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Sexta-feira, 30 de novembro de 2012 I Série — Número 25
XII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2012-2013)
REUNIÃOPLENÁRIADE29DENOVEMBRODE 2012
Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria da Assunção Andrade Esteves
Secretários: Ex.mos
Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Rosa Maria da Silva Bastos de Horta Albernaz Abel Lima Baptista
S U M Á R I O
A Sr.ª Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas
e 6 minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa dos projetos de
resolução n.os
509 a 512/XII (2.ª) e da caducidade do processo relativo à reapreciação do Decreto-Lei n.º 199/2012, de 24 de agosto, no âmbito das apreciações parlamentares n.
os 33/XII (2.ª) (PCP) e 34/XII (2.ª) (PS).
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro (CDS-PP), a propósito do Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres, que se comemorou no dia 25 de novembro, salientou a obrigação e a responsabilidade coletiva de manter na agenda política o combate à violência contra as mulheres, de conjugar esforços para encontrar soluções e de disponibilizar mecanismos de apoio às vítimas de violência. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Pedro Delgado Alves (PS), Carla Rodrigues (PSD), Cecília Honório (BE) e Rita Rato (PCP).
Em declaração política, o Sr. Deputado António Filipe (PCP) criticou o último acordo feito entre o Governo e o consórcio alemão que vendeu dois submarinos à Marinha para a prestação de novas contrapartidas e exigiu a presença do Ministro da Economia no Parlamento. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Basílio Horta (PS), Carina Oliveira (PSD), Luís Fazenda (BE) e Hélder Amaral (CDS-PP).
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Ana Drago (BE), a propósito de uma entrevista do Primeiro-Ministro a um canal de televisão, acusou o Primeiro-Ministro de estar desligado da realidade e de ter um discurso contra o Estado social, tendo, depois, respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Miguel Tiago (PCP), Francisca Almeida (PSD) e Rui Jorge Santos (PS).
Em declaração política, o Sr. Deputado Mendes Bota (PSD) assinalou a comemoração, no dia 25 de novembro, do Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres e sublinhou a importância de esta luta ser transversal a todos os dias do ano e envolver o empenhamento de todos, homens e mulheres. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento das Sr.
as Deputadas
Isabel Alves Moreira (PS), Maria Paula Cardoso (PSD) e Teresa Caeiro (CDS-PP).
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia alertou a Câmara para a anunciada extinção da Reserva Ecológica Nacional (REN) e criticou o Governo por procurar pôr fim a um regime de valorização do território, após o que respondeu a pedidos de esclarecimentos dos Srs. Deputados Paulo Sá (PCP), António Leitão Amaro (PSD) e Pedro Farmhouse (PS).
Em declaração política, o Sr. Deputado João Soares (PS) contestou o Orçamento do Estado aprovado pelos partidos da maioria e acusou o Primeiro-Ministro de querer
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desmantelar o Estado social, tendo defendido medidas menos penalizadoras para os portugueses. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Carlos Costa Neves (PSD), Ana Drago (BE) e João Pinho de Almeida (CDS-PP).
A proposta de lei n.º 99/XII (2.ª) — Procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 280/93, de 13 de agosto, que estabelece o regime do trabalho portuário, foi discutida e aprovada na generalidade, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Economia e do Emprego (Álvaro Santos Pereira) e do Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (Sérgio Monteiro), os Srs. Deputados Bruno Dias (PCP), Rui Paulo Figueiredo (PS), Luís Menezes (PSD), Artur Rêgo (CDS-PP), Mariana Aiveca (BE), Adriano Rafael Moreira (PSD), João Paulo Pedrosa (PS), Hélder Amaral (CDS-PP) e Ana Paula Vitorino (PS).
Foi também discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 101/XII (2.ª) — Aprova o regime de garantia de qualidade e segurança dos órgãos de origem humana destinados a transplantação no corpo humano, de forma a assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana, transpondo a Diretiva 2010/53/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de julho de 2010, relativa a normas de qualidade e segurança dos órgãos humanos destinados a transplantação, que foi aprovada, conjuntamente com o projeto de resolução n.º 510/XII (2.ª) — Recomenda ao Governo a realização de uma auditoria urgente sobre a redução do número de órgãos recolhidos e de transplantes efetuados bem como a implementação de um plano de ação que permita inverter esta situação (BE), que foi rejeitado. Intervieram, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde (Fernando Leal da Costa), os Srs. Deputados João Semedo (BE), Graça Mota (PSD), Bernardino Soares (PCP), Teresa Caeiro (CDS-PP) e Manuel Pizarro (PS).
Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n.º 110/XII (2.ª), do projeto de resolução n.º 513/XII (2.ª) e do projeto de lei n.º 320/XII (2.ª).
A Câmara aprovou, por aclamação, o voto n.º 84/XII (2.ª) — De congratulação pelo Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres (PSD, PS, CDS-PP, PCP, BE e Os Verdes).
Foi rejeitado o projeto de resolução n.º 483/XII (2.ª) — Recomenda ao Governo medidas para a proteção da Lagoa dos Salgados (Albufeira e Silves) (BE).
Em votação final global, mereceu aprovação o texto final, apresentado pela Comissão de Economia e Obras Públicas, relativo à proposta de lei n.º 83/XII (1.ª) — Aprova os regimes jurídicos de acesso e exercício da profissão de motorista de táxi e de certificação das respetivas entidades formadoras.
Também em votação final global, foi aprovado o texto final, apresentado pela Comissão de Economia e Obras Públicas, relativo à proposta de lei n.º 94/XII (1.ª) — Simplifica o acesso à atividade transitária e ao transporte em táxi, através da eliminação dos requisitos de idoneidade e de capacidade técnica ou profissional dos responsáveis das empresas, e ao transporte coletivo de crianças, através da eliminação dos requisitos de capacidade técnica ou profissional dos responsáveis das empresas, alterando o Decreto-Lei n.º 251/98, de 11 de agosto, o Decreto-Lei n.º 255/99, de 7 julho, e a Lei n.º 13/2006, de 17 de abril, conformando-o com a disciplina da Lei n.º 9/2009, de 4 de março, e do Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de julho, que transpuseram para a ordem jurídica interna as Diretivas n.
os
2005/36/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de setembro de 2005, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais, e 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno.
Foi ainda aprovado um parecer da Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação, autorizando um Deputado do CDS-PP a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito de um processo que corre em tribunal.
A Sr.ª Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 29 minutos.
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A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, Srs. Jornalistas, está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 6 minutos.
Os Srs. Agentes da autoridade podem abrir as galerias, por favor.
Antes de iniciarmos a ordem do dia, vou dar a palavra ao Sr. Secretário para proceder à leitura do
expediente.
Tem a palavra, Sr. Secretário.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr.ª Presidente e Sr.as
e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e
foram admitidos, os projetos de resolução n.os
509/XII (2.ª) — Recomenda ao Governo que assegure o
financiamento para concretização do Projeto Global de Estabilização das Encostas de Santarém (PSD), que
baixa à 6.ª Comissão, 510/XII (2.ª) — Recomenda ao Governo a realização de uma auditoria urgente sobre a
redução do número de órgãos recolhidos e de transplantes efetuados, bem como a implementação de um
plano de ação que permita inverter esta situação (BE), que baixa à 9.ª Comissão, 511/XII (2.ª) — Recomenda
ao Governo que sujeite o projeto turístico previsto para a Praia Grande, na lagoa dos Salgados, ao exercício
de Avaliação de Impacte Ambiental (CDS-PP), que baixa à 11.ª Comissão, e 512/XII (2.ª) — Recomenda ao
Governo a concretização urgente do Projeto Global de Estabilização das Encostas de Santarém (PS), que
baixa à 6.ª Comissão.
Queria ainda anunciar a caducidade das apreciações parlamentares n.os
33/XII (2.ª), apresentada pelo
PCP, e 34/XII (2.ª), apresentada pelo PS, solicitando a apreciação pela Assembleia da República do Decreto-
Lei n.º 199/2012, de 24 de agosto, que altera o Decreto-Lei n.º 61/2011, de 6 de maio, que estabelece o
regime de acesso e de exercício da atividade das agências de viagens e turismo e adapta este regime com o
Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de julho, que transpõe a Diretiva 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 12 de dezembro, relativa aos serviços no mercado interno.
Em termos de expediente é tudo, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, vamos entrar no primeiro ponto da nossa ordem do dia, que consiste
em declarações políticas, sendo que estão inscritos os Srs. Deputados Teresa Caeiro, do CDS-PP, António
Filipe, do PCP, Ana Drago, do BE, Heloísa Apolónia, de Os Verdes, Mendes Bota, do PSD, e João Soares, do
PS.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: O momento difícil que Portugal
atravessa convoca-nos diariamente para discussões sobre a própria sobrevivência do País e leva-nos,
enquanto sociedade e enquanto partidos, para discordâncias acesas e nem sempre construtivas sobre a forma
de sairmos de uma crise financeira e económica que fustiga a população no seu todo e nos priva da soberania
a que temos direito enquanto Estado-nação.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Mas, no meio da disputa ideológica, das contestações dentro e fora
deste Hemiciclo e das rivalidades partidárias, temos a obrigação de não esquecer valores, princípios e causas
que nos unem e temos a obrigação de persistir na resolução de problemas que vão além da conjuntura. E,
Sr.as
e Srs. Deputados, se existe um ponto que ultrapassa todas as barreiras ideológicas é a luta pela
eliminação de todas as formas de violência contra as mulheres,…
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — … luta esta assinalada, desde 1999, na sequência de uma resolução
da Assembleia Geral das Nações Unidas, no dia 25 de novembro.
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Por isso, Sr.as
e Srs. Deputados, temos a obrigação solidária e a responsabilidade coletiva de manter na
agenda política o combate sem tréguas à violência contra as mulheres, de conjugar esforços para encontrar
soluções e de disponibilizar mecanismos de apoio às vítimas da violência.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — É certo que se percorreu um longo caminho legislativo e executivo
desde a lei de 1991, um inequívoco progresso na altura, mas com uma fraca aplicação prática.
A tipificação como crime, a qualificação como crime público, o alargamento da rede de casas-abrigo e dos
mecanismos de apoio, o estatuto da vítima e o alargamento da aplicação de medidas de segurança e de
coação aos agressores são conquistas inquestionáveis nesta batalha que parece não ter fim.
A aprovação, em maio de 2011, da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à
Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, conhecida como a Convenção de Istambul, demonstra
que a mobilização se mantém a nível internacional e que este flagelo tem tentáculos bem mais tensos do que
a violência entre pessoas que partilham afetos e um teto. Estão também em causa a exploração sexual, a
violação, os casamentos forçados, a mutilação genital feminina e o tráfico de mulheres.
Portugal, nas palavras da Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade, esteve na
linha da frente dos países subscritores desta Convenção, que já resultou numa resolução aprovada em
Conselho de Ministros que, muito brevemente, dará entrada neste Parlamento para discussão.
É preciso termos consciência de que a violência baseada no género contra as mulheres, a violência que é
infligida a uma mulher pelo facto de ser mulher e que afeta as mulheres de uma forma desproporcionada,
constitui uma violação do direito fundamental à vida, à liberdade, à segurança, à dignidade e à igualdade.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
As mulheres e as raparigas são as principais vítimas da violência baseada no género — nunca podemos
esquecê-lo. As mulheres vítimas da violência baseada no género são delas testemunhas e precisam, muitas
vezes, de apoio e de proteção especializados.
Este ano, a campanha promovida pelo Governo, e muitíssimo inspirada pela Sr.ª Secretária de Estado dos
Assuntos Parlamentares e da Igualdade, demonstra uma das ramificações da violência sobre as mulheres: é
que essa violência não afeta só as mulheres, afeta também os filhos, e é essa a tónica da campanha deste
ano, apresentada na sexta-feira passada.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Não pretendo, com esta intervenção, esvaziar um voto apresentado por
todas as bancadas deste Hemiciclo e que será discutido brevemente, voto que pretende enaltecer o Dia
Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres.
Lembro Ban Ki-moon que, na sua mensagem do 25 de novembro deste ano, alertava para os milhões de
mulheres e crianças em todo o mundo que são atacadas, espancadas, violadas, mutiladas e mesmo
assassinadas, naquilo que constituem violações graves dos seus direitos humanos.
Entre nós, como já disse, percorremos um longo caminho, um longo e frutuoso caminho, mas não podemos
abrandar esta luta. Como já referi, a campanha nacional de sensibilização contra a violência doméstica tem
este ano um especial enfoque nos filhos cujas mães são vítimas de violência. Este flagelo acontece
diariamente no escuro, no silêncio e dentro das casas, longe do olhar e do escrutínio da população.
Utilizando também as palavras dos membros do Governo, nomeadamente do Sr. Ministro Adjunto e dos
Assuntos Parlamentares, o Governo tem uma agenda firme no combate às desigualdades de género e à
violência doméstica. Nesse sentido, convém realçar algumas medidas já assumidas por este Executivo, desde
logo o protocolo celebrado entre o Governo e a Associação Nacional de Municípios Portugueses no sentido de
uma maior e mais estreita cooperação entre estas entidades no apoio ao processo de autonomização das
vítimas de violência doméstica após a sua saída das casas-abrigo.
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Por outro lado, relembrou o Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares a carta de compromisso,
assinada no dia 31 de julho, subscrita por 10 núcleos de atendimento às vítimas de violência doméstica com
vista a envolver todos os parceiros nesta luta que nos une.
Recordo, ainda, o protocolo de cooperação entre a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género
(CIG), a Direção-Geral da Saúde e a Comissão Nacional de Proteção das Crianças e Jovens em Risco, que
tem por objeto a definição da colaboração a estabelecer entre estas entidades em sede de prevenção da
violência familiar e dos maus tratos a crianças e jovens.
Pela primeira vez, a luta pela eliminação de todas as formas de violência contra as mulheres não será
assinalada num só dia mas, sim, numas verdadeiras jornadas, que terão uma expressão já na próxima
segunda-feira aqui, no Parlamento. Convoco, desde já, todas as Sr.as
e todos os Srs. Deputados e todos os
elementos que aqui trabalham para estarem presentes nessa conferência, sob a égide da 1.ª Comissão e da
Subcomissão de Igualdade, para se debater esta problemática e a Convenção de Istambul.
Sr.as
e Srs. Deputados, a minha última palavra é esta: não pode haver cidadãos de primeira e cidadãos de
segunda; não pode haver esta discriminação clara, esta «guerra civil» que ocorre entre pessoas de género
diferente. As mulheres e as crianças têm direito a viver sem medo.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Pedro Delgado Alves,
do PS, Carla Rodrigues, do PSD, Cecília Honório, do BE, e Rita Rato, do PCP.
Entretanto, a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro informou a Mesa que pretende responder a conjuntos de dois
pedidos de esclarecimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves.
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, começo por agradecer
a sua intervenção de hoje, porque, de facto, foca um aspeto que é pertinente e que, penso, é consensual
quanto aos objetivos que reúnem as várias bancadas e mesmo todos os intervenientes que têm oportunidade
de se pronunciar sobre esta matéria.
Eu diria que este não é tanto o momento de «inventar a roda» e de descobrirmos quais os instrumentos
adequados, porque eles estão, de certa maneira, identificados e no terreno. Aliás, desde há uns anos a esta
parte, Portugal tem sido capaz de se colocar na linha da frente dos países que abraçaram o combate à
violência de género e que foram capazes de identificar o problema — quer no plano nacional de igualdade,
quer no plano contra a violência doméstica, quer no plano contra o tráfico de seres humanos —, através das
revisões da legislação penal ou da legislação sobre imigração, através da criação de uma rede de casas-
abrigo para as vítimas de violência doméstica ou através da introdução de mecanismos que permitem a
vigilância eletrónica dos agressores no contexto em que estamos perante uma ação penal. Portanto, não está
tanto em causa a identificação dos mecanismos mas, sim, a necessidade de dar ao problema a atenção que
ele merece e de colocá-lo efetivamente nas agendas que temos de enfrentar no momento presente.
Ainda ontem, na Subcomissão de Igualdade, tivemos oportunidade de ter connosco a relatora da
Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) sobre a matéria do tráfico de seres
humanos, que também focou preocupações nesta área, recomendando aos parlamentares que sejam capazes
de mobilizar a sociedade civil, de mobilizar os eleitores para este desafio, que é o de dar a este tema a
atenção que é necessária — e que, muitas vezes, é difícil ser-lhe colocada — e o espaço na agenda que, de
facto, ele tem de ter.
Neste contexto, penso que é importante focarmo-nos neste aspeto e coloco-o à consideração da Câmara:
no momento em que a crise económica vai lançar-nos mais desafios, no momento em que a degradação da
situação económica e da situação social de muitas famílias pode potenciar o aumento de situações de
violência, que, infelizmente, já começámos a registar, que medidas é que temos de ser capazes de construir
para reforçar a prevenção e não perder a transversalidade das respostas que temos de dar a este problema?
Esta é uma questão que se prende diretamente com o enfoque que tem de ser dado à perspetiva de
género na resolução destes problemas, mas também é fundamental não esquecer que só uma intervenção
transversal, coordenada a partir do centro dos Governos e que permita articular todas as políticas setoriais
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fundamentais (as que têm que ver com a repressão da criminalidade, mas também as que se prendem com os
fatores sociais e económicos), só continuando a ter esta abordagem integrada, esta abordagem transversal, é
que continuaremos a poder dar resposta.
Creio que, juntos, seremos capazes de, nesta Câmara e fora dela, continuar a dar as respostas
necessárias e estruturadas em que Portugal, desde há vários anos a esta parte, tem conseguido fazer a
diferença e ser reconhecido internacionalmente por isso.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Rodrigues.
A Sr.ª Carla Rodrigues (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, antes de mais, saúdo a Sr.ª
Deputada Teresa Caeiro pela pertinência do tema que hoje nos traz aqui, a este Parlamento.
Saúdo igualmente o Governo de Portugal, porque no dia 15 de novembro último aprovou, em Conselho de
Ministros, a resolução que agora deverá transitar para a Assembleia da República para proceder à ratificação
da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a
Violência Doméstica, mais conhecida por Convenção de Istambul.
Porque, efetivamente, este tema, que é transversal na sociedade e que preocupa homens e mulheres de
boa vontade e, sobretudo, os agentes políticos e os Deputados deste Parlamento, gostaria de perguntar à Sr.ª
Deputada de que forma é que este Parlamento poderá associar-se a esta rede parlamentar de mulheres livres
de violência e de que forma é que podemos dar o nosso contributo para erradicar, de uma vez por todas, este
flagelo da nossa sociedade.
A violência contra as mulheres não é apenas violência contra as mulheres, também é violência contra os
filhos, é violência contra a família, é violência contra a sociedade, é violência contra homens e mulheres de
consciência, homens e mulheres que são contra a discriminação, contra todo o tipo de violência e contra todo
o tipo de injustiça.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, tem a palavra para responder.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Pedro Delgado Alves e Sr.ª Deputada
Carla Rodrigues, começo por agradecer as vossas perguntas.
Devo dizer que estou totalmente de acordo com o que disseram e, Sr. Deputado Pedro Delgado Alves,
permita-me que empregue a expressão que utilizou, de que não vale a pena «inventar a roda», pois os
problemas já estão detetados, sabemos onde se encontram e, portanto, a meu ver, os desafios colocam-se,
sobretudo, a dois níveis.
Um, e como disse, manter sempre, manter insistentemente, manter inexoravelmente esta questão na
agenda política e na agenda da sociedade, convocar toda a sociedade para este problema. Na verdade, penso
que também já aí fizemos um longo caminho, desde aquela época em que se dizia que «entre marido e mulher
ninguém mete a colher» às agressões, nomeadamente, entre namorados, que agora também está na ordem
do dia a propósito da revisão do Código Penal, questões que eram veladas, que eram escondidas, que eram
tabu, e que já não o são. No entanto, Sr. Deputado, temos esse desafio de manter o problema de violência de
género na agenda do nosso País.
Outro grande desafio, talvez o maior, é o de conseguir uma articulação adequada entre os vários
intervenientes.
Recentemente, tivemos oportunidade de ouvir, na Subcomissão de Igualdade — e, desculpem-me esta
pequena ressalva, saúdo o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves por ser dos poucos Deputados do género
masculino que se interessam por esta matéria! —,…
Risos.
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… vários intervenientes das várias forças de segurança, magistrados judiciais, magistrados do Ministério
Público, o Bastonário da Ordem dos Advogados, ONG, e percebemos que, sem uma coordenação, sem uma
articulação adequada, não conseguimos pôr em prática este edifício jurídico, este edifício legal de que já
dispomos e que é verdadeiramente progressista.
Ainda temos um caminho longo a percorrer. Isto porque não há tantas acusações quantas seriam
desejáveis, não há tantas condenações quantas seriam as necessárias, não há a aplicação efetiva, eficaz e
fiscalizável de medidas de segurança e coação, como, por exemplo, a do afastamento dos agressores em
relação às vítimas.
Sr. Deputados Pedro Delgado Alves e Sr.ª Deputada Carla Rodrigues, devo dizer a ambos, porque penso
que os problemas são comuns, que considero que também chegou a altura de invertermos um pouco a lógica
de que a vítima é que tem de sair da residência e procurar apoio.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Muito bem!
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Na verdade, o agressor é que tem de ser afastado da vítima, tem de
ser afastado do local do crime, que é, normalmente, a casa de morada de família e ser eficazmente impedido
de continuar a prática do crime de violência, do assédio, da perseguição e de todos esses tentáculos que
fazem parte deste flagelo genérico que é a violência sobre as mulheres.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, quero cumprimentá-la pela
intervenção que aqui fez hoje e pela urgência de continuar o combate pela eliminação de todas as formas de
violência contra as mulheres. Nesse sentido, saúdo a importância da sua intervenção.
Reconheço, igualmente, que há, de facto, uma vontade política, pelo menos relativamente aos grandes
problemas que estão identificados, e o Bloco de Esquerda tem orgulho no caminho que fez para que esta
vontade política tenha colhido a maioria dos representantes e das representantes que estão nesta Câmara.
Temos orgulho deste caminho e reconhecemos sinais importantes, nomeadamente da sua bancada, Sr.ª
Deputada.
Estamos a discutir, como sabe, alterações legais importantes no que diz respeito ao Código Penal e ao
Código do Processo Penal e reconhecemos, por parte das bancadas da maioria, uma sensibilidade à
necessidade de alterar a cultura jurídica e, simultaneamente, de apoiar uma iniciativa do Bloco de Esquerda
que diz respeito ao reforço da vigilância com a utilização das pulseiras eletrónicas e, desta forma particular, de
vigilância sobre os agressores. Saudamos este sinal positivo.
No entanto, não podemos deixar de ignorar os dias. Queria perguntar-lhe como se sente e como perspetiva
este combate, que nos une nos objetivos, perante a evidência e a denúncia de muitas organizações que, no
terreno, trabalham no combate à violência contra as mulheres, no combate à violência doméstica, porque
aquilo que elas nos dizem é que os corte nos apoios sociais, os corte nas prestações sociais, têm reduzido
substancialmente a autonomia das mulheres. O que elas nos dizem é que as políticas de austeridade terão, a
prazo, efeitos evidentes no aumento destes crimes hediondos. O que elas nos dizem é que as dificuldades que
se vivem, a impossibilidade de as vítimas se separarem dos agressores por dificuldades económicas trazidas
por estas políticas de austeridade aumentam o silêncio e dão menos visibilidade à realidade da violência, que
continua dentro das paredes de um lar.
Quero perguntar-lhe, Sr.ª Deputada, quais são as suas perspetivas, as da sua bancada e as deste
Governo, relativamente a estas denúncias e ao recuo que é o agravamento do silêncio e o agravamento da
possibilidade de as mulheres se autonomizarem num quadro de crise e, em consequência, das políticas de
austeridade do seu Governo.
Aplausos do BE.
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A Sr.ª Presidente. — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Rato.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, o que aqui traz é
matéria de direitos fundamentais. O direito à igualdade e ao tratamento em condições de igualdade está
previsto na lei, na Constituição da República Portuguesa, mas bem sabemos que a igualdade, na lei, tem um
significado, mas na vida tem, objetivamente, outro.
A referência que a Sr.ª Deputada faz aqui às diferentes formas de violência contra as mulheres, e são
várias, de facto — a violência doméstica, sobre a qual interveio, mas também a do tráfico de seres humanos, a
da exploração na prostituição, a da exploração no mundo do trabalho, a da mendicidade —, são um conjunto
de antigas formas de exploração que, também por força da agudização da crise económica e social que
vivemos, têm vindo a aumentar.
É por isso que também entendemos que, perante situações muito diferentes e muito específicas, com
características muito determinadas quanto às formas que esta violência assume, os Governos devem assumir,
também por isso, respostas diversificadas e específicas para cada tipo de violência.
O PCP tem feito a sua parte e, por isso, tem vindo a exigir dos sucessivos Governos um empenhamento
efetivo no combate às diferentes formas de violência contra as mulheres, nas suas múltiplas dimensões.
Muito recentemente, como referiu, no âmbito da Subcomissão de Igualdade, tivemos oportunidade de ouvir
os vários órgãos de polícia criminal, que nos fizeram o retrato da análise que têm sobre este flagelo da
violência sobre as mulheres, mas também de uma dimensão importante, a do impacto da crise económica e
social na vida das mulheres e de como o alcoolismo, a toxicodependência, o facto de não haver recursos e
quer o marido, ou o seu companheiro, quer a mulher, serem obrigados a viver na mesma casa porque não têm
condições de garantir a sua separação efetiva e o seu divórcio, são focos de tensão e de conflito que geram
violência.
É por isso que, no momento em que se assinala este dia de erradicação de todas as formas de violência
contra as mulheres, não podemos dispensar-nos de aqui deixar um sinal de alerta e de preocupação sobre os
impactos que o empobrecimento generalizado e a agudização da pobreza nas mulheres, mas também nas
crianças, têm no dia-a-dia de milhares e milhares de mulheres no nosso País.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Estamos perante uma situação em que mulheres perdem o direito ao subsídio
de desemprego, estão fragilizadas económica e socialmente e, por isso, ficam também mais vulneráveis às
situações de violência, de conflito e de discriminação.
Por isso, a leitura que aqui deixamos é a de que, num momento de crise, num momento em que as
discriminações, o desemprego, a pobreza é, hoje, uma realidade efetiva na vida das mulheres, cabe aos
Governos que querem defender os direitos das mulheres colocarem, à cabeça, a garantia dos apoios sociais e
a dignidade da vida das mulheres.
Aplausos do PCP e de Deputados do BE.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferro Rodrigues.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Cecília Honório, Sr.ª Deputada Rita Rato,
agradeço as questões que colocaram.
Relativamente à questão posta pela Sr.ª Deputada Cecília Honório sobre as propostas que estão a surgir a
propósito da revisão da legislação penal, é evidente que, enquanto estiver aberto o processo de discussão na
especialidade, o CDS estará sempre disponível e aberto a propostas. Agora, essas propostas têm de ser
vistas com ponderação e cuidado para não abrangermos situações que não queremos e para não produzirmos
um excesso legislativo.
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Volto a dizer: penso que o nosso edifício jurídico está relativamente adequado. Não rejeitamos, à partida, a
possibilidade de o adequar e de o aperfeiçoar para que todas as formas de violência fiquem enquadradas, mas
pensamos que isso tem de ser feito com toda a ponderação e com todo o rigor.
Relativamente à outra questão, as Sr.as
Deputadas — e era verdadeiramente aí que queriam chegar —
querem fazer um nexo de causalidade entre a situação financeira do País e das famílias e o aumento da
criminalidade.
Protestos do PCP e do BE.
Esse nexo de casualidade não só é muito temerário, como não tem qualquer base científica.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — É verdade!
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — O Sr. Deputado Nuno Magalhães, que há anos fala sobre justiça e
política criminal, disse ao Partido Socialista, quando era Deputado da oposição: «Não há evidência, não é
possível fazer esse nexo. Ele é tremendamente superficial e injusto…»…
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Exatamente!
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — … «… e não há qualquer base científica para esse efeito.
Agora, se me perguntarem se as carências económicas têm um impacto sobre as famílias, respondo que é
evidente que sim. Mas, entre esse impacto, essa tensão, e o facto de as pessoas serem levadas à prática do
crime de violência doméstica vai um passo muito longo.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Temos, isso sim, de ter uma postura de absoluta intolerância em
relação à prática de quaisquer atos violentos, em qualquer dos casos, quer seja em relação à mulher, em
relação aos filhos ou em relação a outros dependentes que coabitem no mesmo espaço. Agora, fazer esse
nexo de causalidade é inaceitável, pelo que não posso, de forma alguma, corresponder àquilo que as Sr.as
Deputadas gostariam que eu dissesse.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado
António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 2003, o Governo PSD/CDS-PP, tendo
como Primeiro-Ministro o Dr. José Manuel Barroso e como Ministro da Defesa Nacional o Dr. Paulo Portas
(sempre preocupados com o controlo da despesa pública), comprou à empresa alemã MAN Ferrostaal dois
submarinos pela quantia de 1070 milhões de euros.
De acordo com a engenharia financeira consagrada na Lei de Programação Militar, aprovada pelos partidos
da troica, o Estado português pagou 185 milhões de euros até 2011, entre 2012 e 2017 pagará mais 410
milhões de euros, entre 2018 e 2023 pagará mais 407 milhões de euros. Os submarinos só estarão pagos em
2026. Entretanto, os portugueses veem os subsídios de férias e de Natal «ir por água abaixo», porque, de
acordo com o PSD e o CDS, andaram a viver acima das suas possibilidades.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. António Filipe (PCP): — Como é sabido, a aquisição de equipamentos militares deveria, nos termos
da lei, gerar contrapartidas para a indústria nacional. Nos termos do Decreto-Lei n.º 154/2006, «contrapartidas
são as compensações acordadas entre o Estado e um fornecedor de material de defesa, suscetíveis de
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contribuir para o desenvolvimento industrial da economia portuguesa e consequente aumento do valor
económico associado à aquisição».
Os efeitos das contrapartidas na economia portuguesa, também de acordo com o Decreto-Lei n.º 154/2006,
devem ser «estruturantes e inovadores, designadamente através do desenvolvimento de capacidades
empresariais competitivas nos mercados internacionais» e «devem contribuir também para a criação de
capacidades empresariais na área das indústrias de defesa».
No caso concreto dos submarinos, nos termos do contrato assinado em 23 de abril de 2004 entre o Estado
português e o GSC (German Submarine Consortium), para vigorar entre 2004 e 2012, as contrapartidas a gerir
pela empresa Ferrostaal ascenderiam a 1210 milhões de euros.
Nos primeiros seis anos do contrato, ou seja, entre 2004 e 2010, 19 dos 39 projetos incluídos no programa
não tinham registado qualquer movimento. Entretanto, surgiram processos criminais por corrupção, na justiça
alemã, com arguidos já condenados, e na justiça portuguesa, por burla qualificada e falsificação de
documentos, que, como se sabe, estão, neste momento, em fase de julgamento.
Passando por cima de pormenores pouco edificantes, descritos no relatório da Comissão Permanente de
Contrapartidas relativo a 2011, o facto é que, em 30 de março de 2012, data desse relatório, do montante de
1210 milhões de euros que constava do contrato, estavam validadas contrapartidas no valor de 489 milhões
de euros e estavam em litígio contrapartidas no valor de 261 milhões. Ou seja: 721 milhões de euros de
contrapartidas estavam, e estão, por cumprir.
Do relatório da Comissão Permanente de Contrapartidas, constam várias hipóteses em negociação,
designadamente um investimento da empresa Koch de Portugal, um projeto designado por «MedSim», na
área da Medicina, e ainda a criação de um Fundo de Investimento de Capital de Risco.
Mas eis senão quando surge na imprensa portuguesa a notícia de que o Ministério da Economia acordou,
em outubro passado, com o Fundo de Investimento alemão MPC, que controla presentemente a Ferrostaal,
fechar o contencioso das contrapartidas não prestadas, através da recuperação de um hotel de luxo em
Albufeira.
Acontece, porém, que a recuperação dessa unidade hoteleira estava prevista há muito tempo, tendo sido
mesmo classificada pelo anterior Governo, em 2010, como Projeto de Interesse Nacional (PIN) e só não terá
avançado entretanto por dificuldades de financiamento do Fundo de Investimento alemão a que se encontrava
associado.
Porém, em março deste ano, o Fundo MPC passou a controlar a Ferrostaal e encontrou o «ovo de
Colombo», que foi fazer passar como contrapartida pelos submarinos a recuperação do Hotel Alfamar, que
tem todo o interesse em fazer e que lhe custará 150 milhões de euros. Só que, como o Governo português é
um «mãos largas», o Ministério da Economia terá considerado que o valor dessa contrapartida será
considerado em 600 milhões de euros: 150 milhões do investimento, mais 450 milhões dos negócios gerados
pelo avanço do projeto, cujo proveito será, obviamente, do grupo alemão.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É um escândalo completo!
O Sr. António Filipe (PCP): — E devido a este gesto de boa vontade do Governo, a defesa dos arguidos
no processo que corre na justiça portuguesa já veio dizer que, se o Estado português se dá por satisfeito com
as contrapartidas assim acordadas, não há qualquer razão para que se mantenha a acusação de burla e
falsificação de documentos e que o processo deve ser arquivado.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É extraordinário!
O Sr. António Filipe (PCP): — Atentemos na gravidade do que está em causa: o Estado português foi
lesado em 721 milhões de euros pela Ferrostaal, num processo que tem, inclusivamente, implicações
criminais. As contrapartidas a prestar deveriam, nos termos da lei, beneficiar a capacidade da indústria
portuguesa e permitir aumentar a sua competitividade nos mercados internacionais. Entretanto, o Fundo de
Investimento alemão que controla a Ferrostaal pegou num projeto de tinha em Portugal, desde há vários anos,
e que não avançou entretanto por razões que lhe são imputáveis, e contou com a cumplicidade do Governo de
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Portugal para que esse seu projeto, de 150 milhões de euros, seja contabilizado pelo valor de 600 milhões —
e, quanto às contrapartidas, não se fala mais nisso.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É o Euromilhões!
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Estamos, evidentemente, perante um
caso escandaloso de gestão danosa do interesse público por parte do Governo, que não pode passar em
claro.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exatamente! Criminoso!
O Sr. António Filipe (PCP): — E entende o Grupo Parlamentar do PCP que o Sr. Ministro da Economia,
que foge desta Assembleia «como o diabo da cruz», compareça aqui para explicar os contornos deste negócio
e para assumir perante o País as suas responsabilidades perante um dos maiores escândalos financeiros dos
últimos anos,…
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente! Acompanhado pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros!
O Sr. António Filipe (PCP): — … que é o incumprimento impune das contrapartidas que são devidas à
economia nacional pela aquisição de equipamentos militares.
Aplausos do PCP.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Depois, os portugueses é que vivem acima das suas possibilidades!…
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Inscreveram-se quatro Srs. Deputados para pedir esclarecimentos.
Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, antes de mais, felicito-o por ter
trazido a esta Câmara este tema e, em concreto, este assunto.
Este tema merecia desenvolvimentos maiores, porque perpassa entre o escândalo político e a apreciação
judicial, quer em Portugal quer na Alemanha, como frisou. Mas, hoje, a questão que nos traz aqui é uma
operação em concreto.
Creio que fui o primeiro político a suscitar esta questão, que é de uma enorme gravidade, em sede de
meios de comunicação social. O que se passa é que, através de um projeto, o projeto do Hotel Alfamar, se
pretende dar por findo praticamente todo o contencioso que existia em matéria de contrapartidas.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Já não havia nenhum hotel no Brasil!
O Sr. Basílio Horta (PS): — Queria esclarecer a Câmara que o projeto do Hotel Alfamar estava negociado
pela AICEP há mais de um ano, projeto esse que só não foi para a frente porque havia um impedimento a
nível de ordenamento do território, em virtude de a requalificação do hotel obrigar a um recuo de 80 m em
relação à linha do mar. E houve uma insistência muito grande dos investidores — alemães, na altura — para
que esse entrave fosse ultrapassado e o investimento imediatamente feito.
E compreende-se, porque se tratava da requalificação de um hotel na melhor zona do Algarve e, mais, com
apartamentos também (não era só hotel mas também apartamentos), ou seja, um projeto imobiliário da maior
relevância.
Portanto, era um investimento completamente negociado.
Ora, foi com um enorme espanto que tive conhecimento de que esse investimento, já renegociado,
satisfazia os requisitos das contrapartidas, as quais exigem novos investimentos, mas investimentos
industriais. E maior foi a estranheza. Porquê? Porque esse investimento ia substituir 19 investimentos
industriais em empresas portuguesas.
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Portanto, não se entende como é possível considerar este investimento para efeitos de contrapartidas.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. Basílio Horta (PS): — Concluo já, Sr. Presidente.
Por outro lado, acontece que, mesmo que houvesse alguma dúvida sobre isso, bastava que se dissesse
aos investidores que o processo não contava, para se perceber imediatamente que o investimento era feito na
hora.
Uma última palavra, se me permite, Sr. Presidente, para dizer que este é mais um caso que importa
analisar e dele extrair todas as suas consequências.
Quero lembrar aqui outro caso, o caso da Embraer. E olho ali para os meus amigos Hélder Amaral e Luís
Menezes, que, quando foi discutido este caso, diziam «não, fica tudo cá, está tudo ótimo, está tudo
impecável!». E o que é que está a acontecer? Fábricas a fechar, despedimentos em curso e exportações que
acabaram!
É assim que se quer reindustrializar o País? É com este tipo de operações que se pretende dar um
exemplo de seriedade aos portugueses, numa altura tão complicada? Não, não é!
E a nossa bancada, Sr. Deputado António Filipe, não pode deixar de estar ao seu lado quando pede a
vinda do Sr. Ministro da Economia a esta Assembleia para explicar, em todo o detalhe, não apenas esta
operação mas outras que correm pelo seu Ministério e que os portugueses exigem que sejam clarificadas.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta, saúdo-o particularmente por me
ter colocado a questão e também pelas indicações que, enquanto antigo responsável pela AICEP, deu ao
jornal Público, de ontem, relativamente a este projeto do Hotel Alfamar, as quais trazem alguma luz sobre esta
questão e tornam evidente que se tratava de um projeto já previsto, de tal forma que já tinha sido considerado
como projeto de interesse nacional, em 2010, e que agora é que a Ferrostaal se lembrou que, afinal, poderia
ser incluído nas contrapartidas da Lei de Defesa Nacional.
Ora, isto é um absurdo, pois bastará olharmos para a legislação sobre as contrapartidas — o Decreto-Lei
n.º 154/2006, que estabelece o regime jurídico das contrapartidas — para verificar que nem de perto nem de
longe este projeto pode ser considerado como uma contrapartida elegível para efeitos da Lei de Programação
Militar, a qual se refere explicitamente ao desenvolvimento da indústria nacional, particularmente da indústria
de Defesa, aliás, ligada à própria aquisição dos submarinos, para que a indústria portuguesa, a esse nível,
possa beneficiar, designadamente, de transferência de tecnologias que a torne competitiva a nível
internacional.
Ora, o que é que isto tem a ver com a recuperação de um hotel no Algarve, por mais relevante que isso
seja? Não tem rigorosamente nada a ver!
Portanto, aqui, o que é extraordinário e não pode deixar de ser questionado é como é que o Ministério da
Economia se permite avaliar em 600 milhões de euros para efeitos de contrapartidas — 600 milhões de euros,
quando o investimento é de 150 milhões de euros! — algo que não tem rigorosamente nada a ver com as
contrapartidas em matéria de Defesa Nacional?!
Assim sendo, saúdo a questão que me colocou e creio que é um dever indeclinável desta Assembleia
responsabilizar o Sr. Ministro da Economia por esta decisão,…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exatamente!
O Sr. António Filipe (PCP): — … porque é uma decisão danosa do interesse nacional e da economia
nacional.
Aplausos do PCP e do Deputado do PS Basílio Horta.
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O Sr. Basílio Horta (PS): — Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Tem a palavra.
O Sr. Basílio Horta (PS): — Sr. Presidente, é só para dar um breve esclarecimento. Há pouco, quando
citei um caso concreto, falei da Embraer, mas queria referir-me, sim, à Cimpor.
Peço muita desculpa às Sr.as
e aos Srs. Deputados.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Fica registado, Sr. Deputado.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carina Oliveira.
A Sr.ª Carina Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, sempre que falamos desta
matéria nesta Câmara, as dúvidas persistem. Contrapartidas militares — e não é só opinião de todos quantos
aqui estamos, mas da generalidade dos portugueses — são sempre associadas a faltas de transparência.
O Sr. Luís Menezes (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Carina Oliveira (PSD): — Registo que este Governo, nesta Legislatura, já acolheu as melhores
práticas europeias relativamente a esta matéria.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Está a ver-se! Agora, as melhores práticas europeias é entregar 150
milhões de euros!
A Sr.ª Carina Oliveira (PSD): — Durante anos sucessivos, houve incumprimento relativamente àquilo que
deveria ser a transformação das contrapartidas militares em projetos concretos de financiamento da economia
nacional.
Ao contrário do que acontecia até agora, deixou de ser possível associar contratos de aquisição de material
de defesa a contrapartidas militares. Diria — e já o disse uma vez — que se «cortou o mal pela raiz».
A tentação para falar em casos concretos relativamente a esta matéria é muito grande. Para o PSD, como
para a maioria dos Deputados que, creio, me acompanham neste pensamento, à justiça o que é da justiça e à
política e o que é da política.
O Sr. Luís Menezes (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Carina Oliveira (PSD): — Foi precisamente para evitar debates futuros sobre estes casos, que
levantam sempre ondas de falta de transparência relativamente a esta matéria, que foi revogado o regime
jurídico das contrapartidas no âmbito dos contratos de aquisição de material de defesa. Pergunto ao Sr.
Deputado se não considera que foi uma boa medida.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Carina Oliveira, quando diz que «à política o
que é da política e à justiça o que é da justiça», sou levado a pensar que considera que este é um caso de
polícia.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exatamente! Tem toda a razão.
O Sr. Honório Novo (PCP): — Por acaso, até parece!
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O Sr. António Filipe (PCP): — Bom, pode ser que seja! Efetivamente, temos um enquadramento legal
claro em relação às contrapartidas militares, que é o Decreto-Lei n.º 154/2006, que aqui citei.
Ora, que eu saiba — e creio que dificilmente haverá duas opiniões —, à luz do decreto-lei de 2006 que
regula esta matéria e que se refere explicitamente à indústria nacional e à capacitação da indústria nacional, a
recuperação de um hotel de luxo em Albufeira não pode ser considerada uma contrapartida pela aquisição de
equipamentos militares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ora bem!
O Sr. António Filipe (PCP): — Também ninguém conseguirá perceber como é que um investimento de
150 milhões de euros, de uma empresa alemã, em relação a um projeto que é seu, pode ser avaliado em 600
milhões para efeitos de dizer: «Em matéria de contrapartidas, não se fala mais nisso». Como é que isto é
possível, Sr.ª Deputada?! Como é possível que a Assembleia da República passasse por cima disto e fizesse
de conta que não era nada?!
Que o Governo, relativamente à MAN Ferrostaal, entenda: «Vamos pôr uma esponja em cima do assunto.
Os senhores ficaram de nos conceder contrapartidas no valor de 721 milhões de euros, mas, como recuperam
o hotel, o negócio é vosso e não se fala mais nisso», repito, que o Governo faça isso é o que estamos a ver,
mas o Governo não pode deixar de ser responsabilizado por essa decisão. É porque se os portugueses são
obrigados a fazer os sacrifícios que o Orçamento que os senhores aprovaram lhes impõe, isto não pode
passar em claro. Não pode passar em claro!
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Sr. António Filipe (PCP): — O Governo tem de ser responsabilizado, até às últimas consequências, por
decisões como esta!
Aplausos do PCP.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Isto é que são desperdícios!
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís
Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, o Sr. Ministro de Estado e dos
Negócios Estrangeiros, Paulo Portas, costuma dizer acerca dos submarinos que eles «ora submergem, ora
emergem». Na verdade, eles emergem sempre quando há falta de transparência em relação àquilo que tem
sido os maus contratos, as burlas, tudo aquilo que sofre um calvário judicial com a aquisição dos submarinos.
O Sr. Deputado António Filipe e o seu grupo parlamentar tentaram instaurar uma comissão de inquérito às
contrapartidas militares que, infelizmente, ainda não viu a luz do dia. Nós também tentámos num outro
momento. Creio que está a chegar a altura certa para que isso venha a ocorrer, até porque agora, perante as
circunstâncias, não poderemos em momento algum deixar de avaliar este negócio como um negócio de favor.
É um negócio de favor, como foi o negócio de favor ao BIC a propósito do BPN. É uma assunção política, mas
não pode deixar de ser avaliada como um negócio de favor por qualquer cidadão ou cidadã.
Dizer que se perdoam 450 milhões de euros em relação a um investimento feito de alemães por alemães,
que em nada beneficia a indústria nacional, numa matéria que nem sequer é contígua da defesa (não sei se o
Alfamar Hotel tem uns alfinetes para a Política Marítima…), que nada tem a ver com a indústria de defesa…
Na verdade, Sr. Deputado António Filipe, não é preciso um grande periscópio para saber que isto é um
negócio de favor e, como tal, deve ser julgado e, como tal, o Sr. Ministro Álvaro deve ser julgado politicamente.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
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O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, se a recuperação de um hotel
de luxo pode ser considerada por este Governo como uma contrapartida, no âmbito da Lei de Programação
Militar, pela aquisição de submarinos, permite-se tudo. Até à visita da Sr.ª Merkel poderia ter sido atribuído um
valor e ser considerada como uma contrapartida para efeitos da Lei de Programação Militar…!
Risos do PCP.
Sendo este um negócio tão vantajoso para os alemães, ficamos sem saber se a visita da Sr.ª Merkel a
Portugal ou os segredos trocados entre o Sr. Ministro das Finanças e o Sr. Schäuble têm alguma coisa a ver
com estes negócios…!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ora bem!
O Sr. António Filipe (PCP) — Mas que isto é estranho é e não o podemos deixar passar em claro. Impõe-
se, de facto, que o Sr. Ministro da Economia, que, ao que parece, adia sistematicamente a sua vinda à
Comissão de Economia, compareça quanto antes, porque ele deve explicações à Assembleia da República e
ao País acerca desta sua decisão. Se se trata de um contrato já assinado pelo Governo português e pela
Ferrostaal, considerando que o assunto das contrapartidas militares está já liquidado — indo, aliás, ao
encontro da tese de defesa dos arguidos que estão em julgamento perante a justiça portuguesa —, claro que
há muita coisa que o Governo tem de explicar a este respeito.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder
Amaral.
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, permita-me que lhe
coloque duas questões.
Em primeiro lugar, quanto à aquisição de submarinos, é ou não verdade que ela decorre da Lei de
Programação Militar, aprovada por unanimidade nesta Câmara?
O Sr. António Filipe (PCP): — Não, não! Está enganado!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Enganou-se!
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Dirá se assim foi. Foi, pelo menos, com a abstenção do Partido
Comunista Português, se não me falha a memória.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Votos contra!
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Depois, dir-me-á se sabe que a aquisição dos submarinos foi feita com
base numa decisão do Governo do Eng.º António Guterres, subscrita pelos Governos que se sucederam e que
previa a compra de três a quatro submarinos. É que o Governo do Dr. Durão Barroso decidiu a compra de
apenas dois, cumprindo as decisões de Governos anteriores, feitas em nome do Estado português.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — É verdade ou não que todos os ministros da Defesa subscreveram,
sancionaram, essa compra? Peço-lhe que me esclareça porque sei que o Sr. Deputado acompanha estas
matérias há muito tempo — pelos vistos, com muito mais certezas do que eu — dizendo se é assim ou não.
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Gostaria ainda de lhe perguntar se é verdade ou não que existem processos judiciais na Alemanha e em
Portugal, que devem seguir o seu caminho no sentido de apurar se há ou não responsáveis. Podemos até
considerar que uma justiça é mais célere do que a outra. Nisso estamos de acordo. Mas o certo é que, na
Alemanha e em Portugal, há processos na justiça.
Com exceção da correção do sentido de voto por parte do Partido Comunista, tudo o que eu disse é a mais
pura e absoluta verdade.
A segunda questão que quero colocar-lhe tem a ver com a gestão das contrapartidas. Sr. Deputado, esta
Assembleia discutiu inúmeras vezes a questão das contrapartidas. Dizia o Sr. Deputado Basílio Horta: «O que
interessa nestes negócios é o preço de aquisição.» V. Ex.ª, na altura, concordou, como todos concordámos —
dissemo-lo em comissão — que o que interessava era o preço de aquisição.
Há um conjunto de exemplos segundo os quais as contrapartidas são difíceis de executar. A penalização
para o não cumprimento das contrapartidas até é reduzida, ou seja, estamos perante um caso em que o não
cumprimento das contrapartidas muitas vezes compensa. Mas esse é um erro genérico.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Termino, S. Presidente.
Volto a repetir que a Assembleia da República deve acompanhar o processo de contrapartidas. A
Assembleia da República, até porque foi extinta uma comissão de contrapartidas, que passaram para o âmbito
do Ministério da Economia, que entendeu, e bem, aplicar esses projetos em exportações, em industrialização
de valor acrescentado.
O que o Sr. Deputado tem de dizer — é esta a minha pergunta — é se tem alguma coisa contra
investimentos hoteleiros de qualidade,…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É preciso ter «lata»!
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — … numa região que apresenta o maior índice de desemprego do País,
que tem vindo a perder quota de mercado e que é a nossa maior marca turística. Se o Sr. Deputado entende
que o aproveitamento dessas contrapartidas é mau, diga-o. Se disser que tem dúvidas quanto à execução das
contrapartidas, também tenho dúvidas.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Faça favor de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Termino, S. Presidente.
Mas, então, vamos averiguar, vamos investigar e vamos acompanhar a execução das contrapartidas. Não
venha é fazer demagogia em relação ao aproveitamento de dinheiros públicos em termos de contrapartidas.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para responder, trem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Hélder Amaral, de facto, está mal informado,
porque o PCP votou contra a Lei de Programação Militar…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Azar…!
O Sr. António Filipe (PCP): — … e precisamente este projeto de que estamos falar, entre outros, foi um
dos que estiveram na base do nosso voto contra, tendo em conta os encargos que, por causa desta aquisição,
iriam ocorrer até 2026.
Já esperava que o Sr. Deputado dissesse: «Mas isto já tinha sido decidido no tempo do Governo do Partido
Socialista». Estava decidido, Sr. Deputado, mas quem adquiriu os submarinos não foi o Partido Socialista,
foram os senhores. Azar o vosso! Se tivesse sido o Partido Socialista, estaríamos a criticar o Partido
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Socialista. Mas não foi o Partido Socialista e, portanto, nós criticamos quem tomou essa decisão. E quem
tomou essa decisão foi o Governo PSD/CDS, pelo que não pode fugir a isso atirando a responsabilidade para
Governos anteriores.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ora bem!
O Sr. António Filipe (PCP): — O Sr. Deputado Hélder Amaral refere-se aos processos em curso na justiça.
Sr. Deputado, estão em curso em Portugal, porque na Alemanha já se concluíram e já houve arguidos
condenados.
Sr. Deputado, o Sr. Ministro da Economia, que tomou esta decisão, não está a ser julgado na justiça. Ele
tem é de ser responsabilizado no Parlamento, porque tomou uma decisão política que tem implicações
financeiras muito graves para o Estado português e para a economia portuguesa.
O Sr. Deputado pergunta se temos alguma coisa contra os investimentos hoteleiros. Não temos
rigorosamente nada, Sr. Deputado! Querem fazer um investimento de 150 milhões de euros para recuperar um
hotel no Algarve? Muito bem. São muito bem-vindos. Façam esse investimento. Aquilo que não pode
acontecer é que um investimento de 150 milhões de euros num hotel seja considerado como valendo 600
milhões de euros para efeitos de contrapartidas da Lei de Programação Militar, pondo termo a um contencioso
de 721 milhões de euros. Isso é que não pode ser e isso é que tem de ser apurado até ao fim por esta
Assembleia.
O Sr. Deputado diz que temos de acompanhar. Pois temos. Temos de acompanhar e os senhores, que são
a maioria, não deixem que o Sr. Ministro da Economia fuja sistematicamente de comparecer na Comissão de
Economia. Ele tem de vir cá para responder por estas questões.
Aplausos do PCP e do Deputado do PS Basílio Horta.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana
Drago.
A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Ontem à noite, numa entrevista
televisiva, o País assistiu à prestação política de um Primeiro-Ministro sitiado, totalmente desligado de
qualquer dos problemas e dramas que fazem hoje o quotidiano de milhares e milhares de portugueses.
Um homem que pensa que a história do País nos últimos dois anos, a história de empobrecimento,
falências e desemprego em massa pode ser resumida às conversas abstratas sobre o «ajustamento» que foi
tendo em confortáveis salas de reunião.
Um Primeiro-Ministro que se apresenta perante o País prometendo apenas e só que o pior ainda está por
vir e sem assumir qualquer responsabilidade.
Depois de todo o debate político tido desde meados de 2011, depois de todas as vozes, à esquerda e à
direita, que alertaram para o desastre social, o buraco recessivo na economia e, portanto, para o
incumprimento dos próprios objetivos do Governo na redução do défice orçamental, o Sr. Primeiro-Ministro
disse-nos ontem que está «surpreendido» com a queda da receita fiscal no ano de 2012.
É extraordinário. Surpreendido, Sr. Primeiro-Ministro? Sim. É que, afinal, não foi toda a estratégia política e
orçamental do Governo que ruiu e mostrou toda a sua incompetência. Não. O Governo estava certo, acha o
Sr. Primeiro-Ministro. Os portugueses, esses malandros, é que ficaram desempregados e, depois de toda uma
campanha de viverem acima das suas possibilidades, decidiram em 2012 consumir menos. Não fosse esta má
vontade dos cidadãos, então, tudo teria corrido bem!
O grau de cegueira do Governo atingiu níveis nunca antes vistos.
Perante o colapso comprovado da sua estratégia, perante um tecido económico à beira do colapso, a brutal
retração do rendimento das famílias, perante os milhares de falências, perante o desemprego recorde, o Sr.
Primeiro-Ministro, no sossego da sua residência oficial, responde singelo: mais austeridade.
Nem se dá conta, ou finge não dar, que, depois de todo este programa de choque e pavor sobre a
economia, os rendimentos e os direitos sociais dos cidadãos, o défice real — repito, o défice real —, em nome
do qual supostamente tudo isto estava a ser aplicado, vai ficar nos mesmos 7% do ano passado. 9000 milhões
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de euros de austeridade em 2012, foi este o vosso programa. Para menos de 1000 milhões de consolidação,
foi este resultado de um programa de empobrecimento deliberado do País.
Agora, diz-nos o Primeiro-Ministro que a solução é repetir, para 2013, 2014 e sabe-se lá até quando, a
dose que falhou estrondosamente em 2012. Mais austeridade, mais empobrecimento, a manutenção do saque
fiscal a quem vive do seu trabalho, o corte nas pensões e a redução dos níveis salariais.
Na verdade, o Sr. Primeiro-Ministro já o tinha dito. No domingo, dois dias antes de o Governo ter aberto os
cordões das nossas bolsas para enterrar mais 1100 milhões de euros no despesismo jardinista, Passos
Coelho foi ao congresso do PSD Madeira dizer que os portugueses ainda aguentam mais austeridade. Vê-lo
defender mais austeridade para todos os que trabalham e pagam os impostos no exato momento em que
passa um cheque, mais um, para Alberto João Jardim é das imagens que simboliza bem esta governação
falhada.
Vozes do BE: — Muito bem!
A Sr.ª Ana Drago (BE): — No contexto da aprovação do Orçamento do Estado para 2013, o cheque
adicional de 1100 milhões de euros para Alberto João Jardim tem um nome, e vamos ser moderados nas
palavras: é traficância política!
Vozes do BE: — Muito bem!
A Sr.ª Ana Drago (BE): — Que o tenha feito, enquanto dizia que os portugueses aguentam mais
austeridade, ai aguentam, aguentam — e abria a boca para lhe saírem as palavras dos banqueiros —, é só
mais um insulto que se junta ao rol dos muitos que fez ao povo português.
Aplausos do BE.
Sr.as
e Srs. Deputados, com aquele ar de quem nos está a anunciar, em primeira mão, a mais recente
descoberta científica no domínio da física quântica, o Primeiro-Ministro disse que o Governo é obrigado a
cortar 4000 milhões de euros na educação, na saúde e nas reformas dos portugueses, porque é aí que o
Estado gasta o dinheiro.
Como a estrutura da despesa pública é similar em toda a Europa, das duas, uma: ou o Sr. Primeiro-Ministro
era ignorante e não conhecia o Estado quando prometia fazer o ajustamento, cortando nas famosas gorduras
do Estado, ou sabia que não era assim e, portanto, mentiu — repito, mentiu — deliberadamente na campanha
eleitoral!
Vozes do BE: — Uma vergonha!
A Sr.ª Ana Drago (BE): — Em ambos os casos, seja por ignorância, incompetência ou má-fé, não tem
condições para permanecer no cargo.
Aplausos do BE.
Ou talvez o Sr. Primeiro-Ministro entenda que os gastos com prestações do sistema de segurança social —
leia-se: pensões, subsídios de desemprego e apoios sociais aos mais pobres e aos mais idosos, investimento
na educação das crianças e jovens e gastos de saúde —, afinal, são má despesa pública. Talvez pense que
devíamos gastar tudo em rotundas, submarinos e estoirar os fundos comunitários na formação de centenas de
trabalhadores de aeródromos que, afinal, não operam.
As promessas de ataque à segurança social, à educação e à saúde aí estão, sem margem para dúvidas:
todos os privilegiados do País, que, segundo o Dr. Pedro Passos Coelho, são aqueles que têm salários ou
pensões acima dos 600 €, verão cortados os apoios sociais, as suas pensões, as famílias com crianças e
jovens pagarão propinas para frequentar uma escolaridade que o Estado obriga e os doentes verão
aumentados os preços que já hoje pagam no acesso à saúde.
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Vozes do BE: — Uma vergonha!
A Sr.ª Ana Drago (BE): — Este discurso contra o Estado social assenta na costumeira mistificação e
demagogia da direita, que fala como se as prestações sociais e serviços públicos não tivessem já passado, na
última década, por um draconiano processo de ajustamento, que não resiste ao teste dos números.
Vejamos, então.
Em 2003, o valor médio do subsídio pago a cada desempregado era de 445 € e este ano não vai
ultrapassar os 237 €, ou seja, há uma queda, a preços constantes, de 47% no apoio a quem está numa
situação de vulnerabilidade máxima.
Mesmo na educação pública, num País que só agora conseguiu a alfabetização plena que os países do
norte da Europa atingiram na viragem para o século XX, com os cortes brutais que foram operados por esta
maioria já estamos a gastar menos do que a média europeia.
Por fim, Sr.as
e Srs. Deputados, antes que a maioria desta Assembleia, as bancadas da direita se dediquem
a fabricar comissões de discussão, grupos de trabalho para a reforma do Estado, que mais não são do que
uma vontade de assassinato do Estado social, que fique claro, desde já: o Bloco de Esquerda nunca
participará numa tentativa de fabricar uma legitimidade que os senhores não têm para uma vingança
ideológica contra o modelo social da democracia. Não conseguirão fazê-lo!
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para pedir esclarecimentos inscreveram-se os Srs. Deputados
Miguel Tiago, Francisca Almeida e Rui Jorge Santos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Drago, estamos perante uma
desfiguração e uma subversão do Estado, do seu papel, e da própria Constituição da República Portuguesa,
em resultado das palavras do Sr. Primeiro-Ministro e dos anúncios que proferiu através de uma entrevista
televisiva, depois de se ter negado — o Sr. Primeiro-Ministro ou outros ministros deste Governo — a fornecer
esses mesmos anúncios à Assembleia da República, quando confrontado com perguntas diretas sobre
aquelas matérias.
Este corte de 4000 milhões de euros, que irá afetar um conjunto de funções sociais do Estado,
nomeadamente na educação e na saúde, configura, na prática, uma alteração ao conteúdo da nossa
Constituição e aos desígnios que ela atribui ao Estado, sendo, por isso, um verdadeiro golpe constitucional e
um contornar da Constituição através da prática política, ainda que não traduzida, formalmente, numa
alteração constitucional, que coloca o Estado ao serviço dos grandes grupos económicos e dos monopólios:
para os pobres um Estado mínimo, para os poderosos um Estado todo protetor.
Numa altura em que as famílias portuguesas sofrem as consequências de uma política de afundamento
nacional e de desastre, também no seu bolso, por causa do roubo, por causa da desvalorização salarial, por
causa do esbulho a que são submetidas, por serem forçadas a trabalhar mais ou por serem confrontadas com
o desemprego, o Governo vem anunciar que uma das soluções previstas é a introdução do pagamento de
propinas na escolaridade obrigatória.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Inaceitável!
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Diz o Governo que tem margem constitucional para o fazer, e que na saúde
não tem — até denota que lamenta não ter espaço para também cobrar na saúde.
Do nosso ponto de vista, enquanto comunistas, não há margem para cobrar propinas no ensino em
Portugal. Aliás, se já no ensino superior é um abuso e uma inconstitucionalidade, também aqui se afirma, sem
qualquer margem para dúvidas, uma flagrante inconstitucionalidade e um desrespeito pelas conquistas de
Abril e por aquelas famílias que, hoje, já não têm dinheiro para garantir a frequência e o sucesso escolar dos
seus filhos, que não têm dinheiro para pagar os manuais, que não têm dinheiro para pagar as explicações que
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lhes garanta um sucesso nos exames nacionais, que não têm dinheiro para o passe, ou aquelas famílias que
já hoje são confrontadas com a situação de os seus filhos irem para a escola com fome.
Perante estas situações, o Governo anuncia o pagamento de propinas como solução. Por isso,
apresentámos um requerimento para chamar o Ministro da Educação e Ciência à comissão parlamentar
competente.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Queira fazer o favor de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Termino já, Sr. Presidente.
Sr.ª Deputada Catarina Martins, a pergunta que formulo é esta: não significa isto vir impor aos cidadãos,
através de uma ilusão, o duplo pagamento — através dos impostos e, agora, das propinas — de um direito
que deveria ser assegurado pelo Estado e que já é pago através dos nossos impostos? Quem tem mais, paga
mais; quem tem menos, paga menos!
Essa é a verdadeira equidade, esse é o desígnio da gratuitidade do ensino público em Portugal.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.
A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Tiago, para analisarmos a prestação
política do Sr. Primeiro-Ministro nos últimos tempos e o que tem anunciado ao País, temos de ter em
consideração a história e o percurso político do Dr. Pedro Passos Coelho desde que chegou à liderança do
PSD. De facto, está a ser feito aqui um manobrismo que, creio, o País não pode aceitar.
Quando chegou à liderança do PSD — ainda não era Deputado nesta Câmara —, o Dr. Pedro Passos
Coelho propôs à Assembleia da República, nomeadamente à então maioria relativa do Partido Socialista, uma
proposta de revisão constitucional que era absolutamente clara nos seus propósitos: traduzia-se num ajuste de
contas político e histórico com o modelo social da democracia portuguesa, que pretendia introduzir
copagamentos na saúde e na educação, como agora refere, bem como reduzir o que, na altura, o Dr. Pedro
Passos Coelho referia, em longos textos, como sendo prestações sociais demasiado generosas,
designadamente o subsídio de desemprego.
Essa proposta de revisão constitucional foi de tal forma criticada e enxovalhada no debate político em
Portugal que o Dr. Pedro Passos Coelho, então líder do PSD, entendeu que não havia condições políticas
para a defender, pôs a proposta de revisão constitucional «dentro do saco» e apresentou-se nas eleições de
2011 com um programa político radicalmente diferente.
Quando lhe faziam acusações de que ia cortar o subsídio de Natal — só o subsídio de Natal, não o
subsídio de férias e o de Natal —, dizia o Dr. Pedro Passos Coelho que isso eram invenções de quem o queria
atirar abaixo, porque jamais quereria fazer isso…
Mais impostos? «Não, não há espaço para um aumento dos impostos sobre os portugueses que
trabalham», dizia o Dr. Pedro Passos Coelho. Copagamentos na educação e na saúde? «Não, nós temos um
programa de ajustamento que vai, exclusivamente, às gorduras do Estado». E foi este programa que o Dr.
Pedro Passos Coelho levou a votos. Não foi o de propinas no ensino secundário em Portugal, de aumento das
taxas moderadoras, de redução do subsídio de desemprego e de aumento da carga fiscal.
O que hoje está a ser feito é uma tentativa de criar condições políticas para cumprir o programa que Pedro
Passos Coelho sempre quis para o País, mas que não teve a hombridade de assumir — e, portanto, não tem o
mandato dos portugueses para o fazer. É uma subversão do mandato da maioria e isso nós não permitiremos!
Jamais permitiremos que seja possível, em Portugal, colocar esses «privilegiados», que têm mais de 600 € de
salário ou de pensões, a pagar o acesso à saúde e à educação, com cortes nas pensões, ao mesmo tempo
que têm uma carga fiscal absolutamente histórica. Jamais isso poderá acontecer.
Pelo menos, o Bloco de Esquerda lutará sempre contra essa possibilidade.
Aplausos do BE.
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O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada
Francisca Almeida, do PSD.
A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Drago, a declaração que aqui
proferiu, em nome do Bloco de Esquerda, foi feita com a inconsequência e a irresponsabilidade de quem sabe,
de antemão, que nunca vai ser chamado a assumir responsabilidades governativas.
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Portanto, permite-se a tudo. Permite-se a tudo, Sr.ª Deputada!
Deixe-me dizer-lhe: o Bloco de Esquerda não apresenta uma alternativa e, portanto, não se apresenta,
sequer, como uma alternativa para o País e para os portugueses.
Protestos do Deputado do BE Luís Fazenda.
Contrariamente ao que afirmou da tribuna, o Primeiro-Ministro, que ontem deu uma entrevista televisiva,
veio falar aos portugueses com verdade, e é isso que, porventura, choca o Bloco de Esquerda.
O Partido Socialista não nos tinha habituado a isso — é verdade! —, mas o Primeiro-Ministro veio falar com
verdade aos portugueses, coisa a que já não estávamos habituados, concordo com a Sr.ª Deputada.
Quando se opõe a repensar o Estado e ao corte de 4000 milhões de euros na despesa pública, porventura,
o que o Bloco de Esquerda está a propugnar é o aumento de impostos. Essa é a conclusão que podemos
retirar, porque, Sr.ª Deputada, não existe dinheiro do Estado, o dinheiro é dos portugueses e esse dinheiro,
neste momento, é para pagar salários, prestações sociais, saúde, educação e manutenção de equipamentos.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — É para pagar juros, juros!
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — E o BPN!
A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Sr.ª Deputada, já em 2010, os impostos pagos pelos portugueses só
davam para pagar 66% da nossa despesa primária e, entretanto, o Partido Socialista tratou de agigantar essa
percentagem. Portanto, está mais do que na hora de enfrentarmos e de abordarmos esta questão.
Do que se trata, contrariamente ao que afirmou, não é de desmantelar o Estado social, não é de matar o
Estado social, mas, sim, de garantir a própria sobrevivência do Estado social!
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Temos pena que o Bloco de Esquerda não queria contribuir para este
debate.
A Sr.ª Deputada referiu-se, ainda, à insensibilidade social deste Governo, mas este Orçamento, como sabe,
não foi desejado, não foi escolhido por este Governo. Foi o Orçamento possível e foi o Orçamento necessário
face à situação em que este Governo encontrou o País, e a que VV. Ex.as
não se opuseram.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Quem aprovava os Orçamentos era o PSD e não o BE! Não se lembra?
A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Apesar do quadro de enormes dificuldades, neste Orçamento foi
possível, ao contrário do que propugnava, por exemplo, o Partido Socialista, aumentar as pensões mínimas
em vez de as congelar; foi possível aumentar o prazo de garantia do subsídio de desemprego; foi possível
dinamizar o mercado social de arrendamento; foi possível isentar de IRS as prestações sociais; foi possível
promover o pagamento do IMI em três prestações.
Gostávamos de ter feito mais, Sr.ª Deputada? Sim, gostávamos! Mas, de facto, o estado em que este
Governo encontrou o País não nos permite fazer mais.
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Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Sr.ª Deputada, a conclusão que retiramos da sua oposição a este
corte de despesa é que, de facto, o que o Bloco de Esquerda quer é aumentar impostos.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.
A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Francisca Almeida, peço-lhe imensa desculpa,
mas tenho pouco jeito para os eufemismos parlamentares. Portanto, deixe-me dizer-lhe de forma muito clara o
seguinte: ou a Sr.ª Deputada não estuda ou, pelo menos, não lê jornais. O que aqui disse ou é pura ignorância
sua — durante todo o debate do Orçamento do Estado, que durou um mês do seu trabalho enquanto
parlamentar, a Sr.ª Deputada não dedicou três segundos a olhar para as propostas políticas do Bloco de
Esquerda — ou, então, a Sr.ª Deputada veio mentir a este Plenário. Não há outra maneira!
A Sr.ª Deputada não quer discutir as propostas do Bloco de Esquerda, porque sabe que tem um Governo
que é incapaz, que não tem a coragem e a hombridade de, no espaço das batalhas políticas difíceis, exigir,
negociar, defender os portugueses, os seus salários, as suas pensões e os seus serviços públicos perante a
extorsão de 7000 milhões de euros de juros, e como sabe que o Governo jamais terá a coragem de o fazer,
prefere nem sequer trazer esse debate aqui. Mas esse debate é fundamental, porque enquanto não houver um
alívio do sufoco dos juros da dívida a Sr.ª Deputada não tem qualquer estratégia para o País.
A Sr.ª Deputada só tem, do seu lado, a irresponsabilidade de ter aumentado o desemprego a níveis
absolutamente recorde, de ter provocado um número de falências nunca visto na economia portuguesa, de ter
criado uma onda de emigração da geração mais qualificada em Portugal (as pessoas da sua idade), e em tudo
isto a senhora é absolutamente responsável.
Mais, Sr.ª Deputada, houve uma circunstância muito interessante quando se fez a votação final global do
Orçamento: 112 Deputados da maioria entregaram declarações de voto, mostrando a sua dificuldade, o seu
desconforto com a proposta do Orçamento do Estado. Apenas 20 Deputados da maioria é que,
aparentemente, não têm problemas de consciência — esses 20 Deputados, supostamente, eram do CDS, mas
não é isso que tem sido surgido nos jornais e no País.
Portanto, Sr.ª Deputada, pense bem: os senhores estão no meio de uma crise política nunca antes vista
numa maioria em Portugal. Mas o problema é que a vossa crise política é a crise social e económica que está
lá fora, e é isso que me preocupa.
Entenda uma coisa: mais cedo do que tarde, a Sr.ª Deputada vai estar a prestar contas perante o povo
português de ter subvertido o mandato com que foi eleita. Essa é a sua responsabilidade!
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui
Jorge Santos.
O Sr. Rui Jorge Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Drago, o PSD deixou cair a máscara:
quer desrespeitar a letra e o espírito da Constituição.
Lembro às Sr.as
e Srs. Deputados que o n.º 2 do artigo 74.º da Constituição da República Portuguesa refere
o seguinte: «Na realização da política de ensino incumbe ao Estado: a) Assegurar o ensino básico universal,
obrigatório e gratuito; (…) e) Estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino;». Ora,
se é progressivamente, não é ao contrário, não é andar para trás na gratuitidade do ensino.
Percebemos a confusão e o desnorte do PSD.
Confundir a atual Constituição com o seu projeto de Constituição, escondido e apagado durante a
campanha eleitoral, projeto que elimina a alínea e) da atual Constituição, é algo que não aceitaremos.
Confundir um projeto com algo que ainda não está em vigor, que ainda não está aprovado por esta
Assembleia significa, claramente, desnorte, significa um «apagão» na memória do atual Primeiro-Ministro.
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Lembro, ainda, que este Governo não tem mandato — sim, não tem mandato, como foi dito — para cortar
mais na educação, não tem mandato para destruir, por essa via, um setor crítico e fundamental para o futuro
do País.
O PSD quer quebrar o consenso nacional e internacional em relação à importância da educação e da
formação. Ao contrário do que aqui foi dito pelo Sr. Ministro da Educação e Ciência há 15 dias, vai propor
copagamentos no ensino básico e secundário e vai propor o aumento de propinas no ensino superior, vai
apostar no desmantelamento da escola pública em todos os seus graus. Em suma, vai recriar uma escola
pobre para pobres, quer voltar, claramente, à escola do antigamente.
No PS, não aceitaremos voltar para trás e não aceitaremos este «apagão» no setor da educação.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.
A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Jorge Santos, perante a entrevista do Sr.
Primeiro-Ministro e as declarações do Sr. Ministro Vítor Gaspar, no seu discurso de encerramento do
Orçamento do Estado para 2013 — e até com base nas declarações que foram dadas por elementos da troica
—, creio que temos a definição muito clara de quais são os alvos a abater pelo corte de 4000 milhões de
euros, agora anunciado ao País, e, sem dúvida, são as prestações sociais, nomeadamente o sistema de
pensões em direção aos mais idosos, e o setor da educação.
Portanto, é preciso que sejamos todos capazes de compreender o que está pela frente. A brutal redução do
investimento ou do apoio na área da educação significa colocar Portugal num patamar de incapacidade de se
projetar para o futuro e significa um retrocesso em algo que era consensual, isto é, de que o investimento na
área da educação seria determinante para a qualificação do País, para a modernização e a qualificação da
nossa economia.
Sr. Deputado, com estas ameaças por parte da direita fundamentalista que tomou conta do Governo do
País, existe hoje, em Portugal, muita gente — da esquerda à direita — que tem a clara perceção do que
podem significar estes cortes anunciados. Significam, de facto, matar o modelo social da democracia
portuguesa e significam condenar o País a um atraso, e nunca à capacidade de acompanhar os seus
parceiros europeus.
Creio, por isso, que é fundamental que, apesar de diferenças pontuais que possam existir entre diferentes
agentes, forças políticas, sindicatos, associações e movimentos dos cidadãos, todos tenhamos a plena
consciência de que esta é uma batalha decisiva! Permitir o início destes primeiros cortes — porque outros
virão no horizonte se esta política continuar —, é permitir desmantelar o Estado social na sua função de
redistribuição de oportunidades de vida e de riqueza. E creio que, nesse consenso, somos muitos, muitos mais
do que aqueles que hoje governam Portugal.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado
Mendes Bota.
O Sr. Mendes Bota (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Ao contrário do que diz o calendário,
e até a própria convocatória que aqui nos trouxe, hoje é dia 25 de novembro. E amanhã será dia 25 de
novembro. E no final do ano estaremos a 25 de novembro.
Porque, tal como se costuma dizer que o Natal é todos os dias, o que conta no 25 de novembro é o espírito
transversal a todos os dias do ano que nos impulsiona a rejeitar e a acabar com a violência que se abate sobre
as mulheres, em todo o mundo, no nosso País, na nossa cidade, na nossa vizinhança, quem sabe até, dentro
das nossas casas e famílias.
Milhões e milhões de mulheres, por todo o mundo, veem-lhes negado o primeiro direito humano: o direito
de viver livres de violência. Todos os esforços devem ser feitos para proteger estas mulheres.
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Não vos vou maçar com estatísticas. Todos nós, infelizmente, sabemos que em Portugal já vamos este ano
com 30 mulheres assassinadas; o ano passado mais de 28 000, quase 29 000 denúncias; mas sabemos
também que as mulheres constituem 85% das vítimas e os homens são 88% dos agressores em matéria de
violência doméstica.
Já estamos no IV Plano Nacional para a Igualdade — Cidadania e Género. Já estamos no IV Plano
Nacional contra a Violência Doméstica. No II Plano Nacional contra o Tráfico de Seres Humanos. Mas nós
sabemos quais são as prioridades: proteção às vítimas, autonomização quando saem das casas de abrigo,
proteção às vítimas do tráfico. Formação profissional para todos aqueles agentes que tratam e que,
normalmente, dialogam com as vítimas de violência doméstica.
São crimes que não podem continuar impunes. Como cidadãos, é nossa responsabilidade não ficar em
silêncio, reagir, proteger as vítimas, atuar. Mas, como legisladores, é nosso dever tornar a liberdade sem
violência uma realidade. Preencher as lacunas nos Códigos Civil e Penal. Fazer justiça às vítimas e aos
agressores. Não aceitar mediações alternativas. Fazer os tribunais parar a violência.
Em muitos países, há muitos comportamentos violentos que ainda não são criminalizados. E estou a
lembrar-me do stalking, estou a lembrar-me da violência psicológica, da violência sexual, do assédio sexual e
da violação conjugal, do aborto forçado, da esterilização forçada, dos crimes ditos em nome da chamada
«honra» — que em vez de ser «honra» devia ser a «vergonha» — e da mutilação genital feminina.
A fase do papel é importante. Como passar da situação de jure para a situação de facto. E, de facto, nós
não queremos ter apenas legislações ou convenções para serem mais papéis mortos, enquanto tantos
milhões de mulheres continuam a ser agredidas e muitas delas assassinadas, só porque são mulheres, às
mãos dos seus maridos e ex-maridos, parceiros e ex-parceiros, namorados e ex-namorados.
E, por isso, a Convenção de Istambul é um documento internacional vinculativo que é urgente ratificarmos,
que é urgente que façamos entrar em vigor. Porque, de facto, não pode existir qualquer justificação para a
violência contra as mulheres. Nem a cultura, nem a tradição, nem a história, nem a religião, nem o estatuto
social e económico — nada pode justificar este ataque bárbaro à dignidade do ser humano.
E o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, que mais uma vez se celebrou a 25
de novembro, chama a atenção para esta questão. E a Convenção de Istambul vinca bem a responsabilidade
dos Estados no combate a este flagelo.
Esta Convenção reconhece que a violência contra as mulheres é uma violação dos direitos humanos, é
uma discriminação, mas é também uma responsabilidade do Estado. Tem uma definição de género como uma
categoria socialmente construída que comete às mulheres e aos homens os seus papéis e comportamentos
particulares. Introduz ofensas ainda não criminalizadas.
Tem um mecanismo de monitorização extremamente independente, extremamente forte e baseia-se nas
quatro pp, ou seja, na Prevenção, Prevenção e Penalização (ou seja, a acusação) e Políticas integradas.
Esta Convenção precisa de, pelo menos, dez ratificações. No dia 15 deste mês e deste ano, o Governo
português já aprovou a resolução que virá para a Assembleia da República para efeitos de ratificação. E eu
peço, a todos, que se empenhem para que esta ratificação ocorra o mais rapidamente possível, para que
Portugal seja o primeiro País da União Europeia a ter esta ratificação concluída. Até ao momento, apenas a
Turquia e a Albânia concluíram os seus processos.
Nós temos, no âmbito do Conselho da Europa, uma rede de parlamentares que se chama «Mulheres Livres
de Violência». E, de facto, procuramos dar algumas ferramentas aos deputados para procurarem, dentro do
seu campo de ação política, ter instrumentos para irem aos combates, para irem aos debates — para junto dos
cidadãos poderem argumentar por que é que esta Convenção tem algo de muito importante e é uma mais-
valia.
Para celebrar o dia 25 de novembro, esta rede editou em português aquilo que era um manual para
deputados apenas existente em francês e em inglês. E foi distribuído a todos os Srs. Deputados e Sr.as
Deputadas, e espero que possam fazer dele bom uso.
Queria dizer-vos que, quando um parlamentar desce à realidade, não só espalha a mensagem mas, como
legisladores e decisores, podemos questionar o Governo, organizar debates ao nível nacional, dentro e fora do
Parlamento, e já na segunda-feira vamos ter uma importante conferência internacional, organizada
conjuntamente pela 1.ª Comissão, pela Subcomissão de Igualdade e por esta Rede Parlamentar do Conselho
da Europa, «Mulheres Livres de Violência».
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Quando vamos ao terreno descobrimos que aquelas mulheres assassinadas, as tais 30, afinal, tinham
praticamente todas elas um longo histórico de queixas que não foram devidamente atendidas; não houve uma
monitorização, houve uma avaliação de risco que falhou.
Quando vamos ver as vítimas de tráfico, vemos que muitas vezes os processos são encaminhados para a
questão dos proxenetas, ou para a questão da imigração ilegal, e não são devidamente carimbados com
aquilo que é o seu travo, com aquilo que é o seu sinal de violência de género que se abate sobre as mulheres.
Quando vamos para o terreno descobrimos coisas incríveis, como esta: que as pensões de alimentos são
deduzidas naquilo que são os subsídios sociais recebidos pelas vítimas de violência doméstica.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Queira fazer o favor de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Mendes Bota (PSD): — Termino já, Sr. Presidente.
Mas eu estou hoje aqui, principalmente, para me dirigir aos homens. Para dizer que nós temos um papel
fundamental neste combate. Não é uma questão que diga apenas respeito às mulheres ou aos «feminismos».
Os homens têm de estar presentes. E eu vejo muito poucos homens, daqueles que são líderes nacionais. Vejo
muito pouco Cavaco Silva, muito pouco Passos Coelho, à frente, a tomar a liderança e a dar a cara, e a dizer
junto dos jovens que, muitas vezes, a masculinidade é indevidamente tratada, como se a mesma se afirmasse
através da superioridade e da subjugação das mulheres.
Apelo aos municípios — há tantas rotundas, fazem monumentos em homenagem a tanta coisa — para, à
semelhança daquilo que eu vi há duas semanas na Turquia, em Besiktas, que ergam um monumento com 3
metros de altura em homenagem às mulheres vítimas de violência doméstica, vítimas de violência de género.
E, finalmente, queria dizer-vos que não percebo por que é que um homem há de bater numa mulher. Não
compreendo. Alguém disse — não sei quem — mas disse bem: «um homem, no fundo, aparece no mundo
como uma pequena semente que cresceu e germinou no corpo de uma mulher, um homem vem à vida e
chora, e é nos braços de uma mulher que se acalma; um homem vem à vida e tem fome, e é alimentado pelo
peito de uma mulher;…
Aplausos de Deputados do PSD.
… um homem tenta andar e é uma mulher que lhe ampara e guia os primeiros passos; é uma mulher que o
ensina a pronunciar as primeiras palavras; é uma mulher que lhe molda o caráter e lhe ensina a enfrentar as
dificuldades da vida; e quando o homem descobre o apelo do amor, muito provavelmente, é nos braços de
uma mulher que o faz sonhar; quando um homem se sente sozinho, muitas vezes, provavelmente, é também
uma mulher que ele escolhe para companheira da sua vida. E quando se quer multiplicar, é uma mulher que
dá à luz os seus filhos e filhas».
Deixem-me dizer aos homens do meu País, deixem-me fazer uma confissão: durante muito tempo, na
minha vida, fui como muitos outros. Fiquei em silêncio, não fiz nada face aos sinais, aos gritos de agressão.
«Assunto privado», costumava dizer-se: «Entre homem e mulher não metas a colher». Não fiz nada, não
chamei a polícia, não chamei a ambulância, não tive uma palavra sequer para a nossa vizinha, para a nossa
colega, para a nossa amiga. Mas eu, que nunca levantei na minha vida uma vez que fosse uma mão contra
uma mulher, deixem-me dizer-vos: desde que me tornei militante do combate à violência contra as mulheres
sinto que me tornei um homem melhor.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se as Sr.as
Deputadas
Isabel Alves Moreira, Maria Paula Cardoso e Teresa Caeiro.
Tem a palavra, em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada Isabel Alves Moreira, do PS.
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Mendes Bota, apesar de não me
identificar, minimamente, com a última parte da sua declaração política, quero, em todo o caso, felicitar o seu
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trabalho contra a violência doméstica, no âmbito do Conselho da Europa, aliás, contra os vários tipos de
violência que referiu, como a física, a emocional, a psicológica, a sexual, etc.
Importa recordar que o quadro jurídico é, de facto, importante. O facto de ser, desde 2000, um crime
público, o facto de haver um crime com o nome de violência doméstica, além de ser simbólico, tem
consequências. E Portugal tem vindo a construir uma arquitetura legal e material de proteção da vítima, que se
tem vindo a consubstanciar nos tais planos e programas que referiu. Além disso, Portugal foi dos primeiros
países a assinar a Convenção de Istambul, em maio de 2011.
Contudo, não posso deixar de referir, pelo menos, dois ou três pontos.
Por um lado, apesar de a moldura legal ser boa, a sua aplicação prática é difícil, a violência continua, não
diminui em termos geracionais. Desde logo, quando pensamos nas mortes, não há um súbito acordar
geracional para a não-violência doméstica.
Por outro lado, ao contrário do que aqui foi dito, é evidente que a crise tem um efeito terrível no que diz
respeito ao sair da situação física de violência, por parte da vítima. O facto de haver um desemprego
galopante, que afeta, sobretudo, jovens e mulheres o facto de as mulheres se sentirem economicamente
dependentes e não terem meios ou terem muito mais dificuldades em sair da casa do agressor; o facto de o
preço de um divórcio ter aumentado de uma forma difícil de explicar, tudo isto, dificulta, e muito, a
possibilidade de uma vítima sair da sua situação de agressão.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Concluo já, Sr. Presidente.
Quero apenas dizer que, de facto, é muito difícil ser-se de um estrato social médio/alto e sair de uma
situação de agressão, mesmo tendo um quadro familiar de apoio e dinheiro para um divórcio. Sei que é difícil,
mas, ainda assim, é possível. É muito mais difícil sendo pobre, vendo as circunstâncias sociais a agravarem-
se, como estão, e o quadro legal a não ajudar.
Em todo o caso, concordo que todos os dias são dia 25 de novembro. Disso não há qualquer dúvida!
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — A Mesa foi informada de que o Sr. Deputado Mendes Bota
responderá, em conjunto, aos três pedidos de esclarecimento, pelo que tem a palavra, também para pedir
esclarecimentos — não é usual, mas é regimental —, a Sr.ª Deputada Maria Paula Cardoso, do PSD, partido
do orador.
A Sr.ª Maria Paula Cardoso (PSD): — Sr. Presidente, de facto, não é habitual, mas não posso deixar de
felicitar o meu Colega Mendes Bota, pelo trabalho de muitos anos na luta contra a violência doméstica, e de
lhe deixar uma palavra de apreço.
Além disso, quero também fazer, com ele, uma pequena reflexão, no que ele nos pode ajudar, atendendo à
sua experiência e ao caminho que percorreu até aqui, todos estes anos.
De facto, muitas são as convenções, muitos são os tratados internacionais, muita — e boa — é a legislação
que temos, em Portugal. Mas, efetivamente, um em cada três homicídios ocorre em contexto conjugal e todos
os dias há 19 a 20 denúncias ou queixas de violência doméstica. O ano de 2012 ainda não acabou e os
números são absolutamente insuportáveis.
A crise não pode explicar tudo. Não podemos ignorar que é um fator de agravamento destas situações,
mas não podemos baixar os braços, apontando apenas o dedo à crise e não fazendo nada.
Gostaria que o Sr. Deputado Mendes Bota me esclarecesse se considera que algumas das medidas que
têm vindo a ser tomadas são pertinentes, se são, de facto, medidas importantes e quais as melhorias que
poderemos implementar, nomeadamente, por exemplo, através de um protocolo para a criação de redes
municipais de casas a baixo custo para as vítimas, que nos parece ser uma medida importante, porque as
vítimas, muitas vezes, depois de estarem nas casas-abrigo, saem com os filhos e não têm capacidade para
estabelecer uma habitação para elas próprias, uma vez que a habitação consome dois terços do seu
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ordenado. Estas bolsas são, pois, importantes, e a criação de um parque habitacional para este efeito parece-
me importantíssima.
O aumento das dotações para as casas-abrigo também me parece uma medida importante e as
campanhas e jornadas que têm sido realizadas, ultimamente, e a que temos assistido na televisão, no domínio
da sensibilização para a violência doméstica, são, de facto, importantíssimas. A campanha é interessante e
alerta-nos para um problema, que é o da violência no namoro. A violência no namoro precisa de ser olhada
com olhos de ver, pois não está devidamente contemplada na nossa legislação, uma vez que o artigo 152.º do
Código Penal, na sua formulação, permite uma interpretação que afasta a violência no namoro. É preciso olhar
para esta situação e, por isso, pergunto ao Sr. Deputado se entende ou não que devemos fazer algum
ajustamento, em termos de aplicação ou até de formulação do artigo 152.º…
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Maria Paula Cardoso (PSD): — Vou já concluir, Sr. Presidente, mas peço-lhe um pouco de
tolerância, uma vez que também foi tolerante com os colegas que me antecederam.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Com o Deputado Mendes Bota!
A Sr.ª Maria Paula Cardoso (PSD): — Em relação às condenações, são ténues e, por vezes, difíceis,
porque a prova também é difícil. Por isso, gostava de saber se há alguma sugestão, quer a nível nacional quer
a nível europeu ou internacional, nas instâncias em que o Sr. Deputado se insere, que nos possa ajudar, no
sentido de tornear o problema da prova. É que a prova é difícil porque se baseia em declarações da vítima,
que, por medo ou receio, no dia do julgamento, muitas vezes, não as presta e compromete irremediavelmente
as condenações.
Resta-me reiterar o agradecimento ao meu Colega Mendes Bota, por todo o trabalho e empenho que tem
tido, e referir o grande trabalho que está a ser feito pela Secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares e
da Igualdade, em relação a estas matérias, bem como o empenho e a prioridade que lhes têm sido dados nas
políticas que são implementadas.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Sr.ª Deputada, já excedeu o tempo de que dispunha em 100%.
A Sr.ª Maria Paula Cardoso (PSD): — Termino, Sr. Presidente, agradecendo, mais uma vez, ao meu
Colega Mendes Bota a declaração política que fez.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa
Caeiro, do CDS-PP.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Mendes Bota, em primeiro lugar, tenho de
o saudar, mais uma vez, e muito vivamente, pela forma absolutamente comprometida, empenhada, militante e
muito desassombrada com que, há tantos anos, se dedica a esta causa, num combate sem tréguas para a
eliminação efetiva de todas as formas de violência contra as mulheres, não só aqui, neste Parlamento, mas no
Conselho da Europa, em tantos locais e em tantas circunstâncias.
Bem-haja por isso! Nunca será demais saudá-lo.
Concordo com a Sr.ª Deputada Isabel Alves Moreira, quando diz que todos os dias são dia 25 de
novembro.
Lembro que, daqui a pouco, vai ser votado um voto subscrito por todas as bancadas, a propósito deste dia,
desta efeméride anual contra todas as formas de violência sobre as mulheres, e que não há justificação
possível para este tipo de ataques bárbaros à dignidade do ser humano.
Mas, e aqui discordo de alguma interpretação que se pretende fazer em torno deste flagelo, pergunto-lhe,
muito simplesmente, o seguinte, Sr. Deputado: considera que se pode fazer uma interpretação, em meu
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entender, sem qualquer sustentação científica ou prática, de que há um nexo de causalidade direto entre uma
crise financeira e o aumento da criminalidade, nomeadamente deste tipo de criminalidade, já que este tipo de
crime tem de ser encarado como todos os outros tipos de crimes e, se for o caso, combatido com a mesma ou
maior veemência?
Outra questão que lhe coloco tem a ver com a ideia de que as circunstâncias sociais, nomeadamente a
condição socioeconómica, tornam mais difícil que uma mulher saia de um contexto de violência. Em meu
entender, esta visão é, também ela, simplista, porque este crime tem contornos tão específicos, tão
particulares, tão complexos, que têm a ver com a essência do ser humano, que dizer-se que as pessoas mais
pobres têm mais dificuldade em reagir a uma situação de violência me parece absolutamente simplista.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — As pessoas mais pobres não têm dinheiro para sair de casa! Não têm
dinheiro para comer, quanto mais para pagar honorários de advogados, tribunais…
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Termino já, Sr. Presidente.
Deputado, e partindo do princípio de que o nosso edifício jurídico, como já aqui foi dito, sofreu grandes e
virtuosos avanços nos últimos anos, pergunto-lhe quais os principais aspetos da sua operacionalização que
pensa estarem por fazer. Refiro-me, por exemplo, à vigilância e às pulseiras eletrónicas.
Por último, Sr. Deputado, não concorda que, agora, devemos encarar de outra forma a proteção da vítima,
ou seja, não ser a vítima a sair de casa e procurar um refúgio, mas, sim, o agressor a ser, efetivamente,
afastado da vítima, impedindo-o de continuar a prática deste crime?
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.
O Sr. Mendes Bota (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as
Deputadas e Srs. Deputados, em primeiro lugar, um
agradecimento que é extensivo às três interventoras que me precederam no uso da palavra, pelas referências
simpáticas que fizeram ao meu trabalho.
Em segundo lugar, gostaria desde já, e para desfazer quaisquer dúvidas — como ando nesta luta há pelo
menos oito anos —, de dizer-vos o seguinte: tenho que reconhecer que, quer com o Governo anterior, quer o
atual Governo, quer com a ex-Secretária de Estado, Elza Pais, quer com a atual Secretária de Estado, Teresa
Morais, ambas fizeram e têm feito um trabalho extraordinário em prol do combate à violência contra as
mulheres em Portugal.
Não posso dizer que Portugal esteja no topo de ranking. Mas Portugal está seguramente, quer em termos
de edifício legislativo, quer em termos das estruturas de apoio, de combate e prevenção, entre os primeiros
Estados da União Europeia e do Conselho da Europa. E, portanto, rendo aqui a minha homenagem, porque
isto ultrapassa qualquer divergência partidária, qualquer divergência ideológica. Eu acho que não se pode
menorizar nem o trabalho passado nem o trabalho atual. Acho que ambos merecem crédito e tiveram o seu
mérito.
Em terceiro lugar, queria antes de mais dizer o seguinte: o fenómeno da violência contra as mulheres é
algo que vem desde há milénios.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Muito bem!
O Sr. Mendes Bota (PSD): — Advém de uma sociedade patriarcal, onde foi sempre prática ser o homem
que comandava as famílias, o homem mandava, e a mulher tinha sempre um papel de subserviência e
dependência em relação ao homem. Portanto, não se trata de um fenómeno que esteja dependente de uma
crise conjuntural, seja uma crise de há 100 anos atrás ou uma crise do ano atual.
Ou seja, eu penso que a crise económica que vivemos (sinceramente, é o que penso e o que tenho ouvido)
funciona mais como detonador da violência, porque a violência já lá está — está já imanente. A violência
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reproduz-se de geração para geração. Um jovem tende a reproduzir a violência a que assistiu em casa da
parte do pai e da mãe, ou de outros membros da família.
E, portanto, esta violência tem de ser combatida, essencialmente, através da prevenção. E prevenção
desde os bancos da escola, da mais tenra idade. Não basta fazê-lo já na adolescência. É necessário que
façamos com a violência de género, com a violência contra as mulheres, o mesmo que se fez com sucesso
com a sensibilização ambiental, em que hoje são os novos jovens, das idades mais tenras, que corrigem os
pais, através da separação dos lixos, do respeito pelo ambiente, do combate à poluição. Isso foi ganho. E foi
ganho nas escolas.
Porque o que nós estamos a fazer com todos aqueles que já têm maioridade, é tentar reverter um
computador que está programado no sentido errado. Estamos a tentar mudar um cérebro que já está
formatado. O que nós temos é que formatar os cérebros da mais tenra idade. E eu acredito que é aí, daqui a
14, 15 ou 16 anos, que veremos os verdadeiros resultados dessa ação de sensibilização ao nível das escolas.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.
O Sr. Mendes Mota (PSD): — Concluo já, Sr. Presidente.
Queria também dizer que, quando se fala muitas vezes que fazem falta casas-abrigo, que deve haver mais,
devo dizer que é um conceito que tem o seu quê de errado. Porque quem devia sair das habitações são os
agressores. Não é a vítima.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Exatamente!
O Sr. Mendes Bota (PSD): — Há países, como a Áustria, em que não é permitido aos agressores
continuarem em casa. Portanto esse é que seria o caminho certo.
Agora, é evidente que sou pela autonomização económica das mulheres. É evidente que acho muito
positivo que, se não puderem ficar em casa possam arranjar uma habitação a custos sociais que estejam ao
seu alcance.
Finalmente, queria dizer que, infelizmente, em Portugal já temos muita legislação, mas temos que dar um
novo passo, temos de passar da legislação virada apenas para a violência doméstica para a violência contra
as mulheres.
Porque as mulheres que são vítimas no trabalho, na rua, também porque são mulheres, não estão
contempladas para aquilo que está virado para a violência dentro do seio familiar, dentro das quatro paredes
das casas. E este é o passo qualitativo; diria até quantitativo em termos jurídicos que o nosso País tem de
começar a dar.
Tal como eu disse, existem muitas formas de violência. O stalking: não está considerado. A violência
psicológica: difícil de provar.
Muito obrigado. Vamos à luta, porque isto é daquela de que vale a pena dizer: «a luta continua».
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada
Heloísa Apolónia, de Os Verdes.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Os Verdes, com esta
declaração política, pretendem alertar todos os Deputados para uma questão gravíssima, confirmada pela Sr.ª
Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, que se prende com a extinção
da Reserva Ecológica Nacional (REN).
Com efeito, este mês, em entrevista ao jornal Expresso, a Ministra do Ambiente declara que «A REN, por
si, irá desaparecer». É a declaração expressa de morte da Reserva Ecológica Nacional.
A REN foi criada, em 1983, com vista à proteção dos recursos naturais, como a água e o solo, para
favorecer a conservação da natureza e da biodiversidade e para melhorar a gestão do território. Esta reserva
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visa contribuir para um contínuo ecológico, para uma interação e para uma coerência ecológicas na rede de
preservação e de valorização dos recursos ambientais.
Com efeito, a conservação da natureza não pode ser vista como uma coisa compartimentada, onde os
espaços funcionariam com fronteiras estanques. É fundamental dar-lhes continuidade territorial, com
diferentes modos de classificação e de proteção em função das características dos próprios espaços.
Ora, a Reserva Ecológica Nacional funciona, juntamente com a Reserva Agrícola Nacional, na base da
identificação de locais de significativo valor ecológico e agrícola e atribui-lhes um estatuto de proteção que,
pelo menos, não permita que sejam abafados por uma política de betão, sempre apetecível a tantos níveis. É,
portanto, de salvaguarda de interesse coletivo que estamos a falar quando falamos da REN.
É bem verdade que o regime jurídico da REN inclui um conjunto de exceções a atividades interditas que
tem levado à cedência a muitos interesses de construção e à sua descaraterização. O Partido Ecologista «Os
Verdes» tem, ao longo dos tempos, denunciado muitos desses casos, alguns inclusivamente com rótulo de
projeto de potencial interesse nacional (PIN) para procurar aligeirar o que não era sequer aceitável. Contudo,
esse regime de exceção, aberto por autorizações com elevado grau de subjetividade e de cedências a lobbies,
não levará ninguém a pedir que se acabe com a REN, porque se pusermos em dúvida o regime de exceção
não estamos a pôr em causa a REN mas justamente os atentados que aquele pode abrir.
Ora, o Governo entende que tudo aquilo que não cabe no regime de exceção se torna, afinal, num
impedimento chato, o mesmo é dizer que as restrições de construção, de entrave à fúria do betão e às
alterações de uso de solo, que se apresentam com o rótulo de REN, são um obstáculo que deve terminar, o
que é perfeitamente inaceitável.
Referiu ainda o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Ordenamento do Território que não faz sentido
haver REN quando outras classificações ambientais se sobrepõem no mesmo espaço. Mas, então, o Partido
Ecologista «Os Verdes» chama a atenção para o seguinte: se a REN e a RAN correspondem acerca de 60%
do território e a Rede Nacional de Áreas Protegidas a 20% do território, qual é a sobreposição que deixa de
acontecer? Isto demonstra que o Governo está a procurar encontrar todos os pretextos sem sentido para
justificar o fim de um regime de valorização do território.
Argumenta o Governo, por exemplo, que a REN tem uma carga burocrática inaceitável, designadamente
por via da necessidade de solicitação de autorizações a entidades públicas, que deriva do regime jurídico da
REN. Isto é gravíssimo, porque acabar com as burocracias não é acabar com os estatutos de proteção; acabar
com as burocracias é criar serviços eficazes, é tornar os procedimentos mais rápidos, o que se consegue com
uma componente de meios humanos e técnicos adequados à celeridade dos processos. Mas se o Governo
esvazia a Administração Pública de trabalhadores, visando agora despedir 50% dos contratados e fazer
muitas rescisões ditas amigáveis (leia-se: colocar as pessoas «entre a espada e a parede» para saírem da
função púbica), como é que se pode acabar com as burocracias? O que se está a fazer é a promover uma
Administração Pública incapaz de responder às necessidades dos cidadãos em todos os serviços públicos,
com uma intolerável escassez de profissionais, para os quais será de todo impossível realizar o trabalho diário
de dois, três ou quatro trabalhadores. Estas são implicações concretas das decisões do Governo e da troica.
Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, várias associações de ambiente já manifestaram a sua indignação
em relação a esta intenção do Governo de aniquilar o regime da Reserva Ecológica Nacional. O Partido
Ecologista «Os Verdes» assume, ao nível parlamentar, uma intervenção consequente e questionará, no
próximo dia 11 de dezembro, a Sr.ª Ministra do Ambiente sobre esta matéria. Seremos oposição certeira e
sem hesitações a qualquer intenção de matar a REN e contribuiremos para denunciar este atentado de um
Governo que nitidamente, já sem qualquer dúvida, torna a proteção ambiental como um obstáculo a todos os
interesses que pretende servir, e esses vão estando bem claros à medida que se conhece o âmbito de cada
decisão governamental.
O apelo que fazemos é para que os Deputados à Assembleia da República tomem consciência do que está
em causa e se juntem rapidamente a esta preocupação e a esta oposição que Os Verdes aqui hoje deixam
expressa.
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Muito bem!
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O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados
Paulo Sá, António Leitão Amaro e Pedro Farmhouse.
Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Sá, do PCP.
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, a Lei de Bases do Ambiente de
1987, ainda em vigor, consagra a Reserva Ecológica Nacional como um importante instrumento da política do
ambiente.
Sabemos que o objetivo de efetivação do direito constitucional a um ambiente humano e ecologicamente
equilibrado não foi ainda plenamente atingido, mas a responsabilidade quanto à efetivação deste direito não é
da própria lei ou dos instrumentos nela consagrados mas, sim, de sucessivos Governos que fragilizaram, em
vez de fortalecerem, a capacidade de intervenção do Estado.
O atual Governo PSD/CDS prosseguiu com esta política de minimização do papel do Estado na política
ambiental. Isto encontra-se bem patente na proposta de Lei de Bases do Ambiente que o Governo apresentou
à Assembleia da República, onde o papel do Estado na definição e concretização da política ambiental é
extremamente difuso, abrindo caminho ao seu gradual apagamento.
Com a alteração ao regime jurídico da Reserva Ecológica Nacional o Governo prossegue o caminho do
desmantelamento — repito, desmantelamento — da legislação de proteção ambiental e do ordenamento do
território. A intenção do Governo é clara: pretende uma desregulamentação do setor do ambiente, substituindo
o papel do Estado, que é fundamental, por instrumentos de mercado. Esta é uma política que serve os
interesses privados. Não podemos esquecer, por exemplo, que a REN é composta, na sua maioria, pelo
domínio público hídrico, que, como muito bem sabemos, é alvo de cobiça dos grandes interesses privados.
O que significa a desregulamentação do setor? Veja-se, por exemplo, o que aconteceu no setor financeiro
nas últimas décadas: a desregulamentação ocorrida nas últimas décadas culminou com uma crise financeira
mundial que rapidamente se transformou numa crise económica e social com profundas e trágicas
consequências, que atingem também o povo português.
Com a sua política de minimização do papel do Estado e de mercantilização dos recursos naturais, o
Governo coloca o valor económico dos recursos ambientais ao serviço de interesses privados, em vez de o
subordinar às necessidades do País e das populações.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Muito bem!
O Sr. Paulo Sá (PCP): — A pergunta que queria colocar-lhe, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, é a seguinte:
quais são as consequências que, em sua opinião, a atual política governamental de desregulamentação e de
minimização do papel do Estado terá na conservação da natureza e na utilização dos recursos naturais?
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Uma vez que, entretanto, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia
informou a Mesa de que pretende responder conjuntamente aos três pedidos de esclarecimento, tem agora a
palavra o Sr. Deputado António Leitão Amaro, do PSD.
O Sr. António Leitão Amaro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, queria agradecer-
lhe por trazer o tema da REN e da reforma da legislação sobre o ordenamento do território a este Parlamento.
É uma oportunidade para discutirmos um tema importante mas, sobretudo, uma oportunidade para
esclarecermos os portugueses sobre o que aqui está em causa.
A primeira pergunta que gostaria de colocar é a seguinte: sabe ou não a Sr.ª Deputada que a REN foi um
regime criado em 1983 para proteger um conjunto de espaços ambientais sensíveis, sobretudo ligados aos
recursos hídricos, numa altura onde mais não havia em termos de proteção ambiental? E sabe ou não que,
desde 1983 até hoje, por legislação, a Assembleia da República e os governos foram aprovando outras formas
de proteção de vários valores ambientais, e que essas formas são as áreas protegidas, a Rede Natura 2000, a
Lei da Água, o regime jurídico da utilização dos recursos hídricos, entre outros?
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Estes vários outros mecanismos de proteção garantem que, dos vários descritores da REN, isto é, dos
vários elementos sensíveis que a REN protege, todos eles, exceto eventualmente um, que são umas arribas
que possam estar em risco de desmoronamento, estão já protegidos por outros mecanismos, nos quais o
Estado tem o mesmo papel de planeamento, de fiscalização e, eventualmente, de autorização de utilizações.
O que temos hoje, no caso da REN, é uma sobreposição, praticamente integral, sendo estes novos
mecanismos que temos mais adequados, porque são mais modernos e mais pensados tendo em conta o
conhecimento que hoje temos sobre cada um desses meios, os quais podem estar em risco.
É verdade ou não que uma mudança do regime da REN não vai deixar nenhum desses espaços
ambientais em risco?! É que todos eles continuam a ter proteção.
É verdade ou não que, eliminando essa sobreposição, mantemos uma proteção?
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.
O Sr. António Leitão Amaro (PSD): — Sr. Presidente, vou terminar com a segunda pergunta, que é a
seguinte: Sr.ª Deputada, é verdade ou não que todos estes espaços ambientais sensíveis têm hoje, pelo
menos, duas entidades do Estado a protegê-los e a regulá-los?
E é verdade ou não que, ao contrário do que diz o Sr. Deputado Paulo Sá, mesmo que desaparecesse, que
concentrássemos hoje os órgãos da REN, continuaríamos a ter o Estado em todos estes espaços, a controlar?
É verdade ou não que mantemos o ambiente protegido?
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Pedro
Farmhouse, do PS.
O Sr. Pedro Farmhouse (PS): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, começo por agradecer à Sr.ª
Deputada Heloísa Apolónia que tenha trazido a este Plenário este tema importante, que mais não é do que um
sinal das intenções deste Governo em relação às matérias do ambiente, seja por omissão, seja por
desregulamentação.
Esta é mais uma marca da falta de diálogo que o Governo tem mantido nas áreas do ambiente, como
comprova o comunicado da Liga para a Proteção da Natureza, como representante das organizações não-
governamentais do ambiente e do ordenamento do território, que saiu da Comissão Nacional da Reserva
Ecológica Nacional em protesto para com a intenção do Governo de acabar com esta Reserva Ecológica.
Também em relação à própria Lei de Bases do Ambiente, as mesmas organizações denunciaram a falta de
diálogo do Governo.
Esta é uma marca deste Governo, que não pode agora dizer que não é verdade. São as próprias
organizações que assim o afirmam em vários comunicados, seja no parecer sobre a Lei de Bases do
Ambiente, seja em relação às declarações da Sr.ª Ministra a propósito de fazer desaparecer a Reserva
Ecológica Nacional.
Não posso deixar de comentar a intervenção anterior do Sr. Deputado António Leitão Amaro, que diz haver
uma sobreposição. Não, não há uma sobreposição, mas sim uma complementaridade entre a diferente
legislação e que deve continuar a ser complementar e não apenas uma mera questão de duplicação de
autorizações, como o Sr. Deputado aqui tentou fazer passar a ideia.
É, pois, exatamente nesse sentido, Sr.ª Deputada, que lhe faço duas perguntas.
A primeira é no sentido de saber se, na sua opinião, a tentativa — que será, provavelmente, concretizada
— de retirar competências à Reserva Ecológica Nacional não é a de eliminar redundâncias e burocracia
existentes mas antes a de contribuir para eliminar a proteção de uma parte significativa das áreas com
necessidade premente de um regime de conservação da natureza. Não considera que isso é mais um passo e
um sinal no desmantelamento da legislação de proteção ambiental e de ordenamento do território e que
deveremos temer o pior quando chegar, finalmente, a este Plenário, a lei de bases do ordenamento do
território e dos solos, que está prometida para ser apresentada brevemente por este Governo?
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Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, quero agradecer ao Sr. Deputado Paulo Sá, ao Sr.
Deputado António Leitão Amaro e ao Sr. Deputado Pedro Farmhouse as considerações e as questões que
colocaram.
Gostava de dizer que, de facto, não sei o que é que este Governo tem contra a legislação ambiental, mas
percebe-se que quer espremê-la de tal forma de modo a caber tudo num suposto estatuto de proteção que
depois se torna na coisa mais frágil do País.
A proposta que o Governo apresentou de Lei de Bases do Ambiente reflete isso mesmo. Ou seja, tornar os
pilares do quadro legislativo ambiental tão gerais, tão gerais, que lá cabe tudo e lá não cabe nada, é perigoso.
Julgo que nós, por via dos diferentes setores e das diferentes intenções que os Srs. Membros do Governo
vão manifestando, devemos estar muito atentos sobre, talvez, uma importância ainda mais relevante do que a
que atribuímos no início relativamente ao processo de Lei de Bases do Ambiente.
Por outro lado, quero dizer o seguinte: choca alguma coisa que uma determinada parte do País esteja
dentro de uma área protegida, seja REN e seja Rede Natura 2000 do País? Isto choca alguém? Ou seja,
choca alguém ter diferentes estatutos de proteção? É porque inclui valores de tal ordem que há uma
determinada área que congrega vários estatutos de proteção. Qual é o problema? É assim uma coisa tão
dramática?
Protestos do Deputado do PSD António Leitão Amaro.
O problema é os senhores dizerem que se sobrepõe e depois há áreas que não se sobrepõem em
absolutamente nada; há áreas que vão ficar completamente vazias, porque este é um estatuto de proteção
que vai remeter para a Lei da Água, para a Lei dos Solos, havendo áreas do País que vão deixar de ter
estatuto de proteção, em que entram os privados e constroem o que quiserem.
Sr. Deputado, aquilo que hoje, na REN, está sujeito a autorização, o Governo não quer que esteja sujeito a
autorização e passa a estar sujeito a uma mera comunicação. Isto não é normal, porque, à partida, os valores
da área não se deviam ter alterado, não é verdade? Ou seja, aquilo que queremos preservar continua lá, mas
tudo vai ficar fragilizado.
Isto demonstra, claramente, uma nítida desresponsabilização do Estado. Primeiro, porque se trata de uma
entrega e de uma cedência clara, também no quadro legislativo, a interesses privados, a quem este Governo
quer dar de bandeja — e não há dúvida absolutamente nenhuma sobre os diferentes setores que tem
anunciado — e uma clara desresponsabilização do Estado que se nota em tudo quanto é área do ambiente,
designadamente numa coisa fulcral para os estatutos de proteção dos nossos espaços com grande valor
ecológico, que tem a ver com a questão da fiscalização! É perfeitamente absurdo o desinvestimento que se
tem feito nesta área, porque, afinal de contas, temos estatutos de proteção no papel, os quais ainda queremos
diminuir mais e, na prática, não temos absolutamente nada. A política do Governo vai justamente contra
qualquer estatuto de proteção, e é isto que não conseguimos aceitar.
Por outro lado, é uma coisa muito esquisita o não envolvimento dos interessados, daqueles que todos os
dias trabalham no terreno nestes estatutos de proteção, na valorização destes mesmos estatutos,
designadamente associações ambientais, que não são chamadas a pronunciarem-se sobre uma intenção de
alteração de um regime desta natureza! Mas este Governo é esquisito!
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João
Soares, do PS.
O Sr. João Soares (PS): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Vivemos um momento de grandes
dificuldades. Portugal, os portugueses, estão a sofrer cada dia que passa, de uma forma mais dramática,
essas dificuldades, com a agravante de que, desta vez, e ao contrário do que aconteceu em crises anteriores,
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bem difíceis, pelas quais passámos, não se vislumbra, com este Governo e as suas políticas, uma luz de
esperança ao fundo do túnel.
Nesse contexto, aliás, a entrevista ontem dada pelo Primeiro-Ministro a um canal de televisão foi mais uma
mancha nesse quadro de desolação, de ausência de estratégia, de seguidismo acrítico das correntes
ultraliberais e antissocial-democráticas europeias.
Na entrevista de ontem, o Primeiro-Ministro não disfarçou a sede com que quer desmantelar o Estado
social e fixou a educação dos portugueses como o seu primeiro alvo.
Desinvestir na educação tem vários significados: significa a hipoteca do futuro, a redução do potencial de
crescimento e o aumento das desigualdades. Estes significados expressam bem a falta de visão e de ambição
que o Primeiro-Ministro tem para o País.
Estes significados representam o regresso ao País pobre de outros tempos, dos tempos onde os
rendimentos das pessoas condicionavam o seu acesso à educação em Portugal. Esses são tempos do
passado, a que os portugueses não querem voltar. Queremos continuar a ter uma educação pública de
qualidade, de que todas as crianças, todos os jovens e todos os adultos possam beneficiar,
independentemente das suas condições económicas.
Para o PS, não haverá educação para ricos e educação para pobres.
A entrevista de ontem mostrou ao País um Primeiro-Ministro sem soluções para os problemas dos
portugueses. O Primeiro-Ministro só vê o Memorando à sua frente. Para o Primeiro-Ministro tudo vai bem,
apesar de o desemprego ser o maior de sempre e de a nossa economia continuar a cair.
Aplausos do PS.
O País confirmou que tem um Primeiro-Ministro isolado dos portugueses e distante da realidade; um
Primeiro-Ministro que não conseguiu disfarçar o seu enfado ao ter de reconhecer que outros, entre os quais o
Secretário-Geral do Partido Socialista, tinham feito na Europa o trabalho de casa que lhe competia; um
Primeiro-Ministro sem voz na Europa, onde os benefícios nos chegam mais porque também foram atribuídos à
Grécia ou à Irlanda, do que por iniciativa e proposta do Governo português.
Vozes do PS: — Ora bem!
O Sr. João Soares (PS): — Sei, estou certo de que sabemos todos, quaisquer que sejam as diferenças
ideológicas e partidárias que nos separam, que a crise terrível que estamos a viver nos excede em muito. Ela
é, como o PS sempre sublinhou, antes de mais, uma crise do próprio projeto europeu.
A crise atual tem a sua origem na quebra dramática de confiança no sistema financeiro internacional, que
começa em 2008 nos Estados Unidos e que alastrou, num verdadeiro tsunami, pelo mundo, e muito
especialmente na Europa.
Há que reconhecer, até porque essa é a razão básica das nossas necessidades atuais, que o sistema
financeiro, na Europa e no mundo, se transformou, no último meio século, numa realidade virtual, muito
distante da real construção da riqueza e do bem-estar dos povos.
As bolsas de valores dos tristemente famosos mercados estão cheias de operações derivadas de
engenharia financeira indecifrável que, para além de acentuarem as perversões a cada minuto, contribuem, de
forma dramática, para agravar as dificuldades dos países que se lhes transformam em alvo.
A saída para esta crise é extremamente difícil, mas, na minha opinião, não passa pelos chamados
mercados. Terá de ser uma saída política, mas uma saída política que tem de ser encontrada, antes de mais
— como, aliás, o PS e o seu secretário-geral sempre têm dito —, no quadro europeu.
Por pura arrogância da equipa que nos governa, chegámos a um ponto de quase não retorno. O
Orçamento do Estado, anteontem aprovado, é um documento impraticável — todos o dizem, mesmo dentro
das famílias políticas que apoiam o Governo.
No meio deste imenso ataque aos trabalhadores e aos empresários portugueses, surge agora, talvez, uma
luz: a possibilidade de mais tempo e de juros mais baixos.
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Com este Governo, Portugal seguiu, acriticamente, e sem que uma palavra em contrário se lhe ouvisse,
nas instâncias europeias e outras, sobre estas políticas. Os resultados conhecidos de execução orçamental de
2012, depois de tantos sacrifícios exigidos aos portugueses, falharam no défice e aumentaram a dívida.
O Governo, obstinado, seguiu o caminho contrário, como o Orçamento do Estado de 2013, anteontem
aprovado pela maioria, prova: custe o que custar, a austeridade em cima de austeridade, sem sensibilidade
social e com os resultados que já se adivinham desastrosos para a vida da maioria dos portugueses e para a
economia nacional.
Aplausos do PS.
Nós, socialistas, repetimos com clareza aquilo que, desde há um ano, ou há mais de um ano, vimos
dizendo: precisamos de mais tempo e de juros mais baixos, precisamos de apostar, como primeira prioridade,
na criação do emprego e no crescimento do nosso aparelho produtivo e na dinamização competitiva do nosso
aparelho produtivo.
O Governo, esse, continua calado e cego perante a perspetiva evidente de descalabro, a insistir nas
políticas do «custe o que custar», anteontem, de novo, aqui aprovadas. Até quando?
O caminho que propomos, nós, socialistas, é o de soluções mais justas e menos penalizadoras. É nesse
caminho que vamos prosseguir, fiéis às nossas convicções, a pensar nos portugueses e em Portugal.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — O Sr. Deputado tem um primeiro pedido de esclarecimento do Sr.
Deputado Carlos Costa Neves, a quem dou a palavra.
O Sr. Carlos Costa Neves (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Soares, oiço-o sempre com toda a
atenção, como oiço todos os colegas, mas, no caso concreto, com especial estima pelo passado que temos
em comum no Parlamento Europeu.
Relativamente à sua intervenção, gostava de trazer a esta Casa uma ideia que me parece sempre
importante ter em conta do filósofo Ortega y Gasset, que diz que «nós somos nós e as nossas circunstâncias».
E se «nós somos nós e as nossas circunstâncias», o País também é o País e as suas circunstâncias.
E é muito fácil nós pormos as responsabilidades do que se passa no País, algures na crise internacional,
algures na Europa, em todos os lugares menos em Portugal.
É verdade que há uma crise internacional, é verdade que há uma crise europeia, mas também é verdade
que, em Portugal, nomeadamente nos fins da década de 90 e durante toda a primeira década do século XXI,
houve quem nos pusesse na situação em que nos pôs.
E agora é preciso resolver o problema. É preciso que a União Europeia tenha a capacidade de resposta
necessária à crise que ela própria está a viver, e é preciso que nós façamos a nossa parte no nosso País em
relação àquilo que está na nossa mão resolver.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Carlos Costa Neves (PSD): — Em relação à União Europeia, vai-se fazendo caminho e Portugal tem
estado envolvido, nomeadamente, na primeira linha da discussão do próximo Quadro Financeiro Plurianual
para o período de 2014-2020. Portugal está no grupo dos países «Amigos da Coesão», Portugal tem a sua
posição bem preparada e tem estado na primeira linha da defesa da coesão e da política agrícola comum.
O Sr. Luís Menezes (PSD): — Muito bem!
O Sr. Carlos Costa Neves (PSD): — E é aí que nós vamos continuar.
Quanto a alternativas, é sempre importante debater, é sempre importante estarmos abertos a todas as
alternativas. Eu não alinho, nem o Grupo Parlamentar do PSD alinha, com aqueles que acham que só aqui é
que há razão. Com certeza que há boas ideias nas outras bancadas. Temos estado é à espera delas.
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A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Ai é?!
O Sr. Carlos Costa Neves (PSD): — E mais uma vez vamos continuar à espera dessas ideias.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Peço-lhe que conclua.
O Sr. Carlos Costa Neves (PSD): — Vou concluir, Sr. Presidente.
Aquilo que ouvimos é que a resposta não está no mercado, mas está na política. Mas está na política onde,
Sr. Deputado?! Provavelmente, está na política da mesma forma que, aquando da crise de 1983-85, as
respostas que estiveram na política foram semelhantes às de hoje e aquilo que procuraram foi maior equidade
e, dentro das dificuldades, maior justiça.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — O Sr. Deputado João Soares informou a Mesa de que responderá,
em conjunto, a todos os pedidos de esclarecimento.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.
A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Soares, deixe-me cumprimentá-lo. Creio que
nós, em particular, pela responsabilidade política que assumimos, temos obrigação de fazer no Plenário da
Assembleia da República um debate sério sobre as intenções anunciadas nos últimos tempos pelo Sr.
Primeiro-Ministro, sobre este programa jamais ratificado nas urnas, que, à medida que o tempo vai passando,
os partidos da maioria, e em particular o Sr. Primeiro-Ministro, vão mostrando ao País.
Creio que o Sr. Primeiro-Ministro vai sacudindo as suas responsabilidades naquilo que são hoje as
dificuldades, diria, da esmagadora maioria das famílias portuguesas e das empresas portuguesas, naquilo que
é o desastre da sua política orçamental, da sua política económica e da sua política social. Mas, acima de
tudo, o Sr. Primeiro-Ministro quer colocar o País numa posição de chantagem perante o falhanço da sua
própria política. Diz-nos o Sr. Primeiro-Ministro que mais não há a fazer senão atacar aquilo que é a despesa
pública, em particular nas áreas sociais.
Mas o que o Sr. Primeiro-Ministro jamais quis aflorar durante a entrevista, ontem, foi a questão do
crescimento económico. E esse é o debate central que o País tem de fazer, sobre como é que o País recupera
instrumentos, capacidade de investimento, vontade, iniciativa, quadros, políticas públicas de investimento,
para fazer um processo de reconversão da sua economia que permita crescimento económico, que permita
qualquer esperança para o futuro de reconversão da nossa própria estrutura política e do tecido económico.
Creio que esse é o debate que o Sr. Primeiro-Ministro não quer fazer. O Sr. Primeiro-Ministro tem um
entendimento punitivo sobre a estrutura económica em Portugal: é preciso deixar falhar tudo e, depois, das
cinzas vai renascer — não se sabe é como — uma nova iniciativa, mas não há qualquer intervenção pública.
Portanto, julgo que o debate sobre o crescimento é um debate fundamental.
Mas há uma segunda questão. Viu-se, agora, no exato momento em que o Sr. Deputado Costa Neves fazia
a sua intervenção, aquilo que tem sido uma vontade reiterada, por parte do PSD e do CDS, de fazer uma
piscadela de olhos ao Partido Socialista. Ora, acho, Sr. Deputado, que temos de ser claros nas respostas que
damos: uma coisa é falarmos sobre reformas da despesa pública, dos serviços públicos, mas estarmos no
terreno da discussão das políticas públicas; outra coisa é achar que gastar 70% na educação, na saúde, na
segurança social e em salários é um erro e que é com isto que devemos acabar.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Peço-lhe que conclua.
A Sr.ª Ana Drago (BE): — Concluo já, Sr. Presidente.
Será que devemos gastar em doces, submarinos, rotundas, naqueles programas de formação para os
trabalhadores dos aeródromos…? Para o Governo, deve ser isso que é o investimento público e a despesa
pública.
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Acho que há uma distinção fundamental afazer: uma coisa é discutir políticas públicas; outra coisa é
desmontar o Estado social, em Portugal.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João
Pinho de Almeida.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Soares, o Sr. Deputado fez
uma intervenção muito pertinente, em que disse uma coisa que é muito verdadeira: que esta crise excede-nos
em muito. É verdade, e é bom que todos tenhamos a noção disso, para que também tenhamos uma noção
muito válida daquele que é o nosso lugar na tentativa de resolução dessa crise e daquele que é o papel de
cada um, individualmente, ou das instituições, na resolução dessa mesma crise.
Falou também nos dois domínios essenciais: o domínio nacional e o domínio internacional,
designadamente o domínio europeu.
O Sr. Deputado falou ainda, a propósito de uma entrevista dada ontem pelo Sr. Primeiro-Ministro, da
questão que está em cima da mesa, em termos nacionais. É verdade que, no âmbito dos compromissos
externos que Portugal teve de assumir, há, neste momento, um desafio, que resulta desses compromissos, de
um adicional de redução de despesa no valor de 4000 milhões de euros. E é também essencial perceber que
só conseguiremos ultrapassar o desafio de cumprir essa premissa que foi acordada com os nossos credores
internacionais se tivermos a capacidade de, internamente, mais uma vez, percebermos que se a crise nos
excede assim tanto — e, de facto, excede-nos — temos de conseguir estar, pelo menos, à altura daquela que
é a nossa responsabilidade nessa crise.
E também não têm sido poucas as vozes dentro do seu partido a dizer que o Partido Socialista deve
contribuir para essa solução,…
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — … que deve participar, que deve ter opinião, porque aquilo
que se vai construir a partir daqui, aquilo que vai resultar desta crise, seja quem for que o decida, é algo que
nos vai afetar a todos e vai afetar aqueles que, neste momento, ainda não podem decidir mas que dependem
das decisões que tomarmos hoje.
Por isso, é importante demais, e também nos excede essa importância do assunto neste momento. E é
bom que todos tenhamos a noção de que participar é estarmos à altura desse momento.
Por isso, perguntava-lhe se não acha também, como tantas vozes no Partido Socialista, que era bom que o
PS contribuísse para este debate. Se o PS acha (e provavelmente acha bem) que não se deve começar um
debate destes por cortar nas despesas sociais, que obviamente um debate sobre cortar despesa não pode
começar por aumentar receita, que um debate sobre cortar despesa não pode começar por aquilo que mais
impacto tem diretamente na vida das pessoas, então, que o Estado olhe para dentro de si próprio e que
encontre os caminhos do corte,…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É com os 600 milhões de euros para os alemães!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — … da racionalização, da reorganização, de afetação correta
de meios, que permita que essa redução se faça com menor impacto possível para as pessoas.
Essa tarefa, se calhar, não estando acima de nós, está num grau de exigência muito grande.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Tem de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente.
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E por estar num grau de exigência muito grande, e porque todos queremos inevitavelmente que a melhor
solução seja a melhor para os portugueses de agora e para os portugueses do futuro, não acha que o Partido
Socialista deveria dar esse contributo, esse testemunho, e contribuir para esse futuro?
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Soares.
O Sr. João Soares (PS): — Sr. Presidente, responderei pela ordem inversa das intervenções e das
questões que me foram colocadas.
Começo por saudar o Sr. Deputado João Almeida, porque finalmente ouve-se um responsável e dirigente
do CDS a comentar a desastrosa entrevista do Sr. Primeiro-Ministro dada ontem à noite.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ainda por cima, foi referido na entrevista!
O Sr. João Soares (PS): — Devo dizer-lhe que me senti particularmente feliz por isso.
O Partido Socialista está disponível para discutir a reforma do Estado — já o disse, com toda a clareza,
pela voz do seu líder, o nosso colega Deputado António José Seguro. Aliás, o Partido Socialista apresentou
sobre essa matéria uma proposta que está em Conferência de Líderes, à espera que seja tomada uma
decisão sobre esta matéria.
Mas há territórios que são, para nós, absolutamente sagrados — e aqui respondo às questões que me
colocou, passando também diretamente às questões que a Sr.ª Deputada Ana Drago suscitou com grande
brilho.
Como dizia, há territórios que, para nós, são sagrados: a educação, a saúde e todo o sistema de segurança
social — o modelo social europeu é, para nós, um território sagrado.
E não aceitamos, como, aliás, disse, variadíssimas vezes, com toda a clareza, o nosso líder, o Dr. António
José Seguro, fazer um pacto para um Estado social low cost. Temos de encontrar — e aí estou de acordo
(como em muitas outras coisas) com o que disse a Sr.ª Deputada Ana Drago — alguma maneira de pôr o
nosso País a produzir mais, para poder financiar as despesas que temos. E essa é qualquer coisa sobre a
qual não temos visto resposta do Governo, ao fim de um ano e meio de exercício do poder.
O Sr. Deputado Costa Neves, meu antigo companheiro do Parlamento Europeu, sabe bem que a voz do
Governo português não se tem feito ouvir nas instâncias europeias, nomeadamente no quadro do Parlamento
e, sobretudo, da Comissão Europeia — até hoje!
Sr. Deputado Costa Neves, sei que não tenho condições para lhe colocar uma questão, mas o senhor é um
homem informado e está seguramente atento ao que se tem passado em Bruxelas e nas várias instâncias da
União Europeia. Não há, até hoje, registo de uma única intervenção sobre essa matéria, bem pelo contrário.
Eu disse, continuo a dizer, reafirmo e tenho a convicção de que não há uma solução que não seja no
quadro europeu. Os problemas que enfrentamos começaram com a crise do sistema financeiro, em 2008, nos
Estados Unidos da América, e com o tsunami que atingiu a Europa de uma forma dramática. Eu sou — e far-
me-á a justiça de o reconhecer — um europeísta convicto, continuo a acreditar no projeto da União Europeia,
que é o mais importante projeto feito no último século e que não pode soçobrar à visão contabilística estrita e
estreita do atual poder democrático alemão. Também já aqui o disse, mas é importante que isso se diga, que
se diga em público e que se diga em Bruxelas e em Berlim: não pode soçobrar o mais importante projeto de
paz, de cooperação, de solidariedade e de desenvolvimento, que é o projeto da União Europeia, às mãos
dessa visão estrita e estreita.
E para isso é preciso que o Governo de Portugal, apesar das dificuldades que enfrentamos, e também por
causa das dificuldades que enfrentamos, se una às outras forças que, no quadro europeu, querem uma
alteração radical das regras do jogo, para não ficarmos nas mãos dos mercados e das especulações
financeiras que nos lançaram nesta situação dramática em que estamos.
É desta situação dramática que queremos sair, é desta situação dramática que, ao fim de mais de um ano
e meio, sentimos que o Governo não nos está a tirar.
Dizia-lhe mais: o Governo já tem idade para assumir as suas responsabilidades.
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Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Srs. Deputados, terminámos o primeiro ponto da ordem de
trabalhos, que constava de declarações políticas.
Vamos entrar no segundo ponto, que é a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 99/XII (2.ª) —
Procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 280/93, de 13 de agosto, que estabelece o regime do trabalho
portuário.
Em primeiro lugar, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Ministro da Economia e do Emprego.
O Sr. Ministro da Economia e do Emprego (Álvaro Santos Pereira): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs.
Deputados: O Governo apresenta hoje à Assembleia da República uma proposta de reforma laboral para os
nossos portos. Trata-se de uma proposta que está em linha com outras já apresentadas por este Governo
para reformar a economia nacional e prepará-la para o futuro.
Os portos são setores-chave para o esforço de reindustrialização do nosso País. Para as empresas
portuguesas são uma importante porta de acesso a novos mercados e à expansão da sua atividade. Reduzir
custos nos portos significa reduzir os custos de quem produz e de quem exporta, significa permitir a criação de
emprego por parte de quem quer investir e de quem quer crescer, significa ter uma economia mais competitiva
no mundo crescentemente globalizado. Nesse sentido, o Governo definiu um objetivo concreto de redução da
fatura portuária entre 25% e 30% com todas as reformas no setor dos portos. Aqui, o trabalho no espaço
portuário desempenha um importante contributo, principalmente através do aumento da produtividade.
Apesar da indiscutível importância e do forte contributo para a modernização da economia, o novo regime
jurídico de trabalho portuário é apenas uma matriz que potencia a competitividade dos nossos portos.
Caberá doravante às empresas e às associações promoverem rapidamente o aproveitamento das
potencialidades que a nova lei lhes confere para celebrarem novos contratos coletivos de trabalho sem os
constrangimentos do regime ainda em vigor.
Simultaneamente, o Governo está a implementar novas medidas que completam este esforço legislativo e
que incluem a revisão do regime de concessões com fixação de condições que fomentem o investimento e a
competitividade dos terminais em exploração, a introdução de estímulos à gestão das concessões,
privilegiando a política de taxas variáveis em função do mérito de desempenho dos concessionários e a
implementação de novos modelos de governação dos portos com reforço da autonomia e responsabilidade da
sua gestão.
Já está em curso a revisão do regime de taxas aplicadas nos portos nacionais, tendo já sido determinada a
redução em 10% das taxas aplicadas às exportações, à qual se somará a nova redução de 10% a partir de
janeiro.
Recordo que, tal como sucedeu com a revisão do Código do Trabalho ou com outras reformas em curso,
esta proposta resulta de um processo em que o Governo ouviu e acolheu sugestões de todos os
intervenientes no setor. Resulta, assim, de um trabalho longo que aproveitou o conhecimento e a experiência
dos organismos públicos com responsabilidades nestas matérias e que envolveu um frutuoso diálogo com os
parceiros sociais do setor, empregadores e sindicatos.
Esta proposta de lei dá seguimento ao entendimento a que chegaram os parceiros sociais, que celebraram
o acordo de concertação social de 12 de setembro sobre o que deve ser feito a nível da reforma do trabalho
portuário, para que este seja um setor mais competitivo e com futuro.
Mais uma vez, o Governo mostra que é possível reformar com diálogo social e com concertação social.
Importa ainda salientar que a nova lei não visa a perda ou a eliminação dos postos de trabalho para os
trabalhadores portuários no ativo. Pelo contrário, esta lei irá permitir aumentar consideravelmente a
contratação de trabalhadores para os portos nacionais. Mais: o nível de remuneração-base das tabelas
salariais em vigor não será afetado. Foi esse o compromisso dos empregadores.
Dito isto, gostaria também de afirmar e de realçar que o Governo está, obviamente, recetivo a receber os
contributos dos Srs. Deputados das diversas bancadas no debate da especialidade.
Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Esta é mais uma reforma que vai contribuir para melhorar a
competitividade da nossa economia, para aumentar a produtividade nacional, para termos uma economia mais
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saudável e com mais futuro. Não é, pois, apenas, uma proposta do Governo sobre o futuro trabalho nos
portos, é mais uma reforma do Governo a olhar para o futuro e a apostar na competitividade do nosso País.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Inscreveram-se vários Srs. Deputados para pedir esclarecimentos
ao Sr. Ministro.
Para o efeito, em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Economia, queria pedir-lhe que
nos ajudasse, com o seu brilhantismo, a entender o alcance patriótico desta vossa proposta.
Pode, por favor, explicar-nos as vantagens de retirar do regime de trabalho portuário todo aquele conjunto
de tarefas que desaparecem da lei e que podem, assim, passar para qualquer trabalhador indiferenciado?
Porque é que se torna tão importante eliminar a carteira profissional dos portuários…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Boa pergunta!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — … ou possibilitar contratos de trabalho de cinco ou seis horas, à tarefa?
E pode explicar-nos com que legitimidade é que pretendem proibir a livre contratação coletiva,
determinando no articulado que a organização do trabalho nas operações portuárias só pode ser sujeita aos
limites ou contingentes admitidos por lei?
E, já agora, não se importa de nos explicar porque é que em vez de contratar mais trabalhadores para o
muito trabalho que existe, o patronato, neste setor, sempre preferiu colocar os estivadores a fazer trabalho
suplementar?
É que os estivadores lutam pela contratação efetiva dos que têm vínculo precário e é o Governo e o
patronato que insistem em precarizar o trabalho portuário em vez de contratar pessoal.
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — É que os senhores sabem, mas procuram esconder, que os estivadores estão
a fazer greve ao trabalho suplementar e que continuam a trabalhar oito horas por dia! Os senhores procuram
esconder que o comércio externo está a cair em todos os setores e modos de transporte. No 3.º trimestre caiu
4% no setor portuário, sim senhor, mas o transporte ferroviário de mercadorias caiu 5,3%, e carga aérea caiu
2,5%, e o transporte rodoviário internacional caiu 16,5% — são dados do INE publicados ontem.
Não venham falar de ordenados de 5000 €. Um estivador no topo da carreira, trabalhando por norma 58
horas por semana, pode ganhar um ordenado bruto de 2632 €,…
Vozes do PSD: — Não é verdade!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — … mas um estivador médio ganha bastante menos do que isso.
Eu sei que os Srs. Deputados do PSD preferiam ver aqui os salários da Índia, mas não é desta vez que o
vão conseguir.
Aplausos do PCP.
Por isso, é que a última pergunta que lhe deixo, Sr. Ministro, é a seguinte: quando é que vão colocar um
ponto final a essa guerra de manipulação e mentira e deixam de tratar os trabalhadores como criminosos?
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — O Sr. Ministro informou a Mesa que responderá em conjunto, pelo que tem a palavra
o Sr. Deputado Rui Paulo Figueiredo para pedir esclarecimentos.
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O Sr. Rui Paulo Figueiredo (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro e demais membros do Governo, caras e
caros colegas, o Partido Socialista coloca sempre em primeiro lugar os interesses estratégicos nacionais e tem
tido no centro da sua agenda política a economia, o crescimento económico e, naturalmente, as exportações.
E a este propósito, Sr. Ministro, nós temos essas preocupações há um ano e meio, pelo que seja bem-vindo a
essas preocupações e a esses debates dos últimos 15 dias.
Aplausos do PS.
O PS valoriza sempre, em todas as circunstâncias, o diálogo institucional e social, daí que as nossas
posições sobre esta matéria tenham sido claras.
A pensar no crescimento económico e na economia, votaremos a favor desta proposta de lei. A pensar no
respeito pelo diálogo social institucional, o Partido Socialista dialogou com o Governo, dialogou com todos os
sindicatos, com aqueles que subscreveram o acordo com o Governo, mas também, e especialmente, com
aqueles que estão em greve. E também dialogámos e construímos as nossas propostas não só com os
sindicatos, mas também com as empresas importadoras e exportadoras e com os operadores internacionais e
achamos que o Governo andou mal em não ter conseguido manter os canais de diálogo abertos com todos os
sindicatos que estão em greve.
Achamos incompreensível que o Governo tenha apresentado somente na quarta-feira algumas propostas
que já poderia ter apresentado há mais tempo. Este problema já podia ter sido resolvido e o PS tem procurado
e continuará a procurar contribuir para a sua resolução.
Aplausos do PS.
Mas temos agora, Sr. Ministro, uma janela de oportunidade em sede de Comissão. Queremos uma audição
séria de todas as entidades. Queremos um debate e uma discussão séria, queremos um prazo sério para
apresentação de propostas na especialidade. Queremos um prazo sério para votação dessas propostas na
especialidade. Não queremos, Sr. Ministro, um simulacro de debate, porque é esta falta de diálogo que nos
conduziu até aqui.
Portanto, Sr. Ministro, a pergunta que lhe faço é muito simples, muito direta e muito clara: está o Governo
disponível para favorecer este debate sério e estes prazos sérios em sede de Comissão? Pela nossa parte, Sr.
Ministro, continuaremos a valorizar o diálogo social e o diálogo institucional.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado
Luís Menezes.
O Sr. Luís Menezes (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as
e Srs. Deputados, Sr.
Ministro, a lei que aqui nos traz visa atualizar um regime laboral que não é alterado há quase 20 anos. O
debate sobre a lei do trabalho portuário é tão mais importante quanto é importante a discussão que temos de
fazer, nos dias que correm, sobre os fatores de competitividade das nossas exportações. Como tal, este
debate não deve ser visto apenas à luz daquilo que é uma mera lei laboral, mas tem um alcance muito para
além disso, porque terá implicações diretas naquilo que é a competitividade dos nossos portos.
Mas é uma lei positiva: por um lado, pretende aumentar a empregabilidade no setor, pretende reduzir a
sobrecarga atual dos trabalhadores, pretende abrir a profissão do trabalho portuário, que está cerceada e é
incompreensível, e pretende, como já disse, aumentar a competitividade dos nossos portos em 25% a 30%.
O facto é que se o Governo teve a sensibilidade social para não perder de vista a importância da
concertação, tendo feito com que esta lei tenha sido subscrita por nove dos onze sindicatos, por várias
confederações dos operadores e pela UGT, há alguns sindicatos que se mantêm em greve. Mas nem todos os
estivadores estão em greve, nem todos os portos estão em greve.
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Vozes do PSD: — Bem lembrado.
O Sr. Luís Menezes (PSD): — Em 700 e tal trabalhadores apenas cerca de 200 estão em greve. Em 11
sindicatos apenas 2 estão em greve. Em 16 portos apenas 4 estão afetados.
Por isso, Sr. Ministro, tinha duas perguntas muito claras para lhe fazer.
Se esta é uma proposta de lei positiva — e é consensual que assim o é —, gostava de saber, com este
novo regime laboral, quantos postos de trabalho prevê que esta lei venha permitir que sejam criados.
Por último, porque é um tema relevante e preocupa a população, pergunto-lhe quanto é que esta greve já
custou ao País. Não é um número fácil, mas, Sr. Ministro, é importante saber, pelo facto de 200 pessoas
estarem em greve há três meses por terem um regime laboral que não querem ver aproximado do atual
Código do Trabalho, porque é que essas pessoas não o querem fazer, mas, acima de tudo, quanto é que esta
greve custou ao País.
É incompreensível que esta greve dure há mais de três meses.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado
Artur Rêgo.
O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados, o
Governo tem dito, desde que tomou posse, que um dos vetores importantes da sua política era o cluster do
mar, era aproveitar os nossos recursos marinhos, era aproveitar a nossa zona económica exclusiva, ainda
para mais estando neste momento perto de conclusão o processo de ampliação e de reconhecimento dessa
zona por parte das Nações Unidas.
É evidente que, numa estratégia destas, tem de se falar dos portos, tem de se falar da competitividade, tem
de se falar do posicionamento estratégico dos nossos portos, não só em termos de economia interna, mas
também em termos internacionais e geoestratégicos, dada a encruzilhada em que ficam entre três continentes.
Portanto, falar dos portos implica também falar dos custos, falar da competitividade e implica falar da
legislação laboral específica que estes portos têm já há muitos anos.
O Governo anunciou a sua intenção de, como estratégia global para tornar os portos portugueses mais
competitivos, reduzir os custos dos mesmos em 25% a 30%, custos esses que não passam só pela parte
laboral mas também pela gestão dos portos, pelos operadores e pelo embaratecimento e competitividade dos
custos desses operadores. Portanto, o diploma que aqui é apresentado faz parte de um pacote completo.
É evidente que a flexibilização vai trazer uma realidade nova aos nossos portos, vai trazer mais
competitividade e vai trazer novas oportunidades de emprego, ampliação do número de postos de trabalho.
Saudamos a posição do Partido Socialista, dos parceiros sociais e de todos os sindicatos que, com o
Governo, antecipadamente, concordaram e aceitaram esta estratégia e o texto deste diploma. Nada temos
contra os sindicatos que não aceitaram…
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Era o que faltava!
O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — … e compreendemos as suas preocupações, no entanto não entendemos
as razões da sua greve e os prejuízos que, evidentemente, estão a causar à economia portuguesa.
De qualquer modo, Sr. Ministro, podem decorrer desta lei algumas preocupações, pelo que existem
basicamente duas questões que gostaria de ver esclarecidas.
Em primeiro lugar, este diploma fala na flexibilização e no contrato sem termo, mas fala também, e muito
bem, na obrigação da formação e da certificação dessa formação por questões de segurança, pelo que
gostaria de saber como é que serão compatibilizáveis esses dois regimes.
A segunda questão que coloco é a seguinte: uma das preocupações que os trabalhadores expressaram é a
questão dos direitos adquiridos dos trabalhadores mais antigos. Gostaria, pois, de saber, Sr. Ministro, se esta
nova legislação salvaguarda, efetivamente, os direitos dos trabalhadores já existentes, dos mais antigos, na
persecução do seu vínculo laboral e das regalias já adquiridas.
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Aplausos do CDS-PP e do PSD.
Entretanto, reassumiu a presidência a Presidente, Maria da Assunção Esteves.
A Sr.ª Presidente: — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca.
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.
Ministro, o que estamos hoje a discutir é mais do que uma alteração a um contrato de trabalho laboral — é
disso que se trata. O que estamos a discutir é todo um setor que tem tido crescimento económico nos últimos
anos com assinaláveis lucros para os seus operadores privados e com resultados líquidos positivos nas
administrações portuárias.
Ora, sendo este um setor com estas caraterísticas, vem o Ministro da Economia dizer-nos que é preciso
alterar os contratos de trabalho e reduzir os custos dos portos entre 25% a 30% para os tornar mais
competitivos.
Nada mais falso, Sr. Ministro! Com esta proposta de lei, o que se pretende é maior precariedade. E não é
possível tornar qualquer empresa competitiva com mais precariedade.
A primeira pergunta que lhe queria deixar — aliás, esta questão já foi colocada pelo PSD — é a seguinte:
quantos postos de trabalho vai esta lei criar? E em que condições?
Segunda questão, Sr. Ministro: que crescimento económico decorre destas alterações? É que o Sr. Ministro
não nos mostra nenhum estudo, dizendo que estas alterações são necessárias porque aumentam a
competitividade e provocam o crescimento económico. E não estamos a ver que a precariedade vá provocar
crescimento económico.
O Sr. Ministro da Economia tem obrigação de ter estudado estas alterações e de nos dizer hoje, aqui, qual
é a fatia de crescimento económico que estas alterações nos trazem.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Economia e do Emprego.
O Sr. Ministro da Economia e do Emprego: — Sr.ª Presidente, gostaria, antes de mais, de saudar o
Partido Socialista pelo anúncio do seu voto favorável a esta proposta de lei. Estamos a falar de um diploma
que é muito importante para o nosso País e não tenho dúvidas de que os partidos da maioria e o Partido
Socialista estejam juntos para dizermos, alto e a bom som, que o que estamos aqui a fazer é a defender o
interesse nacional, a construir o futuro e a construir uma economia mais competitiva.
Gostaria de dizer que estaremos abertos às propostas que os partidos da maioria e o Partido Socialista irão
apresentar no debate de especialidade, que analisaremos com todo o cuidado.
No âmbito de tornar a economia mais competitiva, de conseguirmos construir um futuro melhor para o
nosso País, tenciono, em matéria de estratégia de fomento industrial, convocar e convidar os partidos com
assento nesta Câmara, nomeadamente o Partido Socialista, para trabalhar connosco para termos uma
estratégia de fomento industrial que aumente a competitividade da economia e que prepare a nossa economia
de 2013 até 2020, uma vez que é importante pensarmos a economia não só a curto prazo mas também a
médio e a longo prazos.
Respondo, em primeiro lugar, ao Sr. Deputado Bruno Dias, que referiu que o comércio externo está a cair
em todos os setores.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Isso não foi uma pergunta, foi uma afirmação!
O Sr. Ministro da Economia e do Emprego: — É verdade que as exportações abrandaram, mas gostaria
também de dizer, muito claramente, que estimamos, mais ou menos, que o impacto das greves, segundo o
nosso gabinete de estudos, terá um custo para a economia nacional na ordem dos 400 milhões de euros por
mês.
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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Pode fornecer-nos esse estudo?
O Sr. Ministro da Economia e do Emprego: — Estas greves estão a afetar sobremaneira determinados
portos, nomeadamente o porto de Lisboa, que viu o seu peso relativo na movimentação das cargas no mês de
outubro passar de 18% do movimento de cargas totais de todo o País para cerca de 12%, registando-se,
portanto, uma quebra muito significativa.
Assim, temos alguns portos com um crescimento bastante assinalável e outros portos, que estão a ser
afetados pelas greves, que estão a ter uma diminuição muito grande da sua atividade.
Em relação à pergunta do Sr. Deputado Artur Rêgo sobre a obrigação de formação, quero dizer que a
intenção é exatamente essa, ou seja, tencionamos reforçar as ações de formação no setor, obviamente
potenciando a produtividade dos trabalhadores.
Gostaria ainda de referir que esta legislação salvaguarda os direitos dos trabalhadores no ativo.
Em relação à pergunta da Sr.ª Deputada Mariana Aiveca sobre o impacto económico desta lei, posso dizer-
lhe que esta lei está a implementar muitas das alterações que foram promovidas, por exemplo, no porto de
Leixões, e sabemos que os portos de Leixões e de Sines têm tido um crescimento muito assinalável,…
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Não ponha Sines no «embrulho»!
O Sr. Ministro da Economia e do Emprego: — … exatamente porque, depois de terem sido feitas
alterações parecidas com as que estamos a propor, isso fez com que estes portos tivessem tido um
crescimento muito substancial nos últimos anos.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Está mal informado!
O Sr. Ministro da Economia e do Emprego: — Sr.ª Presidente, se me der licença, gostaria de passar
agora a palavra ao Sr. Secretário de Estado para também esclarecer mais algumas questões.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Tem, então, a palavra o Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e
Comunicações.
O Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (Sérgio Monteiro): —
Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, como o Governo tem repetidamente dito, esta proposta de lei não
precariza de nenhuma forma as relações laborais.
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Essa agora!
O Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: — Prova disso é o
acordo compromissório que foi apresentado oportunamente pelos empregadores ao contingente atual de
trabalhadores portuários que, independentemente de se manterem como trabalhadores portuários por força da
aplicação da nova lei, terão o estatuto remuneratório-base e o vínculo laboral mantidos, o que é a prova cabal
de que esta proposta de lei, ao contrário do que todos querem fazer crer — os que estão contra — não
precariza as relações de trabalho nem torna o trabalho laboral mais barato;…
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Ah, pois não!…
O Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: — … abre
oportunidades a que trabalhadores que estão fora do contingente atual de portuários possam receber
formação adequada para as tarefas que vão desempenhar e, dessa forma, nós garantimos maior
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empregabilidade, mais eficácia e mais competitividade para que os portos continuem a ser um dos vetores de
crescimento do País.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Rafael Moreira.
O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O
atual regime jurídico do trabalho portuário data de agosto de 1993 e representou, à época, um novo paradigma
na gestão do trabalho do setor marítimo-portuário e permitiu a racionalização e gestão dos recursos humanos,
contribuindo, de forma sustentada, para a estabilidade do emprego.
Decorridos quase 20 anos, é imperioso adequar a legislação em apreço aos novos tempos.
Se, por um lado, a realidade tecnológica é hoje totalmente diferente, por outro lado também o quadro legal
do mundo do trabalho sofreu profundas alterações.
Nestes 20 anos foram aprovados e entraram em vigor dois códigos do trabalho, os quais foram objeto de
dezenas de alterações legislativas, tendo sido introduzidas numerosas novas figuras jurídicas, pelo que não é
de estranhar que no programa de ajuda económica a Portugal constasse, desde o início, o compromisso de o
Governo submeter ao Parlamento uma proposta legislativa destinada a rever o quadro jurídico que rege o
trabalho portuário, tornando-o mais flexível, bem como limitar a definição que constitui o trabalho portuário,
aproximando-o mais das disposições estipuladas no Código do Trabalho.
É assim que, desde logo, o Governo fez incluir no seu Programa o objetivo de rever e modernizar o quadro
jurídico que rege o trabalho portuário, tornando-o coerente com as disposições do Código do Trabalho.
Srs. Deputados, a proposta de lei que hoje se debate nesta Câmara tem por antecedente próximo o acordo
celebrado no passado mês de setembro com vários parceiros sociais, entre eles a UGT e a Federação
Nacional de Sindicatos dos Trabalhadores Portuários.
Nesse documento, pode ler-se que a revisão do regime jurídico do trabalho portuário deve visar a
modernização e o aumento da competitividade do setor, de forma a que este disponha de uma capacidade
competitiva equivalente à dos portos europeus, em especial os que competem diretamente com os portos
portugueses.
O objetivo é habilitar o regime jurídico do trabalho portuário com modelos contratuais já previstos no Código
do Trabalho, em alguns casos com regras especiais adequadas à especificidade da atividade portuária,
caracterizada pela sua natureza incerta e de caráter imprevisível.
Para efeitos de aplicação da presente proposta de lei, considera-se trabalho portuário aquele que é
prestado nas diversas tarefas de movimentação de carga dentro da zona portuária. Os trabalhadores
abrangidos são todos aqueles que, possuindo aptidões pessoais e qualificação profissional adequadas ao
exercício da profissão, desenvolvem a sua atividade profissional na movimentação de carga.
As regras laborais que vigorarão para os trabalhadores portuários serão as mesmas que já vigoram para os
trabalhadores portugueses em geral — o Código do Trabalho de 2009 e legislação complementar com apenas
quatro exceções.
Vejamos, então, essas exceções pela ordem em que aparecem na proposta de lei: primeira, os contratos
de muito curta duração, isto é, os contratos de trabalho com duração não superior a 15 dias veem a sua
duração total alargada de 70 para 120 dias por ano civil caso sejam celebrados com a mesma entidade
patronal.
Segunda, nos contratos de trabalho a termo mantém-se o limite da duração total máxima de três anos,
consistindo a exceção na não limitação do número de renovações contratuais que ocorram dentro do limite
máximo dos três anos.
Terceira, nos contratos de trabalho intermitente o prazo de 20 dias para que o empregador informe o
trabalhador do início de cada período de trabalho é reduzido para 10 dias.
Quarta e última, o limite máximo da prestação de trabalho suplementar, que, por força do Código do
Trabalho, não pode ir para além de 150 horas por ano, é aumentado para 250 horas por ano.
Esta última exceção ao Código do Trabalho vai parcialmente ao encontro da vontade de alguns
trabalhadores que exigem a não existência de limites para o trabalho suplementar.
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Convém, a este propósito, reler a Constituição da República Portuguesa no seu artigo 59.º, que diz que
todos os trabalhadores têm direito a um limite máximo da jornada de trabalho, acrescentando que incumbe ao
Estado assegurar o repouso a que os trabalhadores têm direito e os limites da duração do trabalho.
Srs. Deputados, aprovada a lei, os sindicatos e as associações patronais terão o prazo de um ano, a contar
da data de entrada em vigor da mesma, para rever as convenções coletivas de trabalho do setor portuário.
Houve, assim, o cuidado de garantir que não existirá qualquer mudança brusca no enquadramento jurídico
do setor portuário. Por força do artigo 5.º da proposta de lei, as normas constantes do instrumento de
regulamentação coletiva de trabalho que contrariem o texto da nova lei devem ser alteradas…
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Pois…!
O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — … sob pena de nulidade no prazo de um ano, repito, um ano, que
é tempo mais do que suficiente para que decorra um processo sereno de negociação coletiva.
Srs. Deputados, procurei, nesta breve intervenção, deixar claro nesta Câmara, mas também junto dos
portugueses que nos ouvem, que nada nesta lei justifica o conflito sociolaboral que se está a viver no setor
marítimo-portuário. Se, por um lado, a proposta de lei se limita a remeter para o Código do Trabalho e
legislação complementar, apenas contemplando as quatro exceções que atrás referi, por outro lado, os
sindicatos representativos dos trabalhadores do setor têm um ano para negociar com as entidades
empregadoras e os seus representantes a adequação das atuais convenções coletivas de trabalho ao novo
regime legal.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Paulo Pedrosa.
O Sr. João Paulo Pedrosa (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Adriano Rafael Moreira, apesar da
janela de oportunidade que o Partido Socialista abriu à aprovação desta proposta, é sabido que o Governo
tratou esta matéria como trata normalmente todos os assuntos do Estado, isto é, com conflitualidade social,
com falta de diálogo e com insensibilidade total nestas matérias. Agora, o que nós não sabíamos e ficámos a
saber é que o Governo o faz em confrontação com a própria maioria. É caso para dizer: «Entendam-se
Governo e maioria PSD/CDS»!
É que o Sr. Ministro demonstrou abertura para, em sede de Comissão, poder acolher e discutir as
propostas de alteração que os partidos da oposição têm para fazer, mas o que o Sr. Ministro não sabe ainda é
que a maioria do PSD aprovou ontem, em comissão, uma proposta que vai ao arrepio e está em contradição
com essa abertura que o Sr. Ministro aqui deixou, porque aprovou com os votos do PSD e do CDS que a
discussão, na especialidade, se faça em duas manhãs, uma para ouvir todos os intervenientes e outra para
ouvir, discutir, aprovar e ler todas as propostas de alteração.
Portanto, isto é uma contradição total entre aquilo que disse aqui o Sr. Ministro e aquilo que diz a maioria.
Até o PCP e o Bloco de Esquerda estavam disponíveis para incorporar esse consenso a que a maioria não foi
sensível.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — De onde é que tirou essa ideia?!
O Sr. João Paulo Pedrosa (PS): — A pergunta que faço ao Sr. Deputado Adriano Rafael Moreira é no
sentido de saber se o PSD está ou não disponível, de acordo com aquilo que o Sr. Ministro aqui disse, para
recuar nesta lógica de não discussão e de continuação da confrontação, a bem do interesse nacional. Isso é o
que gostávamos de saber!
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Rafael Moreira.
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O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado João Paulo Pedrosa, fica-lhe mal
esse tipo de intervenção…
Risos do PS e do PCP.
…porque, para além de algumas mentiras, partimos do pressuposto de que V. Ex.ª esteve desatento na
reunião da Comissão de Trabalho, pois o que está em causa, como bem sabe, é a alteração a 10 artigos e
está combinado que, na próxima terça-feira, iremos ouvir todas as partes que manifestaram interesse nisso.
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Numa manhã?!
O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Durante todo o dia. V. Ex.ª sabe isso.
Também foi combinado e votado que na quarta-feira, até ao meio-dia, VV. Ex.as
poderão apresentar as
propostas que bem entenderem,…
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Tanto tempo…!
O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — … sendo certo que o Sr. Deputado bem sabe que há mais de 20
dias que decorreu o processo público. Já estão na posse de todos os Deputados os contributos escritos de
todos os interessados. Na quarta-feira, após o Plenário, iremos debater, com tempo mais do que suficiente,…
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Claro! Após o Plenário!
O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — … 10 artigos e as propostas que VV. Ex.as
apresentarem. Por
isso, Sr. Deputado, além de ter toda a falta de fundamentação, ainda caiu na mentira.
Esperamos que, por parte do Partido Socialista, venham propostas concretas, propostas de melhoria da lei,
se assim o entenderem, sendo que até ao momento o que temos tido é contributo zero. Temos tido algum
ruído, alguma mentira, mas de contributos, zero!
VV. Ex.as
têm até quarta-feira ao meio-dia para entregarem as propostas que bem entenderem.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Não diga mais isso que só lhe fica mal!
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca.
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr.ª Presidente, em primeiro lugar, queria que ficasse claro — e o Bloco de
Esquerda quer reiterar isto — que os trabalhadores portuários estão em greva às horas extraordinárias e,
portanto, é falso quando há toda uma panóplia de gente a dizer que há uma greve a outras horas. É falso!
Repito: a greve é apenas às horas extraordinárias!
Quero dizer-lhe, Sr. Ministro, que esta é uma má proposta, porque abalroa todos os direitos, incluindo a
contratação coletiva, e generaliza a precariedade promovendo assim a perda de competitividade.
O Sr. Ministro bem sabe que não é possível compatibilizar trabalho precário com competitividade. Toda a
história das alterações à legislação laboral assim o demonstra. Cada vez que se alterou, para pior, os Códigos
do Trabalho, cada vez que se gerou mais precariedade, baixou a competitividade. Ou, então, traga-nos o
estudo contrário que o Sr. Secretário de Estado agora está a comunicar-lhe que existe.
Com esta proposta, o Sr. Ministro não valoriza o trabalho e os direitos dos trabalhadores e quem promove a
precariedade e a perda de competitividade asfixia a nossa economia. É isso que o senhor está a fazer.
Incompetência!
O Governo está apostado em destruir a economia do País, porque nenhuma economia cresce com base no
corte de direitos e nos baixos salários. O senhor sabe muito bem disso. Está a impor, pela força da arrogância,
mais um golpe na economia portuguesa. E não estamos a falar apenas dos estivadores. O senhor não se
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interroga por que é que esta luta tem congregado todas as outras profissões? Até a nível internacional? O
senhor não se interroga com esta questão? Acho que devia fazê-lo, porque os senhores são os causadores do
conflito. E é falso e é mentira que nos tenham vindo aqui dizer que estão abertos a todos os contributos. O
calendário que estão a impor a este Parlamento é vergonhoso, e já aqui foi denunciado. Os senhores querem
«limpar» toda esta proposta de lei até ao dia 7 de Dezembro. Portanto, pergunto-lhe: onde está o diálogo? O
que os senhores aqui têm feito com este conflito é, de facto, agudizar cada vez mais a situação nos portos.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Um setor, como já referi na pergunta inicial, que é competitivo, um setor
determinante para a economia nacional. O Sr. Ministro da Economia é o único responsável por não conseguir
nem ter capacidade de gerir este conflito e desta maneira salvar e contribuir para aumentar a competitividade
e a economia do País.
E não acusem os estivadores de quererem ganhar muito dinheiro. É falso! Os senhores conhecem bem os
salários destes profissionais, os senhores sabem bem que há centenas de trabalhadores cujo salário ronda os
800 €. É assim em Sines, em Lisboa, em Leixões, em Aveiro, e por esse País fora.
A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Termino já, Sr.ª Presidente.
As horas extraordinárias são impostas e vão continuar a ser, Sr. Ministro. A grande diferença é que os
senhores vão pagar mais barato e isto todo o setor não quer. Por isso mesmo, estão em luta, e muito bem,
estão a defender os seus direitos, com a solidariedade dos trabalhadores dos portos de outros países por essa
Europa fora.
Vergonha nacional! O Ministro da Economia deveria ter a capacidade de resolver o conflito e acabar de vez
com a acusação e a mentira contra todos os trabalhadores que operam nos portos nacionais. Ao invés disso…
A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr.ª Deputada
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Termino mesmo, Sr.ª Presidente.
Como dizia, ao invés os senhores continuam com esta provocação e, mais uma vez, vão fazê-la não
permitindo ouvir qualquer entidade e não permitindo a este Parlamento que faça propostas sérias num tão
curto espaço de tempo, até terça-feira à hora do almoço. Olhe só o ridículo que é a «abertura» que nos quis
aqui trazer.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados: Vamos ao
concreto.
Com esta proposta de lei, colocam-se trabalhadores indiferenciados a assumir tarefas nos portos. Elimina-
se a carteira profissional, possibilita-se contratos de trabalho de cinco ou seis horas, cria-se um regime
especial para o setor portuário ainda mais desfavorável do que o do Código do Trabalho…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exatamente!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — … e proíbe-se a livre contratação coletiva.
É disto que estamos a falar! O Governo diz que é assim que vai reduzir a fatura portuária. Ora, o
testemunho que nos foi dado por um dos responsáveis de empresas exportadoras com quem falámos é
esclarecedor: «Para determinados produtos, a operação portuária no porto de Huelva…» — em Espanha —
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«… representa um custo que é cerca de metade do que se verifica em Setúbal». E acrescentou: «O custo da
mão-de-obra é praticamente irrelevante nesta questão»!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ora bem!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — É que os salários destes trabalhadores portugueses estão muito abaixo dos
que se praticam pela Europa fora. Ou os senhores querem que a nossa referência seja o sudeste asiático?
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Deve ser!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Haja seriedade na discussão, Srs. Deputados! Não é no fator trabalho que
estão as perdas de eficiência. Vejam-se os números do Banco Mundial deste ano: para exportar um contentor,
desde a saída da fábrica até à colocação no navio, a operação em Portugal demora 16 dias, isto é, o dobro do
tempo na Bélgica ou na Suécia. A grande diferença está na etapa da preparação de documentos. Na Suécia,
essa parte do processo demora dois dias, na Bélgica três, e em Portugal 10 dias! Acha que os trabalhadores
portuários têm alguma culpa disto, Srs. Deputados?!
É preciso melhorar as condições do transporte marítimo e o desempenho dos nossos portos, sim. Mas o
caminho para isso não é regressar a 50 anos atrás, às «Casas do Conto», agora em versão SMS.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exatamente!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Ao contrário daqueles de vós que pensam que o trabalho portuário é encher
contentores a ver quem mete mais metros cúbicos, a evolução do setor tornou o trabalho mais complexo e
exigente na preparação técnica.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Um pequeno erro de um operador pode provocar uma tragédia. E a vossa
resposta a isto é que qualquer um pode trabalhar nos portos. Não é verdade!
A fiabilidade e a segurança da operação portuária não se defendem com contratos de trabalho com seis
horas de duração, que é o que esta proposta de lei visa permitir.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exatamente!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Os nossos portos não funcionam melhor com mão-de-obra precária, mal paga
e indiferenciada. O sector não ganha nada com a eliminação da carteira profissional para os portuários.
Os senhores agarram-se ao pacto de agressão com a troica e falam em «cumprir os compromissos
internacionais do Estado». Mas já se esqueceram disso com a Convenção n.º 137, da OIT, que o Estado
português publicou, subscreveu e declarou assumir? Esqueceram o compromisso aí assumido na garantia de
um emprego permanente ou regular aos trabalhadores portuários?
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exatamente!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Esta vossa «estratégia» significa termos praticamente portos sem portuários,
em que as empresas metem pessoal quando o navio vem a chegar e mandam embora quando o navio zarpa.
E ficam em permanência só as instalações e as máquinas — que não têm que comer todos os dias, nem têm
filhos para alimentar e para vestir!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Percebam, Srs. Deputados, que as nossas exportações não ganham nada
com o roubo aos trabalhadores, aos seus salários, aos seus direitos, às suas vidas. Perguntem às empresas
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exportadoras se o problema não está no financiamento, nos custos com a energia, com as matérias-primas,
com a burocracia! Mas é claro que disso não convém falar e é por isso que colocam os estivadores na mira.
Há poucos meses, num encontro ibérico de operadores portuários, o representante do patronato do porto
de Leixões explicava assim os objetivos do que já está ali a ser aplicado, e cito: «Garantir todas as regalias
aos trabalhadores históricos, recebendo as empresas, em troca, condições bem menos penalizadoras para os
novos trabalhadores». É esta a questão central!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exatamente!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Os estivadores estão a defender os postos de trabalho, os direitos e a
dignidade de todos os portuários, mas também daqueles que hão de ser portuários. É isso que está aqui em
jogo: os direitos das novas gerações!
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Saudamos estas jornadas de luta, sim! Saudamos a unidade e a ação solidária
dos oficiais, pilotos de barra, pessoal do controlo costeiro, das administrações portuárias, e tantos outros.
Saudamos a solidariedade de classe dos estivadores de Espanha, França, Bélgica, Suécia, Dinamarca e
Chipre, que, mais uma vez, realizaram, esta tarde, uma jornada de luta nos portos europeus, e muitos deles
vieram expressamente a Lisboa para a jornada de luta desta tarde, contra esta proposta de lei do Governo
português.
É que, por mais que queiram vergar e silenciar os trabalhadores e os povos, a verdade vem ao de cima: o
futuro será construção e conquista daqueles que não se ajoelham perante a exploração.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
A Sr.ª Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral, do
CDS-PP.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Vem aí um contentor de disparates!
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados:
Também considero um erro grave reduzirmos esta matéria à questão dos estivadores.
O setor dos portos portugueses é um setor de extrema importância, talvez até a grande oportunidade para
podermos sair da crise. Mas é preciso retirar todo o potencial quer da inovação tecnológica, quer das novas
ferramentas de gestão.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — E os trabalhadores é que têm a culpa!?
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Por isso, entendo que uma nova geração de contratos de concessão,
que permita maximizar a utilização das infraestruturas, deve ser levada a cabo. Por isso, entendo que um novo
modelo de governação dos portos, que possa permitir a sua complementaridade, a sua especialização — por
que não?! — e até a sua cooperação é algo que deve ser feito. Por isso, entendo também que a
intermodalidade, copiando, aliás, aquilo que já se faz hoje na Europa, entre as áreas logísticas, os portos, os
transportes terrestres e os ferroviários é algo que deve ser feito ou já devia ter sido feito no passado.
Mas também é verdade que é preciso reduzir a fatura portuária, seja nos impostos fixos ou variáveis, seja
nas taxas aduaneiras ou em tudo o que a possa afetar.
Porém, é evidente que não podemos fugir das questões que, hoje, discutimos aqui e, como é óbvio, da
questão do regime do trabalho portuário. É preciso abrir este setor ao mercado do trabalho. Isto é decisivo e
importante, porque a legislação sobre esta matéria tem 20 anos.
Compreendo alguma emoção e algum interesse suscitados pela questão da estiva. É uma atividade sexy e,
por isso, é perfeitamente legítimo que isso aconteça. Até é normal que afilhados, filhos ou sobrinhos sonhem
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vir a ser estivadores, um dia, quando forem grandes, mas isto não deve depender de um qualquer vínculo de
sangue, deve depender, sim, da sua capacidade de trabalho, da sua capacidade profissional e da sua entrega
à estiva.
Hoje, de facto, a estiva é um trabalho bastante exigente, bastante especial, mas também mexe com um
conjunto de tecnologia que veio facilitar a atividade. Hoje, os portos já não são, ou não devem ser, e não
gostaria que fossem, olhados como um campo de trabalhos forçados. Não é assim, não deve ser assim! Os
portos, hoje, devem ser um local onde não se matem as reais expectativas dos trabalhadores, que não são
históricos — as classes B e C —, de poderem aspirar, um dia, a trabalhar na estiva e na desestiva. Um
sinaleiro/portaló deve aspirar a querer ser, um dia, um trabalhador de base. Isto é o que não acontece hoje,
porque, hoje, se chegar um barco, às 10 horas, os históricos começam a trabalhar e, como não são obrigados
a cumprir 8 horas para fazer o turno, saem, entrando os outros colegas. Estes colegas têm de sair à meia-
noite, para que os outros possam fazer horas extras.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — É cada disparate que parecem três ou quatro!
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — É por isso que toda a imprensa e os próprios sindicatos e operadores
que ouvimos nos disseram que, de facto, é um exagero haver, hoje, no País, trabalhadores que possam fazer
1500 horas extras. Não é possível aceitar que um trabalhador, hoje, faça 1500 horas extras, mesmo que para
isso possa ganhar acima da média nacional.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Contratem mais para o quadro!
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Esta lei, ao impedir que isso aconteça, de modo a que todos possam
fazer 250 horas extras, parece-me de bom senso, razoável e em defesa do trabalho portuário.
Mais importante do que isso, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, não é possível termos uma greve que
dure tanto tempo, não é legítima uma greve que dure tanto tempo. O direito à greve deve existir, mas não é
um direito absoluto.
A falta de bom senso e de responsabilidade nesta greve, bem como o seu efeito no que diz respeito
diretamente às exportações portuguesas, que registaram quebras, afetando, por exemplo, os trabalhadores e
os empresários da produção de pera rocha, o efeito que tem a paragem dos portos, conforme foi dito pelas
várias associações, incluindo sindicatos, é algo que não devemos aceitar.
Por isso, sem pôr em causa o necessário tempo de discussão, o necessário tempo para encontrar
consensos, sem pôr em causa nada disso, devemos ser céleres na aprovação desta lei.
Estou perfeitamente convencido de que os estivadores portugueses terão todo o interesse em ver colegas
seus aspirarem a chegar a esse patamar da carreira, tenho muita fé que as alterações que possamos fazer na
gestão dos portos tornarão esse setor fortemente empregador, porque é um setor com grande potencial de
crescimento.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Tudo precário!
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Se assim for, não há que temer perda de postos de trabalho, não há
que temer perda de direitos e garantias.
Estamos a falar de um setor em que, se fizermos uma comparação com outros países, Portugal está muito
aquém de tirar todo o potencial dos portos, seja económico, seja exportador. E não passa só pelos
exportadores, passa pelos estivadores e pelos demais trabalhadores. É apenas um fator, no meio das
alterações que disse que temos de fazer, mas é um fator importante e decisivo: transformar estas leis de
trabalho em leis normais e, se possível, compatíveis com aquelas que são as melhores práticas europeias.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Ana Paula Vitorino, do
PS.
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A Sr.ª Ana Paula Vitorino (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados:
Discute-se, hoje, nesta Assembleia, não só uma alteração à legislação aplicável aos trabalhadores portuários,
mas também a forma desastrosa como o Governo, sistematicamente, exerce a governação.
Os portos são fundamentais para a economia nacional. É fundamental que sejam pontos de eficiência e
competitividade das cadeias logísticas, que viabilizem e potenciem as nossas exportações, que sejam um
aliado ativo do setor produtivo nacional e não elementos penalizadores, aos olhos dos mercados
internacionais.
As exportações têm sido o último reduto de esperança da nossa economia e é nossa obrigação criar
condições para o seu crescimento. Por isso, os portos portugueses têm de ser eficientes e ter uma
estabilidade laboral que dê garantia de bom funcionamento permanente aos agentes nacionais e
internacionais.
Os portos foram uma verdadeira prioridade política na governação, de 2005 a 2011. Investiu-se,
modernizaram-se, simplificaram-se. A sua notável evolução foi já, aliás, diversas vezes reconhecida por este
Governo e é uma realidade que se pode comprovar. Cresceram, impuseram-se nas rotas internacionais. A sua
movimentação cresceu mais de 15%.
Os portos não são, por isso, coisa menor em que possam ser aplicados experimentalismos amadores e o
exercício de prepotência de uma decisão distante de quem dita as regras sem ter de dar confiança a ninguém.
O Governo não pode, por isso, deitar tudo a perder. Durante meses a fio, o Governo pairou, enquanto os
portos entravam em ebulição e perdíamos exportações. Na televisão, exigiam bom senso e apoio político;
longe dos holofotes, mantinham-se na postura do costume, ou seja, governação majestática e arrogante.
Boa parte dos trabalhadores e empresários fizeram o que o Governo não fez. Os sindicatos afetos à UGT
andaram bem e assinaram um acordo. Os operadores portuários estiveram à altura, vindo a público garantir a
manutenção dos postos de trabalho. Nos portos de Sines e de Leixões, trabalhadores e empresários
sentaram-se à mesa e fizeram acordos, enquanto o Governo dizia coisas.
Temos consciência de que aumentar a competitividade é criar condições para incrementar a atividade
económica. Isto não é diminuir o emprego; pelo contrário, é aumentar postos de trabalho.
Não apoiamos o caos nem braços de ferro, que põem em causa a economia nacional, as exportações e o
emprego. E, Sr. Ministro da Economia, não temos memória curta nem mudamos de posição consoante
estamos no Governo ou na oposição. É isso que nos distingue, é isso que distingue o Partido Socialista do
PSD e do CDS-PP!
Aplausos do PS.
É bom que fique claro que, hoje, só não existe uma lei dos portos porque, em 2009, PSD e CDS-PP,
apesar de, informalmente, manifestarem concordância com a proposta do então Governo do Partido Socialista,
não a quiseram porque estávamos a poucos meses das eleições, mas agora querem porque estão no
Governo.
É isso que nos distingue: no Governo ou na oposição, o Partido Socialista mantém as suas convicções e
põe o País à frente dos seus interesses eleitorais.
No passado, como agora, com sentido de Estado e do dever nacional, o Partido Socialista viabiliza e apoia
medidas de reforço da competitividade da nossa economia, nomeadamente de redução dos custos logísticos e
da fatura portuária.
Por isso, vamos votar favoravelmente esta iniciativa,…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Tanta conversa!… Afinal!…
A Sr.ª Ana Paula Vitorino (PS): — … mas, porque também a queremos melhorar e contribuir, vamos
apresentar propostas de alteração e esperamos, muito sinceramente, que os partidos da maioria, PSD e CDS-
PP, saibam, em comissão, demonstrar a serenidade e a capacidade de negociação que o Governo não teve
ao longo deste ano.
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Sr. Ministro da Economia, fazemos um alerta veemente: governar não é pôr o País a ferro e fogo. O
senhor, para diminuir uma parcela da fatura portuária, e conduzindo o processo de forma ora displicente, ora
arrogante, deitou fogo aos portos, às exportações, à economia portuguesa.
Sr. Ministro, V. Ex.ª, com este processo, deixou de ser apenas conhecido por Álvaro, passou a ser «Álvaro,
o Bombeiro Incendiário».
Aplausos do PS.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Esse argumento para votar a favor é bom!…
A Sr.ª Presidente: — Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Menezes, do PSD.
O Sr. Luís Menezes (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados: Depois
de um debate aceso, intenso e paradoxal em algumas bancadas, não podemos deixar de dizer que também é
possível estabelecer consensos alargados nesta Casa.
Por isso, começo por saudar a posição do Partido Socialista de votar favoravelmente esta lei.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Fica-lhe bem!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É justo!
O Sr. Luís Menezes (PSD): — Um voto pouco convicto, é certo, como ficou visto e muito bem espelhado
em todas as suas intervenções, aliás, intervenções injustas,…
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Pobres e mal-agradecidos!
O Sr. Luís Menezes (PSD): — … porque se houve coisa que este Governo fez foi procurar o consenso
para esta lei, se houve coisa que este Governo fez foi ter a coragem de pegar num regime laboral com mais de
20 anos num setor muito difícil e levar por diante uma reforma que, durante estes 20 anos, ninguém quis fazer.
Dizer que toda a classe dos estivadores está em greve é uma falsidade, porque, em mais de 700
trabalhadores, apenas cerca de 200 não concordam com este regime laboral, em 11 sindicatos, apenas 2
estão em greve.
Mas, no fim deste debate, quero centrar-me no que é essencial: a lei é positiva e favorece a
empregabilidade no setor. Trata-se de uma lei que conta com o voto favorável do Partido Socialista e, por isso,
queremos saudar esse passo em frente na responsabilidade por parte do Partido Socialista.
A terminar o debate, não podemos deixar de saudar o Sr. Ministro da Economia, o Sr. Secretário de Estado
do Emprego e o Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas pelo papel determinante de toda a equipa
governativa num consenso que era importante, num consenso que não conseguiu abarcar todos os sindicatos,
porque, no seu legítimo direito, querem continuar a contestar aquilo que, a nosso ver, é incontestável.
Já vamos em mais de três meses de greve. Faço aqui um apelo aos sindicatos que ainda estão em greve:
por favor, juntem-se ao esforço nacional de recuperarmos o nosso País. Chega de greves desnecessárias que
não ajudam e que não contribuem em nada para que o País continue a andar em frente!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Protestos do PCP.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Economia e do Emprego.
O Sr. Ministro da Economia e do Emprego: — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, gostaria
de salientar e de enaltecer mais uma vez, nesta Câmara, o papel responsável dos parceiros sociais,
nomeadamente dos sindicatos que trabalharam connosco, para chegarmos a um acordo no dia 12 de
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setembro, que ficou, depois, plasmado nesta proposta de lei. Gostaria também de agradecer aos Deputados
da maioria e aos Deputados do Partido Socialista e dizer que, certamente, ouviremos todas as forças políticas
no debate na especialidade para conseguirmos ter uma lei ainda mais forte.
Esta é a prova de que é possível fazer boas reformas para a economia nacional num clima de diálogo
social e de concertação social. Quando está em causa o interesse nacional é importante pormos de lado as
diferenças que nos separam e apostar naquilo que nos une, que é o internacional.
Protestos do PS.
Gostaria também de dizer que nos próximos tempos iremos ter uma aposta e um investimento bastante
forte nos nossos portos — temos portos de excelência. Iremos lançar novas concessões, iremos, obviamente,
ligar os portos à bitola europeia, queremos apostar no sistema de mercadorias e em reformas que tornarão os
nossos portos e as nossas exportações mais competitivos.
Com estas reformas, mais uma vez, estamos preparar a economia para o futuro. Se queremos ter uma
economia apostada no setor industrial, se queremos apostar nos nossos setores produtivos, se queremos
apostar num Portugal mais exportador, é com estas reformas que o vamos conseguir e, principalmente, é com
este consenso social e político que conseguiremos ultrapassar a crise nacional.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar ao terceiro ponto da ordem do dia, que consiste no
debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 101/XII (2.ª) — Aprova o regime de garantia de qualidade e
segurança dos órgãos de origem humana destinados a transplantação no corpo humano, de forma a
assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana, transpondo a Diretiva 2010/53/UE do Parlamento
Europeu e do Conselho, de 7 de julho de 2010, relativa a normas de qualidade e segurança dos órgãos
humanos destinados a transplantação, conjuntamente com o projeto de resolução n.º 510/XII (2.ª) —
Recomenda ao Governo a realização de uma auditoria urgente sobre a redução do número de órgãos
recolhidos e de transplantes efetuados, bem como a implementação de um plano de ação que permita inverter
esta situação (BE).
Informo que o Governo e o Bloco de Esquerda, como autores das iniciativas, dispõem de mais 1 minuto e
que as intervenções de cada grupo de parlamentar, assim como a do Governo, são de 3 minutos.
Para abrir o debate e fazer a apresentação da proposta de lei, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado
Adjunto do Ministro da Saúde, a quem aproveito para cumprimentar.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde (Fernando Leal da Costa): — Sr.ª Presidente,
Sr.as
e Srs. Deputados: A transplantação de órgãos é uma atividade médica de enorme importância e que se
traduz na possibilidade de cura de muitos doentes que, de outra forma, não teriam outra oportunidade de a
terem.
Ao longo dos últimos 50 anos, a transplantação de órgãos generalizou-se a nível mundial, proporcionando
grandes benefícios terapêuticos a centenas de milhares de doentes. A transplantação de órgãos é o
tratamento com uma melhor relação custo-eficácia nos casos de insuficiência renal crónica terminal, sendo o
único tratamento disponível nos casos de insuficiência funcional terminal de órgãos como o fígado, os pulmões
ou o coração.
A importância que o Estado, através do Serviço Nacional de Saúde, dá a esta atividade está bem patente
no facto de termos uma agência devotada a esta área da saúde, o Instituto Português do Sangue e da
Transplantação (IPST), e de existir um sistema de incentivos autónomo e muito diferenciador desta atividade.
Em 2013, como consta do Orçamento do Estado que os Srs. Deputados aprovaram, a verba destinada a
incentivos para a transplantação recebe um acréscimo de 11,5%, situando-se em 29 milhões de euros. Este
simples dado reflete a nossa determinação em aumentar o número de transplantações a efetuar em Portugal.
Por outro lado, a transplantação de órgãos é um exemplo de cooperação internacional. Se é verdade que o
tráfego de tecidos, em particular de medula óssea e de células de cordão umbilical, já é normal na
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transplantação de sangue e medula, a partilha de órgãos de dadores cadavéricos é menos frequente, por isso
mesmo temos um protocolo de cooperação com Espanha para a partilha de órgãos não utilizados.
O Governo reativou a transplantação pediátrica em Coimbra, centralizou a atividade de tipagem na alçada
do IPST e manteve intacta toda a estrutura anteriormente existente, que, a exemplo de muitos outros países,
passa a ser coordenada pelo mesmo organismo que assegura o suporte transfusional em Portugal.
É exatamente porque a nossa capacidade de coordenação e monitorização se mantém em pleno
funcionamento que podemos afirmar, com grande preocupação, que temos assistido, após o máximo de 2009,
a uma diminuição progressiva das transplantações efetuadas com órgãos de dadores cadavéricos. Sabemos
que essa diminuição se relaciona, e ainda bem, com uma diminuição acentuada e progressiva da mortalidade
em indivíduos mais jovens, em especial a mortalidade por acidente vascular cerebral e acidentes rodoviários.
O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Isso não é verdade!
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde: — Por outro lado, temos tido dadores de
idade superior a 55 anos com maior frequência, o que implica uma diminuição de órgãos colhidos por dador e,
porque há tratamentos alternativos, também se assiste a uma diminuição de transplantações hepáticas
sequenciais.
Sabemos que há assimetrias regionais mas que a quebra é generalizada em todos os centros nacionais e
também em países europeus, alguns bem mais afetados que Portugal. Sabemos a que transplantação
hematopoiética efetuada com dadores vivos não tem vindo a diminuir, o que contraria a tese de que variações
nos incentivos poderiam estar na génese de uma eventual diminuição da vontade de tratar doentes por parte
dos nossos profissionais envolvidos nesta área. Recusamos esta tese.
Sempre dissemos e mantemos o discurso de que o elevado sentido ético dos profissionais de saúde, sem
ímpar na sociedade portuguesa, nunca permitiria que uma atividade como a transplantação pudesse estar
dependente de incentivos financeiros. Na transplantação — é verdade —, como em muitos casos, em centros
onde não há remuneração extra dos profissionais de transplantação a atividade não diminuiu, e, de resto, o
processo de redução do número de transplantações dura desde 2010.
Porém, a transplantação de órgãos comporta riscos. A vasta utilização terapêutica de órgãos humanos
para a transplantação requer que seja assegurada a qualidade e segurança desses órgãos de forma a
minimizar a transmissão de doenças através deles.
Sendo necessário assegurar que os órgãos de origem humana destinados a transplantação apresentem
critérios de qualidade e segurança comuns a todos os Estados-membros, o Parlamento Europeu e o Conselho
da União Europeia aprovaram a Diretiva 2010/53/UE, de 7 de julho de 2010, relativa a normas de qualidade e
segurança dos órgãos humanos destinados a transplantação.
Com vista ao cumprimento das exigências europeias, bem como à promoção da aplicação eficaz das
posições previstas no presente diploma, é estabelecido ainda um regime de sanções aplicáveis em caso de
infração.
Foi promovida a audição da Comissão Nacional de Proteção de Dados, do Conselho Nacional de Ética
para as Ciências da Vida, da Ordem dos Médicos e da Sociedade Portuguesa de Transplantação, que não
levantaram objeções de fundo.
Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: A proposta de lei que o Governo submete à vossa apreciação, e
cuja aprovação solicitamos a VV. Ex.as
, é um componente fundamental para a implementação plena de uma
estratégia de transplantação de órgãos com padrões de segurança e qualidade internacionalmente
reconhecidos. Permite, através do seu quadro normativo, o cumprimento de normas comuns na União
Europeia, facilitando o intercâmbio de órgãos. Fica criado um sistema de auditorias, uma forma padronizada
de registo de incidentes e de informação que garante melhor a rastreabilidade.
Esta lei segue em grande medida o que já foi legislado na transposição para o direito português das
diretivas sobre sangue e sobre tecidos e células em termos de mecanismos de controlo e de resposta de
qualidade; reforça o conceito de gratuitidade e voluntariedade do ato da doação; acautela a livre expressão da
vontade dos dadores e recetores; permite doações em vida de forma compatível com as necessidades dos
nossos doentes; e determina, como já disse, o regime de coimas aplicáveis em casos de violação da lei.
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Atrevo-me a dizer que estou certo de que é uma proposta que acolherá a vossa concordância e que, sem
qualquer dúvida, poderá vir a ser melhorada com os contributos que as Sr.as
e Srs. Deputados entenderem
introduzir.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo para apresentar o projeto de resolução
do Bloco de Esquerda.
O Sr. João Semedo (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, Srs. Secretários de Estado:
Percebeu-se perfeitamente, pela intervenção do Sr. Secretário de Estado, que a transcrição para o direito
português da diretiva europeia que estamos hoje aqui a discutir não vai acrescentar nada de muito significativo
ao panorama atual da transplantação em Portugal.
Qualidade e segurança já existem em Portugal. O problema em Portugal não é de qualidade e de
segurança,…
O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Muito bem!
O Sr. João Semedo (BE): — … como ficou muito claro até na intervenção do Sr. Secretário de Estado; o
problema em Portugal é que o número de órgãos recolhidos (ou colhidos, como quiserem) e de
transplantações feitas tem vindo a diminuir, mas não nos últimos anos, é no último ano, no ano em curso. Esse
é o problema!
O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Exatamente!
O Sr. João Semedo (BE): — Aliás, os gráficos que consultei são muito claros quanto a isso, pois podemos
ver que a barra referente ao ano de 2012 está a diminuir quando todas as outras estão a subir, o que acontece
também quanto aos órgãos transplantados e ao número total de transplantes. Portanto, não é verdade o que o
Sr. Secretário de Estado diz.
O Sr. Secretário de Estado sabe perfeitamente que o número de órgãos recolhidos, quer em dadores vivos
quer em cadáver, está a diminuir em 2012, como está também a diminuir o número total de transplantes.
O Governo diz, com muita facilidade, que isto acontece porque há menos mortes por acidente de
automóvel, que há menos mortes por AVC, que a mortalidade está a descer. Tudo isso, seguramente, pesará
nestes resultados, não digo que não, mas é um pouco estranho que o Governo não se lembre do peso que,
eventualmente, terá nesta situação a redução dos orçamentos hospitalares, o clima generalizado de restrição
e de racionamento da produção hospitalar e mesmo — para não falar noutras circunstâncias — a alteração
das condições contratuais a que os profissionais e as equipas de transplantação passaram a estar sujeitos
desde o primeiro dia em que este Governo tomou posse.
Tudo isto pesou. É por esta razão, e porque não temos nenhum preconceito nem nenhuma ciência feita,
que propomos que a Assembleia da República recomende ao Governo a realização de uma auditoria para que
se perceba, de uma vez por todas, porque é que os transplantes estão a diminuir em Portugal.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — Entretanto, inscreveram-se, para intervir, os Srs. Deputados Graça Mota, do PSD,
Bernardino Soares, do PCP, Teresa Caeiro, do CDS-PP, e Manuel Pizarro, do PS.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Graça Mota.
A Sr.ª Graça Mota (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado Adjunto:
Votamos hoje a proposta de lei n.º 101/XII, que visa incorporar no nosso ordenamento jurídico a Diretiva
2010/53/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de julho de 2010.
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Trata-se de uma proposta que, em primeiro lugar, regula todo o processo de transplantação, abrangendo a
dádiva, a colheita, a caraterização, a análise, a preservação, o transporte e a implantação do órgão a
transplantar, procurando maximizar o sucesso da técnica com o mínimo de risco para a saúde tanto do dador
como do recetor, nomeadamente através da prevenção da contaminação ou da deterioração dos órgãos a
transplantar.
Em segundo lugar, determina que a avaliação dos riscos e o seu impacto devem ser assegurados in casu,
juntamente com o registo rigoroso e detalhado de toda a informação relevante, onde se inclui a necessidade
de follow-up dos dadores vivos e dos recetores, monitorizando e gerindo reações adversas e agindo em
conformidade tanto a nível nacional como nos casos de intercâmbios de órgãos com países terceiros.
Em terceiro lugar, estabelece os pilares da coordenação dos transplantes, designando as autoridades
competentes responsáveis pela sua implementação.
Em quarto lugar, organiza o fluxo e armazenamento de informação que a atividade de obtenção e
transplante gera como elemento integrador e de melhoria do sistema.
Em quinto lugar, estabelece uma relação de infrações na matéria de transplantação e sua graduação.
Finalmente, esta proposta regula os requisitos necessários para que, no intercâmbio entre países com
diferentes regras e jurisdições, se uniformizem procedimentos técnicos, se certifiquem a qualidade e a
segurança tanto dos órgãos como dos atos praticados, sempre tendo como último objetivo minimizar os riscos
associados à transplantação, evitar a transmissão de doenças conhecidas e contribuir para a promoção da
segurança, tanto dos dadores como dos recetores.
Sr.as
e Srs. Deputados, esta proposta de lei, que, como referimos, transpõe uma diretiva europeia, merce a
nossa concordância, por permitir, através da uniformização de normas europeias, obter uma maior provisão de
órgãos seguros e de qualidade, por forma a que a transplantação, sendo, em algumas circunstâncias, o único
recurso disponível para salvar ou prolongar a vida do doente seja acessível ao maior número de portugueses
que dele necessitem.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção pelo PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Queria,
desde já, dar o nosso apoio ao projeto de resolução do Bloco de Esquerda, no sentido do apuramento da
situação que hoje existe ao nível dos transplantes, que penso que tem de ser esclarecida e que as explicações
dadas pelo Sr. Secretário de Estado não são suficientes.
Queria também dizer que esta é, de facto, uma matéria muitíssimo importante, onde demos passos
significativos em termos de legislação e de clarificação nos últimos anos, que tem enormes complexidades,
mas que significa a diferença entre viver ou não viver, ou viver em condições aceitáveis ou em condições
muito degradadas para muitas pessoas.
A proposta que é apresentada não vem contribuir para a melhoria deste regime jurídico, não porque a
maioria das soluções que contempla tenha em si uma substância errada, mas porque introduz uma confusão
jurídica que, penso, é o que não queremos num setor de tanta complexidade como é o dos transplantes.
Os transplantes precisam de regras muito claras,…
O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Muito bem!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — … mexem com questões éticas bastante complexas e não podem ter
a confusão jurídica que se pretende introduzir com esta proposta de lei.
Esta proposta de lei vem regular uma série de situações, na área dos transplantes, em que uma parte já
está regulada por uma lei aprovada em 2007, na Assembleia da República, que não é revogada, a não ser em
dois dos números de um dos seus artigos!
Por exemplo, em matéria de definição de conceitos, ficam em vigor os conceitos e as definições que estão
na lei de 2007 e definem-se agora novos conceitos sobre as mesmas questões que ficaram em vigor, em
paralelo com esta proposta de lei. Ora, isto não pode ser! E alguns têm diferenças significativas, como
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acontece com a definição de órgão: enquanto a lei que está em vigor fala em parte diferenciada e vital do
corpo, a proposta de lei tem uma redação diferente, o que faz toda a diferença.
Isto não pode ser!
O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Muito bem!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Para além disso, estabelecem-se nesta proposta de lei uma série de
normas que são regulamentares, que devem ser legisladas pelo Governo, no âmbito das suas competências e
que não têm de ser trazidas para a Assembleia da República.
Depois, há aspetos absolutamente caricatos e disparatados, como dizer-se, num dos artigos da proposta
de lei — e estou a citar — que «Os materiais e equipamentos utilizados na colheita são tratados de acordo
com a legislação aplicável em matéria de esterilização de dispositivos médicos». Era o que faltava que fosse
ao contrário e que tivesse de haver uma disposição da lei da Assembleia da República para dizer que se
utilizam dispositivos esterilizados nas transplantações!
Portanto, é preciso olhar para estas questões com outro cuidado. E, se se vai alterar o regime jurídico,
porque há aqui coisas que são novas, embora algumas não devam ser lei da Assembleia da República, então
tem de se integrar este regime na lei que está em vigor e fazer uma lei coerente, que inclua coisas novas, se
for necessário, mas que não deixe em vigor dois diplomas diferentes com coisas que são semelhantes, que
regulam a mesma matéria e que, existindo em paralelo, vão criar uma enorme confusão, para a qual não
estamos dispostos a contribuir.
Aplausos do PCP, de Os Verdes e do Deputado do PS Manuel Pizarro.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção pelo CDS-PP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Já aqui foi dito pelo Sr.
Secretário de Estado, aquando da apresentação da proposta de lei objeto de discussão, que a transplantação
de órgãos se generalizou a nível mundial, nos últimos 50 anos, proporcionando — convém nunca o esquecer
— benefícios terapêuticos a centenas de milhares de doentes. Em muitos casos, é a única solução para a
sobrevivência.
Ora, todo o processo da transplantação, na sua vasta utilização terapêutica, comporta, obviamente, riscos
e coloca-nos desafios a diferentes níveis — desafios que são elencados na exposição de motivos da proposta
de lei —, de modo a que seja garantida a qualidade, a segurança dos órgãos e de modo a minimizar os riscos.
Para tanto, é necessário, em primeiro lugar, que a dádiva, a colheita, a caracterização, a análise, a
preservação e o transporte dos órgãos de origem humana cumpram elevados padrões de qualidade; em
segundo lugar, que a transplantação dos órgãos assente nos princípios da dádiva voluntária e gratuita — este
é um aspeto ético da maior importância — e que seja garantido aos dadores vivos a maior proteção possível,
respeitando a sua dignidade humana; e, em terceiro lugar, que se assegure que os órgãos humanos a
transplantar apresentem critérios de qualidade e segurança comuns a todos os Estados-membros.
Penso que poderíamos resumir, assim, os três eixos que motivam as preocupações que deram origem à
Diretiva que, por sua vez, justifica esta proposta de lei agora em discussão.
Dirão alguns Srs. Deputados — como disse o Sr. Deputado João Semedo — que esta é uma legislação
redundante, desnecessária, excessiva e eu responder-lhes-ia, desde logo, que as diretivas são de
transposição obrigatória. Ou seja, temos a possibilidade, enquanto Estado, de gerir o tempo em que o
fazemos, de fazer uma adaptação à nossa realidade, mas a transposição das diretivas é obrigatória.
Por outro lado, os problemas, os desafios de qualidade, de harmonização, de confiabilidade, a par dos
desafios éticos que se nos colocam com esta generalização da transplantação, têm, obviamente, de ser
acompanhados por uma legislação cada vez mais rigorosa. Penso que compreenderão isso, nomeadamente
— volto a dizê-lo —, do ponto de vista ético e do ponto de vista da confiabilidade entre os Estados-membros.
Há, ainda, uma outra questão que foi abordada, a de haver uma suposta redução do número de
transplantações.
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O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Suposta?! É uma redução de mais de 20%!
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Deputado João Semedo, vamos ter uma discussão séria, porque
este é um assunto muito sério.
O Sr. Deputado João Semedo sabe que a esmagadora maioria dos transplantes de órgãos humanos era
resultado de acidentes rodoviários…
Protestos do Deputado do PS Manuel Pizarro e do Deputado do BE João Semedo.
… e a quebra virtuosa destes acidentes, que era a principal origem dos órgãos para transplantação,…
O Sr. João Semedo (BE): — Já não é assim!
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — … só pode ser saudada. É evidente que temos de encontrar soluções.
Mas, diga-me o Sr. Deputado como quer encontrar órgãos quando a principal origem…
O Sr. João Semedo (BE): — Já lhe digo!
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — E não me venha dizer que há entorses em todo este procedimento.
Relativamente ao regime jurídico que está em vigor desde 2009 — e já o anterior, de 2007 —, é verdade
que esse é um regime do qual nos podemos orgulhar, porque é relativamente satisfatório. E também concordo
e concedo que, em sede de especialidade, há vários acertos que devem ser feitos nesta proposta de lei,
designadamente devem ser feitas remissões para regulamentação e, em nosso entender, vários aspetos
podem ser expurgados de uma lei da Assembleia da República…
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Em suma, há uma série de simplificações a fazer e, talvez, algumas
redundâncias e eliminar. Mas é para isso que serve o processo legislativo e a discussão na especialidade.
Aqui estaremos para contribuir para dar uma efetiva proteção, qualidade e garantias num aspeto tão
importante e que tanto nos convoca, como é o da transplantação de órgãos humanos.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Pizarro, do PS.
O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados: Talvez
não haja nenhuma área como a da transplantação para demonstrar os efeitos nefastos de opções
governamentais desta maioria, sem ponderação e sem avaliação dos resultados.
Vamos aos factos.
Mal chegaram ao Governo tomaram três medidas em concreto: reduziram para metade o sistema de
incentivos à transplantação de órgãos, tratando por igual mesmo alguns atos que já eram insuficientemente
remunerados aos hospitais, como é o caso da colheita de órgãos; dissolveram a Autoridade para os Serviços
de Sangue e da Transplantação e, desde então, no último ano e meio, não há nenhuma coordenação nacional
efetiva no processo de transplantação; e, finalmente, desvalorizaram, do ponto de vista político, a importância
da transplantação, admitindo que ela poderia ter de ser reduzida — disse-o o Sr. Ministro da Saúde, numa
entrevista, logo em agosto de 2011 —, apesar de, hoje, o Governo reconhecer que a transplantação de órgãos
é essencial para salvar vidas e que é custo efetivo nos tratamentos dos doentes com insuficiência renal
crónica.
Vejamos os resultados.
Este ano, há uma queda abissal no número de transplantação de órgãos: menos 100 transplantes de
órgãos no primeiro semestre de 2012. E o Governo vem aqui propor a continuação do mesmo método! Porque
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o que está em causa, Sr.as
e Srs. Deputados, não é a transposição da Diretiva, o que está em causa é assumir
uma metodologia de organização do Estado em matéria de transplantação de órgãos que é indutora da
burocracia e do caos, que é desresponsabilizante de quem deve ser responsabilizado e que introduz
complexidade onde devia haver simplicidade.
Com esta proposta de lei não vai melhorar nada em matéria de qualidade e de segurança da
transplantação, porque Portugal é já hoje exemplar nessa matéria. Com esta proposta de lei vamos manter,
vamos sedimentar um sistema que já provou que dá maus resultados, e o Governo recusa-se a admiti-lo,
apesar da evidência dos números o tornar absolutamente indesmentível.
Portugal passou rapidamente — apenas num ano — de um honroso segundo lugar europeu para quinto
lugar, e os resultados ainda vão piorar, porque estão a piorar, todos os dias, na atividade dos hospitais. Os
números não permitem qualquer outra extrapolação.
Sr. Secretário de Estado, deixe-me falar-lhe da técnica legislativa. O diploma tem 28 artigos e faz 17
remissões para outros diplomas legais, incluindo remissões para portarias; é um diploma construído sem
qualquer cuidado, com a mesma negligência com que o Governo encara uma atividade que é essencial para
as pessoas.
Faço, por isso, um apelo dirigido ao Governo e à maioria: este diploma não tem ponta por onde se lhe
pegue!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É verdade!
O Sr. Manuel Pizarro (PS): — É um ato de negligência legislativa e de falta de respeito pelo setor da
transplantação de órgãos,…
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Manuel Pizarro (PS): — … é um diploma que não acrescenta nada de bom e que só propõe
soluções anacrónicas e burocráticas.
Entendemos que tem de haver um respeito de toda esta Câmara para com uma atividade que é central
para o País e da qual todos nos devemos orgulhar, por isso não nos juntamos a quem quiser aprovar um
diploma tão negativo, do ponto de vista da sua construção e das opções que assume, mas vamos associarmo-
nos, naturalmente, ao projeto de resolução do Bloco de Esquerda, para que se faça uma auditoria para
percebermos por que é que está em queda a transplantação de órgãos.
Sr. Secretário de Estado, só no primeiro semestre de 2012, houve menos 23 dadores cadavéricos de
órgãos e só houve menos 6 dadores resultantes de acidentes de viação. A explicação é outra e o Sr.
Secretário de Estado sabe qual é, apesar de a tentar esquecer! A explicação é a desordem do sistema de
transplantação que o Governo gerou, dissolvendo de forma irresponsável a autoridade e a coordenação de
transplantes, que sempre tinha merecido o respeito de todos os Governos, quaisquer que fossem as suas
cores partidárias. Infelizmente, os senhores não tiveram essa consideração.
Faço um apelo para que recuem, porque ainda estão a tempo de voltar atrás e de Portugal voltar ao lugar
que bem recentemente ocupou no panorama internacional da transplantação.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.
O Sr. João Semedo (BE): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Os números não podem ser
«transplantados», são o que são!
O número de órgãos recolhidos em cadáver diminuíram 16,5%. Infelizmente, nem os mortos em acidentes
de automóvel nem os mortos por acidente vascular cerebral diminuíram tanto em Portugal: 16,5%.
O total de órgãos recolhidos em dador vivo diminuiu 16%.
O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Há menos dadores vivos!
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O Sr. João Semedo (BE): — O número de transplantes reduziu-se em 22%. O número de corações
transplantados diminuiu em 38%. O número de rins transplantados diminuiu em 25%. O número de fígados
transplantados diminuiu em 13%.
Estes são os números do Instituto Português do Sangue e da Transplantação. E não são do Bloco de
Esquerda, são do organismo que, em Portugal, tutela esta área.
Os Srs. Deputados da maioria podem estar interessados em não tirar consequências destes números,
porque a consequência que se tira destes números é só uma: é procurar a verdade destes números, é
procurar as razões destes números, e é levar o Governo a mudar aquilo que tiver de ser mudado.
Agora, os Srs. Deputados sabem, como todos sabemos, que, para mudar este panorama, é preciso investir
mais no Serviço Nacional de Saúde — e é isso que os senhores não querem fazer.
O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Muito bem!
O Sr. João Semedo (BE): — Mesmo que isso, na disputa entre a vida e a morte, possa custar a morte de
alguns cidadãos portugueses. Isso é desumano e é inaceitável.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Isso é demagogia!
O Sr. João Semedo (BE): — E é por isso que propomos que se faça uma auditoria ao que está a verificar-
se relativamente aos transplantes.
O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Quem não deve, não teme!
O Sr. João Semedo (BE): — Em relação à Diretiva, quero só dizer duas coisas. De facto, a Diretiva não
acrescenta nada de novo, a não ser confusão nos organismos do Ministério da Saúde que têm de intervir
nesta área. E cria uma outra coisa, que tem que se lhe diga, que é alguma confusão e alguma falta de rigor no
que diz respeito ao controlo, à fiscalização e ao funcionamento dos sistemas de informação do registo nacional
de transplantes. E isso é preocupante. Mas, enfim, julgo que ainda há tempo para remediar e para corrigir
essa situação.
Já não há tempo é para corrigir os transplantes que deveriam ter sido feitos e que não o foram, o que
prejudicou seguramente alguns cidadãos portugueses.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, termina aqui a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º
101/XII (2.ª) conjuntamente com o projeto de resolução n.º 510/XII (2.ª) (BE).
Cumprimento os Srs. Membros do Governo que nela participaram.
Vamos, agora, passar às votações regimentais.
Peço aos serviços que preparem o sistema de registo de quórum e, entretanto, peço ao Sr. Secretário o
favor de dar conta da apresentação de diplomas.
O Sr. Secretário (Paulo Batista Santos): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, deram entrada na
Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de lei n.º 110/XII (2.ª) — Estabelece um
regime temporário de pagamento dos subsídios de Natal e de férias para vigorar durante o ano de 2013, que
baixa à 10.ª Comissão; projeto de resolução n.º 513/XII (2.ª) — Recomenda ao Governo a concretização de
medidas de apoio ao setor da aquicultura (PS), que baixa à 7.ª Comissão; e projeto de lei n.º 320/XII (2.ª) —
Reorganização administrativa do território das freguesias (PSD e CDS-PP), que baixa à 11.ª Comissão.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, o quadro eletrónico regista 204 presenças, às quais se acrescentam
5 de Deputados que não puderam registar-se (os Srs. Deputados Miguel Frasquilho, do PSD, António Braga e
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António José Seguro, do PS, e Cecília Honório e João Semedo, do BE), perfazendo 209 Deputados, pelo que
temos quórum para proceder às votações.
Começamos por votar o voto n.º 84/XII (2.ª) — De congratulação pelo Dia Internacional pela Eliminação da
Violência contra as Mulheres (PSD, PS, CDS-PP, PCP, BE e Os Verdes), que vai ser lido pela Sr.ª Secretária.
A Sr.ª Secretária (Rosa Maria Albernaz): — Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:
«A violência contra as mulheres é uma violação grave dos direitos humanos e uma forma de discriminação
contra as mulheres. Esta posição tem servido de alicerce à construção do edifício normativo de
reconhecimento, promoção e proteção dos direitos humanos das mulheres, laboriosamente executado por
Governos, Parlamentos, Organizações Internacionais, Organizações Não-Governamentais e pela sociedade
civil em geral.
Em 1999, a Assembleia Geral das Nações Unidas [A/RES/54/131 (1999)] proclamou o dia 25 de novembro
como o Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres. Desde então, este dia tem servido
como catalisador para a sensibilização e mobilização das opiniões públicas e compromissos políticos para a
eliminação da violência, das violências contra as mulheres e raparigas.
Violências estas que, na definição do Conselho da Europa, consistem em «qualquer ato, omissão ou
conduta que serve para infligir sofrimentos físicos, sexuais ou mentais, direta ou indiretamente, por meio de
enganos, ameaças, coação ou qualquer outro meio, a qualquer mulher, e tendo por objetivo e como efeito
intimidá-la, puni-la ou humilhá-la, ou mantê-la nos papéis estereotipados ligados ao seu sexo, ou recusar-lhe a
dignidade humana, a autonomia sexual, a integridade física, mental e moral, ou abalar a sua segurança
pessoal, o seu amor-próprio ou a sua personalidade, ou diminuir as suas capacidades físicas ou intelectuais».
Esta definição abrangente permite perceber as várias violências de género, enquadrar o trabalho de
ativistas, organizações e governos e louvar o vasto acervo de declarações, tratados e programas gizados e
aplicados em prol do fim desta bárbara discriminação.
E se muito foi feito, tanto mais ainda há a fazer. Ainda este ano, o Secretário-Geral das Nações Unidas,
Ban Ki-Moon, na sua mensagem para o dia 25 de novembro, alertava para que «milhões de mulheres e
crianças em todo o mundo são atacadas, espancadas, violadas, mutiladas e mesmo assassinadas, naquilo
que constituem violações graves dos seus direitos humanos.». Na mesma ocasião, Michelle Bachelet, diretora
executiva da ONU Mulheres, condena a violência contra as mulheres como «uma ameaça à democracia, um
obstáculo à paz duradoura, um fardo para as economias nacionais e uma violação atroz aos direitos
humanos.»
Reiterando que este «não é apenas um problema das mulheres, é responsabilidade de todas e todos nós»,
Bachelet dá o mote para o que deve ser o empenho de hoje e de manhã, declarando que «sim, é possível;
juntos podemos combater a violência.» No Parlamento português, a Subcomissão da Igualdade elegeu como
área prioritária o combate à violência de género, alinhando a sua atuação com esta preocupação global. É um
diagnóstico que urge à ação, é uma denúncia que não nos pode deixar imunes, nem em consciência nem em
ação.
A realização das Primeiras Jornadas Nacionais Contra a Violência Doméstica insere-se neste espírito
inquebrantável de combate por todos os direitos humanos para todas as pessoas, que conheceu importantes
desenvolvimentos na última década em Portugal, através da aprovação da lei da prevenção da violência
doméstica e assistência das suas vítimas, dos sucessivos planos de ação em vigor, elementos centrais nesta
busca incessante pela dignidade humana e por este seu pressuposto: o fim da violência contra as mulheres e
raparigas.
A Assembleia da República, associando-se à letra e ao espírito da proclamação do Dia Internacional pela
Eliminação da Violência Contra as Mulheres, rejeita perentoriamente a invocação de quaisquer razões de
ordem histórica, cultural ou religiosa para justificar qualquer que seja o tipo de violência contra as mulheres e
reitera o seu empenho pelo fim da violência contra as mulheres e raparigas.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, vamos votar o voto que acabou de ser lido.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade e aclamação.
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Vamos, agora, votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 99/XII (2.ª) — Procede à primeira alteração ao
Decreto-Lei n.º 280/93, de 13 de agosto, que estabelece o regime do trabalho portuário.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP, votos contra do PCP,
do BE e de Os Verdes e a abstenção do Deputado do PS Pedro Delgado Alves.
Este diploma baixa à 10.ª Comissão.
A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Peço a palavra, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: — Faça favor.
A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Sr.ª Presidente, é para anunciar que eu própria e o Sr.
Deputado Manuel Pizarro entregaremos uma declaração de voto sobre esta matéria.
A Sr.ª Presidente: — Fica registado, Sr.ª Deputada.
Votamos, agora, na generalidade, a proposta de lei n.º 101/XII (2.ª) — Aprova o regime de garantia de
qualidade e segurança dos órgãos de origem humana destinados a transplantação no corpo humano, de forma
a assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana, transpondo a Diretiva 2010/53/UE do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de julho de 2010, relativa a normas de qualidade e segurança dos
órgãos humanos destinados a transplantação.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP,
do BE e de Os Verdes.
Este diploma baixa à 9.ª Comissão.
Segue-se a votação do projeto de resolução n.º 510/XII (2.ª) — Recomenda ao Governo a realização de
uma auditoria urgente sobre a redução do número de órgãos recolhidos e de transplantes efetuados bem
como a implementação de um plano de ação que permita inverter esta situação (BE).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP,
do BE e de Os Verdes.
O Sr. Deputado João Serpa Oliva pediu a palavra para que efeito?
O Sr. João Serpa Oliva (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, gostaria de anunciar que apresentarei à Mesa uma
declaração de voto sobre esta matéria.
A Sr.ª Presidente: — Fica registado, Sr. Deputado.
Sendo assim, vamos agora votar o projeto de resolução n.º 483/XII (2.ª) — Recomenda ao Governo
medidas para a proteção da Lagoa dos Salgados (Albufeira e Silves) (BE).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do PS e do CDS-PP e votos a favor do PCP,
do BE e de Os Verdes.
Vamos votar, em votação final global, o texto final, apresentado pela Comissão de Economia e Obras
Públicas, relativo à proposta de lei n.º 83/XII (1.ª) — Aprova os regimes jurídicos de acesso e exercício da
profissão de motorista de táxi e de certificação das respetivas entidades.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-P, votos contra do PCP e
de Os Verdes e a abstenção do BE.
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Segue-se a votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Economia e Obras Públicas,
relativo à proposta de lei n.º 94/XII (1.ª) — Simplifica o acesso à atividade transitária e ao transporte em táxi,
através da eliminação dos requisitos de idoneidade e de capacidade técnica ou profissional dos responsáveis
das empresas, e ao transporte coletivo de crianças, através da eliminação dos requisitos de capacidade
técnica ou profissional dos responsáveis das empresas, alterando o Decreto-Lei n.º 251/98, de 11 de agosto, o
Decreto-Lei n.º 255/99, de 7 julho, e a Lei n.º 13/2006, de 17 de abril, conformando-o com a disciplina da Lei
n.º 9/2009, de 4 de março, e do Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de julho, que transpuseram para a ordem
jurídica interna as Diretivas 2005/36/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de setembro de 2005,
relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais, e 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP e votos contra do PCP,
do BE e de Os Verdes.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai ainda dar conta de um parecer da Comissão para a Ética, a Cidadania
e a Comunicação.
O Sr. Secretário (Paulo Baptista Santos): — Sr.ª Presidente, a solicitação da Inspeção-Geral dos Serviços
de Justiça, Processo de inquérito n.º S-1/2012, a Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação
decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Hélder Amaral (CDS-PP) a prestar depoimento
por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.
Pausa.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, a próxima reunião plenária terá lugar na próxima quarta-feira, dia 5, pelas 15 horas. Para
além de declarações políticas, da ordem do dia constará a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º
108/XII (2.ª) — Aprova o regime jurídico aplicável ao mergulho recreativo em todo o território nacional, em
conformidade com o Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de junho, que transpôs a Diretiva 2006/123/CE, do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno,
com a Lei n.º 9/2009, de 4 de março, que transpôs a Diretiva 2005/36/CE, do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 7 de setembro, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais, e com o Decreto-Lei
n.º 92/2011, de 27 de julho, que cria o Sistema de Regulação de Acesso a Profissões, e do projeto de lei n.º
312/XII (2.ª) — Regula a promoção da propriedade e da gestão das entidades que prosseguem atividades de
comunicação social (PS).
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 29 minutos.
Declarações de voto enviadas à Mesa, para publicação
Relativa à proposta de lei n.º 99/XII (2.ª):
Votámos favoravelmente a proposta de lei n.º 99/XII (2.ª), que procede à primeira alteração ao Decreto-Lei
n.º 280/93, de 13 de agosto, que estabelece o regime do trabalho portuário, por entendermos que se justifica
um enquadramento homogéneo, no território nacional, desse regime laboral e porque reconhecemos que, no
trabalho em sede de especialidade, tentaremos superar as insuficiências da solução proposta pelo Governo.
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Não podemos, no entanto, deixar de valorizar a natureza especialmente penosa do trabalho portuário, na
génese do atual regime laboral e, nesse contexto, não podemos deixar de assinalar a falta de capacidade de
diálogo do Governo, que conduziu a um difícil conflito com os trabalhadores portuários.
O Governo pretende conseguir à força, com a imposição de um regime legal, aquilo que, por incapacidade
e por obstinação, não foi capaz de conseguir por via da concertação e do diálogo, via que ficou muito longe de
estar esgotada.
Os Deputados do PS, Maria Antónia Almeida Santos — Manuel Pizarro.
———
Relativa ao projeto de resolução n.º 510/XII (2.ª):
Foi hoje votado, em sessão plenária, entre outros, o projeto de resolução n.º 510/XII (2.ª), do BE, que
recomenda ao Governo a realização de uma auditoria urgente sobre a redução do número de órgãos
recolhidos e de transplantes efetuados, bem como a implementação de um plano de ação que permita inverter
esta situação.
Cumpre-nos informar que os votos contra que o referido projeto de resolução do BE obteve, por parte do
Grupo Parlamentar do CDS-PP, prenderam-se não tanto com a pretensão do BE na realização de uma
auditoria à redução do número de órgãos recolhidos e de transplantes efetuados — que, aliás, entendemos
pertinente e desejável em matérias de tamanha importância como a transplantação de órgãos —, mas antes
com a fundamentação apresentada pelo BE para a realização da referida auditoria.
Como o BE reconhece no seu projeto de resolução, o Governo não se tem escusado a justificar a
diminuição na colheita e transplantação de órgãos. Aliás, o próprio BE cita o Sr. Secretário de Estado Adjunto
do Ministro da Saúde a este respeito: «Em outubro deste ano, numa intervenção no XI Congresso Luso-
Brasileiro de Transplantação, o Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, Leal da Costa, afirmou
que “em Portugal, como noutros países, tem-se verificado uma redução na colheita de órgãos”, atribuindo esta
redução à diminuição da mortalidade por acidentes de viação e AVC e ao aumento da esperança de vida.»
Ora, a justificação dada pelo Governo para a redução na colheita de órgãos é, em nosso entender, de
salutar, pois demonstra que as políticas levadas a cabo estão a ter resultados positivos na redução de
mortalidade por acidentes de viação, na redução de mortalidade por acidentes vasculares cerebrais e no
aumento da esperança de vida.
Assim, o Grupo Parlamentar do CDS-PP não pode acompanhar, no seu todo, a pretensão do BE espelhada
no projeto de resolução n.º 510/XII, pois entende não fazer sentido «a implementação de um plano de ação
que permita inverter esta situação».
A este propósito, cumpre ainda referir que foi hoje aprovada, na generalidade, a proposta de lei n.º 101/XII,
que aprova o regime de garantia de qualidade e segurança dos órgãos de origem humana destinados a
transplantação no corpo humano, de forma a assegurar um elevado nível de proteção de saúde humana,
transpondo a Diretiva n.º 2010/53/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de julho de 2010, relativa a
normas de qualidade e segurança dos órgãos humanos destinados a transplantação e que tem por objetivo
estabelecer as normas que visam garantir a qualidade e segurança dos órgãos de origem humana destinados
a transplantação no corpo humano, de forma a assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana.
Esta proposta de lei transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva 2010/53/UE, do Parlamento Europeu
e do Conselho, de 7 de julho de 2010, relativa a normas de qualidade e segurança dos órgãos humanos
destinados a transplantação, e a sua aplicação será bastante importante na monitorização da transplantação
de órgãos.
No entanto, e como já foi acima referido, entendemos que as auditorias são sempre pertinentes e
desejáveis em matérias tão importantes para a vida das pessoas, como é o caso da transplantação.
Acreditamos, inclusivamente, que os resultados de uma auditoria viriam demonstrar que a política seguida por
este Governo é a correta e está a obter bons resultados.
Os Deputados do CDS-PP, João Serpa Oliva — Nuno Magalhães.
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I SÉRIE — NÚMERO 25
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Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.