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Quinta-feira, 17 de Janeiro de 2008 I Série — Número 35
X LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2007-2008)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE JANEIRO DE 2008
Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama
Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Fernando Santos Pereira
SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 5 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.os 174 e 175/X, dos projectos de lei n.os 444 a 446/X e dos projectos de resolução n.os 251 e 252/X.
Foi aprovado um parecer da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura sobre a substituição de um Deputado do PSD.
Na abertura do debate da moção de censura n.º 1/X — Ao XVII Governo Constitucional (BE), intervieram o Sr. Deputado Francisco Louçã (BE) e o Sr. Primeiro-Ministro (José Sócrates), que respondeu aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Luís Fazenda (BE), Paulo Portas (CDS-PP), Pedro Mota Soares (CDS-PP), Bernardino Soares (PCP), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Alberto Martins (PS), Ana Drago (BE), Diogo Feio (CDSPP), José Eduardo Martins (PSD), Teresa Caeiro e Abel Baptista (CDS-PP).
Seguiram-se intervenções, a diverso título, dos Srs. Deputados Fernando Rosas (BE), Jerónimo de Sousa (PCP), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Ricardo Rodrigues (PS), Ana Drago (BE), Rui Gomes da Silva (PSD), Luís Fazenda (BE), Nuno Magalhães (CDS-PP), Helena Pinto (BE), Alberto Martins (PS) e Luís Montenegro (PSD).
No encerramento do debate, intervieram o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva) e o Sr. Deputado Francisco Louçã (BE), após o que a moção de censura n.º 1/X foi rejeitada.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 35 minutos.
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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 5 minutos.
Srs. Deputados presentes à sessão:
Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha Almeida Pereira
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Ceia da Silva
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
António Ribeiro Gameiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
David Martins
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jacinto Serrão de Freitas
Jaime José Matos da Gama
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Barroso Soares
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
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Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro
Manuel José Mártires Rodrigues
Manuel Luís Gomes Vaz
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos Sá Rodrigues
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Eugénia Simões Santana Alho
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gambôa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Marisa da Conceição Correia Macedo
Marta Sofia Caetano Lopes Rebelo
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Renato Luís Pereira Leal
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rita Manuela Mascarenhas Falcão dos Santos Miguel
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Umberto Pereira Pacheco
Vasco Seixas Duarte Franco
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Pinheiro Pereira
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Partido Social Democrata (PSD):
Abílio André Brandão de Almeida Teixeira
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Zita Barbas Marvão Alves Gomes
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Joaquim Almeida Henriques
António Paulo Martins Pereira Coelho
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos António Páscoa Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Freire Antunes
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Mendes Bota
José Pedro Correia de Aguiar Branco
José de Almeida Cesário
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pereira de Almeida
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Olímpia do Nascimento Castro Candeias
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário Patinha Antão
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
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Pedro Miguel de Santana Lopes
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira
Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
António Carlos Bívar Branco de Penha Monteiro
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
José Hélder do Amaral
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Paulo Sacadura Cabral Portas
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro
Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Francisco José de Almeida Lopes
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Miguel Tiago Crispim Rosado
Bloco de Esquerda (BE):
Ana Isabel Drago Lobato
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
José Borges de Araújo de Moura Soeiro
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Mariana Rosa Aiveca Ferreira
Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
José Miguel Pacheco Gonçalves
Deputado não inscrito em grupo parlamentar:
Maria Luísa Raimundo Mesquita
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, antes de mais, gostaria de indicar a presença, na Tribuna reservada ao Corpo Diplomático, do Sr. Presidente da Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau, Francisco Benante, e da sua comitiva, que se encontram em visita oficial ao nosso país e à Assembleia da República.
Posto isto, a Sr.ª Secretária vai proceder à leitura do expediente.
A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e
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foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: propostas de lei n.os 174/X — Estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou protecção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de protecção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril, e a Directiva n.º 2005/85/CE do Conselho, de 1 de Dezembro, que baixou à 1.ª Comissão, e 175/X — Procede à alteração do Estatuto dos Magistrados Judiciais e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que baixou à 1.ª Comissão; projectos de lei n.os 444/X — Estabelece a obrigatoriedade de informação relativamente à fonte de energia primária utilizada (PS), que baixou à 6.ª Comissão, 445/X — Alarga as competências dos órgãos deliberativos das autarquias locais e reforça a participação dos cidadãos nas decisões dos órgãos autárquicos (BE), que baixou às 1.ª e 7.ª Comissões, e 446/X — Alteração à Lei n.º 53-B/2006, de 29 de Dezembro, que cria o indexante dos apoios sociais e novas regras de actualização das pensões e outras prestações sociais do sistema de segurança social (PCP), que baixou à 11.ª Comissão; e projectos de resolução n.os 251/X — Recomenda ao Governo a Criação da Área de Paisagem Protegida da Baía de São Paio (BE) e 252/X — Actualização extraordinária das pensões para 2008 (PCP).
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deu ainda entrada na Mesa um relatório e parecer da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura, relativo à suspensão do mandato de Deputado, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do Estatuto dos Deputados, de Duarte Lima, do PSD (Círculo Eleitoral de Bragança), com efeitos desde 16 de Janeiro de 2008, inclusive, pela Sr.ª Deputada Maria Olímpia do Nascimento Castro Candeias, dada a declaração de impedimento do candidato que imediatamente lhe segue na lista, João Manuel dos Santos Henriques, sendo o parecer no sentido de admitir a suspensão em causa.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.
Pausa.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência da Deputada não inscrita, Luísa Mesquita.
Sr.as e Srs. Deputados, aproveito para sublinhar que no final do debate da moção de censura haverá votação da mesma e que o Bloco de Esquerda já comunicou em Conferência de Líderes que não vai usar do período de uma hora para consolidar a votação. Portanto, o período de votação será imediatamente no termo do debate.
Sendo assim, vamos dar início à ordem do dia, que é exclusivamente preenchida com o debate da moção de censura n.º 1/X — Ao XVII Governo Constitucional, apresentada pelo BE e já distribuída.
Para fazer a introdução da moção de censura, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã, em nome do Bloco de Esquerda.
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: As primeiras linhas do programa eleitoral do PS são premonitórias: «Vive-se um grande pessimismo em Portugal. Este pessimismo deve-se à falta de rumo, à gestão desastrada dos últimos três anos e às promessas não cumpridas». Era assim em 2005 e é assim em 2008: promessas não cumpridas e gestão desastrada é o fado dos governos que prezam menos a responsabilidade do que a conveniência! José Sócrates prometeu não subir impostos. Dizia: «Não repito os erros do passado, é a receita errada».
Repetiu a receita errada e subiu os impostos assim que foi Primeiro-Ministro — justificou-se com a ignorância! José Sócrates prometeu «recuperar, nos próximos 4 anos, os 150 000 postos de trabalho perdidos». Assim que foi Primeiro-Ministro, desleixou a promessa — justificou-se com a inércia! José Sócrates prometeu, dizia, «reforçar a legitimação democrática do processo de construção europeia» com o referendo. Assim que pode, anulou o referendo — justificou-se com a solidariedade para com Sarkozy, Merkel e Brown! Sr. Primeiro-Ministro, o Parlamento está hoje reunido para julgar o seu incumprimento das promessas mais solenes que fez aos portugueses.
Aplausos do BE.
Estamos aqui para defender o valor mais elevado que uma pessoa de bem deve prezar: o valor da palavra dada. E, ao julgar o valor da palavra dada, estamos a discutir o fundamento da política.
Exercendo o poder constitucional de censura, o Parlamento convoca-o porque não podemos aceitar o desvirtuar da democracia e a sua redução a um plano de contingência ou a um jogo de ilusões.
O contrato de representação em que se baseia o mandato — dos Deputados como do Governo — é o pacto com o cidadão eleitor. Só pode ser um pacto de verdade e de respeito. O mandato mandata o
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representante em nome do seu compromisso e nenhuma razão da facção maioritária se lhe pode sobrepor, pois a democracia não tolera que a vantagem do poder se imponha contra a virtude da coisa pública! A exigência republicana do «governo equilibrado» de Aristóteles fundamenta-se no carácter irrenunciável do comprometimento eleitoral, que é a essência da representação. E por isso, tanto anos depois, na revolução americana, Thomas Jefferson alertava contra o risco de o poder se alojar num grupo, se a indiferença esvair a república.
A utilização instrumental do poder ao serviço da facção do Governo é, por tudo isto, a violação do contrato político.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Sei que esta volúpia do poder tem a idade de sempre do absolutismo: os neoconservadores, Sr. Primeiro-Ministro, apaniguados de George Bush, reclamam o direito de o soberano enganar o seu povo sempre que tal lhe convier, e assim procederam. Para o mais distinto dos absolutistas, Thomas Hobbes, o poder soberano não está sujeito às suas próprias leis e a política é, portanto, um artifício de dominação.
Por isso, quem convoca aqui a palavra dada lembra-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, que o contrato que estabelece a sociedade política só é democrático quando a representação responde pelo seu compromisso.
Escrevia John Locke que «A liberdade dos seres humanos sob um governo consiste em ter uma regra estabelecida para viver, e não ter que me submeter à vontade inconstante, incerta, desconhecida e arbitrária de um outro homem».
Eu, cidadão livre, não me submeto à vontade inconstante, incerta e arbitrária de um outro homem, por mais poderoso que ele seja!
Vozes do BE: — Muito bem!
O Sr. Francisco Louçã (BE): — A democracia é a regra e perde-se quando aceita o arbítrio.
E, como é evidente, a inconstância e a arbitrariedade da sua decisão sobre questões decisivas, Sr.
Primeiro-Ministro! Os impostos, o emprego, o direito a decidir sobre o futuro da Europa — três questões constituintes.
Violadas as promessas, medíocres justificações são exibidas: ignorância, inércia, desinteresse, exclusividade da política sem os cidadãos. Em todas elas está a tirania da parte contra o todo!
O Sr. Fernando Rosas (BE): — Muito bem!
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Mas em nenhuma fica mais clara essa vertigem autoritária do que na recusa da sua própria palavra sobre a Europa.
O Primeiro-Ministro, aliás, não permite qualquer dúvida sobre a sua decisão. Quando se vangloriou da aprovação do Tratado, dizia: «Este é um dos dias mais importantes da minha carreira política». E para os portugueses que não têm carreira política não é um dia importante?!...
Dizia o Primeiro-Ministro que «Com o Tratado, a Europa vence o impasse político e institucional que limitou a sua capacidade (…) nos últimos anos». E se o Tratado salva a Europa, Sr. Primeiro-Ministro, como pode ser aprovado sem os europeus?!
Vozes do BE: — Muito bem!
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Não, o Primeiro-Ministro não argumenta que o Tratado seja irrelevante! Pelo contrário, enaltece-lhe o brilho. Sem o Tratado, a sua carreira política ficaria atrasada e a Europa estaria à deriva! O Tratado, então, deve ser discutido como o que é realmente: a fundação da Europa alargada a 27, com o seu modo de decisão maioritária, o seu presidente, o seu alto representante, a sua personalidade jurídica, a sua política monetária, a organização dos mercados, numa palavra, a definição da União. Mas foi precisamente sobre todas e cada uma destas escolhas que o referendo foi prometido, e a opinião dos europeus é necessária! Havia mesmo, e desde há muito, um consenso nacional para que o tratado europeu fosse referendado.
Para tanto se fez uma revisão constitucional em 2005, prevendo especificamente um referendo sobre, diz a Constituição, um «tratado que vise a construção e o aprofundamento da União Europeia», o que, na opinião de Jorge Miranda, define um «regime específico» que obriga jurídica e constitucionalmente à realização do referendo.
É certo que o Primeiro-Ministro recusa que tal consenso existisse, mesmo à custa do paradoxo de uma revisão constitucional excedentária.
Façamos então o exercício de ignorar tal injunção constitucional.
Ainda assim, vou demonstrar-vos, Sr.as e Srs. Deputados, que a promessa do referendo era imperativa e,
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mais, que a promessa não se referia à Constituição mas, sim, ao Tratado que já se sabia que a substituiria.
Vozes do BE: — Exactamente!
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Convoque-se então o depoimento do Primeiro-Ministro.
No debate parlamentar de Abril, e quando já a França tinha feito «naufragar» a Constituição Europeia, o Primeiro-Ministro não poupou as palavras e garantiu: «A posição do Governo é clara: queremos sufragar o próximo tratado institucional por referendo. É a nossa posição». Mais enfático não podia ser, e continuou: «Quanto ao referendo, mantenho o compromisso do Governo: queremos que a ratificação do futuro tratado institucional seja feita, em Portugal, por referendo».
Explicava o Primeiro-Ministro que o fim da Constituição europeia «foi o argumento fundamental que me levou a propor o adiamento desse referendo para a altura em que houvesse um novo consenso político à volta de um outro tratado que pudesse juntar os 27 países».
O Primeiro-Ministro só prometeu um referendo ao tratado que substituísse a Constituição, e que está escrito desde Julho. «É o mesmo texto» — dizia ele a uma televisão.
Votaremos esta moção de censura segundo alinhamentos políticos, mas se o Parlamento se respeitasse a si próprio, Sr. Primeiro-Ministro, estou certo de que se levantaria a uma só voz contra o logro!
Aplausos do BE.
O senhor prometeu aqui aos eleitores devolver o direito de decisão. O senhor sabia que a Constituição tinha soçobrado e que estava mandatado para fazer um outro tratado com as mesmas disposições, mas ignorando o simbolismo constitucional. E, por isso, no dia em que foi mandatado para fazer o outro tratado, disse: «O Governo mantém o seu compromisso, Portugal deve fazer um referendo».
Não se desviou desse compromisso. Fez esse tratado. Não fez o referendo.
E em cada dia em que garantiu que mantinha o referendo, o Primeiro-Ministro faltou à sua palavra. Não sei se é mais degradante enganar o País durante seis meses ou fingir que ia cumprir o prometido…! É claro que os partidários do Governo «rasgaram as vestes», proclamam o amor eterno pelo voto, pela soberania do eleitor. Foram eleitos com essa promessa. Abandonaram-na sem piedade! Sr.as e Srs. Deputados: nenhum de vós tem mandato para votar a ratificação do tratado no Parlamento. Não levaram aos eleitores qualquer consideração sobre a personalidade jurídica, sobre o estatuto do Banco Central. Não ouviram os eleitores sobre as competências da União. Não ouviram o eleitor sobre nada, porque lhe propuseram que esperasse porque teria a sua voz e o seu voto.
Vozes do BE: — Muito bem!
O Sr. Francisco Louçã (BE): — E, agora, chega de dizerem que basta uma Europa de democracia mínima, um tratado despachado e que o povo só pode acenar para o palácio! Cortesãos são aqueles que pensam que as pessoas são um estorvo e que a Europa se deve blindar contra os europeus.
Vozes do BE: — Muito bem!
O Sr. Francisco Louçã (BE): — É claro que virão aqui tribunos para explicar por que é que não respeitam a sua própria palavra: uns dirão que sempre desconfiaram do referendo que sempre prometeram; outros dirão que o referendo até permite — imagine-se o desplante! — que os partidários de uma posição e de outra discutam democraticamente; outros ainda dirão que o Tratado é muito complexo e que o eleitor normal não percebe um texto em «português técnico».
Risos do BE e do PCP.
Dirão até, como o Primeiro-Ministro, que, se outros fizessem o referendo, nós também o faríamos, mesmo que não seja necessário. Cínicos! Cínicos!! Se outros governos decidissem o que Sócrates aqui recusa, então — suprema condescendência!… —, estaria autorizado um referendo em Portugal.
O Sr. Presidente: — Faça favor de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Mas, de facto, Sr.as e Srs. Deputados, não é sobre argumentos que vamos votar. Votaremos para decidir se a Europa é connosco e nós dizemos que a Europa é connosco.
Votaremos sobre a essência da política, sobre o princípio da representação, em nome da Europa e contra a claustrofobia democrática que se afirma nesta recusa.
Por isso, o Governo será censurado.
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Termino dizendo que este será, porventura, o último acto deste Governo. Amanhã ou depois de amanhã, já será um governo remodelado que tomará posse e nem assim respeitará a palavra dada. Mas ao PrimeiroMinistro pedimos contas.
A censura vencerá, porque tem do seu lado a maioria do País, porque respeita a palavra dada! Hoje, Sr. Primeiro-Ministro, levantam-se aqui as Deputadas e os Deputados que respeitam a palavra dada.
A isto chama-se democracia!
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para a intervenção de abertura do debate, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro (José Sócrates): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda apresenta hoje uma moção de censura ao Governo. O fundamento aparente desta moção de censura é a nossa decisão de propor a ratificação do Tratado de Lisboa neste Parlamento. Mas a verdade é para ser dita e quero dizê-la imediatamente: esta não é tanto uma moção de censura contra o Governo, esta é, verdadeiramente, uma moção de censura contra o Tratado de Lisboa!
Aplausos do PS.
Quero ser inteiramente claro sobre o que está em jogo neste debate. Estão em jogo quatro questões da maior importância política e que, aliás, separam as posições do Governo e as posições do partido censurante.
São elas: a construção europeia, o sentido dos compromissos assumidos — e já iremos a eles —, o sentido da responsabilidade e, sobretudo, o entendimento do que é a democracia política.
A primeira questão é o projecto da construção europeia. Não disfarcemos, porque esta é a verdadeira questão, a questão que esta moção de censura procura deliberadamente esconder.
O Sr. Mota Andrade (PS): — Muito bem!
O Sr. Primeiro-Ministro: — A verdade é que tudo separa a posição da esquerda democrática portuguesa da posição da esquerda conservadora, quanto ao projecto europeu. Nós sempre tomámos a Europa por referência. Fundámos no nosso país uma democracia parlamentar, pluralista e de forte cunho social, como é a democracia europeia. Liderámos a adesão à CEE — o espaço de liberdade, democracia e desenvolvimento a que queríamos e queremos pertencer — e sempre participámos activamente no aprofundamento da construção europeia, nunca a reduzindo à esfera unicamente económica mas, antes, valorizando as dimensões política e social.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Em nenhum momento pairou a sombra de uma dúvida sobre a posição do Partido Socialista e dos seus diferentes governos. Sempre fomos pela Europa: pela Europa democrática, pela Europa social, pela Europa da paz, do desenvolvimento e da coesão. As presidências que fomos chamados a exercer, conduzimo-las de modo a fazer avançar o projecto europeu. E o esforço português foi decisivo, designadamente para fazer sair a União Europeia do impasse em que a tinha feito cair o fracasso do Tratado Constitucional.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Eis, Sr.as e Srs. Deputados que subscrevem esta moção de censura, a nossa diferença essencial: nós concluímos o Tratado de Lisboa, para resolver a crise institucional da União; nós defendemos o Tratado de Lisboa porque defendemos o projecto europeu.
Protestos do Deputado do PCP João Oliveira.
E que não haja qualquer espécie de equívoco: para nós, a Europa não é uma arca a que se vá sacar fundos comunitários, a Europa é um projecto político de solidariedade e de coesão. E, no Parlamento Europeu, estamos com as grandes famílias democráticas e europeístas e recusamos firmemente convergir, nem que seja tacticamente, com a extrema-direita. Nem todos podem dizer o mesmo!...
Aplausos do PS.
O Bloco de Esquerda sabe bem que não pode dizer o mesmo…! Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A moção apresentada invoca o compromisso eleitoral do Partido Socialista com o referendo ao Tratado Constitucional. Quero dizer-vos, Srs. Deputados, que este pressuposto
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é falso!
Risos de Deputados do BE.
Qualquer pessoa de boa-fé e que seja isenta nesta matéria reconhece que não só o Tratado não é o mesmo, na sua natureza e na sua ambição constitucional, como as circunstâncias políticas na Europa não são as mesmas. Respeito os que defendem o referendo, apesar de as circunstâncias serem diferentes, mas pretender que nada se alterou e que o compromisso se mantém, sendo diferente o Tratado e sendo diferentes as circunstâncias políticas, é, pura e simplesmente, falta de seriedade política.
Aplausos do PS.
E só a seriedade política define quem é uma pessoa de bem na política.
Cito, mais uma vez, o compromisso eleitoral do Partido Socialista, nos seus exactos termos, porque é o Partido Socialista que define os seus compromissos e não o Bloco de Esquerda que define os compromissos políticos do Partido Socialista!
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Nem quer!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Dizia o Partido Socialista: «A prioridade do novo governo será a de assegurar a ratificação do Tratado Constitucional». Repito: «do Tratado Constitucional». Foi para esse Tratado que o PS defendeu, e cito de novo, «que a aprovação e ratificação do Tratado deva ser precedida de referendo popular» (fim de citação).
O Tratado Constitucional, Sr.as e Srs. Deputados, pretendia substituir todos os tratados europeus celebrados até então e refundar, política e constitucionalmente, a União. Esta era a sua natureza e esta era a sua ambição. Foi por isso, aliás, que o processo de ratificação desse Tratado assumiu, em muitos Estadosmembros, a forma referendária. E foi nesse contexto que se assumiu o compromisso de fazer, também em Portugal, um referendo.
A vitória do «não», nos referendos em França e na Holanda, inviabilizou a entrada em vigor do Tratado Constitucional, mergulhando a União na paralisia institucional. A União saiu dessa crise através da decisão de renunciar a um Tratado Constitucional, optando por fazer alterações aos tratados vigentes, de modo a melhorar os seus instrumentos de organização e de acção. Foi este o acordo político conseguido na Presidência alemã e foi com base no mandato assim recebido que a Presidência portuguesa concluiu a elaboração e a assinatura do Tratado de Lisboa.
Trata-se, portanto, indiscutivelmente, de uma nova circunstância e de um novo Tratado. E assumir a liberdade de decidir, em face da nova realidade, não é apenas um direito, é, sobretudo, o dever de um político responsável. Exerço essa liberdade de decidir para decidir em função do que, nestas circunstâncias, entendo ser o melhor interesse do País.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Primeiro-Ministro: — E o melhor interesse do País, no meu ponto de vista, coincide com o interesse da Europa e do desenvolvimento do projecto europeu!
Aplausos do PS.
Ao contrário do que pensa a esquerda imobilista, a Europa não é uma entidade que nos seja estranha!
A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Muito bem!
O Sr. Primeiro-Ministro: — O projecto europeu é uma das questões centrais da política nacional.
