ao Ministério Público participar na sua execução. A proposta que hoje discutimos visa dar execução a essa directriz constitucional.
O Sr. Alberto Martins (PS): — Muito bem!
O Orador: — Uma política criminal democrática e abrangente tem como objectivos gerais a prevenção, a repressão e a redução da criminalidade, a protecção de bens jurídicos, a protecção das vítimas e a reintegração do agente na sociedade. É aos órgãos de soberania saídos do sufrágio que cabe definir essa política.
A selecção dos crimes cuja prevenção, investigação ou procedimento deve ser considerada prioritária não pode ser casuística nem dependente de contingências individuais insindicáveis. Deve, antes, ser criteriosa, global, transparente, conhecida e aprovada publicamente pelos órgãos que a Constituição designa.
A forma dessa aprovação, que a Lei-Quadro regula, é a forma de lei. Trata-se de leis temporárias, com vigência de dois anos. A opção final por esta forma, em lugar da forma de resolução que tinha sido inicialmente proposta, permite, por um lado, ganhos no plano da vinculação dos seus destinatários e, por outro lado, o controlo da sua constitucionalidade, nomeadamente a fiscalização preventiva pelo Tribunal Constitucional.
Quisemos todos que não pudessem sobrar dúvidas por esclarecer a propósito de um passo tão significativo na evolução da nossa política criminal. Cumpre, agora, fazer aprovar a primeira lei sobre política criminal, que definirá objectivos, prioridades e orientações na prevenção, na investigação e na perseguição dos crimes para os próximos dois anos.
É consensualmente reconhecido que a proposta de lei apresentada pelo Governo respeita os limites da Lei-Quadro e da Constituição. De facto, a definição de objectivos, prioridades e orientações não prejudica o princípio da legalidade; não isenta de procedimento qualquer crime, já que a cada crime continua a corresponder um processo; não afecta a independência dos tribunais, nem a autonomia do Ministério Público; não contém directivas, instruções ou ordens sobre processos concretos ou que a isso se reconduzam; e não prejudica o reconhecimento do carácter urgente aos processos que a lei estabelece como urgentes.
A proposta de lei abrange os vários momentos da prevenção e da repressão da criminalidade: desde o policiamento e os programas de prevenção à fase de execução das penas e reinserção social, passando pela realidade dos processos-crime que correm nos nossos tribunais e concentram a sua actividade.
Dá-se, obviamente, prioridade à prevenção e repressão dos fenómenos criminais mais graves. É uma preocupação fácil de perceber quando nos apercebemos da existência de processos-crime em que estão
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em causa furtos de valores de 3 € ou 4 € que seguem na frente de outros em que podem, por exemplo, ocorrer libertações de arguidos presos por falta de acusação em prazo, ou prescrições, ou correr anos antes do termo do inquérito.
As prioridades são diferenciadas consoante se trate de prevenção ou de investigação. Esta distinção permite alcançar maiores níveis de eficácia num e noutro campo de intervenção e uma maior racionalidade na afectação de recursos.
O Sr. Alberto Martins (PS): — Claro!
O Orador: — A escolha das prioridades fundamenta-se em critérios como os da maior gravidade dos crimes e da gravidade das suas consequências para bens jurídicos, nomeadamente crimes violentos contra as pessoas, crimes contra pessoas especialmente indefesas, crimes que minam o Estado de direito democrático, pondo em causa a relação de confiança entre os cidadãos e o Estado e o bom funcionamento da economia, como a corrupção, o branqueamento, o tráfico de influência, a participação em negócio; do alarme social, nomeadamente fenómenos criminais que ganham expressividade, como tem sido o caso dos crimes praticados no seio das escolas e dos hospitais; e da necessidade de actuar contra fenómenos como o terrorismo, o tráfico de estupefacientes, a sinistralidade rodoviária, os incêndios florestais, a corrupção de substâncias alimentares, entre outros.
Foram especialmente tidas em conta as prioridades definidas pelo Conselho de Justiça e Assuntos Internos (JAI) da União Europeia, com base na avaliação da ameaça no domínio da criminalidade organizada preparada pela Europol, e que os Estados-Membros devem ter em conta nas prioridades nacionais.
No último desses documentos, para lá da identificação geral da ameaça terrorista, estabelece-se como prioridade, para o sudoeste da Europa, a luta contra o tráfico de seres humanos, a imigração ilegal e o tráfico de droga, com ênfase nos grupos organizados de grande calibre.
A possibilidade de ocorrência de atentados terroristas em território nacional é algo que ninguém responsável pode excluir. As dimensões e as consequências dos atentados terroristas causados nos últimos anos por organizações terroristas de inspiração fundamentalista tornam obrigatória a inclusão dos crimes de organização terrorista e de terrorismo nas prioridades de prevenção e investigação.
É isso mesmo que também explica que na proposta da lei orgânica da Polícia Judiciária ontem aprovada pelo Governo se inclua uma unidade nacional dedicada à luta contra o terrorismo. Não se trata de alarmismo, mas trata-se de estar à altura de riscos que são comuns às sociedade actuais e, muito em especial, de estar à altura dos desafios da cooperação internacional, sem a qual não há sucesso na luta contra o crime transnacional.
É a sistematização do Código Penal (que tem por base os bens jurídicos protegidos) que determina a ordem seguida na indicação dos tipos de crimes objecto de prioridade e orientação. Está fora de questão subverter temporariamente essa matriz. Trata-se, pelo contrário, de a seguir e de promover a sua expressão mais eficaz num concreto momento da luta do Estado de Direito contra o crime. O Sr. Alberto Martins (PS): — Muito bem!
O Orador: — Também de acordo com a opção assumida pela Lei-Quadro, não há vários níveis de prioridade, há apenas um.
No plano da prevenção, as orientações dirigem-se especialmente às forças e serviços de segurança.
A escolha das prioridades dirigiu-se aos crimes susceptíveis de prevenção através de programas específicos, como acções de sensibilização e esclarecimento – pense-se na violência doméstica, nos maus-tratos e nas burlas; acções de fiscalização – pense-se nos crimes rodoviários, na corrupção de substâncias alimentares ou medicinais; e ainda acções de policiamento – pense-se na participação em rixa, com especial referência aos grandes eventos e na prevenção da violência nas escolas.
Propõe-se o desenvolvimento, por parte dessas forças e serviços, de programas de segurança comunitária e de policiamento de proximidade, dirigidos sobretudo às vítimas especialmente indefesas e ao controlo de fontes de perigo especialmente graves, nomeadamente associações criminosas, organizações terroristas, meios informáticos, Internet, armas de fogo, armas nucleares, químicas ou bacteriológicas.
Aos processos por crimes definidos como de investigação prioritária passa a ser dada precedência na investigação e na subsequente promoção processual, com salvaguarda, sempre, dos riscos de prescrição e dos processos considerados urgentes.
As prioridades e orientações são vinculativas para os magistrados do Ministério Público e para os órgãos de polícia criminal que os coadjuvem.
Para lá dos crimes já mencionados, designadamente o terrorismo, a corrupção e o branqueamento de capitais, gostaria de fazer algumas outras referências exemplificativas das prioridades.
Tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas: é um dos fenómenos mais preocupantes, como aliás ressalta do relevo que lhe é dado nos relatórios de segurança interna e da constatação de que uma enorme fatia da população prisional se encontra encarcerada pela prática de crimes
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conexionados com o consumo e o tráfico, sendo nesta proposta definido como uma prioridade na prevenção e na investigação.
Protecção de menores: os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores estão incluídos nos crimes de prevenção e de investigação prioritárias.
A ofensa à integridade física contra professores e outros membros da comunidade escolar e contra médicos e outros profissionais de saúde, em exercício de funções ou por causa delas, é um crime definido como prioridade na prevenção e na investigação.
Crimes contra a segurança alimentar e a saúde pública: neste âmbito, dá-se prioridade à prevenção, cuja eficácia depende, sobretudo, da acção fiscalizadora levada a cabo pelo órgão de polícia criminal com competência específica. Mas também a corrupção de substâncias alimentares ou medicinais, cujas proporções são ampliadas pela divulgação na Internet, merecem prioridade na prevenção e na investigação.
Os crimes rodoviários (condução de veículo sem habilitação legal, em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, no âmbito dos crimes contra a sociedade), ainda com expressão desproporcionada entre nós, considerados prioridade no âmbito da prevenção e no âmbito do procedimento, são integrados nas orientações para a criminalidade menos grave, por, em geral, não necessitarem de um processo penal comum, longo e complexo.
Incêndios florestais e crimes contra o ambiente são incluídos nas prioridades de prevenção e de investigação.
Crimes contra a propriedade: os crimes de furto e roubo totalizaram 9531 processos em 2005, por isso, de entre estes crimes, foi feita uma selecção que teve em conta os dados do Relatório de Segurança Interna de 2006. Assim, como prioridades em matéria de prevenção, seleccionaram-se os furtos com introdução em habitação, em estabelecimento comercial ou industrial, de coisa colocada em veículo e furto de veículos. Como prioridades em matéria de investigação, seleccionaram-se os furtos com introdução na habitação ou em estabelecimento e os furtos em que é explorada uma situação de especial debilidade da vítima ou se deixa a vítima em difícil situação económica. Já o furto simples foi incluído nas orientações para a criminalidade relativamente menos grave, por se entender que as formas processuais mais rápidas podem ser, aqui, mais eficazes.
Em relação aos crimes fiscais e aduaneiros e crimes de falsificação de documentos, que representavam, em 2005, mais de 2000 processos: de entre eles, foi também feita uma selecção. Assim, na falsificação de documentos, incluiu-se nas prioridades de investigação a falsificação punível com pena de prisão superior a três anos e a associada ao tráfico de pessoas, ao auxílio à imigração ilegal, ao terrorismo e ao tráfico de veículos. Nos crimes fiscais e aduaneiros, seleccionaram-se como prioridades, em matéria de investigação, aqueles a que correspondem as penas mais graves e aqueles que envolvam valores mais elevados.
Para a criminalidade menos grave, que é simultaneamente aquela que mais gera insegurança no diaa-dia dos cidadãos, incentiva-se a utilização de mecanismos de consenso, de celeridade ou diversão previstos no Código de Processo Penal.
De facto, num mundo globalizado, pede-se hoje ao Direito Penal que responda em duas direcções: primeiro, que esteja preparado com respostas para a criminalidade mais grave, organizada e transnacional; segundo, que não abandone a frente da criminalidade comum, aquela que mais afecta o dia-a-dia do cidadão, abandono que representaria a perigosa desistência da comunidade diante de uma criminalidade de massas.
Tem sentido, hoje, que ambas estas frentes sejam combatidas com os mesmos princípios e as mesmas garantias, mas é preciso fazê-lo com instrumentos diferenciados. É que, muitas vezes, para a criminalidade de massas (furto simples, dano simples, ofensas corporais simples, crimes contra a honra) existem mecanismos processuais que permitem uma mais pronta reparação do dano causado à vítima, um tratamento do delinquente de forma menos estigmatizante e criminógena e uma mais rápida restauração da paz social.
Adoptam-se, pois, orientações que visam favorecer a aplicação de mecanismos mais simples, céleres ou de consenso em caso de crimes menos graves ou para os quais este tipo de mecanismos constitua uma resposta mais eficaz. Por exemplo, a suspensão provisória do processo penal, com sujeição ao cumprimento de deveres e regras de conduta, nomeadamente ligados à reparação da vítima; a utilização das formas de processo sumário, sumaríssimo e abreviado; a mediação entre o arguido e a vítima; a promoção da aplicação, pelo Tribunal, de penas alternativas à prisão. Neste último aspecto, um importante meio para conferir efectividade e assegurar a concretização das orientações é a previsão de que o Ministério Público, de acordo com as directivas genéricas do Procurador Geral da República, deve recorrer das decisões judiciais que estejam em dissonância com as suas promoções que fossem concretização das orientações de política criminal.
Passo a referir alguns dados impressivos, para se compreender a importância destes elementos para o funcionamento da nossa justiça penal.
Em 2005, a condução sem habilitação legal representava um universo de mais de 15 000 processos; a condução em estado de embriaguez correspondia, por sua vez, a mais de 19 000 processos; os crimes
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de ofensa à integridade física simples correspondiam a mais de 13 000 processos; os crimes contra a honra totalizavam mais de 4000 processos; o crime de emissão de cheque sem provisão, apesar da grande diminuição de processos verificada na sequência das medidas adoptadas, representava mais de 6000 processos.
Estes cinco tipos de crime estão todos incluídos nas orientações sobre a criminalidade menos grave.
Trata-se de crimes que, em regra, não necessitam de um processo complexo, sendo preferível recorrer a formas mais simples ou consensuais ou que permitam um desfecho mais célere. Só a soma desses processos – condução sem habilitação legal, condução em estado de embriaguez, crimes contra a honra, ofensa à integridade física simples e emissão de cheque sem provisão – totalizam 60% do total de processos penais.
É, pois, profundamente errónea a ideia de que a maioria dos crimes está definida como de investigação prioritária. A realidade é que uma fatia largamente maioritária poderá ser encaminhada para mecanismos processuais simplificados, estando fora de causa a hipótese de estar incluída nos crimes de investigação prioritária. Os crimes propostos como de investigação prioritária, utilizando os números de 2005, correspondem a menos de 1/5 do total dos processos-crime. Ou seja, traduzem um critério de prioridade a um tempo equilibrado e susceptível de produzir efeitos qualitativos no andamento da justiça penal.
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Muito bem!
O Orador: — Esta proposta traz também boas novidades no domínio do reforço da posição processual das vítimas. Adoptam-se medidas de protecção às vítimas e, em especial, às vítimas indefesas, nomeadamente ao nível da informação à vítima em casos de fuga ou de libertação de arguido ou condenado e, também, das medidas de polícia destinadas a evitar que aquela fuga ou libertação se materialize num perigo para a vítima.
Já no domínio da execução das penas e da ressocialização, prevê-se que, para as pessoas que sejam condenadas pela prática dos crimes considerados prioritários, se promova a elaboração de planos individuais de readaptação, tendo em vista a preparação do seu regresso à vida em sociedade; favorecese o tratamento penal de delinquentes primários e de pessoas em situação especial; e promove-se ainda a aplicação de penas alternativas à prisão para a criminalidade menos grave.
Sr.as e Srs. Deputados, o Ministério Público, como titular da acção penal e como participante na execução da política criminal, está longe, como se viu, de ser o único, mas é, de facto, o destinatário por excelência da presente lei: assume os objectivos e adopta as prioridades e as orientações nela definidas; identifica, e só ele, os processos concretos abrangidos pelas prioridades e orientações; finalmente, é-o também ao nível da escolha e da medida da pena, em consonância com a opção da Lei-Quadro de não vincular os magistrados judiciais às leis sobre política criminal, e ainda no plano da execução das penas.
Pretende-se alcançar um equilíbrio entre a autonomia constitucional do Ministério Público, a natureza hierarquizada da sua estrutura, aqui claramente ressaltada, e a democrática vinculação à política criminal definida pelos órgãos de soberania, tudo valores consagrados na Constituição da República.
Ao Procurador-Geral da República passará a caber um papel fundamental de mediação entre as prioridades e orientações definidas pela Assembleia, através da lei sobre política criminal, e o trabalho dos magistrados do Ministério Público nos processos concretos.
Para esse efeito, têm a maior importância as directivas e instruções genéricas que lhe cabe emitir, destinadas ao cumprimento dos objectivos da lei e da política criminal definida pelos órgãos de soberania.
Para isso, é deferida ainda ao Procurador-Geral da República uma considerável margem de modulação, nomeadamente conferindo-lhe a competência para concretizar os tipos incriminadores e as modalidades de condutas a que se aplicam os mecanismos previstos na lei, através de directivas e instruções genéricas modificáveis a todo o tempo, de acordo com a evolução da criminalidade e a sua incidência territorial; e ainda a possibilidade de, em caso de modificações supervenientes da criminalidade, nomeadamente eclosão ou de perigo de eclosão, com âmbito nacional ou local, de fenómenos criminais violentos, determinar, através de directivas e instruções genéricas, que sejam aplicáveis a esses fenómenos as medidas previstas para os crimes prioritários.
Na unidade que se ocupou dos trabalhos preparatórios desta proposta estiveram representadas múltiplas entidades, destacando-se representantes das magistraturas e da advocacia, dos órgãos de polícia criminal, da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, de vários serviços da área da justiça e ainda de vários professores universitários de Direito Penal.
