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Sábado, 9 de Fevereiro de 2008 I Série — Número 46

X LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2007-2008)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 8 DE FEVEREIRO DE 2008

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Isabel Coelho Santos
Fernando Santos Pereira

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 10 minutos.
A Câmara procedeu ao debate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar de Os Verdes, sobre o Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico. Na abertura do debate, intervieram a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes) e o Sr. Secretário de Estado do Ambiente (Humberto Rosa).
Em seguida, usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado do Ambiente, os Srs. Deputados José Miguel Gonçalves (Os Verdes), Luís Fazenda (BE), José Eduardo Martins (PSD), António Carlos Monteiro (CDSPP), Agostinho Lopes (PCP), Ramos Preto (PS) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
No encerramento do debate, intervieram o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva) e o Sr. Deputado José Miguel Gonçalves (Os Verdes).
Foi apreciada, na generalidade, a proposta de lei n.º 174/X — Estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou protecção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de protecção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva 2004/83/CE, do Conselho, de 29 de Abril, e a Directiva 2005/85/CE, do Conselho, de 1 de Dezembro.
Pronunciaram-se, a diverso título, o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna (José Magalhães) e os Srs. Deputados Nuno Magalhães (CDS-PP), Miguel Macedo (PSD), Celeste Correia (PS), José Moura Soeiro (BE) e António Filipe (PCP).
Entretanto, foram rejeitados, na generalidade, os projectos de lei n.os 442/X — Altera a Lei n.º 53-B/2006, de 29 de Dezembro (CDS-PP), 446/X — Alteração à Lei n.º 53B/2006, de 29 de Dezembro, que cria o indexante dos apoios sociais e novas regras de actualização das pensões e outras prestações sociais do sistema de segurança social (PCP) e 447/X — Altera a Lei n.º 53-B/2006, de 29 de Dezembro, que cria o indexante dos apoios sociais e novas regras de actualização das pensões e outras prestações sociais do sistema de segurança social (BE).
Foi aprovada, na generalidade, a proposta de lei n.º 173/X — Estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de

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proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva 2005/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Outubro de 2005, e a Directiva 2006/70/CE, da Comissão, de 1 de Agosto de 2006, relativas à prevenção da utilização do sistema financeiro e das actividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, procede à primeira alteração à Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto, e revoga a Lei n.º 11/2004, de 27 de Março.
Foram rejeitados os projectos de resolução n.os 253/X — Criação de uma comissão eventual de acompanhamento da construção do novo aeroporto de Lisboa (CDS-PP) e 258/X — Constituição de uma comissão eventual para a análise e acompanhamento dos estudos e da construção do futuro aeroporto internacional de Lisboa (PSD).
Em votação global, mereceu aprovação a proposta de resolução n.º 66/X — Aprova o Acordo de Cooperação entre a Comunidade Europeia e os Seus Estados-membros, por um lado, e a Confederação Suíça, por outro, para lutar contra a fraude e quaisquer outras actividades ilegais lesivas dos seus interesses financeiros, incluindo a Acta Final com Declarações e a Acta Aprovada das negociações àquela anexa, assinado no Luxemburgo em 26 de Outubro de 2004.
Foi aprovado, na generalidade, o projecto de lei n.º 405/X — Estatuto do Representante da República nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira (PS, PSD, PCP, CDS-PP, BE e Os Verdes).
Após os Srs. Deputados Ana Drago (BE) e Jorge Machado (PCP) terem fundamentado, respectivamente, os inquéritos parlamentares n.os 4/X — Comissão eventual de inquérito parlamentar à cooperação do Estado português com o transporte de prisioneiros para a prisão de Guantánamo (BE) e 6/X — Responsabilidades do XV, XVI e do XVII Governos Constitucionais e de organismos sob a sua tutela, na utilização do território nacional, pela CIA ou outros serviços similares estrangeiros, para o transporte aéreo e detenção ilegal de prisioneiros (PCP) e de também terem usado da palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e os Srs. Deputados José Cesário (PSD), Helder Amaral (CDS-PP), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Renato Leal (PS), aqueles inquéritos foram rejeitados.
Foi também rejeitado o projecto de resolução n.º 263/X (PCP) — Cessação de vigência do Decreto-Lei n.º 322/2007, de 27 de Setembro, que fixa o limite máximo de idade para o exercício de funções dos pilotos comandantes e co-pilotos de aeronaves operadas em serviços de transporte comercial de passageiros, carga ou correio [apreciação parlamentar n.º 55/X (PCP)].
A Câmara aprovou, ainda, dois pareceres da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura, autorizando um Deputado do PSD e outro do PS a prestarem depoimento por escrito, como testemunha, em tribunal.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 13 horas.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha Almeida Pereira
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
António Ribeiro Gameiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
David Martins
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jacinto Serrão de Freitas
Jaime José Matos da Gama
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal

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Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel José Mártires Rodrigues
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos Sá Rodrigues
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Eugénia Simões Santana Alho
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Marisa da Conceição Correia Macedo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Renato Luís Pereira Leal
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rita Manuela Mascarenhas Falcão dos Santos Miguel
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Vasco Seixas Duarte Franco
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Vítor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD):

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Abílio André Brandão de Almeida Teixeira
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Zita Barbas Marvão Alves Gomes
António Joaquim Almeida Henriques
António Ribeiro Cristóvão
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos António Páscoa Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Freire Antunes
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Mendes Bota
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
José de Almeida Cesário
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Miguel Pereira de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Olímpia do Nascimento Castro Candeias
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Mário Patinha Antão
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Miguel de Santana Lopes
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos

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Ricardo Jorge Olímpio Martins
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Vasco Manuel Henriques Cunha

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
José Helder do Amaral
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Francisco José de Almeida Lopes
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Batista Mestre Soeiro
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Miguel Tiago Crispim Rosado

Bloco de Esquerda (BE):
Ana Isabel Drago Lobato
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
José Borges de Araújo de Moura Soeiro
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
José Miguel Pacheco Gonçalves

Deputado não inscrito em grupo parlamentar:
Maria Luísa Raimundo Mesquita

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, vamos iniciar os nossos trabalhos com um debate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes», sobre o Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico.
Para abrir o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

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A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico, que tem impactos gravíssimos e irreversíveis para o País, não pode passar à margem do Parlamento, como o PS pretendia. Mas, no dia em que Os Verdes agendam potestativamente o debate, o Ministro do Ambiente não comparece, e compreendese porquê. Mas os membros do Governo aqui presentes farão o favor de explicar as declarações vergonhosas de um Ministro, que do Ambiente só tem mesmo o título, quando, publicamente, afirmou que os estudos de impacte ambiental a realizar a cada uma das 10 barragens previstas no Programa não irão impedir a sua construção, reconhecendo, por isso, que serão um mero proforma, e que há valores que têm de ser sacrificados, referindose à construção da barragem da Foz do Tua, em zona de paisagem classificada pela UNESCO do Alto Douro Vinhateiro, fonte e potencial de desenvolvimento e de enriquecimento daquelas regiões e das suas gentes.
Isto vindo de um titular da pasta do Ambiente é bem demonstrativo dos interesses que verdadeiramente o Governo visa servir.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os objectivos traçados no Programa de Barragens são a diminuição da dependência energética do exterior e a redução de emissões de CO
2
. São objectivos importantes, sem dúvida, os quais Os Verdes reclamam, há anos, em termos de política energética. O problema é que o Governo quer fazer crer que estes objectivos só serão promovidos com a construção destas barragens, o que, no nosso entender, não é verdade.
Em primeiro lugar, porque a diminuição da dependência do exterior faz-se, desde logo, com a poupança energética. Onde está o Plano Nacional de Eficiência Energética. Porque é que não houve pressa em apresentá-lo? Aliás, este Programa de Barragens parte exactamente do princípio de que os consumos energéticos são para continuar a crescer exponencialmente, o que é lamentável quando há estudos realizados no País que asseguram que estamos em condições de poupar cerca de 30% da energia consumida.
Em segundo lugar, sendo certo que há um caminho a prosseguir nas fontes renováveis de produção energética muito grande, não é este o caminho, porque, afinal, os 10 empreendimentos previstos neste Programa, destinados a produzir 1100 Mw, só vão produzir 3% do consumo de energia eléctrica e só vão contribuir em 1% para a atingir as nossas metas relativas ao Protocolo de Quioto.
Uma política de transportes actuaria de uma forma mais eficaz nos dois objectivos propostos, porque é neste sector que assenta a grande dependência do petróleo e é dos sectores que mais contribuem para as emissões de CO
2
.
Conclusão: há alternativas sustentáveis para atingir os mesmos objectivos com muito menos estragos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por mais que o Governo tente pintar este Programa de Barragens de verde, não consegue escamotear os seus gravíssimos impactos ambientais, culturais, patrimoniais, sociais e económicos.
E, certamente, não foi por acaso que o Governo desrespeitou uma série de pontos inscritos no decreto-lei que prevê a avaliação ambiental de planos e programas, quando não relacionou o Programa de Barragens com outros pertinentes planos, como o de Eficiência Energética ou como os de Bacia Hidrográfica, ou quando não fez a avaliação dos efeitos cumulativos destes empreendimentos, no que respeita, por exemplo, à degradação da qualidade da água, aos efeitos sobre a actividade agrícola, ao agravamento da desertificação ou ao impacto do défice de transporte de inertes sobre o litoral nas seis barragens previstas para a bacia hidrográfica do Douro, especialmente se somadas às muitas outras barragens que já lá existem.
De resto, é a própria CCDR Norte que reconhece, no seu parecer, que não foi feita a devida avaliação dos impactes sobre a erosão costeira da retenção de inertes decorrente da construção destas barragens e considerou, inclusivamente, necessário referir que os tão propagandeados efeitos de desenvolvimento local advenientes da construção de uma barragem não estão minimamente provados, até porque, à falta de argumentos verdadeiros, o Programa refugia-se — imaginem, Srs. Deputados! — em argumentos como o de que a construção de uma barragem contribui para diminuir o analfabetismo e para aumentar a esperança de vida das populações.
Quanto a este ímpar desenvolvimento social que o Governo pretende associar à construção de uma barragem, é o próprio Sr. Presidente da Câmara Municipal de Abrantes, da vossa cor política, que, referindose à sua experiência concreta e, portanto, à barragem de Castelo de Bode, afirma o seguinte: «Se

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perguntarmos quais foram os efeitos do desenvolvimento que ela teve na comunidade, foi zero. E ainda teve efeitos profundamente negativos porque todas as freguesias do norte do concelho entraram em processo acelerado de abandono». Como prémio de consolação, o Governo pretende agora oferecer-lhes outra barragem — a do Almourol.
Este processo caracterizou-se por uma grande falta de rigor na avaliação dos impactes, agravada ainda pela forma acelerada como a aprovação do Programa decorreu, celeridade nunca antes vista para outros projectos e até estranhada por uma equipa da BBC que assegurou que, em Inglaterra, um programa desta natureza, ao contrário do que aconteceu em Portugal, seria objecto de uma ampla discussão pública e de uma morosidade natural.
Neste quadro, Os Verdes não podem deixar de denunciar que o Ministro do Ambiente, no dia em que torna público o seu aval ao Programa, tenha imediatamente declarado que a barragem da Foz do Tua entraria em construção já este ano e tenha criado todas as condições, incluindo a alteração legislativa, para garantir a concessão da barragem da Foz do Tua à EDP — EDP e outras empresas hidroeléctricas que, ao abrigo da nova Lei da Água, passarão a ser os donos dos nossos rios.
Srs. Membros do Governo: O nosso apelo, manifestado também por inúmeras entidades e movimentos reconhecidos, designadamente no decurso da audição pública promovida por Os Verdes, é para que o Governo repondere todo este processo e para que, ao invés de impor factos consumados, permita o aprofundamento dos estudos e da consulta pública, em nome do desenvolvimento sustentável. É este o apelo que Os Verdes aqui hoje deixam ao Governo.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Governo, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente (Humberto Rosa): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vivemos no mundo e no tempo das alterações climáticas, que, como os Srs. Deputados sabem, foram erigidas ao lugar cimeiro da política internacional em 2007. E as alterações climáticas fazem bem em estar nesse lugar cimeiro porque são, porventura, a maior evidência da insustentabilidade global do nosso desenvolvimento e, em particular, das origens da nossa energia, do uso de combustíveis fósseis.
O futuro energético da humanidade terá de ser outro, terá de ser um futuro que recorre àquelas fontes de energia que se renovam, que se repõem, a um ritmo temporal compatível com a escala humana. O futuro terá de ser, em suma, de energia limpa, de energia renovável, de energia com escassas emissões de gases com efeitos estufa.
A União Europeia deu um contributo fundamental para este lugar cimeiro da política de alterações climáticas com o seu vanguardista pacote energia/clima da passada Cimeira da Primavera de 2007. As decisões e metas do Conselho Europeu foram, aliás, fundamentais para impulsionar, pelo poder do exemplo, o acordo alcançado em Bali, que nos permite negociar um novo futuro climático para o planeta: 20% de redução unilateral de emissões até 2020, podendo ir a 30%, se outros países desenvolvidos fizerem esforço comparável; mais 20% de eficiência energética até 2020; 20% de energia renovável no mix energético total até 2020; e 10% de biocombustíveis até 2020. Estas são as metas comunitárias.
E Portugal disse «presente» a estas metas. Portugal já definiu o seu modelo energético futuro. Não será a continuidade da dependência externa, não será o prolongamento da dependência dos combustíveis fósseis, não será a energia nuclear! O futuro energético português será um futuro de mais eficiência energética e um futuro de energias renováveis.
Quanto à electricidade, já demos evidência imediata disso ao subirmos a meta nacional de 39% para 45% em 2010 Para os biocombustíveis antecipámos em 10 anos a meta comunitária, isto é, teremos 10% em 2010 em vez de 2020. E repare-se como, para o período pós-Quioto, para as metas de 2020, a Comissão Europeia já apresenta as suas propostas de partilha de esforço. E o esforço para o mix de consumo total de energia renovável para Portugal situa-se em 31%, em lugar dos actuais 15% a 20% da energia total.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Bem sabemos que Portugal tem uma elevada dependência externa energética, mas tem outra coisa elevada, tem um potencial elevado de energias renováveis, de energias endógenas. Temos rios, vento, sol, ondas, marés, biomassa, biogás e geotermia para aproveitar. Temos potencial em todas estas frentes, temos de o aproveitar e vamos aproveitá-lo.

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Olhemos directamente para o potencial hídrico. Temos um elevado potencial hídrico por aproveitar. Temos cerca de 54% de potencial hídrico por aproveitar no nosso país. De entre os países com tal potencial, com potencial elevado, somos dos países europeus que menos usam o seu potencial hídrico. Deveríamos, porventura, prescindir dele?! Deveríamos, porventura, considerar que o nosso futuro de energia renovável, as nossas metas nacionais e comunitárias, a nossa sustentabilidade se alcançaria sem recurso ao potencial hídrico e ao potencial hidroeléctrico?! É uma perigosa ilusão pensar que sim, que poderíamos, sem mais barragens, alcançar os nossos objectivos.
Pensemos na eficiência energética. Temos muitíssimo potencial em eficiência energética a alcançar. Há imenso a fazer em eficiência energética em todas as frentes: nos transportes, no sector residencial e serviços, na indústria, no Estado, no comportamento e gestão da procura e na fiscalidade.
O nosso futuro energético passa pela eficiência, sim, senhor, e, por isso mesmo, está para muito breve passar para discussão pública o Plano Nacional de Eficiência Energética, mas todas as projecções mostram que a eficiência não bastaria para as necessidades.
Mas imaginemos que bastava, imaginemos que só com a eficiência alcançávamos as nossas metas. Srs. Deputados, não nos faltam fontes de energia poluente que pode ser substituída por energia hídrica. Ou alguém prefere uma central termoeléctrica a carvão a uma barragem?! Ou, porventura, uma central nuclear a uma barragem?! Mais: o nosso potencial hídrico não serve só para a produção hidroeléctrica, serve também para potenciar outras fontes de energia renovável. Bem sabemos que a energia eólica, por exemplo, não é armazenável por natureza e bombear a água de volta nas horas em que não podemos usar energia eléctrica eólica permite armazenar indirectamente essa energia. As fontes de energia renovável não se substituem, complementamse.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Podemos concluir que, infelizmente, o País precisa de mais barragens. E porque é que digo infelizmente? Por razões muito óbvias. As barragens não têm só vantagens, todos o sabemos! As barragens têm impactes, sim, senhor! Isso é bem conhecido. As albufeiras alagam territórios, afectam a biodiversidade, alteram ecossistemas, perturbam o uso do solo, modificam os regimes naturais dos rios e sedimentos. Sabemos tudo isso! Elas são simplesmente necessárias, fruto das vantagens que também trazem. E, como tal, temos de fazer as barragens que compensam as desvantagens, e só essas, não todas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como é que tem sido, até hoje, o planeamento do debate sobre barragens? Surge uma barragem em debate, gera-se o grupo anti-barragem e o grupo pró-barragem.
Pensemos no Alqueva, em Foz Côa e no Baixo Sabor. Isto acabou, Srs. Deputados! Iniciámos um novo método, de que muito nos orgulhamos, de consensualizar o uso do potencial hídrico nacional. Temos orgulho na metodologia, que começou por definir onde estamos, qual a nossa produção hidroeléctrica actual, qual é a que já está em implementação, e essa passa, sobretudo, pelo reforço de potência — estou a referir-me a Alqueva, Picota e Bemposta — e definir quanto é que precisamos em 2020 para as nossas metas comunitárias.
Listaram-se, então, os 25 empreendimentos de maior potencial e escolheram-se cinco factores críticos para os seleccionar: alterações climáticas; biodiversidade; recursos naturais e culturais; riscos naturais e tecnológicos; desenvolvimento humano e competitividade. O ambiente surge em três dos cinco factores: alterações climáticas, biodiversidade e recursos naturais.
O resultado foi seleccionar os 10 empreendimentos em que existe o melhor equilíbrio entre desvantagens e vantagens. Mas também foram não seleccionados 15. Podemos dizer que há agora 10 aproveitamentos hidroeléctricos que com muita probabilidade serão feitos e outros tantos que muita probabilidade não serão feitos.
Queria só dar um par de exemplos.
Basta ver que aproveitamentos de grande potencial hidroeléctrico não foram feitos pela simples razão de conflituarem com interesses naturais. É o caso da barragem de Asse-Dasse, no Parque Natural da Serra da Estrela, que teria um potencial de produção de energia de 232 GW/ano, ou a barragem de Alvarenga, no rio Paiva, que vai manter-se livre de barragens fruto deste processo de selecção, com um potencial de 257 GW/ano.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O plano nacional de barragens está aí para escrutínio público e político. Foi o primeiro alvo de uma avaliação ambiental estratégica pelas regras, pelo decreto que aprovou esta fórmula:

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foram consultadas entidades públicas ligadas ao ambiente e ao património; a consulta pública decorreu por 30 dias úteis, com ampla divulgação; houve amplo debate; o plano foi facultado às autoridades espanholas, foi apresentado à Comissão Eventual para o Acompanhamento das Questões Energéticas da Assembleia da República e foi levado ao Conselho Nacional da Água.
O processo de avaliação ambiental estratégica e a consulta pública influíram no resultado final, naquilo que é o plano. Estamos perante um novo paradigma no debate, de planeamento e concertação social em torno de aproveitamentos hidroeléctricos. Tiremos proveito dele para fazermos as barragens que devemos e de que precisamos, e não as outras.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Miguel Gonçalves para pedir esclarecimentos.

O Sr. José Miguel Gonçalves (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, o Programa Nacional de Barragens comporta, para além dos impactes ambientais, impactes sociais e económicos que não foram, até agora, considerados e dos quais importa dar alguns exemplos concretos.
Pegando na barragem do Tua, gostaria de falar-vos da freguesia de Candelo, no concelho de Murça, que será uma das mais atingidas pela barragem.
A freguesia de Candelo tem actualmente 1252 habitantes, sendo cerca de 900 deles agricultores. A submersão de parte dos terrenos, a acontecer, ditará o abandono da actividade agrícola, para uns, e a necessidade de procurar terras em outras localidades, para outros.
Por outro lado, existem ainda aqueles que, não tendo direito a qualquer indemnização, ficarão irremediavelmente afectados no exercício da sua actividade, ou porque são arrendatários da terra ou porque são assalariados da actividade agrícola.
Mas as consequências atingem também a Adega Cooperativa de Murça, onde ainda recentemente foram efectuados investimentos na ordem dos 8 milhões de euros, com recurso a financiamentos públicos e a crédito bancário. Segundo os seus dirigentes, a Adega Cooperativa de Murça, com uma produção de 9000 pipas de vinho generoso e de mesa, poderá vir a perder cerca de 5000 pipas de produção, o que poderá ditar a incapacidade da Adega Cooperativa em cumprir com os seus compromissos financeiros, podendo levar ao seu encerramento, com as consequências inevitáveis para os demais viticultores.
Mas, para não falar só no Tua, quero dar também o exemplo daquilo que se passa com a barragem de Almourol, que, para além dos impactos em zonas habitacionais, como no Rio de Moinhos e no Rossio ao Sul do Tejo, irá submergir todos os investimentos de requalificação de zonas ribeirinhas que tiveram por detrás uma linha de financiamento comunitária chamada Vale Tejo.
Para o município de Abrantes será o fim de um projecto âncora no desenvolvimento do concelho, assente na ligação da cidade à água, e do que isso significa em termos de potencialidades na área do lazer, do turismo e do desporto, para além de colocar em causa investimentos, já aprovados, na ordem dos 20 milhões de euros.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, o prometido desenvolvimento económico e social das populações que se pretende atrelar ao Programa Nacional de Barragens não é suportado com as várias experiências do País.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Pois não!

O Sr. José Miguel Gonçalves (Os Verdes): — Aliás, se assim fosse, já hoje toda a região da bacia hidrográfica do Douro seria um pólo de excelência e desenvolvimento, com as 14 barragens actualmente construídas.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Muito bem!

O Sr. José Miguel Gonçalves (Os Verdes): — Na opinião de Os Verdes, as potencialidades de desenvolvimento económico e social estão naquilo que será irremediavelmente afectado com a construção

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destas barragens. No caso específico do Vale do Tua estão no seu património edificado, nomeadamente na linha do Tua e nos seus socalcos, que levaram à classificação do Douro Vinhateiro como Património Mundial, mas também no seu património agrícola, abrangido pela região demarcada, e no seu património ambiental, caracterizado por uma enorme biodiversidade e habitats únicos.
Sr. Secretário de Estado, gostaria de perguntar-lhe por que está Portugal entre os cinco países que ainda não entregaram o plano de acção nacional de eficiência energética a Bruxelas. Quanto ao aproveitamento da energia eólica por parte das barragens, por que não aproveitar esta energia eólica nas barragens que já estão construídas?

A Sr.ª Heloísa Apolónia (os Verdes): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, noto alguma variação no discurso de V. Ex.ª e no do Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional em relação ao plano nacional de barragens.
Enquanto que o Sr. Ministro do Ambiente secundarizou, de certa forma, o potencial energético deste plano e tendeu a valorizar o que ele considera os grandes armazéns de água para regularização climática, constatei na sua intervenção que o Sr. Secretário de Estado valorizou fortemente o potencial energético. Ele tem algum impacto, é, no entanto, reduzido, é modesto em relação ao que possam ser os nossos objectivos energéticos.
Creio que, neste debate, também não é necessário utilizarmos alguma espécie de terrorismo, porque para discutirmos a questão das barragens não precisamos que nos assustem com centrais nucleares — vamos estudar cada uma das opções.
Disse o Sr. Secretário de Estado que há uma medida importante para o Governo, que é a da consensualização. Ora bem, era por aí que eu queria começar a questioná-lo.
A autarquia de Abrantes não está de acordo com a barragem de Abrantes; a autarquia de Amarante não está de acordo com a barragem do Fridão; a maior parte dos autarcas ligados à linha do Tua não estão de acordo com a barragem no Tua.

O Sr. Mota Andrade (PS): — Não é verdade!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — E porquê? Por razões que têm que ver com o bem-estar das populações, com o equilíbrio paisagístico, com o que consideram o seu património e com a ausência de proventos directos que possam daí obter para as suas zonas geográficas.
Portanto, não se entende como é que, neste momento, se faz finca-pé em relação à barragem do Tua, que vai destruir um sem número de pontes, que vai eliminar a via do caminho-de-ferro, que vai destruir aquilo que é característico daquela paisagem, Património Mundial da Humanidade, sem que com isso haja contrapartidas visíveis. Não se entende porquê! Temos até limitações fortíssimas, severas, por parte da CCDR Norte em relação a este empreendimento.
Portanto, Sr. Secretário de Estado, onde está a consensualização? Onde é que está a vantagem? Ninguém é contra o aproveitamento do potencial hídrico para fins energéticos, mas é preciso saber como e quando se executam essas barragens.
Vamos ao caso do Fridão. Será que a autarquia de Amarante se engana completamente ao dizer que não quer ficar no meio de uma albufeira de águas paradas? Será que isso não tem consequências no ecossistema e na qualidade de vida das populações? Consensualização com a autarquia de Amarante? Não parece existir.
Quanto a Abrantes, a previsão da barragem destrói todo um conjunto de infra-estruturas e modifica a frente ribeirinha de Abrantes. A autarquia está contra. Sr. Secretário de Estado, onde está a consensualização? Portanto, o debate é este: o que fazer acerca da consensualização, que manifestamente não existe?

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.

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O Sr. Luís Fazenda (BE): — E aqui não há respostas políticas nem coerência discursiva da parte do Governo. Creio que por isto estará um pouco explicada a ausência do Sr. Ministro do Ambiente.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para formular o seu pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Eduardo Martins.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, ao contrário dos grupos parlamentares que intervieram anteriormente, gostava de dizer, sem nenhum cinismo, que, por mim, não lamento a ausência do Sr. Ministro do Ambiente, porque ao fim de três anos de debates aqui, no Parlamento, temos sempre a garantia de que com V. Ex.ª elevamos um bocadinho o nível do debate e discutimos as coisas mais a fundo do que faríamos se cá estive o Ministro. Tenho a certeza disto.
Sr. Secretário de Estado, de facto, a questão das barragens, trazida hoje à discussão por Os Verdes, suscita sempre algum entusiasmo, porque, como disse o Sr. Deputado Luís Fazenda, não há barragens sem impactos sobre os ecossistemas. As barragens, por definição, alteram a dinâmica dos rios, o que bule com o movimento das espécies, transforma a passagem dos sedimentos, acelera fenómenos de erosão. Não há barragens sem impactos sobre os ecossistemas. E, portanto, esse é um tema fácil de trazer a este Plenário.
Pegando pelo tema da conservação da natureza, eu diria que, hoje, até fazia mais sentido perguntarmos ao Governo pela coerência. É que, depois de ter demorado três anos a embargar o que se passava na Costa Vicentina, nem 15 dias depois produziu uma declaração de utilidade pública para desafectar 750 ha de Reserva Ecológica Nacional na Herdade da Comporta sem sequer ter cuidado de fazer um estudo de avaliação de impacte ambiental, mas apenas um estudo de incidências ambientais.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — É que se é verdade que as barragens têm objectivamente impacte nos ecossistemas, estamos perante uma daquelas situações em que temos de pesar vantagens e desvantagens.
Não preciso do medo das centrais nucleares. Basta-me lembrar que a maior parte da energia hoje produzida no mundo, quase dois quintos, é produzida com recurso a centrais de carvão, de que temos alguma, que a seguir vêm as centrais de gás natural e que as hidroeléctricas, felizmente, ainda estão, e devem continuar a estar, no ranking de produção, à frente das centrais nucleares.
O Brasil e a Noruega, como vários países no mundo, e países de grande potencial de biodiversidade, dependem muito da energia hidroeléctrica para suprir os seus problemas de segurança e de abastecimento de energia.
Ora, o problema é que Portugal, como já hoje aqui foi referido, importa 80% da sua energia, tem uma situação de vulnerabilidade que ainda é maior do que a situação de vulnerabilidade energética da Europa. Ora, nós não temos gás natural, não temos petróleo. O que é que temos? Temos vento, no nosso caso particular temos 2500 horas de sol, temos uma costa marítima e temos recursos hídricos. Temos de os aproveitar todos e de fazer desse mix a inversão do paradigma de exagero de consumo e de produção de energia eléctrica que temos em Portugal.
Ora, quando importamos 80% da energia primária é evidente que a energia hídrica e as barragens não podem ficar de fora destes aproveitamentos.
Sr. Secretário de Estado, agradecendo-lhe a elevação e a seriedade que sempre coloca nos debates que connosco trava na Assembleia da República, a verdade é que – e nem sequer pretendendo responsabilizá-lo, a não ser pela circunstância de ser membro colectivamente de um Governo pelo qual todos os respondem quando aqui estão perante nós –, na semana passada, decorreu em Bruxelas a semana da eficiência energética e Portugal, que passa a vida a pôr anúncios nas paredes a dizer que tem a maior taxa de crescimento de energia eólica, era o País cuja posição era a mais clara porque, pura e simplesmente, era branca, no que diz respeito à apresentação do plano de eficiência energética que está obrigado a apresentar.
Ora, quando somos o País que tem a pior eficiência energética da Europa,…

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O Sr. Miguel Almeida (PSD): — Muito bem!

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — … melhor seria que o Governo não «enchesse só o peito» com as barragens mas não passasse a vergonha em Bruxelas de ter a Comissão a explicar ao resto da Europa que estamos entre os quatro ou cinco países que se atrasaram e que não apresentaram, como era sua obrigação, um plano de eficiência energética sério para resolver o maior problema de desperdício de energia, que é o problema da maneira como a consumimos.
O segundo aspecto que era importante ter em atenção é que a energia renovável não é só os grandes aproveitamentos eléctricos ou a energia eólica.
O Sr. Secretário de Estado disse, e bem, que temos biomassa. Sim, mas não temos muita, e temos 100 MW de biomassa atribuídos. Temos energia solar, mas, obviamente, aquilo que temos de potencial previsto para atribuição de produção de energia solar não é suficiente. E não é suficiente, Sr. Secretário de Estado, porque há uma contradição no Governo que pura e simplesmente não está resolvida. Tal como Os Verdes, que num dia em relação ao Protocolo de Quioto, noutro dia em relação às barragens, tão depressa querem «sol na eira como chuva no nabal», o Governo quer a mesmíssima coisa.
O Governo passa a vida a dizer que quer aumentar a produção de energias renováveis, mas fora o concurso da energia eólica…

O Sr. Miguel Almeida (PSD): — Muito bem!

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — …nada do que está a acontecer tem dimensão para verdadeiramente alterar o nosso mix de produção. E isto porque enquanto o Sr. Secretário de Estado, provavelmente, gostaria que produzíssemos muito mais nas nossas fontes endógenas renováveis, nas que nos garantem segurança de abastecimento, a verdade é que do lado do Ministério da Economia e da Inovação o discurso é farisaico, porque tão depressa se quer a energia renovável como não se quer aumentar o contributo para a tarifa das energias renováveis e a vontade é de restringir o mais possível a atribuição de pontos de recepção para a produção dessas energias.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — Em relação às barragens resta-me, a terminar, focar um aspecto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, para lá da avaliação ambiental estratégica, a postura casuística que marcou a intervenção do Bloco de Esquerda significa, no fundo, uma coisa: caso a caso, temos de fazer avaliações de impacte ambiental rigorosas e encontrar as melhores medidas de minimização para que possamos, de facto, ter energia hídrica, ter energia renovável, eliminar a nossa dependência, mas fazer também tudo o resto que está por fazer.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Carlos Monteiro.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Para que fique claro, o CDS considera que é fundamental haver um melhor aproveitamento do nosso potencial de energia hidroeléctrica.
Agora, no que diz respeito àquilo que é a avaliação ambiental estratégica, consubstanciada no plano nacional de barragens, há alguns reparos que importa, desde logo, fazer.
Quanto aos 30 dias para consulta pública, não deixa de ser irónico que, no anúncio do início do prazo, desses mesmos 30 dias, se diga que se pode consultar este plano nas CCDR.
Ora, a CCDR Norte é a primeira entidade que diz que não foi consultada, no âmbito da Administração Pública, sobre este mesmo plano.

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O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — E mal!

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Portanto, não deixa de ser irónico que a própria entidade na qual é depositado o estudo para que os cidadãos e as associações ambientalistas possam pronunciar-se sobre o plano nacional de barragens seja uma entidade que nem sequer consultada foi! Temos também as administrações das regiões hidrográficas que estão a ser instaladas. Alguma delas foi consultada? Com certeza que não, porque sobre isso nada foi dito.
Quando se fala na linha do Tua não deixa de ser surpreendente vermos a forma como as coisas são feitas, no concreto. No que respeita à linha do Tua, a CCDR Norte disse que não foi consultada e que iria ser muito rigorosa na avaliação do impacte ambiental.
Sr. Secretário de Estado, ainda na semana passada tivemos uma notícia, no mínimo insólita, sobre aquilo que eram os traçados da RAVE (Rede Ferroviária de Alta Velocidade) e a substituição de técnicos na CCDR Centro.

O Sr. Ramos Preto (PS): — Não confunda!

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Sr. Secretário de Estado, vão substituir os técnicos da CCDR Norte para que haja pareceres favoráveis em relação à barragem do Tua? Essa é uma questão fundamental, Sr. Secretário de Estado, porque é a credibilidade do Ministério do Ambiente que, face àquilo que sucedeu nos traçados da RAVE, está neste momento em causa.
Isto porque, se as barragens são para serem feitas de qualquer forma, independentemente daquilo que sejam os pareceres dos técnicos, é evidente que isso terá consequências.
Por isso, já temos a CCDR Norte preocupada, o que não deixa de ser surpreendente, porque a EDP avançou para o terreno ainda antes de ser concessionária de qualquer obra, e não deixa de ser também chocante a forma como é tratada a «coisa pública». Diria mesmo que não deixa até de ser ridícula a forma como o Sr. Primeiro-Ministro aparece a dar o patrocínio à colocação em bolsa de uma subsidiária da EDP, como foi noticiado no jornal Sol do dia 2 de Fevereiro.
Sr. Secretário de Estado, na linha do Tua temos problemas. E em Abrantes? Então, o INAG está com a Câmara de Abrantes a trabalhar no açude insuflável, que é inaugurado em Junho do ano passado, e agora o açude fica uma cota inferior à da barragem?! Então, não foi o INAG que ajudou a Câmara de Abrantes a fazer o açude, que pagou 70% dos estudos, e agora é o INAG que faz exactamente este estudo e coloca a barragem à cota de 31 m, o que significa que o açude fica debaixo de água! Mas está a brincar-se com a coisa pública?! Está a brincar-se com dinheiros públicos? Qual é, afinal, a credibilidade destes estudos, Sr.
Secretário de Estado?!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Ambiente: O Sr. Secretário de Estado começou a sua intervenção com uma referência genérica às questões da eficiência energética e da elevada dependência de combustíveis fósseis, pelo que gostaria de lhe perguntar se o Governo pensa apresentar algum plano relativamente ao principal «cancro» das questões de energia no nosso país, que é o sistema de transportes.
Gostaria de lhe perguntar também se há projectos relativamente aos transportes ferroviários que não seja o TGV e aos transportes colectivos.
Quanto à questão que hoje estamos aqui a discutir, o PCP tem há muito uma posição extremamente crítica relativamente ao desperdício do potencial hídrico do País. Infelizmente, a política de direita assim o conduziu, com as consequências da pesada factura energética que hoje o País tem, com gravíssimas consequências para as famílias e para a generalidade das pequenas e médias empresas.
Mas uma coisa é considerarmos a necessidade do bom aproveitamento do potencial hídrico do País, desperdiçado a 50%, outra coisa é este programa tal como está a ser concretizado e desenvolvido.

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É um programa que tem uma pressa que, inevitavelmente, contrasta com todo este atraso de anos no aproveitamento do potencial hídrico do País e é um programa completamente entregue na mão do capital privado, por tudo aquilo que é conhecido, aliás, coerente com o processo de reestruturação do sector energético português ao longo destes anos — e já vamos em quatro! — em que um conjunto de importantes empresas públicas foram desmembradas, privatizadas e o mercado foi liberalizado a favor de alguns, poucos, grupos económicos.
Ora, logo à partida, isto dá-nos muito poucas garantias, bem pelo contrário, relativamente a que o desenvolvimento deste programa possa traduzir-se num bom aproveitamento das três principais valências, concretamente, económica, social e ambiental.
O Sr. Secretário de Estado certamente que não desconhece o relatório, mesmo que preliminar, profundamente crítico do Conselho Nacional da Água pedido pelo Sr. Ministro relativamente a este programa.
Crítico quanto ao facto de este programa avançar pondo «o carro à frente dos bois», antes de outros planos estarem concretizados e conhecidos, quanto ao problema da avaliação dos impactes ambientais e até do problema dos impactes cumulativos ao nível de alguns empreendimentos na mesma bacia hidrográfica.
Assim, pergunto-lhe o seguinte: pensa ou não o Governo seguir as recomendações do Conselho Nacional da Água, concretamente com uma maior atenção aos impactes dos aproveitamentos previstos no domínio dos patrimónios natural e construído e a reabertura, antes da emissão da declaração de impacte ambiental, de um novo e mais amplo período de consulta e discussão pública do plano nacional de barragens, que está em debate.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ramos Preto.

O Sr. Ramos Preto (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Alguém dizia que a política energética está no coração das sociedades modernas, porque a problemática energética é cada vez mais uma questão de cidadania.
A política energética de um país não pode ser dissociada de matérias complexas que hoje todos reconhecemos, como sejam a luta contra as alterações climáticas, provocadas pela excessiva emissão de CO
2, e a luta pelo aumento da independência energética de cada País, reduzindo o risco de insegurança gerado pela excessiva concentração dos produtores de petróleo, gás natural e carvão.
Como referia o Prof. Oliveira Fernandes há dias, a sociedade, infelizmente, ainda trata a energia como um bem de consumo e não como um valor social, como já acontece com o ambiente. E, contudo, a energia é um assunto que tem de interessar a todos os cidadãos.
Sabemos que na União Europeia a questão da política energética é a prioridade da agenda; sabemos que em todos os fora mundiais o uso de energias renováveis tem sido considerado o melhor método para combater as alterações climáticas causadas pelo excesso de CO
2 e, por isso, bem andou o Governo português ao aprovar, em Outubro de 2005, a Estratégia Nacional para o Desenvolvimento Sustentável.
E nesse programa, entre outras medidas, estava claramente plasmada a necessidade imperiosa de relançar como a prioridade a energia hídrica, uma fonte de energia com elevado potencial de crescimento no nosso país.
Na verdade, sabemos que, na União Europeia, Portugal tem um dos mais elevados potenciais hídricos para explorar e, contudo, nos últimos 30 anos, o País tem tido uma das mais baixas taxas de crescimento da sua energia hídrica, …

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — De quem é que será a responsabilidade disso?

O Sr. Ramos Preto (PS): — … continuando a manter uma enorme dependência externa em termos desta fonte de energia. Será que o País se pode dar a este luxo? Pensamos que não! Por isso, comungamos dos objectivos da política energética nacional, que são os de garantir a segurança do abastecimento; a promoção da eficiência energética; o estimular a defesa da concorrência e dos consumidores e garantir a adequação ambiental de todo o processo energético, reduzindo os impactes

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ambientais às diversas escalas, sejam elas locais, regionais ou nacionais, nomeadamente no que respeita à intensidade carbónica do PIB.
Na verdade, Portugal tem uma aposta muito forte nas energias renováveis e a vertente hídrica é um pilar fundamental dessa aposta.
Neste sentido, nos últimos dois anos, foi revitalizada a energia hídrica em Portugal, que estava estagnada nas últimas décadas, como disse.
Portugal era, no início de 2005, um dos países europeus com o maior potencial hídrico por explorar, estando apenas aproveitado 46% do potencial hídrico existente, quando as melhores práticas europeias apontam para um aproveitamento superior a 70%.
Neste sentido, foi desbloqueado o processo do Baixo Sabor e lançado um plano de barragens, que hoje estamos aqui a apreciar, com mais de 1000 MW de potência a instalar em 10 locais, e viabilizado o reforço em mais de 1000 MW nas centrais já existentes, como sabemos, Bemposta, Picote, Alqueva, Vendas Nova e outras.
No total, Srs. Deputados, num período de dois anos (2007 e 2008) serão lançados mais de 2800 MW, em grandes aproveitamentos hídricos, no total de 2685 milhões de euros de investimento. Neste curto espaço de tempo, serão lançados novos projectos hídricos num montante 3,5 vezes superior ao que alguma vez se fez em Portugal.
O programa hídrico apresenta importantes benefícios ambientais e energéticos.
Em primeiro lugar, constitui uma alavanca importante para o cumprimento das metas das energias renováveis para 2020, de que tanto se tem falado, e não só pela contribuição directa mas também pela sua complementaridade com a energia eólica, como já aqui foi referido pelo Sr. Secretário de Estado do Ambiente e pelo Sr. Deputado José Eduardo Martins.
Portugal tem a quinta meta mais ambiciosa da União a 27 (31% de energias renováveis no total da energia consumida em 2020) cujo cumprimento só é possível com a energia hídrica. Portanto, não podemos dar-nos ao luxo de não apostarmos na energia hídrica e, ao promover as hídricas reversíveis, Portugal poderá continuar a apostar na energia eólica, mitigando os problemas de elevada volatilidade da produção eólica e garantindo uma sustentabilidade e correcto funcionamento técnico do sistema eléctrico.
Uma maior introdução de energias renováveis é, por isso, fundamental para combater as alterações climáticas, que representam um importante risco ambiental.
Por outro lado, não se deve esquecer a importância que muitas destas hídricas têm no que respeita a reservas de água. Portugal tem um problema gravíssimo com a reserva de água e estas hídricas representam também uma mais-valia no que toca às reservas de água, ao controlo dos caudais (a água tende a ser cada vez mais escassa), ao abastecimento às populações — na verdade, só quem nasceu e viveu sempre na cidade e nunca teve problemas de abastecimento é que não compreende algumas questões que alguns Deputados aqui levantam e, portanto, é melhor ir estudar —, à complementaridade com as políticas florestais e de combate a incêndios, entre muitos outros aspectos que são determinantes nesta política de barragens.
O plano nacional de barragens foi um exemplo de análise das várias vertentes — energética, ambiental e social — de forma a mitigar os impactos de construção de novas barragens. Há, efectivamente, que encontrar formas de mitigar alguns desses impactos, mas o plano nacional de barragens avaliou os benefícios e riscos ambientais, tendo-se evitado a construção de barragens em zonas de Rede Natura onde a conservação e diversidade da natureza poderiam ser muito afectadas.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Ramos Preto (PS): — Termino já, Sr. Presidente! Por isso, é que este foi um dos primeiros exemplos em que foram seguidas as regras europeias relativas à realização de uma avaliação ambiental estratégica, seleccionando-se dos 25 sítios estes dois que hoje estão em causa e excluindo-se, por exemplo, Alvarenga do Paiva que tinha um grande potencial hidroeléctrico, mas que tinha fortíssimos impactos ambientais negativos.
Portanto, Sr. Presidente, o PS faz uma avaliação positiva deste Programa Nacional de Barragens.
Entendemos que as avaliações de impacte ambiental têm sido feitas por instituições credíveis, nas quais acreditamos, pois são rigorosas nas avaliações ambientais já promovidas e noutras que necessariamente se

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terão de promover. Em cada caso concreto, confiamos nas medidas de compensação que serão identificadas e propostas para cada uma das barragens a executar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Secretário de Estado do Ambiente.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente: — Sr. Presidente, começando por responder ao Sr. Deputado José Miguel Gonçalves, uma das formas de atacar este plano é muito previsível: trata-se de pegar no impacto de uma certa barragem sob um certo ponto de vista, isolá-lo e criticar esse impacto.
Muitas das matérias que referiu — de actividade agrícola ameaçada, de investimentos perdidos, etc. — são obviamente colmatáveis não em sede de avaliação ambiental estratégica mas em sede de avaliação de impacte ambiental. Evidentemente que os investimentos perdidos são compensados, são supridos pelos investimentos da própria barragem.
Pegando na intervenção do Sr. Deputado Ramos Preto, queria dizer que os Srs. Deputados falaram em Almourol, Foz Tua, etc., mas gostaria de saber o que estariam dizendo se tivéssemos seleccionado Alvarenga, Asse-Dasse, Açoreira, Atalaia, Castelo de Paiva, Castro Daire, Erges, Mente, Midões, Pêro Martins, Póvoa, Rebordelo, Sampaio, Santarém, Sr.ª de Monforte…!?

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Portanto, entre o muito mau tem de se escolher alguma coisa!

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente: — Em todos eles encontrariam grandes impactos agrícolas, culturais, etc. Todas as barragens o têm. Algumas destas têm impactos draconianos…

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — E porquê…?

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente: — As 10 que estão pré-indicadas são as que fazem melhor balanço entre uma coisa e outra.
O Sr. Deputado questionava ainda a razão de ser do atraso do Plano Nacional de Acção para a Eficiência Energética — questão também levantada pelo Sr. Deputado José Eduardo Martins — e referiu que a nossa particular carência em eficiência energética é uma realidade. Isso explica o atraso. É uma tarefa complexa que o Ministério da Economia tem entre mãos. O Ministério do Ambiente já pôde opinar sobre ela, dar contributos.
É muito completo o plano de eficiência energética que aí vem e que estará, muito em breve, em consulta pública.
O Sr. Deputado José Miguel Gonçalves colocou uma questão sobre eólicas versus barragens, perguntando por que não se armazena nas existentes. Com certeza, nas existentes onde se pode armazenar, armazena-se.
Simplesmente, temos carência de barragens reversíveis onde isso possa ser feito, em particular perto dos locais onde existe energia eólica, como a norte do País.
O Sr. Deputado Luís Fazenda pegou no aspecto da consensualização, de haver autarcas que levantaram a voz preocupados, e legitimamente, em Almourol, Fridão e Tua. Bom, eu podia invocar a grande quantidade de autarcas que dizem o contrário e que estão favoráveis a várias destas barragens. No entanto, não estou, com certeza, à espera que a sociedade esteja toda de acordo com um certo projecto para ele avançar. Em todos haverá polémica, interesses a ter em conta, mas este método de avaliação ambiental estratégica predisponibiliza, de uma forma diferente do passado, esse debate e consensualização.
Quanto ao potencial energético versus regularização para alterações climáticas, que o Sr. Deputado suscitou, não há qualquer contradição ou diferença de enfoque entre o que eu disse aqui e o que diz o Sr.
Ministro do Ambiente. Perante a crítica de que o Plano Nacional de Barragens não seria conforme e não teria tido em conta as alterações climáticas, diz o Sr. Ministro — e muito bem! — que, mesmo de um ponto de vista de alterações climáticas no que diz respeito à maior necessidade de regularização para um regime climático e hídrico potencialmente mais irregular, também elas têm vantagens adicionais ao potencial energético.
Vários dos impactos suscitados até ao momento de um certo empreendimento, como em Abrantes, em Amarante ou no Tua, são matérias dirimíveis em sede de avaliação de impacte ambiental de um projecto em

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concreto. A avaliação ambiental estratégica é um nível macro de planeamento — portanto, não pode tratar em concreto de cada impacto, que será tratado em avaliação de impacte ambiental.
Devo dizer que o plano final para todas estas barragens que foram suscitadas como exemplo pelos Srs. Deputados — para as barragens do Foz Tua, de Almourol, de Gouvães, de Alvito e do Fridão — foi alterado tendo em conta a consulta pública e as preocupações expressas.
Sr. Deputado António Carlos Monteiro, na melhor informação que tenho, a CCDR Norte foi consultada.
Admito estar mal informado. Em todo o caso, quanto a uma observação que faz de as ARH não terem sido consultadas, posso dizer-lhe que é evidente que não. As ARH estão em instalação e, enquanto não estão instaladas, a valência hídrica é suprida pelas CDDR, que tiveram o plano em consulta e, como tal, foram também consultadas.
Queria dizer algo com muita clareza sobre avaliação de impacte ambiental versus rigor. Temos muito orgulho e muito gosto em não nos sentirmos reféns nem de técnicos, nem de comissões de avaliação, nem das autoridades de avaliação de impacte ambiental.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Claro! Não ouvem ninguém!

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente: — Temos o maior respeito por esses contributos. A decisão é, no entanto, política. E, no exercício deste instrumento nobre da política de ambiente a que damos a maior importância que é a avaliação de impacte ambiental, já tivemos ocasião de seguir a autoridade AIA (Avaliação de Impacte Ambiental) em detrimento da comissão de avaliação, de seguir a comissão de avaliação em detrimento da autoridade AIA ou de não seguir uma nem outra, conforme o caso. Pode contar, Sr. Deputado, com todo o rigor das avaliações de impacte ambiental de cada um destes projectos.
O que o Sr. Ministro disse é muito lógico. Disse que, se há uma avaliação ambiental estratégica, isso probabiliza que as que tinham sido escolhidas não tenham impactos ambientais tão draconianos que acabem chumbadas em avaliação de impacte ambiental — o que é sempre possível, como é evidente, visto que é inerente ao processo de avaliação de impacte ambiental o projecto poder não seguir em frente. A probabilidade maior é a de que o projecto seja modificado, melhorado, em função da cota, da localização exacta da parede, da alternativa de implantação de cada barragem. É isso mais provável, à partida, do que a rejeição de um certo projecto, que, repito, é teoricamente possível.
O Sr. Deputado Agostinho Lopes perguntou se há um plano para os transportes. Há um plano que cobre todos os sectores que têm implicações para as alterações climáticas — o Plano Nacional para as Alterações Climáticas —, no qual encontra amplas medidas para transportes. E posso dar-lhe, de memória, duas ou três muito relevantes. Uma, que já aqui mencionei, são os biocombustíveis antecipados em 10 anos, o que tem um impacto muito grande na redução desse sector difuso; outra é o aumento do peso das emissões de CO
2 na base de tributação do imposto automóvel de 60% para a 100%, que também tem um grande impacto no sector dos transportes. E todas as outras áreas que não estamos aqui a referir estão cobertas no Plano Nacional para as Alterações Climáticas.
O Sr. Deputado critica ainda a pressa ao mesmo tempo que critica o atraso. É evidente que este Governo tem pressa em resolver problemas e situações estagnadas e fazendo bem.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Principalmente, quando têm já alguns compromissos assumidos!

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente: — É o que estamos a tentar fazer, podendo fazer uma avaliação ambiental estratégica, mesmo com a pressa de corrigir o defeito que o Sr. Deputado — e muito bem — aponta.
O Sr. Deputado critica também a questão de haver investimento privado, como se isso fosse em si mesmo um risco para o bem público. Não é, Sr. Deputado. Vigora ainda a crítica de que se vão gastar indevidamente dinheiros públicos em barragens. Não é verdade, porque vai ser investimento privado. Mas trata-se de uma concessão: o Estado continua dono das barragens e, no acto de concessionar, pode condicionar, e assim o fará, em defesa do bem público.
Quanto aos impactos cumulativos, eles são inerentes e estão implícitos a um processo de avaliação ambiental estratégica.

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O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Devem, porém, ser avaliados!

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente: — Se estamos a olhar para 25 barragens, escolhendo as que têm o menor impacte ambiental, é evidente que estamos a escolher o menor impacto cumulativo.
Proponho um exercício interessante. Havia quatro opções estratégicas possíveis em sede de Plano Nacional de Barragens: duas delas favoreciam a produção hidroeléctrica — uma a produção hidroeléctrica em si mesma e a outra o uso do potencial hídrico da bacia hidrográfica; uma terceira opção era determinada exclusivamente por condicionantes ambientais; e a quarta opção resultava de uma mistura destes critérios — desenvolvimento, economia e ambiente. Comparemos que, nas duas primeiras, as que são baseadas em potencial hidroeléctrico, sobram 3 barragens que acabam por estar na lista das 10 finais; todas as outras não estão. A lista de 10, determinada por condicionantes meramente ambientais, tem uma diferença em relação à lista das 10 finais. Portanto, estamos a falar da lista final, das 10 que são determinadas vastíssimamente por critérios ambientais.
O parecer a que o Sr. Deputado fez referência foi do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável e não do Conselho Nacional da Água. São dois conselhos: o Conselho Nacional da Água, ao qual foi presente este plano, e o Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, que foi consultado. Seguramente que vamos seguir este parecer, muito em particular, em sede de avaliação de impacte ambiental. Muitas das recomendações são exactamente dirimidas nessa sede. A avaliação ambiental estratégica está feita e apresentada.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Vamos passar à segunda volta de perguntas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Ambiente, a questão é de vontade política. Todos sabemos que as barragens têm impactos ambientais. Foram apreciadas estas propostas para o Plano Nacional de Barragens. Todas terão impactos ambientais e é preciso aquilatar de cada um deles.
Sendo como sendo, há decisões que são manifestamente políticas e saber se se constrói esta ou aquela barragem contra a vontade genérica e colectiva de populações inteiras não é matéria sobre a qual o Governo possa arrogantemente dizer: «Decidimos! Faça-se!» Onde é que fica o consenso? É necessário esse consenso.
Para além das limitações da participação dos vários agentes — e lamento, mas é público que a CCDR Norte não foi ouvida acerca da barragem do Foz Tua, segundo a entrevista com o Sr. Presidente Carlos Laje —, é óbvio que isto não está apenas dependente dos vários tipos de avaliação ambiental. Está dependente de decisões políticas! E a questão que hoje aqui deveria ser discutida é a de saber se, em alguns dos casos, o Governo quer decidir contra as autarquias, contra as populações: no caso de Almourol, contra a população de Abrantes; no caso do Fridão, contra a população de Amarante; e no caso do Foz Tua, contra a respectiva população.
Acerca da eficiência energética, como se pôde comprovar pela intervenção do Sr. Secretário de Estado — aliás, nessa matéria, com rigor político —, a reboque e na dependência da área da Economia, perguntaria, quanto à barragem do Foz Tua, se encararia a possibilidade de se pôr também a reboque e na dependência da área da Cultura, porque é outro valor aqui a considerar e que está ausente do seu discurso. Temos uma determinada caracterização de um património cultural, de um património ambiental que está sublinhado pela comunidade internacional e não passa pela cabeça de ninguém, creio, a bem e a benefício de x potencial energético (que é, aliás, de valor bastante modesto), fazer submergir a linha férrea, as pontes, tudo aquilo que tem constituído o património característico do vale do Tua contra o interesse das populações e da generalidade dos autarcas.
O Sr. Secretário de Estado nesse ponto fez uma digressão, dizendo que há outros autarcas que até estarão de acordo. É preciso fazer a contabilidade disso: no caso do vale do Tua, perde claramente; no caso de Abrantes, perde claramente; e no caso de Amarante, perde claramente!

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O problema, aqui, não é iludirmo-nos com taxas, com percentagens, com esta ou aqueloutra coisa que são, real e genericamente, consensuais. Todos queremos um melhor aproveitamento do potencial hídrico para fins energéticos, talvez em mini-hídricas ou numa ou noutra barragem, com certeza. No entanto, a questão é política! E a esse respeito o Sr. Secretário de Estado tem evitado o debate. Disse: «Bom, mas nós decidiremos independentemente da vontade das autarquias.» É esse o percurso que pretendem seguir? Creio que essa é a questão central que pode sair hoje deste debate de urgência.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Srs. Deputados, relativamente ao eterno argumento do combate às alterações climáticas, temos de ter alguma seriedade naquilo que estamos a dizer. Se estas barragens, com todos os estragos associados, representam apenas um contributo de 1% da diminuição de emissões de gases com efeito de estufa, é com isto que vamos resolver o problema das alterações climáticas? Não é, Srs. Deputados! Para além de que temos um elevado potencial de aproveitamento solar que os Srs. Deputados, de repente, esqueceram neste debate! O Sr. Secretário de Estado não quer que se fale de cada uma das barragens. Pois não! Quer que falemos do pacote das 10 barragens para diluir os efeitos concretos de cada uma das barragens, porque sabe que têm impactos gravíssimos e não quer que se fale disso em concreto. O que o Sr. Secretário de Estado aqui veio referir foi que, de facto, do muito mau que foi avaliado num pacote de 25, teve de se escolher alguma coisa. É isso que acaba por dizer.
Mas, Sr. Secretário de Estado, neste processo de avaliação estratégica ambiental houve um conjunto de parâmetros que não foram avaliados. Ora, se há um conjunto de parâmetros que não são avaliados — como por exemplo em relação à barragem do Foz Tua, em que não foi avaliado o impacte sobre a paisagem, não foi avaliado o impacte sobre a agricultura, o impacte social da submersão da linha do Tua e não foi avaliada até a própria responsabilidade da construção de uma barragem para as emissões de gases com efeito de estufa —, evidentemente, eles não são tidos em conta na selecção que deve ser feita, ou seja, a de escolher algo entre o muito mau.
Portanto, não estamos a falar de um processo sério e o Sr. Secretário de Estado não está a ser sério quando não refere todas estas omissões do próprio processo.
Sr. Secretário de Estado, não venha falar de consensualização! Até parece que o processo foi altamente discutido e altamente consensualizado. Não! Eu já referi na minha intervenção inicial as críticas concretas da CCDR (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional) relativamente a este programa. O IGESPAR (Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, I. P.) diz que foi feito um levantamento patrimonial apenas no papel. O ICN (Instituto de Conservação da Natureza) diz: «construção numa foz de um rio, nunca!». Ora, os senhores propõem exactamente isso. O CNADS (Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável) acusa-vos de falta de rigor e de honestidade política…! Existem movimentos cívicos contra este programa em concreto; existem levantamentos de população afectada contra este programa em concreto; existem inúmeros autarcas contra este programa em concreto e os poucos autarcas de que o Sr. Secretário de Estado fala estão convosco porque lhes foram prometidas contrapartidas que levam à conservação do poder, mas que não dão pão nem desenvolvimento às populações das zonas afectadas.
Ora, é preciso dizê-lo com a maior clareza, porque estamos a falar de uma lógica de desenvolvimento, de uma opção que pode ser irreversível. Queremos desenvolvimento sustentável, Sr. Secretário de Estado, e desenvolvimento sustentável significa seriedade neste processo e melhores opções para o poder atingir. Na verdade, este programa, definitivamente, não é!

Aplausos de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Carlos Monteiro.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, não deixa de ser um sinal sobre a forma como estes assuntos são tratados o facto de o Sr. Secretário de

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Estado chegar aqui a este debate e dizer que, «tanto quanto sabe, a CCDR do Norte foi consultada»… Sr.
Secretário de Estado, quem o desmente não é o CDS.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Claro!

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Quem o desmente é o Presidente da CCDR do Norte, Carlos Lages, que diz que a CCDR não foi ouvida sobre a barragem do Tua. E há outro problema, problema que não está no Plano Nacional de Barragens! O problema não está no facto de haver um melhor aproveitamento hidroeléctrico no País — e nós concordarmos que assim deve ser. O problema está na forma como os senhores conduzem as questões!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Repare: se o Sr. Secretário de Estado afirma aqui que, «independentemente da avaliação ambiental, o que está em causa são decisões políticas e quem decide somos nós», então porque razão fazer este simulacro de que há preocupações com o ambiente? O Ministério do Ambiente assim acaba por ser o pior inimigo do aproveitamento hidroeléctrico no País…! O processo da barragem do Baixo Sabor esteve 10 anos parado em Bruxelas por questões ambientais. Se agora estamos perante 10 barragens, a uma média de 10 anos cada uma, com esta filosofia do Ministério do Ambiente, acabamos por só ter o verdadeiro aproveitamento hidroeléctrico do País provavelmente daqui a 100 anos…! As coisas não podem ser tratadas da forma que o Sr. Secretário de Estado considera poder tratar. É porque se não houver precaução em relação às questões ambientais, evidentemente, quando elas chegam a Bruxelas as coisas não correm bem, Sr. Secretário de Estado!... Efectivamente, assim, nada pode correr bem! A CCDR do Norte não só não foi consultada como naquilo que diz respeito aos recursos públicos é surreal que a REFER continue a investir na linha do Tua numa altura em que se sabe que parte dessa linha vai ficar inundada face à cota da barragem.
Não há articulação entre os diversos serviços dependentes de diferentes ministérios?! Esse é o sinal que nos é transmitido. Ou seja, o Ministério da Economia e o Ministério do Ambiente fizeram um acordo entre si, mas nada dizem ao Ministério das Obras Públicas, que lá continua a investir na linha.
Por outro lado, registei o silêncio do Sr. Secretário de Estado sobre a questão que coloquei acerca do açude insuflável de Abrantes. Então estamos a falar de um açude que foi inaugurado em Junho do ano passado pelo Sr. Primeiro-Ministro — aliás, enquanto ministro do Ambiente (isto já vem desde 2002, pois estamos a falar de trabalhos que vinham da altura em que o Primeiro-Ministro era ministro do Ambiente) —, em que o INAG (Instituto da Água, I. P.) se associou à Câmara Municipal de Abrantes, em que foi feito um estudo onde foram gastos cerca de 100 000 euros só em estudos, em que a cota da barragem também foi estudada pelo INAG e agora vai inundar aquele açude! Para o Sr. Secretário de Estado este investimento nada vale?! Temos um açude submarino?! A EDP inicia a prospecção geológica na barragem do Tua sem ser concessionária?! Mas que promiscuidade é esta?!... Então quem confere o título para que se possa iniciar uma obra? É a administração pública ou é a EDP que avança com as obras e diz que não pediu licença «por engano»?! Sr. Secretário de Estado, evidentemente, este assunto carece de explicações e não ficamos satisfeitos com a falta delas.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ramos Preto.

O Sr. Ramos Preto (PS): — Sr. Presidente, o Partido Socialista está preparado para o criticismo de alguns políticos que estão sempre contra as medidas que se vão tomando e que é necessário tomar.
Houve aqui, hoje, algumas intervenções que me fizeram lembrar um discurso que o Presidente da Comissão Europeia proferiu no dia 21 de Janeiro, na sede da Lehman Brothers, em Londres. Na verdade, o

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Presidente da Comissão, a respeito desta matéria da energia, citou J. S. Mill, que dizia que o seu pai era um homem que «adorava a Humanidade em geral, mas que detestava cada pessoa em particular» Ou seja, no que toca a este caso em particular, há aqui pessoas que «enchem a boca» com as alterações climáticas e com as questões ambientais,…

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Seja sério, Sr. Deputado!

O Sr. Ramos Preto (PS): — … mas que depois, quando se trata de implementar essas medidas necessárias para dar execução aos grandes programas e às grandes proclamações que aqui fazem, estão sempre contra não por razões claramente explicitadas mas por outras que por vezes não conseguimos compreender…!

Protestos do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes.

Se queremos contribuir seriamente para as metas de produção de energia com origem nas renováveis, se queremos a redução da dependência energética nacional, se queremos a redução de emissões de gases com efeito de estufa, temos de estar preparados para ter uma política conjugada dos diversos aspectos. Não podemos ter posições como algumas que já ouvi serem aqui defendidas pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, quando diz que o programa da eficiência energética resolvia a questão. Não, Sr.ª Deputada, a dependência energética do País é de tal ordem que temos de aproveitar ao máximo — respeitando as questões ambientais, obviamente — todas as valências que o País tem para que possam levar ao resultado. Agora, não apoio a tese de que se a eficiência energética resolve, então, nada mais fazemos e continuamos dependentes. Não, Sr.ª Deputada!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Ó Sr. Deputado, eu até vou fazer de conta que não ouvi o que disse!

O Sr. Ramos Preto (PS): — Espere pelo Plano Nacional de Eficiência Energética e verá que quer no que toca aos transportes, quer no que toca ao urbanismo, quer no que toca aos métodos construtivos surgirão medidas importantes para o País e para a competitividade do País.
Também são feitas outras afirmações de ânimo leve, ou seja, de que se tomam medidas destas e se lançam grandes programas contra a vontade das populações.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — É verdade!

O Sr. Ramos Preto (PS): — Este jornal diz que relativamente às 10 barragens que aqui estão referidas, há oito Srs. Presidentes de Câmara a favor e dois contra. Estão contra, diz a Sr.ª Deputada…

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — É a verdade!

O Sr. Ramos Preto (PS): — Sr.ª Deputada, estão aqui as informações nos jornais de hoje em que, das 10 câmaras municipais, oito manifestam-se a favor e duas contra. A Sr.ª Deputada faz aqui uma proclamação de que todas as populações estão contra. Ó Sr.ª Deputada, temos de ter mais cuidado nas afirmações que fazemos em Plenário para que possamos ser também credibilizados pelas populações!

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Ramos Preto (PS): — Sr. Presidente, queria referir o processo de avaliação ambiental que foi feito e no qual foi analisado um conjunto de opções estratégicas. Não tenho tempo para me referir a ele, mas queria terminar dizendo que a questão da sustentabilidade energética do País, do crescimento económico, do aumento do emprego e da atenuação do impacte ambiental são salvaguardados neste programa e que também ele ajuda ao cumprimento das metas de Quioto a que Portugal está vinculado internacionalmente.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, relativamente ao problema dos transportes, «atirou ao lado» e percebe-se porquê.
Em relação ao parecer do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, queria que me respondesse a uma questão muito séria. Este Conselho recomenda ao Governo a abertura de um novo e mais amplo processo de consulta pública. O Governo vai, ou não, realizá-lo? Sr. Secretário de Estado, como consequência da política de direita, ao longo destes anos, a que já aqui me referi, o potencial técnico e humano nacional em termos de projecto, de gestão de estaleiros e fiscalização desceu abruptamente até níveis de risco, aliás, aumentados pelas medidas de racionamento e de emagrecimento da EDP e da REN para as tornar rentáveis em bolsa.
Neste preciso momento, aquelas empresas nacionais — e deixaram de ser públicas há bastante tempo — estão em grandes dificuldades para fazerem face ao enorme e intenso conjunto de concursos que vão sendo «despejados» no mercado em termos de recursos técnicos e humanos.
Por outro lado, no que diz respeito à capacidade de produção dos grandes equipamentos eléctricos e mecânicos para as centrais de produção de energia eléctrica, Portugal tornou-se um deserto nos últimos 15 anos. Com a excepção da capacidade ainda existente no domínio de transformadores de potência, o fabrico de alternadores, de turbinas, de válvulas e de outros grandes componentes, deixou de ter qualquer expressão significativa no nosso país, aliás, em sintonia com os processos de concentração e relocalização em grandes centros produtores que se têm vindo a verificar na União Europeia, nomeadamente a Alemanha, a Áustria, a Espanha e a Suíça.
Não deixa de ser caricato que tanto se louve a prometida nova capacidade de fabricação de componentes para geradores eólicos quando, até agora, o que se faz em Portugal está limitado às infra-estruturas de betão e aço, às torres e às pás de materiais compósitos. O fabrico e o projecto de construção dos elementos tecnológicos economicamente relevantes não vieram, até agora, para o nosso país e é remota a possibilidade de ver a ENERCON transferir para Portugal alguns dos seus centros de produção relevantes.
Sr. Secretário de Estado, a questão que lhe coloco é a seguinte: que medidas estão em curso por parte dos Ministérios da Economia, do Ambiente, da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior para que este enorme investimento que se anuncia no País tenha um efectivo efeito sobre o conjunto global da economia e da sociedade portuguesas? Gostaria ainda de lhe fazer uma pergunta concreta relativamente ao programa anunciado, Sr. Secretário de Estado: quem vai pagar as expropriações dos espaços que vão ser ocupados pelas barragens?

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, quanto à questão que colocou relativamente a estarmos contra populações inteiras e contra os autarcas, de modo algum. Repare: a avaliação de impacte ambiental de cada projecto tem consulta pública. Evidentemente, a opinião das populações e dos autarcas, muito em particular, é fundamental.
Quanto ao levantamento popular ou autárquico contra este plano referido pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, não o encontrámos até ao momento e teremos em devida conta todas as objecções que uma barragem suscita. Não conheço barragens de que toda a gente diga bem em lado algum do mundo.
Quanto à questão da CCDR do Norte, creio que o imbróglio está desfeito e o Sr. Deputado António Carlos Monteiro tornou-o claro. O Sr. Presidente da CCDR do Norte disse que a CCDR do Norte não foi consultada sobre a barragem do Tua. É verdade, não foi; foi «apenas» sobre o Plano Nacional de Barragens, que inclui essa barragem, efectivamente.

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Risos do PS.

Mas esteve em consulta nessa como nas outras. No entanto, sobre cada barragem em particular não houve consultas específicas.
O Sr. Deputado Luís Fazenda pergunta se «andamos a reboque» do Ministério da Economia em relação ao Plano de Eficiência Energética. Vamos lá ver, o Ministério do Ambiente tem muito respeito pelas competências dos outros Ministérios, seja dos Transportes seja da Energia. Nós não temos competências em eficiência energética. O Plano Nacional de Acção para a Eficiência Energética é feito — e muito bem! — pelo Ministério da Economia. O que fizemos foi dar contributos para o mesmo, ainda recentemente, e por isso sabemos que ele está em boas condições, que é ambicioso e que irá para consulta pública muito em breve.
Quanto à Cultura, há algo que tem de ficar claro: o Douro é património mundial num cenário de barragens.
É com as barragens que ele é considerado património mundial. É um rio com várias barragens. Seguramente, não estamos a falar que afecte, em primeiro lugar, território que é hoje património mundial ou que em si mesmo venha a impedir qualquer outro tipo de classificação.
Tem consequências a barragem do Tua? Com certeza que tem! Desde logo, uma das coisas que foi tida em conta na avaliação ambiental estratégica foi que a definição da cota, mais baixa ou mais alta, poderá mitigar muito as consequências, também culturais, que a barragem no Tua pode ter.
Se me permite, vou dar exemplos quanto a outros casos, como o de Almourol. Aqui, um outro dos aspectos acolhidos, fruto da consulta pública, foi o de que a alteração da implantação do eixo da barragem elimina os riscos de dificuldades que se colocaram, por exemplo, em relação a Constância.
No caso de Fridão, os riscos para Amarante, em termos de ficar indefinido o regime hídrico frente a Amarante, são facilmente colmatáveis com um pequeno açude a jusante de Amarante, com água a ser renovada pela barragem de Fridão, e que garante um nível permanente de água.
Portanto, para estas e outras barragens, já foi possível identificar soluções de mitigação a este nível macro de avaliação ambiental estratégica e, evidentemente, a avaliação de impacte ambiental fará o seu trabalho de mitigar e compensar o que tem a mitigar e a compensar.
A Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia pergunta se é com as barragens que resolvemos o problema das alterações climáticas. Não! Só, não!, mas também!! É tão simples quanto isso!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Qual é o contributo? Seja sério e diga qual é o contributo!

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente: — Estamos é a dizer que estas é que saem fora.
As barragens, como se demonstra, são necessárias para potenciar, inclusive, outras fontes de energia rentável, são uma peça fundamental do puzzle.
Ficávamos contentes se não precisássemos de barragens, ficávamos satisfeitos. Infelizmente, precisamos de barragens! Afirmou também que o caso do Tua não foi avaliado, e mais isto, aquilo e aqueloutro… Sr.ª Deputada, listei-lhe os critérios que fazem parte do relatório, que deve ler, do próprio Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico, o qual identifica o que foi avaliado. Foi feita avaliação relativamente a alterações climáticas — e a senhora diz que não —, a biodiversidade, a recursos naturais, a recursos culturais, a riscos naturais e tecnológicos, a desenvolvimento humano e competitividade…

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Então, como é que escolhem entre o mau e o muito mau?

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente: — Portanto, todas as matérias que elencou estão avaliadas no relatório ao nível macro de uma avaliação ambiental estratégica em termos do Programa, como é óbvio.
Aliás, a directiva que regula a avaliação ambiental estratégica estabelece que esta não pode substituir-se à avaliação de impacte ambiental — repito: «não pode»! A avaliação ambiental dos projectos é que procede à análise a nível de projecto, e assim será feito! O Sr. Deputado António Carlos Monteiro disse uma coisa que, do nosso ponto de vista, é extraordinária: «o Ministério do Ambiente é o pior inimigo do ambiente»…

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Risos do PS.

Sr. Deputado, é uma afirmação extraordinária! É porque esta avaliação ambiental estratégica existe graças ao Ministério do Ambiente. De entre cinco dos critérios, três são ambientais e demonstra-se que o resultado final é igual a um resultado que fosse exclusivamente ambiental: em 10 barragens há diferença de 1.
Portanto, Sr. Deputado, se há algo que nos traz muito satisfeitos é o facto de termos uma forma de seleccionar barragens que, desta vez, sim, teve o ambiente como critério determinante.
Mais adiante, falou de um exemplo concreto, o do açude de Abrantes, tendo dito que o facto de haver um certo impacte de uma certa barragem em particular é sinal de um grande problema.
Ora, Sr. Deputado, também no caso da barragem de Almourol, a avaliação ambiental estratégica identificou formas de mitigar o impacte, através da cota e do local de implantação em concreto. A cota de máxima cheia pode ser definida de forma a mitigar impactes.
Suponhamos — não conheço o caso em concreto — que essas mesmas soluções podem servir para mitigar o problema do açude de Abrantes. Não sei responder-lhe, mas uma coisa lhe digo: se, porventura, esse açude tivesse de deixar de existir, há uma compensação óbvia através dos custos do investimento.
Com o que acabei de dizer respondi à pergunta concreta do Sr. Deputado Agostinho Lopes que foi a de saber quem suportará os custos do Programa Nacional de Barragens. Respondo que serão os privados, como já disse há pouco. Os custos, inclusive os que referiu, serão suportados por dinheiro privado e, portanto, em casos destes, o mesmo se aplicaria.
O Sr. Deputado fez-me outra pergunta, muito concreta. Disse que o CNADS apela a um novo e mais amplo processo de consulta pública para este Programa e perguntou se o faremos. Respondo que não, não o faremos, Sr. Deputado! Quanto ao excessivo esforço técnico fabril e à falta de capacidade, de que falou, respondo-lhe, Sr. Deputado, que as energias renováveis servem, precisamente, para estimular a indústria, a inovação e a competitividade, vindo criar novos clusters industriais e tecnológicos. O Sr. Deputado diz: «mas ainda não estão!» Não estão, mas «estão a estar», estão a começar a estar.
Por exemplo, quando estabelecemos uma zona-piloto para a energia das ondas, com o potencial de ondas que temos no País e com a quantidade de grandes centros urbanos que temos situada junto do litoral, não crê que haja potencial para, se essa tecnologia vingar, o que está por demonstrar, podermos ter, também cá, inovação tecnológica? É nisso que estamos a apostar.
O Plano Tecnológico, da autoria do Governo, é plenamente consentâneo com a aposta nas energias renováveis.
Termino, pegando num mote que foi dado pelo Sr. Deputado Ramos Preto e que, efectivamente, se aplica muito a quem está a acompanhar a política de ambiente.
Esse mote é, basicamente, o de que «estamos de acordo quanto a grandes princípios mas, quanto a decisões concretas, estamos de acordo com as que não foram tomadas; as que foram tomadas é que são más. Porque o solar é que era…» E, se, porventura, tivéssemos vindo aqui apresentar um plano relativo à energia solar, em que encheríamos o País de painéis solares, com certeza estariam contra e argumentariam que as barragens são melhores…

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Nós estamos de acordo com as barragens!

Sr. Secretário de Estado do Ambiente: — A matéria das alterações climáticas é porventura, repito, a mais determinante para a sustentabilidade global e exige decisões, exige sacrifícios, exige opções. Estamos a fazêlo com as melhores soluções e, procurando o melhor equilíbrio entre o ambiente e outros objectivos, com muita satisfação, no caso deste Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Não há mais inscrições, pelo vamos passar à fase de encerramento do debate.
Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

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O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O tema deste debate de urgência, para o qual o Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV) usou o direito potestativo que lhe assiste nesta sessão legislativa, é o Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico, não cada barragem em concreto, não cada vantagem ou desvantagem, em concreto, de cada particular barragem.
Portanto, consideremos o tema do debate, tal como o enuncia o partido que, potestativamente, o marcou.
O Programa Nacional de Barragens persegue objectivos fundamentais que são objectivos da política deste Governo — da política ambiental, da política energética, da política económica deste Governo.
O primeiro desses objectivos é o de diminuir a nossa dependência externa em termos energéticos. O segundo é o de diminuir a nossa dependência face aos combustíveis fósseis. O terceiro é o de apostar ambiciosamente, com metas muito claras e muito ambiciosas, nas energias renováveis para o nosso país. O quarto é o de apostar na complementaridade entre diferentes fontes de energia renovável e, em particular, entre a energia hídrica e a energia eólica. O quinto é o de aproveitar os nossos valiosíssimos recursos hídricos, também para este efeito.
O Programa Nacional de Barragens é uma contribuição para se atingir mais rapidamente tais objectivos que, como disse, são objectivos gerais da política de energia de Portugal.
Por sua vez, o Programa Nacional de Barragens é também um contributo para o outro plano, o equivalente, o dos programas de promoção da eficiência energética — e brevemente estará em discussão pública o plano nacional de eficiência energética.
Ora, o ponto é que nenhum destes objectivos é contestado pela generalidade dos grupos parlamentares com a excepção, tanto quanto percebi, do PEV. Mas como no PEV o ambientalismo não é uma consciência política e, sim, uma roupagem política,…

Risos de Os Verdes.

… percebo bem essa eventual excepção.

Aplausos do PS.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É como o socialismo do PS!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Os Srs. Deputados da oposição estarão em desacordo com o método? É porque, quanto aos objectivos, não ouvi qualquer desacordo manifesto…!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Ouviu mal!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Também não reparei que houvesse desacordo profundo quanto ao método. Pelo contrário, ninguém contestou as palavras do Sr. Secretário de Estado quando disse que, pela primeira vez, se usou um método rigoroso que foi, precisamente, o de considerar em bloco um conjunto de 25 localizações possíveis, sujeitá-las a uma avaliação ambiental estratégica, tendo sido efectuadas as consultas devidas, e, de entre essas 25 possíveis, seleccionar 10 localizações que são as que menos impactes e mais vantagens podem trazer para os nossos objectivos.
A única dúvida que verifiquei em relação ao método foi a expressa pelo Sr. Deputado Luís Fazenda e, em parte, também pelo Sr. Deputado Agostinho Lopes, que é uma dúvida que se funda numa aritmética muito particular… Para os Srs. Deputados que citei, sempre que uma voz se levanta contra um programa ou uma decisão, aí está um levantamento popular contra esse programa ou essa decisão; mas sempre que várias vozes se exprimem a favor de uma decisão ou de um projecto de decisão do Governo, aí estão uns «comprados» pelo Governo, aí estão uns que apenas querem conservar o seu poder ou obter mais poder…!

Protestos do Deputado do PCP Agostinho Lopes e do Deputado do BE Luís Fazenda.

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É uma forma de aritmética política muito particular e que caracteriza muito bem a concepção sobre democracia e a expressão da vontade que têm os partidos que gostam de se dizer «de Esquerda».
Os passos seguintes também foram claramente expressos aqui pelo Governo. E o passo seguinte, evidentemente, é o de realizar, para cada uma das localizações agora pré-seleccionadas, os competentes estudos de impacte ambiental e tomar as devidas medidas de minimização e compensação.
Portanto, no encerramento deste debate, as questões políticas essenciais são três.
A primeira é a diferença entre proclamar e fazer. Há uns que gostam de proclamar, até de fazer planos, mas detestam que outros façam, realizem, ponham em prática os planos e resolvam os problemas.
A segunda questão política é a diferença entre uma visão que é unicamente particularista — o açude de Abrantes, a foz do Tua… — e uma visão que, não ignorando qualquer dos problemas particulares, os situa, contudo, no conjunto dos equilíbrios e faz o respectivo trade-off.
Sobretudo, a terceira, e mais funda, questão política é a da coerência e a da incoerência em política, focada quer na expressão do Sr. Deputado Ramos Preto — que citou, bem a propósito, John Stuart Mill, quer na expressão do Sr. Deputado José Eduardo Martins, que citou, a propósito, um provérbio popular. Se queremos «sol na eira», queremos «sol na eira», se queremos «chuva no nabal», queremos «chuva no nabal», as duas coisas ao mesmo tempo é que… É possível em proclamação, mas muito difícil na prática das coisas. E a prática das coisas permite melhorar o nosso bem-estar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para concluir este debate de urgência, tem a palavra o Sr. Deputado José Miguel Gonçalves.

O Sr. José Miguel Gonçalves (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Como em todos os programas, como em todos os projectos que envolvam avultados investimentos e avultados impactos ambientais e sociais, não basta que se digam as palavras mágicas «interesse nacional» para que se avance sem que se pesem as vantagens e desvantagens, a existência de alternativas e se comprove, verdadeiramente, o interesse nacional do que é proposto.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Muito bem!

O Sr. José Miguel Gonçalves (Os Verdes): — O Programa Nacional de Barragens, que teve o aval do Sr.
Ministro do Ambiente, sofre de vários lapsos e omissões, constituindo-se num programa desfasado de uma estratégia nacional, quer ao nível da política global para a energia quer ao nível da política de gestão dos recursos hídricos nacionais.
Este Programa foi apresentado perante a ausência de um plano e de uma política nacional de transportes e, mais grave ainda, perante a ausência de um plano de acção nacional de eficiência energética que, como se sabe, Portugal já há muito deveria ter apresentado à Comissão Europeia.
Por outro lado, este programa de barragens é apresentado na ausência dos Planos de Gestão de Bacia Hidrográfica, previstos na Lei da Água e à revelia das recém-criadas ARH (Administrações das Regiões Hidrográficas), consideradas elas próprias, na referida lei, como a unidade principal de planeamento e gestão dos recursos hídricos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Programa Nacional de Barragens tem sido apresentado como forma de atingirmos vários objectivos. Um deles trata-se do objectivo de diminuir a nossa dependência energética do exterior.
Importa salientar que a produção estimada destas 10 novas barragens — 1100 MW — deverá representar apenas 3% do nosso consumo actual. Tal significa muito pouco num país que tem uma taxa de crescimento anual dos consumos de electricidade na ordem de 5% a 6% ao ano.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — É bem verdade!

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O Sr. José Miguel Gonçalves (Os Verdes): — Por outro lado, é do conhecimento geral que Portugal é dos países da União Europeia com menor eficiência energética, apontando-se para um desperdício que poderá chegar aos 60% da energia consumida.
Como tal, é claro para Os Verdes que este Programa não suporta a resolução do problema energético do País e constitui apenas uma medida avulsa, omitindo verdadeiramente a alternativa que reside numa política de eficiência energética que nos permita reduzir, a curto e a médio prazos, em 20 a 30% o desperdício energético actual.
Acresce, ainda, que existem estudos que comprovam que a aposta na utilização mais eficiente da energia tem um custo quatro a cinco vezes menor para o mesmo ganho energético proposto com este Programa de barragens.
Mas, Srs. Deputados, se, para o argumento da dependência energética está clara, para nós, a existência de outros caminhos alternativos mais sustentáveis, ao nível das alterações climáticas e da necessidade da redução das nossas emissões de CO
2
, outra das razões invocadas para justificar o avanço deste Programa, torna-se ainda mais clara a falta de sustentabilidade desta opção.
Como sabem, o transporte rodoviário é o principal responsável pela maioria das emissões gasosas em Portugal. Ora, este Programa em nada interfere com a existência de uma verdadeira política de transportes públicos, tornando-se necessário desmistificar o peso deste Programa nas emissões de CO
2
, salientando que a construção destas dez barragens apenas deverá potenciar uma redução de 1% das emissões nacionais.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Aquilo que Os Verdes pretenderam hoje com este debate foi trazer para a discussão pública uma questão que é motivo de preocupação das populações locais, mas que tem passado à margem de uma discussão pública nacional.
Os Verdes defendem que o Programa Nacional de Barragens esteja integrado numa estratégia nacional para a energia, onde conste um plano e uma política de transportes públicos e onde seja considerado o Plano Nacional de Acção para a Eficiência Energética, pois só assim será possível decidirmos coerentemente o que é ou não imprescindível fazer em matéria de produção hidroeléctrica.
Por outro lado, Os Verdes consideram que a decisão de avançar com a construção de qualquer um destes empreendimentos, dada a sua irreversibilidade, só deverá ocorrer depois de avaliados os verdadeiros impactes ambientais, sociais e económicos.
Para Os Verdes, a ideia de um balde cheio de furos com água, e onde a solução encontrada não passa por vedar esses mesmos furos e evitar o desperdício, mas sim por abrir mais a torneira, caracteriza bem esta decisão em matéria de energia.
Termino, Srs. Deputados, sublinhando a irreversibilidade daquilo que aqui está hoje em discussão, fazendo ainda um apelo ao Governo para que reconsidere, levando em conta aquilo que aqui foi exposto, mas também a opinião de muitas entidades avalizadas nesta matéria sobre as consequências deste Programa e a existência de alternativas.

Vozes de Os Verdes: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Concluído este debate, passamos à apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 174/X — Estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou protecção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de protecção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva 2004/83/CE, do Conselho, de 29 de Abril, e a Directiva 2005/85/CE, do Conselho, de 1 de Dezembro.
Para apresentar o diploma, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna (José Magalhães): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Através da presente iniciativa, o Governo honra o compromisso que assumiu no sentido de integrar na ordem jurídica nacional as mais recentes orientações da política comum de asilo da União Europeia, por forma a garantir um elevado nível de protecção de estrangeiros ou apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência da sua actividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos humanos.

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Nos tempos que vivemos, é ainda mais indispensável um verdadeiro sistema europeu comum de asilo, para que a União Europeia se transforme num espaço singular à escala mundial em matéria de protecção de refugiados. Esse espaço de direitos, único no mundo, só pode ter por base a integral aplicação da Convenção de Genebra e a irrenunciável defesa dos valores humanitários partilhados, como herança comum, por todos os Estados-membros.
Relembro que este desígnio foi lançado em Junho de 2000, quando Portugal, enquanto Presidência em exercício do Conselho da União Europeia, promoveu em Lisboa uma conferência subordinada ao tema "Em direcção a um sistema comum europeu de asilo". Seguidamente, o Conselho Europeu de Tampere delineou uma estratégia a desenvolver em duas fases de harmonização legislativa: num primeiro momento, visou-se munir a União Europeia de normas mínimas comuns relativamente a um conjunto de matérias-chave em matéria de asilo; num segundo momento, previu-se a criação de um procedimento comum europeu de asilo e um estatuto o mais possível uniforme, válidos em condições equivalentes em todo o espaço da nossa vasta União.
Em que ponto estamos? Na audição pública sobre o futuro do Sistema Europeu Comum de Asilo, realizada em Bruxelas, no dia 7 de Novembro de 2007, em que tive a honra de representar Portugal, foi possível concluir que nestes anos foram, sem dúvida, dados passos relevantes, mas ainda insuficientes. É facto assente que a União Europeia conseguiu definir instrumentos jurídicos primordiais em matéria de asilo: normas mínimas em matéria de acolhimento; normas mínimas sobre os procedimentos de concessão ou retirada do estatuto de refugiado; normas mínimas sobre as condições a preencher por cidadãos de países terceiros que pretendam aceder ao estatuto de refugiado; em quarto lugar, aprovámos o Regulamento de Dublin.
Estas normas formam, agora, a base e o primeiro estádio do sistema europeu comum de asilo. Por outro lado — e isto é muito relevante —, criámos um importante instrumento financeiro de repartição de encargos que visa apoiar os Estados-membros nos seus esforços de acolhimento e de tratamento de refugiados — o Fundo Europeu para os Refugiados.
É preciso, agora, completar, até 2010, as metas fixadas em Tampere e, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados, não falta muito tempo.
É este o contexto em que se insere a presente proposta de lei, cujo objecto foi enunciado pelo Sr.
Presidente da Assembleia da República.
O regime jurídico que está hoje em vigor em matéria de asilo e refugiados acolhe regras de que nos podemos honrar. Desde 1998 estabeleceu-se um consenso alargado que enterrou velhas querelas e polémicas e tem-se vindo a garantir um estatuto fiel à Constituição e à nossa melhor tradição humanitária. Por isso mesmo, este regime jurídico tem merecido, para além do consenso parlamentar, o apoio continuado e muito importante das organizações que, entre nós, se destacam pela sua actividade nesta área, organizações que, aliás, estão representadas, e bem (nas galerias) neste debate, e que saúdo.
Confesso que, por isso mesmo, começámos por admitir simplesmente rever a velha Lei n.º 15/98, de 26 de Março, aditando-lhe o acervo normativo das directivas que urgia transpor. Feito o ensaio, o resultado pareceunos um diploma complexíssimo, de dificílima leitura, potencialmente gerador de ainda maiores dificuldades de aplicação e de conflitos com os órgãos da União encarregados de velar pela correcção das transposições de directivas. Por isso, tudo ponderado, escolhemos propor-vos, Sr.as e Srs. Deputados, a substituição integral da velha Lei n.º 15/98, de 26 de Março, obviamente, sem perda de conteúdo. Ao invés, será muito enriquecido o quadro de referência por ela fixado.
Gostaria de agradecer os excelentes contributos recebidos no processo preparatório, com destaque para os pareceres da Procuradoria-Geral da República, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e do Conselho Português para os Refugiados (CPR). Depositarei na Mesa da Assembleia os textos integrais dos pareceres, dando, assim, cumprimento ao disposto ao n.º 3 do artigo 124.º do Regimento.
De entre as melhorias propostas, vale a pena destacar as seguintes: em primeiro lugar, o reforço do valor do princípio internacional da proibição de repelir, nos termos do qual os requerentes de asilo devem ser protegidos contra a expulsão ou repulsão, directa ou indirecta, para um local onde a sua vida ou liberdade estejam ameaçadas em virtude da sua raça, da sua religião, da sua nacionalidade, da sua filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas. É esta a essência do direito de asilo.

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Em segundo lugar, tipificamos nesta proposta conceitos como "país de origem seguro", "país terceiro seguro" e "primeiro país de asilo" (constantes da directiva de procedimento, que seguimos) e quais os motivos de perseguição, o que honra e cumpre o estabelecido na directiva de qualificação. Isto é fulcral para a inclusão dos requerentes na protecção internacional facultada pelo Estado português.
Por outro lado, também se clarificam conceitos como "acto de perseguição", "agente de perseguição" e os motivos de exclusão e recusa do asilo e protecção subsidiária.
A proposta consagra ainda a distinção procedimental precisa, justamente reclamada pelo ACNUR, entre «causas de exclusão ou recusa» de protecção internacional e «causas de perda» (por cessação, revogação, supressão ou recusa de renovação) do direito de protecção internacional.
Olhando o articulado, julgo que ninguém duvidará de que esta proposta introduz um importantíssimo reforço das garantias graciosas e contenciosas ao dispor dos requerentes de asilo ou dos beneficiários do estatuto de refugiado e de protecção subsidiária em todo o procedimento. Quisemos harmonizá-las maximamente com as novas regras do contencioso administrativo e com o novo regime jurídico, aqui aprovado, da Lei n.º 23/2007, sobre entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros de território nacional.
Novidade há muito aguardada é concessão de efeito suspensivo aos recursos contenciosos interpostos no âmbito dos procedimentos relativos à não admissibilidade ou recusa do pedido e à perda do direito de protecção internacional. Estamos conscientes de que se tratará de um enorme desafio para os nossos tribunais e para a Administração Pública, mas é um desafio que vale a pena enfrentar.
Julgo que será pacífico o reforço que a proposta introduz do papel do representante em Portugal do ACNUR e do CPR, intervindo como interlocutores essenciais no processo de diligências instrutórias ao longo dos diferentes momentos dos procedimentos previstos e no processo decisório, facilitando o acompanhamento dos requerentes e dos beneficiários da protecção internacional.
Enuncio, por fim, duas inovações não menos importantes.
A primeira é a previsão de celebração de um protocolo entre o Ministério da Administração Interna e a Ordem dos Advogados para tornar mais tornar célere a nomeação de patrono oficioso para os requerentes nos postos de fronteira que necessitem desse apoio, face ao muito curto prazo estabelecido para a decisão e respectiva impugnação judicial.
A segunda novidade é a consagração formal — já a vínhamos praticando — do regime de reinstalação, como instrumento de afirmação de solidariedade para com aqueles Estados em que o fenómeno dos refugiados assume dimensões a exigir resposta bastante mais eficaz da comunidade internacional.
Aprovando esta proposta de lei, a Assembleia da República reforçará — e muito! — o estatuto dos requerentes e dos beneficiários de protecção internacional.
O recente debate público do Livro Verde da Comissão em matéria de asilo leva a concluir que as normas nacionais necessitam ainda de ser objecto de uma maior harmonização, nomeadamente em domínios relativamente aos quais os Estados-membros gozam ainda de imensa discricionariedade.
Por outro lado, sendo verdade que a invocação do direito de asilo é muitas vezes usada como forma de contornar os canais legais de imigração, o necessário combate aos abusos não deve pôr em causa a concessão de protecção a quem reúna as condições para tal.
O grande desafio é, em síntese, fazer, na lei e na prática dos factos, essa destrinça e criar um sistema comum de tratamento e análise de informação, reforçando a harmonização ao nível da política de acolhimento, incluindo regras comuns de acesso ao mercado de trabalho e um quadro comum de direitos e benefícios sociais.
Aprovado que seja este novo quadro legal, Portugal ficará com legitimidade acrescida para participar na segunda fase da construção do sistema europeu comum de asilo. É um desafio irrecusável que, estou certo, será também inteiramente assumido pela Assembleia representativa de todos os portugueses.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

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O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, a presente proposta de lei, que transpõe uma directiva há muito reclamada, sobre refugiados, asilo e pessoas necessitadas de protecção internacional, merece a nossa concordância quanto aos objectivos essenciais. Como tal, gostaria de enunciar três premissas para depois fazer duas perguntas ao Sr. Secretário de Estado.
A primeira, no seguimento do que disse, é que somos totalmente favoráveis à concessão deste direito a milhões de pessoas que, infelizmente um pouco por todo o mundo, são perseguidas por motivos políticos, sociais, civilizacionais e outros, recorrendo, aliás, a uma violência físico-psicológica muitas vezes desmesurada. Que isto fique claro e que não tenhamos dúvidas sobre esta matéria.
Também estamos de acordo — e é a segunda premissa — que, face ao contexto internacional, ao espaço europeu em que estamos inseridos e até ao espaço Schengen e à pressão que vários países, nomeadamente do norte da Europa e da Escandinávia, não tanto Portugal, têm sofrido nesta matéria, é mais do que necessária a harmonização e a uniformização de normas e de conceitos, que, aliás, é feita nesta proposta de lei.
Julgo, pois, que esta política comum europeia é um passo importante e que deve ser prosseguido, nomeadamente por Portugal.
A terceira premissa é a de que, a nosso ver, Portugal dispõe de um quadro legislativo equilibrado na generalidade e que tem permitido que o nosso País não sofra pressões por parte daqueles que, aproveitando este tipo de mecanismo, pretendem vender ilusões e oportunidades a quem, infelizmente, nada tem e que, muitas vezes, acaba por ser enganado por este tipo de redes de tráfico ilegal de pessoas.
Dito isto, Sr. Secretário de Estado, e precisamente por valorizarmos este instituto, gostaríamos de fazer duas perguntas, que não têm tanto a ver com a lei e com a proposta de lei mas mais com a sua execução.
A primeira relaciona-se com o artigo 20.º, que prevê um prazo de 20 dias, a contar do relatório inicial, para o director do SEF se pronunciar sobre o pedido, findo o qual, e em caso de não resposta, o pedido é imediatamente deferido.
Sr. Secretário de Estado, pergunto: não estaremos a exigir demais ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras? Pretende V. Ex.ª aumentar o quadro de funcionários administrativos do SEF para que, nomeadamente nos casos (e este parece-nos ser o grande problema) em que os pedidos se mostrem manifestamente infundados e ineptos, por falsos documentos, falsas declarações e falta de provas (e, ainda assim, correndo o risco de entupir os serviços), não seja concedido o pedido de asilo por deferimento tácito? Esta é, para nós, uma matéria que merece alguma ponderação.
A segunda e última pergunta tem a ver com os recursos das decisões do SEF, recursos esses que têm, na generalidade, efeito suspensivo, o que percebo e com o que até concordo.
Só que, entretanto, Sr. Secretário de Estado, o requerente tem, e bem, que permanecer na zona internacional do porto ou do aeroporto, de acordo com o artigo 26.º. Ora, desculpe a franqueza, mas, quando li esta norma, perguntei-me: na zona internacional do porto ou do aeroporto, de que país? É que, como sabe, os centros de instalação temporária de que, neste momento, Portugal dispõe, quer no Porto quer em Lisboa, estão, a maior parte das vezes, entupidos, não só com requerentes de asilo mas sobretudo com pessoas às quais foi barrado o acesso por se tratar de imigração ilegal e indocumentada.
Em suma, Sr. Secretário de Estado, as nossas preocupações de ordem prática são estas: o que vai fazer em relação ao pessoal do SEF para que não haja deferimentos de pedidos manifestamente infundados, assim considerados no relatório inicial pelo SEF? E o que vai fazer para que estes requerentes, que evidentemente nada têm a ver com criminosos, nem com outras pessoas que, não sendo criminosos, estão nesses centros de instalação temporária por força de uma situação de indocumentação, não fiquem juntamente com estes outros nesses centros de instalação temporária? Prevê ou não o alargamento dessa rede?

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Magalhães, estas questões permitem-me sublinhar — o que julgo ser um facto extremamente positivo — que o quadro de discussão hoje existente em Portugal sobre esta matéria é largamente positivo.

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Tive ocasião de testemunhar este aspecto no quadro da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia e, designadamente, no debate público do Livro Verde da Comissão em matéria de asilo.
Em todas as famílias políticas, há hoje a consciência de que a União Europeia tem de reforçar os seus mecanismos de coordenação. E, não por acaso, quando o Vice-Presidente da Comissão, Frattini, sugeriu, no termo da audição de discussão pública, que fossem criados meios de back office, para fornecer informação útil para ser partilhada na tomada de decisões, essa ideia foi geralmente saudada e aplaudida, porque, não centralizando nada, partilha informação que ajuda a todos a exercer as suas prerrogativas de soberania nesta matéria.
Portanto, esse consenso permite-nos um trabalho comum, limpo de fantasmas ou de questões secundárias.
Em segundo lugar, não se pode iludir a dificuldade aqui equacionada pelo Sr. Deputado Nuno Magalhães, pois é uma dificuldade real. Durante muitos anos, não se fez a destrinça entre situações de real preenchimento de condições para obter o estatuto de asilo e situações de «normal» imigração legal, que são situações distintas. Mais tarde, essa fronteira foi traçada e os serviços cumpriram a lei: a Lei n.º 15/98. Mas cumpriramna com a consciência, por muitos anotada e sublinhada, de que essa solução em vigor penalizava ou podia penalizar pessoas que poderiam merecer esse estatuto e que, na altura em que obtivessem uma decisão judicial favorável, já estariam num sítio do mundo que não lhes permitiria fruir dessas condições.
A solução que consta da proposta foi-nos particularmente sugerida pela Procuradoria-Geral da República e vinha sendo reclamada desde há muitos anos por entidades como o ACNUR, o CPR e outras — e julgo que tomámos a decisão certa. Agora, isso tem implicações. E penso que o Sr. Deputado tem razão quando sublinha que é necessário reforçar a capacidade de acolhimento — aliás, estamos a trabalhar nesse sentido.
Assim, estamos a negociar, através do SEF, com a Ordem Hospitaleira de São João de Deus, a utilização de uma antiga instalação, que será renovada, em Almoçageme, para alargarmos a nossa rede de acolhimento e termos, além da excelente instalação da Bobadela, gerida pelo CPR (que é, a qualquer título, modelar e tem vindo a ser, muito justamente, elogiada), um reforço dessa capacidade de acolhimento, evitando situações de mistura indevida e, aliás, injusta entre cidadãos com situações jurídicas diferentes.
É, portanto, uma aposta que envolve mais trabalho, é uma aposta muito exigente, tenho consciência disso.
Mas é uma aposta que defende superlativamente os direitos humanos e que, por isso, vale a pena fazer com cuidado, tomando as medidas adequadas — e poderemos discutir na Assembleia da República, em sede de comissão, se falta acautelar alguma coisa e sob que forma é que isso deve ser feito.
Estamos inteiramente disponíveis para esse esforço.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, vamos passar agora às votações, após o que retomaremos este debate.
Antes de mais, vamos proceder à verificação do quórum, utilizando o cartão electrónico.

Pausa.

Srs. Deputados, o quadro electrónico regista 187 presenças, às quais se somam 11 registadas pela Mesa, pelo que temos quórum para proceder às votações.
Começamos por votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 442/X — Altera a Lei n.º 53-B/2006, de 29 de Dezembro (CDS-PP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, votos a favor do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP, do BE, de Os Verdes e de 1 Deputada não inscrita.

Passamos à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 446/X — Alteração à Lei n.º 53-B/2006, de 29 de Dezembro, que cria o indexante dos apoios sociais e novas regras de actualização das pensões e outras prestações sociais do sistema de segurança social (PCP).

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Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, votos a favor do PCP, do BE, de Os Verdes e de 1 Deputada não inscrita e abstenções do PSD e do CDS-PP.

Vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 447/X — Altera a Lei n.º 53-B/2006, de 29 de Dezembro, que cria o indexante dos apoios sociais e novas regras de actualização das pensões e outras prestações sociais do sistema de segurança social (BE).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, votos a favor do PCP, do BE, de Os Verdes e de 1 Deputada não inscrita e abstenções do PSD e do CDS-PP.

Segue-se a votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 173/X — Estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva 2005/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Outubro de 2005, e a Directiva 2006/70/CE, da Comissão, de 1 de Agosto de 2006, relativas à prevenção da utilização do sistema financeiro e das actividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, procede à primeira alteração à Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto, e revoga a Lei n.º 11/2004, de 27 de Março.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS-PP, do PCP, de Os Verdes e de 1 Deputada não inscrita e a abstenção do BE.

Este diploma baixa à 1.ª Comissão.
Passamos à votação do projecto de resolução n.º 253/X — Criação de uma comissão eventual de acompanhamento da construção do novo aeroporto de Lisboa (CDS-PP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP, do BE, de Os Verdes e de 1 Deputada não inscrita.

Vamos votar o projecto de resolução n.º 258/X — Constituição de uma comissão eventual para a análise e acompanhamento dos estudos e da construção do futuro aeroporto internacional de Lisboa (PSD).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP, do BE, de Os Verdes e de 1 Deputada não inscrita.

Vamos proceder à votação global da proposta de resolução n.º 66/X — Aprova o Acordo de Cooperação entre a Comunidade Europeia e os Seus Estados-membros, por um lado, e a Confederação Suíça, por outro, para lutar contra a fraude e quaisquer outras actividades ilegais lesivas dos seus interesses financeiros, incluindo a Acta Final com Declarações e a Acta Aprovada das negociações àquela anexa, assinado no Luxemburgo em 26 de Outubro de 2004.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 405/X — Estatuto do Representante da República nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira (PS, PSD, PCP, CDS-PP, BE e Os Verdes).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Este diploma baixa à 1.ª Comissão.

O Sr. Jacinto Serrão (PS): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr. Deputado?

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O Sr. Jacinto Serrão (PS): — Sr. Presidente, é só para anunciar que os Deputados eleitos pelo círculo eleitoral da Madeira, Júlia Caré, Maximiano Martins e eu próprio, apresentarão uma declaração de voto por escrito.

O Sr. Presidente: — Assim constará da Acta.
Srs. Deputados, vamos agora apreciar os inquéritos parlamentares n.os 4/X — Comissão eventual de inquérito parlamentar à cooperação do Estado português com o transporte de prisioneiros para a prisão de Guantanamo (BE) e 6/X — Responsabilidades dos XV, XVI e XVII Governos Constitucionais e de organismos sob a sua tutela, na utilização do território nacional, pela CIA ou outros serviços similares estrangeiros, para o transporte aéreo e detenção ilegal de prisioneiros (PCP), para o que cada grupo parlamentar e o Governo disporão de 2 minutos.
De acordo com o Regimento, o uso da palavra caberá, primeiro, ao Bloco de Esquerda e, depois, ao PCP, a que se seguirão o Governo e os restantes grupos parlamentares.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 26 de Março de 2002, o voo ELD5110 saiu de Santa Maria, nos Açores, em direcção a Guantanamo. Em 24 de Dezembro de 2002, o voo PAT65 partiu das Lajes, nos Açores, em direcção a Guantanamo. Em 31 de Julho de 2004, o voo N85VM partiu de Santa Maria, nos Açores, em direcção a Guantanamo. Em 20 de Setembro de 2004, mais um voo partiu das Lajes em direcção a Guantanamo. Em 14 de Março de 2005, partiu das Lajes mais um voo em direcção a Guantanamo. Em 22 de Julho de 2005, outro voo partiu das Lajes em direcção a Guantanamo. Em 8 de Setembro de 2005, mais um voo saiu de Santa Maria em direcção a Guantanamo. Em 7 de Maio de 2006, saiu mais um voo das Lajes em direcção a Guantanamo.
Srs. Deputados, estes são nove voos que partiram de território português em direcção a Guantanamo — uma listagem de nove voos, incluídos em 48 voos, que a organização Reprieve mostrou que passaram pela jurisdição portuguesa em direcção a Guantanamo.
O que o relatório desta organização traz de novo ao debate sobre o transporte de prisioneiros para a base militar e para a prisão de Guantanamo é que há uma ligação directa entre os voos e os prisioneiros que chegaram a esta prisão.
O que estamos, portanto, a discutir é como é que a comunidade política portuguesa entende esclarecer as responsabilidades de Portugal, do Estado português e dos seus responsáveis naquilo que é hoje a situação de Guantanamo.
E, Srs. Deputados, tenhamos consciência do que discutimos. Discutimos aquilo que é uma prática abjecta, de prisioneiros que são mantidos numa prisão, sem direito a defesa, sem direito a um julgamento imparcial, sem direito a protecção no que toca à tortura.

O Sr. Presidente: — Pode concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Srs. Deputados, uma comunidade política democrática e humanista não vacila nestas situações, quer apurar toda a verdade. Foi, aliás, o que fizeram a Espanha e a Dinamarca em matéria de direitos humanos e em matéria de direito internacional.

O Sr. Presidente: — Pode concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Vou concluir, Sr. Presidente.
Portugal não pode abanar a cabeça. Portugal não pode afastar os olhos. Portugal não pode dizer que não quer ver.
Em matéria de direitos humanos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o silêncio ou omissão é cumplicidade.

Aplausos do BE.

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O Sr. Presidente: — Para fundamentar o pedido de constituição de uma comissão de inquérito apresentado pelo PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta é a segunda vez que o PCP propõe a constituição de uma comissão de inquérito parlamentar para apurar as responsabilidades de sucessivos governos nesta rede vergonhosa de rendições extraordinárias da CIA.
Desde Junho de 2005 que o PCP denuncia e questiona o Governo sobre a utilização por parte da CIA do território nacional para actividades criminosas.
A estratégia do PS, do PSD, do CDS e do Governo é reveladora do embaraço que esta questão provoca.
Primeiro, disseram que não havia voos da CIA em Portugal. Facilmente provámos o contrário. Depois, admitindo os voos, PS e restante direita parlamentar rejeitaram um inquérito dizendo que não havia indícios de que nesses voos eram transportadas pessoas. Agora, a Reprieve coloca prisioneiros dentro desses voos. De acordo com esta ONG, mais de 700 prisioneiros foram transportados para Guantanamo, utilizando o nosso espaço aéreo, para aí serem brutalmente torturados e ilegalmente interrogados pela CIA, violando assim os mais elementares direitos humanos.
Há, pois, novos factos, que reforçam a necessidade de um inquérito parlamentar para apurar a verdade.
Importa referir que o inquérito judicial, cujas conclusões não são conhecidas, visa apurar responsabilidades criminais.
Este inquérito parlamentar visa apurar responsabilidades políticas de sucessivos governos.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exactamente!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Apurar estas responsabilidades políticas não compete ao Ministério Público, compete, sim, a esta Assembleia da República. Importa apurar quem, por acção ou omissão, foi conivente com a CIA e a actividade da CIA em Portugal.
Mais importa referir que não há qualquer garantia de que a CIA não esteja a utilizar ainda hoje o nosso espaço aéreo para esta vergonhosa rede mundial de sequestro e tortura. Bem pelo contrário, a última informação de que dispomos refere que uma empresa de fachada da CIA realizou um voo entre as Lajes e Guantanamo em 7 de Maio de 2006, o que prova bem a actualidade desta questão.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Como afirmámos na nossa primeira proposta de constituição de uma comissão de inquérito, hoje descobrimos quem, por subserviência aos EUA, impede a descoberta da verdade e se presta a um papel vergonhoso de encobrimento das actividades criminosas da CIA.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, para concluir, gostaria de referir que «quem não deve não teme». Vamos ver, com as votações que se seguem, quem teme um inquérito, quem teme a descoberta da verdade.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os propósitos das duas comissões parlamentares de inquérito propostas são, respectivamente, os de averiguar responsabilidades relativas à cooperação do Estado português com o transporte de prisioneiros para a prisão de Guantanamo e de averiguar as responsabilidades de três governos constitucionais ou de organismos sob a sua tutela na utilização do território nacional pela CIA para esse mesmo efeito. São esses os objectos propostos pelos pedidos de constituição das comissões de inquérito parlamentares.

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Uma comissão de inquérito parlamentar não é senão um instrumento excepcional de que a Assembleia da República se dota quando precisa de saber informação que, por outra via, não consegue obter.
São duas as questões que estão aqui em causa.
Primeira questão: saber se o Governo português, em algum momento, omitiu qualquer espécie de informação à Assembleia da República, ou ao Parlamento Europeu, ou ao Conselho da Europa, significando essa conduta do Governo a obrigação de a Assembleia da República procurar obter essa informação, constituindo uma comissão parlamentar de inquérito.
A resposta a essa questão é muito clara: nunca, em nenhuma circunstância, o Governo português omitiu qualquer espécie de informação à Assembleia da República, ou ao Parlamento Europeu, ou ao Conselho da Europa, ou às comissões que essas instituições constituíram.

Aplausos do PS.

Pelo contrário, toda a informação foi prestada, e toda a informação que foi prestada a pedido de organismos internacionais foi transmitida, em primeiro lugar, à Assembleia da República Portuguesa.
A segunda questão consiste em saber se há algum indício de alguma prática da parte do Estado português que representasse uma ilegalidade. Isto é, saber se o Estado português terá violado alguma vez a legalidade internacional, autorizando ilicitamente voos que transportariam prisioneiros para centros de detenção onde seriam torturados.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É para isso que servem as comissões de inquérito! É para averiguar!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — A resposta a esta questão também é muito simples: não há, até este momento, qualquer indício de qualquer prática que consubstancie uma ilegalidade do Estado português, por via de uma autorização ilícita.
Portanto, por não haver qualquer informação que seja sonegada à Assembleia da República e por não haver qualquer indício de qualquer ilegalidade praticada por responsáveis do Estado português, a posição do Governo é a de que estas comissões de inquérito propostas seriam inoportunas, inúteis e não se justificariam.
Só se justificariam segundo a lógica, que me recuso a aceitar que os proponentes sigam, de eles, sim, serem coniventes com as tentativas que se fazem de obscurecer as responsabilidades de outros, usando Portugal para esse efeito.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Cesário.

O Sr. José Cesário (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD reafirma hoje, dia 8 de Fevereiro de 2008, tudo aquilo que disse no passado, em variadíssimas circunstâncias, nomeadamente em 13 de Dezembro de 2005, em 7 de Setembro de 2006 e em variadíssimas reuniões da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas.
Não abdicamos das nossas convicções. Repudiamos profundamente qualquer tipo de violação dos direitos humanos, sejam elas praticadas nos EUA, na ex-União Soviética, ou onde quer que seja no mundo.
Por isso, Sr.as e Srs. Deputados, aquilo que dissemos no passado repetimos hoje: queremos que a verdade seja apurada. Exactamente por isso é que estes factos foram alvo de variadíssimas reuniões realizadas nesta mesma Assembleia e de inquéritos promovidos pelo Conselho da Europa, pelo Parlamento Europeu, tendo sido apurados factos que foram participados à Procuradoria-Geral da República.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não tem nada a ver com isso!

O Sr. José Cesário (PSD): — O Parlamento, naturalmente, tem de levar por diante tudo aquilo que é consonante com as diligências que já realizou.

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Protestos do Deputado do PCP Jorge Machado.

Percebemos que o Partido Comunista Português e o Bloco de Esquerda preferem atribuir importância a factos pretensamente novos, agora apurados por parte de uma ONG criada em 2001, a Reprieve, mas que não são mais do que os factos já evocados até aqui.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Não são, não!

O Sr. José Cesário (PSD): — Exactamente por isso, e porque não acreditamos e não aceitamos procedimentos desta natureza, votaremos contra as propostas de constituição de comissões de inquérito que nos são apresentadas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Helder Amaral.

O Sr. Helder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta matéria, recorrente por parte do Partido Comunista Português e do Bloco de Esquerda, não traz nada de novo, tal como o relatório dessa ONG.
Gostaria de lembrar que sempre entendemos que devíamos apurar a verdade. Ouvimos, nesta mesma Assembleia, com a participação dos dois grupos parlamentares que referi, os Ministros dos Negócios Estrangeiros que fizeram parte de outros governos, nomeadamente o Dr. Luís Amado e o Dr. Freitas do Amaral, ouvimos a Direcção-Geral das Alfândegas, ouvimos o INAC, ouvimos o SEF.

Protestos do PCP.

Houve um grupo interministerial, do Ministério da Administração Interna e do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que fez todas as averiguações para saber, em concreto, se havia ou não, nos procedimentos das empresas e das organizações que tutelam a soberania do Estado português, algum procedimento que pudesse, em si mesmo, ser incorrecto, permissivo ou ter alguma falha que pudesse pôr em causa que em território nacional não tivesse sido cumprido nem o direito nacional nem o direito internacional. Nada disso se comprovou.
A par disso, e para além das nossas audições e verificações, há um inquérito da Procuradoria-Geral da República para ir mais fundo, com mais tempo e com mais cuidado, no sentido de saber se há ou não alguma dúvida ou alguma falha no sistema de controlo em território nacional.

Vozes do CDS-PP: — Exactamente!

O Sr. Helder Amaral (CDS-PP): — Nada se confirmou até agora. O que há é muito menos do que aquilo que o Parlamento Europeu conseguiu apurar, e o Parlamento Europeu não apurou qualquer responsabilidade do Estado português nesta matéria.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Helder Amaral (CDS-PP): — O que há são números de voos, mas a Sr.ª Deputada Ana Drago não é capaz de me dizer quantos, quem e em que condições foram transportados. São apenas supostos voos não identificados.

Protestos da Deputada do BE Ana Drago.

Quero lembrar que a CIA não é uma organização terrorista, que os EUA são uma democracia e que nos próprios EUA também se fazem investigações destas e nada se apura.

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Protestos da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.

Gostaria de dizer que, nesta matéria, o CDS não recebe lições nem do Bloco de Esquerda nem do Partido Comunista Português.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Só as recebe da embaixada americana!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Helder Amaral (CDS-PP): — Para terminar, gostaria de dizer que é óbvio que não toleraremos nem aceitaremos qualquer atropelo dos direitos humanos, nem do direito internacional, nem do direito nacional.
Para nós não há gulags bons nem gulags maus. Para nós são todos maus.
Por isso, votaremos contra as propostas de constituição de comissões de inquérito, que nada trazem de novo e que não procuram a verdade, apenas querem fazer o que fazem sempre, que é um ataque antiamericano e um ataque, inclusive, ao Estado português.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: As várias revelações que têm surgido, designadamente as que se referem a relatórios internacionais que dizem respeito à utilização do nosso espaço aéreo por voos que transportam prisioneiros para Guantanamo, justificam perfeitamente, na nossa opinião, as propostas aqui apresentadas de constituição de uma comissão de inquérito para avaliar e aferir da veracidade de muitos dos factos que são revelados.
Sr. Deputado Helder Amaral, é bem verdade que alguns fogem bem a esta questão porque querem abafar a realidade de Guantanamo.

Protestos do CDS-PP.

Mas essa realidade não será abafada, e em matéria de direitos humanos não podemos pactuar nem por acção nem por omissão.
Dá-me ideia que o Sr. Deputado não gosta nem quer ver alguma dessa realidade.

Protestos do CDS-PP.

Para terminar, gostaria de dizer que Os Verdes consideram que rejeitar a constituição de uma comissão de inquérito parlamentar pode deixar margem de desconfiança de que algo se quer esconder ou não revelar.
Votaremos favoravelmente estas propostas!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Renato Leal.

O Sr. Renato Leal (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Na precisa altura em que a Procuradoria-Geral da República ultima o seu inquérito sobre o papel do Estado português em relação aos alegados voos da CIA com prisioneiros para Guantanamo, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista vêm propor a constituição de uma comissão de inquérito sobre esta questão, a reboque de um recente relatório produzido por uma organização não governamental britânica.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Não é nada disso!

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O Sr. Renato Leal (PS): — O relatório da ONG Reprieve, escamoteando situações bem mais graves, trata Portugal como o mau da fita, o que, por si só, não é de modo algum aceitável. De facto, não podemos admitir que se diga que o nosso país «terá tido um papel de apoio de relevo», sem que nesse relatório se apresentem quaisquer provas.
Aliás, esse documento, dada a sua desproporcionalidade, merece-nos as maiores reservas, ao mesmo tempo que nos recomenda grande prudência na sua apreciação. Com efeito, não parece nada crível que 728 prisioneiros — praticamente toda a população de Guantanamo — tivessem passado por Portugal.
Porém, do ponto de vista político, afigura-se-nos que seria errado desvalorizar totalmente o relatório ou subscrever por completo as suas conclusões.
Tem sido dito e reafirmado por todos os altos responsáveis do Estado português que nunca foi concedida autorização para tais voos, em violação da legislação nacional e do direito internacional, nem que deles houve conhecimento oficial ou oficioso.
Mais: o actual Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, em sede de comissão parlamentar, numa reunião em que esta matéria foi amplamente debatida, reconheceu apenas que tinha sido apurada a passagem de sete voos com destino ou origem em Guantánamo, os quais foram autorizados no âmbito da operação Afeganistão, sob a égide da ONU e da NATO.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem absoluta confiança nas palavras do responsável máximo pela diplomacia portuguesa proferidas nesta Assembleia.
O sentido de Estado e a salvaguarda do prestígio e interesses de Portugal devem nortear o nosso posicionamento, particularmente na área dos negócios estrangeiros. E, numa matéria tão sensível como esta, em que está em causa a violação de direitos humanos, aguardemos serenamente as conclusões das investigações em curso, que um grupo de trabalho criado no âmbito do Parlamento Europeu está a efectuar, bem como o inquérito da Procuradoria-Geral da República.
A questão é sensível, envolve o interesse nacional e está nas mãos de quem deve estar.
Por isso, não podemos acompanhar a leviandade política para onde nos querem conduzir o PCP e o Bloco de Esquerda ao proporem esta comissão de inquérito.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, terminada a apreciação dos inquéritos parlamentares, vamos proceder à sua votação, começando pelo inquérito parlamentar n.º 4/X — Comissão eventual de inquérito parlamentar à cooperação do Estado português com o transporte de prisioneiros para a prisão de Guantánamo (BE).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP, do BE, de Os Verdes e de 1 Deputada não inscrita.

Passamos à votação do inquérito parlamentar n.º 6/X — Responsabilidades do XV, XVI e do XVII Governos Constitucionais e de organismos sob a sua tutela, na utilização do território nacional, pela CIA ou outros serviços similares estrangeiros, para o transporte aéreo e detenção ilegal de prisioneiros (PCP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP, do BE, de Os Verdes e de 1 Deputada não inscrita.

Vamos, agora, votar o projecto de resolução n.º 263/X (PCP) — Cessação de vigência do Decreto-Lei n.º 322/2007, de 27 de Setembro, que fixa o limite máximo de idade para o exercício de funções dos pilotos comandantes e co-pilotos de aeronaves operadas em serviços de transporte comercial de passageiros, carga ou correio [apreciação parlamentar n.º 55/X (PCP)].

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e do CDS-PP, votos a favor do PCP, do BE, de Os Verdes e de 1 Deputada não inscrita e a abstenção do PSD.

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Srs. Deputados, com a rejeição do projecto de resolução que acabámos de votar, caduca o processo relativo à apreciação parlamentar n.º 55/X.
Importa, agora, apreciar e votar pareceres da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura, pelo que peço à Sr.ª Secretária que nos dê conta dos referidos pareceres.

A Sr.ª Secretária (Isabel Santos): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solicitação da 3.ª Secção do 1.º Juízo Criminal de Lisboa, Processo n.º 9138/05.7TDLSB, a Comissão de Ética, Sociedade e Cultura decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Fernando Negrão (PSD) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos referidos autos.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo oposição, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Queira prosseguir, Sr.ª Secretária.

A Sr.ª Secretária (Isabel Santos): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela 2.ª Secção do 3.º Juízo Criminal do Porto, Processo n.º 6116/03.4TDPRT, a Comissão de Ética, Sociedade e Cultura decidiu emitir parecer no sentido de autorizar a Sr.ª Deputada Cláudia Couto Vieira (PS) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos referidos autos.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Uma vez que ninguém se opõe, vamos votar o referido parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, terminado o período regimental de votações, vamos retomar o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 174/X.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Vou fazer uma intervenção muito curta, apenas para dizer que o Partido Social Democrata está de acordo com a proposta de lei apresentada a esta Assembleia da República.
O Sr. Secretário de Estado, na sua intervenção, já identificou os pontos onde a proposta faz avanços importantes numa matéria como esta, do asilo, do refugiado e da protecção de quem está em situação especialmente fragilizada. Sublinho, sobretudo, que se opera uma densificação de alguns conceitos, que são importantes, do ponto de vista operativo, de aplicação prática desta lei, alguma clarificação de procedimentos, que também é importante, o estabelecimento de prazos e o efeito suspensivo de recursos que estão previstos na lei, enfim, tudo isto concorrendo para melhorar aquela que já é uma lei de que não temos de nos envergonhar, que é a Lei do Asilo em vigor, em Portugal.
Quero também sublinhar o especial cuidado que é dado, nesta proposta de lei, à matéria que tem a ver com os menores. É que, em geral, se aqueles que invocam a necessidade de asilo ou a qualidade de refugiados estão particularmente fragilizados, é evidente que os menores que se encontram em situações como aquelas que estão previstas na lei estão muito especialmente fragilizados.

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Esta proposta de lei concorre para um objectivo que também partilhamos e que foi aqui enunciado pelo Sr.
Secretário de Estado, que é o objectivo de, na Europa que somos e que queremos que seja um espaço de liberdade e de segurança, podermos construir, passo a passo — e este é um passo importante —, um sistema europeu de asilo. E sempre temos sublinhado este ponto! Quando dizemos que queremos uma Europa de liberdade e de segurança, queremos uma Europa de liberdade e de segurança não só para os europeus mas para todos aqueles que, especialmente fragilizados por diferenças políticas, sociais, étnicas, religiosas,…

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Muito bem!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): — … buscam, na Europa, a segurança e a liberdade que não têm nos seus próprios países. Esta tradição cultural, esta tradição de acolhimento, esta tradição de solidariedade, é um traço importante, distintivo e caracterizador da Europa que queremos ser.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): — Por isso, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr. Secretário de Estado, quero sublinhar o apoio do Partido Social Democrata a esta proposta de lei, não deixando de dizer, no final, mais duas coisas.
Em primeiro lugar, e como o Sr. Secretário de Estado também assinalou na sua intervenção, penso que o Governo andou bem quando entendeu que se devia reunir, nesta proposta de lei, um conjunto de disposições legais, por forma a facilitar a sua aplicação e, ainda, o entendimento do quadro jurídico que, em Portugal, se aplica a estas situações. Entendo que foi uma boa decisão e que foi escolhido um bom caminho.
Em segundo lugar, quero também referir aquilo que o Deputado Nuno Magalhães já teve oportunidade de dizer, ou seja, esta lei é um passo em frente mas o seu sucesso depende da criação em concreto das condições para a sua operacionalização.
Ouvi, com agrado, que o Governo já está em negociação ou em conversação com a Ordem dos Advogados, no sentido de agilizar a nomeação de advogados para acompanhar este tipo de processos, nos prazos muito curtos que estão previstos nesta lei, o que é um aspecto importante.
A questão do acolhimento, que também já foi aqui assinalada e relativamente à qual o Sr. Secretário de Estado nos trouxe notícias, é outro aspecto importante, tanto mais que, sendo certo que Portugal, no contexto europeu, é um país onde ainda é diminuta a procura para efeitos de asilo ou da concessão do estatuto de asilo, ou é um dos países que tem menos procura, digamos assim, de acordo com os dados que existem, e os dados são os do Relatório Anual de Segurança Interna — Ano 2006, porque os de 2007 ainda não são conhecidos, há um ligeiro aumento dessa procura, de cerca de 14% ou 15%. De acordo com o Relatório, Portugal teve pedidos de 129 pessoas, salvo erro, e um pouco menos de um terço viu reconhecido o estatuto.
Isto significa, Sr. Presidente e Srs. Deputados, e com isto termino, que, sem prejuízo desta lei, do avanço que se faz com esta proposta de lei, que saudamos e com o qual concordamos, é importante, como, aliás, o Sr.
Secretário de Estado teve oportunidade de dizer, que se continue este grau de exigência na avaliação, em cada caso concreto, do respeito ou não das condições que estão previstas na lei para a concessão do direito de asilo, pelas formas que existem ou por todas as formas que seja possível. É que a todos aqueles que preenchem os requisitos da lei Portugal e a Europa não podem virar costas;…

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): — … a todos aqueles que, de uma forma enviesada, querem ser abrangidos por um estatuto, que, aliás, tem uma dignidade especial, do ponto de vista do direito, e até do direito internacional, temos de dizer não, porque esta lei não se dirige a este tipo de situações.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Celeste Correia.

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A Sr.ª Celeste Correia (PS): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Com o presente debate, iniciamos, nesta Câmara, um novo processo de discussão e reelaboração do quadro legal referente à problemática, que é universal, do direito de asilo e estatuto de refugiados.
Milhões de homens, mulheres e crianças, pelas mais trágicas razões (políticas, sociais, catástrofes naturais, etc.), abandonam as famílias, os afectos, as suas casas, os haveres, e ei-los que partem à procura de refúgio, de acolhimento e de paz, onde a liberdade, a segurança e a justiça sejam valores defendidos e respeitados. Buscam a dignidade e o respeito! Alguns conseguem obter o direito de asilo em algum país desenvolvido e milhões estão em campos de refugiados, nos países mais pobres do mundo, que vêem acrescentado mais este problema aos inerentes à sua própria miséria.
Como todos sabem, e já foi dito pelo Sr. Deputado Miguel Macedo, felizmente, não vivemos essa tragédia em Portugal com a intensidade que a vemos em algumas áreas do mundo. Não somos um país de tradicional procura de asilo ou refúgio de perseguidos que careçam de protecção.
Apesar disso, é nosso dever, enquanto povo, enquanto Estado e no quadro da União Europeia, procurarmos sempre proceder a um esforço sério e actualizado no sentido de aprofundarmos uma política de asilo solidária e justa. É o que estamos a fazer, aqui e agora, respondendo também ao apelo dirigido à comunidade internacional pelo Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), Eng.º António Guterres, a quem saúdo.
Embora revogada, na prática, substantiva-se e fortalece-se a actual lei de asilo (Lei n.º 15/98, de 26 de Março), uma lei generalizadamente reconhecida como inovadora e prevendo numerosas garantias aos requerentes de asilo. Fazemo-lo, transpondo duas directivas para a ordem jurídica interna e consubstanciando essa transposição nesta proposta de lei.
Como foi referido pelo Sr. Secretário de Estado, esta iniciativa insere-se no processo de construção de um sistema europeu comum de asilo, no que respeita à fixação de procedimentos e à consagração de direitos que reforcem o estatuto de refugiado e do titular de protecção subsidiária. Esta iniciativa pode ser pontualmente melhorada em sede de especialidade, mas não há dúvida de que ela introduz aperfeiçoamentos à legislação vigente em Portugal sobre esta matéria, dos quais cumpre salientar alguns, e procurando não repetir os já assinalados pelo Sr. Secretário de Estado.
Por exemplo: aperfeiçoamento dos critérios de identificação a preencher pelos requerentes de asilo para poderem aceder ao estatuto de refugiado ou de protecção subsidiária, bem como ao núcleo essencial de benefícios e de obrigações que lhe estão subjacentes; reforço dos direitos dos refugiados e dos beneficiários de protecção subsidiária, no quadro do procedimento de concessão e retirada de protecção internacional maxime a consagração expressa do direito de permanência em território nacional do requerente de protecção internacional; clarificação do regime de asilo, designadamente concretizando conceitos como «actos de perseguição», «agentes de perseguição» e «motivos de exclusão e recusa do asilo e protecção subsidiária»; reforço dos direitos dos refugiados e dos beneficiários de protecção subsidiária, nomeadamente o direito à preservação familiar, em particular dos menores, alargado ainda a situações de união de facto e outros familiares a cargo e à emissão de documentos de viagem, nos termos da Convenção de Genebra; manutenção do procedimento de asilo como um processo de análise individual, tendo por base as declarações prestadas pelo requerente em sede de entrevista de determinação; equiparação dos beneficiários do estatuto de refugiado e de protecção subsidiária para efeitos de segurança social, bem como a sua inclusão no sistema de segurança social, o que verificamos com agrado.
Equiparando refugiados a beneficiários de protecção subsidiária em diversas matérias, esta proposta de lei vai além da directiva relativa à qualificação, nomeadamente no que respeita ao acesso ao emprego.
Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: Os poucos requerentes de asilo que chegam a Portugal devem ser recebidos com dignidade. Só assim seremos dignos daqueles portugueses e daquelas portuguesas que foram aqui desrespeitados na sua dignidade e procuraram refúgio noutras paragens, alguns dos quais até passaram por esta Casa.
Não podemos permitir, nem caucionar, pedidos ilegítimos ou abusos, mas não podemos sancionar injustas recusas a pretexto de combate ao terrorismo e à imigração indocumentada, pois a protecção dos refugiados é em si mesma inseparável da noção de direitos humanos.
Acreditamos que, com esta iniciativa, teremos, no final dos trabalhos, um regime mais justo e mais humano para os refugiados. É por isso que apoiaremos, sem dúvida, esta iniciativa do Governo.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Moura Soeiro.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero deixar uma saudação, também, aos membros do Conselho Português para os Refugiados, que aqui estão a assistir ao debate.
A lei do asilo é uma matéria da maior importância. Aliás, o dever de protecção dos refugiados é uma obrigação humana e a forma como tratamos aqueles que nos procuram em busca de protecção é reveladora do próprio modo como entendemos a democracia.
Diz o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, e cito, «Todos os dias refugiados e imigrantes arriscam a sua vida em tentativas desesperadas de encontrar segurança e uma vida melhor, frequentemente obrigados a viajar em condições desumanas e expostos a todo o tipo de exploração e abuso».
É verdade. Tem razão o ACNUR no diagnóstico.
A forma como a Europa reage a este problema é uma medida da civilização que dizemos ser. A maior parte dos refugiados viaja para a Europa de forma ilegal, como é óbvio, e precisa de todo respeito e de todo o acompanhamento.
As necessidades de provar, numa situação de grande fragilidade, a sua identidade e de demonstrar detalhadamente a perseguição de que se é vítima não podem, nunca, ser impedimentos para a protecção destas pessoas, aliás, de todas as pessoas. Os procedimentos burocráticos e as exigências administrativas não devem, nunca, ser obstáculo ao cumprimento do dever de protecção dos refugiados que temos.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Muito bem!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Rosário Farmhouse, a próxima Alta Comissária para a Imigração e Diálogo Intercultural, chama a atenção para um problema maior deste processo. Diz ela, e cito, «É muito difícil provar uma perseguição quando muitas vezes faltam provas de ameaça explícita».

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Exactamente!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — E apela até para que haja sempre humanismo por detrás de decisão.
Humanismo é exactamente a palavra certa para definir o modo como devemos lidar com os seres humanos, por isso a lei do asilo é importante.
Mas não deixa, contudo, de ser preocupante ver que a Europa, nos últimos anos, se tem empenhado em erguer verdadeiras muralhas, que bloqueiam os canais legais de imigração, que «clandestinizam» os fluxos migratórios e que são a causa das imagens chocantes, que vemos todos os dias no nosso continente, de imigrantes esfomeados e violentados na sua dignidade a chegarem em desespero às praias da Europa. Essas muralhas podem, nunca, ser intransponíveis para quem precisa de nós, como nós precisamos dos outros noutras alturas.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Muito bem!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Mas isso tem, infelizmente, acontecido. Aliás, António Guterres considerou que «as medidas para travar a imigração irregular não devem evitar que as pessoas que procuram asilo acedam aos países para onde se dirigem».
É também na forma como escolhemos as nossas prioridades que nos definimos. Por exemplo, a Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas dos Estados-membros da União Europeia (FRONTEX) tem, neste ano, um orçamento de 70 milhões de euros. Veremos o esforço orçamental que merecerão os refugiados, porque esse esforço é que poderá, de facto, dar um conteúdo às intenções positivas que esta lei assegura.
Um dos aspectos positivos da lei é, desde logo, o papel conferido às ONG, com particular destaque para o Conselho Português para os Refugiados.

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A possibilidade de recurso, que aqui foi falada, para os tribunais administrativos, com efeito suspensivo, é uma regra de elementar justiça. Aliás, deveria ser a regra em toda a legislação de estrangeiros, que esperamos possa um dia inspirar melhorias na lei da imigração.
Há outros aspectos desta lei que, eventualmente, precisam de ser apurados.
A lei integra, por exemplo, na definição de actos de perseguição os actos de violência física ou mental, inclusive os de natureza sexual, o que é um avanço importante. Tal como é importante haver uma referência à perseguição em função do género e, igualmente, garantir que aqui se enquadram não só os casos da mutilação genital feminina mas também situações como o casamento forçado.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Muito bem!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — A lei não integra, contudo, no elenco dos motivos de perseguição, a questão da orientação sexual e da identidade de género, mesmo sabendo nós que há milhares de pessoas no mundo perseguidas por serem gays, lésbicas, bissexuais e transgéneros. A lei remete estes casos para o enquadramento de grupo social específico diferente da sociedade que o rodeia, mas isso muitas vezes é difícil de provar, porque se conhecem situações em que se argumentou, no caso de indivíduos concretos, perseguidos, que no país de origem não se poderia considerar a existência de gays enquanto grupo social específico.
Portanto, quando discutirmos esta iniciativa na especialidade, teremos algumas sugestões para que a lei seja mais clara, por isso mais humana.
E é preciso assegurar como é que se aplica esta lei, porque isso é que pode garantir os aspectos interessantes que ela poderá ter.
Portugal é o país da União Europeia com menor número de pedidos de asilo. Aliás, Portugal teve, em 2006, 105 pedidos, dos quais 30 foram aceites.
O Secretário de Estado José Magalhães, em Novembro do ano passado, em declarações ao Expresso, disse que o conceito de reinstalação à escala europeia é muito bom, porque permitirá repartir o número de candidatos, independentemente do sítio onde «batam à porta», e até já estabeleceu uma meta: Portugal acolherá 30 pessoas por ano. Estranha «meta» quantitativa, quando estamos a falar de direitos humanos e de situações de direitos humanos que não podemos prever! Gostaria também de falar do princípio do non-refoulement, segundo o qual as pessoas não podem ser expulsas para um local onde a sua dignidade e a sua liberdade estejam ameaçadas, porque é um princípio da maior importância.
O repatriamento, para o país de onde fogem, de pessoas que vêm para o nosso país, sabendo que elas podem estar sujeitas a perseguições, a retaliações e a violações da sua dignidade e dos seus direitos humanos será sempre uma decisão criminosa por parte de qualquer Estado.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Concluirei, Sr. Presidente.
Aliás, foi isso mesmo que disse ao Sr. Ministro da Administração Interna, directamente de Marrocos, de Casablanca, da prisão para onde ele expulsou os 21 marroquinos que vieram ter ao nosso país.
É importante que se reconheça a desumanidade deste tipo de decisões e esperamos que o facto de esta lei vincar de forma muito clara esta situação em relação aos refugiados, evidentemente, seja um sinal importante para o futuro.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Debruçámo-nos atentamente sobre esta proposta de lei e consideramos que, relativamente à actual regulação legal existente

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no nosso país em matéria de direito de asilo, ela contém algumas inovações que vão, geralmente, no sentido positivo…

A Sr.ª Celeste Correia (PS): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — … de reforço dos direitos dos requerentes de asilo e tem um cuidado maior no que respeita ao tratamento que é dado aos refugiados em Portugal.
Esta matéria de direito de asilo é muito sensível, porque tem que ver com direitos humanos fundamentais.
Portugal tem uma particular responsabilidade nesta matéria, porque gerações anteriores de portugueses foram beneficiárias do direito de asilo noutros países por serem perseguidas politicamente no nosso país, pelo que é muito importante que o nosso país dê o exemplo e se dote de uma regulação legal do direito de asilo que saiba distinguir aquilo que deve ser distinto. E o que se deve distinguir é, muito claramente, o direito de asilo da imigração económica.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — E esse foi um erro cometido em Portugal durante muitos anos.
Se recordarmos os debates que houve em Portugal, nesta Assembleia, na primeira metade dos anos 90, lembrar-nos-emos como o Governo, na altura, quis confundir deliberadamente as duas coisas (a imigração económica e o direito de asilo), impondo uma legislação extremamente restritiva em matéria de direito de asilo com o argumento de que assim se estava a limitar a imigração económica. Lembramo-nos disso. Criticámos essa orientação, criticámos os retrocessos que houve em matéria de regulação do direito de asilo e pensamos que importa que essas questões sejam distintas.
De facto, quem requer o direito de asilo é perseguido no seu país, politicamente ou por outras razões, mas em todo o caso não pode regressar ao seu país, porque receia justamente ser aí alvo de perseguição.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — A legislação portuguesa tem um problema congénito que esta proposta de lei não ultrapassa, que é a da dupla apreciação dos requerimentos de asilo, introduzida há uns anos. Há uma fase preliminar, que se conclui na esmagadora maioria dos casos, lamentavelmente, por um indeferimento liminar, e só os requerentes de asilo que passem essa fase é que têm direito a que o seu pedido de asilo seja cuidadosamente apreciado até uma decisão final. Isto é, quanto a nós, uma deficiência congénita.
Reconhecemos que nesta proposta de lei essa fase inicial é dotada de um maior conjunto de garantias, mas ainda assim, se virmos como é que tudo funciona, verificamos que há um contra-senso.
Ou seja, um cidadão que se apresente em Portugal e que requeira a concessão de asilo, obviamente que logo na fase inicial, logo que apresenta o pedido, terá que provar praticamente tudo. Esta fase preliminar é já muito exigente relativamente aos requerentes de asilo, mas depois não é tanto relativamente às autoridades que têm que apreciar o pedido. Há uma exigência muito grande para com o requerente e, depois, há uma decisão administrativa, que é definitiva se for de indeferimento. Isto é, se o pedido for admitido, então, reabrese o processo. Ora, isto não faz muito sentido.
Reconhecemos que do indeferimento liminar, chamemos-lhe assim, há um recurso judicial, que tem efeito suspensivo, que tem que ser decidido num prazo curtíssimo. Não sabemos se há condições para os nossos tribunais administrativos decidirem nos prazos curtíssimos que aqui são apresentados, mas o que acontece é que, presumimos nós, uma decisão do tribunal que anule a decisão do SEF de indeferir liminarmente o pedido de asilo tem a consequência de o processo ser remetido ao SEF para que faça a apreciação de um pedido que já indeferiu, o que, à partida, é um contra-senso.
Do nosso ponto de vista, quem requeira a concessão de asilo em Portugal deve ver o seu pedido apreciado não apenas numa fase destinada a indeferir liminarmente a grande maioria dos pedidos. Cada cidadão tem direito a que o seu processo seja analisado com um mínimo de cuidado e, obviamente, deverá ter garantias de recurso judicial de uma decisão que não lhe seja favorável. Esse recurso deverá ter um carácter suspensivo, para que não haja uma decisão de expulsão precipitada, senão o tribunal poderá reconhecer que, afinal,

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aquele cidadão merecia que lhe tivesse sido concedido o direito de asilo, mas isso já não se verifica, visto que ele já cá não está porque foi expulso, entretanto.
Logo, não deveriam criar-se situações irreversíveis, precisamente porque estamos a falar de uma matéria muito sensível dos direitos humanos.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exactamente!

O Sr. António Filipe (PCP): — Não estamos a falar de uma coisa qualquer, estamos a falar de um cidadão que, se não lhe for reconhecido o direito de asilo, será devolvido ao país de origem, onde pode ser alvo das perseguições que invocou em Portugal.
Portanto, estas decisões têm que ser tomadas com muito cuidado, salvaguardando os direitos fundamentais dos requerentes de asilo. E isso, quanto a nós, é pouco compatível com a manutenção deste esquema de indeferimento liminar, que se aplica à maioria das pessoas que requerem asilo em Portugal.
Reconhecendo que esta proposta de lei é melhor do que a situação existente na medida em que acautela melhor os direitos em todas as fases processuais, quer na primeira quer na segunda, quer parecer-nos que há uma deficiência congénita nesta legislação, que só seria ultrapassada reconhecendo a cada requerente de asilo o direito a que a sua situação fosse concreta e cuidadosamente analisada pelas autoridades portuguesas e não fosse alvo de uma apreciação liminar por parte dos serviços, que pode em muitas situações redundar numa expulsão injusta do território nacional.
É esta a apreciação que fazemos relativamente à proposta de lei.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostava tão-só de saudar o consenso que se estabeleceu em torno deste conjunto de propostas e de agradecer o apreço manifestado pelas inovações. Esse apreço foi manifestado por todas as bancadas, sem distinção, e é por igual bem-vindo.
Estamos a cumprir obrigações que o Estado português assumiu na esfera internacional e a inserir Portugal no movimento, muito importante, de criação do Sistema Europeu Comum de Asilo.
É uma batalha difícil. É uma batalha em que Portugal tem adoptado uma política pró-activa. Ninguém nos obrigou, por exemplo, a instituir o regime, que já está em vigor neste momento, de participação de Portugal num programa de reinstalação, pilotado pelo ACNUR, que já nos permitiu, por duas vezes, acolher cidadãos estrangeiros merecedores dessa protecção em condições que só podem, evidentemente, honrar-nos.
Quero, ainda, fazer duas observações muito breves sobre a natureza deste debate.
Julgo que teremos ocasião de, na especialidade, afinar soluções e de passar em revista tudo o que os Srs. Deputados entenderem, de acordo com as vossas prerrogativas. O Governo está inteiramente disponível para o fazer — aliás, depositei na Mesa, como tinha prometido, os documentos e os pareceres. Alerto-os apenas para o facto de alguns desses pareceres dizerem respeito ou serem comentários a uma anteproposta de lei cujo conteúdo foi muito alterado, precisamente por força desses pareceres. É para isso que eles servem; caso contrário, seriam meramente decorativos.
Não poderemos, todavia, fugir a decisões, e essas decisões serão tomadas pelos Srs. Deputados em matérias melindrosas. As mais relevantes e as mais sensíveis são as que dizem respeito — como muito bem aqui foi sublinhado a várias vozes — à distinção entre situações de verdadeira e própria perseguição, que legitimam a aplicação da Convenção de Genebra, e outras situações que, merecendo, porventura até, a concessão de autorização de residência por razões humanitárias (que é outra figura), não permitem a aplicação da lei interna e da Convenção de Genebra, porque tal seria um desvio em relação ao que a própria Convenção estabelece e, além disso, um precedente estranho e uma forma estranha de actuar o direito internacional.

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Portanto, essa fronteira dura, essa fronteira difícil, tem de ser estabelecida, e sê-lo-á pelos Srs. Deputados e pelas Sr.as Deputadas com toda a ponderação de situações. Mas com uma cautela ou salvaguarda: a de que a nossa imaginação está tolhida pelo facto de estarmos a transpor directivas. Porventura, elas virão a ser alteradas — está em processo de discussão a sua revisão —, mas, neste momento, é esse o padrão que nos vincula.
Em relação à questão de saber se há uma «deficiência congénita», gostaria de tranquilizar o Sr. Deputado António Filipe — se é que esta é a expressão apropriada —, porque nenhum pedido, face à Convenção de Genebra e face às directivas, pode ser deferido ou indeferido «às cegas»; todas as situações têm de ser examinadas não em abstracto mas em concreto. É esse o esforço que é pedido às autoridades!

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna: — Portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não pode haver decisão arbitrária ou decisão cega sobre pedidos concretos de seres humanos, vivos e activos, que se apresentam perante o Estado português.
Gostaria, pois, de disponibilizar a cooperação do Governo para a finalização positiva deste processo legislativo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, terminada a apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 174/X, estão, assim, concluídos os trabalhos de hoje.
A próxima sessão plenária realiza-se quarta-feira, dia 13 de Fevereiro, com início às 15 horas, e a ordem do dia constará de um debate com o Sr. Primeiro-Ministro, ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 224.º do Regimento da Assembleia da República, cujo tema será anunciado no prazo regimental.
Sr.as e Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 13 horas.

Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, relativa à votação, na generalidade,
do projecto de lei n.º 405/X

A Assembleia da República votou na generalidade, no dia 8 de Fevereiro de 2008, o projecto de lei n.º
405/X, referente ao estatuto do representante da República nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira,
dando resposta a uma lacuna existente desde a Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho. Esta revisão
constitucional visou, essencialmente, consolidar e reforçar os poderes autonómicos, extinguir o cargo de
Ministro da República e criar a nova figura de Representante da República, cuja natureza jurídico-
constitucional se alterou substancialmente. E o projecto em causa visa uma clarificação institucional do cargo
de acordo com os preceitos constitucionais.
Seguindo a orientação do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, os signatários — Deputados eleitos
pelo círculo eleitoral da Madeira — votaram a favor deste projecto de lei, embora partes importantes do seu
articulado nos levantem reservas, pois não é totalmente fiel ao texto constitucional, ou seja, os representantes
da República mantêm funções ministeriáveis e administrativas que a Constituição da República já não lhes
confere.
Reconhecendo, todavia, a premência do Estatuto dos titulares do cargo de representante da República
para as regiões autónomas, os signatários esperam que se façam as devidas alterações ao projecto de lei n.º
405/X, em sede de Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, em conformidade
com a Constituição da República.

Os Deputados do PS, Jacinto Serrão — Maximiano Martins — Maria Júlia Caré.

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Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
António José Ceia da Silva
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
Fernando Manuel de Jesus
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
José Augusto Clemente de Carvalho
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel Luís Gomes Vaz
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Cidália Bastos Faustino
Marta Sofia Caetano Lopes Rebelo
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Rosalina Maria Barbosa Martins
Vitalino José Ferreira Prova Canas

Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Paulo Martins Pereira Coelho
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
Luís Miguel Pais Antunes
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Popular (CDS-PP):
Paulo Sacadura Cabral Portas

Partido Comunista Português (PCP):
José Honório Faria Gonçalves Novo

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS):
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro

Partido Social Democrata (PSD):
Carlos Alberto Silva Gonçalves

Srs. Deputados que faltaram à verificação do quórum de deliberação (n.º 29 da Resolução n.º 77/2003, de
11 de Outubro):

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Partido Socialista (PS):
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
João Barroso Soares
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Luísa Maria Neves Salgueiro
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Maria de Lurdes Ruivo
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Umberto Pereira Pacheco

Partido Social Democrata (PSD):
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
Arménio dos Santos
Emídio Guerreiro
Jorge Fernando Magalhães da Costa
José Pedro Correia de Aguiar Branco
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Mário Henrique de Almeida Santos David
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Sérgio André da Costa Vieira

Bloco de Esquerda (BE):
Fernando José Mendes Rosas
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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