Vozes do PCP: — Não apoiado!
O Sr. Primeiro-Ministro: — E que não haja qualquer ilusão: aqueles que estão contra o projecto europeu estão também contra o desenvolvimento de Portugal como uma democracia madura, uma economia robusta e uma sociedade de bem-estar.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Propaganda!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Nestes termos, decidir com sentido de responsabilidade a forma de ratificação do Tratado de Lisboa é ter em conta, ao mesmo tempo, os interesses portugueses e os interesses europeus. É
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o sentido de responsabilidade que leva o Governo a propor a ratificação parlamentar, pelas razões que já apontei. Primeiro: mais de 90% dos Deputados presentes nesta Câmara são favoráveis ao Tratado de Lisboa.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Em França e na Holanda também eram!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Segundo: verifica-se um amplo consenso entre forças e instituições políticas portuguesas a favor da ratificação parlamentar.
Terceiro: todos os Estados-membros que não estão vinculados constitucionalmente à realização de referendo, isto é, todos, menos a Irlanda, optam pela via parlamentar.
Quarto: Portugal, que conduziu com todo o êxito a Presidência da União Europeia e concluiu a aprovação do Tratado de Lisboa, não deve tomar qualquer iniciativa que acentue os riscos sobre a ratificação do Tratado ou que dê argumentos àqueles que, por essa Europa fora, contestam a legitimidade democrática de um Tratado fundado em ratificações parlamentares, como se os Parlamentos não fossem suficientemente democráticos.
Aplausos do PS.
Julgo, Srs. Deputados, que estas são razões mais do que legítimas para fundamentarem a decisão do Governo. Mas que não haja equívocos: há aqui uma fronteira de responsabilidade. Do lado da responsabilidade estão todos aqueles que querem levar em frente o projecto da construção europeia; do outro lado, estão os que nem sequer escondem a intenção de travar, a todo o custo e por todas as formas, este projecto de construção europeia. Pois eu digo-lhes, Srs. Deputados, que é fácil intuir de que lado está a esmagadora maioria dos portugueses: está a favor do projecto europeu e de um destino português na Europa!
O Sr. Fernando Rosas (BE): — Então, por que é que não se vota?!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Esta é a minha convicção!
O Sr. Mota Andrade (PS): — Muito bem!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estão em causa, neste debate, a adesão ao projecto europeu e o sentido de responsabilidade dos que querem que esse projecto continue e se aprofunde, mas está também em causa a própria concepção da democracia.
Na democracia pluralista, o referendo é um instrumento de participação popular que pode e deve ser usado para certos fins e em certas circunstâncias e que, se bem usado, contribui, no meu ponto de vista, para enriquecer a vida cívica.
Mas a matriz da democracia pluralista é parlamentar. São inteiramente legítimas as decisões tomadas pelos parlamentos, no âmbito das suas competências próprias, e é sempre em nome do povo e como expressão da sua vontade soberana que os parlamentos decidem.
O Sr. Mota Andrade (PS): — Muito bem!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Foi assim que sempre vi e vejo a democracia parlamentar em que vivemos!
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Aqueles que, portanto, têm uma concepção unicamente instrumental do referendo, de tal modo que, quando discordam de uma medida propõem um referendo e quando concordam com ela querem a sua aprovação parlamentar, demonstram uma concepção parcelar e enviesada do que é uma democracia parlamentar.
Aplausos do PS.
Mais: aqueles que defendem o referendo como única expressão da vontade dos povos, colocando de um lado o povo e do outro o parlamento, manifestam também um profundo preconceito contra a representação democrática.
É também disto que trata este debate. Este debate traça uma fronteira: a fronteira entre os que, de um lado, como o Governo e a maioria, assumem a democracia por inteiro e respeitam e valorizam a representação parlamentar;…
O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — … e, do outro lado, aqueles para os quais a democracia é um instrumento, que
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ora se usa ora se descarta, ao sabor das conveniências do momento.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Essa é uma boa frase para acabar!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Os portugueses conhecem bem este Governo e o seu programa;…
Vozes do CDS-PP: — Oh, oh!… O Sr. Primeiro-Ministro: — … conhecem a sua determinação reformista, a sua agenda de modernização e qualificação; conhecem as reformas e os resultados.
Em menos de três anos, resolvemos a crise orçamental, reformámos e reforçámos a segurança social pública, desenvolvemos a reforma da Administração Pública, lançámos o mais ambicioso programa de educação e formação, e aplicámos também novas medidas sociais, nomeadamente no combate à pobreza e no apoio à natalidade. A economia retomou a sua trajectória de crescimento, gradual é certo, mas seguro e sustentado, e recomeçou, finalmente, a gerar emprego.
Mas entre os resultados que este Governo tem para apresentar não é menos relevante o êxito da Presidência da União Europeia, pois a moção de censura que agora aqui discutimos apenas quer dizer o seguinte: que há quem preferisse que a Europa continuasse na crise e que há quem esteja incomodado com o êxito da Presidência portuguesa e com o Tratado de Lisboa.
Pois o Governo tem o sentimento do dever cumprido: Portugal deu uma enorme contribuição ao desenvolvimento da Europa democrática e, ao fazê-lo, deu um grande passo no caminho do seu próprio desenvolvimento. Será, pois, em nome de Portugal e do projecto europeu que ratificaremos, neste Parlamento, o Tratado de Lisboa, em cuja elaboração tão orgulhosamente contribuímos e para cuja entrada em vigor contribuiremos.
Aplausos do PS, de pé.
O Sr. Presidente: — Não há pedidos de esclarecimento dirigidos ao Sr. Deputado Francisco Louçã, mas há ao Sr. Primeiro-Ministro, que responderá, numa primeira ronda, a seguir a cada orador interrogante. Os tempos disponíveis quer para os pedidos de esclarecimento quer para as respostas são de 2 minutos.
O primeiro orador inscrito, para pedir esclarecimentos, é o Sr. Deputado Luís Fazenda, a quem dou a palavra.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, quer discutir o projecto europeu? Consinta que se convoque um referendo e nós discutiremos o projecto europeu. Estaremos, aqui, para dirimir as diferenças, para confrontar e contrastar aquilo que não nos une acerca do projecto europeu! Mas permita que se faça esse debate, essa é a essência! Acha que temos um fundamento falso nesta moção de censura?! Pois, onde está exactamente a falsidade política e o cinismo da decisão é na parte do Governo.
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Exactamente!
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Quer discutir o projecto europeu? Deixe convocar o referendo! Teremos um debate sobre o projecto europeu. O Bloco de Esquerda não se vai esconder acerca das suas convicções sobre o projecto europeu. Permita que esse debate se faça, não fuja desse debate! Curiosa contradição, Sr. Primeiro-Ministro: se, por um lado, o Partido Socialista assumiria em relação ao Tratado Constitucional um referendo, e já não era uma versão «mutilada» de democracia parlamentar, agora entende o Sr. Primeiro-Ministro, acerca da sua «concepção democrática», que um referendo sobre o Tratado de Lisboa é um empobrecimento da democracia parlamentar…! Sr. Primeiro-Ministro, essa é uma contradição insanável, absolutamente antagónica! Isso só revela, indo àquele fundamento que aqui apresentou sobre a conveniência do País, sobre os «superiores interesses» do País, que em determinadas circunstâncias o referendo seria da conveniência do País, noutras circunstâncias não seria da conveniência do País.
Risos do Deputado do BE Francisco Louçã.
Quem decide? O Primeiro-Ministro, não os eleitores, não o povo soberano, não o compromisso dos partidos nas últimas eleições legislativas! É o Sr. Primeiro-Ministro que tem a chave do que é a conveniência do País, não é a democracia parlamentar! Sr. Primeiro-Ministro, em 2005, presidia ao Conselho Europeu Jean-Claude Juncker, houve uma reunião do Conselho Europeu em que se decidiu fazer uma pausa para reflexão depois do referendo negativo em França.
O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.
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O Sr. Luís Fazenda (BE): — Mesmo assim, o Presidente do Conselho em exercício forçou, e fez, um referendo no Luxemburgo, circunstância que o Sr. Primeiro-Ministro português não só apoiou como aplaudiu…
Vozes do BE: — Exactamente!
O Sr. Luís Fazenda (BE): — … e, na altura, tinha uma posição mais voluntarista do que o ministro Freitas do Amaral…! Mas aí não houve problemas para Jean-Claude Juncker, sendo embora Presidente em exercício do Conselho Europeu.
O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Não foi a sua circunstância — aliás, ocultada — de objecção ao referendo enquanto foi Presidente do Conselho Europeu que levou a esta tomada de posição, que chama de responsabilidade europeia e que nós chamamos de irresponsabilidade perante os cidadãos portugueses!
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, tenho o maior gosto em fazer consigo um debate sobre a Europa.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Então, permita-o!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Esse debate, aliás, não é novo; é travado há mais de 20 anos entre nós e os senhores. E recordo bem as suas posições: nos últimos 20 anos, o senhor teve posições contra a Europa e contra o desenvolvimento europeu!
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sem os europeus!
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Contra a Europa sem os europeus!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Atreve-se a negar isso? Mas esse debate teve consequências, Sr. Deputado! Os Srs. Deputados afirmam: «nunca o povo votou na Europa». Desculpe, Sr. Deputado, contesto essa afirmação: o povo português vota na Europa cada vez que vota no Partido Socialista…
Vozes do BE: — Não!
O Sr. Primeiro-Ministro: — … ou cada vez que vota no PSD,…
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Ah, a maioria PS/PSD…!
O Sr. Primeiro-Ministro: — … porque sabe que essa é a essência do nosso projecto político, o projecto de um Portugal europeu! A ideia de que os portugueses nunca votaram na Europa é falsa!
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Estamos a falar do Tratado!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Os portugueses votaram num projecto político que tem uma matriz europeia! E fizemo-la contra os senhores, porque os senhores nunca acreditaram nessa tal democracia só liberal…
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Ah, confirma!... Social não é!!
O Sr. Primeiro-Ministro: — … nessa tal democracia europeia. Os senhores sempre a combateram e por isso, Sr. Deputado, é que afirmo que quando os portugueses votaram no PS, bem como no PSD, também votaram contra os senhores e contra a vossa visão de qual deveria ser o destino de Portugal! Não, Sr. Deputado!! Não é verdade que os portugueses não tenham votado na Europa!
O Sr. Luís Fazenda (BE): — No referendo!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Eles votam na Europa cada vez que dão maiorias parlamentares ao PS, cada vez que apostam no PS, ou cada vez que apostam no PSD! Isso, sim, dá um voto no sentido da Europa.
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Mas o que é espantoso é que o Sr. Deputado insista em desvalorizar e diminuir uma ratificação parlamentar, considerando-a uma ratificação «menos».
Protestos do Deputado do BE Luís Fazenda.
E sei bem qual é o vosso interesse: o vosso interesse é, aqui, em Portugal, como em toda a Europa (e, aliás, em boa companhia…), pretender que uma ratificação parlamentar é uma ratificação «menos».
O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — O que os senhores gostariam era que Portugal desse uma ajuda a todos aqueles que, em vários países da Europ, estão a tentar diminuir a ratificação parlamentar.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Isso é que é má-fé!
O Sr. Primeiro-Ministro: — O que fica provado, neste debate, é que os Srs. Deputados do Bloco de Esquerda não foram capazes de apresentar qualquer justificação, nenhuma razão para que esta ratificação fosse por referendo e não por ratificação parlamentar, nenhuma!!
O Sr. Luís Fazenda (BE): — É a sua palavra!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Limitaram-se apenas a dizer uma coisa: «há um compromisso eleitoral». Pois, já demonstrei que esse compromisso ou, melhor, esse sentido do compromisso é falso!
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Que topete!...
O Sr. Primeiro-Ministro: — O nosso compromisso era com um tratado que existia,…
Vozes do BE e do PCP: — Não existia!
O Sr. Primeiro-Ministro: — … que Portugal tinha de ratificar,…
O Sr. Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, tem de terminar, porque já terminou o tempo de que dispunha.
O Sr. Primeiro-Ministro: — … não era com o Tratado de Lisboa. Mudou o Tratado e mudaram as circunstâncias. Só uma grande falta de seriedade política e, mais, uma grande hipocrisia política é que pode levar o Bloco de Esquerda a invocar esse único argumento!
Aplausos do PS.
Protestos do BE.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Sr. Presidente, o Sr. Primeiro-Ministro, com ajuda do PSD, falhou o compromisso do referendo.
O Sr. Primeiro-Ministro falhou nos impostos — disse que não os aumentava e não faz outra coisa há 3 anos senão aumentá-los; falhou no desemprego — prometeu novos empregos, o que o País tem são novos desempregados; falhou no poder de compra — comprometeu-se a melhorá-lo, o que temos visto é que o está a minguar; falhou na Ota, por quem jurava e agora meteu na gaveta; está a falhar na inflação — estimou-a em 2,1%, aumentou pensões com base em 2,4% e a verdade é que a inflação, no ano passado, foi de 2,5% e, este ano, a pressão da alta dos preços está a incrementar. Ou seja, para concluir, o que os portugueses sabem sobre si, Sr. Primeiro-Ministro, é isto: promessa Sócrates, promessa não cumprida!
Aplausos do CDS-PP.
Queria, em concreto, Sr. Primeiro-Ministro, dizer-lhe o seguinte: como os relatórios não dizem o que o senhor quer, o senhor, agora, passou a dizer o que os relatórios não dizem. E ontem aconteceu um caso exemplar: saiu um bom indicador, o indicador do Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre a taxa de risco da pobreza em Portugal, segundo o qual essa taxa de risco tinha descido de 20% para 19%, no primeiro ano em que o estudo foi feito, e de 19% para 18%, no segundo ano em que o estudo foi feito.
O que faz o Primeiro-Ministro? Faz uma declaração extraordinária: «Apesar de o INE não atribuir a
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qualquer medida do Governo esse resultado, estou convencido de que o complemento social para idosos teve aí um efeito fundamental.» Sr. Primeiro-Ministro (e termino, Sr. Presidente), em primeiro lugar, os dados do relatório não são sobre rendimentos de 2006, são sobre rendimentos de 2005!
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Exactamente!
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Em segundo lugar, em 2005 o complemento social para idosos não estava em vigor!
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Em terceiro lugar, em 2005 o único aumento de pensões feito foi o decretado, por influência do CDS-PP, no programa de convergência, em Dezembro de 2004!
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — O senhor não fez nenhum! Em quarto lugar, o Sr. Primeiro-Ministro, como já demonstrei que o programa de convergência contribuiu muito mais para reduzir a pobreza em Portugal do que a sua política de pensões, pode hoje, perante esta Câmara, fazer uma coisa muito simples, que é dizer: «enganei-me na declaração que fiz ontem, rectifico sem qualquer problema»! É isso que esperamos!
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, tem a palavra para responder.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas, mudou o Tratado e mudaram as circunstâncias políticas. E, se não tivessem mudado as circunstâncias políticas e o Tratado, o Deputado Paulo Portas não se daria ao trabalho de convocar tantos seminários para ouvir a opinião de especialistas — aliás, em sentido contraditório — que expuseram nos vossos seminários, de forma a tomar finalmente uma decisão.
Protestos do CDS-PP.
A verdade, Sr. Deputado, é que aquilo que invoca não é verdadeiro: mudou o Tratado e mudaram as circunstâncias!! Sr. Deputado, em três anos, este Governo resolveu a crise orçamental, os mesmos três anos que os senhores demoraram, no governo, a agravar a crise orçamental!
Aplausos do PS.
Protestos do CDS-PP.
Em três anos (sei que não gosta de ouvir), a economia portuguesa criou 106 000 empregos. No tempo em que senhor esteve no governo, o senhor perdeu empregos! Em três anos, Sr. Deputado, o que nós fizemos foi reforçar a segurança social,…
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Responda pelo seu mandato!
O Sr. Primeiro-Ministro: — … dar-lhe condições para poder encarar com mais optimismo e com mais prestígio o seu futuro. Estes três anos contrastam com uma segurança social em risco, como era a segurança social que herdámos.
Protestos do Deputado do CDS-PP Pedro Mota Soares.
Sr. Deputado, a verdade, para desgosto de muitos, é que os números do INE são absolutamente evidentes: nestes anos, o indicador de pobreza diminui, e diminui fortemente, de 20% para 19% e, agora, para 18%, aproximando-se da média europeia.
É verdade, Sr. Deputado, reconheço sem dificuldade…
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Ah!…
O Sr. Primeiro-Ministro: — … que o indicador de 2006 é fundado em dados de 2005,…
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Vozes do CDS-PP: — Ah!…
O Sr. Primeiro-Ministro: — … mas nove meses desse ano de 2005 dizem respeito a este Governo e não ao seu governo, Sr. Deputado!
Aplausos do PS.
Protestos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Não foi apenas a pobreza que declinou, Sr. Deputado, mas o complemento solidário para idosos vai dar uma ajuda para que essa pobreza ainda seja reduzida em 2006 e em 2007.
Porém, não foi apenas a pobreza que baixou,…
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Foi a riqueza!
O Sr. Primeiro-Ministro: — … foi também a desigualdade dos rendimentos. Se o Sr. Deputado lê, leia tudo,…
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — São rendimentos de 2005!
O Sr. Primeiro-Ministro: — … porque lá está a comparação dos 20% mais ricos com os 20% mais pobres: no seu governo a percentagem manteve-se e em 2005 declinou para 6,8%. Portanto, não foi apenas a pobreza que declinou, foi também a desigualdade dos rendimentos!
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Sabe porquê? Por causa do aumento das pensões!
O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — A isto chama-se resultados! E o que Sr. Deputado tem para apresentar, no seu governo, não são resultados mas, sim, agravamentos da situação do País que o Sr. Deputado herdou!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Duarte.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, conhece a posição do Partido SocialDemocrata sobre o processo de ratificação deste Tratado, que é similar à decisão que o Governo entretanto tomou a posteriori. Contudo, isso não significa que o Partido Social-Democrata seja acrítico quanto ao processo que levou à decisão governamental. Isto é, na nossa opinião, está em causa a transparência e a credibilidade do Governo também nesta matéria.
A verdade é que o Sr. Primeiro-Ministro foi o último governante da União Europeia a tomar uma posição sobre esta matéria.
A verdade é que mostrou ao País — e, já agora, à Europa — que não tinha propriamente uma convicção profunda sobre esta matéria, visto que hesitou durante meses a fio, mesmo depois de conhecer o Tratado,…
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — … e, numa tarde, resolveu fazer uns telefonemas para perceber qual a tendência europeia e, a partir daí, anunciou a sua decisão.
Na nossa óptica, isto é grave porque está em causa a credibilidade do Governo. Aliás, estes primeiros dias do ano de 2008 são bem sintomáticos. Não vou repetir as sucessivas quebras de promessas que caracterizam já este Governo, vou referir-me apenas aos últimos dias, a este verdadeiro annus horribilis em que já está transformado o ano de 2008 para o Governo.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Nestes primeiros dias, V. Ex.ª foi desmentido nas previsões da inflação, com consequências muito complexas para o dia-a-dia dos portugueses; nestes primeiros dias, o Governo a que V.
Ex.ª preside anunciou o pagamento faseado das pensões de reforma para, depois, contrariar essa mesma
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decisão passadas algumas horas; nestes primeiros dias, 18 horas depois de receber um relatório promovido por uma associação empresarial (o relatório técnico sobre a localização do aeroporto de Lisboa), V. Ex.ª contrariou e inverteu completamente uma decisão que havia tomado, supostamente, com grande convicção, através de estudos técnicos insofismáveis e indiscutíveis, a propósito desse mesmo novo aeroporto.
Isto é sintomático e é o desmascarar da imagem de marca deste Governo que tem sido promovida pela propaganda do Partido Socialista.
O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Onde havia uma imagem de rigor, hoje percebemos que há, afinal, erros técnicos e falhas sucessivas das promessas; onde havia uma imagem de determinação, afinal temos recuos e «cambalhotas»; onde havia uma imagem de credibilidade, afinal temos falta de rumo, inconsistência nas decisões que são tomadas e uma oscilação permanente em função de motivações meramente eleitoralistas ou em função do lado para onde sopra o vento.
Esta situação parece-nos preocupante, porque são rombos significativos e machadadas na credibilidade deste Governo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Duarte, Portugal foi o último a anunciar a forma como ratificaria o Tratado, sim! E fê-lo por uma questão de responsabilidade. Sempre achei que não fazia sentido, durante a Presidência portuguesa, anunciar essa decisão, por uma razão simples: nunca quis influenciar a decisão de outros países,…
O Sr. António Filipe (PCP): — Ah!…
O Sr. Primeiro-Ministro: — … porque uma posição da Presidência da União Europeia antes de o Tratado estar assinado poderia ter consequências nessas decisões. Isto é o que se chama uma atitude responsável.
Esta decisão que tomei agora, de propor, em nome do Governo, a ratificação parlamentar do Tratado de Lisboa, funda-se também na ideia de que, em primeiro lugar, o País está completamente livre para decidir de uma forma ou de outra — referendo ou ratificação parlamentar. Compreendo e respeito todos aqueles que, ainda hoje, sendo a favor do Tratado de Lisboa, defendem uma ratificação por referendo, simplesmente não estou de acordo com eles. Respeito esse ponto de vista, porque estes não são os que dizem que estamos presos a um compromisso. Isso, sim, é falta de seriedade política! Em 2005, quando escrevemos o Programa do Governo, tínhamos um Tratado Constitucional assinado,…
O Sr. António Filipe (PCP): — Não tinham Tratado Constitucional!
O Sr. Primeiro-Ministro: — … estávamos em processo de ratificação e eu próprio, logo no discurso de posse do Governo, disse que teríamos o maior gosto em fazer esse referendo em simultâneo com as eleições locais. Mas, neste momento, as circunstâncias são diferentes e o Tratado é diferente. Portanto, o País está livre para escolher!
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Primeiro-Ministro: — E, pensando nas vantagens e nas desvantagens de uma solução e de outra, opto pela segunda, pelas razões que invoquei. Não apenas o Tratado é outro e estamos livres de compromissos como, se o ratificássemos por via referendária, tal daria um sinal de encorajamento a todos aqueles que estão a contestar a decisão de ratificação parlamentar noutros países europeus.