Foram ouvidos, conforme exigido pela Lei-Quadro, o Conselho Superior da Magistratura, o Conselho Superior do Ministério Público, a Ordem dos Advogados, o Conselho Coordenador dos Órgãos de Polícia Criminal, o Conselho Superior de Segurança Interna e o Gabinete Coordenador de Segurança. Como seria de esperar, houve um estreito diálogo, sobretudo com o Ministério Público.
Não nos enganemos: o resultado a que chegámos não só beneficiou de contribuições relevantes de todas essas proveniências, como beneficia também de um vasto apoio nas instituições.
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Só perante a definição de objectivos e orientações é possível avaliar resultados. No termo do biénio, cumprirá fazer o balanço.
De acordo com um princípio de avaliação e responsabilidade, Governo e Ministério Público submeterão a esta Assembleia relatórios sobre a execução da política criminal definida, prestando assim contas sobre a sua actuação na execução de uma política criminal legitimamente definida por esta Assembleia.
Com esta lei, ficamos dotados de uma política criminal mais transparente e mais orientada para a eficiência no emprego dos recursos e para a realização dos fins do Estado de Direito. E como sempre, Srs. Deputados, estamos abertos a todos os aperfeiçoamentos de especialidade que resultem dos debates parlamentares. Pela nossa parte, tudo faremos para que uma lei que abre uma nova etapa tenha consigo o mais vasto apoio parlamentar.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, comunico que ontem, no final da sessão, por lapso, não foi anunciado que da nossa ordem de trabalhos de hoje constam três pontos e não dois. Portanto, hoje ainda discutiremos a proposta de lei n.º 113/X, que não foi anunciada ontem e que também não consta do nosso Boletim Informativo, mas que foi agendada em Conferência de Líderes.
Informo também que o Sr. Ministro beneficiou de 5 minutos cedidos pelo Partido Socialista e que se inscreveram quatro Srs. Deputados para lhe formularem pedidos de esclarecimento, aos quais, segundo nos informou, responderá em conjunto no tempo de que ainda dispõe.
Tem, a palavra, em primeiro lugar, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, disse-nos aqui, tentando responder a algumas das críticas de que este diploma tem sido alvo, que apenas 1/5 dos crimes são cobertos pela perspectiva de prioridade daquilo que é o «coração» desta lei da investigação criminal.
Não tanto, nem é tão discutível tudo aquilo que é indicado do ponto de vista da prevenção ou da repressão. O «coração» é mesmo a investigação.
Creio que é quase uma evidência que esses são os crimes que têm repercussão social, que merecem a censura da sociedade; são aqueles que preocupam os cidadãos e que abalam a cidadania comum.
Numa lei que não pretende, à partida, hierarquizar tipos de crimes; que não pretende fazer qualquer listagem de importância na investigação; que, segundo a exposição de motivos do diploma e a intervenção do Sr. Ministro em sede de comissão, que se limita a seguir a organização sistémica do Código, não entendemos – fizemos um exercício de reflexão – como é que desse processo surge a designação de prioridades, porque, na verdade, não nos parece que estejam estabelecidas quaisquer prioridades.
Portanto, há um elenco de crimes, os de maior efectividade social, sendo impossível distinguir se, para o Governo, são mais importantes os que atentam contra as pessoas, os que atentam contra o património, os que atentam contra o Estado social, enfim, qualquer tipo de crime com maior consequência social.
A pergunta que faço é óbvia: é ou não um exercício teórico tentar elencar prioridades que, afinal, não são prioridades? Isto parece-nos uma contradição nos termos e um factor que vicia gravemente a utilidade dos propósitos do Governo em relação a esta lei, que procura estabelecer objectivos para a política criminal.
Sr. Ministro, a outra questão que gostava de lhe colocar, que veio a lume nos últimos dias, de várias formas, no debate preparatório desta iniciativa, e à qual também tentou reagir na sua intervenção inicial, vai no sentido de saber se, nesta proposta de lei, apesar de já ser uma versão mitigada da versão inicial, que era muito mais «comandativa» para o Ministério Público do que esta, os conceitos de Ministério Público destinatário, Ministério Público vinculado, enfim, orientações genéricas não aos processos em concreto mas orientações genéricas, não são, elas próprias, lesivas do princípio constitucional da autonomia do Ministério Público. Essa questão está de pé, mantém-se. Nós demos o benefício da dúvida quando foi discutida a Lei-Quadro, esperávamos a concretização em exercício, mas parece que esta concretização é a comprovação de que há uma forma de tentar condicionar a actuação do Ministério Público, o que vem ferir o modelo relacional da justiça portuguesa e introduzir uma dificuldade agravada onde até hoje não tínhamos qualquer tipo de dificuldade.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, o CDS, como sabe, votou favoravelmente a Lei-Quadro da Política Criminal, cujo desenvolvimento hoje discutimos. Para nós, este é o conceito de uma oposição firme mas responsável, ou seja, quando concordamos genericamente com uma lei, não temos abstenções envergonhadas, procuramos melhorá-la e, se for essa a disponibili-
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dade do Governo, como neste caso, votamos favoravelmente.
Por isso, se hoje estamos a discutir o desenvolvimento da Lei-Quadro da Política Criminal, isto sucede, justamente, por força de uma proposta do CDS, no sentido de transformar o que era um projecto de resolução numa proposta de lei, exactamente para permitir o escrutínio legal e constitucional da mesma.
Mas se, hoje, podemos também discutir com base em dados estatísticos, sobre a criminalidade existente no nosso país, isto resultou de uma proposta do CDS, no sentido de podermos ouvir o Gabinete Coordenador de Segurança, na elaboração desta proposta de lei.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!
O Orador: — Portanto, Sr. Ministro, temos, hoje, legitimidade acrescida para podermos analisar e criticar este diploma.
Concordamos, genericamente, com alguns aspectos positivos: com a definição de um sistema de protecção e assistência aos agentes das forças e serviços de segurança, que é essencial para a sua motivação no desenvolvimento das suas funções; com a investigação prioritária de crimes cometidos em estabelecimento de ensino, contra os professores, conforme havíamos proposto anteriormente, e o Partido Socialista rejeitou, em alguns projectos de lei, como o da criação do observatório de segurança escolar ou o destinado a agravações quanto a crimes praticados em estabelecimentos de ensino ou nos seus arredores; com a informação ao ofendido da fuga ou da libertação do arguido.
Mas, se há aspectos positivos, há também aspectos que, a nosso ver, são negativos e, por isso, gostaríamos de saber, da parte do Sr. Ministro, da disponibilidade ou não do Governo e do Partido Socialista para os alterar em sede de especialidade.
Para além da necessária adequação deste diploma a crimes entretanto criados no âmbito do processo não concluído do Código Penal, porque é essencial, de facto, prever essa adequação, gostaríamos de saber se V. Ex.ª está ou não disponível para passar o crime de subtracção de menores de investigação não prioritária para investigação prioritária, seguindo, aliás, o conselho do Sr.
Procurador-Geral da República. Julgamos que isto faz todo o sentido e era uma benfeitoria a fazer nesta lei.
A segunda e última questão, Sr. Ministro, tem a ver com o furto simples. Já lhe fiz esta pergunta em sede de discussão na 1.ª Comissão e o Sr. Ministro, então, não me respondeu, razão pela qual volto a fazê-la.
Para nós, o crime de furto simples deve ser de investigação prioritária. Trata-se de um crime que causa enorme alarme social, causa um sentimento de insegurança e, se não for eficazmente combatido, descredibiliza, em última análise, a justiça. Ora, o facto de, nesta lei, este crime não estar na investigação prioritária, conjugado com a proposta do artigo 207.º do Código Penal, que passa a considerar os crimes de furto simples de valor diminuto como crimes particulares, exigindo aos cidadãos que se constituam assistentes, que paguem custas, que paguem a um advogado para que o Estado investigue estes crimes, parece-nos um mau sinal, que afecta, em última análise, a credibilidade do Estado e a credibilidade da justiça, enquanto factor de segurança dos nossos cidadãos.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, nesta intervenção inicial, V. Ex.ª não deixou de repetir alguns dos enunciados gerais e globais que tanto marcam a proposta de lei que estamos a discutir, mas há algumas questões mais concretas a que entendemos que seria necessário dar resposta, a primeira das quais é muito simples e objectiva e tem a ver com as consequências práticas que o Governo coloca no horizonte desta proposta de lei, ou seja, na prática, em que é que esta proposta de lei se poderá traduzir.
O Sr. Ministro identifica, como enunciado geral de qualquer política criminal, a necessidade de consideração da prevenção e da investigação criminal — e, nisto, estamos certamente de acordo —, mas, na prática, em que é que esta proposta de lei pretende alterar a realidade que temos hoje? É com a aceleração processual? É com a redução da pendência processual? É com o objectivo de reduzir o número de condenações a penas de prisão que se regista, hoje, em Portugal? De facto, a resposta a esta questão é fundamental, por duas ordens de razões: primeiro, para podermos avaliar plenamente os mecanismos que a proposta de lei prevê e perceber se se adequam, de facto, aos objectivos que o Governo define; segundo, para podermos, daqui por dois anos, e porque esta é uma lei datada no tempo, avaliar a sua aplicação.
A segunda questão que lhe coloco tem a ver com uma preocupação que entendemos dever estar subjacente à definição de uma política criminal, com o conhecimento aprofundado da realidade com que estamos confrontados neste domínio. E a questão que lhe quero deixar é a seguinte: de que estudos
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criminológicos, sociológicos, de que análises estatísticas ou vitimológicas dispõe o Governo que lhe permitiram redigir esta proposta de lei? Em que é que o Governo se baseou para redigir esta proposta de lei? Que estudos são esses, que conhecimento tem ou não o Governo da realidade para elaborar esta proposta de lei? É que esta questão, de facto, condiciona uma outra, que tem a ver com a identificação, nesta proposta de lei, dos crimes que consubstanciam as prioridades, porque só um conhecimento profundo da realidade possibilita encontrar os critérios que permitirão, depois, concretizar a definição das prioridades. E esta é uma questão que também queremos colocar-lhe, Sr. Ministro: que critérios tomou o Governo por base para definir o elenco de prioridades? É o critério do bem jurídico protegido, com a definição do tipo de ilícito? É o critério de necessidade de resposta à perturbação social criada pela mediatização de alguns tipos de crime? Que critérios adoptou o Governo para a definição deste elenco de prioridades?
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Boa pergunta!
O Orador: — Por último, Sr. Ministro, deixo-lhe uma questão que tem a ver com o artigo 18.º da proposta de lei, que define como competência do Governo a afectação dos meios necessários ao cumprimento desta lei. E a questão concreta que lhe coloco, em relação a este artigo 18.º, é a seguinte: qual é a identificação que o Governo já fez dos meios necessários ao cumprimento da lei? Quais são os meios necessários ao cumprimento da lei? Que medidas é que o Governo já tomou para dotar o sistema judicial, nomeadamente o Ministério Público, que é o principal destinatário desta proposta de lei, de modo a que possa cumprir cabalmente as funções que lhe são cometidas nesta lei, e quais são as que irá tomar até Setembro, data da entrada em vigor da presente lei?
Aplausos do PCP.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E não vale responder que é no Orçamento do Estado!
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Tem de ser!
O Sr. Presidente (António Filipe): — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.
O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, gostaria, antes de mais nada, de dizer que, depois de a Lei-Quadro da Política Criminal ter sido aprovada, com a abrangente maioria a que V. Ex.ª fez referência, que é a maioria do Partido Socialista, com a ajuda do CDS — foi essa abrangente maioria que aprovou a Lei-Quadro da Política Criminal! —, esta é, de facto, a primeira lei de política criminal que o Governo nos apresenta. Só que esta lei, do nosso ponto de vista, não é uma verdadeira lei de política criminal, antes se pode qualificar como uma lei de hierarquização ou priorização dos crimes a que o sistema penal deve dar prioridade quer na prevenção, quer na investigação. Criam-se, assim, crimes prioritários, aparentemente, acrescentando à panóplia as preocupações que os magistrados do Ministério Público já têm de atender, e que a lei lhes impõe, designadamente os processos já hoje considerados urgentes ou aqueles que se arriscam a prescrever, mais as indicações que a proposta de lei prevê.
Claro que, a propósito disto mesmo, se impõe sempre referir a falta de meios humanos e técnicos, que, neste caso, foi até apontada, por alguns, como a razão de ser que justificava esta necessidade de priorização, de racionalização dos meios finitos e escassos, mas que, ao mesmo tempo, não deixa de constituir um reconhecimento desta inexistência de meios quer ao nível do Ministério Público, quer ao nível dos órgãos de polícia criminal, quer ao nível dos tribunais. É esta insuficiência de meios que explica esta priorização, que pode significar uma maior atenção para os crimes deste novo catálogo e, consequentemente, uma menor atenção para os que ficam de fora deste catálogo — menor atenção, na melhor das hipóteses, para não falar de uma atenção nula.
Por outro lado, esta proposta de lei vem introduzir tendências de oportunidade, em prejuízo do princípio da legalidade. Aliás, esta crítica foi feita por múltiplas entidades e personalidades e a conclusão foi a de que a via escolhida pelo Governo vacila entre a inutilidade e a repetição de algumas medidas e princípios que já existem na actual lei, designadamente no Código de Processo Penal, ou os perigos de contaminação pelo princípio da oportunidade.
Esta lei acaba por ser, afinal, mais uma afirmação política do que um instrumento efectivo, que possa ter resultados e efeitos positivos no combate ao crime.
Claro que compreendemos algumas boas intenções, como a de aumentar o recurso à diversão e a de tentar restringir a medida de coacção de prisão preventiva, mas temos dúvidas da bondade ou da efectividade das medidas propostas.
Por exemplo, no que diz respeito à prisão efectiva, diz-se que o Ministério Público deve preferir as outras medidas de coacção, que não a prisão preventiva, mas este princípio já está instituído no Código
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de Processo Penal, Sr. Ministro.
Por outro lado, apesar de o Sr. Procurador-Geral da República entender que a lei não belisca a autonomia do Ministério Público, Os Verdes não têm tanta certeza. Atente-se, por exemplo, no artigo 16.º, onde se obriga o Ministério Público a recorrer ou a reclamar, independentemente do caso concreto, sempre que o tribunal não decida acompanhar a sua promoção, apesar de alguma jurisprudência superior não admitir, em muitos casos, esse recurso.
Finalmente, em relação à prevenção, esta proposta de lei nada acrescenta, Sr. Ministro. Não concretiza nem densifica, limita-se a referir os programas de segurança, o policiamento de proximidade, sem garantir mais meios, salvo o artigo 18.º, também cheio de boas intenções mas que não concretiza nem adianta rigorosamente mais nada.
O mesmo se diga em relação à ressocialização do arguido, que nem aparece referida nos objectivos específicos do artigo 2.º, onde não há qualquer referência ao objectivo fundamental do sistema penal, que é a ressocialização do arguido, o que nos parece lamentável.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, queira concluir.
O Orador: — Vou terminar, Sr. Presidente.
Por último, não basta ordenar, como sucede no artigo 9.º, a elaboração de planos individuais de readaptação do indivíduo. Não nos parece, Sr. Ministro, que seja por falta desta lei que, até hoje, não temos tido estes planos individuais de readaptação, pelo menos em número suficiente para dar resposta às necessidades de ressocialização dos indivíduos.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem de concluir, Sr. Deputado.
O Orador: — Portanto, esta lei, neste aspecto concreto, Sr. Presidente, não vem acrescentar rigorosamente mais nada e, por isso, gostaríamos de saber que medidas é que o Sr. Ministro nos pode adiantar neste âmbito, para além desta lei.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, de forma necessariamente telegráfica, dado o tempo de que dispõe, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, começo por agradecer as questões e os comentários tão construtivos que me foram dirigidos pelos Srs. Deputados.
Sr. Deputado Luís Fazenda, quero dizer-lhe que julgo ter ficado demonstrado que as opções que a proposta traduz, se aplicadas aos números dos processos de 2005, abarcariam um quinto dos processos judiciais. Isto significa que o conjunto de critérios apontado é suficientemente expressivo e eficaz para delimitar uma área onde deve ser, em primeiro lugar, investido o esforço de investigação.
Aliás, houve avaliações feitas, nos órgãos consultados durante o período de preparação desta lei, que apontaram, justamente, para percentagens semelhantes ou mesmo muito inferiores, o que quer dizer que a eficácia orientadora da definição de prioridades nunca esteve realmente em causa, a não ser por parte de quem não tenha estudado, não tenha aplicado a enumeração dos crimes constantes da lei aos dados estatísticos que se encontram à disposição de todos.
Queria também dizer que esta proposta, no parecer de praticamente todas as entidades consultadas, em nada belisca o conceito constitucional de autonomia, porque não afecta a escolha concreta dos processos a que se aplicam estas orientações e estas prioridades, e até em muitas das definições legais há o cuidado de dizer que elas se exercem segundo as orientações a emanar do Procurador-Geral da República. Diria que nesta fase da discussão o tema inicialmente muito versado de lei anti-autonomia perdeu a batalha. Já não existe qualquer entidade com responsabilidades institucionais…
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Parece que estamos a falar da Madeira!
O Orador: — … ou científicas que se atreva a dizer que existe essa violação. Aliás, se existisse, lá estaria o controlo da constitucionalidade. E também corroboro o que disse o Sr. Deputado do CDS, no sentido de que esse partido teve um papel importante para que se escolhesse a forma de lei, para que, se alguma dúvida existir — e não queremos que exista qualquer dúvida —, esse controlo possa exercerse e ser apreciada qualquer norma. Evidentemente, julgamos que não existe qualquer dúvida, não cremos que exista.
Sr. Deputado Nuno Magalhães, muito obrigado pelas suas referências. Comungamos a ideia de que se deve, em relação às forças de segurança e aos seus elementos, dar um sinal de prioridade, de protecção, para que aqueles que defendem os nossos direitos não acabem por ver os seus direitos lesados em razão disso. E foi por isso também que crimes como a desobediência e outros crimes contra funcionários que afectam em particular esses membros das forças de segurança são altamente considerados nesta proposta, em atenção justamente a essas considerações.
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Também gostaria aqui de agradecer o grande contributo que os representantes das forças de segurança deram à formatação final das opções que se encontram nesta proposta de lei, e nomeadamente a contribuição do Gabinete Coordenador de Segurança, que também foi o Sr. Deputado Nuno Magalhães que propôs que fosse incluído na lista das entidades a consultar. Gostaria de recordar que o leque de entidades, de estruturas que foram consultadas e cujas ideias foram admitidas a esta proposta é bastante mais extenso do que é habitual nos processos legislativos Estamos abertos a posicionar da melhor forma o crime da subtracção de menores. O crime da subtracção de menores, deve dizer-se, é punível até dois anos de prisão, é um crime que geralmente se aplica àquelas situações em que os menores não são entregues às pessoas ou entidades a quem por lei ou por decisão judicial deveriam ser entregues. Mas concordamos que ele tem, como outros crimes que estão aqui já considerados, uma expressividade social especial e indutora de uma situação de alarme e, por outro lado, que toca com vítimas particularmente indefesas. Também por isso justifica uma consideração, que estamos completamente abertos a incluir na proposta.
Devo dizer, Sr. Deputado, que também o Sr. Procurador-Geral da República tinha feito uma observação sobre essa matéria. Tivemos a preocupação de considerar praticamente todas as sugestões construtivas que nos chegaram da Procuradoria-Geral da República. Essa não tinha chegado e não foi considerada antes, mas vem em altura de ainda ser incluída no processo legislativo.
Em relação ao furto simples devo dizer que a delimitação, no âmbito dos furtos, que indiquei resultou, em larga medida, de uma preocupação e de uma proposta emanada da Procuradoria-Geral da República. Foram o espírito e o critério emanados dessa proposta bem fundamentada que incorporámos.
Aproveito para dizer que a proposta de revisão do actual estatuto do furto de bem de baixo valor destinado a utilização imediata, a qual também surgiu de elementos das magistraturas para resolver os problemas actualmente postos pela aplicação dessa norma, visava resolver esse problema e não criar qualquer motivo de alarme social.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem de concluir, Sr. Ministro.
O Orador: — Concluo já, Sr. Presidente.
O que eu já disse aqui, no Parlamento, e repito, é que não queremos transmitir qualquer sinal errado nessa direcção. E, portanto, o Governo está aberto a admitir uma reformulação da proposta de revisão do Código Penal nesse ponto da especialidade, porque tudo o que não queremos em matéria penal é transmitir um sinal errado à sociedade.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Ministro, tem mesmo de concluir. Já excedeu largamente o tempo de que dispunha.
O Orador: — Para concluir, Sr. Presidente, não quero deixar o Sr. Deputado João Oliveira sem uma resposta.
Este diploma visa focar o trabalho do Ministério Público e dos agentes de segurança nas principais ameaças criminais, visa subtrair a afectação desse trabalho aos processos e ameaças na base de contingências individuais, aquilo a que uma ilustre procuradora-geral adjunta chamou, no Conselho Superior do Ministério Público, a «oportunidade de bolso», o processo que fica para trás por uma razão contingencial.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Ministro, peço-lhe mesmo que conclua porque já excedeu muito largamente o tempo.
O Orador: — Portanto, visa introduzir uma racionalização adicional e dar maior fluidez à resposta naquelas duas direcções que aqui apontei.
Por último, quero dizer que, como o Sr. Deputado sabe, temos 150 novos inspectores a ser admitidos na Polícia Judiciária, em processo de concurso em curso, 45 novos elementos para o pessoal de apoio à investigação, 300 elementos para a guarda prisional e já este ano duplicámos os procuradores da República no quadro do pessoal do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) e aumentámos em 100% os funcionários da justiça a trabalhar…
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem mesmo de terminar, Sr. Ministro.
O Orador: — Portanto, Sr. Deputado, estes são alguns exemplos.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.
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O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Discutimos hoje, na generalidade, a proposta do Governo sobre os objectivos, prioridades e orientações da política criminal para o biénio 2007/2009.
Esta proposta de lei surge, como já aqui foi dito, na decorrência da aprovação, há um ano atrás, da Lei-Quadro da Política Criminal, que determinou a obrigatoriedade de o Governo apresentar, como apresentou, até 15 de Abril deste ano a primeira proposta de lei sobre política criminal, a qual — é importante não esquecermos — terá de ser aprovada até 15 de Junho próximo e entrar em vigor em 1 de Setembro, o que causa aquelas dificuldades que já abordámos em sede de comissão.
Estamos, pois, hoje, a debater aquela que virá a ser a primeira lei sobre política criminal. Trata-se, no nosso entender, de um importante instrumento, porventura não o único, destinado a imprimir uma maior eficácia e racionalidade no domínio da justiça criminal.
Todos sabemos que é utópico pensar-se que é possível, na prática, investigar tudo e mais alguma coisa e que é possível cumprir integral e puramente o princípio da legalidade sem que se dê margem a algum critério de oportunidade.
Ciente dessa realidade — convém recordar —, foi o próprio legislador constitucional quem flexibilizou a subordinação do Ministério Público ao princípio da legalidade no exercício da acção penal ao clarificar, na Revisão Constitucional de 1997, que esse exercício devia passar a ser orientado — orientado, e não subordinado, é muito importante esta diferença — pelo princípio da legalidade, dando-se, assim, então abertura a um módico princípio de oportunidade.
Mas também é importante recordar que esta alteração constitucional foi acompanhada de uma outra, na qual o PSD desempenhou um importante papel impulsionador. É que assumimos, desde a primeira hora, como fundamental a necessidade de, por um lado, se tornar claro no texto constitucional que a política criminal só pode ser definida pelos órgãos de soberania — Governo e Assembleia da República — e, por outro lado, de reconhecer também claramente que o Ministério Público, enquanto promotor do exercício da acção penal, deve participar na execução dessa política criminal definida pelos órgãos de soberania.
Foram estes desideratos que vieram a ser vertidos no actual artigo 219.º, n.º 1, da Constituição da República. Ou seja, foi assumido na Revisão Constitucional de 1997 que o princípio da legalidade só pode ser posto em causa, e com muita parcimónia, por uma intervenção política dos órgãos de soberania — Assembleia da República e Governo —, por força da sua legitimidade democrática, salvaguardandose, de modo também expresso, a observância da autonomia do Ministério Público. Naturalmente que nesta sede outros princípios constitucionais têm de ser acautelados, como o da separação de poderes e o da independência dos tribunais.
O Governo tentou implementar este quadro constitucional, saído da dita Revisão de 1997, na LeiQuadro da Política Criminal, embora com diversas ambiguidades, que o PSD, na discussão que precedeu à aprovação da lei, apontou e que justificou, então, a responsável abstenção por parte deste partido.
Não se deve deixar de reconhecer, porém, por ser digna de mérito, a importante alteração, já aqui também dita, que o Governo introduziu em relação à lei-quadro, ao deixar cair a forma de resolução, optando antes, como nós também reclamámos — convém lembrar isto ao CDS, para não ficar com a ideia de que foi autor único dessa reclamação; nós também reclamámos —, por um instrumento legislativo, o que nos deixa de algum modo mais confortados, atenta a possibilidade de a lei que hoje se discute poder ser constitucionalmente fiscalizada.
É que a proposta de concretização dos objectivos, prioridades e orientações de política criminal que o Governo agora nos apresenta para o biénio 2007/2009 não está, de facto — como vimos, aliás, das diversas audições que se promoveram na 1.ª Comissão —, isenta de poderem ser-lhe assacadas inconstitucionalidades, mormente no que diz respeito à eventual violação da autonomia do Ministério Público e até à independência dos tribunais.
De facto, a obrigatoriedade de impugnação, por parte do Ministério Público, das decisões judiciais que não acompanhem as promoções destinadas a prosseguir os objectivos, prioridades ou orientações de política criminal previstos na lei ora em discussão constitui uma medida que pode gerar algumas perplexidades, sobretudo porque pode condicionar a autonomia de cada magistrado do Ministério Público na avaliação da justiça concreta da decisão judicial.
Foi esta a conclusão que fomos consolidando em resultado das diversas audições que foram levadas a cabo pela 1.ª Comissão.
O procurador que promove uma determinada medida pode, na avaliação jurídica do caso concreto, eventualmente, conformar-se com a fundamentação aduzida na decisão judicial que a indefere e entender, por isso, que não deve recorrer. Porém, esta lei impõe que recorra, impõe-lhe esta obrigação, o que pode representar — e foi esta a ideia que fomos ganhando nas audições — uma «ferida» na autonomia do Ministério Público. Mais: a ameaça de um recurso obrigatório, como previsto na proposta de lei, pode constituir também uma condicionante à independência do próprio juiz, que sabe que sempre que decidir contra o que o Ministério Público promove a sua decisão vai ser passível de um recurso. E, portanto,
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também pode estar condicionada até a própria independência dos tribunais. Este é, de facto, Sr. Ministro da Justiça, o aspecto mais preocupante para o PSD.
O Sr. Ministro da Justiça: — O Sr. Deputado está a ler incompletamente o preceito!
O Orador: — Sr. Presidente, não sei se o Sr. Ministro quer intervir…
A Sr.ª Helena Terra (PS): — Está hoje muito sensível!…
Risos do PS.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva): — É um aparte e os apartes estão previstos no Regimento, Sr. Deputado!
O Sr. Presidente (António Filipe): — Faça favor de continuar, Sr. Deputado.
O Orador: — Não é este, porém, o único aspecto que nos merece reservas. Já vamos fazer aqui uma avaliação dos pontos vantajosos que a lei tem, mas não podemos deixar de fazer uma avaliação daqueles pontos que não consideramos vantajosos. Ou, porventura, sempre que eu disser alguma coisa com que os senhores não concordem vão interromper-me para dizer que estou a referir coisas não adequadas?! Eu digo aquilo que me apetece, os senhores dizem aquilo que vos apetece, e ponto final!…
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Nós fazemos comentários!
O Orador: — Não é esse, portanto, o único ponto que merece reservas.
Compreendemos a dificuldade, sobretudo por esta ser a primeira experiência legislativa, em catalogar os crimes de prevenção e de investigação prioritários, mas quer parecer-nos excessivo, como dissemos em sede de comissão, fazer corresponder a estes cerca de 50% da criminalidade participada e investigada.
Este foi, aliás, um ponto comungado por todas as entidades ouvidas em sede de generalidade — Conselho Superior do Ministério Público, Ordem dos Advogados e Conselho Superior de Magistratura.
Seria, de facto, desejável, para uma maior eficácia da lei, que se procedesse a uma maior selecção do elenco de prioridades de prevenção e investigação.
Não temos, evidentemente, Sr. Ministro, nenhuma fórmula mágica, mas estamos disponíveis para participar nesse esforço legislativo, que nos parece essencial, até porque esta questão prende-se com uma outra, que se relaciona com a afectação dos meios. É que não há reforço orçamental que valha quando quase tudo é prioritário. Portanto, julgamos importante que a declaração de princípio assumida pelo Governo em termos de afectação adequada de meios humanos e materiais não fique no papel — é isso o que o Governo anuncia — e corresponda a uma efectiva afectação de meios.
Acresce que o excesso de prioridades na investigação de que falei, associado à forma como se desenha a intervenção do Ministério Público, quase de promotor automático das directivas e instruções genéricas emitidas pelo Procurador-Geral da República, pode ter o reverso, que pode ser perigoso, de transformá-los quase exclusivamente em burocratas, cumprindo ordens superiores.
Não descuramos — e, nisto, temos a mesma opinião, segundo creio — que a magistratura do Ministério Público é, nos termos constitucionais, hierarquizada. É assim que deve ser, é assim que deve continuar a ser! Todavia, a funcionalização que, pelo menos aparentemente, se tenta imprimir ao Ministério Público nesta proposta de lei transcende, do nosso ponto de vista, a questão da hierarquia.
A crítica quanto ao excesso de prioridades é de tal ordem pertinente que o próprio Governo sentiu necessidade de destacar, de entre os crimes que considera prioritários, os que são «mais prioritários do que outros», o que parece um paradoxo! Ou seja, o Governo define quais são os crimes prioritários e depois, de dentre estes, os que têm verdadeiramente prioridade, o que, realmente, parece um paradoxo!! A este propósito, quero dizer ao Governo, em nome do meu grupo parlamentar, que louvamos a inclusão da corrupção em ambos os «catálogos»,…
Risos do Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro pode rir-se de um assunto sério, mas acho que não deve.
Como dizia, louvamos a inclusão da corrupção no elenco, quer da prevenção quer da investigação prioritária — mal se compreenderia que assim não fosse!… —, mas registo que, quando se fala em corrupção, V. Ex.ª ri-se… O mesmo se diga em relação à violência doméstica, sobretudo depois de se saber que, segundo o relatório da Amnistia Internacional, a violência doméstica matou, pelo menos, 39 pessoas em Portugal,
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só no ano de 2006.
Merece também o nosso aplauso, como afirmei em sede de comissão, tal como, ainda há pouco, o Sr. Deputado Nuno Magalhães, a questão de o Ministério Público passar a informar os ofendidos, para sua protecção, da fuga e da libertação dos arguidos.
Aplaudimos igualmente a tentativa de se ressuscitar, em relação à pequena criminalidade, a aplicação de mecanismos de consenso, actualmente «adormecidos», por falta de utilização, na lei processual penal.
Há, portanto, Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados, diversos aspectos positivos que merecem a nossa concordância.
Sendo esta a primeira lei sobre política criminal, estamos certos de que o trabalho de especialidade permitirá aperfeiçoamentos dignos de sortir o efeito, que todos esperamos, de este Parlamento aprovar uma lei com qualidade técnica e, sobretudo, uma lei justa.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Montalvão Machado, ouvi a sua intervenção. Devo dizer, à laia de simpatia para consigo, que está muito sensível, que nem um sorriso aceita como forma de nos manifestarmos em relação à sua intervenção. Tal sensibilidade à sexta-feira… deve ser por ser o último dia da semana!…
Risos.
Sr. Deputado, gostaria de manifestar a minha discordância no que toca à interpretação que fez do artigo 16.º da proposta de lei.
Isto é, gostava de saber em que é que considera que ofende a autonomia do Ministério Público o facto de a proposta de lei, no artigo 16.º, estabelecer que «O Ministério Público reclama ou recorre, nos termos do Código de Processo Penal…», primeira condicionante, «… e de acordo com as directivas e instruções genéricas aprovadas pelo Procurador-Geral da República (…)», segunda condicionante.
Portanto, o Ministério Público, de acordo com a lei — o Código de Processo Penal — e de acordo com as instruções do Sr. Procurador-Geral da República, recorre. Em que é que isso afecta a autonomia do Ministério Público? Não percebi! É porque a lei é bastante clara: o Ministério Público, o Procurador de uma dada comarca, que tem de recorrer, fá-lo sob instruções do Sr. Procurador-Geral. Ora, se o faz seguindo instruções do Sr. Procurador-Geral, está dentro do que é a hierarquia do Ministério Público. E o respeito pela autonomia do Ministério Público é exercido também quando se seguem a hierarquia e as instruções do Procurador-Geral da República, que é quem comanda todo o Ministério Público.
Portanto, não vejo onde é que V. Ex.ª pôde encontrar, neste artigo 16.º, um ataque à autonomia do Ministério Público, pelo que gostava que explicasse melhor o seu pensamento sobre a matéria.
Passo a uma segunda questão que gostaria de colocar-lhe.
Apesar de o Sr. Ministro já ter explicado que os crimes que estão elencados neste diploma são em percentagem não maioritária e que sempre é possível encontrar uma prioridade, em termos de investigação ou de prevenção, para alguns tipos de crime, o senhor próprio e outros Deputados afirmaram que se trataria de uma excessiva quantidade de crimes.
Assim, muito gostaria de ouvir o Sr. Deputado Montalvão Machado explicar à Câmara e aos membros do Governo aqui presentes quais são os crimes que o senhor queria retirar do referido elenco, os que não considera prioritários, para que possamos ouvir a versão do Grupo Parlamentar do PSD e para que, tanto o Governo como nós próprios, entendamos qual é a opinião do PSD.
Diga lá, Sr. Deputado, quais os crimes que considera não prioritários, para que possamos levar em consideração as vossas opiniões. Isto para que façamos uma lei de acordo com o maior consenso possível — é essa a intenção do Governo e do Partido Socialista. Diga lá quais são os crimes que não considera prioritários.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Há mais um pedido de esclarecimento, do Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.
Creio que o Sr. Deputado Montalvão Machado pretende responder conjuntamente, portanto, Sr. Deputado Nuno Melo, tem a palavra.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Montalvão Machado, há
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pouco, referiu — e bem — numa avaliação positiva desta proposta de lei, o facto de a corrupção ser inscrita no diploma como crime prioritário.
Esta proposta de lei é um plano de intenções mais ou menos genérico, mas impõe-se que se faça uma avaliação em concreto sobre ela, nomeadamente quanto ao que nos permite perceber de que forma o Governo investe na justiça, em Portugal, e de que forma é que, para além do plano de intenções, alguma coisa melhora neste país.
Deixo um exemplo, acerca do qual peço o comentário de V. Ex.ª: a corrupção é considerada um crime prioritário.
Ora, hoje em dia, como a Dr.ª Maria José Morgado é tida como uma sumidade em matéria de combate à corrupção, o processo Bragaparques — lemos, há pouco, na comunicação social — é considerado prioritário, em Lisboa, e, portanto, vai ser objecto de toda a atenção por parte do Ministério Público.
Sucede que a empresa Bragaparques não nasceu em Lisboa mas em Braga, há já muitos anos.
A este propósito, devo dizer que, de acordo com informações que a Agência Lusa conseguiu recolher, um processo com mais ou menos os mesmos contornos, porventura até um pouco mais específicos e escandalosos do ponto de vista da corrupção, está parado, em Braga, desde 1998.
Segundo as informações da Polícia Judiciária, no Porto, o referido processo está parado desde 1998 porque, ao que afirma, não dispõe de meios técnicos nem de meios humanos no Porto.
Pergunto, pois, Sr. Deputado, se considera normal que assim suceda. É porque, que me conste, a Polícia Judiciária é uma polícia nacional!! Ora, tratando-se de uma polícia nacional, não percebo como é que um processo que recai sobre uma mesma entidade corre, em Lisboa, com a celeridade que conhecemos, e, de resto, tem as consequências que tem — vamos agora a votos, em Lisboa, sabe-se bem porquê —, e, em Braga, está parado desde 1998 porque a Polícia Judiciária diz que não dispõe de meios técnicos nem de meios humanos. Sinceramente, não acho isto normal! Porque hoje, aqui, se fala de política criminal, será bom que consigamos ir para além do que é o mero plano de intenções, de conversa de «chove mas não molha», que fica muito bem no Diário da Assembleia mas, depois, não é consequente e fica em nada.
Por isso, deixo-lhe esta pergunta no sentido de saber a opinião de V. Ex.ª que, além do mais, nesta matéria, é um reconhecido e reputado docente no nosso país.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, em conjunto, aos dois pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, começo por dizer que, no seio da Comissão, tal como aqui, falámos e discutimos com toda a abertura.
Quanto à questão das minhas sensibilidades, de facto, é capaz de ser por estarmos numa manhã de sexta-feira…! O Sr. Deputado sabe quanto o considero e o apreço que tenho por si, portanto, vou responder-lhe rapidamente.
De facto, em sede de comissão, falámos abundantemente sobre o artigo 16.º e até dissemos que o mesmo tinha uma virtude muito grande que era a de demonstrar a independência dos tribunais. Ou seja, por mais apertada que fosse esta lei — e não é o caso —, o artigo 16.º tem a virtude de permitir demonstrar a independência do juiz que não está, não deve estar, condicionado. Por isso, aí se diz que se, porventura, a decisão do juiz for contra as prioridades marcadas nesta proposta de lei, o Ministério Público deve recorrer.
O que entendo é que o diploma permite uma leitura no sentido de que este é um recurso imperativo, sempre obrigatório.
V. Ex.ª cita a parte do texto que diz que «O Ministério Público reclama ou recorre, nos termos do Código de Processo Penal…» — e em que termos de outro diploma haveria de ser? Até nem sei por que razão consta aqui, mas consta! — «… e de acordo com as directivas e instruções genéricas aprovadas pelo Procurador-Geral da República (…)».
Se entendermos que este recurso é tendencialmente obrigatório, de acordo com as directivas e instruções do Procurador-Geral da República, perfeito! O pior é que podemos não entender assim.
Podemos entender que, em todos os casos, sempre que cada Procurador do Ministério Público veja uma sua promoção ser-lhe denegada pelo juiz, tem de recorrer automaticamente. Isso vai gerar uma brutal abundância de recursos, até inúteis.
Imagine que estamos perante uma jurisprudência consolidada: teremos o Ministério Público a recorrer, não obstante a decisão do juiz ter como sólido apoio uma jurisprudência consolidada. Portanto, Sr. Deputado, já percebe o sentido da minha intervenção.
Quanto ao excesso de crimes, Sr. Deputado, as prioridades estão plasmadas no diploma, mas também lá estão as «prioridades das prioridades», o que demonstra que o Governo bem percebeu que, realmente, era difícil idealizar e redigir esta proposta de lei no sentido de delimitar com clareza quais são
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os crimes efectivamente prioritários. O Governo sentiu essa necessidade: primeiro, elencou os crimes prioritários e, depois, elencou os ainda mais prioritários.
O que digo, e repito, é que suponho que todos nós estamos apostados, de facto, em trabalhar em sede de especialidade. É evidente que, aqui, não vou dizer-lhe qual considero que deveria ser, se o crime A, o crime B, etc.
Aliás, se bem está recordado, o Sr. Procurador-Geral da República também acusou a lei desse excesso mas, entretanto, viu que era preciso elencar mais um crime.
Portanto, tudo isto é discutível e estamos com a maior boa fé e a maior boa vontade para, em sede de especialidade, participarmos na redacção de uma lei que seja justa e adequada, que trace, de facto, o conjunto das efectivas prioridades em matéria penal, tal como eu disse que desejamos que aconteça.
Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, muito obrigado pelas suas palavras. Sabe quanto também o considero e aprecio há tantos anos.
De facto, não posso deixar de estar mais de acordo com o que V. Ex.ª disse.
Não me parece fazer o mais pequeno sentido que um processo-crime que decorra numa determinada comarca demore duas, três, quatro ou cinco vezes mais tempo do que um outro de idênticas características, envolvendo idênticos ilícitos, que decorra noutra comarca. Repito que não posso estar mais de acordo com o que V. Ex.ª disse.
As prioridades têm de deixar de ser regionais e têm de passar a ser materiais. É isso que desejamos que aconteça.
O seu alerta foi público, o que é sempre de louvar. V. Ex.ª disse, e muito bem, que o processo a que se referiu decorre em termos absolutamente inapropriados.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Há pouco mais de um ano, a propósito da discussão da proposta de lei que daria origem à Lei-Quadro da Política Criminal, o Bloco de Esquerda alertou para o carácter vago e genérico da lei e questionou o Sr. Ministro da Justiça sobre o que iria mudar, com tal lei, nas práticas e nos meios disponíveis para a investigação criminal.
Embora não tenha respondido a esse ponto concreto, disse o Sr. Ministro da Justiça, em resposta à Deputada Ana Drago: «Temos aqui (…) a possibilidade de trazer a um órgão de soberania eleito a possibilidade de definir orientações gerais nesta matéria. Repito, orientações gerais, porque, quanto a processos, quanto a decisões que interfiram com processos, continua a ser o Ministério Público a única entidade que o poderá fazer, em homenagem ao princípio constitucional da autonomia (…)».
O que mudou, então, no espaço de um ano? A proposta de lei hoje em apreço, e cuja função é definir a política criminal dos próximos dois anos, continua tão vaga e genérica quanto a lei-quadro que lhe deu origem.
Bem pode o Sr. Ministro da Justiça fazer uma extrapolação estatística, referindo-se a um quinto dos processos, argumentando pelo quantitativo, o que só refere o óbvio, mas anula a selectividade qualitativa.
Nenhum estudo sobre a realidade sociológico-criminal foi entretanto efectuado.
Nenhuma avaliação sobre os resultados da investigação criminal levada a efeito nos últimos anos foi realizada.
Nenhuma análise sobre os meios disponíveis, sobre os meios utilizados e, sobretudo, sobre a eficácia dos mesmos para a investigação criminal foi elaborada.
Ora, não tendo sido efectuado qualquer estudo com relevância para esta matéria, como pode o Governo determinar quais são as prioridades de política criminal? Quais os critérios que orientaram as opções constantes desta proposta? Como facilmente se constata pela análise da fundamentação constante do anexo ao diploma, o Governo baseia-se na teoria jurídica, em opções prospectivas e abstractas, mas não em dados efectivamente recolhidos.
Salvo raras excepções, como os dados relativos à população prisional que se encontra encarcerada pela prática de crimes relacionados com o consumo e tráfico de drogas, que o Governo foi retirar ao relatório de 2003 do Provedor de Justiça, sobre o sistema penitenciário português, os dados relativos, por exemplo, à sinistralidade rodoviária e os relativos à área ardida no ano de 2006, apenas encontramos — lamento dizê-lo! —generalidades e lugares comuns. Por isso, Sr. Ministro da Justiça, as prioridades são um «catálogo de A a Z».
Também não se compreende como é que a proposta hoje em discussão garante o princípio constitucional da autonomia do Ministério Público — aquele que o Sr. Ministro tão acerrimamente defendeu há um ano e que, da nossa parte, mereceu o benefício da dúvida —, contendo orientações tão claras e precisas sobre as directivas e instruções a aprovar pelo Procurador-Geral da República.
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Quanto à questão dos meios, técnicos e humanos, há um ano, o Sr. Ministro remeteu-se ao silêncio.
Um ano depois, a proposta de lei segue a mesma via, nada define em concreto. Como é que uma lei que define uma política criminal para os próximos dois anos pode tratar desse modo a questão dos meios é algo que nos intriga.
Como é que se operacionaliza uma lei tão vaga e genérica sobre prioridades de investigação se não se sabe se os meios humanos são suficientes para tal, se a distribuição dos mesmos é adequada aos fins propostos e se os meios técnicos disponíveis são igualmente suficientes, adequados e úteis? O Governo inverte, assim, os factores. Primeiro, define o que é prioridade, «a catálogo», e, depois, logo se vê se isso será concretizável ou não.
Infelizmente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, só podemos concluir, mais uma vez, pelas inutilidade e ineficácia deste instrumento.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marcos Perestrello.
O Sr. Marcos Perestrello (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Pela primeira vez na nossa história democrática, vamos aprovar uma lei que define os objectivos, as prioridades e as orientações de política criminal.
Esperamos fazê-lo com um largo consenso parlamentar, demonstrativo da maturidade da nossa democracia, na qual as principais forças políticas são capazes de construir um entendimento sobre questões fundamentais para os cidadãos, no que respeita aos seus direitos, liberdades e garantias.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Orador: — Só este Parlamento tem legitimidade para definir os objectivos e as prioridades de política criminal. Só esta Assembleia tem mandato para legislar em nome do povo. Só esta Assembleia legisla em nome do povo.
É que estas não são as prioridades do sistema judicial, nem dos órgãos de polícia criminal, nem mesmo do Governo! Estas são prioridades definidas em nome dos cidadãos, pelos seus legítimos representantes!!
Vozes do PS: — Muito bem!
O Orador: — É neste sentido que esta lei faz uma síntese inovadora entre os princípios da legalidade e da oportunidade, já que é a lei, e só a lei, que define as prioridades, ou seja, a oportunidade, no quadro da matriz da legalidade, pondo termo à oportunidade fruto do acaso ou da vontade arbitrária e não legitimada das entidades responsáveis pela investigação.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Isso é grave!
O Orador: — Desta forma, o princípio da oportunidade submete-se ao princípio da legitimidade e da legalidade, esteios da nossa democracia. De facto, esta lei não isenta de procedimento criminal qualquer crime, não afecta a independência dos tribunais, não condiciona a autonomia do Ministério Público e não interfere em processos concretos.
O Estado de Direito sai, portanto, fortalecido, na medida em que o aproxima das preocupações dos cidadãos, procurando responder também aos problemas de segurança e à consciência ética de cada momento histórico.
Não se compreende que se atribua a mesma prioridade na afectação de meios e na investigação à emissão de um cheque sem cobertura e ao terrorismo ou à corrupção! Não se trata de desculpar quaisquer crimes; trata-se, tão-só, de sintonizar a acção penal com a prevenção e o combate aos crimes que ofendem mais seriamente a consciência ética dos cidadãos e a coesão das sociedades, sendo, nessa medida, vistos como mais perigosos, mais graves e causadores de maior alarme social.
É por isso, Sr.as e Srs. Deputados, que a presente proposta de lei inclui o elenco de crimes considerados de prevenção e de investigação prioritárias, mas também normas específicas relativas à protecção de vítimas especialmente indefesas. É assim que define os meios a consignar aos crimes cuja prevenção e investigação deve ser prosseguida de forma reforçada e as formas gerais e especiais de prevenção da criminalidade.
É também por isso que a proposta de lei em discussão contém orientações sobre a pequena criminalidade, destinadas a favorecer a reparação da ofensa causada à vítima do crime, a reintegração social do agente e a celeridade processual.
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E é também por isso que são consagradas normas sobre a responsabilização do Governo pela afectação dos meios necessários.
Mas por que é que se faz esta lei? A nossa Constituição, Sr.as e Srs. Deputados, é sábia e os nossos constituintes foram clarividentes. No mesmo artigo, são consagrados os direitos à liberdade e à segurança (artigo 27.º).
Hoje, mais do que nunca, as sociedades democráticas estão confrontadas com o desejo de conciliar estes dois direitos, até porque os cidadãos exigem, em simultâneo, o máximo de liberdade e o máximo de segurança. Ora, esta lei é um passo decisivo para esta compatibilização, porque aumenta o sentimento de segurança, sem prejuízo da liberdade, e introduz um critério de oportunidade submetido e sem pôr em causa o princípio da legalidade. É porque nem a liberdade pode ser deixada aos que abusam dela, nem a segurança pode ser deixada aos securitários.
A lei-quadro da investigação criminal é uma lei prudente, na medida em que obriga a uma redefinição bianual das prioridades. Também a proposta de lei que agora discutimos é prudente, até por ser a primeira, na definição do elenco das prioridades.
Com a presente lei, são, sobretudo, introduzidos mecanismos de responsabilidade: responsabilidade para esta Assembleia, na definição das prioridades; responsabilidade para o Governo, na afectação dos meios necessários; responsabilidade para os agentes do sistema criminal, na adaptação às novas regras; responsabilidade, afinal, para todos, visando a eficácia do funcionamento do sistema de investigação criminal, a qual decorre também do aumento da transparência e do reforço dos mecanismos de prestação de contas.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Se é verdade que a presente lei nos responsabiliza a todos, não é menos verdade que ela contribui para reconciliar e reforçar os laços de confiança dos cidadãos nas instituições. Essa deve ser uma preocupação daqueles que recebem o mandato democrático, sabendo que a democracia se renova e constrói quotidianamente. Esta lei é disso um bom exemplo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, importa fazer uma ligação entre a discussão hoje aqui travada em torno desta proposta de lei e a sua matriz, a Lei-Quadro da Política Criminal, pois uma e outra são indissociáveis. Importa, pois, analisar esta proposta de lei à luz do quadro criado com a Lei n.º 17/2006.
Assim sendo, começo precisamente por referir, Sr. Ministro, as considerações que o Conselho Superior da Magistratura nos pôde disponibilizar relativamente àquilo que identifica como um problema originário da Lei-Quadro da Política Criminal e que, nas palavras do Conselho Superior da Magistratura, esta proposta de lei não resolve.
Esse problema originário tem a ver com um problema fundamental que é identificado neste parecer nos seguintes termos: «O seu conteúdo, se absolutamente genérico e programático, torna-se inconsequente e por isso inútil; se concretizado em determinações, imposição de condutas ou procedimentos, corre o risco de se tornar inconstitucional, por afectação de princípios de legalidade e de autonomia do Ministério Público, podendo, no extremo, afectar a própria separação e independência do poder judicial».
Ora, é no enquadramento deste problema originário e nesta aparente encruzilhada que o Governo se coloca com a apresentação desta proposta de lei. É porque de duas, uma: ou a lei é inconsequente para não beliscar a autonomia do Ministério Público, ou, beliscando a autonomia do Ministério Público, consegue, de facto, atingir alguma consequência.
E, em nosso entender, Sr. Ministro, esta proposta de lei padece dos dois males: padece destes dois males, antes de mais, porque o elenco de crimes identificados como prioritários consome mais de 50% dos inquéritos pendentes nas comarcas do nosso país. Ora, se o Ministério Público e os órgãos de polícia criminal se concentrarem, desde já, só nestes crimes, dificilmente se poderá obter algum objectivo de celeridade.
O Sr. Ministro está a acenar com a cabeça que não… Então, gostava que pudesse contrariar estes dados que nos são transmitidos pelo próprio Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, porque isso, o podermos encontrar alguma consequência na lei, descansar-nos-ia. Mas, como os dados que temos são estes, é com esta realidade que trabalhamos.
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Orador: — O n.º 5 do artigo 8.º, Sr. Ministro, também acaba por dar conta de alguma possibilidade de redundância das determinações desta lei, ao estabelecer que aqueles mecanismos de priorização de alguns tipos de crime deixam de poder funcionar quando houver o perigo de prescrição dos outros crimes que não são prioritários. Ou seja, acaba por dizer que os crimes que não eram prioritários
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passam a ser prioritários quando houver o risco da sua prescrição. Portanto, em todas essas situações, devemos deixar de ter em conta aquela lista de prioridades, o que, mais uma vez, traduz uma possibilidade de inconsequência da lei.
Por outro lado, Sr. Ministro, gostava de referir, mais uma vez, uma questão que já coloquei no meu pedido de esclarecimento, pois as informações que o Sr. Ministro aqui nos deu permitem-nos agora fazer uma nova afirmação, que é esta: a responsabilidade que o Sr. Ministro assume ao identificar aquele conjunto de exemplos de dotação de meios do sistema judicial que aqui nos trouxe, permitir-nos-á avaliar, por um lado, a adequação dessas medidas do Governo às necessidades impostas pelo cumprimento desta lei e, por outro, se o Governo dota ou não o sistema judicial dos meios necessários para o cumprimento desta lei. É que, no caso de não haver essa correcta afectação dos meios, a inconsequência desta lei, que é o que está em causa, ficará a dever-se, agora sim, a medidas de mera gestão.
O segundo ponto da encruzilhada de que falei há pouco tem a ver com a necessidade de salvaguardar a autonomia do Ministério Público. Podemos dizer que esta lei talvez não obrigue o Ministério Público a trilhar um determinado caminho, mas diz-lhe que só há aquele caminho a percorrer.
E esta ideia reflecte-se, antes de mais, no facto de, até agora, ser o Ministério Público quem definia na prática, em função dos casos concretos e da dinâmica da realidade, quais eram as prioridades da sua actuação, mas, a partir de agora, deixar de sê-lo. A partir de agora, passamos a ter um elenco estático, definido legislativamente e que só ao legislador cabe alterar, retirando ao Ministério Público a possibilidade que, até agora, tinha de fazê-lo.
Por outro lado, esta proposta de lei pode traduzir uma interpretação política rígida, abstracta e dirigista, que impedirá os magistrados do Ministério Público de terem em conta a realidade e a singularidade de cada caso concreto, como, aliás, está legislativamente plasmado, podendo pôr em causa os princípios da objectividade e da imparcialidade na actuação do Ministério Público.
Dou apenas três exemplos: o do artigo 11.º, que parece até não ter em conta que as medidas aí previstas têm já um enquadramento nas normas processuais penais; o do n.º 1 do artigo 14.º, onde se prevê a escolha da medida de coação com a sua sujeição a critérios diferentes dos previstos no Código de Processo Penal, esquecendo inclusivamente que a medida de coação de prisão preventiva não se aplica só nas situações em que pode haver perigo de continuação da actividade criminosa; e o do artigo 16.º — o pior de todos, Sr. Ministro! —, onde se impede a avaliação concreta da justeza de uma determinada decisão judicial e se impõe o recurso aos magistrados do Ministério Público.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.
O Orador: — Concluo, Sr. Presidente, com a seguinte consideração: entendemos que esta proposta de lei pode transformar o Procurador-Geral da República num veículo de transmissão entre o poder político e os magistrados do Ministério Público, ao ter em conta inclusivamente a introdução da referência às directivas, ordens e instruções, que são já hoje consideradas um instrumento de trabalho e que a lei passa agora a impor ao Procurador-Geral da República, significando isto um recuo relativamente àquela que era a concepção plasmada na proposta inicial apresentada pelo Ministério da Justiça.
Termino — agora sim, Sr. Presidente — com esta ideia: entendemos que esta lei pode ser inconsequente em algumas das suas determinações e, ao mesmo tempo, pode ferir a autonomia do Ministério Público, sendo certo que é o Ministério Público o principal destinatário desta proposta de lei, como o Sr.
Ministro já afirmou, e que poderá ser ele o principal responsabilizado pela aplicação desta lei.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem de concluir, Sr. Deputado.
O Orador: — Se assim for, Sr. Ministro, confirmam-se as nossas piores expectativas: é que todo este edifício jurídico criado em torno da política criminal terá como objectivo a fragilização da imagem do Ministério Público e a sua subordinação ao poder político, o que é manifestamente contrário ao princípio da independência dos poderes e aos comandos constitucionais actualmente previstos.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei em discussão pretende dar cumprimento ao que a Lei-Quadro da Política Criminal estabelece acerca da definição de políticas nestas matérias através de leis temporárias com a duração de dois anos.
Como é sabido, o CDS esteve genericamente de acordo com os princípios defendidos na Lei-Quadro.
Até por uma razão de princípio: a de que a Assembleia da República é um órgão democraticamente eleito, com competências fiscalizadoras, pelo que bom será que, de tudo o que às matérias nobres (que,
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entre outras coisas, se integram no âmbito dos direitos, liberdades e garantias) se refira, seja dado conhecimento ao Parlamento.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Orador: — Desde logo, no que toca a instruções dadas ao Ministério Público, a serem dadas, que o sejam com transparência e através do Parlamento e não através de outras entidades que não sejam fiscalizadas.
Vozes do CDS-PP: — Exactamente!
O Orador: — Isto não significa, Sr. Ministro, que, em concreto, estejamos em completa sintonia com a orientação definida. Em primeiro lugar, porque muito mais importante do que indicar o que é prioritário em matéria de investigação criminal será dar a quem tem obrigação de o fazer os meios necessários para o efeito. E a verdade, Sr. Ministro, é que, em matéria de justiça, este Governo, para já, tem deixado muito a desejar. Admito que, nos próximos dois anos, possam fazer mais qualquer coisa, que até possa compensar o que não foi feito. Mas, para já, na avaliação de dois anos, o que tem sido feito, tem sido quase nada.
Sr. Ministro, como sabe, até tenho estima pessoal por si, mas aqui tratamos de política — e de política, no Parlamento, há questões que têm de ser discutidas.
Aquele exemplo que, há pouco, aqui lhe trouxe, do processo da Bragaparques, não é de somenos e muito menos é, no que me toca, uma questão regional, por se tratar de Braga (Braga é o nome da empresa) e por estarmos no Parlamento.
A questão é grave porque indicia algo muito maior, Sr. Ministro. Não entendo mesmo que, tendo alguém como a Dr.ª Maria José Morgado dado carácter prioritário a este processo, ele corra, em Lisboa, com esta celeridade… E o Sr. Ministro pode sorrir, mas acredite que, neste país, há quem não se ria com isto, porque percebe o que se passa e considera-o escandaloso.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Orador: — Não é normal que exista toda esta prioridade em Lisboa — a consequência é conhecida — e em Braga a Polícia Judiciária, que é nacional, diga que o processo não anda porque não dispõe de meios técnicos e humanos. É isto que não compreendo, Sr. Ministro! Quanto mais não seja, há um completo desfasamento na distribuição de meios por este País fora.
Quase terei de dar razão ao Dr. Almeida Santos, a propósito do dinamite na ponte e da consequente separação entre a zona abaixo e a zona acima do Tejo!… Só que aqui essa separação não é consequência do terrorismo mas, sim, da distribuição dos recursos humanos e técnicos do Estado. Estes meios que têm de ser distribuídos equitativamente pelo País!
Vozes do CDS-PP: — Também no norte!
O Orador: — A não querer acreditar que haja aqui qualquer procedimento de má fé, não se percebe por que razão em Lisboa os procedimentos correm em seis meses e em Braga demoram sete anos!? Para mim, isto não faz sentido algum.
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — E a autonomia do Ministério Público, Sr. Deputado?!
O Orador: — Sr. Ministro, não quero acreditar que a cor que preside aos destinos do Executivo, num caso ou noutro, tem algo a ver, porque então era o regime que estava em causa e o Estado de direito que tinha de ser questionado.
Como ainda dispõe de alguns minutos para intervir, seria bom que dissesse alguma coisa, Sr. Ministro, porque é V. Ex.ª quem tutela esta pasta. Também já interpelei o Sr. Primeiro-Ministro, que nada disse sobre a matéria.
Vozes do CDS-PP: — Exactamente! Bem lembrado!
O Orador: — Quem sabe o Sr. Ministro, que é o titular da pasta, é capaz de dizer mais qualquer coisa a este propósito.
Para terminar, o Conselho Superior da Magistratura, em audição recente, a que assisti, deu alguns exemplos eloquentes de como a orientação dada pelo Governo não é a melhor. É o caso de alguns crimes que o Governo considera menores mas que não o são necessariamente — por exemplo, o tráfico de
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droga de menor gravidade e a condução de veículo em estado de embriaguez ou sem carta. Ou seja, o Conselho Superior da Magistratura refere que, apesar de pouco agressivos para o quadro axiológico da comunidade, estes crimes têm uma tal relevância social que justifica a sua opção pela prevenção prioritária.
Pretende-se prevenir aqui, Sr. Ministro, casos de grande alarme social: os flagelos com o tráfico de droga, com a sua dimensão criminal, e os da sinistralidade rodoviária. E não se percebe que a condução sob embriaguez seja tida como crime de pouca prioridade, sabendo-se das consequências deste crime nas estradas deste país, com a destruição de muitas famílias, e causando o alarme social que causa.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Orador. — Como, infelizmente, não disponho de mais tempo, Sr. Ministro, termino dizendo-lhe que, mesmo assim, damos ao Governo o benefício da dúvida. Estivemos ao lado do Governo na questão de princípio, na lei-quadro de política criminal, e acreditamos que esta proposta de lei — que é a primeira — pode ser aperfeiçoada e, mais ainda, avaliada no tempo previsto de duração, que é de dois anos.
Para além de mais, Sr. Ministro, ao menos tenha a bondade de dizer algo acerca da questão que aqui lhe trouxe e que, acredite, é relevante e prende muito a atenção deste país.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça, que beneficiará de tempo cedido pelo PS.
O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria agradecer as excelentes contribuições dadas durante este debate para uma boa lei da política criminal. Com todos esses contributos, podemos cumprir melhor um compromisso eleitoral: foi nas eleições de 2005 que comparecemos com um programa, propondo a introdução de uma alteração que faltava desde a revisão constitucional de 1997.
De facto, pretendíamos a introdução de novos critérios, novas responsabilidades, novas sedes de decisão no âmbito da política criminal e é com o contributo da Assembleia da República que contamos cumprir bem esse encargo democrático, de preferência com a colaboração de todos os partidos desta Assembleia. O combate ao crime requer uma imensa unidade de todos os órgãos de soberania.
É claro que há prioridades. Procurei fazer uma demonstração de que as escolhas consagradas nesta proposta, se aplicadas ao número dos processos de 2005, apontavam exactamente para menos de um quinto dos processos existentes. Este é um teste absolutamente esclarecedor.
Aqueles que fazem conjecturas literárias sobre o número dos crimes existentes enganam-se duas vezes: enganam-se acerca da realidade e enganam-se acerca do número de crimes.
Há pouco tempo, saiu uma tese de doutoramento em França, que refere que, em França, vigoravam 12 000 crimes, enquanto tipos legais. Ninguém está convencido de que em Portugal não existam, pelo menos, 10% ou 20% desses crimes — pelo contrário! — quer no Código Penal quer, sobretudo, em legislação avulsa, a qual também promove e possibilita a condenação de muita gente nos tribunais portugueses.
É por isso que o teste «Existe ou não uma fixação de prioridades?» é positivamente respondido pela realidade, e não houve qualquer argumentação séria que pudesse pôr em causa essa conclusão.
Também não há aqui rigidez, como alguns sustentam. Não há rigidez porque não só são concedidas faculdades de flexibilização e de adaptação ao Procurador-Geral da República — aliás, a justo título — como também, para onze das tarefas e objectivos previstos nesta lei, é conferida a possibilidade de emissão de directivas, de ordens genéricas, que enquadram sempre a actuação dos magistrados. Foi por isso que referi que o Procurador-Geral da República é a verdadeira mediação — é isso que a nossa Constituição pretende — entre esta lei e a escolha concreta dos processos por parte dos magistrados a que se aplicam estas orientações.
Muitos que parecem aqui lamentar as pretensas lesões na autonomia, estão a lamentar, sim, um reforço da hierarquia, porque o que esta lei traz, de facto, para assegurar uma efectiva responsabilização, é uma activação de circuitos de hierarquia que neste momento, e ao longo dos últimos anos, não estavam suficientemente activados, postos em marcha no âmbito do Ministério Público, como, aliás, se pode comprovar com um exame da documentação respeitante ao exercício dos poderes relevantes e expressivos dessa mesma hierarquia.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Ministro.
O Orador: — Sr. Presidente, se me cedesse mais 1 ou 2 minutos, poderia concluir a intervenção.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Ministro, estamos a ultrapassar excessivamente os tempos
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de intervenção previstos para este ponto. Peço-lhe, portanto, que conclua rapidamente.
O Orador: — Em relação aos processos que duram desde 1998, devo dizer que a proposta do Governo de revisão do Código de Processo Penal implicará que tal já não possa acontecer no futuro.
Por outro lado, a revisão da Lei Orgânica da Polícia Judiciária cria uma unidade nacional de combate à corrupção justamente para poder, em todo o território nacional, ultrapassar dificuldades de natureza regional ou local que possam existir.
Por último, precisando nós também de reforçar a justiça criminal, as medidas — é certo que pontuais, mas ainda assim de alcance significativo — que foram tomadas em relação às Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto (onde, como sabem, os índices de criminalidade são mais significativos) permitem reforçar, em termos de juízes criminais e em termos de novos juízes libertos de varas que foram extintas, novas capacidades para julgar mais rapidamente o crime.
A sociedade precisa que o crime seja investigado e julgado mais depressa e esta lei quer justamente assegurar este objectivo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): —Srs. Deputados, terminada a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 127/X, vamos passar a apreciar os Relatórios de Participação de Portugal no Processo de Construção Europeia — 20.º e 21.º anos, 2005 e 2006.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Europeus.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Europeus (Manuel Lobo Antunes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É com muito gosto que vos apresento hoje o relatório de acompanhamento da participação de Portugal na União Europeia relativo ao ano de 2006.
Este documento é para nós um instrumento duplamente importante, não só porque conjuga o dever de informar a Assembleia da República mas também porque nos obriga, agora com a suficiente distância dos dossiers e das matérias, a uma reflexão global sobre o quadro complexo e variado da participação de Portugal na União Europeia, reflexão esta que assume particular importância tendo em conta as responsabilidades que assumiremos no segundo semestre deste ano.
Trata-se o Relatório em causa, tradicionalmente, de um documento longo, denso e detalhado.
Porventura, necessitaremos de ponderar, com esta Assembleia, a utilidade de o reformular, tornando-o mais sintético e operacional, mais um documento de referência do que, porventura, um catálogo descrevendo factos sucessivos.
Tratando-se, como disse, de um documento longo, seria fastidioso estar a percorrê-lo em toda a sua vastidão. Gostaria, no entanto, de partilhar convosco algumas reflexões sobre a experiência do ano transacto, com particular relevância para a nossa Presidência.
Em primeiro lugar, como é sabido, iniciou-se um novo método de preparação das Presidências do Conselho. Isto significa que elaborámos em 2006, em conjunto com as autoridades alemãs e eslovenas, um programa que nos conduzirá aos três ao logo de 18 meses de Presidências sucessivas do Conselho da União. Não implica este método, obviamente, que sacrifiquemos a independência ou a originalidade da nossa própria Presidência.
Este novo método, que vive da estreita cooperação com os outros elementos do «trio», posso desde já dizê-lo, trouxe ganhos evidentes em termos de coerência, estabilidade e planeamento da acção das presidências rotativas.
Por outro lado, introduziu um elemento fundamental e que é indispensável à articulação dos elementos do grupo e que representa bem, a meu ver, a múltipla diversidade dos Estados que compõem a União e o seu equilíbrio global. Falo da confiança, da proximidade, mesmo da cumplicidade entre todos os envolvidos quer na preparação quer na execução do programa comum, sejam eles das tutelas políticas ou das administrações públicas.
Recordo-vos também que, durante o ano que passou, a Presidência austríaca, e, sobretudo, a Presidência finlandesa, levaram a cabo um trabalho discreto, mas muito eficiente, no sentido de contribuir para uma solução da complicada questão do futuro do Tratado Constitucional. Foram então efectuadas consultas com os Estados-membros que serviram de base ao trabalho desenvolvido actualmente pela Presidência alemã sobre esta questão.
A Estratégia de Lisboa é também um tema que terá um lugar importante na nossa Presidência, bem como na eslovena. O Conselho Europeu de Março de 2006 foi dedicado à Estratégia Relançada de Lisboa para o Emprego e para o Crescimento, tendo Portugal apresentado em Outubro o seu relatório sobre implementação do Plano Nacional de Acção para o Crescimento e para Emprego (PNACE).
No domínio da justiça e dos assuntos internos, a imigração foi, porventura, um dos temas mais visíveis. Houve operações conjuntas entre os Estados-membros e a Agência Europeia para as Fronteiras Externas, nas quais Portugal participou activamente. O tema da imigração deverá também ocupar um lugar de relevo na Presidência portuguesa, não apenas na perspectiva do combate à imigração ilegal
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mas relançando o debate europeu sobre a imigração legal.
O tema das alterações climáticas também esteve no topo da agenda europeia.
Durante a 12.
a Conferência das Partes da Convenção-Quadro da ONU sobre Alterações Climáticas, a União Europeia logrou o objectivo de iniciar a segunda revisão do Protocolo de Quioto, que terá lugar durante a nossa Presidência, mais precisamente no mês de Dezembro.
A este respeito, também devo notar que os avanços da cimeira de Março deste ano em matéria energética constituem o culminar das iniciativas e medidas adoptadas no último ano. Durante a nossa Presidência, continuaremos também a dar grande importância a este tema, nas vertentes do mercado interno, da segurança energética e do domínio tecnológico.
Não vos farei o elenco de medidas adoptadas no domínio do mercado interno, mas recordo que em 2006 foram adoptados dois instrumentos importantes e amplamente debatidos pela opinião pública: a directiva dos serviços e o regulamento conhecido por REACH (relativo aos produtos químicos).
Finalmente, não quero deixar de mencionar a acção da União no plano externo, procurando ser uma voz activa e influente na resolução dos vários conflitos que afligem o mundo. Presença que foi também activa na fase da sua prevenção, ou naquela de reconstrução e normalização em situação já de pósconflito.
O ano de 2007 representa para a participação de Portugal na União Europeia um ano de grande responsabilidade. Estou certo de que com o apoio desta Assembleia, o próximo relatório de acompanhamento não deixará de sublinhar com justiça a contribuição da Presidência portuguesa para uma União mais solidária, mais coesa, mais eficiente num mundo mais justo e mais pacífico.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Regina Ramos Bastos.
A Sr.ª Regina Ramos Bastos (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Dando cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 5.º da Lei n.º 43/2006, de 25 de Agosto, o Governo apresentou a esta Assembleia, para acompanhamento, o Relatório da Participação de Portugal na União Europeia, 2006.
Como disse — e muito bem — o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, trata-se de um documento longo, denso e excessivamente descritivo. O Relatório é composto por 11 títulos, onde o Governo dá conta da actividade das entidades nacionais e da União Europeia que respeitam às instituições e órgãos comunitários, ao debate sobre o futuro da Europa, às perspectivas financeiras, ao alargamento da União Europeia, à Estratégia de Lisboa, às relações externas, às questões económicas e financeiras, à justiça e assuntos internos, à competitividade, às políticas comuns e outras acções e, finalmente, à preparação da Presidência portuguesa de 2007.
Completam o Relatório do Governo dois anexos: um sobre Contencioso Comunitário e outro sobre Adaptações Legislativas.
O Relatório elaborado pela Comissão de Assuntos Europeus, do qual eu sou responsável, faz uma análise particular dos pontos seguintes: instituições e órgãos comunitários; debate sobre o futuro da Europa, que foi praticamente inexistente; alargamento da União Europeia; Estratégia de Lisboa; política marítima europeia; e a preparação da Presidência portuguesa.
Este relatório elaborado pela Comissão de Assuntos Europeus apresenta nas suas conclusões uma síntese dos relatórios temáticos parcelares elaborados pelas diversas comissões especializadas desta Assembleia.
Todos os relatórios elaborados realçam a participação positiva de Portugal no processo de construção europeia, embora realçando também que o Relatório do Governo é destituído de análise política, sendo descritivo ao limitar-se a elencar um conjunto de acções e iniciativas tomadas durante o ano de 2006 no âmbito da construção europeia.
A Comissão de Assuntos Europeus, no seu âmbito de análise, considerou que a União, em 2006, prosseguiu um alargamento a leste, que culminou com a entrada da Roménia e da Bulgária, no dia 1 de Janeiro deste ano. Neste domínio, a União, com o envolvimento e concordância de Portugal, encontrou um consenso alargado sobre a forma de futuros alargamentos, numa base de respeito pelo acervo comunitário.
Portugal tem sido a favor da entrada quer da Croácia quer da Turquia.
Em 2006, foi, também, dada uma grande atenção ao impasse institucional e ao debate sobre o futuro da Europa, com Portugal a defender uma solução equilibrada para esta questão.
Podemos, ainda, destacar as questões relacionadas com a política marítima europeia, com Portugal a procurar desempenhar um papel de destaque, e o relançamento da Estratégia de Lisboa com grande enfoque no crescimento e emprego, em consonância com uma política energética que respeite o ambiente e garanta os recursos para o futuro.
Finalmente — e estas são considerações da Relatora, que não poderia deixar de fazê-las na
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presença do Membro do Governo da tutela —, a elaboração dos relatórios parcelares pelas múltiplas comissões parlamentares especializadas envolve um enorme dispêndio de tempo e de recursos que acaba por ter um resultado inconsequente e inócuo.
Na verdade, estes relatórios não passam de uma simples síntese politicamente acrítica do nosso processo de integração na União e, sobretudo, da participação de Portugal nesse processo. Ou seja, os relatórios das comissões especializadas e o relatório da Comissão de Assuntos Europeus, que acolhe nas suas conclusões aqueles contributos, redunda num trabalho sem efeitos e inconsequente.
Parece-nos que a realização de um debate em Plenário, com a presença do Governo onde o seu Relatório fosse apreciado, permitiria realmente aos diversos grupos parlamentares fazer a sua avaliação política.
Esta seria uma forma de dar maior ênfase e também, diga-se, maior dignidade ao documento do Governo, facultando um verdadeiro debate e uma discussão politicamente relevante, mais eficaz e consequente, pondo fim a um procedimento puramente formal e burocrático que constitui a elaboração de relatórios e atribuindo, obviamente, mais tempo à sua discussão em Plenário.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Umberto Pacheco.
O Sr. Umberto Pacheco (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo Sr.as e Srs. Deputados: Em tempo oportuno, esta Câmara aprovou, por unanimidade, a Lei n.º 43/2006, de 25 de Agosto, que passou a regular o acompanhamento, a apreciação e a pronúncia pela Assembleia no âmbito do processo de construção da União Europeia.
Verteu nessa lei, a par de outras de diferente alcance, uma clara opção política: a de que o Governo, no primeiro trimestre de cada ano, apresente um relatório que permita o acompanhamento da participação de Portugal no processo de construção da União, devendo esse relatório informar, nomeadamente, sobre as deliberações com maior impacto para Portugal que tenham sido tomadas no ano anterior pelas instituições europeias e as medidas postas em prática pelo Governo em resultado dessas deliberações.
É, pois, no estrito cumprimento da lei, e respeitando a unânime opção política nela plasmada, que hoje apreciamos o Relatório do Governo sobre a participação portuguesa no processo de construção europeia relativamente ao ano de 2006.
Verdadeiramente, e em última instância, o que a Assembleia pretende, com a obrigação cometida ao Governo de apresentar tal relatório, é ser informada do «estado actual da União», já que, sobre os plúrimos aspectos da construção europeia e sobre a participação do Governo em tal construção, para além do específico Relatório que hoje está em causa, prevê a lei outros e diversos mecanismos de participação, controlo e debate por parte desta Assembleia.
Apreciemos, pois, o Relatório e verifiquemos se ele dá, ou não, cumprimento à vontade política consagrada na lei.
Trata-se, como de resto já foi referido, de um extenso, rigoroso, exaustivo e profundo documento de 481 páginas, abrangendo 11 áreas. A saber: as instituições e órgãos comunitários, o debate sobre o futuro da Europa, as perspectivas financeiras, o alargamento da União, a Estratégia de Lisboa, as relações externas, as questões económicas e financeiras, justiça e assuntos internos, competitividade, políticas comuns e outras acções e, finalmente, a preparação da Presidência portuguesa de 2007.
Sobre as deliberações com maior impacto para Portugal e sobre as medidas postas em prática pelo Governo em resultado dessas deliberações, o Relatório refere, nomeadamente, as relativas à União Aduaneira, aos serviços financeiros, ao financiamento da União, aos fluxos financeiros (devendo relevarse o excelente acordo obtido pelo Governo português, no montante de 21,5 milhões de euros, para o período 2007/2013), à imigração ilegal, à participação portuguesa no Programa Phare (programa de ajuda comunitária aos países da Europa Central e Oriental), ao Plano Nacional de Acção para o Crescimento e Emprego, à agricultura, ao apoio comunitário para o desenvolvimento rural, à política marítima, ao ambiente, à educação, à juventude, à concorrência, à preparação da Presidência portuguesa, ao contencioso entre Portugal e a União e às adaptações legislativas.
Todas estas matérias são abundantemente tratadas. Só por ausência de tempo para a leitura e a análise atentas do documento ou por mera «miopia política» pode insinuar-se que este não é verdadeiramente um Relatório sobre o «estado da União» e sobre a participação do Governo português no processo da sua construção.
Trata-se, portanto, de um documento que cumpre integralmente o disposto na lei e que foi maioritariamente sufragado pela Comissão de Assuntos Europeus, bem como o respectivo e proposto projecto de resolução. Afinal, só não mereceu o apoio em sede de Comissão daqueles que, após a queda do Muro de Berlim e «perdido o farol de orientação do seu posicionamento na Europa», se sentem órfãos e perdidos no seio da mais bem sucedida união de Estados dos tempos modernos e que, tendo partido de um inicial antieuropeísmo envergonhado, vieram a acantonar-se num eurocepticismo mal disfarçado.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista irá votar favoravelmente o parecer sobre o Relatório do Governo e bem assim o projecto de resolução que incide sobre o mesmo.
Cremos ser devida uma palavra de louvor ao Governo pelos inegáveis méritos do Relatório, pelo trabalho efectivamente realizado e pelas medidas postas em prática em 2006.
Sublinhamos também o sentido de Estado das forças políticas inequivocamente comprometidas com o sucesso da União, sendo também devida uma palavra de justo reconhecimento ao esforço dos diplomatas, dos técnicos e dos Deputados das comissões especializadas desta Assembleia que emitiram parecer sobre o Relatório e bem assim à Sr.ª Deputada Relatora do parecer da Comissão de Assuntos Europeus.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Europeus: À semelhança de anos anteriores, o Governo apresentou os relatórios de acompanhamento da participação de Portugal no processo de construção da União Europeia, desta vez referentes aos anos 2005 e 2006, os quais apreciamos aqui, na Assembleia da República, e que, na essência, traduzem a complexidade deste aprofundamento.
Mas, antes de entrar na análise destes relatórios, não posso deixar de fazer uma crítica, aliás recorrente nestes debates. O prazo que medeia entre a apresentação do Relatório e o seu agendamento é manifestamente excessivo — aliás, é objectivo: estamos a discutir um relatório de 2005, sendo que estamos em Maio de 2007!! Ora, isso prejudica a actualidade do debate e de um processo que é dinâmico em si mesmo, tanto mais que nesta mesma Casa — e bem! — foi aprovada por unanimidade uma lei que reforça a fiscalização e o acompanhamento das matérias europeias por parte da Assembleia da República, prejudicando igualmente a próxima presidência de Portugal da União Europeia, para a qual todos desejamos sucesso.
Assim, se o objectivo é registar os desenvolvimentos comunitários — e isto não é uma crítica concreta a este Governo, aliás, até partilho da visão do Sr. Secretário de Estado quando defende que devemos mudar os moldes deste debate —…
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!
O Orador: — … e até por um objectivo essencial que estes relatórios devem ter, mais do que discutirmos a União Europeia aqui, numa sala fechada, deveríamos permitir o acesso dos cidadãos ao conhecimento dessas actividades desse processo.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!
O Orador: — É assim que se faz a Europa e que se permite a aproximação, por que todos pugnamos, dos cidadãos à União Europeia.
Portanto, são estas observações que gostaria de deixar como nota prévia em relação a estes relatórios.
Como estes dois anos de participação de Portugal na União Europeia são muito extensos, destacaria cinco factos que entretanto ocorreram.
O primeiro facto que destaco é a adesão, em 2005, de 10 novos Estados, com as consequências inevitáveis e complexas.
O segundo facto a destacar é o 20.º aniversário da assinatura do Tratado de Adesão de Portugal à Comunidade Europeia, assinalando duas décadas de desenvolvimento notável.
O terceiro facto é a apresentação do «Plano D» da Comissão para a democracia, debate e diálogo, procurando ultrapassar as dificuldades resultantes dos referendos e dos resultados negativos dos referendos em França e na Holanda.
O quarto facto trata da conclusão, em 2006, do processo de alargamento a leste, com a inclusão, em 1 de Janeiro de 2007, da Roménia e da Bulgária.
E, finalmente, o quinto caso tem a ver, já este ano, com o surgimento de alguns constrangimentos entre outros Estados em relação à eventual entrada e adesão da Turquia à União Europeia.
Em todo o caso, é inevitável nesta matéria — no passado, no presente e, certamente, no futuro, que é o que nos mais interessa — falar um pouco sobre a questão do impasse institucional e do Tratado Constitucional Europeu, que irá certamente dominar a agenda europeia, e da necessidade que todos sentimos de rapidamente ultrapassar esta situação, sob pena de a Europa poder enfrentar uma crise profunda nos tempos vindouros.
Por isso, a nosso ver, devemos ter alguma flexibilidade na procura das melhores soluções, ao mesmo
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tempo que não temos qualquer dúvida a uma firme oposição a qualquer tipo de lógicas de directório que aqui e acolá poderão estar na mente de alguns.
Assim, é nesta perspectiva da construção de uma Europa plural, de igualdade, de prosperidade que devemos manter a nossa posição, posição, aliás, que é na generalidade aceite pelos partidos, pelo menos dos do arco da governabilidade.
Por isso, durante a próxima Presidência portuguesa estaremos disponíveis para definir um road map que inclua matérias como a reforma institucional, a questão da Turquia, as novas oportunidades e desafios da política mediterrânica da União, o combate comum e preventivo à imigração ilegal e ao tráfico de pessoas, a manutenção do vínculo de segurança garantido pelas relações ente a NATO e a União Europeia, a reforma do orçamento comunitário e o reforço do controlo democrático interno das posições do Estado português na União, seguindo, aliás, um caminho que já foi iniciado.
A nosso ver, é isto que se exige de um órgão de soberania como a Assembleia da República na apreciação destes relatórios e destes temas relevantes, que devem ser essenciais no sentido de procurar — ao invés de promover um debate fechado e meramente baseado em ideias feitas e já há muito expendidas — abri-los à sociedade civil e de trazer os cidadãos para este Relatório de forma a que percebam que, na realidade, a União Europeia é um projecto no qual Portugal tem interesse em estar e em aprofundar. Mas para isso os cidadãos precisam de o conhecer e é nessa matéria que todos nós — e estou certo de que serei ouvido — poderemos melhorar as formas de debater os dois anos de aprofundamento europeu para que no próximo ano possamos mudar este tipo de debates.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.
O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Europeus: Analisamos hoje os relatórios elaborados pelo Governo sobre a participação de Portugal no processo de construção europeia. Trata-se dos relatórios respeitantes a 2005 e 2006, o que, pelo menos num dos casos, mostra à saciedade a falta de oportunidade e de actualidade deste debate.
Paralelamente, debatemos também dois relatórios parlamentares e dois projectos de resolução com origem na Comissão de Assuntos Europeus, todos sobre a mesma temática.
Um simples exercício de análise comparativa entre os relatórios parlamentares relativos aos dois anos mostra bem a quase total similitude de temas e preocupações. Um exercício semelhante que compare os dois projectos de resolução mostra muito bem um decalque quase integral entre os dois documentos.
Estes factos e a forma rotineira deste debate — inclusive a grelha de circunstância que está atribuída a um debate relativo à actividade comunitária do País durante dois anos — mostram bem a dimensão burocrática com que se continua a encarar o debate das questões europeias.
A verdade é que a nova lei de acompanhamento do processo de integração exige urgentemente outra dinâmica! As sucessivas e repetidas observações aqui feitas ao longo de vários anos a sucessivos governos sobre a necessidade de apresentar um documento completamente diferente, que suscite de facto um debate realmente político, continuam a cair em «saco roto»! Face às declarações do Sr. Secretário de Estado, esperamos que isto mude para o ano.
Mas, sejamos claros, as centenas de páginas meramente enumerativas e maioritariamente irrelevantes que o Governo apresenta anualmente e a que pomposamente chama relatório não têm hoje qualquer sentido político. Quando muito, podem servir como anexo ou anexos de um verdadeiro relatório político que os sucessivos governos insistem em não fazer. E insistem em não fazer, apesar das muito tímidas mas recorrentes e persistentes observações em sentido diverso que têm sido aqui feitas ao longo dos anos, ainda que sem sucesso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Este tipo de debate é mais uma prova da forma como em Portugal se não dá qualquer atenção real nem, tão pouco, se motiva a polémica e o surgimento de opiniões diferenciadas sobre temas relativos ao processo de integração europeia. E vale a pena abordar esta questão, aproveitando o debate sobre este relatório acerca da participação de Portugal na União Europeia e citando, a propósito, alguns exemplos relevantes.
Na sequência de uma iniciativa do anterior ministro dos Negócios Estrangeiros, foi criado um fórum alargado para o debate das questões europeias. Em princípio, destinava-se a intervir activamente no debate europeu. Serviu para mais uma operação mediática incluindo a presença do Primeiro-Ministro, para grandes discursos de empenhamento no alargamento deste debate, mas foi entretanto remetido às conveniências do silêncio dos corredores onde a burocracia europeia se move e movimenta melhor.
Noutro plano, um outro exemplo: se olharmos para a esmagadora maioria dos debates sobre temas europeus promovidos por muitas instituições e entidades públicas ou de génese pública, para além das privadas, percebemos melhor os objectivos. São conversas para que as pessoas se vejam ao espelho. É o «centrão» partidário quem organiza, quem convida, quem fala, quem simula e quem encena debates e
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conferências absolutamente falhas de troca de ideias diferenciadas. No fundo e em síntese, com total ausência de controvérsia e de pluralismo democráticos.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Orador: — Mas a ausência de debate perpassa por aí fora. Não foi só cá que a moda se instalou.
Pelo contrário, na última COSAC, realizada este mês em Berlim, dos vários pontos agendados constava um sobre o futuro da Europa. Aí chegados, os participantes limitaram-se, repito, limitaram-se, a ouvir a Chanceler alemã falar durante 30 minutos, findos os quais a sessão foi interrompida para nunca mais se debater o tema! Não obstante a total ausência de discussão sobre o futuro da Europa, a COSAC ousou aprovar um documento político em que boa parte das conclusões assentavam em orientações, objectivos e propostas precisamente sobre o futuro da Europa!…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Um escândalo!
O Orador: — Como mostra da falta de profundidade e até da falta de seriedade do debate, o exemplo serve às 1000 maravilhas.
Há aqui, pelos vistos, alguns Deputados que gostam disto e que até se socorrem de argumentos do passado. Sr. Deputado Humberto Pacheco, nada esconde melhor a ausência de razão do que alimentar estes «fantasmas» do passado! Por fim, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, temos aqui dito e voltamos a repetir que, mais do que preocupar-se com acordos e negociações ultra-secretas sobre o que será a revisão do Tratado, a União Europeia e o Governo português deveriam antes preocupar-se em dar respostas concretas aos problemas do emprego, do desenvolvimento económico, aos desafios da coesão social, às questões da solidariedade e às questões da cooperação internacional.
Pelos vistos, o caminho escolhido é novamente o da burocracia e o do afastamento dos cidadãos.
Não é nem será este certamente o caminho do PCP!
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, acerca da formalidade, da intencionalidade e do que possa ser o aspecto conclusivo deste debate, revejo-me integralmente na intervenção da Sr.ª Deputada Regina Bastos, do PSD. Curiosamente, é essa a intervenção que o Bloco de Esquerda tem feito ao longo dos últimos anos. Fico, portanto, feliz e com uma pontinha de orgulho pelo facto de podermos estender finalmente esta interpretação ao Grupo Parlamentar do PSD, porque ela não é meramente instrumental e tem valor intrínseco.
De facto, este debate é uma inutilidade e estes relatórios são perfeitamente supérfluos, para não os classificar de outra forma. Na verdade, os relatórios são descritivos e não analíticos, mesmo sendo informativos são unilaterais e, depois, há umas conclusões que são laudatórias. É sempre assim, o formato é sempre o mesmo e há um degradé deslizante, vendo-se que a mestria é, em cada ano, inferior à do ano transacto. Isto só significa, portanto, que devíamos tentar, de algum modo, alterar a lei em causa, visto que o carro funéreo que têm sido os debates destes relatórios nas comissões e em Plenário, pelo interesse ou desinteresse que lhes emprestam o Governo e o conjunto dos grupos parlamentares, atestam bem que isto «está de finados» e que deveríamos rapidamente ultrapassar este modelo.
Mas o Sr. Secretário de Estado, que foi hoje interpelado por três bancadas, poderia ter aproveitado a ocasião para discutir aquilo que realmente interessa acerca da União Europeia, que é muito. Neste momento, o que concentra as nossas preocupações é a superação do impasse institucional criado à volta do Tratado dito Constitucional, acerca do qual todas as inquietações se avolumam.
Qual é a posição do Governo português sobre a chamada proposta Sarkozy? Qual é a posição do Governo português sobre o que está incluído nessa temática, isto é, o regresso da lógica do directório e a solução minimalista para o Tratado? Qual é a posição do Governo português, se é que tem alguma? Quer discutir com os portugueses o que se passa neste domínio ou ficamos à espera que a Sr.ª Merkel diga alguma coisa, bem abonados por essa ventura que é um programa triplo da Presidência, com a Eslovénia e com a Alemanha? Não temos nada a dizer? É pelo facto de ir assumir a Presidência que o Governo não tem um comentário a fazer? O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros não tem uma observação a fazer sobre as mensagens bem explícitas do novo Presidente francês? Por que é que esta Câmara e este Parlamento, ao invés destes relatórios descritivos, não tem uma informação política sobre o que foi o encontro de Sintra e sobre o que têm estado a ser outros encontros com a Sr.ª Merkel?
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva): — Mas o relatório é sobre
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2006!
O Orador: — Agradeço o seu génio neste debate, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, mas o que precisamos de discutir é a actualidade.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Mas o relatório é de 2006!
O Orador: — O relatório é de 2006 como é de 2005, sendo as suas conclusões idênticas às dos outros e projectando para diante o que já se sabe ser para agora! Como tal, é esta a ironia do destino! O Sr. Secretário de Estado, na apresentação dos relatórios, frisou até algumas questões de maior actualidade.
De todo o modo, não percebo por que é que nestes debates, em que deveríamos discutir qual a posição portuguesa para a solução do impasse institucional criado pelo dito Tratado Constitucional, debate de actualidade que justificaria a vinda do Sr. Secretário de Estado a esta Assembleia, estamos a fazer uma recordatória já quase póstuma de relatórios que, em bom rigor, não têm valor político ou informativo de qualquer espécie.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Atendendo ao facto de o Partido Ecologista «Os Verdes» ter cedido 3 minutos ao Governo – o que, depois de «pagar» os 49 segundos que tinha em débito, ainda lhe dá 2 minutos e 11 segundos –, dou a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Europeus.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Europeus: — Sr. Presidente, antes de mais, gostaria de agradecer ao Grupo Parlamentar de Os Verdes o tempo que me concedeu para tecer breves comentários ao que aqui foi dito e com o que, na generalidade, estou de acordo, havendo, contudo, outros pontos com os quais tenho de manifestar o meu profundo desacordo.
Relativamente a estes relatórios e ao debate que eles sugerem ou suscitam, julgo que fui o primeiro, da Tribuna, a levantar a questão de saber se não seria útil repensarmos a estrutura e conteúdo dos relatórios e o próprio debate que eles suscitam.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — É verdade!
O Orador: — A verdade é que não foi este Governo que inventou estes relatórios nem a forma da sua apresentação. Esta é uma tradição já muita antiga. Todavia, temos de ser justos e reconhecer que, para muita gente, estes relatórios, sendo descritivos e denotando uma certa acumulação de acontecimentos, factos, etc., constituem um útil instrumento de referência e de trabalho. Aliás, os relatórios têm sido publicados ao longo de anos, desde que Portugal aderiu às Comunidades Europeias, e são livros de consulta para muita gente.
Efectivamente, para servirem de instrumento de análise e debate político nesta Assembleia da República, talvez os pudéssemos elaborar de uma forma que permitisse suscitar outro tipo de debate. O Governo, como eu, aliás, está absolutamente disponível para receber desta Assembleia sugestões sobre esta questão, para que possamos, no futuro, elaborar estes relatórios de forma mais apelativa e interessante, tanto para a Assembleia da República como para o Governo.
O Sr. Honório Novo (PCP): — Só o Grupo Parlamentar do PS é que não está de acordo!
O Orador: — Devo dizer, contudo, que o Governo nunca se furtou a qualquer debate sobre a União Europeia, sobre o seu estado ou futuro. Tenho vindo regularmente ao Plenário e à Comissão de Assuntos Europeus, mesmo quando efectua reuniões conjuntas, e temos manifestado sempre a nossa disponibilidade para discutir, com total transparência, abertura e verdade, estas questões. Recordo, de resto, que estive aqui não há muito tempo, na ocasião em que celebrámos os 50 anos dos Tratados de Roma, altura em que tivemos ocasião de levar a cabo um debate bastante aprofundado sobre este tema.
Está em vigor, aliás, uma lei da Assembleia que obriga o Governo, com grande regularidade, a prestar as devidas contas.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — E em que ficamos, afinal? Com o Tratado de Nice «recauchutado»?
O Orador: — Mas também devo dizer com muita franqueza, respondendo a uma pergunta que aqui me foi dirigida, que Portugal jamais aceitará que a União Europeia seja dirigida por um directório.
Sempre o dissemos e continuaremos a dizer: não o permitiremos. A União é uma obra de todos, que
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deve ser dirigida por todos para a satisfação de objectivos comungados por todos. É só nesta base que trabalharemos e não numa outra qualquer.
O Sr. Deputado deve compreender também que vamos assumir a Presidência da União Europeia e que isso significa procurar e construir consensos, ver onde se podem fazer as pontes e como aproximar posições que possam ser divergentes, para que, depois, possamos ter uma solução que possa ser aceite por todos. É esta a obrigação da Presidência, foi isto que sempre dissemos que faríamos e é isto que, naturalmente, estamos empenhados em fazer na nossa Presidência.
No que diz respeito ao futuro do Tratado Constitucional, vamos procurar uma solução que sirva os interesses da União Europeia, quer no plano interno, isto é uma maior eficiência e uma maior democraticidade no processo de decisão, quer também no plano externo, para ser uma União mais activa e mais influente para um mundo melhor. É isto que faremos, é isto que não desistiremos de fazer e espero que, na nossa Presidência, possamos dar, efectivamente, uma boa contribuição para este objectivo. Tenho a certeza de que o faremos com o vosso apoio, que, neste aspecto, é absolutamente indispensável.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, terminámos a discussão dos Relatórios de Participação de Portugal no Processo de Construção Europeia.
Vamos, agora, passar ao último ponto da nossa ordem de trabalhos, que é a apreciação da proposta de lei n.º 113/X — Autoriza o Governo a adaptar o regime geral das contra-ordenações no âmbito da transposição da Directiva 2004/39/CE, relativa a Mercados de Instrumentos Financeiros, da Directiva 2006/73/CE, que aplica a Directiva 2004/39/CE no que diz respeito aos requisitos em matéria de organização e às condições de exercício da actividade das empresas de investimento e aos conceitos definidos da referida directiva, da Directiva 2004/109/CE relativa à harmonização dos requisitos de transparência no que se refere às informações respeitantes aos emitentes cujos valores mobiliários estão admitidos à negociação num mercado regulamentado e da Directiva 2007/14/CE da Comissão, de 8 de Março de 2007, que estabelece as normas de execução de determinadas disposições da Directiva 2004/109/CE, e a estabelecer limites ao exercício das actividades de consultoria para o investimento em instrumentos financeiros e de comercialização de bens ou serviços afectos ao investimento em bens corpóreos, e a adaptar o regime geral das contra-ordenações às especificidades desta última actividade.
Aplausos do PCP e do BE.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças para apresentar a proposta de lei, embora só disponha de 5 minutos.
Risos.
O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças (Carlos Costa Pina): — Sr. Presidente, são as injustiças da distribuição do tempo, tenho de o reconhecer! Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o objectivo desta iniciativa legislativa é, sumariamente, o seguinte: transposição da directiva relativa aos Mercados e Instrumentos Financeiros, cujo prazo de transposição terminou, aliás, em 31 de Janeiro, embora, para entrada em vigor ao nível do direito interno, o prazo seja 1 de Novembro de 2007; transposição de uma segunda directiva, relativa à transparência, cujo prazo de transposição também já terminou em 20 de Janeiro de 2007; alteração do regime das sociedades gestoras de mercados e sistemas conexos; criação de um regime específico relativo à actividade das sociedades de consultadoria para investimento; e criação também de um regime específico sobre investimento em bens corpóreos.
Esta iniciativa legislativa tem por efeito a introdução de diversas alterações a diversos diplomas — ao Código dos Valores Mobiliários, ao Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, ao Código das Sociedades Comerciais, ao Regime Jurídico das Sociedades Corretoras e Financeiras de Corretagem. Será ainda alterado o regime jurídico das sociedades gestoras de mercados e sistemas e aprovado o regime jurídico das sociedades de consultadoria para o investimento.
Contudo, o propósito da proposta de lei de autorização legislativa aqui hoje em apreciação tem sobretudo a ver com dois pontos fundamentais: a definição do regime contra-ordenacional específico destas actividades e também a definição do regime de acesso e exercício de actividades económicas no sector financeiro, no uso da liberdade de iniciativa económica constitucionalmente consagrada.
Na especialidade, Sr.as e Srs. Deputadas, existem algumas novidades nesta iniciativa, de que irei enumerar as principais.
Ao nível da directiva relativa aos mercados e instrumentos financeiros, estamos perante aquilo que podemos apelidar de uma mudança de paradigma fundamental, em que, no fundo, se substitui o dogma da concentração da negociação em mercados regulamentados, de que é expressão paradigmática o mercado de bolsa, pela criação de uma infra-estrutura integrada e concorrencial de negociação assente
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em três pilares fundamentais: mercados regulamentados, sistemas multilaterais de negociação e mecanismos de internalização sistemática de ordens dadas pelos investidores. E esta iniciativa terá como efeitos os seguintes: menores custos, mais e melhor informação, quer prévia, quer posterior à negociação dos instrumentos financeiros; disciplina e prevenção dos conflitos de interesse; maior protecção dos interesses dos clientes dos intermediários financeiros, designadamente ao nível da imposição de regras de melhor conhecimento do cliente e de execução das ordens no melhor interesse do cliente; e também, por último, maiores exigências na organização e funcionamento dos intermediários financeiros.
Em matéria de consultoria para investimento, sem prejuízo da manutenção da actual figura dos consultores autónomos, prevê-se a criação das sociedades de consultoria para investimento, sob a forma de sociedade anónima ou de sociedade por quotas, sujeitas a um regime de autorização prévia.
Ao nível do regime das entidades gestoras de mercados e sistemas conexos, prevê-se a possibilidade de gestão conjunta de mercados regulamentados e sistemas multilaterais de negociação, com garantia, contudo, da continuidade dos mercados regulamentados e impedindo a gestão simultânea de sistemas de liquidação de valores mobiliários, e substitui-se igualmente o actual regime de tipificação das entidades participantes no capital social das entidades gestoras por um simples regime de controlo de idoneidade.
Ao nível da directiva da transparência, estabelecem-se maiores exigências quanto ao conteúdo da informação financeira a prestar e à sua actualização, não apenas informação anual e semestral mas igualmente informação trimestral para as empresas de maior dimensão e informação intercalar de gestão para as empresas de menor dimensão; estabelecem-se exigências de prestação de informação relativamente a participações qualificadas superiores a 2% do capital; e define-se igualmente o regime de disseminação e armazenamento da informação relativa aos mercados financeiros.
Por fim, relativamente ao diploma referente ao investimento em bens corpóreos, estabelece-se a exigência da forma societária anónima para o exercício da actividade; clarificam-se os poderes de supervisão das autoridades reguladoras nesta matéria; estabelecem-se igualmente maiores exigências de informação aos clientes; disciplina-se o regime do contrato celebrado com os clientes, sujeitando-o a forma escrita; estabelecem-se exigências de definição de políticas de investimento e de segregação de bens pertencentes aos clientes; estabelecem-se deveres de alerta relativamente aos conselhos de fiscalização e aos revisores oficiais de contas; cria-se um regime contra-ordenacional específico; e estabelece-se, por fim, a exigência de divulgação da lista das entidades habilitadas a exercer esta actividade.
Concluo, Sr.as e Srs. Deputados, dizendo o seguinte: o sector financeiro é um dos sectores mais densamente regulados. Com a disciplina agora criada, acentua-se e reforça-se a credibilidade e a segurança, em benefício dos investidores e do processo de financiamento e investimento, promovendose a sua eficiência e competitividade, com a redução de custos de transacção, simplificando também, por fim, o funcionamento e a articulação da supervisão entre as autoridades competentes, eliminado actuais redundâncias.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Diogo Feio, mas acontece que o Sr. Secretário de Estado já não dispõe de tempo.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, a bancada do CDS-PP cede 2 minutos ao Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Nesse caso, para pedir esclarecimentos, tem a palavra Sr. Deputado Diogo Feio.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, o Sr. Secretário nem precisará dos 2 minutos para responder e eu comprometo-me a não ler o nome desta proposta de lei, para poder abarcar a pergunta dentro dos 3 minutos.
Não resisto a mostrar aqui a proposta de lei de autorização e os diplomas que se seguirão à mesma, que nos foram apresentados no início deste mês, numa altura em que a comissão discutia a tributação automóvel a fundo, além de matérias que têm a ver com a lista dos credores ao Estado e em que estava a trabalhar um relatório importantíssimo sobre despesa pública. Portanto, tivemos aproximadamente três semanas para poder trabalhar este diploma que aqui está em discussão.
Assim, Sr. Secretário de Estado, como deve imaginar, para alguns dos grupos parlamentares mais pequenos desta Câmara, não foi possível trabalhar o diploma, o que vem demonstrar que qualquer redução do número de Deputados tornará esta Assembleia uma mera repetição do que dizem algumas maiorias.
Mas nós estamos muito interessados nesta proposta de lei, aliás, como o Sr. Secretário de Estado deve saber, o CDS apresentou um projecto de lei em relação a esta matéria.
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O Sr. Honório Novo (PCP): — Finalmente lembraram-se!
O Orador: — Aliás, ele já foi aqui apreciado, na generalidade, no mês de Janeiro, tendo baixado à comissão durante 90 dias. Por isso, aquilo que pretendo saber, Sr. Secretário de Estado, é se existe abertura por parte do Governo para que se possa discutir, após a aprovação do pedido de autorização legislativa, aquilo que o CDS propôs quanto a esta matéria, que é relativamente simples, pois tem a ver com a questão da consultadoria para investimento em instrumentos financeiros e do papel que terão os promotores de natureza individual, que podem ver a sua actividade admitida, não podendo, evidentemente, esta matéria ficar apenas para as sociedades, e, depois, com todo o regime necessário à existência desses promotores de natureza individual.
Consideramos que seria importante que eles pudessem continuar a exercer a sua actividade, uma actividade, evidentemente, controlada, mas para isso, Sr. Secretário de Estado, compreenda que precisamos de uma declaração política da sua parte e de saber se poderemos, no prazo dos 180 dias, ter uma discussão em comissão, feita, naturalmente, com o tempo que a profundidade destes diplomas exige para podermos discutir essas matérias.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças.
O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, relativamente a essa matéria, a nossa posição é muito simples: a matéria da consultoria para investimento, como é do conhecimento do Sr. Deputado, resulta da transposição da directiva que prevê a figura das sociedades para consultoria de investimento, beneficiando do tal regime do passaporte comunitário, que permite o exercício da actividade no plano comunitário, portanto ao nível da União Europeia.
Aquilo de que estamos a falar, se bem percebo a sua questão, é a questão específica dos consultores para investimento, pessoas singulares, que não beneficiam deste regime comunitário. Pois bem, creio não haver aqui necessariamente divergência de entendimento entre nós sobre esta matéria, uma vez que a iniciativa legislativa que hoje aqui estamos a apreciar prevê precisamente a figura dos consultores individuais para investimento. Portanto, não creio que exista incompatibilidade. Mas, sem prejuízo disso, julgo que, ao nível da respectiva comissão e na especialidade, a questão pode ser trabalhada mais em detalhe.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Preto.
O Sr. António Preto (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nem sequer faço menção da data em que me foi entregue este diploma, que é de grande complexidade técnica.
Era importante que esta Câmara, sobretudo em matéria onde há intervenientes com tanta força económica, não fosse um mero coro de repetição da lex mercatoria, que não estivéssemos aqui a legitimar comportamentos empresariais sem um amplo debate. Mas pode ser que, na especialidade, isso venha a ser possível.
Mas, enfim, passando ao diploma, direi que, como consequência da globalização da economia e dos sistemas financeiros, surgiu uma forte indústria dos serviços financeiros. O rápido crescimento e o cariz transterritorial dessa indústria dos serviços financeiros e a desadequação ou mesmo ausência de instrumentos normativos, esteve e está na origem de más práticas, algumas vezes deficientemente sancionadas, como o caso do fundo de pensões do Grupo Maxwell, em Inglaterra, ou os escândalos da Enron e da Worldcom.
Daí que com o Cadbury Report de 1992, mais tarde complementado pelos relatórios Greenbury, Hampel e pelo Combined Code, bem como com os principles of corporate governance, propostos pelo American Law Institute, se tenha iniciado um afã regulamentador assente na trilogia informação, transparência e responsabilidade.
Muita dessa regulamentação nasceu de uma elevada incorporação técnica de um mundo profissional que se auto-regulou e que produziu conteúdos normativos que as instâncias formais se limitaram a legitimar.
Mas o denso corpo normativo que a actividade financeira e económica segregaram necessita da intervenção legitimadora das instituições, até porque nos Estados democráticos a lex mercatoria não pode, sem a mediação das instituições legiferantes, invadir as áreas da regulação sancionatória, nem tão-
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pouco interferir na própria conformação da previsão das normas penais. A presente iniciativa legislativa, tendo como parâmetro a trilogia informação, transparência e responsabilidade da corporate governance, visa habilitar o Governo a adaptar o regime geral das contraordenações, no que respeita à harmonização dos requisitos em matéria de organização e às condições de exercício da actividade das empresas de investimento, à harmonização dos requisitos de transparência, no que se refere às informações respeitantes aos emitentes cujos valores mobiliários estão admitidos à negociação num mercado regulamentado.
Para além disso, o Governo pretende legislar no sentido de estabelecer limites ao exercício das actividades de consultadoria para o investimento. Com esse intuito, propõe-se alterar o Código dos Valores Mobiliários, o regime jurídico das sociedades gestoras de mercados e sistemas e o regime jurídico das sociedades de consultadoria para o investimento.
Cabe aqui especial relevo, no âmbito das normas de conduta aplicáveis à intermediação financeira, ao novo regime de execução de ordens, fazendo-se impender sobre o intermediário financeiro tanto o dever de adoptar uma politica de execução de ordens como o ónus de demonstrar que executou as ordens de um dado investidor de acordo com a melhor execução. Por sua vez, as sociedades de consultadoria para o investimento deverão ficar sujeitas a um regime de autorização prévia.
Espero que, na especialidade e posteriormente, quando viermos a discutir as propostas do Governo, se venha, de alguma maneira, a transformar este debate numa discussão mais séria e na qual não estejamos apenas a legitimar aquilo que têm sido a auto-regulação e a própria lei de mercado.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Aldemira Pinho.
A Sr.ª Aldemira Pinho (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Como sabemos, no passado dia 3 de Maio o Governo apresentou à Assembleia da República a proposta de lei n.º 133/X, que consubstancia uma proposta de autorização legislativa e que visa autorizar o Governo a proceder a alterações ao regime geral das contra-ordenações e estabelecer limitações ao exercício de actividades de intermediação financeira no quadro da transposição da Directiva n.º 2004/39/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, relativa a Mercados e Instrumentos Financeiros, mais conhecida pela DMIF; da Directiva n.º 2006/73/CE, da Comissão, de 10 de Agosto de 2006; da Directiva n.º 2004/109/CE, do Parlamento e do Conselho, relativa à harmonização dos requisitos de transparência, doravante conhecida como Directiva da Transparência; e da Directiva n.º 2007/14/CE, da Comissão, de 8 de Março de 2007.
Com a presente iniciativa legislativa, o Governo pretende, no quadro jurídico da regulação e supervisão dos mercados financeiros, agravar os limites dos montantes das coimas previstos no artigo 17.º do regime geral da mera ordenação social e estabelecer requisitos adicionais ao exercício de actividades de intermediação financeira, necessitando, por isso, da correspondente lei de autorização legislativa.
Considerando a directiva relativa a mercados e instrumentos financeiros, importa destacar os seus principais objectivos: a actualização do elenco de serviços de investimento e de instrumentos financeiros; um passaporte europeu mais eficaz, isto é, ao nível da actividade transfronteiriça das empresas de investimento, através de uma mais eficiente divisão de competências entre a autoridade do Estado de acolhimento e a autoridade do Estado de origem; o desenvolvimento e a harmonização dos requisitos de organização e dos deveres de conduta aplicáveis a intermediários financeiros; e o reconhecimento de novas formas organizadas de negociação.
A maior novidade desta directiva relaciona-se com a harmonização das estruturas de mercado, através da instituição de um enquadramento jurídico destinado a regular a concorrência entre os mercados regulamentados e as novas infra-estruturas de negociação por esta directiva reconhecidas. De facto, o reforço dos deveres dos intermediários financeiros representa uma garantia relevante de protecção do investidor neste cenário de maior flexibilidade de formas organizadas de negociação.
Relativamente à directiva da transparência, esta estabelece os princípios gerais que regem a harmonização dos requisitos da transparência aplicáveis à detenção de direitos de voto ou de instrumentos financeiros que confiram o direito de aquisição de acções com direitos de voto já emitidas, e tem como objectivo manter e reforçar a confiança do investidor através da publicação de informações exactas, completas e oportunas sobre os emitentes de valores mobiliários.
Vozes do PS: — Muito bem!
A Oradora: — As normas de execução das disposições que regem os requisitos da transparência devem, ainda, ser concebidas de modo a assegurar um elevado nível de protecção do investidor, a reforçar a eficiência do mercado e a ser aplicadas uniformemente.
A Directiva n.º 2007/14/CE, da Comissão, de 8 de Março, vem estabelecer as normas de execução da
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directiva da transparência, definindo o conteúdo mínimo das demonstrações financeiras semestrais não consolidadas, os mecanismos do controlo a exercer pelas autoridades competentes sobre os criadores de mercado e as condições de independência a satisfazer pelas sociedades gestoras e empresas de investimento envolvidas na gestão individualizada de carteiras.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em suma, importa sublinhar que a proposta de lei n.º 133/X consubstancia uma proposta de autorização legislativa que visa autorizar o Governo a proceder a estas alterações, sobretudo à do regime geral das contra-ordenações, e a estabelecer limitações ao exercício da profissão de intermediação financeira, no quadro da transposição das directivas atrás referidas.
De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 197.º do Regimento da Assembleia da República «A lei de autorização deve definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização». Da leitura da proposta de autorização legislativa resulta claro que os quatro requisitos referidos encontram-se devidamente identificados e delimitados, reunindo, desta forma, os elementos formais necessários para ser apreciada e discutida, tal como está a ser nesta sessão plenária, estando em condições para ser votada favoravelmente por esta Câmara.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que está concluída a apreciação desta proposta de lei.
Lembro que a próxima reunião plenária será na quarta-feira, dia 30, constando da ordem do dia um agendamento potestativo do PSD, onde será apreciado o projecto de lei n.º 271/X — Lei de autonomia e de gestão das instituições de ensino superior. Haverá ainda votações no final do debate.
Está encerrada a sessão.
Eram 12 horas e 50 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Marques Antunes
António Ribeiro Gameiro
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
José Augusto Clemente de Carvalho
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Marcos Sá Rodrigues
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Renato José Diniz Gonçalves
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Rosalina Maria Barbosa Martins
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Partido Social Democrata (PSD):
António Paulo Martins Pereira Coelho
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Jorge José Varanda Pereira
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Miguel Pereira de Almeida
Mário Patinha Antão
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Miguel de Santana Lopes
Partido Comunista Português (PCP):
Miguel Tiago Crispim Rosado
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Partido Popular (CDS-PP):
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
Paulo Sacadura Cabral Portas
Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:
Partido Socialista (PS):
António Ramos Preto
Jaime José Matos da Gama
João Barroso Soares
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Júlio Francisco Miranda Calha
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Partido Social Democrata (PSD):
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
Manuel Filipe Correia de Jesus
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Partido Socialista (PS):
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
José Carlos Bravo Nico
Manuel Alegre de Melo Duarte
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Partido Social Democrata (PSD):
António Ribeiro Cristóvão
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
Mário Henrique de Almeida Santos David
Pedro Augusto Cunha Pinto
Sérgio André da Costa Vieira
Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
José Batista Mestre Soeiro
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL