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Sexta-feira, 15 de Fevereiro de 2008 I Série — Número 48

X LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2007-2008)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 14 DE FEVEREIRO DE 2008

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Fernando Santos Pereira

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n.º 458/X e dos projectos de resolução n.os 268 a 270/X.
Em declaração política, o Sr. Deputado Almeida Henriques (PSD) chamou a atenção para a importância das micro, pequenas e médias empresas e para a sua situação económica e financeira, tendo referido a necessidade de um maior apoio para o seu desenvolvimento. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Hélder Amaral (CDS-PP).
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça (PS), um ano após o referendo que permitiu a aprovação da legislação acerca da interrupção voluntária da gravidez, lembrou a normalidade com que decorreu a sua regulamentação e implementação, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Ana Manso (PSD), Pedro Mota Soares (CDS-PP), Jorge Machado (PCP) e Helena Pinto (BE).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Hélder Amaral (CDS-PP) referiu-se à escolha e aquisição pelo Governo de meios aéreos de combate a incêndios. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Carlos Lopes (PS) e Paulo Pereira Coelho (PSD).
Também em declaração política, a Sr.ª Deputada Ana Drago (BE) condenou a proposta apresentada ao Governo pela Agência Nacional para a Qualificação sobre o ensino artístico especializado e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Luiz Fagundes Duarte (PS), Pedro Duarte (PSD) e Abel Baptista (CDS-PP).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Miguel Tiago (PCP) manifestou-se no mesmo sentido e, depois, respondeu a pedidos de esclarecimento da Sr.ª Deputada Manuela Melo (PS).
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 78.º do Regimento, o Sr.
Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva) teceu considerações sobre o crescimento da economia portuguesa. No fim, deu resposta a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Rosário Cardoso Águas (PSD), Maximiano Martins (PS), Agostinho Lopes (PCP), Diogo Feio (CDS-PP), Francisco Louçã (BE) e José Miguel Gonçalves (Os Verdes).
Procedeu-se à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 176/X — Autoriza o Governo a alterar o Código de Processo Civil, o Estatuto da Câmara dos Solicitadores e o

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Estatuto da Ordem dos Advogados, no que respeita à acção executiva, tendo-se pronunciado, além do Sr. Ministro da Justiça (Alberto Costa) e do Sr. Secretário de Estado da Justiça (João Tiago Silveira), os Srs. Deputados António Montalvão Machado (PSD), Nuno Teixeira de Melo (CDSPP), Sónia Sanfona (PS), João Oliveira (PCP) e Helena Pinto (BE).
Foi também discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 177/X — Autoriza o Governo a alterar o Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr.
Secretário de Estado da Protecção Civil (José Miguel Medeiros), os Srs. Deputados Nuno Magalhães (CDS-PP), Bruno Dias (PCP), Fernando Santos Pereira (PSD), Helena Pinto (BE) e Isabel Jorge (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 10 minutos.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha Almeida Pereira
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
David Martins
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Jacinto Serrão de Freitas
Jaime José Matos da Gama
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Barroso Soares
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Júlio Francisco Miranda Calha

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Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel José Mártires Rodrigues
Manuel Luís Gomes Vaz
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos Sá Rodrigues
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Eugénia Simões Santana Alho
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Marisa da Conceição Correia Macedo
Marta Sofia Caetano Lopes Rebelo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Nelson Madeira Baltazar
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Renato Luís Pereira Leal
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues

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Rita Manuela Mascarenhas Falcão dos Santos Miguel
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Umberto Pereira Pacheco
Vasco Seixas Duarte Franco
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Vítor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio André Brandão de Almeida Teixeira
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Zita Barbas Marvão Alves Gomes
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Joaquim Almeida Henriques
António Paulo Martins Pereira Coelho
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos António Páscoa Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Pedro Correia de Aguiar Branco
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves

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Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pais Antunes
Luís Miguel Pereira de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Olímpia do Nascimento Castro Candeias
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Mário Henrique de Almeida Santos David
Mário Patinha Antão
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Miguel de Santana Lopes
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
José Helder do Amaral
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Paulo Sacadura Cabral Portas
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Francisco José de Almeida Lopes
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Miguel Tiago Crispim Rosado

Bloco de Esquerda (BE):
Ana Isabel Drago Lobato
Fernando José Mendes Rosas

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Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
José Miguel Pacheco Gonçalves

Deputado não inscrito em grupo parlamentar:
Maria Luísa Raimundo Mesquita

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, antes de mais, peço à Sr.ª Secretária que dê conta do expediente.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projecto de lei n.º 458/X — Gestão democrática dos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário (PCP), que baixa à 8.ª Comissão, e projectos de resolução n.os 268/X — Recomenda ao Governo a promoção da redução dos sacos de plástico (Os Verdes), 269/X — Recomenda ao Governo a suspensão do encerramento de serviços de saúde e uma orientação para o processo de requalificação das urgências hospitalares e da rede de socorro pré-hospitalar (BE) e 270/X — Recomenda ao Governo que promova uma avaliação excepcional do impacto do rendimento mínimo garantido e do rendimento social de inserção no combate à pobreza e à exclusão social (BE).
É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, passamos ao período de declarações políticas.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Henriques.

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: São mais de 99% das empresas portuguesas e representam 57% do volume de negócios e mais de 2 milhões de postos de trabalho.
Refiro-me, obviamente, às micro, pequenas e médias empresas do nosso país.
Ao longo dos últimos três anos, têm estado entregues a si próprias, à espera que o Governo desperte e lhes atribua o real valor e adopte políticas que permitam ajudar a resolver os seus problemas e a consolidar a sua importância no tecido económico do País.
Ainda recentemente, o Sr. Presidente da República afirmava, na inauguração de uma nova unidade industrial, que «Portugal não se afirmará internacionalmente e não se desenvolverá se ficar à espera que as pequenas e médias empresas desapareçam» e «é com elas que terá que recuperar um lugar entre os países mais ricos da Europa comunitária».
Na passada terça-feira, na audição com o Sr. Ministro da Economia na Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional, ficou bem patente a distância entre a realidade e a ficção, entre aquilo que os portugueses e as empresas sentem e aquilo que o Governo afirma.
Afirma o Sr. Ministro da Economia que as empresas nunca estiveram tão preparadas para os desafios que se aproximam e que não o preocupa a desaceleração das economias europeias, pois o volume de investimento expectável permitirá compensar esta situação. Nos antípodas, o clima de confiança volta a agravar-se em Janeiro e o indicador de confiança dos consumidores intensifica o movimento descendente.
Não é com palavras de confiança não fundamentadas que os problemas se resolvem, é com acção.
Vem logo à cabeça os sistemáticos atrasos dos pagamentos do Estado às empresas, que se estima que rondem os 3000 milhões de euros, isto é, mais de 1,5% do PIB. Como é que o Governo responde? Instala um autêntico clima persecutório às empresas, penhorando contas, que ultrapassam em muito o valor em dívida, e

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viaturas em situações de dívidas ridículas, para já não falar da atitude lamentável que a ASAE assume no terreno.
Somos os primeiros a defender o combate à fraude e evasão fiscal, mas o Governo não pode ter dois pesos e duas medidas, não pode tudo exigir e nada cumprir.
Pagar às empresas seria claramente uma excelente forma de estimular a economia;…

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — … aceitar que as empresas efectuem compensações fiscais com as dívidas vencidas do Estado também ajudaria; passar a exigir o IVA dos fornecimentos ao Estado só depois da boa cobrança também seria, com certeza, um bom caminho; titular as dívidas, para que estas sejam passíveis de adiantamentos por parte da banca, seria também mais um bom caminho que o Governo poderia seguir.
Aliás, estes são caminhos que o PSD, reiteradamente, tem vindo a propor nesta Assembleia.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Como é que o Governo responde? Com mais um anúncio e um título pomposo — o Programa «Pagar a tempo e horas» — e mais uma manifestação de intenções para uma redução gradual dos prazos de pagamento. Era preferível, na nossa opinião, que chamassem ao programa «Pagar tarde e a más horas», pois trata-se de um mero paliativo, sem consequências práticas na economia portuguesa.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Mas, se neste campo é assim, falemos nas exportações. No capítulo das exportações, quando questionado sobre a perda de quota de mercado que se verifica nos nossos principais destinos comerciais, o Sr. Ministro da Economia responde, candidamente, que, se retirarmos a quota da China e do Japão, até estamos a crescer nos mercados de Espanha e da Alemanha.
Que dizer desta afirmação? E que dizer também da afirmação do responsável do Plano Tecnológico, Prof.
Carlos Zorrinho, que afirmava, em nota de imprensa, que os produtos de alta tecnologia pesam 11,5% nas exportações portuguesas e que a evolução superou as expectativas do Governo.
Sr. Professor, haja decoro! Há sete anos consecutivos que Portugal tem 11,5% de exportações na área da alta tecnologia. Onde é que houve evolução? Antes, pelo contrário, houve um decréscimo, porque, efectivamente, Portugal não cresceu a este nível.

O Sr. Virgílio Almeida Costa (PSD): — Muito bem!

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Evoluímos só ligeiramente para as exportações de média baixa, muito à custa dos produtos petrolíferos e da conjuntura internacional.
Infelizmente, a conclusão que se pode tirar é que a modernização do tecido industrial é menor do que se esperava e faltam políticas que estimulem o salto tecnológico.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As micro, pequenas e médias empresas estão descapitalizadas, sofrem de excessivo endividamento, a conjuntura internacional, a aplicação das exigências do rating do Basileia 2, somado à actuação do fisco, apertam o garrote às empresas e a banca reage, cancelando contas correntes caucionadas, e envia cartas a solicitar a liquidação de empréstimos. Que faz o Governo? Afirma que quer dinamizar o capital de risco, mas, ao invés de estimular o surgimento de fundo privados, como acontece um pouco por toda Europa e nos EUA, concentra a actividade de capital de risco dentro da própria estrutura do Governo e aconselha a garantia mútua, que, de facto, é um bom caminho, mas o resultado prático é que estabiliza a dívida das empresas, mas, no final, a empresa vai pagar, pelo menos, mais 2% de juros do que aquilo que estava a pagar. Pergunto se este é um caminho que ajude, efectivamente, a economia portuguesa.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, outro exemplo: o comércio e, designadamente, o comércio de proximidade. Um pouco por todo o País, há comerciantes que mantêm as suas lojas abertas por vergonha, por

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uma questão de dignidade, por princípios que praticam. Já delapidaram todas as suas poupanças e, nalguns casos, é a sua reforma que ajuda a manter as portas abertas. É visível para todos o estado do comércio nas diferentes vilas e cidades de Portugal.
Como é que o Governo responde? O Governo responde com o Mobcom. Obviamente que os comerciantes não podem aderir, e só demonstram inteligência, porque este programa não se adequa à realidade.
O Governo, também aqui, não compreendendo a dimensão social e económica do problema, trata com «aspirinas» a um «doente» que precisa, de facto, de «cuidados intensivos» e de ser «internado com urgência».
Isto já para não falar nas regiões transfronteiriças, onde este problema se agrava, e muito.
Porque o tempo escasseia, não quero deixar também aqui uma grande preocupação aos Srs. Deputados.
Está em curso uma reforma no âmbito da central de compras do Estado. É mais uma grande machadada no domínio das micro, pequenas e medias empresas.
No âmbito desta reestruturação, a Agência Nacional das Compras Públicas anunciou que vai lançar 10 concursos para a celebração de novos contratos, onde se estima poupar 150 milhões de euros. Não podíamos estar mais de acordo, mas corremos o risco de estar a centralizar excessivamente as compras e a vedar o acesso às micro, pequenas e médias empresas.
Os Estados Unidos, que são uma economia liberal por excelência, têm um programa que assegura que 20% das compras do Estado são obrigatoriamente feitas a micro, pequenas e médias empresas. Neste caso concreto, verificamos que até nos Estados Unidos é possível conciliar poupança com protecção das empresas mais pequenas.
Também aqui, o Governo demonstra total insensibilidade e falta de estratégia.
O PSD não se conforma com esta situação. É urgente que o Governo olhe para as micro, pequenas e médias empresas, sob pena de estarmos a ir por um caminho sem retorno. O PSD não calará a sua voz e, brevemente, promoverá aqui, nesta Assembleia, debates e agendamentos sobre esta matéria, porque achamos que é imprescindível para o desenvolvimento do País dar força às PME, dar força às micro empresas, que são, no fundo, a malha que permite ao País não se desertificar e continuar a andar num caminho que nós pretendemos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Henriques, quero dar-lhe os parabéns pelo problema que aqui trouxe e dizer-lhe que não basta o discurso do Governo e do Sr. Ministro da Economia, que, fazendo desafios, pede para fazermos perguntas sobre as PME,…

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Para não responder!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — … como se o Governo tivesse uma ideia ou propostas claras para as pequenas e médias empresas, mas depois, quando é confrontado com perguntas em concreto, nada diz.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Exactamente!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Quero também dizer-lhe que sei que, como eu, conhece bem o interior do País. Aliás, sei que o seu partido faz disso uma bandeira justa, porque é por aí que se pode começar o combate à desertificação do interior e a correcção das assimetrias regionais, ou seja, com apoios claros e efectivos às micro, pequenas e médias empresas.
Por isso, gostava de lhe perguntar se, para resolver o problema do desemprego, que está 96% ligado às PME, não seria, de facto, de acelerar todo o QREN; se é verdade ou não que os atrasos do QREN provocam, desde já, ainda mais dificuldades às pequenas e médias empresas que estão situadas em zonas desfavorecidas; se o problema de o Simplex não chegar ao IAPMEI, que é uma estrutura fundamental para a ajuda às pequenas e médias empresas, não é, em si mesmo, o contrário do discurso do Partido Socialista e do

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Governo; se a simplificação é ou não fundamental, uma vez que são inúmeros os casos de inércia, de dificuldade e de incapacidade de as pequenas e médias empresas chegarem à informação e à formação, o que dificulta a sua capacidade de se modernizarem e de atingirem novos mercados;…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — … se devia ou não haver benefícios fiscais para a internacionalização dessas empresas e para incentivar as exportações dessas empresas; se devia ou não haver um limite de benefícios fiscais, para além daquela «migalha» dada pelo Partido Socialista, que o Grupo Parlamentar do CDS propôs,…

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — … para que na zona transfronteiriça, onde se situa 90% da capacidade das pequenas e médias empresas, houvesse uma redução selectiva de carga fiscal, para que as empresas conseguissem aí marcar presença e, por aí, conseguissem algum crescimento económico.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Eram estas perguntas que tinha para lhe colocar, Sr. Deputado.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Henriques.

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Hélder Amaral, agradeço as questões que me colocou, que são, de facto, muito pertinentes.
Quero começar por registar que o Partido Socialista, perante uma intervenção sobre a questão das micro, pequenas e médias empresas, mais uma vez, peca pela ausência,…

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — É igual ao Governo!

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — … isto é, não vem a debate discutir as questões pertinentes que procurámos trazer a este Plenário hoje.
Em relação à interioridade, Sr. Deputado, obviamente que acho que só há uma forma de combater a interioridade, que é criar riqueza no interior do País, e essa riqueza pode ser criada através de incentivos fiscais mas não com mapas com este que tenho aqui na minha mão, que o Governo nos apresenta. Como é que se pode criar riqueza no interior quando 85% do País está coberto pelos incentivos fiscais que foram aprovados no Orçamento do Estado? Como é que a aplicação destas políticas pode ter qualquer efeito prático no interior do País?

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Não é assim, com certeza, que conseguiremos desenvolver o País.
Em relação à questão do QREN, Sr. Deputado, já estamos com dois anos de atraso. É que, se reparar bem, o Governo andou um ano para aprovar o QREN. Disse que o tinha aprovado e que estava em vigor desde 1 de Janeiro deste ano, mas a verdade é que, quando entrámos no mês de Fevereiro, ainda muitos dos regulamentos não estavam publicados ou, pior do que isso, estavam publicados os regulamentos na área da economia mas faltavam no plano operacional os factores do potencial humano, e, como sabem, a maior parte das candidaturas têm uma parte de componente de modernização e outra parte de potencial humano.

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Onde é que está a tal aposta que o Governo diz que faz no potencial humano e nas pessoas quando, um ano e meio depois do início do QREN, ainda não está a funcionar o PO (potencial humano) que permitirá modernizar a economia portuguesa?!

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Por último, pergunto aos Srs. Deputados, ao Sr. Deputado Hélder Amaral e ao Partido Socialista como é que o IAPMEI pode cumprir a sua função de apoiar os empresários? Sabem quantos funcionários é que o IAPMEI tem, por exemplo, na delegação de Viseu? Tem dois funcionários. Sabem quantos funcionários existem da delegação de Aveiro? Existem dois funcionários. Sabem quantos funcionários existem em Castelo Branco e na Guarda? Um funcionário.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Bem lembrado!

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Como é que uma instituição como o IAPMEI, que é fundamental para apoiar as tais micro, pequenas e médias empresas, pode fazer o seu trabalho no terreno se, efectivamente, não tem estrutura?!

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Por um lado, o Governo apregoa, o Sr. Ministro vem ao Parlamento dizer que, efectivamente, as PME são prioridade para o Governo, por outro, o que verificamos é que para o show off na Europa elas foram prioridade mas para implantar em Portugal as medidas que são necessárias para as micro, pequenas e médias empresas poderem sobreviver não vemos qualquer sensibilidade da parte do Governo.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Permito-me também, antes de terminar, realçar mais uma vez esta questão gravíssima, que são as compras do Estado. Ninguém, possivelmente, ainda se apercebeu do prejuízo que isto pode trazer às empresas de proximidade.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Concluo em poucos segundos, Sr. Presidente.
Estamos a correr o risco de acabar, basicamente, com todas as micro e pequenas empresas que vivem, muitas vezes também, de algumas vendas que vão fazendo.
Portanto, sugiro ao Governo que aceite a nossa sugestão e que institua o princípio de uma percentagem das compras do Estado terem de ser obrigatoriamente feitas às micro e pequenas empresas, o que penso que era uma boa medida para ajudar o tecido económico.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Sr. Presidente, quero apenas, através da Mesa, informar que na Conferência de Líderes foi agendado um projecto de resolução do PS sobre o apoio às pequenas e médias empresas no âmbito do QREN; foi afirmado pelo PSD o agendamento de um projecto de lei sobre as micro, pequenas e médias empresas, que discutiremos brevemente; e também ficou previamente marcada a vinda

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aqui do Sr. Ministro da Economia e da Inovação, no dia 14 de Março, pelo que esta antecipação por parte do PSD é absolutamente extemporânea.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, quero só confirmar tudo aquilo que disse o Sr. Deputado José Junqueiro.
Quero também dizer-lhe, Sr. Deputado, relativamente à última parte da sua intervenção, que o facto de haver agendamentos, sobre esta ou outras matérias, por parte dos vários grupos parlamentares não os inibe de trazer a esta Câmara os assuntos que muito bem entenderem, na altura e nas oportunidades que muito bem entenderem.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Claro!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Se esta intervenção causou algum incómodo à bancada do PS, lamentamo-lo, mas fica registado esse incómodo. E fica registada também a ausência de uma política de apoio às micro, pequenas e médias empresas por parte do Governo que V. Ex.ª sustenta.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há um ano, Portugal virou uma página negra da sua História — a do aborto clandestino, a da humilhação, a da indignação, a do medo, a de uma lei penal injusta e inadequada.
Passou um ano, no dia 11 de Fevereiro, sobre a realização do referendo que despenalizou a interrupção voluntária da gravidez. Um marco civilizacional da nossa sociedade, um passo no caminho da liberdade de opção e do respeito pela dignidade humana; uma marca numa sociedade que se quer cada vez mais justa, mais solidária e mais equitativa, uma sociedade que respeita os direitos humanos.
Fiel ao seu compromisso eleitoral, o Partido Socialista propôs a realização de um novo referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada nas primeiras 10 semanas, a pedido da mulher e em estabelecimento de saúde legalmente autorizado.
Uma vez convocado o referendo, defendeu convictamente um «sim» responsável. Em 11 de Fevereiro de 2007, o eleitorado pronunciou-se a favor da despenalização pela significativa maioria de 59% dos votos expressos. Em seguida, a Assembleia da República aprovou, por maioria de dois terços dos Deputados (com os votos favoráveis do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes e de 21 Deputados do PSD), o correspondente projecto de lei, posteriormente promulgado pelo Sr. Presidente da República.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril, mês da liberdade, sobre a exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez, no quadro da defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos e enquanto elemento estruturante da qualidade da democracia, é uma das iniciativas que mais se destaca no decorrer da X Legislatura e que mais honra o Partido Socialista.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Transcorridos um ano do referendo e seis meses da vigência da lei, impõe-se uma avaliação preliminar.
Em primeiro lugar e segundo dados oficiais, entre 15 de Julho e final de Dezembro de 2007 foram realizados 6099 abortos, que representam 97% do total das interrupções realizadas em hospitais públicos e privados, sendo os restantes 3% resultantes de situações clínicas ou impostos por outros motivos.

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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A questão do número de interrupções verificadas não merece comentários de tipo normativo — é o que é. Mas, mais importante do que comentar se os números são elevados ou diminutos, importa sublinhar que, uma vez que as mulheres possam realizar a interrupção voluntária da gravidez (IVG) no quadro da lei, os números em si não merecem qualquer comentário especial.
Até porque não seria o número mais ou menos elevado de interrupções que viria a justificar a opção política claramente sufragada em referendo nacional e, depois, pela Assembleia da República, promulgada pelo Presidente da República, transposta em lei e devidamente regulamentada.
A opção, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, é política e é de fundo; transporta em si mesmo um significado filosófico claro, no qual nos revemos e pelo qual nos batemos, e não é susceptível de ser diminuída pelos seus números.
Mas este comentário não prejudica um outro: o volume de interrupções verificado prova que a nova lei não veio incentivar a prática de interrupção voluntária da gravidez, de acordo com o argumento que aqui mesmo utilizámos. Sempre dissemos que não se tratava de favorecer, liberalizar ou, absurdamente, defender por si só, como coisa boa, a interrupção voluntária da gravidez, em suma, de promover o aborto, mas, sim, dentro de um quadro legal específico, de permitir às mulheres que o desejassem a realização da interrupção voluntária da gravidez.
Em segundo lugar, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a regulamentação da lei correu bem, dentro dos prazos e de acordo com os parâmetros impostos na lei. Os regulamentos foram feitos, as verbas foram disponibilizadas, os serviços foram criados, como era, aliás, de esperar.
O Ministério da Saúde disponibilizou oportunamente os recursos necessários e adequados ao cumprimento da lei, ao contrário do que alguns temiam.
Seguindo as melhores práticas europeias, consagrou-se uma consulta médica obrigatória, disponibilizou-se a informação médica e social e previu-se um período de reflexão. Este é o espelho do compromisso do PS para com os portugueses.
É bastante significativo que possam realizar-se interrupções voluntárias da gravidez em todo o território nacional, malgrado as vozes da Madeira, que diziam não querer aplicar a lei. É que, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não existe qualquer zona do País em que, por esta ou aquela razão, exista na prática aquele que seria um intolerável e iníquo bloqueio de acesso de facto.
Em terceiro lugar, a objecção de consciência, um pouco à semelhança dos números, não merece um comentário destacado. A sua existência é lícita, desde que ocorra nos termos da lei e desde que o seu respeito não ponha em causa o exercício do direito consagrado na lei. Trata-se de respeitar o equilíbrio entre os direitos.
Em quarto lugar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, abortos clandestinos é tudo aquilo contra o qual esta lei se fez. O que esteve sempre em causa foi a saúde, a liberdade e até o risco de vida da mulher, para além das considerações penais. Todo o aborto clandestino que se evitou, todos os ganhos de saúde que se obtiveram e todos os riscos de vida que se ultrapassaram foram, e são, valiosos e insubstituíveis. Existem ainda questões culturais importantes que importa atalhar, mas só o tempo e a informação poderão ajudar.
Voltando aos números, verifica-se que os abortos legais realizados face à lei anterior representam 3%, assim como que os referidos 97%, segundo dados oficiais, teriam sido realizados de forma clandestina e de acordo com o bem conhecido cortejo de horrores. É este o enorme ganho da lei.
Em quinto lugar, a nota fundamental que queremos aqui deixar é de tranquilidade e de normalidade.
Decorreu, e decorre, de forma normal a implementação da lei, respeitando-se o exercício do direito individual da mulher, resultante da formação da vontade em condições de liberdade e de informação. É também com esta nova realidade que temos que congratular-nos.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Por último, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a conquista do respeito pelos direitos humanos alcançado com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez não dispensa um olhar sobre o conjunto das medidas de apoio à família que o Governo tem vindo a desenvolver.
Ainda ontem, o Sr. Primeiro-Ministro anunciou a construção de mais 75 creches nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, a criação do subsídio social de maternidade para as mães que não têm carreira

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contributiva e o aumento em 20% do abono de família para as famílias monoparentais ou a duplicação do abono de família a partir do terceiro filho.

O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Termino já, Sr. Presidente.
Eis algumas das medidas que reforçam o Estado social.
Termino, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, dizendo que foi uma longa batalha, uma luta dura, mas a força das convicções por uma lei penal socialmente justa vingou. A sociedade portuguesa está de parabéns!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Inscreveram-se quatro Srs. Deputados para pedir esclarecimentos à oradora.
Em primeiro lugar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, começo por registar a sua iniciativa. Gostaria, porém, de fazer alguns sublinhados. Desde logo, o facto de o Governo ter demorado cerca de meio ano, mais precisamente cinco meses, para começar a aplicar a lei nos hospitais públicos.
E em meio ano, felizmente, em vez dos 15 000 abortos semestrais ou 30 000 abortos anuais anunciados apenas se verificaram 6099, ou seja, menos de metade. Isto é uma boa notícia.
E neste meio ano, ou seja, depois de 15 de Julho de 2007, no que se refere à boa aplicação da lei, gostaria de perguntar o seguinte: como está o aconselhamento para um consentimento livre e informado por parte da mulher para a prática da IVG? Não sabemos também nada sobre o suporte médico-psiquiátrico garantido à mulher após a IVG e, como a Sr.ª Deputada sabe, não existem quaisquer dados sobre o embate familiar e quanto ao acompanhamento económico e familiar da mulher antes e após a IVG.
Por isso, Sr.ª Deputada, será que a lei está a ser cumprida, beneficiando a mulher naquela situação dramática do aborto, ou será que a mulher continua a ser vítima dos mesmos interesses ou de outros interesses menos solidários? Será que as sucessivas trapalhadas da política de saúde do «encerra e encerra» não acentuam as desigualdades entre as mulheres que vivem em determinadas regiões, no litoral ou no interior, por exemplo, votando as mais desfavorecidas aos mesmos problemas, do medo e do drama, porque vêem os serviços de saúde encerrados? Sr.ª Deputada, esta é, de facto, uma boa lei, mas a sua prática tem sido insuficiente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, como sabe, a minha bancada pensa de forma diferente da sua, e especificamente de V. Ex.ª.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — É bom sinal!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — E, por isso mesmo, é legítimo que V. Ex.ª diga que ganhou.
Já não me parece tão feliz que a Sr.ª Deputada use o termo «celebração» quando, em qualquer caso, do que estamos a falar é da prática de cerca de 6000 abortos e quando, nesse sentido, estamos sempre a falar — e convém que o não esqueçamos — de 6000 vidas que se perdem.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Por isso mesmo, Sr.ª Deputada, o termo «celebração» parece-me, no mínimo, deslocado neste debate.

Aplausos do CDS-PP.

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Para nós, um aborto é um mal que deve sempre ser combatido e que o Estado não deve incentivar. Por isso mesmo, Sr.ª Deputada, vamos, então, a essa avaliação preliminar de que há pouco V. Ex.ª falava.
Dizia a Sr.ª Deputada que os números não merecem comentário. Peço imensa desculpa, Sr.ª Deputada, mas acho que os números merecem mesmo um comentário.
A primeira questão que eu gostava de colocar-lhe, Sr.ª Deputada, é a seguinte: como é possível que, há um ano, várias pessoas, e a Sr.ª Deputada especificamente, dissessem que os números do aborto clandestino em Portugal rondavam os 20 000 — outras pessoas, também do lado do «sim», diziam que rondavam os 40 000 — quando, na verdade, segundo os números oficiais que hoje conhecemos, só se realizaram cerca de 6000 abortos, portanto, na pior das hipóteses, cerca de metade do que V. Ex.ª anunciava? Como é possível haver esta divergência de números?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Parece que está triste com isso!… Queria mais!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Como é possível que isto seja assim? Passo à segunda questão.
Sr.ª Deputada, tenho ouvido com algum espanto, diria mesmo com alguma estupefacção, as palavras do Sr. Director-Geral da Saúde, quando diz que os abortos são menos do que os previstos e que ainda não estamos em velocidade de cruzeiro. Ouço isto com muito espanto porque eu achava que o papel do DirectorGeral da Saúde era também o de combater o aborto dando alternativas às mulheres para que elas possam levar a sua gravidez até ao fim se assim o desejarem.
Choca-me muito que um responsável de uma tutela do Estado fale assim deste fenómeno.

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Passo a uma terceira pergunta específica, Sr.ª Deputada, também para fazermos a avaliação.
A Sr.ª Deputada sabe, como eu sei, que a lei prevê que devam existir em todos os hospitais ou nas clínicas privadas licenciadas consultas de apoio psicológico e de assistência social. Temos tido vários relatos — e já escrevi à Sr.ª Ministra da Saúde para lhe pedir os dados oficiais —…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, queria concluir.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Termino já, Sr. Presidente.
Como dizia, já escrevi à Sr. Ministra da Saúde para lhe pedir os dados oficiais, porque em muitos hospitais não existem estas consultas e, mais grave, nos privados também não.
Portanto, gostaria que a Sr.ª Deputada comentasse estes números e que comentasse, também, como é que numa avaliação intercalar nós não saibamos quantas consultas prévias, obrigatórias, foram realizadas face ao número de abortos.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, queira terminar, já lá vão 3 minutos.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Termino já, Sr. Presidente.
Sr.ª Deputada, acha normal que a um médico que deu a cara pelo «sim», tendo pedido escusa para fazer um aborto de uma pessoa que lhe apareceu no espaço de seis meses para realizar um segundo aborto, lhe tenha sido negado o direito à objecção de consciência?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, as perguntas podem sempre ser feitas desde o início da intervenção.
Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

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A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados Ana Manso e Pedro Mota Soares, agradeço as perguntas que me formularam.
Sr. Deputado Pedro Mota Soares, de facto, há uma grande diferença entre nós: é que o Sr. Deputado lamenta o número de abortos realizados e considera que quem defendeu o «sim» o inflaciono, dizendo que iriam ser realizados 20 000 ou 40 000 abortos.
Mas, Sr. Deputado, há uma coisa que quero deixar claro: não utilizei em momento algum a palavra «celebração». Isto porque a única coisa que me interessa aqui é que os números disponíveis, hoje, seis meses após a entrada em vigor da lei, nos permitem dizer que se esta lei não estivesse em vigor poderiam ter ocorrido muitas mortes e, sobretudo, ter-se-ia continuado a fazer aborto clandestino em Portugal.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — É verdade!

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Ora, foi contra isso que o Partido Socialista esteve e foi por isso que o Partido Socialista votou essa lei.

Aplausos do PS.

Mas, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, celebração é apenas porque uma sociedade democrática é uma sociedade que quer direitos para todos, quer acesso aos cuidados de saúde e acesso a uma possibilidade de escolher sobre as opções a tomar na sua vida.
Foi por isso que o Partido Socialista se empenhou na mudança do artigo 142.º do Código Penal, no sentido de permitir que, hoje, os números que temos sejam possíveis em estabelecimentos de saúde legalmente autorizados e com isso tenhamos o respeito pelas mulheres e pela sua saúde. E, mais, que se evite a humilhação de um processo judicial, a humilhação de ter a vida de uma pessoa na praça pública e a humilhação de uma investigação criminal – sabe-se lá como foi feita muitas vezes!

Aplausos do PS.

Sr.ª Deputada Ana Manso, gostaria que a Sr.ª Deputada — aliás, simpatizante desta lei — estivesse hoje, aqui, a juntar-se a nós no sentido de percebermos que a razão de ser desta lei foi, felizmente, o fim do aborto clandestino, foi sobretudo permitir que as mulheres, no nosso país, pudessem recorrer às claras a um hospital e pudessem, aí sim, interromper a sua gravidez.
Sr.ª Deputada, a lei está a ser cumprida. É que não foram seis meses para regulamentar a lei, pois ela foi aprovada, nesta Assembleia da República, em Abril de 2007 e em Julho de 2007 estava em vigor. Foram três meses! A regulamentação foi feita com os devidos cuidados e tendo em conta aquilo que era necessário, isto é, aconselhamento obrigatório, consulta médica obrigatória e, sobretudo, informação médica e social.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, termino dizendo que aquilo que o Partido Socialista espera é que os nossos profissionais de saúde, que se têm empenhado também na aplicação desta lei, continuem a aplicá-la e evitem que o flagelo do aborto clandestino continue a existir em Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, a senhora disse — e muito bem — que a sociedade portuguesa está de parabéns. E está de parabéns porque, no passado dia 11 deste mês, passou um ano sobre o referendo que determinou a despenalização da interrupção voluntária da gravidez.
Estamos de parabéns porque pusemos fim a uma lei injusta que atirava para a clandestinidade milhares e milhares de mulheres, que punha em risco a sua vida e era uma questão de saúde pública. Portanto, estamos face a um cenário em que conquistámos uma lei que, efectivamente, pôs fim a esta situação.

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Sr.ª Deputada, importa referir que nem tudo é cor-de-rosa neste cenário. Apesar da insistência do Partido Comunista Português e do alerta feito por diversas vezes, aqui na Assembleia, a educação sexual nas escolas continua longe de ser uma realidade e, portanto, importa apurar que medidas vão ser tomadas para a concretização deste elemento fundamental.
Por fim, gostaria de dizer-lhe que vivemos demasiados anos em que a interrupção voluntária da gravidez era um crime, onde dominava o medo e a vergonha sobre as mulheres, onde dominava o aborto clandestino, onde se criaram redes horrorosas de clandestinidade para as mulheres. Importa, pois, que se tomem medidas dentro do Serviço Nacional de Saúde para que, efectivamente, a informação chegue a todas as mulheres em tempo útil, para que possam tomar uma opção esclarecida e que vá ao encontro das suas necessidades.
Importa tomar medidas para a informação e divulgação e importa avaliar as dificuldades e os obstáculos que existem para os corrigir. É preciso trazer as mulheres para o Serviço Nacional de Saúde e, Sr.ª Deputada, pergunto-lhe o seguinte: o Partido Socialista está disposto a enveredar por um conjunto de iniciativas que tornem o direito ao aborto um direito real, concretizado por um cada vez maior número de mulheres que possam optar livremente? Está o Partido Socialista disposto a combater no sentido de trazer as mulheres para o Serviço Nacional de Saúde?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, permita-me que inicie a minha intervenção, sobretudo em tempos em que se fala tanta da Europa e da situação a nível da Europa, dizendo-lhe — e estou convicta que me apoiará — que deve sair da Assembleia da República uma mensagem de solidariedade com as mulheres europeias que ainda hoje são perseguidas porque interrompem uma gravidez.
Felizmente, Portugal, no dia 11 de Fevereiro do ano passado, contribuiu para a redução do número de países europeus que perseguem as mulheres por uma decisão que só a elas diz respeito, mas é preciso estarmos solidários com as mulheres da Polónia, com as mulheres da Irlanda, com as mulheres de Malta, exactamente como todas as mulheres europeias estiveram solidárias com as mulheres portuguesas, numa das lutas mais prolongadas pelos direitos das mulheres.
Sr.ª Deputada, gostaria ainda de dizer que a maioria que se expressou no referendo teve, felizmente, um reflexo, tendo-se traduzido numa esmagadora maioria, neste Parlamento, de Deputados e Deputadas de várias bancadas que acabaram por apoiar a lei que temos hoje em vigor. Assim, chegamos hoje, um ano após o referendo, a este debate e não deixa de ser com espanto que ouvimos os argumentos vindos da direita mais conservadora.
Sr. Deputado Pedro Mota Soares, já conhecíamos o grande argumento da direita conservadora que durante o referendo dizia — e isso ficou célebre — que era proibido mas podia fazer-se, podia fazer-se mas era proibido. O senhor agora transportou a rábula para o número dos abortos: eram 20 000 mas agora são 6000; eram 6000 mas serão 20 000.
Em que é que ficamos, Sr. Deputado? Afinal o que é que vocês queriam? Queriam que houvesse um grande número de abortos para se realizar, Srs. Deputados? Definam-se! Vamo-nos entender! O melhor de tudo, Sr. Deputado, é que o vosso discurso passou à história no dia 11 de Fevereiro do ano passado, passou à história, repito, e hoje já não têm nem um único argumento que pegue na sociedade portuguesa, porque não houve serviços de saúde entupidos, porque não houve listas de esperas aumentadas por causa dos abortos a realizar, porque não houve intervenções cirúrgicas que não se realizaram, não houve nada disso, Sr. Deputado, houve uma coisa magnifica: deixaram de existir mulheres em tribunal!

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, queira terminar.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Termino já, Sr. Presidente.
Gostaria ainda de dizer que não podemos ficar por aqui, precisamos de mais informação; precisamos de educação sexual nas escolas; precisamos de acesso à contracepção; precisamos de políticas públicas de

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saúde sexual e reprodutiva. Nós cá estaremos para lutar por isso e esperamos que o Governo do Partido Socialista também aí possa cumprir as suas promessas.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados Jorge Machado e Helena Pinto, agradeço as vossas considerações e as perguntas que deixaram, mas permitam-me que utilize estes dois minutos para dizer o seguinte: Sr.ª Deputada Helena Pinto, obviamente que na Europa ainda há quem precise do Parlamento português para se fazer ouvir naquilo que consideramos ser a defesa dos direitos humanos, e nesta matéria estamos a falar de direitos humanos, de dignidade da pessoa humana e de direito à saúde e à saúde pública.
É por isso mesmo, Sr. Deputado Jorge Machado, que o Partido Socialista, apesar das nossas divergências, tem sido sempre um defensor do Serviço Nacional de Saúde para todos em iguais condições, pelo que, obviamente, ao aplicar esta lei, aquilo que se exige é que todas as mulheres possam recorrer aos estabelecimentos de saúde legalmente autorizados e possam, assim, interromper a sua gravidez.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o referendo de há um ano deixa uma responsabilidade a este Parlamento: a responsabilidade de não continuarmos a ouvir demagogia sobre este assunto.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — É que estamos a falar de vidas, estamos a falar de pessoas e estamos a falar dos seus direitos. Por isso, não falar com demagogia é avaliar seriamente os dados que nos são colocados à disposição neste momento e que nos permitem não celebrar mas, antes de mais, trilhar um caminho que seja o do respeito pelos direitos humanos na sociedade portuguesa, cada vez mais justa, mais equilibrada e mais coesa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, gostaria de falar hoje, aqui, sobre a política dos meios aéreos encetada pelo Governo do Partido Socialista.
Em sede de Comissão, tentámos fazer uma discussão séria e serena, que trouxesse algum contributo positivo àquelas que são as grandes dúvidas sobre a eficácia e a qualidade dos meios aéreos. Três requerimentos, n pedidos de explicações, a tudo isso o Partido Socialista respondeu com a recusa, com o silêncio e com a tentativa de apagar um «fogo» que grassa, infelizmente, naquilo que é a concepção dos meios aéreos.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — E isto tem uma história. Em 2005, o então Ministro da Administração Interna, Dr. António Costa, anunciou com pompa e circunstância, aqui, no Parlamento, que Portugal iria finalmente possuir uma frota própria de meios de combate a fogos florestais: 10 helicópteros, entre ligeiros e médios, e quatro aviões pesados.
Concordámos, desde o início, com essa concepção. E porquê? Porque a realidade vinha a demonstrar que existia a necessidade — e continua a existir — de termos meios próprios de combate aos fogos para além dos 3 meses; que a detenção de meios próprios permite uma utilização diversa em missões não só de combate a fogos mas satisfazendo também outras necessidades, como a vigilância costeira, a busca e salvamentos, a segurança rodoviária, entre outras, e porque os custos com aluguer tinham vindo a aumentar anualmente, tornando-se, cada vez mais insustentáveis, como diz o próprio relatório do Tribunal de Contas.

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Ano após ano, celebrados novos contratos, os valores cresciam excessivamente: 10 milhões de euros em 2001, 21 milhões de euros em 2005 e 30 milhões de euros em 2006.
A inexistência de meios próprios punha o País completamente dependente não só do mercado mas da necessidade de, com custos elevados, se socorrer do que estava disponível, não se conseguindo assim ser eficaz e reduzir a área ardida.
Em Novembro de 2006, o Governo decidiu fazer o concurso para a compra de quatro meios ligeiros e seis meios médios e optou pelos Kamov.
E porquê? Não temos nada contra os aparelhos Kamov, não temos nada contra a sua origem, o que gostávamos de saber é se, de facto, a opção foi ou não a mais correcta para o aparelho que estava em causa.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — E é bom saber-se que concorreram variadíssimas empresas com aparelhos que a própria comunidade europeia aconselhava como sendo os mais eficazes e capazes para as funções que eram desejadas. E, repito, não apenas para o combate aos fogos, o que nos parecia de elementar justiça, porque hoje a concepção é de protecção civil, é de um combate de Janeiro a Janeiro e não circunscrito no tempo nem apenas às épocas de incêndios.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Portanto, entendemos que andaria bem o Governo se escolhesse o aparelho que melhor pudesse executar essa função. Isso mesmo estava no caderno de encargos de forma expressa, clara e muito correcta. Ou seja, a concepção foi boa, a execução do Governo foi má.

Aplausos do CDS-PP.

E porquê? Porque surge hoje mesmo nas notícias aquilo que não conseguimos esclarecer em Comissão, ou seja, se estes aparelhos Kamov podem ou não fazer esta missão, se têm ou não licença para voar, se podem ou não transportar ao mesmo tempo pessoas e o balde para apagar os fogos.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Podem esses aparelhos fazer aquilo que se estabelecia no caderno de encargos ou farão apenas aquilo que o Governo pretende ao considerá-los aparelhos de Estado, evitando, assim, a necessidade da licença por parte da entidade europeia competente e tornando a utilização destes aparelhos residual? Podem ou não estes aparelhos servir para a força europeia da protecção civil, uma vez que, neste momento, não têm licença para voar em espaço europeu? E de que forma o irão fazer?

Vozes do CDS-PP: — Exactamente!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Têm ou não estes aparelhos capacidade para fazer salvamentos, para fazer transportes de urgência, para transportar pessoas? Na sua licença, diz, simplesmente, que podem apenas levar a tripulação — «only crew». Queremos saber se, de acordo com o que diz o caderno de encargos, podem ou não ser utilizados segundo a concepção do Governo.
Nada disso conseguimos esclarecer. Não obtivemos qualquer resposta.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Exactamente!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Temos ainda os aparelhos Ecureille — esses sim, com licenças da Agência Europeia. Foi um desses que caiu em Melgaço. Estamos ainda por saber se o piloto tinha formação específica para combate de incêndios e se o helicóptero tinha ou não seguro — há notícias que dizem que não tinha.

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O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — O que é grave!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Temos ainda uma outra dúvida: o Governo disse, e bem, que criaria uma empresa de meios aéreos para controlar e gerir todos esses meios. Hoje mesmo, a empresa continua a não ter licença para operar com meios aéreos.

Vozes do CDS-PP: — Uma vergonha!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — A empresa foi criada em Março de 2005. Em Abril de 2006, demitiramse duas direcções. Dizia o Ministro: «Quando eu tomei posse, já tínhamos a notícia de que eles apenas poderiam exercer as funções durante seis meses.» A pergunta põe-se: que características específicas tinha esta gente para poder tomar posse numa empresa que geria meios aéreos apenas por seis meses?

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — No que se refere aos meios pesados, os Beriev, dizia o Sr. Ministro, na visita à Rússia (e há gravações na imprensa), mesmo antes da abertura do concurso: «Estes são os aparelhos que vamos comprar, porque são bons». Ora, pasme-se que não os comprou no ano passado e não os volta a comprar este ano, pelo que voltaremos a alugar meios pesados.
Fiz o desafio ao Sr. Ministro: será que esses meios pesados, os Beriev, conseguem carregar a Norte do Tejo?

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — O desafio de podermos carregar na barragem da Aguieira não foi correspondido. Mais uma vez, o Partido Socialista ficou mudo e calado e não quis responder.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — São muitas as dúvidas sobre os meios aéreos.
Relembro que, apenas nos meses de Outubro e Novembro, a área ardida foi mais de 60%. Bastou uma pequena alteração climática para triplicar a área ardida. Não tínhamos meios na altura. Pergunto: no que toca aos meios aéreos, estaremos ou não preparados, em 2008, para sermos eficazes e competentes no combate aos fogos? É nesta altura que se preparam os meios possíveis e necessários para o combate aos fogos de 2008.
Estamos à espera de saber se estamos ou não no bom caminho, qual é o total da área ardida, qual foi o custo total do combate aos fogos no ano de 2007.
Fizemos os requerimentos, trazemos a questão hoje, aqui, e esperamos esclarecimentos. Continuaremos a insistir, através deste formatou ou de outro, para conseguir perceber o que é que o Governo e o Partido Socialista pensam sobre os meios aéreos e o combate aos fogos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Carlos Lopes e Paulo Pereira Coelho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lopes.

O Sr. Carlos Lopes (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Hélder Amaral, não estranhamos esta sua declaração. Vem na sequência de algumas intervenções que tem tido no âmbito da Comissão Eventual dos Fogos Florestais, pois V. Ex.ª não deseja ser esclarecido quanto ao que está verdadeiramente em causa desde Agosto de 2007 até à presente data.

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Protestos do CDS-PP.

É falso, Sr. Deputado, que o Sr. Ministro da Administração Interna não tenha dado os esclarecimentos que o CDS pediu sobre esta matéria.

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Não deu, porque o PS não deixou!

O Sr. Carlos Lopes (PS): — Lembra-se da viagem que fizemos do Alentejo a caminho de Lisboa, no final do dia 26 de Agosto, em que o Sr. Deputado, conjuntamente com Deputados de outras bancadas, teve oportunidade de questionar o Sr. Ministro sobre esta matéria, durante horas a fio? Mais tarde, quando se tratava de fazer o balanço da época dos fogos florestais na segunda quinzena de Outubro, os Srs. Deputados preferiram falar uma vez mais desta questão, que também consideramos importante, e impedir — e é essa a questão que os incomoda — que se fizesse um balanço rigoroso daquilo que foi o sucesso da política da defesa da floresta contra incêndios e daquilo que foi o sucesso do combate aos fogos florestais de 2007.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem! Bem lembrado!

O Sr. Carlos Lopes (PS): — O que o Sr. Deputado aqui nos traz é um fait divers: desviar a atenção para aquilo que os homens e as mulheres e todo o dispositivo integrado conseguiram realizar ao longo de 2007, em contraponto com o que se tinha verificado nos últimos cinco anos.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado, é lamentável que traga este assunto hoje, depois de o Sr. Ministro ter estado na 1.ª Comissão, no dia 22 de Janeiro, e o Sr. Deputado ter preferido ouvir o Sr. Presidente da ASAE a ir colocar-lhe as questões que agora aqui traz — sendo certo que, nessa oportunidade, isso não tinha importância para V.
Ex.ª.

Protestos do CDS-PP.

Finalmente, o Estado dispõe de uma empresa de meios aéreos que veio pôr um ponto final naquilo que estava anteriormente em rota de colisão. Os Srs. Deputados, nos governos que integraram antes de 2005, não tiveram nenhum controle sobre os meios aéreos, sobre a formação dos pilotos e sobre o que está aqui em causa.
Esta empresa serve, precisamente, para dar maior transparência a este sector, para gerir melhor os recursos do Estado e para impedir que o Estado tenha de recorrer somente aos privados quando se trate da contratualização dos meios aéreos.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Guilherme Silva.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Lopes, percebi que precisou de muito tempo para conseguir fazer uma pergunta que eu conseguisse entender, mas tive dificuldades.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Vamos às datas, Sr. Deputado.

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Tem toda a razão quando diz que, numa audição com o Sr. Ministro, colocámos estas perguntas. Mas sabe o que é que aconteceu? O Sr. Ministro respondeu, dizendo: «Os aparelhos vão ser certificados pela EASA (European Aviation Safety Agency) e vão pagar-se a si próprios, porque vamos fazer uma utilização comercial.»

Vozes do CDS-PP: — Exactamente!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sabe o que é que aconteceu depois disso? Disse o Sr. Ministro, em resposta aos meus requerimentos: «A Empresa de Meios Aéreos (EMA) não tem ainda certificação para utilização comercial.»

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Pois é!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — O aparelho não tem ainda certificação para utilização comercial! E sabe o que é que aconteceu mais? No mês passado, o Estado considerou-os como aparelhos de Estado, contornando aquilo que estava no caderno de encargos, aquilo que era uma utilização razoável dos aparelhos.
Foi o que aconteceu depois, Sr. Deputado! Pelo que é preciso saber se, afinal, eles se pagam ou não a si próprios.
E mais: surgiram dúvidas por parte da Autoridade Nacional de Protecção Civil, que, ao analisar os aparelhos, chegou à conclusão que ou levam bombeiros ou levam o balde. Ficamos, assim, sem saber se os aparelhos vão combater inicialmente com bombeiros e com balde ou só com o balde.

Vozes do CDS-PP: — Exactamente!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Pelos vistos, vamos ter de alugar aparelhos, pelo que, segundo o Tribunal de Contas, vamos gastar muito mais no próximo ano, e vamos ficar apenas com seis aparelhos para combate a fogos — ponto! —, quando era necessário ter aparelhos para socorro, para transportes de doentes para o INEM.

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Claro!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Portanto, começámos a querer uma coisa e acabamos por ter outra.
Aliás, dizia o Sr. Subsecretário de Estado Rocha Andrade que eles «só ainda não tocam violino». Quem «saiu de fininho» foi o Sr. Subsecretário de Estado, que já não está no Ministério, e saiu sem dar explicações sobre a matéria.

Risos do CDS-PP.

Portanto, Sr. Deputado, não é verdade que tudo esteja esclarecido e estamos exactamente na altura em que é necessário, com critério, pensar se temos os meios necessários ou não.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Depois da vinda do Ministro, caiu um aparelho,…

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Morreu um piloto!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — … com a tal empresa que ainda não tem certificação. Que formação tinha esse piloto? É preciso saber e esclarecer tudo! A empresa, hoje, não tem sequer um protocolo de formação. Poderão estar a fazê-la by the book, mas não temos a empresa certificada, logo, não temos formação ainda certificada.

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São essas questões que importa esclarecer e o Sr. Deputado não conseguiu trazer aqui nenhuma resposta.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Hélder Amaral, começo por saudar a sua iniciativa de trazer a Plenário este assunto que, embora para muitos possa parecer de somenos importância por ser demasiado particular e ter uma conotação muito restrita a um determinado sector de actividade do Governo, tudo indica que, se as coisas continuarem como estão e de acordo com as respostas que o próprio CDS-PP já obteve por parte do Governo, pode vir a tornar-se num assunto muito sério a resolver pelo Estado português.
Digo isto porquê? Porque, em primeiro lugar, a opção sobre este tipo de equipamento, ou seja, sobre a prioridade de os helicópteros serem adquiridos como meios próprios, é, desde logo, uma opção tecnicamente muito discutível. E mais discutível se torna quando, à partida, era suposto que eles servissem para fazer um combate pronto e imediato a fogos emergentes. Ora, se eles não têm as características técnicas para fazer isso, foi uma má compra, uma má escolha.