O Sr. Presidente: — Queira fazer o favor de concluir, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Concluo, Sr. Presidente, dizendo o seguinte: o que aconteceu nos últimos dias foi que o País tomou conhecimento de que o indicador de pobreza está a declinar, de 20% para 18%, de que as desigualdades do rendimento estão a declinar, de que a inflação, no ano de 2007, foi inferior em seis décimas à inflação do ano anterior e de que o rendimento real disponível das famílias subiu 1,6% entre 2005 e 2007, enquanto entre 2002 e 2004 subiu apenas 0,7%.
Estes, sim, são os números e esta é a realidade.
Nestes três anos, tivemos consolidação orçamental, tivemos a economia a crescer mais e tivemos o rendimento real disponível das famílias também a crescer mais do que nos três anos anteriores.
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Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, para rejeitar a convocação do referendo, o Sr. Primeiro-Ministro, no fundamental, tem usado três argumentos.
O primeiro argumento é o do amplo consenso. Diz o Sr. Primeiro-Ministro — ainda hoje o repetiu — que mais de 90% dos Deputados são a favor do Tratado. Presunção sua, mesmo que seja realidade. Mas uma coisa lhe digo: o Sr. Primeiro-Ministro devia antes olhar para os 100% (não 90%) dos Deputados, que foram eleitos para esta Câmara com o compromisso de referendar o Tratado europeu — 100%!
Aplausos do PCP.
O segundo argumento é o das consequências noutros países das opções de ratificação parlamentar. É como se o facto de haver um referendo em Portugal desse argumentos a que, noutros países, outros defendessem com mais força que também aí houvesse referendos. Que desgraça, Sr. Primeiro-Ministro!… Que desgraça dar a palavra ao povo em cada país!...
O que isto quer dizer é que, perante a incerteza nos resultados, o seu Governo e os governos europeus só admitem um resultado final: o de que o Tratado vigore independentemente da vontade dos povos!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Dos povos?!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Neste debate ficou bem claro que, para si, o Tratado é um dogma, só se pode ser a favor do Tratado.
Ainda agora, o Sr. Primeiro-Ministro disse que respeita aqueles que são a favor do Tratado e, também, a favor do referendo, mas já não respeita aqueles que são contra o Tratado, sendo a favor do referendo.
Ser contra o Tratado é uma opção legítima, como é legítima a opção de ser a favor do Tratado.
O terceiro argumento é o de que este é outro Tratado, que não é o mesmo da promessa eleitoral. Mas, nesta Câmara, no debate da revisão constitucional, o PS afirmou que o Tratado e as suas alterações seriam referendados. E, nessa altura, já tinha sido «chumbado», já estava em «pausa» o Tratado Constitucional.
O Sr. António Filipe (PCP): — Exactamente!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Caso contrário, para que teria servido essa alteração da Constituição? O que temos hoje é o Tratado Constitucional revestido de reformador. E está claro aos olhos de todos que o Governo não quer o referendo porque não quer debater o conteúdo do Tratado!
O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Termino já, Sr. Presidente.
A história deste referendo é a história de um golpe anunciado, tal como na história de Gabriel García Márquez, em que a vítima, só a vítima — neste caso, o povo português—, é que não sabia o que já estava decidido, não sabia que lhe tinha sido esbulhado o poder de decidir sobre a soberania do seu País.
Talvez o Sr. Primeiro-Ministro tenha pensado que o rompimento de mais esta promessa não ia dar muito nas vistas, porque era apenas mais uma, no meio de tantas outras a que já vamos estando habituados. Mas o rompimento de mais esta promessa não passa, e não deixaremos de o denunciar, mesmo que para isso tenhamos de dizer que este Primeiro-Ministro, se aos primeiros-ministros fossem atribuídos cognomes como aos reis, ainda se arrisca a ficar conhecido como José Sócrates, «o quebra promessas»!
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, penso que, na linha do Bloco de Esquerda, fez uma intervenção com um único objectivo: o ataque pessoal.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ataque pessoal?!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sim, pessoal! Chamou-me «o quebra promessas». Só que isso não é verdade.
Vozes do PCP: — Não?
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O Sr. Primeiro-Ministro: — É preciso uma grande falta de seriedade política para não reconhecer o que é uma evidência: este Tratado é diferente e são diferentes as circunstâncias políticas.
Sr. Deputado, o que eu disse foi que não tenho a mínima razão para duvidar que o apoio ao Tratado de Lisboa por parte de 90% dos Deputados — faça as contas — significa um apoio ao Tratado de Lisboa por parte do povo português. É assim que entendo a democracia parlamentar. Não é a sua forma de a entender, claro está, mas esta é a forma como eu a entendo.
Protestos do PCP e do BE.
Por outro lado, Sr. Deputado, ao fazer um referendo, estaria a dar argumentos a todos aqueles que, como é o seu caso, pretendem contestar e diminuir uma ratificação parlamentar, apresentando-a como uma ratificação menor relativamente à ratificação por referendo. Aliás, isso ficou bem visível quando o Sr. Deputado falou na vontade dos povos: para o Sr. Deputado, a vontade dos povos não se exprime nos parlamentos, exprime-se através de referendos. Estranha concepção de democracia representativa…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Eu não disse isso!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Contudo, nem o Sr. Deputado nem o PCP foram capazes de explicar aos portugueses por que é que, no caso do aborto, o PCP defendia que devia haver uma lei aprovada no Parlamento, apesar de ter havido um referendo anterior, e agora, no caso do Tratado de Lisboa, já entende que deve haver uma ratificação por referendo!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Já vamos explicar!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Essa explicação os Srs. Deputados ainda não deram! E sabem porquê? Porque todos conhecemos bem as posições do Partido Comunista.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — As suas é que não conhecemos!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Os senhores vêem os instrumentos da democracia como meros utensílios, que se utilizam quando dá jeito e não se utilizam quando não dá jeito!
Protestos do PCP.
É por isso que, hoje, o Sr. Deputado é favor do referendo, mas era contra quando se tratava da interrupção voluntária da gravidez.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Olha quem fala!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Essa é a explicação que o Partido Comunista deve ao povo português.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — «Morda a língua», Sr. Primeiro-Ministro!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Por que é que na altura queria o Parlamento e agora quer um referendo? É por amor ao referendo? Não! É por amor à conveniência partidária!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, face ao que V. Ex.ª tem vindo a referir neste debate, há que colocar-lhe, desde já, a seguinte questão concreta: quando o Governo do Partido Socialista se comprometeu, no seu programa eleitoral, e depois, no seu Programa de Governo, a realizar um referendo ao Tratado europeu, porventura, era para diminuir o Parlamento? Responda: era ou não era?
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exactamente!
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Ou seria porque o Sr. Primeiro-Ministro e o PS eram contra a Europa? É que se não eram, o Sr. Ministro não pode estar a usar os argumentos que, insistentemente, tem vindo a utilizar neste debate.
Vozes do PCP: — Muito bem!
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A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Por outro lado, estamos convencidos de que os portugueses estão profundamente fartos de falta de verdade. O Sr. Primeiro-Ministro, de uma vez por todas, tem de assumir as suas posições, falando verdade aos portugueses.
Se transpusermos a fronteira para o lado de lá, chegamos a Espanha e ouvimos argumentos radicalmente opostos por parte do Presidente do Governo espanhol, Zapatero. É, pois, preciso perceber quem está a falar verdade.
Sr. Primeiro-Ministro, Espanha não referenda o Tratado com o argumento de que já referendou o Tratado Constitucional, cujo resultado foi «sim», e de que este texto é substancialmente igual no seu conteúdo, contém as mesmas opções, não valendo a pena, por isso, repetir o referendo.
Já o Primeiro-Ministro português repete, incansavelmente, que este Tratado é radicalmente diferente e que, por isso, não vamos fazer o referendo.
Afinal, em que é que ficamos? Quantas versões temos deste Tratado?
Vozes do PCP: — Exactamente!
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Por outro lado, diz Zapatero que há um acordo, um objectivo declarado entre os governos dos Estados-membros para não realizar o referendo. Mas o Primeiro-Ministro português refere, insistentemente, que não houve acordo algum, que somos livres para tomar a nossa opção.
Sr. Primeiro-Ministro, é preciso saber se houve ou não acordo! É que, se houve acordo, temos de perceber se o Primeiro-Ministro português preferiu o acordo que fez com os seus congéneres europeus ou o acordo que tinha feito em Portugal, no seu compromisso eleitoral e no Programa do Governo.
Sr. Primeiro-Ministro, entre Espanha e Portugal, alguém está a mentir. Quem é que mente: Sócrates ou Zapatero?
Aplausos de Os Verdes e do PCP.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, penso que os portugueses entendem bem o que quero dizer.
O compromisso que assumimos no nosso programa eleitoral dizia respeito a um Tratado que estava assinado, o Tratado Constitucional, que tinha uma natureza constitucional e uma ambição de refundação política. Esse Tratado substituía todos os outros Tratados e tinha disposições que lhe davam uma natureza que levou muitos países europeus a optarem por fazer referendos. Nessa circunstância, fazia todo o sentido que Portugal acompanhasse esse movimento e fizesse um referendo.
Nós fizemos um novo acordo para um novo Tratado. Aliás, passa pela cabeça de alguém que, sendo o Tratado o mesmo, houvesse agora um acordo político que nos permitisse avançar? Com certeza que não faz sentido. É justamente por o Tratado ser diferente que há agora um acordo que permite à Europa avançar.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Ah! Então, Zapatero é mentiroso!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Portanto, Portugal está inteiramente livre de, sobre o novo Tratado e nestas circunstâncias, optar por um referendo ou pela ratificação parlamentar.
Compreendo e respeito os argumentos daqueles que, sendo a favor do Tratado, querem, naturalmente, defender um referendo, apesar de as circunstâncias se terem alterado, o que não compreendo é aqueles que não têm outra argumentação para defenderem o referendo que não seja dizer que há um compromisso.
O Sr. Fernando Rosas (BE): — Os compromissos não valem nada?!
O Sr. Primeiro-Ministro: — É esses que eu contesto, porque acho que essa afirmação não é verdadeira.
Acho que estamos livres para poder decidir em favor daquilo que é melhor para o País e daquilo que é melhor para a Europa.
E mal seria se o País que acabou de exercer a Presidência, que comandou e liderou as últimas negociações, não tivesse em conta as decisões dos outros países de não fazerem referendos. É que o meu objectivo não é transformar uma decisão baseada em referendo numa decisão menor; o meu objectivo é não dar argumentos àqueles que querem contestar a legitimidade dos parlamentos para ratificarem tratados internacionais.
O Sr. Fernando Rosas (BE): — Porquê?! Não têm direito?!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Isso é que eu não faço, e também não contribuirei para isso.
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O Sr. Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, peço-lhe que termine.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Finalmente, Sr.ª Deputada, não houve qualquer acordo entre os líderes europeus no sentido de se fazer «assim» ou «assado»; cada um decidiu como entendeu melhor.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Zapatero mentiu!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Aqui, esta nossa decisão é também uma decisão livre que, mais uma vez, se funda naquilo que é o interesse vital para Portugal, que é a defesa do Tratado de Lisboa e do aprofundamento do projecto europeu.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, a questão que tem sido aqui colocada, sobretudo pelas bancadas situadas à nossa esquerda, é se o Tratado de Lisboa é o mesmo que o Tratado Constitucional. À nossa esquerda dizem que é o mesmo.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Zapatero também!
O Sr. Alberto Martins (PS): — Mas ouçamos uma voz credível sobre esta matéria, que é o Eurodeputado Miguel Portas, que diz o seguinte: «Apelamos ao voto ‘não’. Este Tratado tem todos os defeitos do defunto Tratado Constitucional e nenhuma das suas putativas qualidades». Esta é a posição maioritária do Grupo da Esquerda Europeia. Logo, este Tratado é um tratado diferente do Tratado Constitucional.
Risos do PCP e do BE.
É ele que o diz! É ele que o diz! E os senhores não se lembraram disso, porque são, verdadeiramente — e isso já aqui foi dito —, contra a Europa.
Lembro-vos também um outro texto, este do encerramento do Congresso do PSR, que diz o seguinte: «Na Europa, a tentativa de imposição de uma constituição configura, entre outras questões, um supra-Estado autoritário», contra o qual os senhores são. Os senhores, efectivamente, são contra a União Europeia, contra a construção de uma nova realidade de natureza confederativa europeia e, basicamente, não são contra o referendo. A vossa moção de censura é, pois, um acto falhado! Os senhores são contra a Europa, contra a construção europeia! Há aqui um problema de legitimação, e a legitimação da construção europeia exige uma ratificação rápida e participada. Por isso, a questão que coloco ao Sr. Primeiro-Ministro é, naturalmente, nesse plano: que medidas, que propostas, que processos e que iniciativas tem o Governo para uma ratificação rápida e para um processo de participação legitimador da aceitação do Tratado de Lisboa pelos portugueses?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, amanhã mesmo o Governo aprovará a resolução do Conselho de Ministros que irá propor ao Parlamento a ratificação parlamentar do Tratado de Lisboa. E queremos andar depressa, como é nossa responsabilidade, mas isso não nos dispensará de proceder a um debate aquando da ratificação parlamentar. Essa é a nossa intenção e, enquanto Governo, contribuiremos para que esse debate se faça.
Mas, Sr. Deputado, é bem verdade que o Bloco de Esquerda diz que o Tratado de Lisboa é igual ou diferente do Tratado Constitucional conforme mais lhe convém.
O Sr. Fernando Rosas (BE): — Não!
O Sr. Primeiro-Ministro: — É, é, Sr. Deputado! E vou citar-lhe uma afirmação do Eurodeputado Miguel Portas que Sr. Deputado Alberto Martins teve a gentileza de não vos recordar. Eu não vou ter essa gentileza para convosco e, por isso, vou citá-lo a propósito do conteúdo do Tratado propriamente dito. Diz ele: «Para quem se situe numa perspectiva de refundação democrática e social do projecto europeu, o Tratado de Lisboa enterra qualquer ideia constituinte». Isto é dito pelo Eurodeputado Miguel Portas.
O Sr. Francisco Louçã (BE): — E muito bem!
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O Sr. Primeiro-Ministro: — O que ele diz é que este Tratado é completamente diferente do anterior — é aquilo que se intui —, pela simples razão de que o anterior Tratado tinha em si uma ideia constitucional.
Risos do BE.
E não é por acaso que, por exemplo, a disposição sobre o acquis communitaire muda, e muda completamente. Com o Tratado de Lisboa quem quiser ser sério reconhecerá que, durante o processo legislativo é, por exemplo, possível devolver competência aos Estados-membros, coisa que não era possível com o outro Tratado! A disposição sobre a prevalência da constituição comunitária sobre as constituições nacionais não existe! Essa é uma diferença de natureza e de ambição! Só mesmo quem não quiser discutir isto seriamente, para efeitos de vantagem política, é que diz que o Tratado é igual. Mas não é! E o primeiro a reconhecê-lo é o Eurodeputado Miguel Portas.
A seriedade política do Bloco de Esquerda vai ao ponto de o Deputado Francisco Louçã argumentar: «É a Constituição que nos obriga a fazer um referendo».
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Jorge Miranda!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Não! Desculpe, mas Jorge Miranda não diz isso!
O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — O que a Constituição nos diz é que, para efeitos de tratados que têm a ver com a Europa, podemos decidir por referendo. Nós não estamos obrigados a fazer um referendo, temos é essa possibilidade. Mas a falta de seriedade política é tal que tudo vale para atacar o Governo e tudo vale para defender o referendo, não com o intuito do debate sobre o Tratado de Lisboa mas, sim, com o intuito de combater o Tratado de Lisboa e com o objectivo de impedir que a Europa avance numa direcção que os Srs. Deputados do Bloco de Esquerda nunca desejaram e continuam hoje a não desejar.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Informo que, a partir de agora, o Sr. Primeiro-Ministro responderá a grupos de dois pedidos de esclarecimento.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.
A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, até agora, neste debate, tem-se baseado numa argumentação que parte de um equívoco, um equívoco sobre o que é a maturidade da democracia portuguesa, digo mesmo sobre a maturidade política dos cidadãos portugueses.
O Sr. Primeiro-Ministro pensa que pode dizer ao País que rasga um compromisso político assumido, «preto no branco», durante a campanha eleitoral, e escrito no Programa do Governo e que os portugueses se vão contentar com uma história mal contada.
Diz o Sr. Primeiro-Ministro que o Tratado de Lisboa não é o Tratado Constitucional. De duas, uma: ou o Sr.
Primeiro-Ministro aceita a argumentação de uma pessoa do seu partido, o Dr. António Vitorino, um homem que teve responsabilidades na construção do projecto europeu, e concorda que o Tratado de Lisboa é em 95% idêntico ao Tratado Constitucional, ou, então, o Sr. Primeiro-Ministro diz que o Tratado Constitucional não é igual ao Tratado de Lisboa. Mas já não era mesmo antes da Presidência Portuguesa! Mesmo durante o tempo da Presidência alemã! E aquilo que se pergunta é o seguinte: porque é que o Sr. Primeiro-Ministro não disse aos portugueses que a sua promessa eleitoral ficava sem efeito? Enganou os portugueses!.
Segunda ideia: o equívoco do Sr. Primeiro-Ministro é que acha que os portugueses estão dispostos a ser tratados com paternalismo. O Sr. Primeiro-Ministro diz aos portugueses que eles não podem decidir sobre o futuro da construção europeia, porque isso pode significar que outros cidadãos da Europa também possam decidir; isso é mau para a Europa e, portanto, é mau para o País.
O Sr. Primeiro-Ministro trata os portugueses como crianças, que não podem decidir sobre o seu futuro. O senhor é o seu tutor e, portanto, diz: «O interesse nacional, o interesse da Europa é o meu interesse».
Mas o debate fundamental sobre a maturidade política é o debate sobre os compromissos políticos assumidos pelo seu Governo. Em 21 de Março de 2005, quando o Sr. Primeiro-Ministro veio a este Parlamento apresentar o Programa do Governo, disse muito claramente:…
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, peço-lhe que termine.
A Sr.ª Ana Drago (BE): — Termino, Sr. Presidente.
Como eu estava a dizer, no dia 21 de Março de 2005, o Sr. Primeiro-Ministro disse aqui: «Com este
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Programa, os portugueses ficam a saber que não dizemos uma coisa antes das eleições e outra diferente quando chegarmos ao Governo». E disse mais: «Poucas coisas fizeram tão mal à democracia e à credibilidade dos políticos como a experiência dos últimos anos com a anterior maioria, em que se prometeu uma coisa em campanha e se começou a fazer exactamente o contrário quando se chegou ao Governo.» Fica apenas uma única dúvida deste debate, Sr. Primeiro-Ministro: quando é que deixou de acreditar que o compromisso político, que a palavra dada, é fundamental na prática governativa? É a isto que tem de responder hoje, no debate desta moção de censura.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP); — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, promessa de Sócrates, promessa não cumprida! É algo que os portugueses já sabem.
Hoje, neste Parlamento, quase que assistíamos a um momento histórico: V. Ex.ª quase que admitiu que se enganou por completo nas afirmações que ontem fez sobre o relatório do risco da pobreza. Admitiu aqui que, ao contrário do que disse, os dados se referem a 2005 — já é um primeiro passo. Agora, há um segundo passo a dar, que é admitir que, em 2005, não existia complemento social para idosos e que os aumentos de pensões de 2005 foram determinados em 2004 por um governo anterior ao seu. Vá lá, Sr. Primeiro-Ministro, admita que se enganou por completo! Aplausos do CDS-PP.
Não custa assim tanto, ainda para mais a quem está sempre a falar dos governos anteriores! Seria, de facto, um momento único se o admitisse.
Sr. Primeiro-Ministro, quero referir-lhe duas citações.
A primeira é a seguinte: «Não estou de acordo com a subida de impostos». Isto foi dito por José Sócrates, candidato a Primeiro-Ministro, a 3 de Fevereiro de 2005.
No mesmo ano, já Primeiro-Ministro, disse: «Os aumentos de impostos que fizemos no passado chegam, já bastam!».
Sr. Primeiro-Ministro, aquilo que lhe quero perguntar é se concorda com estas suas afirmações.
Risos do Deputado do CDS-PP Paulo Portas.
É que, se concorda, Sr. Primeiro-Ministro, porque é que nos últimos quatro orçamentos se aumentaram os impostos?
Aplausos do CDS-PP.
Sr. Primeiro-Ministro, considera que hoje existe justiça fiscal em Portugal? Sr. Primeiro-Ministro, o que acontece é muito simples: os senhores determinam objectivos muito difíceis de cumprir quanto à cobrança, a administração fiscal abusa e os tribunais entopem.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — É isto que é bem demonstrado num relatório sobre os tribunais fiscais. Sr.
Primeiro-Ministro, neste momento, segundo esse relatório, estão em conflito em tribunal 13 000 milhões de euros, mais do que o valor de dois aeroportos de Alcochete. De 2005 para 2006 houve um aumento de 20%! Ainda hoje, o Sr. Provedor de Justiça assumiu aqui, no Parlamento, que as queixas em relação às matérias fiscais aumentam e têm aumentado fundamentalmente nos dois últimos anos, pois passaram de 50% do trabalho da secção em causa para quase 60%. Em relação às execuções fiscais passámos de 8% de queixas para 21%.
Ó Sr. Primeiro-Ministro, vai manter esta política fiscal? Para quando é que, em Portugal, vamos ter verdadeira justiça em relação a esta matéria? É essencial saber-se.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, V. Ex.ª deve ser o único português que não sabe que este Governo teve de aumentar os impostos em função da situação orçamental que os senhores deixaram.
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Aplausos do PS.
Vozes do CDS-PP: — Oh!…
Risos do Deputado do CDS-PP Diogo Feio.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Ó Sr. Deputado, bem pode rir, mas esse é um riso nervoso, esse é um riso «amarelo», Sr. Deputado! Sabe, Sr. Deputado, há uma diferença: este Governo teve de aumentar os impostos, mas esse aumento correspondeu a um esforço que os portugueses fizeram, com benefícios, com vantagens e com resultados.
Nestes três anos, conseguimos resolver a crise orçamental.
A vergonha das vergonhas é que um Deputado se levante nesta Sala acusando o Governo de ter aumentado os impostos (e de, com isso, ter resolvido a crise orçamental), escondendo aquilo que foi o seu passado: um Deputado de um governo que aumentou os impostos e que, ao mesmo tempo que o fez, aumentou também o défice.
