13 | I Série - Número: 081 | 16 de Maio de 2009
Daí devemos ter os melhores cuidados, sobretudo jurídicos, com a desresponsabilização dos pais biológicos e com situações que não assegurem a plenitude dos direitos devidos às crianças denominadas de afilhadas.
Aliás, se cotejarmos as normas que, na proposta de lei n.º 253/X (4.ª), se referem, por exemplo, às obrigações de prestação de alimentos, facilmente concluímos que não há uma plena igualdade entre os filhos biológicos ou adoptados do designado padrinho e as crianças que neste diploma se designam por afilhadas.
Por outro lado, deve o próprio sistema de garantias previsto neste diploma ser ainda muito bem ponderado, já que não pode o legislador correr o risco de diminuir ou pôr em causa os direitos dos menores, ao invés de os aumentar.
Um bom exemplo do que acaba de se afirmar é o que concerne ao regime de habilitação de padrinhos, a que se refere o artigo 12.° Com efeito, este preceito limita-se a prever que a pessoa que pretenda apadrinhar a criança ou jovem possua idoneidade e autonomia de vida que lhe permitam assumir as responsabilidades próprias do vínculo de apadrinhamento civil.
Pergunta-se: mas o que é isso da idoneidade? Que conceito vago e indeterminado é este? Como se aplica o conceito de idoneidade aos casos concretos? Dirão alguns que os tribunais assegurarão o preenchimento da previsão normativa em questão. Pode até ser que, em legislação dispersa, o referido conceito se possa encontrar densificado, mas a verdade é que não pode o presente diploma deixar de referir, expressamente — nem sequer o pode fazer por mera remissão legal —, as situações cuja ocorrência deve inabilitar uma pessoa para apadrinhar a criança ou o jovem.
Além das situações de alcoolismo e de toxicodependência, também não oferece dúvida que um indivíduo que haja sido condenado pela prática de determinados crimes contra as pessoas, sejam estes homicídio, ofensas corporais graves, pedofilia, atentado contra a liberdade sexual de terceiros ou, ainda, violência doméstica, não pode, não tem idoneidade para apadrinhar uma criança nos termos propostos. O mesmo se diga se cometeu crimes económicos graves ou de abuso de confiança, entre muitos outros.
Em suma, e ao contrário da célebre trilogia de Coppola, aqui o padrinho deve ser uma pessoa impoluta, sem cadastro e acima de toda a suspeita.
Outro exemplo dos riscos que envolvem esta proposta respeita ao próprio relacionamento triangular entre o afilhado, os seus pais biológicos e o próprio padrinho.
Com efeito, em questões como a regulação das responsabilidades parentais, por exemplo ao nível do acompanhamento escolar do menor, poderão surgir dificuldades que prejudiquem o bom desenvolvimento das crianças que nos cumpre proteger.
Ainda um terceiro exemplo: é possível, é admissível que uma criança de 12 anos possa ter a iniciativa de solicitar o seu próprio apadrinhamento civil, como inequivocamente decorre do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 10.º da proposta de lei em discussão? Que efeitos pode ter esse poder de iniciativa nas relações familiares existentes entre essa criança e a sua própria família biológica? Dirá o Governo que o processo correrá num tribunal e que o menor beneficiará da representação de um patrono. Mas a questão não é essa. A questão é a de saber, a de conhecer quais os fundamentos verdadeiros, quais as razões profundas e, por vezes, inconfessáveis, ou, pelo contrário, espúrias, que em cada caso concreto podem levar um menor a querer separar-se desta forma da sua própria célula familiar. Trata-se aqui de proteger o jovem? Trata-se de reforçar a família? Ou trata-se, pelo contrário, de desistir da família enquanto espaço natural do desenvolvimento social do indivíduo?
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!
O Sr. Feliciano Barreiras Duarte (PSD): — Eu sei, e o PSD sabe, que estas questões não têm resposta fácil, mas não podem nem devem deixar de merecer a nossa mais ponderada reflexão. E estes são aspectos práticos, e por isso também os mais importantes, que o legislador não pode ignorar. Pelo contrário, deve ponderar maduramente.
Para essa ponderação podem ser muito úteis os pareceres emitidos pelo Conselho Superior do Ministério Público, pelo Conselho Superior da Magistratura, pela Ordem dos Advogados e pelo Observatório Permanente da Adopção, além da própria nota técnica elaborada pelos competentes serviços da Assembleia da República.