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Exactamente!

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): — Esta é a primeira questão, sem mais outra qualquer.
Mais: não quero entrar, aqui, em grandes inconfidências, mas todos os que falamos nestas coisas, até com alguma solidariedade activa com os membros do Governo que estão ou têm estado nesta área, sabemos que o próprio Secretário de Estado Ascenso Simões teve muitas reservas sobre esta matéria — talvez fosse por isso que saiu do cargo em que estava. Isto é verdade, toda a gente o sabe, só o Partido Socialista é que pode, nesta altura, querer ignorar semelhante realidade.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Peço-lhe para terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): — Por isso, Sr. Deputado, a questão que lhe quero colocar é a seguinte: o Sr. Ministro já lhe deu alguma esperança de os membros da Comissão Eventual dos Fogos Florestais poderem visitar ou ter acesso a um destes célebres Kamov, para verificar o que é que, de facto, são ou não capazes de fazer? Mesmo que seja só em terra! Por outro lado, que respostas já pode obter sobre a real capacidade de certificar estes aparelhos para todas as missões que, à partida, o caderno de encargos tinha subjacentes, quando foi lançado o concurso?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho, de facto, a questão técnica não é, aqui, irrelevante.
Lembro que, à excepção de Portugal, apenas um país da Europa e o Canadá têm Kamov. Se olharmos atentamente para as licenças, reparamos que, em Espanha, o aparelho não faz voo nocturno, não voa sobre zonas urbanas e transporta a tripulação e pouco mais, ou seja, tem uma certificação restrita. O mesmo acontece, pasme-se, no país de origem, onde também não voa durante a noite, também não combate em meios urbanos e, portanto, tem uma utilização apenas e só de combate a fogos, assim como no Canadá e é o que está acontecer em Portugal.
Ora, não era nada disto que estava pensado, não foi para isto que adquirimos os aparelhos.
Inclusivamente, constava no contrato que os aparelhos se consideravam entregues com a licença — a tal

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licença que até hoje nem o Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC), nem o Sr. Ministro da Administração Interna,… Ora, não era nada disto que estava pensado, não foi para isto que adquirimos os aparelhos.
Inclusivamente, constava no contrato que os aparelhos se consideravam entregues com a licença, a tal licença que até hoje nem o INAC (Instituto Nacional de Aviação Civil), nem o Sr. Ministro da Administração Interna, nem o Governo socialista, nem o Partido Socialista conseguem dizer que existe.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Claro!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Esperemos que essa licença exista: Nesse caso, então, não teremos razão. O problema é que neste momento não a tem e temos sérias dúvidas de que o vá conseguir.
Sr. Deputado, ainda não tive oportunidade de viajar num Kamov. Eu lancei um desafio para assistir ao carregamento de um Beriev a norte do Tejo, de longe, porque a tentativa que fez para carregar na barragem da Aguieira fez com que decapitasse alguns eucaliptos e, portanto, não conseguiu o seu objectivo. Por isso, não quero repetir a experiência.

Risos do CDS-PP.

Também não quero fazê-lo nos Kamov. E sabe porquê? Porque a informação que temos confirmada é que os pilotos apenas têm formação técnica. Como não voam, não têm formação prática. É por isso que ainda ninguém viu um Kamov voar!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Nem verá!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Por isso, pergunto se, em 2008, estarão preparados para o combate a fogos e se haverá a formação necessária.
Todas estas dúvidas mereciam ser esclarecidas porque a época de combate a fogos não correu assim tão mal, mas fruto da ajuda divina.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — De São Pedro!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Basta lembrar o que aconteceu em Outubro e Novembro, quando não tínhamos os meios preparados e houve uma pequena alteração climática: tivemos 60% da área ardida. Ora, foi nessa altura que caiu um dos helicópteros, o que prova que a formação e o licenciamento eram deficientes.
Assim, gostaríamos…

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Sr. Deputado, também precisamos da ajuda divina para VV. Ex.as cumprirem os tempos…

Risos.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Não será necessário tanto, Sr. Presidente.
Nós procuraremos esclarecer todas essas questões de forma muito mais serena e muito mais profunda num futuro debate que o Partido Socialista aceite fazer para que possamos ter menos fogos e para que o País possa ter uma protecção da floresta mais eficaz ao nível dos outros países da Europa.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

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A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O sistema educativo, que deveria ser um terreno em que fazíamos reflexão política e um debate sobre diferentes soluções, alternativas e escolhas políticas para responder aos problemas, transformou-se, nos últimos dias, num terreno de batalha.
Ainda ontem falámos, na presença do Sr. Primeiro-Ministro, naquele que tem sido o processo atribulado de avaliação de desempenho dos professores. Na próxima semana, teremos oportunidade de confrontar a Ministra da Educação aqui mesmo, no Parlamento, sobre estas questões.
Mas há um outro tema que tem mobilizado professores, pais e alunos, que têm conduzido uma luta exemplar — pasme-se! — porque gostam do seu ensino, porque apreciam a sua escola! Srs. Deputados, falovos do que tem vindo a ser anunciado como a reforma do ensino artístico especializado.
As notícias são conhecidas: o Ministério da Educação teria a intenção de acabar com os regimes de frequência utilizados pela esmagadora maioria dos alunos que frequentam o ensino artístico especializado.
A Ministra veio dizer que muita da contestação que tem agitado o País, que tem mobilizado pais, alunos e professores não estaria correcta. Dizia que há falsidades nos argumentos que têm vindo a ser apresentados.
Pois, Srs. Deputados, aqui está o documento que foi elaborado pela Agência Nacional para a Qualificação e que serviria de referência ao Ministério da Educação para fazer a sua reforma e a reestruturação do ensino artístico especializado.
Vamos perceber exactamente o que diz um documento que até agora, de uma forma quase inexplicável, esteve clandestino e não foi apresentado na praça pública para ser debatido.
Bom, o que diz a Agência Nacional para a Qualificação? Quando alguns disseram que o Ministério se preparava para determinar o fim e «a morte» do regime supletivo e do regime articulado, que permitia aos estudantes que frequentassem as escolas normais dos ensinos básico e secundário e tivessem depois um regime de formação especializado artístico nos conservatórios, o título que a Agência Nacional para a Qualificação dá para a sua proposta é o seguinte: «Critérios para a transição dos regimes supletivo e articulado para o regime integrado». É exactamente isto que pais, alunos e professores têm vindo a dizer, ou seja, a vontade do Ministério da Educação é acabar com regimes de frequência que permitem que a esmagadora maioria dos alunos esteja no ensino artístico especializado.
Quais são, pois, as propostas da Agência Nacional para a Qualificação para os alunos que se vão agora inscrever no próximo ano no Conservatório? A Agência Nacional para a Qualificação disse que a escola apenas abrirá vagas em turmas com regime de ensino integrado e será excluída a possibilidade de desfasamento entre o ano que o aluno frequenta no ensino geral e o ano em que se inscreve no Conservatório. E o que vai acontecer aos alunos que já estão, neste momento, a frequentar os regimes supletivos e integrado nas escolas de música de ensino artístico especializado? Dizem-nos: «Os alunos que frequentam actualmente o regime articulado deverão, no próximo ano, continuar os seus estudos em regime de frequência integrada». O que acontece a quem estava em regime supletivo? Os alunos matriculados em regime supletivo deverão ter a possibilidade de reajustar o seu percurso educativo ao regime de frequência integrado.
É preciso que a opinião pública perceba exactamente o que isto quer dizer. Ora isto significa que o Ministério da Educação, quando acaba com o regime supletivo e com o regime articulado, dá apenas duas possibilidades aos pais e aos alunos: ou os pais escolhem, aos seis anos de idade, que o seu filho vai ter uma frequência diferente dos outros estudantes e que, portanto, vai frequentar apenas o Conservatório com um regime de aulas normal, semelhante ao outro mas mais reduzido, e formação artística especializada; ou, então, aqueles que optarem por não fazer esta escolha de vocação aos seis anos para os seus filhos terão apenas instrução musical de tipo genérico. Acaba, portanto, o ensino artístico especializado! Na prática, significa que o Ministério da Educação quer tirar dos conservatórios entre 60 a 70% dos alunos que neste momento frequentam o ensino artístico especializado.
Ou, então, há uma terceira hipótese. Isto é, o Ministério da Educação considera que os pais que querem que os seus filhos tenham ensino artístico especializado devem pagá-lo a privados. Portanto, não serão os 45 euros da propina que se paga hoje, por exemplo, no Conservatório Nacional, em Lisboa. Pelo contrário, serão preços que vão criar uma selectividade social absolutamente inaceitável.
Aliás, a vontade de trazer os privados para o ensino da música é também uma proposta feita pela Agência Nacional para a Qualificação. Está aqui escrito muito claramente que o alargamento da rede deve ser feito criando condições para que as escolas privadas venham, através de contratos de patrocínio ou de associação,

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a suprir as carências de oferta. O que pretende, então, o Ministério? Pretende reduzir a oferta pública e «abrir as portas» à oferta do mercado e dos privados! É preciso ser-se muito claro nesta matéria: o Ministério da Educação apresentou argumentos que são inaceitáveis! Disse que este era um ensino elitista e que era necessário alargar a iniciação musical. Sejamos claros na resposta: os conservatórios, pais, alunos e professores têm sido absolutamente claros quando dizem que estão dispostos a negociar com o Ministério da Educação e que o ensino musical deve ser alargado às actividades de enriquecimento curricular, mas que esse não é ensino artístico especializado. É preciso que o Ministro da Cultura venha dizer o que entende por esta transformação radical no modelo de criação de recursos humanos no âmbito da formação e da criação musicais.
A aposta de um país nos seus recursos humanos e no ensino artístico musical é o que permite que tenhamos no futuro os homens e as mulheres capazes de dar ao país a produção artística de que este precisa. É um risco e uma aposta. É assim mesmo que uma política de criação artística deve ser feita: investir e dar a formação necessária para que aqueles que têm vocação possam aplicar e trabalhar os seus talentos e oferecer esses talentos ao seu país.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Peço-lhe o favor de terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Termino já, Sr. Presidente.
O Ministério da Educação deve, pois, ser sensato e ouvir as vozes de pais, de professores e de alunos que gostam das suas escolas e, portanto, deve rasgar esta proposta da Agência Nacional para a Qualificação.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luiz Fagundes Duarte.

O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): — Sr. Presidente, o Bloco de Esquerda e a Sr.ª Deputada Ana Drago encenaram, mais uma vez, nesta Casa o papel dos bons que vêm defender o povo dos maus.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Para fazer o papel que o PS não faz!

O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): — Sr.ª Deputada, nós estamos aqui a falar de uma parte da reforma do sistema educativo português, concretamente do ensino artístico, que tem por objectivo, ao contrário do que a Sr.ª Deputada disse — porque leu mal quer o documento quer o relatório da Agência Nacional para a Qualificação…

Protestos do BE.

É porque o ensino supletivo tem sido até aqui uma excepção, como, aliás, é natural. Os casos das crianças e jovens que têm esse tipo de ensino são, no conjunto da sociedade, excepcionais.
Ora, fora das grandes cidades onde existem conservatórios, as crianças, por mais excepcionais que fossem, não tinham possibilidade de frequentar esse tipo de ensino, com excepção do Conservatório de Braga e da escola de ensino artístico de Angra do Heroísmo, que vai iniciar agora a sua actividade com esse modelo integrado, onde existe um quadro de professores adequado e condições físicas para o ensino de qualidade artística alargado a todos aqueles que tenham qualidades e não só àqueles que têm possibilidade económica ou de proximidade geográfica para terem acesso ao ensino supletivo como acontecia até aqui.
Estamos, pois, perante um alargamento de oportunidades — e é extremamente curioso e até escandaloso que o Bloco de Esquerda venha atacar uma medida que pretende salvaguardar a qualidade — a um universo muito maior.
Vamos tentar comparar o que se está a passar em algumas localidades deste País, onde existem crianças e jovens com aptidões especiais para a música e não têm acesso à sua aprendizagem.

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O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): — Vou já terminar, Sr. Presidente.
Depois de as medidas estarem no terreno, então vamos julgar. Mas, por favor, não venham começar pelo princípio de que tudo o que se faz em matéria de educação tem um «pecado original». O «pecado original» é o vosso, ou seja, é o pecado de não terem a capacidade de ler para além do pequeno núcleo onde se movem.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Deputado Luiz Fagundes Duarte, o senhor optou por utilizar aqui uma estratégia de argumentação que o Ministério tem utilizado com fraco sucesso, ou seja, demagogia e confusão.

Vozes do BE: — Exactamente!

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Das duas, uma: ou o Ministério assume o documento orientador da Agência Nacional para a Qualificação, e aquilo que está aqui plasmado é o fim, «a morte» do ensino artístico especializado nas escolas de música — isso é muito claro! — ou os senhores dizem que este não é o vosso caminho, que foi uma proposta e que, portanto, estão agora dispostos a falar com pais, alunos e professores, o que, aliás, consideramos ser a melhor hipótese e foi esse o apelo que o Bloco de Esquerda aqui trouxe.

O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): — Não é isso!

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Os senhores não podem confundir duas coisas e, certamente, já terão estudado um pouco o dossier e falado com algum professor, pai ou aluno que vos tenha explicado o que está em causa!

Vozes do BE: — Exactamente!

A Sr.ª Ana Drago (BE): — O alargamento da iniciação musical às actividades de enriquecimento curricular no 1.º ciclo é algo com que toda a gente concorda! Devo mesmo dizer que é uma iniciativa meritória — das poucas, das raras — do Ministério da Educação do Partido Socialista. Estamos todos absolutamente disponíveis para trabalhar nesse sentido. Mais: os pais, os alunos e os professores que têm estado na rua a reclamar já apresentaram claramente a sua disponibilidade para esse efeito e para se reorganizarem de forma a apoiar esse tipo de actividades.
Porém, não é aceitável que os senhores neguem a aposta na formação artística, porque é isso que está em causa. Efectivamente, entre 60 e 70% dos alunos utilizam o regime supletivo e o regime articulado para terem formação musical especializada. E é daí que vão sair os artistas do futuro. Quando os senhores negam essa possibilidade, fecham e recuam na oferta pública para abrir à contratualização do privado, os senhores estão a «matar» artistas do futuro. É por isso que os artistas também têm estado na rua.
Os senhores precisam é de ter alguma sensatez, de aprender com quem sabe. Oiçam quem tem estado na rua: os artistas, os pais, os alunos, os professores que — vejam! — gostam das suas escolas! Não estão a reclamar! Eles gostam das suas escolas! Estejam do lado deles!!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Duarte.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Drago, gostaria de começar por saudar a sua iniciativa ao trazer aqui um tema tão pertinente que, na nossa óptica, tem uma relevância muito determinante e que, só por si, é paradigmático de uma atitude do Governo socialista que não podemos deixar

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de qualificar como prepotente e arrogante, não tendo sequer abertura de espírito para perceber que a governação se encontra actualmente numa redoma.
Relativamente a esta matéria, quero deixar duas notas, a primeira das quais tem a ver com a própria atitude da maioria socialista e deste Governo.
Como já disse, julgo que, infelizmente, a prepotência com que o Governo encara este tema não é diferente daquela com que tem encarado outros temas nesta área, mas tem muita relevância pois deixa-nos perceber que, neste domínio, há muito pouco à-vontade para interagir com o que realmente se passa na sociedade portuguesa.
O facto de, em sede de comissão, o Partido Socialista ter chumbado uma iniciativa que o Partido SocialDemocrata apresentou — aliás, similar a uma outra subscrita pelo Bloco de Esquerda, no sentido de promover uma audição — era só para ouvir! — da Sr.ª Ministra da Educação, é paradigmático do pouco à-vontade sobre esta matéria.
Mas não é só a atitude, é também a reforma em si, provavelmente, o mais relevante.
A reforma é, evidentemente, uma tentativa mais explícita ou mais camuflada — e, infelizmente, tem-me parecido ser mais camuflada e pouco transparente — de esvaziar o que é um ensino especializado, ministrado, nomeadamente, através dos Conservatórios públicos, ensino de que, julgo, o País deve orgulharse.
Isto também é revelador da absoluta insensibilidade desta maioria e desta governação socialista no que se refere às matérias culturais, o que temos verificado em muitos casos, como, por exemplo, no debate do Orçamento do Estado, ocasião em que também discutimos matérias relacionadas com a cultura.
No caso em apreço, percebemos que também há uma absoluta insensibilidade porque o Partido Socialista não entende que, de facto, está a matar, a dar uma machadada determinante na formação artística, na formação de talentos, no ensino artístico de excelência e até também na formação de novos públicos no nosso país. Portanto, não estão a perceber o que está a acontecer.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Sr. Presidente, para concluir, deixo uma pergunta muito simples: Sr.ª Deputada Ana Drago, como justifica, se é que consegue, esta atitude da maioria socialista e esta afirmação, manifestamente notável, de se entender que nem todos têm acesso ao ensino especializado e, portanto, «vamos proibir que seja quem for tenha acesso; vamos esvaziar os Conservatórios, vamos matar o ensino especializado de música no nosso país»?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Duarte, não me peça para justificar o que não consigo justificar! Tem razão na apreciação que faz. De facto, a Ministra da Educação, e a equipa governativa do Partido Socialista para a área da educação, debruça-se sobre cada matéria como se trazendo consigo toda a verdade…

Protestos do PS.

Aliás, costuma jogar de modo a provocar uma guerra de todos contra todos: ou são os professores que estão contra os pais; ou são os pais que estão contra os professores; ou são os alunos que estão contra os professores.
Neste momento, temos comunidades educativas que deram as mãos e se organizaram para defender a sua escola.

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O que é inexplicável em todo este processo é como é possível trabalhar-se sobre a ideia de uma reforma cujo documento orientador era clandestino, não era divulgado, pura e simplesmente. Há todo um debate no espaço público, mas o que estava escrito — as reformas, a vontade orientadora — não era divulgado! É inexplicável este debate não ser feito no espaço público. A Ministra tinha medo? Tinha medo que se soubesse que, na prática, o que pretende é reduzir a oferta pública e, claramente, criar condições para que as escolas privadas venham ocupar o que, até agora, era feito pela escola pública? Se isto for levado avante, compreendemos exactamente o que vai acontecer: para se criar um artista em termos musicais, em Portugal, é preciso vir de um agregado familiar com uma determinada categoria de rendimentos que tenha a possibilidade de dar formação a seu filho através de aulas privadas, que, a partir de agora, os conservatórios e as escolas públicas vão passar a não dar. É essa a escolha do Partido Socialista!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Abel Baptista.

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Drago, parabéns pela iniciativa de ter trazido à discussão o ensino artístico especializado e a situação presente no que em especial diz respeito ao Conservatório de Música.
Esta Ministra da Educação tem manifestado constante autismo relativamente ao que se vai passando no sector e tem demonstrado uma invulgar característica no que se refere a governantes: nalgumas matérias, tem conseguido pôr de acordo o BE e o CDS!... É extraordinário que esta Ministra tenha conseguido fazê-lo, até em questões ideológicas.
V. Ex.ª trouxe-nos uma informação que é extraordinária.
É porque o Conservatório de Música de Lisboa, em particular, não se queixa de falta de meios — quer continuar a leccionar, quer continuar a prestar um serviço de qualidade — e vem o Ministério dizer que, apesar de tudo, apesar de existirem os meios técnicos e humanos e de haver vontade, o Governo não deixa. Isto é extraordinário! O Governo, a quem tantas vezes temos pedido e tentado influenciar para que permita a liberdade de ensino nos diferentes sectores, mas que não gosta de o fazer, vem dizer, nesta matéria, que «liberdade de ensino para as oitenta e tal escolas privadas, sim senhor, mas o ensino público não concorre com elas!»… Ora, liberdade de ensino deveria significar que o ensino público lecciona, com qualidade — e é preciso prestar tributo aos conservatórios públicos que têm ministrado ensino de música com qualidade, o que é de louvar e deve ser dito —, mas o Ministério vem dizer que, afinal, apesar da qualidade do ensino e apesar da vontade em prosseguir, os conservatórios não devem continuar.

O Sr. Luís Fagundes Duarte (PS): — Leiam! Leiam!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Sr.ª Deputada Ana Drago, vou colocar-lhe uma questão porque, provavelmente, V. Ex.ª poderá informar a Câmara.
Sr.ª Deputada, diga-nos qual é a opinião do Sr. Ministro da Cultura relativamente a esta iniciativa do Ministério da Educação.

Aplausos do CDS-PP.

Risos do BE.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Abel Baptista, com certeza é boa vontade sua dizer que há alguma concordância entre o Bloco de Esquerda e o CDS… Penso que não existe!

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O que acho que se sente no País é uma absoluta exasperação pela falta de soluções e de resposta política por parte do Ministério da Educação.
O Sr. Deputado fez algumas perguntas que creio que são importantes.
Refiro-me à questão de saber qual é a vontade, a opinião dos responsáveis do Ministério da Cultura em relação a esta reforma do ensino artístico.
Ora, foi por isso que o Bloco de Esquerda apresentou um requerimento no sentido de o Ministro da Cultura vir ao Parlamento discutir esta matéria. Temos curiosidade em saber o que pensa não só o actual Ministro da Cultura como também a ex-ministra da Cultura que, recentemente, retomou o seu lugar de Deputada nesta Casa. Portanto, gostávamos de saber se a mesma estaria disponível para vir a este debate. É pena que não possa ter estado presente…! Deixe-me dizer que fico satisfeita — e, com certeza, é mérito dos professores, dos pais e dos alunos que têm feito esta luta — por, ao menos nesta matéria, o CDS-PP estar contra a redução da oferta pública em favor da oferta do sector privado, porque, de contrário, iria colocar-se ao lado da política do Partido Socialista.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Srs. Deputados, temos mais uma declaração política.
Para proferi-la, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Ministério da Educação tem sido um dos mais exemplares executores da política destrutiva deste Governo. Também na educação, o principal objectivo desta política é colocar as escolas num rodopio de desorganização, provocar a instabilidade e o desnorte.
Agora é o ensino artístico o alvo do Governo que retira protagonismo à escola pública, amesquinhando o seu papel no ensino especializado das artes e constituindo uma mina de lucros para interesses privados.
Em diversas ocasiões, o Grupo Parlamentar do PCP confrontou o Governo com o estrangulamento financeiro dos Conservatórios e do Instituto Gregoriano e com uma tal refundação do ensino artístico. A resposta, essa, invariavelmente, foi o silêncio. Entendemos agora porquê: o Governo pretendia desmantelar o ensino artístico público pela calada. A intervenção do PCP e a intervenção dos encarregados de educação, dos alunos e dos professores do ensino artístico deixam claro que é inaceitável a satisfação dos caprichos deste Ministério da Educação.
O ensino artístico, nomeadamente o ensino especializado da música, tem características muito próprias, exigências específicas, muitas delas incontornáveis. Deve ser reforçado por uma política de investimento e de verdadeira democratização do seu acesso. Deve ter em conta as motivações diversas da sua procura educativa, ampliando e diversificando a disponibilidade pública.
Diz o Governo que o ensino artístico especializado é demasiadamente caro, mas esquece, convenientemente, o valor elevadíssimo que hoje assume a indústria da música em Portugal, movida por muitos daqueles que, ao longo dos últimos anos, obtiveram formação, certificada ou não, nos Conservatórios.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Não faz sentido que a Sr.ª Ministra e a sua Agência para a Qualificação venham ancorar o seu discurso no argumento da pouca certificação. Mais uma vez, o Governo sobrepõe o diploma ao conhecimento e à aprendizagem.
O Governo anuncia que vai proceder à democratização do ensino das artes, mas não diz como! Pelo contrário, anuncia o fim da frequência das escolas do ensino artístico especializado por aqueles que não adiram ao ensino integrado.
A guerra do Governo aos alunos do chamado «ensino supletivo» é uma ofensa inadmissível àqueles que, hoje, procuram o ensino especializado, para além da sua actividade escolar no ensino genérico.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exactamente!

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O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Façam-se planos alternativos, cursos de média duração, mas não se acabe com a possibilidade de estudar música em ambiente especializado para aqueles que hoje são a esmagadora maioria dos alunos dos Conservatórios, ao contrário do que dizia o Sr. Deputado Fagundes Duarte.
Também nos conceitos, a trapalhada governativa é geral.
Não se entende se o Governo sabe distinguir ensino especializado da música daquilo que se oferece nas chamadas «actividades de enriquecimento curricular» que, como é sabido, foram lançadas sem a mínima noção dos recursos disponíveis, sem a mínima ideia daquilo que deve ser o ensino das artes a nível do 1.º ciclo.
É preciso dizer que levar a todos o ensino das artes não é, certamente, ampliar o embuste das actividades de enriquecimento curricular. Levar as artes a todos é ampliar, com currículos adaptados às necessidades, o acesso ao ensino de qualidade que hoje se pratica na diminuta rede pública do ensino artístico especializado.
Levar o ensino das artes a todos não é afastar os que já lá estão; é conferir às escolas capacidade para captar aqueles que as procuram, é ampliar a rede pública que hoje, vergonhosamente, está limitada a seis escolas, todas situadas no litoral e a norte do Tejo.
Levar o ensino a todos é acabar com o escândalo da exigência de pagamento de exorbitantes propinas no ensino privado, a todos quantos queiram continuar a usufruir do ensino especializado.
Faça-se a urgente revisão dos planos de estudo e dos programas, ouvindo as escolas, sem as condicionar por uma proposta de reconversão concebida sem a participação quer de cada uma das escolas quer do grupo de trabalho que o Governo diz ter criado apenas para ornamentar o seu desígnio.
Enquanto o Governo procura distrair a opinião pública com a sua propaganda, há docentes nas escolas do ensino artístico, muitos deles contratados há mais de 10 anos, que não encontram caminho para a estabilidade laboral. O escândalo é tal que o Governo se recusa a aplicar a resolução desta Assembleia da República, aprovada por unanimidade na sequência de um projecto de resolução do PCP.
Uma tal atitude não é só um acto de desrespeito para com os docentes, o que, já de si, seria de todo inaceitável, como é um acto desafiador das determinações deste órgão de soberania.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — O Governo é arrogante! Mais uma vez o demonstra, pondo fim a um processo de revisão curricular que envolverá todos os agentes educativos, sem nenhuma justificação e com o início de um estudo de avaliação encomendado que chegou a alvitrar, toscamente, o fim do ensino individualizado, denunciando, assim, não só o desconhecimento da realidade como os seus verdadeiros objectivos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Para sustentar a chamada «refundação do ensino artístico», o Governo criou um grupo de trabalho. Sabemos agora que há um grupo que não produziu nem trabalho nem conclusões, ou seja, o grupo de trabalho serviu, tão-só, para legitimar as decisões do Governo. Mas falta saber se esse grupo de trabalho partilha essas decisões, essas opiniões.
Para esconder essas contradições, o Partido Socialista rejeitou, há dois dias, o requerimento do PCP para que o coordenador desse grupo de trabalho fosse ouvido na Comissão de Educação e Ciência.
Para o Partido Comunista Português é importante o alargamento dos regimes integrados do ensino das artes, mas é impossível fazê-lo sem uma verdadeira aposta na capacidade real do sistema educativo, sem um investimento na escola e nos recursos humanos, sem a garantia dos direitos dos professores e sem a criação das condições para a verdadeira opção por parte dos estudantes. Não deixaremos passar em claro a tentativa de privatização que o Governo conduz sobre o ensino artístico e empreenderemos todos os nossos esforços para a defesa do património cultural e educativo do actual regime de ensino artístico.
A grande questão que se coloca é a seguinte: haverá realmente um plano de generalização e de democratização do sistema público de ensino artístico? Ou estaremos perante mais uma «máscara» que o Governo utiliza para, mais uma vez, demitir o Estado das suas responsabilidades?

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Ao som de Acordai, de Fernando Lopes-Graça, alunos, pais e professores da Escola de Música do Conservatório Nacional levantavam as vozes contra esta política. Relembrando esses versos, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português manifesta, uma vez mais, a sua solidariedade e o seu empenho para essa luta.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Melo.

A Sr.ª Manuela Melo (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Miguel Tiago: O ensino das artes, especificamente o da música, é de há muito considerado por todos nós, e por muitas outras pessoas, essencial para o desenvolvimento das capacidades intelectuais, da sensibilidade, da capacidade de concentração das crianças e, por isso, é necessário desde os primeiros anos do ensino básico — todas as pessoas estão de acordo com isto. Aquilo que se pretende com esta reforma é, essencialmente, começar a dar resposta a esta promessa não cumprida há muitíssimo tempo, e todos nós estamos de acordo com isto.
Vou colocar cinco perguntas ao Sr. Deputado Miguel Tiago sobre temas por si abordados.
Primeiro: considera mal que se alargue a iniciação musical em modalidades diversificadas logo nas escolas do básico? Considera mal que os conhecimentos necessários para o fazer com qualidade se vão buscar às escolas de ensino artístico especializado? Considera mal que o regime predominante seja o integrado ou o articulado, como está a ser feito em Braga e se faz em escolas de toda a Europa e de todo o mundo, e o supletivo seja o excepcional, como, aliás, excepcionais são os alunos que entram no ensino básico e que têm talento especial para a música? Considera mal que se estabeleça um período de transição para salvaguardar os interesses dos alunos inscritos nas actuais escolas de ensino especializado de acordo com as propostas concretas que cada uma dessas escolas irá apresentar, segundo as suas características? Finalmente, considera mal que se avance para o alargamento da rede de escolas do ensino artístico hoje confinadas às cidades do litoral e da metade norte do País, como disse, para que todas as crianças do nosso país, incluindo as que não estão nessas cidades, tenham hipótese de beneficiar do conhecimento acumulado das nossas escolas de música?

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — O que é que tem uma coisa a ver com outra?

A Sr.ª Manuela Melo (PS): — Tem tudo, Sr. Deputado! Se o Sr. Deputado considera mal, então, terá de dizer que não pode estar de acordo com essa reforma, mas então o seu discurso também não está de acordo com o discurso habitual de democratização obrigatória do ensino da música em todo o País. Trata-se de uma contradição que o Sr. Deputado vai ter de explicar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Melo, muito obrigado pelas cinco perguntas que fez, às quais tentarei responder globalmente e não individualizando as respostas.
Sr.ª Deputada, não sei se estamos todos de acordo com a generalização e a democratização do ensino artístico público. Parece que, afinal, não estamos…! Com estas propostas parece que estamos de acordo com a generalização de alguma coisa que não se pode chamar nem ensino artístico nem público.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

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O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Pode chamar-se, porventura, actividades de enriquecimento curricular, mas exclusivamente na linguagem do Governo porque pouco enriquecem os currículos.
Sr.ª Deputada Manuela de Melo, a lei de bases do sistema educativo prevê que a música e outras vertentes educativas que orbitam em torno da formação integral do indivíduo devam ser integradas nos currículos. Ora, este Governo fez exactamente o oposto: passou-as para fora dos currículos e garantiu contratação de empresas privadas para irem à escola pública ministrar actividades que deviam ser curriculares e que estão fora dos currículos.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exactamente!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Este Governo demitiu, mais uma vez, o sistema público de uma das suas tarefas centrais. Vir dizer que defende o regime que este Governo fomenta e, ao mesmo tempo, a democratização do ensino artístico «não bate a bota com a perdigota», Sr.ª Deputada!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Quanto ao facto de o regime generalizado ser o integrado, Sr.ª Deputada, a questão que se coloca é a de saber se, com seis escolas públicas situadas exclusivamente no litoral, estaremos em condições de dizer que, acabando com o que temos, vamos democratizar. É mais ou menos o mesmo que me dizer que tem seis hospitais no País que só servem uma parte pequena da população e que é preciso generalizar o acesso à saúde e, então, fecha esses seis. Sim, senhor, é uma bela maneira de generalizar o acesso, mas às clínicas privadas.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr.ª Deputada, a questão central para proceder à generalização do regime integrado é a de garantir a cobertura territorial de uma rede coesa e financiada à altura das necessidades, assim garantindo que todos, quando querem, atingem e conseguem ter acesso ao ensino especializado da música.
Para terminar, sobre as propostas da escola disse a Sr.ª Deputada que houve toda a abertura do Governo.
Sr.ª Deputada, a Escola de Música do Conservatório Nacional fez chegar à Agência Nacional para a Qualificação as suas propostas, a qual, juntamente com a Ministra da Educação, veio publicamente tentar enxovalhar aquela direcção, dizendo que ela estava em falta, quando este grupo parlamentar tem conhecimento dessa entrega desde Julho de 2007!

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Portanto, Sr.ª Deputada, sobre as propostas dos conservatórios, antes de ter encetado este processo, o Governo tinha feito bem em ter ouvido as escolas, ao invés de fazer tudo à margem delas e agora tentar impor desta forma.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Srs. Deputados, ao abrigo do n.º 2 do artigo 78.º do Regimento, vamos passar a um debate, que se integra nas novas figuras criadas pelas alterações ao Regimento, que dá possibilidade ao Governo de intervir semanalmente com uma declaração sobre um determinado tema, o qual já comunicou ao Sr. Presidente da Assembleia, e que, neste caso, versa sobre o crescimento da economia portuguesa.
Peço que sejam respeitados os tempos, uma vez que o Regimento estabelece que o debate tenha um limite de 30 minutos.
Assim, haverá uma intervenção inicial do Governo, mais concretamente do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, de 3 minutos, o PS e o PSD dispõem de 5 minutos, o CDS-PP e o PCP de 3 minutos, o Bloco

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de Esquerda de 2 minutos e 30 segundos e o Partido Ecologista «Os Verdes» de 2 minutos. Para além disso, o Governo disporá, no final, de 5 minutos para responder às questões colocadas pelos Srs. Deputados.
Para fazer a declaração, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Instituto Nacional de Estatística publicou, hoje, a estimativa rápida sobre o crescimento do Produto Interno Bruto. No quarto trimestre de 2007, o PIB cresceu 2% face ao período homólogo de 2006 e 0,7% face ao trimestre anterior. Para o ano de 2007, o INE estima que o PIB tenha crescido 1,9%, isto é, mais 0,6 pontos percentuais do que em 2006.
Quer dizer, no último trimestre verificou-se uma aceleração do crescimento económico. A variação em cadeia é superior à da Zona Euro. E, no conjunto do ano de 2007, a economia portuguesa conheceu o maior crescimento desde 2001,...

Aplausos do PS.

… um crescimento claramente superior, aliás, às previsões apresentadas pela generalidade das organizações internacionais e que, pelo terceiro ano consecutivo, superou as previsões do próprio Governo.
Estes dados mostram um crescimento gradual e sustentado da economia portuguesa. Um crescimento mais forte e mais equilibrado porque as exportações continuam a aumentar e, entretanto, o investimento recupera claramente — será provavelmente o mais elevado investimento desde 2000.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Este crescimento ocorre ao mesmo tempo em que se consolidam as contas públicas. Como o Governo sempre disse, a superação da gravíssima crise financeira herdada era uma condição essencial para a retoma da trajectória do crescimento. Mas era um problema do Estado e não da economia, e assim tratamos esse problema.
O resultado é, hoje, evidente: saímos da situação de défice excessivo um ano antes do prazo. O défice orçamental está finalmente abaixo dos 3%, o que significa que conseguimos reduzi-lo para menos de metade em apenas três exercícios orçamentais. Ao mesmo tempo, a economia voltou a crescer, de forma moderada, mas sustentada.
A superação da crise orçamental e o crescimento sustentado da economia ocorrem ao mesmo tempo por várias razões. A primeira é a de que a consolidação das contas públicas se vem fazendo através de reformas que atacam a raiz do problema. Entre estas reformas avultam a da segurança social e a da Administração Pública.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — A segunda razão é a de que o rigor no Estado gera por si mesmo confiança na economia.
A terceira é a de que a política económica do Governo tem sido activa, apostando na captação de investimento, no reforço das fileiras, entre as quais destacaria as da energia e do turismo, e no apoio à modernização do tecido empresarial.
A quarta razão é a da estratégia do Governo de redução dos custos de contexto da actividade económica, através da simplificação administrativa e da reforma dos regimes de licenciamento.
A última razão, a mais importante de todas, é a de que trabalhadores e empresários têm correspondido à mensagem de um Governo e de uma maioria que, ao contrário de outros, no passado recente, sempre se recusaram a fazer o discurso do pessimismo, apostando, isso sim, no incentivo ao trabalho, ao rigor e à iniciativa.

Aplausos do PS.

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O que os números do INE nos dizem é que a economia está a crescer, gradual e sustentadamente, ao mesmo tempo que saímos da situação de défice excessivo. Isto não autoriza qualquer espécie de triunfalismo nem irrealismo — gostaria de ser inteiramente claro sobre esta questão.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Então, estamos conversados!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Muito menos isto permite a atitude, que seria irresponsável, mas que tem caracterizado algum discurso da direita, de pensar que poderíamos agora descurar o rigor e a disciplina orçamental ou abandonar o caminho das reformas. Mas o que a evolução da economia e das finanças públicas permitem, isso sim, é enfrentar com mais segurança as incertezas do presente e ter mais confiança em nós próprios.
Nenhum triunfalismo, pois, nenhum optimismo excessivo ou injustificado, mas confiança nas nossas condições e capacidades e firmeza no rumo das reformas! Esta não é apenas a declaração que o Governo quer fazer, hoje, ao Parlamento; esta é a mensagem que a economia está a transmitir a todos os agentes sociais e políticos de Portugal! O Governo julga compreender bem essa mensagem e, portanto, tem esta mensagem de confiança na economia, de rigor e disciplina no Estado e nas finanças públicas. Oxalá os outros agentes parlamentares possam dizer o mesmo das suas próprias posições.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rosário Cardoso Águas.

A Sr.ª Rosário Cardoso Águas (PSD) — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, começo por registar a ausência do Sr. Ministro da Economia num debate sobre economia.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — É o costume!

A Sr.ª Rosário Cardoso Águas (PSD) — E se, por um lado, a sua ausência não nos surpreende, porque tem sido a regra (a regra é a ausência dele neste Parlamento), por outro, causa-nos a maior indignação, porque o Sr. Ministro da Economia não participa em qualquer debate importante. Não participa no debate do Orçamento do Estado, não participa nos debates sobre economia e raramente passa pela Comissão de Assuntos Económicos.

O Sr. José Junqueiro (PS): — E mesmo assim a economia cresce!

A Sr.ª Rosário Cardoso Águas (PSD) — Perante isto, era bom que o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares explicasse a este Parlamento por que é que não o deixa falar. Esta é a primeira questão que lhe coloco.
Quanto aos anúncios que aqui veio fazer, embora as suas declarações traiam a sua atitude, porque veio, de facto, aqui vangloriar-se do crescimento não esperado de 0,1% no PIB…

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Vangloriar?!

A Sr.ª Rosário Cardoso Águas (PSD) — Sim, Sr. Ministro, porque o PIB esperado era de 1,8% e supostamente será de 1,9%!… Mas ainda bem! — é o que podemos dizer sobre este assunto. Claro que são boas notícias. E é melhor crescer 1,9% do que crescer 1,8%! Mas, Sr. Ministro, lembro que isto são apenas estimativas rápidas do INE e que o histórico demonstra que geralmente o crescimento que se vem a verificar fica um pouco abaixo das estimativas rápidas. Portanto, vamos aguardar para ver os números definitivos. Mas ainda bem que foi 1,9%!

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Por outro lado, Sr. Ministro, lembro aqui que, dos 13 países da Europa cujos números conhecemos a este respeito, Portugal apresentou o segundo pior valor. Efectivamente, no quarto trimestre, Portugal cresceu 2%, mas a Europa cresceu 2,7% e a zona euro cresceu 2,3%. Portanto, em termos anuais, Portugal ficar-se-á por um crescimento de 1,9%, enquanto que, na Europa a Vinte e Sete, o crescimento será de 2,9%.
Em suma, a conclusão que podemos tirar deste anúncio que aqui veio fazer é só uma: ao fim de três anos de governação socialista, Portugal continua a divergir acentuadamente do desempenho conseguido pelos nossos parceiros europeus.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Rosário Cardoso Águas (PSD) — Posto isto, Sr. Ministro, quero dizer-lhe que, apesar de o senhor ter referido que não vinha aqui triunfalista, esta festa que aqui veio fazer é demasiado grandiosa para resultados tão curtos.

Aplausos do PSD.

Mas gostava de desafiá-lo a falar de outro crescimento. É porque, enquanto o Sr. Ministro está aqui a fazer esta festa, esta apologia governativa, há portugueses lá fora,…

O Sr. Alberto Martins (PS): — E aqui dentro também!

A Sr.ª Rosário Cardoso Águas (PSD) — … num país que os senhores parece não conhecerem ou pretendem esquecer, num país em que o crescimento do desemprego não pára. Ao fim de 11 trimestres de governação, o País tem hoje mais 86 000 desempregados, Sr. Ministro — isto é que é crescer! O desemprego atingiu 8,2%, segundo os números do Eurostat. E mesmo se atendermos aos números do INE, quando os senhores chegaram ao Governo, a taxa de desemprego era de 6,7% e, neste momento, é de 7,9%. Isto significa que, desde que o PS está no Governo, Portugal gera 86 desempregados por dia. Peço-lhe, pois, Sr.
Ministro, que nos comente este crescimento.
E esta calamidade atinge não apenas os mais desqualificados mas especialmente, hoje, os licenciados. De facto, desde o terceiro trimestre de 2006, não pára de crescer o número de desempregados com nível de escolaridade superior. O terceiro trimestre de 2007 — note bem! — apresenta uma variação homóloga de 27%. A taxa de desemprego nas camadas com mais estudos, isto é, nos licenciados, é a que regista um maior valor relativo: 8,3%.
São estes os números que lhe peço para comentar. É sobre este crescimento que os portugueses o querem ouvir falar. Diga, por favor, aí dessa tribuna, uma palavra para os novos licenciados desempregados que estão lá fora, no país real, e não no país que os senhores vêm aqui «pintar». Diga-lhes o que podem esperar da economia portuguesa e diga-lhes o que podem esperar de um Ministro da Economia que prima pela ausência e pela omissão.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Maximiano Martins.

O Sr. Maximiano Martins (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Os números da situação económica de conjuntura são o que são: exigem prudência na sua análise — e saúdo o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares pela forma como o fez, sem triunfalismos, daquela tribuna — mas também exigem rigor e seriedade,…

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — É o que falta aí!

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O Sr. Maximiano Martins (PS): — … que é aquilo que se espera de todos, incluindo os Deputados da oposição.
Em economia, são mais importantes as tendências estruturais de fundo do que o «sobe e desce» ou o discurso pontual e demagógico. Era sobre essas tendências de fundo que as oposições deveriam tomar posição. Assim como deveriam tomar posição sobre o sentido, a natureza, o impacto e a eficácia das reformas que a política económica e as várias áreas do desenvolvimento económico empresarial têm vindo a registar com este Governo.
Por isso, esperar-se-ia da oposição posições sobre matérias que peço que o Sr. Ministro sublinhe na sua intervenção final. Uma dessas matérias é a convergência de Portugal com a União Europeia, que não está hoje tão longínqua como estava em 2001, 2002 e 2003. Qual é a situação actual? Sem dúvida, vale a pena apreciar em que ponto nos encontramos hoje, em termos da convergência, porque estamos mais próximos. E o crescimento em cadeia, ocorrido neste último trimestre, em Portugal, é já mais elevado do que a média europeia.
Depois, gostaria que nos dissesse se não se verifica um crescimento do PIB mais sólido, mais saudável e mais sustentável. Em que é que assenta? Assenta, hoje, como no passado, no consumo público e no consumo privado, ou tem um pilar importante nos investimentos e nas exportações? A recuperação é sustentada e dá-nos hoje mais garantias do que no passado, ou não? O investimento privado inverteu a sua tendência, ou não? Isso é um sinal absolutamente decisivo. Semestre após semestre, Portugal tem assistido ao decréscimo do investimento privado em Portugal, o que tem a maior importância, porque, sem investimento, não há riqueza, não há emprego, não há futuro. E o investimento empresarial, ocorrido em Portugal recentemente, é o mais elevado desde há muitos anos. Segundo os meus dados, será mesmo o investimento empresarial mais elevado desde 1998. E isso significa alguma coisa. Temos de ser justos com aquilo que está a ocorrer.
Por outro lado, gostaria também que nos confirmasse que sectores importantes da nossa economia, como o turismo, registaram, e continuam a registar, evoluções muito importantes. O crescimento do turismo, em 2007, foi de 7,4%, em dormidas, e de 10,4%, em proveitos. Ora, 10,4% significa um crescimento a dois dígitos — e isso tem algum significado.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Maximiano Martins (PS): — As exportações cresceram, no terceiro trimestre de 2007 (último dado disponível), 5,2%. E mesmo a balança tecnológica é, hoje, positiva, o que é um facto inédito, em Portugal.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Maximiano Martins (PS): — Ainda há pouco, o Sr. Deputado Almeida Henriques desvalorizava o facto e dizia que as exportações na área da alta tecnologia não têm subido. Mas a realidade é que as exportações de produtos industriais de baixa tecnologia decresceram, em Portugal, de 2001 até hoje, 10 pontos percentuais — e isso é alguma coisa! A questão central, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, é a de saber se o crescimento português é hoje mais sólido, face aos graus de incerteza que evidentemente permanecem na cena internacional e face às exigências internas de consolidação das contas públicas. Estamos, hoje, perante uma situação de crescimento mais sólido e podemos ter mais confiança no futuro, ou não?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, o Sr. Ministro veio aqui fazer o foguetório do Governo com mais uma décima percentual relativamente àquilo que o Governo

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esperava, um foguetório com uma taxa de crescimento de 1,9%, e nós poderíamos perguntar: quantos foguetes teriam de deitar os espanhóis exactamente com o dobro desta taxa de crescimento, com 3,8%?

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Era uma boa pergunta!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Mas o grave é que este foguetório é para esconder a situação real do País. A situação real ao nível dos empregos, já aqui referida, ao nível das empresas, particularmente das pequenas e médias empresas, em termos das dificuldades no acesso ao crédito, em termos dos atrasos no pagamento e das dívidas do Estado relativamente a fundos comunitários, em termos dos preços da energia, etc. Este foguetório é para esconder a situação real do País e, sobretudo, para que o Governo não tenha de tomar as medidas que se impõem para reanimar a economia nacional.
Mas já que o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares veio substituir o Sr. Ministro da Economia nesta iniciativa, fazia-lhe três perguntas, às quais o Sr. Ministro da Economia não me respondeu, na terça-feira, na audição realizada na Comissão de Assuntos Económicos.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Ah, afinal, veio cá!...

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Mas não espondeu!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Em Setembro de 2007, o Sr. Ministro da Economia prometeu aos empresários da cristalaria do distrito de Leiria que, até Janeiro, iria resolver o problema do preço do gás natural, que representa 50% dos custos desta produção na região, e não o fez. Por isso, em Janeiro, já fecharam os fornos de algumas dessas empresas e, com isso, há a possibilidade de surgirem novos desempregados. Pergunto-lhe, Sr. Ministro: o Governo vai ou não baixar o preço do gás natural? Uma segunda questão tem a ver com o seguinte: em Setembro de 2006, o Sr. Ministro da Economia foi, em nome do Governo, a Braga, à Blaupunkt, e, numa sessão pública de propaganda, ofereceu milhões de euros de apoio a essa empresa para ela manter os postos de trabalho. Durante 2007, esta empresa desempregou centenas de trabalhadores e extinguiu dezenas de postos de trabalho permanentes. Pergunto-lhe, Sr. Ministro: o que é que o Governo vai fazer relativamente a esta questão? Finalmente, Sr. Ministro, pergunto-lhe se o Governo vai ou não fazer (coisa que também não conseguimos saber na última terça-feira) a revisão da lei do licenciamento comercial, a Lei n.º 12/2004, conforme estipula o seu artigo 37.º, depois da apreciação por esta Assembleia do relatório elaborado pelo Governo. É porque o que o Sr. Secretário de Estado disse, na terça-feira, é que nem sequer tinha lido o relatório desta Assembleia.
Portanto, gostaria de saber se o Governo está ou não disponível para que o Sr. Ministro da Economia e o Sr.
Secretário de Estado venham a esta Assembleia discutir, pelo menos na Comissão de Assuntos Económicos, a revisão dessa lei e se o Governo está disponível para que essa lei passe efectivamente por um debate nesta Assembleia.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: O Sr. Ministro decidiu hoje convocar este debate promovido pelo Governo para comentar análises rápidas do INE.
A primeira questão que tenho a colocar-lhe é sobre se, nessas mesmas análises rápidas, também se encontra o número relativo ao tempo a que o Sr. Ministro da Economia não se digna vir ao Parlamento para falar. É porque, se calhar, também lá está!…

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Esteve cá esta semana!

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O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Há perto de dois anos que não vemos o Sr. Ministro da Economia falar, em Plenário, na Assembleia da República.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Já agora, Sr. Ministro, não quero deixar passar em claro uma omissão que V. Ex.ª tem em toda a sua intervenção. Sabe a quem é que se deve o crescimento económico? Aos empresários e às empresas.

Aplausos do CDS-PP.

Ora, relativamente a essa matéria, o que o Sr. Ministro nos veio aqui dizer foi zero, rigorosamente nada! Não nos disse uma única palavra em relação à livre iniciativa empresarial, ao mercado ou à forma como os nossos empresários estão a adaptar-se à conjuntura económica. Portanto, Sr. Ministro, deixe-me que lhe diga: já chega de os poderes públicos e de os poderes políticos usurparem aquilo que pertence às empresas.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Já agora, Sr. Ministro, deixo também um aviso: não confunda a «árvore» com a «floresta». O Sr. Ministro tem uma «árvore», que é um crescimento acima das previsões, de acordo com o que se sabe de mais 0,1%. Mas já fez a comparação com o crescimento da economia em Espanha? Já fez a comparação com o crescimento da economia europeia? Já fez a comparação com a divergência que estamos a ter perante a zona euro? Sr. Ministro, por que é que não teve aqui lugar um debate para comentar o aumento do desemprego para 8,2%? É que estamos verdadeiramente contra todas as teorias económicas porque, em Portugal, quando há recessão aumenta o desemprego e quando há crescimento também aumenta o desemprego. Vocês estão a conseguir uma coisa extraordinária, que é o seguinte: em ciclo de crescimento da economia continua a crescer também o desemprego, o que é, naturalmente, muito preocupante.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Mas este é também o País em que a «floresta» demonstra haver cada vez mais impostos e cada vez mais dificuldades também para os empresários. Por isso mesmo, Sr. Ministro, cautela! Cautela, porque vem aí um ano difícil! Ainda bem que V. Ex.ª não entrou pelo discurso que se pôde ouvir de que era o maior crescimento dos últimos 20 anos. Se tivessem verdadeiramente fé nesta décima, Sr. Ministro, o Ministro Manuel Pinho estaria hoje aqui.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — O que acontece é que, curiosamente, os senhores não têm essa fé, porque os níveis de confiança não estão a melhorar e as reformas estão por fazer, nos impostos, nas relações no trabalho, na justiça e naquele exemplo que V. Ex.ª aqui deu e que se passa na Administração Pública. É conhecida uma sequência que passa nas rádios em que o Sr. Ministro refere uma fábula. Mas V. Ex.ª já nem vai para as fábulas reais, vai para as fábulas virtuais, que é o que se passa em relação à reforma da Administração Pública.
Diga-me, Sr. Ministro: qual a consequência que tem, a nível orçamental, essa reforma? O que é que se poupou a nível da despesa? Rigorosamente nada! Sabe porquê? Porque a reforma não existe, Sr. Ministro. E o problema é que temos uma consolidação orçamental que vai por um caminho errado.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr. Deputado.

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O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Sr. Ministro, mantêm a previsão de 2,2% de crescimento da economia para este ano? É que sobre ela têm dúvidas o FMI, a Comissão Europeia, o Banco de Portugal… Qual é a posição do Governo? Qual é a estratégia que o Governo tem para o ano difícil que aí vem a nível de política orçamental, a nível de política de impostos, a nível de quebra da despesa, que verdadeiramente não existe? Sobre esta matéria, tenho muita pena de lhe dizer, V. Ex.ª traz a este debate «uma mão cheia de nada»!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, o Partido Socialista escolheu a tarde deste dia de S. Valentim para vir pedir à bancada da maioria que aplauda o Governo pelos resultados que o INE nos apresenta, resultados que são provisórios. Vale a pena olhar para esses resultados e vale a pena pensar sobre o balanço de três anos, que se estão a cumprir na próxima semana, deste Governo do Partido Socialista, nas matérias mais importantes da vida social do País.
Primeira conclusão: se Portugal tivesse crescido segundo a média da zona euro, teríamos tido um crescimento não de 1,9% mas de mais 2000 milhões de euros de riqueza bruta no país, o que seria suficiente para acudir a muitos dos problemas que sentimos na educação ou na saúde, nas pensões ou no desemprego.
Segunda conclusão: o Governo quer discutir números, mas houve um tempo, de que todos nos lembramos, em que o Partido Socialista, com generosidade, dizia que as pessoas não são números. Tinha razão! Há números que escondem a realidade das pessoas. E a realidade do desemprego, que é o produto da política destes últimos três anos e dos anos anteriores dos governos de direita, é a questão económica mais importante.
Gostaria, Sr. Ministro, de fazer algumas contas consigo.
Quando o Governo chegou ao poder, quando José Sócrates, há três anos, foi empossado PrimeiroMinistro, havia, segundo dados oficiais, 412 000 desempregados. O Governo prometeu reduzir em 150 000 o número de desempregados. Façamos as contas: daria 262 000 desempregados e desempregadas. Mas hoje há mais 200 000 desempregados e desempregadas do que o número que o Governo prometeu. E o que é mais extraordinário é que sobre este assunto o Sr. Ministro nunca venha aqui fazer uma declaração e que o Primeiro-Ministro, em três anos, agora com debates quinzenais, jamais tenha aceite discutir a questão do desemprego. Sobre a justiça, várias vezes! Sobre formação profissional, com certeza! Sobre natalidade, várias vezes! Sobre segurança social, com certeza! Mas sobre desemprego, nunca! «Jamais»! «Jamais»! «Jamais» se discutirá desemprego aqui, com este Primeiro-Ministro!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Pode propor!

O Sr. Francisco Louçã (BE): — É por isso, aliás, que o Bloco de Esquerda convocou o Governo para um debate — uma interpelação em que estarão presentes o Primeiro-Ministro e o Ministro das Finanças — sobre desigualdade, porque queremos discutir o desemprego, porque queremos discutir políticas sociais.
E não ignoramos o Livro Branco que este Governo promoveu e que o Ministro do Trabalho e do Emprego lançou durante toda a Presidência portuguesa a ideia da flexigurança — redução do trabalho na função pública, liberdade de despedimento. E os patrões pegam na palavra do Governo e querem agora ter a possibilidade de despedir qualquer pessoa, em qualquer momento, com qualquer pretexto. O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Vou terminar, Sr. Presidente.
É este o resultado e é esta a política que estamos a medir. As pessoas, que não são números, são as vítimas de três anos desta política, que é tão agressiva contra a sociedade.

Aplausos do BE.

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O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado José Miguel Gonçalves.

O Sr. José Miguel Gonçalves (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, a pergunta que quero colocar-lhe é muito simples.
Se os dados do crescimento da economia são assim tão bons e se estão acima das expectativas do próprio Governo, pergunto se o Governo está disposto a dividir essa riqueza por todos os portugueses e a rever os aumentos salariais para 2008, tendo em conta, até, que tem falhado constantemente as estimativas de inflação utilizadas nas negociações salariais. Ou seja, está o Governo disposto a alterar os dados que demonstram que, em Portugal, a parcela da riqueza nacional, isto é, do PIB, destinada a salários é cada vez mais baixa e que a parcela destinada a remunerar o capital é cada vez mais alta? Sr. Ministro, considera que o Governo poderá, finalmente, começar a cumprir os seus compromissos de criar mais 150 000 postos de emprego, de aumentar os salários dos portugueses acima da inflação e de dar melhores condições de vida aos portugueses? Sr. Ministro, se o Governo não tem condições para cumprir isto e para se comprometer a este nível, os portugueses ficarão a perguntar hoje, em casa, o que é que o Governo veio aqui fazer.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma última intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, agradeço as questões colocadas.
Este debate revela bem as duas atitudes em que se traem os grupos parlamentares da oposição.
Uma das atitudes é comum a todos os grupos parlamentares da oposição: a decepção com os resultados do crescimento da economia. A nossa oposição fica triste quando a economia portuguesa cresce. Um dos resultados principais deste debate é, pois, a decepção mal disfarçada com o facto de em 2007, como em 2006 e em 2005, a economia portuguesa ter retomado a trajectória de crescimento.

A Sr.ª Rosário Cardoso Águas (PSD). — Que disparate! Não diga isso!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — No caso da oposição da direita, há uma segunda atitude, que disfarça mal, que é o embaraço com as comparações. Quando vamos ver onde se registou uma descida do PIB constatamos que é no momento em que a direita esteve no Governo. Este é também um embaraço que disfarça mal.

Protestos do PSD.

E como todos têm esta decepção, que mal disfarçam, e a direita tem este embaraço, que também mal disfarça, tentaram encontrar vários pretextos.
Primeiro pretexto: o de que não devia ser eu a fazer a declaração política em nome do Governo, mas, sim, um colega meu, o Ministro da Economia.
Há aqui dois problemas. Eu bem sei que a Sr.ª Deputada Rosário Águas e o Sr. Deputado Diogo Feio têm como modelo de Ministro dos Assuntos Parlamentares um Ministro que «dá dicas», o de um Ministro que se sentava ao lado dos colegas e que passava todas as intervenções dos colegas a «dar dicas» bem audíveis no sistema sonoro da Assembleia.

Protestos do CDS-PP.

Ora, não é essa a concepção que este Governo tem de Ministro dos Assuntos Parlamentares, em particular com o novo Regimento. O Ministro dos Assuntos Parlamentares está sempre aqui, em nome do Governo, para responder à Assembleia, sempre que esta o entender questionar.

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Aplausos do PS.

Não é um Ministro que «dá dicas». Não! É um Ministro que fala em nome do Governo.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — É um Ministro «passa papéis»!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Depois, os Srs. Deputados revelam desconhecer uma coisa muito simples e profusamente distribuída, que é o Boletim da Assembleia da República, no qual verificariam que o Sr. Ministro da Economia esteve em Comissão na passada terça-feira, toda a tarde,…

A Sr.ª Rosário Cardoso Águas (PSD). — Não ficámos a saber nada!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — … e que o próximo debate sectorial com ministros, marcado já para o dia 14 de Março é — com quem?! — com o Sr. Ministro da Economia.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Portanto, esse argumento não resulta! Segundo argumento tentado, o argumento da comparação internacional: «Bom, sim senhor, registamos que houve crescimento e que o crescimento excedeu as expectativas e as previsões do Governo e das organizações internacionais, ‘o que desmente o catastrofismo das nossas intervenções em sucessivos debates orçamentais’, mas continua a ser mau em termos de comparação internacional…».
Este argumento, como os restantes, não resiste à prova da realidade, porque a realidade é que a variação em cadeia do PIB português do último trimestre de 2007 é superior à variação em cadeia na zona euro e é superior ao crescimento verificado em países como o Reino Unido e a Alemanha.
Terceiro argumento: o de que «não era este o debate que queríamos ter, mas sim o do desemprego».
Acontece que os números do desemprego saem amanhã, dia 15 de Fevereiro. Não conheço os números.
Não sei se os Srs. Deputados conhecem e se já podem garantir que há um crescimento do desemprego. O que eu posso garantir é que, se qualquer uma das bancadas quiser fazer um debate de actualidade sobre esses dados, cá estará o Ministro dos Assuntos Parlamentares, em nome do Governo, para responder e para analisar com a Assembleia esses valores.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — O que sei é que, em matéria de desemprego, a grande diferença nestes últimos três anos, em comparação com os três anos anteriores, é a seguinte: dantes a economia portuguesa não gerava emprego e havia aumento de desemprego. Não foram os 6,7%. Não engane a história, Sr.ª Deputada Rosário Águas! 7,5% era a marca do desemprego quando os senhores saíram do governo.

Protestos do PSD.

Nós conseguimos conter o crescimento do desemprego e fazer com que a economia portuguesa faça gerar emprego líquido. Há mais empregos hoje do que havia no início de 2005.

Aplausos do PS.

O quarto argumento, uma especialidade do Sr. Deputado Diogo Feio — não me canso de aprender com o CDS-PP...

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Ainda bem!

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O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Hoje até fiquei a saber que há «fábulas reais» e que, portanto, o CDS realmente acredita que há casos em que a tartaruga ganha à lebre nas corridas e que a raposa fala mesmo! Mas esqueçamos essas «fábulas reais»! Diz o Sr. Deputado Diogo Feio que eu não tive uma palavra para aqueles a quem me devia dirigir. O Sr. Deputado Diogo Feio tapou os ouvidos quando eu disse — e volto a dizê-lo — que a última razão, a mais importante de todas, é que trabalhadores e empresários têm correspondido à mensagem de um Governo e de uma maioria que não se resignaram ao discurso do pessimismo.
E sempre que o Sr. Deputado Agostinho Lopes diz que eu vim aqui «fazer o foguetório» o que o Sr. Deputado está a fazer é a apoucar o esforço dos trabalhadores.

Protestos do PCP.

Porque é ao esforço dos trabalhadores que se deve o crescimento da economia.

Aplausos do PS.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Nem uma resposta!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Não sei se a conclusão que devo retirar deste debate é, usando o argumento do CDS-PP, a seguinte: se a economia corre mal, a responsabilidade é do Governo, se a economia corre bem já não há qualquer responsabilidade do Governo.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Peço que conclua, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Não tenho essa leitura mecânica e mediatista das coisas. Penso que o crescimento da economia se deve fundamentalmente ao esforço de trabalhadores e de empresários, mas deve-se também à criação de uma política de confiança, à captação de investimento, à modernização da economia ou da política da redução de custos e à consolidação das contas públicas. É isso que assinalo hoje, na Assembleia da República, como é minha responsabilidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Srs. Deputados, terminado este debate, passamos à apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 176/X — Autoriza o Governo a alterar o Código de Processo Civil, o Estatuto da Câmara dos Solicitadores e o Estatuto da Ordem dos Advogados, no que respeita à acção executiva.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Alberto Costa): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Uma acção executiva eficiente beneficia a economia portuguesa. Procedimentos de cobrança judicial de dívida ineficientes aumentam os atrasos nos pagamentos e retiram dinamismo à economia. Como relatórios internacionais salientam, os atrasos nos pagamentos são prejudiciais à economia, pois obrigam a financiamentos desnecessários e originam problemas de liquidez.
Pelo contrário, uma acção executiva célere e eficiente permite aumentar o cumprimento voluntário das obrigações. Por um lado, aumenta a percepção de um sistema de cobrança de dívidas eficaz, incrementando o cumprimento voluntário dos contratos; por outro, permite evitar custos desnecessários e atrair mais investimento, porque aumenta a previsibilidade na realização dos negócios. Em suma, prazos de cobrança mais curtos permitem que quem recebe mais cedo possa pagar mais cedo, tenha maior liquidez e mais disponibilidade para investir.
A posição de Portugal no índice de pagamentos de vários países europeus precisa de melhorar. As transacções em Portugal têm um risco relevante de pagamento tardio ou de não pagamento, o que provoca dificuldades financeiras às empresas.

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Temos vindo a ocupar-nos deste problema desde o início da Legislatura. Em 2005, a reforma da acção executiva, entrada em vigor em 2003, continuava inoperacional. Recordo que uma parte substancial dos processos executivos entrados — cerca de 125 000, para ser mais preciso — continuavam parados nos tribunais, à espera de distribuição aos solicitadores de execução.
Assim, foi necessário, num primeiro momento, criar condições infra-estruturais, até então não criadas, para que a reforma da acção executiva pudesse funcionar.
Foram, então, adoptadas várias medidas para o desbloqueamento da reforma da acção executiva, de que recordo apenas algumas.
Autuaram-se os 125 000 processos que estavam parados nas secretarias de execução de Lisboa e do Porto; foi tornada obrigatória a utilização dos formulários electrónicos que permitem a entrega do requerimento executivo, evitando que se repita o acumular de processos por autuar; os solicitadores de execução passaram a dispor de acessos electrónicos à segurança social e a poder realizar penhoras electrónicas de quotas e automóveis; o exequente passou a poder escolher o solicitador de execução que considere mais vantajoso ou competente, independentemente de ter residência profissional na comarca onde se realize a execução; instalaram-se seis novos juízos de execução; e os quadros dos funcionários das secretarias de execução de Lisboa e do Porto foram reforçados.
Apesar de muitas vezes incompreendido, este esforço foi premiado. E o teste dos números demonstra-o: quer em 2006, quer em 2007 terminaram mais acções executivas do que em qualquer outro ano desde 1991.

Aplausos do PS.

O sistema começou a responder, mas o esforço de tornar a acção executiva mais eficaz não deve ficar por aqui.
Depois de criadas as condições para que a reforma da acção executiva começasse a responder, é tempo de ir mais longe.
Por isso, apresentamos hoje a esta Câmara uma proposta de lei que visa três grandes objectivos: tornar as execuções mais simples; promover a celeridade e a eficácia das execuções; evitar acções desnecessárias.
Um primeiro objectivo é o de tornar as execuções mais simples, com eliminação de formalidades desnecessárias.
Dois exemplos que contribuem para a simplicidade da execução, sempre sem prejudicar o controlo judicial: em primeiro lugar, reserva-se a intervenção do juiz para as situações em que exista efectivamente um conflito ou em que a relevância da questão o determine, eliminando-se passos e formalidades e centrando-se a actuação do juiz naquilo que é a sua actividade típica, ou seja, decidir conflitos e autorizar actuações em situações sensíveis.
Segundo exemplo: permite-se que o requerimento executivo seja enviado e recebido por via electrónica, assegurando-se a sua distribuição automática ao agente de execução, sem necessidade de envio de cópias em papel.
O segundo objectivo desta proposta é o de promover a celeridade e a eficácia das execuções.
Passa a permitir-se que o exequente possa substituir livremente o agente de execução. A actividade do agente passa a ser controlada pelo primeiro interessado na eficácia da execução: o exequente. Esta medida é compensada com um dever de informação acrescido do agente de execução e com o reforço do controlo disciplinar destes agentes de execução.
Alarga-se a possibilidade de desempenho das funções de agente de execução aos advogados, sem prejuízo de formação adequada. Cria-se mais concorrência e diversifica-se a oferta, em benefício dos utilizadores do sistema.
Introduz-se a possibilidade de utilização da arbitragem institucionalizada na acção executiva. Trata-se de utilizar os mecanismos de resolução alternativa de litígios para ajudar a descongestionar os tribunais judiciais e imprimir celeridade às execuções, sem prejuízo de estarem asseguradas todas as garantias de defesa e a necessidade de acordo das partes para a utilização desta via arbitral.
Terceiro e último objectivo: evitar acções judiciais desnecessárias.
É criada uma lista pública, disponibilizada na Internet, com dados sobre execuções frustradas, ou seja, execuções que tenham terminado por inexistência de bens penhoráveis. Esta lista pública tem uma dupla

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finalidade: por um lado, criar um forte elemento dissuasor do incumprimento de obrigações; por outro, evitar, a montante, processos judiciais sem viabilidade e cuja pendência prejudica a tramitação de outros efectivamente necessários para assegurar uma tutela jurisdicional efectiva do direito fundamental de acesso à justiça em prazo razoável.
A criação desta lista foi rodeada de especiais cautelas. Visa-se atingir os devedores crónicos e não as pessoas que tiveram um problema nas suas vidas. Refiro, especialmente, estas cautelas.
Em primeiro lugar, o executado é notificado antes de o seu nome ser incluído na lista, dando-lhe uma última hipótese de proceder ao pagamento antes de nela ser incluído.
Em segundo lugar, foi introduzido um mecanismo de reabilitação, prevendo-se a exclusão de registos com mais de cinco anos. Assim, evita-se que constem da lista indicações perpétuas.
Em terceiro lugar, foi criado um sistema de reclamações rápido, destinado a corrigir erros da referida lista.
Estabeleceu-se o prazo de um dia útil para apreciação da reclamação e, se não houver decisão neste prazo, as referências serão retiradas da lista pública até que a decisão seja proferida.
Em quarto lugar, os executados em situação de sobreendividamento passam a ter uma protecção que antes não tinham: passam a poder recorrer aos serviços de entidades específicas para a resolução dos seus problemas de sobreendividamento.
Promove-se a adesão a um plano de pagamentos e o seu cumprimento como forma de evitar a inclusão na lista pública de execuções. Mas, principalmente, promove-se activamente a resolução de um problema social relevante na sociedade portuguesa.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Melhorar a eficácia do sistema judicial de cobrança de créditos é um objectivo deste Governo.
Desde o primeiro momento, foi nossa preocupação criar condições técnicas, humanas e legislativas para que a reforma da acção executiva começasse efectivamente a funcionar.
Agora, há que ir mais longe.
Foi possível, no quadro do acordo político-parlamentar sobre a reforma da justiça, celebrado entre os dois partidos com maior representação nesta Assembleia, obter soluções consensuais. São boas e esperançosas soluções que resultaram de meses de trabalho. São essas soluções que hoje concretizamos com esta proposta.
Cabe à justiça saber corresponder aos ritmos da economia e da sociedade. Ou seja, tornar os sistemas públicos de cobrança de créditos mais eficazes, para que a economia possa incorporar essa eficiência e os cidadãos possam usufruir dela.
Só assim podemos dizer que a justiça está, efectivamente, ao serviço das pessoas, ao serviço das empresas e ao serviço do desenvolvimento económico.
É disto que hoje tratamos, Sr.as e Srs. Deputados, de colocar o sistema de justiça ao serviço da economia, do crescimento, do investimento e do emprego.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Antes de mais, queria comunicar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e à Câmara, a cujos trabalhos V. Ex.ª preside, que sou advogado. Vejam bem, sou advogado! Portanto, na minha vida profissional — tenho vida profissional!…—, tenho representado exequentes, executados, autores, réus, requerentes, requeridos, recorrentes, recorridos, e mais outros «entes» e «idos» de que, agora, não me recordo. Aqui fica, pois, a nota do meu registo pessoal e de interesses.
Mas, Sr. Presidente, deixe-me dizer-lhe, muito sinceramente, que isso nunca me impediu de cooperar com a função legislativa deste Parlamento e de cooperar de forma séria, transparente e, sobretudo, honrada, como acho que sucede com todos, mas todos, os profissionais liberais que aqui estão e que aceitaram merecer, com a maior das dignidades, a confiança do povo português.

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Vozes do PSD e de Deputados do PS: — Muito bem!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Em todo o caso, aqui fica o meu registo de interesses.
A reforma da acção executiva, que hoje discutimos, foi promovida pelo XIV Governo — o anterior Governo do Partido Socialista, do Eng.º Guterres —, em 2002, e posta em prática, digamos assim, pelo primeiro Governo de coligação PSD/CDS, no ano seguinte.
Os objectivos essenciais dessa reforma consistiram, como já aqui foi dito, na chamada «desjudicialização» do processo, retirando do tribunal todo um conjunto de actos materiais e administrativos, designadamente citações, notificações, penhoras, vendas, entregando essa actividade aos agentes de execução, essencialmente aos solicitadores de execução.
É importante lembrar também, como ponto prévio, que esse projecto de reforma obteve, nesta Assembleia, uma quase pacífica unanimidade, uma aprovação por unanimidade quase pacífica, apenas com a abstenção do Bloco de Esquerda.
Passados mais de quatro anos sobre a reforma, deve dizer-se, com frontalidade e seriedade intelectual e política, que ela não surtiu, pelo menos até agora, os efeitos pretendidos. Escrevi isto, justamente, no relatório que apresentei no âmbito da 1.ª Comissão,…

O Sr. José Pereira da Costa (PSD): — Muito bem!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — … e escrevi-o porque a minha experiência de 30 anos de trabalho nos tribunais — já são muitos, infelizmente — assim o impôs à minha consciência.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — E disse-o também, anteontem, o Sr. Procurador-Geral da República, na 1.ª Comissão, como os Srs. Deputados ouviram, invocando os seus 40 anos de magistratura.
Que fazer, então? O PSD, no respeito pelo seu sentido de responsabilidade, tentará cooperar para a melhoria do sistema, sem prejuízo de algo que, desde já, anuncia: se as alterações agora propostas não surtirem os efeitos pretendidos, o Partido Social Democrata não se coibirá de apresentar uma proposta de alteração radical do sistema vigente.

O Sr. João Oliveira (PCP): — É um pacto com reservas!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Mas, responsavelmente, não se opõe à melhoria da lei. É justamente por isso que está de acordo com algumas das medidas ora anunciadas, não com todas, como tive oportunidade de explicar no âmbito da 1.ª Comissão.
Assim, é evidentemente adequado que se estenda a possibilidade de as funções de agente de execução serem exercidas — por que não?! — também por advogados e não apenas por solicitadores. O que interessa é que esses novos agentes de execução estejam bem preparados, prestem provas de ingresso sérias e competentes, façam um estágio adequado — tenho muitas dúvidas sobre a excessiva duração do estágio proposto — e sejam regular e disciplinarmente acompanhados por um órgão isento e imparcial.
É também correcto que se assegure a distribuição automática da petição inicial executiva ao agente de execução, sem necessidade do envio de cópias em papel, o que poderá constituir, a par da distribuição diária e automática dos processos em tribunal — em funcionamento, embora deficitário, desde 1 de Janeiro —, uma maior eficiência e celeridade processuais no início da acção executiva.
É ainda adequado, como o Sr. Ministro da Justiça referiu, que o exequente possa substituir livremente o agente de execução, sendo esta medida compensada com um dever acrescido de informação do agente de execução.
O que sucede, Sr. Presidente e Srs. Deputados, após esta manifestação, digamos assim, quanto às coisas boas da proposta, é que este Governo tem dias. Tem dias bons, em que anuncia, com pompa e circunstância,

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as medidas que tenciona tomar, e tem dias péssimos — não são só maus, são mesmo péssimos! —, que são aqueles em que, em vez de anunciar as medidas, as executa, o que é mau.
É que, por exemplo, uma das medidas propostas é a de que a tramitação dos processos executivos se efectue electronicamente, ou seja, que não haja processo físico no tribunal, com papéis e mais papéis. É louvável a intenção, mas ainda me hão-de explicar como é que correm, depois, por apenso, como a lei manda, a oposição à execução, a oposição à penhora, os embargos de terceiro, as reclamações de créditos. Tudo isto corre por apenso, mas corre por apenso a quê, se não existe processo?!

Protestos do PS.

Se, no tribunal, não existe processo, corre por apenso a quê?! Ah! Corre por apenso a uma espécie imaginária de processo!…

O Sr. João Oliveira (PCP): — São os anexos!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Mas admito que isto se resolva a breve trecho.
Porém, o mais grave é que do dizer ao fazer vai uma distância enorme, a tal distância entre os momentos bons e os péssimos.
O Sr. Ministro da Justiça, em 11 de Fevereiro último, suponho que em Évora ou Beja, salientou – isto é muito importante – a importância das novas ferramentas informáticas, lembrando a concretização da desmaterialização dos processos. Ora, isso relaciona-se justamente com a agora anunciada tramitação electrónica dos processos executivos.
Mas também se relaciona, deixem-me dizer-lhes, com uma autêntica falácia prática, a qual não posso deixar de revelar nesta Câmara. Refiro-me à mais recente novidade tecnológica processual deste Ministério, qual seja a relativa ao envio a tribunal dos requerimentos de injunção, que, naturalmente, antecedem as execuções. Portanto, não estou a falar de agricultura, nem de outras coisas, estou a falar de execuções.

Risos do Deputado do CDS-PP Nuno Teixeira de Melo.

Em 1 de Janeiro último, entrou em vigor o novo regime do envio electrónico das execuções para tribunal, até se dizendo na respectiva lei que, nesse caso, o utente – o credor que paga para receber o que é dele – vê reduzida a metade a taxa de justiça.
Pois bem, vejamos o panorama que passo a referir — se o Sr. Ministro quiser fazer o favor de tomar nota, fá-lo-á, senão mando-lhe cópia— começando, por exemplo, pela letra A.
Em Albufeira, como é que se enviam as injunções? Por e-mail, mas se se quiser por disquete! Como é que se paga a taxa de justiça? É por transferência bancária! Mas que bom! E em Abrantes? Em Abrantes não é assim, é por formato de papel, à antiga, porque o programa está ainda por instalar. E como é que se paga a taxa? Tem de ser por estampilha fiscal! Ah, então isso é mau!

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — E na Amadora? Na Amadora, são enviadas por disquete — esse objecto medieval que ainda existe! E como é que se paga? É por vale postal, não é por transferência! E em Arcos de Valdevez? Em Arcos de Valdevez, podem ser enviadas por pen, por disquete, por e-mail e paga-se por estampilha (mas não se sabe onde é que se cola!).

Risos do PCP e do BE.

Só apontei exemplos de tribunais começados por A, mas tenho aqui um papelinho com um mapa dos tribunais, começados por A, B, C, D, E,… até Z, que, Sr. Ministro, se quiser, farei o favor de lhe enviar.

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Ora, se é para isto, Sr. Ministro, sinceramente poupe-nos a grandes anúncios, poupe-nos a estas reformas algo toscas. Aqui, fazemos a leis, apoiamos as reformas! Para, depois, elas darem o desastroso resultado que aqui anunciámos está mal!

O Sr. João Oliveira (PCP): — No fim, ainda vamos ter «divórcio»!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Até me esqueci de referir o caso de uma comarca, que não vou dizer qual é, em que se passa o seguinte: dizemos que vamos enviar por correio electrónico; de lá, dizemnos que não pode ser, porque não há programa instalado. Então, propomos o envio por papel e o pagamento por estampilha; dizem que não pode ser, porque pagam uma multa equivalente a uma unidade de conta! Nesse caso, «enviamos por correio com uma disquete»; dizem que não pode ser, tem de ser por correio electrónico! Perguntamos: «então, como é que se faz?» Resposta do tribunal: «Olhem, não sei o que lhes diga!» É isto que está a acontecer.

Risos do CDS-PP.

Sr. Ministro, esperamos, sinceramente, que nada disto se passe com a tramitação electrónica das acções executivas, porque, se assim for, de nada vale estarmos aqui a legislar,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Põe-se a estampilha no ecrã do computador!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — … de nada vale estarmos aqui a apoiar iniciativas, de nada vale estarmos aqui a tentar resolver os problemas da justiça em Portugal.
Mas aqui estamos, com responsabilidade e sentido crítico construtivo, para o que der e vier, não esquecendo que tudo faremos para que a tramitação da acção executiva melhore efectiva e substancialmente,…

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Esse pacto anda mal!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — … como V. Ex.ª disse, porque, como referiu o filósofo grego Aristóteles, «justiça é dar a cada um o que lhe pertence», o que só se consegue com uma eficaz e profícua acção executiva.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado da Justiça, Sr.as e Srs. Deputados: Ouvi atentamente o registo de interesses do Sr. Deputado António Montalvão Machado, que pecou por defeito visto que se esqueceu de dizer que, além de advogado e representante de todos esses requerentes, requeridos, exequentes, executados, foi também, e é, docente exactamente de Processo Declarativo e de Processo Executivo, matéria de que estamos aqui a tratar.
No que diz respeito, a esse registo de interesses de advogado acresce o registo de interesses de ter sido seu aluno, espero que razoável, pelo menos permitindo-me fazer esta intervenção.
Queria dizer, a este propósito — a política tem a grande vantagem de estarmos todos a ser constantemente avaliados (o Sr. Ministro também) —, que esta matéria do processo executivo, na sua eficácia ou ineficácia, determina muita da confiança que os portugueses têm no funcionamento da justiça no nosso país.
Independentemente das questões especificamente técnicas de que trata a proposta, a verdade é que o cidadão credor, muito legitimamente, mais do que estar interessado no reconhecimento do seu direito quer é

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ver satisfeito o seu crédito. Quer que lhe paguem! Não pretende coleccionar sentenças ou acumular títulos executivos de que possa ser portador. Deseja que as sentenças lavradas ou os títulos que possui sejam apenas instrumentos que lhe garantam o reconhecimento e o pagamento do que lhe é devido.
Por essa razão, objectivamente, muitas críticas a este propósito se vêm sentindo em matéria executiva ao longo dos últimos anos. Porque, a par de regras processuais necessariamente complexas, de processos executivos quase sempre morosos e da certeza quanto ao pagamento de custas, muitas vezes elevadas, exactamente pela parte de quem quer ver satisfeito o seu crédito, vem-se juntando também, quase sempre, a mais do que previsível impossibilidade da cobrança.
Por essa razão, a primeira avaliação positiva ou negativa que as alterações agora propostas possam vir a suscitar resultará directamente da maior ou menor eficácia com que os credores vejam, de futuro, satisfeitos os seus créditos pela via executiva.
De resto, a ineficácia da fase executiva, ao longo dos últimos anos (não é ao longo dos últimos 2, 3, 5 anos, é ao longo dos últimos 10 anos, seguramente), vem firmando uma outra consequência muito perversa: é que, percebendo-se da dificuldade da cobrança compulsiva, o sentimento de impunidade vem crescendo e cada vez mais devedores se vão tornando, por isso, premeditadamente relapsos. Em muitos casos, mais compensa contrair o crédito e não pagar do que pagar, até porque se sabe que na fase executiva, provavelmente, nenhuma reacção negativa daí resultará no plano judicial.
Um outro aspecto é de salientar. Decididamente, nesta matéria a lei só por si não opera milagres. Contudo, pode ajudar no caminho. E o Código de Processo Civil, como diploma importantíssimo, pensado que deve ser numa lógica de eficiência, mas igualmente de estabilidade e de segurança jurídicas, salvo alterações circunstanciais, foi-se mantendo mais ou menos inalterado, pelo menos na sua lógica e em grande parte do seu corpo normativo, nos tempos seguintes à versão originária do Decreto-Lei n.º 44129, de 28 de Dezembro de 1961.
Deixou-se que a solução legislativa se fosse condensando também na prática judiciária.
Infelizmente, nos últimos anos, seguramente desde 2000 em diante, as alterações foram-se sucedendo, os operadores judiciários não se puderam ir adaptando a coisa nenhuma e cá estamos nós, decorridos quatro anos de uma importante reforma, novamente a mexer no Código de Processo Civil nesta fase executiva. Só que a verdade é que a lógica do Código, nessa data, sofreu alterações pensadas, aí sim, numa base de ruptura.
Contudo, os resultados ao nível da acção executiva, por muito boa vontade de todos os Srs. Deputados que representam as várias bancadas, expressa de resto nas votações ao longo dos anos, demoram a aparecer.
E para já, a propósito da proposta de lei que aqui estamos a discutir, verifica-se pelo menos a primeira aparente descrença dos destinatários e representantes de muitos dos operadores judiciários, que não deverá animar os proponentes, que passo a recordar.
Para o Conselho Superior da Magistratura, o problema da acção executiva reside no agente de execução.
E criticando a proposta de diploma, referem: «Como se vão exigir, agora, 18 meses de formação aos agentes de execução quando se prevê, simultaneamente, que todas as alterações a diplomas legislativos entrem em vigor ao mesmo tempo, ou seja, em 180 dias? E com muita razão, pelo menos aparente, questionam: «Como se fará para garantir a existência de agentes de execução, quando todas as alterações entrarem em vigor? E até a formação estar concluída, o que é que se fará?» Perguntam se se recorre aos actuais solicitadores de execução ou se se espera o contributo do agente de justiça.
Já para o Conselho Superior do Ministério Público o processo de execução nunca funcionou tão mal como presentemente. A sugestão feita foi, seguramente, para o que não está em cima da mesa. Qual foi? Se bem me recordo, na audição onde estive presente, foi proposto um código das execuções autónomo, que contivesse as disposições sobre execuções cíveis, de família, laborais e fiscais.
Criticam ainda o facto de não estarem previstas na previsão do artigo 808.º, n.º 5, do Código as execuções promovidas pelo Ministério Público.
E, quanto à tramitação electrónica, lembram que os equipamentos e os sistemas informáticos nem sequer deverão estar preparados, pelo menos para já e no tempo previsível da preparação que o diploma prevê para a reforma em causa.

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Já para a Câmara dos Solicitadores, a proposta de lei é uma contra-reforma da reforma de 2003. Não contestam por razões corporativas o alargamento da prática de actos executivos aos advogados, que passarão a ser agentes de execução, mas chamam a atenção para um suposto decréscimo de acções executivas por causas externas (os tais incentivos, em termos de custas, à desistência de execuções) e, consequentemente, um acréscimo do número de solicitadores, face ao trabalho disponível. Aliás, é, obviamente, um argumento no mínimo questionável face à realidade que pragmaticamente se vai sentindo nos nossos tribunais, que aponta para uma interpretação diferente.
Já para o Conselho dos Oficiais de Justiça a eliminação da dependência funcional do agente de execução relativamente ao juiz de execução sujeita-o totalmente aos interesses do exequente, além de que se traduziria numa diminuição das garantias do executado.
E devo dizer, igualmente, que aqui apenas não adianto a opinião dos advogados, manifestada na que seria a opinião expressa pelo Sr. Bastonário da Ordem dos Advogados, porque tanto quanto sei, até à data, pelo menos que tivesse sido notificado, não compareceu na 1.ª Comissão para esse efeito. Certamente por falta de tempo, sempre legítimo. Terá estado ocupado com outros assuntos, porventura com outras declarações que considerou mais importantes. É pena, mas só por isso não adianto a posição expressa pela Ordem dos Advogados.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Sr. Deputado, faça o favor de terminar.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente, dizendo que, como se vê, como em relação a tantas outras coisas em matéria de justiça, é difícil contentar numa medida e numa reforma todos os operadores judiciários. E isso demonstra bem, também, a dificuldade da tarefa de quem tem a tutela da pasta.
Seja como for, no que nos toca,…

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Olhe que o seu professor foi mais sintético. Risos.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — É resultado da prática, Sr. Presidente.
Como dizia, no que nos toca, com pacto ou sem ele, o CDS cá estará a dar o seu contributo para uma reforma que não acreditamos que seja boa se for de poucos. Será melhor, certamente, se for de mais.
Como no passado, cá estaremos para dar o nosso contributo.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Sanfona.

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, e fazendo um pouco minhas as palavras do Sr. Deputado António Montalvão Machado, queria dizer que o meu registo de interesses resume-se não à extensão nem à qualidade do dele, naturalmente, mas ao facto de também eu ser advogada. Quero deixá-lo, desde já, claro.
Parece que, hoje em dia, não é propriamente um bom registo de interesses.
Além do mais, queria referir que, depois de ouvir os oradores que me antecederam, há uma conclusão que retiro desde já, e ainda sem ter proferido a minha intervenção: é que quanto a uma matéria estamos entendidos, tal como estivemos quando discutimos a reforma em 2003. Estamos entendidos quanto à necessidade de alguma coisa fazer, face ao diagnóstico que existe da realidade, quanto à acção executiva.
O Programa deste Governo aponta como objectivo primordial da sua actuação na área da justiça «(…) garantir a efectividade dos direitos e deveres e tornar o sistema de justiça um factor de desenvolvimento económico e social.» Para alcançar este desiderato é fundamental proceder a um aprofundamento da reforma deste sistema, reforma essa que exige ponderação, responsabilidade e eficácia.

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No sentido da concretização desta reforma, foram já, por este Governo, adoptadas relevantes e diversas medidas.
Permitam-me que destaque, de entre estas iniciativas, algumas que julgo revestirem a maior importância, começando por sublinhar o Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais, que esteve na base de significativas alterações, tais como a despenalização do crime de emissão de cheques sem provisão, elevando-se o valor de 62,35 €, fixado em 1997, para 150 €; a utilização do regime da injunção para dívidas até ao valor de 14 963,94 €; a redução do período de férias judiciais de Verão; a alteração do regime do pagamento dos prémios de seguro, passando a exigir-se o pagamento prévio tanto do prémio inicial como do subsequente; a conversão das transgressões e contravenções ainda existentes em contra-ordenações, entre muitas outras iniciativas no âmbito deste Plano, que visa, sobretudo, centrar a intervenção do juiz e do tribunal nos casos em que exista um verdadeiro litígio.
Além disso, no sentido ainda de garantir maior celeridade e eficácia no sistema de cobrança de dívidas, este Governo adoptou um conjunto de 17 medidas para desbloquear a acção executiva, com o intuito de operacionalizar a anterior reforma, que estava ainda, aliás, por concretizar.
De entre estas 17 medidas, destaco aquelas que permitiram, desde o início, imprimir um carácter mais célere à acção executiva, tais como a entrega electrónica do requerimento executivo feita exclusivamente através da aplicação informática; o protocolo celebrado entre o Ministério da Justiça, a Segurança Social e a Câmara dos Solicitadores, que permite a estes o acesso aos registos da Segurança Social; o acesso electrónico aos registos de automóveis; e, por último, a instalação de novos juízos de execução.
Todas estas medidas foram de absoluta necessidade, pois, como sabemos, e foi já aqui reconhecido, a reforma da acção executiva levada a cabo em 2003, apesar de bem-intencionada, revelou-se inoperante, pelo que desde 2005, quando este Governo assumiu funções, foi necessário proceder aos mais diversos ajustes no sentido de imprimir à anterior reforma a dinâmica e a eficácia que nunca conseguiu atingir.
Sr.as e Srs. Deputados, não é, de facto, a olhar para o passado que se constrói o futuro, pelo que, desde logo, este Governo percebeu que a melhor estratégia a adoptar para enfrentar e, finalmente, resolver a ineficácia no âmbito de processo executivo seria abordar o problema de raiz e não prosseguir com meras medidas de ajustamento.
É com este desígnio que o Governo apresenta hoje, nesta Câmara, a proposta de lei n.º 176/X, que autoriza o Governo a alterar o Código de Processo Civil, o Estatuto da Câmara dos Solicitadores e o Estatuto da Ordem dos Advogados, no que respeita à acção executiva.
Recorro novamente ao Programa do Governo, e cito: «Será também avaliada a implementação da reforma da acção executiva, identificando-se os estrangulamentos existentes e promovendo-se a sua remoção».
Consequentemente, e cumprindo o compromisso feito aos portugueses, o Governo avaliou a reforma de 2003, tendo concluído que não era viável nem positivo continuar a proceder a emendas, pelo que optou por uma reforma de fundo, inovadora, actual e que, esperamos, possa contribuir para a eficácia e celeridade deste processo.
Assim, no sentido de garantir a fundamental eficiência do sistema judiciário e salvaguardar os direitos fundamentais dos cidadãos e das empresas no acesso à justiça, o Governo apresenta esta proposta, que se propõe contribuir para tornar mais eficazes as acções executivas.
O prejuízo causado à economia com o atraso nos pagamentos origina problemas de liquidez e é uma barreira ao comércio, ao investimento e, portanto, ao crescimento da economia portuguesa. Para fazer face a este estado de coisas, precisamos de uma acção executiva célere e eficiente, que permita aumentar o cumprimento voluntário das obrigações, evitar custos desnecessários e atrair mais investimento.
É este o fio condutor do diploma hoje em apreço, que apresenta três objectivos primordiais: tornar as execuções judiciais mais simples, promover a sua celeridade e eficácia e evitar as acções judiciais desnecessárias.
A proposta em discussão apresenta, em primeiro lugar, soluções inovadoras para tornar as execuções judiciais mais simples e eliminar formalidades processuais. O objectivo é, como facilmente se compreende, reservar a intervenção do juiz para as situações em que exista, efectivamente, um conflito, libertando os tribunais e os juízes de trabalhos meramente burocráticos, por um lado, e alargando a esfera de intervenção do agente de execução, por outro lado.

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Concretizando algumas das medidas que são paradigma desta reforma, refiro a eliminação da necessidade de envio ao tribunal de relatórios sobre as causas de frustração da penhora e a possibilidade de enviar e receber o requerimento executivo por via electrónica, sem recurso ao papel.
Em segundo lugar, Sr.as Srs. Deputados, esta proposta apresenta igualmente medidas destinadas a promover a eficácia das execuções e do processo executivo.
Com a proposta que hoje analisamos, passa a permitir-se que o exequente possa destituir livremente o agente de execução, no entanto, com a compensação devida e necessária de um dever de informação acrescido do agente. E é também alargada a possibilidade de desempenho de funções de agente de execução a advogados, tendo em conta a necessidade de aumentar o seu número, sendo estes hoje claramente insuficientes.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Outra das medidas destinadas à promoção da eficácia das execuções é a possibilidade de recurso à arbitragem institucionalizada, prevendo-se centros de arbitragem que permitam descongestionar os tribunais judiciais e contribuir para a celeridade do processo executivo, sem nunca colocar em causa (ou deixando por prever) as garantias de defesa e a necessidade de acordo das partes para a utilização desta via arbitral.
Por último, e com o intuito de evitar acções judiciais desnecessárias cuja pendência prejudica a tramitação de outras efectivamente necessárias, é criada uma lista pública, disponibilizada na Internet, com dados sobre execuções judiciais sem viabilidade e frustradas, criando um elemento dissuasor do incumprimento.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A explicação das medidas que integram a proposta de lei hoje trazida à colação levaria tempo de que, obviamente, não disponho. Contudo, não posso deixar de sublinhar as virtudes que todas elas revestem, nomeadamente no sentido do combate àquele que é hoje um dos maiores factores de bloqueio à celeridade da justiça e dos maiores contributos para o congestionamento e, em muito casos, estrangulamento dos tribunais judiciais.
Em suma, estamos hoje perante uma proposta verdadeiramente capaz de atacar o cerne do problema da morosidade da justiça que tanto penaliza cidadãos, como sacrifica empresas e hipoteca o desenvolvimento do País. Façamo-la, pois!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Receio que a minha intervenção apenas concorde em dois pontos com as intervenções anteriores, sendo que o primeiro é a declaração de que, também eu, sou advogado, com a inscrição em vigor e as quotas e dia. O segundo ponto em que, certamente, concordamos tem a ver com o diagnóstico da situação em que se encontra actualmente a acção executiva.
É hoje praticamente unânime, em Portugal, a caracterização da acção executiva como uma fonte de problemas para a economia e um mau contributo para o funcionamento do sistema judicial. Os problemas não são novos, mas a situação que hoje vivemos resulta, essencialmente, da desadequação da reforma de 2003 à realidade e da sua péssima concretização.
O objectivo era o de simplificar e desjudicializar.
Com a introdução da inovadora figura do solicitador de execução, desempenhando funções públicas num quadro de desburocratização e simplificação processual, criou-se a ideia de que se daria à acção executiva a dinâmica e celeridade necessárias ao seu bom funcionamento.
Rapidamente essa ilusão se desfez! Os tribunais não só foram «entupidos» com novas acções como não conseguiram dar seguimento à pendência acumulada. A lei previa a utilização de meios que não foram postos à disposição do sistema judicial. Enquanto isso, os cidadãos e as empresas intentavam acções que não tinham andamento e suportavam o aumento de custos decorrente no novo sistema.

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Perante esta realidade, o Governo PS foi remendando aqui e ali a legislação, distribuiu os processos dos grandes centros pelos tribunais de todo o País e foi convidando os cidadãos a desistirem das acções intentadas, preocupado que estava em resolver o problema estatístico sem ter que reforçar os meios do sistema judicial.
É então que surge o pacto! PS e PSD, tantas vezes unidos de facto nas políticas praticadas, assumem que, na área da justiça, há casamento e de papel passado!

Risos do PCP.

O resultado do pacto na acção executiva é-nos agora apresentado na proposta de lei que discutimos. Para o PCP, as alterações ora propostas representam, afinal, o aprofundamento da reforma levada a cabo em 2003 naquilo que ela revelou ter de mais preocupante e negativo: o caminho de privatização da justiça.
As críticas que nos merecem as alterações em discussão centram-se em três aspectos essenciais.
Em primeiro lugar, parece-nos perigosa a solução de libertar o agente de execução da dependência funcional do juiz para o colocar na dependência do exequente, aprofundando a privatização de funções que se revestem, por vezes, de carácter essencialmente público. Quando se prevê a possibilidade de livre destituição do agente de execução, criam-se as condições para que este actue sujeito às orientações e interesses do exequente, mesmo quando se lhe atribuem funções que impõem imparcialidade e isenção.
Com que garantias dos direitos do executado decorrerão as penhoras de bens móveis no seu domicílio, estando o agente de execução sujeito à ameaça de destituição pelo exequente? Com que liberdade irá o agente de execução decidir o requerimento apresentado pelo executado para redução ou isenção de penhora de rendimentos? Sujeitar-se-á o agente de execução a decidir livremente quando pende sobre ele a ameaça de destituição pelo exequente? Um segundo aspecto que nos merece crítica diz respeito à introdução de mecanismos de resolução alternativa de litígios, os centros de arbitragem voluntária.
O texto da proposta de lei e as explicações dadas pelo Governo, em sede de audição na comissão parlamentar, não esclarecem o papel reservado à arbitragem neste âmbito. Aliás, a dificuldade dessa explicação é óbvia se tivermos em conta que, no âmbito do processo executivo, já existem direitos reconhecidos, já existe um título executivo e, na maior parte dos casos, existe já um mandatário que procura um acordo para dar execução ao título de que dispõe.
Fica assim a preocupação relativa aos contornos que virá a assumir a arbitragem, sobretudo se o seu afastamento por uma das partes tiver como consequência a responsabilização pelo pagamento de custas.
Um terceiro e último aspecto objecto de crítica é o da criação de listas de despojados de património. Esta medida é, aliás, uma boa caricatura deste Governo e deste PS que pactua com o PSD: corajosos a propor listas públicas de quem não tem bens para pagar dívidas, mas temerosos no levantamento do sigilo bancário para combater o enriquecimento ilícito e a corrupção.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É verdade!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Para terminar, duas preocupações quanto à constitucionalidade de normas propostas no Decreto autorizado.
A primeira, relativa à alteração proposta para o artigo 824.º do Código de Processo Civil, na medida em que atribuir ao agente de execução competência para decidir numa situação em que existe conflito de interesses pode pôr em causa o princípio de reserva de jurisdição por se atribuírem funções jurisdicionais a quem não é juiz.
A segunda, relativamente à norma do artigo 13.º do Decreto autorizado, que prevê a regulamentação por portaria de matéria compreendida na reserva relativa de competência da Assembleia da República, uma vez que se trata da organização de entidades não jurisdicionais de composição de conflitos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Por falta de tempo, não por falta de oportunidade, fica aqui por discutir a questão que determina a eficácia desta e de qualquer outra reforma processual, a questão dos meios ao dispor do sistema judicial.

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Perante esta impossibilidade, diremos apenas que nenhuma promessa de reforço de meios (sem concretização) poderá iludir o carácter profundamente negativo destas propostas que agravam o sentido de privatização do processo executivo.

Aplausos do PCP.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Jaime Gama.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Uma das maiores causas de pendência de acções judiciais são, de facto, as acções executivas — é um dado inegável, como consta da própria exposição de motivos da proposta de lei. E, como afirmou o Procurador-Geral da República nesta Assembleia, nunca o sistema funcionou tão mal como agora.
A reforma da acção executiva de 2003 teve poucos resultados positivos, para não dizer quase nenhuns, em grande parte devido à escassez dos meios e recursos disponíveis.
O Governo opta agora por reformar a reforma de 2003.
Ora, sem prejuízo de algumas alterações que se demonstram necessárias, podia o Governo ter optado por um reforço significativo dos meios disponíveis nos tribunais; podia ter avaliado os resultados, ou a sua ausência, e optado por responder aos problemas.
O Governo detecta dois problemas centrais: fraca celeridade e burocracia que entrava o desenvolvimento dos processos, levando a que a eficácia necessária seja comprometida. E, em nome destes princípios, opta por um caminho que se traduz na privatização do processo executivo, Face ao fracasso da reforma anterior, demite-se de agir e entrega o próprio processo executivo aos agentes de execução, restando para os juízes alguns incidentes processuais. Os agentes de execução passam a controlar a maior parte das diligências e operações processuais e estão previstas situações em que isso é completamente inadmissível, como a competência para decidir sempre sobre os requerimentos do executado, (repito, do executado!) relativos à isenção da penhora, por falta de meios.
São as situações previstas no artigo 824.° e que, do nosso ponto de vista, deviam sempre necessitar da intervenção de um juiz. Sem prejuízo da legitimidade do agente de execução, o que não deixa de ser verdade é que este está ao serviço do executante e tem interesse no próprio processo.
Em situações que intervêm directamente com questões sociais de famílias inteiras, é óbvio, ou deveria sêlo, que deve ser um juiz a intervir.
Mas há mais.
Falemos da lista pública de execuções. O Governo fundamenta a necessidade desta lista com os seguintes argumentos: conferir eficácia à penhora, impedir conflitos desnecessários e, como tal, processos que não têm solução.
Se o objectivo é este, porquê de acesso público, Sr. Ministro? Os agentes de execução passam, com as alterações agora previstas, a ter maior acesso às bases de dados. Baste que esta lista seja de acesso aos agentes de execução para que sejam atingidos os objectivos do Governo — não é preciso ser pública! Encontra-se, assim, uma solução, que responde às necessidades do sistema, mas não atinge os direitos e garantias dos cidadãos e cidadãs.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — O porquê de ser pública continua sem uma resposta convincente por parte do Governo Aliás, durante a audição na 1.ª Comissão, o Sr. Secretário de Estado afirmou que esta lista seria para devedores crónicos, mas isso não está explícito no decreto que é anexo ao pedido de autorização legislativa.
Em suma, a solução apresentada pelo Governo não vai ao fundo do problema e opta por privatizar a acção executiva. Não responde a um dos problemas fundamentais do nosso sistema de justiça — a escassez e a ausência de meios.

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E não é descabido perguntar se, com tanta tramitação electrónica que é prevista, existem os meios para tal em todos os tribunais. Não será muito difícil adivinhar a resposta! Depois da tentativa de funcionalização dos magistrados e dos vários diplomas incluídos no pacote da justiça, já aprovados, o Governo envereda agora, em relação a este caso concreto, pelo mesmo caminho que, antes, seguiu na saúde e no ensino — o caminho da privatização.
Porque não acompanhamos o Governo em mais uma demissão das suas funções essenciais, votaremos contra esta proposta de lei.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado da Justiça (João Tiago Silveira): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de referir aquele que é o principal objectivo desta proposta de lei, ou seja, criar condições para a nossa economia funcionar melhor.
Como, aliás, disse a Sr.ª Deputada Sónia Sanfona, o que está aqui em causa é fazer com que os prazos de pagamento sejam mais curtos, porque isso significa empresas e pessoas que precisam menos de recorrer ao crédito, que precisam menos de ter problemas de tesouraria e que têm mais disponibilidade para investir, para terem iniciativa e para criarem emprego. É isso que aqui está em causa e nada nos deve fazer afastar deste objectivo.
Fico contente de ter constatado que as várias bancadas estão, genericamente, de acordo com este objectivo.
Gostava de me referir especificamente a algumas questões que foram colocadas.
Aquilo que se disse aqui quanto aos poderes do agente de execução e à falta de poderes do juiz não é verdade, é mesmo falso. O que acontece hoje é que — e quem trabalha nestas áreas sabe — há uma tramitação burocrática em que o mandatário oficia o juiz, o juiz oficia o solicitador de execução, o solicitador de execução oficia novamente o juiz e o juiz oficia novamente o mandatário. É isto que está em causa. Isto é controlar alguma coisa? Não! Isto é dignificar o poder judicial? Não, não é! O que é preciso fazer é centrar a actividade do magistrado naquilo que ele deve, efectivamente, fazer, que é resolver os conflitos e os problemas que se coloquem de natureza jurisdicional na execução. É isto e só isto que está em causa. Aliás, é sempre garantido o direito de impugnação e de recurso para o juiz.
Foram, ainda, levantadas duas questões de pretensa inconstitucionalidade, para as quais, manifestamente, há solução.
Uma delas tem a ver com os poderes totalmente objectivados na lei da adesão ao agente de execução e, portanto, aí não existe qualquer questão de inconstitucionalidade.
A outra questão foi levantada pelo Sr. Deputado João Oliveira. Sr. Deputado, se se sente mais confortável com uma densificação das questões relativas ao que acha que deve dizer a portaria, vamos a isso, vamos colocar essas disposições no texto legislativo. Se se sente mais confortável com isso, iremos a jogo e resolveremos também esse problema.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Afinal, sempre havia algum problema!

O Sr. Secretário de Estado da Justiça: — Se é esse, verdadeiramente, o seu problema! Mas a verdade, verdadinha, é que desconfio que o seu problema não seja esse, que o seu problema seja mesmo não querer que as coisas andem.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Está enganado!

O Sr. Secretário de Estado da Justiça: — Para isso, não contem com as nossa disponibilidades.
Lamento, mas, para isso, não contará connosco.

O Sr. João Oliveira (PCP): — O problema é o seu conteúdo!

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O Sr. Secretário de Estado da Justiça: — Gostaria, ainda, de me referir às intervenções que foram feitas pelos Srs. Deputados Montalvão Machado e Nuno Melo para dizer que registo com apreço e agrado que estamos de acordo quanto ao essencial. E o essencial é criar condições para que a acção executiva funcione.
Portanto, registo com muito apreço — aliás, não poderia ser de outra forma — que o PSD, que celebrou o acordo político-parlamentar sobre esta matéria e deu o seu acordo a estas soluções, dê novamente o acordo a estas soluções.
O Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo também fez uma brilhante intervenção sobre as posições do Conselho Superior da Magistratura, do Conselho Superior do Ministério Público, da Ordem dos Advogados,…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Da Ordem dos Advogados não!

O Sr. Secretário de Estado da Justiça: — … da Câmara dos Solicitadores, só faltou dizer que concorda, mas, pelos vistos… Vamos ver! Eu assumo que, pela intervenção que fez e pelas preocupações que manifestou, realmente está connosco…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Já verá!

O Sr. Secretário de Estado da Justiça: — … nesta luta contra os atrasos nos pagamentos e com a criação de condições para que as pequenas e médias empresas em Portugal e o empresariado possam existir e possam fazer outra coisa muito importante, que é sempre esquecida pela bancada do PCP, que é criar emprego, porque é assim que se cria emprego.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Criar emprego!? Então, porque é que não criam emprego nos tribunais?!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Justiça: A acusação que aqui fez ao PCP é, manifestamente, infundada. E é, manifestamente, infundada, antes de mais porque aquilo que o Governo se propõe fazer com o decreto autorizado que nos trouxe aqui é esconder para uma portaria matéria, que nós entendemos que é do profundo interesse da Assembleia da República poder discutir, sobre como se vão organizar estas questões da arbitragem e da comissão fiscalizadora da arbitragem. Daí que tenhamos levantado este problema da inconstitucionalidade. Se confrontar a proposta de lei com a alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição — fica a nota — verificará, como, certamente, já terá verificado, que é, manifestamente, inconstitucional a proposta apresentada.
Mas, se o Governo reconhece esta questão e se propõe clarificá-la, ainda bem.
Agora, acusar o PCP de querer obstaculizar a celeridade processual da acção executiva é que não faz qualquer sentido, Sr. Secretário de Estado. Aliás, é digno de nota que só ao fim de três anos de exercício de funções é que este Governo traz à Assembleia da República uma proposta de lei com soluções que, afinal, reconhece que são tão óbvias. Mas, se eram tão óbvias, porque é que estiveram à espera estes três anos, Sr.
Secretário de Estado? Afinal não somos nós que obstaculizamos a celeridade processual da acção executiva!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, terminada a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 176/X, passamos à discussão, também na generalidade, da proposta de lei n.º 177/X — Autoriza o Governo a alterar o Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Protecção Civil, que faz a sua reaparição no Parlamento, agora na qualidade de membro do Governo, e a quem cumprimentamos.

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O Sr. Secretário de Estado da Protecção Civil (José Miguel Medeiros): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me que, nesta minha primeira intervenção nesta Assembleia na qualidade de membro do Governo, saúde, na pessoa de V. Ex.ª, Sr. Presidente, todas as Sr.as e Srs. Deputados em exercício de funções nesta Câmara, à qual também pertenço por eleição democrática, pese, embora, o facto de me encontrar com o mandato suspenso.
Permita-me ainda, Sr. Presidente, que lhe dê conta a si e à Câmara do profundo apreço e respeito que gostaria de expressar pelo trabalho e pelo esforço insubstituíveis que, quotidianamente, VV. Ex.as desenvolvem em representação do povo português.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Encontra-se hoje em debate nesta Assembleia a proposta de lei n.º 177/X, através da qual o Governo solicita à Assembleia da República a devida autorização para legislar no sentido de alterar o Código da Estrada, tendo em vista agilizar o procedimento contra-ordenacional das infracções rodoviárias, recorrendo, como a própria iniciativa legislativa explicita, às novas tecnologias disponíveis, de modo a possibilitar uma decisão administrativa mais rápida e eficiente após a prática e constatação de uma infracção, sem, no entanto, alterar as garantias de defesa do infractor, conseguindo-se, desta forma, uma melhoria na aplicação das sanções previstas na lei e, por essa via também, contribuir para melhorar a segurança rodoviária.
O presente pedido de autorização legislativa visa permitir ao Governo introduzir algumas alterações na lei actual, alterações, essas, que decorrem da avaliação e monitorização da sua aplicação e das ilações daí retiradas, as quais nos levaram a concluir pela necessidade de proceder a alguns ajustamentos indispensáveis à sua boa aplicação e em ordem a adaptar o Código da Estrada à nova organização do Estado motivada pelo PRACE, o que, no caso vertente, se traduziu na criação da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR).
Assim, as alterações propostas traduzem-se, essencialmente, na desmaterialização de processos, na agilização de procedimentos administrativos, na clarificação do processo de cassação do título de condução e, ainda, no alargamento do prazo para prestar depósito de caução, dando, aliás, acolhimento a uma recomendação do Sr. Provedor de Justiça.
No que respeita à desmaterialização processual, a presente proposta de lei, a ser aprovada, passa a permitir a audição por videoconferência dos arguidos, das testemunhas, dos peritos e dos consultores técnicos, bem como efectuar o registo da prova em suporte digital sem necessidade de redução a escrito.
A este conjunto de inovações, resultantes do recurso às modernas tecnologias de informação e da comunicação, acresce, ainda, a introdução da assinatura electrónica qualificada dos dirigentes, dispensandose, assim, para todos os efeitos legais, a assinatura pelo próprio punho no processo em suporte de papel, com as vantagens daí decorrentes no que respeita à velocidade de tramitação e à segurança dos procedimentos.

A Sr.ª Isabel Jorge (PS): — Muito bem!

O Sr. Secretário de Estado da Protecção Civil: — Esta iniciativa legislativa permitirá, igualmente, que o Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária possa delegar a sua competência decisória relativa aos processos de contra-ordenação nos dirigentes e técnicos superiores desta Autoridade, garantindo o aumento da capacidade de resposta e da própria celeridade processual.
Outra medida para a qual se solicita autorização desta Assembleia é a possibilidade de o infractor, quando e caso não pretenda efectuar o pagamento voluntário e imediato da coima, poder prestar depósito, no acto da verificação da contra-ordenação — o que já podia acontecer — ou no prazo de 48 horas, no valor igual ao mínimo da coima prevista para a contra-ordenação praticada.
Como se sabe, o depósito destina-se a garantir o cumprimento da coima em que o infractor possa vir a ser condenado, sendo, no entanto, devolvido, naturalmente, se não houver lugar a condenação.
Trata-se de uma alteração no sentido de o depósito poder ser prestado no prazo de 48 horas após a verificação da infracção, o que se justifica na medida em que a prática demonstrou que, com alguma frequência, o infractor, no momento da prática da infracção, não se encontra munido de qualquer meio de pagamento que lhe permita proceder ao depósito no valor referido, ficando, assim, impossibilitado de exercer o seu legítimo direito à defesa.

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Ao abrir esta possibilidade dá-se também acolhimento à recomendação formulada, neste mesmo sentido, pelo Sr. Provedor de Justiça, melhorando, assim, as garantias de defesa dos infractores.
Por fim, a presente proposta de lei pretende também clarificar e tornar mais eficaz o regime vigente no que respeita à efectivação do processo de cassação do título de condução por parte do Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, que tem competência exclusiva nesta matéria sem poder de delegação, cassação essa que deve ocorrer após a prática de três contra-ordenações muito graves ou de cinco contraordenações, entre graves e muito graves, num período de cinco anos.
Assim, e sem prejuízo da possibilidade de impugnação judicial da decisão do Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, nos termos do regime geral das contra-ordenações, o regime agora proposto passa a relevar o período em que se verifica a prática das contra-ordenações, e não o período em que transitam em julgado as decisões condenatórias, para efeitos do processo de cassação do título de condução.
Esta clarificação justifica-se, por um lado, pelo facto de ser necessário ajustar a lei em vigor à nova organização da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, que, ao contrário da situação que vigorava ao tempo da extinta Direcção-Geral de Viação, prevê a decisão centralizada de todos os processos contraordenacionais, e, por outro lado, pela significativa redução das possibilidades de êxito de expedientes dilatórios no que respeita à inviabilização da cassação e, consequentemente, da aplicação de sanções efectivas em tempo útil.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As alterações ora propostas, e para cuja concretização se solicita a competente autorização legislativa desta Assembleia, mais não visam do que aumentar a capacidade decisória, agilizar e adequar as normas do Código da Estrada respeitantes ao regime de processamento das contra-ordenações de modo a torná-lo mais rápido, mais eficaz e, assim, poder contribuir para uma melhor prevenção e segurança rodoviárias, objectivo no qual o Governo — estou certo — será acompanhado por todas as Sr.as Deputadas e por todos os Srs. Deputados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Inscreveram-se dois Srs. Deputados para pedir esclarecimentos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, sendo esta a primeira vez que nesta qualidade se encontra nesta Assembleia, gostaria de o saudar e também de desejar-lhe as maiores felicidades no cumprimento de um dever e de um combate que é, certamente, de todos.
Permita-me, por isso mesmo, dizer que felicidades e sorte é aquilo que V. Ex.ª, em meu entender, bem vai precisar, dado o estado em que vai encontrar a política, ou a falta dela, de segurança rodoviária do Governo do Partido Socialista, que não é, obviamente, imputável a V. Ex.ª.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Bem lembrado!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Secretário de Estado, vem V. Ex.ª aqui apresentar um conjunto de alterações ao Código da Estrada, tendo falado em clarificação, desmaterialização, desburocratização. Não falou em Simplex, mas a linguagem é a mesma e é a habitual neste Governo do Partido Socialista.
Falou em videoconferência, em inquirição de testemunhas, de prova em suporte informático. Aí estamos todos necessariamente de acordo, mas, como alguém dizia da minha bancada há poucos minutos, no outro debate, há uma grande diferença entre o bom Partido Socialista, que é aquele que sabe promover e propagandear medidas, e o mau Partido Socialista, que é aquele que tenta executar as medidas. E, portanto, cá estaremos para ver se há meios ao nível distrital e ao nível nacional para estas boas intenções de testemunhas por videoconferência, de suportes informáticos de provas, com as quais, na generalidade, concordamos.
Mas, Sr. Secretário de Estado, ao contrário daquilo que resulta não só da «Exposição de motivos» da proposta de lei mas também do discurso de V. Ex.ª, a principal alteração, eu diria mesmo a alteração

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essencial, e que tentou que passasse despercebida, tem a ver com regime da cassação da licença de condução, nomeadamente com o artigo 148.º Onde era necessário, até aqui, a prática, durante os últimos cinco anos, de acordo com o registo individual do condutor, de três contra-ordenações muito graves e de cinco graves ou muito graves, a partir desse momento passaria a poder ser cassada a carta, agora já não há esse limite, agora é com três contraordenações muito graves e cinco graves e muito graves.
Ou seja, temos um sistema que, parecendo que nada muda, muda radicalmente. Isto porque, até aqui — e era essa a mensagem que os condutores tinham —, a partir de três contra-ordenações muito graves ou cinco graves e muito graves, se fizessem outra poderiam ser objecto da cassação da carta. De acordo com a proposta que hoje nos apresenta, ainda para mais com a entrada em vigor com aplicação imediata e aplicando-se a processos pendentes, vai haver condutores que já atingiram os limites das três ou das cinco, mas que, legitimamente, estão convencidos de que nada lhes vai acontecer, porque é aquilo que está na lei e de repente, de um dia para o outro, com a entrada em vigor desta lei, automaticamente vai ser-lhes cassada essa carta.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Secretário de Estado, do ponto de vista da gestão de expectativas dos cidadãos, legal e constitucionalmente, esta proposta é, no mínimo, duvidosa, para não dizer mesmo inconstitucional.
Portanto, a nosso ver, tem mesmo de ser alterada.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Vou concluir Sr. Presidente.
O Sr. Secretário de Estado falou na centralização do tratamento das contra-ordenações, como se isso resultasse em grande benefício. Foi precisamente por força dessa centralização e perante uma extinção da DGV apressada e uma criação errada da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que, durante meses e meses, não só não foram cassadas cartas como prescreveram milhares e milhares de multas.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — E isso é o sinal contrário àquilo que V. Ex.ª veio aqui dizer.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, coloco-lhe três questões muito concretas.
A primeira é sobre esta «modernidade tecnológica» de que o Governo fala: a videoconferência, a assinatura electrónica, etc. Actualmente, quem se dirige a uma delegação distrital da ex-DGV, logo às 10 horas e 30 minutos, fica a saber que já não é atendido, porque há uma lista de espera que já dá para o dia todo! Pergunto: com que meios, com que recursos financeiros, pretende concretizar esta propaganda? Qual a rubrica orçamental concreta, nomeadamente em termos de orçamento de investimento? E como é que confronta estas intenções com a realidade concreta dos serviços, que «rebentam pelas costuras» e se debatem com uma clamorosa falta de meios? Segunda questão, relativamente à cassação do título de condução. O Governo até parece querer disfarçar, mas a verdade é que esta situação já hoje está prevista no Código da Estrada e o que o Governo propõe é a alteração dos seus pressupostos.

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Até agora, um condutor que tenha praticado, nos últimos cinco anos, três contra-ordenações muito graves (ou cinco, entre graves ou muito graves), sabe que na próxima contra-ordenação que praticar é aplicável a cassação da carta, isto é, fica sem carta e tem de esperar dois anos para ter uma nova.
O que esta proposta do Governo diz é que as mesmas contra-ordenações que eu referi e que já foram feitas «têm como efeito necessário a cassação do título de condução do infractor». O condutor fica sem carta, não na próxima, mas já nesta ocasião. Entretanto, o Governo quer que esta alteração tenha carácter retroactivo, isto é, que seja aplicável de imediato a processos pendentes, porque é isto que significa a aplicabilidade a processos pendentes que resultam de um histórico de contra-ordenações — é o que está escrito «preto no branco».
A pergunta é a seguinte: quais as razões — que o Governo não adiantou até agora, convenhamos — para esta alteração de regras, principalmente para esta aplicação retroactiva de uma norma sancionatória desfavorável? Terceira questão, e ainda sobre a «simplificação dos processos». O Governo propõe que a cassação tenha efeitos, não com a apreensão do documento, mas com a simples notificação do condutor, que é enviada por correio — é o Simplex, dirá o Sr. Secretário de Estado… Ou seja, o condutor, na verdade, pode nem chegar a saber que lhe foi cassada a carta, continua a conduzir com os documentos no bolso e arrisca-se a cometer o crime de condução sem habilitação legal! A pergunta é muito simples: o Governo tem a plena consciência do que está a propor?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Protecção Civil.

O Sr. Secretário de Estado da Protecção Civil: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Magalhães, agradeço as felicitações que me dirigiu e creia que não estou assustado com a tarefa que herdei.

O Sr. António Filipe (PCP): — Os cidadãos é que podem estar!

O Sr. Secretário de Estado da Protecção Civil: — Sr. Deputado, gostaria de dizer-lhe o seguinte: em primeiro lugar, quanto à cassação, ela já estava prevista;…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Eu sei!

O Sr. Secretário de Estado da Protecção Civil: — … o que acontece é que a DGV não conseguia cassar cartas e o senhor, que foi Secretário de Estado, sabe porquê… É porque existiam 18 delegações da DGV, processos a correrem com velocidades administrativas completamente diferentes em todo o País, sem comunicação interna minimamente adequada, o que impediu que o Director-Geral da Direcção-Geral de Viação pudesse, a qualquer momento, saber exactamente qual era a situação de cada um dos condutores cujo processo, se estivesse devidamente instruído em todas as delegações regionais, podia já estar em fase de notificação para cassação e não estava, porque muitas vezes isso não se sabia.
A prova é que, pelos dados de que disponho — e foram levantados estatisticamente os mais recentes —, se verificaram neste período sete cassações, cinco judiciais e duas administrativas…! Portanto, a ideia é precisamente evitar isso.
Quanto à descentralização — e esta resposta é também para o Sr. Deputado Bruno Dias —, esta vai permitir que, por um lado, todos os processos sejam analisados com a mesma velocidade administrativa, até porque está prevista a delegação nos próprios funcionários, sendo que ninguém contestou, até ao momento, esta forma que, de certa maneira, já existia nas delegações regionais e distritais, e, por outro lado, a possibilidade de o Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária poder, em determinada altura, abrir um processo autónomo e averiguar se aquele infractor já preencheu todos os requisitos necessários para que lhe possa ser cassada a carta e dar a orientação para que isso seja feito notificando-o. Porém, o infractor tem sempre no recurso a possibilidade de impugnação judicial. Portanto, não vejo onde é que as garantias são diminuídas.

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Sr. Deputado Bruno Dias, não há alteração do regime sancionatório…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não?!...

O Sr. Secretário de Estado da Protecção Civil: — Não, não há, porque as defesas são exactamente as mesmas. O que vai haver é agilização e, portanto, quem praticou infracções vai ser, efectivamente, punido, o que não aconteceu até agora. Essa é que é a questão.

Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias.

Leia a lei! Não há qualquer alteração do regime sancionatório.

Aplausos do PS.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Está escrito, Sr. Secretário de Estado! Isso é mentira!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Santos Pereira.

O Sr. Fernando Santos Pereira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr. Secretário de Estado da Protecção Civil, para V. Ex.ª, Sr. Secretário de Estado, uma saudação especial para o desempenho das suas novas funções. Já vimos que não está assustado nem com medo e, portanto, siga em frente no desempenho das funções governativas que tem.
Para o Partido Social Democrata, Sr. Presidente e Srs. Deputados, todas as alterações que se façam ao Código da Estrada devem ter um objecto essencial: aumentar a segurança rodoviária.
Circular nas estradas com mais comodidade e mais segurança é cada vez mais uma preocupação não só em Portugal mas em todo o mundo. Essa preocupação aumenta quando verificamos que, no mundo, morrem anualmente nas estradas mais de 1 milhão de pessoas. Essa preocupação aumenta quando verificamos que, em Portugal, os resultados do último ano (2007) não são nada satisfatórios.
Por isso, todas as decisões que possam contribuir para a redução da sinistralidade rodoviária merecem a atenção de todos.
Circular com mais segurança é um objectivo mobilizador de toda a sociedade portuguesa.
Para se alcançar esse objectivo, é necessária uma actuação eficaz e concertada a várias níveis: ao nível da educação e sensibilização contínua de todos nós; ao nível da criação de um ambiente rodoviário seguro; ao nível da consagração de um quadro legal eficaz.
É precisamente na eficácia desse quadro legal que deve apreciar-se a proposta de lei n.º 177/X.
E, aqui, começamos por dizer que a situação a que se chegou em Portugal, no que respeita à aplicação das sanções rodoviárias, é lastimosa.
Quase três anos decorridos sobre a entrada em vigor do actual Código da Estrada, verificamos que o Governo não teve a acutilância necessária para o melhorar e, pior do que isso, para o fazer cumprir na sua plenitude. É que por vezes não são necessárias mais leis. Por vezes, o que é necessário é fazer cumprir as que existem, dando condições àqueles que têm de velar pelo seu respeito.
E, no que respeita ao Código da Estrada, o maior incentivo ao seu incumprimento tem sido, precisamente, o aumento de tempo do binómio fiscalização/punição.
Dito em linguagem mais simples: uma situação praticada logo no início da entrada em vigor do Código da Estrada (Maio de 2005), se não foi «paga na hora» e demorou um ano ou ano e meio, quando foi paga (se é que foi) perde o seu objectivo fundamental, que é o de condicionar o automobilista para fazer uma condução mais segura.
Esse é o objectivo primeiro das contra-ordenações rodoviárias: potenciar uma condução melhor e não arrecadar receita.
Ao longo deste tempo, aconteceu o desleixo, o distanciamento. Só por o Governo não «andar no terreno» e não dar a importância devida aos processos de contra-ordenação é que se chegou ao estado actual.

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As consequências do desleixo foram agravadas pela extinção da Direcção-Geral de Viação, que implicou a desactivação dos serviços desconcentrados regionais e distritais. Isto é, como noutras áreas de governação, também aqui o Governo fez mudanças sem prevenir a nova realidade.
A centralização na nova Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária pode ter virtudes, mas foi executada com ligeireza, desarticulação e irresponsabilidade. A confusão é tal que vieram ao de cima as deficiências do sistema. Se quisermos saber quantos processos de contra-ordenação estão pendentes; se quisermos saber quantos prescreveram ou podem prescrever; se quisermos saber quantas cassações de cartas aconteceram, não há respostas sólidas e imediatas.
O exemplo da cassação é, aliás, o mais paradigmático. O Sr. Ministro da Administração Interna garantiu, hoje, que as regras para a apreensão das cartas de condução são muito claras. Nós respondemos: são tão claras que a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, ainda esta manhã, não fazia a mínima ideia do número de condutores punidos com a cassação de carta. São tão claras que a actual proposta de lei vem precisamente introduzir alterações no processo de cassação.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Fernando Santos Pereira (PSD): — Esta reacção do Governo espelha a distância entre o país real e o país virtual — o país dos anúncios deste Governo.
Espera, por isso, o Partido Socialista Democrata que esta proposta de lei não seja mais um anúncio, não seja mais uma medida dos gabinetes e com desarticulação total com a realidade.
O rácio deste diploma, conforme disse o Sr. Secretário de Estado, é a agilização e simplificação associadas ao recurso às novas tecnologias.
Lendo com atenção o artigo 3.º da lei de autorização, a conclusão é simples: decreta-se o «fim do papel» no processo de contra-ordenações rodoviárias. Tudo, agora, correrá em suporte digital.
Concordamos com a introdução das novas tecnologias, mas será que a realidade do circuito contraordenacional rodoviário permitirá que isso se faça no terreno? Vejamos um exemplo, Sr. Secretário de Estado. Precisamente onde começa o processo: no levantamento do auto. Um auto levantado pela Brigada Territorial. O Sr. Secretário de Estado sabe quantos postos da GNR têm ligação à Internet? Não sabe?! Mais de metade da GNR não tem ligação à Internet. Então, como será a informatização do auto? Como se dará início a milhares de processos com estas alterações do Código, sem o fornecimento dos meios à entidades policiais? Sr. Secretário de Estado, mais de metade da GNR não tem acesso à Internet. É um escândalo do ponto de vista operacional! E, no que respeita às mudanças a introduzir no Código da Estrada, revela que o Governo continua a viver no «mundo dos gabinetes» e não no mundo real.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, passados quase três anos sobre a entrada em vigor do actual Código da Estrada, o Governo não soube adequar os organismos que tutela de modo a aumentar a eficácia no cumprimento das regras de trânsito.
Esta proposta de lei traz ao de cima o desleixo governativo e também a necessidade que o País tem de, mais do que anúncios policromados, dar maior atenção ao sector da segurança rodoviária.
Por isso, cuide o Governo de sair dos gabinetes e ir ao terreno ver a realidade. Só assim é que as políticas têm sucesso. E sucesso nas políticas de segurança rodoviária é o que todos os Deputados desta Câmara desejam.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Lamento, Sr. Secretário de Estado da Protecção Civil, mas, para que fique claro, vou ter de ler a actual legislação e aquilo que nos propõe,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É melhor!

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O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — … porque esta questão é claríssima.
Sr. Secretário de Estado, diz o n.º 1 do artigo 148.º do decreto-lei actualmente em vigor, vulgo Código da Estrada: «É aplicável a cassação do título de condução quando o infractor praticar contra-ordenação grave ou muito grave tendo,…» — sublinho, «tendo» — «…no período de cinco anos imediatamente anterior, sido condenado pela prática de três contra-ordenações muito graves ou cinco contra-ordenações entre graves e muito graves». É o que está hoje em vigor, ou seja, três mais uma e cinco mais uma.
Aquilo que o Sr. Secretário de Estado nos propõe no artigo 2.º da proposta de lei, que altera o n.º 1 do artigo 148.º do Código da Estrada é o seguinte: «A prática de três contra-ordenações muito graves ou de cinco contra-ordenações entre graves ou muito graves num período de cinco anos tem como efeito necessário a cassação do título de condução do infractor». Ou seja, três mais zero, cinco mais zero. Quem já tenha três ou cinco contra-ordenações, até porque a aplicação é imediata, no dia anterior à entrada em vigor desta lei, se for aprovada desta forma, vê pura e simplesmente a sua carta apreendida, sujeitando-se à cassação da carta pelas forças de segurança sem sequer ter conhecimento desse facto. Mais: estando na expectativa de ainda poder cometer mais uma contra-ordenação, de acordo com a lei que ele julgava conhecer.
Sr. Secretário de Estado, isso vai contra princípios tão basilares como o da segurança jurídica. Para mais, V. Ex.ª recorre ao regime de contra-ordenações como regime supletivo e quer aplicar retroactivamente um procedimento que aplica um regime supletivo de contra-ordenações! Sr. Secretário de Estado, não lhe ficava mal se dissesse «este diploma não é meu». Eu compreendo-o.
Não é seu. Mas está mal. O senhor podia demonstrar alguma disponibilidade para o alterar, porque, caso o faça, dado que se trata de um desígnio nacional, estamos disponíveis para o viabilizar. No entanto, não podemos viabilizar algo que é inconstitucional, ilegal e, até, imoral, porque vai apreender cartas a pessoas que nem sequer sabem que isso lhes poderá acontecer. Acha isto normal, Sr. Secretário de Estado?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Protecção Civil: Já não é a primeira vez que o Parlamento debate propostas e opções do Governo que são apresentadas com uma propaganda de modernidade, de simplificação, de maior eficácia e depois se conclui que estamos perante medidas que acabam por ter resultados perversos e perigosos e que se enquadram em políticas erradas e injustas.
Veja-se o que está a acontecer com a extinção, por parte deste Governo, da Direcção-Geral de Viação (DGV), os resultados que estão a verificar-se nos serviços, as consequências para os cidadãos e mesmo para as empresas.
A Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, que em matéria de contra-ordenações sucede à ex-DGV, nem tem ainda previsto um quadro de pessoal e o seu funcionamento será garantido pelo pessoal do quadro da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna. A ANSR está a recorrer aos governos civis e a empresas privadas para tratarem de processos de contra-ordenação. Se o Sr. Secretário de Estado vai desmentir, demonstre que isto é falso. É ou não verdade que, em Lisboa, estão em vias de prescrever mais 20 00 processos em função da política desastrosa relativamente a esta matéria? É este o resultado do PRACE (Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado) com que este Governo está a desmantelar a Administração Pública do nosso país. Também nesta matéria é a mesma «receita»: extingue-se a DGV, uma estrutura que funcionava mal, e criam-se duas estruturas, que não funcionam! Enquanto o Governo fala em videoconferência nos processos de contra-ordenações, ao mesmo tempo, coloca no quadro de mobilidade especial trabalhadores da ex-DGV afectos a contra-ordenações. Entretanto, solicita a colocação de desempregados ao abrigo dos programas ocupacionais, invocando o número diminuto de funcionários! Vai desmentir o que acabei de referir, Sr. Secretário de Estado? Este é o caso concreto que está a acontecer nos serviços em Castelo Branco.

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Já abordámos neste debate a questão da falta de meios de toda essa propaganda das novas tecnologias e o Sr. Secretário de Estado nada respondeu.
Abordámos, ainda, a questão do regime de cassação da carta de condução e o Sr. Secretário de Estado, pela resposta que nos deu, demonstrou que não leu a proposta que aqui veio apresentar.
Sr. Secretário de Estado, estamos a falar de factos concretos e da alteração de pressupostos, quanto mais não fosse do número de contra-ordenações necessárias para que entre em vigor e produza efeitos uma cassação da carta de que é notificado apenas o condutor, não sendo, sequer, o documento apreendido. É disso que estamos a falar, Sr. Secretário de Estado.
Além de mais, estamos perante uma medida que tem aplicação em processos pendentes, isto é, aplica-se a acontecimentos já verificados, ou que alegadamente já se terão verificado, em relação aos quais o condutor pode ter um regime sancionatório desfavorável relativamente a factos já ocorridos. Sr. Secretário de Estado, em Portugal, a isto chama-se aplicação retroactiva de regimes sancionatórios.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Isto é inaceitável! Sr. Secretário de Estado, releia — caso já tenha lido — a proposta que trouxe e compare-a com o artigo 148.º do Código da Estrada em vigor. Releia o que trouxe e releia o que está em vigor.
Finalmente, Sr. Secretário de Estado e Srs. Deputados, parece-nos que esta referência é incontornável.
Este debate tem uma grelha C, de 39 minutos para se debater o que está aqui em causa. Estamos perante uma autorização legislativa que, se for aprovada pelo PS, remete todo este problema para o recato dos gabinetes do Ministério e da Secretaria de Estado.
Assim, o que a PCP propõe, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que este debate seja realizado, por 15 dias apenas, na comissão parlamentar para ser apreciado, para que haja tempo para se discutir estas matérias que são da maior gravidade, e que sejam ouvidas entidades com intervenção concreta nesta área para que a Assembleia saiba o que está a ser aqui discutido, já que, aparente e muito tristemente, o Sr. Secretário de Estado não sabe assim tanto!

Aplausos do PCP.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Esta alteração ao Código da Estrada, uma alteração circunscrita apenas a alguns aspectos, fica um pouco aquém daquilo que o Governo tinha vindo a anunciar relativamente ao que pretendia fazer no que diz respeito à revisão do Código da Estrada.
De facto, o Código da Estrada é talvez dos diplomas que mais alterações tem vindo a sofrer ao longo dos tempos, ao sabor de correntes políticas rodoviárias, umas mais coerentes e consistentes que outras.
Desta vez, as alterações são quase cirúrgicas. Introduzem-se mecanismos que visam simplificar os processos, alterando-se ainda as regras que levam à cassação da carta de condução.
Em relação às novas medidas para a tramitação processual, nada temos de especial a observar, parecendo-nos, no geral, adequadas. Entre estas medidas, encontramos, por exemplo, a possibilidade de recolher depoimentos por videoconferência, bem como a dispensa de se reduzir estas audições a escrito em caso de recurso. Estas medidas, caso funcionem, vão contribuir para uma redução do tempo que o processo leva até estar terminado. No entanto, estas medidas não são automáticas apenas por estarem previstas na lei.
O que nos resta é esperar que as entidades sejam dotadas de meios que permitam aplicar, na prática, o que agora se propõe.
Quer queiramos quer não, vamos sempre bater no ponto dos meios disponíveis a todas as entidades para o efectivo cumprimento das leis, aliás, como aqui já foi sobejamente dito.

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Todos nós sabemos de exemplos de medidas que, em teoria, são boas mas que, depois, na prática, esbarram com a falta de recursos, quer materiais quer humanos, que permitam a sua aplicação. E é precisamente isto que é necessário acautelar, embora, em diversas matérias ou mesmo em matérias demais, o Governo nos tenha habituado a não acautelar estas situações.
Depois, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, temos a questão da alteração das infracções que levam à cassação da carta de condução. De facto, o que se faz aqui é agravar essas situações. Ficou demonstrado que existe a necessidade de clarificação desta proposta de lei no que diz respeito a esta matéria e, igualmente, no que diz respeito à aplicação retroactiva dos regimes sancionatórios.
Ficou demonstrado que é preciso clarificar, repito, e gostaríamos que o Sr. Secretário de Estado pudesse fazê-lo agora ou que, pelo menos, pudesse demonstrar que, por parte do Governo e da bancada do Partido Socialista, existe abertura para, em sede de especialidade, este assunto ser devidamente tratado.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Os membros do Governo não estão a ouvir nada!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Pelos vistos, não estão a ouvir o que estamos a dizer, mas temos de continuar.

Pausa.

Posso fazer um resumo: é preciso perceber qual a disponibilidade do Governo e da bancada do Partido Socialista para aprofundar e esclarecer toda a matéria relativa à cassação da carta de condução e à aplicação retroactiva do regime sancionatório. Existe ou não essa disponibilidade para aprofundarmos esta questão? É importante a resposta porque daí também depende a orientação de voto dos grupos parlamentares.
Mas, para além destas questões, de modo nenhum queríamos deixar de introduzir outras que nos parecem importantes.
Assim, parece-nos que se deve apostar cada vez mais em campanhas de prevenção de forma alargada, de modo a promover a segurança rodoviária. Só através da sensibilização dos condutores se pode conseguir essa mesma segurança rodoviária.
Repressão, por um lado, é certo, e sensibilização, por outro. Isso passa por medidas diversas e concretas, nas quais também gostaríamos de ver iniciativa por parte do Governo, tais como acções de sensibilização dirigidas a adultos e a crianças e alguma regulação na publicidade a veículos automóveis, questão que sabemos ser importante, nomeadamente quanto ao incentivo à alta velocidade. No entanto, também tem de passar pela escola pública e pela qualidade do ensino da condução.

O Sr. Presidente: — Pode concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Vou concluir, Sr. Presidente.
Pensamos que só com todas estas medidas integradas, incluindo os aspectos que aqui foram debatidos hoje e, ainda, o factor «repressão», é que conseguiremos ter políticas dissuasoras de comportamentos que, infelizmente, levam às mortes nas estradas.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Jorge.

A Sr.ª Isabel Jorge (PS): — Sr. Presidente, queria pedir autorização para saudar o Sr. Secretário de Estado da Protecção Civil e desejar-lhe a melhor sorte nas suas novas funções.
Ex.
mo Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Jornal de Notícias do dia 27 de Novembro de 2007: «Colisão entre dois veículos faz um morto e três feridos». Família em estado de choque, tanto mais que o pai da vítima morrera nas estradas, há 22 anos, de acidente semelhante.
«Operação Carnaval» do corrente ano: PSP deteve 342 pessoas, quase metade por condução com excesso de álcool.

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Brigada de Trânsito da GNR, no mesmo período de seis dias da operação: fiscalizou 3177 condutores, elaborou 1003 autos de contra-ordenação, correspondendo 484 a infracções graves e 149 a infracções muito graves, sobretudo excesso de velocidade.
Terça-feira de Carnaval: 150 acidentes, de que resultaram 1 morto e 53 feridos.
Estes são apenas alguns exemplos recentes do grave problema da sinistralidade.
Os acidentes de viação não são exclusivos do nosso país. Segundo a Organização Mundial de Saúde, matam 1,2 milhões de pessoas em todo o mundo e causam ferimentos que podem levar a graves sequelas físicas e psicológicas, para além de acarretarem um custo social e económico significativo, correspondente de 1 a 2 pontos percentuais do PIB.
A sinistralidade já é um problema de saúde pública que tem de ser combatido com a ajuda e o empenho de todos. Passa pela educação cívica, pela formação, pela fiscalização activa e eficiente, por mais e melhores meios humanos e técnicos, mas também terá de passar, obrigatoriamente, por sancionar as infracções e as ilegalidades. A impunidade não pode sair vencedora.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Jorge (PS): — A presente proposta de lei n.º 177/X visa autorizar o Governo a alterar o Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio, revisto e republicado pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro.
Volvidos dois anos de experiência, há aspectos que carecem de ser melhorados e que por isso devem ser saudados, sobretudo no que diz respeito à aplicação das sanções em tempo útil, pelo que houve necessidade de, através da aplicação das novas tecnologias, simplificar apenas procedimentos — são simplificações de formas procedimentais —,…

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Jorge (PS): — … sem nunca perder de vista a salvaguarda dos direitos de defesa dos hipotéticos infractores.

O Sr. Nelson Baltazar (PS): — Bem lembrado!

A Sr.ª Isabel Jorge (PS): — Destacaremos das medidas propostas: previsão de todos os actos processuais serem praticados em suporte informático; inquirição dos intervenientes por videoconferência; delegação de competências, com poderes de subdelegação, no Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária; possibilidade de o infractor prestar depósito, no acto de verificação da contraordenação, ou no prazo de 48 horas; cassação do título de condução, após condenação definitiva pela prática de três condenações muito graves ou cinco graves e muito graves, num período de cinco anos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A não actuação em tempo útil dos diversos intervenientes nos procedimentos contra-ordenacionais só favorece quem prevarica e deixa desprotegidos os cidadãos conscientes e responsáveis que, com elevado sentido cívico, se limitam apenas a cumprir a lei.
A sinistralidade em Portugal tem vindo a diminuir, mas sempre que abrirmos o jornal e for noticiada uma morte de um pai, de um filho, de um irmão ou de um amigo de alguém é sempre uma morte a mais na lista das estatísticas.
O Governo, com as medidas propostas, pretende eliminar o grave flagelo da sinistralidade e contribuir para que os infractores sejam punidos de uma forma mais célere e mais eficiente. No dia em que abrirmos o jornal e não houver uma única lista de acidentes, todos — Governo, associações, cidadãos — estaremos a cumprir e a assumir o nosso papel de cidadania completa.
Para nós, um morto na estrada será sempre um morto a mais, e é por isso que nos continuaremos a bater, sem tréguas nem complacências para com os infractores.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Protecção Civil.

O Sr. Secretário de Estado da Protecção Civil: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, tendo em conta o tempo de que disponho, não poderei detalhar e individualizar muito as respostas, mas gostaria de sintetizar o que poderemos extrair deste debate e do que está em causa.
Em primeiro lugar, vemos, lamentavelmente, que os partidos da oposição estão preocupados em recuperar o que correu mal e não em tentar contribuir para que as coisas corram melhor, porque, se estivessem a querer contribuir para que as coisas corressem melhor, reconheciam que o passado é bastante negro.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Esperamos que não corram ainda pior!

O Sr. Secretário de Estado da Protecção Civil: — Sete cassações judiciais e duas extrajudiciais representam total ineficácia, como é evidente.

Aplausos do PS.

Se os senhores acham que, em Portugal, só nove pessoas é que cometeram cinco infracções graves ou muito graves ou três muito graves no período de cinco anos, por amor de Deus, isso deve ser na terra da Alice no país das maravilhas, não é, certamente, no nosso país!…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Isso é uma crítica ao Governo?!

O Sr. Secretário de Estado da Protecção Civil: — Por outro lado, estamos a agilizar, estamos a tentar permitir que quem tem de cumprir a missão o possa fazer. E mais: não diminuímos quaisquer garantias, aumentámo-las. Os senhores não conseguem demonstrar-me, apesar de alguns serem juristas e eu não, pois isso não consta do artigo 148.º do Código da Estrada, que à quinta contra-ordenação grave ou muito grave ou à terceira grave não é imediatamente emitido…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — É só ler!

O Sr. Secretário de Estado da Protecção Civil: — Vai desculpar-me, mas não está em lado nenhum do Código!

Protestos do CDS-PP.

Os senhores estão preocupados é em beneficiar o infractor, não em sancioná-lo!

Aplausos do PS.

Nós estamos preocupados em sancionar o infractor e em defender quem circula sem cometer infracções.
Esta é a grande realidade! Quanto aos meios, não se esqueçam que foram celebrados 18 protocolos com os governos civis, que estão a fazer atendimento como front office da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária para receberem os papéis, os documentos e para fazerem a inquirição das testemunhas, e todos esses procedimentos vão ser feitos com base em processos desmaterializados que vão permitir que todos os processos cheguem à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária e possam ser tratados devidamente e em tempo útil para que possamos responder. A pior coisa que pode haver é continuarmos a assistir à impunidade, nas estradas portuguesas, dos que prevaricam e a ver vítimas dos prevaricadores. Parece que os senhores estão mais preocupados com o infractor do que com os que são vítimas deles.
É esta a conclusão que tenho de extrair deste debate.

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Aplausos do PS.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Para uma interpelação à Mesa, poupando um pedido de defesa da honra.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, apesar de o Sr. Secretário de Estado ter começado mal e de me ter acusado de querer beneficiar o infractor, devo dizer que não quero beneficiar o infractor.
Mas, por me orgulhar em viver num Estado de direito democrático,…

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Secretário de Estado da Protecção Civil: — Não se orgulha mais do que eu!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — … gostaria que fosse distribuído, através do Sr. Presidente, ao Sr.
Secretário de Estado o actual artigo 148.º do Código da Estrada e aquele que nos propõe.
Lamento, Sr. Secretário de Estado, mas não se trata de uma questão de direito mas de leitura, de Português.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, faça, então, favor de fazer chegar à Mesa o que pretende para que o mesmo seja distribuído.

O Sr. Fernando Santos Pereira (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Presidente: — Não, Sr. Deputado, isso só seria possível na altura em que o Sr. Secretário de Estado acabou de falar.

O Sr. Fernando Santos Pereira (PSD): — Sr. Presidente, peço, então, a palavra para uma intervenção.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Santos Pereira (PSD): — Sr. Presidente. Sr. Secretário de Estado, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, o Sr. Secretário de Estado não respondeu às questões essenciais deste debate.
Três anos após a entrada em vigor do Código da Estrada, o Sr. Secretário de Estado colocou-se fora da responsabilidade governativa de tudo o que tem acontecido em Portugal, como se o Governo nada tivesse a ver com os efeitos negativos do sistema contra-ordenacional praticado ao nível da administração central.
Por outras palavras, foi aqui dito — e o Sr. Secretário de Estado reforçou — que era do interesse dos partidos da oposição que a impunidade saísse vencedora. Sr. Secretário de Estado, isso não é do interesse dos partidos da oposição nem é de ninguém, pois a impunidade não pode sair vencedora.
Gostaríamos de ouvir o Sr. Secretário de Estado sobre duas matérias em relação às quais nada disse.
Sobre a questão da cassação das cartas, o Sr. Secretário de Estado sabe, até porque foi governador civil, que as contra-ordenações muito graves eram, e são, remetidas para os governos civis,…

O Sr. Secretário de Estado da Protecção Civil: — Está enganado! Tem de fazer o trabalho de casa!

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O Sr. Fernando Santos Pereira (PSD): — … que não têm, depois, competência para aplicar o regime sancionatório, que é a cassação da carta. Sobre isso, o Sr. Secretário nada disse e era importante que esclarecesse.
Disse, hoje, o Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, na televisão, não saber, e com muita razão… O Sr. Secretário de Estado devia ter preparado e pedido, porque se sabia que houve meia dúzia de cassações de cartas em três anos, o que é insignificante, perante tanta prevaricação que aconteceu, como aqui foi dito pela Deputada Isabel Jorge.
A segunda questão, muito importante, à qual o Sr. Secretário de Estado não respondeu prende-se com o facto de metade da Guarda Nacional Republicana em Portugal não ter acesso à Internet…

Vozes do PS: — Não tem, mas vai ter!

O Sr. Fernando Santos Pereira (PSD): — Não é «mas vai ter». O Governo, antes de aplicar a nova legislação, deve facultar os meios às forças de segurança para actuar. Fazem-se alterações legislativas na área da saúde, na área das contra-ordenações, na área do trânsito e todas elas devem ser previamente preparadas. E, repito, o caso do não acesso por parte de mais de metade da Guarda Nacional Republicana à Internet, por não a terem instalada nos seus postos, é um escândalo e vai dificultar, quer o Sr. Secretário de Estado queira quer não, esta lei.
O Sr. Secretário de Estado tem tempo para responder, pelo que gostaríamos que o fizesse em relação a esta questão concreta.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Protecção Civil.

O Sr. Secretário de Estado da Protecção Civil: — Sr. Presidente, há questões que, por mais que as debatamos, quando as pessoas não as querem entender, não vale a pena.

Protestos do PCP e do BE.

Srs. Deputados, ouvi-os com toda a atenção e com todo o gosto (nem sempre com prazer, como é evidente), pelo que, agora, gostaria que me ouvissem.
Quanto à questão das garantias, que, aliás, é uma questão completamente falsa, para que ela fique definitivamente esclarecida, gostaria de dizer o seguinte: então, o alargamento do prazo para o depósito da caução não é um aumento e um reforço de garantias?! Então, a organização de um processo autónomo não é um aumento de garantias? Depois de se verificar que o prevaricador cometeu um conjunto de infracções que configura aquilo que parece ser motivo de cassação, a abertura de um processo autónomo, para verificar se assim é, não é um aumento de garantias? Por amor de Deus!… Obviamente, do que estamos a falar é de alterações processuais, porque se verificou que os processos anteriores não funcionavam — ponto final! E só os burros é que não mudam!

Aplausos do PS.

Protestos do Deputado do PSD Fernando Santos Pereira.

Quando as coisas não funcionam, nós temos a humildade de reconhecê-lo. Por isso, mudámos a DGV e centralizámos os processos.
E por ter sido governador civil, sei que, já desde Maio, nada temos a ver com as contra-ordenações muito graves — não entra nem uma! Fiquem VV. Ex.as a saber que todas as contra-ordenações muito graves foram transportadas, em Junho, de Leiria para Lisboa, em carrinhas e estão a ser trabalhadas e recuperadas.

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Agora, como os senhores sabem, há uma herança da DGV que não podemos permitir que contamine uma nova instituição nascente que precisa de conseguir trabalhar sem começar logo mal. Por isso, estamos a tentar que o processo que vem da DGV seja tratado e resolvido, sem com isso perturbar o que chega de novo.
É a mesma metodologia que se aplica aos «buracos» financeiros: travar o que está para trás, pagar tudo o que se compra e, à medida que se vão libertando recursos, ir «tapando» o que está para trás. É isso que estamos a tentar fazer.
Mais, o quadro da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, contrariamente ao que o Sr. Deputado Bruno Dias disse, está definido: são 116 pessoas, Sr. Deputado.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Onde é que está o quadro?!

O Sr. Secretário de Estado da Protecção Civil: — O senhor quer que o Governo cometa ilegalidades e que não siga a legislação que ele próprio aprova sobre mobilidade nas carreiras da Administração Pública? Quer que o Governo faça isso? Acha bem? Acha que o Governo, não respeitando as regras da lei da mobilidade, deve ir buscar as pessoas, sem utilizar os mecanismos que foram criados? O Governo tem de seguir esse processo! Por isso, é um pouco mais moroso. Há aqui um processo de transição que, naturalmente, tem as suas dificuldades.
Agora, por mais longo que fosse este debate, ainda que ele durasse 3000 minutos — e, felizmente, este debate só tem a duração de 30 minutos! —, os senhores certamente não quereriam ver o óbvio!

Protestos do PSD, do PCP e do BE.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Só os burros é que não mudam!…

O Sr. Secretário de Estado da Protecção Civil: — Mas vou terminar, dizendo o seguinte: sabem o que tem acontecido, nos últimos dois ou três anos, desde que este Governo está em funções? Baixou claramente a sinistralidade rodoviária…

Protestos do CDS-PP.

Baixou, sim, Srs. Deputados! Estamos a cumprir todas as metas. No mês de Janeiro de 2008, e por comparação com o período homólogo, registaram-se: menos 30 mortos, menos 19 feridos graves e menos 345 feridos ligeiros. Acha pouco?

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Acho!

O Sr. Secretário de Estado da Protecção Civil: — Meus caros amigos, são factos! É evidente que ninguém fica satisfeito por haver um morto que seja.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Pensei que ficava!…

O Sr. Secretário de Estado da Protecção Civil: — Não! Mas fico satisfeito por haver diminuição do número de sinistrados.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Protecção Civil: — Com certeza, Sr. Presidente.
Concluo, dizendo que fica claro neste debate que, de um lado, estão aqueles que querem aplicar o progresso e a modernidade à solução dos problemas e, do outro, estão aqueles que são contra o progresso e a modernidade, porque preferem o «quanto pior, melhor». Essa é a conclusão a que temos de chegar.

Aplausos do PS.

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71 | I Série - Número: 048 | 15 de Fevereiro de 2008

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, terminada a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 177/X, estão também concluídos os trabalhos de hoje.
A próxima sessão plenária realiza-se, às 10 horas, tendo como ordem do dia a apreciação do Decreto-Lei n.º 298/2007, de 22 de Agosto, que estabelece o regime jurídico da organização e do funcionamento das unidades de saúde familiar (USF) e o regime de incentivos a atribuir a todos os elementos que as constituem, bem como a remuneração a atribuir aos elementos que integrem as USF de modelo B [apreciação parlamentar n.º 56/X (PCP)]; o debate do inquérito parlamentar n.º 5/X — Comissão eventual de inquérito parlamentar à actuação da supervisão do sistema bancário e financeiro (CDS-PP); e a apreciação do Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, que define os apoios especializados a prestar na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário dos sectores público, particular e cooperativo [apreciações parlamentares n.os 62/X (PSD), 63/X (CDS-PP) e 64/X (PCP)]. Haverá, ainda, votações às 12 horas.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Joana Fernanda Ferreira Lima
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos

Partido Social Democrata (PSD):
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José Mendes Bota
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Pedro Augusto Cunha Pinto
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Vasco Manuel Henriques Cunha
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Comunista Português (PCP):
José Batista Mestre Soeiro

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Joaquim Barbosa Ferreira Couto

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72 | I Série - Número: 048 | 15 de Fevereiro de 2008

Partido Social Democrata (PSD):
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
António José Ceia da Silva
António Ribeiro Gameiro

Partido Social Democrata (PSD):
Jorge Fernando Magalhães da Costa
José António Freire Antunes
José de Almeida Cesário
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Melchior Ribeiro Pereira Moreira

Partido Popular (CDS-PP):
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho

Bloco de Esquerda (BE):
José Borges de Araújo de Moura Soeiro

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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