Isso é que é uma vergonha, Sr. Deputado! Nós aumentámos os impostos para resolver a crise orçamental, e temo-la resolvida! O governo do Sr. Deputado aumentou os impostos — e aumentou-os logo no início — para resolver a crise orçamental, e não só não a resolveu como a agravou!
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Responda por si!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Esta é que é a verdade sobre essas matérias.
Aplausos do PS.
Risos do Deputado do CDS-PP Diogo Feio.
Bem pode rir, Sr. Deputado! Depois, Sr. Deputado, é absolutamente lamentável que do seu partido só venham ataques àqueles que, na sociedade portuguesa e no Estado, dão o seu melhor para fazer cumprir a lei, para combater a fraude e a evasão fiscais. Agora até atacam a ASAE, porque a ASAE dá o seu melhor para defender o consumidor e para combater a economia clandestina! Sr. Deputado, esse é um discurso populista e irresponsável.
A Sr.ª Deputada Ana Drago não resiste àquilo que é uma linha política do Bloco de Esquerda, que tem história, que é a linha da superioridade moral.
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Já cá faltava essa!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Tal como a Sr.ª Deputada Ana Drago, também o Sr. Deputado Francisco Louçã não resiste a isso, pois não faz qualquer intervenção política em que não dê lições de moral aos outros.
Sr.ª Deputada, quem está a argumentar com base no equívoco é o Bloco de Esquerda. O Bloco de Esquerda não apresentou aqui uma justificação para defender o referendo. Só disse: «é um compromisso eleitoral». Eu contesto isso.
O Sr. Fernando Rosas (BE): — E não é?
O Sr. Primeiro-Ministro: — Não, não é verdade, e é falta de seriedade política insistir nisso. E está bem claro que o nosso compromisso era com o Tratado Constitucional. Esse Tratado foi feito em determinadas circunstâncias e o povo português percebe muito bem que não só Portugal não deve agravar os riscos da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, como também não deve dar argumentos àqueles que, como o Bloco de Esquerda e outros, até da extrema-direita, andam em toda a Europa a contestar — um escândalo! — aquilo que é uma ratificação parlamentar de um Tratado.
Disse a Sr.ª Deputada: «Só há 10% de diferenças entre o Tratado Constitucional e o Tratado de Lisboa».
Sr.ª Deputada, até podemos concordar que há 10% ou 15% de diferenças entre os Tratados, mas isso só confirma o meu argumento: é que se só há 10% de diferenças, ou 15%, ou 20%, isso significa que o Tratado é diferente.
E é diferente não apenas nas diferenças, é diferente na sua natureza e na sua ambição. Só uma grande cegueira política,…
A Sr.ª Ana Drago (BE): — A sua!
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O Sr. Primeiro-Ministro: — … só uma grande hipocrisia política é que faz o Bloco de Esquerda defender o referendo com base num único argumento: o do compromisso. Não, Sr.ª Deputada, por mais que o digam, isso não é verdade! Isso é apenas um argumento oportunista de quem quer fazer política com base em julgamentos morais, de quem quer atacar os outros com base naquilo que é um exercício de falta de seriedade política.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a partir de agora o Sr. Primeiro-Ministro responderá a grupos de três pedidos de esclarecimento.
Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Eduardo Martins.
O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, o Tratado de Lisboa é importante para a governação da Europa e, por consequência, é também importante para Portugal. Mas aquilo que, seguramente, os portugueses mais esperam do projecto europeu e aquilo que sempre lhes foi prometido foi uma vida parecida com a dos outros europeus, foi uma vida mais rica, uma vida de convergência com a riqueza que têm os outros países da Europa.
Ora, fundamental para alavancar o investimento essencial para criar riqueza — e enquanto que o investimento, nos últimos três anos, cresceu 6% na Europa, em Portugal baixou 24% — é a aplicação dos fundos estruturais.
Ora, no debate do Orçamento do Estado, perguntámos ao Sr. Primeiro-Ministro pelo ponto de situação do começo da execução dos fundos estruturais e o Sr. Primeiro-Ministro, como só queria falar do seu défice de 3% — que nunca seria de 3% se tivesse executado fundos estruturais; de resto, se quiser continuar a aumentar o IVA, pode ficar com um orçamento igual ao da Suécia, os portugueses no supermercado é que se vão sentir cada vez menos suecos…
Aplausos do PSD.
O Sr. Primeiro-Ministro, na altura, respondeu a «alhos» com «bugalhos». Não lhe interessava, e disse: «Dizerem-me isto a mim, que consegui para Portugal 22 000 milhões de euros…».
Pois, Sr. Primeiro-Ministro, está na altura de despertar o seu Governo para estes 22 000 milhões de euros começarem a ser gastos, sob pena de acharmos que isto é tudo para o foguetório eleitoral de 2009.
Nem de propósito, hoje esteve na Comissão de Assuntos Económicos o gestor do Programa Operacional dos Factores de Competitividade. E o que disse ele? Que não há ainda regulamento geral do FEDER publicado, que não tem a certeza de quando é que vai começar a pedir reembolsos, porque, obviamente, não tem relatório da Inspecção-Geral de Finanças para apresentar a Bruxelas, porque não tem secretariado técnico constituído e também não sabe quando vai ter.
Sr. Primeiro-Ministro, a pergunta muito concreta que lhe faço é a seguinte: quando é que os Srs. Ministros despertam para a necessidade de, uma vez por todas, executarmos os fundos estruturais? A propósito dos secretariados técnicos dos programas operacionais, há outra pergunta muito concreta que urge fazer neste momento, sob pena de o PRACE ser uma autêntica falácia e mais uma das muitas promessas — e hoje é dia de o confrontar com elas — que para nada serviu.
Será que os secretariados técnicos dos programas operacionais vão contratar pessoas, Sr. PrimeiroMinistro, Sr. Ministro do Estado e das Finanças, fora do quadro da mobilidade? Fora do PRACE? Fora do regime de vencimentos da Administração Pública? É que se se confirmar isso como verdade então todo o PRACE foi uma falácia e este meio funcionário abatido por cada serviço, que encontrou novo rumo na Administração Pública, terá de obrigá-lo, de uma vez por todas, à revisão de mais esta inverdade do seu programa eleitoral.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, promessa de Sócrates, promessa não cumprida! E, deixe-me que lhe diga, fica-lhe tão mal não reconhecer o erro que fez ontem!
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Fica-lhe tão mal não reconhecer as verdades, Sr. Primeiro-Ministro! Não custa nada reconhecer que, em 2005, não havia complemento solidário para idosos, nem que estão pendentes nos tribunais fiscais 13 000 milhões de euros de impugnações, metade das quais vão ser julgadas em desfavor do Estado. Reconheça isso, Sr. Primeiro-Ministro.
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Aplausos do CDS-PP.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Reconheça também que uma das muitas promessas que não cumpriu tem a ver com a saúde. E vejo-me obrigada a chamar-lhe a atenção, Sr. Primeiro-Ministro, para que desde o dia 2 de Novembro que estamos à espera que o Sr. Ministro da Saúde venha ao Parlamento — que é a sede própria para o fiscalizar, e não uma qualquer universidade estrangeira — dar explicações sobre os tempos de espera para primeira consulta de especialidade.
Os portugueses esperam oito meses, um ano, um ano e meio por consulta de especialidade. Como é que o Sr. Primeiro-Ministro dá o aval, como é que o Sr. Primeiro-Ministro autoriza que a reforma da saúde esteja a ser feita de uma forma tão penalizadora e tão injusta para as populações? Como é que o Sr. Primeiro-Ministro autoriza que a reforma esteja a ser feita a duas velocidades? Uma velocidade turbo para os encerramentos e uma velocidade de caracol para as aberturas, Sr. Primeiro-Ministro?
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Todos os dias encerram serviços de urgência e de atendimento permanente, mas das 42 urgências básicas prometidas só 10 estão a funcionar e dos 26 centros de saúde com urgência, que deveriam estar a funcionar como urgências, só um está a funcionar.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Como é que o Sr. Primeiro-Ministro autoriza que as populações, sobretudo as mais idosas, sobretudo as mais isoladas, estejam a sofrer este abandono e esta sensação de desamparo?
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Primeiro-Ministro, sabe porquê? Porque os senhores querem poupar nos tostões, e não querem poupar de uma forma razoável; os senhores querem poupar à custa da segurança dos cidadãos e não como deveriam.
Os senhores têm um acordo, designado «Compromisso com a Saúde», assinado há quase dois anos, que no artigo 15.º diz o seguinte: «Será iniciada a dispensa de medicamentos em unidose no ambulatório, em termos a regulamentar».
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, queira terminar.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Termino já, Sr. Presidente.
Para quando a unidose que permita ao Estado e aos cidadãos pouparem? É que, dessa forma, só se prescrevem as pastilhas e os medicamentos que são necessários para a cura. E assim poupa o cidadão, porque só paga o necessário, e poupa o Estado, porque só contribui para os medicamentos que são necessários.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Abel Baptista.
O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, no último ano, o Ministério da Agricultura foi muito positivo nas suas promessas e, tal como acontece com V. Ex.ª — promessa de Sócrates, promessa não cumprida —, não foram pagas as medidas agro-ambientais aos agricultores, não foram pagas as candidaturas das indemnizações compensatórias e não foi paga a totalidade aos produtores de leite.
Aplausos do CDS-PP.
Sr. Primeiro-Ministro, para quando este pagamento? É para acreditar, desta vez, na promessa do Sr.
Ministro da Agricultura de que será feito até ao final do mês de Fevereiro? Sr. Primeiro-Ministro, gostaria ainda de colocar-lhe outra questão relativamente à agricultura.
As candidaturas às medidas agro-ambientais, que o Governo abriu no passado dia 28 de Setembro, foram uma grande confusão. Sem normas técnicas e sem explicações aos agricultores, estes estão prejudicados nessas candidaturas. Admite ou não o Governo recuar e permitir que estes agricultores possam melhorar as suas candidaturas ou delas desistirem sem que haja qualquer penalização? Sr. Primeiro-Ministro, são estas as perguntas que lhe deixo. E, já agora, não se esqueça de responder
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também às que já colocámos anteriormente.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, dispondo de 3 minutos.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Eduardo Martins, é verdade que este Governo aumentou o IVA e diminuiu o défice, mas houve quem aumentasse o IVA e aumentasse o défice. E isso faz toda a diferença.
O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — Outra vez?
O Sr. Primeiro-Ministro: — Essa é que é a verdade! O que os portugueses esperavam em 2002, quando houve essa decisão, contrária àquilo que foi a promessa eleitoral. E recordo que essa promessa eleitoral não era igual ao compromisso do Partido Socialista, que não se comprometeu a baixar impostos; essa promessa era no sentido de baixar impostos e de se aplicar um choque fiscal.
O que agora foi feito foi aumentar o IVA, mas aumentar o IVA para obter resultados:…
Vozes do PSD: — Para aumentar impostos!
O Sr. Primeiro-Ministro: — … para baixar o défice e para consolidar as contas públicas. Este aumento do IVA produziu um resultado que beneficia todos os portugueses e torna o nosso futuro e o nosso país melhores.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Quanto é que vai devolver?
O Sr. Primeiro-Ministro: — No que diz respeito aos fundos estruturais, uma coisa posso garantir a todos: Portugal foi dos primeiros países a abrir as candidaturas para o Quadro de Referência Estratégico Nacional, tendo definido com clareza quais as orientações para a sua orgânica e para as suas decisões. Um Quadro de Referência Estratégico Nacional que se orienta pela selectividade e pela exigência, mas também uma organização para fundos comunitários que é muito menor em dimensão, na sua estrutura, que aquela que existia: menos funcionários e gente mais qualificada e uma diminuição dos procedimentos que faz aligeirar o processo de aprovação de candidaturas.
O CDS-PP decidiu utilizar um slogan: «promessa não cumprida».
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Não é um slogan, é uma realidade!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Recuso isso! Não é verdade! E, mais uma vez, é falta de seriedade política invocar-se um compromisso eleitoral em 2005 como se não tivesse mudado o objecto, a natureza e as circunstâncias. Não é legítimo, e se não fosse legitimo o CDS não tinha feito, ele próprio, seminários para decidir «vamos fazer ou não vamos fazer.» Hesitou. E porquê? Porque reconheceu que o Tratado não é o mesmo e que as circunstâncias políticas também não são as mesmas. Trata-se, apenas, de ataques pessoais e políticos sem as mínimas justificações.
Protestos do Deputado do CDS-PP Paulo Portas.
Sr. Deputado Paulo Portas, oiça com atenção, como eu o oiço, e nem sempre com prazer.
O que os Srs. Deputados fazem é tentar esconder aquilo que são resultados. Resultados na pobreza, que diminui; resultados nas desigualdades sociais, que diminuem, enquanto que, no vosso tempo, aumentavam! Essa é que é a diferença entre os últimos três anos e os três anos anteriores.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Já conhecemos a ladainha!
O Sr. Primeiro-Ministro: — E nada do que os senhores dizem vai contraditar aquilo que são resultados muito claros.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — E a unidose?
O Sr. Primeiro-Ministro: — Relativamente à matéria da saúde, como é que a Sr.ª Deputada fala nesse assunto esquecendo aquele que é o indicador mais importante? O que aconteceu nestes dois anos, Sr.ª Deputada, foi o seguinte: reduzimos a espera de oito meses para quatro meses e meio. Esta é que é a verdade, o que quer dizer que o nosso sistema de saúde está mais eficiente, serve melhor as pessoas e faz mais cirurgias.
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O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — E a unidose?
O Sr. Primeiro-Ministro: — Quanto à unidose, Sr. Deputado, é muito simples: a unidose entrará em vigor no momento em que houver vendas públicas na farmácias dos hospitais, que foram objecto de concurso e que vão abrir.
Ao contrário dos senhores, fizemos uma profunda remodelação no que diz respeito à nossa arquitectura legal nas farmácias. Hoje temos farmácias em que já não é obrigatória a propriedade pertencer apenas a farmacêuticos, hoje temos vendas de medicamentos fora das farmácias e vamos ter farmácias nos hospitais, ao contrário daquilo que aconteceu nos três anos do governo a que a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro pertenceu.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, passamos à fase das intervenções dos grupos parlamentares.
Pelo Bloco de Esquerda, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.
O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Entende esta bancada que o Governo e os Deputados do seu partido, mesmo aliados aos do PSD, não têm legitimidade material, isto é, legitimidade moral — aquela que é eticamente mais vinculativa — para negar às cidadãs e aos cidadãos portugueses o direito de se pronunciarem, através do voto, sobre o último Tratado europeu, assinado em Lisboa no passado mês de Dezembro.
Não têm tal legitimidade, em primeiro lugar, porque, ao fazê-lo, estão a faltar àquilo que este debate demonstrou que não tem importância nenhuma para o Sr. Primeiro-Ministro. Porque estão a faltar à palavra dada, porque estão a violar o compromisso formal que assumiram com os seus eleitores de realizar o referendo. Compromisso plasmado no programa eleitoral do PS, liderado pelo Eng.º José Sócrates, e com base no qual se fez designar Primeiro-Ministro. Compromisso reafirmado solenemente no Programa do Governo com que se apresentou a esta Câmara e, depois disso, em múltiplos actos públicos e de forma inequívoca até à espantosa reviravolta da semana passada.
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Muito bem!
O Sr. Fernando Rosas (BE): — Compromisso que foi também o do programa eleitoral do PSD do Dr.
Santana Lopes em 2005 — o mesmo que agora, na chefia da bancada desse mesmíssimo partido, se prepara, sem excessivos estados de alma, para dar o dito por não dito.
Bem sei que para os dignitários do novo rotativismo não cumprir, mesmo descaradamente, os compromissos eleitorais é uma banalidade, que alguns comentadores encartados elogiam até, veja-se o caso vertente, como acto de «realismo» político, quando não como gesto de defesa da Pátria, como disse aqui o nosso Sr. Primeiro-Ministro. Mas, para quem entenda que uma eleição é a assumpção de um mandato popular e não uma caça ao voto sem escrúpulos, aquilo que o Governo do PS e o PSD se preparam para fazer, recusando a consulta popular a que se tinham comprometido, é uma violação grosseira da própria essência da representação parlamentar. Uma vergonha ilegítima e degradante para a instituição parlamentar.
Mas há outra razão que torna intolerável a recusa do referendo prometido. É que, desde a adesão ao Tratado de Roma em 1985 até ao mais recente Tratado, subscrito em 2007, ao longo de 22 anos de processo de integração europeia por parte de Portugal, onde aconteceram Maastricht, Nice, Amesterdão, nunca ao povo português foi reconhecido, por parte dos sucessivos governos do PS e do PSD, o direito de se pronunciar, através do voto, acerca do que pensa sobre os caminhos da construção europeia. Não por dedução arbitrária e demagógica de algum intérprete autêntico dos votos nas eleições legislativas, mas pelo voto específico e directo sobre o conteúdo dos tratados. Não brinquemos com as palavras, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!
O Sr. Fernando Rosas (BE): — Os portugueses nunca votaram nenhum dos tratados europeus e nunca o fizeram porque, ontem como hoje, os senhores os impediram de fazer!
Aplausos do BE.
Se agora se insistir nessa verdadeira expropriação da possibilidade de os cidadãos decidirem, e atendendo a que, após a ratificação deste Tratado, não é previsível, nos anos mais próximos, que volte a abrir-se outra oportunidade de debate e de escolha similar, teremos que todo este longo ciclo de construção das instituições e das políticas da União — de consequências, todos o reconhecemos, transcendentais para o nosso país — passou à margem de qualquer tipo de consulta democrática do povo português que a tivesse como objecto específico. Fingir que isto não está a acontecer, Sr. Primeiro-Ministro, é que é brincar com a dignidade dos
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portugueses e com os seus direitos.
Vozes do BE: — Muito bem!
O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo do PS, visivelmente em crise de argumentário para justificar a sua proibição do referendo, veio a esta Assembleia, através do PrimeiroMinistro, tentar explicar — e disse-o sem corar — que, afinal, o compromisso de o realizar só valia para o Tratado Constitucional e que o Tratado de Lisboa seria outra coisa de natureza diferente.
Haveria, desde logo, que perguntar ao Eng.º Sócrates, se assim fosse, por que é que ele não comunicou aos portugueses logo em Julho do ano passado, quando ficou claro o sentido a imprimir ao novo Tratado, que o referendo, afinal, se deixava de justificar.
Por que é que, depois disso, em entrevistas televisivas e declarações públicas, voltou a reafirmar o compromisso de realizar o referendo? Estava, então, a enganar os portugueses ou está a enganá-los agora?
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!
O Sr. Fernando Rosas (BE): — A desculpa é lamentavelmente de uma total indigência e, ela sim, é tão pouco séria que tem sido atacada mesmo pelo geral dos opositores do referendo. Na realidade, o chamado Tratado de Lisboa consagra um truque formal: recupera e actualiza o essencial do articulado do Tratado Constitucional, emendando os textos dos tratados anteriores (de Roma e de Maastricht, sobretudo) que recebem novas designações. Ou seja, salva o Tratado Constitucional, distribuindo o seu normativo por emendas aos tratados anteriores e restringindo a sua carga simbólica. Mas tudo o que nele era essencial no plano jurídico e institucional, nos processos de decisão, no plano económico e financeiro, nos direitos sociais, na política externa e de defesa se mantém, por vezes com pequenos ajustamentos, outras vezes com soluções, a nosso ver até mais gravosas.
Acaso se abandonou o princípio do primado do direito comunitário sobre o dos Estados-membros, apesar de ele não ter sido explicitamente inscrito no Tratado rectificativo de Lisboa? Uma declaração anexa ao Tratado reafirma tal primazia como jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia.
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Claro!
O Sr. Fernando Rosas (BE): — E pergunto: sobre esta situação, obviamente restritiva da soberania do País, o País não tem de ser ouvido? Acaso desaparece do Tratado de Lisboa a possibilidade de se constituir de facto, na União Europeia, um directório de três ou quatro potências principais que, mercê do critério da «dupla maioria» e do sistema das «minorias de bloqueio», passam a controlar as maiorias qualificadas (método de decisão que se tornará ordinário em Conselho) e a monopolizar as possibilidades de veto ao que não lhes interessa? Não desaparece.
Acaso se reviu a consagração pelo Tribunal Constitucional de uma Europa a várias velocidades através das chamadas «cooperações reforçadas»? Uma Europa onde os mais fortes podem determinar as áreas e os ritmos de imposição da sua hegemonia? Não se reviu.
Acaso a chamada Carta dos Direitos Fundamentais (objecto de uma declaração exterior ao texto do Tratado) deixou de ser um compromisso praticamente inócuo feito pelo menor denominador comum em termos de direitos sociais e políticos, que, aliás, convida à sua regressão, e de cujo cumprimento está excluída a Grã-Bretanha? Nada mudou.
Acaso se recuou na mercantilização dos serviços públicos? Acaso a flexissegurança deixou de ser uma espécie de constituição social subliminar desta União Europeia dos Governos? Não deixou.
Acaso se alterou o comando central das finanças públicas e da moeda dos Estados-membros — e, portanto, das suas políticas económicas e orçamentais — pelo Banco Central Europeu, à luz dos critérios do Pacto de Estabilidade e Crescimento e de estratégias neoliberais de acumulação e de crescimento? Nada se alterou.
Acaso passou a haver Europa também para a saúde, para o emprego, para a formação profissional, para a segurança social? Não aconteceu.
Acaso se alterou a política de incentivo ao intervencionismo militar e de armamento decidida no Tratado Constitucional, em que a Europa se tende a constituir num poder militar apendicular da NATO e da estratégia imperial dos Estados Unidos? Tudo se manteve.
Independentemente do artifício formal adoptado, são estes os conteúdos estruturantes da União Europeia do futuro que estão em causa. E é sobre eles, Sr. Primeiro-Ministro, que é preciso saber se as portuguesas e os portugueses têm ou não o direito de se pronunciar, neste caso concreto, pela única forma decisória ao seu alcance: o referendo.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!
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O Sr. Fernando Rosas (BE): — Invoca, ainda, o Primeiro-Ministro o efeito de carambola de um referendo em Portugal sobre a convocatória de outros cujos resultados podiam implicar o impasse político da União.
Mas, então, Sr. Primeiro-Ministro, pergunto: a lição que os Governos europeus tiraram dos chumbos francês e holandês foi a de inventar um expediente para eliminar a consulta popular? A resposta dos Governos dos 27 ao risco de perder as votações referendárias é impedir os cidadãos de votar? Que União Europeia é esta cujo acto refundacional assenta num pacto objectivo dos Governos para afastar os cidadãos de se pronunciarem sobre o seu destino? Também se argumentou das bandas do Governo que o referendo seria dispensável, porque de antemão se sabia como os portugueses apreciam a Europa. Ou que, o que só aparentemente é contraditório, precisamente por não saberem nada do que estava em causa, é que não se devia permitir o referendo. No primeiro caso (o de todos saberem que eles queriam a Europa), sempre haveria que apurar por que é que, então, se começou por anunciar o referendo. Sendo que os dois argumentos pressupõem a existência de uma espécie de ente comunitário dotado do espantoso poder, não se sabe conferido por quem, de decidir quando os povos merecem ou não ser por ele consultados. Uma espécie de regresso à Europa do papado… Srs. Governantes, Sr.as e Srs. Deputados do PS: Bem sei que vos apresentais a este debate «grávidos» do poder do Estado de que dispondes. Pois, usai-o.
Bem sei que tendes, ainda por cima aliados ao PSD, uma larga maioria de lugares nesta Câmara. Usai-a.
Bem sei que possuis insondáveis faculdades de inspirar quase tudo o que se há-de dizer e escrever nos media sobre este assunto.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É verdade!
O Sr. Fernando Rosas (BE): — Usai o vosso poder.
Será a razão da vossa força contra a força da nossa razão.
Vozes do BE: — Muito bem!
O Sr. Fernando Rosas (BE): — Em nome dela, cabe-nos propor a esta Assembleia da República que cumpra o seu dever, votando a censura ao Governo e garantindo ao povo português o direito a ter voz sobre o futuro da Europa.
Aplausos do BE.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Convocados que fomos para discutir e votar uma moção de censura ao Governo, centrada no facto da fuga e do rasgar de um compromisso do PS e do Governo assumido perante o povo português, importa sublinhar que esse enfoque não esbate uma consideração crítica e de censura a outras promessas não cumpridas que, em tempos de campanha eleitoral e em declarações programáticas, tanto jeito deram para conseguir votos!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Promessas e compromissos que agora o Governo afirma terem sido só objectivos não concretizados pela força das circunstâncias.
Não! Não foram as circunstâncias! Foram as opções políticas conscientemente assumidas.
Nos impostos, na repartição da riqueza, em relação ao desemprego, às injustiças e às desigualdades sociais e no Código do Trabalho e dos direitos dos trabalhadores, o Governo não se limita a baixar as bandeiras eleitorais; age e governa, optando por se colocar do lado dos poderosos e dos privilegiados, em desfavor da maioria dos portugueses e, arrisco em dizer, da maioria dos que lhe deram o voto!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Mas do que estamos hoje a tratar é da negação da realização do referendo sobre o Tratado baptizado de Lisboa, clonado do derrotado Tratado Constitucional.
Com uma argumentação insustentável, afirmou o Sr. Primeiro-Ministro que a recusa ao referendo se deve ao facto de que antes seria o Tratado Constitucional e agora é o Tratado de Lisboa, fugindo à comparação da matriz e dos conteúdos das duas criaturas.
Mas, se tinha tal entendimento, por que manteve o tabu até à última?
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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Num rasgo de sinceridade, lá deixou escapar que não quis comprometer o acordo assumido entre os dirigentes da União Europeia, à revelia dos povos dos países europeus, que era mais seguro despachar a coisa pela via da ratificação parlamentar! Mas, então, tantas loas e benzeduras ao Tratado e porquê tanto receio da consulta aos povos de cada país? O que faz correr os dirigentes da União Europeia? O que fez mudar o Primeiro-Ministro, José Sócrates? O receio está no conhecimento dos seus conteúdos! No conhecimento de que União Europeia está a ser construída e a quem serve.
Mas, em relação ao método, com aquela crispação que lhe é típica e querendo fugir às suas responsabilidades, critica, designadamente o PCP, porque é a favor do referendo sobre o Tratado e foi contra o referendo sobre a IVG.
Não se limpa, Sr. Primeiro-Ministro! Primeiro, não temos a concepção de que quem é a favor de um referendo tem de ser a favor de todos os referendos!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Segundo, no nosso compromisso eleitoral, defendemos o referendo sobre o Tratado e considerámos que a Assembleia da República tinha condições para aprovar uma lei sobre a IVG sem referendo. Nós não enganámos ninguém, os senhores é que enganaram!
Aplausos do PCP.
Terceiro, o Tratado implica questões de soberania nacional, soberania que a Constituição consagra como una e indivisível residente no povo português. A despenalização da IVG era uma grande causa social.
Quarto, foi o PS que, no seu programa eleitoral e no Programa do Governo, garantiu o referendo sobre a IVG e sobre o Tratado.
Avançou com um, renegou o outro. Isto, apesar de ter promovido uma revisão constitucional para permitir o referendo sobre qualquer tratado europeu.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Com a arrogância de quem não tem razão lá remata que é um europeísta e nós somos contra a Europa.
Um dia, Sr. Primeiro-Ministro, haveremos de discutir a diferença entre ser-se europeu e português e ser-se português e europeu, particularmente um Primeiro-Ministro que foi eleito pelos portugueses e não pelos europeus.
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Mas a frase lapidar e propagandística impõe ir ao conteúdo do Tratado entendido como peça e não como fim de um processo de construção de uma União Europeia onde quem decide são os mais poderosos, como uma matriz e orientações neoliberais, federalistas e militaristas.
E, antes disso, sobre a Europa nós defendemos os princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre Estados, da solução pacífica de conflitos internacionais de não ingerência nos assuntos interno de outros Estados, da cooperação com todos os povos para a emancipação e o progresso da humanidade. Somos contra esta construção desta União Europeia, da flexissegurança, do mercado transformado em «bezerro de ouro». Somos por outra, da que fala a Constituição da República.
Salvo uma intervenção anterior, a questão do método não é, de facto, uma questão pequena, mas quem nos estiver a ouvir conclui que uns querem o referendo, outros não querem, sem saber do que estamos a tratar. De repente, o Tratado é transformado «na coisa»! Com este Tratado, perdemos soberania. Desde logo porque a nova arquitectura do poder na União, a nova distribuição do poder no processo de decisão é realizado em detrimento dos países como Portugal.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — É uma evidência que Portugal perde força e capacidade de defender os seus interesses, enquanto outros reforçam as suas posições e poder de decisão nas instituições supranacionais da União Europeia. Aliás, podemos verificar que quase todos — excepto Portugal, obviamente! — «puxaram a brasa à sua sardinha».
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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Portugal perde em todos os níveis nas instituições: perde Deputados no Parlamento, perde influência no Conselho e na Comissão, perde um comissário permanente, perde peso no sistema de votação.
Os Estados-membros, como Portugal, ficarão numa posição mais frágil, enquanto os seis «grandes», designadamente a Alemanha, a França e o Reino Unido à cabeça, reforçam o seu poder. Reforço que se traduzirá na concretização de um directório que, em grande medida, determinará a condução das políticas europeias.
Há quem queira convencer os portugueses que nem a mais pequena parcela de soberania é posta em causa com o novo Tratado. Mas não há nenhum habilidoso encartado nem rebuscados argumentos que possam iludir a simples evidência de que, mesmo que não houvesse no novo Tratado, como há, novas perdas de soberania, nomeadamente com o alargamento substancial das matérias a decidir por maioria qualificada ou com as novas transferências para a esfera da competência exclusiva ou partilhada da União Europeia, países como Portugal decidem menos e pesam menos na definição de matérias que são nucleares no exercício do direito de soberania e que foram alienadas em momentos anteriores.
Querem passar por cima do facto de os Estados-membros terem perdido soberania em áreas que são hoje competência exclusiva da União Europeia, como é o caso da política monetária; da política comercial comum, na definição das regras de concorrência, da união aduaneira e de inúmeras competências agora chamadas «partilhadas», que condicionam fortemente a soberania nacional; da política económica e da definição da política para diversos sectores como a agricultura e pescas e os transportes; da política social e da justiça, entre outras, no exercício das quais os Estados-membros como o nosso país estão ainda mais secundarizados com o Tratado de Lisboa.
Mas, com o novo Tratado, os países como Portugal não perdem apenas capacidade de decisão e peso nas áreas nucleares de soberania anteriormente transferidas. Perdem novas. Não se trata apenas de matérias institucionais de relevo, como a eleição do Presidente do Conselho Europeu, que estão sob o voto da maioria qualificada no Conselho, são novas cedências de soberania nos mais diversos domínios e em relação aos quais se perde o direito de veto. Domínios como os do controlo das fronteiras, da política de asilo, de imigração, da cooperação judicial, na regulação da EUROJUST e da EUROPOL, no estabelecimento de novos poderes de regulação nos transportes, na área dos direitos de propriedade intelectual, na energia e entre muitos outros como os da negociação e conclusão de acordos com países terceiros ou organizações internacionais no campo da política comercial.
Competências que se transferem também para o domínio exclusivo da União, como é o caso da conservação dos recursos biológicos do mar, com o impacto que inevitavelmente tem num país como Portugal, que possui a maior zona económica exclusiva da União.
Era tempo de o povo português ter a palavra perante a vastidão de competências alienadas da sua soberania, passadas e presentes, no novo Tratado.
Não pense, Sr. Primeiro-Ministro, que, sobre esta matéria, vai passar «como cão por vinha vindimada».
Nós vamos agendar, gastando os poucos agendamentos potestativos de que dispomos, a discussão do referendo nesta Assembleia da República para confrontar os Deputados com as suas promessas anteriores e com a sua negação nos tempos que correm. Em nome da soberania nacional, em nome de Portugal.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Sr.
Primeiro-Ministro não respondeu directamente a muitas questões que lhe foram colocadas sobre o processo de ratificação do Tratado. Isso é, de alguma forma, compreensível porque, Sr. Primeiro-Ministro, não se pode explicar com seriedade o que é inexplicável. Não é de todo fácil dar o dito por não dito! Em relação à ratificação do Tratado, Os Verdes entendem que o Governo português deu uma «cambalhota» de todo o tamanho, porque outros líderes de países da União Europeia o impuseram. E ponto final! Esta é a conclusão que se pode retirar deste debate e de outros que o antecederam.
Os Verdes consideram que o Sr. Primeiro-Ministro, face aos argumentos que apresenta, tem vergonha de dizer quem é que verdadeiramente anda a servir — e não são, seguramente, os portugueses. É isso, Sr.
Primeiro-Ministro, que muito desprestigia a intervenção política, e este Governo bem tem contribuído para isso.
Já foram enunciados aqui alguns exemplos por outras bancadas, mas nunca é demais recordar.
Dizia, inicialmente, o Governo que não aumentava os impostos. Quando o PSD e o CDS, na altura, aumentaram — e mal! — o IVA para 19%, dizia então, na altura, o PS que era um problema em relação à nossa economia, que iria criar estagnação na nossa economia, e por aí fora… O que fez o Governo do PS assim que chegou ao Governo? Aumentou os impostos, designadamente o IVA, que subiu para 21%.
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Relativamente ao sistema de avaliação e desempenho da função pública, dizia, na altura, o PS que as quotas propostas pelo PSD e pelo CDS eram de uma brutal injustiça, altamente discriminatórias. O que fez o Governo do PS assim que chegou ao Governo? Aplicou exactamente o mesmo sistema de avaliação e desempenho na função pública, com as ditas quotas, «altamente discriminatórias».
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exactamente!
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Dizia o Governo do PS que iria criar 150 000 postos de trabalho.
O que os portugueses estão a sentir é cada vez mais o desemprego a chegar-lhes a casa e cada vez mais desempregados neste país.
Sobre o referendo — a matéria mais relevante que nos traz aqui hoje devido à proposta do Bloco de Esquerda —, o Sr. Primeiro-Ministro repetiu inúmeras vezes que não gosta do argumento de que há um compromisso eleitoral. Pois claro que não gosta! O Sr. Primeiro-Ministro não gosta de relembrar o compromisso eleitoral, que transpôs para o Programa do Governo, que defende e no qual se compromete com a realização de um referendo ao Tratado europeu.
O que queremos também dizer ao Sr. Primeiro-Ministro é que não defendemos o referendo única e exclusivamente porque ele está consagrado no Programa do Governo, se bem que entendemos que o Governo deveria levar avante esse seu compromisso eleitoral.
Sr. Primeiro-Ministro, nós queremos que os portugueses tenham o direito, na nossa perspectiva, de se pronunciar sobre aquilo que está inscrito no Tratado, que tenham o direito de conhecer, de ser informados, de debater, de emitir opinião e de participar nesse processo decisório. Ora, é isso justamente que lhes está a ser negado.
Os portugueses precisam de saber que, relativamente à componente institucional, este Tratado vem discriminar grandemente países como Portugal, designadamente, em relação à composição da futura comissão e à inexistência de comissários a tempo inteiro, à presidência fixa da União Europeia, a um alto representante para os assuntos externos, onde, na verdade, estamos a caminhar claramente no sentido de um megaestado e de um federalismo neste processo de União Europeia, à implementação de outras políticas comuns, nomeadamente, de base militarista, e também fomentar uma Europa dos grandes, como é verdadeiramente perceptível em relação ao processo decisório que este Tratado consagra.
Mais: pela primeira vez na história, a União Europeia, através deste Tratado, vai poder — imagine-se! — gerir directamente uma parte do nosso território. A União Europeia ficará com a competência exclusiva de gestão dos recursos marinhos relativamente ao nosso mar territorial. Mas, sobre isto, o Governo não gosta de falar! Sr. Presidente e Srs. Deputados: Curiosamente, o Sr. Primeiro-Ministro nunca lê essa passagem do Programa do Governo. Não é por acaso!… O que está lá referido é que a necessidade do referendo ao tratado europeu era para reforçar a legitimação democrática da construção europeia.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exactamente!
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Ora, o que o Governo vem agora fazer com a negação do referendo é reconhecer que sem o referendo se impede o reforço dessa legitimação democrática da União Europeia.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exactamente!
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — É isto que o Sr. Primeiro-Ministro tem de assumir.
O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Concluo dizendo o seguinte: este Governo não vai ser censurado na Assembleia da República porque o PS tem maioria absoluta e não vai permiti-lo. Mas este Governo vai ser censurado lá fora, como há muito tempo já está a sê-lo.
Aplausos de Os Verdes e do PCP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. PrimeiroMinistro: Estamos quase no final de um debate onde foi apresentada uma moção de censura e cujo principal objectivo era tentar demonstrar uma promessa não cumprida. Na verdade, os senhores não têm razão. Não têm razão nem na forma nem na substância.
Vejamos, então, algumas diferenças, para além daquilo que já foi explicado e que os senhores não querem ouvir, quanto à forma e, também, à substância.
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Comecemos pela forma: definição de Tratado Constitucional. Acaso os senhores alguma vez se perguntaram, se estivéssemos a falar de um Tratado Constitucional, qual era o valor jurídico desse Tratado Constitucional europeu? Acaso alguma vez se questionaram o que aconteceria à nossa Constituição se tivéssemos a falar de um Tratado Constitucional? A forma, Srs. Deputados do Bloco de Esquerda, é substancialmente diferente. Estamos a falar de um Tratado que não tem natureza constitucional. Também pela forma, há toda a diferença entre o Tratado de Lisboa e o Tratado Constitucional. O compromisso eleitoral que tínhamos, que não negamos, que afirmamos, dizia respeito a um Tratado de natureza constitucional, esse, sim, com um valor hierárquico até superior à nossa própria Constituição. Aí reside toda a diferença entre o Tratado de Lisboa e o Tratado Constitucional.
Por isso, Srs. Deputados, nós não falhámos nenhum compromisso eleitoral.
Aplausos do PS.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Olhe que está desmentir o Ministro da Justiça!
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Mas, Srs. Deputados, também há diferenças ao nível da substância.
O Tratado Constitucional visava alterar todos os outros Tratados e apenas ficaríamos sujeitos a um único.
Este Tratado de Lisboa visou aprofundar a União Europeia e as suas competências, revendo os outros Tratados mas emendando-os. Não ficamos com um único tratado e, sim, com o Tratado de Lisboa, mas com toda a doutrina, todos os ensinamentos de todos os Tratados europeus. Este aspecto também faz toda a diferença. Portanto, não estamos a falar da mesma coisa.
Pela nossa parte, prometemos, e cumprimos. Se tivéssemos de ratificar um tratado constitucional da União Europeia, a nossa posição seria a de fazer o referendo, porque esse era o nosso compromisso. Nós não faltamos ao nosso compromisso.
Aplausos do PS.
Olhamos para o Bloco de Esquerda e verificamos como são todas as suas intervenções — «Eu sou o detentor da moral e da verdade!». Ora, se, ao irem a votos, os portugueses se aliassem a esse espírito de «detentor da verdade absoluta e única» com que os senhores se apresentam na política, o que teríamos, Srs. Deputados do Bloco de Esquerda, seria uma perigosa ditadura da vossa parte. Por isso, os portugueses bem avisados preferem dar-vos alguns votos, mas os senhores, do alto da vossa autoridade, pensam que têm mais. Não têm! Têm os votos que têm, têm a legitimidade que têm, e nós respeitamo-la.
Assim funciona a democracia: os senhores, com a legitimidade que têm, que é igual à nossa, nós, com a representatividade que temos, que é muito superior à vossa.
Aplausos do PS.
Vejamos agora como se coloca outro Velho do Restelo, o Partido Comunista Português, relativamente a estas matérias. Tomemos o exemplo do que se passa em relação ao referendo e vejamos o que entende o Partido Comunista sobre a matéria.
O que é o referendo para o Partido Comunista? Já tivemos dois exemplos concretos do seu entendimento.
Primeiro, o que se passou no caso do referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez. O Partido Comunista disse «nós somos a favor da interrupção voluntária da gravidez. Não queremos nenhuma ‘areia’ no percurso, logo, não fazemos referendo».
Segundo exemplo: Tratado da União Europeia. O Partido Comunista diz «somos contra o Tratado da União Europeia, logo, temos de arranjar um argumento para tentar complicar a sua aprovação», uma vez que o Partido Comunista sabe que, nesta Casa, o Tratado seria aprovado, e sê-lo-á.
Srs. Deputados, quando fizermos aqui a ratificação do Tratado — a «prova dos 9» o dirá, e espero estar enganado! —, veremos qual será o vosso sentido de voto. Espero estar enganado, mas veremos. Nessa altura, tiraremos a «prova dos 9» relativamente ao que os senhores entendem sobre o uso dos referendos.
Nós, Partido Socialista, cumpriremos o debate sobre o Tratado da União Europeia e cada um fará o seu papel. Nós temos esse compromisso.
O Partido Socialista terá iniciativas concretas no sentido do debate do Tratado de Lisboa. Já pensámos em muitas iniciativas e tomá-las-emos nesta Casa, para que os senhores percebam que o Partido Socialista está interessado no esclarecimento do Tratado, está interessado em que os portugueses percebam de que é que estamos a tratar.
Srs. Deputados, o que, para nós, é certo e seguro é que vamos mesmo ter um debate aqui, na Assembleia da República, a propósito da aprovação da ratificação da resolução do Conselho de Ministros que o Governo irá trazer a esta Casa. Faremos o debate e os senhores terão oportunidade de votar da forma que bem entenderem.
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Vozes do PCP: — Muito obrigado!
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Condescendência!
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Portanto, cumpre-se a democracia.
O que não percebo e gostava de perceber é o que é que os senhores têm contra a democracia representativa. Isso é que eu gostava de perceber. Não sei se por ideologia, se por trauma, os senhores sempre têm alguma coisa contra a democracia representativa.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É preciso ter «lata»!
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — E há mais: a democracia representativa não é só a que vivemos em Portugal. Se pensarem um pouco, todos os países dos Estados-membros da União Europeia têm parlamentos democráticos, eleitos democraticamente, por sufrágio directo, livre e universal, e isso é a garantia de que a aprovação do Tratado de Lisboa é tão democrática como se se tratasse de um referendo.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Portanto, mesmo nesta matéria, os senhores não têm razão.
Mas, em Portugal, continuaremos o nosso destino, continuaremos a tratar do que é importante. Para nós, é prioritário, é importante estar na vanguarda da União Europeia.
Vamos continuar com este processo e os Velhos do Restelo também continuarão o seu percurso.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Alerto os grupos parlamentares para o facto de que a votação da moção de censura, exigindo uma maioria qualificada, deverá ser feita também com recurso ao voto electrónico. Portanto, os Srs. Deputados que não tiverem o respectivo cartão de voto farão o favor de munir-se do mesmo de imediato.
Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.
A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, na sua intervenção, fez um conjunto de afirmações que, creio, são inaceitáveis.
O debate desta moção de censura é um debate sobre democracia, sobre os valores centrais que nos unem a uma forma de constituição de comunidade política. O que vale a palavra dada por pessoas que assumem um contrato de representação política? O Partido Socialista tem particulares responsabilidades: a sua é a bancada maioritária, é quem sustenta o Governo. Ao longo deste debate, assumiu um caminho argumentativo que creio poder afirmar que é muitíssimo perigoso.
Os senhores defenderam aqui o pensamento único — quem não concorda com aquela que é a linha política do Partido Socialista para a Europa, está contra a Europa.
O Sr. Primeiro-Ministro inaugurou este tipo de argumento: há uma esquerda democrática e há uma esquerda que não é democrática. A esquerda democrática é a que não quer dar a palavra aos cidadãos da Europa, é a que acha que é possível construir uma União Europeia sem jamais consultar os seus cidadãos.
Vozes do BE: — Exactamente!
A Sr.ª Ana Drago (BE): — O Sr. Primeiro-Ministro disse que quem quer fazer referendo está contra a Europa.
Portanto, os europeístas não são os que acham que a resposta política ao que foi o «naufrágio» do Tratado Constitucional tem de ser dada na luta pela escolha democrática. Não! Para os senhores, os europeístas são os que se fecham em gabinetes e acham que é possível construir uma União Europeia que jamais dependa da escolha e da palavra dos cidadãos europeus. É isto que nos divide.
Vozes do BE: — Muito bem!
A Sr.ª Ana Drago (BE): — Mas divide-nos mais, Sr. Deputado. Divide-nos a responsabilidade de cada um de nós, nesta Assembleia, quando assumimos um mandato de representação democrática.
O que os senhores assumiram perante os portugueses, o contrato que têm com os portugueses diz que vão fazer um referendo ao novo Tratado da União Europeia. E isso, exactamente porque os senhores consideravam que a construção europeia tinha de ser legitimada democraticamente, tinha de dar essa resposta política pela escolha dos cidadãos. É esse compromisso político que os senhores rasgaram.
A pergunta que faço a si e a cada Deputado do Partido Socialista, que aqui assumiram um contrato com os portugueses que os elegeram, é a de saber como é que os senhores acham que têm legitimidade para fazer
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uma escolha sobre um Tratado que não está no contrato de representação democrática que celebraram com os portugueses.
Vozes do BE: — Muito bem!
A Sr.ª Ana Drago (BE): — Como é que os senhores decidem — decidem «sim»? Decidem «não»? —, se isso não está no contrato, no compromisso político que fizeram com os portugueses?! É por isso que este é um debate sobre a qualidade da democracia. É por isso que este é um debate sobre a vossa responsabilidade em torno da democracia política que temos em Portugal.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Drago, a sua é uma falsa questão. Já tentei explicar-lhe e a Sr.ª Deputada não quer compreender.
O Sr. Alberto Martins (PS): — É relapso!
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Nem a Sr.ª Deputada nem a vossa bancada pretendem compreender, e eu tentei explicar. Não sei se o defeito é meu. Espero que a Sr.ª Deputada releve esse defeito mas que perceba que, pela nossa parte, não temos qualquer compromisso eleitoral no sentido de referendar o Tratado de Lisboa.
A Sr.ª Helena Terra (PS): — Exactamente!
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Não temos um tal compromisso e, para nós, isso é claro como água.
Repito: não temos qualquer compromisso eleitoral para referendar o Tratado de Lisboa. Tínhamos, sim, um compromisso nesse sentido em relação ao Tratado Constitucional. A Sr.ª Deputada não quer perceber. Pois não perceba! Gostaria de alertar para o perigo do seu discurso…
A Sr.ª Ana Drago (BE): — Do seu discurso! É demagógico!
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — É que, levado à letra, o seu discurso levar-nos-ia a pôr em causa a existência dos parlamentos nacionais.
Protestos do BE.
A primeira parte da sua intervenção foi nesse sentido, no de que nós não temos legitimidade para ratificar um Tratado europeu. Engana-se! O Parlamento tem legitimidade, legitimidade, essa, que reside no mandato que recebemos.
O seu discurso, esse, sim, é que é perigoso! Levar-nos-ia, por absurdo, à conclusão de que não podíamos legislar e de que todas as vezes tínhamos de perguntar ao povo como é que deveríamos legislar.
A Sr.ª Ana Drago (BE): — Não, não!
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Essa é que é a questão.
Portanto, devemos ter concepções diferentes a respeito do que é democracia representativa,…
A Sr.ª Ana Drago (BE): — Está escrito! E foi votado nesta Assembleia!
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — … isto é, a Sr.ª Deputada deve ter uma concepção mais totalitária da democracia, enquanto eu tenho uma concepção mais representativa da democracia.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda apresentou uma moção de censura ao Governo com o argumento de que o Primeiro-Ministro violou o compromisso político que assumira com a realização de um referendo ao Tratado
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Europeu.
Esta moção não foi apresentada porque o Bloco defenda, genuinamente, um referendo desse mesmo Tratado, uma consulta sobre o nosso posicionamento face à União Europeia, ou como forma de aprofundar o debate e a legitimidade do projecto em que entrámos em 1986.
Sejamos claros: a verdadeira razão que leva o Bloco de Esquerda a querer o referendo é ideológica.
Não tenhamos ilusões: o Bloco de Esquerda é contra a economia de mercado, é contra o comércio livre, é contra os valores em que se alicerçam as democracias liberais e personalistas do ocidente.
Se, porventura, alguma vez o Bloco de Esquerda tivesse a possibilidade de determinar a posição de Portugal face à Europa, a sua opção seria a da nossa não participação nesse projecto!
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Não diga disparates!
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): — Por isso, o PSD, profundamente empenhado no projecto europeu, nunca poderá colocar-se ao lado daqueles que defendem o referendo como disfarce para contestarem a integração europeia.
Aplausos do PSD.
Temos orgulho do nosso envolvimento no projecto europeu, como temos, hoje, uma posição muito clara sobre a forma de ratificação do Tratado de Lisboa: a de que essa tarefa deve caber à Assembleia da República.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): — Fazemo-lo sem tibiezas, sem desculpas hipócritas e, acima de tudo, sem procurar atirar para cima de outros órgãos de soberania — como tentou o Sr. Primeiro-Ministro — uma responsabilidade que cabe, em primeiro lugar, aos partidos políticos.
A posição do PSD foi assumida nas eleições directas para a liderança do partido, ratificada por uma votação expressiva no Congresso e confirmada, mais tarde, pelo Conselho Nacional e pelo nosso grupo parlamentar.
Somos um partido democrático que acredita na pluralidade, na discussão e no livre confronto de opiniões.
Por isso, todo este importante processo político pôde decorrer com tempo, sem pressas e acompanhado de um debate, cuja democraticidade certamente ninguém ousará pôr em causa.
Outros, como o Partido Socialista, optaram por fazê-lo à pressa, com reuniões convocadas no espaço de pouquíssimas horas. E, se a forma foi atabalhoada, a substância é confrangedora.
Na verdade, Srs. Deputados, é legítimo ao Sr. Primeiro-Ministro poder mudar de opinião. O que não se entende é como é que não percebeu, desde logo, as razões do apoio à ratificação parlamentar no momento da assinatura do Tratado em Lisboa e se tenha dado ao luxo de brincar com coisas sérias só para tentar não estragar a sua imagem de homem supostamente infalível! Nada melhor para testemunho dessa encenação do que citar o Dr. António Vitorino, seu presumível conselheiro, quando afirmava, qual argumentista, que «O Primeiro-Ministro guarda as cartas junto ao peito e pode sempre surpreender».
O suspense estava garantido! A decisão está tomada. Ainda bem, no entender do PSD, que, tendo mudado de líder, viu a sua posição clara e frontalmente definida.
Mas vale a pena perder algum tempo nos argumentos para a decisão que o Sr. Primeiro-Ministro tomou.
Diz que a maioria dos Deputados apoia o Tratado e, por isso, não valeria a pena referendá-lo. Mas, então, Sr. Primeiro-Ministro, porque é que prometeu referendá-lo antes? Ou porque é que andou tão indeciso? Para consumo interno? Para dar a ideia aos fazedores da opinião publicada — a única que lhe interessa — que bem tentou remar contra uma inevitabilidade? A resposta deu-a o Sr. Primeiro-Ministro quando afirmou que «não se devem fazer referendos em altura de crise económica».
Ou seja, o Primeiro-Ministro, que poderia ter resolvido o assunto de uma só vez, quando da assinatura do Tratado, em 13 de Dezembro último, concluiu como concluiu, porque teme que os portugueses aproveitem a oportunidade para transformar o referendo numas eleições primárias de censura ao Partido Socialista?
Aplausos do PSD.
Bem avisado andará, nesta matéria, o Governo! Há, todavia, um argumento referido pelo Partido Socialista na sua explicação das razões porque defende a ratificação parlamentar, que, interpretado a contrario, merece toda a nossa concordância: o de que o debate político do referendo até convinha à actual maioria. É verdade. Ao PS interessa tudo menos falar de assuntos de política interna, de matérias que digam respeito, directamente, à vida dos portugueses.
Não interessa ao PS falar de política de saúde quando o Governo tem fechado, ao longo desses três anos, serviços de uma forma sem precedentes desde o 25 de Abril.
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Não interessa ao PS falar de segurança interna quando a intranquilidade pública cresce todos os dias e, perante a impotência do Governo, os portugueses assistem à multiplicação dos crimes à porta das suas casas e das escolas, bem como ao surgimento do fenómeno da criminalidade violenta.
Não interessa ao PS falar de educação quando todos conhecemos a quebra dos patamares de exigência que o Governo impôs ao País como forma de aumentar artificialmente a taxa de sucesso no ensino.
Não interessa ao PS falar do QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional) quando o Governo já perdeu um ano e está atrasadíssimo no aproveitamento desses fundos europeus que — convém lembrar — ascendem a cerca de 22 mil milhões de euros e constituem a última oportunidade de Portugal se modernizar.
Não interessa ao PS falar de política fiscal porque, depois de ter sobrecarregado as famílias portuguesas com impostos sobre impostos, quer guardar-se para fazer um pequeno alívio fiscal, mesmo a tempo das próximas eleições legislativas.
Não interessa ao PS falar de emprego quando a taxa de desemprego aumentou como aumentou nos últimos três anos! Não interessa ao PS falar de inflação quando as notícias de hoje mesmo dão conta do falhanço da previsão do Governo nesta matéria em relação ao ano de 2007! Não interessa ao PS falar de economia quando tanto o Banco de Portugal como o EUROSTAT confirmam que o crescimento económico português é dos piores de toda a União Europeia.
Não interessa ao PS falar sobre a política de transportes quando acabou, há dias, por dar, uma vez mais, razão ao PSD e a todos quantos defenderam a localização do novo aeroporto em Alcochete.
Como não recordar, sobre esta matéria, frases do Sr. Primeiro-Ministro ou do Sr. Ministro das Obras Públicas como «quem tiver ideias contrárias às do Governo, relativamente ao aeroporto da OTA, presta um mau serviço ao País», ou «a OTA é a única solução», ou, ainda, «a decisão de construir a OTA é irreversível»? Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Fruto da falta de convicções e de uma ideia mobilizadora para o País, o Governo está cansado e sem ânimo.
Um Governo que, em 18 horas, deixa cair a OTA e invoca as razões que invoca para decidir como decidiu na questão do referendo europeu é um Governo sem estratégia, sem rumo e sem convicções.
Aplausos do PSD.
Já o sabíamos! Quem governa por sondagens não pode governar por ideias, por princípios, por convicções! Governa, assim, pelo poder! Vive e morre apenas pela manutenção do poder, por si, sem procurar saber o que quer, para além da ostentação desse mesmo poder! E sem projecto, Srs. Deputados, fica a arrogância, vazia, sem conteúdo, pelos lugares e com uma única preocupação: a continuação no poder a qualquer preço! Um Governo que pretende distribuir o aumento extraordinário das pensões em «suaves prestações mensais» de 68 cêntimos — com o argumento de que se esse aumento fosse pago logo em Janeiro, os reformados gastavam tudo de uma só vez — é um Governo que perdeu a noção do ridículo.
Um Governo com um Ministro que se dá ao luxo de criticar as matérias que o PSD decidiu incluir e abordar nas suas jornadas parlamentares é um Governo que dá sinais de grande nervosismo, revelador de uma enorme tendência para o controlo de tudo o que é e tem a ver com a liberdade; dando ideia de uma grande, de uma já enorme intolerância!
Aplausos do PSD.
Parafraseando António Barreto, «Sócrates não tolera ser contrariado, nem admite que se pense de modo diferente daquele que organizou com as suas poderosas agências de informação a que chama de comunicação». «O Primeiro-Ministro…» — e continuo a citar — «… é a mais séria ameaça contra a liberdade, contra a autonomia das iniciativas privadas, contra a independência pessoal que Portugal conheceu nas últimas três décadas.» Ou seja, como diria o mesmo ex-ministro socialista, em Maio do ano passado, «o estilo de Sócrates consolida-se. Autoritário. Crispado. Despótico. Irritado. Enervado. Detesta ser contrariado». Citei António Barreto.
E que graça têm as fases de reconstrução da imagem do Sr. Primeiro-Ministro para tentar disfarçar o indisfarçável! Como aquela em que se afirma — e voltemos ao objecto da presente moção de censura — que «o Primeiro-Ministro terá aproveitado a reunião informal do Conselho de Ministros, no domingo (dia 6 de Janeiro), para trocar as voltas e, desta forma, testar a capacidade da sua equipa para guardar segredos.» E, face às notícias vindas a público, nos dias seguintes ao do referido Conselho de Ministros Extraordinário, conclui o artigo: «Sócrates não pode confiar em ninguém»! Ou seja, Srs. Ministros, não se importam de destruir a imagem do Governo, de todos e de cada um de vós, para tentar salvar a imagem do chefe. Elucidativo! Como diria António Barreto — e faz bem à democracia citálo, por insuspeito, face à sua identificação partidária! — «Sócrates está convencido que pode vender o que
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quiser a quem quer que seja. Basta ele falar, controlar a informação, negar a evidência, garantir as suas certezas e elogiar o produto.» Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O PSD não votará favoravelmente a moção do Bloco de Esquerda pois, para além de defendermos, intransigentemente, a estabilidade dos mandatos políticos, estamos, também, muito determinados em contribuir para o fortalecimento e o aprofundamento da União Europeia, enquanto projecto de liberdade, de paz e de desenvolvimento social e económico.
Se, porventura, sem prejuízo da defesa da estabilidade da Legislatura, aqui estivéssemos a comparar os resultados deste Governo com os dos governos dos nossos parceiros europeus, então teríamos que alinhar na crítica, tão evidente é o fosso que separa Portugal desses países.
Infelizmente, de cada vez que temos conhecimento de novos resultados económicos, constatamos que Portugal está mais atrasado, mais pobre, menos competitivo.
Lamentamos tantas decisões erradas. Mas o que aqui está em jogo é o nosso compromisso com a Europa e esse, Srs. Deputados, vamos mantê-lo como sempre o fizemos desde Francisco Sá Carneiro.
Uma última nota: a verdadeira aprovação de uma moção de censura, Srs. Deputados, vai acontecer quando o povo português, nas próximas eleições legislativas, puser termo a quatro anos de enganos, de promessas não cumpridas e de exercício de um poder arbitrário, derrotando o actual Governo e o partido que o apoia!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, creio que fez uma declaração extraordinária, a de que, até ao final desta Legislatura, o PSD não apresentará qualquer moção de censura.
O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Nunca se sabe!
O Sr. Luís Fazenda (BE): — É uma declaração absolutamente extraordinária, que também registamos do ponto de vista do conúbio dos interesses do bloco central. Aliás, o Sr. Deputado Santana Lopes ainda ontem disse que o Partido Socialista não precisaria dos votos do PSD, mas, se fossem necessários, o PSD estaria ao lado do Partido Socialista na votação desta moção de censura.
Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, a questão que releva para o nosso debate é a seguinte: o Partido Social Democrata, nas últimas eleições legislativas, comprometeu-se claramente com um referendo ao Tratado europeu. Era até candidato a Sr. Primeiro-Ministro o Sr. Deputado Santana Lopes. De então para cá, manteve durante largo tempo esse compromisso. Houve uma alteração, que é conhecida, de liderança e de orientação política no seu partido, que tomou outra posição. Mas será que a alteração da posição de liderança invalida os compromissos eleitorais do Partido Social Democrata? Será que a forma como se tratam os cidadãos e as cidadãs está de acordo com os humores de qualquer direcção e não com o compromisso na altura do sufrágio, do voto, do apuramento da vontade maioritária do povo português? O Sr. Deputado veio discutir questões acerca de horas – quantas horas demorou um partido e outro a decidir no clima de irresponsabilidade política que ambos os partidos manifestaram acerca disso. Com o devido respeito, gostaria de saber como é que o Sr. Deputado pensa, com essa atitude, convalidar as promessas eleitorais do Partido Social Democrata? O Partido Social Democrata também é atingido nesta moção de censura, porque violou o seu contrato eleitoral e não tem hoje qualquer explicação para esse facto.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, compreendo a sua pergunta como compreendo a sua indisposição, pois convir-lhe-ia, fazia-lhe jeito que o PSD estivesse ao seu lado,
Protestos do BE.
A Sr.ª Ana Drago (BE): — Deixe-se ficar! Não venha para aqui!
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): — … mas, nesta matéria, temos concepções diferentes.
Primeiro, em relação à estabilidade, aquilo que eu disse não teve a ver com a moção de censura.
Defendemos é a estabilidade dos compromissos eleitorais e a estabilidade dos mandatos eleitorais e é por
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isso que entendemos que estes não devem ser interrompidos.
Sobre a questão do compromisso em relação ao referendo, Sr. Deputado, lamento que tenha usado a palavra «humores», pois não se trata de «humores» mas, sim, de convicções. O Presidente do nosso partido fez uma campanha interna democrática em relação a uma matéria que lhe poderia ter valido mais ou menos votos, mas apresentou uma convicção, que foi a ideia de que o referendo não devia acontecer e o Tratado de Lisboa devia ser ratificado parlamentarmente.
Mas temos todo o respeito pelos nossos colegas que pensam de maneira diferente. Tivemos o cuidado de discutir esta matéria internamente. Tivemos o cuidado de a discutir nas eleições directas do partido, no Congresso, no Conselho Nacional e no grupo parlamentar. Portanto, foi tomada uma decisão pelo partido não em função de «humores» mas de convicções e de decisões democraticamente eleitas.
Assim, respeitamos quem não tem a mesma posição que nós, respeitamos a posição do Bloco de Esquerda. Não admitimos é que o Bloco de Esquerda nos dê lições sobre a maneira de nos comportarmos em política. Respeitamos todas e cada uma das posições e é por isso que aqui ganham as maiorias.
Talvez, se um dia o Deputado Miguel Portas vier a suceder ao Dr. Francisco Louçã (quem sabe, nestas coisas nunca se sabe e os senhores vão se começando a habituar a elas…), o Bloco de Esquerda mude de opinião, possivelmente, não em relação ao Tratado de Lisboa mas em relação a outras matérias, e, depois, porventura, serão os Deputados Luís Fazenda e Francisco Louçã que aqui virão apresentar essas mesmas posições ao Parlamento.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs.
Membros do Governo: A nosso ver, estes debates não são só sobre a Europa, sobre o Tratado ou sobre o referendo. Sr. Primeiro-Ministro, goste-se ou não, este debate é também, ou sobretudo, sobre a palavra e o seu valor, sobre a credibilidade da política e dos políticos e a forma como podem ser vistos perante os cidadãos.
Sr. Primeiro-Ministro, por muito que o mace, importa, aqui e agora, confrontá-lo com o que V. Ex.ª e destacados membros do PS disseram nos últimos três anos.
José Sócrates, na revista Homem Magazine de Dezembro de 2004, sendo então Secretário-Geral do Partido Socialista, disse que «É altura de se fazer o referendo e, de uma vez por todas, se encerrar essa questão da consulta aos portugueses sobre o projecto europeu».
Sr. Primeiro-Ministro, é de homem esta frase! É de Secretário-Geral, mas, pelos vistos, não é de PrimeiroMinistro.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Disse, então, o Sr. Deputado Vitalino Canas, actual Presidente da Comissão de Assuntos Europeus, que «O objectivo da proposta de revisão constitucional do PS é bem claro.
Basta ler para perceber que o que se pretende é a possibilidade da realização de referendo sobre o Tratado» — revisão constitucional, Junho de 2005.
Pelos vistos, não bastou ler a proposta. E ou o Sr. Primeiro-Ministro não a leu ou o Sr. Deputado Vitalino Canas não a percebeu.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Disse, também em Junho de 2005, o Sr. Deputado Osvaldo Castro, actual Presidente da 1.ª Comissão, o seguinte: «Aí está o primeiro passo para o debate plural e aberto, que, pela primeira vez, no nosso país, dará ao povo a voz num referendo sobre as candentes matérias europeias!» Afinal, ainda não é desta!… Afinal, o passo é um passo em falso.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — E o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, que aqui brandiu odes à não ratificação por referendo, nessa mesma revisão constitucional, dizia: «O PS definiu que esta revisão constitucional tem um objectivo essencial, que se prende com o compromisso eleitoral e político de realizar um referendo ao Tratado».
É caso para perguntar: qual compromisso? Qual objectivo? Qual programa?
O Sr. Ministro da Presidência (Silva Pereira): — Qual Tratado?
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O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Afinal, a revisão constitucional para nada vos serviu, a não ser para mais um «número» de propaganda do Partido Socialista.
Aplausos do CDS-PP.
Termino, Sr. Primeiro-Ministro — e muitas outras citações poderia fazer, mas não tenho tempo —, citando o Sr. Dr. António Vitorino, ex-Comissário europeu,…
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — E porta-voz do PS na RTP!
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — … o qual, instado pelo então Presidente da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, Deputado Mota Amaral, que dizia «Srs. Deputados, não sei se não deveríamos aproveitar para fazer a grande revisão constitucional que nos interessa… Mas, enfim, não vamos fazê-la — que isso fique garantido», interrompeu o Deputado Mota Amaral e exclamou: «Desde que haja referendo, não há problema!» Isto foi dito pelo Dr. António Vitorino.
Ora, por aquilo que vimos, Sr. Primeiro-Ministro, passámos de «seja qual for a revisão, tudo bem, desde que haja referendo» para «seja qual for o Tratado, tudo bem, desde que não haja referendo».
Aplausos do PS.
Sr. Primeiro-Ministro, ao contrário de VV. Ex.as
, o CDS preza o valor do compromisso e da palavra e, por isso, cumpriu-a: é a favor do referendo, como sempre dissemos. E por sermos a favor do referendo, não votaremos contra esta moção de censura.
Mas também porque no referendo – sempre o dissemos – votaríamos e faríamos campanha a favor do «sim», ao contrário do Bloco de Esquerda, que faria campanha a favor do «não», temos a honestidade de reconhecer que, estando de acordo sobre a realização do referendo, jamais poderemos estar de acordo com uma visão ultrapassada da Europa como é a do Bloco de Esquerda e que hoje ficou aqui bem patente neste debate.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Por isso mesmo, o nosso voto, lógico e natural, será a abstenção.
Mas na certeza, Sr. Primeiro-Ministro, de que, desde a semana passada, se dúvidas restassem a alguns portugueses, a palavra de V. Ex.ª deixou de valer o que quer que seja.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.
A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Sr. Primeiro-Ministro utilizou neste debate a técnica do «disco riscado», mas, com franqueza, não conseguiu responder ao essencial.
Quando se pede o voto a um povo com base num determinado programa, estabelece-se um contrato com um valor inigualável. O valor desse contrato é, em si mesmo, o valor da democracia.
A palavra dada sobre um compromisso político traz consigo não simplesmente a credibilidade do político que a dá, embora esse facto não deixe de ser importante, mas também a própria credibilidade da política, a confiança de que aqueles em quem se vota não vão dar o dito por não dito, consoante as circunstâncias e, sobretudo, consoante os interesses do momento.
E isto não é simples retórica, Sr.as e Srs. Deputados. Amanhã, amanhã mesmo, nesta Câmara, vai votar-se a nova lei eleitoral autárquica, «cozinhada» entre o PS e PSD. Depois virá a lei para as legislativas, tudo em nome da aproximação entre eleitos e eleitores e da credibilização da política. Só que, por muitas leis, regimentos e decretos que sejam alterados, nada contribui mais para minar a confiança dos cidadãos na política do que o rasgar das promessas eleitorais.
Vozes do BE: — Muito bem!
A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Dirão os Srs. Deputados do PS que «pode haver circunstâncias novas, as coisas mudam e, por vezes, é preciso adaptar as decisões». Certo! Mas o que pode ser verdade em relação à economia, que responde a variáveis, muitas das quais não são controladas pelo Governo, não tem desculpa em relação a um referendo, a uma consulta popular que tem sido negada aos portugueses em todos os principais passos da construção europeia. Não existem alterações que justifiquem faltar ao compromisso eleitoral de fazer um referendo.
Aquilo que era uma posição solene há poucos meses não pode ser hoje tratado como uma
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irresponsabilidade. Meço bem as palavras. E foi o Sr. Primeiro-Ministro quem primeiro as usou, quando aqui veio anunciar, na semana passada, que não cumpria a promessa eleitoral, em nome da «ética da responsabilidade». Já tínhamos visto muita coisa com este Governo — polícia nos sindicatos, governantes a indicarem os locais onde se pode e não pode fazer críticas —, mas invocar a ética para quebrar a palavra dada ultrapassa toda a escala!… Ficámos sem perceber, e é pena, se o Sr. Primeiro-Ministro entende que cumprir uma promessa eleitoral é uma irresponsabilidade ou se é pouco ético… Ou será que a irresponsabilidade é consultar os cidadãos sobre o futuro da Europa? Nos últimos dias, várias vozes do Partido Socialista têm vindo a apresentar o referendo como uma teimosia daqueles que «não gostam da Europa, não querem que o processo europeu avance», daqueles que «negam a sua importância». Querem o referendo porque não querem Europa — parece ser a vossa conclusão. Não é verdade, porque, como sabemos, são muitas as vozes, vindas de vários quadrantes políticos e com opiniões diversas sobre o conteúdo do Tratado, que se posicionam a favor da realização do referendo.
Mas tratemos dessa ideia peregrina de que «quem quer o referendo não quer a Europa». O projecto europeu só o será verdadeiramente se for decidido pelos povos. Alguém acredita que algum projecto europeu tem futuro nas costas dos povos da Europa? A experiência do Tratado Constitucional foi exemplo disso mesmo: «cozinhado» por um grupo de nomeados, sancionado pelos governos, «chumbou» no exame do referendo. E agora, os dirigentes europeus, «escaldados», «fogem do referendo como o diabo da cruz».
O ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros, Martins da Cruz, resumiu bem o espírito da coisa: «Fui um dos primeiros políticos portugueses a defender o referendo. As circunstâncias alteraram-se com os resultados negativos nos referendos na França e na Holanda. Entendo hoje que seria aconselhável não haver referendo».
Ou seja, o que era «aconselhável», agora é «desaconselhável». Porquê? Porque o que era «aconselhável» deu «resultados negativos» e, portanto, deixou de ser «aconselhável». O melhor mesmo é não perguntar nada aos cidadãos, que estes não são de fiar e não respondem sempre como a elite europeia que se movimenta nas embaixadas e cimeiras entende.
Os senhores, que tanto dizem defender o projecto europeu, são os primeiros a colocarem-no em causa, escondendo-o dos cidadãos e retirando-lhes a capacidade de escrutinar as políticas europeias.
Só se esconde quem tem medo! E os senhores têm medo! Podem agora «passar por entre os intervalos da chuva», nesse acordo subentendido entre os governantes — não haverá referendos! —, mas não se esqueçam de que a construção europeia não é para hoje, é para o futuro.
Dirão ainda que o assunto é muito complicado, o povo não compreende. Quem é que decide quando é que o povo compreende e não compreende? Voltamos ao voto censitário? Retiramos o direito de voto às mulheres e a quem não se tenha inscrito nas Novas Oportunidades? Menorizam o povo, menorizam e desprezam o seu voto, que é a chave da democracia.
Pelo contrário, a Europa precisa de mais Europa, com políticas comuns de protecção social, investigação, transportes ou respeito pelo ambiente, respeitando os cidadãos e confiando na sua decisão. Referendar o futuro da União, mantendo a palavra assumida por todos os partidos, é a garantia mínima, mínima de seriedade na política.
O caminho de referendar o Tratado de Lisboa, independentemente do resultado final, é o caminho oposto.
Referendar o Tratado é realizar um enorme debate a nível europeu, é fazer escolhas para os caminhos a seguir, é perceber aquilo que pensam as cidadãs e cidadãos europeus sobre a política que se faz na Europa.
Realizar o referendo é acreditar e praticar o verdadeiro europeísmo, aquele que não tem medo nem do debate, nem da participação, nem da democracia.
Nesta questão, só existia um de dois caminhos, Sr. Primeiro-Ministro, e o seu Governo, apoiado pelo PS, escolheu o mais fácil: esconder-se atrás de uma garantida ratificação parlamentar, quebrando o compromisso com os portugueses, para não importunar Sarkozy, Merkel e Gordon Brown.
Afinal, Sr.as e Srs. Deputados, quem tem medo da Europa?
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Começo pelo final da intervenção da Sr.ª Deputada Helena Pinto. Quem tem medo da Europa? Quem tem medo do Tratado de Lisboa? São os senhores! O Bloco de Esquerda, o PCP e Os Verdes têm medo da Europa, têm medo do Tratado de Lisboa.
Aplausos do PS.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Os senhores têm medo do povo!
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O Sr. Alberto Martins (PS): — Os senhores têm medo da Europa, que estamos a construir, e do Tratado de Lisboa, têm medo do aprofundamento da democracia. Os senhores votaram contra a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, os senhores têm medo do aprofundamento dos direitos na União Europeia.
Protestos do PCP e do BE.
E devo dizer o seguinte: perpassou por essas bancadas um discurso pretensamente ético. Ora, nós conhecemos o discurso ético: é um discurso arcaico, é o discurso ético do Homem Novo, da superioridade moral dos comunistas. Conhecemos isso e lembramo-nos disso. Isso faz parte da História e sabemos o que isso significa.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não deturpe! Sabe bem que não quer dizer isso!
O Sr. Fernando Rosas (BE): — Na política não há moral, não há ética?!
O Sr. Alberto Martins (PS): — Por isso, devo lembrar, Srs. Deputados, que a ética da República é lei.
Tudo o que, na moral, está fora da lei é do domínio da consciência de cada um. Os senhores fiquem com a vossa consciência que nós ficamos com a nossa.
Aplausos do PS.
E fiquem também com esta ideia: a democracia é procedimento. E a democracia assenta no seu coração, que está aqui: a expressão máxima da democracia moderna é o Parlamento, não é o referendo.
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Então, para que é que queriam o referendo?!
O Sr. Alberto Martins (PS): — O referendo é um instrumento de democracia semi-directa ou participativa.
Portanto, os senhores, quando fazem discursos relativamente ao povo, tenham cuidado! O povo representado somos nós, todos, tendo cada um uma parte singular da representatividade.
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Mas alguém contesta isso?!
O Sr. Alberto Martins (PS): — A vossa, no plano colegial, é mais pequena do que a nossa, mas somos um todo, os representantes do povo.
Por isso, Srs. Deputados, deixemos esse discurso da superioridade ética, da superioridade moral. A democracia é procedimento e nós vamos cumprir os nossos procedimentos.
Dissemos que a prioridade do nosso Governo, do novo Governo, que era a nossa, era assegurar a ratificação do Tratado Constitucional; dissemo-lo e cumpri-lo-íamos se fosse o mesmo Tratado Constitucional.
Só que não é! Voz autorizada a dizer que não é, o Sr. Deputado Miguel Portas, aconselha a que o Bloco de Esquerda o ouça. Por isso, citei-o. Os senhores ouviram, mas parece que ouviram mal.
O Sr. Deputado Fernando Rosas fez uma incursão também muito forte sobre a ética da República, sobre a moral, sobre a vergonha. Ó Sr. Deputado, há catões e catões! A democracia já não tem espaço para catões! Ninguém dá lições a ninguém. O senhor não dá lições ao Bloco de Esquerda, nem nos dá a nós, porque nós não aceitamos.
Aplausos do PS.
E sabe por que é que não aceitamos? Porque nenhum democrata aceita lições de democracia de quem quer que seja — não pode aceitar! Por isso, fique com essas lições para si. Façam-lhe bom proveito, Sr. Deputado!
Aplausos do PS.
Srs. Deputados, a Europa que defendemos não é a Europa do Muro de Berlim. Estivemos contra essa Europa, mas nem todos aqui nesta Câmara estiveram. Queremos uma Europa mais avançada, queremos uma Europa de paz,…
O Sr. Francisco Louçã (BE): — A de Tony Blair!
O Sr. Alberto Martins (PS): — … queremos uma Europa de estabilidade, queremos uma Europa do novo modelo social, queremos uma Europa de direitos fundamentais, queremos uma Europa de participação de todos os Estados e de integração do modelo social.
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Protestos do Deputado do BE Francisco Louçã.
Lá vem o Sr. Deputado com o liberal! Não! Os senhores é que temem que esta Europa seja um estado autoritário, um superestado autoritário, como lhes citei da intervenção feita no encerramento do Congresso do PSR. Não é isso que está em causa. A Europa que está aqui em causa é a Europa social, uma Europa moderna, uma Europa de desenvolvimento, uma Europa que não quer que tudo fique na mesma porque quanto pior, melhor. Não é essa a nossa Europa.
Srs. Deputados, o que podemos dizer relativamente à moção de censura do Bloco de Esquerda é que o Bloco de Esquerda «perdeu a cabeça», falhou o alvo. O alvo não era o referendo. O alvo era a Europa e era o Tratado e, por isso, vai fazer um gesto que, no plano constitucional, é absolutamente legítimo mas é inútil.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Vá lá!…
O Sr. Alberto Martins (PS): — O BE falhou o alvo. Srs. Deputados, o alvo é precisamente este: os senhores são contra a Europa, são contra o Tratado, são contra o aprofundamento da democracia europeia que está a ser construída por nós.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Montenegro.
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, o debate que hoje travámos, a propósito da moção de censura apresentada pelo Bloco de Esquerda, a par de vários acontecimentos que têm marcado a agenda política dos últimos dias, veio demonstrar uma realidade: temos um Primeiro-Ministro e um Governo que anuncia ao País grandes certezas e grandes objectivos mas que, na prática, não passam de meros prognósticos, e prognósticos daqueles que, na gíria desportiva, só deviam ser enfatizados no fim do jogo.
São enganos em cima de enganos. O Governo prometeu não baixar os impostos e subiu os impostos. O Governo prometeu não portajar as SCUT e vai protajar as SCUT. O Governo prometeu crescer mais, do ponto de vista económico, e está a crescer menos.
Vozes do PS: — Está a crescer!
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Somos o país que cresce menos na União Europeia, Sr. PrimeiroMinistro.
A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Mas está crescer!
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — O Governo prometeu menos inflação e afinal temos mais inflação. O Governo prometeu retomar a confiança dos consumidores e temos menos confiança dos consumidores. O Governo prometeu mais investimentos, públicos e privados, e ninguém vê a luz desses investimentos. O Governo prometeu mais 150 000 postos de trabalho e aquilo que temos é uma taxa de desemprego superior.
A Sr.ª Helena Terra (PS): — Está a criar emprego!
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — O Governo prometeu o choque tecnológico, que ninguém sabe onde pára. O Governo prometeu a reforma da Administração Pública e ninguém sabe onde param os resultados da reforma da Administração Pública. O Governo está a esbanjar a oportunidade de pôr em prática investimentos com o aproveitamento do novo quadro comunitário de apoio e está a adiar — Portugal ainda não viu um cêntimo do novo quadro comunitário de apoio.
A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Já viu, já!
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — O Governo prometeu a realização de um referendo a propósito do Tratado da União Europeia e a localização e construção do novo aeroporto na Ota. Duas medidas emblemáticas deste Governo, dois objectivos, duas grandes certezas. Mas, afinal de contas, eram apenas meros prognósticos e prognósticos que não se viram na realidade.
Tudo isto é fruto de uma política cada vez mais errática, cada vez mais inconsistente, de uma política que os portugueses não percebem nem compreendem. Por isso, deste debate fica uma marca sobre esta nova fase de um Governo que cada vez tem menos confiança junto dos seus eleitores.
A propósito da decisão relativa à localização e construção do novo aeroporto, cumpre perguntar e reflectir sobre o seguinte: um governo que tinha a grande convicção de localizar essa construção na Ota e que
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precisou apenas de 18 horas para decalcar um relatório de centenas de páginas e milhares de páginas de anexos para alterar a sua decisão, um governo que decide com esta ligeireza é um governo que não é credível para prosseguir as outras políticas.
A Sr.ª Helena Terra (PS): — Valha-nos Deus!
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Os portugueses hoje perguntam: será que é desta forma que o Governo toma as decisões na área da saúde? Foi com esta ligeireza que se caminhou no sentido do encerramento dos serviços públicos?
Protestos do PS.
Os portugueses têm dúvidas porque receiam que as medidas na área da educação e na da segurança social sejam alinhadas e decididas segundo este critério.
É por isso, Sr.as e Srs. Deputados, que o Partido Social Democrata, muito embora discorde do objecto da moção de censura que o Bloco de Esquerda aqui trouxe, como de resto já ficou demonstrado, também não é contra a censura política que o País faz cada vez mais às políticas do Governo e do Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Desde que não tenha consequências!
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Por isso é que não vamos votar contra a moção de censura. Por isso é que o nosso voto não vai servir de «muleta» neste estado cada vez mais cambaleante em que se encontra o Partido Socialista e o Governo de Portugal.
Protestos do PS.
Por isso é que queremos aqui dizer o seguinte: o PSD é um partido responsável,…
O Sr. Mota Andrade (PS): — Não parece!
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — … o PSD é um partido que está a construir a sua alternativa e não vai ser a «muleta» das políticas erradas deste Governo.
O PSD vai constituir-se, verdadeiramente, como alavanca do progresso de Portugal, como alavanca do progresso com justiça, em Portugal.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, não há mais oradores inscritos para intervir no debate, pelo que vamos entrar no período de encerramento.
Assim, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, peço desculpa, permite-me uma interpelação à Mesa?
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, acatamos a decisão da Mesa mas a leitura que fazemos do Regimento é a de que o Sr. Primeiro-Ministro tem o direito de intervir no encerramento do debate, isto é, pode ou não fazê-lo, mas esse direito não é transferível para outro membro do Governo.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Luís Fazenda, é certo que, se o Regimento concede essa faculdade ao Primeiro-Ministro, também concede ao Presidente da Assembleia, ouvida a Conferência de Líderes, a fixação da grelha de tempos para o debate da moção de censura. Isto foi feito na Conferência de Líderes e foi publicado na respectiva Súmula, onde estão previstos os períodos de tempo de intervenção do Governo na abertura e no encerramento do debate,…
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Do Primeiro-Ministro!
O Sr. Presidente: — … e não, especificamente, do Primeiro-Ministro.
De resto, este artigo do Regimento é absolutamente igual ao do anterior,…
A Sr.ª Helena Terra (PS): — Exactamente!
O Sr. Presidente: — … durante a vigência do qual as três últimas moções de censura tiveram
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interpretações distintas. Assim, no ano de 2000, no encerramento do debate, falou o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, que é o actual Presidente da Assembleia da República; em 2001, interveio o PrimeiroMinistro; e, em 2003, interveio o Ministro de Estado e da Defesa Nacional, actualmente Deputado, Paulo Portas. Neste último caso, tratou-se de uma moção de censura apresentada conjuntamente por vários partidos e também pelo Bloco de Esquerda.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Foram quatro moções!
O Sr. Presidente: — Isto significa que há, nesta matéria, uma prática variável, pelo que, tendo sido fixado, em Conferência de Líderes, um conjunto de tempos, uma determinada grelha de tempos, é perfeitamente justificável que, no encerramento, a palavra possa ser delegada num membro do Governo que não o PrimeiroMinistro.
Vozes do PS: — Exactamente!
O Sr. Presidente: — O que já me pareceria negativo, e isto o Regimento não permite, seria a ausência do Primeiro-Ministro deste debate ou a sua falta de participação em algum dos momentos do debate. Isto não me pareceria comportável à luz do Regimento.
Mas, enfim, há precedentes, há uma deliberação da Conferência de Líderes e há também uma posição da Mesa sobre o assunto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, comecei por dizer que aceitamos a decisão da Mesa, embora não concordemos com ela. Aliás, é isto que se retira directamente do artigo do Regimento.
Devo dizer, Sr. Presidente, sem negar nenhum dos dados sobre precedentes, que a moção de censura em que o Primeiro-Ministro encerrou o debate foi exactamente a do Bloco de Esquerda. Em relação ao último debate que o Sr. Presidente referiu, em que foram apresentadas quatro moções de censura, houve um consenso político para que, ao tempo, o Ministro de Estado e da Defesa Nacional encerrasse o debate.
Portanto, houve um consenso político, tal não decorreu directamente daquilo que constava do artigo do Regimento.
Protestos do PS.
O Sr. Presidente: — Para intervir, no encerramento do debate desta moção de censura, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por agradecer desveladamente ao Bloco de Esquerda o interesse com que pretende organizar a representação do Governo neste debate, mas, se não se importam, nós tratamos disso.
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Está no Regimento!
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Isso é grosseiro!
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — No fim deste debate, o balanço é claro: o que queriam os partidos que subscreveram a moção de censura ao Governo, em virtude da ratificação parlamentar ao Tratado de Lisboa, era censurar o próprio Tratado de Lisboa. Mas estão enganados! Quem merece censura não é o Tratado de Lisboa, não é a União Europeia, não é a diplomacia portuguesa, cujo notável trabalho durante a presidência da União só pode ser encarecido, nem é a Assembleia da República, cuja esmagadora maioria está a favor do Tratado e da sua ratificação parlamentar.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E a totalidade estava a favor do referendo!
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Muito menos, quem merece censura não é um Governo responsável, que propõe o que entende ser a melhor decisão para o interesse nacional, agora que se trata de ratificar um novo Tratado e em novas circunstâncias. Quem merece censura é o Bloco de Esquerda e os seus aliados ocasionais,…
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Como sempre!
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — … que são contra o Tratado de Lisboa, porque são contra o desenvolvimento do projecto europeu.
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Aplausos do PS.
O debate mostra duas coisas essenciais, uma das quais é a de que aquilo que move os antieuropeístas é a hostilidade ao projecto europeu. Tudo o resto — as loas ao referendo, os protestos de convicção ultrademocrática — são argumentos de ocasião, descartáveis à primeira necessidade.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Tinham estudado essa!
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — A outra coisa que o debate mostra é o isolamento político, no Parlamento e na sociedade portuguesa, dos que são contra o projecto europeu. Por mais que esbracejem, por mais que se travistam de catões da contemporaneidade, aliás, sem a nobreza do original, antes, ao estilo gasto e démodé de um pregador itinerante, por mais que acusem os outros de todos os males do mundo, os adversários do projecto europeu não significam mais do que uma pequena fracção do arco parlamentar e da população portuguesa que ele representa.
Hoje, o Bloco de Esquerda convidou a Assembleia a censurar o Governo, e, aliás, ficamos a sabê-lo durante o debate, também uma parte considerável da oposição, por causa do Tratado de Lisboa. Pois mais uma vez «foi buscar lã e saiu tosquiado», porque quem a Assembleia isola e assim censura é o BE e o PCP, que tão pressurosamente o seguiu, e censura e isola bem por serem hostis ao Tratado de Lisboa.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — E eis aqui uma das linhas da demarcação da situação política portuguesa.
De um lado os que sempre estiveram, e estão, pelo projecto europeu: são democratas europeístas, querem a Europa por inteiro, não aceitam parti-la às fatias, lutam pelo seu desenvolvimento como União política de Estados soberanos e por um modelo social de bem-estar e solidariedade.
Por isso, os democratas europeístas saúdam os avanços do Tratado de Lisboa, e, desde logo, o facto capital de ele ter fechado três anos de grave crise institucional e sentem-se profundamente orgulhosos de ter sido a presidência do seu País a concluir esse Tratado e de ser da sua capital o nome que ele ostenta.
Aplausos do PS.
Por isso, querem que o processo de ratificação corra bem em toda a Europa, assumido pelas instituições e os processos legítimos, por livre escolha daqueles que os eleitorados por sua vez escolheram. Querem, em suma, que o Tratado esteja em vigor quando se realizarem as próximas eleições europeias.
A estes, os democratas europeístas, as pessoas habituaram-se a vê-los juntos, discutindo e buscando compromissos entre si no Parlamento Europeu. Nunca os viram em convergência táctica com a extremadireita xenófoba e racista, na mesma hostilidade agressiva às instituições europeias.
Mas, do outro lado da linha da demarcação, pesem todos os disfarces, o que vemos é desamor à Europa.
Aliás, tanto se queixam do suposto economicismo da Europa e tanto a querem reduzir a uma simples «caixa multibanco». Bradam contra esse imaginário «altar» do globalismo financista e, afinal de contas, o que propõem é que se lhe vá ao «sacrário» sacar fundos, mais fundos e mais fundos, sem qualquer interesse ou compromisso pelo destino comum.
O Sr. Mota Andrade (PS): — Muito bem!
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — O PCP, honra lhe seja feita, que gosta de vestir pano grosso,…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Grosso, mas limpo, sem nódoas!
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — … não vai de modas: está contra o projecto europeu, porque nele vê, com a limpidez do céu estival, o militarismo e o imperialismo. A luta contra o Tratado é apenas mais um episódio de classe contra classe.
Já o BE, que pretende frequentar a «alta-costura», «maquilha-se» com protestos de «participação outra», «globalização outra», «democracia outra»,…
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Governo outro!
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — … «Europa outra», sempre qualquer coisa outra, tão sedutora quanto ocultada, tão glamourosa quanto indefinida e vazia.
Mas basta que a discussão vá um centímetro além do slogan para que, como prevenia Freud, regresse
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logo o recalcado: o que o Bloco vê na Europa, de acordo com os documentos das suas correntes mais importantes, é, por exemplo, um Estado supra-autoritário, uma estratégia de segurança imperial, além, claro, do sempre eterno neo-liberalismo triunfante que de tanto servir para tudo já não serve para explicar nada.
Deixemos, pois, os anti-europeístas com a psicanálise de seus próprios avatares.
Alegam alguns que o povo português nunca foi chamado a pronunciar-se em nenhum momento da integração e da construção europeia.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É verdade!
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Estão bem enganados, muito enganados!
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Ah, sim?! Basta votar no PS!
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — A sociedade portuguesa tem vindo a pronunciar-se sucessivamente sobre as opções fundamentais de Portugal na Europa e da Europa com o seu futuro, e fá-lo, designadamente, através da mais importante forma democrática que é a eleição periódica por sufrágio universal.
E sempre se pronunciou,…
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Isso é que é demagogia!
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — … sem qualquer margem de ambiguidade, pelo projecto europeu.
Fê-lo em 1975 e 1976, quando escolheu o modelo europeu da democracia pluralista e social. Fê-lo em todas as eleições parlamentares, quando votou expressivamente pelos partidos cujos programas tinham, e têm, por eixo, primeiro, a adesão, depois, a integração e, finalmente, a participação no aprofundamento do projecto europeu.
E o eleitorado português fê-lo também por contraste, colocando sempre como bem minoritárias as forças que foram, em sequência muito lógica e reveladora, contra a democracia representativa, contra a integração europeia, contra a União Económica e Monetária, contra o Tratado Constitucional e agora, logicamente, estão contra o Tratado de Lisboa.
Aplausos do PS.
Hoje, estas forças são mais uma vez isoladas e derrotadas na Assembleia da República.
Tenho é pena que, nesta linha da demarcação tão clara, a oposição de direita tenha preferido adoptar a posição do «nim» em vez de situar claramente o espaço a que, aliás, pertence.
O CDS-PP invoca apenas a palavra dada, mas o próprio CDS-PP, pela representação mais autorizada do seu líder, sustentou aqui, nesta Assembleia, que, tratando-se de uma nova situação política, era precisa uma nova avaliação política e que só se houvesse novas transferências de soberania se justificaria um referendo.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Claro, avaliamos!
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — O CDS-PP é, sim, a vítima do seu próprio problema de mudar de palavra em função de argumentos meramente «tacticistas».
Aplausos do PS.
E as motivações do PSD ainda são mais misteriosas, porque o PSD, em Conselho Nacional, definiu uma nova posição favorável à ratificação parlamentar do Tratado, baseada nos argumentos que passo a citar.
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — O que vocês queriam sabemos nós!
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Primeiro, não é um tratado constitucional; segundo, as informações disponíveis mostram que a larga maioria dos Estados-membros fará a ratificação parlamentar; terceiro, uma eventual consulta referendária em Portugal poderia abrir um grave precedente europeu; e, quarto, a ratificação parlamentar tem a mesma legitimidade democrática do que a referendária.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — São os mesmos argumentos!
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — São os mesmos argumentos! Porquê agora esta posição de «nim» do PSD?!
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O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Queria que fosse outra? Essa é boa!
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Só se for porque o PSD continua recordado da forma como, no seu congresso, a então presidente do congresso, com a aprovação imediata do novo líder, definiu a posição do PSD: «Nós temos de ser contra o referendo para não dar vantagem ao Partido Socialista». São apenas esses argumentos tacticistas que explicam esta posição de «nim» que o PSD aqui usou neste debate.
Aplausos do PS.
Srs. Deputados, nas questões de regime, nas questões de política nacional que têm beneficiado — e bem — de amplo consenso parlamentar, não podemos hesitar, não podemos ser obscuros, não podemos tentar desviar-nos do assunto. Temos de ser inteiramente claros e transparentes na posição que assumimos.
Na sua declaração política, o PSD atacou o Governo — uma opção inteiramente legítima —, mas fê-lo de uma forma absolutamente insólita, citando comentadores. Talvez o tenha feito com medo que citássemos o livro do seu líder decide agora citar comentadores…
O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Outra vez o livro!
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — É congruente com a última linha política que conhecemos ao PSD, o último objectivo que, pelos vistos, hoje ocupa o espírito da liderança do PSD. E esse objectivo é — vejam bem! — fixar os painéis dos comentadores televisivos.
Risos do PSD.
O PSD perdeu a oportunidade. Mas talvez seja interessante pensar por que razão o PSD se ficou pelo «nim», porque a questão europeia também é uma questão da política portuguesa.
O que sabemos hoje, em Portugal, é que quem quiser referir-se ao modelo social europeu apenas pode confiar no Governo e na maioria do PS, porque nós estamos a cuidar da sustentabilidade do Estado social, quando outros, à direita e à esquerda, queriam ignorá-la; porque nós estamos a cuidar do futuro da segurança social pública,…
O Sr. Hugo Velosa (PSD): — A cuidar mal!
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — … quando a direita política e a direita dos interesses queria fragmentá-la; porque, numa palavra, queremos modernizar e qualificar o Estado social segundo o modelo europeu, para que ele possa cumprir as funções sociais que são indispensáveis à coesão, quando o programa do líder actual da oposição é — usando as suas próprias palavras — «privatizar e desmantelar».
Talvez isso explique o «nim» do PSD, que é um dos factos políticos do debate desta moção de censura.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para intervir no encerramento do debate da moção de censura, em nome do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Este debate foi, em alguma medida, um retrato da política deste país.
Durante toda a tarde, a maioria entreteve-se numa ginástica regimental para nos sugerir, em desrespeito absoluto pela Assembleia da República, que onde o Regimento diz que cabe ao Primeiro-Ministro escolher ser ou não ser ele a encerrar em nome do Governo, deve ler-se que o Primeiro-Ministro é aqui uma metáfora, o Primeiro-Ministro é uma espécie de estado de espírito!
Protestos do PS.
É significativo que, em tempo em que fervilham boatos acerca das remodelações, o Ministro Santos Silva «salte» para a tribuna a substituir o Primeiro-Ministro. Sr. Ministro, uma certeza já temos: o senhor não será remodelado! No entanto, também fica claro que o Primeiro-Ministro não quis encerrar este debate. E, permita-me que lhe diga, Sr. Ministro Santos Silva, este debate é, pela sua dignidade constitucional, com o Primeiro-Ministro.
É o único debate que temos até agora — teremos outros até à ratificação parlamentar —, mas é o debate necessário sobre a natureza da política, da palavra dada e sobre a natureza do Tratado europeu. E é sobre isso que importa fazer um brevíssimo «inventário», porque o debate tão esclarecedor foi.
O CDS concorda com a moção de censura, mas abstém-se. Naturalmente, o CDS prefere a conveniência
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às convicções e prefere, estando de acordo com a censura, estar mais próximo do PSD e do PS, porque é mais confortável.
Protestos do CDS-PP.
O PSD, por sua vez, percebeu certeiramente: o PSD é censurado por esta moção de censura. E não o é só por mudar de opinião: Luís Filipe de Menezes, em Pombal, era a favor do referendo; no último congresso, já é contra o referendo. O PSD, aliás, é um partido fácil… É um partido que tem unanimidade no Conselho Nacional a favor do referendo, qualquer que fosse o tratado, mas, logo a seguir, na Comissão Política (e alguns sendo as mesmas pessoas), também vota por unanimidade que já não pode haver referendo! É espantoso que, no contexto dos grandes debates nacionais, o PSD e o seu líder só tenham esta mensagem para o País: «Nós temos alguém para a Caixa Geral de Depósitos, até temos alguém (que pena!) para o BCP e temos alguém para a Quadratura do Círculo, um ortodoxo» — diz Luís Filipe Menezes. «E temos um ortodoxo para a RTP, para a quarta-feira, e talvez tenhamos, também, um outro ortodoxo para a TVI».
Há ortodoxos para todos os gostos! Fica, contudo, um compromisso: aqui, as Sr.as e Srs. Deputados do PSD foram eleitos por listas escolhidas por Pedro Santana Lopes, com um programa escrito por Pedro Santana Lopes, um programa que previa um referendo a propósito do Tratado europeu.
Os senhores perceberam bem: são censurados por esta moção de censura.
Vozes do BE: — Muito bem!
O Sr. Francisco Louçã (BE): — O Partido Socialista tem outro incómodo — aliás, é mais grave ainda. A voz que o Bloco de Esquerda aqui trouxe é, certamente, a nossa, mas também a de muitos eleitores que não têm outra forma de se fazer ouvir. E, se as sondagens falam verdade, a maioria dos eleitores socialistas quer o referendo que o PS recusa e, portanto, a maioria dos eleitores apoia a posição que o PS não quer aceitar.
Homenageio as vozes de Jorge Sampaio, de Manuel Alegre, de António José Seguro, de José Vera Jardim e de muitos outros que respeitaram a sua própria palavra e se mantiveram fiéis ao referendo, porque foram eleitos ou se comprometeram com a sua palavra pelo referendo.
Não deixa de ser significativo, Sr. Primeiro-Ministro, que já se discuta aqui que o referendo seria ilegítimo, incomodativo, que daria argumentos a quem não gosta deste Tratado. Extraordinário argumento, do ponto de vista democrático! Dê, entretanto, um «pulo» até França, Sr. Primeiro-Ministro: em França, o que é que os socialistas franceses fazem? Boicotam a sessão parlamentar. Em nome da exigência de quê? Do referendo. Qual é a diferença consigo? É a latitude? Não! A diferença é que socialista na oposição defende a democracia e socialista no poder quer, acima de tudo, o poder.
Vozes do BE: — Muito bem!
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Argumentos do Governo neste debate: o Tratado de Lisboa, diz o Primeiro-Ministro, é diferente do Tratado Constitucional e no Programa do Governo só tínhamos a obrigação com o Tratado Constitucional.
O problema, Sr. Primeiro-Ministro, é que este argumento tropeça em duas dificuldades: a primeira é que o senhor não prometeu só um referendo sobre o Tratado Constitucional. Mas, quando já não havia Tratado Constitucional, prometeu manter o referendo. Vou citá-lo e perdoe-me a crueldade de o citar a si. O senhor diz o seguinte: «Depois de ter sido chumbado por dois Estados, o Tratado Constitucional (…) foi esse o argumento fundamental que me levou a propor um adiamento desse referendo para a altura em que houvesse um novo consenso político, à volta de outro tratado que pudesse juntar os 27 países».
O Sr. Primeiro-Ministro: — Não, não!
O Sr. Francisco Louçã (BE): — José Sócrates! José Sócrates! Outro tratado! Com um novo consenso! O senhor prometeu um novo tratado, que seria referendado.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Tratado constitucional!
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Em qualquer caso, tem de saber o que promete e, já agora, tem de se manter fiel à sua palavra.
O argumento da diferença é uma armadilha para a sua razão. Este novo Tratado não é constitucional, não tem, portanto, a estrutura constitucional, não tem o hino e a bandeira. Aliás, o senhor anda sempre com o hino e bandeira que não estão no Tratado, mas lá estarão sempre consigo! Mas não é constitucional, embora mantenha as mesmas disposições, e essa a grande razão para a semelhança profunda que o senhor
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defendeu, porque foi o senhor que disse que era o mesmo texto, numa entrevista na SIC. E quando disse que era o mesmo texto, a que é que se referia José Sócrates? Referia-se ao facto de o directório, a regra da decisão, a personalidade jurídica, as competências, em resumo, a estrutura do poder da decisão ser exactamente a mesma.
Por isso mesmo é que este Tratado deve ser referendado e por isso mesmo é que não foi discutido na campanha eleitoral. Nenhum Deputado foi eleito na base de qualquer mandato a este respeito, porque todos, a começar pelos socialistas, disseram que não se trata na campanha eleitoral que nos elege Deputados da matéria europeia porque haverá referendo, cada um dirá o que pensa e cada português e cada portuguesa, a seu tempo, decidirá. Portanto, não há mandato.
É claro que, depois, há uma subtileza, há um truque, é que há um caso em que o Sr. Primeiro-Ministro aceita que pode haver referendo. Coloca-se, aliás, numa situação extraordinária, que é dizer-nos assim: o Tratado é importante? Claro que é! Deve ser referendado? Não deve! O Tratado é decisivo? Claro que é! Deve ser referendado? Não! Mas pode haver outros países europeus que votem um referendo? Há, então, já votamos! Então, sim, já não há qualquer razão a não ser a obediência a estes princípios.
Por isso mesmo, Sr. Primeiro-Ministro, vale, de facto, a pena discutir o conteúdo da Europa.
Mas deixe-me dizer-lhe, por causa do moralismo que o PS invoca tão frequentemente, que o nosso ponto de vista não deixa dúvidas. Nós entendemos que uma moral informa, mas não conforma a política, porque a moral é privada e, portanto, é unicitária e a política é pública e é pluralista. Nenhuma moral se pode impor à política, porque a política tem de ter as regras da democracia e do pluralismo. Mas há uma obrigação que é da política, que é da palavra dada.
Repare-se na arrogância, quando o Sr. Primeiro-Ministro nos diz: «Quem vota no PS é a Europa». E nós somos o quê? Bosquímanos?! Não somos europeus por não concordarmos com o único ponto de vista que o Sr. Primeiro-Ministro defende?!
Aplausos do BE.
Deixe-me dizer-lhe mais: o senhor é um homem fácil! Porque Tony Blair, que é um agente de George Bush, pode ser presidente da Europa. Ele é europeu ou, como diria o ministro, é «alta-costura»! Mas nós, que defendemos uma política para solidariedade social na Europa, já não somos europeus, não cabemos na sua Europa, somos expulsos, somos um não-sujeito. Não se pode dar argumentos a quem defende pontos de vista contrários, diz o Primeiro-Ministro.
E aqui, sim, temos uma divergência: não entendemos o mandato parlamentar como o Sr. Primeiro-Ministro.
Para nós, um mandato é um contrato, é um compromisso, é uma regra, é uma obrigação. Os senhores acham que não deve haver compromisso, que não deve haver mandato, que não deve haver programa. Portanto, a campanha eleitoral é uma artimanha, é preciso manhosos…
O Sr. Alberto Martins (PS): — É uma autocrítica!
O Sr. Francisco Louçã (BE): — … que digam o que quer que seja para ganhar menos aquilo que vão fazer, menos o seu compromisso. E o nosso compromisso é com uma Europa grande.
Risos do Governo e do PS.
Ria-se, ria-se! Exactamente, desprezo e arrogância!
Vozes do PS: — Oh!…
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Os senhores querem uma Europa com um orçamento de 1%. Sei que os Deputados do PS clamam aqui: que beleza de solidariedade social! O orçamento da Europa é 1%; na escala, é 45 vezes menor do que o orçamento português. Querem política social? Aumentem o orçamento! Querem solidariedade? Tem de haver orçamento! Querem compromissos com a protecção social? Uma Europa grande é uma Europa que tem os recursos, que quer a solidariedade e tem de ter democracia.
Não há impostos sem representação. Os senhores querem esconder a Europa da democracia e, por isso, querem fechá-la. O directório é uma resposta para a falta de orçamento, é uma resposta para a falta de política social. Uma Europa sem protecção é uma visão que permite mobilizar os europeus. Sem democracia, a Europa está condenada e os senhores querem que um conjunto de directores da Europa, blindando-se, fugindo, tendo medo dos europeus, decidam contra eles e em nome deles.
Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, o fechamento democrático de que é sintoma não respeitar a palavra dada é muito grave. É longa a lista: gestão autoritária nas escolas; concentração de polícias; base de dados genéticos; fecho de serviços públicos, lei de imprensa ameaçadora; despedimentos sem justa causa; intimidação a funcionários públicos; atemorização de sindicatos e a retirada do referendo. Em todas estas matérias, o senhor falhou ao País e quando era preciso que houvesse um novo rumo, que se cumprissem promessas, o senhor falhou naquilo que é o coração da política, que é o respeito pelos eleitores, o respeito por
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si próprio, o respeito pelo contrato político.
Portugueses e europeus, nós sabemos que é em nome da democracia que este Governo tem de ser censurado, merece ser censurado, está censurado, Sr. Primeiro-Ministro.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, está encerrado o debate da moção de censura, pelo que vamos passar à votação.
Uma vez que a votação é feita por levantados e sentados e voto electrónico, não é necessário haver verificação de quórum. Assim, peço que ocupem os vossos lugares e introduzam o cartão de voto electrónico, para passarmos à votação da moção de censura n.º 1/X.
Pausa.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, antes de anunciar o resultado da votação, chamo a atenção que, no quadro electrónico, os 12 votos de abstenção do CDS-PP estão no lugar do PCP e os 11 votos a favor do PCP estão no lugar do CDS.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, será necessário proceder a essa correcção.
Pausa.
Srs. Deputados, mantém-se no quadro electrónico a alteração das posições do CDS-PP com o PCP, que será oportunamente corrigida no painel, bem como o voto da Sr.ª Deputada não inscrita Luísa Mesquita, que não consta, e mais dois Srs. Deputados, um do PSD e outro do PS, que não puderam efectivar o voto electrónico.
Submetida à votação, foi rejeitada, com 114 votos contra (do PS), 23 votos a favor (do PCP, do BE, de Os Verdes e da Deputada não inscrita Luísa Mesquita) e 80 abstenções (do PSD e do CDS-PP).
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, gostaria de tirar uma dúvida, porque o Sr. Presidente disse que havia dois Deputados do Partido Social Democrata…
O Sr. Presidente: — Não, Sr. Deputado, um do Partido Social Democrata e um do PS que sinalizaram à Mesa não terem efectuado a inserção do cartão electrónico. Portanto, adicionámos esses dois votos.
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Se assim é, Sr. Presidente, do ponto de vista electrónico, estavam sinalizados 68 votos, do PSD, mais 12, do CDS, o que perfaz 80, e mais 1 do PSD, que não estava sinalizado, o que dá um total de 81 abstenções.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, o resultado corrigido da votação da moção de censura n.º 1/X é o seguinte: foi rejeitada, com 23 votos a favor (do PCP, do BE, de Os Verdes e da Deputada não inscrita Luísa Mesquita), 114 votos contra (do PS) e 81 abstenções (do PSD e do CDS-PP).
O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Velosa.
O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Sr. Presidente, queria informar a Mesa que os Srs. Deputados Guilherme Silva, Correia de Jesus e eu próprio iremos entregar, de imediato, uma declaração de voto escrita.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, a nossa próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 15 horas, dela constando um período para declarações políticas e a apreciação conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 431/X, do PS e do PSD, sobre a Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, e 438/X, do PCP, 440/X e 441/X, do CDS-PP, 445/X, do BE, e 81/X, de Os Verdes, que sobem a Plenário por tratarem matéria conexa).
Está encerrada a sessão.
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Eram 18 horas e 35 minutos.
Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, relativa à votação da moção de censura n.º 1/X
Os Deputados do PSD eleitos pelo círculo eleitoral da Madeira só se abstiveram na votação da moção de
censura ao Governo apresentada pelo Bloco de Esquerda por estar em causa questão sujeita à disciplina do
voto.
Não fosse tal circunstância teriam votado a favor da moção, porque a atitude hostil do Governo socialista
em relação à Região Autónoma da Madeira outra posição não justificaria.
Com efeito, desrespeitando os próprios compromissos assumidos, o Governo e a maioria socialista
aprovaram, na Assembleia da República, apenas com o seu voto favorável, uma nova Lei de Finanças das
Regiões Autónomas discriminatória e extremamente gravosa para a Região Autónoma da Madeira.
Por sua vez, na Lei do Orçamento do Estado para 2008, em parte como consequência do carácter gravoso
da nova Lei de Finanças, o Governo e a maioria voltaram a discriminar negativamente a Região Autónoma da
Madeira, lesando elementares interesses das suas populações, violando o princípio constitucional de
solidariedade e rejeitando todas as propostas apresentadas pelos Deputados do PSD da Madeira, incluindo as
que não envolviam qualquer aumento de despesa.
Na linha da sua atitude sectária e persecutória em relação à Região Autónoma da Madeira, o Governo da
República recusa-se a assegurar o financiamento da componente nacional dos projectos, no âmbito do QREN,
relativos à Região e vem, sistematicamente, negando a necessária autorização para a obtenção de
empréstimos junto do BEI para tal efeito.
A isto acresce a circunstância de a totalidade dos compromissos assumidos pelo Estado para com a
Região não ter tido, praticamente, qualquer seguimento, desde o início desta Legislatura até à presente data,
nada se tendo alterado com a designação do Ministro da Presidência para acompanhar as questões das
regiões autónomas.
A instrumentalização partidária do Estado, a total quebra do dever de cooperação, a falta de sentido
institucional nas relações com os órgãos de governo próprio da Região Autónoma da Madeira, pondo em
causa a unidade e a coesão nacionais, são razões de sobra para que os Deputados signatários não possam
deixar de expressar, nesta oportunidade, a mais veemente condenação e censura à acção política do Governo
da República.
Os Deputados do PSD, Guilherme Silva — Correia de Jesus — Hugo Velosa.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
Luís Miguel Pais Antunes
Paulo Miguel da Silva Santos
Vasco Manuel Henriques Cunha
Zita Maria de Seabra Roseiro
Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:
Partido Socialista (PS):
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Srs. Deputados que faltaram à verificação do quórum de deliberação (n.º 29 da Resolução n.º 77/2003, de
11 de Outubro):
Partido Social Democrata (PSD):
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
Mário Patinha Antão
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Partido Socialista (PS):
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Manuel Alegre de Melo Duarte
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Partido Social Democrata (PSD):
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
Mário Henrique de Almeida Santos David
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL