Página 1
Quinta-feira, 13 de março de 2014 I Série — Número 59
XII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2013-2014)
REUNIÃOPLENÁRIADE12DEMARÇODE 2014
Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria da Assunção Andrade Esteves
Secretários: Ex.mos
Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Rosa Maria da Silva Bastos de Horta Albernaz
S U M Á R I O
A Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10
minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa dos projetos de lei n.
os
525 e 527 a 532/XII (3.ª) e do projeto de resolução n.º 977/XII (3.ª).
Foi aprovado um parecer da Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação, relativo à retoma de mandato de um Deputado do PSD.
Em declaração política, a Deputada Mariana Mortágua (BE) acusou o Governo de fazer do pagamento da dívida e do controlo do défice o objetivo central da sua governação para justificar os cortes e defendeu a necessidade de uma reestruturação da dívida. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Cecília Meireles (CDS-PP) e Miguel Tiago (PCP).
Em declaração política, o Deputado Luís Menezes (PSD) considerou que, passados três anos de governação, o País está melhor preparado para os desafios do futuro, desafiou todos os partidos a pensar naquilo que é melhor para o País após a saída da troica e apelou para consensos alargados entre as forças políticas. Deu, depois, resposta a pedidos de esclarecimento dos Deputados Pedro Nuno
Santos (PS), Pedro Filipe Soares (BE), João Oliveira (PCP) e Hélder Amaral (CDS-PP).
Em declaração política, o Deputado João Soares (PS) condenou as políticas europeias e nacionais que conduzem ao empobrecimento e falou acerca da necessidade de novas políticas que permitam um desenvolvimento sustentável do País. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados António Filipe (PCP), Mónica Ferro (PSD) e José Ribeiro e Castro (CDS-PP).
Em declaração política, o Deputado Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP) deu conta de algumas conclusões saídas do Congresso do Partido Popular Europeu, realizado em Dublin, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Carlos Costa Neves (PSD), Paula Baptista (PCP), Mariana Mortágua (BE) e Ana Catarina Mendonça (PS).
Em declaração política, o Deputado Paulo Sá (PCP), a propósito de um manifesto apresentado por individualidades nacionais apelando à renegociação da dívida do País, recordou que o seu partido havia apresentado propostas no mesmo sentido e chamou a atenção para as consequências de uma não renegociação, tendo de seguida respondido a
Página 2
I SÉRIE — NÚMERO 59
2
pedidos de esclarecimento da Deputada Mariana Mortágua (BE).
Foi apreciada a petição n.º 253/XII (2.ª) — Apresentada pela ACAP (Associação Automóvel de Portugal), solicitando à Assembleia da República intervenção legislativa com vista a repor o sistema de incentivos ao abate de veículos em fim de vida, tendo-se pronunciado os Deputados Sandra Cardoso (PS), João Paulo Viegas (CDS-PP), Mariana Mortágua (BE), Bruno Dias (PCP) e Nuno Serra (PSD).
Foi ainda apreciada a petição n.º 289/XII (3.ª) — Apresentada pela Deco (Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor), solicitando à Assembleia da República a adoção de medidas legislativas que limitem a cobrança de comissões ou outros encargos de manutenção de contas à ordem e que promovam a transparência da sua publicitação e atualização, conjuntamente com os projetos de lei n.
os 527/XII (3.ª) — Proíbe a cobrança, pelas
instituições de crédito, de comissões, despesas ou outros encargos pela manutenção de contas de depósito à ordem (PCP), 529/XII (3.ª) — Assegura o acesso dos cidadãos aos serviços mínimos bancários gratuitos e limita a cobrança de despesas de manutenção de conta por parte das instituições de crédito (altera o Decreto-Lei n.º 27-C/2000, de 10 de março, e o Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro) (BE), e 532/XII (3.ª) — Cobrança de comissões e outros encargos pelas instituições de crédito e sociedades financeiras devidas pela prestação de serviços aos consumidores (PS). Proferiram intervenções os Deputados Paulo Sá (PCP), Pedro Filipe Soares (BE), Fernando Serrasqueiro (PS), Carlos Santos Silva (PSD) e Cecília Meireles (CDS-PP).
O Presidente (Guilherme Silva) encerrou a sessão eram 17 horas e 54 minutos.
Página 3
13 DE MARÇO DE 2014
3
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, Srs. Jornalistas, está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 10 minutos.
Podem ser abertas as galerias.
Pedia aos Srs. Deputados o favor de tomarem os vossos lugares.
Antes de iniciarmos o primeiro ponto da ordem do dia de hoje, que consiste em declarações políticas, vou
dar a palavra ao Sr. Secretário, Deputado Duarte Pacheco, para fazer o favor de ler o expediente.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e
foram admitidos pela Sr.ª Presidente, os projetos de lei n.os
525/XII (3.ª) — Repõe a taxa do IVA na
eletricidade nos 6% (BE), que baixa à 5.ª Comissão, 527/XII (3.ª) — Proíbe a cobrança, pelas instituições de
crédito, de comissões, despesas ou outros encargos pela manutenção de contas de depósito à ordem (PCP),
528/XII (3.ª) — Alteração à Lei dos Baldios (altera a Lei n.º 68/93, de 4 de setembro, com redação da Lei n.º
89/97, de 30 de junho, que estabelece a lei dos baldios, altera o Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado
pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, e efetua a nona alteração ao Regulamento das Custas Processuais,
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro) (PSD e CDS-PP), que baixa à 11.ª Comissão, em
conexão com as 1.ª e 5.ª Comissões, 529/XII (3.ª) — Assegura o acesso dos cidadãos aos serviços mínimos
bancários gratuitos e limita a cobrança de despesas de manutenção de conta por parte das instituições de
crédito (altera o Decreto-Lei n.º 27-C/2000, de 10 de Março, e o Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro)
(BE), que baixa à 5.ª Comissão, 530/XII (3.ª) — Lei que define os princípios que regem a cobertura jornalística
das eleições e referendos nacionais (PSD e CDS-PP), 531/XII (3.ª) — Altera a Lei Geral Tributária para que o
Estado não inviabilize sistematicamente os planos especiais de recuperação de empresas (PS), que baixa à
5.ª Comissão, e 532/XII (3.ª) — Cobrança de comissões e outros encargos pelas instituições de crédito e
sociedades financeiras devidas pela prestação de serviços aos consumidores (PS); e o projeto de resolução
n.º 977/XII (3.ª) — Pelo respeito, pelas normas e princípios do direito internacional com o fim da parceria entre
a EPAL e a empresa israelita MEKOROT (PCP).
Sr.ª Presidente, há ainda um parecer da Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação que deve
ser votado de imediato.
O relatório e parecer da Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação refere-se à retoma do
mandato, nos termos do artigo 7.º do Estatuto dos Deputados, do Sr. Deputado Luís Vales (PSD), círculo
eleitoral do Porto, cessando a Sr.ª Deputada Paula Gonçalves, com efeitos a partir de 12 de março de 2014,
inclusive.
O parecer é no sentido de que a retoma do mandato do Deputado em causa é de admitir, uma vez que se
encontram verificados os requisitos legais.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.
Pausa.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Sendo assim, retoma o mandato o Sr. Deputado Luís Vales, ao qual dou as boas-vindas de regresso ao
Parlamento.
Srs. Deputados, as declarações políticas de hoje vão ser proferidas pelos Srs. Deputados Mariana
Mortágua, do BE, Luís Menezes, do PSD, João Soares, do PS, Filipe Lobo d’Ávila, do CDS-PP, e Paulo Sá, do
PCP.
Como ainda há um certo ruído no Hemiciclo, vou aguardar um pouco para que o primeiro orador tenha
condições de ser ouvido.
Pausa.
Página 4
I SÉRIE — NÚMERO 59
4
Srs. Deputados, vamos começar com as declarações políticas, pertencendo a primeira ao Bloco de
Esquerda.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as
Deputadas, Srs. Deputados: A dívida pública
portuguesa representa já 130% de toda a riqueza produzida no País e leva todos os anos 8000 milhões de
euros só em juros. É mais do que o Estado investe em todos os níveis de educação e de investigação.
Este Governo tomou posse fazendo do pagamento da dívida e do controlo do défice o objetivo central da
sua governação. Foi sempre em nome deste pagamento que Passos Coelho foi justificando o corte nas
pensões, o corte nos salários, o aumento de 30% em todos os impostos, a degradação do serviço público, do
serviço de educação, de saúde, os aumentos dos transportes ou da eletricidade.
Três anos depois, o que é que aconteceu? Para trabalhadores, desempregos e pensionistas, os
rendimentos nunca pararam de descer; já a dívida, essa, nunca parou de aumentar.
Onde o Memorando garantia que a dívida estaria nos 114% do PIB no final de 2013, hoje estamos nos
130%. O Governo que fez do pagamento da dívida a sua bandeira foi aquele que mais aumentou a dívida
pública em Portugal.
Mas esta semana, com uma candura desarmante, o Presidente da República veio explicar o plano da
direita para controlar a dívida. O plano apresenta, no entanto, três pequenas falhas — é irrealista, é
irresponsável e é impossível.
Aplausos do BE.
É irrealista, porque defende para 30 anos consecutivos aquilo que não foi conseguido num único ano. É
irresponsável, porque impõe o empobrecimento de todo o País em nome de uma meta que sabe ser
impraticável. E é impossível, porque nunca nenhum país do mundo, nem os Estados Unidos, nem a
Alemanha, conseguiu atingir as metas defendidas por Cavaco Silva e por este Governo.
Pese embora toda a retórica inflamada de Paulo Portas, o plano da direita para pagar a dívida é mais do
mesmo, mas mais forte. O Presidente da República usou os números que o Governo tenta esconder.
Diz-nos Cavaco Silva que durante 30 anos, e todos os anos, Portugal terá de ter, no mínimo, taxas de
crescimento do PIB de 3% e saldos primários de 4%.
Em 40 anos de democracia, Portugal nunca conseguiu atingir estes valores num único ano, quanto mais
em 30. Pior: nunca nenhum país do mundo o fez. Mesmo os países mais ricos, como a Alemanha, só
atingiram estas metas durante dois anos nos últimos 17.
Sejamos claros: o que nos propõem é continuar este nível de austeridade por três décadas e, com mais
cortes e sem investimento, atingir níveis de crescimento e de excedentes orçamentais que nenhuma das
economias mais ricas do planeta conseguiu. Isto só tem um nome, Srs. Deputados: chama-se má-fé.
A pergunta que se impõe é esta: se o Governo sabe que estas metas são inviáveis, por que é que insiste
num plano suicidário? E a resposta também está à vista: a sustentabilidade da dívida sempre foi a menor das
preocupações da direita. Assim tem sido e assim continuará a ser na pós-troica. A dívida é o pretexto para
impor a austeridade que corta salários e retira direitos a quem trabalha ou a quem trabalhou.
Aplausos do BE.
A transferência de rendimentos do trabalho para o capital é o único elemento que está a ser ajustado na
economia portuguesa.
Sr.as
e Srs. Deputados: Não há nada mais irrealista do que dizer que um país cada vez mais pobre,
acorrentado aos humores de Bruxelas e do FMI durante os próximos 30 anos, terá condições para pagar a
dívida e, sobretudo, terá condições para oferecer a quem cá vive um futuro melhor.
Mas é exatamente este plano — irrealista, irresponsável e impossível — que dá corpo ao tratado
orçamental. O que este tratado defende é que, independentemente de quem seja eleito, o dogma desta
austeridade continuará a ser aplicado. Não é por acaso que Cavaco Silva fala em consensos até 2035, quando
Página 5
13 DE MARÇO DE 2014
5
até lá Portugal vai ver, pelo menos, seis ciclos eleitorais diferentes. Muda o Governo, mas apenas na certeza
de que continua o mesmo programa e o mesmo consenso, que é o programa da troica.
Medimos bem as palavras, Sr.as
e Srs. Deputados: este tratado e estes consensos a 30 anos afrontam os
princípios elementares da democracia, afrontam o princípio de um povo poder decidir livremente sobre o seu
futuro e sobre o rumo do país onde vive.
Vejamos do que falamos.
Segundo as regras do tratado, Portugal terá de reduzir a dívida a uma velocidade que, só no primeiro ano,
equivale a 10 000 milhões de euros, e isto sem contar com os juros. É mais do que todo o orçamento anual
para o Serviço Nacional de Saúde.
Se, com o atual nível de austeridade, a dívida tem subido, e muito, a pergunta a que os representantes do
tratado orçamental têm de responder não podia ser mais simples: que nível de devastação social é que
pretendem impor para, sem reestruturar a dívida, abater 10 000 milhões de euros em apenas um ano?
Sr.as
e Srs. Deputados, há um consenso crescente na sociedade portuguesa: a dívida pública e, sobretudo,
as medidas de austeridade impostas em nome do seu pagamento são hoje o maior obstáculo ao crescimento
económico português.
A rejeição do tratado orçamental e uma reestruturação responsável da dívida, que inclua a alteração dos
seus juros e o prolongamento do seu prazo, o abatimento de uma parte destes valores, são as condições
mínimas para ter políticas de crescimento e de emprego.
O que os portugueses esperam de cada uma e de cada um de nós é muito claro: os portugueses esperam
saber se o País continua preso a uma austeridade masoquista, que hipoteca o futuro durante décadas, ou se,
pelo contrário, temos a coragem, a determinação e a responsabilidade de afrontar os interesses financeiros e
de defender os direitos dos cidadãos.
A escolha do Bloco é muito clara: entre a banca e as pessoas, escolhemos as pessoas.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Cecília Meireles, do
CDS-PP, e Miguel Tiago, do PCP, tendo a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua informado a Mesa que pretende
responder a um Deputado de cada vez.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, trouxe-nos aqui o
que tem sido, porventura, o tema, não diria do dia, mas dos últimos anos, da política portuguesa mais
importante que temos discutido.
Desde as versões mais radicais do simples «Não pagamos!», passando pelas versões mais moderadas do
«Pagamos, mas só pagamos metade!» até às versões mais mitigadas, como as do PS, do «À segunda não
pagamos, à terça pagamos metade e à quarta queremos cumprir e fazer tudo e o seu contrário ao mesmo
tempo!»,…
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Pois é!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — … dentro destas várias versões, há algumas questões que, creio,
vale a pena pôr. E, permita-me que lhe diga, a Sr.ª Deputada, de uma forma que eu diria algo maniqueísta,
perguntou quem é que está com as pessoas e quem é que está com os bancos. Com as pessoas estamos
todos, Srs. Deputados!
Vozes do CDS-PP: — Exatamente!
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Ninguém diria!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — S.ª Deputada Mariana Mortágua, gostava de lhe fazer a seguinte
pergunta: se um dos Srs. Deputados tiver uma dívida ao banco e eu lhe disser: «Ó Sr. Deputado, meu caro
Página 6
I SÉRIE — NÚMERO 59
6
amigo, eu vou ao banco, vou negociar um prazo melhor, vou negociar mais tempo para pagar a sua dívida,
vou negociar uma taxa de juro melhor» e se uma outra pessoa lhe disser: «Não, é muito simples: deixe-se ficar
em casa, pura e simplesmente, não faça transferência e deixe de pagar», quem é que a Sr.ª Deputada acha
que está do lado dele? É quem vai negociar com o banco! E quem é que acha que está contra? É quem diz,
pura e simplesmente, «Não pagamos!».
Portanto, para visões maniqueístas do mundo, também lhe podia dizer que o que está aqui em causa é,
simplesmente, a escolha entre o cumprimento e o calote.
Porém, acho que a questão é um bocadinho menos maniqueísta e menos simples do que isto. É uma
questão um pouco mais profunda.
Há, pois, algumas perguntas que vale a pena serem colocadas para percebermos se o caminho do puro e
simples incumprimento é o caminho do oásis que estão a tentar descrever, porque não me parece que seja.
O caminho que tem sido trilhado e que está a começar a dar resultados, esse caminho, devo dizer-lhe,
também não foi trilhado em nome do pagamento da dívida mas, sim, em nome da nossa absoluta
incapacidade de nos conseguirmos financiar, ou seja, de nos conseguirmos endividar mais e mais e ao ritmo a
que o tínhamos feito.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Pagamento da dívida!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Não tem nada a ver com o pagamento da dívida, tem a ver com a
falta de pessoas dispostas a emprestar-nos mais dinheiro ao mesmo ritmo a que nos vínhamos endividando
por causa, de certeza, de alguma coisa que estaria no passado,…
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Por causa da dívida!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — … não de alguma coisa que viria no futuro.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Essa está boa!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Pergunto: partindo do princípio de que Portugal regressa aos
mercados em maio, que tipo de taxas de juro acha que teremos, se anunciarmos uma reestruturação? Acha
possível, acha viável que regressemos aos mercados? Acha que teremos capacidade de o fazer? Já não lhe
vou lembrar, pois tenho a certeza de que conhece, as palavras da Professora Teodora Cardoso, mas
perguntava-lhe se acha que é um caminho viável que um país que se vai financiar diga, pura e simplesmente,
«Emprestem-me mais dinheiro, mas já não vou pagar aquilo que devo». Pergunto-lhe, portanto, se lhe parece
um caminho viável.
Em segundo lugar, a médio e a longo prazos até posso perceber a defesa da reestruturação, ou da
renegociação, ou do que lhe queira chamar, mas é uma coisa que já todos percebemos é que é unilateral.
O Sr. João Galamba (PS): — É unilateral porquê?!
A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Vou terminar, Sr.ª Presidente.
Pergunto como é possível defender isso e não defender que no dia a seguir vamos ter défice zero. Sr.ª
Deputada Mariana Mortágua, como é que se pode defender que não iremos pagar aquilo que devemos e
vamos, ainda assim, continuar a endividar-nos no futuro?
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Essa é que é a grande pergunta a que os senhores não respondem.
Como é que nós, fazendo uma reestruturação, não vamos ter ainda mais austeridade do que a que temos
agora, por absoluta incapacidade de nos financiarmos?
Página 7
13 DE MARÇO DE 2014
7
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente: — Pedia aos Srs. Deputados para respeitarem os tempos regimentais.
Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, tem a palavra para responder.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Cecília Meireles, confesso que até vejo
alguma ironia, para não dizer… A Sr.ª Deputada consegue olhar para o Bloco de Esquerda e acusar-nos da
política do «Não pagamos!» sem se rir…
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Consigo!
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — … sem olhar para dentro e perceber que suporta um Governo que mais
vezes implementou a política do «Não pagamos!»? «Não pagamos salários!», «Não pagamos pensões!»,
«Não pagamos Serviço Nacional de Saúde!», «Não pagamos Estado social!».
Aplausos do BE.
A política do «Não pagamos!», Sr.ª Deputada, é a política deste Governo: não paga nada daquilo que deve
aos trabalhadores, aos cidadãos, aos pensionistas, a quem precisa de serviços públicos.
Sr.ª Deputada Cecília Meireles, a política do «Não pagamos!», do Governo, está a criar um País mais
pobre. O País, hoje, está muito mais pobre do que estava há três anos. E está a criar um País mais pobre sem
resolver o problema da dívida. A dívida, hoje, está muito maior do que estava há três anos.
O Sr. Pedro Nuno Santos (PS): — Exatamente!
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Portanto, deparamo-nos com um problema crucial: a austeridade não
paga a dívida, porque a austeridade cria pobreza e uma casa mais pobre não paga melhor as suas dívidas.
Este é o problema e, portanto, temos duas conclusões a tirar desta nossa análise.
A primeira é que não tem nada a ver com o pagamento da dívida. A escolha do Governo não é pagar a
dívida, é usar a dívida como chantagem para não pagar os salários e para não pagar as pensões. Essa é a
escolha do Governo.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — É inacreditável! Só faltava ouvir isto!
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Por outro lado, os senhores sabem que nós sabemos que os senhores
sabem que não vão pagar a dívida, porque ela não é pagável. Aliás, Manuela Ferreira Leite já percebeu isso;
Bagão Félix, também. Há várias figuras que, diria, muito distantes ideologicamente do Bloco de Esquerda, mas
que já perceberam isso: a dívida não é pagável!
Portanto, uma opção responsável, defesa do interesse nacional, das pessoas que estão desempregadas,
que querem trabalhar, que querem ter uma reforma, é, sim, reestruturar a dívida. Reestruturar a dívida é a
resposta responsável e alternativa ao radicalismo de um Governo que não conseguiu mais nada a não ser
empobrecer o País e aumentar a dívida.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, foi a 5 de abril de 2011
que, pela primeira vez, se falou em Portugal de renegociação da dívida, aliás, na altura apresentado como a
alternativa precisamente ao rumo prosseguido pelo PS, PSD e CDS quando assinaram o pacto de agressão
junto do FMI, Banco Central Europeu e União Europeia. Isso foi apresentado pela voz do Secretário-Geral do
Página 8
I SÉRIE — NÚMERO 59
8
PCP, que, aliás, durante algum tempo, caminhou sozinho ao defender a renegociação da dívida nos seus
prazos, montantes e juros como a solução para a situação em que o País se encontrava, como alternativa ao
pacto que foi lançado sobre os portugueses, de autêntico empobrecimento e, como, aliás, referiu, de
redistribuição da riqueza e reconfiguração do Estado — mais concentração no capital, rendas, lucros e juros;
menos remuneração do trabalho e um Estado cada vez mais ao serviço daqueles que menos impostos pagam
e cada vez mais contra aqueles que mais impostos pagam.
A questão da renegociação da dívida é hoje, como já o era em 2011, crucial e o PCP trouxe a debate esta
questão quando ainda muitos notáveis a ela não se associavam e quando até alguns brandiam e agitavam os
preconceitos contra os comunistas por falarem de renegociação da dívida. Aliás, alguns desses que agora
compreenderam que a trajetória não é sustentável e que Portugal está claramente no caminho da rutura,
rutura perante os portugueses e os compromissos constitucionais para com os portugueses e, mesmo, rutura
no que toca à sustentabilidade da dívida. Cada vez mais se torna evidente que a dívida está num rumo de
insustentabilidade.
A questão que se coloca neste momento é esta: Portugal continuará a sangrar 21 milhões de euros por dia,
como disse, 8000 milhões de euros por ano, em juros da dívida, de pura agiotagem, sem amortizar na dívida,
e fará os caprichos dos especuladores ou resgatará a soberania e a democracia, salvaguardará os direitos dos
portugueses, dos trabalhadores e renegociará os termos da dívida?
Mas, Sr.ª Deputada, coloca-se também aqui uma outra questão. Falou muito da renegociação da dívida,
mas é importante aprofundar também os termos em que o BE fala da reestruturação da dívida, principalmente
neste contexto em que surge um manifesto de outras pessoas que se juntam a esta necessidade e aos apelos
para a reestruturação da dívida. Algumas dessas considerações passam ao lado das componentes ilegítimas
da dívida, que não serão pequenas; passam ao lado da questão fundamental dos constrangimentos europeus
e até confiam numa eventual mutualização ou em soluções europeias, como se o capitalismo tratasse dos
seus próprios males.
Para nós, PCP, é também importante clarificar estas questões fundamentais para assegurar que o País
paga a dívida, expurgada das suas componentes ilegítimas mas de acordo com as suas capacidades reais,
porque o contrário é, de facto, o caminho do incumprimento. Do incumprimento para os portugueses e também
do incumprimento do pagamento da dívida. O que gostaria de lhe perguntar é se também o Bloco de Esquerda
encara a questão nestes termos.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra, para responder, a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Miguel Tiago, o tema da renegociação ou
reestruturação da dívida é um tema difícil. O Bloco de Esquerda já apresentou várias propostas a esta
Assembleia da República, com soluções específicas de reestruturação, aliás, votadas favoravelmente também
pelo próprio PCP.
Sabemos e reconhecemos que há uma parte da dívida que não é legítima: os submarinos são disso um
bom exemplo, as PPP, a especulação financeira, o BPN… Tudo isto são fluxos e criaram dívida que não é
legítimo que seja paga, e isto tem de ficar claro.
Mas também é importante perceber, neste momento crucial que o País atravessa, que ganhamos em gerar
consensos alargados sobre esta matéria. Ganhamos em juntar forças sobre esta matéria para enfrentar um
Governo que, ele sim, está cada vez mais isolado, é cada vez mais dogmático na sua posição. E, assumimos,
o caminho é difícil e é por ser difícil que precisamos de todas e de todos aqueles que quiserem juntar-se. O
contrário desta posição seria permanecer na posição facilitista dos partidos da direita e do próprio Governo,
que é a posição de quem fecha os olhos e segue em frente, na esperança de que alguma coisa mude no
futuro. É a posição de não enfrentar os problemas, de «empurrar com a barriga» e deixar que quem vier a
seguir resolva o problema da dívida pública. Essa não é solução para o País, não trará um País melhor no
futuro, não resolverá os problemas concretos da economia e das pessoas.
Gostaria apenas de deixar aqui uma nota aos silêncios desta Sala, nomeadamente ao desafio que foi feito
relativamente ao tratado orçamental, em particular também ao PS, que assinou o tratado orçamental, e de
Página 9
13 DE MARÇO DE 2014
9
dizer como é que se cortam 10 000 milhões, exigidos pelo tratado orçamental, sem aumentar a devastação
social, sem criar exatamente a mesma destruição social que já sabemos que a austeridade cria.
Por isso, o apelo que fazemos é de posições claras, de consensos claros, em nome de um País melhor, de
uma economia mais saudável e isso, não tenhamos nenhuma dúvida, só se consegue enfrentando o problema
de frente. E enfrentar o problema de frente é admitir que a dívida não é pagável, tem de ser reestruturada, o
consenso está a gerar-se, é cada vez maior e isolados nesta matéria estão os partidos da direita e está o
Governo.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — Concluiu-se aqui a declaração política do Bloco de Esquerda.
A próxima declaração política é do PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Menezes.
O Sr. Luís Menezes (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Numa altura em que estamos a
cerca de dois meses de terminar o Programa de Ajustamento Económico e Financeiro, é relevante termos a
capacidade para, de forma serena, olharmos para o País que recebemos em junho de 2011 e para aquele que
sairá do Programa de Ajustamento em maio de 2014.
Foram três anos de enormes sacrifícios para todos. Não houve setor da sociedade que não tivesse sido
atingido pela onda de choque que se levantou com a quase bancarrota do País no primeiro semestre de 2011.
Como disse desta tribuna há cerca de duas semanas o Deputado socialista Carlos Zorrinho, o Programa
inicial foi mal desenhado. Tive oportunidade de o dizer na altura ao Deputado Carlos Zorrinho, e repito: tem
toda a razão.
O Programa inicial partia de metas de défice orçamental falsas; previa uma maturidade média para o
pagamento dos empréstimos de apenas sete anos e um custo médio para essa dívida de cerca de 5%.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Bem lembrado!
O Sr. Luís Menezes (PSD): — Apesar desse Programa de Ajustamento mal desenhado pelo anterior
Governo, o atual Governo, com credibilidade e com os sacrifícios de todo um País por trás, conseguiu aquilo
que muitos achavam impossível. Conseguimos estabilizar as finanças públicas, estabilizámos o sistema
financeiro…
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — É uma «estabilidade»!
O Sr. Luís Menezes (PSD): — … e, chegados a este ponto, conseguimos atingir um nível de taxas de juro
abaixo dos 4,5%, que nos permite olhar para o nosso regresso aos mercados sem a necessidade de nenhum
segundo resgate e com capacidade para escolhermos a melhor modalidade de regresso aos mercados, no
tempo adequado.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Muitos disseram que seria impossível. Muitos disseram que fossem quais fossem os sacrifícios, seria
impossível evitar um segundo resgate. O facto é só um: estavam errados!
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!
O Sr. Luís Menezes (PSD): — Os arautos da desgraça estavam errados. Os que previram uma espiral
recessiva estavam errados, não têm razão.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Como é possível dizer isto?!
Página 10
I SÉRIE — NÚMERO 59
10
O Sr. Luís Menezes (PSD): — Mas é justo que se pergunte: o que é que aconteceu entretanto ao País? O
País está melhor ou está pior?
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Está pior!
O Sr. Luís Menezes (PSD): — Vamos a factos.
A taxa de desemprego está mais alta que no início do Programa de Ajustamento, mas teve a maior queda
homóloga nos últimos 12 meses: 2,3%, de 17,6 para 15,3% de janeiro de 2013 para janeiro de 2014.
A produção industrial do País aumentou em 2013, contra um decréscimo de 6%, em 2012.
As taxas de juro estão hoje em 4,4%, quando no momento do Programa de Ajustamento Económico e
Financeiro, em maio de 2011, estavam acima dos 9%.
Não se criavam tantas empresas em Portugal desde 2009 como aquelas que foram criadas em 2013.
Foram feitas reformas em todas as áreas — da economia, da justiça, da saúde, da educação — e que
estavam por fazer há décadas.
O PIB cresceu três trimestres consecutivos, o País saiu da recessão técnica, com todas as entidades
estrangeiras e nacionais a preverem um crescimento acima de 1% para 2014.
As nossas exportações continuam a fazer, todos os dias, o impossível possível, com crescimentos
sustentados, assentes na criatividade, na capacidade e no engenho das nossas empresas e dos seus
trabalhadores.
Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Temos, hoje, sem dúvida, um País melhor do que tínhamos em
maio de 2011. Temos, hoje, um País melhor preparado para os desafios do futuro.
Mas não devemos ter rodeios na análise da realidade que nos envolve. O País está melhor, mas, de facto,
as pessoas, os portugueses ainda não sentiram essas melhorias no seu dia a dia. Os ciclos económicos não
coincidem, para o bem e para o mal, com os ciclos de bem-estar.
Da mesma forma que quando o País se afundou às mãos de um Governo socialista os portugueses não
sentiram a sua vida a piorar à medida que a situação do País piorava, agora que o País começa a melhorar
também não é possível reverter, de forma imediata, para os portugueses essas melhorias no seu dia a dia. E
não vale a pena estar aqui com falsas demagogias e querer dizer o contrário.
Mas esse é o desafio que deixo a todos os partidos que constituem esta Câmara, isto é, que olhemos para
o pós-troica, que tenhamos a capacidade de deixar a conflitualidade de lado e que tenhamos a coragem de
pensar naquilo que é melhor para o País, que não pensemos nos nossos resultados eleitorais, mas, antes, nos
resultados que o País e os portugueses podem ter dos consensos essenciais para um futuro de prosperidade
e de crescimento sustentado.
E temos todos a responsabilidade, num ano em que comemoramos 40 anos de liberdade, de pôr os nossos
interesses pessoais de lado, de pôr os nossos interesses partidários de lado e de tentar lutar contra a
demagogia que grassa por todo o lado no nosso País.
Não há democracia sem partidos, mas também não há democracia quando as pessoas não acreditam nos
partidos que têm ao seu dispor.
Temos a responsabilidade de mostrar ao País que a política e os políticos são capazes de se entender e de
encontrar os consensos que o futuro pós-troica exige. Temos a responsabilidade de mostrar ao País que os
partidos são capazes de ceder no acessório para se concentrarem na sua missão principal: servir aqueles que
os elegem para governar.
É isso que este Governo e esta maioria têm tentado fazer todos os dias, desde junho de 2011. É isto que,
tenho a certeza, todos os partidos nesta Câmara pretendem fazer na sua atividade diária.
Mas tenhamos a capacidade e a coragem de mostrar, por ações concretas, que este período de provação,
que começará a terminar com a saída da troica em maio de 2014, será também um período de consensos
alargados e imprescindíveis. Consensos que permitam devolver a esperança, o crescimento e a prosperidade
a um povo que tanto lutou para as poder ter de volta a partir de maio de 2014.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. João Galamba (PS): — Devia ser o Miguel Frasquilho a fazer a intervenção!
Página 11
13 DE MARÇO DE 2014
11
O Sr. José Magalhães (PS): — Onde está o Miguel Frasquilho?!
A Sr.ª Presidente: — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Pedro Nuno Santos,
do PS, Pedro Filipe Soares, do BE, João Oliveira, do PCP, e Hélder Amaral, do CDS-PP.
O Sr. Deputado Luís Menezes já informou a Mesa que responderá a cada conjunto de dois Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Nuno Santos.
O Sr. Pedro Nuno Santos (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Luís Menezes, a sua intervenção, a
somar à intervenção de ontem do Primeiro-Ministro, em reação ao manifesto assinado por 70 personalidades,
revela, mais uma vez, o que já sabíamos: o PSD e, já agora, também o CDS continuam isolados.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Isolados como?!
O Sr. Pedro Nuno Santos (PS): — Continuam a pedir e a apregoar a necessidade de um consenso, mas a
verdade é que aquilo que pedem, nomeadamente ao PS, é que o PS abdique da defesa daquilo que tem
assumido para subscrever o vosso programa, um programa que fracassou, um programa que é combatido
pelo Partido Socialista.
Isso, obviamente, nunca seria consenso; seria, sim, a capitulação de um partido que, acreditando num
determinado programa, teria de abdicar do seu para assumir o vosso.
Na realidade, não há isolamento maior do PSD e do CDS quando nós assistimos, talvez pela primeira vez
desde o 25 de Abril, a uma coligação tão ampla, da esquerda à direita, relativamente à necessidade de
renegociarmos a dívida pública portuguesa. Nunca vimos nenhuma iniciativa que juntasse da esquerda ao
PSD e ao CDS, líderes do PSD, dois ex-Ministros das Finanças do PSD e do CDS, Adriano Moreira e Freitas
do Amaral, fundadores do CDS, o Presidente da CIP, o Presidente da CCP, professores universitários,
constitucionalistas. Queriam uma coligação? Pois ela está aqui!
Aplausos do PS.
Mas é uma coligação que rejeita aquela que os senhores querem. É uma coligação em torno de um
programa que permita ao País reduzir, de forma substancial, a austeridade.
Os senhores não querem renegociar a dívida pública porque a querem toda. E querem-na toda para
continuar a justificar a austeridade que impõem ao País.
Aplausos do PS.
E não vale a pena continuarem com o «número» de empurrar para os outros o facto de não quererem
honrar as responsabilidades. O PSD e o CDS reestruturam todos os dias o compromisso do Estado português:
reestruturam os compromissos do Estado português com os funcionários públicos e reestruturam os
compromissos do Estado português com os pensionistas. E, de forma unilateral, não negociada, os únicos
que, até agora, não pagaram, em Portugal, foram os senhores.
Aplausos do PS.
Os senhores não se sentaram para negociar, reestruturaram esses compromissos de forma unilateral.
Ora, não é isso que o País quer. O País quer renegociar a dívida para termos melhores condições para
diminuir a austeridade imposta ao Estado português.
Neste momento, PSD e CDS estão isolados, pois se querem verdadeiramente um consenso, um consenso
nacional, façam favor de «tirar a cabeça da areia» e de assumir a realidade,…
A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.
Página 12
I SÉRIE — NÚMERO 59
12
O Sr. Pedro Nuno Santos (PS): — … de deixar de ser irrealistas e de assumir a necessidade de
reestruturarmos, de renegociarmos a nossa dívida…
Protestos do Deputado do PSD Hugo Lopes Soares.
… e de travarmos a austeridade em Portugal.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — Peço aos Srs. Deputados que respeitem o tempo regimental de intervenção.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Luís Menezes, devo dizer-lhe o seguinte:
o País estranhou, julgou que uma frase do líder parlamentar do PSD tinha sido um deslize. Dizia ele que o
País está melhor, as pessoas é que estão pior — como se quisesse dizer que, se o País não tivesse pessoas,
até já estávamos bem.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Que absurdo! Demagogia!
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Pois, mas é para as pessoas que devemos governar.
E aquela que parecia ser uma asneira, uma frase mal dita, num debate mais acalorado, afinal, não é uma
asneira, é uma narrativa, é uma posição política — e, por isso, vale a pena ser discutida.
Assim, quando o Sr. Deputado repetiu hoje aqui a mesma ideia, quase a mesma frase que tinha sido dita
anteriormente, digo-lhe que é verdade que as pessoas estão pior. E estão pior por causa das políticas deste
Governo, estão pior porque viram os seus salários cortados, estão pior porque viram as suas pensões
cortadas, estão pior porque estão no desemprego ou porque tiveram de emigrar, estão pior porque este
Governo governou como tem governado até aqui.
Mas não bate certo a ideia que tenta passar de que, afinal, as pessoas estão pior, mas o País, se não
tivesse pessoas, até estava melhor. Não, Sr. Deputado! O País também está pior — e a responsabilidade é
deste Governo.
Olhemos, por exemplo, para o investimento, que recuou 20 pontos percentuais com esta governação.
Olhemos para o défice, no qual o Governo continua a não ter mão, nunca acertou, e, mesmo em 2013, vai ter
um valor acima daquele que era inicialmente previsto. E olhemos para a dívida, que era aquilo que o Governo
tinha prometido que iria resolver, mas que está quase nos 130% e não tem parado de aumentar.
Então, a pergunta é: o que fez este Governo? Onde é que o País está melhor? E a resposta é: não está!
Está pior porque quem vive cá está pior, está pior porque, relativamente a contas, as contas públicas também
estão piores.
Mas tentou o Sr. Deputado, e a sua bancada, ainda há pouco, fugir ao debate, porque questionado, na
declaração política feita pelo Bloco de Esquerda, sobre a reestruturação da dívida, não quis responder. Aceito
que, no debate parlamentar, não tenha querido responder ao Bloco de Esquerda. Mas, então, responda, por
exemplo, a Manuela Ferreira Leite, responda a Bagão Félix, responda àqueles que, do seu lado da política,
dizem que esta dívida não é pagável, que o País está pior e que o caminho que o Governo quer seguir porá o
País ainda pior do que está.
Responda, Sr. Deputado! A frontalidade necessária é dizer que, realmente, o único caminho que o País
tem de seguir para ficar melhor é romper com a dívida, romper com a finança e com a banca, para pôr as
pessoas melhor — e isso chama-se «reestruturar a dívida».
Desafio-o, muito diretamente, a ter a coragem de dizer a palavra «reestruturar», reestruturar a dívida. Essa
é que era a palavra sábia que devia ter apresentado aqui, ao Parlamento.
Aplausos do BE.
Página 13
13 DE MARÇO DE 2014
13
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, há um certo ruído, bastante alto, na Sala. Peço aos Srs. Deputados
o favor de falaram mais baixo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Menezes para responder.
O Sr. Luís Menezes (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados Pedro Nuno Santos e Pedro Filipe Soares,
antes de mais, queria agradecer as vossas questões.
Tenho pena que, nem um, nem outro, tenha ouvido a minha declaração política.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Ouvimos até bem demais!
O Sr. Luís Menezes (PSD): — É que o facto é só um: este Governo recebeu um Programa de Assistência
Económica e Financeira que tinha uma maturidade média de sete anos e taxas de juro próximas dos 5%. E o
que temos atualmente é um Programa de Assistência Económica e Financeira…
O Sr. Hugo Filipe Soares (PSD): — A terminar!
O Sr. Luís Menezes (PSD): — … com uma maturidade de cerca de 20 anos, em termos médios, e com
uma taxa de juro próxima de 3%. Qual é a parte desta equação que os senhores não querem entender?
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Luís Menezes (PSD): — Nós trabalhámos ao serviço do País, porque ganhámos credibilidade. Qual
é a parte que os senhores não querem entender?
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Acho inenarrável ouvir o Sr. Deputado Pedro Nuno Santos vir aqui dizer que os únicos que não querem
pagar aquilo que devem são este Governo e esta maioria!
O Sr. Pedro Nuno Santos (PS): — Não é «não querem», é não pagaram!
O Sr. Luís Menezes (PSD): — Sr. Deputado, por lisura parlamentar, não vou citá-lo — podia, mas não vou
fazê-lo. Mas os factos são concretos: este Governo fez uma renegociação com os credores das maturidades,
fez uma renegociação com os credores das taxas de juro de um programa que os senhores negociaram mal.
Agora, se os senhores têm vergonha daquilo que negociaram, têm toda a razão para ter vergonha disso.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Protestos do Deputado do PS Pedro Nuno Santos.
O Sr. Deputado Pedro Nuno Santos e o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares falaram da questão do manifesto
assinado por 70 personalidades do nosso País. Respeito imenso o manifesto e respeito imenso as
personalidades em causa. Mas tenho o direito de ter uma opinião totalmente contrária. Tal como a tem, aliás, o
Professor Silva Lopes, que, em fevereiro de 2014 (há um mês), dizia que «não é esta a altura de estarmos a
fazer uma reestruturação que iria fazer com que a nossa situação fosse ainda pior do que já é» ou, ainda, a
Dr.ª Teodora Cardoso que acaba de declarar que «esta é a pior altura possível para falar da reestruturação da
dívida».
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!
O Sr. Luís Menezes (PSD): — Por isso, há opiniões contra e há opiniões a favor. Agora, os senhores só
utilizam o nome de algumas pessoas quando vos dá jeito.
Página 14
I SÉRIE — NÚMERO 59
14
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Protestos da Deputada do BE Mariana Mortágua.
Mas a manifestação que queria aqui deixar era, tão simplesmente, esta: o timing deste manifesto é, a todos
os títulos, inapropriado. É que é inacreditável que, no dia em que estamos com as taxas de juro…
Protestos do Deputado do PS João Galamba.
Sr. Deputado João Galamba, sei que, hoje, não foi o Sr. Deputado que falou, mas vai ter de me ouvir com
alguma paciência.
A questão, Srs. Deputados, é só uma: o manifesto aparece a dois meses de sairmos do Programa de
Ajustamento, o manifesto aparece no dia em que baixámos as taxas de juro abaixo de 4,5%.
O Sr. Pedro Nuno Santos (PS): — Daqui a dois meses, já subscrevem?
O Sr. Luís Menezes (PSD): — E se tenho todo o respeito pelas pessoas que assinaram este manifesto,
também não me esqueço que o manifesto é assinado por pessoas que deviam ter outra responsabilidade e
outro sentido de Estado e pensarem sobre os timings em que apresentam estas propostas e lembrá-los que
foram os responsáveis por muita da situação que hoje estamos a viver.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Muitos foram ministros das Finanças e muitos foram ministros das Obras Públicas. O ministério de João
Cravinho, em particular, deixou milhares de milhões de euros para esta juventude e para as gerações
vindouras pagarem e agora vem falar em reestruturar a dívida que ele nos deixou?!
Como disse hoje o jornalista José Gomes Ferreira, e bem, esta é uma carta que vem de uma geração
errada.
Tenham vergonha!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — O próximo pedido de esclarecimento é do PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Luís Menezes, na declaração política que fez
da tribuna falou de Portugal como se fosse a terra do leite e do mel.
Sr. Deputado Luís Menezes, não é esse o País que os senhores deixam quando saírem do Governo. O
País que os senhores deixam pode ser retratado num exemplo muito simples, que é o exemplo de doentes
que nos hospitais, em vez de fraldas, são tratados com toalhas e sacos do lixo, porque os senhores cortaram o
financiamento dos hospitais. As pessoas hoje são tratadas nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde como
se estivéssemos num país em guerra. É este o vosso Governo! O Governo das fraldas com toalhas e sacos do
lixo nos hospitais, Sr. Deputado Luís Menezes!
Neste pedido de esclarecimento, gostaria de concentrar-me em duas frases que o Sr. Deputado disse da
tribuna. Disse que o País está hoje melhor do que estava em maio de 2011 e, relacionada com esta, disse
que, apesar disso, os portugueses não sentiram ainda que o País está melhor.
A minha primeira pergunta é para saber que País é esse. Que País é esse de que o Sr. Deputado fala que
está melhor e que não tem pessoas? É que nós temos uma resposta a dar-lhe, Sr. Deputado, porque nós
sabemos qual é esse País que está melhor, esse País que não tem pessoas e que está melhor. É o País das
SGPS que, em 2012, amealharam 1045 milhões de benefícios fiscais que o Governo concedeu, mas que
escondeu das contas gerais do Estado.
Página 15
13 DE MARÇO DE 2014
15
Vozes do PCP: — Exatamente!
O Sr. João Oliveira (PCP): — É o País dos grandes grupos económicos em que só no ano passado os três
maiores grupos amassaram mais 2000 milhões de euros. Isto num País onde foram roubados salários e
pensões, porque não havia dinheiro.
É o País da banca e dos especuladores internacionais que, apesar de estarmos num País onde foram
roubados salários e pensões, arrecadaram no ano passado mais de 7000 milhões de euros de juros da dívida.
É esse o País que está melhor e de que os senhores falam. O País dos grandes interesses económicos, o
País dos grandes grupos económicos e dos interesses financeiros, porque para todos os outros, Sr. Deputado
Luís Menezes, para aqueles que todos os dias se levantam de manhã e saem das suas casas para construir
este País, para todos esses, o País está muito pior!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!
O Sr. João Oliveira (PCP): — E está muito pior do que estava em maio de 2011, Sr. Deputado. Está muito
pior porque as pessoas trabalham mais e recebem menos salário;…
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exatamente!
O Sr. João Oliveira (PCP): — … porque as pessoas pagam preços mais caros pela energia, pelos
transportes, pelos bens essenciais, mas roubaram-lhes a pensão, porque as pessoas têm hoje mais
dificuldades, mas cortaram-lhe o subsídio de desemprego, cortaram o rendimento social de inserção, cortaram
o abono de família. E depois ouvem o Governo falar de boca cheia dos incentivos à natalidade.
Para todos esses, Sr. Deputado Luís Menezes, para os portugueses de carne e osso falta futuro e sobra
mês depois do salário ou da pensão. Para esses, obviamente que o País não pode estar melhor!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exatamente!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Concluo com uma pergunta muito simples, Sr. Deputado. Que futuro é que
os senhores têm para dar aos portugueses? Olhe para estas galerias que hoje estão cheias de jovens e
responda a estes jovens que futuro é que os senhores têm para lhes dar. É o mesmo futuro daqueles jovens
que nos últimos três anos tiveram de sair do País onde queriam ficar, porque os senhores lhes negam aqui o
futuro, porque lhes negam o emprego, porque lhes negam o acesso à universidade, porque lhes negam o
direito a um salário justo quando começam a trabalhar? Que futuro é este que os senhores, agora com a
cobertura do Presidente da República, pretendem tornar definitivo?
Diz o Presidente da República que é até 2035. Srs. Deputados, se os senhores tiverem espaço para isso,
não será só até 2035, porque nós sabemos bem que querem tornar definitivos todos os cortes que até agora
eram provisórios.
Porém, conte com uma coisa: o povo português, que lá fora vos ouve quando fazem estes discursos de
fanfarronice, sabe bem que os senhores não têm futuro neste País como governo, porque os senhores não
têm condições para responder aos problemas do País. Só a rutura com esta política, só a rutura com o pacto
da troica, a renegociação da dívida e a devolução dos salários e direitos é que é uma perspetiva de futuro para
o País.
Mas isso passa sabe porquê, Sr. Deputado Luís Menezes?
A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Por derrotar o Governo. Conte connosco para esse trabalho! Cá estaremos
para que este Governo seja derrotado e para que os portugueses recuperem a sua vida no futuro!
Aplausos do PCP.
Página 16
I SÉRIE — NÚMERO 59
16
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, estas intervenções têm beneficiado de um razoável alargamento de
tempo para garantir a equidade, mas a Mesa terá mais cuidado para a próxima, logo na primeira intervenção,
caso contrário o debate alarga-se demais.
O próximo pedido de esclarecimentos é do CDS-PP.
Tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral.
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Luís Menezes, como é óbvio, gostaria de
felicitá-lo pela intervenção que aqui trouxe, até porque, ouvindo a última intervenção do Partido Comunista
Português, quer pelo momento quer pelo tom, deixa claro a necessária afirmação da revolta que a oposição
mais à esquerda tem do sucesso ou dos bons resultados que os portugueses e a democracia têm conseguido.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — É cá um sucesso!…
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — E vem dos mesmos que sempre lutaram contra as liberdades e a
iniciativa privada e que estão exatamente no sítio onde sempre estiveram.
Protestos do PCP.
Sr. Deputado, gostaria de lhe dizer que, da nossa parte, fica claro que pagar a dívida não é uma
brincadeira de crianças. é algo para homens sérios e de palavra.
Posto isso, queria dizer-lhe que são impressionantes os dados que aqui trouxe, que não são da sua autoria
mas de organismos internacionais e por isso confirmáveis para quem tenha dúvidas. De acordo com esses
dados, a economia cresceu 1,7% face ao último trimestre de 2012. Portanto, estamos hoje muito melhor do
que estávamos em maio de 2011. Estamos hoje a ter, obviamente, desagravamento do investimento.
Disse o Sr. Deputado, e bem, com uma honestidade que eu gostava aqui de realçar, que os sinais são
ténues e que os portugueses ainda não sentiram sinais positivos. No entanto, há uma coisa que os
portugueses já sentiram e que eu gostaria que o Sr. Deputado confirmasse.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Veja lá o que vai dizer!
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — O simples cenário de esperança, o simples cenário de confiança faz
com que cada português, que, porventura, hoje, está sozinho, porventura só tem o Governo a dizer isto, sinta
um sinal de confiança e assim está mais disponível para sofrer, está mais disponível para fazer sacrifícios,
está mais disponível para agarrar esta pequena janela de oportunidade.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sim, as pessoas emigram muito mais felizes!…
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — No fundo, o que é que o País sente? Que tinha uma doença
gravíssima, foi-lhe diagnosticada uma doença gravíssima, receitado um medicamento horrível, que sabe mal,
e que está apenas a uma dose para chegar ao fim do tratamento. E o que é que diz a família? «Desiste! Deixa
de tomar! Não vale a pena!»
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Tendo em conta que se trata de cianeto, veja lá!…
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — É por isso que eu gostava de lhe perguntar, Sr. Deputado, se este é o
momento de desistirmos, se este é o momento de atirarmos a toalha ao chão ou se este é o momento de, com
as necessárias cautelas e serenidade, dizer que o caminho que fizemos até agora foi um caminho
importantíssimo, um caminho elogiado por todos, um caminho que devemos continuar a trilhar.
Página 17
13 DE MARÇO DE 2014
17
Para isso, devemos contar com o Partido Socialista. Bem sei que o Partido Socialista disse ontem:
«Estamos disponíveis para o consenso, mas não estamos disponíveis para cortes na saúde e na educação!»
Ora, não há frase mais eleitoralista do que esta, não há frase mais demagógica do que esta. Afinal de contas,
estão disponíveis para que consenso?!
O Sr. Pedro Nuno Santos (PS): — É o consenso de Ferreira Leite e de Adriano Moreira!
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Façamos, então, uma discussão e assentemos que não se corta na
saúde e na educação. Mas sentem-se à mesa e aceitem conversar com o Governo para enfrentar e apoiar os
portugueses.
Sr. Deputado, gostaria de perguntar-lhe que valor é que dá a esta necessidade de encontrarmos um
consenso no sentido de manter um rumo para pagarmos a dívida que for possível pagar, mas, acima de tudo,
para voltarmos a ter acesso ao financiamento para ser possível, isso sim, ajudar quem precisa e dotar a
economia portuguesa dos meios e dos mecanismos para podermos convergir com o resto da Europa. Foi isso
que nos propusemos no início do mandato e é isso que estamos a conseguir, é desse objetivo que estamos
cada vez mais perto.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Menezes.
O Sr. Luís Menezes (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados Hélder Amaral e João Oliveira, começo por
agradecer as questões que me colocaram.
Sr. Deputado João Oliveira, quanto à sua afirmação «quando esta maioria sair do Governo», quero dizer-
lhe que esta maioria há de sair do Governo quando os portugueses decidirem que ela saia do Governo. Não é
por os senhores dizerem que ela vai sair que sai.
Já agora, quero dizer-lhe que, em relação ao exemplo que deu — e que realmente é lamentável que
tivesse ocorrido —, o que também é lamentável é todas as semanas ouvirmos os senhores falar da questão
das fraldas nos hospitais. É uma vergonha. É o grau zero da política! Os senhores repetem isso dia após dia.
Protestos do PCP.
Sabe porquê? Porque não têm mais nenhum argumento para apresentar ao País.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Queria que escondêssemos? Nós não estamos cá para esconder!
O Sr. Luís Menezes (PSD): — É uma tristeza, é uma pobreza a política feita desta maneira.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Se faltam coisas em hospitais, deve suprir-se a falta imediatamente.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Vai daí…!
O Sr. Luís Menezes (PSD): — E foi o que aconteceu, de facto. Mas os senhores, todas as semanas, não
arranjam outro assunto para falar.
Repito, é lamentável, é baixa política e é tudo o que os portugueses não querem ver nesta Câmara. É por
isso que os portugueses começam a estar fartos dos políticos e dos partidos.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Tristeza é termos chegado a este ponto! Os portugueses estão fartos é
desta maioria e deste Governo!
Página 18
I SÉRIE — NÚMERO 59
18
O Sr. Luís Menezes (PSD): — Sr. Deputado Hélder Amaral, tenho pena que só o Sr. Deputado se tenha
dado ao trabalho de ouvir algumas coisas que eu disse da tribuna.
Primeiro, limitei-me a constatar factos. Segundo, fui muito frontal na análise que fiz, e repito o que disse: o
País está a melhorar e os números provam-no, mas isso ainda não se tem traduzido no dia a dia dos
portugueses. Da mesma forma que o País caminhava para um precipício liderado por um governo socialista,
os portugueses não foram sentindo isso no seu dia a dia. Infelizmente, as melhorias só virão com alguma
caminhada que ainda temos de fazer.
Mas isto é ser frontal, isto é ser verdadeiro e é isto que as pessoas querem ouvir de nós. Não é a
fanfarronice política do PS, ainda por cima vinda de quem vem, a dizer que quem não anda a pagar o que
deve é este Governo e esta maioria.
Olhe, Sr. Deputado Pedro Nuno Santos, podia ficar aqui a perder muito tempo. O Sr. Deputado tem agora
no Dr. Diogo Freitas do Amaral, na Dr.ª Manuela Ferreira grandes referências. Ainda bem para si! Espero que
não seja só pelo manifesto. Espero que seja para tudo. Para estas bancadas são referências para muito mais
do que isso que o senhor está a falar.
No entanto, é pena que não tenha dito que o Dr. Silva Lopes, que assinou esse manifesto, nas vossas
jornadas, há menos de um mês, disse que esta é a pior altura possível para reestruturar a dívida.
É pena que não tenha dito que a Dr.ª Teodora Cardoso, que tantas vezes, quando critica o Governo, os
senhores utilizam para atacar o Governo e a maioria, disse que esta reestruturação vem na pior altura possível
para a fazer. Desta vez, já não é uma referência para VV. Ex.as
.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Termino dizendo uma frase muito lapidar — e digo-a para os jovens que
nos veem, como disse o Deputado João Oliveira, e para as pessoas que nos ouvem: fazer a dívida, fazer as
estradas, fazer as obras e deixar para os outros pagar é muito fácil, mas no fim do dia aparece sempre o
cobrador com a fatura.
Houve quem deixasse a dívida para pagar. Podem ter a certeza de que este Governo e de que esta maioria
vão cumprir aquilo com que se comprometeram com os portugueses: vão pagar a sua dívida e mandar a troica
daqui para fora! Quem a trouxe foi o Partido Socialista, mas quem a vai mandar embora é esta maioria!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Conclui-se aqui a declaração política do PSD.
A próxima declaração política é do PS.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Soares.
O Sr. João Soares (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: A situação que estamos a viver é
extremamente dura e difícil, talvez a mais dura e difícil desde há 40 anos, para Portugal e para a Europa, para
a União Europeia a que pertencemos.
O ideal europeu e o projeto de construção de uma Europa de paz e unida nasceu da destruição
devastadora e do holocausto em que os regimes totalitários, principalmente a Alemanha nazi, deixaram a
Europa em 1945.
Há que não o esquecer. Nunca! Foi nesse fremente dramático que nasceram os ideais europeus de paz,
unidade e solidariedade crescente de que se fizeram os últimos decénios do século passado e o primeiro
deste século, na Europa.
Os progressos, as melhorias materiais e no plano dos direitos humanos fundamentais foram assinaláveis
ao longo desse período, e Portugal deu o seu contributo, há 40 anos, com o início do fim das ditaduras que
restavam na Europa Ocidental.
Vivemos, então, anos de crescente bem-estar na Europa. Hoje estamos muito longe dessa realidade.
Que Europa é esta, insensível aos milhões e milhões de desempregados, vítimas de políticas onde o
pseudocrescimento económico apenas é sentido por uma pequena minoria?
Que Europa é esta, mercantilista e masoquista, que permite aos bancos o financiamento a taxas de juro
irrisórias e obriga os seus Estados membros a pagarem juros elevados, juros esses que provocam mais
desemprego, põem em risco o Estado social e empobrecem a classe média e os trabalhadores?
Que Europa é esta que defende uma austeridade punitiva e cruel, que endeusa os mercados financeiros?
Página 19
13 DE MARÇO DE 2014
19
Que Europa é esta que deixa morrer à sua porta, todos os dias, dezenas de emigrantes, recusando
friamente o auxílio de que tanto necessitam?
Que Europa é esta que negoceia com ditaduras em troca de petróleo e gás, ignorando violações
constantes e grosseiras dos mais básicos direitos fundamentais?
Que Europa é esta que vê crescer, impotente e indolente, o conflito na Ucrânia sem iniciativas concretas de
política externa?
Que Europa é esta onde a burocracia tomou conta do discurso e do espaço de decisão?
É uma Europa que se deixou arrastar para o marasmo, para o liberalismo económico sem limites e sem lei,
um liberalismo de casino, um liberalismo desumano e decadente que está a provocar o declínio da União
Europeia.
Aplausos do PS.
O PS defendeu sempre, bate-se e bater-se-á pelo regresso a uma Europa solidária, uma Europa mais
unida, sobretudo ao nível político, e onde a política tenha novamente a primazia sobre a finança especulativa.
Mas a burocracia de Bruxelas, tão bem representada pela Comissão Europeia e pelo seu Presidente,
permanece adormecida e insensível ao que se passa dentro e fora das fronteiras da União.
Há quem diga, agora, pretender consensos artificiais, feitos em provetas mais do que quebradas. Este não
é o tempo para esses jogos florentinos. É o tempo que antecede importantes eleições europeias em que vão
confrontar-se pelo menos duas visões opostas da Europa e do seu futuro.
É preciso ter consciência de que existe um perigo cada vez mais real de um ressurgimento em força da
extrema-direita radical, xenófoba e racista. Um pouco por toda a Europa surgem partidos radicais que
defendem o fim de uma Europa unida e solidária. E o que fazem a maioria dos governos nacionais e a
Comissão Europeia? Nada! «Assobiam para o ar», ignoram estes perigos e continuam a defender a
austeridade sobre a austeridade. Os radicais agradecem e alimentam-se do descontentamento da classe
média, cada vez mais sacrificada e empobrecida, cavalgam as crescentes ondas de pobreza e de miséria e
culpam o outro, o estrangeiro, o imigrante.
É contra essa decadência, é contra esta apagada e vil tristeza que devemos lutar. É contra este estado de
coisas que nós, socialistas do PS, temos lutado e vamos continuar a lutar de forma cada vez mais firme.
A economia portuguesa inicia o ano de 2014 com um ligeiro crescimento do produto, assente no
comportamento positivo das exportações e numa assinalável descida dos juros das obrigações soberanas.
O andamento destas duas variáveis está intimamente ligado à conjunção feliz de um enquadramento
menos recessivo das economias de destino das nossas exportações, a par de um esforço titânico dos nossos
empresários para encontrarem novos eixos de destino para os produtos fabricados em Portugal. Empresários
que do Estado viram poucos ou nenhuns incentivos estruturantes e que continuaram confrontados com uma
persistente burocracia, com dificuldades crescentes de acesso ao crédito bancário e com um governo que
persiste numa política de contração do investimento público.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. João Soares (PS): — A evolução em baixa das taxa de juro da dívida soberana é um facto comum a
todas as economias mediterrânicas da União Europeia, sem exceção, não sendo — e é preciso dizê-lo com
toda a clareza — um mérito do Governo português, apesar de toda a intoxicação propagandística do Governo,
de uma forma despudorada.
Aplausos do PS.
Este comportamento das taxas de juro decorre simplesmente do facto de o Banco Central Europeu, com o
seu atual Presidente Mario Draghi, ter enviado uma clara mensagem aos especuladores de que defenderia, a
qualquer custo, o euro e ter contrariado as manobras de ataque aos juros das dívidas soberanas dos países
membros mais frágeis, Portugal incluído.
Página 20
I SÉRIE — NÚMERO 59
20
A este facto positivo também não foi estranha a avultada injeção de recursos que o BCE fez — aliás, como
a liderança do Partido Socialista vinha reclamando deste há muito — nos bancos mais frágeis, incluindo quase
todos os bancos portugueses, mas que, infelizmente, não serviu as necessidades de crédito dos agentes
produtivos da nossa economia.
Em todas as restantes variáveis macroeconómicas relevantes (e isso já foi sublinhado aqui nalgumas das
intervenções que me antecederam), nível de desemprego, défice público e montante da dívida pública,
consumo privado e investimento, o retrato que fica dos últimos três anos é de um falhanço quase absoluto,
sendo que esta situação decorre de uma política ultraliberal fundamentalista e — perdoem-me a expressão —
tonta, que procurou ir muito mais longe do que os objetivos expressos no Memorando da troica.
O FMI e a Comissão Europeia já fizeram o mea culpa, e registámo-lo. O anterior Ministro das Finanças,
hoje assumidamente só ao serviço do FMI, também. Mas o Governo português, autista, persiste em afogar o
País na política económica suicida que continua a ter a austeridade como única medida.
A nossa proposta em Portugal e na Europa, é de clara alternativa e de quebra do atual paradigma.
Queremos uma política de descida seletiva dos impostos que favoreça a poupanças das famílias e, no caso
das empresas, a atividade exportadora.
A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.
O Sr. João Soares (PS): — Peço só mais um segundo, Sr.ª Presidente.
Como eu dizia, queremos uma política de descida seletiva dos impostos que favoreça as poupanças das
famílias e, no caso das empresas, a atividade exportadora, o investimento e, sobretudo, a criação de emprego.
Em resumo, tem de medir-se o êxito ou o falhanço da política económica pela sua capacidade efetiva de
reduzir desemprego e criar riqueza equilibradamente distribuída, e não pela acomodação medrosa às
vontades e quimeras dos ditos mercados financeiros.
Para nós, socialistas do PS, a política deste Governo falhou e é preciso outra, totalmente diferente. Um
novo rumo que terá já em maio um importante passo nas eleições europeias.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados António Filipe, do
PCP, e Mónica Ferro, do PSD.
O Sr. Deputado acaba de informar a Mesa de que responde em conjunto.
Entretanto, acaba de se inscrever o Sr. Deputado José Ribeiro e Castro, no limite do tempo, mas, com
certeza, admitiremos a sua inscrição.
Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado António Filipe.-
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado João Soares, estava a ouvi-lo a interrogar
sobre que Europa é esta — a Europa que, nas suas próprias palavras, nos condena a uma austeridade que
está a ter consequências sociais e económicas dramáticas e a conduzir a enormes tragédias sociais — e
estava a pensar: se eu ou algum camarada da minha bancada, há uns tempos, chegássemos àquela tribuna e
interrogássemos sobre que Europa é esta, o que é o Sr. Deputado não diria de nós. Diria: «Lá estão eles, os
antieuropeístas, os que não gostam da Europa, os que são contra a Europa». Podemos dizer que, em certa
medida, estamos vingados. Os senhores já reconhecem, ou seja, começam a reconhecer as consequências
que este processo de integração europeia tem tido para Portugal.
O Sr. Deputado pergunta muito bem quando diz «que Europa é esta?». Simplesmente, esta Europa é
aquela que os senhores, os partidos socialistas e os partidos do Partido Popular Europeu, aqui representado
pelo PSD e pelo CDS, construíram,…
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Sr. António Filipe (PCP): — … que endeusaram e vituperavam todos aqueles que tivessem uma
interrogação que fosse acerca dos caminhos que esta Europa estava a seguir.
Página 21
13 DE MARÇO DE 2014
21
É bom que reconheçam agora, ainda que tardiamente, olhando para nós: «Os senhores, afinal, tinham
razão quando alertavam para as consequências a que este processo de construção europeia poderia
conduzir».
Efetivamente, os senhores não podem pôr-se de fora deste processo. Diria que seria bom que os partidos
socialistas, inclusivamente o Partido Socialista, em Portugal, fizessem o que dizem e não fizessem o que
fazem quando têm a possibilidade de fazer, quando estão no Governo.
Lembro-me, há uns tempos, das grandes esperanças que os senhores depositavam na vitória do François
Hollande, que diziam que ia mudar completamente a face da Europa e as políticas europeias. Não mudou
absolutamente nada, nem na Europa, nem em França, e, Sr. Deputado, em França, se mudou, foi para pior,
infelizmente!
Depois, tinham esperança na eleição alemã, no sentido em que, finalmente, a Sr.ª Merkel iria — permita-
se-me a expressão — ser posta na ordem e as coisas iam mudar de rumo. Não mudaram! Está o SPD no
governo com a Sr.ª Merkel. O que é que mudou na política da Alemanha em relação à Europa? Não mudou
rigorosamente nada, Sr. Deputado!
Portanto, quando o Sr. Deputado diz que há duas visões opostas sobre a Europa, há sim, Sr. Deputado,
mas a oposição não é entre os partidos socialistas e sociais-democratas e os partidos do Partido Popular
Europeu.
As duas visões que há sobre a Europa são daqueles que, como nós, entendem que devemos estar na
Europa para defender os interesses de Portugal, do povo português e dos países economicamente mais
frágeis da Europa, e daqueles que querem estar na Europa para fazer discursos muito piedosos a dizer que é
preciso mudar muitas coisas, que o caminho que a Europa tem vindo a seguir é um caminho mau, mas,
depois, na prática, absolvem as causas que conduziram a essa situação.
Termino com uma questão muito concreta, Sr. Deputado. O Partido Socialista aceitou o tratado orçamental
nesta Assembleia e sabe as consequências que daí decorrem. Pergunto se os Srs. Deputados não acham que
ao aceitarem este tratado orçamental, que condena à austeridade os povos da Europa, designadamente o
povo português, não estão, no fundo, a dar razão à conceção exposta pelo Sr. Presidente da República,
Aníbal Cavaco Silva, quando diz que estamos condenados a pelo menos mais 20 anos de austeridade.
A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP):— Termino de imediato, Sr.ª Presidente.
O Sr. Deputado não acha que, ao aceitar o tratado orçamental, como aceitou, o Partido Socialista está a
aceitar a condenação do povo português a uma brutal austeridade para as próximas duas décadas e meia?
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mónica Ferro, pelo PSD.
Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Mónica Ferro (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado João Soares, creio que acabámos de assistir
ao lançamento da campanha do PS para as eleições europeias. Um PS que acredita que a União Europeia é
uma comunidade de segurança, um PS que acredita que é uma zona de prosperidade, um PS que acredita
numa zona de bem-estar, ou um PS que é profundamente antieuropeu, um PS que recusa, que renega todo o
contributo que deram, desde Mário Soares a António Guterres e a José Sócrates, e todo o empenho que
tiveram na construção deste modelo europeu que nós temos em vigor, um PS que não é do PSE (Partido
Socialista Europeu), que não está ao lado do Hollande, que não está ao lado do governo de coligação da Sr.ª
Merkel. Portanto, que PS é este?
De facto, ouvindo a sua exposição, Sr. Deputado, ficamos com a impressão de que a primeira medida que
o PS vai propor no próprio Parlamento Europeu é a do desmantelamento de todo o processo de construção
europeia. Achámos que íamos ter em vós um aliado forte para a construção de uma união bancária credível,
que permitisse fazer face a alguns problemas que o euro tem encontrado, mas, afinal, não. Afinal,
encontramos, em simultâneo com a denúncia de um radicalismo, um apelo à radicalização.
Página 22
I SÉRIE — NÚMERO 59
22
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Mónica Ferro (PSD): — Afinal, encontramos em vós, em vez de uma voz de alternativa, uma voz
que apenas sabe apontar o dedo.
O Sr. Deputado falou mais de 10 minutos mas gastou muito pouco tempo da sua intervenção a fazer uma
meia dúzia de promessas demasiadamente vagas, na nossa opinião, para quem quer ser uma alternativa,
porque é disso que estamos a tratar.
Se, afinal, este é o manifesto eleitoral do PS às próximas eleições europeias, gostava de saber o que é que
vos distingue de outros partidos, gostava de saber o que é subscrito pelo vosso colega Francisco Assis, que é
o vosso cabeça de lista.
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Mónica Ferro (PSD): — Também gostava de saber se isto interpreta fielmente o sentir desta
bancada do Partido Socialista. É que os portugueses que vão votar no dia 25 de maio precisam de saber que
PS é que vão eleger.
Portanto, Sr. Deputado, a minha pergunta final é só esta: o manifesto eleitoral do PS é «vamos sair da
Europa»? O manifesto eleitoral do PS é «não queremos Europa»? Esta pergunta é fundamental, Sr. Deputado.
Aplausos do PSD.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Sair do euro!
A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Ribeiro e Castro.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. as
e Srs. Deputados, Sr. Deputado João
Soares, começo por cumprimentá-lo pela intervenção que aqui nos trouxe.
Diria que a bancada do CDS, porventura, convergiria com muitas das perguntas e muitas das
perplexidades face às dificuldades com que o projeto europeu hoje se confronta.
De facto, é possível perguntarmos «que Europa é esta». Porém, a questão não tem a ver tanto com as
perguntas que fazemos, mas com as respostas que cada um de nós dá. Temos algumas respostas, mas
gostávamos de conhecer quais são as respostas do Partido Socialista relativamente a estas perguntas.
O Sr. Deputado evocou riscos que existem hoje sobre a segurança europeia e, quanto à crise da Ucrânia, é
uma interpelação fortíssima.
Por isso, gostava de saber quais são as respostas do PS à questão da Crimeia, quais são as respostas do
PS às eleições de 25 de maio, não as europeias, mas as presidenciais na Ucrânia, que são decisivas para a
transição democrática neste país e para o respeito que todos os atores, a começar pela Rússia, têm de ter
pela transição democrática na Ucrânia. Gostava de saber qual é o vigor dos socialistas europeus e do PS
português nesta matéria.
Mas vamos às questões mais internas. O Sr. Deputado falou da austeridade punitiva e cruel e pergunto-lhe
se distingue esta retórica de uma exigência de rigor orçamental, ou seja, rigor e equilíbrio orçamental.
Sabemos que a moeda do euro foi construída com alguns erros, mas houve exigências que careciam de
ser cumpridas, nomeadamente os limites de 3% do PIB de défice público e de 60% do PIB na dívida pública. O
Sr. Deputado reconhece ou não que o desrespeito continuado destes limites contribuiu de uma forma decisiva
para a crise em que estamos? Concorda ou não que os tratados são para cumprir?
Por exemplo, o Sr. Deputado e a sua bancada endossaram, neste Parlamento, o tratado orçamental. O Sr.
Deputado e o PS querem ou não cumprir o tratado orçamental?
Pergunto isto porque, há dias, um jovem dirigente do Partido Socialista, João Torres, líder da JS, apareceu
a defender que o tratado orçamental impede uma política de esquerda.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — É verdade!
Página 23
13 DE MARÇO DE 2014
23
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — O PS quer rebentar com o tratado orçamental? É isso que lhe
queremos perguntar, ou seja, se é essa a segurança que dá aos portugueses e aos seus parceiros europeus.
Em matéria de política socialista europeia, pergunto: o que é que devemos tomar por bom? É Hollande
antes das eleições ou é Hollande de hoje? Qual é que devemos seguir? É Martin Schulz, livre, como
Presidente do Parlamento Europeu, ou é Martin Schulz da grande coligação da Alemanha e que segue
políticas comuns de equilíbrio orçamental e de rigor financeiro? O que é que devemos seguir?
Por último, as eleições são em maio e o Sr. Deputado terminou a sua intervenção com um novo milagre. Já
está revelado o terceiro segredo de Fátima e nós estamos à beira de descobrir o primeiro segredo de Assis. Já
não é a 13 de maio, mas é a 25 de maio.
A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — O Sr. Deputado prometeu aqui uma descida seletiva dos
impostos, como ponto do seu programa. Também somos a favor de uma descida dos impostos, mas por rigor
financeiro e orçamental, por redução da despesa pública, pela reforma do Estado, por equilíbrio das finanças
públicas. Ora, queria perguntar-lhe como é que o PS consegue uma descida seletiva dos impostos sem rigor
orçamental e sem equilíbrio financeiro. Como é que consegue esse milagre? Era esta a pergunta que lhe
queria fazer.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Soares.
O Sr. João Soares (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, agradeço as questões que me foram dirigidas
pelas várias bancadas. Obviamente que, no limitado tempo que tenho, não terei condições para responder a
todas, mas vou tentar e vou responder pela ordem inversa das questões me foram colocadas. Começaria,
então, por responder ao Sr. Deputado Ribeiro e Castro.
Em matéria de Ucrânia, como, aliás, no que diz respeito à cooperação internacional com os países que
saíram da antiga União Soviética, o Partido Socialista tem tido uma posição que é clara desde sempre.
Eu e o Sr. Deputado Adão e Silva estaremos a chefiar uma equipa da Organização para a Segurança e
Cooperação na Europa que vai fiscalizar as eleições presidenciais a que o Sr. Deputado Ribeiro e Castro se
referiu. Devo dizer-lhe que, há uns anos, também chefiei a missão internacional, constituída por mais de 150
parlamentares de 30 países, que observou as eleições que tiveram lugar na Ucrânia. Neste quadro, temos
procurado, com as limitações que são normais neste contexto internacional, para além de tudo mais, defender
também os interesses portugueses. E Portugal tem alguns interesses a defender, nomeadamente interesses
económicos, pois os portugueses começam a estar mais presentes na Ucrânia, e há ainda a vasta
comunidade ucraniana que está em Portugal.
Sr. Deputado Ribeiro e Castro, gostava de lhe dizer que estamos de acordo em relação ao tratado
orçamental. É um tratado e, em princípio, deve ser respeitado. Mas, como todos os tratados, se as
circunstâncias se modificarem, pode, eventualmente, ser considerada a hipótese de derrogar este ou aquele
aspeto.
De qualquer forma, o entendimento da generalidade dos comentadores da área económica é o de que o
tratado orçamental não impõe nenhuma espécie de limitações ao desenvolvimento da economia portuguesa,
bem pelo contrário. Queremos contas públicas equilibradas mas queremos que cresça a produção de riqueza
no nosso País — esse é que é o nosso objetivo central.
Ao contrário do que sempre temos defendido, e daquilo que fizemos quando tivemos responsabilidades de
poder, a coligação que está no poder, que o Sr. Deputado Ribeiro e Castro apoia, é que, pelo contrário, o que
tem feito é impedir a criação da riqueza, fomentar o desemprego e agravar a dívida portuguesa. Devo dizer-
lhe, aliás — é reconhecido por toda a gente —, que o Governo que mais equilibrou as contas públicas em
termos de défice e mesmo em termos de dívida foi o último Governo do Partido Socialista, até ao inicio da
crise internacional de 2009,…
Página 24
I SÉRIE — NÚMERO 59
24
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Ah!
O Sr. João Soares (PS): — … que, aliás, a bancada do PSD começou por negar.
É bom termos memória, mesmo de factos relativamente recentes. Quando o último Governo do Partido
Socialista estava no poder, os senhores diziam que não havia crise internacional e era a incapacidade do
Governo do Partido Socialista para gerir os interesses do País, mas agora passam a vida a chamar a atenção
para a crise internacional. Não temos e nunca tivemos essa postura maniqueísta. Continuamos a acreditar
numa Europa de progresso e de solidariedade, não obstante as imensas dificuldades.
Ao contrário do que acontece com praticamente todas as outras bancadas, e isto também se dirige ao
nosso colega e meu amigo António Filipe, fomos fundadores, tivemos um papel importante na Constituição
Portuguesa de 1976, bem como tivemos um papel absolutamente decisivo na adesão à Europa, uma Europa
que se caracterizava por ser uma Europa de desenvolvimento sustentado e de solidariedade.
O Sr. Deputado António Filipe, que é um homem que conhece a história e que tem, aliás, obras
interessantes, recém-publicadas, sobre matérias históricas sabe muito bem que as coisas se modificam.
Obviamente que a Alemanha de Willy Brandt não é a Alemanha da Sr.ª Merkel. Não lhe vou dizer que, por ter
sido educada na Alemanha de Leste, provavelmente, seja pior que Willy Brandt, até porque Willy Brandt teve
uma política de abertura a Leste particularmente interessante e deu um contributo reconhecido por todos para
aquilo que foram os grandes anos em que vivemos, mas a História modifica-se.
Como disse há pouco, em resposta ao Sr. Deputado Ribeiro e Castro, devo dizer que conheço bem os
novos países que saíram da antiga União Soviética, como alguns dos nossos colegas que aqui estão, e, nessa
matéria, as coisas modificaram-se, e modificaram-se muito, muito, muito!
Quando falamos de economia de casino…
O Sr. Alberto Martins (PS): — Não se esqueça de responder à Sr.ª Deputada Mónica Ferro.
O Sr. João Soares (PS): — O meu líder de bancada está a chamar-me à atenção, como deve, para a
necessidade de responder à Sr.ª Deputada Mónica Ferro. Vou responder à Sr.ª Deputada Mónica Ferro com a
maior das simpatias e o maior dos gostos.
Risos.
Acreditamos profundamente nessa ideia de Europa e estamos profundamente apostados.
Mais: escolhemos um dos melhores dirigentes do Partido Socialista para chefiar a nossa candidatura ao
Parlamento europeu. Saúdo com a mais fraterna e sincera das admirações o meu querido amigo e camarada
Francisco Assis, que é o grande líder da lista que o Partido Socialista apresenta para estas eleições e que vai
obter para Portugal — não é para o PS, é para o interesse de Portugal — uma vitória que será o primeiro sinal
da mudança e do novo rumo que se impõe em Portugal, na defesa dos ideais europeus.
Aplausos do PS.
Esse é que é o nosso programa. Foi sempre o nosso programa, com todos aqueles de que falou e ainda
mais alguns de que se esquecem sempre pelo caminho e que foram também muito importantes na construção
do progresso no quadro europeu.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, tem sido uma tarde em que todos têm excedido o tempo
desmesuradamente. Aliás, todos não. A Sr.ª Deputada Mónica Ferro está a dizer que não e tem razão. A Sr.ª
Deputada respeitou o tempo, mas foi a única.
Queria pedir aos Srs. Deputados para não compararmos as próximas intervenções com as anteriores,
senão arrastar-se-á uma equidade insuportável em termos de tempo.
Página 25
13 DE MARÇO DE 2014
25
Pedia, pois, que tivessem em conta do tempo de que dispõem, uma vez que a Mesa nem sempre o pode
fazer, porque também trata de outras coisas, e que, em autorregulação, tomassem conta dos limites do tempo.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Lobo d'Ávila.
O Sr. Filipe Lobo d'Ávila (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Nos passados dias 6 e 7
de março realizou-se, em Dublin, o Congresso do Partido Popular Europeu, um Congresso que reuniu mais de
800 congressistas, mais de 70 partidos do centro-direita de 39 países, entre os quais o CDS e o PSD.
Foi um momento de grande pluralismo ideológico da maior família política da Europa e que extravasou
mesmo as fronteiras da União Europeia, fazendo pontes com Estados associados e Estados vizinhos.
Foi um Congresso marcado por um debate aberto sobre o manifesto eleitoral para 25 de maio, palco de
uma disputa democrática com diferentes candidaturas para a presidência da Comissão Europeia. Falamos de
um manifesto legitimado que traçou as prioridades desta campanha e os grandes desafios da União Europeia
nos próximos anos: o combate ao desemprego, a solidariedade entre os Estados-membros, a consolidação do
modelo social europeu, a luta contra a imigração ilegal.
Foi um Congresso com a particularidade de apontar, à partida, três candidatos com origens geográficas e
políticas diferentes: Michel Barnier, de um grande Estado fundador, a França; Jean Claude Juncker, de um
pequeno Estado fundador, o Luxemburgo; e Valdis Dombrovskis, de um pequeno Estado do grande
alargamento a leste, a Letónia. Isto a provar bem a abertura e descentralização dos perfis políticos no PPE.
Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: O CDS desde o primeiro dia manifestou um sinal inequívoco de
simpatia e empatia com a candidatura de Jean Claude Juncker, confirmado pelo Congresso como o candidato
do Partido Popular Europeu a Presidente da Comissão Europeia.
Uma vitória que prova duas coisas: que no Partido Popular Europeu não há indicações a dedo, não há
candidatos definidos à partida, os votos contam-se nas urnas, e que as opções de escolha são transparentes,
sendo que os congressistas privilegiaram um candidato com um perfil de experiência institucional, negociador,
promotor de compromissos, conhecedor profundo dos alicerces da moeda única e dos pilares precisos para se
chegar a uma união económica sustentável e para preservar, reformando, o modelo social europeu, de que os
europeus se devem poder orgulhar.
O CDS apoiou o Sr. Jean Claude Juncker por razões muito simples de explicar: primeiro, o Sr. Juncker é
um político, não é um tecnocrata, e as questões com que a Europa se debate têm que merecer um olhar
político, uma avaliação política e não são apenas um encargo tecnocrata.
Segundo, o Sr. Juncker é um democrata-cristão de razão e coração e a Europa precisa da sensibilidade
social e cristã quando se debate com um problema muito sério de competitividade e desemprego.
Terceiro, o Sr. Juncker é um político naturalmente aceite, apoiado no Sul, no Centro e no Norte da Europa
e isso é essencial para remover os preconceitos morais perigosos que as crises das dívidas soberanas
geraram no nosso continente.
Quarto — ou talvez mesmo em primeiro lugar —, o Sr. Juncker é amigo de Portugal, é amigo dos
portugueses e conhece muito bem os portugueses, porque 20% da população do Luxemburgo é portuguesa.
Se ele for, como nós desejamos e procuraremos que seja, Presidente da Comissão Europeia, será sempre um
homem sensível a Portugal e aos portugueses.
Quinto, o Sr. Juncker foi primeiro-ministro durante 18 anos, todos em coligação, ora com os socialistas ora
com os liberais. Uma prova, Sr.as
e Srs. Deputados, que a estabilidade exigida às reformas estruturais foi
sempre um bem acautelado pela sua liderança e que as pontes com outros partidos — importa recordar nesta
sede — podem e devem ser executadas em nome do interesse nacional.
Negociador nato, capaz de fazer compromissos entre interesses divergentes, experiente na política
europeia como nenhum outro, dará à Comissão esse preciso papel, mais do que nunca necessário: o de uma
instituição garante do diálogo entre pequenos, médios e grandes Estados; o de uma instituição depositária do
método comunitário como mecanismo fundacional da unidade europeia; o de uma instituição motora do
combate às prioridades desta União Europeia, focada no crescimento e emprego, na solidariedade dos
Estados-membros e na concretização, tão rápida quanto possível, da união bancária.
Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Não é justo que uma empresa portuguesa que apresente melhor
performance que uma empresa alemã, quando quer aceder ao crédito, beneficie de uma taxa de juro mais
desvantajosa em razão do seu território ou da sua nacionalidade.
Página 26
I SÉRIE — NÚMERO 59
26
Nesse âmbito, do rumo económico e financeiro europeu, Jean Claude Juncker tem sido um dos grandes
defensores da união bancária, por perceber como ela é crucial para contornar esta crise e conjugar três
importantes peças: a força e credibilidade do sistema bancário; a garantia de regras comuns no acesso das
empresas ao crédito; a capitalização da economia para gerar empregos.
Só acabando com sistemas bancários de primeira e de segunda podemos caminhar para soluções
comunitárias mais rápidas e efetivas no combate à crise e entrar definitivamente no caminho do crescimento
económico, num caminho de futuro que é, e não pode deixar de ser, um caminho de esperança, numa Europa
onde não há virtuosos nem pecadores, numa Europa onde não há os bons do Norte e os maus do Sul, numa
Europa que se quer com experiência, com solidariedade, com futuro, uma Europa que seja motor de
esperança para os europeus e para os portugueses.
Aplausos do CDS-PP.
Entretanto assumiu a presidência o Vice-Presidente Guilherme Silva.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Sr. Deputado Filipe Lobo d’Ávila, inscreveram-se quatro Srs.
Deputados para pedir esclarecimentos. O Sr. Deputado, entretanto, informará a Mesa como pretende
responder.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Costa Neves.
O Sr. Carlos Costa Neves (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Filipe Lobo d’Ávila, mais do que
cumprimentá-lo pela sua intervenção, peço-lhe autorização para me associar à sua declaração política pela
oportunidade e pelo conteúdo.
A oportunidade da sua intervenção não se deve só ao facto de nos aproximarmos das eleições europeias,
deve-se também a ser este o momento para defender os princípios, os valores e o ideal da construção
europeia.
Voltar à essência do projeto da União Europeia, algo que depois de 1989 e da queda do Muro de Berlim
parecia obsoleto, parecia fazer parte do armazém de velharias, eis que, agora, se torna tão importante quando
somos confrontados com situações como a que estamos a viver na Ucrânia.
A sua declaração tem também oportunidade porque o Partido Socialista, que habitualmente esteve na área
do projeto da construção europeia, está hoje sem norte.
Quanto ao que, há pouco, disse o Sr. Deputado João Soares, não assinalei apenas aquilo que ouvi;
assinalei sobretudo o que não ouvi, ou seja, assinalei o descrédito em relação ao projeto, em relação aos
ideais, em relação aos valores e até em relação às eleições, pelo facto de nunca ter pronunciado o nome do
candidato do Partido Socialista europeu à presidência da Comissão nas próximas eleições europeias.
Aplausos de Deputados do PSD.
Curioso que Martin Schulz tenha estado fora do discurso do Sr. Deputado João Soares. Curioso! Curioso
mas sintomático. Sintomático desta situação, sintomático deste incómodo, sintomático de que, neste
momento, está completamente desalinhado, quer dos seus camaradas do partido socialista europeu, quer dos
outros países europeus, mesmo dos que têm governos socialistas, quer das propostas desse mesmo grupo
socialista.
Em terceiro lugar, foi uma intervenção oportuna, porque temos um grande desafio de consolidação em
relação à União Económica e Monetária e em relação ao euro.
Por isso, associo-me à intervenção do Sr. Deputado Filipe Lobo d’Ávila, terminando com uma questão, que
é a seguinte: passadas as eleições e estando nós a apoiar também quer o candidato a Presidente da
Comissão Jean-Claude Juncker quer o manifesto eleitoral, apresentado no último Congresso do PPE em que
tive o gosto de participar, entende o Sr. Deputado que a força agregadora que é necessária nesta próxima
fase do projeto é simbolizada por Jean-Claude Juncker e pelo seu projeto?
Aplausos do PSD.
Página 27
13 DE MARÇO DE 2014
27
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — O Sr. Deputado Filipe Lobo d’Ávila informou a Mesa que pretende
responder a conjunto de dois pedidos de esclarecimento e, sendo assim, dou desde já a palavra à Sr.ª
Deputada Paula Baptista.
A Sr.ª Paula Baptista (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Filipe Lobo d’Ávila, o senhor veio aqui trazer-
nos o Congresso do Partido Popular Europeu, mas aquilo que os portugueses gostavam de saber,
independentemente de quem são os candidatos para o Parlamento Europeu, são medidas e propostas
concretas…
O Sr. António Filipe (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª Paula Baptista (PCP): — … para uma Europa que se defronta com grandes problemas sociais, pelo
que impõe-se que seja feito aqui o esclarecimento dessas medidas e dessas propostas concretas numa
Europa com tantos problemas.
As perguntas que os portugueses poderiam levantar e que penso ser justo colocarem-se aqui são as
seguintes: como é que se desenvolve o País nesta Europa com um QREN com menos dinheiro? Como é que
se desenvolve Portugal nesta Europa com condicionantes macroeconómicas e com uma PAC (política agrícola
comum) que não salvaguarda os interesses da produção nacional nem da sua soberania? Como é que se
desenvolve este País nesta Europa com o resgate da troica, com medidas que acentuaram o desemprego, a
flexibilidade laboral, os baixos salários e os sucessivos cortes nas pensões, reformas e salários? Como é que
se desenvolve este País com o resgate da troica e com as medidas concretas de cortes na saúde e na
educação?
O Sr. António Filipe (PCP): — Bem perguntado!
A Sr.ª Paula Baptista (PCP): — Estas políticas levadas a cabo pela Europa e levadas a cabo por este
Governo do PSD/CDS-PP são uma opção ideológica de submissão do poder político ao poder económico.
Sr. Deputado, deixo-lhe aqui uma pergunta muito concreta: como é que pretende convencer o povo
português que tudo vai melhorar quando se mantêm fiéis às mesmas políticas que nos conduziram à situação
política e económica de pobreza, de exclusão social, de desemprego e emigração do povo português?
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Lobo d’Ávila.
O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, queria agradecer as perguntas
que foram colocadas.
Começando pelo Sr. Deputado Carlos Costa Neves, agradeço a sua intervenção e as considerações que
teceu. De facto, não precisamos de identificar os nomes dos que são os nossos cabeças de lista para provar a
união da Aliança Portugal, aliança que PSD e CDS apresentarão nas próximas eleições ao Parlamento
Europeu, ao contrário de outros que, pelos vistos, têm de identificar os seus cabeças de lista.
Sr. Deputado, do ponto de vista do CDS, não temos quaisquer dúvidas quanto ao projeto europeu e
sabemos bem onde estamos. Entre aqueles que querem mais Europa, aqueles que querem a desintegração
da União Europeia, aqueles que querem o fim do euro, aqueles que querem o fim da Europa que temos hoje,
nós sabemos bem onde estamos: estamos entre aqueles — e estamos juntos nesse caminho e nesse projeto
— que querem uma Europa solidária, uma Europa que consiga ter uma maior participação de todos os
europeus e, sobretudo, queremos ter uma Europa de compromissos, de diálogo, sem virtuosos nem
pecadores, como tive oportunidade de dizer.
Por isso, Sr. Deputado, concordo inteiramente com o que aqui veio dizer e acrescento algo a propósito
daquele que será, aparentemente, o candidato do PS europeu a Presidente da Comissão Europeia.
Página 28
I SÉRIE — NÚMERO 59
28
De facto, não deixa de ser extraordinário que os socialistas portugueses digam que a Alemanha precisa de
mudar a perspetiva que tem sobre Portugal, sobre o Governo de Portugal e sobre os portugueses e, depois,
queiram apoiar para Presidente da Comissão Europeia aquele que na própria Alemanha tem feito o caminho
que tem feito, com a Chanceler Merkel. Não deixa, pois, de ser extraordinário que essa seja também a posição
dos socialistas portugueses e a posição dos socialistas europeus.
A Sr.ª Deputada Paula Baptista falou de opções ideológicas. Sr.ª Deputada, quanto a opções ideológicas,
estamos absolutamente conversados, porque sabemos bem qual é a posição do PCP sobre a União Europeia,
sobre o euro e temos também perfeita consciência — e era bom que os senhores também tivessem —
daquelas que seriam as consequências da saída de Portugal da União Europeia e da desintegração do euro.
A Sr.ª Paula Baptista (PCP): — Fale lá das medidas concretas!
O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Perguntou a Sr.ª Deputada, como é que se desenvolve um País
que foi deixado à beira da bancarrota. Sr.ª Deputada, com muito esforço, como tem sido feito. Com
credibilidade, recuperando a credibilidade de Portugal e, sobretudo, não cometendo os erros do passado.
É assim que se desenvolve o País e é assim que se desenvolve Portugal para o futuro, para as próximas
gerações.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana
Mortágua.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Filipe Lobo d’Ávila, tivemos aqui uma
declaração do CDS de apoio a um candidato com uns argumentos um pouco estranhos. Falou da língua, disse
que vem do Luxemburgo, onde há muitos portugueses. Bom, devo dizer-lhe que Durão Barroso também fala
português e veja só onde é que isto nos trouxe!… Portanto, não nos parece que a língua ou a proveniência do
candidato seja necessariamente um grande argumento.
O que é importante, sim, é a escolha política, saber qual é a posição política do candidato que apoiamos.
Aquilo que o Sr. Deputado veio apresentar é a substituição de um yes man da Alemanha da Sr.ª Merkel por
outro yes man da Alemanha da Sr.ª Merkel. A mesma política!
Portanto, Sr. Deputado, sabendo que não é a língua nem a origem que determinam as políticas e o que é
necessário é uma alternativa política, digo-lhe que a nossa alternativa fala grego, vem de um país que sofreu e
conhece bem a situação dos portugueses, sabe o que é ser de um país periférico que sofreu com o modelo de
construção europeia, sabe o que é ver um povo desesperado pela austeridade imposta por uma Europa que
há muito tempo que pôs a solidariedade e a democracia no bolso, chama-se Alexis Tsipras e é um candidato
que, de facto, significa e protagoniza uma alternativa política.
E, Sr. Deputado, fico até perplexa, porque tive muitos debates com outros Deputados, também do CDS, e
lembro-me de os ouvir dizer: «Bom, nós até queríamos aliviar a austeridade mas a Europa não deixa. Nós até
gostávamos que isto não fosse assim, mas há regras da Europa que impõem que assim seja. Nós não
queríamos bem assim, mas os senhores da Europa são maus, o Banco Central não nos ajuda…».
Muitas e muitas vezes ouvi Deputados do CDS acusarem a Europa de ter as políticas erradas e, portanto,
fico perplexa quando vejo aqui uma declaração de apoio a um candidato que mais não faz do que repetir as
mesmas políticas num novo ciclo, isto é, são exatamente os mesmos problemas, as mesmas políticas, só que
mais fortes, mais graves.
Para terminar, gostaria ainda de dizer que há hoje um consenso fora dos dogmas radicais deste Governo e
desta elite que domina a Europa. Há, de facto, um consenso generalizado que ultrapassa muito as fronteiras
da Europa. A Comissão Europeia não soube lidar com a crise, impôs austeridade quando o que era necessário
era aliviar a austeridade e criar emprego, a Europa é hoje menos democrática, crescem conflitos por toda a
Europa que maltratou os seus cidadãos.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Sr.ª Deputada, queira terminar.
Página 29
13 DE MARÇO DE 2014
29
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Ora, aquilo que o Sr. Deputado aqui nos traz não é uma alternativa a
isso, é exatamente confirmar esta política, confirmar esta Europa que é, sim, a pior Europa possível.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana
Catarina Mendonça.
A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Filipe Lobo d’ Ávila, queria saudar a
sua intervenção porque ela tem em tudo uma caricatura. O Sr. Deputado consegue subir à tribuna para falar
da Europa, falar de eleições europeias, falar do projeto europeu, falar até do seu candidato e do candidato da
sua família política à Comissão Europeia sem nunca referir o nome do seu cabeça de lista ao Parlamento
Europeu.
Vozes do PS: — Ah, pois é!
Vozes do PSD: — Então não referiu?
A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — É, aliás, sintomático que o tenha ignorado, porque aquilo que os
senhores, com esta proximidade das eleições europeias, estão a tentar é que o povo esqueça que, nos últimos
10 anos, a Europa e a Comissão Europeia foram lideradas pela família política do PPE (Partido Popular
Europeu), que é verdade que nos últimos anos a Europa perdeu toda a sua capacidade de responder a esta
crise, que é verdade que as pessoas estão hoje pior na Europa, e em particular em Portugal, do que estavam
há dois anos atrás. Sr. Deputado, do Congresso do PPE, que respostas é que saíram para combater a crise?
Que resposta pode surgir para a Europa do futuro?
Perante esta crise, aquilo que tem acontecido ao longo dos últimos anos são respostas paliativas que não
conseguiram consolidar uma Europa enquanto projeto de solidariedade e enquanto projeto de coesão social.
Sr. Deputado, para o PS, o projeto da Europa não é aquele que existe hoje em dia, é um projeto de
solidariedade e de coesão social que o PPE conseguiu «matar» ao longo dos últimos tempos. Ora, a resposta
que o PPE nos traz é mais do mesmo, ou seja, é mais austeridade, são mais cortes, é mais empobrecimento
deste projeto europeu.
Por isso, quando estamos a falar de projeto de solidariedade na Europa não confunda essa solidariedade
com aquilo que está hoje espelhado na Europa, que é uma Europa dividida entre o Norte e o Sul, é uma
Europa dividida entre os mais ricos e os mais pobres, entre aqueles que foram pecadores e os que são
melhores. Isso não serve um projeto europeu e muito menos serve para dar resposta às graves
consequências da crise que hoje vivemos.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Lobo d’ Ávila.
O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Sr. Presidente, começo por agradecer os pedidos de
esclarecimento das Sr.as
Deputadas Mariana Mortágua e Ana Catarina Mendonça.
Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, a senhora falou em caricatura e eu, de facto, até percebo a sua
intervenção. Na verdade, a Sr.ª Deputada critica-me por não falar no cabeça de lista Paulo Rangel, mas não
há qualquer questão quanto a isso.
Vozes do PS: — Mas não falou!
O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Sobre a Aliança Portugal já respondi ao Deputado que me
questionou anteriormente.
Página 30
I SÉRIE — NÚMERO 59
30
Porém, não deixa de ser curioso que a Sr.ª Deputada, ao fazer esta crítica, tenha dificuldades, também, em
referir-se àquele que aparentemente é o candidato à Comissão Europeia pelo Partido Socialista Europeu.
Chama-se Martin Schulz e, aparentemente, é alguém que é responsável por aquilo que é a governação alemã,
pois é um dos responsáveis de um partido parceiro de coligação da chanceler Merkel. Seguramente que a Sr.ª
Deputada sabe do que estamos a falar…
Protestos do PS.
Sr. Presidente, se eu puder concluir… Há ali uma certa agitação compreensível…
Sr.ª Deputada, não deixa de ser curiosa a ausência de qualquer referência ao vosso candidato e, por isso,
a única coisa que lhe posso dizer é que se alguém considera que Martin Schulz fará aquilo que os socialistas
portugueses querem contra os socialistas alemães ou mesmo contra aquilo que é a política estabelecida com
o apoio do governo alemão, está muito enganado. Assim, quero dizer-lhe que talvez a principal caricatura seja
essa, e fica aqui bem evidente.
Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, julgo que as nossas opções são absolutamente claras e legítimas. A
alternativa grega é a sua, é uma alternativa como outra qualquer; em democracia é assim mesmo e é bom que
assim seja.
A única coisa que lhe posso dizer, Sr.ª Deputada, é que, do nosso ponto de vista, o candidato do PPE à
presidência da Comissão Europeia tem experiência, é um candidato que é conhecido pelo diálogo, é um
candidato que conhece Portugal, que lida e lidou com os portugueses durante muitos anos, e isso, para nós, é
tudo menos irrelevante.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo
Sá.
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Há três anos, no dia 5 de abril de 2011, o
PCP propôs a renegociação da dívida pública.
Vozes do PS: — Ah!
O Sr. Paulo Sá (PCP): — «Caiu o Carmo e a Trindade»! De diversos quadrantes — do PS, do PSD e do
CDS — levantou-se um coro de protestos. A proposta de PCP era irresponsável e irrealista — diziam — e
conduziria ao afundamento da economia e ao empobrecimento dos portugueses. O que era preciso, diziam
essas vozes, era assinar o Memorando da troica, um programa que o PCP identificou, desde o primeiro
momento, como um programa de agressão contra o povo português e de submissão aos interesses do grande
capital nacional e estrangeiro.
Passados três anos, aparecem personalidades de diversos quadrantes políticos, da direita è esquerda —
algumas delas com responsabilidades por três anos de pacto de agressão —, a defender que a dívida pública
é insustentável, que não pode ser paga e que o único caminho é renegociação de uma parte dessa dívida,
tratando apenas da dívida detida pelo BCE e pela troica.
Caso contrário, de acordo com estas personalidades, o cenário para o futuro apresenta-se negro:
definhamento da economia, degradação dos serviços públicos, maior precariedade laboral, mais emigração,
principalmente de jovens, dificuldades acrescidas para as micro e pequenas empresas.
Todos estes alertas, sobre as consequências da não renegociação da dívida, foram lançados pelo PCP há
três anos. Foi preciso que a vida dos portugueses tivesse sido arruinada pela aplicação do pacto de agressão,
foi preciso que a economia atravessasse o mais longo período de recessão da história da nossa democracia,
foi preciso que a dívida tivesse disparado para quase 130% do PIB para que certos setores da nossa
sociedade se convencessem, talvez a contragosto, da justeza das propostas do PCP.
Perante uma tomada de consciência, cada vez mais geral, de que o único caminho que serve os interesses
nacionais é o da renegociação da dívida, vem o Governo, pela voz do Primeiro-Ministro, reafirmar a sua opção
Página 31
13 DE MARÇO DE 2014
31
de continuar a garantir que aqueles que especularam com a dívida pública portuguesa receberão, até ao
último cêntimo, o produto da sua agiotagem.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Os leilões de recompra de dívida pública e as emissões de obrigações do
tesouro, apresentadas pelo Governo como um grande sucesso da sua política, não resolvem o problema da
dívida pública como o Governo pretende fazer crer. Apenas aumentam os encargos com o serviço da dívida,
ao mesmo tempo que garantem a continuação da satisfação dos interesses dos credores.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Se há três anos a proposta do PCP de renegociação da dívida tivesse sido
acolhida, Portugal não tinha chegado ao ponto a que chegou.
Para não beliscar os interesses dos credores, para lhes garantir mais de 7000 milhões de euros por ano em
juros, o Governo cortou salários e pensões, reduziu ou mesmo eliminou prestações sociais, atacou as funções
do Estado, em particular as funções sociais, impôs um inqualificável saque fiscal aos rendimentos do trabalho,
lançou centenas de milhares de portugueses no desemprego e empurrou outros tantos para a emigração,
levou inúmeras micro e pequenas empresas à falência. Enfim, esmagou o País e o povo com a sua política de
empobrecimento.
Ao mesmo tempo as maiores fortunas do País cresceram, foram concedidos benefícios fiscais às grandes
empresas no valor de milhares de milhões de euros e até prescreveram as contraordenações aplicadas a um
certo banqueiro, evitando-lhe o pagamento de um milhão de euros em coimas.
É conhecida a intenção do Governo e dos partidos que o suportam de prolongar a política de
empobrecimento para além do fim do programa da troica, tendo contado nesse desiderato com a preciosa
colaboração do PS, que com eles aprovou um conjunto de instrumentos, como o tratado orçamental, que
visam condicionar e limitar a capacidade dos portugueses optarem e decidirem sobre o seu futuro coletivo,
condenando-os ao retrocesso social e económico.
Usando como pretexto a redução da dívida até ao patamar imposto pela União Europeia, o horizonte
temporal desta política até já foi definido, com a prestimosa colaboração do Presidente da República. 2035 é a
data que Cavaco Silva e todos os defensores da política de empobrecimento gostariam que os portugueses
inscrevessem no seu calendário.
Mas a política da troica — com ou sem a troica —, subordinada ao pagamento de uma dívida impagável,
não é uma inevitabilidade. Há uma alternativa! A renegociação da dívida, libertando Portugal das amarras da
especulação.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Reafirmamos a necessidade de renegociar a dívida pública, nos seus prazos,
juros e montantes, assumindo um serviço da dívida, indexado às exportações, compatível com o crescimento
económico e com a criação de emprego. Uma renegociação da dívida que diminua a dependência externa,
afetando recursos à recuperação do aparelho produtivo para substituir as importações por produção nacional e
reforçar a capacidade exportadora do País; uma renegociação da dívida que permita melhorar os salários,
pensões e reformas e, em geral, elevar o nível de vida dos trabalhadores e do povo português e uma
renegociação da dívida determinada pelos interesses nacionais e não pelos interesses dos credores, que,
contrariamente ao que aconteceu na Grécia, não traga atrás de si novos sacrifícios para o povo e novas
investidas no saque dos recursos nacionais.
O caminho da renegociação da dívida proposto pelo PCP não está isento de dificuldades e
constrangimentos, mas é aquele que melhor defende o interesse nacional, libertando o País e o povo
português dos programas de austeridade feitos à medida dos interesses da especulação financeira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
Página 32
I SÉRIE — NÚMERO 59
32
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Longe de constituir uma medida isolada, a renegociação da dívida pública
proposta pelo PCP é a opção por um caminho que tem na valorização do trabalho e na promoção do emprego,
na defesa da produção nacional, na diminuição da dependência externa, no equilíbrio sustentado das contas
públicas, na ação convergente com outros países, na diversificação das fontes de financiamento, uma opção
de rutura e mudança, uma opção que exige a urgente demissão do Governo e fim das suas políticas de
desastre nacional.
Aplausos do PCP
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana
Mortágua.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Sá, penso que, cada vez mais,
somos confrontados com a necessidade, e sobretudo com a responsabilidade, de reestruturar esta dívida.
Se ela tivesse sido reestruturada mais cedo, a verdade é que não teríamos chegado aqui e não teríamos
este nível de destruição do País, da economia e das condições de vida.
A pergunta que devemos fazer é no sentido de saber por que é que ela não foi reestruturada mais cedo. E
há duas razões essenciais para isso, a primeira das quais é a de que, se ela tivesse sido reestruturada mais
cedo, pouparia décadas de rendas que saem diretamente daquilo que é tirado aos trabalhadores e aos
pensionistas para os bancos e os mercados financeiros, e pouparia de facto, porque os mercados financeiros
deixariam de receber todo esse dinheiro, que é uma transferência direta dos salários para as suas contas.
Mas, por outro lado, e sobretudo, a verdade é que se a dívida pública tivesse sido reestruturada mais cedo,
o Governo e a direita perderiam uma importante arma de chantagem, aquilo que tudo permite, a «arma» que
permite e justifica todos os abusos. Esta é a verdadeira ou uma importante razão pela qual a dívida não foi
reestruturada mais cedo, nem vai ser reestruturada.
Pela nossa parte, sabemos que a dívida não deve ser paga, em larga medida porque há uma parte dela
que é ilegítima, resulta de contratos que foram assinados ilegitimamente, como o das PPP, o dos submarinos,
o do dinheiro do BPN, e há outra parte que não é pagável, com os pressupostos que estão inscritos no tratado
orçamental assinado pelos partidos da maioria e pelo PS, como o Governo se propõe pagar. É que esses
pressupostos não são realistas! Nenhum país conseguiu os anos sucessivos de crescimento económico ou de
excedentes primários que estão assumidos, quando se diz que a dívida é pagável. E o Governo sabe-o! Sabe
bem que não consegue pagar a dívida e, por isso, tem duas estratégias: ignora o futuro, vai empurrando com a
barriga, não quer falar sobre o assunto, nunca admite quais são os pressupostos que estão na base do
compromisso que assumiu e, por outro lado, no curto prazo, faz tudo para empurrar o problema para a frente.
Aliás, chegou até ao ponto de ir pedir dinheiro emprestado, a 5,5%, aos mercados, para recomprar dívida que
custava 3%. Isto é um ambiente de desespero! Estão com medo do que aí vem, sabem que não conseguem
pagar a dívida nem ir aos mercados nas mesmas condições.
Portanto, Sr. Deputado, termino, perguntando-lhe se concorda ou não que a reestruturação da dívida é
uma medida de responsabilidade, urgente, necessária e que se tornou numa questão de interesse nacional.
Existe um consenso nacional em torno desta questão, porque ela é, de facto, condição essencial para que o
País possa sair da crise e retomar um padrão de crescimento económico e também de criação de emprego.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Sá.
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, obviamente que entendemos
que a renegociação da dívida é o único caminho que serve os interesses do País e tem de ser feita. Aliás, há
três anos que defendemos este caminho, pois, em 5 de abril de 2011, propusemos a renegociação da dívida e
alertámos para os problemas que a não renegociação iria trazer. E, na realidade, esses problemas vieram
todos a verificar-se, ou seja, o País afundou-se, a economia afundou-se e os portugueses empobreceram.
Página 33
13 DE MARÇO DE 2014
33
Contrariamente àquilo que os subscritores do pacto de agressão diziam, a assinatura desse pacto de
agressão não visava garantir o pagamento de salários e pensões, visava, pelo contrário, garantir que aquelas
pessoas que tinham especulado contra a dívida soberana portuguesa recebessem até ao último cêntimo o
produto da sua agiotagem.
A dívida, Sr.ª Deputada, é claramente insustentável. Aliás, o Governo, depois de 20 000 milhões de euros
de medidas de austeridade, que esmagaram os portugueses e a economia nacional, apresenta um saldo
primário perto dos 0% e estima que, em 2014, será de 0,3%. Estudos diversos mostram que, para que a dívida
fosse sustentável, para que pudesse ser paga nos próximos 20 anos, o saldo primário teria de ser superior, em
média, a 3,5%. Agora, imagine-se o que significa um saldo primário de 3,5%! Representa um empobrecimento
de Portugal inimaginável! Depois da austeridade que tivemos nos últimos anos, que esmagou e empobreceu o
País, alcançando o Governo um saldo primário perto dos 0%, imagine-se o que significaria, nos próximos 20
anos, impor saldos primários da ordem dos 3,5%, que é o valor apresentado nos estudos! É um futuro de
empobrecimento que aqueles que defendem a manutenção da atual situação e rejeitam a negociação da
dívida estão a propor aos portugueses. É um futuro, uma geração de empobrecimento inimaginável, para
garantir sempre que aqueles que especularam contra a dívida pública portuguesa possam receber até ao
último cêntimo o produto da sua agiotagem.
Por isso, há três anos, defendemos, e continuamos a defender, que o único caminho possível para o País,
o único caminho que serve os interesses nacionais é a renegociação da dívida.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Srs. Deputados, vamos passar ao segundo ponto da nossa ordem
de trabalhos, que consta da apreciação da petição n.º 253/XII (2.ª) — Apresentada pela ACAP (Associação
Automóvel de Portugal), solicitando à Assembleia da República intervenção legislativa com vista a repor o
sistema de incentivos ao abate de veículos em fim de vida.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sandra Cardoso.
A Sr.ª Sandra Cardoso (PS): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Antes de mais, cumprimento os
Srs. Peticionários.
Estamos hoje a tratar de uma petição cujo objetivo é solicitar a promoção de uma iniciativa legislativa com
vista a repor o sistema de incentivos ao abate de veículos em fim de vida.
Este regime de incentivos foi criado, em Portugal, pelo Decreto-Lei n.º 292-A/2000 e, na entrega para abate
de um veículo ligeiro em fim de vida, conferia uma redução no imposto sobre veículos, aquando da compra de
um veículo novo.
A sua vigência foi sucessivamente prorrogada até 31 de dezembro de 2010, bem como os montantes de
incentivo envolvidos. Nesse ano, o valor do incentivo era de 750 € por veículo para abate com mais de 10
anos e de 1000 € por veículo para abate com mais de 15 anos, estando os veículos integrados nesse regime
sujeitos ao cumprimento de um conjunto de requisitos.
Em 2011, o último ano de vigência, o regime foi aplicado apenas aos veículos elétricos.
Ao solicitar a reposição do sistema de incentivos, os peticionários apresentam um conjunto de elementos
empíricos e de argumentos, realçando que este tipo de incentivos, que vigora noutros países da União
Europeia, com pequenas diferenças em relação ao que foi adotado em Portugal, contribui para reduzir a
sinistralidade. Realçam ainda que possui um objetivo ambiental, traduzido na redução das emissões de CO2 e
do consumo de combustível e que contribui para a dinamização do mercado automóvel, minimizando os
efeitos da crise no setor, agravada em 2009.
Estimam que a reposição deste regime de incentivos permite um aumento de vendas na ordem dos 15 000
veículos, o que permitiria ao Estado, segundo os mesmos, beneficiar de uma receita fiscal líquida de 50
milhões e de um impacto positivo no emprego do setor, que só em 2012 terá perdido cerca de 21 000
trabalhadores.
O Partido Socialista reconhece os problemas que afetam o setor automóvel, traduzidos no encerramento
de empresas e na perda de milhares de postos de trabalho, que são claramente agravados pelas medidas de
austeridade impostas pela maioria. Nesse sentido, relembramos que, em 2013, foi aprovada a Resolução da
Página 34
I SÉRIE — NÚMERO 59
34
Assembleia da República n.º 128/2013, de 7 de agosto, que recomenda ao Governo o estudo e a adoção de
medidas urgentes de apoio e sustentabilidade do setor automóvel nacional. No seu ponto 3, recomenda, mais
especificamente, que se estude a criação de um programa de incentivos ao abate dos carros em fim de vida e
a autossustentabilidade dessa medida por via das receitas fiscais geradas.
Sobre esta matéria, consideramos válidos os elementos empíricos e os argumentos aduzidos pelos
peticionários, aos quais o Partido Socialista é sensível, mas consideramos igualmente que neste momento
qualquer proposta/medida deverá ser pensada e avaliada no contexto da realidade atual, no contexto de crise
que o País atravessa, devendo essa avaliação incidir fundamentalmente sobre os reais impactos na economia
e nas finanças públicas.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João
Paulo Viegas.
O Sr. João Paulo Viegas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Gostaria de começar por
saudar a Associação Automóvel de Portugal e os mais de 6300 peticionários por esta iniciativa.
O debate de hoje, que incide sobre uma petição atinente às dificuldades a que têm estado sujeitos os
empresários do setor automóvel, é um debate que não é novo para nós e sobre o qual temos estado muito
atentos. A nossa atenção tem-se debruçado sobre o assunto de várias formas, tendo nós sido motivados por
várias e diferentes dimensões do problema. Aliás, falar de melhoria da frota automóvel nacional é falar de mais
segurança rodoviária e de mais respeito pelo meio ambiente.
A capacidade de recuperação do setor é, assim, exatamente proporcional a uma melhoria dos resultados
no combate à sinistralidade rodoviária e no combate às emissões de CO2.
Os argumentos esgrimidos pelos peticionários vão exatamente ao encontro desta ideia. É por isso mesmo
que também nós somos sensíveis a esta problemática.
Como sabem, o nosso grupo parlamentar, em conjunto com o Grupo Parlamentar do PSD, apresentou a
esta Assembleia o projeto de resolução n.º 781/XII (2.ª), de 25 de junho de 2013. Este documento manifesta a
preocupação que temos sentido, indo muito além do que aqui solicitam os peticionários. Quem peticionou fez
essencialmente referência à recuperação da medida de incentivo ao abate, que tem, como já percebemos,
muitas vantagens para o setor e para o combate a outras dificuldades, já no que diz respeito ao nosso projeto
de resolução há identificação de mais medidas que podem ser positivas para o setor automóvel.
Há uma realidade que, contudo, não foi referida de forma direta no nosso documento e que passa pelo
combate à concorrência desleal. A concorrência em causa não se verifica apenas na prestação de uma
atividade legal ou ilegal, mas também no que respeita às regras a respeitar. Não podemos permitir que
existam regras desiguais entre todos os que praticam atos comerciais no setor. É por isso que se torna
necessário apostar na uniformização da legislação referente às exigências ambientais.
É importante que todos possamos contribuir para que o setor automóvel melhore. Seguir as
recomendações do nosso projeto de resolução, por forma a fazermos crescer a economia, é um passo
importante para uma área que representa uma grande fatia do PIB português.
Contudo, e ainda no que respeita ao contributo para a melhoria do setor, importa referir que foi criado, no
âmbito da Comissão de Economia, o Grupo de Trabalho Setor Automóvel, que pretende fazer uma análise
mais abrangente dos novos desafios.
Os automóveis em Portugal, no que à produção diz respeito, têm uma enorme responsabilidade nas
exportações. Por isso, falar em novos desafios é necessariamente promover também a produção industrial. E
não nos podemos esquecer de que, estando nós num domínio de exportações para a zona euro, o aumento
da produção pode acontecer na medida em que melhorar o próprio mercado europeu e também na medida em
que se melhorem as condições do mercado português.
Contamos, desta forma, e recuperando as ideias que temos para o setor, ajudar todos os peticionários e o
setor automóvel.
Aplausos do CDS-PP.
Página 35
13 DE MARÇO DE 2014
35
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Ainda para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada
Mariana Mortágua.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, quero cumprimentar os
peticionários e dizer que reconhecemos que o setor automóvel foi muito afetado pela crise, pelas medidas de
austeridade, pelas medidas que comprimiram a procura interna e empobreceram os trabalhadores.
Reconhecemos também que este programa de incentivo ao abate teve impactos importantes, em termos
de sustentabilidade ambiental, pois tratou-se de um regime fiscal que permitiu não só reduzir as emissões de
dióxido de carbono, mas até, e também, o desenvolvimento de novas tecnologias que foram, entretanto,
incorporadas na própria indústria automóvel. Permitiu, ainda, reduzir a sinistralidade e contribuir para mais
segurança nas estradas e permitiu também que um setor importante da economia pudesse florescer e criar
mais empregos. Portanto, reconhecemos e valorizamos os progressos e a importância deste tipo de regimes
fiscais.
Sabemos que estes programas foram terminados, descontinuados, sem um estudo ou argumento mais
desenvolvido, puramente por questões orçamentais.
Pela nossa parte, rejeitamos uma política que coloca todas as outras matérias sob a ditadura das questões
orçamentais, sem ter em consideração os seus impactos no ambiente, no emprego e na economia.
Por isso, quero aqui dizer que o argumento orçamental não pode nem deve ser o único argumento a
valorizar numa democracia e numa economia e que acompanhamos todas as medidas que possam contribuir
para aumentar a sustentabilidade ambiental.
Há espaço para que essas medidas sejam implementadas, há espaço e necessidade de criar mais
medidas adequadas à economia, que passam pela promoção dos transportes públicos, mas também pela
existência de regimes fiscais que criem um incentivo a outro tipo de meios de transporte, como os meios de
transporte elétricos, mas também há espaço e também é necessário criar medidas para apoiar estes setores
industriais, estes setores produtivos, que têm sofrido com a crise económica e a compressão da procura
interna. E isto passa, necessariamente, por aumentar salários, por dar e devolver poder de compra às
populações.
Portanto, da parte do Bloco de Esquerda, reconhecemos, valorizamos e acompanhamos todas as medidas
que possam ir nesse sentido.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Começo por expressar uma palavra de
saudação às 6318 pessoas que subscreveram esta petição dirigida à Assembleia da República, bem como à
ACAP que, há cerca de um ano, promoveu esta iniciativa.
Na apreciação que agora fazemos em Plenário desta petição, temos a obrigação de não nos ficarmos por
uma abordagem teórica, abstrata, genérica sobre a bondade ou o interesse de o País, um dia talvez, quem
sabe, ver ser reposto o sistema de incentivo ao abate de veículos em fim de vida.
É caso para dizer que a Assembleia da República está agora a discutir esta petição em Plenário, mas em
boa verdade já respondeu à petição, poucos meses depois de ela ter sido apresentada, com a resolução que
foi aqui aprovada, por unanimidade, como já foi referido, com a contribuição de vários grupos parlamentares,
para o que o PCP contribuiu ativamente com as suas propostas, de forma a que o texto final fosse aprovado
por unanimidade.
Temos a consciência de que este setor — não só na comercialização, mas também na reparação, na
indústria, nas suas várias vertentes e componentes — precisa de uma abordagem e de uma política integrada,
coerente, que tenha em conta a realidade concreta e que não se deixe esmagar por abordagens mais ou
menos genéricas que ouvimos de vez em quando, como já sucedeu neste debate.
Srs. Deputados, vamos ver o que é que acontece quando houver poder de compra, porque há de haver,
pois outra política terá de ser adotada para haver poder de compra, para que as pessoas possam deixar de ter
Página 36
I SÉRIE — NÚMERO 59
36
o seu poder de compra esmagado e para que o comércio automóvel, designadamente, possa ter de novo os
números, os indicadores e a realidade que apresentava até há cerca de três/quatro anos.
Nessa altura, venham os Srs. Deputados falar de importações e de balança comercial… É que aquilo que
os senhores apresentam orgulhosamente ao País, no que respeita à balança comercial e ao corte nas
importações, resulta não da substituição de importações por produção nacional mas, sim, da substituição de
importações por restrições ao consumo, à compra, à aquisição e à reparação! Nós temos um parque
automóvel envelhecido, fruto dessa política que estão a levar a cabo, pelo que é preciso um conjunto de
medidas, entre as quais medidas de política fiscal, em que necessariamente se enquadra esta matéria dos
incentivos ao abate de veículos em fim de vida.
E aquilo que se acrescenta — a própria resolução da Assembleia o faz — são outras vertentes dessa
política fiscal, incluindo, por exemplo, o imposto único de circulação e — uma outra questão que é
fundamental, considerando a sociedade que temos — o imposto sobre veículos, relativo à aquisição dos
veículos, designadamente no que diz respeito aos segmentos de gama mais baixa, que são mais acessíveis e
a que a população acaba por recorrer em maior número, nomeadamente aos segmentos A e B —veículos de
menor cilindrada e de mais baixo preço.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Não podemos ignorar a forma como esta medida de incentivo ao abate será estudada e levada a cabo. É
necessário trabalhar de uma forma sensata para garantir a justiça, a justiça fiscal, relativamente a esta
medida.
Mas a questão base, fundamental, é o poder de compra dos portugueses e a capacidade de investimento
das empresas, para que não estejamos a falar de incentivo ao abate quando não há dinheiro para comprar
viaturas nem tão-pouco para as reparar.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Serra.
O Sr. Nuno Serra (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Começo por deixar um cumprimento
especial à ACAP e aos cerca de 6300 cidadãos que subscreveram esta petição, que tem como pretensão
promover uma iniciativa legislativa com vista repor o sistema de incentivos ao abate de veículos em fim de
vida.
Os objetivos deste programa de incentivos, que esteve em vigor até 2010, eram, para além de potenciar o
mercado de vendas de automóveis em Portugal, os de minimizar os efeitos da crise sentida no setor, que se
iniciou em 2003. Mas teve também um contributo significativo na redução dos elevados níveis de sinistralidade
rodoviária, das emissões de CO2 e do consumo de combustível.
Este problema, para além de já ter sido amplamente discutido em vários fóruns, e também na Assembleia,
é um assunto de consideração atual, que foi alvo de um projeto de resolução apresentado pelo PSD, em junho
de 2013.
Esse projeto de resolução manifestava a preocupação dos partidos da maioria no que diz respeito à
adoção de medidas de apoio ao setor automóvel nacional. Uma preocupação substanciada com a queda de
40% do mercado, em 2012, o pior resultado dos últimos 27 anos, e que também explicou uma grande perda
de impostos, por exemplo do imposto sobre veículos.
Esse projeto de resolução recomendava, em primeiro lugar, para além de muitas outras medidas, que se
estudasse a criação de um programa de incentivo ao abate de carros em fim de vida e a autossustentabilidade
dessas medidas, por via das receitas fiscais geradas a partir desse programa.
Já ouvimos o Governo sobre esta causa, matéria para a qual mostrou uma grande sensibilidade. Sabemos
também, como já aqui foi referido, que a ação governativa no espaço orçamental está muito limitada enquanto
estivermos sob o programa de resgate, especificamente no que diz respeito aos incentivos fiscais, que é o que
Página 37
13 DE MARÇO DE 2014
37
está aqui em causa. Portanto, as restrições que nos são impostas no Memorando de Entendimento
condicionam grandemente esta atuação.
O PSD considera que este assunto é de grande importância para a sustentabilidade do setor automóvel,
pelo que deve ser visto com a maior atenção por parte do Governo, e mantém completamente as
recomendações apresentadas em junho passado, não só a respeitante a esta medida mas todas as outras
incluídas no projeto de resolução, que têm como objetivo dinamizar o setor automóvel e melhorar a economia
portuguesa.
Aplausos do PSD e CDS-PP.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Sr.as
e Srs. Deputados, concluído este debate, vamos passar ao
último ponto da nossa ordem de trabalhos, que consta da apreciação da petição n.º 289/XII (3.ª) —
Apresentada pela Deco (Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor), solicitando à Assembleia da
República a adoção de medidas legislativas que limitem a cobrança de comissões ou outros encargos de
manutenção de contas à ordem e que promovam a transparência da sua publicitação e atualização,
conjuntamente com os projetos de lei n.os
527/XII (3.ª) — Proíbe a cobrança, pelas instituições de crédito, de
comissões, despesas ou outros encargos pela manutenção de contas de depósito à ordem (PCP), 529/XII (3.ª)
— Assegura o acesso dos cidadãos aos serviços mínimos bancários gratuitos e limita a cobrança de despesas
de manutenção de conta por parte das instituições de crédito (altera o Decreto-Lei n.º 27-C/2000, de 10 de
março, e o Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro (BE) e 532/XII (3.ª) — Cobrança de comissões e outros
encargos pelas instituições de crédito e sociedades financeiras devidas pela prestação de serviços aos
consumidores (PS).
Para apresentar o projeto de lei do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Sá.
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Começo por saudar os mais de 80 000
subscritores da petição promovida pela DECO, que vêm solicitar a criação de legislação que proíba a
cobrança de comissões pela manutenção de contas à ordem.
É exatamente esse o objetivo do projeto de lei que o PCP traz hoje, aqui, a discussão: proibir que as
instituições de crédito cobrem aos seus clientes comissões pela manutenção das contas de depósitos à ordem
e pelas operações simples associadas a essas contas, como, por exemplo, consultas de saldos e movimentos,
depósitos e levantamentos ou pagamentos de bens e serviços, quer estas operações sejam realizadas nos
balcões da instituição de crédito, quer nas caixas automáticas ou através da Internet.
É esta a solução que se impõe perante uma atitude cada vez mais predatória da banca. Passámos de uma
situação, num passado não muito longínquo, em que as contas à ordem eram remuneradas, para uma
situação em que os bancos se apoderam de parte do dinheiro depositado pelos seus clientes.
De acordo com o Banco de Portugal, em 2013, as comissões foram, em média, de 50 € para contas com
um saldo médio de 250 €.
Acresce ainda que os cidadãos com menores rendimentos são os mais penalizados já que quanto menor é
o saldo médio anual da conta maior é o valor das comissões cobradas.
Chega-se, inclusivamente, ao ponto de a banca cobrar despesas de manutenção de contas à ordem de
trabalhadores que passaram à condição de desempregados por estas contas deixarem de estar associadas a
um salário.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Hoje em dia é cada vez mais difícil a um cidadão passar sem uma conta à
ordem, situação que a banca explora abusivamente, cobrando comissões cada vez maiores.
Os dados disponibilizados pela Associação Portuguesa de Bancos indicam que, para os quatro maiores
bancos privados portugueses, os rendimentos de serviços e comissões atingem já valores entre 25% e 33%
do produto bancário. O dinheiro depositado nos bancos por particulares ou por empresas não pertence aos
bancos; é dinheiro que lhes é entregue temporariamente, permitindo que os bancos desenvolvam o seu
Página 38
I SÉRIE — NÚMERO 59
38
negócio principal — conceder crédito a particulares e a empresas. Assim, é ilegítimo que os bancos se
apropriem dos depósitos dos seus clientes, por via das comissões.
Para finalizar, expresso a convicção do PCP de que a proibição de cobrança de comissões pela
manutenção de contas à ordem, nos termos propostos no nosso projeto de lei, deverá ser complementada
pela intervenção do Governo junto do banco público — a Caixa Geral de Depósitos — no sentido de limitar a
cobrança de comissões sobre outros serviços bancários.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para apresentar o projeto de lei do Bloco de Esquerda, tem a
palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, queria deixar
uma saudação devida aos peticionários, particularmente à DECO, por ter promovido esta petição e por ter
lançado, com a força com o que o conseguiu fazer, este debate na sociedade.
É certo que não é a primeira vez que a Assembleia discute esta matéria, mas creio que hoje os «holofotes»
do País estão virados para a Assembleia pedindo responsabilidade aos Deputados para acabarem com o
abuso a que hoje se assiste em matéria de comissões bancárias relacionadas com contas à ordem.
De facto, como a DECO lembra na sua petição, estas contas, até há bem poucos anos, eram remuneradas.
E percebe-se exatamente porquê: porque quem coloca o dinheiro numa conta à ordem disponibiliza a
possibilidade de a banca ter o seu negócio e de, também através desse dinheiro, fornecer investimento,
capacidade de crédito, no fundo dinamizar esse dinheiro na economia.
Ora, a banca, que reconhecia que utilizava o dinheiro dos depósitos para o seu negócio, remunerava as
pessoas. É certo que com uma taxa de juro baixa; é certo que muitas das vezes as pessoas nem sequer
percebiam muito bem os cálculos, mas em todo o caso este é um episódio do passado, porque hoje em dia a
realidade é bem diferente. Há poucos anos, recebíamos por ter uma conta à ordem, agora não só pagamos
como pagamos cada vez mais!
A DECO fez as contas, e bem, e concluiu que, desde o início da crise financeira, o custo de manutenção de
uma conta à ordem teve um aumento de 41%. E nós perguntamos: há algum serviço que seja prestado? A
verdade é que não!
Portanto, é curiosa a primeira afirmação do Banco de Portugal, quando diz que só devem ser pagos os
serviços que as entidades bancárias prestam. Ora, não há nenhum serviço que esteja a ser prestado na
manutenção de uma conta à ordem. Por isso, qual é o motivo para nós pagarmos? Apenas e só o abuso da
parte da banca.
O primeiro alerta que fica, pois, em cima da Mesa é o de que não devemos pagar pela manutenção das
contas bancárias, porque elas não representam nenhum serviço!
Mas, se juntarmos a esta reflexão o resultado de estudos feitos pela Comissão Europeia, percebemos que
nenhuma das taxas cobradas, quer por consultas de saldos, quer por transferências, quer pelo home banking
(o acesso às contas através da Internet), deveria ser paga, porque ou não tem valor de custo ou tem um valor
irrisório!
Vozes do BE: — Muito bem!
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Portanto, é esse o conteúdo que o Bloco de Esquerda traz a debate: o
bom senso no combate ao abuso e a defesa das pessoas contra o abuso da banca!
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para apresentar o projeto de lei do Partido Socialista, tem a palavra
o Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro.
Página 39
13 DE MARÇO DE 2014
39
O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: A petição que a DECO hoje
nos traz, e cuja iniciativa saúdo, faz-nos revisitar a questão das comissões bancárias mais uma vez. E
suponho que não ficaremos por aqui.
Hoje, estamos a tratar da matéria das comissões, que são um serviço acessório à atividade principal da
banca. Não estamos a intervir ao nível do produto principal mas, sim, ao nível, se quiserem, da encomenda ou
do embrulho. E é por isso que não colhe a crítica, que já antecipo, de que o mercado deve funcionar, porque
não estamos a interferir com o produto essencial, que é o produto bancário.
Não podemos é, por outro meio, no que respeita àquilo que é a atividade acessória, permitir que não haja
quaisquer regras para o seu exercício e o seu condicionamento. E é por isso que no nosso projeto queremos
reforçar a competência do Banco de Portugal para poder ter condições de zelar pelo cumprimento de um
conjunto de princípios que eu aqui gostaria de sublinhar. O primeiro desses princípios é o de que as
comissões estejam condicionadas ao custo que suportem. Com isto, quero dizer que deve haver
proporcionalidade e que hoje ninguém consegue entender que, para uma mesma comissão bancária,
tenhamos, entre diferentes instituições, um leque de valores de um para cinco ou de um para seis.
Ora, isto só significa que não há uma adequação ao custo; é um produto fixado artificialmente, é um preço
que ninguém entende e é preciso ter regras para condicioná-lo.
Não podemos aceitar que esse leque seja tão alargado, nem que haja sobreposições nas comissões, sem
que se faça nem se promova a normalização do nome das comissões, para que os clientes possam saber se
há alternativas noutro banco, porque a panóplia de nomes e de comissões é tanta que rivaliza com uma lista
telefónica.
Srs. Deputados, esta matéria tem de ser atacada pela via de dar maior competência ao Banco de Portugal
e não pode ficar como agora — temos um bom exemplo — em que, ao vir aconselhar, recebeu logo a resposta
da Associação Portuguesa de Bancos a dizer «não vamos cumprir». Ora, isto não é resposta a um problema.
Se o problema existe, temos de atacá-lo reforçando as competências do Banco de Portugal, não fixando
preços. O nosso projeto não é esse, é propor um conjunto de princípios pelos quais o Banco de Portugal tem
de zelar na fixação das comissões.
Por isso, a nossa posição visa, em primeiro lugar, atacar o problema globalmente para depois atacar dois
novos problemas: serviços mínimos bancários que devem ser alargados e tornados obrigatórios.
Srs. Deputados, deveríamos também avançar para uma fatura detalhada, só das comissões bancárias,
porque se eu misturar comissões bancárias com o meu controlo de depósitos e levantamentos isso significa
não haver transparência neste tipo de faturação.
Nesse sentido, propomos nova legislação para o Banco de Portugal, serviços mínimos alargados e uma
faturação detalhada para as comissões bancárias.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Silva.
O Sr. Carlos Santos Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Este debate sobre as
comissões de manutenção de conta, nomeadamente sobre depósitos à ordem, é extremamente atual,
pertinente e merece uma reflexão aprofundada.
A existência de uma petição subscrita por dezenas de milhares de portugueses deve ser entendida como
um sinal político que o legislador deve levar em linha de conta. Simultaneamente, exige de todos nós um
debate claro e profundo sobre a problemática em si, mas igualmente um forte realismo acerca dos efeitos da
linha de rumo que venhamos a adotar.
De acordo com as informações prestadas pela DECO (Associação para a Defesa do Consumidor), verifica-
se inapropriadamente um conjunto de situações que, a serem verdade e provadas, merecem uma resposta
concludente por parte da autoridade de supervisão, o Banco de Portugal.
Não podemos aceitar situações como as descritas pela DECO, nomeadamente: a falta de prestação de
informações relativas às comissões associadas à conta de depósito à ordem e os pressupostos da sua
aplicação.
Página 40
I SÉRIE — NÚMERO 59
40
Não podemos aceitar os valores exigidos a título de comissões de manutenção de conta, sem a
compreensão clara da formulação do seu preço, associado ainda à velha questão em que é questionado se a
manutenção de uma conta corresponde, ou não, a um serviço prestado pelos bancos. E, como tal, pergunta-se
se essa despesa é considerada legítima, ou não, por parte dos bancos.
Mas, por outro lado, em contraditório, e com o intuito de clarificar este debate, não posso deixar de referir
os comentários do Banco de Portugal relativos à petição da DECO.
O Banco de Portugal afirma desconhecer os dados de base da análise da DECO. Na sua análise, o Banco
de Portugal refere que a evolução das taxas cobradas entre 2008 e 2013 representa um acréscimo de 18% e
não de 40%, como a análise da DECO indica.
Neste sentido, importa o cabal esclarecimento desta questão, sob pena de existir um processo legislativo
que não assenta em bases empíricas irrefutáveis, com a consequente produção de consequências que podem
colocar em causa a credibilidade do nosso sistema financeiro e os próprios interesses dos depositantes.
Para terminar Sr. Presidente, devo saudar a petição da DECO, que teve o mérito de provocar o debate
público acerca deste tema, inclusive a pronúncia e o reconhecimento por parte do Banco de Portugal quanto a
boas práticas a adotar pelos bancos quanto à matéria em discussão na última segunda-feira.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.a Deputada Cecília
Meireles.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, queria
cumprimentar a DECO por esta iniciativa. Aliás, esta não é a primeira nem a segunda iniciativa deste género,
tendo o CDS nalgumas vezes concordado e noutras vezes discordado. E em relação a algumas manifestou
dúvidas ou abertura, mas, em todo o caso, este é um verdadeiro serviço público e deve ser saudado como tal.
Não é por acaso que a petição angariou um número tão elevado de assinaturas, mas porque corresponde a
um problema real que as pessoas sentem.
Creio não ser esta a última vez que discutimos quer os problemas relacionados com as comissões
bancárias e outros serviços bancários quer os relacionados com petições da DECO sobre questões fiscais.
Passando ao assunto desta petição, não é a primeira vez que o discutimos aqui no Parlamento. E a
publicação desta notícia motivou uma pergunta do CDS ao Banco de Portugal feita em julho de 2013. Essa
pergunta versava basicamente sobre dois temas: o primeiro, o de saber se o Banco de Portugal confirmava os
dados da DECO que apontavam para um aumento de cerca de 40% nas comissões bancárias desde 2007; o
segundo, o de saber como devia ser feita a intervenção nesta matéria.
O Banco de Portugal respondeu, dando dados que, sendo diferentes, são igualmente preocupantes, ou
seja, pronunciou-se não desde 2007, mas desde 2008. Disse o Banco de Portugal que, em 2008, para uma
conta bancária com saldo médio de 250 € haveria taxas de 40.46 € e que em 2013 elas teriam aumentado
para quase 50 €; depois, no final de 2013, já tinham diminuído para 47,64 €. Ou seja, é um crescimento na
casa dos 20% que não deixa de ser preocupante e de motivar ação.
Aliás, não por acaso, na resposta a esta pergunta, o próprio Banco de Portugal considera que deve haver
uma atuação e informa — isso foi dito quer na resposta à pergunta, quer na altura em que o Banco de Portugal
compareceu na Assembleia da República e foi questionado especificamente sobre esta matéria.
Diz o Banco de Portugal que é preciso atuar e que está a fazer uma reflexão profunda. Naturalmente, não
estamos apenas a falar de comissões de depósitos à ordem, mas de muitas outras comissões, por muitos
outros serviços ou por virtuais serviços prestados pelo banco, tendo-se gerado uma grande confusão, o que,
naturalmente, motivou abusos. De facto, o Banco de Portugal agiu.
Existem estas boas práticas que foram recomendadas já para este ano, eu diria mesmo para esta semana,
havendo três, que são as três fundamentais, que — gostava de deixar isto claro — nos parece terem de ser
efetivas, havendo abertura da parte do CDS para as tornar efetivas, seja por via legislativa ou outra.
Primeira recomendação do Banco de Portugal: os serviços de conta à ordem devem incluir a
disponibilização de instrumentos de movimentação dos depósitos pela sua essencialidade.
Página 41
13 DE MARÇO DE 2014
41
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Não vai dizer nada sobre a nossa proposta?
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Assim sendo, recomenda que a comissão de manutenção da conta
de depósito à ordem englobe a anuidade do cartão de débito e a realização, no mínimo, de três levantamentos
mensais ao balcão.
Segunda recomendação: que esta comissão seja cobrada em função da manutenção da conta e não do
saldo médio da conta. Ou seja, que haja um preço para esta comissão que não varie, ao contrário do que
acontece atualmente, que é em função do saldo da conta.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr.a Deputada.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Terminarei, Sr. Presidente.
Finalmente, disse o Banco de Portugal que estas recomendações entrem em vigor depressa.
O Sr. João Oliveira (PCP): — E sobre os projetos apresentados não se vai pronunciar?
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Por último, e muito importante, quero dizer que é quase impossível
para aqueles que são os utentes e os consumidores perceberem quais são as comissões que vão pagar e
escolherem uma conta em função disso, porque, de facto, os nomes são às centenas. Esta recomendação do
Banco de Portugal é também urgente…
O Sr. João Oliveira (PCP): — E sobre o projeto apresentado pelo PCP não vai pronunciar-se?
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — O projeto do PCP não defende isto, fala de coisa diferente.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Está enganada!
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Srs. Deputados, por favor, não entrem em diálogo, até porque a Sr.a
Deputada Cecília Meireles já não dispõe de tempo.
Faça favor de terminar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Termino, mesmo, Sr. Presidente, dizendo que é também urgente, do
ponto de vista da transparência e da uniformização de nomes, que sejam tomadas medidas.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado
Paulo Sá.
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Exatamente na semana em que a Assembleia da
República ia discutir a proibição da cobrança de comissões pela manutenção de contas de depósito à ordem,
o Banco de Portugal veio fazer um conjunto de sugestões à banca sobre estas comissões.
Protestos da Deputada do CDS-PP Cecília Meireles.
Mas as sugestões do Banco de Portugal são isso mesmo, Srs. Deputados da maioria, são sugestões que
as instituições financeiras podem, ou não, acatar e, por isso, as sugestões do Banco de Portugal não resolvem
o problema. O que resolve o problema é a proposta do PCP e é por isso que deve ser transformada em lei.
Neste debate, ficamos sem saber o que é que o PSD e o CDS pretendem fazer relativamente a esta
questão, isto é, se estão disponíveis para proibirem a cobrança de comissões pelas contas de depósito à
ordem.
Página 42
I SÉRIE — NÚMERO 59
42
E a pergunta natural que se faz é se vão utilizar estas sugestões do Banco de Portugal como pretexto para
rejeitarem as propostas do PCP e para deixarem que a banca continue a esbulhar os seus clientes.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Srs. Deputados da maioria, não temos dúvidas de que estamos do lado dos
cidadãos, defendendo os seus interesses.
Srs. Deputados da maioria, do PSD e do CDS, entre a banca e os cidadãos, quem é que escolhem?
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado
Pedro Filipe Soares.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, este debate fica marcado
pela tentativa de se utilizar o Banco de Portugal como um escudo da ausência de posição da direita. Esta é
que é a matéria que está em cima da mesa.
Há um «elefante», há um abuso por parte da banca, e ou nós agimos, como todos percebemos, do ponto
de vista legal, através de lei, ou todos já compreendemos que o próprio Banco de Portugal serve para tentar
fazer com que tudo fique na mesma. E é isso que não podemos aceitar.
Há um abuso por parte da banca? Há. Este abuso torna ainda mais desigual a relação entre clientes
bancários? Torna, porque paga mais quem menos pode! E quando há um abuso, quando há aumento da
desigualdade, o que é que fazemos? Escondemo-nos atrás do Banco de Portugal?! Sr.as
e Srs. Deputados da
maioria, espero que não seja essa a vossa posição.
O projeto apresentado pelo Bloco de Esquerda defende uma posição sensata: a possibilidade de alargar o
âmbito dos serviços mínimos bancários para serviços novos, como as transferências, os pagamentos de
serviços, principalmente a existência do home banking, através da Internet. Mas também podem ter a certeza
de o nosso projeto apontar para uma solução legislativa que acaba com o abuso do pagamento das comissões
pela manutenção de contas à ordem. Esta é a única escolha que está em cima da mesa: acabar com o abuso
ou fazer de conta que ele não existe para continuar a mantê-lo.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado
Carlos Silva.
O Sr. Carlos Santos Silva (PSD): — Sr. Presidente, desde já atalho, respondendo ao Sr. Deputado Paulo
Sá, para lhe dizer que, neste caso, o PSD está exatamente do lado dos cidadãos e dos consumidores.
Protestos do PCP e do BE.
Nessa perspetiva, peço meças aos Srs. Deputados da esquerda mais radical, porque desta maioria nasceu
o apoio às famílias sobre-endividadas.
Protestos do PCP e do BE.
Desta maioria nasceu também a possibilidade de as famílias levantarem o produto dos seus PPR para
pagamento das suas habitações e de verem impedida a alteração de spread em situações pontuais, como, por
exemplo, nos casos de divórcio.
Protestos do PCP e do BE.
Página 43
13 DE MARÇO DE 2014
43
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Srs. Deputados, por favor, deixem ouvir o orador.
O Sr. Carlos Santos Silva (PSD): — Srs. Deputados, estamos exatamente, como sempre estivemos, do
lado dos portugueses!
Desse ponto de vista, quero dizer-lhe ainda, Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, porque citou, e bem, a
questão dos serviços mínimos bancários, que tocou no ponto essencial: é que todos os portugueses, mesmo
os mais necessitados, têm a possibilidade de gastarem zero com as suas contas bancárias, usufruindo dos
serviços mínimos bancários, sobre o que esta Assembleia da República, e muito bem, legislou, tendo obrigado
a banca a dar alternativas aos portugueses para as suas contas à ordem.
Nessas circunstâncias, estamos, mais uma vez, do lado dos portugueses!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Srs. Deputados, a Mesa não regista mais inscrições para este
debate, pelo que chegamos ao fim dos nossos trabalhos de hoje.
A próxima reunião plenária terá lugar amanhã, quinta-feira, pelas 15 horas, sendo a ordem do dia
preenchida com a interpelação n.º 14/XII (3.ª) — Sobre a grave situação económica e social do País e a
política alternativa para a solução dos problemas nacionais (PCP).
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 54 minutos.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.